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DERIVADA DE POLINÔMIOS E SUAS RELAÇÕES NA EDUCAÇÃO BÁSICA: UM ESTUDO TEÓRICO Rogério Serôdio 1 Afonso Henriques 2 , Ueslei Galvão do Rosário Santos 3 1 Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal, [email protected] 2 Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil, [email protected] 3 Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil, [email protected] Resumo Este artigo traz algumas discussões sobre o estudo de derivadas de um polinômio considerando-se conhecimentos de duas instituições distintas, doravante denominadas Instituição de Ensino Superior (IES) e Instituição da Educação Básica (IEB). Na primeira, abordamos a derivada de um polinômio tal como apresentada normalmente na praxeologia correspondente no Cálculo Diferencial e Integral (CDI) e na segunda, mostramos os resultados obtidos na primeira, sem recorrer à noção de limites, mobilizando, por conseguinte a noção de declive de uma reta tangente a uma curva. O nosso objetivo é tornar explicita a estreita relação existente entre a derivada de um polinômio em um ponto e o declive da reta tangente à curva deste polinômio nos registros algébricos, gráficos e numérico. Como fundamentação, apoiamo-nos em conceitos próprios de CDI e em alguns teoremas de divisibilidade de polinômios, assim como na Teoria de Registro de Representações Semióticas e na vertente praxeológica da Teoria Antropológica do Didático. Palavras-Chave: Derivada. Declive. Registros de representação. Relações. Instituições. 1. INTRODUÇÃO A noção da derivada é um dos objetos de estudo que encontra um espaço significativo na organização matemática ou praxeologia do Cálculo Diferencial e Integral (CDI), nos cursos oferecidos nas Instituições de Ensino Superior (IES) onde o CDI é institucionalizado. Particularmente, nos cursos de Licenciatura em Matemática este reconhecimento estimula no estudante o questionamento sobre a sua importância no currículo, haja vista que o mesmo se reconhece como futuro profissional que vai atuar nas Instituições da Educação Básica (IEB). Nesta perspectiva, o presente trabalho busca explicitar as possíveis relações existentes entre a noção de derivada com a de declive de uma reta tangente a uma curva num determinado ponto. A priori, os estudantes têm o primeiro contato com a noção de declive enquanto aluno na IEB. Contudo, se a relação entre ambas as noções não é evocada no processo ensino-aprendizagem de CDI, esta poderá passar despercebida pelos estudantes, distanciando-se, por conseguinte, dos saberes interinstitucionais. Preocupados com esta questão buscamos estimular o estudo dos demais objetos matemáticos das IES e suas possíveis relações com aqueles institucionalizados nas IEB. Surge, contudo, o questionamento: que metodologia pode ser utilizada no desenvolvimento deste tipo de estudo? Acreditamos que existem diversos modos de procedimentos. No caso específico, optamos por organizar um dispositivo experimental, no contexto de Sequência Didática (SD), composto de tarefas específicas fundadas na

DERIVADA DE POLINÔMIOS E SUAS RELAÇÕES NA …”MIOS-E-SUAS-RELA... · teorema na praxeologia de polinômios, conhecido como teorema de D'Alembert (Iezzi, 1985) que enunciamos

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DERIVADA DE POLINÔMIOS E SUAS RELAÇÕES NA EDUCAÇÃO

BÁSICA: UM ESTUDO TEÓRICO

Rogério Serôdio1

Afonso Henriques2, Ueslei Galvão do Rosário Santos

3

1Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal, [email protected]

2Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil, [email protected]

3Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia, Brasil, [email protected]

Resumo

Este artigo traz algumas discussões sobre o estudo de derivadas de um polinômio

considerando-se conhecimentos de duas instituições distintas, doravante denominadas

Instituição de Ensino Superior (IES) e Instituição da Educação Básica (IEB). Na primeira,

abordamos a derivada de um polinômio tal como apresentada normalmente na praxeologia

correspondente no Cálculo Diferencial e Integral (CDI) e na segunda, mostramos os

resultados obtidos na primeira, sem recorrer à noção de limites, mobilizando, por

conseguinte a noção de declive de uma reta tangente a uma curva. O nosso objetivo é

tornar explicita a estreita relação existente entre a derivada de um polinômio em um ponto

e o declive da reta tangente à curva deste polinômio nos registros algébricos, gráficos e

numérico. Como fundamentação, apoiamo-nos em conceitos próprios de CDI e em alguns

teoremas de divisibilidade de polinômios, assim como na Teoria de Registro de

Representações Semióticas e na vertente praxeológica da Teoria Antropológica do

Didático.

Palavras-Chave: Derivada. Declive. Registros de representação. Relações. Instituições.

1. INTRODUÇÃO

A noção da derivada é um dos objetos de estudo que encontra um espaço

significativo na organização matemática ou praxeologia do Cálculo Diferencial e Integral

(CDI), nos cursos oferecidos nas Instituições de Ensino Superior (IES) onde o CDI é

institucionalizado. Particularmente, nos cursos de Licenciatura em Matemática este

reconhecimento estimula no estudante o questionamento sobre a sua importância no

currículo, haja vista que o mesmo se reconhece como futuro profissional que vai atuar nas

Instituições da Educação Básica (IEB). Nesta perspectiva, o presente trabalho busca

explicitar as possíveis relações existentes entre a noção de derivada com a de declive de

uma reta tangente a uma curva num determinado ponto. A priori, os estudantes têm o

primeiro contato com a noção de declive enquanto aluno na IEB. Contudo, se a relação

entre ambas as noções não é evocada no processo ensino-aprendizagem de CDI, esta

poderá passar despercebida pelos estudantes, distanciando-se, por conseguinte, dos saberes

interinstitucionais. Preocupados com esta questão buscamos estimular o estudo dos demais

objetos matemáticos das IES e suas possíveis relações com aqueles institucionalizados nas

IEB. Surge, contudo, o questionamento: que metodologia pode ser utilizada no

desenvolvimento deste tipo de estudo? Acreditamos que existem diversos modos de

procedimentos. No caso específico, optamos por organizar um dispositivo experimental, no

contexto de Sequência Didática (SD), composto de tarefas específicas fundadas na

praxeologia de derivadas de polinômios recorrendo ao cálculo com limites (IES) e sem

limites (IEB). O objetivo é apresentar uma análise a priori destas tarefas na IEB. Para isso,

baseamo-nos na Teoria de Registro de Representações Semióticas (TRSS) e na vertente

praxeológica da Teoria Antropológica do Didático (TAD), constituindo assim o quadro

teórico deste estudo que resumimos a seguir.

2. QUADRO TEÓRICO

Para Henriques & Serôdio (2013):

Um quadro teórico é o referencial teórico de base de uma pesquisa, escolhido

pelo pesquisador em função da sua problemática, constituído, pelo menos, por

uma teoria capaz de fornecer ferramentas de análise aos estudos que se pretende

desenvolver (HENRIQUES; SERÔDIO, 2013, p.2).

Neste artigo apoiamo-nos, além das duas teorias mencionadas acima, nos conceitos

próprios de CDI, nos teoremas da divisão de Euclides, dos polinômios tangentes e

D’Alembert. Os referidos teoremas serão apresentados sem demonstrações, pois estas

podem ser encontradas nas praxeologias correspondentes.

2.1 Teoremas

Nesta subsecção apresentamos os teoremas fundamentais para o desenvolvimento

da análise da sequência didática.

Antecipamos a apresentação deste resultado pois servirá de instrumento essencial

nas nossas análises posteriores. Não nos preocupamos em apresentar exemplos, pois esta

prática aparecerá naturalmente na análise a priori da SD. O teorema da divisão de Euclides

(Iezzi, 1985), que enunciamos a seguir, é também um dos resultados fundamentais nos

estudos matemáticos que os estudantes têm relação desde a Educação Básica. Retomar esta

relação na organização praxeológica de divisão de polinômios é um dos nossos interesses

neste artigo.

Teorema da Divisão de Euclides

Sejam 0 n e 0 d dois números inteiros quaisquer. Existem inteiros 0 q e

0 r tais que ,n qd r onde 0 .r q Os inteiros q e r são univocamente

determinados.

Neste teorema, o componente n é dito dividendo, d é chamado de divisor, q de

quociente e r de resto. Suponhamos que estes componentes sejam polinômios de uma

variável real x, com P(x) o polinômio de maior grau. Neste caso, o teorema pode ser

representado, no registro algébrico, por ( ) ( ) ( ) ( ),P x Q x D x R x onde P é o polinômio

dividendo, D o divisor, Q o quociente e R o polinômio resto. Lembramos que o grau do

polinômio R é deve ser menor do que o de Q. Vale salientar também que o zero de um

polinômio é o valor da variável x que anula o polinômio. Ou seja, se x assume um valor a

que anula um polinômio ( )P x , então temos ( ) 0.P a Deste modo, encontramos o seguinte

teorema na praxeologia de polinômios, conhecido como teorema de D'Alembert (Iezzi,

1985) que enunciamos do seguinte modo:

Teorema de D’Alembert

Sejam P um polinômio e a um número real quaisquer. O resto da divisão deste

polinômio por ( )x a é exatamente ( )P a .

Portanto, se x = a é um zero de P, então ( ) ( )( ).P x Q x x a Ou seja, o resto de

( ) ( )P x x a é zero se x = a é um zero de P. Isto é equivalente a expressar que um polinômio

( )P x é divisível por ( )x a se, e somente se, ( ) 0.P a

O teorema seguinte é resultado das nossas investigações experimentais e é

fundamental para as análises posteriores. Embora seja essencial, não o encontramos na

literatura. Deste modo, tomamos a liberdade de nomeá-lo por:

Teorema dos Polinômios Tangentes

Sejam f e g dois polinômios quaisquer. Se os gráficos de f e de g são tangentes

no ponto de abscissa x = a, então o polinômio h, dado por ( ) ( ) ( ),h x f x g x é

divisível por 2.x a

Demonstração: Sejam f e g dois polinômios tangentes num ponto de abscissa x=a.

Neste caso, as funções e suas derivadas coincidem neste ponto, ou seja, ( ) ( )f a g a e

'( ) '( ).f a g a Representando f e g em forma de série de Taylor em torno de ,x a temos,

2

2

''( )( ) ( ) '( )( ) ( )

2

g''( )( ) ( ) '( )( ) ( )

2

f af x f a f a x a x a

ag x g a g a x a x a

Subtraindo membro a membro, temos o polinômio h dado por

2''( ) ''( )( ) ( ) ( ) ( )

2

f a g ah x f x g x x a

donde concluímos que h é divisível pelo menos por 2.x a C.Q.D.

Estes resultados não aparecem na organização praxeológica de derivadas, contudo,

como veremos mais adiante, existe uma relação muito forte entre estes conhecimentos com

o estudo de polinômios. Mas afinal, o que é uma praxeologia?

2.2 Modelo praxeológico

Na realização da análise a priori da sequência que nos referimos, recorremos à

abordagem praxeológica da TAD.

Essa abordagem é um modelo para a análise da ação humana institucional,

composto de quatro noções: Tarefa, Técnica, Tecnologia e Teoria. O símbolo T é adotado

para representar um tipo de tarefa identificada numa praxeologia de referência1, contendo

pelo menos uma subtarefa t. A técnica, denotada por , é uma maneira de fazer ou de

realizar um tipo de tarefa. A tecnologia, denotada por θ, é um discurso racional (o logos)

que tem por objetivo justificar e esclarecer o uso da técnica, garantindo que esta permita

realizar as tarefas do tipo T. Por último, a teoria, representada por , tem como função

justificar e tornar compreensível uma tecnologia. As quatro noções descrevem uma

organização praxeológica completa [T///], que pode ser decomposta em dois blocos

[T/] e [/], constituindo, respectivamente, o saber-fazer [praxe] e o ambiente teórico-

tecnológico [logos].

Assim, afirma-se com base nestas noções que produzir, ensinar e aprender

matemática são ações humanas institucionais que podem ser analisadas com base neste

modelo. Neste contexto, uma organização praxeológica referente às atividades

matemáticas é uma organização matemática. A praxeologia restrita a um determinado

saber recebe este nome, neste caso, a praxeologia de derivadas ou de declives. Nesta e em

toda praxeologia matemática, os seus objetos não são acessíveis a não ser por meio de

registros de representação. Aí o interesse de estudarmos a TRRS de Duval (1993). Assim,

a abordagem praxeológica, não é suficiente para conduzirmos a análise a priori.

2.3 Teoria de Registros de Representação Semiótica

Esta teoria foi desenvolvida por Duval (1993) e permite analisar um dado objeto do

saber em diferentes registros de representação. Com efeito, dois termos são essenciais para

a compreensão desta teoria: objeto e representação. Vale ressaltar que tais termos não

podem ser confundidos no tratamento de saberes, em especial, matemáticos. Para Duval

(1993, p. 37) “a dinstinção entre um objeto e a sua representação é, portanto, um ponto

estratégico para a compreensão da Matemática”. A representação de um objeto e a

conversão de representações entre registros, por exemplo, são comuns nas práticas do

Professor de Matemática em sala de aula, quando este pretende fazer com que os seus

alunos compreendam uma determinada noção de difícil entendimento no registro no qual o

objeto foi inicialmente apresentado. Duval (1993, p. 38) acredita que “existe um paradoxo

cognitivo do pensamento matemático: de um lado, a apreensão dos objetos matemáticos

pode ser apenas uma apreensão conceitual e, de outro lado, só por meio de representações

semióticas é que uma atividade sobre objetos matemáticos é possível”. Mas, o que é uma

representação seminótica?

É uma representação de uma ideia ou um objeto do saber, construída a partir da

mobilização de um sistema de sinais. Sua significação é determinada, de um

lado, pela sua forma no sistema semiótico e de outro lado, pela referência do

objeto representado. (HENRIQUES, ATTIE, FARIAS, 2007, p. 69).

Um enunciado em língua materna, uma fórmula algébrica, um gráfico de uma

função ou uma figura geométrica, o conjunto dos números, por exemplo, são

representações semióticas que revelam sistemas semióticos diferentes, com diferentes

signos.

Apoiados nesta teoria, Henrique & Almouloud (2015, p.3) sustentam que, “dentre

os registros de representação que podemos pensar na Educação Matemática,…quatro são

predominantes”. Os autores apresentam na Figura 1, um esquema ilustrativo de tais

1 Organização de um objeto de saberes identificado numa instituição de referência ou de aplicação

[Henriques, Nagamine, Nagamine (2012)].

registros como forma de contribuir para a reflexão sobre um objeto e suas possíveis

representações nestes registros.

Figura 1: possíveis registros de representação de um objeto matemático.

Fonte: Henriques, Almouloud (2015)

Eles reforçam que “o tratamento dos objetos matemáticos depende, portanto, das

possibilidades de suas representações”. Em seguida fornecem a seguinte definição: “Um

registro de representação é um sistema dotado de signos que permitem identificar uma

representação de um objeto do saber”. Entendemos então que a representação de um objeto

do saber ocorre num determinado registro. Por exemplo, representar um polinômio no

registro gráfico, significa visualizar o gráfico da respectiva função polinomial. Mobilizados

os registros, Duval (1993) distingue três atividades cognitivas fundamentais, ligadas aos

registros de representações: a formação de uma representação semiótica, baseada na

aplicação de regras de conformidade2 e na seleção de certas características do conteúdo

envolvido; o tratamento de uma representação, é a transformação desta representação no

mesmo registro onde foi formada, sendo, portanto, uma transformação interna num

registro; e, a conversão de uma representação, que é a transformação desta representação

de um registro para outro. Segundo Henriques, Attie e Farias (2007),

A escolha de um registro de representação adequado pode favorecer o tratamento

(transformações das representações ao interior de um mesmo registro). No

entanto, dispor de vários registros de representação não é suficiente para garantir

a compreensão. Uma segunda condição é necessária: a coordenação dos registros

de representações. Ela se manifesta pela capacidade de reconhecer, em duas

representações diferentes, representações de um mesmo objeto. Ela aparece

como a condição fundamental para todo tipo de aprendizagem. HENRIQUES,

ATTIE, FARIAS (2007, p. 70).

Com base nestas teorias, apresentamos uma análise a priori de uma sequência

composta por cinco tarefas que podem ser realizadas com aplicação de diversas técnicas

(), nos diferentes registros de representação, justificadas pela tecnologia () que se utiliza

da teoria () de polinômios como objeto de estudo. Mas, o que é uma Sequência Didática?

3. SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Henriques (2001) compreende a SD como um dos aspectos da Engenharia Didática

desenvolvida por Artigue (1988). Esta Engenharia vista como uma metodologia de pesquisa,

“caracteriza-se por um esquema experimental baseado em realizações didáticas em sala de

aula, isto é, na concepção, na realização, na observação e na análise sequencial de atividades

2 Regras a respeitar na formação de uma representação semiótica, tais como regras gramaticais quando se

trata de línguas maternas, regras de representação gráfica, regras de cálculos numéricos.

OBJETO

Ling. Materna Registro Algébrico Registro Gráfico Registro Numérico

de ensino” (ARTIGUE, 1988). Geralmente nesta Engenharia, o papel do Professor, segundo

Douady (1993):

É o do engenheiro que vai realizar um projeto. Este projeto evolui na medida em que

ocorrem as trocas professor/alunos em função das escolhas do professor pela

experiência na disciplina. A engenharia é o resultado de uma análise preliminar e, ao

mesmo tempo, de adaptação do funcionamento dessa análise em condições dinâmicas

na sala de aula.

Com base nesta metodologia, na análise institucional e por entender uma sequência

didática como um dos aspectos desta engenharia, Henriques (2001) define:

Uma sequência didática é um esquema experimental de situações-problema ou

tarefas, realizadas com um determinado fim, desenvolvida por sessões de aplicação a

partir de um estudo preliminar (análise institucional) em torno do objeto do saber e

de uma análise matemática/didática, caracterizando os objetivos específicos de cada

problema/tarefa (HENRIQUES, 2001, p. 22).

Para o autor, as análises matemática/didáticas devem evidenciar as técnicas de

realização e controle das tarefas que são frutos da praxeologia do objeto de estudo visado, os

resultados esperados, os pré-requisitos, as variáveis didáticas das situações e as competências

necessárias para a realização das tarefas. Tais variáveis possibilitam diferenciar a diversidade

de tarefas propostas aos estudantes.

Assim, amparado na engenharia, Henriques (2001) decompõe a SD em cinco etapas:

análise preliminar (análise institucional), organização da sequência, análise a priori, aplicação

da sequência e análise a posteriori e validação. Seguindo as descrições do autor, organizamos

uma SD constituída de um dispositivo experimental que apresentamos a seguir.

3.1 Dispositivo Experimental

O dispositivo experimental que apresentamos a seguir está organizado em duas

sessões com cinco tarefas cada, que podem ser propostas aos estudantes de uma instituição

de referência como, por exemplo, o curso de Licenciatura em Matemática da UESC.

Quadro 1: Dispositivo experimental para análise de práticas de estudantes

Dispositivo experimental para a análise de práticas de

estudantes sobre o estudo de derivadas de um polinômio e suas

relações na Educação Básica.

U E S C

Professor da turma (opcional):

Nome do estudante (opcional): Data: / /

Utilizar os conceitos de derivada e de declive da reta tangente para realizar cada tarefa

abaixo, descrevendo e justificando suas estratégias de resolução em cada caso. Sessão 1: Estudo de Derivadas na Instituição de referência (IES)

T1. Dado o polinômio f(x) = c, com ,c representar no registro gráfico a derivada de f no ponto

de abscissa x a utilizando o conceito de limite.

T2. Dado o polinômio ( ) ,nf x x com ,n representar no registro algébrico a derivada de f

no ponto de abscissa x a utilizando o conceito de limite.

T3.

Sejam f uma função polinomial e c uma constante não nula. Utilizando limites, representar no

registro algébrico a derivada do produto cf(x) no ponto de abscissa x a , e escrevê-la em

função da derivada de f e da constante c.

T4.

Sejam f e g dois polinômios quaisquer. Utilizando limites, representar no registro algébrico a

derivada da soma destas funções no ponto de abscissa ,x a e escrevê-la em função das

derivadas de f e de g.

T5. Dado um polinômio 4 2( ) 3 5,f x x x representar no registro algébrico a derivada de f

no ponto de abscissa x=2 por duas maneiras distintas: utilizando limites e as propriedades

obtidas na realização das tarefas T1, T2, T3 e T4.

Sessão 2: Estudo de Declives (coeficientes angulares) de retas na Instituição de aplicação (IEB)

T1. Dado o polinômio f(x) = c, com ,c descrever e representar no registro algébrico o declive

da reta tangente ao gráfico de f no ponto de abscissa .x a

T2. Dado o polinômio ( ) ,nf x x com ,n representar no registro algébrico o declive da reta

tangente ao gráfico de f no ponto de abscissa .x a

T3.

Seja1m o declive da reta tangente ao gráfico do polinômio f(x) no ponto de abscissa .x a

Representar no registro algébrico o declive da reta tangente ao gráfico do polinômio cf(x), onde

c é uma constante não nula.

T4.

Sejamfm e

gm os declives das retas tangentes aos gráficos de dois polinômios, f e g, no ponto

de abscissa .x a Representar no registro algébrico o declive da reta tangente ao gráfico do

polinômio soma de f e g neste ponto.

T5.

Dado um polinômio 4 2( ) 3 5,f x x x representar no registro algébrico o declive da reta

tangente ao gráfico de f no ponto de abscissa x=2 utilizando o método das retas tangentes e

em seguida as propriedades obtidas na realização das tarefas T1, T2, T3 e T4.

Fonte: Dados da pesquisa interna

O nosso interesse principal neste artigo é tornar explícitas as possíveis relações

existentes entre saberes universitários, em particular de derivadas, e saberes que os

estudantes tiveram contato nas instituições da Educação Básica, como o declive de reta

tangente a uma curva. Com este desígnio, o estudo de práticas de estudantes neste

dispositivo torna-se mais produtivo do que o de alunos que hão de estabelecer ainda a

relação com as derivadas. Assim, a seguir passaremos ao desenvolvimento da análise a

priori e sequencial de cada tarefa proposta na segunda sessão do dispositivo (Quadro 1),

com base na praxeologia de declive de reta tangente a uma curva em um ponto. Nesta

análise, destacamos duas técnicas:

1. Técnica 1: Método da Reta Tangente

Esta técnica refere-se à aplicação sucessiva do teorema de Euclides e dos Polinômios

Tangentes na realização de uma tarefa específica que requer a determinação do declive da

reta tangente. Esta técnica corresponde na IES ao cálculo de derivadas por definição.

2. Técnica 2: aplicação das propriedades dos declives das retas tangentes

Esta técnica refere-se à aplicação de propriedades adquiridas na realização quatro

primeiras tarefas do dispositivo. Esta técnica corresponde na IES ao cálculo de derivadas

utilizando as propriedades.

A análise correspondente às tarefas propostas na primeira sessão pode ser

encontrada na organização praxeológica de derivadas nos cursos de Cálculo Diferencial e

Integral (CDI) nas IES.

3.2 Análise a priori

Como vimos na organização de uma sequência didática, a análise a priori requer ao

pesquisador apresentar o estudo das condições de realização, a caracterização dos objetivos

específicos, as estratégias e as técnicas institucionais de realização de cada tarefa,

colocando em evidência as variáveis didáticas, as soluções possíveis, os resultados

esperados, os pré-requisitos e as competências. Neste artigo nos limitamos a apresentar os

objetivos específicos, as técnicas de resolução e os resultados esperados em cada tarefa

proposta na segunda sessão.

A primeira tarefa traz o seguinte enunciado:

T1. Dado o polinômio f(x) = c, com ,c descrever e representar no registro algébrico o declive da

reta tangente ao gráfico de f(x) no ponto de abscissa .x a

O objetivo desta tarefa é estabelecer a regra para o declive do gráfico de uma função constante nos

registros algébrico e na linguagem materna com base na visualização gráfica3.

Temos que f(x) = c, com ,c é uma função constante, cuja representação no

registro gráfico é uma reta paralela ao eixo-x passando no ponto de ordenada .y c Com

efeito, a reta tangente ao gráfico de f no ponto de abscissa x a é coincidente ao próprio

gráfico de f. Assim, o declive desta reta no referido ponto, que denotamos por ( , ) ,P x yd é

igual a zero. Ou seja, para todo polinômio constante, tem-se que ( , ( )) 0P a f ad no registro

algébrico. Este resultado é equivalente à derivada de uma função constante (cf. a

praxeologia de derivada de funções de uma variável em CDI na IES).

T2. Dado o polinômio ( ) ,nf x x com ,n representar no registro algébrico o declive da reta

tangente ao gráfico de f no ponto de abscissa .x a

O objetivo desta tarefa é estabelecer uma relação funcional entre o gráfico de um monômio e o

declive da reta tangente a esse gráfico no ponto de abscissa x = a.

Seja g( ) ,x mx k com m e k constantes reais, a representação no registro

algébrico da reta tangente ao gráfico da função ( ) nf x x no ponto de abscissa x = a. Neste

ponto, os valores funcionais de g e de f coincidem. Ou seja, g(a) = f(a), donde resulta que

( ) .k f a ma Pelo Teorema dos Polinômios Tangentes, uma função h dada por h(x) = f(x)

– g(x) é divisível por 2

x a .

Assim, como ( ) ( ) ( )

( ( ) )

( )

( ) ( )

( ),

n

n

n

n

n n

f x g x x mx k

x mx f a ma

x f a mx ma

x f a m x a

x a m x a

(1)

temos que

( ) ( ).n nh x x a m x a (2)

Como estratégia, procederemos com a divisão de h(x) por x a duas vezes,

obtendo assim, um polinômio ( )x . Ou seja, faremos 2

( )( ) ( )

( ) .( ) ( )

h xh x x a

xx a x a

De (2) temos que,

( ).

n nh x x am

x a x a

(3)

Tendo em conta que

1 2 2 1,n n

n n n nx ax ax a x a

x a

(4)

de (3) vem a seguinte representação para o quociente:

3 A visualização gráfica não deve ser entendida como uma representação de uma função ou equação no

registro gráfico. Esta representação pode ser mental. Logo, a visualização ocorre em todos os registros de

representação possíveis do objeto em jogo.

1 2 2 1( )( ) .n n n nh x

q x x ax a x a mx a

(5)

Se dividíssemos o resultado obtido em (5) por x a teríamos o quociente ( )x

desejado. Mas não é necessário fazer esta divisão, pois o nosso interesse está no resto desta

divisão. Com base no Teorema dos Polinômios Tangentes, o resto desta divisão tem de ser

igual a zero. Além disso, pelo Corolário do Teorema de Euclides, o resto da divisão de um

polinômio qualquer p(x) por x a é exatamente p(a). Como de (5), q(x) é polinômio,

temos que o resto da sua divisão por (x – a) é: 1 1 1 1

1

( ) .

.

n n n n

n

q a a a a a m

na m

(6)

Mas ( ) 0,q a logo concluímos que 1.nm na Este resultado é equivalente à

derivada da função ( ) nf x x no ponto de abscissa x = a (cf. a praxeologia de derivada de

funções de uma variável em CDI na IES).

T3. Seja

1m o declive da reta tangente ao gráfico do polinômio f(x) no ponto de abscissa .x a

Representar no registro algébrico o declive da reta tangente ao gráfico do polinômio cf(x), onde c

é uma constante não nula.

O objetivo desta tarefa é estabelecer a relação funcional entre o declive da reta tangente ao gráfico

de um polinômio f no ponto de abscissa x = a e o declive da reta tangente ao gráfico de um

múltiplo escalar de f no mesmo ponto.

Sejam c uma constante não nula e 1m o declive da reta tangente ao gráfico do

polinômio f no ponto de abscissa x = a. Seja1( )g x m x k a função correspondente à

referida reta tangente. Multiplicar o polinômio f por c no registro algébrico, corresponde a

“esticar” ou “encolher” (conforme 1c ou 1c , respectivamente) a representação de f

no registro gráfico ao longo do eixo-y. Deste modo, o mesmo ocorre com a reta tangente

em ambos os registros. Isto se justifica pela conversão e coordenação de representações de

funções entre registros. Portanto, a função correspondente à reta tangente ao polinômio

cf(x), que denotaremos por h(x), no ponto de abscissa x = a, pode ser representada no

registro algébrico por1( ) ( ) .h x cg x cm x ck Ou seja, o declive da reta tangente ao

gráfico do polinômio cf no ponto de abscissa x = a é igual a 1.cm Na praxeologia de

derivada de funções de uma variável em CDI na IES, este resultado corresponde à derivada

de uma função f(x) multiplicada pela constante não nula c.

T4.

Sejam fm e

gm os declives das retas tangentes aos gráficos de dois polinômios, f e g, no ponto

de abscissa .x a Representar no registro algébrico o declive da reta tangente ao gráfico do

polinômio soma de f e g neste ponto.

O objetivo desta tarefa é estabelecer a propriedade aditiva dos declives.

Sejam fm e

gm os declives das retas tangentes aos gráficos de dois polinômios, f e

g, no ponto de abscissa x = a, e 1( )f fy x m x k ,

2( )g gy x m x k as funções das

respectivas retas. Pelo Teorema dos Polinômios Tangentes, os polinômios ( ) ( )ff x y x e

g( ) ( )gx y x são divisíveis por 2

x a .

Consideremos a função polinomial h(x) dada por ( ) ( ) g( )h x f x x . Seja

( )h hy x m x k a função correspondente à reta tangente ao gráfico de h no ponto de

abscissa x = a. Pelo Teorema dos Polinômios Tangentes, o polinômio ( ) ( )hh x y x é

divisível por 2

x a . Mas,

( ) ( ) ( ) ( ) ( ).h hh x y x f x g x y x (7)

Somando e subtraindo ( )fy x e ( )gy x ao segundo membro de (7), temos:

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) .h f g f g hh x y x f x y x g x y x y x y x y x (8)

Como os polinômios ( ) ( )hh x y x , ( ) ( )ff x y x e g( ) ( )gx y x são divisíveis por

2

x a e ( ) ( ) ( )f g hy x y x y x é um polinômio de grau inferior a 2, concluímos que

( ) ( ) ( )f g hy x y x y x deve ser identicamente nulo. Logo, ( ) ( ) ( ).h f gy x y x y x Donde

concluímos que

.h f gm m m

Na praxeologia de derivadas de funções de uma variável em CDI na IES, este

resultado corresponde à propriedade da soma de derivadas de duas funções f(x) e g(x) em

dado ponto de abscissa x=a.

A quinta e última tarefa do dispositivo traz o seguinte enunciado:

T5. Dado um polinômio

4 2( ) 3 5,f x x x representar no registro algébrico o declive da reta

tangente ao gráfico de f no ponto de abscissa x=2 utilizando o método das retas tangentes e em

seguida as propriedades obtidas na realização das tarefas T1, T2, T3 e T4.

O objetivo desta tarefa é exemplificar o cálculo do declive de uma reta tangente ao gráfico de um

polinômio específico num determinado ponto do seu gráfico, recorrendo às técnicas 1 e 2.

Vamos resolver inicialmente o problema utilizando o Método das Retas Tangentes.

A reta tangente ao gráfico de uma função f no ponto de abscissa x = a, é representada, no

registro algébrico, por ( ) .y x mx k Como o gráfico de f e esta reta são tangentes no

ponto de abscissa x = 2, temos que y(2) = 2m + k = f(2) = 9, ou seja, k = 9 – 2m. Portanto,

y(x) = m(x - 2) + 9. Pelo Teorema dos Polinômios Tangentes, o polinômio h(x) = f(x) –

y(x) é divisível por 2

2x . Como 4 2( ) 3 5,f x x x temos que

4 2( ) 3 4 2 .h x x x mx m Assim, devemos efetuar a divisão do polinômio h(x) por 2 2( 2) 4 4.x x x Ou seja,

4 3 2 2

4 3 2 2

3 2

3 2

2

2

0 3 4 2 4 4

4 4 4 9

4 7

- 4 16 16

9 (16 ) 4 2

-9 36 36

x x x mx m x x

x x x x x

x x mx

x x x

x m x m

x x

(20 ) 40 2m x m

Como a divisão deve ser exata, o resto tem de ser identicamente nulo, donde

concluímos que m = 20.

A seguir, realizamos a mesma tarefa utilizando as propriedades demonstradas nas

tarefas T1, T2, T3 e T4.

O polinômio 4 2( ) 3 5f x x x pode ser visto como a soma de três polinômios: 4

1( )f x x , 2

2( ) 3f x x e 3( ) 5f x . Assim, da tarefa T4 podemos concluir que o declive

da reta tangente ao gráfico do polinômio ( )f x no ponto de abscissa x = 2 é igual à soma

dos declives das retas tangentes aos gráficos dos polinômios 1 2 3, e .f f f Da tarefa T2, temos

que o declive do primeiro monômio é igual a 34 2 32 ; das tarefas T2 e T3, temos que o

declive do segundo monômio é igual a 3 2 2 12 ; e da tarefa T1, temos que o

declive do último monômio é igual a zero. Assim, o declive da reta tangente ao gráfico da

função f é igual a 32-12 = 20. Obtivemos assim o mesmo resultado! Além disso, na

praxeologia de derivada de funções de uma variável em CDI na IES, este resultado

corresponde à derivada de 4 2( ) 3 5f x x x no ponto de abscissa x=2.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos com este artigo discutir sobre o estudo da derivada de polinômios sem

recorrer à praxeologia proposta nos cursos de Cálculo Diferencial e Integral nas

instituições de Ensino Superior. Contudo, mostramos os resultados obtidos nesta

praxeologia mobilizando a noção de declive de uma reta tangente a uma curva.

Apropriamo-nos do quadro teórico constituído pela abordagem praxeológica, da teoria de

registros e dos teoremas sobre divisibilidade de polinômios, para tornar explícita a estreita

relação existente entre a derivada de um polinômio num dado ponto e o declive da reta

tangente à curva deste polinômio nesse ponto. Acreditamos que a relação entre ambas as

noções (derivada e declive) pode, perfeitamente, ser trabalhada e evocada explicitamente

no processo ensino-aprendizagem de CDI na Licenciatura de Matemática, de tal sorte que

não passe despercebida na relação pessoal dos estudantes com estes conhecimentos,

reforçando-se, por conseguinte, os saberes interinstitucionais.

5. REFERÊNCIAS

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