32
Tellus, ano 10, n. 18, p. 83-113, jan./jun. 2010 Campo Grande - MS * Aluna do doutorado em Antropologia Social na Universidade Federal de Santa Catarina. [email protected] ** Professora na Universida- de Federal de Santa Catarina, pesquisadora do CNPq e coordenadora do Instituto Brasil Plural. [email protected] Diálogos (neo)xamânicos: encontros entre os Guarani e a ayahuasca (Neo)shamanic dialogues: encounters between the Guarani and ayahuasca Isabel Santana de Rose* Esther Jean Langdon** Resumo: Este trabalho é uma reflexão preliminar sobre o processo de apropriação da ayahuasca , uma substância psicoativa amazônica, pelos membros de uma aldeia Guarani localizada no litoral sul de Santa Catarina. As lideranças desta comunidade adaptaram o uso desta bebida às suas práticas rituais e a reconhecem como parte de sua cultura e tradi- ção. Este processo é resultado da formação de uma rede de relações que envolve vários atores, entre eles os próprios Guarani, integrantes de um grupo espiritual internacional, membros do Santo Daime e funcionários da área da saúde contratados pelo Governo Federal. Com base neste estu- do de caso, argumentamos que o xamanismo frequentemente emerge de contextos históricos e políticos específicos e em muitos casos pode ser pensado como uma categoria dialógica, construída com base nas interações entre atores com origens, discursos e interesses distintos. Palavras-chave : Xamanismo; Neo-xamanismo; Indígenas Guarani. Abstract : This study is a preliminary reflection on the ritual appropriation of ayahuasca , an Amazonian psychoactive ritual substance, by members of a Guarani Indian village on the southern coast of Santa Catarina. Their shamanic leaders have adapted the use of this beverage into their ritual practices, and recognize it as part of their culture and tradition. This process of appropriation is a result of the formation of a network of relations that involves various actors, among them the Guarani Indians, members of an international spiritual group, those of the Brazilian ayahuasca religion, Santo Daime and medical personnel contracted by the Federal Government. Based on this case study, we propose that shamanism today often emerges out of specific political and historical contexts and in many cases should be thought of as a dialogical category, constructed through the interaction between actors of different origins, discourses and interests. Key-words: Shamanism; Neo-shamanism; Guarani Indians.

Dialogos (Neo)Xamanicos Encontros Entre Os Guarani e a Ayahuasca

Embed Size (px)

DESCRIPTION

xamanismo e etnologia guarani

Citation preview

  • Tellus, ano 10, n. 18, p. 83-113, jan./jun. 2010Campo Grande - MS

    * Aluna do doutorado emAntropologia Social na

    Universidade Federal deSanta Catarina.

    [email protected]** Professora na Universida-

    de Federal de SantaCatarina, pesquisadora doCNPq e coordenadora do

    Instituto Brasil [email protected]

    Dilogos (neo)xamnicos: encontrosentre os Guarani e a ayahuasca

    (Neo)shamanic dialogues: encountersbetween the Guarani and ayahuasca

    Isabel Santana de Rose*Esther Jean Langdon**

    Resumo: Este trabalho uma reflexo preliminar sobre o processo deapropriao da ayahuasca , uma substncia psicoativa amaznica, pelosmembros de uma aldeia Guarani localizada no litoral sul de SantaCatarina. As lideranas desta comunidade adaptaram o uso desta bebidas suas prticas rituais e a reconhecem como parte de sua cultura e tradi-o. Este processo resultado da formao de uma rede de relaes queenvolve vrios atores, entre eles os prprios Guarani, integrantes de umgrupo espiritual internacional, membros do Santo Daime e funcionriosda rea da sade contratados pelo Governo Federal. Com base neste estu-do de caso, argumentamos que o xamanismo frequentemente emerge decontextos histricos e polticos especficos e em muitos casos pode serpensado como uma categoria dialgica, construda com base nasinteraes entre atores com origens, discursos e interesses distintos.Palavras-chave : Xamanismo; Neo-xamanismo; Indgenas Guarani.

    Abstract: This study is a preliminary reflection on the ritual appropriationof ayahuasca , an Amazonian psychoactive ritual substance, by membersof a Guarani Indian village on the southern coast of Santa Catarina. Theirshamanic leaders have adapted the use of this beverage into their ritualpractices, and recognize it as part of their culture and tradition. Thisprocess of appropriation is a result of the formation of a network ofrelations that involves various actors, among them the Guarani Indians,members of an international spiritual group, those of the Brazilian ayahuascareligion, Santo Daime and medical personnel contracted by the FederalGovernment. Based on this case study, we propose that shamanism todayoften emerges out of specific political and historical contexts and in manycases should be thought of as a dialogical category, constructed throughthe interaction between actors of different origins, discourses and interests.Key-words: Shamanism; Neo-shamanism; Guarani Indians.

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...84

    Apresentao

    H cerca de oito anos os moradores da aldeia Guarani guasClaras, localizada no litoral sul de Santa Catarina, adotaram a bebidaconhecida comumente por seu nome quchua ayahuasca em suas cerim-nias de canto e reza, afirmando que o uso desta bebida faz parte da suacultura e tradio. Este processo est ligado formao de uma rede derelaes entre diferentes grupos, envolvendo atores como os prpriosmoradores de guas Claras, membros de um grupo espiritual internacio-nal que estamos chamando aqui de Fogo da Verdade, membros de umacomunidade do Santo Daime localizada em Florianpolis e funcionriosda rea da sade contratados pelo Governo Federal. Nossa proposta nestetrabalho realizar uma reflexo preliminar sobre os dilogos e negociaesque ocorrem no mbito desta rede autodenominada aliana das medici-nas. Por um lado, sua formao reflete processos locais, nacionais einternacionais que envolvem a representao do xam e da medicinaindgena no imaginrio nacional e no mundo Ocidental; por outro, umresultado da prxis das relaes de uma comunidade Guarani perante asociedade envolvente.

    A aldeia de guas Claras faz parte do territrio Guarani tradicional,mas foi reocupada por uma famlia extensa indgena no incio da dca-da de 1980 e hoje constitui um ponto central na rede das aldeias Guaranido litoral sul-catarinense. Atualmente, os moradores desta comunidadeencontram-se engajados em um amplo processo de revitalizao da tra-dio. O Santo Daime um movimento religioso que teve incio nosanos 1930, no Acre. A partir do final da dcada de 1970 comeou aexpandir-se por todo o pas e, posteriormente, nos anos 1990, para oexterior. Seu simbolismo combina elementos provenientes do catolicismopopular, do espiritismo kardecista, dos cultos afro-brasileiros, de gruposindgenas e do universo New Age, entre outros. O grupo espiritual quechamamos aqui de Fogo da Verdade foi oficializado no incio dos anos1980, nos Estados Unidos, e comeou suas atividades no Brasil, no finalda dcada de 1990, realizando rituais que combinam elementos queteriam origem em diferentes tradis do continente americano e sendoinfluenciados principalmente pelas prticas dos grupos indgenas dasplances norte-americanas.

    Inicialmente objetos das especulaes antropolgicas sobre magia,mentalidade primitiva e loucura, hoje os xams circulam nas grandescidades em diferentes partes do mundo e suas prticas so divulgadascomo solues para os problemas da modernidade. No Brasil, os xams

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 85

    e seus conhecimentos so configurados como medicina tradicional,uma representao que permeia o imaginrio dos profissionais que tra-balham com sade indgena, tanto como o dos clientes das praticas tera-puticas New Age. Esta representao do xam tem um papel no dilogoentre xams indgenas, neo-xams e profissionais da sade, entre outros.Com base neste estudo de caso, sugerimos que o xamanismo frequente-mente emerge de contextos histrico-polticos especficos e que deve serpensado como uma categoria dialgica construda com base numainterao entre atores com origens, discursos e interesses distintos.

    Xamanismo na Antropologia

    O xamanismo, tpico predileto na antropologia, faz parte das dis-cusses nessa disciplina desde seu incio. Os estudos clssicos enfocaramtemas como a mentalidade primitiva e os opostos classificatrios, taiscomo primitivo/civilizado; magia/religio ou natural/sobrenatural, emtentativas de entender a lgica do pensamento. Os xams foram ambi-guamente rotulados simultaneamente como mgicos-sacerdotes ou m-dicos-feiticeiros. Houve tambm uma discusso sobre seu estatuto mental,sendo que as prticas de xtase, travestismo e outros comportamentosdesviantes frente ao olhar ocidental levaram alguns pesquisadores a argu-mentar que os xams eram esquizofrnicos (Noll, 1983; Devereux, 1961;Silverman, 1967).

    Com a intensificao da pesquisa de campo entre culturas das terrasbaixas da Amrica do Sul, a partir da dcada de 1960, vrios antroplogoscontriburam para uma compreenso mais adequada do fenmeno, exa-minando profundamente os significados dos ritos e cosmologias dos po-vos desta regio. Houve uma intensificao internacional simultnea depesquisas, publicaes e simpsios dedicados a examinar as formas doxamanismo e o papel dos alucingenos. Alguns pesquisadores procura-ram definir os elementos essenciais do xamanismo para construir umacategoria comparativa; outros interessavam-se em aprofundar ascosmologias nativas e as prticas xamnicas. A investigao das tcnicasde xtase como potencial humano, com enfoque especfico nas substan-cias psicotrpicas, tambm foi um marco importante nesta dcada, tendosido caracterizada por interesses interdisciplinares tanto quanto por umethos experimental por parte de vrios pesquisadores.

    No Brasil, a primeira coletnea sobre este tema foi publicada cercade duas dcadas depois (Langdon, 1996). Este livro que busca reunir e

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...86

    sistematizar as investigaes realizadas no pas guiadas por paradigmastericos contemporneos. As prticas xamnicas foram concebidas comoresultado da interao entre o sistema simblico e a ao, com uma diver-sidade de prticas especficas e concepes simblicas influenciadas peloscontextos histricos, culturais e polticos. Os captulos do livro orientam-sepor um conceito geral de xamanismo; pela premissa de que as culturasamaznicas compartilham uma tradio e uma cosmologia comuns; eque, apesar da grande diversidade, esse xamanismo genrico pode seridentificado nas diferentes prticas e expresses simblicas.

    Neste mesmo ano, o conceito de perspectivismo foi introduzido naetnologia brasileira (Viveiros de Castro, 1996). Este conceito apresentauma discusso inovadora sobre a filosofia comum aos grupos indgenasdas terras baixas da Amrica do Sul. Perspectivismo uma noo comple-xa, construda com base nas pesquisas e discusses tericas realizadasdesde os anos 1960, particularmente os temas da ecologia simblica,escatologia, natureza/cultura, corpo e a noo de transformao que to central para as cosmologias xamnicas. A discusso consiste em umasntese excelente da produo etnolgica recente (Viveiros de Castro,1996b) e direcionada para um campo filosfico e antropolgico muitomais amplo que o do xamanismo. Entretanto, esta discusso teve umainfluncia analtica muito importante nos estudos sobre xamanismo noBrasil. Um aspecto importante para nossa presente discusso a nfasedada a temas como predao e canibalismo, corrigindo a tendncia deuma viso romntica do ethos e cosmologia indgenas1. Isto tem sido espe-cialmente til para a anlise dos lados obscuros dos xamanismos indge-nas, fundamentando estudos que mostram que o xamanismo amaznicono necessariamente bom ou nobre (Whitehead, 2002; Whitehead eWright, 2004), e que demonstram que a feitiaria tambm tem um papelimportante na mediao com a situao colonial e a modernidade(Taussig, 1987).

    O conceito de perspectivismo baseia-se num artigo clssico queprope que o corpo e sua construo devem servir como paradigma centralpara a compreenso das culturas nativas das terras baixas da Amricado Sul, no lugar do parentesco que orientava os estudos das sociedadesafricanas (Seeger et al,. 1987). O perspectivismo e a centralidade do corpopodem ser considerados como as principais contribuies brasileiras paraa etnologia indgena. Entretanto, isto no significa dizer que as preocupa-es nacionais sobre as manifestaes do xamanismo no estavam emdilogo com os paradigmas internacionais sobre o tema, que tiveramincio com a publicao do livro de Mircea Eliade (1964) e com as

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 87

    pesquisas etnolgicas feitas depois dos anos 1960. Pelo contrrio, os pes-quisadores brasileiros estiveram envolvidos na criao de um paradigmapara a compreenso das culturas amaznicas, e a discusso sobre oxamanismo consiste num tema estreitamente relacionado a este debate.

    No nvel internacional, as publicaes sobre o xamanismo conti-nuam a crescer, e coletneas que refletem a produo cientfica sobre otema tm sido publicadas em muitos idiomas. Os novos estudos eviden-ciam mudanas nos interesses das pesquisas sobre o xamanismo, indican-do um afastamento do enfoque nas caractersticas essenciais deste fen-meno e o crescimento das anlises do xamanismo em situaes intertni-cas. Estas mudanas seguem uma tendncia mais ampla na teoria antro-polgica atual de incluir os contextos polticos e histricos nas anlises(Ortner, 1994). No incio de 1990, os antroplogos comearam a falarem xamanismos no plural (Atkinson, 1992; Thomas; Humphrey, 1994),enfatizando as dificuldades de conceber o fenmeno como uniforme, oucomo sendo dotado de caractersticas essenciais e universais. Parale-lamente ao reconhecimento de que as culturas nativas e os xamanismosso processos dinmicos em constante mudana, prticas e gruposneo-xamnicos comearam a emergir como um fenmeno global. Tor-nou-se evidente que as mltiplas formas dos xams e dos xamanismosno so apenas uma consequncia da diversidade cultural, mas tambmum resultado da persistncia do xamanismo como um fenmeno distintoperante a sociedade envolvente. Com base nessas premissas, considera-mos que o xamanismo hoje pode ser mais bem entendido como um pro-duto da modernidade (Gow, 1994 e Prez Gil, 2004).

    Recriao contempornea do xamanismo

    A partir da dcada de 1980, as formas hbridas de prticas chama-das neo-xamnicas floresceram na forma de oficinas, terapias e cami-nhos espirituais pelo mundo inteiro. Entre os novos xams ensinandotcnicas de xtase encontramos vrios antroplogos, tais como Harner(1982) e Goodman (1990), que iniciaram workshops nessa mesma dcada.Enquanto, ao menos durante certo perodo, os antroplogos enfatizarama natureza indgena do xamanismo, implicitamente assumindo que este um fenmeno que se desenvolveu ao longo da histria de grupos quepodiam ser pensados como cultural, temporal e geograficamente cont-guos, o movimento global heterogneo do neo-xamanismo introduz noxamanismo elementos no indgenas e vindos de diferentes lugares econtextos. As razes dos movimentos neo-xamnicos esto ligadas a um

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...88

    contexto global mais amplo, no qual o indgena objetificado como oOutro primitivo, como o detentor de um conhecimento primordial eancestral (Langdon, 2008). Algumas caractersticas comuns desses movi-mentos seriam a promoo de um xamanismo primordial como um fen-meno que no est vinculado a culturas ou contextos especficos; a expres-so dos valores do individualismo moderno; uma orientao para objeti-vos psicolgicos e teraputicos individuais (Johnson, 2003).

    Estes novos xamanismos emergiram mais a partir da fascinaopopular nas praticas de xtase, influenciada pelo enfoque interdisciplinardos estados alterados de conscincia e das terapias, e menos da antropolo-gia acadmica (Atkinson, 1992). Desde as primeiras publicaes sobreexperincias com estados alterados de conscincia causadas por substn-cias como mescalina, LSD e ayahuasca (Huxley, 1954), psicoterapeutas,etnofarmaclogos, antroplogos e outros tm argumentado sobre os bene-fcios desses estados, afirmando que tais substncias funcionam para aliberao da mente e a integrao da psique (Winkleman, 2000), e nopara sua desintegrao, como previamente sugerido por termos comopsicotomimticos ou alucingenos (Sell, 1996). Com o tempo, a ligaodo sagrado com os estados alterados xamnicos tomou importncia cen-tral no discurso do neo-xamanismo e, hoje, o termo mais utilizado paradesignar as inmeras substncias utilizadas nesses contexos o deentegeno, em referncia ao aceso s dimenses sagradas provocado porsua ingesto (Metzner, 1999). Cabe ressaltar que o uso dos chamadosentegenos no mundo atual faz uma ligao ntima entre espiritualidadee sade psquica, associando essas plantas a noes contemporneas deautoconhecimento e terapia.

    Os xamanismos hoje, como sugerido por Atkinson (1992) notitulo de sua resenha, no representam um fenmeno universal homog-neo nem um sistema cosmolgico que possa ser pensado como exclusiva-mente nativo ou tradicional. O surgimento dos xamanismos da NovaEra, particularmente entre as classes urbanas e privilegiadas, nos fora areconhecer que o xamanismo no confinado ao desenvolvimento hist-rico das culturas indgenas. Assim, procuramos argumentar aqui que oxamanismo em muitos casos pode ser mais bem compreendido comouma categoria dialgica, sendo frequentemente negociado nas fronteirasdas sociedades indgenas locais e sua interface com grupos da sociedadenacional e global.

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 89

    Fogo da Verdade

    Fogo da Verdade um nome fictcio para designar um grupo espi-ritual que faz parte de uma rede internacional que engloba pases comoMxico, Brasil, Peru, Equador, Colmbia, Argentina, Espanha, EstadosUnidos, Frana, Inglaterra, entre outros, e reivindica uma ligao com aNative American Church (NAC), movimento religioso pan-indgena queteve incio entre os grupos indgenas norte-americanos no final do sculo19 e conhecido pelo uso ritual do peiote. O Fogo Sagrado caracteriza-sepela realizao de uma srie de rituais que combinam diversos elementosque teriam origem em diferentes tradies do continente americano, sendoque a principal influncia est nas prticas dos grupos indgenas dasplances norte-americanas, especialmente os Lakota (Macklin, et al. 1999).A combinao desses diferentes elementos legitimada pela ideia da buscade uma ancestralidade, ou mesmo da raiz primordial da humanidade,que estaria presente nesses conhecimentos indgenas (Langdon, 2008).

    O Fogo da Verdade foi oficializado nos Estados Unidos, no inciodos anos 1980, por um artista plstico mexicano, atual lder espiritual echefe desta rede. No Brasil, este grupo comeou a organizar suas ativi-dades no incio da dcada de 1990, liderado por um jovem mdico, eestabeleceu sua sede nacional na regio das serras catarinenses. nestelugar que todos os anos pessoas de diferentes partes deste pas e do mundose renem para participar das cerimnias de busca da viso e dana dosol, que esto entre os principais ritos realizados pelo Fogo da Verdade.A busca da viso (vision quest) consiste numa espcie de recluso, naqual o aprendiz se isola num lugar designado como montanha duranteum perodo determinado de dias (de quatro a treze) para jejuar, meditare buscar contato com o Grande Esprito. J na dana do sol (sun dance),os participantes danam ininterruptamente do nascer ao pr do sol, du-rante quatro dias, tambm em jejum, sendo que o rito dedicado conti-nuidade da vida. Outros ritos considerados importantes pelo grupo soas rodas de shanupa ou pipa sagrada; o temazcal (sweat lodge) e a ceri-mnia de medicina, um rito de noite inteira, que acontece ao redor deum altar no formato de uma meia-lua e de um fogo em forma de flecha.Todos estes ritos so consideradas como herana de nossos antepassa-dos e teriam sido mantidos atravs das geraes at chegar aos nossosdias (Tekpankalli, 1996).

    Dentro do universo simblico do Fogo da Verdade, as plantas depoder como a ayahuasca e o tabaco, entre outras, so consideradasmedicinas, categoria que refere-se a essas plantas, mas tambm pode

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...90

    ser estendida para uma ampla srie de elementos, circunstncias, senti-mentos ou mesmo pessoas (Ferreira Oliveira; Gomes, 2008). O uso dessasplantas, a realizao de prticas como a cerimnia de medicina, a buscada viso, a dana do sol e o temazcal so justificados tomando como basea convico de que fazem parte de um conhecimento pan-indgena uni-versal e que teriam, portanto, uma essncia comum.

    Religies ayahuasqueiras e a expanso do uso da ayahuasca

    As chamadas religies ayahuasqueiras brasileiras consistem emmovimentos religiosos originrios do Brasil que tm como uma de suasprincipais bases o uso ritualizado da ayahuasca (MacRae, 1999), umabebida psicoativa preparada com o cip do gnero Banisteriopsis ao qualso adicionadas outras plantas. A ayahuasca, amplamente conhecidapelas suas propriedades visionrias e purgantes, foi usada por muitos,embora no todos, grupos indgenas amaznicos como uma parte centralde seus ritos xamnicos. Hoje, o uso desta bebida est legalizado no Brasilpara usos definidos como rituais e religiosos2.

    Entre as religies ayahuasqueiras, as mais conhecidas so o SantoDaime, a Unio do Vegetal (UDV) e a Barquinha. Todos estes grupostiveram origem na Amaznia brasileira em meio a caboclos e imigrantesdo Nordeste, entre os anos 1920 e 1960. Seus fundadores foram lderescarismticos que, inspirados por suas experincias visionrias com a bebi-da, criaram seguimentos religiosos. Esses grupos representam cultos sin-crticos que preparam e consomem a bebida indgena, mas que se baseiamem simbolismos derivados do catolicismo popular, dos cultos afro-brasilei-ros e do espiritismo kardecista, entre outras influncias. A partir do finaldos anos 1970, o Santo Daime e a UDV expandiram-se para fora daAmaznia, primeiro para as principais cidades brasileiras e, cerca deuma dcada mais tarde, tambm para outras partes do mundo. Atualmen-te, grupos filiados a esses movimentos encontram-se presentes em pelomenos 23 pases, em trs continentes diferentes.

    Hoje as religies ayahuasqueiras e tambm a prpria ayahuascavm transitando entre diferentes fronteiras territoriais e simblicas, contri-buindo para que esta bebida se transforme numa espcie de pan-ente-geno transnacional (Labate; Rose; Santos, 2008). Existe uma ampla redemundial relacionada ao consumo da ayahuasca (Labate, 2004). Esta redeengloba os usos indgenas, caboclos e vegetalistas, passa pelas religiesayahuasqueiras e abrange os usos experimentais contemporneos

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 91

    derivados da expanso desses movimentos religiosos. Transitam pela redediferentes personagens: neo-xams, neo-nativos, turistas xamnicos epsiconautas so apenas alguns desses sujeitos contemporneos3. Se halgo em comum entre essas categorias que todas se constituem identida-des hbridas, apontando para o fato de que neste contexto no possvelnem pertinente essencializar idias como as de tradicional e moderno.Pelo contrrio, aqui, o moderno e o tradicional se recombinam de maneiradinmica. Assim, podemos dizer que se existe uma caracterstica comumnessa ampla rede diversa, essa justamente a dinamicidade, constituindodesta maneira um universo religioso marcado pela fabricao e multipli-cao constante de prticas rituais e sistemas simblicos (Labate, 2004).

    Um dos desdobramentos das religies ayahuasqueiras um proces-so em desenvolvimento em diferentes lugares do pas, embora de formaainda um tanto incipiente, que diz respeito a como grupos indgenasdiversos vm sendo influenciados por um intercmbio com a Unio doVegetal e, sobretudo, com o Santo Daime, como o caso dos Kaxinawado Jordo (AC) (Labate; MacRae; Goulart, 2007), que vm crescente-mente sendo representados como os ndios originrios da ayahuasca4.Em alguns casos, certas populaes, como os Apurin de Boca do Acre(AC), entre outros, passaram a consumir a ayahuasca a partir do contatocom as religies ayahuasqueiras (Lima da Silva, 2002). Isto indica que ocaso da rede da aliana das medicinas que estamos descrevendo no isolado, devendo ser compreendido como estando inserido em um con-texto mais amplo, relacionado expanso das religies ayahuasqueirase diversificao das formas de consumo da ayahuasca na contempora-neidade. Assim, o que est em jogo aqui diz respeito migrao de smbo-los e sujeitos em escala local e global, ao trnsito entre prticas religiosasdiversas, e construo de religiosidades e identidades hbridas em umcontexto ps-colonial (Labate; MacRae; Goulart, 2007).

    Aliana das medicinas

    O movimento auto-denominado aliana das medicinas consistenuma unio entre grupos que tm como um dos principais pontos emcomum o uso ritual das chamadas plantas de poder, como a ayahuascae o tabaco, entre outras medicinas. Esta aliana resultou dos dilogose intercmbios entre membros de grupos do Fogo da Verdade e do SantoDaime, sediados no estado de Santa Catarina, e tambm esteve ligadaao processo de apropriao da ayahuasca pelos Guarani da aldeia de

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...92

    guas Claras. Os dilogos entre o Fogo da Verdade e os moradores deguas Claras tiveram incio no final da dcada de 1990, ao mesmo tempoque os dirigentes do Fogo da Verdade comeavam a organizar as ativi-dades do grupo no Brasil. Desta maneira, a prpria constituio do Fogoda Verdade no pas foi marcada pelos intercmbios com os Guarani. Osdilogos entre o Fogo da Verdade e a comunidade daimista localizadaem Florianpolis comearam pouco tempo depois, no incio dos anos2000, quando as lideranas daquele grupo procuravam uma fonte deayahuasca para seus rituais. Os dirigentes dos grupos catarinenses doFogo da Verdade e do Santo Daime reuniram-se no Mxico, em 2003,para celebrar esta aliana, que teve como um dos principais desdobra-mentos a constituio de uma intensa rede de relaes e reciprocidadesentre Santo Daime e Fogo da Verdade. J os dilogos entre os moradoresde guas Claras e a comunidade daimista deram-se atravs da alianadeste grupo com o Fogo da Verdade. Hoje, os moradores de guas Clarasparticipam de atividades importantes realizadas em espaos ligados aoFogo da Verdade e na comunidade daimista de Florianpolis, ao mesmotempo que membros desta comunidade e do Fogo da Verdade frequentamcerimnias e outras atividades realizadas na aldeia de guas Claras.

    Assim, atualmente, em Santa Catarina, o Fogo da Verdade, a comu-nidade daimista e os indgenas Guarani da aldeia de guas Claras encon-tram-se estreitamente ligados e se influenciam mutuamente, formandouma rede na qual circulam pessoas, saberes, substncias, conceitos, expres-ses e estticas, entre outros elementos. Mais recentemente, grupos deoutros pases e outras regies do Brasil, tais como sangomas sul-africa-nos, taitas equatorianos, indgenas Shuar do Equador e indgenasKaxinawa da Amaznia brasileira, comearam a participar desta redede alianas. A insero de novos atores e o desejo de expandir aindamais esta rede motivou a realizao de eventos anuais denominadosEncontro com as Medicinas da Me Terra, que comearam a ocorrer a par-tir de 2007, na comunidade daimista de Florianpolis. Estes eventos tmo intuito de possibilitar que as pessoas conheam desenhos, estruturasou processos rituais de diferentes linhas espirituais, constituindo umaoportunidade para reunio, trocas e confraternizaes.

    Veremos a seguir um resumo da histria do processo de apropriaoda ayahuasca pelos moradores da aldeia de guas Claras e da formaodesta rede de alianas, com base nos dados levantados pela segundaautora deste texto. Desde junho de 2006, Isabel de Rose vem realizandopesquisa de campo sobre o uso da ayahuasca entre os Guarani do litoralsul-catarinense e a rede de relaes entre estes indgenas, o Fogo da

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 93

    Verdade e o Santo Daime. Esta pesquisa tem um carter multilocal, pro-curando enfatizar os dilogos, bem como a negociao e a emergnciade smbolos e significados no mbito da rede da aliana das medicinas.Desta maneira, o trabalho de campo enfocou a aldeia de guas Claras,mas envolveu tambm a participao em diferentes atividades realizadaspelos grupos do Fogo da Verdade e do Santo Daime, em Santa Catarina.

    Histria do uso da ayahuasca na aldeia de guas Claras

    Os Guarani constituem uma das maiores populaes indgenas docontinente sul-americano, com aproximadamente 65 mil pessoas. Os in-tegrantes desta etnia, composta por vrios subgrupos que falam um idio-ma que pertence famlia lingustica Tupi-Guarani, migram por um ter-ritrio transnacional de cerca de 1.200.000 km que engloba o Brasil, aArgentina e o Paraguai. Viajando em pequenos grupos, circulam entreseus assentamentos e reservas dispersos por esse territrio, que atualmente povoado e controlado por no-indgenas e inclui um grande nmerode cidades populosas (Assis; Garlet, 2004). Devido mobilidade das fa-mlias extensas, os Guarani formam uma ampla rede de parentes, cujasmigraes contribuem para a efetivao de comunicaes, trocas e trans-formaes dentro dessa populao numerosa. Entre trs e quatro subgru-pos Guarani vivem no Brasil. Dois desses, os mbya e os chirip, locali-zam-se principalmente ao longo da costa do Atlntico, do Esprito Santoao Rio Grande do Sul. Os mbya so os mais conhecidos e documentadosna literatura etnolgica, entretanto os moradores da aldeia de guasClaras tendem a se identificar como parte do subgrupo chirip.

    Apesar da intensa presena espanhola e portuguesa desde o inciodo perodo colonial, os Guarani tm usado seu idioma e suas prticasespirituais como importantes estratgias de resistncia. Incapazes de iso-lar-se dos no-indgenas em muitas situaes, vrios permanecem mono-lngues no idioma nativo e as aldeias em geral mantm-se fechadas esilenciosas perante os no-indgenas, excluindo as pessoas de fora desuas prticas rituais (Litaiff, 2004). No sul do Brasil, os Guarani so fre-quentemente marginalizados e considerados aculturados, ignorantes epreguiosos. Grande parte das suas aldeias encontra-se na periferia deregies metropolitanas, localizadas em reas inadequadas e improduti-vas. Em decorrncia disto, muitas comunidades sofrem de pobreza e suasconsequncias, tais como doenas, violncia e abuso de lcool, com altosndices de mortalidade que refletem essa situao.

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...94

    Figura 1 - Altar da casa de reza de guas Claras emoldurado por umgrande exemplar do cip Banisteriopsis caapi.

    A aldeia de guas Claras est situada perto da capital de SantaCatarina, Florianpolis, uma rea metropolitana com mais de 700.000pessoas. Como Terra Indgena, foi criada em 2003, tendo sido a primeirareserva Guarani oficialmente reconhecida neste estado, com 59 hectares.Embora faa parte do territrio Guarani pr-colonial, a aldeia atual foire-ocupada na dcada de 1980 por uma famlia extensa chirip que mi-grou de regies mais ao sul. Hoje, guas Claras tem uma posio impor-tante na rede de trocas das aldeias Guarani ao longo da costa brasileira.Diferente da maioria das outras aldeias dessa etnia, seus habitantes tmdemonstrado uma abertura no usual para as interaes com no-ind-genas, especialmente nas ltimas duas dcadas. Embora tradicionalmenteresistentes s pessoas de fora, as lideranas Guarani vm lentamenteaumentando sua interao com a sociedade envolvente ao longo dosltimos vinte anos, provavelmente devido s mudanas na Constituiobrasileira e ao crescimento de projetos pblicos que envolvem escolas,assistncia sade e financiamento para a agricultura. Entretanto, aaldeia de guas Claras parece estar assumindo a liderana na mediaode prticas rituais com no-indgenas, atravs da apropriao do usoritual da ayahuasca e de outras prticas relacionadas.

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 95

    Em 1999, um indgena Guarani ento morador de guas Claras foiinternado no Hospital Universitrio de Florianpolis devido a um linfomae recusou-se a fazer o tratamento quimioterpico prescrito e at a conver-sar com os mdicos. Diante desse quadro, as pessoas que trabalhavam ldecidiram contatar um mdico residente do hospital que tinha reputaode conduzir cerimnias xamnicas e ter afinidades com os povos ind-genas em geral. Este mdico, curioso devido ao fato de que seus compa-nheiros de trabalho lhe disseram que havia um parente seu doente, foiver o que estava acontecendo e ento conheceu Kuaray, que no comeono queria se comunicar com ele tambm. Aos poucos, porm, o mdicofoi ganhando a confiana do indgena, usando estratgias como cantarmsicas Guarani que conhecia e convidar Kuaray para fumar uma pipadebaixo de uma rvore nas imediaes do hospital. Curioso, perguntou aele se havia na aldeia onde morava algum curador tradicional, ao queKuaray respondeu que l vivia um casal de karaikuery, ou seja, ancies eimportantes lideranas espirituais5, conhecidos como tcheramoi e tchedjary(literalmente meu av e minha av, termos considerados respeitosospara se referir s pessoas mais velhas em geral entre os Guarani).

    Pouco tempo depois, o mdico, que j nesta poca era a principalliderana nacional do Fogo da Verdade, recebeu um convite para ir conhe-cer guas Claras. De acordo com as narrativas de muitos moradoresdesta comunidade indgena, assim que o mdico chegou aldeia, ele foireconhecido pelos karaikuery como a pessoa que eles estavam esperando.Essas narrativas contam que h algum tempo esses ancies haviam tidoum sonho proftico que dizia que iria chegar uma pessoa de fora paraajud-los a retomar os rituais de reza e outras prticas, resgatando acultura e a tradio Guarani. J em sua primeira visita, o mdico foiidentificado como sendo essa pessoa. A partir desse contato inicial, elepassou a frequentar ocasionalmente a aldeia, participando de rodas depetyngu (cachimbo sagrado) e cerimnias noturnas na opy ou casa derezas, a construo tradicional que o centro de quase toda aldeiaGuarani. Em pouco tempo, foi batizado com um nome Guarani e convida-do para ajudar os karaikuery nas curas rituais que fazem parte das ceri-mnias de canto e reza.

    A proposta de realizar uma cerimnia com ayahuasca em guasClaras resultou dos dilogos entre o mdico e lder do Fogo da Verdadee os moradores desta aldeia. As primeiras cerimnias com ayahuascanesta comunidade indgena foram realizadas na cozinha da casa dotcheramoi, importante espao de sociabilidade no qual ocorremcotidianamente reunies noturnas onde se toma chimarro, fuma-se taba-

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...96

    co e contam-se histrias, lendas e piadas. As narrativas de muitos mora-dores da aldeia a respeito de suas experincias iniciais com a bebida fazemreferncia lembrana do passado e ao contato com seus antigos avs,bem como a outros seres e espritos. No geral, essas narrativas tm emcomum o fato de negar a novidade do uso da ayahuasca, afirmando quea bebida consiste num resgate ou revitalizao cultural (Mello, 2006).

    Com a adeso de um nmero maior de moradores de guas Claras,as cerimnias comearam a ocorrer na opy ou casa de reza recentementereconstruda, e o uso da ayahuasca nesta aldeia passou a fazer parte dosrituais noturnos de canto e reza chamados de opyredjaikeaw, que teriamcomo um de seus objetivos centrais ajudar Nhanderu Kuaray (um dosprincipais deuses para os Guarani) a cuidar do mundo, protegendo ahumanidade durante sua ausncia (Mello, 2006).

    Uma primeira consequncia importante desse processo foi a deci-so, tomada em conjunto pelo mdico e pelas lideranas de guas Claras,de levar a ayahuasca para outras comunidades Guarani da regio. Essaidia foi viabilizada atravs de um projeto financiado com recursos daFundao Nacional da Sade (FUNASA), repassados por uma ONGcontratada para fornecer os servios de ateno primria nas terras ind-genas do estado de Santa Catarina. Como parte da poltica nacional desade indgena, as equipes de sade que trabalham em comunidadesindgenas so orientadas a fornecer servios de cuidado da sade querespeitem a cultura nativa e integrem as prticas de cura tradicionais(Langdon, 2004). O projeto de introduzir a ayahuasca e outras prticasrelacionadas, tais como o temazcal ou sweat lodge, nas comunidadesGuarani foi interpretado por essa ONG como uma maneira de satisfazeresta demanda. Alguns dos principais objetivos desta iniciativa, que impli-cou a contratao do mdico e dirigente do Fogo da Verdade como parteda Equipe Multidisciplinar de Sade Indgena (EMSI) que atendia aosmoradores das aldeias da regio foram: promover a sade do povoGuarani resgatando e fortalecendo o lado espiritual/mstico, fundamen-tado nas antigas cerimnias tradicionais (Vargas, 2002, p. 8); combatero alcoolismo e reforar as lideranas espirituais das aldeias, que constitui-riam a base para as aes programadas no modelo de ateno sadeespiritual indgena (Vargas, 2002, p. 13).

    Durante quatro anos, foram realizadas cerimnias frequentes empelo menos dez aldeias Guarani nos Estados de Santa Catarina, Rio Gran-de do Sul e Paran. Nesse perodo, o mdico e dirigente do Fogo da Verda-de esteve constantemente presente entre os moradores de guas Claras,participando regularmente das cerimnias nas aldeias e apoiando sua

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 97

    realizao. Chegou inclusive a residir, durante aproximadamente umano e meio, em guas Claras, numa casa construda por ele dentro darea demarcada da Terra Indgena.

    Embora grupos indgenas amaznicos tenham consumido aayahuasca durante sculos, as plantas utilizadas na sua composio bemcomo a bebida em si no so documentados como sendo nativos do sul doBrasil (Schultes; Hofmann; Ratsch, 2001). Consequentemente, com o au-mento do uso da ayahuasca nas aldeias Guarani da regio, tornou-se neces-srio encontrar uma fonte para a substncia, que at ento era importadado Peru pelo Fogo da Verdade, com altos custos. Depois de um contatofrustrado com a Unio do Vegetal, o mdico obteve o interesse e a colabo-rao dos dirigentes da comunidade do Santo Daime de Florianpolis,outro grupo ayahuasqueiro local que cultiva o cip e prepara a bebida.

    Assim, a comunidade daimista entrou na rede de alianas j forma-da entre os moradores de guas Claras e o Fogo da Verdade. Paralelamente,junto com as cerimnias com ayahuasca, o temazcal ou sweat lodge foi intro-duzido na aldeia Guarani, e uma construo de barro na forma de umiglu foi construda ao lado da casa de reza, tendo sido batizada comoopydjere, literalmente casa de rezas redonda. Alguns moradores de guasClaras, incluindo as principais lideranas da comunidade, comearam aparticipar dos ritos de busca da viso e dana do sol realizados anualmen-te na sede do Fogo da Verdade, localizada nas serras catarinenses, e tam-bm em atividades conduzidas na comunidade daimista de Florianpolis.

    Depois que o periodo do projeto de quatro anos financiado pelaFUNASA terminou, os moradores de guas Claras foram gradualmenteobtendo maior autonomia na organizao de seus rituais e nos contatose negociaes com o Santo Daime, sua fonte da substncia. Atualmente,eles continuam a conduzir regularmente cerimnias com ayahuasca emsua aldeia. Tambm continuaram participando nos ritos do Fogo daVerdade e em eventos realizados na comunidade daimista. Alm disso,comearam a realizar ocasionalmente rituais como cerimnias de medi-cina e temazcais para um pblico no indgena e de classe mdica emdiferentes centros religiosos e esotricos fora da aldeia.

    A introduo da ayahuasca nas cerimnias de canto e reza e deoutras prticas como a opydjere na aldeia de guas Claras mencionadanos trabalhos de Melissa Santana de Oliveira (2004) e Flvia Cristina deMello (2006), embora essas autoras no se aprofundem na questo.Santana Oliveira (2004) tematiza a participao e as experincias dascrianas nas cerimnias de reza e cura nesta aldeia, incluindo aquelasque envolvem a ingesto da ayahuasca. A autora afirma que os moradores

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...98

    de guas Claras atribuem tanto s cerimnias de medicina quanto opydjere um grande poder de cura. Para ela, o que chama de religiosi-dade seria o aspecto central num processo de valorizao da tradio,que estaria relacionado s cerimnias de medicina. J Mello (2006) mostracomo o uso da ayahuasca nas cerimnias criou polmicas entre os Guaranido litoral sul-catarinense, principalmente os habitantes de outras aldeias.Esta autora afirma que as polmicas introduzidas em guas Claras con-triburam para trazer de volta ao centro das atenes dirias na vida daaldeia os assuntos, prticas e condutas ligados vida ritual e indica queos elementos externos so canibalizados ou guaranizados, de maneiraa aumentar o poder das lideranas espirituais dessa aldeia. De acordocom a anlise de Mello, os moradores de guas Claras reorientam ereinterpretam as novas tradies e prticas com base em suas prpriasestruturas simblicas e cosmologia.

    A Equipe Multidisciplinar de Sade, que teve uma participaoativa no processo de apropriao da ayahuasca em guas Claras, temuma viso ainda mais favorvel a respeito dos benefcios que essas prticastrouxeram para a comunidade. Um dos membros dessa equipe argumentaque, antes do uso da ayahuasca, a aldeia estava num processo de desinte-grao cultural e social (Frana, 2008). Para esse profissional da sade, arealizao regular das cerimnias com ayahuasca com uma presenacrescente dos membros da comunidade contribuiu decisivamente parareverter essa situao, resultando num processo de resgate cultural.Assim, de acordo com ele, a revitalizao da medicina tradicionalguarani contribuiu para o reestabelecimento das relaes de compadrio,renovao do cultivo de plantas sagradas, reduo da violncia domsticae do abuso de lcool, e assim por diante.

    Os discursos desses diferentes atores e pesquisadores sugerem que aadoo da ayahuasca tem um papel num processo poltico mais amplo defortalecimento das prticas e valores espirituais na aldeia de guas Claras,um processo que comeou com uma srie de iniciativas anteriores, taiscomo a implementao da escola, em 1996; a formao do coral YvychyOvy (Nuvens Azuis), em 1998, e a construo da casa de reza nesse mesmoano. Contudo, nossos dados de campo indicam que, mais do que aayahuasca em si, a valorizao da cultura indgena por certos setores dasociedade no-indgena e, particularmente, a expresso desse processo naspolticas pblicas tiveram um papel central em estimular os moradores deguas Claras a se engajarem em um movimento de resgate cultural e ado-tarem um papel mais ativo do que o que comumente visto nas interaesentre os membros desse grupo indgena e a sociedade mais ampla.

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 99

    Entretanto, h outros elementos importantes que precisam ser le-vados em conta na tentativa de compreender este processo. Primeiro, fundamental destacar que entre as aldeias nas quais ocorreram cerimniasdurante o projeto financiado pela FUNASA, apenas guas Claras deucontinuidade sua realizao, sendo que frequentemente moradores deoutras aldeias dentro e fora do Estado de Santa Catarina viajam paraesta aldeia para participar das cerimnias. Por um lado, isso est ligadoao fato de que as cerimnias sempre tiveram como base essa aldeia; poroutro, importante ressaltar que muitos Guarani, principalmente deoutras aldeias, no concordam com o uso da bebida, afirmando que setrata de coisa de brancos. Inclusive na aldeia de guas Claras, algumasfamlias, com o tempo, deixaram de participar das cerimnias, e certaspessoas passaram a critic-las, questionando sua autenticidade enquantotradio Guarani. Assim, entre os Guarani da rede das aldeias do litoralcatarinense, e mesmo entre os moradores de guas Claras, no existeum ponto de vista homogneo ou um consenso sobre o tema, que continuasendo assunto de conversas, especulaes, crticas e controvrsias.

    Figura 2 - Convite para temazcal Guarani

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...100

    Dilogos e negociaes

    A histria do processo de apropriao da ayahuasca na aldeia deguas Claras reconstituda acima permite identificar alguns entre osprincipais elementos que circulam na rede da aliana das medicinas.Destacam-se o uso das plantas consideradas como medicinas que, doponto de vista mico, constituem um dos principais elos dessa rede; con-ceitos como a prpria noo de medicina, que d o nome rede bemcomo a essas plantas; e os ritos como a cerimnia de medicina, o temazcal,a busca da viso e a dana do sol, junto aos quais circulam uma srie deelementos: cantos, aromas, conceitos, expresses, e assim por diante.

    A designao medicina consiste num termo comum no discursodo Fogo da Verdade, que passou a ser amplamente utilizado na aldeiade guas Claras e na comunidade daimista de Florianpolis. O termodesigna as plantas e substncias utilizadas durante a cerimnia demedicina, cujo prprio nome j contm esta referncia. Entretanto, anoo de medicina neste contexto consiste num conceito amplo e polis-smico, que pode ser estendido a uma srie de elementos, objetos, pessoas,plantas, palavras, sentimentos, valores, aes, acontecimentos, sendo que,no universo simblico do Fogo da Verdade, as medicinas so dotadasde agncia e intencionalidade (Ferreira Oliveira; Gomes, 2008).

    O nome da cerimnia de medicina remete ao uso de uma sriede elementos que so considerados como medicinas, ao longo desterito, incluindo as plantas consideradas sagradas, bem como elementoscomo o fogo, os cantos e os aromas. O rito tambm chamado de ceri-mnia da meia-lua, numa referncia ao formato do altar; dos quatrotabacos, devido sua estruturao em quatro momentos rituais princi-pais marcados pelos tabacos; ou ainda cerimnia de cura integral,numa meno ao seu sentido teraputico.

    Alm de serem realizadas com relativa frequncia em diferentesespaos ligados ao Fogo da Verdade, em Florianpolis e em outras cidades,como Joinville, Curitiba, Porto Alegre e So Paulo, as cerimnias de me-dicina ocorrem eventualmente na comunidade daimista de Florianpolis,onde podem ser dirigidas por lideranas do Fogo da Verdade ou pelasprprias lideranas desta comunidade, que receberam as bnos doFogo da Verdade e foram reconhecidas como homens-medicina. J naAldeia de guas Claras, as cerimnias que acontecem na casa de rezatm estrutura e caractersticas prprias. Entretanto, h nesses ritos umasrie de elementos presentes nas cerimnias de medicina do Fogo daVerdade que apontam para o intenso dilogo que vem ocorrendo, ao

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 101

    longo da ltima dcada, entre essa comunidade indgena e esse grupoespiritual. Um desses elementos que, alis, tambm pode ser encontradonas cerimnias de medicina conduzidas na comunidade daimista, umaltar central na forma de uma meia-lua e um fogo em formato triangular.Segundo a explicao de uma liderana do Fogo da Verdade, essa meia-lua representa um arco e o fogo uma flecha, sendo esta a razo do seuformato triangular. Pela unio dos dois possvel enviar as preces ourezos para o Grande Esprito.

    O temazcal ou sweat lodge consiste em uma espcie de sauna, aque-cida com pedras quentes, durante a qual so utilizadas plantas e ervasaromticas e so entoados cantos e preces. O rito realizado numa estru-tura baixa e em forma de iglu, que pode ser feita com uma trama demadeiras flexveis cobertas com lonas e cobertores; pode ser recoberta decimento, ou mesmo barro. Segundo os membros do Fogo da Verdade, onome inipi, dado estrutura onde realizado o temazcal, significa teroda me terra e a cerimnia tem a conotao da volta ao tero; da cone-xo com o momento da concepo e do nascimento; com o real propsitoda vida; bem como do renascimento. Embora o grupo denomine a saunaritual usando um nome Nahuatl, a inspirao para sua realizao vemdo sweat lodge dos indgenas das plancies norte-americanas, entre osquais esta consiste em um procedimento cerimonial importante para odesenvolvimento espiritual e no uma prtica de sade cotidiana feitaem casa, como acontece no Mxico (Langdon, 2008).

    O temazcal realizado em diferentes espaos ligados ao Fogo daVerdade. Tambm acontece na comunidade do Santo Daime deFlorianpolis, onde muitas vezes pode ser conduzido imediatamente apso trmino de um ritual daimista. Finalmente, foi adotado na aldeia deguas Claras, onde foi batizado como opydjere, termo que significa literal-mente casa de rezas redonda. Os moradores de guas Claras realizamcom frequncia este rito, muitas vezes como uma forma de se purificar ese preparar para as cerimnias conduzidas na casa de reza da aldeia.

    A busca da viso um rito realizado num ciclo de quatro anos,sendo que em cada um desses anos o buscador vai para um espao numlugar designado como montanha, cercado por um cordo com os 365rezos que ele mesmo fez e por sete bandeiras que representam as setedirees: norte, sul, leste, oeste, cu, terra e centro ou corao. Nestecaso, os rezos consistem em trouxinhas confeccionadas com tecido etabaco e enroladas num longo cordo6. Neles, encontra-se uma precepara cada dia do ano, incluindo todos os pedidos que a pessoa desejarfazer ao Grande Esprito, bem como o aquilo que desejar agradecer. A

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...102

    dana do sol um rito que tambm dura quatro dias. Ela realizadadentro de um crculo cerimonial, ao redor da rvore da vida, uma rvoreconsiderada muito especial e sagrada. Durante esses quatro dias, o ritotem incio antes do nascer do sol com um temazcal; com os primeirosraios do sol nascente, os participantes do rito entram no crculo da dana,onde permanecem at o pr do sol. Da mesma forma que a busca daviso, a dana do sol realizada num ciclo de quatro anos, sendo que,no contexto do Fogo da Verdade, o nmero quatro sempre implica umareferncia s direes norte, sul, leste e oeste.

    A busca da viso e a dana do sol so realizadas anualmente nasede nacional do Fogo da Verdade, desde o incio dos anos 2000. A partirda aliana entre este grupo e a aldeia de guas Claras, estes ritos contamcom a participao dos moradores da comunidade, sendo que vriosindgenas Guarani, inclusive as principais lideranas da aldeia, j comple-taram o ciclo completo de quatro anos da busca da viso e da dana dosol. Em outubro de 2009, a busca da viso foi realizada pela primeira vezem guas Claras, tendo sido direcionada especialmente para os mora-dores desta e de outras aldeias Guarani do litoral sul de Santa Catarina,embora tambm tenha contado com a participao de alguns no-ind-genas. As lideranas da aldeia tm a inteno de realizar a busca daviso anualmente dentro de sua Terra Indgena.

    Desde sua aliana com o Fogo da Verdade, em 2003, os membrosda comunidade daimista de Florianpolis, pessoas ligadas a outros centrosdo Santo Daime no Brasil e em outras partes do mundo tambm vmparticipando da busca da viso e da dana do sol. As lideranas dessacomunidade daimista e vrios outros integrantes desse grupo completa-ram o ciclo completo de quatro anos da busca da viso e da dana do sol.Alguns foram reconhecidos pelos dirigentes do Fogo da Verdade comohomens-medicina. A partir de 2011, planeja-se realizar anualmente abusca da viso dentro da rea da comunidade daimista de Florianpolis.

    Junto aos ritos, circulam na rede da aliana das medicinas expres-ses, cantos, formas de se vestir e de se portar, maneiras de falar, incensose ervas aromticas utilizados durante as cerimnias, um certo cdigo deconduta implcito enfim, uma srie de elementos entre os quais grandeparte relaciona-se com a dimenso esttica, apontando para o lugar centralque este aspecto tem em todos os ritos conduzidos nos diferentes espaosvinculados a essa rede.

    Da mesma maneira que os ritos e os elementos estticos que osacompanham, possvel localizar no circuito da aliana das medicinasuma circulao dos discursos dos diferentes atores inseridos nesta rede.

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 103

    Recapitulando a histria do processo de apropriao da ayahuasca pelosGuarani de guas Claras, podemos localizar quais so esses atores: osmoradores da aldeia de guas Claras; funcionrios da rea da sadecontratados pela FUNASA; membros do Fogo da Verdade; integrantesda comunidade daimista de Florianpolis. Consideramos que todos estesatores devem ser vistos como dotados de agncia, possuindo discursos einteresses prprios (Greene, 1998). Esses diferentes discursos e interessesso negociados, assim como o sentido dos smbolos e significados quecirculam na rede da aliana das medicinas.

    Para os Guaranis da aldeia guas Claras, a ligao com o Fogo daVerdade e com a comunidade daimista, bem como a realizao das ceri-mnias e de outras prticas vinculadas ao uso da ayahuasca podem serpensadas como formas de atrair diferentes tipos de recursos para a co-munidade indgena. Cabe lembrar que a implantao dos ritos comayahuasca e do temazcal foi apoiada por recursos financeiros e por fun-cionrios que faziam parte dos servios de sade previstos pelo EstadoBrasileiro. Somado a isto, as cerimnias com ayahuasca na aldeia atraemuma srie de no-indgenas que pagam uma taxa para participar, aju-dando a cobrir os custos envolvidos na realizao e gerando mais umafonte de renda para a comunidade. J a possibilidade de participar deeventos realizados em espaos ligados ao Fogo da Verdade e na comuni-dade daimista pode ser vista como uma oportunidade especial para osmoradores de guas Claras conhecerem ideias, prticas, ritos, etc., eestabelecerem novas relaes, ainda mais levando em conta que, muitasvezes, esto presentes nesses eventos pessoas de diferentes partes domundo, inclusive lideranas de grupos indgenas de outros lugares doBrasil ou de outros pases.

    Sem dvida, o contato entre os habitantes de guas Claras e osmembros do Fogo da Verdade estimulou um dilogo que reflete umanova configurao nas relaes entre indgenas e no-indgenas no Brasil.Tradicionalmente colocados numa posio subordinada, os indgenastm historicamente sofrido preconceito, violncia e excluso por parteda sociedade envolvente. Tem havido um crescimento considervel dasorganizaes polticas indgenas e eles esto, cada vez mais, exercendoseus direitos enquanto cidados. Todavia, os Guarani que moram nasperiferias das maiores cidades da regio sul do pas tendem a resistirsilenciosamente, mantendo sua lngua nativa e guardando em segredoseus rituais. O dilogo entre os vrios atores que integram a rede daaliana das medicinas e a apropriao de uma srie de elementos presentesnesta rede na aldeia de guas Claras certamente contribuiu para conferir

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...104

    aos moradores desta comunidade mais igualdade e respeito do que nor-malmente h nas interaes entre indgenas e no-indgenas.

    Nossas observaes indicam que ainda existem assimetrias nas re-laes entre os Guarani de guas Claras e seus interlocutores no-ind-genas. Entretanto, diferente da maior parte das relaes indgenas/no-indgenas no sul do Brasil, o alto valor conferido cultura indgena pelaspessoas vinculadas ao circuito New Age possivelmente contribuiu para arenovao dos valores e prticas rituais dos Guarani, alm de estimularos moradores de guas Claras a assumirem um papel mais ativo nassuas negociaes com a sociedade envolvente. Resumindo, considera-mos que o processo de apropriao da ayahuasca em guas Claras foiacompanhado pela insero dos habitantes desta comunidade em umaampla rede na qual circulam pessoas, saberes e substncias, resultandoem novos poderes de negociao e novas possibilidades para os mora-dores de guas Claras.

    A ONG contratada pela FUNASA teve um papel importante nesseprocesso, pois foi responsvel pelo financiamento que viabilizou a reali-zao de cerimnias com ayahuasca e temazcais durante quatro anos, naaldeia guas Claras, e sua expanso para outras aldeias Guarani, emdiferentes estados. O discurso elaborado na Poltica Nacional de SadeIndgena argumenta sobre a necessidade de integrar e articular as prti-cas biomdicas com as prticas de medicina tradicional indgena nosservios de ateno primria sade (Brasil, 2002, p. 17), como um es-foro de implementar os princpios do multiculturalismo afirmados pelaConstituio de 19887. Desde 2004, a FUNASA vem crescentemente pro-movendo a integrao da medicina tradicional, num esforo de tentargarantir servios primrios de cuidado sade que sejam culturalmenteapropriados. J a partir de 2005, a rea de Medicina Tradicional deSade Indgena do Projeto VIGISUS (da Secretaria de Vigilncia emSade) vem financiando projetos participativos com apoio de recursosdo Banco Mundial (Ferreira; Osrio, 2007).

    interessante observar que o projeto da ONG mencionado acimano chegou a ser includo no programa do VIGISUS, porm, os membrosdessa ONG justificaram sua implantao em nome do respeito para comas prticas tradicionais e dos benefcios que elas trazem para a comuni-dade. O projeto se destaca por ser um dos poucos que emergiram espon-taneamente dos membros da EMSI e no como um mandato imperativode FUNASA, em Braslia. Existem poucas tentativas criativas de colocarem prtica a integrao da medicina tradicional. Paradoxalmente,

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 105

    talvez, a experincia da apropriao da ayahuasca na aldeia guasClaras pode ser pensada como uma dessas iniciativas. Apesar de suascontribuies no serem necessariamente de uma eficcia instrumental,esta iniciativa possivelmente resultou em benefcios para os moradoresde guas Claras. Dentro do campo de relaes intertnicas, sugerimosque uma consequncia positiva uma articulao mais dialgica entreesses indgenas e membros da sociedade envolvente. Por outro lado, nose pode deixar de levar em conta a influncia e a posio de poder quealguns dos participantes da EMSI tm at hoje na aldeia indgena.

    Finalmente, para o Fogo da Verdade, a presena dos Guarani cons-titui uma forma de legitimar a reivindicao da origem indgena dosconhecimentos e ritos praticados pelo grupo. A imagem do ndio temum papel importante no contexto do universo new age e dos movimentosneo-xamnicos em geral. No caso do Fogo da Verdade, um dos principaisfundamentos do discurso do grupo consiste na ideia do resgate dosconhecimentos ancestrais (i.e., indgenas), assim como na indiferenciaogeneralizada atribuda a esses conhecimentos, que teriam todos a mesmaessncia. Somado a isto, cabe relembrar que o contato entre esse grupoespiritual e a comunidade indgena de guas Claras aconteceu ao mesmotempo que o Fogo da Verdade estava comeando suas atividades no Brasil.Desta maneira, a prpria constituio do grupo no pas foi intensamentemarcada pelo dilogo com os Guarani.

    Figura 3 - Entrada do espao onde so realizadas as cerimnias,denominado opy (casa de reza), na aldeia de guas Claras ena sede do Fogo da Verdade

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...106

    Figura 4 - Opydjere na aldeia guas Claras e inipi para temazcal na sededo Fogo da Verdade

    Figura 5 - Altar da meia-lua na casa de reza de guas Claras e na sededo Fogo da Verdade

    Consideraes finais

    Existe uma relao mais ou menos evidente entre a busca deautenticidade nos povos indgenas por parte dos grupos neo-xamnicose um processo geral e global de busca de resgate cultural por parte dospovos indgenas, exemplificado pelo caso que descrevemos aqui. Emboraalguns pesquisadores sugiram que a apropriao da ayahuasca pelos

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 107

    Guarani via Fogo da Verdade possa ser pensada como uma forma suigeneris de neo-colonialismo, na qual o que est em questo a espirituali-dade indgena, de maneira alguma os Guarani devem ser vistos comoingnuos neste processo; pelo contrrio, esto engajados de maneira ativae dinmica nos diferentes dilogos e negociaes envolvidos nele (MarnioTeixeira-Pinto, comunicao no debate Dilogos Transversais, 2008).

    Numa reflexo a respeito de como convivem e se articulam as possi-bilidades e as limitaes da inovao cultural e do exerccio da criativi-dade na sociedade, buscando entender como so produzidos e recriadosos significados, Sahlins (1997, 1997b) tematiza a capacidade dos povosindgenas de englobar e integrar o sistema mundial em suas prpriasvises de mundo. Este autor, que procura olhar os indgenas como atores,argumenta que, contrariando expectativas correntes nas dcadas de 1950e 1960, esses povos recusaram-se tanto a desaparecer quanto a se tornarcomo ns, esforando-se numa tentativa de incorporar o sistema mun-dial a uma ordem ainda mais abrangente: seu prprio sistema de mundo(1997, p. 52). a essa aparentemente paradoxal recusa dos povos ind-genas em desaparecerem que Sahlins chama de indigenizao damodernidade. Este movimento, que foi denominado por Richard Salisburycomo intensificao cultural, est ligado incorporao seletiva deelementos provenientes da sociedade global nas culturas indgenas, bus-cando refletir noes tradicionais da boa vida e estando associado comuma promoo explcita da cultura indgena (Salisbury, 1984 apudSahlins 1997, p. 53). Segundo Sahlins, embora em alguns lugares j venhaocorrendo h sculos, este processo tornou-se mais visvel e adquiriu di-menses mundiais principalmente a partir dos anos 1980 (1997, p. 53).

    Para ele, portanto, deve-se reconhecer que existe o desenvolvimentosimultneo de uma integrao global e de uma diferenciao local (Brigt;Geyer, 1987 citados em Sahlins 1997, p. 57), sendo que as semelhanasculturais da globalizao se relacionam dialeticamente com as exignciasopostas da indigenizao (Sahlins, 1957, p. 57). Desta maneira,homogeneidade e heterogeneidade no devem ser vistas como mutuamen-te exclusivas, mas sim como duas tendncias constitutivas da realidadeglobal (1997, p. 58). Tematizando a questo da sobrevivncia cultural,Sahlins afirma que ela consiste na tentativa dos povos indgenas se apro-priarem do sistema capitalista nos seus prprios termos, enfatizando,portanto, uma viso histrica desses povos segundo a qual a continuidadedas culturas indgenas consiste nos modos especficos pelos quais elas se trans-formam (1997b, p. 126, grifos do autor).

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...108

    A discusso sobre as possibilidades de inovao ou variao cultural um tema de grande interesse para a antropologia contempornea. Re-flexes sobre questes como a relao entre o passado e o presente e areproduo/recriao de mitos e ritos articulam questes tericas de fun-do ligadas s relaes entre estrutura e evento; rito, mito e histria;criatividade e interpretao individuais como contribuio produode inovaes coletivamente apropriadas. Essas reflexes, ainda, nos con-vidam a repensar conceitos como os de modernidade e tradio, apon-tando para a ideia de que, como sugere Sahlins, a tradio consiste nosmodos distintos como se d a transformao (1997, p. 63), sendo queesta transformao necessariamente adaptada ao esquema culturalexistente. Este ponto de vista tem como base uma ampla mudana deperspectivas que ocorre na antropologia, a partir da dcada de 1980(Ortner, 1994), e que tem entre suas principais premissas: o questiona-mento da viso da cultura como totalidade e das unidades sociais comoauto-contidas; as ideias de que todas as unidades sociais devem ser situa-das no tempo e na histria (Oliveira, 1999); de que o processo de cons-truo de identidades e fronteiras tem uma importante dimenso poltica(Barth, 2000); e, finalmente, uma viso da cultura como fluida, emergentee dinmica (Langdon, 1996b).

    Em artigo recente, Langdon (2007) discute o status analtico dostermos xam e xamanismo, argumentando que o crescimento dos rituaisxamnicos praticados por grupos no-indgenas em centros urbanos foraa reviso desses conceitos. A autora aponta que a expanso do xamanismopara culturas no-indgenas pode ser considerada como estando relacio-nada ao intercmbio entre o local e o global num contexto mais amplo,remetendo assim a questes centrais na antropologia contempornea,tais como as noes de cultura, tradio, continuidade, lugar e prxis.Segundo essa autora, o crescimento dos xamanismos Nova Era entre asclasses urbanas, que se torna evidente principalmente a partir dos anos1990, quando o neo-xamanismo comea a se tornar visvel como umfenmeno global, nos fora a reconhecer que o xamanismo no maisapenas um fenmeno indgena, sendo que xams e xamanismos devemser vistos como categorias dialgicas que frequentemente so negociadasnas fronteiras das sociedades indgenas locais e de suas interfaces comas sociedades nacionais e globais.

    Manuela Carneiro da Cunha (1998) prope que o xam seja vistocomo um tradutor do conhecimento indgena. A antropologia temconsiderado o xam como tradutor de outras realidades, ou como media-dor entre o visvel e o oculto, porm ela sugere um papel adicional para

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 109

    o xam: aquele de tradutor do conhecimento nativo, incluindo o ecolgi-co, para o no-indgena. J Hamayon (2003), pesquisador importantedo xamanismo siberiano, tem sugerido que a compreenso ocidental dofenmeno uma forma de objetificao do Outro, constituindo um espelhocom que ns construmos a sua imagem. Para ns, xamanismo no simplesmente traduo nem objetificao, mas um fenmeno que emergedialogicamente com base nas interaes entre todos os atores envolvidosno revival global deste fenmeno antroplogos, jornalistas, organizaesambientais, profissionais da rea da sade, indgenas e neo-xams entreincontveis outros. A estreita rede de relaes formada ao longo dos l-timos oito anos entre os Guarani da aldeia de guas Claras, o Fogo daVerdade do Brasil, a comunidade do Santo Daime de Florianpolis e oEstado, e a intensa circulao de pessoas, saberes, substncias no mbitodessa rede que procuramos delinear e descrever de maneira preliminarneste texto, consiste em um exemplo deste tipo de dilogo. Casos contem-porneos como este nos levam a questionar ideias de culturas homogneascom fronteiras claras e bem definidas (Langdon, 2007), sugerindo que oxamanismo muitas vezes um dilogo; um fenmeno constantementeemergente, que se cria e recria a partir das interaes entre atores nummundo ps-colonial e ps-moderno.

    Notas

    1 Para uma sntese da metfora do canibalismo e seu potencial para pesquisa com-parativa, ver Fausto 2007.2 Em janeiro de 2010, foi publicado, no Dirio Oficial da Unio, o relatrio de umGrupo Multidisciplinar de Trabalho (GMT) institudo pelo Conselho Nacional dePolticas sobre Drogas (CONAD) e composto por representantes do governo, pes-quisadores e representantes dos grupos ayahuasqueiros. A finalidade deste GMTera realizar o levantamento e acompanhamento do uso religioso da ayahuasca,bem como pesquisar sua utilizao teraputica. Este relatrio sanciona o uso dabebida definido como ritual e religioso e apresenta uma deontologia para suautilizao, ou seja, uma carta de orientaes ticas que procuram regulamentar seuconsumo e prevenir seu uso inadequado.3 Para uma reflexo sobre estas categorias, ver Labate, 2004.4 Um exemplo a respeito o caso de alguns jovens Kaxinaw que vm realizandorituais com ayahuasca direcionados para no-indgenas em grandes cidades doBrasil, como So Paulo e Rio de Janeiro.5 Este casal foi responsvel pela reocupao da aldeia de guas Claras na dcadade 1980, tendo liderado sua famlia extensa numa migrao que resultou de umsonho proftico. Atualmente, muitos Guarani os reconhecem como curadores e reza-dores com poderes xamnicos admirveis e, enquanto casal, eles so considerados

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...110

    os mais velhos e mais poderosos karaikuery na regio do litoral de Santa Catarina(Mello, 2006).6 No contexto do Fogo da Verdade, rezo consiste numa concepo polivalente,que pode ter diferentes significados: pode referir-se s preces e pedidos ou aosdiscursos feitos durante as cerimnias de medicina; s oraes feitas com o tabacoao fumar a shanup,a ou mesmo a um pensamento ou inteno silenciosa.7 Com a reforma da constituio, a poltica de cuidado da sade indgena passou areceber maior ateno, o que resultou na criao, em 1999, de um subsistema desade dedicado aos servios de ateno primria para as comunidades indgenas.Um importante princpio que orienta esses servios chamado de ateno diferen-ciada e implica respeito ao conhecimento tradicional, s prticas e aos especialis-tas em cura do grupo, assim como acesso universal aos cuidados primrios desade (Langdon, 2004).

    Referncias

    ASSIS, Valria de; GARLET, Ivori Jos Garlet. Anlise sobre as populaes guaranicontemporneas: demografia, espacialidade e questes fundirias. Revista de Indias,[s.l.], v. LXIV, n. 230, p. 35-54, 2004.ATKINSON, Jane Monnig. Shamanisms Today. Annual Review of Anthropology, PaloAlto, n. 21, p. 307-330, 1992.BARTH, Frederick. Os grupos tnicos e suas fronteiras. In: ______. O guru, o iniciadore outras variaes antropolgicas. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2000. p. 25-67.BRASIL. Fundao Nacional de Sade. Poltica Nacional de Ateno Sade dos PovosIndgenas. 2.ed. Braslia: Ministrio da Sade/Fundao Nacional de Sade, 2002.CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Pontos de Vista sobre a Floresta Amaznica:Xamanismo e Traduo. Mana, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 7-22, 1998.DEVEREUX, Georges. Shamans as Neurotics. American Anthropologist, [s.l.], v. 63,n. 5, p. 1088-1090, oct. 1961.DEVEREUX, Georges. Normal et anormal. In: _____. Essais dethnopsychiatrie gnrale.Paris: Gallimard, 1970.ELIADE, Mircea. Shamanism: Archaic Techniques of Ecstasy. London: Routledgeand Kegan Paul, 1964.FAUSTO, Carlos. Feasting on People: Cannibalism and Commensality in Amazonia.Current Anthropology, [s.l.], v. 28, p. 497-530, 2007.FERREIRA, Luciane Ouriques; OSRIO, Patrcia Silva (Orgs.). Medicina TradicionalIndgena em Contextos. Reunio de Monitoramento. 1., 2007, Braslia. Anais... Braslia:FUNASA-Projeto Vigisus II/ Ministrio da Sade, 2007. p. 110-119.FERREIRA OLIVEIRA, Aline; GOMES, Laura Gomes. Cerimnia de medicina:etnografando segundo o modelo de processo ritual. Trabalho apresentado para adisciplina Do rito performance, CFH/UFSC, 2008. [mimeo]FRANA, Marcelo. Relato da Aldeia Yynn Morothi Wher da Terra Indgena MBiguau.2008. Disponvel em:

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 111

    relato_aldeia.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2009.GOODMAN, Felicitas D. Where the spirits ride the wind. Trance journeys and otherecstatic experiences. Bloomington: University of Indian Press, 1990.GOW, Peter. River People: Shamanism and History in Western Amazonia. In:THOMAS, Nicholas; HUMPHREY, Caroline E. (Orgs.). Shamanism, history, and thestate. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1994.GREENE, Shane. The shamans needle: development, shamanic agency andintermedicality in Aguaruna Lands, Peru. American Ethnologist, Peru, v. 25, n. 4,p. 634-658, 1998.HAYAMON, Roberte. Introduction a Chamanismes. Ralits autochtones, rinventionsoccidentales. Revue Diogne Chamanismes. Paris: Presses UniversitairesFrancaises, 2003. p. 7-54.HARNER, Michael. The way of the shaman. New York: Bantam Books, 1982.HUXLEY, Aldous. The doors of perception. New York: Harper and Row, 1954.JOHNSON, Paul C. Shamanism from Ecuador to Chicago. A case studey in Newage ritual appropriaton. In: HARVEY, Graham (Org.). Shamanism, a reader. London:Routledge, 2003. p. 334-354.LABATE, Beatriz Caiuby. A reinveno do uso da ayahuasca nos centros urbanos. Cam-pinas: Mercado de Letras, 2004.LABATE, Beatriz Caiuby; MACRAE, Eduard; GOULART, Sandra Lucia. As religiesayahuasqueiras brasileiras em perspectiva, 2007. [manuscrito]LABATE, Beatriz Caiuby; ROSE, Isabel Santana de; SANTOS, Rafael Guimares.Religies ayahuasqueiras: um balano bibliogrfico. Campinas: Mercado de Letras, 2008.LANGDON, Esther Jean (Org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas.Florianpolis: Editora da UFSC, 1996.LANGDON, Esther Jean. Performance e preocupaes ps-modernas em antropo-logia. In: TEIXEIRA, Joo Gabriel L. C. (Org.). Performance, performticos e sociedade.Braslia: Editora da UNB, 1996b. p. 23-29.______. Uma avaliao crtica da ateno diferenciada e a colaborao entre Antro-pologia e profissionais de sade. In: LANGDON, Esther Jean; GARNELO, Luiza(Orgs.). Sade dos povos indgenas: reflexes sobre antropologia participativa. Rio deJaneiro: Editora Contra-Capa, 2004. p. 41-57.______. Shamans and shamanisms: reflections on anthropological dilemmas ofmodernity. Vibrant, Braslia, v. 4, n. 2, p. 27-48, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 8 fev. 2009.______. New perspectives of shamanism in Brazil : shamanisms and neo-shamanisms as dialogical categories. Artigo apresentado no SEMINRIO PERMA-NENTE DE ETNOGRAFIA MEXICANA, Instituto Nacional de Antropologia eHistoria, Mxico, 2008. [mimeo]LIMA DA SILVA, Raquel. Natureza, rainha da floresta e indianidade: o caso da igreja doSanto Daime entre os ndios Apurin da aldeia Camicu. 2002. Monografia (Graduaoem Cincias Sociais) Universidade Federal do Acre, Rio Branco, 2002.

  • Isabel S. de ROSE; Esther Jean LANGDON. Dilogos (neo)xamnicos:...112

    LITAIFF, Aldo. As divinas palavras. Identidade tnica dos guarani-mbya.Florianpolis: Editora da UFSC, 2004.MACKLIN, June Victor Acevedo Martinez; TORRES, Elizabeth Gonzalez. Newreligious movements and ritual transformations of the modern self. ScriptaEthnologica, Buenos Aires, n. XXI, p. 35-58, 1999.MACRAE, Edward. The ritual and religious use of ayahuasca in contemporaryBrazil. In: TAYLOR, Whitney; STEWART, Rob; HOPKINS, Kerry; EHLERS, Scott(Orgs.). DPF XII Policy Manual, Washington: The Drug Policy Foundation Press,1999. p. 47-50.MELLO, Flvia Cristina. Aetch nhanderukuery karai retar: Entre deuses e animais.Xamanismo, parentesco e transformao entre os Chirip e Mby Guarani. 2006.Tese (Doutorado em Antropologia Social) PPGAS/UFSC, Florianpolis, 2006.METZNER, Ralph (Org.). Sacred Vine of Spirits: Ayahuasca. Vermont: Park StreetPress, 1999.NOLL, Richard. Shamanism and schizophrenia: a state-specific approach to theschizophrenia metaphor of shamanic states. American Ethnologist, [s.l.], v. 10, n. 3, p.443-459, 1983.OLIVEIRA, Joo Pacheco de. A problemtica dos ndios misturados e os limitesdos estudos americanistas: a um encontro entre antropologia e histria. In: OLIVEI-RA FILHO, Joo Pacheco de. Ensaios de Antropologia Histrica . Rio de Janeiro: Edito-ra da UFRJ, 1999. p. 99-123.ORTNER, Sherry B. Theory in antropology since the sixties. In: DIRKS, Nicholas B.;ELEY, Geoff; ORTNER, Sherry B. (Orgs.). Culture, power, history: a reader incontemporary social theory. Princeton: University of Princeton Press, 1994.PREZ GIL, Laura. Chamanismo y modernidade: fundamentos etnogrficos de unprocesso histrico. In: CALAVIA SEZ, Oscar; LENAERTS, Marc; SPADAFORA,Ana Mara (Orgs.). Paraso abierto, jardines cerrados: Pueblos indgenas, saberes ybiodiversidad. Quito: Abya-Yala, 2004. p. 179-201.SAHLINS, Marshall. O pessimismo sentimental a experincia etnogrfica: porque a cultura no um objeto em via de extino (Parte I). Mana, Rio de Janeiro, v. 3 ,n. 1, p. 41-73, 1997.______. O pessimismo sentimental a experincia etnogrfica: Por que a culturano um objeto em via de extino (Parte II). Mana, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 103-150, 1997b.SANTANA OLIVEIRA, Melissa. Kiringu i kuery Guarani. Infncia, educao ereligio entre os Guarani de MBiguau, SC. 2004. Dissertao (Mestrado em Antro-pologia Social) PPGAS/UFSC, Florianpolis, 2004.SCHULTES, Richard Evans; HOFMANN, Albert; RATSCH, Cristian. Plants of thegods. Their, sacred, healing, and hallucinogenic powers (revised and expandededition). Rochester, Vermont: Healing Arts Press, 2001.SEEGER, Anthony; DA MATTA, Roberto; VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A Cons-truo da pessoa nas sociedades indgenas brasileiras. In: OLIVEIRA FILHO, JooPacheco de (Org.). Sociedades indgenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/

  • Tellus, ano 10, n. 18, jan./jun. 2010 113

    Editora Marco Zero, 1987 [1979]. p. 11-30.SELL, Ari Bertoldo. Neurobiologia e Xamanismo. In: LANGDON, Esther Jean (Org.).Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianpolis: Editora da UFSC, 1996. p.353-361.SILVERMAN, Julian. Shamans and acute schizophrenia. American Anthropologist,[s.l.], v. 69, p. 21-31, 1967.TAUSSIG, Michael. Shamanism, colonialism, and the wild man: a study in terror andhealing. Chicago: University of Chicago Press, 1987.TEKPANKALLI, Aurelio Daz. Una voz para los hijos de la tierra. Tradicion oral delCamino Rojo. Illinois: Igreja Nativa Americana de Itzachilatlan, 1996.THOMAS, Nicholas; HUMPHREY, Caroline E. (Orgs.). Shamanism, history, and thestate. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1994.VARGAS, Haroldo Evangelista. Fortalecimento das lideranas espirituais da naoGuarani. Projeto apresentado pela ONG Rondon Brasil FUNASA, 2002. [mimeo]VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. B. Images of Nature and Society in AmazonianAnthropology. Annual Review of Anthropology, Palo Alto, v. 25, p. 179-200, 1996.______. Os pronomes cosmolgicos e o perspectivismo amerndio. Mana, Rio deJaneiro, v. 2, n. 2, p. 145-162, 1996b.WHITEHEAD, Neil L. Dark Shamans. Kanaima and the poetics of violent death.Durham: Duke University Press, 2002.WHITEHEAD, Neil L.; WRIGHT, Robin Wright. In darkness and secrecy. TheAnthropology of Assault sorcery and Witchcraft in Amazonia. Durham: DukeUniversity Press, 2004.WINKELMAN, Michael. Shamanism: The Neural Ecology of Consciousness andHealing. Connecticut: Bergin and Garvy, 2000.

    Recebido em 22 de dezembro de 2009.Aprovado para publicao em 15 de fevereiro de 2010.