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Desafios da maturidade PATRÍCIA ESTER Ação de extensão da UFMG enfrenta contratempos após trajetória de mais de duas décadas Quando a velhice chega, poucos sabem para onde vão. Alguns se refugiam em suas próprias casas aos cuidados dos parentes, outros tantos são encaminhados a asilos. A pesquisa “Projeção da população por sexo e idade: Brasil 2000-2060” realizada em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a população idosa no Brasil tende a quadruplicar. Mas como a sociedade se organiza para lidar com esses desafios? E as universidades, têm se preparado? Para o neuropsiquiatra Alexandre Augusto Vianna Costa, que fez parte da coordenação do programa Foto: patientsafetyauthority.org de extensão da UFMG Lar dos Idosos por dez anos, a sociedade brasileira ainda não se capacitou para os cuidados com os idosos: –“A preparação para o atendimento à pessoa idosa ainda é ineficiente, e com a inversão da pirâmide etária no Brasil, (ver box), os problemas também mudaram de faixa etária, veremos mais idosos de rua do que meninos de rua e não teremos estrutura suficiente para lidar com tal problema”. O surgimento do programa Em 1987, quando surgiu o programa de extensão da UFMG “Lar dos Idosos”, a geriatria e a profissão de cuidador de idosos ainda eram realidades distantes no Brasil e demandava empenho de estudiosos da área da saúde para obter avanços em relação a essa demanda. A iniciativa tem foco no trabalho em instituições de longa permanência para a terceira idade. O professor Almir Tavares, da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenador do programa desde o início, lembra que à época os asilos eram mal vistos, era um período em que a desinstitucionalização psiquiátrica estava presente e por isso os asilos abrigavam idosos 3 Diversa 2014 - Universidade Federal de Minas Gerais

Desafios da maturidade - ufmg.br · programa de extensão da UFMG “Lar dos Idosos”, a geriatria e a profissão de cuidador de idosos ainda eram realidades distantes no Brasil

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Desafios da maturidadePATRÍCIA ESTER

Ação de extensão da UFMG enfrenta contratempos após trajetória de mais de duas décadas

Q uando a velhice chega, poucos sabem para onde vão. Alguns se refugiam em suas próprias casas aos cuidados dos parentes, outros tantos são encaminhados a asilos. A pesquisa “Projeção da população por sexo e idade: Brasil 2000-2060” realizada em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a população idosa no Brasil tende a quadruplicar.

Mas como a sociedade se organiza para lidar com esses desafios? E as universidades, têm se preparado? Para o neuropsiquiatra Alexandre Augusto Vianna Costa, que fez parte da coordenação do programa

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de extensão da UFMG Lar dos Idosos por dez anos, a sociedade brasileira ainda não se capacitou para os cuidados com os idosos:

–“A preparação para o atendimento à pessoa idosa ainda é ineficiente, e com a inversão da pirâmide etária no Brasil, (ver box), os problemas também mudaram de faixa etária, veremos mais idosos de rua do que meninos de rua e não teremos estrutura suficiente para lidar com tal problema”.

O surgimento do programa

Em 1987, quando surgiu o programa de extensão da UFMG

“Lar dos Idosos”, a geriatria e a profissão de cuidador de idosos ainda eram realidades distantes no Brasil e demandava empenho de estudiosos da área da saúde para obter avanços em relação a essa demanda. A iniciativa tem foco no trabalho em instituições de longa permanência para a terceira idade.

O professor Almir Tavares, da Faculdade de Medicina da UFMG, coordenador do programa desde o início, lembra que à época os asilos eram mal vistos, era um período em que a desinstitucionalização psiquiátrica estava presente e por isso os asilos abrigavam idosos

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Pirâmides etáriasVeja projeções do envelhecimento da

população brasileira em ciclos de 60 anos

1940

2000

2060

Fonte: “Projeção da população por sexo e idade: Brasil 2000-2060” - IBGE 2013

e por vezes abriam espaço para portadores de sofrimentos mentais

Almir Tavares lembra dos primeiros objetivos da iniciativa:

–“No in í c io do p rog rama, queríamos evitar que o idoso morasse em asi los, porque o considerávamos um lugar ruim. Hoje vemos que o mais importante é capacitar pessoas para cuidar dos idosos de forma humana e ética”.

O professor decidiu, por iniciativa própria, criar atividades extraclasse para que seus alunos pudessem ter contato com a realidade dos idosos residentes em asi lo e assim desenvolver conhecimentos sobre o tema. Em 1987 ele e os alunos começaram a frequentar o asilo São José, (localizado na região centro-sul da capital ) .

–“O projeto foi evoluindo aos poucos mas nas primeiras vezes que fomos ao Lar São José, não fomos bem recebidos, uma freira administrava a casa e chegou a proibir a equipe de entrar por acreditar que os estudantes iam fazer experiências nos idosos”, lembrou o professor.

A equipe foi persistente e aos poucos a relação se consolidou, como A lmi r Tava res re la tou :

–“A cada ano havia novos alunos que escolhiam asilos próximos à sua residência e os primeiros a participarem marcaram muito, hoje em dia são médicos, alguns deles renomados”.

Uma dessas alunas é Andréia Melo, oncologista no Instituto Nacional de Câncer (INCA), que participou do programa em 2001 e relembra a experiência da época.

–“Atuava em um as i lo em Lagoa Santa, ‘Nossa Vivenda’ que era perto da minha casa. Ali a gente tinha contato direto com os idosos, não fazíamos procedimentos médicos porque ainda não éramos formados, mas dávamos orientações aos enfermeiros do asilo. Foi uma experiência importante para a minha formação, tive o contato com pessoas idosas, vivi a extensão e enriqueci minha experiência na universidade”.

Andréia foi só uma, dentre os

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difícil abordagem conforme relatou o professor Almir:

–“Uma vez a irmã de um idoso de 68 anos veio até o ambulatório onde atendíamos e disse que não o aguentava mais e que iria abandoná-lo. A situação do paciente era difícil, ele tinha Alzheimer e a esposa e os filhos não queriam mais contato com ele. Duas estudantes do projeto Lar dos Idosos até tentaram contatá-lo indo até o endereço notificado na ficha do paciente, mas era incorreto e elas não conseguiram saber o que aconteceu com ele depois. Infelizmente casos como esse não foram raros na história do projeto”.

No Brasil os idosos têm seus direitos assegurados pelo Estatuto do Idoso, de iniciativa do Projeto de lei nº 3.561 de 1997. Foi instituída na Câmara Federal, no ano de 2000, uma comissão especial para tratar das questões relacionadas ao Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas, considerando-se a idade cronológica igual ou superior a 60

alunos que tiveram papel fundamental no andamento e concretização de boas ações junto aos lares de idosos. Segundo Tavares, muitos estudantes viabilizaram alternativas para ajudar financeiramente os asilos. Um deles é o ex-aluno João Carlos Machado, hoje coordenador do Serviço de Medicina Geriátrica do Hospital Mater Dei. O professor Almir Tavares recorda da ação de João Carlos.

–“Ele foi a um asilo ‘mixuruca’ em uma favela, a situação estava muito ruim e então teve a ideia de fazer carnês para arrecadar dinheiro com a comunidade para reformar o asilo. Com o dinheiro arrecadado demoliram os barracões e construíram o asilo novamente”.

Durante a realização das ações do Lar dos idosos, alunos de outros cursos de graduação da UFMG tam-bém se integraram ao programa e ajudaram a fazer história no progra-ma Lar dos Idosos. A maioria desses universitários eram dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiolo-gia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Direito. A integração de alunos de diferentes cursos foi provocada pela tentativa solucionar problemas de

Programa Lar dos Idosos já atendeu a cinco asilos

anos e de dispor de seus direitos fundamentais e de cidadania, bem como a assistência judiciária.

O Lar dos Idosos acompanhou de perto essas mudanças e estabeleceu novas ações, adequando a realidade acadêmica à sociedade, como prevê a extensão universitária. Exemplo disso foi a parceria com o serviço gratuito do projeto de extensão Divisão de Assistência Judiciária da Faculdade de Direito (DAJ) da UFMG, que estabeleceu parcerias com a Delegacia do Idoso, promovendo debates e alertando contra famílias de idosos que praticavam maus tratos. Durante a parceria com a DAJ, eram realizadas sistematicamente reuniões com os estudantes de Medicina e de Direito, uma vez que os alunos realizavam plantões na Delegacia do Idoso.

–“O Fe l ipe Mar t ins Pin to , coordenador do DAJ, criou uma carta de intimação aos parentes de idosos que sofriam maus tratos, onde a equipe do projeto alertava a família em situações onde se configurava maus tratos contra a pessoa idosa. Essa carta era entregue à família do idoso por um estudante de Direito, que ia engravatado. A maioria dos

Direitos do idoso

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Idosos abandonados. Realidade que o programa Lar dos Idosos tentou mudar

familiares ficava intimidado com a carta e a assinava, se comprometendo a não causar maus tratos e com medo de ser criminalizado formalmente”, revelou o professor Almir.

Apesar de aparentemente simples a ideia da carta surtiu efeitos positivos e, além de ajudar a diminuir a incidência de agressões, evitou que os parentes dos idosos fossem presos ou criminalizados, pois dessa forma o idoso correria o risco de ficar sozinho ou ser encaminhado para um abrigo, o que não seria bom para nenhuma das partes.

A parceria do programa Lar dos Idosos com a Delegacia do Idoso rendeu bons frutos, os policiais buscaram um treinamento junto a Academia de Polícia Civil do Estado de Minas para fazer conciliações com a família do idosoe prevenir a violência doméstica. A partir de então o atendimento na Delegacia mudou e a in te rvenção dos estudantes não foi mais necessária.

Lar dos Idosos em nova etapa

É inegável que os 27 anos de

programa de extensão acumularam conhecimentos e bons resultados através das ações e também de pesquisas desenvolvidas. Muitas das exper iências t rocadas se tornaram temas de estudos em simpósios, seminários e publicações. O programa aliou na prática o tripé ensino, extensão e pesquisa. Entre 2010 e 2013, foi tema de 7 artigos acadêmicos, 2 capítulos de livros e 8 apresentações em eventos acadêmicos. Também desdobrou-se em quatro disciplinas para a graduação em Medicina na UFMG (Seminários de Psicogeriatria I e II; Curso de Curso de Neuropsiquiatria Geriátrica I e II).

Mas como nem tudo são flores, o programa Lar dos Idosos também sofreu dificuldades ao longo da sua atividade. Em seu site consta que cinco asilos são atendidos pelos estudantes, porém, ao entrar em contato com essas instituições, em três delas as pessoas não se recordavam da atuação do projeto. As instituições contatadas foram: Lar Cristo Rei; Lar dos Idosos Santa Tereza; Lar Santa Maria e Cidade Ozanã.

De acordo com registros do Sistema de Informação da Extensão

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(Siex) UFMG, o único asilo que ainda consta como atendido é o Lar São José, coordenado por Celso Pascoal Ferreira. Segundo apuração ele informou não ter contato com o professor Almir Tavares há cerca de um ano.

–“Ainda temos casos de idosos portadores de sofrimento mental, que eram os mais atendidos pelo projeto Lar dos Idosos, mas suprimos essa ausência com o atendimento no posto de saúde do bairro. O projeto atuou aqui no São José por três anos, mas os alunos vieram efetivamente apenas por 2 semestres. Na verdade a gente sente que o interesse do projeto era mais para a pesquisa do que para o contato com os nossos idosos”.

O estudante de Medicina da UFMG Danilo Ferreira Maia é um dos voluntários que ainda atua no projeto e explicou a realidade atual da ação de extensão.

–“Hoje ninguém tem contato com os asilos. Estamos escrevendo artigos sobre os dados colhidos no Lar dos Idosos São José, nos últimos 2 anos. Eu já fiz entrevistas e no fim de 2013 escrevi um artigo sobre a relação do uso de benzodiazepinicos e a frequência de quedas nos idosos deste asilo”.

Problemas institucionais

O projeto tem três registros no Sistema de informação da Extensão Siex UFMG, com informações desa-tualizadas. Almir Tavares se justificou dizendo que a desatualização dos dados tinha como causa o próprio Sistema e que as informações fa-zem parte da memória do projeto.

–“Quero deixar essas informações acessíveis para quem for pesquisar sobre o projeto posteriormente”.

A reportagem entrou em contato com a Diretoria de Política de Extensão, equipe responsável pelo Siex/UFMG, que informou:

–“O programa de extensão Lar dos Idosos tem seu registro no status ativo com última revisão aprovada em fevereiro deste ano. Entraremos em contato com o coordenador do

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programa e do Centro de Extensão da Faculdade de Medicina para certificarmos sobre a situação atual de desenvolvimento das ações de extensão.”

Asilo São José encontra apoio em outra faculdade

Apesar do programa Lar dos Idosos não atuar mais no São José, os idosos que residem no asilo, continuam em contato com o meio acadêmico. O diretor do asilo, Celso Pascoal Ferreira, informou que a instituição tem outros projetos de integração com a sociedade. Um dos exemplos é a atuação da Faculdade Estácio de Sá, que há 6 anos presta atendimento com 16 estagiários de Fisioterapia, como explicou a professora Hosana Vieira, responsável pela iniciativa.

–“É um projeto onde o aluno aprende a lidar com pessoas que estão em processo de envelhecimento. Muitos desses idosos apresentam deficiências motoras, as vezes passam o dia todo sentadas ou deitadas e têm mobilidade reduzida . O paciente ganha muito com essa experiência, ele conta suas histórias e interage com os estudantes. Nosso objetivo é buscar cada vez mais a qualidade de vida que esses idosos merecem”.

Muitos idosos do asilo São José apresentam dificuldades motoras

Alunos aprendem a lidar com pessoas que estão em processo de envelhecimento

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