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CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 24501 EFEITOS DO CONDICIONAMENTO HIGROTÉRMICO NA RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO INTERLAMINAR DE LAMINADOS DE CARBONO/EPÓXI Geraldo Maurício Cândido 1 , Sérgio Frascino M. de Almeida 1 , Mirabel Cerqueira Rezende 2 1. Departamento de Engenharia Mecânica - Instituto Tecnológico de Aeronáutica - CTA, São José dos Campos, SP, e-mail: [email protected]. 2. Divisão de Materiais - Instituto de Aeronáutica e Espaço - CTA, São José dos Campos, SP, e-mail: [email protected] RESUMO: A combinação de temperatura alta com elevado teor de umidade pode causar mudança imediata ou a longo prazo das propriedades térmicas e mecânicas de compósitos poliméricos,, particularmente aquelas dominadas pela matriz ou pela interface fibra/resina. O objetivo deste trabalho é comparar a resistência ao cisalhamento interlaminar (ILSS), à temperatura ambiente, de laminados unidirecionais de carbono/epóxi, acondicionados à temperatura ambiente e submetidos a condições severas de temperatura e umidade relativa simuladas em uma câmara higrotérmica até a saturação. Os resultados mostram que os efeitos higrotérmicos afetam significativamente a resistência do laminado reduzindo em 32,5 % a resistência ao cisalhamento interlaminar, em relação aos laminados não condicionados. A análise microestrutural da região de interface fibra/matriz, pela técnica de microscopia eletrônica de varredura, mostrou que as condições higrotérmicas favoreceram o rompimento da interface, devido ao longo período de exposição até completar a saturação do compósito. Palavras-chave: condicionamento higrotérmico, cisalhamento interlaminar, laminado, compósitos poliméricos, umidade, interface.

EFEITOS DO CONDICIONAMENTO …...por modo de cisalhamento e a carga de fratura é interpretada como a medida de resistência ao cisalhamento interlaminar do compósito [10,11]. Devido

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Page 1: EFEITOS DO CONDICIONAMENTO …...por modo de cisalhamento e a carga de fratura é interpretada como a medida de resistência ao cisalhamento interlaminar do compósito [10,11]. Devido

CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 24501

EFEITOS DO CONDICIONAMENTO HIGROTÉRMICO NA RESISTÊNCIA AO

CISALHAMENTO INTERLAMINAR DE LAMINADOS DE CARBONO/EPÓXI

Geraldo Maurício Cândido1, Sérgio Frascino M. de Almeida1, Mirabel Cerqueira Rezende2

1. Departamento de Engenharia Mecânica - Instituto Tecnológico de Aeronáutica - CTA, São Josédos Campos, SP, e-mail: [email protected].

2. Divisão de Materiais - Instituto de Aeronáutica e Espaço - CTA, São José dos Campos, SP,e-mail: [email protected]

RESUMO: A combinação de temperatura alta com elevado teor de umidade pode causar

mudança imediata ou a longo prazo das propriedades térmicas e mecânicas de compósitos

poliméricos,, particularmente aquelas dominadas pela matriz ou pela interface fibra/resina.

O objetivo deste trabalho é comparar a resistência ao cisalhamento interlaminar (ILSS), à

temperatura ambiente, de laminados unidirecionais de carbono/epóxi, acondicionados à

temperatura ambiente e submetidos a condições severas de temperatura e umidade relativa

simuladas em uma câmara higrotérmica até a saturação. Os resultados mostram que os

efeitos higrotérmicos afetam significativamente a resistência do laminado reduzindo em

32,5 % a resistência ao cisalhamento interlaminar, em relação aos laminados não

condicionados. A análise microestrutural da região de interface fibra/matriz, pela técnica de

microscopia eletrônica de varredura, mostrou que as condições higrotérmicas favoreceram

o rompimento da interface, devido ao longo período de exposição até completar a saturação

do compósito.

Palavras-chave: condicionamento higrotérmico, cisalhamento interlaminar, laminado,

compósitos poliméricos, umidade, interface.

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ABSTRACT: The exposition during a short or long period of time to an environmental

condition combining high temperature and humidity may cause modification of the

thermomechanical properties of polymeric composites, particularly, those properties that

are matrix or fiber/matrix interface dominated. This work compares the room temperature

interlaminar shear strength of unidirectional carbon/epoxy laminates for two different

environmental conditions. A group of specimens was tested under room temperature and

humidity conditions; a second group was submitted to severe temperature and humidity

conditions simulated in an environmental chamber until saturation were reached. The

results show that the hygrothermal effects decrease the interlaminar shear strength by 32.5

%. The microstructural analysis of fiber/matrix interface, by scanning electron microscopy,

showed that the hygrothermal conditions favored an interfacial debonding due to the long

period of environmental exposition until saturation was reached.

Key words: Hygrothermal, interlaminar shear strength, laminate, polymer composite,

humidity, interface

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INTRODUÇÃO

O comportamento higrotérmico de compósitos de matriz epóxi reforçada com fibras

de carbono tem sido estudado extensivamente por vários pesquisadores ao longo dos anos

[1-3]. O principal interesse do estudo se concentra nos sistemas poliméricos de aplicação

estrutural aeronáutica, cujos componentes estão sempre expostos a ambientes quente e

úmido. Geralmente é considerado que a umidade absorvida pelo compósito ocorre pelo

processo de difusão de Fick e atua como um plastificante da matriz, rompendo ligações de

van der Waals entre éteres, aminas secundárias e grupos hidroxilas, reduzindo, assim, a

temperatura de transição vítrea e a resistência da interface fibra/matriz [4,5].

Esses efeitos podem ser reversíveis quando a exposição tem um período de curta

duração. Porém, quando a exposição ocorre em ciclos prolongados onde a combinação de

umidade com mudanças de temperatura está presente, os efeitos produzidos podem ser

irreversíveis devido à afinidade da água com grupos funcionais específicos de matrizes

poliméricas de natureza polar. Nesse caso, pode ocorrer a degradação química da matriz e o

descolamento da interface alterando, consequentemente, as propriedades mecânicas e

termofísicas do compósito [6,7].

Recentemente Cândido et al. demonstraram experimentalmente que o elevado teor

de umidade, combinado com temperatura alta, pode aumentar ou diminuir a resistência à

tração de laminados cruzados de carbono/epóxi fabricados com dois diferentes tipos de

acabamentos de borda livre. Pelos resultados obtidos ficou evidente que a saturação de

umidade do compósito influenciou as propriedades da matriz, indicando que a interface

fibra/resina foi afetada [8,9].

Além dos materiais constituintes do reforço e da matriz a região de interface é

considerada o terceiro componente do compósito. Uma boa adesão entre fibra/resina é

essencial para que se tenha uma boa resistência ao cisalhamento e garantir boas

propriedades fora do plano do laminado. Existem várias técnicas de investigação mecânica

e microscópica para analisar os mecanismos de adesão interfacial. O ensaio de resistência

ao cisalhamento interlaminar padronizado pela ASTM D2344 é um dos métodos mais

utilizados para laminados unidirecionais.

Utilizando-se um corpo-de-prova cuja forma geométrica é a de uma viga curta, esse

ensaio fornece a máxima resistência à adesão interfacial, após ser submetido ao

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carregamento de flexão em três pontos. A falha ocorre no plano médio paralelo às fibras

por modo de cisalhamento e a carga de fratura é interpretada como a medida de resistência

ao cisalhamento interlaminar do compósito [10,11].

Devido à simplicidade do método e a pouca complicação na preparação dos corpos-

de-prova este ensaio é muitas vezes utilizado como ferramenta de controle da qualidade do

material, com ampla aceitação para avaliar propriedades de adesão fibra/resina de

compósitos [10]. Por outro lado, o ensaio não é adequado para a geração de dados para

definir critérios de projeto, pois muitas vezes a falha pode ocorrer fora do plano médio

esperado [11].

Neste trabalho, este método de caracterização mecânica foi utilizado para medir a

resistência ao cisalhamento interfacial em laminados unidirecionais de carbono/epóxi nas

condições seco a temperatura ambiente e saturado de umidade. Sendo esta última condição

simulada em câmara de climatização higrotérmica. Para fins de comparação dos resultados

a análise microestrutural da interface fibra/resina no plano da falha, foi realizada para

ambas condições dos laminados ensaiados, pela técnica de microscopia eletrônica de

varredura.

MÉTODOS EXPERIMENTAIS

Fabricação dos Laminados

Material pré-impregnado unidirecional de carbono/epóxi em forma de fita contínua

foi utilizado na fabricação do laminado. Quinze camadas medindo (200 × 100) mm foram

cortadas e laminadas manualmente sobre uma placa de alumínio, com as fibras

posicionadas no sentido 0°. Esse material é de aplicação estrutural aeronáutica e foi

fornecido pela empresa Hexcel Composites com o código de especificação T 2H 190 12”

F593-12: 38%. A letra T significa tape, 2H indica que a fibra é de carbono de módulo

padrão AMOCO T-300/12K, 190 define a gramatura em g/m2, 12”a largura da bobina,

F593-12 o sistema de resina epóxi modificada e 38% é o conteúdo nominal de resina que

tem o pré-impregnado. O sistema de resina F593 já contém o endurecedor, sendo fornecido

parcialmente curado, ou seja, no estágio B, permitindo uma fácil conformação em

superfícies curvas.

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O processamento do pré-impregnado foi realizado em uma sala climatizada e a cura

dos laminados foi consolidada em uma autoclave. O ciclo completo de cura foi programado

para operar a 181 °C com 0,69 MPa (6,9 bar) de pressão e vácuo de 0,0083 MPa (0,83 bar).

Depois de curado o laminado foi desmoldado e inspecionado por ultra-som pela técnica de

transmissão por coluna de água com transdutor de 5 MHz e jatos de 3 mm de diâmetro [12].

Não sendo detectada a existência de defeitos de fabricação tais como, trincas, porosidades,

delaminações e outros que comprometessem a estrutura dos laminados, foi imediatamente

iniciada a preparação dos corpos-de-prova.

Corpos-de-prova

Os corpos-de-prova foram recortados nas dimensões (21,0 × 6,35 × 3,11 mm) com o

comprimento paralelo à direção das fibras. Como os laminados unidirecionais são bastante

sensíveis à delaminação nos pontos de entrada e saída da ferramenta e as fibras de carbono

são naturalmente rígidas e frágeis, o corte desse tipo de laminado foi realizado com disco

diamantado operando em altas rotações. Sendo assim, a abrasividade do compósito é

superada resultando em um corte com qualidade, minimizando, assim, a possibilidade de

causar delaminações de borda livre. A operação de preparação dos vinte e quatro corpos-

de-prova foi finalizada com o lixamento manual das superfícies cortadas, para garantir o

acabamento especular das bordas livres.

Exposição Higrotérmica

Um lote de doze corpos-de-prova foi primeiramente secado em estufa a 110 ± 2 °C

por duas horas conforme procedimento baseado na norma ASTM C565-85. Esta operação

foi repetida várias vezes até que a massa seca dos corpos-de-prova ficasse constante com

precisão de ± 0,002g. Após a secagem e antes de iniciar a exposição higrotérmica todos os

corpos-de-prova foram armazenados em um dessecador para minimizar a absorção de

umidade ambiente na estrutura do compósito.

O condicionamento dos corpos-de-prova foi realizado a 80 ± 1 °C com teor de

umidade relativa de 90 ± 3% em uma câmara de climatização Heraus Vötsch,modelo VUK

08/1000. Semanalmente, os corpos-de-prova foram removidos da câmara por pequenos

intervalos de tempo para fazer a medição do ganho de massa em uma balança analítica

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Sartotius Jundilab modelo BP 2105, com precisão de 0,1 mg [9]. O efeito desta remoção

sobre a determinação do ganho de massa foi desprezado. Este procedimento se repetiu até

que o limite efetivo de saturação de umidade fosse alcançado. Após a pesagem da quinta

semana foi verificado que a variação do conteúdo de umidade absorvida era menor do que

0,005%, mas os laminados continuaram expostos até a oitava semana, apesar do equilíbrio

já ter sido atingido.

Ensaio Mecânico

Após encerrado o ciclo de condicionamento todos corpos-de-prova foram

removidos da câmara, embalados e imediatamente submetidos ao ensaio de resistência ao

cisalhamento interlaminar. Foram testados 12 corpos-de-prova para cada tipo de condição

ambiental, conforme a norma ASTM D2344 para uma viga muito curta carregada em

flexão por três pontos. A máquina utilizada foi uma Kratos modelo K 10000 equipada com

célula de carga de 500 Kgf. As extremidades do corpo-de-prova foram apoiadas em dois

suportes do dispositivo de ensaio que tem 3,18 mm de diâmetro, espaçados em um vão que

corresponde a quatro vezes a espessura do laminado. A carga é aplicada no ponto médio do

corpo-de-prova por um punção de ponta esférica de 6,35 mm de diâmetro, a uma

velocidade de 1,3 min/mm até ocorrer a falha do laminado.

Por ser suficientemente pequena a relação entre o vão dos suportes e a espessura dos

corpos-de-prova, a máxima tensão de cisalhamento é assumida ocorrer no plano médio do

laminado por compressão na superfície superior e tração na superfície inferior. Desse

modo, o corpo-de-prova falha por cisalhamento interlaminar, que é caracterizado por uma

trinca ao longo do plano horizontal entre as camadas. Por sua vez, a superfície da região de

falha fornece informações para a análise por microscopia eletrônica de varredura dos

efeitos físicos do condicionamento higrotérmico sobre a adesão interfacial do compósito,

para ser comparado com os laminados não condicionados.

Análise Microscópica

A análise microscópica da região interfacial foi realizada pelo uso de um

microscópio eletrônico de varredura LEO 435 VPi, sem a necessidade de metalizar as

amostras.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Qualidade do Compósito

O bom padrão de qualidade da placa laminada foi certificado pela inspeção ultra-

sônica realizada após a desmoldagem do compósito. O laminado foi fabricado com

espessura uniforme e isento de defeito de fabricação, tais como, vazios, bolhas, trincas e

delaminações. Este resultado é atribuído a três condições fundamentais da metodologia de

fabricação que foram rigorosamente cumpridas.

A primeira corresponde a correta observação dos procedimentos básicos adotados

na armazenagem e manuseio das camadas durante o processamento do material pré-

impregnado em um ambiente adequadamente limpo, com faixa de temperatura e umidade

relativa controladas. Esse rigor é necessário para impedir a contaminação do material por

partículas e impurezas do ar o que causaria a degradação das suas propriedades mecânicas.

A segunda é atribuída à programação dos parâmetros de pressão, temperatura e

vácuo, adequada ao sistema de resina para cura em autoclave. Os efeitos adversos da

pressão de cura sobre o fluxo da resina, compactação das camadas e extração de voláteis

geram vazios que afetam diretamente as propriedades mecânicas do compósito.

A terceira condição está na execução cuidadosa da usinagem do compósito para o

ajuste do contorno e acabamento da borda livre dos corpos-de-prova para evitar a

delaminação de borda livre. A utilização de disco diamantado girando em altas rotações foi

muito importante para obter boa qualidade de corte sem delaminar a borda livre.

Absorção de Umidade

A análise do resultado de absorção de umidade mostrado na figura 1, indica que a

concentração aumenta rapidamente com o tempo na primeira semana de condicionamento e

se aproxima lentamente do nível de saturação após a quinta semana de exposição ao

ambiente úmido, conduzindo todos os corpos-de-prova a atingir um ganho de massa médio

de mesma ordem. Isso é esperado uma vez que a placa laminada foi produzida com

espessura uniforme e isenta de defeitos de fabricação, como certificado pela inspeção ultra-

sônica de transmissão por coluna de água.

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Figura 1 –Ganho de massa do laminado

Resistência ao Cisalhamento Interlaminar

A resposta ao cisalhamento interlaminar foi utilizada como base de comparação dos

laminados saturados de umidade com os laminados secos à temperatura ambiente. O

resultado foi determinado a partir da máxima equação da tensão de cisalhamento deduzida

da teoria da viga. As medidas da resistência ao cisalhamento interlaminar dos corpos-de-

prova para as duas condições ensaiadas são mostradas na Tabela 1. Nesta tabela incluem-

se, também, o máximo e o mínimo valor medido para caracterizar a dispersão de dados.

Tabela 1 – Resultados do Ensaio de Resistência ao Cisalhamento Interlaminar

Resistência ao Cisalhamento (MPa)Laminados

Máximo Mínimo Médio

Úmido Condicionado 86,2 62,7 78,6

Seco Ambiente 120,6 112,4 116,5

Pode ser observado que o condicionamento higrotérmico reduziu drasticamente a

resistência ao cisalhamento interlaminar dos laminados e aumentou a dispersão dos dados.

A diferença de performance a favor dos laminados secos à temperatura ambiente é de 32,5

%. Esta significativa diferença indica que a resistência ao cisalhamento interlaminar

depende principalmente das propriedades da matriz e da resistência ao cisalhamento

interfacial fibra/resina. Isto sugere que o conhecimento da adesão fibra/resina é

fundamental para uma comparação qualitativa dos resultados.

0 2 4 6 8

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

Gan

ho d

e M

assa

(%)

Tempo de Exposição (Raíz Quadrada de Dias)

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A figura 2 mostra a degradação da colagem interfacial fibra/resina do laminado que

foi submetido ao condicionamento higrotérmico, onde as fibras estão desprovidas da

proteção de resina. Isto sugere que a absorção da umidade ocorreu por difusão de Fick na

região de interface fibra/resina. Resíduos químicos polares provenientes do tratamento

superficial das fibras de carbono podem, também, ter favorecido a migração de moléculas

de água na região de interface, ocupando pequenos sítios dos volumes livres existentes na

matriz epóxi. Essa concentração de umidade resultou no aumento da pressão osmótica,

causando o descolamento da fibra, devido ao rompimento de ligações de van der Waals e

de ponte de hidrogênio, que contêm a resina. Sendo assim, ocorre a redução da temperatura

de transição vítrea reduzindo, consequentemente, a temperatura de serviço do compósito.

Por outro lado, a figura 3 mostra a região de interface do laminado seco à

temperatura ambiente, onde se observa uma boa ancoragem da resina nas fibras. Neste

caso, o compósito tem uma região interfacial bem definida, podendo-se observar a

ancoragem da matriz polimérica no reforço, característica essa essencial para se obter os

melhores resultados de resistência ao cisalhamento interlaminar no ensaio mecânico.

Também pode ser observado na figura 3, que a região interfacial não tem uma espessura

infinitesimal. Existe uma região de dimensões finitas no compósito que é denominada de

interfase. É através dessa região que as tensões são transferidas da resina para a fibra,

quando o laminado é solicitado pelo carregamento em flexão.

Nessa região observa-se, também, a presença de espaços vazios de dimensões

micrométricas ao redor das fibras, considerados volumes livres, que podem ser ocupados

por moléculas de água, quando os laminados são submetidos ao condicionamento

ambiental. A observação da textura do laminado seco permite compreender melhor o

provável fenômeno de ocupação dos volumes livres existentes na matriz epóxi pela água,

nos laminados condicionados.

Uma análise cuidadosa da figura 3 revela, também, que as fibras estão recobertas

por uma fina camada de resina, sugerindo que o cisalhamento ocorreu na região da matriz

polimérica preferencialmente, ao contrário da textura do laminado condicionado, onde a

falha ocorreu na interface fibra/resina, evidenciada pelo fato do reforço mostrar-se liso e

sem resíduos da matriz impregnante.

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Figura 2- Fotomicrografia de um corpo-de-prova submetido ao condicionamento

higrotérmico, 3.930x.

Figura 3- Fotomicrografia de um corpo-de-prova seco à temperatura

ambiente, 3.760x.

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CONCLUSÃO

A evidência experimental apresentada neste trabalho demonstra o importante papel

dos efeitos higrotérmicos na resistência ao cisalhamento interlaminar de laminados

unidirecionais. O comportamento e a performance de um compósito não pode ser explicado

somente pelas propriedades específicas de seus componentes fibra e resina. A interface que

existe entre a fibra/resina é também um componente fundamental do compósito. Uma boa

adesão entre as fibras e a resina é uma pré-condição para transferência de tensão. O ensaio

de resistência ao cisalhamento interlaminar e a análise por microscopia eletrônica de

varredura foram escolhidos para esse estudo. O ensaio mecânico dá uma medida de

resistência da adesão interfacial, enquanto que a microscopia proporciona a imagem direta

da interface.

Foi demonstrado que o efeito da umidade absorvida degrada substancialmente as

propriedades de cisalhamento interlaminar do compósito. No caso desses laminados, que

contém um baixo nível de vazios, a absorção de água foi muito mais dependente das

propriedades da interface do que da própria matriz. Como observado na análise

microscópica a degradação interfacial é irreversível e está diretamente ligada com a

degradação cumulativa causada pela umidade no rompimento das ligações de natureza

secundária com a superfície das fibras.

Os resultados de resistência mecânica apresentados enfatizam a importância de se

caracterizar o efeito das condições ambientais nas propriedades mecânicas de compósitos

poliméricos laminados. O efeito higroscópico causou uma redução de 32,5 % no valor da

resistência interlaminar e um aumento da dispersão dos dados A combinação desses fatores

leva a uma substancial redução dos valores admissíveis em projeto. Portanto, o

levantamento de propriedades mecânicas de compósitos para fins de projeto deve levar em

conta as condições ambientais ao qual a peça será submetida.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP pelo apoio financeiro (Processo 96/04116-6), à

EMBRAER, INPE e a Divisão de Materiais/IAE/CTA pelo suporte na parte experimental e

à empresa HEXCEL Composites pelo fornecimento do material pré-impregnado.

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