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CEPAD 2005 – Nova Lei de Falências – Márcio Guimarães - 1 1ª aula - 28 de abril de 2005 O sistema de insolvência empresarial é traduzido pelos institutos de falência e recuperação judicial e extrajudicial (e não mais concordatas). Lei nº 11.101/2005 surge em 09 de fevereiro de 2005 e em 120 dias ela estará em vigor, que não são 4 meses, como achei eu no início, eu também havia me confundido. É um hábito a gente repetir o que as pessoas andam repetindo. Ela estará em vigor dia 06 de junho de 2005, porque são 120 dias, e não 4 meses, que daria 09 de junho. Mas está todo mundo dizendo que é 9 de junho. Querem interpelar o assessor do PGJ para encaminhar uma mensagem para todos os promotores, um informativo para que uniformize o entendimento. A Lei n º 11.101/2005 surge após 11 anos de tramitação do projeto. Na verdade, ele tramitou por 3 ou 4 anos. O resto ele dormitou. Os projetos no Congresso Nacional dormitam e uma hora resolvem que ele tem que sair porque tem que sair. Não tem uma razão: um determinado dia as pessoas inventam que ele tem que andar, que tem que andar e ele anda. Resultado: recentemente eu assisti uma palestra no IAB, com o professor Sérgio D´Andrea Ferreira falando sobre a reforma do Judiciário e ele trouxe uns dados que eu não conhecia. Dados sobre reuniões mundiais da ONU: uma em Washington, uma, se não me engano, na Alemanha e a última foi aqui no Paraná. Reuniões em que organismos internacionais, Banco Interamericano de Desenvolvimento, ONU, esse povo todo, discutiram diretivas incisivas sobre o Brasil, sobre a América Latina e notadamente sobre o Brasil. Na maioria deles, e nem era objeto da palestra do professor Sergio D´Andrea, que era sobre a reforma do Judiciário, havia um comando mundial para que o Brasil tivesse uma nova lei sobre falência, porque o economista, ou melhor, o investidor externo precisa ter um lastro, ele precisa ver escrito no papel. E eu que estou agora num relacionamento, depois de 6 anos, mais intenso com a Fundação Getúlio Vargas, pela Escola de Direito, que tem estreita ligação, muita atuação, com os economistas de lá, que são os que elaboram os índices financeiros de todo o país e eles dizem o tempo todo pra gente: “onde está escrito isso?”. Eles não querem a explicação de meia hora sobre construção jurisprudencial. Eles querem ler escrito na lei; eles querem o §1º do inciso II. Então a lei surge mais ou menos com esse objetivo, no que tange à falência., ela surge para colocar escrito algumas coisas que já existiam. Então eu tenho usado, até comecei na 2ª feira numa palestra em Goiânia, um termo que achei muito interessante. Numa entrevista os repórteres só querem saber: “é novidade?” Então passei a adotar os termos: “novidade legal” e “novidade jurídica”, novidades legais tem várias, novidades jurídicas tem poucas. No texto legal, estando escrita determinada posição eles ficam satisfeitos e aí vem mais verbas para nós. Ao que tudo indica, realmente o spread bancário vai diminuir e realmente haverá mais concessão de empréstimo. Não porque é novidade jurídica, mas porque é uma novidade legal. A Lei 11.101/2005 não inova quanto ao sistema, que eu gosto de chamar de insolvência empresarial. A base, tanto da falência antiga quanto da nova, tanto da concordata antiga quanto da nova recuperação, é a presunção de insolvência. Vocês já no 1º slide verificam aí o grande erro propalado; qual seja: tenho R$ 1.000,00 no bolso, tenho que pagar R$ 2.000,00 em contas. Estou quebrado, estou falido? NÃO, não estou falido. Por quê? A falência não se caracteriza pela desproporção negativa patrimonial. Falência nunca se caracterizou, nem vai se caracterizar com a nova lei, pela desproporção. Desproporção negativa patrimonial caracteriza insolvência civil. Por falência, a lei adota outro mecanismo, que antes era identificado pela impontualidade e atos de falência e com a nova lei continuará a ser identificado pela impontualidade e pela prática de atos de falência, o que,

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CEPAD 2005 – Nova Lei de Falências – Márcio Guimarães - 1

1ª aula - 28 de abril de 2005

O sistema de insolvência empresarial é traduzido pelos institutos de falência e recuperação judicial e extrajudicial (e não mais concordatas).

Lei nº 11.101/2005 surge em 09 de fevereiro de 2005 e em 120 dias ela estará em vigor, que não são 4 meses, como achei eu no início, eu também havia me confundido. É um hábito a gente repetir o que as pessoas andam repetindo. Ela estará em vigor dia 06 de junho de 2005, porque são 120 dias, e não 4 meses, que daria 09 de junho. Mas está todo mundo dizendo que é 9 de junho. Querem interpelar o assessor do PGJ para encaminhar uma mensagem para todos os promotores, um informativo para que uniformize o entendimento.

A Lei n º 11.101/2005 surge após 11 anos de tramitação do projeto. Na verdade, ele tramitou por 3 ou 4 anos. O resto ele dormitou. Os projetos no Congresso Nacional dormitam e uma hora resolvem que ele tem que sair porque tem que sair. Não tem uma razão: um determinado dia as pessoas inventam que ele tem que andar, que tem que andar e ele anda. Resultado: recentemente eu assisti uma palestra no IAB, com o professor Sérgio D´Andrea Ferreira falando sobre a reforma do Judiciário e ele trouxe uns dados que eu não conhecia. Dados sobre reuniões mundiais da ONU: uma em Washington, uma, se não me engano, na Alemanha e a última foi aqui no Paraná. Reuniões em que organismos internacionais, Banco Interamericano de Desenvolvimento, ONU, esse povo todo, discutiram diretivas incisivas sobre o Brasil, sobre a América Latina e notadamente sobre o Brasil. Na maioria deles, e nem era objeto da palestra do professor Sergio D´Andrea, que era sobre a reforma do Judiciário, havia um comando mundial para que o Brasil tivesse uma nova lei sobre falência, porque o economista, ou melhor, o investidor externo precisa ter um lastro, ele precisa ver escrito no papel. E eu que estou agora num relacionamento, depois de 6 anos, mais intenso com a Fundação Getúlio Vargas, pela Escola de Direito, que tem estreita ligação, muita atuação, com os economistas de lá, que são os que elaboram os índices financeiros de todo o país e eles dizem o tempo todo pra gente: “onde está escrito isso?”. Eles não querem a explicação de meia hora sobre construção jurisprudencial. Eles querem ler escrito na lei; eles querem o §1º do inciso II.

Então a lei surge mais ou menos com esse objetivo, no que tange à falência., ela surge para colocar escrito algumas coisas que já existiam. Então eu tenho usado, até comecei na 2ª feira numa palestra em Goiânia, um termo que achei muito interessante. Numa entrevista os repórteres só querem saber: “é novidade?” Então passei a adotar os termos: “novidade legal” e “novidade jurídica”, novidades legais tem várias, novidades jurídicas tem poucas.

No texto legal, estando escrita determinada posição eles ficam satisfeitos e aí vem mais verbas para nós. Ao que tudo indica, realmente o spread bancário vai diminuir e realmente haverá mais concessão de empréstimo. Não porque é novidade jurídica, mas porque é uma novidade legal.

A Lei 11.101/2005 não inova quanto ao sistema, que eu gosto de chamar de insolvência empresarial.A base, tanto da falência antiga quanto da nova, tanto da concordata antiga quanto da nova recuperação,

é a presunção de insolvência.Vocês já no 1º slide verificam aí o grande erro propalado; qual seja: tenho R$ 1.000,00 no bolso, tenho

que pagar R$ 2.000,00 em contas. Estou quebrado, estou falido? NÃO, não estou falido. Por quê? A falência não se caracteriza pela desproporção negativa patrimonial. Falência nunca se caracterizou, nem vai se caracterizar com a nova lei, pela desproporção. Desproporção negativa patrimonial caracteriza insolvência civil. Por falência, a lei adota outro mecanismo, que antes era identificado pela impontualidade e atos de falência e com a nova lei continuará a ser identificado pela impontualidade e pela prática de atos de falência, o que, aliás, é bastante antigo desde a Idade Média você não pagava o outro comerciante e o outro comerciante tinha o direito de ir em praça pública, no dia da feira, de ir na sua banca quebrá-la. Ele quebrava literalmente. Não é errado falar em “quebra” porque a origem do instituto é realmente essa: ir lá e quebrar a banca do sujeito, no dia da feira, ou seja, no dia que todos os outros comerciantes e toda a população lá estavam. Por quê? Para mostrar que não se pode dever.

Imagina se um negócio desse poderia ter lugar hoje? Ir lá quebrar na Rio Branco? Não dá.Hoje não é assim. Se você é impontual ninguém vai lá e quebra literalmente sua atividade.Veja que impropriedade técnica é cometida: Eu me convenci, depois de determinado tempo, com a Juíza

com quem trabalhei na 4ª Vara Empresarial, que ela não podia dizer na sentença “decreto a falência”, “decreto a quebra” da empresa tal. Por quê? Porque ela estaria voltando à Idade Média.

“Decreto a quebra, a falência da empresa” não dá porque empresa é atividade, empresa não é sinônimo de sociedade. Você está determinando, então, a quebra da atividade, ou seja, a quebra da banca, do estabelecimento empresarial.

A falência é da sociedade empresária. Esse é o erro mais comum.O segundo erro mais comum: falência como desproporção negativa patrimonial. Não é!Pergunta típica de prova oral: R$ 1 milhão de ativo. R$ 100 mil de passivo. Posso ter a falência

decretada? Claro que posso porque a falência se caracteriza ou pela impontualidade, ou pela prática de atos de falência, tanto pela lei antiga de falências quanto pela lei nova. E a maioria das pessoas cai nessa pergunta. Foi essa a opção do legislador.

Pela lei antiga, essa situação significava apenas que ele estava “mal das pernas”, mas podia se reerguer. Por isso, concordara era para ele. Na nova lei, recuperação para ele, seja judicial, seja extrajudicial. É como nós veremos, a recuperação até mesmo em defesa: alguém pede a falência de uma pessoa e ela, em defesa, pede a recuperação, apresentando um plano de recuperação.

O terceiro erro aqui é o seguinte: a falência cabe para pessoa jurídica; a insolvência, para pessoa natural.

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Nada mais errado porque a insolvência civil pode ser aplicada a pessoa jurídica, desde que ela não seja empresária, hoje, as sociedades não empresariais são conhecidas como sociedades simples. Ex.: Automóvel Clube do Brasil está sob insolvência civil na 2ª Vara Empresarial.

O empresário individual, que é pessoa natural, submete-se à falência.É bem verdade que a insolvência civil se parece, é análoga à falência, mas insolvência civil não é falência.

A insolvência é para não empresários e a falência para empresários.O não empresário será a pessoa natural não empresária e as sociedades não empresárias, seja porque

se encontre na exceção do artigo 866, parágrafo único, seja porque a lei afirme que ela não é empresária, apesar de praticar ato de empresa (ex. cooperativa, sociedade de advogados, sociedade rural – arts. 971 e 974, NCC, se não tiverem registro).

É bom que fiquem bem claras essas idéias iniciais porque uma das maiores falhas em qualquer ciência é você querer alcançar o novo sem criar uma base. As pessoas passam para a análise das controvérsias sem ter a base simplória que é esta aqui. Tem que entender bem o conceito para poder caminhar. Não adianta chegar em ação revocatória, típico instituto de falência, se você não compreender bem que a pessoa natural e a jurídica podem ir ou não à falência. E é isso que vai delimitar o seu conhecimento e a sua caneta, e no dia que você chegar à prova oral só vai remover o lodo da piscina.

Um outro tema de extrema relevância que está voltando à baila é a razão da Lei de Falências, o porquê do instituto de insolvência empresarial, melhor dizendo, porque engloba a recuperação judicial.

Na sua casa, quando você deixa de pagar o condomínio, o plano de saúde, o gás, o problema é seu. O Estado não tem nada com isso. Você que se lasque, você que cuide da sua vida. Por quê? Porque o círculo de alcance é muito pequeno. O Estado não vai cuidar disso. Isso é pelo nosso sistema. Há outros sistemas como o da Alemanha. A melhor coisa do mundo é ser cidadão alemão. O mesmo acontece na Inglaterra. Se você começa a fazer faculdade, o Estado te dá casa, tíquete de ônibus. Basta você ser cidadão, não precisa fazer nada. Aqui não. Aqui não tem auxílio nenhum.

Diferente é o que ocorre com uma sociedade empresária que deixa de pagar suas contas, seus funcionários. O que o Estado tem com isso? Por que o Estado vai se preocupar e atuar? O Judiciário, o MP estará presente? Há relevância para isso? Há! Numa visão micro, pequena, não há, mas numa visão macro, ampla, e é esta a visão econômica, há, porque essa pessoa empresária, ainda que empregue três ou quatro pessoas, é responsável pelo desenvolvimento da nação, não é nem do Estado. Você pode até começar com uma visão micro, que este empresário é responsável pelo desenvolvimento do bairro, do Município, mas na verdade a sua importância é muito maior porque é essa pessoa quem emprega, ela recolhe tributos e alavanca do desenvolvimento econômico. No nosso próprio estado temos exemplos variados: região de Porto Real. O distrito de Resende não tinha nada. Foi criado Porto Real e foi criada uma outra cidade completamente diferente a partir da instalação da fábrica Peugeot/Citroën; a engarrafadora da coca-cola que abastece o triângulo mineiro perto dali.

Então, a pessoa que se estabelece por ali tem uma responsabilidade muito maior do que ela pessoa que tem porque do outro lado tem, por ex., Angra. Angra, por exemplo, é uma desgraça: é pobre, feia e violenta, não tem emprego em Angra. Não tem economia. Ou você é funcionário de hotel ou do pequeno comércio local ou trabalha para a Prefeitura, fora isso, não há qualquer chance. É um típico exemplo de responsabilidade empresarial: depois que o estaleiro saiu de lá, Angra ficou aos frangalhos.

Fim de semana passado houve o encontro estadual do MP em Búzios. Fiquei estarrecido com a favelização de Búzios. No centro da cidade de Búzios há barracos, com “puxadinho” e tudo. Horrível.

Isso tudo só demonstra a obrigatoriedade de o Estado atuar junto às atividades empresariais.A Lei Federal serve para isso. Hoje está sendo muito comum essa pergunta, suscitada pelo professor

Jorge Lobo em seu livro “O Moderno Direito Concursal”. É bom que entendamos direito a assertiva: a falência é um processo de execução concursal. Será que é? Mesmo com a visão moderna do instituto?

Não parece porque a execução se caracteriza quando alguém me deve, eu ingresso em juízo, procuro o Estado, dizendo: “Estado, essa pessoa me deve”. O Estado lhe dá o braço, como diz Humberto Theodoro Júnior, ou diz: “fica aí que eu vou lá cobrar”, como defendem outros, e parte para cima do devedor dizendo assim: “pague, em 24 horas”. “Não, eu quero me defender”. “Nem escuto sua defesa. Se você quiser, contra-ataque, porque o processo de execução não admite defesa. Execução não é processo de defesa, de sentença. Você contra-ataca. E para tanto tem que caucionar o juízo, olhe como é grave a execução. E enquanto o crédito não for satisfeito a execução não chega ao fim. O processo ficará suspenso até que se apareçam com novos bens.

Será que a falência traduz isso? Não parece. A falência chegará ao fim tranqüilamente, independentemente da satisfação dos credores. Aliás, a satisfação dos créditos é questão secundária.

Qual é então a razão do processo falimentar ou de execução?É alcançar aquele que desviou do caminho certo. Se ele desviou e está muito longe, acabou para ele.

Mas se ele tiver desviado mas não estiver muito longe, quiser voltar e se for possível o auxílio estatal para o seu reerguimento, caberá recuperação.

Com a nova lei de falências, o fim da linha é o fim mesmo, presentes a celeridade e economia processual, como disposto no art. 75, e a regra de prioridade de julgamento no art. 79. Não é “ficar acabando” em 10 anos.

Agora, por aquele que se desviou pouco do caminho, deve-se ajudá-lo a retornar, porque é bom o seu retorno e o seu reerguimento.

Com essa idéia, podemos direcionar o nosso estudo para a falência.

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Na falência, teremos um processo falimentar que antes tinha 3 fases: requerimento até a sentença, era a chamada fase preliminar ou pré-falencial; da sentença até o momento da elaboração do 2º relatório pelo síndico, tínhamos a fase investigativa ou de sindicância; do 2º relatório do síndico até a sentença de encerramento da falência (antigo art. 132), tínhamos a 3ª fase, a fase satisfativa ou fase de liquidação.

O que acontecia (e aqui está uma das novidades da NLF)?Nesse momento, proferida a sentença de falência, imediatamente todos os bens eram arrecadados e

aguardavam enquanto corria o inquérito judicial, enquanto se solucionavam os contratos, enquanto todas as pendências eram resolvidas, inclusive as habilitações de crédito.

Somente aí, finda a 1ª fase, os bens eram realizados, isto é, vendidos em hasta pública. E aí vinha a grande desgraça do processo de falência: os bens estavam todos depredados, destruídos, defasados.

A NLF (Nova Lei de Falências – Lei n.º 11.101/05) funde as 2ª e 3ª fases, nos seguintes termos: a alienação é imediatamente após a arrecadação. Falaremos melhor sobre o tema quando cuidarmos dos efeitos da falência sobre os bens do falido.

Hoje há um grande incentivo para o contrato de trespasse, (de alienação do estabelecimento) cujas principais conseqüências, que são graves, são as sucessões fiscal e trabalhista.

A NLF vai incentivar a transferência do estabelecimento para as sucessões fiscal e trabalhista. Mas isso será melhor tratado quando da arrecadação.

Por hora, o que precisamos saber é o seguinte: entre o requerimento e a sentença, nós continuamos a ter uma primeira fase, chamada de preliminar ou pré-falencial. Decretada a falência, já era: faliu mesmo. Liquidou mesmo (os bens).

Por que a lei anterior admitia, até o momento da apresentação do 2º relatório do síndico, que todos os bens permanecessem guardados? Porque existia a possibilidade, em tese, do reergüimento pela concordata suspensiva. Então, o receio da lei anterior era até fundado, porque se se arrecadasse e se vendesse tudo, acabar-se-ia com a possibilidade de concordata suspensiva. Com a NLF, não há mais essa possibilidade (de concordata suspensiva): faliu, já era. Não tem mais jeito, não se tem mais como se reerguer. Por isso é que se pode arrecadar e alienar imediatamente os bens. O curso do inquérito se for o caso, e os demais atos vão ter lugar. Ao final vai se ter feito tudo quanto fora possível.

Falência é o seguinte: é arrumar uma casa que está bagunçada. Como essa casa é cara ao Estado, e o Estado tem que cuidar dela porque ela é fonte de tributos e empregos, quando há falência, o Estado vem fazer tudo que for possível, mas não pode fazer milagres, enquanto deixa o falido assistir tudo sem poder nem se ausentar da comarca sem autorização judicial. Ao final de tudo, o Estado vai demolir a casa porque quando há falência, não há mais outro jeito, da forma menos danosa à sociedade e à comunidade.

O sistema falimentar, o novo processo de falência, ficou mais célere e para as falências em curso, de acordo com o art. 192, § 1º, haverá incidência imediata da fusão das antigas 2ª e 3ª fases, ante a determinação da imediata alienação dos bens já arrecadados.

A base da falência é a presunção de insolvência. E é bom que você comece certo, se você começa a estudar certo, tudo caminha certo.

Quando se está falido? Quando se está presumidamente insolvente.E por que é presunção de insolvência? Porque nós veremos que ela poderá ser elidida. É presunção

porque se refere a quem deixa de pagar no vencimento ou quem pratica atos estranhos, atos que quem está “bem das pernas” não pratica, que são os chamados atos de falência.

Então, aquele que diz que falido é quem não paga nota promissória na data do vencimento não está totalmente errado, mas está longe da verdade técnica: E quem deixa de pagar duplicata na data do vencimento não pode ser falido? E quem pratica os chamados atos de falência? Todos eles restaram excluídos da resposta apresentada.

Analisemos a primeira hipótese de presunção de insolvência: a impontualidade art. 94, I, que é uma redação melhorada do art. 1º, DL 7661/45.

No art. 94, NLF, o legislador fundiu os arts. 1º e 2º da lei anterior.No art. 94, II e III cuidam de atos de falência e no inc. III enumera nas alíneas condutas menos comuns.No art. 94, I, há a impontualidade. O que caracteriza a impontualidade? O não pagamento.E como você vai dizer que alguém não pagou? Com o protesto. Observe o termo que você não esquece

mais: quando alguém está praticando algo com o que você não concorda você protesta, você deixa claro, comprovado, que você não concorda. O protesto serve para isso tanto que a Lei de Protesto (L. 9492/97), em seu art. 1º diz que o protesto é comprovação.

Aqui o protesto ganha uma relevância extraordinária porque ele é a base da presunção da insolvência por não pagamento. Então este ato é tão importante. Muitas vezes não se dá importância para esse ato, mas há várias falências que são anuladas por vício de protesto, haja vista a falência da Intel, requerida pela Motorola, que recentemente foi anulada pelo STJ por vício de protesto, após 2 anos da decretação da falência. A base da falência é o não pagamento, comprovado pelo protesto. Se há vício no protesto, não há prova do não pagamento e, conseqüentemente, da presunção de insolvência.

Um vício comum no protesto é ter sido a citação por edital – que é a exceção da exceção. Para ser válida a citação por edital, deve estar comprovada a exceção. Outra falha comum é não constar o nome de quem recebeu a intimação do protesto. (pg 2 do material de jurisprudência). Quando o protesto do título pertence a

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pessoa jurídica, não é necessário intimar quem tem poderes de administração, mas não pode deixar de indicar quem recebeu a intimação.

O art. 94, §3º, NLF, exige protesto especial falimentar, na forma do art. 23, parágrafo único, L 9.492/97:Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou

títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 salários mínimos na data do pedido de falência.

[...]§3º. Na hipótese de do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruído com os títulos

executivos na forma do parágrafo único do art. 9º desta lei, acompanhados, em qualquer caso, dos respectivos instrumentos de protestos para fim falimentar nos termos da legislação específica.

Art. 23. Os termos dos protestos lavrados, inclusive para fins especiais, por falta de pagamento, de aceite ou de devolução serão registrados em um único livro e conterão as anotações do tipo e do motivo do protesto, além dos requisitos previstos no artigo anterior.

Parágrafo único. Somente poderão ser protestados, pra fins falimentares, os títulos ou documentos de dívida de responsabilidade das pessoas sujeitas às conseqüências da legislação falimentar.

O art. 23, caput, ao afirmar que todos os protestos serão registrados no mesmo livro, diz que a especialidade de outrora já tinha caído por terra. Ao unificar o livro de registro (que antes dessa lei eram 2: os de protesto falimentar e o de demais protestos), derrogou parte do artigo 10 da antiga LF.

Assim, quem estudou a LF/45 tinha riscado a parte final do art. 10 do DL 7661/45, fazendo a remissão para o art. 23, L 9.492/97.

O destinatário do comando do art. 23, parágrafo único, dirige-se ao tabelião de protestos.Mas está dentro das atribuições do tabelião do protesto estabelecer que título pode ser protestado para

fins falimentares ou essa função é jurisdicional (sabe quem é empresário ou não)?Com certeza, não cabe ao tabelião aferir se o titular do título protestado é de empresário ou não, logo,

para elidir sua responsabilidade sobre tal protesto, ele faz com que o requerente assine um formulário declarando que a pessoa é empresária e está sujeita à lei falimentar.

Ocorre que na lei de protestos, salvo o art. 23, parágrafo único, não há nenhuma particularidade para o protesto falimentar, donde se conclui que o procedimento para o protesto falimentar é o mesmo para o protesto comum.

Ora, mas a jurisprudência não exige a peculiaridade da identificação da pessoa que recebeu a intimação? Na verdade, a jurisprudência diz que no protesto falencial a indicação de quem recebe a intimação é importante também, mas isso não significa que essa identificação seja desnecessária nas demais modalidades de protesto. O protesto tem sempre a mesma finalidade.

Um simples protesto cambiário pode instruir requerimento de falência? Em outras palavras: uma nota promissória protestada pode requerer a falência?

Observe-se que a nota promissória, nos dizeres de Pontes de Miranda, é o crédito coisificado, ante o princípio da cartularidade. Então, como uma jóia, ela fica no cofre. Geralmente, dois antes do vencimento, o credor procura o devedor para saber sobre o pagamento. Ocorre que vencido o título, o credor só tem um dia útil para realizar o protesto, de forma a poder alcançar os co-obrigados. Então, se o devedor fica enrolando, o credor tem que ser rápido na efetivação do protesto. Realizado o protesto, o devedor pode ir resolver o problema do pagamento no cartório e, ótimo, o crédito terá sido satisfeito. Se ele não pagar no cartório, o credor será informado disso e terá que pagar os emolumentos do cartório. Em alguns estados, a legislação permite que os emolumentos sejam pagos ao final. Em outros, os emolumentos são recolhidos a priori pelo credor e o cartório os cobrará do devedor, repassando o reembolso.

Recolhidos os valores legais, o título será devolvido com uma etiqueta de “protestado” e uma certidão de protesto.

Para cobrança judicial, esse título não é tão interessante porque os honorários advocatícios são altos e nem sempre o valor do título compensa. E aí, o título acaba indo para a gaveta.

Um belo dia alguém pergunta por que o credor não pediu a falência do devedor e ele se lembra que tem o título já protestado. É essa a relevância de se saber se esse protesto comum se presta para instruir o requerimento de falência.

Qual era o objetivo daquele protesto? Comprovar a impontualidade. E para que serve o protesto falimentar? Para a mesma coisa. E eu preciso ir novamente ao cartório fazer a mesma coisa, se não há procedimento especial? Não.

CONCLUSÃO – O STJ reiteradamente decide que o protesto ordinário basta, porque alcançado o objetivo: AFERIR/COMPROVAR/ATESTAR a impontualidade.

Pergunta de aluno: Com a NLF surge a necessidade de um protesto especial?Resposta: De acordo com a atual Lei de Protesto, não. Ela não contempla nenhuma particularidade para o

protesto falencial. Há uma mera impropriedade técnica.

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Apontamento da transcritora: Nada obsta que alteração legislativa sobrevenha e crie alguma peculiaridade para o protesto falencial. Neste caso, o protesto ordinário deixará de ser suficiente.

Pergunta de aluno: Há necessidade de outorga de poderes especiais para o requerimento do protesto ou para o requerimento de falência?

Resposta: Não. A lei não exige procuração especial para protesto. Com relação ao requerimento de falência, bastam os poderes ad juditia.

Tecnicamente, processo de falência não é ação de cobrança. Mas é claro que isso eventualmente ocorre, quando há depósito elisivo.

E se o título for um cheque? O art. 47, §1º, L 7.357/85 diz que a apresentação do cheque à câmara de compensação supre o protesto. Assim, um cheque dificilmente é levado a protesto.

E se eu quiser instruir um requerimento de falência com um cheque? Basta juntar o cheque com o carimbo da Câmara de Compensação com o motivo “11”: insuficiência de fundos?

Não, porque a LF é uma lei especial. E é da essência do sistema a presunção de insolvência, a impontualidade deve ser comprovada com protesto de cartório de protesto.

Ainda quanto ao protesto, importante consignar que o art. 202, III, NCC trata o protesto cambial como causa interruptiva da prescrição, o que é uma novidade. O protesto cambial nunca interrompeu a prescrição.

Além disso, o protesto é importante para a delimitação do termo legal de falência. O termo legal de falência caracteriza o lapso temporal que o legislador buscou para tentar evitar que a pessoa “prepare a cama para deitar e falir”. É um prazo em que a pessoa é instada à prática de atos fraudulentos. A pessoa percebe que a falência está próxima e começa a dilapidar o patrimônio.

O prazo do termo legal possui três marcos, que podem ser escolhidos pelo Juiz: o mais freqüente é o do primeiro protesto por falta de pagamento. Daí a relevância dos protestos. Na fase preliminar, é bom que se requeira certidão do 7º Ofício de Distribuição (no Rio de Janeiro, capital), porque o Juiz, na sentença de falência tenha elementos para fixar o termo legal de falência. Isso é muito importante. Vejamos o que aconteceu na falência do supermercado Casas da Banha. A certidão do 7º Ofício não tinha chegado aos autos mas o Juiz decretou a falência e fixou o termo legal na data do 1º protesto. Quando a certidão chegou, o 1º protesto era de 1979 e a falência era de meados de 1994. Agora, imaginem todos os atos praticados em 15 anos listados no art. 52 LF/45 (e no atual 129) serão ineficazes. Está uma confusão. É surreal a tese está sento levada ao STJ, inclusive que a prescrição já teria alcançado a ineficácia. Ocorre que já ocorreu o trânsito em julgado. Mas me parece razoável a anulação da sentença porque ela não determinou o termo legal. Para a fixação do termo legal, é de se considerar qual o 1º protesto que caracterizou a presunção de insolvência, não o 1º protesto literalmente considerado.

Eu tenho ouvido muita gente dizer que o protesto levado a efeito por terceiros teria desaparecido na NLF.O que era protesto levado a efeito por terceiros? O devedor, por exemplo, uma sociedade empresária,

tinha dois credores. O credor “A” tinha uma nota promissória no valor de R$ 15 mil, com vencimento em 10 de junho de 2005; o credor “B” tinha uma nota promissória no valor de R$ 20 mil, cujo vencimento se deu em 10 de março de 2005. “B”, no vencimento não recebeu e protestou o título, mas não faz nada: não executou e não pediu falência.

Na lei anterior, o art. 4º, §1º, trazia a possibilidade de o credor “A” buscasse essa certidão do protesto levada a efeito por “B” (já que seu crédito não é exigível ainda) e instruísse o pedido de falência, mesmo que seu próprio crédito não tenha vencido.

A NLF não traz essa possibilidade de forma explícita. Mas parece que essa possibilidade não restou excluída pela NLF, tal como identificado de forma inteligente por um aluno de pós-graduação em Caxias do Sul, agora recentemente.

O que diz o artigo 94, I? Você pode requerer a falência de devedor que tenha título ou títulos protestados, cuja soma seja superior a 40 salários mínimos. Então me parece aqui que não há óbices a utilizar o protesto levado a efeito por terceiros, já que o meu título pode não corresponder a 40 salários mínimos. Mas não há a figura do credor cujo crédito é vincendo. É razoável, segundo o art. 94, I, que eu vá ao cartório obter certidão de protesto de título ou títulos que somem 40 salários mínimos para poder requerer a falência do devedor comum. O protesto foi levado a efeito por terceiros, mas, como a lei não repetiu a autorização de legitimidade para o titular de crédito vincendo, parece-me que há vedação.

Encerrando os comentários sobre protesto, subsistem ainda alguns aspectos do art. 94, I. 97% das falências requeridas no país são com base na impontualidade, por isso o artigo 94, I, é tão importante. E como vocês vão perceber, daqui se extraem mil e uma perguntas. E falência serve de pano de fundo para qualquer questão, envolve todo o direito empresarial e muitas questões processuais. Já falamos de teoria geral, para ver quem é legitimado ou não.

Pergunta de aluno: inaudível.Resposta: O título do requerente deve estar vencido (vem predominando que o silêncio da NLF sobre a

legitimidade do credor de título vincendo, porque não repetir a regra da LF/45). O depósito elisivo deve ser no

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valor dos títulos que instruem a falência, e não só o do requerente (caso seu título tenha valor inferior aos 40 salários mínimos).

Art. 98, parágrafo único, positiva a súmula 29 do STJ.Com esse depósito elisivo, “B” será notificado de que alguém resolveu seu problema e que ele tem um

crédito a receber.Observe que essa situação (do protesto emprestado) não se confunde com o litisconsórcio ativo previsto

no art. 94, §1º. Neste caso, vários credores se reúnem para poderem requerer a falência porque nenhum deles pode pedir sozinho. Aqui, todos os credores são autores. Naquele caso não. Antigamente, com o protesto emprestado para legitimar credor de título vincendo, o devedor se defendia argüindo defesas pertinentes ao crédito vencido. E caso depositasse o requerente da falência nada receberia. Deveria esperar o vencimento do seu próprio crédito. Na NLF, como o crédito vincendo não tem vez, não há esse risco (de o “A” não ser beneficiado pelo depósito elisivo).

O art. 94, I, quando diz: “não paga no vencimento”, você já fez uma remissão para o protesto. Vai fazer também para todos os artigos que nós falamos no protesto.

Pergunta de aluno: inaudívelResposta: Via de regra, não cabe depósito elisivo quando a presunção de insolvência decorre de ato de

falência. A única ressalva é o art. 94, II, que se refere a não pagamento nem nomeção de bens à penhora em execução singular.

O art. 94, I, ao falar: “sem relevante razão de direito” configura tratar-se de presunção de insolvência.É a crítica do professor Rubens Requião ao art. 1º, LF/45, porque antes a lei considerava falido, sem

exceções. E havia casos em que não havia caracterização da insolvência, como por ex: não paguei, nem vou pagar porque: 1) está prescrito; 2) não recebi a mercadoria; 3) essa assinatura não é minha, etc., que eram relevantes razões de direito.

Essas “sem relevante razão de direito” abrem um leque enorme de matérias de defesa. Na LF/45, o art. 4º cuidava das “relevantes razões de direito”. A NLF cuida da matéria no art. 96.

É interessante fazer remissão da correspondência entre a LF/45 e a NLF.

Questão: Contrato de abertura de crédito em conta corrente subscrito por 2 testemunhas pode instruir requerimento de falência? E a nota promissória a ele vinculada?

Resposta: Ao contrato falta liquidez (contrato subscrito por 2 testemunhas – art. 585, II, CPC)Quando alguém “entra no cheque especial” a dívida é certa. O “cheque especial” vence todo dia. Então se

você entra nele com um saque às 11:00 h, mas deposita o valor às 15:30 h, ele não vence juros, logo é exigível também. Mas de acordo com a súmula 233, STJ, a dívida não é líquida.

Então surgiu a questão: Como se cobra o cheque especial? Via ação de conhecimento pelo rito monitório, conforme súmula 247, STJ.

Aí surge a outra questão: e quanto à nota promissória a ele (contrato de abertura de crédito em conta corrente), que é a famosa nota promissória em branco vinculada a contrato que foi preenchida? Veja que é possível a emissão de nota promissória em branco (súmula 387, STF).

Mas pra cá não é possível: súmula 258, STJ. Ela (a nota promissória) não é líquida porque o contrato a que se vincula não é líquido.

Essa questão (nota promissória vinculada a contrato) é pacífica no STJ, que admite vinculação de nota promissória a contrato. Entretanto, é de se verificar se a vinculação é lícita. No contrato de factoring, por ex., a transmissão dos créditos à sociedade de fomento mercantil se dá mediante cessão de crédito, ou seja, o cedente assegura a existência, não a solvabilidade do crédito. Então, nula é a nota promissória que exclui a área do contrato.

Nota da transcritora: Muito embora seja esse o entendimento dominante, há ainda a posição de Waldírio Bulgarelli e Rubens Requião, que merece registro. Segundo eles, por ser o factoring um contrato atípico, a área é contratual. Assim, podem as partes excluí-la por meio da nota promissória em branco vinculada ao negócio. Há, ainda, uma outra situação. No factoring, o cedente responde pela existência do crédito. Assim, se os títulos são simulados, não há que se falar em iliquidez da nota promissória em branco, vinculada ao contrato.

Questão: Duplicatas vencidas, protestadas e não pagas, referentes a contrato de leasing podem instruir requerimento de falência?

Resposta: Duplicata é título causal, só se extraindo de contrato de compra-e-venda (VRG diluído). Assim, só podem instruir falência se se referir ao VRG.

Continuando a análise do art. 94, I“título ou títulos”: fazer uma remissão ao art. 94, §1º.

Essa história dos 40 salários mínimos tem até uma razão com a qual se pode concordar, mas isso vai ser uma catástrofe. Poderíamos concordar com a razão da imposição de um limite para evitar o manejo de ações de

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falência como ações de cobrança. A falência é uma espada afiadíssima contra o peito do devedor. Se o devedor não está sujeito à falência, mas “a insolvência” cabe apenas a execução. A insolvência é um prêmio porque, ao contrário do que ocorre na falência, no término da insolvência são extintos os débitos após 5 anos. Ao cabo da falência, o empresário permanece devedor.

Em agosto ou setembro de 2005 os jornais vão comemorar que o número de pedidos de falência vai cair, no mínimo, opinião minha, pela metade. Meus amigos, quem tem um crédito de 40 salários mínimos hoje em nosso país? Ah, mas pode se argumentar que vários credores podem se unir. Mas mesmo assim eu acho difícil porque não é fácil ter acesso a outros credores na mesma cidade, quiçá no mesmo estado e em todo o país, que é tão grande. Lá em Goiânia, no coquetel, eu ouvi um “empresário” dizer “agora é que eu vou comprar de fornecedores de lugares diferentes, de estados diferentes. Pra mim não faz diferença mesmo”. Eles não vão se encontrar mesmo e ninguém fica cruzando falência para me coagir a pagar. E no mesmo estado, eu vou procurar um outro credor para propor cobrarmos o crédito juntos e ele pode dizer: “cuide do seu que eu cuido do meu. Eu estudei direito e há no direito processual a regra prior temporis portior jus, ou seja, quem chegar primeiro se dá bem. Então, no dia-a-dia, essa regra de litisconsórcio ativo para requerimento de falência não vai dar certo. E afinal, quem tem um título de 40 salários mínimos? Não se tem. Atividades de médio porte têm títulos de R$ 3 mil, 4 mil, 7 mil. Agora 11 mil é muito difícil. Essa regra, portanto, vai promover um esvaziamento do instituto da falência.

É bom dizer que esse limite de 40 salários mínimos está perigando.O STF já tem a ADIN proposta para discutir um item análogo: o dos 150 salários mínimos para o credor

trabalhista. Vocês sabem com a nova lei, o credor trabalhista só está em 1º lugar até 150 salários mínimos. Após isso, ele vira quirografário. A Associação Brasileira de Profissionais Liberais ingressou com uma ADIN no STF para discutir a constitucionalidade desse dispositivo, ao argumento do princípio da igualdade constitucional e proporcionalidade. O argumento é, quando você fecha em 150 salários mínimos, você está violando a igualdade. A finalidade do princípio da igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da desigualdade, com o fim de igualá-los. E se eu limito em 150 salários mínimos não representa uma justificativa plausível. Na verdade, o valor foi escolhido arbitrariamente.

Tenho para mim que o mesmo argumento que cabe para o setor trabalhista cabe aqui, para fins de requerimento de falência muito embora a questão não tenha sido posta perante o Supremo. Com os 40 salários eu estou taxando a economia. E a economia não pode ser linear, ainda mais num país como o nosso. O primeiro problema é achar que só quem deve mais de 40 salários mínimos representa um dano para a sociedade, e quem deve menos de 40 não. O segundo problema, de maior gravidade: imaginemos que 40 salários mínimos correspondam a R$ 11 mil. Quem deve R$ 10.990 não é insolvente, mas quem dever R$11.000,50 é. Isso viola a igualdade e a proporcionalidade. Num país como o nosso em que entre 97 e 98% das sociedades são EPP (empresas de pequeno porte) e M.E. (micro empresas), como é que eu vou dizer que só com 40 salários mínimos se denota insolvência. Aqui, quem deve R$ 22 mil deve muito dinheiro. Pode ser que na Suíça dever R$11 mil não comprometa ninguém, mas no Brasil dever R$11 mil é um problema muito grande.

Então, o fundamento filosófico do dispositivo pode até ser salutar, mas ele vai importar em demandas das mais variadas, além de se suscitar o controle de constitucionalidade sob a forma difusa.

2ª aula - 05 de maio de 2005

Vimos que o estado falencial é traduzido pela prática de atos de falência. Vamos prosseguir, então, a partir daí, quando há a possibilidade calcada na impontualidade ou na prática de atos de falência.

Aquele que não paga no vencimento a obrigação líquida, representada por um título executivo, ele poderá também requerer sua autofalência: é a chamada falência confessada, a falência declarada.

Autofalência é a hipótese que a pessoa não tem condições de se reerguer, ela não tem condições de fechar as portas tranqüilamente, porque na hora que você abre, na hora que você monta o negócio, vamos dizer assim, está tudo bem, está tudo certo, e em um mês, em 45 dias, em dois meses no máximo você já está funcionando. Na hora que não mais dá certo, na hora de fechar, você se depara com uma exigência da Junta Comercial que vai gerar a impossibilidade do encerramento, qual seja, a declaração de quitação dos seus débitos. Ora, normalmente quem está encerrando a atividade, quem está fechando as portas, não está “bem das pernas”, senão não estaria fechando. E quem está fechando as portas porque não “está bem das pernas” notadamente em relação, muito notadamente, em relação ao fisco. Então ele não terá a CND – Certidão Negativa de Débitos – municipal, estadual e federal. Essa pessoa hoje, normalmente, se vale de que mecanismo? Fecha a porta, abaixa a grade, coloca o cadeado, passa o ponto adiante, ou então, se o ponto não era próprio, entrega à locação e diz assim: “mudei de ramo. Agora eu desempenho outra atividade”. Daqui a dois anos vem uma execução fiscal. E nessa execução o fisco vai citá-lo naquele local. E o oficial de justiça quando chegar lá vai encontrar o lugar com aspecto de abandono. Certificado isso, caracterizado o abandono, eu não tenho dúvidas: é desconsideração da personalidade jurídica na hora. E todos os sócios vão pagar. Por quê? Fraude. Na Junta Comercial está lá escrito ainda: eu (sociedade) posso ser encontrado no endereço tal, e indo-se no endereço tal eu encontro o local vazio, com aspecto de abandono, ou então lá era uma padaria e agora lá funciona um salão de cabeleireiro. Ora,

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chega lá, não se terá condições de se encontrar aquela pessoa. Então, em sendo assim, ela fez uma declaração que não é verdadeira, fraudou, desconsideração da pessoa jurídica.

Ora, o que resta então para esse sujeito? O que esse sujeito poderá fazer se ele tem que fechar as portas e a Junta Comercial exige dele a quitação? Autofalência: essa é a única alternativa. Quando se vai ao Estado e diz: “Estado, eu jogo a toalha, não tenho mais condições de cumprir as minhas obrigações. Como eu sempre fui muito caro a você, como eu sempre fui uma pessoa muito importante para você, eu concedi empregos, eu arrecadei tributos, agora está na hora de você me ajudar”. E esta aí é uma das razões pelas quais as pessoas digam que falência é proteção. Lá na faculdade vocês certamente aprenderam, viram que o comerciante goza de proteção: presunção de veracidade dos seus livros, da sua escrita, concordata e falência. E ninguém conseguia entender ao certo por que dessa proteção. Falência é proteção? Falência é a desgraça total e completa. Mas você vê aqui que a autofalência que é proteção sim. Mas por que é proteção? Porque eu vou ao Estado e digo: ”Estado, eu não tenho mais condição de sobreviver. Eu peço a minha autofalência”. E o Estado, então, através do Poder Judiciário, vai encerrar a sua atividade. E aí, se você não tiver condições de pagar a todos, como nós sabemos que no sistema falimentar mesmo que você não tenha condições de pagar a todos o processo chega ao fim. Vamos realizar o ativo que houver para tentar saldar o passivo. Não se consegue saldar o passivo e mesmo assim a falência chega ao fim. Você não precisa ter pago todo o passivo. Você não está com suas obrigações todas quitadas mas, de qualquer forma, ao final da falência começa a correr o prazo prescricional, prescrição esta diferenciada para a maioria das obrigações. Então, aí está uma das razões para a autofalência.

Este instituto estava bastante esquecido até que se voltou a pensar nele como um pedido de autofalência rumoroso no país: o da Soletur. Ela chegou num momento em que ela se viu diante da seguinte hipótese: vou pedir a minha autofalência. Por que não tentar uma concordata? Por que não tentar se reerguer?

Pois bem, deferida a concordata para a Soletur, no dia seguinte ela vai vender pacotes de viagem para onde? Nem para a Praça das Nações, em Bonsucesso, nem para Paris, nem para a Av. Nova Iorque você vende mais pacotes.

Se ela entrasse em concordata ninguém ia comprar mais absolutamente nada com ela. Não tinha condições de se reerguer. Em sendo assim, ela pede a autofalência. É uma boa alternativa para encerrar a atividade.

Qual é o único problema ao requerimento de autofalência? CRIME. A existência de crime falimentar.Ora, quando você requer a sua autofalência, decretada a falência nós vamos identificar, desde já, com o

relatório do síndico (administrador, agora com a nova lei) se foi praticado algum crime falimentar. E qual era o crime campeão de denúncia na falência. Ausência de entrega de livros. Era o artigo 186, VI, atual art. 178, pelo que não entregar os livros é crime falimentar: ausência de escrita contábil. E dos 100% das denúncias oferecidas, e pode dizer isso sem medo de errar, 98% delas tratam desse crime: não entrega de livros.

Esse crime, na lei anterior acarretava o quê? Você virava réu, porque havia denúncia só que em razão da pena cabia sursis processual (suspensão condicional do processo – art. 89, Lei n. º 9.099/95).

Com a nova lei muda alguma coisa? Muda. E muda muito. Com a nova lei, altera-se a pena e esse crime não desafiará denúncia, em regra. Porque com a nova pena cominada por esse crime caberá transação penal. E a transação penal, como todos nós sabemos, é anterior ao oferecimento da denúncia, logo, não haverá processo. Anteriormente, com a suspensão condicional do processo havia processo.

Então, hoje, cabe transação penal por esse tipo de crime. Não sei se foi, ou pelo menos não quero saber, se foi uma manobra intencional, mas a nova lei, na parte penal, intensifica bastante a punição para a prática de crimes contábeis. Então os crimes contábeis na nova lei: de contabilidade, de desvio de bens, fraude na contabilidade, tem pena de até quatro anos, o que é muita pena para o sistema penal.

Agora, quando você olhar para os crimes você vai pensar: “Nossa! Os crimes agora estão mais intensos. Agora o negócio está mais complicado. Agora a pessoa vai ter mais preocupação. São vários os crimes contábeis” Só que lá na frente, a partir do art. 168, você vai encontrar o crime de que nós estamos falando no art. 178: omissão de documentos contábeis obrigatórios. Leia-se falta de livros.

Como é que a gente identifica crime contábil? Só tem uma forma: com os livros. Ou, na maioria das vezes, há como se identificar de outras formas, mas na maioria das vezes, com os livros. Então, se você precisa dos livros para identificar crimes contábeis e aí as penas serão de 3 a 6 anos, na fraude contra credores (art. 168) e depois, como causa de aumento de pena, você tem crime de 2 a 4 anos: sonegar informações, se for através da contabilidade. O que é feito não é muito difícil entender: só vão saber que eu cometi crimes se eu entregar os livros. Então, o que eu faço: no vão central, mas aí você calcula direitinho o meio do vão central da Ponte Rio-Niterói e de lá você alimenta os peixinhos, se é que ainda existe algum peixinho por lá. Ou então aproveita que o frio está chegando, com a festa de São João e os livros viram incentivos à fogueira. E com isso você incorre no crime de não entrega de livros, e deixa de ser denunciado em crime contábil. E como o seu crime vai admitir transação penal, você compra quatro latas de leite Ninho e aí está resolvido o seu problema.

Hoje é essa a figura existente. Não sei se propositadamente. Quero crer que não: não quero crer que aqui tenha havido algum intuito fraudulento, que alguém prefira incorrer aqui. Mas hoje é assim que está identificado. E é essa a grande preocupação. Toda vez que você falar em autofalência pense nisso: não é só bônus. Tem o crime também, e o crime é esse, sonegação dos livros. Você vai ser investigado, vai ser instaurado inquérito policial eventualmente, você vai ter que ir lá no Juizado Especial Criminal, você vai virar réu no processo e lá você vai resolver o seu problema. E com a transação você vai ficar cinco anos na linha, não pode sair da

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linha senão não vai ter mais direito à transação. Mas tudo bem, é a sua vida, você tem que ‘ter estômago’, você não comete crime normalmente, não ter problema nenhum.

Pergunta de aluno – inaudívelEventualmente pode haver concurso (de crimes). Geralmente em concurso material: não entregar os

livros é um crime, um outro seria não escriturar corretamente, alterar uma rubrica etc.

Nota da transcritora: parece que a pergunta se referia à impossibilidade de concurso entre a sonegação dos livros (que estariam com algum conteúdo impreciso), sendo que tais livros fossem localizados a posteriori. Nesse caso, para o professor, haveria dois crimes em concurso material (art. 69, CP): o primeiro referente à imprecisão do conteúdo do livro (que seria um crime contábil); o segundo, referente à não entrega dos livros.

Pergunta de aluno: O contador agora tem responsabilidade solidária?Não. Com o Novo Código Civil, o contador passou a ter uma responsabilidade mais intensa: passa a

responder na medida da sua concorrência, conforme a sua culpabilidade.

Pergunta de aluno: Como é o trâmite da falência após a decretação da autofalência?É tudo igual à falência requerida por um credor. A diferença é só quanto ao requerimento. Depois ela corre

igual.

A autofalência é apenas isso. Podemos caminhar.Vamos falar sobre legitimidade ativa para o requerimento de falência.

O primeiro legitimado é o credor quirografário. Por que só os credores quirografários podem requerer a falência?Porque ao credor com garantia falta interesse de agir.Mas será que só os quirografários podem requerer a falência do devedor?A questão está em saber se há ou não interesse de agir. Ora, se o crédito for quirografário sempre haverá interesse de agir. Se o crédito for com garantia real não

há interesse de agir. Se for, por exemplo, o credor fiduciário na alienação fiduciária em garantia ou então se for o credor que tem crédito garantido por arrendamento mercantil? Também não haverá interesse de agir, salvo se a garantia se tornou insuficiente ou então porque o bem desapareceu. Por exemplo, na alienação fiduciária em garantia de automóvel em que o automóvel foi furtado, roubado, ou então um prédio caiu sobre ele, ou pega fogo, ou o fogo “é pegado”. Às vezes o bem desaparece, às vezes, o bem “é desaparecido”. Na Dutra existem uns lugares em que as coisas entram e desaparecem. É um fenômeno estrelar conhecido como “buraco negro”. Ali na Dutra tem uns locais que se você vai de carro, em menos de 40 minutos o carro desintegra, desaparece por completo. E eles aprimoram o tempo de desmonte. O tempo recorde de desmonte é 25 minutos. Entrou com o carro e em 25 minutos o carro está completamente desmontado e não há mais nada. Serra-se ao meio a lataria com um maçarico e aí metade da carcaça você põe num lugar bem longe da outra metade e ninguém acha de jeito nenhum o automóvel.

Pois bem. Se isso acontecer? Você é credor com interesse de agir no requerimento da falência? Será. Fora disso não há interesse de agir. Mas tem que prová-lo (o interesse de agir) desde o início da ação.

O credor que não é quirografário e que sempre terá interesse de agir para requerer a falência é o credor trabalhista. O credor trabalhista sempre pode requerer a falência, seja pela impontualidade, seja pela prática de atos de falência.

Lá na Justiça do Trabalho há uma sentença afirmando que é credor de R$ cinco mil, que engloba tais, tais e tais verbas. Aí o cara vai lá no cartório de protestos e protesta aquela sentença e aí sim requer a falência.

A segunda hipótese para o credor trabalhista requerer a falência qual será? Lá na Justiça do Trabalho vem a sentença da qual o cara é credor de R$ cinco mil, referente às verbas tais, tais e quais. Ele dá início à execução, e caímos na hipótese do antigo art. 2º, I, atual art. 94, II, quando citado na execução, o devedor não embarga, não nomeia bens à penhora, não faz nada, ou seja, inércia. E o que se faz diante disso? Certidão de inteiro teor lá do processo da Justiça do Trabalho. E vem para cá requerer a falência.

Pergunta de aluno: O credor trabalhista está submetido de qualquer forma ao mínimo dos 40 salários mínimos?

Está submetido sim.

Pergunta de aluno: Então não é qualquer credor trabalhista (que pode requerer a falência)?Não, porque o art. 94, I, NLF, limita em 40 salários mínimos o valor da impontualidade. O credor

trabalhista pode vir requerer a falência com base em prática de atos de falência. Então, por impontualidade não é qualquer credor trabalhista que pode postular a quebra. Ele tem que ter um crédito de no mínimo 40 salários mínimos, que é mais ou menos R$ 11 mil (para poder ter legitimidade sozinho, sem necessidade de litisconsórcio).

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Pergunta de aluno: Então pelo art. 94, II, Não há valor mínimo?Não, porque pelo art. 94, II, há um ato de falência, não há impontualidade. Bastará, para atender ao art.

94, II, NLF, uma certidão de inteiro teor no sentido: “Certifico e dou fé que nos autos da execução tal, o sujeito foi citado e não pagou nem nomeou bens à penhora”.Aliás, o ideal é que se tire cópia do processo trabalhista e leve lá no cartório e se peça uma certidão nesses termos, e não em outros, para não ter problema.

Pergunta de aluno – inaudívelO credor trabalhista pode requere falência por impontualidade, com crédito de no mínimo 40 salários

mínimos. Com mais pode, com menos é que não pode. Mas o limite para o recebimento do crédito trabalhista é de 150 salários mínimos, lá no Quadro Geral de Credores. De acordo com o Quadro Geral de Credores, o credor trabalhista só recebe 150 salários mínimos em primeiro lugar. O restante recebe depois, no final da fila, como quirografário.

Pois bem. Esses são os credores que podem e que não podem requerer a falência.Surge aí uma questão referente à Fazenda Pública. Pode a Fazenda Pública requerer a falência do

contribuinte (desde, é claro, que o contribuinte seja empresário ou sociedade empresária)?A Fazenda tem um título executivo, a CDA – Certidão de Dívida Ativa -, ela tem que protestar a CDA

(porque é exigência da lei, nós vimos no nosso último encontro, sobre a exigibilidade do protesto, sobre o requisito da especialidade do protesto, então vai se exigir o protesto). Protestado o título pode a Fazenda assim agir e requerer a falência? É possível isso?

Legalmente, pelo que nos vimos aqui, não há nenhum óbice. Sob o ponto de vista estritamente legal, não há óbice algum porque a Fazenda é credora, ela tem um título executivo, que é a CDA, esse título está protestado, alcançou lá o objetivo do protesto, o requerido é empresário ou sociedade empresária. Qual é o problema? Não há problema algum.

O problema que surge é: tem a Fazenda interesse? É razoável (e aí estamos falando em preceitos constitucionais)? É razoável (princípios da razoabilidade e proporcionalidade) que a Fazenda assim aja?

O STJ, em passado recente, quando foi requerido pelo Estado de Minas Gerais, na época em que o governador era o Itamar Franco, quando ele mandou a Fazenda requerer a falência dos contribuintes na sua gestão, o STJ disse, em 1995, que não havia problema algum, exatamente pelo que acabamos de falar: a lei não veda e preenchem-se todos os requisitos: é credor, tem título executivo (que é a CDA), esse título está protestado, o contribuinte é empresário ou sociedade empresária, então disse, à época, o Ministro Costa Leite: não há absolutamente nenhum problema.

Só que recentemente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, que tem por objetivo uniformizar a jurisprudência, concluiu que não é possível o requerimento de falência pela Fazenda Pública, acatando os Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Castro Filho, que é a posição doutrinária: o professor Rubens Requião tinha essa posição, o professor Fábio Konder Comparato, um artigo mais recente do professor Paulo Penalva Santos. Segundo esse entendimento, a Fazenda goza de mecanismos próprios e suficientes, incisivos ao extremo para a satisfação de seus créditos. Para começar, a CDA. O único credor que emite um título contra o devedor sem a manifestação do devedor é a Fazenda Pública. Em sendo assim, não seria razoável um pedido de falência. Mas o que pesou mais é que a Fazenda tem como objetivo fomentar o desenvolvimento, dar mecanismos de desenvolvimento econômico.

Mas o que isso tem a ver? Quem está devendo não precisa de fomento algum, tem que sair de circulação! Não. É muito fácil você entender que quando alguém entra em dificuldade e deixa de pagar a um monte

de pessoas, que esse sujeito sim tem que sair de circulação. Mas quando a Fazenda estiver requerendo a falência de seu contribuinte, muito provavelmente, o único credor é a Fazenda Pública porque a Fazenda é morosa por natureza. O mecanismo da Fazenda é moroso, demora até que ela tome essa medida. Então se o requerimento de falência está sendo feito pela Fazenda demonstra certamente que o único credor desse empresário é a Fazenda, não existe nenhum outro credor. Porque se houvesse, esse outro credor já teria requerido a falência e a Fazenda não ia precisar fazê-lo. E se não existe nenhum outro credor, o que é que a Fazenda está fazendo aí? Se ela é a única credora e possui outros mecanismos eficazes para satisfazer seu crédito, ela não precisa requerer a falência. Por isso, em 2003, o STJ concluiu pela impossibilidade de a Fazenda requerer a falência de seu contribuinte.

Com isso, então, nós podemos passar para os próximos itens.

Pergunta de aluno: Voltando ao art., 94, II, quando eu requeiro a falência, eu junto o título. Decretada a falência eu tenho de desentranha-lo para habilitar o crédito?

Precisa porque mesmo o requerente da falência tem que se habilitar. Mas com o novo sistema isso ficou mais prático, mais eficaz porque o administrador vai analisar a vida do falido a partir da decretação e ele mesmo (o administrador) já pode dizer: “esse sujeito é credor” e o que vai acontecer é o seguinte: ele diz: “você é credor, mas há uma condição: você tem que juntar um título, para evitar que o título circule”.

Pergunta de aluno: e o empresário irregular?

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O empresário irregular pode falir. Ele não pode requerer a falência de outro. E também não pode requerer sua autofalência. Sempre que se estiver diante de um empresário irregular a lei vai colocar um pé na frente dele para dificultar a vida dele, para mostrar a ele que não se deve ser irregular. Como a autofalência é um benefício, se ele está irregular ele não pode recebe-la. Recuperação não é um benefício? Então ele também não pode. E requerer a falência de outrem também não pode. Mas requerer falência é benefício? Não é propriamente um benefício, mas acarreta em poder receber, acarreta em poder levar ao conhecimento de outrem, do Estado, que aquele devedor ali está em dificuldades. E estando irregular, que moral você tem para levar ao conhecimento do Estado que outro está em dificuldades? E a outra razão é que se eu autorizar o irregular a requerer a falência, eu vou permitir que ele receba via depósito elisivo, e o Estado não deve estimular isso porque o credor está irregular.

Já vimos à presunção de insolvência, a razão de ser da falência, já vimos o porquê do pedido de requerimento de falência, vimos à legitimidade ativa e passiva e agora vamos caminhando para o juízo competente para o requerimento de falência, o chamado juízo falimentar.

Não muda nada (está no art. 3º) em relação ao anterior art 7º, isso porque sempre tivemos por base o principal estabelecimento.

Qual é o principal estabelecimento? É controvertido.Resposta de aluno: a sede.Quem entende que á a sede?Cuidado com o seguinte: o conceito de sede é a nau capitânia de uma frota marítima. Dizia Rubens

Requião que a sede administrativa é a nau capitânia de uma frota marítima, é aquela que dá as diretrizes. Aí você pode dizer que a sede administrativa é a que dá as diretrizes. Mas se você disser numa visão ampla, explicando o que você está dizendo, aí tudo bem. Agora se você disser apenas “sede”, sem explicar o que é sede, o que é sede administrativa, vai induzir ao erro porque a sede é fixada através do contrato social. Não é o domicílio, mas a sede: a sede será em tal local e haverá filiais nos lugares tais e quais. E quando você abrir nova filial você vai lá e altera o contrato social, indicando a existência da filial. A sede, o contrato ou estatuto social virá a fixar.

Por que o principal estabelecimento não pode ser a sede porque senão quando houver um requerimento de falência a pessoa altera o contrato social e tira a sede do Rio de Janeiro e a passa para o Ceará. O principal estabelecimento não pode ser a sede para evitar que se escolha o juízo competente, burlando preceito constitucional sobre o juiz natural. É importante que toda a jurisdição seja fixada de antemão.

Bom, se o principal estabelecimento não pode ser, a sede será o que, então?Ora, normalmente o principal estabelecimento coincidira com a sede porque se eu estou de boa fé,

desenvolvendo a atividade no Rio, a minha sede e o meu principal estabelecimento estarão no Rio. Eu não vou ter a minha atividade em São Paulo e a minha sede em Caxias do sul. Agora existem hipóteses em que a situação se complica. Aí você lendo a sede no contrato social você terá de buscar outros elementos para saber onde ela efetivamente atua. Por exemplo, algumas sociedades que têm sede em municípios pequenos. Por quê? Porque elas prestam serviços. Um dos municípios onde têm mais prestadores de serviços é Magé porque o ISS é de 2%. Então, os prestadores de serviço se constituem em Magé para emitir nota fiscal e pagar 2% de ISS. E atuam onde? No Rio de Janeiro, mas aqui teriam de pagar ISS de 5%. Eu sei da discussão sobre se tem que pagar no local do fato gerador ou no local da sede. Mas como é difícil fiscalizar a prestação de serviço, porque ele é pulverizado, você não sabe onde foi prestado. E no corpo da nota fiscal ninguém diz onde foi prestado o serviço então é difícil fiscalizar, e aí ele paga o ISS de 2% e não o ISS de 5%.

E quando a coisa complica mais, por exemplo, ENCOL? Falência da ENCOL. Qual o juízo competente? Foi uma briga grande: Brasília – DF ou Goiânia? Era tão grande a área de atuação dela que a qualquer lugar que você vá ao longo desse país que se você falar “ENCOL” alguém que se arrepia, alguém que vira de lado. Em todos os lugares: desde Caxias do Sul até Manaus. Eu já fiz essa experiência: em uma quinzena eu fui palestrar em Caxias do Sul e em Manaus. Em ambos os lugares eu falei da ENCOL e teve gente desconfortável. Ela atuava no Brasil todo seja porque foi você que perdeu uma sala comercial ou um apartamento, seja porque foi um parente, de ouvir falar.

E aí? Qual o juízo competente para a falência da ENCOL? Neste caso tiveram que optar pelo local da sede contratual porque não havia outra alternativa.

E novos desafios surgem: qual o juízo competente para decretar a falência do Submarino.com?, do pontofrio.com? da amazon.com? e daí por diante. Onde é o principal estabelecimento? Porque ela tem estabelecimento sim: você entra na loja, pega um carrinho, percorre as galerias, vai ao caixa, tem um ícone “fale comigo”. O problema é saber onde ela está constituída. Você sabe onde está constituída a franqueadora mater do McDonald’s? Em Goiás. E quem são os sócios? Duas offshores, duas sociedades offshore de paraíso fiscal. Então quando você começa a caminhar você começa a perceber que o negócio não é tão simples quanto parece. Mas vamos tentar buscar ao máximo o local do principal estabelecimento, deve ser feita a prova disso. E feita a prova disso a questão morre no Tribunal de Justiça local por causa da súmula 7 do STJ: não cabe Recurso Especial para reexame de prova. E nós vamos analisar o fato: local do principal estabelecimento está atrelado a fato. E é muito importante que você vislumbre isso porque se você deixar para análise no Recurso Especial, o seu recurso especial não vai subir em hipótese alguma. Eu tenho recebido alguns recursos especiais para dar parecer sobre essa matéria em falências, referente a estabelecimento e eu vejo claramente às vezes, e quando eu fui para a assessoria da 3ª Vice-presidência do Tribunal, a assessoria cível do PGJ, a primeira coisa que me disseram foi: “Márcio, aqui você vai ver as maiores injustiças possíveis, mas você tem que ficar adstrito tecnicamente aos

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requisitos de admissibilidade do Recurso Especial”. Então eu vejo, por exemplo, claramente que o juízo competente foi fixado errado mas quando a questão é probatória, como o Tribunal erradamente, por unanimidade, disse que o juízo competente era o da sede do contrato social, o Recurso Especial não pode passar. Portanto, é importante que isso seja visto logo no primeiro momento. Normalmente você vê que os protestos foram feitos onde? Já falamos sobre isso: o processo é um medidor muito bom da saúde financeira e um indicativo muito bom do local onde você atual. Por que se os protestos são todos do Rio de Janeiro, não tem conversa: o local onde você atua é o Rio de Janeiro, e o local do principal estabelecimento será o do Rio de Janeiro.

Fixado a competência do juízo falimentar, nós precisamos saber que essa competência é constitucional porque está no art. 109, I, CF. O art. 109 cuida da competência da Justiça Federal e nele se excepciona a competência do juízo falimentar. Por isso o STF já disse que essa competência (a do juízo falimentar) é absoluta porque poderia se ter uma falsa idéia no sentido de que fosse relativa, porque fixada conforme o principal estabelecimento seria territorial e portanto, relativa, suscetível de prorrogação. Mas não pense nisso: o STF já disse que ela é absoluta porque constitucional. Em decorrência disso, nós temos alguns princípios relacionados ao juízo falimentar, que são:

Princípio da universalidade;Princípio da indivisibilidade;Princípio da unidade

Esses três princípios decorrem uns dos outros.Universal significa que todas as ações de interesses da massa, todas as questões referentes à massa

correrão no juízo falimentar. Esta é a regra, depois falaremos da exceção. Se é de interesse da massa, o juízo competente é o falimentar. Isso se a massa for ré. Se ela for autora, o juízo competente será aquele conforme as regras comuns de competência para a causa: vara federal, vara trabalhista, vara estadual de fazenda pública, etc., mas se a massa falida for ré, seja qual for a razão, seja qual for o objeto da demanda, o juízo competente será o da falência. É por isso que existem dois locais em que o Tribunal de Justiça toma muito cuidado para designar: fazenda pública e varas empresariais. São varas que demandam conhecimento grande e são um trampolim para o tribunal (para se tornar desembargador) porque são varas vitrines, porque demandam um conhecimento e uma responsabilidade muito grande. Se você te uma massa falida ré numa questão de direito nuclear, mineral, agrário, você vai ter que abrir um livro de direito agrário, mineral, nuclear e estudar aquele troço ali para poder falar. Volta e meia aparece ação em que a massa está sendo despejada. Aí tem que olhar ação renovatória, consignatórias, complicações imobiliárias. Então, se a massa falida é ré, a competência é do juízo falimentar; se a massa é autora, o juízo competente é o juízo normal.

Agora e se a massa for ré naqueles processos anteriores à decretação da falência? Nós sabemos que após a decretação da falência o juízo falimentar é universal e todas as ações devem ser propostas nele porque ele exerce a chamada vis atrativa. E para os processos que tiverem em curso? Eles serão todos atraídos para o juízo falimentar ou não?

O posicionamento do STJ era eu sim, que tudo era atraído para o juízo falimentar. O posicionamento era esse: decretada a falência vinham todos os processos. E esse, inclusive, foi o posicionamento defendido por um dos examinadores do MP, Mário de Moraes Marques Junior, na banca atualmente. Ele até escreveu um artigo nesse sentido da atração porque essa atração era constitucional. A regra de competência estadual, vamos dizer assim, infraconstitucional, ela não poderia estar sobrepujando a norma constitucional. Então deveria haver a atração. E o STJ assim entendia.

Mas o STJ mudou de posição por causa da ENCOL. E foi por uma questão de administração da justiça que ele reviu o posicionamento: é melhor que fique lá no local de origem porque a ENCOL, em determinado momento, em Goiânia, chegavam caminhões. Teve semanas que o cartório parava para receber processo. Tudo parou. Foi o caos na cidade. Imagina o Brasil inteiro mandando todos os seus processos referentes a ENCOL. No ERJ, todas as varas cíveis que tivessem a ENCOL no pólo passivo mandaram os processos para lá. São Paulo inteiro, idem. Parou tudo. Acabou com a vara local (de Goiânia). Em sendo assim, o STJ mudou de posição e hoje, a nova lei, no art. 6º, § 1º, incorporou essa idéia e deixou claro na própria lei infraconstitucional de falência que os processos em que se demandarem quantias ilíquidas prosseguem no juízo de origem para então, com a prolação da sentença, ou melhor, com o trânsito em julgado do decisum, você se habilita na falência.

Decretada uma falência no RJ, estão litigando lá em SP via ação de conhecimento em que eu digo: “olha, eu estou levando ao conhecimento do Judiciário que ele não me devolveu o imóvel e por isso ele tem que me pagar essa indenização por isso e isso”. Decretada a falência, ele fica lá em São Paulo até o Judiciário de lá dizer se ele realmente é credor e de quanto. Transitando em julgado essa decisão, eu venho para o Rio de Janeiro habilitar meu crédito, no quadro geral de credores.

Pergunta de aluna: Mas há modificação do pólo?Sim. Há substituição do empresário pela sua massa falida. E o administrador será chamado para dar

seguimento à ação.

Pergunta de aluna: E se houver litisconsórcio?Aí depende. Se o litisconsórcio for ativo (mais de um credor da agora massa falida) não há qualquer

problema. Mas se o litisconsórcio for passivo aí você vai cair na mesma questão se você pratica um crime junto

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comigo. Parece que não tem nada a ver mas tem tudo a ver. Nós seremos os dois julgados pelo Tribunal de Justiça (porque o professor é Promotor de Justiça e tem foro especial por prerrogativa de função) ou se eu (professor) vou ser julgado lá (pelo TJ) e você cá, no juízo criminal comum a questão é a mesma. A tendência tem sido atrair pelo fato. E é muito mais fácil eu (professor/promotor) ser condenado pelo órgão especial do que pelo juízo criminal comum em primeiro grau. O foro por prerrogativa de função, ao contrário do que possa parecer, é péssimo. Os Delegados de Polícia, depois de brigarem muito e conseguirem o foro que depois foi julgado inconstitucional, eles não têm noção do que estão fazendo ao querer julgamento pelo órgão especial? Lá é que eles vão comer o seu fígado até o final. Eles ainda acham que é um privilégio! Então troca comigo porque lá a tendência é você ser condenado.

Entendeu a correlação? É exatamente essa. Se a competência é constitucional, em havendo litisconsórcio passivo, anterior, continua lá onde estava. Se o fato é posterior à quebra, e o fato é o mesmo, como é que eu vou cindir? Você traz para cá.

Observe que tanto a regra do foro especial por prerrogativa de função quanto a do juízo falimentar não constitucional e que a regra sobre litisconsórcio é infraconstitucional, logo há de prevalecer a regra constitucional e tudo ser atraído para o juízo falimentar.

A regra de competência do juízo falimentar é constitucional. A regra de litisconsórcio é infraconstitucional. Então a regra é a mesma da prerrogativa de função. A regra da prerrogativa de função é constitucional. A regra de competência para julgar o crime é fática, infraconstitucional, CPP, pelo mesmo fato. E essa é a grande discussão: se você, por homicídio, se você vai para o Júri e eu vou lá (Órgão Especial do TJ). Quer dizer: constitucionalmente essa seria a melhor solução, só que infraconstitucionalmente o fato tem que ser julgado por um órgão só. Mas quem é que diz isso? É a legislação infraconstitucional, e não a constitucional.

Na falência, litisconsórcio passivo.Regra constitucional: a massa falida tem que ficar aqui (no juízo universal)Regra infraconstitucional: você também tem que ficar aqui por causa do litisconsórcio. E aí: cinde ou não cinde? Eu acho que a tendência é, acontecendo isso, e é o que normalmente ocorre, o

juízo falimentar cuidar também do litisconsorte.

Pergunta de aluno: E se numa ação em que a massa falida é autora e houve uma reconvenção?Aí a massa se torna ré, e em se tornando ré há a atração pelo juízo falimentar. A reconvenção tem que vir

para o juízo falimentar porque a massa pode vir a ser condenada. E em havendo a possibilidade de a massa vir a ser condenada, há interesse da massa falida, isto é, do juízo falimentar.

Então, os princípios da universalidade, unidade e indivisibilidade é isso. Pela universalidade há atração. Pela unidade, tem-se que só há um único juízo falimentar para processar e julgar. E indivisível quer dizer essa questão que acabamos de falar agora, inclusive se ele é divisível ou não. A regra é que não pode haver divisão de processos e os litisconsortes também são atraídos pelo juízo falimentar: todas as questões serão resolvidas aqui.

Mas como é óbvio existem exceções. As exceções mais marcantes sobre a universalidade estão aí indicadas: são as referentes aos credores trabalhistas e a Fazenda Pública.

Eu indiquei para vocês que desaparece a antiga regra do art. 24, § 1º, que era a questão da praça designada, os bens e a execução por peça designada: execução na vara cível correndo. O bem já estava com a hasta pública marcada. Falência decretada. Continua: realiza a hasta pública e aí o produto da hasta vai para a massa falida, e não para o exeqüente. Só na hipótese de, na lei anterior, foi à hasta pública, houve a arrematação mas o dinheiro ainda não entrou, ainda não houve o depósito referente àquela arrematação, e nesse meio tempo a falência é decretada, aí sim o § entra e vai para as mãos do exeqüente. E o remanescente, se houver, vai para a massa. Esta regra desaparece na nova lei.

Porque a exceção verdadeira, que não vai correr em hipótese alguma no juízo falimentar é a execução fiscal e a questão trabalhista.

A execução fiscal está excepcionada nos arts. 186/187, CTN, sendo que a nova lei indicou também no artigo 6º, § 7º. O art. 186, CTN, diz que não há crédito melhor que o tributário, salvo o trabalhista. O art. 187 diz que a fazenda não se sujeita a nenhum tipo de concurso. Ocorre que junto com a lei de falência foi aprovada a LC 118, que insere parágrafos no art. 186, no sentido de que em caso de falência, além do crédito trabalhista, preferirá o crédito fiscal o credor com garantia real. Analisando os arts. 186 e 187, o STJ se deparou com o seguinte questionamento: o fisco não recebe antes dos trabalhistas e agora também não recebe antes dos que têm garantia real. Mas veja só, no art. 187, CTN o fisco vem dizendo o que pode; não se coaduna porque se no art. 186 ele diz que não admite o recebimento antes do trabalhista, que o trabalhista está na sua frente, no art. 187, CTN, você não pode dizer que não está submetido à falência porque se eu deixar você correndo por aí sem controle você vai chegar primeiro, antes do trabalhista na falência. Então desde 2001, no informativo n.º 121, a Corte Especial do STJ tem um posicionamento firme: o fisco não recebe antes do trabalhista, mas no art. 187, CTN, em que diz que o fisco não se habilita na falência. Então, a única interpretação possível é que o fisco não precisa se habilitar, basta se apresentar. O Procurador manda um ofício (não precisa nem ser petição) se apresentando e anexando a CDA. Aí o juiz despacha: “inclua-se no Quadro Geral de Credores”. Não há processo de habilitação, isso tudo ocorre nos próprios autos da falência. Então o fisco pode ingressar e tem que receber seu crédito na falência como também pode prosseguir na execução fiscal. Mas até quando? O STJ firmou entendimento que a execução fiscal pode seguir até a arrematação dos bens. E o produto da hasta pública virá

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para a massa falida. O posicionamento do STJ não mudará, apenas se adequará à inserção do credor com garantia real porque ele entrou na frente do fisco. E aí, mais uma razão para se determinar a apresentação do fisco junto à falência.

Pergunta de aluno: O Fisco se apresenta na falência com a mesma CDA que ele está executando?Quando ele ingressa ele não está executando. Quando ele estiver executando, ao final, o produto da

hasta é encaminhado ao juízo falimentar. Aí é que ele pega a CDA que estava instruindo a execução e se apresenta.

Agora, essa hipótese em que ele chega sem a existência de execução é a seguinte: quando a falência é decretada, você manda ofício para as fazendas municipal, estadual e federal. A própria vara empresarial já manda. Aí elas tomam ciência. E se a execução não tiver se iniciado, eles não dão início. Mandam a CDA para apresentação.

E normalmente o fisco pede reserva. E se eles pedirem reserva você pode até deferir a reserva, fazendo a ressalva de que ele não está em primeiro lugar. Então não pode reservar exclusivamente para ele por causa das preferências trabalhistas e, agora, de garantia real. Então, defere a reserva sem prejuízo dos trabalhistas e credores com garantia real. Então é uma reserva condicional.

Pergunta de aluno: Vai ter uma fase de impugnação dessa CDA?Não, não tem porque o fisco não se submete a habilitação, conforme entendimento do STF.

Pergunta de aluno: Mas e se a CDA tiver vício?Vício se pode analisar. Costumam mandar multa (CDA referente a multa) E multa tem outra classificação,

não é crédito fiscal. Na nova lei está inclusive rubricado lá embaixo: multa.Se o administrador entender que o valor da CDA está errado ele vai ter que resolver na via própria. Mas o

administrador registra perante o juízo falimentar que vai impugnar o valor dessa CDA no juízo fazendário. Aqui não há o procedimento de habilitação comum aos outros créditos. No juízo fazendário você vai ingressar com uma ação desconstitutiva da CDA, uma ação de conhecimento.

Conclusão: o FISCO se submete sim ao juízo falimentar, senão estaria em contra-senso com o art. 186, CTN.

Uma outra exceção ao juízo falimentar é a questão trabalhista. A competência da justiça trabalhista é constitucional, então, decretada a falência, as ações em curso e as serem iniciadas na Justiça do Trabalho ficarão por lá mesmo.

Uma questão muito interessante e comum é uma pessoa chegar na falência afirmando-se credor trabalhista.

No sistema anterior, o falido, ao se manifestar, afirmava nunca ter visto aquela pessoa antes. E o síndico falava: “e mais, esse processo correu e essa sentença foi prolatada após a decretação da falência e eu é quem tinha que estar lá e não fui chamado”. O que se faz com esse processo? Suspende. Você não pode no juízo falimentar dizer sobre o crédito trabalhista, afirmando que ele se constituiu de forma viciada, com nulidade. Porque caso contrário você está violando a competência constitucional da Justiça do Trabalho. Então tem que suspender essa ação e mandar o administrador ir ao juízo competente resolver o problema.

Entendido isso, vamos ao art. 6º, § 3º, NLF, no que tange a pedido de reserva. Então observe: vai uma pessoa na Justiça do Trabalho dizendo ser credora de R$ 1 milhão. A Justiça do Trabalho então diz: “Determino ao Juízo Falimentar que reserve tal quantia”. Ora, o caminho que eu fiz para lá, para falar sobre habilitação, para dizer que nós não podemos acelerar na falência, que aquele crédito foi constituído de forma viciada, também serve agora. É claro que a Justiça do Trabalho não pode determinar essa reserva. Esse dispositivo aqui é flagrantemente inconstitucional porque a competência falimentar está disposta no mesmo patamar, no mesmo inciso até mesmo da Justiça do Trabalho: art. 109, I, CRFB.

O pedido de reserva tem natureza cautelar incidental: fumus boni juris e periculum in mora. Quem é que tem como aferir o periculum in mora? Ora, só o juízo falimentar. Vocês não imaginam a confusão que não vai gerar esse dispositivo. Podem esperar, porque a Justiça do Trabalho vai determinar a reserva aqui no juízo falimentar e o juízo falimentar precisava de determinada quantia, por exemplo, para fazer frente a determinada despesa já contratada de remoção dos bens, uma despesa necessária para a alienação do estabelecimento, que é um dos objetivos da nova lei. Ora, como é que se vai ter condições de saber se aqui o dinheiro vai sair ou não vai, se tem ou não tem? E o pior de tudo: imagina quando vier essa decisão via on line. E será on line não para o juízo falimentar, mas para o gerente do banco, determinando o bloqueio da conta. Porque lá na Justiça do Trabalho eles adoram determinar o bloqueio da conta, não é da quantia não, olha o absurdo, o bloqueio é da conta. É uma coação absurda! As pessoas que vissem isso deveriam representar: isso é crime, é abuso de autoridade! O sujeito determinar penhora on line de bloqueio de conta é abuso de autoridade. Não pode: você está interferindo na vida privada da atividade empresarial. Mas ... imaginem a confusão que isso não vai gerar. Ora, esse aspecto prático é inconstitucional.

Em se falando da hipótese de do art. 6º § 3º, que faz alusão a dois juízos: os da competência da justiça do trabalho e os que tenham por objeto quantia ilíquida. Se para os processos de competência constitucional da

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Justiça do Trabalho já se vislumbra inconstitucionalidade, quanto mais para os processos com objeto ilíquido. Para esses, a competência é infraconstitucional, enquanto a competência do juízo falimentar é constitucional. Portanto, os próprios constitucionalistas, como o professor Guilherme Peña, têm concordado com a inconstitucionalidade. Vamos ver o que vai acontecer.

Pergunta de aluno: a inconstitucionalidade desse art. 6º § 3º contamina também o art. 149, § 1º?Não. No pedido de reserva o que vai ser julgado inconstitucional, claro que se em acatando esse

posicionamento, é apenas a expressão “determinar”. Não há nenhum problema, e toda vida foi assim, que esses juízos solicitem reserva. O pedido de reserva permanece. Ele tem que existir. E mesmo que a lei não previsse essa reserva, ela seria possível porque é cautelar. O problema é só a forma pela qual a lei cuidou dessa reserva. O negócio é o seguinte: há a falência e enquanto ela corre eu, que sei que sou credor, estou tentando obter esse status judicialmente. E enquanto isso esse sujeito pede a reserva de bens para satisfazer o seu crédito, cautelarmente. O juízo falimentar vai apreciar o fumus boni juris e o periculum in mora.

Pergunta de aluno: Os livros sempre falam da incompetência absoluta do juízo falimentar em apreciar os

créditos reconhecidos pela Justiça do Trabalho. É possível eu aplicar esse mesmo raciocínio para os casos de competência absoluta da Justiça Federal?

Sim. O juízo falimentar só pode suspender o curso da falência para que a justiça competente, no caso, a federal, aprecie o crédito, quanto à existência e à extensão. A impugnação tem que correr na Justiça Federal.

Pergunta de aluno: No caput do art. 6º ele diz que a decretação da falência suspende o curso das ações mas não diz que elas têm que ser remetidas ao juízo falimentar.

Você vai identificar isso pelo § 1º. No caput, o art. 6º determina a suspensão das execuções e das ações. Mas veja: só suspende na verdade o curso das execuções. É um erro repetido lá no antigo art. 24. Se você suspender as ações você viola o princípio de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF). Mas lendo o caput e o § 1º você alcança esse raciocínio. Eles poderiam até ter mencionado tudo expressamente, direitinho. Então, o raciocínio é por exclusão: o que não cair na exceção do § 1º, fica no caput.

Pergunta de aluno: Se a ação tiver objeto líquido ela pode ser remetida ao juízo falimentar?Não. Se o objeto for líquido não é ação, é execução, e aí suspende, porque aí você já é credor. Realmente

o termo é que é infeliz: toda ação tem objeto ilíquido, porque ao final pode ser julgada improcedente. Quando a lei se refere a ação com objeto ilíquido quer dizer processo em andamento. Todo e qualquer processo em curso continua no juízo de origem. Só os processos posteriores à quebra vem para o juízo falimentar.

Vamos então retornar para tratarmos a legitimidade passiva da falência.Legitimidade passiva. O art. 2º, da NLF, vai tratar do tema e nós sabemos que desde o DL 7661/45, onde

havia “comerciante” se era “empresário ou sociedade empresária”. A NLF apenas explicita isso e se amolda ao novo sistema do CC/02 que diz que poderá falir o empresário ou sociedade empresária. E nesse ponto se tem um pano de fundo enorme para se discutir tudo que está no art. 966, caput e parágrafo único, NCC.

Surge um primeiro item aí referente ao empresário menor. Quem seria o empresário menor hoje? Como a maioria foi reduzida para 18 anos, seria aquele de 17 anos, como exemplo clássico, praticando ato de empresa e se estabelecendo com economia própria. Portanto ele está emancipado. E se está emancipado ele tem capacidade civil. Sendo que o art. 972 (CC/02) que a capacidade para ser empresário se confunde com a capacidade civil. Se o sujeito com 17 anos se estabeleceu com economia própria, se emancipou e tem capacidade civil, ele pode ser empresário. Pode ele falir? Pode. Acabou o problema. Quando a lei fala da legitimidade para falir ela nada fala sobre o menor. O problema todo era o seguinte: a lei anterior falava no art. 3º que só o maior de 18 anos poderia falir. E sempre a doutrina acompanhou esse limite de 18 anos para falir. E quando você ia pesquisar o porquê desse limite de 18 anos você encontrava a informação porque só pode praticar crime falimentar quem tem mais de 18 anos. A explicação era essa, mas estava na lei lá: 18 anos.

Surge uma nova doutrina, respeitável obviamente, com o CC/02. o professor Sérgio Campinho, por exemplo, acompanha essa corrente. Segundo eles, o menor emancipado, mesmo menor de 18 anos poderia falir. E aí não praticaria crime. Ele então estaria submetido ao ECA, praticaria ato infracional análogo a crime, só que na minha visão de promotoria de massas falidas, eu sempre resisti a esse posicionamento porque eu duvido que alguém com 17 anos, com pedido de falência requerido, que a falência fosse decretada. Eu.duvido porque está na lei: só pode falir quem tem mais de 18 anos. Mas poderia se argumentar a interpretação. Mas, meu amigo, um princípio básico de interpretação é a vedação a interpretação in malam partem. Eu não posso usar uma interpretação extensiva para prejudicar. E falência é prejuízo. Não há que se defender uma interpretação do DL 7661/45 conforme o NCC por que a Lei de Falências é uma lei especial. E é por isso que eu sempre me insurgi contra a questão de que o CC/02 teria modificado essa idéia de o menor indo à falência. Veja: qualquer menor pode praticar ato infracional. Isso não é novidade nenhuma. Mas aqui era requisito do crime falimentar sempre foi condição objetiva de punibilidade do crime falimentar a sentença de falência. E eu estava falando de antes, antes de completar 18 anos não vai falir, logo não haverá sentença de falência e será impossível falar em crime falimentar ou em ato infracional.

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Agora, a NLF resolve o problema porque ela não fala em idade, ela só fala que tem que ser empresário. E se o cara com 17 anos pratica ato de empresa, se está emancipado, tem capacidade civil, ele pode ser empresário e vai poder falir. E falindo, com 17 anos, como fica o crime? Vamos ter que aplicar a regra geral: não vai praticar crime, mas ato infracional análogo a crime. Vai ser internado, vai ter liberdade assistida, vai levar repreensão, bronca, sei lá. Vai lá pro Instituto Padre Severino e volta reestruturado, não é isso?

Então, a questão do menor empresário agora desaparece, a controvérsia que existia na LF/45 desaparece.

A NLF traz de volta uma questão que estava sepultada. É a questão do art. 2º, parágrafo único: essa lei não se aplica a empresa pública e a sociedade de economia mista.

Por quê? Ela traz esse retrocesso que já estava sepultado. O DL 200/67 já dizia no art. 5º que empresa pública e sociedade de economia mista eram sociedades de direito privado. Depois, em 1988, a CR no art. 173 afirma que o Estado Empresário deve ser como os outros, porque Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista são as roupagens, as hipóteses em que o Estado se apresenta como empresário. Então foi dito; Estado, você deve ser tratado como os outros. Dez anos depois, porque as pessoas não tinham entendido bem, a EC 19/98 modifica a constitucionalidade no art. 173 ao inserir um § 1º, explicando melhor, pessoa jurídica de direito privado significa submissão ao regime privado: fiscal, trabalhista e comercial. Diante disso, em 2001, a Lei n.º 10.303/01, que modificou a Lei n.º 6404/76, explicitando os conceitos de governância corporativa e poupança popular, ela revoga o art. 242, Lei n.º 6404/76. O art. 242 da Lei n.º 6404/76 dizia que as Sociedade de Economia Mista (e entendia-se que o preceito também alcançava as Empresas Públicas) não podia falir. E veio o legislador de 2005 e com a NLF diz isso aí, contradizendo a evolução, voltando para antes de 1967, ressuscitando a controvérsia sobre a possibilidade de falência das Sociedades de Economia Mista e das Empresas Públicas. E que nós vislumbramos aqui? Inconstitucionalidade. Para o direito empresarial vocês podem dizer isso sem medo. Tavares Borba já dizia isso, os autores estão se pronunciando nesse sentido. Já para o direito público vocês podem dizer que a tese da inconstitucionalidade é majoritária. Só que existem ainda vozes, muito intensas, pugnando pela constitucionalidade dessa idéia. A idéia é a seguinte: a Sociedade de Economia Mista e a Empresa Pública precisam de lei autorizando a sua constituição. Está resolvido aquele problema se a lei as criava ou não: a lei autoriza a criação. Então é necessária uma lei para determinar a sua extinção. Não poderia a LF alcançar esse objetivo: não poderia uma falência atingir esse objetivo de extinguir as Sociedades de Economia Mista ou as Empresas Públicas porque precisaríamos de uma lei.

Agora: quem disse que falência acarreta extinção da personalidade jurídica? Tanto pela lei anterior quanto pela NLF ao final da falência não se pode requerer a sua reabilitação? E o que é a reabilitação? É você pedir, e é um processo autônomo em que se pede ao juízo da falência para voltar a exercer as atividades. É utópico, é teórico, claro, mas está na lei. Então é possível o retorno às atividades. Logo, a falência não extingue a personalidade jurídica, se não, não seria isso. É claro que ao final da falência e aí sim é a leitura do art. 1033, NCC, ao final da falência, extintas as suas obrigações, quando ele fala as sociedades serão dissolvidas, ao final disso basta o que para o famoso “dar baixa na Junta Comercial”, ou seja, para extinguir a personalidade jurídica? O ofício do juízo falimentar no sentido da extinção da falência, ele está reabilitado. Então vai alguém lá e põe termo à sociedade com esse comando judicial. E aí a Junta diz: “Pois não, encerro a sociedade. A sociedade morreu porque houve a falência”. Mas se você quiser encerrar uma sociedade, vai ter que passar por um procedimento de liquidação que é diferente. Por isso falência não põe fim à sociedade e por isso que tal entendimento não me parece ir a adiante.

Pergunta de aluno: Mas me parece que o posicionamento deles é que na verdade só Sociedade de Economia Mista e Empresa Pública que desempenhem atividade econômica possam falir. Aquelas que desempenhem serviço público não poderiam falir.

Esse raciocínio, ligado à continuidade do serviço público, já caiu por terra e eles não falam mais nisso porque surgiu o direito regulatório e essa questão era denotada. Ah, se é prestadora de serviço público não pode falir pela continuidade do serviço público. Mas com o marco regulatório, chegando a concessão de serviço público de forma particular com desestatização, você ia chegar ao ponto de dizer que a Light não poderia falir. Ninguém pode pedir a falência da Light. Ninguém pode pedir a falência da Telemar, da Oi, da Vivo, da Tim e claro que pode.

Pergunta de aluno: Mas elas não são nem sociedades de economia mistas nem empresas públicas?!Mas e daí? Elas são prestadoras de serviço público. O problema da falência não é ser Sociedade de

Economia Mista e Empresa Pública ou não. O problema é ser prestadora de serviço público. A Light não presta serviço público? Então ela não poderia falir (de acordo com esse entendimento).

Comentário de aluno: O Carvalhinho, no livro novo dele, diz que esse artigo seria inconstitucional quando proíbe a falência de Sociedade de Economia Mista e Empresa Pública quando atuarem na ordem econômica. E conseqüentemente seria constitucional quando veda a falência das Sociedade de Economia Mista e Empresa Pública, se prestadoras de serviço público.

Mas mesmo assim, quando se refere a serviço público o raciocínio é esse (sobre a continuidade do serviço público) com o direito regulatório você não pode dizer que prestador de serviço público não pode falir. E aí, usando as palavras der Tavares Borba, “seria alguém infalível” e no mercado você não pode ter ninguém “infalível” e o serviço público não está no mercado? Está sim. E com a nova leitura trazida pelo direito regulatório ele está no

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mercado sim. É claro que ainda existe muita resistência. Mas em direito empresarial podem afirmar com certeza que esse dispositivo é de constitucionalidade, no mínimo, duvidosa.

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3ª aula - 02 de junho de 2005

Vamos dar seguimento às nossas atividades junto à Nova Lei de Falências.Vamos falar agora sobre a sentença de falência. Já falamos sobre a primeira fase da falência,

requerimento, vimos a impontualidade, os atos de falência, falamos da legitimidade ativa e da legitimidade passiva, sobre o juízo competente, exceções ao juízo da falência (ex.: trabalhista, fiscal) e chegamos agora ao momento da sentença de falência.

O momento da sentença da falência será ou de quebra ou denegatória da falência, ou você decreta, ou você denega a falência.

A sentença denegatória de falência terá natureza jurídica declaratória, como toda sentença de improcedência do pedido, porque toda sentença de improcedência do pedido declara a inexistência da relação jurídica. Nos demais casos (sentença de procedência do pedido), você declara a existência da relação jurídica e pode parar só nisso, ou também constituir ou condenar, casos em que se terá sentença meramente declaratória, sentença constitutiva e sentença condenatória.

A sentença que denega a falência é meramente declaratória. Esta sentença não está mais ao alvedrio daquela regra da lei passada (Decreto-Lei n.º 7.661/45), em cujo artigo 19, parágrafo único, dizia: “a sentença denegatória de falência não tem autoridade de coisa julgada”.

E você diz: “como não tem autoridade de coisa julgada?” Todos os autores sobre a matéria diziam o seguinte: não tem autoridade de coisa julgada porque, diziam eles, se você requerer a falência de alguém fundado em um título e se esse título não estiver protestado, a sentença será denegatória de falência. E aí, diziam eles, nada impede que eu pegue esse título, desentranhe esse título dos autos, proteste esse título e requeira novamente a falência. Tá vendo como a sentença não tem a autoridade de coisa julgada?

Mas é claro que teve autoridade de coisa julgada! Nós sabemos que a coisa julgada está atrelada à causa de pedir. E o que é a causa de pedir? São os fatos, a historinha contada na Inicial. Mas agora o fato levado ao conhecimento do Judiciário é outro. Antes o fato era um título sem protesto e o segundo fato é um título com protesto, ou seja, um fato completamente diferente. Ainda mais em se tratando de falência, para o que o protesto é um fato de extrema relevância porque ele é um requisito do próprio pedido de falência.

Então, esse art. 19, parágrafo único, do DL 7.661/45, desaparece por completo, não se fala mais em autoridade de coisa julgada ou não, porque até mesmo em Direito de Família essa besteira não é mais dita, ou pelo menos não deveria ser. Não faz muito tempo que eu aprendi na Universidade que sentença de alimentos não transita em julgado e é claro e evidente que sentença de alimentos transita em julgado formal e materialmente. Mas eu não posso modificá-la a qualquer tempo? Não. Aquela sentença ali proferida é imutável. “Mas e se ele precisar de mais alimentos?” Ah, aí então modificaram-se os fatos e se os fatos são outros, o Judiciário vai cuidar de outra matéria. Tanto que não há nem prevenção! Haverá livre distribuição da causa, o que foi, inclusive, uma matéria muito discutida.

Pois bem, não há mais, então, que se falar na regra do antigo art. 19, parágrafo único, LF/45, nem precisamos nos preocupar com isso.

É importante que ainda trabalhemos com os dois sistemas porque pelo menos nos próximos cinco anos os dois sistemas coexistirão, haja vista o novo Código Civil! Muita gente deseja ter entrado na faculdade agora porque ia aprender tudo conforme as novas leis. Mas isso é bobagem porque ia ter que aprender os dois. Vocês podem ver que a prova oral está exatamente nesse sentido: como era e como ficou, apesar de não estar no edital a lei nova. Se me consultarem para o próximo edital eu vou indicar para que tenhamos lei antiga e a lei nova. Não é que seja para dar trabalho em dobro, mas porque há questões que precisam ser trabalhadas de forma comparada, como, por exemplo, se a sentença denegatória faz coisa julgada. Sim, sempre fez, apesar de o art. 19, parágrafo único, DL 7.661/45 afirmar que não fazia e todos os autores comercialistas, como Rubens Requião, afirmarem que não fazia.

O art. 101, NLF, nada mais faz do que reproduzir o art. 20 da LF/45 ao dizer que a sentença denegatória de falência pode condenar em indenização. E indenizar é tornar indene, ou seja, recompor o dano ocasionado. Então, abre-se a possibilidade de alguém ter contra si requerida a falência de forma dolosa, fraudulenta, causando prejuízo, e poderá sim, na sentença de falência, ter reconhecida essa prática e então haver condenação referente a tal indenização. Isso às vezes acontece, em licitação, quando vai apresentar as certidões negativas e querendo tirar alguém do certame, para que não seja habilitado, forja-se um título contra você e requeiro a falência, pouco antes do prazo para a apresentação das certidões negativas. E não terá tempo hábil para demonstrar sua habilitação para concorrer naquela licitação. Seria um caso de indenização por danos causados pelo pedido de falência julgado improcedente.

É bem verdade que esse dispositivo não tem aplicação normalmente. Ele é pouco usado. É uma exceção. Eu acho até que poderia ser mais usado.

Não é uma novidade, mas agora vamos começar a utilizá-lo porque muita coisa vai mudar em falência. Inclusive, coisas antigas estão sendo relembradas, re-estudadas, por exemplo, o Ministério da Justiça, em parceria com a FGV [Fundação Getúlio Vargas] está promovendo o treinamento de todos os juízes e promotores em sede de falências em todo o País. Há cursos em todos os Estados.

A grande discussão que se instalou lá (na segunda- feira foi o curso no TJ/RJ) foi: decretada a falência, o administrador deve ter seu nome levado às Interdições e Tutelas (a sociedade faliu, o nome do diretor, do administrador deve ser levado a Interdições e Tutelas?) Isso é novo na lei? Não, isso não é novo na lei mas por

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que isso está sendo discutido agora? As pessoas estão estudando o tema e começaram a indagar se a falência é só da sociedade ou se é também do sócio, do administrador.

Chegou-se à conclusão que sim (que o nome do administrador deve ser levado a Interdições e Tutelas) porque o falido não pode administrar e como o administrador sofre os efeitos da falência, e ele responde nesse ponto como se fosse falido, devemos indicar o nome dele para Interdições e Tutelas.

Todos concordaram com isso mas há um problema lá no final da falência, encerrada a falência, o nome dele [do administrador] deve sair das Interdições e Tutelas ou isso só deve ocorrer quando da reabilitação, isto é, só quando todas as dívidas forem pagas?

Aí está instaurada uma intensa discussão, que não é nova, mas é nova no cenário, porque na técnica ela já existia, tira o nome dele de lá ou não? A falência não já se encerrou? Já, já encerrou. E se a falência já se encerrou não há porque você dizer que ele não pode administrar ainda, já que a falência já acabou. O que resta na reabilitação e meramente pecuniário, patrimonial, extinção das obrigações, ele continua a dever após o encerramento da falência. E quem continua a dever após o encerramento da falência? É a sociedade, não é nem mais o falido, é a sociedade. E por que o administrador manterá seu nome inscrito lá em Interdições e Tutelas?

Isso está sendo discutido novamente e cada um que trabalha em Vara Empresarial aqui nas Curadorias de Falência da Capital tem um entendimento completamente diferente do outro. Isso é, bom pelo menos para mostrar o seguinte: isso será suscitado já já porque haverá manifestações conflitantes a ensejar manifestação do Tribunal de Justiça que, com certeza, será conflitante e muito em breve o STJ terá de se pronunciar sobre o tema, uniformizar o entendimento.

Fiquem já sabendo que novas questões, que não são novas, não é da NLF, serão tidas como novas com o advento da nova lei em razão do novo estudo e da nova discussão.

A sentença denegatória de falência desafia um só recurso: apelação, como antes já ocorria na LF/45, o art. 19 já trazia como cabível apenas o recurso de apelação. Não há, aí, nenhuma diferença.

Havendo sentença denegatória de falência, a declaração é que não se é presumidamente insolvente (e é este o cunho declaratório: você não é presumidamente insolvente e por isso você não vai sofrer os efeitos da falência) mas nada impede que em sede de recurso de apelação o Tribunal reforme a decisão e decrete a falência. O acórdão que decretar a falência deverá observar os ditames da sentença de quebra. Então, se o Tribunal reformar a sentença denegatória de falência, o acórdão será peculiar porque ele não se limitará a reformar a sentença por ter havido error in judicando e a peculiaridade será que o acórdão terá de seguir todos os requisitos da sentença de falência. O acórdão ficará o termo legal da falência, nomeará o administrador, fixará qual foi o primeiro protesto, determinará o lacre do estabelecimento e os outros requisitos do art. 99.

A sentença de quebra, seja ela proferida pelo Tribunal, seja ela proferida pelo juiz, será sempre prolatada com base na presunção de insolvência. Se alguém quebrou é porque é presumidamente insolvente.

Pergunta de aluno: Há efeito suspensivo no recurso de apelação da sentença denegatória de falência?Se a lei não excepciona, os efeitos são os regulares, os ordinários, então há efeito suspensivo, sim.

Mas, como a sentença é denegatória de falência não haverá, na prática, efeito nenhum, não haverá qualquer problema quanto ao efeito suspensivo. Normalmente, a questão relativa ao efeito suspensivo tem lugar quando a sentença produzirá efeitos positivos, que o efeito suspensivo obsta. Então neste caso não há qualquer problema. De qualquer forma, a apelação, quando nada é dito, produz efeito suspensivo, sim, porque essa é a regra.

Pergunta de aluno: E quando a quebra é decretada pelo Tribunal, o recurso dessa decisão terá efeito suspensivo?Se o recurso cabível for o Especial ou o Extraordinário, não haverá efeito suspensivo. Em regra, não. Há

uma questão que se enfrenta lá na 3ª Vice-Presidência [que aprecia o cabimento de RESP e REXTR] é sobre a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela em sede de RESP e REXTR e sobre quem defere: o 3º Vice-Presidente ou o Ministro? E aí uma outra questão: o deferimento do efeito suspensivo cautelar pedido em RESP ou em REXTR, a quem cabe deferir, o 3º Vice-Presidente ou o Ministro? A pesquisa que eu fiz junto ao STJ dá conta de que é o Tribunal de origem, via 3ª Vice-Presidência, o órgão competente para conferir o efeito suspensivo porque a interposição é aqui e a conferência do efeito suspensivo terá lugar quando da delibação do recurso, na primeira fase do conhecimento do recurso e nada impede que o Ministro relator, tanto no STJ quanto no STF, revogue a decisão liminar.

Prosseguindo: a sentença de falência tem natureza constitutiva, como, aliás, sempre teve.

“Ah, mas não havia divergência?” A divergência ocorria porque estamos passando, já há algum tempo, por uma nova era, em que as pessoas que só estudarem uma matéria estarão fadadas ao insucesso. Já foi o tempo (não faz tanto tempo, mas já se foi o tempo) em que a pessoa se dizia civilista. E se lhe fizesse uma pergunta de Processo Civil ela estava perdida. E vice-versa. Imagine um comercialista de outro tempo. Ele não entendia nada de outra matéria, mesmo. E você vê isso claro em Processo Civil mesmo, nos textos de lei, porque a LF/45 dizia que a sentença denegatória de falência não fazia coisa julgada. Em títulos de crédito, fala-se em ação cambial, ação causal, ação de enriquecimento ilícito... Quando eu estava treinando o pessoal para a prova oral, eles me perguntavam a distinção entre elas porque não conseguiam entendê-las. Esses nomes todos foram criados para batizar ações, quando ação não tem nome! Ação cambial nada mais é que uma execução. Pronto. Mas se você for a um livro de Títulos de Crédito, o autor vai gastar cem páginas sobre ação cambial. E execução

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admite defesa?? Não!! Execução não é processo de defesa. Aliás, execução não tem nem sentença [!!!] porque é um processo de ataque, em que há contra-ataque via Embargos de Execução. E o autor lá do livro de Títulos de Crédito prosseguia: ação cambial só admite defesa em três hipóteses... E isso está errado de novo, processualmente, porque os Embargos do Executado manejados em execução com base em título executivo extrajudicial (art. 745, CPC) podem discutir tudo que se poderia discutir em sede de processo de conhecimento.

Então vocês verificam, por meio desses exemplos, que a divergência era meramente aparente. Era uma divergência por ignorância, porque os autores não estudavam os outros pontos. Mas não era da tradição isso [estudar outros pontos]. Hoje você sabe que não estudar os outros pontos, você está perdido.

Veja qual era a controvérsia deles: se a sentença de falência era declaratória, constitutiva, ou declaratória com efeitos de constitutiva.

Primeiro: ela não é declaratória de jeito nenhum porque a sentença de falência não se resume em dizer: “você é presumidamente insolvente”. E se ela fosse declaratória, ela seria só isso, que seria declarar a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, mais nada. Mas não, ela nunca fez só isso. Então meramente declaratória ela não é.

Então ela só poderia ser ou constitutiva ou declaratória com efeitos de constitutiva.Toda sentença constitutiva também tem um cunho declaratório: primeiro declara, depois, constitui.A gente acaba concluindo que nunca houve uma divergência real, mas aparente. A sentença de falência

sempre foi constitutiva porque ela cria, modifica ou extingue uma relação jurídica.Essa sentença, em regra, é muito simples porque ela analisa a impontualidade ou os atos de falência,

porque a presunção de insolvência é calcada ou na impontualidade, ou nos atos de falência.Se alguém formula o requerimento de falência com base em atos de falência, e praticamente não

existem tais requerimentos porque os atos elencados no art. 94, II, b, por exemplo, são de difícil prova, e o pedido de falência acaba se tornando um processo de conhecimento, com dilação probatória, audiências... Então ninguém se vale disso. Fora os outros: “ausenta-se sem deixar representante habilitado com recursos suficientes”. Um primeiro ponto: ‘ausenta-se’. E aí o requerido diz: “eu não me ausentei. Eu viajei e já estou voltando.” Segundo: ‘deixa alguém habilitado’. E ele afirma ter deixado um procurador. Quando se discute a suficiência dos recursos, ele rebate: ”há uma aplicação que vence em dez dias”. Ou seja, inúmeras questões vão surgir e por isso ninguém se vale de requerimento de falência baseado em atos de falência, a não ser o antigo art. 2º, I, que hoje virou o art. 94, II. Neste caso, quando alguém é executado, não paga nem nomeia bens à penhora, não se manifesta, não faz nada, fica inerte (aliás, na própria redação você pode perfeitamente encaixar a exceção de pré-executividade [rectius, objeção de pré executividade], esse sim é um ato de falência que instrui requerimento de falência porque esse fato é de fácil comprovação.

Pergunta de aluno: Em relação à exceção de pré-executividade [rectius, objeção de pré-executividade], diferentemente das demais condutas, ela não tem prazo para ser oposta. Então como é que se caracteriza a inércia nesse caso?

A norma aqui embutida é: um ato grave, um ato de falência, um ato que faz presumir a insolvência se você é executado e, de uma forma muito clara, deixa a execução correr. Ora, uma pessoa que não toma conta de sua atividade, não promove sua defesa, é uma pessoa que está presumidamente insolvente. Aquele que está buscando, de alguma forma, a sua defesa, lato sensu, cuidando de seus interesses, ela sim está buscando a manutenção de sua atividade empresarial. E a questão da exceção [rectius, objeção] de pré-executividade não suspender é um tanto, ainda, divergente porque na sua concepção original, com Pontes de Miranda, ela suspenderia o curso da execução. E aí você tem várias objeções de pré-executividade que suspendem o curso da execução com base em quê? Vejam que, na verdade, a objeção de pré-executividade não existe. Ela é uma construção doutrinária com instrumentos processuais. Ela se vale, primeiro, de uma análise de um vício processual que teria de ter sido feita mas não o foi e por isso ela é cabível. Se você deveria ter apurado e não o fez, e se é realmente coerente a objeção, com base no poder geral de cautela você suspende o curso da execução. E aí você se vale de um mecanismo processual do dever geral de cautela. Isso quando a objeção for usada como sucedâneo dos Embargos do Executado. Em algumas hipóteses, vai ter que poder (muito embora se afirme que a objeção de pré-executividade não é sucedâneo dos Embargos do Executado).

Recentemente, uma pessoa obteve lá no STF o pagamento de uma dívida com base na taxa de juros bancários, porque o réu era um banco, se não em engano o réu era o Bradesco. A dívida estava em R$ 2 bilhões e 400 milhões. O Bradesco até tem condição de caucionar para embargar a execução. Ele tem. Mas imagine se é uma dívida decorrente de astreinte? Às vezes ela alcança uma cifra inimaginável. Imagina se hoje eu chego lá no meu gabinete e encontro um Oficial de Justiça para me citar em uma execução de um título de R$ 3,5 milhões conta mim. Como é que eu vou embargar essa execução? Como é que eu vou caucionar o juízo? Eu vou ter que me valer de quê? É aí que eu vou entra com uma objeção de pré-executividade sucedânea de Embargos, como diz Carreira Alvim. Em alguns encargos extremados você vai ver isso. Claro, fundamentando sempre se houve ali ou não a presunção de insolvência.

Então, se você se valer do art. 94, II, NLF, que é o ato de falência que normalmente é levado (quando há ato de falência é esse do art. 94, II, NLF), você vai conseguir comprovar esse ato, facilmente, via certidão do juízo da execução. É uma certidão de inteiro teor em que se consigna que perante a vara tal, há uma execução promovida pelo credor, em que se promoveu a citação do executado, tendo este quedado inerte. Para não haver

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qualquer problema, leve a redação do art. 94, II, NLF, para que a certidão saia certinha. Na Justiça do Trabalho, a certidão nunca sai completa, por isso que eu sugiro levar a redação do art. 94, II, NLF. Já vi casos que o requerente não conseguia a sentença de quebra porque as 3 certidões que ele tinha não se prestavam em atender ao art 94, II, NLF. Não adianta uma certidão que apenas afirme que o sujeito é exeqüente, ou que é exeqüente e credor de tanto. Tem que constar a desídia do devedor, com sua citação regular e não promoção de sua defesa, lato sensu.

Se alguém requer a falência com base em ato de falência cabe depósito elisivo?Hoje, essa questão está esclarecida pelo art. 98, parágrafo único, NLF. Isso é decorrente de uma

construção jurisprudencial que sempre admitiu depósito elisivo para pedidos com base em ato de falência apesar de se associar o depósito elisivo ao afastamento da presunção de insolvência, através do depósito em dinheiro – e só pode ser feito em dinheiro – do valor principal, acrescido de correção monetária, juros, honorários e despesas processuais, se tal presunção decorrer de impontualidade. Mas ocorre que este ato de falência aqui se traduz em valor, tal como a impontualidade, porque ele se refere a uma execução. E basta conferir no processo o valor da execução para saber o montante a ser depositado. Hoje essa construção jurisprudencial restou positivada no art. 98, parágrafo úncio, NLF, pelo que o único ato de falência que pode instruir o pedido de quebra e que pode ser elidido pelo depósito elisivo é o do art. 94, II

Se for com base na impontualidade, a sentença de falência é simples e dirá o seguinte: há um título executivo, esse título está protestado sem relevante razão de direito, ou seja, a pessoa não pagou o título e não há nenhuma relevante razão de direito. Por que eu estou usando esse termo “relevante razão de direito”? Porque sabemos que só se elide falência com base na impontualidade pagando ou mostrando que não pagou e não vai pagar porque não devo, porque a mercadoria não foi entregue, porque já paguei, porque o título é fraudulento, porque já prescreveu, etc., ou seja, porque qualquer argumento que afaste a presunção de insolvência que aquele título possa indiciar.

Ultrapassada essa primeira etapa da sentença de quebra, que vai tratar do caso específico com base na causa de pedir, o próximo ponto, o próximo capítulo da sentença vai tratar de algo muito importante, que é a fixação do termo legal de falência.

A fixação do termo legal da falência é um capítulo bastante importante da sentença de falência porque ele terá correlação adiante com a ação revocatória.

Pergunta de aluno: quanto ao depósito elisivo, se o falido for sócio de uma outra sociedade, esta outra sociedade terá interesse em promover o depósito elisivo?

Nada impede. Aí, aplica-se a regra geral sobre o pagamento efetuado por terceiros.

Pergunta de aluno: mesmo assim se elide a presunção de falência?Depende. O problema que se leva ao Judiciário é: ele não pagou aquela dívida. Um terceiro, uma outra

sociedade, seja a controladora ou uma outra integrante de um conglomerado societário, vem e paga. O único problema que você pode enfrentar é: terceiro vem aos autos e requer expedição de guia e a ré se insurge, pedindo a não expedição. Aí você vai ter que raciocinar com a função social da empresa, com o porquê de a ré requerer a não expedição da guia. Por exemplo, se a guia tiver sido requerida por uma sociedade coligada, e aquele pagamento vier a comprometer a sua estrutura. Em se sub-rogando naquela dívida da ré, o terceiro poderá comprometer sua estrutura empresarial, o pagamento realizado por terceiro depende da anuência do devedor. E o devedor aqui está querendo mostrar que não deve, e não está simplesmente querendo quebrar. Agora se o devedor se opuser ao pagamento a ser realizado por terceiro sem justa causa, o caso é de fazer prevalecer a função social da empresa. E isso tudo tem que ser trabalhado com muita cautela porque o interesse em jogo na falência não é o interesse privado, particular, mas o interesse social da empresa, a sua função social. Senão não haveria razão para o procedimento de falência: tudo poderia ser resolvido em execução. A razão é: o mecanismo é diferenciado porque a pessoa envolvida é muito importante, é muito cara ao desenvolvimento nacional. Se você ou eu passarmos dificuldades para pagar as contas no final do mês, o problema é só meu ou seu. No máximo, vai se alcançar meia dúzia de pessoas. No cenário econômico, aquele que emprega e arrecada tributos se passar por dificuldades ele desestabilizara toda a economia. Por isso é que a visão tem que ser outra, sem descuidar, claro, aos princípios que informam o pagamento por terceiros.

O próximo capítulo, como dissemos, é o termo legal da falência.O termo legal da falência será fixado para trás.O termo legal ou período suspeito são expressões sinônimas, como o professor Rubens Requião já

havia dirimido essa controvérsia, porque é aquele momento em que se está preparando a cama para depois deitar e falir. Se eu sei que vou à falência, que está ali próxima, que as coisas não estão bem, nós até já falamos sobre o protesto como termômetro, um indicador da saúde financeira da sociedade no mercado. Portanto, se já começou a aparecer um protesto aqui e ali, e já sabendo que vai haver falência, a tendência é esvaziar tudo que houver porque quando a falência vier você já salvou tudo ou então gerará o mínimo de prejuízo para aquele credor que lhe interessa. Nós vamos ver que o ato mais praticado dentro do termo legal é a dação em pagamento. É o mais comum. Estou na pior, vou falir, o que fazer? Vou escolher: você é minha credora, mas não só aqui. É minha credora também em quatro outras sociedades a que estou ligado de uma forma ou outra. Então essa credora

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avisa de forma bem clara: você me deve R$ 1 milhão em mercadoria. Se eu arcar com esse prejuízo todo, pode avisar àquelas outras sociedades que comigo só vão negociar em dinheiro e à vista. Você já quebrou uma e pode quebrar as outras quatro. Eu não vendo mais. Então, nós vamos conversar e nós vamos achar uma solução para esse problema. E a credora vai escolher o que ela quiser, por exemplo, a frota de caminhões como dação em pagamento, ou um galpão e um terreno.

Essa prática é muito comum e contra ela há o termo legal de falência.Nós bem sabemos que o requerimento de falência inaugura a primeira fase da falência, lembrando bem

que com a NLF a falência possui apenas duas fases, ao contrário do sistema anterior, em que ela tinha três fases. Após a sentença de falência inaugura-se a segunda fase, que é a fase satisfativa ou de liquidação que ao mesmo tempo hoje é investigativa ou de sindicância.

Antigamente, como era? A segunda fase era só a investigativa ou de sindicância e só a terceira fase que era satisfativa ou de liquidação. Só na terceira fase que nós vendíamos os bens para tentar pagar as dívidas existentes.

Hoje não, com apenas duas fases.É na sentença de falência é em que vamos fixar, para trás, o termo legal de falência ou período suspeito

de falência.E como vamos fixar o termo legal ou período suspeito? A própria lei vai indicar a sua fixação com base

em requisitos já identificados na legislação anterior.No art. 99, II: o termo legal será fixado sem retrotrai-lo mais de 90 dias (diferente da lei anterior, pode

marcar! - art. 14, parágrafo único, III, LF/45, em que era de 60 dias o termo legal). Isso não significa que o termo legal era de 60 dias e passou para 90 dias. Não! Era de até 60 dias e passou para até 90 dias.

O termo legal, então, não poderá passar de 90 dias a contar de três pontos: primeiro protesto por falta de pagamento, pedido de falência ou requerimento de recuperação judicial.

Fixado o termo legal, todos os atos ali praticados poderão ser questionados mediante ação revocatória, antes disposta no art. 52 e hoje disposta no art. 129.

Lá no art. 129 você vai ver nos incisos todas as hipóteses de cabimento da ação revocatória, antes disposta no art. 52 e hoje disposta no art. 129.

Lá no art. 129 você vai ver nos incisos todas as hipóteses de cabimento da ação revocatória, todas as hipóteses de atos praticados dentro do termo legal. Se algum desses atos for praticado dentro do termo legal cabe ação revocatória, que estudaremos adiante. O que sabemos é que a ação revocatória conduzirá à ineficácia do ato, que não produzirá efeitos relativamente a massa. É um instrumento bastante eficaz porque você não precisa discutir consilium fraudis, não precisa discutir nem comprovar elemento subjetivo, basta um objetivo que é o chamado eventus damni, isto é, a prática do ato enumerado dentro do prazo fixado na sentença. Se praticou o ato, isso basta para autorizar a ação revocatória. E não adianta argumentar boa-fé porque aqui não se discute elemento subjetivo. Há uma presunção absoluta de má-fé.

Mas se um ato elencado no art. 129 tiver sido elencado fora do termo legal? Este ato não pode ser questionado? E se você tiver certeza que o ato é fraudulento?

O art. 130, NLF, o antigo art. 53, DL 7661/45, traz aí a ação pauliana. Em princípio, ela não precisava vir na lei mas é até melhor porque quem está só lendo a CF já fica sabendo. A ação pauliana é uma regra geral trazida no Código Civil para dar conta da fraude contra credores – está lá no art. 158, NCC. E nesta ação sim você vai ter que discutir o consilium fraudis, o elemento subjetivo. No art. 130, você vai discutir elemento subjetivo e ele mesmo diz isso. Então, no art. 130 NLF temos a ação pauliana que nada mais é do que a ação que busca combater a fraude contra credores. Pauliana porque foi Paulus quem a inventou.

A maioria das sentenças fixa o termo legal da falência em 90 dias a contar do primeiro protesto por falta de pagamento. Na lei anterior, a maioria das sentenças fixava o termo legal em 60 dias a contar do primeiro protesto por falta de pagamento.

Como é que vamos saber qual é o primeiro protesto por falta de pagamento? Com a certidão do distribuidor.

Como funciona o protesto? Nos locais onde houver mais de um cartório de protesto, os cartórios de protesto se organizam e criam, eles mesmos, um distribuidor. Se não houver mais de um cartório de protesto, oficia-se diretamente àquele cartório e ele informa.

E aí vem a certidão informando que o primeiro protesto por falta de pagamento se deu em 1979. E isso é caso verídico, já ocorreu na falência da Casa da Banha. O primeiro protesto em 1979 e a sentença de falência foi, se não me engano, em 1994. Transita em julgado a sentença e fica aquele termo legal de quase 20 anos. Imaginem ao longo de todo aquele tempo os atos que foram praticados elencados no art. 129. Veja que são atos normais: pagamento de dívida não vencida no inciso I, pagamento de forma diversa da avençada no inciso II, é a dação em pagamento. E quando você não está em dificuldade a coisa mais comum do mundo é pagar com outro bem,

Em primeiro lugar, podemos vislumbrar o seguinte: o termo legal deve afirmar qual é o primeiro protesto por falta de pagamento. Então, deve-se, na primeira fase do processo, desde já emitir ofício ao distribuidor de protesto para na eventual decretação da falência já ter acesso à data do primeiro protesto para que não haja esse tipo de problema.

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Mas aí você se depara com um segundo problema: o primeiro protesto foi em 19979. O juízo foi diligente e oficiou ao distribuidor antes da sentença. Então, a sentença não foi prolatada assim: “fixo o termo legal em 90 dias antes do primeiro protesto por falta de pagamento”, sem indicar qual nem quando foi o primeiro protesto.

Com a NLF, no art. 99, fixa-se o termo legal conforme o primeiro protesto, mas esse protesto foi em 1979. Como solucionar isso? É o primeiro protesto por falta de pagamento no contexto da falência, isto é, é o primeiro protesto por falta de pagamento caracterizador da presunção de insolvência. Então aquele protesto de 1979 não é nem nunca foi um protesto caracterizador da presunção de insolvência. O protesto por falta de pagamento, então, deverá ser aquele caracterizador da presunção de insolvência. Quando a falência é decretada pode olhar os últimos seis meses. Os seis meses anteriores à quebra são normalmente os meses da angústia. Normalmente não chega a um ano no cômputo geral. Isso é sempre importante de se ter em mente. “Ah, mas a Varig já está mal há um tempão”. “Mas o Brasil não é feito de Varigs nem de Parmalats. Vamos parar com essa idéia de que a NLF foi feita para Varigs. Em alguns aspectos a gente vai ver que até foi. Mas a gente tem que pensar que a NLF foi feita para a economia brasileira. Então, normalmente, no cômputo geral da economia brasileira, você não passa por um período de angústia por mais de seis meses ou até um ano sem que alguém não lhe requeira a falência. A não ser que o credor seja banco, porque ao banco é interessante deixar a dívida rolar. Quanto mais a dívida rolar, mais ele vai ganhar porque ele sae que os juros por ele cobrados não está submetido à Lei da usura, nos termos da súmula 596, STF: ele pode cobrar o juro que ele quiser, desde que pactuado. E ele sabe que você tem alguma coisa, um galpão, uma frota de caminhões e ele vai buscar esses bens. Para ele é mais interessante buscar o bem do que requerer a sua falência. E se ele requerer a sua falência vai encontrar um monte de gente pendurada, como o credor trabalhista, e para ele isso não é interessante.

Então esse protesto tem como fundamento a presunção de insolvência. E como verificar? Não tenha dúvida, e já falamos sobre isso, quando você tem um protesto e aquele protesto começa a caracterizar a sua dificuldade, pode olhar: numa semana é um, na seguinte, dois, três, quatro, duzentos protestos. Vocês viram o julgado que eu trouxe para vocês de alguém que teve 300 protestos no Rio de Janeiro, seis pedidos de falência. Então isso não é historinha não essa questão do protesto.

Fixado o termo legal da falência, a sentença deverá alcançar o máximo de publicidade possível.Ela terá também um capítulo muito importante, que é a nomeação de um administrador que

normalmente não ocorrerá. As pessoas estão muito empolgadas com a figura do administrador, mas esses que se empolgam com a figura do administrador são os advogados especializados em falência exatamente porque eles só atuam em falências muito interessantes, com valores muito elevados. Eles não conhecem, nem mesmo o Luiz Fernando Valente Paiva, que é um dos grandes que participou da elaboração do projeto, fala em vários locais, etc. Ele até me convidou para fazer parte da comissão do Ministério da Justiça para a elaboração de um projeto para cuidar de administrador porque o Brasil não vai ter administradores. Os grandes advogados, os grandes escritórios serão administradores sim quando houver uma falência grande. Por que qual é a remuneração do administrador? 5% do passivo ou do valor apurado na hasta, no leilão ou na alienação de qualquer forma.

O que é uma falência boa hoje no Rio de Janeiro, a segunda capital do país? Uma falência de porte aqui é uma falência de R$ 500 mil. De um passivo de R$ 500 mil ou de um ativo de R$ 500 mil? Mas quantas são falências boas? Pouquíssimas! Você conta nos dedos. E nem sempre é interessante uma falência boa porque só vai ganhar R$ 25 mil. Mas não é R$ 25 mil por mês, mas pela falência inteira. Se a falência durar um ano, é menos de R$ 2.500,00 por mês. Então, cá pra nós: quando você vai ter administrador? Não vai ter! Na recuperação extra-judicial da Varig ta chovendo administrador pra burro. Vai ganhar muito dinheiro. E nas outras, quem vai ser o administrador? Um funcionário público nomeado para tanto, que no Estado do Rio de Janeiro chama-se liquidante judicial.

Pergunta de aluno: E quanto à observância dos prazos pelo liquidante judicial?Ele não cumpre. Ele diz: não cumpro porque sou liquidante judicial e estou administrando 50 falências. E

você vai responsabilizá-lo como? A responsabilidade é subjetiva e não objetiva. A lei foi feita para grandes companhias. E foi feita por grandes companhias mesmo porque hoje quem é presumidamente insolvente é quem deve mais de R$ 11 mil, mais de 40 salários mínimos. E no nosso país quem deve mais de R$ 11 mil está numa classificação quase acima da pirâmide porque quem movimenta recursos no Brasil não é gente que deve mais de R$ 11 mil, mas um número muito maior de pessoas que não esta alcançado. Então quem será o administrador será o liquidante e ele não tem condições de agir porque ele está cuidando de 50, de 80 falências ao mesmo tempo.

- virada de fita -

Você terá como administrador, e depois nós vamos voltar nessa figura, de preferência, diz a lei, advogado, contador, economista ou pessoa jurídica especializada para tanto, o que é extremamente coerente que seja inclusive nessa ordem porque ninguém melhor que um advogado para saber qual o melhor caminho a seguir em relação à massa falida.

Decretada a quebra, resta a você recorrer. E o recurso contra a sentença de falência é o recurso de agravo de instrumento. Acabaram os embargos, que nem eram recurso, mas sim instrumento de discussão. Na lei anterior, tinha os arts. 17 e 18 quando você podia se valer tanto dos embargos quanto ao agravo de instrumento. Os embargos não existem mais e agora só via agravo de instrumento é que você impugna a sentença de quebra.

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Agravo de Instrumento este que não tem efeito suspensivo conforme o art. 100, NLF, que diz apenas que sabe agravo.

Cabe efeito suspensivo? A lei anterior não se falava em efeito suspensivo. E por que de uma sentença cabe recurso de agravo e não de apelação? Você tinha duas razões: para que o recurso não tivesse efeito suspensivo (e o agravo não tinha efeito suspensivo) E a segunda razão é uma razão prática: quando você decreta a falência e você admitir a apelação, os autos vão subir e você tem que paralisar a falência.

A NLF manteve o recurso de agravo porque não se fala em efeito suspensivo. Mas ele cabe? Claro que cabe. Pode até fazer uma remição ao art. 558, CPC, que trata do efeito suspensivo do agravo, mas que quase nunca existe. Há uma preocupação grande, uma sensibilidade grande por parte dos tribunais, de forma coerente, no sentido do não deferimento de efeito suspensivo no agravo de instrumento contra sentença que decreta a falência para que você mantenha a estabilidade. Se a quebra foi decretada, em regra, é porque o processo foi muito bem analisado. A sentença de falência não é sentença de cobrança, de quota condominial, de locação, em que você já tem um modelo no computador e é só mudar o nome das partes, porque é igual o dia inteiro na vara cível, a falência, não, é algo muito grave. Decretada a falência e lacrado o estabelecimento, não pode ficar no lacra/deslacra. Então, normalmente o Tribunal de Justiça não confere efeito suspensivo nos recursos de agravo de instrumento. Mas que cabe, cabe.

Um parêntese aqui: foram elaborados alguns enunciados pelo Centro de Estudos dos Desembargadores do Tribunal de Justiça agora bem recentemente, num encontro por eles realizado no final de semana e alguns enunciados fazem menção a recursos e um deles faz alusão ao recurso de agravo, consolidando o que a jurisprudência já assim caminha, no sentido de que as peças que instruem o agravo não são só aquelas indicadas pela lei, mas também outras, para o correto conhecimento da causa. Então você deve juntar as peças necessárias para a apreciação da matéria posta. E a tendência é que esses enunciados sejam seguidos.

Decretada a falência, é aberta a falência e agora o sujeito faliu. Agora é uma nova sistemática jurídica, um novo regime jurídico. Apenas agora há que se falar em falido. Até agora não havia ninguém submetido a efeitos da falência. Agora imediatamente com a quebra, pode-se falar em quebra, não há qualquer problema porque na Antiguidade era quebra, você quebrava a banca do outro, com a quebra as conseqüências imediatas estão aí estampadas: a primeira delas é o vencimento antecipado das dívidas do falido, no art. 77, que decorre de uma necessidade prática: como é que eu vou organizar o quadro geral de credores se eu ficar esperando as dívidas se vencerem? Então todas as dívidas do falido estarão imediatamente vencidas. A segunda conseqüência imediata é a interrupção da prescrição, que está lá no art. 6º. Por que a prescrição estará interrompida? Porque nós sabemos que ao final da falência, mesmo que o processo já se tenha encerrado o credor pode cobrar daquela pessoa lá no art. 157 (fazer remições recíproca dos artigos 6º ao 157), você encontrará a regra de que a prescrição retomará o seu curso. Isso porque no curso do processo de falência você ta de pés e mãos atados. Com o Quadro Geral de Credores, eu, se habilito ali, e não posso fazer mais nada. E se lá no final o seu crédito não tiver sido pago você não vai ser prejudicado pela prescrição, juros pelo art. 124, NLF.

Tudo isso já existia. Agora está repetido na NLF, não mudou absolutamente nada. Só muda o dispositivo, a redação do art. 124 é idêntica, no sentido de contra a massa falida não correm juros.

E isso traduziu uma discussão na habilitação de crédito na falência. Quando você ia habilitar crédito na falência, você habilitava o principal em uma coluna, a correção em outra e os juros em uma terceira. E aí muitas vezes as pessoas viam o Síndico ou o falido discutindo que não poderiam habilitar os juros porque contra a massa falida não correm juros mas a massa pode pagar juros, já estava assim disposto na lei anterior (art. 26) e agora isso está no art. 123: se a massa tiver dinheiro para pagar todo o principal ela pode pagar juros. Então você pode habilitar o crédito dessa forma, em colunas. O que não pode é habilitar só o montante total. O principal e a correção de todos os créditos serão pagos em primeiro lugar. E se sobrar dinheiro, pagam-se os juros. Normalmente não se paga nem a integralidade do principal não se chega no quirografário, quiçá pagar juros.

Pergunta de aluno: E quanto às dívidas já vencidas antes da falência?Cobra-se juro conforme a Lei de Usura até a sentença de falência.

Pergunta de aluno: E aí isso integra o principal?Sim. Faz incidir a regra que juros não correm contra a massa vencidos após a sentença de falência.

Gente, só ocorre pagamento de juros em falência se for falência de banco porque eles têm muitos títulos da dívida pública que vão se realizando. O Banco Nacional, se ele chegar a 2015, na liquidação (ele não está em falência, ele está em liquidação), ele fica superavitário em R$ 1 bilhão, distribuindo ainda para seus acionistas. E aí ele virá com ação para indenizar danos morais contra o BACEN. Na verdade, já há duas ações dessa em curso para discutir que se ele, Banco Nacional, vai pagar todos os credores, ele não deveria ter decretado a liquidação, o BACEN criou um prejuízo, muito grande, uma execração pública sem necessidade, era só ter suspendido a autorização para funcionar, isto é, cassado a carta-patente, que o Banco Nacional ia ter que ficar lá quietinho. E é essa a tese que o Banco Nacional tem sustentado. Não estou dizendo que está certa, mas, como professor, eu tenho que comentar todas as teses. Suspendendo a carta-patente, com o tempo ele iria pagar. Mas não, o BACEN determinou a liquidação, arrebentou tudo, bloqueou os bens dos administradores para chegar ao final e agradecer e devolver R$ 1 bilhão!!!! Com base nessa historinha é que vão pedir reparação para o BACEN. Não há decisão ainda nem em primeiro grau. Mas vai suscitar muita discussão.

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Fechada a questão dos juros, forma-se a massa falida, que a doutrina divide em massa falida objetiva e subjetiva. A massa subjetiva é formada pelo conjunto de credores e a massa objetiva é formada pelo conjunto de bens e direitos existentes.

Pergunta de aluno: voltando um pouco sobre o vencimento antecipado das dívidas, e se houver uma sujeita a condição suspensiva?

Antigamente havia menção expressa na lei, no sentido de que a falência não importava implemento da condição. E agora? Não havendo regra específica, aplica-se a regra geral e haverá o vencimento antecipado.

Criada a massa falida, ela não tem personalidade jurídica, ela não é uma pessoa, mas ela tem capacidade processual. E assim como antes era, vai continuar a ser, a falência vai alcançar toda a vida da pessoa, seja ela natural ou jurídica. A gente tem sempre que pensar de forma ampla e técnica: a falência pode ser de pessoa natural desde que ela seja empresária individual. Mas normalmente a falência é para pessoa jurídica, isto é, para sociedade empresarial.

Essa pessoa falida agora, seja pessoa natural, seja pessoa jurídica, terá sua vida .dividida em três grandes blocos, três grandes esferas de atuação, efeitos referentes a sua pessoa, efeitos referentes a seus bens, efeitos referentes a seus contratos.

Toda a vida de cada um de nós temos direitos referentes à pessoa: direito da personalidade, direito à integridade física, de ir e vir; nós temos direitos referentes a nossos bens e direitos referentes a nossos contratos, por exemplo, de transporte, de aluguel, ou seja, a vida de todos está inserida nessas três órbitas aqui e por isso a lei dividiu assim. Na lei anterior a divisão era mais marcante, aqui um pouco menos, mas seguindo a mesma linha.

Por isso então nós vamos dividir em três blocos a análise dos efeitos da falência: quanto à pessoa do falido, quanto aos bens do falido e quanto aos contratos do falido.

Quem é a pessoa do falido? O empresário individual ou a sociedade empresária. É bem verdade que a falência do empresário individual não é a regra porque ele sabe que a sua responsabilidade é ilimitada, que todos os seus bens responde. Então, normalmente ele dá um asso, aí tenta dar, conforme a sua perna. Mas se ele for mal, ele vende o carro e resolve o problema.

A lei sabe que a sociedade é um ente imaterial como é que eu falo com a pessoa jurídica? Só por meio de seu presentante – teoria organicista do direito societário: não é representante, mas presentante, como já dizia Pontes de Miranda – e esse presentante, que é o administrador, responderá na falência como se fosse falido. Ele sofrerá os efeitos da falência como se fosse falido, para fins de obrigações ao falido.

NOTA DA TRANSCRITORA: A palavra ‘presentante’ não é dicionarizada, motivo por que alguns autores, e alguns examinadores, recusam a terminologia, reputando-a atécnica e, até mesmo, errada. Usar-se-ia, então, o termo ’representante’. O professor Caio Mário, em suas Instituições, afirma que estar-se-ia diante de uma representação imprópria.

Mas quais obrigações? Só podem ser aquelas obrigações imputáveis ao andamento da atividade, da falência, do processo. Por exemplo: o falido tem obrigação de apresentar os livros. Quem então e vou intimar para entregar os livros? O administrador: o falido tem obrigação de prestar todas as informações necessárias. Como é que eu vou falar com a pessoa jurídica? Alguém já viu uma pessoa jurídica pela frente? Não, nem nunca vai ver, ela é imaterial. Então eu vou ter que perguntar ao administrador. Mas ele não vai poder ser interpretado, se comportar como falido para fins de alcance dos bens. Porque se formos buscar os bens do administrador, sendo ele sócio, nós vamos acarretar no raciocínio de que toda sociedade que for a falência será transformada em sociedade em nome coletivo. E não é isso. Se estamos diante de uma sociedade limitada em que todo o capital foi integralizado, o sócio sabe que nada mais deve, que não pode ser alcançado. A sociedade vem à falência e alguém vem e arrecada os bens particulares só porque ele era administrador? Não, não é isso que a falência significa. Isso não pode.

Sendo assim, o presentante do falido estará obrigado ao cumprimento de algumas disposições, como entregar os livros, não se ausentar da comarca sem deixar representante nomeado. Mas se ele descumprir alguma dessas obrigações, tem lá o direito de locomoção, indicado no art. 104, III.

E se ele não cumprir alguma dessas obrigações ele poderá ser preso? Esse é o assunto do momento porque a NLF dá um tratamento diferenciado em relação ao sistema anterior. Ontem isso foi perguntado diversas vezes na prova oral.

Antigamente, o art. 35 dizia que quem descumpria as obrigações impostas ao falido era preso. Esta prisão do art. 35 era uma prisão de natureza civil.e já vinha sendo rechaçada pelo STF. O STJ é que era vacilante sobre o tema porque havia um acórdão, um leading case sobre o tema, do Assis Toledo quando ainda era ministro do STJ, um ministro muito respeitado. E Francisco de Assis Toledo tinha uma posição muito firme sobre a possibilidade dessa prisão, que ela não era inconstitucional. Mas hoje essa questão não mais subsiste, ainda mais com a elaboração do enunciado de nº 280 sobre a recepção da prisão do falido pela nova ordem constitucional.

Então o falido não pode ser preso quando descumprir uma obrigação.

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Não confundamos obviamente com a prisão preventiva, de natureza penal, porque se ele praticou um crime falimentar e estiverem presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, ela será decretada. E nós não estamos falando de prisão preventiva, mas da antiga prisão do art. 35, que não existe mais. O que há na NLF é o art. 104, parágrafo único, tratando do crime de desobediência, quando do descumprimento das obrigações enumeradas no caput.

Sob a tipificação legal, a única diferença que você pode visualizar de diferente aí, quando comparar com o crime de desobediência previsto lá no CP, é que, em regra, você precisa de um comando judicial dizendo o seguinte: “faça isso”. E aí o sujeito não faz e aí se caracteriza o crime de descumprimento. Aqui (na NLF), basta descumprir a obrigação legal que já incorre no crime de desobediência. Então não muda nada. Observe que aqui não há individualização da pena, não há escala penal, não há um tipo especial, um crime especial. Logo você parte lá para o CP, para a regra geral sobre o crime de desobediência.

E aí: pode prender com base nesse crime de desobediência? Eu tenho visto algumas pessoas falarem, inclusive nesse curso do Ministério da Justiça, ou seja, juízes e promotores, que vão prender com base no crime de desobediência. E aí eu só posso dizer: vai prender e vai ser preso sim com base na lei de abuso de autoridade. Você não pode prender. Não pode sair nenhum mandado de prisão de sua Vara Empresarial determinando o acautelamento e aquele sendo mandado de prisão. O que há é que alguém praticou um cr a crime? Alguém tinha que apresentar os livros empresariais e não apresentou, por exemplo. E se ele não cumpriu a obrigação ele está em flagrância e você chama o Oficial de Justiça e dia: “vai lá, segura esse sujeito, que está em flagrância, e eleve ele então para o procedimento correto, qual seja, delegacia, onde ele não será preso (porque o crime é de menor potencial ofensivo), sendo lavrado, então, Termo Circunstanciado. E depois, três ou quatro latas de leite Ninho resolve o problema e não se fala mais nisso.

Portanto, fiquem sabendo, que o crime de desobediência campeão é o do inciso V: “entregar, sem demora”. Mas olha que complicado! O que é sem demora? Ou fixa prazo ou então fica difícil. “entregar, sem demora, livros”. Ninguém entrega livros. Por quê? Porque na NLF há alguns crimes em espécie tratando da contabilidade. Crimes, inclusive, incisivos, cuja pena chega a 4 anos o que, no nosso sistema penal, é muita pena. Todos crimes contábeis. E há quem festeje, agora a lei é mais severa, mais violenta contra quem pratica crime contábil falimentar. E como é que vamos identificar crime contábil com livro! E quem não entrega livro responde por crime de desobediência, que é crime de menor potencial ofensivo.

Pergunta de aluno: Mas não é o crime do art. 178?E tem também o crime de não entrega de livros, que também cabe transação penal. Antigamente cabia

apenas suspensão condicional do processo. Havia, pelo menos, denúncia, o sujeito virava réu. Agora não. Agora cabe transação penal e o máximo que vai acontecer é você imaginar que ele praticou crime de desobediência e crime de não entregar livros. Mas há absorção. Ele vai responder por desobediência porque não entregou livro e responder também porque não entregou livro, em crime autônomo? Não dá, O fato é o mesmo. Vai aplicar a teoria da absorção. E mesmo que não use, muito bem: você sustenta que houve concurso material, vai afirmar que a soma da pena ultrapassa o patamar, logo não cabe medida despenalizadora. Tudo bem, não vai dar em nada porque a sentença, se for condenatória, porque de repente o livro não foi entregue mas a culpa não foi sua, a sentença condenatória vai admitir aplicação do art. 44, CP, e do mesmo jeito você entregara algumas latas de leite Ninho e vai, de repente, pintar a parede de uma escola no fim-de-semana. É uma banalização, uma bagunça. Acaba que o crime compensa. Veja como o crime compensa observando as defesas nas ações de improbidade. A pessoa se defende afirmando ser criminosa: ela praticou só crime, e não improbidade. Porque por improbidade a pessoa perde o mandato, se torna inelegível e tem que devolver em dobro o que desviou. Ah, isso é uma desgraça! Mas se eu pratiquei crime, medida despenalizadora para mim. E não acontece mais nada depois: não perco mandato nem devolvo nada.

Pois bem. A responsabilidade do falido é essa e o alcance da responsabilidade do administrador vem no art. 81, § 2º, NLF, que também não é novo. Ele vai repetir o que já estava lá no art. 37, LF/45, se não me falha a memória. Pode até fazer uma remição aí.

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4ª aula - 09 de junho de 2005

[A aula começou atrasada porque o professor ficou engarrafado numa blitz na Av. Niemeyer, começou a reclamar das blitzs em locais e horários inapropriados; depois, começou a falar sobre controle difuso de constitucionalidade.]

Não sei se algum de vocês teve a oportunidade de ir a uma palestra do Ministro Nelson Jobim no Hotel Glória, recentemente. Foi uma palestra interessantíssima dele, mostrando como surgiu o controle difuso de constitucionalidade. Os doutrinadores todos falam sobre o controle difuso de constitucionalidade, mas ninguém nunca explicou como. Ele mostrou que tudo surge por questões políticas. O controle difuso de constitucionalidade surgiu para proteger os republicanos quando eles queriam ter a maioria, quando o voto era distrital. Tudo gira em torno disso, é impressionante. A segurança pública também funciona assim. Mas aí dizem: “é, pelo menos tá funcionando ...”. Oito horas da manhã, em São Conrado? É para acabar com a vida de qualquer um, não é? É para mostrar para todo mundo porque quem chegar na cidade vai comentar “tá vendo?! Se faz reclama, se não faz, reclama também”. Pelo menos o Estado faz, não tem lá um outdoor: “O Estado faz”! Não dá para acreditar.

Passado isso, senão a aula ia ficar tensa, eu vim sozinho, então eu preciso dividir isso com mais alguém ...

Na última aula, encerramos os efeitos da falência quanto à pessoa do falido. Nós vamos hoje caminhar para os efeitos quanto aos bens do falido.

Ontem foi publicado no Diário Oficial, na parte referente ao Ministério Público, uma recomendação. A recomendação nº 1/2005 da Procuradoria Geral da Justiça, do Estado do Rio de Janeiro, e exatamente porque a Lei de Falências entra em vigor hoje, é exatamente recomendando a atuação dos promotores de massas falidas, nos processos falimentares. É uma questão que gerou alguma controvérsia, e nos reunimos com alguns Estados, São Paulo, inclusive, já publicou, nós publicamos uma recomendação. Vocês devem buscar isso na internet, é relativamente fácil. Em suma, a recomendação é no sentido de que os promotores atuem em todas as suas fases, nas recuperações judicial e extrajudicial. A redação foi minha. Depois nós vamos ver essa matéria com calma e com maiores detalhes.

Com relação à última aula, algumas dúvidas surgiram no final e eu tenho visto que o assunto tem voltado à tona por diversas vezes, inclusive, anteontem, num curso fechado ministrado no Banco do Brasil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, e tem muita gente preocupada principalmente com os artigos 81 e 82, da NLF.

Na última aula nós encerramos falando nos efeitos da falência sobre a pessoa do falido e aí vimos que a pessoa do falido normalmente estará estampada na pessoa do administrador, antigo sócio-gerente, e a pessoa do falido temos no art. 81 e 82, dois dispositivos que podem transcender à pessoa do falido, porque a pessoa do falido normalmente é uma pessoa jurídica, uma sociedade. E nos art. 81 e 82 diz-se que você pode transcender a pessoa do falido e alcançar o sócio.

A regra do art. 81 vai tratar daquelas sociedades com responsabilidade ilimitada, isto é, aquelas sociedades que não existem (sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações), porque ninguém se vale mais desses mecanismos societários. Mas em tese, quando formos decretar a falência desses mecanismos societários, diz a lei que você também decretará a falência do sócio com responsabilidade ilimitada.

Hoje, e cada dia mais, tem-se estudiosos das normas legais, como o Luis Roberto Barroso, com sua obra Interpretação e Integração das Normas Constitucionais, os constitucionalistas se valem muito disso. O professor Lenio Luis Streck, que também é uma das maiores autoridades sobre a matéria, dizia algo que me deixou muito marcado porque eu falei, e depois ele falou, ele disse: “O Márcio quando falou, disse assim: o que está escrito não e isso assim”. O que está escrito nós devemos pensar assim. E repetiu várias passagens minhas nesse sentido para concluir que às vezes, o que está escrito é o que menos importa. Não pregando, obviamente, a anarquia, mas sim mostrando que a norma está embutida. O que está escrito às vezes não traduz a realidade visto num contexto maior. E o que isso quer dizer? Como é que eu vou decretar a falência do sócio com responsabilidade ilimitada? Eu terei um óbice intransponível aí que é de direito processual, que é direito público. Ora, a parte ré é a sociedade! Eu pedi a falência da sociedade. É ela que está na parte ré, é ela que está se defendendo, é ela que integra a relação jurídica processual. Pois bem: decreto a falência dela e, na mesma sentença, conforme a liberalidade, você deveria decretar a falência desse sócio. Mas é claro que não pode! Porque processualmente, ele não foi réu. E aí terão sido violados preceitos básicos constitucionais: acesso à justiça de forma inversa, cerceamento de defesa ... Então ele (sócio) não pode ter sua falência decretada.

Então o que a norma representa? O que ela traduz? O que já era dito antes: como o sócio que tem responsabilidade ilimitada responde ilimitadamente, de forma subsidiária (primeiro eu busco o patrimônio da sociedade e se não houver patrimônio suficiente eu busco o do sócio), então o que está dito aí é que eu vou arrecadar, eu vou alcançar o patrimônio do sócio com responsabilidade ilimitada, os efeitos da falência recairão sobre ele. Então eu decreto a falência da sociedade, e dele não, e como conseqüência imediata, dá-se a arrecadação de seus bens para, lá na frente, com a alienação dos bens eu então com o produto, se não conseguir fazer frente aos débitos da massa falida, então passo a para os bens dos sócios. Não há outra alternativa. Não tem como acompanhar a literalidade e decretar a falência do sócio também. Não há processo civil que sustente essa regra literal. Isso não vai acontecer. Só serve para alguém perguntar isso na prova.

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As pessoas gostam de bater muito, mas temos que elogiar também. Antes de criticar alguém, saiba como é difícil escrever alguma coisa. Tem gente que critica sem ter lido uma folha. O Ministro Jobim dizia: doutrinador sabe criticar, mas não sabe fazer mais nada. Ele espera os outros fazerem para depois criticar, ‘descer a lenha’.

Para elogiar: a prova da magistratura agora teve duas perguntas perfeitas, coerentes com a realidade, que você vai enfrentar todos os dias, muito rapidamente: eu tenho um título de crédito protestado. Prescrita a obrigação cambial, eu posso pugnar a baixa do meu nome, posso limpar o meu nome no cartório de protesto?? Não! Porque a prescrição é cambial, da obrigação cambial. O sujeito continua devedor e o cartório de processo não é só para o credor cambial. Inclusive, nós já falamos um pouquinho de protesto porque já falamos que não é qualquer título protestado que pode instituir o requerimento de falência. Agora, todo título que pode instruir a falência, isto é, o executivo, estar protestado. Então, e a ação cambial está prescrita você continua devedor. A Lei de Protesto, em 14 vezes, fala que o título que pode ser levado a protesto é TÍTULO ou outro documento de dívida. Quer dizer: não só o título de crédito cambial pode ser protestado. Então, só com o pagamento que o devedor se libera. É uma questão perfeita, que você vai enfrentar todos os dias na Vara Cível e pedem logo uma antecipação de tutela para retirar o nome dos cadastros do SPC/SERASA. Aí você tem que analisar o cabimento.

A outra questão, referente ao art. 997, NCC era mais uma questão teórica, mas que traduz o estudo do NCC. O examinador quando formula uma questão dessa ele abre guarda porque tem que aceitar qualquer posição porque ainda não há uma posição definida sobre esse tema.

Na III Jornada de Direito Civil, na Comissão de Direitos de Empresa, dos 80 enunciados, uns 20 eram sobre art. 997 VIII e 1023, para saber se numa sociedade simples, o contrato pode trazer responsabilidade ilimitada. O que se quer saber é isso. Mas esses 20 enunciados não foram sequer apreciados. A controvérsia era tanta que deliberamos votar se éramos para deliberar a matéria agora ou não. E foi uma unanimidade: não vamos apreciar essa matéria agora porque não há consenso algum e o trabalho não vai caminhar. Então o examinador também aguarda. Você pode tanto dizer que o art. 997, VIII, afasta o art. 1023, como não. O professor Sérgio Campinho, por exemplo, diz que o contrato pode afastar a responsabilidade subsidiária do sócio, isto é, o contrato pode dizer que o sócio nunca será alcançado. Já o professor Tavares Borba e o professor Marlon Thomas Eddie (???) dizem que o contrato nunca pode afastar a responsabilidade do sócio. A única coisa que o contrato pode dizer é que a responsabilidade do sócio é subsidiária à da sociedade ou se é solidária. Agora que o sócio será alcançado, isso será. O professor Tavares Borba fica um pouco em cima do muro, mas se inclina para isso. E é o que eu acho também. Pra mim, o art. 997 VIII não pode afastar o único enunciado aprovado é o da I Jornada de Direito Civil, e esse enunciado, que fui eu quem elaborei, dizendo que o art. Deveria ser revogado. Nessa época, estava sendo elaborado o PL [Projeto de Lei] 6960 e o Ministro Ruy Rosado quando abriu o evento disse que os enunciados poderiam ser meramente interpretativos. Mas também para revogar e alterar redação porque esse PL 6960 estava em fase de elaboração. Muita gente diz que o enunciado resolve. Mas o enunciado não resolve porque ele não interpreta, ele reconhece a confusão e fala que quem vai resolver é lei (que deveria revogar), mas como a lei não resolveu, esta foi a 2ª questão da prova.

Pergunta de aluno: com relação à 1ª questão, é possível ação monitória?Não é só possível como também é o instrumento correto, haja vista a súmula , STJ. Obrigação cambial

prescrita, o título deve instruir ação de conhecimento pelo rito monitório.

Para ganhar o ponto todo você tem que ir na ferida, falar que só o pagamento exclui o registro de protesto, falar que não só obrigação cambial se protesta e falar da súmula do STJ, pelo que o título prescrito ainda consubstancia dívida a ser perseguida via rito monitório.

O melhor é ter regularidade em todas as matérias.Eu estou assumindo a direção da FEMPERJ e é a escola que organiza o concurso. O edital está quase

pronto, concurso vai ser imediato agosto/setembro já tem.

O art. 82 é o que nos resta comentar.O art. 82 cuida de algo totalmente diferente do art. 81. O art. 82 cuida do sócio com responsabilidade

limitada, do administrador, do sócio-controlador.Tem gente afirmando que é desconsideração da personalidade jurídica. Pode ser? Pode. Isso pode ser a

responsabilidade do administrador (art. 158, Lei n.º 6.404)? Pode. Como também pode ser a responsabilidade do administrador do art. 1.015 e 1.016, NCC.

O que está sendo dito aqui é o seguinte: é uma regra processual apenas, não há regra de direito material aqui. É uma regra processual na falência, o juízo falimentar é o competente para a ação para aferição da responsabilidade de algumas pessoas: sócio, controlador e administrador. E qual a natureza da responsabilidade? Aquela existente: pode ser desconsideração, pode ser a do administrador e pode ser qualquer outra.

O art. 82 não está a dizer que agora o sócio tem responsabilidade na falência. Como sempre, na falência, qual é a responsabilidade do sócio? Em regra nenhuma, porque quem vai à falência é a sociedade. O sócio tem que responsabilidade? E aí você pode suscitar que ele não cumpriu com sua responsabilidade patrimonial, ele deve ainda as quotas que subscreveu (e ainda não integralizou). A massa falida cobrará isso dele. Mas se ele já cumpriu todas as obrigações ele nada mais deve. Mas e se ele desviou dinheiro, se ele fraudou ou se ele praticou atos lesivos? Ah, mas aí é diferente! Vamos ter que atingir seu patrimônio por mecanismos diferentes (da falência pura e simples da sociedade). E esses mecanismos estão no art. 82, na própria falência.

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Bom, eram esses dois artigos (82 e 83) que queria comentar sobre os efeitos da falência quanto à pessoa do falido.

Agora vamos aos efeitos da sentença de falência quanto aos bens do falido.

Pergunta de aluno: Quando se fala em desconsideração da personalidade jurídica, você alcança também essa hipótese, em que os sócios estão respondendo junto com a sociedade?

Quando aplicamos a teoria da desconsideração, fazemos o sócio, e não a sociedade, responder em relação a um determinado negócio. Só que nessa hipótese aqui do art. 82, NLF, eu desconsidero, eu tiro a sociedade da frente, mas a sociedade já estava doente e continua doente. Eu só tiro ela da frente. Eu vou alcançar uma outra pessoa, vamos dizer, também. Quando ela está sadia, eu tiro ela da frente, ela nada responde, e eu só alcanço o sócio e aí a sociedade está fora.

Efeitos quanto aos bens do falido. Vocês bem sabem que quando há a falência, eu busco a responsabilização patrimonial, ou seja, eu vou tentar organizar a casa desorganizada. E falência tem basicamente um cunho patrimonial. A gente sabe que não é privatístico, mas sabe que o cunho é patrimonial. Está devendo, vamos ver a quem ele está devendo e quanto ele tem. Juntando o que tem, vamos juntar, vender e tentar pagar ao máximo os credores.

O momento inicial dos efeitos da falência sobre os bens do falido é o momento da arrecadação dos bens do falido. A arrecadação está disposta no art. 108, NLF.

Importante desde já ficar registrado que a arrecadação é uma etapa material e o que isso quer dizer? Quer dizer que desde o momento em que é expedido o mandado de arrecadação, decretada a falência, imediatamente o administrador deverá, assinado o termo de compromisso, arrecadar os bens do falido. E aqui, o Ministério da Justiça, no TJ/RJ, em evento só com juízes e promotores que atuam na área de falência apontou que aqui está, e sempre esteve, todo o problema referente à falência porque se eu vou buscar algo, eu tenho que achar algo para buscar. E se eu não encontrar nada, a falência vai toda por água abaixo. É nesse momento em que várias falências são chamadas de frustradas, vazias, nulas: eu vou arrecadar e não encontro nada. E por que eu não encontro nada? Porque a falência foi decretada na sexta-feira e você chega para arrecadar na segunda-feira, e aí, já era. Se você decreta a falência na sexta-feira e só vai arrecadar na segunda-feira você não vai achar nada porque as pessoas chegam primeiro: caixas de som, aparelhos de ar-condicionado, projetor de data-show. E aí já foram R$ 50 mil serve para pagar todo mundo. Então quando você chega, você só arrecada o imóvel. Até o carpete, o rodapé as pessoas arrancam. Eu já acompanhei arrecadação em que até o espelho de interruptor tinha sido arrancado. O imóvel tinha sido depenado. Aí arrecada só o imóvel. E nem sempre o imóvel é do falido. Então, o momento da arrecadação é um momento material. A falência nunca deve ser decretada numa sexta-feira, a menos que você já tenha todo o aparato organizado.

E quando ela se torna pública? Quando é juntada aos autos. Aí, quando você decreta, já chama o administrador e o Oficial de Justiça, comunica ao Ministério Público e diz assim: já estão preparados para irem arrecadar? Se não estiverem, espera um pouco e não junta agora. Quando todos estiverem a postos, junta a sentença, entrega no cartório e todos saem para fazer a arrecadação. Nesse momento material, vai se arrecadar tudo o que estiver pela frente. TUDO. Naquele momento material ninguém exerce jurisdictio, então, não obstará a arrecadação a apresentação de contrato de locação do aparelho de som, nem nota fiscal da mesa pertencente a terceiro, a apreciação desses contratos será feita depois, arrecada tudo.

Hoje, essa arrecadação passa a ter uma peculiaridade: ela tem que observar o art. 75, NLF. Guardem o art. 75 e falem sempre dele.

O art. 75 abre todo o capítulo de falência e rege toda a matéria.Hoje em dia, sociedade empresária tem bens? A tendência hoje em dia, nas sociedades modernas utiliza

muito mais o crédito do que a propriedade de bens. Hoje você tem a vida muito melhor porque você tem o crédito a sua disposição. Quem hoje não compra com cheque pós-datado? Ou melhor, quem não tem parcelamento no cartão de crédito? Todo o mundo! Você já tem o produto hoje e alguém te concede um crédito, sem acréscimo algum porque eles ganham 5% do próprio cartão de crédito ou até mesmo porque esse valor já está embutido no valor da mercadoria, seja lá o que for você enterrar dinheiro em imóvel, financeiramente, é errado. É claro que você não vai deixar todo o dinheiro no banco porque você não sabe quando um Plano Collor da vida vai aparecer e sumir com o dinheiro. Para a pessoa natural, isso já cada vez mais é claro. E para a pessoa jurídica? A pessoa jurídica hoje não é proprietária de nenhum imóvel, de loja nenhuma. Ela aluga. Primeiro quando eu, no meu ativo patrimonial, compro algo, isso entra no meu patrimônio, renda, imposto de renda. Quando eu alugo, eu não insiro isso no meu patrimônio, não incide imposto de renda e mais, eu ainda pago a título de locação, e locação, em termos tributários, é despesa operacional, ou seja, é deduzida do imposto de renda. Conclusão: Hoje pessoa jurídica não tem nada. E hoje onde se ganha dinheiro no comércio ou no serviço? No serviço. Até o próprio comércio já entendeu que para realizar um bom comércio tem que investir em serviço: marketing, gerenciamento de pessoas, preservação de sua atividade. Shopping Center ganha uma fortuna prestando serviço. E não é só marketing não! É de estrutura. Eles mudam o layout sem que você perceba para que isso não te canse. Isso tudo é serviço. Quando você chega par arrecadar numa loja de automóveis é fácil porque os automóveis estão lá, não é isso? É. Só que nenhum daqueles automóveis é daquela pessoa. São todos em consignação. A loja quando recebe, recebe em consignação. Tem tantos dias para vender, senão devolve. E na nota fiscal consta isso “em consignação”. Então, hoje, o que temos que entender é que quase nada o que vamos arrecadar é material. Em

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regra, quem compra computador somos nós: pessoas naturais. Pessoa jurídica de médio porte não compra mais, faz tudo em leasing. Frota de automóveis, idem. Vai arrecadar o quê?Os bens intangíveis: a marca, o know how, recursos humanos, como eu vou arrecadar essas coisas? Eu não posso arrecadar as pessoas, escravizá-las e obrigá-las a trabalhar de graça para mim. Então eu vou arrecadar a unidade produtiva, o estabelecimento empresarial. E aí o que sempre por regra, será a exceção: o lacre – art. 109, NLF.

O art. 109, NLF, trata do lacre. Antigamente, o lacre era a regra: você decretava a falência e determinava o lacre do estabelecimento. Hoje o lacre deve ser uma exceção. Vamos imaginar uma estrutura como aqui onde estamos, o CEPAD. Tem 25 anos de existência, tem uma tradição, tem toda uma unidade produtiva, tem vários contratos em andamento, de todos os lados, todos os alunos circulando de manhã, de tarde, de noite, aos sábados, domingos, de madrugada, feriado, sei lá. Há professores diariamente vindo aqui exercer sua atividade. Se chegar alguém aqui lacrando o estabelecimento, amanhã não tem mais ninguém. Por mais que se reabra depois, ninguém vai voltar: “sei lá, sei lá se o curso vai chegar ao fim...” Então, como é que você vai promover a arrecadação? Vai arrecadar cadeira? Cadeira não vale nada! Móvel de escritório em geral vale quando você compra, mas para vender não vale nada. A mesma coisa é com móvel de casa: quando você quer vender não vale nada. Mesmo quando você dá. Eu me mudei há pouco tempo e perguntei: você quer aquela mesa de centro? “Ah, quero sim. Mas não dá para você mandar entregar?” Tem que pagar o frete, ainda, para tirar aquilo de lá. Ninguém quer móvel assim. E quando você compra é caríssimo; e quando você vai se desfazer, ninguém quer. Então o que você vai arrecadar é a unidade produtiva, não vai lacrar. O lacre será a exceção. Vai fazer o que na NLF? Vai decretar a falência, vai se dirigir ao local, identificar o administrador e vai mostrar o mandado de arrecadação. E vai arrecadar da seguinte forma: pedindo ao administrador que mostre tudo que está acontecendo ali: todos os contratos, todas as turmas em andamento, é assim, é assado, contrato de locação a partir de agora o administrador da falência é quem vai dar seguimento a tudo isso: é a continuação provisória das atividades. A continuação provisória das atividades já existia no direito anterior, só que era pouquíssimo utilizada. A continuação da atividade na lei anterior era só para bem de difícil armazenagem ou fácil deteriorização: exemplo: frigorífico.

A continuação do negócio está lá no art. 99, XI, NLF, você vai ver que a própria sentença de falência vai dizer que é possível a continuação do negócio, e faça remissão ao art. 114 porque o art 114 dirá que alguns contratos poderão ser firmados para que possa haver continuidade do negócio.

Então o que será feito aqui no nosso exemplo? Vai continuar tudo normal, todo mundo que está na secretaria continua trabalhando, as aulas à noite continuarão. E aí você vai buscar o quê? Essa é a grande novidade da lei; talvez uma das maiores do sistema falimentar, é a alienação imediata dos bens.

A lei anterior tinha três fases. Hoje, temos apenas duas. A antiga terceira fase, de liquidação e satisfação, onde tudo ficava se arrastando, se deteriorando para tentar vender por uma mixaria qualquer e tentar pagar alguém, hoje não. Hoje, decretada a falência, a idéia é arrecadar e vender imediatamente.

Nesse caso nosso, como é que a gente vai vender? Vamos buscar o administrador e buscar vender no mundo jurídico (porque o curso é jurídico). Vamos passar o perfil, tenho tantos alunos, tantas turmas em andamento, o faturamento é esse. A pessoa vai lá e compra.

Mas aí alguém pergunta: Márcio, ninguém nunca tinha pensado nisso?Já tinha pensado, sim. Mas antes isso tudo era inviável porque a alienação de um estabelecimento, de

uma unidade produtiva era inviável na prática, por causa das duas sucessões: a sucessão trabalhista e a sucessão fiscal. A sucessão trabalhista e a sucessão fiscal tornam inviável esse tipo de alienação. A sucessão fiscal, primeiramente. Quem está passando por dificuldades com certeza está devendo, e ninguém quer segurar um passivo desses, ainda mais porque os juros são pela taxa SELIC. Em segundo lugar, ainda tem a sucessão trabalhista. E essa é inimaginável porque a trabalhista é uma das auditorias de mais difícil realização. Existem pessoas especializadas cada vez mais em auditorias de cisão, incorporação, fusão. A TAP, por exemplo, está considerando adquirir o controle acionário da VARIG. E o que ela quer saber, dentro da sua negociação é quanto a VARIG deve. E quanto ela deve a credores é fácil: é só levantar as duplicatas e as notas promissórias. A dívida fiscal também é relativamente fácil, é só pegar as CDAs [Certidão de Dívida Ativa]. E o débito trabalhista? Eu sei dos empregados com carteira assinada. E como é que eu vou saber se pagaram corretamente as horas extras de cada funcionário? Não tem como saber?! Eles até tem um mecanismo mais aprofundado de infiltrar pessoas dentro da companhia para trabalhar lá como se fosse empregado durante um tempo para saber se os direitos são ou não preservados. Mas de qualquer forma, esses eram os dois grandes problemas, hoje solucionados porque quando você for alienar os bens, quando você for alienar a unidade produtiva, melhor dizendo, não haverá sucessões trabalhista e fiscal, art. 133, § 1º, CTN. Ele surgiu com a LC 118/2005:

Com esse art. 133, § 1º, CTN, não há mais sucessão fiscal.E com o art. 141, II, NLF e art. 141, § 2º, NLF, não mais haverá sucessão trabalhista.

Pergunta de aluno: E aí como é que fica essa questão? Vamos aproveitar esse exemplo do CEPAD que você usou. E aí houve a alienação porque o administrador conseguiu alienar. Mas já estão acontecendo as execuções trabalhistas e fiscais. Em nome da massa falida. E aí?

Não há sucessão. Não há que se falar em esvaziamento patrimonial da massa falida. Quando você vai alienar essa unidade produtiva pode haver um mecanismo de participação dos credores nessa decisão na Assembléia Geral de Credores, sendo certo que o trabalhista tem voto por cabeça e os demais votam de forma proporcional, logo os trabalhistas têm ingerência nessa decisão.

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Então, hoje, a arrecadação vai ser feita dessa forma diferente, sem lacre, em regra o art. 109, NLF, é o que fala sobre lacre.

Uma das maiores dificuldades da nova lei é achar os dispositivos porque ela não está bem estruturada. Então, o art. 109, NLF, será a exceção porque a regra será a arrecadação de bens imateriais, intangíveis, a unidade produtiva, que deve ser arrecadada, visando a alienação imediata.

Os bens imóveis serão encontrados via D.O.I. – Declaração de Operações Imobiliárias,Descobri isso quando fui trabalhar na curadoria de liquidação extrajudiciais. Vocês sabem que decretada a

liquidação, todos os bens dos ex-administradores são alcançadas e como você acha todos esses imóveis? Ficava uma confusão de ofícios para Teresópolis, Petrópolis, Friburgo, Búzios. E se faltasse unzinho voltava tudo. Então os alunos da ANOREG – Associação de Notários e Registradores – que inclusive tem um curso preparatório para a prova de Notário, Tabelião, me informaram da existência do D.O.I. quando alguém vai em qualquer cartório do país realizar qualquer transação imobiliária, o CPF dele é informado à Receita Federal, sob pena de responsabilidade pessoal do tabelião. Então se você faz a escritura de uma fazenda e não leva ao RGI, não se ache esperto, porque a Receita Federal sabe disso porque o Tabelião de Notas faz diariamente uma relação de D.O.I. e manda para a receita. Se ele leva a registro ou não é outro problema. Então, para se alcançar bens imóveis de qualquer pessoa em qualquer lugar do país, basta requerer uma D.O.I. É uma quebra de sigilo. Então o ofício deve ser dirigido à Receita Federal, no setor que cuida da recepção das D.O.I.s, requerendo as movimentações imobiliárias referentes à pessoa com CPF nº tal. E aí a Receita Federal vai canalizar essas informações e te mandar umas folhas e com base nelas você vai requerer as certidões dos Cartórios de Notas e Cartórios de Registro Imobiliário certos. E as informações vão bater: comprou, vendeu, quando, por quanto, dentro ou fora do período suspeito, caberá ação revocatória ou não, e aí por diante. Esse mecanismo alcança os bens imóveis no país inteiro. Conclusão: quando da arrecadação, você expede o ofício para a Receita Federal para poder arrecadar os bens imóveis eventualmente existentes.

Pergunta de aluno: A Receita Federal simplesmente dá essa informação?Sim. Mas é uma requisição judicial de quebra de sigilo fiscal determinado pelo juízo da falência. E como o

juízo da falência determina, ela (a Receita) então informa.

Pergunta de aluno: você requer a D.O.I. só da sociedade ou também dos sócios?Se você estiver deflagrando uma investigação também contra os sócios, você pode requerer a D.O.I.

deles também. Mas ao requerer, tem que fundamentar porque está requerendo a dos sócios também. Mas tem que fundamentar em fraude ou em prática de ato ilícito. Mas de regra, não requer D.O.I. dos sócios, não. Requer só da sociedade, porque é ela a falida.

Pergunta de aluno: Mas não é o CPF que é informado?CPF ou CNPJ, conforme seja pessoa natural ou jurídica.

Pergunta de aluno: A D.O.I. só pode ser requerida em caso de falência?Não, em qualquer caso, mas os juízes não gostam de requerer a D.O.I. até porque não conhecem a

D.O.I.. É uma regra voltada para Tabelião. A Receita mesma só usa isso aqui quando vai proceder a alguma investigação. Ela nem usa isso no cruzamento de dados, e devia até usar, porque ver se você declarou direitinho e se tem registro e não há declaração tem alguma coisa errada.

Identificados os bens, você certamente alcançará alguns bens que devem ser alienados imediatamente.A alienação antecipada de bens persiste e está no art. 113, quando de difícil armazenagem, fácil

deteriorização ou quando houver necessidade preemente para a alienação.Quando da arrecadação dos bens do falido considerando que se trata de uma fase material em que se

arrecada tudo que estiver pela frente, não raro ocorrerá que terá sido arrecadado o que não deveria, você vai alcançar coisas que não deveriam ter sido alcançados seja porque eram bens impenhoráveis, seja porque bens gravados com as cláusulas restritivas, seja porque não pertencem à massa falida mas estão lá pelas razões mais esdrúxulas possíveis, o que por incrível que pareça, é a coisa mais comum. Por exemplo, chegando lá, arrecada um automóvel, mas no dia seguinte chega um sujeito que era amigo do sócio, ou do vigia, dizendo que o carro dele fora arrecadado.

Para essas hipóteses, para os bens que foram arrecadados sem a menor razão para sê-lo, caberá o pedido de restituição, disposto no art. 85, NLF, e pode pedir a antecipação da tutela.

Mas aí ocorre um problema: às vezes quem requer a restituição está com a documentação irregular, o documento não está no nome dele. O carro já foi vendido três vezes, mas ninguém alterou o registro do DETRAN. Esbarra-se nesse problema.

O artigo 185, Nova Lei de Falências, ainda no pedido de restituição e vai dizer exatamente que quando o bem foi indevidamente arrecadado caberá a restituição. A diferença aqui para a lei anterior é a seguinte logo no caput. Antigamente, a restituição só era possível quando o bem fosse efetivamente arrecadado pela falência. Agora ele diz que: ou que se encontre em poder do falido. Ele poderia estar já na posse do falido devedor e aí também caberá a arrecadação e não necessariamente só quando o bem já tiver sido arrecadado pela falência, mas se ele tiver sido mencionado no auto de arrecadação já cabe o pedido de restituição.

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Questão que sempre suscita bastante discussão é aquela referente ao INSS. Inclusive foi objeto de prova recente específica do Ministério Público, o INSS se habilita na falência dizendo que o valor foi descontado dos trabalhadores mas não foi repassado. Ele junta cópia autenticada da certidão (CDA) e aí ele executa o sócio-gerente. Essa segunda parte é, inclusive, é a respeito do atual artigo 82 de que já falamos, responsabilizar o gerente, o administrador por não ter pago o que era devido, inclusive com base em ilícito penal, a apropriação indébito. Mas na primeira parte da questão, o que se queria saber é se o INSS tem que se habilitar na falência ou se pode pedir a restituição dos valores. Porque os valores do INSS, e o mesmo vale para o imposto de renda retido na fonte, como esse dinheiro foi retido da folha de pagamento dos funcionários e deveria ter sido repassado para o INSS. Esse dinheiro não é do empregador massa falida, esse dinheiro é do INSS. Então o mecanismo cabível é o da restituição, do pedido de restituição.

E o mecanismo da restituição receber antes, junto de qual credor? Não há que se falar em concurso de credores porque se eu estou pugnando pela restituição é porque eu não sou credor. Eu não sou credor da massa, o bem é meu! Houve aí uma indevida arrecadação dessa quantia: esse bem não é da massa falida.

Há um enunciado do Supremo, o 417.

Pergunta de aluno: É qualquer quantia devida ao INSS ou a título de imposto de renda?Não! Só o que é retido na fonte. E ainda com uma peculiaridade, uma atenção que se deve ter na prática.

O INSS entra com pedido de restituição. Mas tem que verificar o quantum foi retido na fonte e quanto deveria ter sido recolhido pelo empregador. Apenas do que foi retido na fonte cabe restituição. Da outra parte cabe só a habilitação no Quadro Geral de Credores. Só que hoje já se utiliza de uma nova idéia bastante moderna, que vem lá do campo penal, com reflexo aqui. Qual é o problema do campo penal? O sujeito diz que o salário do empregado era de R$ 1.000,00, mas só pagou ao empregado R$ 900,00 porque deveria reter R$ 100,00. Mas ele prova, na sua contabilidade, que só tinha R$ 900,00. Não tinha os R$ 1.000.,00. O que acontece: o empregador é processado criminalmente perante a Justiça Federal e não houve apropriação indébita porque não se pode apropriar-se daquilo que não tem. O empregado só recebeu R$ 900,00 porque eu só tinha R$ 900,00. Pode até acusar de falsidade porque declarou informação falsa porque disse ter retido R$ 100,00. Mas o crime de apropriação, cuja pena é mais grave, esse crime ele não cometeu. Os Tribunais Regionais Federais tendem a aceitar essa tese e a jurisprudência vem abraçando essa tese porque o tipo penal é apropriar, e se não havia o que apropriar, não há como condenar.

Pergunta de aluno: Mas se ele pagou mais um empregado depois, é porque ele tinha dinheiro. Se ele tinha uma folha de 200 empregados, se pagou 199 com R$ 900,00 e pagou o salário do 200º, é porque ele tinha o dinheiro.

Mas aí é a antítese: é a prova de que houve a apropriação porque ele desviou o dinheiro para outras despesas.

Mas essa tese vem ganhando força, tem respaldo na jurisprudência e agora também na Nova Lei de Falências. Qual é? Você disse que não se apropriou, você disse que reteve, mas não houve a retenção efetiva, então não houve aí dinheiro algum em caixa, logo não há que se falar em restituição.

Concluindo: Eu digo ao meu empregado: “o seu salário é de R$ 1.000,00. Mas eu só vou te dar R$ 900,00. Os R$ 100,00 são seus, mas eu vou retê-los para repassar ao INSS, ao imposto de renda retido na fonte, seja quem for. Não entrego os R$ 100,00. Lá na frente eu sou processado criminalmente por apropriação indébita. Apropriou-se dos R$ 100,00. Vem o fiscal e contabilmente eu demonstro que não me apropriei dos R$ 100,00 porque eu não tinha esses R$ 100,00, eu só tinha R$ 900,00. E não havendo dinheiro, esse raciocínio resvala aqui na falência em que sentido: se você não se apropriou, não há quantia, não caberá restituição, e o INSS ou a Receita terá de se habilitar no Quadro Geral de Credores.

Outras duas questões interessantes sobre restituição

Virada de fita

O que é ACC? – Adiantamento de contrato de Câmbio. É para quem trabalha com exportação. Tem um crédito de US$ 100 mil a receber. Já pegou a mercadoria e enviou. Pega esse crédito de US$ 100 mil e vai ao banco, porque só vai receber esse crédito daqui a três meses, e diz assim: “banco, eu tenho esse contrato de câmbio de US$ 100 mil em contrato de câmbio”. O banco diz assim: “tudo bem. Eu te dou US$ 90 mil hoje, a gente faz um ACC – Antecipação de Contrato de Câmbio – é um contrato em que se antecipa o contrato de câmbio, trago para hoje, te dou os US$ 90mil e quando os US$ 100 mil vierem, eles virão direto pra mim, banco”.

Decretada a falência, não há mais o dinheiro. Mas o banco vem requerendo a restituição da quantia dizendo que o dinheiro era dele. É como se houvesse uma blindagem protegendo esse contrato de crédito. É como se houvesse um túnel que levasse o crédito de US$ 100 mil direto para o banco.

E o banco tem razão. Mas isso não é novidade da nova lei. As pessoas têm mania de dizer que tudo é culpa da nova lei. Os ACCs (Antecipação de Contratos de Câmbio) nunca se habilitaram na falência. Mas vai ter jornal dizendo que os bancos foram privilegiados e que os ACCs estão “furando a fila”. A súmula 307, Supremo Tribunal de Justiça já dizia isso. O ACC não integra o Quadro Geral de Credores, e é objeto de pedido de restituição.

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A diferença é que a Nova Lei de Falências vai dizer que o ACC não se submete ao Quadro Geral de Credores no art. 49, § 4º, e no artigo 85 e 86, II. Combinando esses três artigos você verá com precisão que o ACC não se submete nem aos efeitos da recuperação, nem aos efeitos da falência.

A súmula 36. Supremo Tribunal de Justiça também entra porque nele diz que se computa também a correção monetária.

Pergunta de aluno: É verdade que nenhuma cessão de crédito se submeteria aos efeitos da falência porque também estaria na mesma situação?

Cessão de crédito pura e simplesmente não. A peculiaridade é para o ACC porque ele recebe um tratamento diferenciado pela Lei nº 4.728/65

Você tem um regramento específico para a cessão de crédito quanto aos efeitos da falência sobre os contratos ao falido, no artigo 119.

O ACC não é propriamente um desconto bancário, apesar de ser um contrato bancário, porque você não desconta um título. E aqui não há título. Há um mero contrato que o banco antecipa. É uma obrigação que o banco antecipa porque ali é certo que a linha (linha de crédito) é certa que vai existir.

Uma outra questão estará fora, que não será alcançada pela arrecadação, e os jornais também vão dizer que são os bancos e as instituições financeiras, são os credores de leasing e de alienação fiduciária em garantia. Isso também não é novo, mas agora está positivado na lei e já está modificando o cenário econômico. O pessoal da área de finanças é muito cartesiano, como não poderia deixar de ser porque eles querem sempre um resultado. Se algum dia vocês tiverem a experiência de ministrar aula para pessoas de finanças, contadores, administradores, vocês vão ver quão difícil é ensinar Direito para essa turma. Porque eles são cartesianos. Daí o contador.que fez faculdade de Direito tem uma maleabilidade, é um profissional normalmente que acaba levantando vôo. Podem perguntar os presidentes, os diretores de banco, de multinacionais todos têm formação jurídica e têm noção de contabilidade, são pessoas ligadas a finanças, são pessoas ligadas a contabilidade, porque se alcança maior maleabilidade. Eles agora tendo na lei que cabe restituição para o ACC, para o leasing e para a alienação fiduciária, eles vão liberar a verba e emprestar mais. E o cenário nacional vai melhorar quanto à concessão de crédito.

Por que o leasing e a alienação fiduciária não podem estar submetidos à arrecadação?Ora, vai lá no pátio de automóveis e arrecada tudo, da indústria. Só que os caminhões da indústria foram

adquiridos em leasing. Os caminhões e todos os bens arrecadados terão um destino, que antigamente era um destino futuro, mas agora é um destino imediato, que é a realização do ativo, isto é, fazer aquilo virar dinheiro. E como é que eu vou vender bens que não são da massa falida. Como é que eu vou vender bens que são de outras pessoas? No leasing, o bem é da operadora de leasing, chamada arrendante. Na alienação fiduciária em garantia, o bem é do credor fiduciário. Então, quando há a arrecadação desses bens, os seus titulares entram imediatamente com o pedido de restituição. Em se tratando de alienação fiduciária, há, inclusive, na lei de alienação fiduciária, isto é, o Decreto-Lei 911/69. o artigo 7º, o qual você pode até fazer a remição aí sobre o pedido de restituição, no artigo 85, onde começa o pedido de restituição, o artigo 7º do Decreto-Lei 911/69. Lá está dito exatamente o que estamos aqui tratando. Se houver a falência do devedor fiduciante, do alienante fiduciante, o credor fiduciário poderá pedir a restituição do bem. No leasing, a mesma coisa, embora não haja dispositivo específico, mas o raciocínio tem que ser o mesmo.

E eu pergunto a vocês: e se o bem não existir mais? Vocês sabem que existe a possibilidade, e está lá no artigo 86 de que se o bem não mais existir, a restituição será feita em dinheiro.

Então o bem não está mais em poder da massa falida, e pelo caput do artigo 85, o bem arrecadado ao processo ou se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência. É o caso clássico do leasing e da alienação fiduciária em garantia.

Eu digo assim: “olha, eu estou aqui pedindo a restituição do valor referente ao meu automóvel ou meus automóveis”. O administrador responde pela massa falida nos seguintes termos: ”olha aqui o meu laudo de arrecadação Não há aqui nenhum automóvel arrolado. Eu não arrecadei esses bens”. Mas eu vou dizer que os bens se encontram em poder do falido. E que o administrador, inclusive, é fiel depositário dos bens em questão. Vai suscitar até a questão da prisão, sem entrar no mérito se é cabível ou não é.

Então, cabe a restituição em dinheiro se o bem não mais existir?Não cabe. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu por diversas vezes. Se não encontrou o bem, você

deve ser encaminhado ao Quadro Geral de Credores. E na qualidade de credor quirografário, leia-se, não vai receber. O Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente assim decidido. Se o bem não for encontrado, o credor fiduciário ou do arrendamento passa a ser credor quirografário.

A única hipótese eu me parece hoje que está criando uma nova idéia é a seguinte: é a questão da prisão civil. Falamos já aqui na primeira parte, dos contratos, a questão da prisão civil na alienação fiduciária parece que vai ganhar força e contorno de que será possível porque o Novo Código Civil diz que você é fiel depositário. Quando a propriedade fiduciária é criada e ali você então afigurar-se-á como fiel depositário e caberá prisão. Fora isso, caberá a prisão penal ou fiscalizar a cada ano se o seguro está sendo feito ou não, e ninguém fiscaliza. É obrigatória a realização e ninguém fiscaliza. E se sumir o bem é só ir no seguro e o credor recebe através do seguro.

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Pergunta de aluno: Lá na EC 45, tem lá um dispositivo sobre a internalização das garantias dos tratados, inserido um parágrafo no artigo 5º. E há um tratado que impede a prisão por dívidas (Pacto de San José da Costa Rica). Como é que fica isso?

Bom, o Supremo vai ser instado logo logo a se manifestar sobre isso e pode ser que ele que esse dispositivo só vai valer para as disposições futuras, e o Pacto de San José é anterior à EC 45, e não vai retroagir, ou não. Mas é bem verdade e que, falando sobre isso me veio à cabeça a questão do único imóvel do fiador – bem de família. E o Supremo Tribunal Federal, com a inversão do termo “moradia”, passou a dizer que o fiador tem direito ao benefício legal do bem de família, e a lei do bem de família (Lei 8.009/90) é anterior. Então ele pode perfeitamente adotar um ou outro caminho, O Supremo Tribunal Federal sempre teve uma resistência muito grande, sempre foi favorável á prisão. Então, alcançar aí uma artimanha qualquer jurídica para dizer que é cabível a prisão.

Pois bem, em relação à restituição, essas são as questões, restando ao final do capítulo o artigo 93 dizendo que quando não couber restituição caberão embargos de terceiro, observada a legislação processual.

Num primeiro momento, e aí indica com precisão o professor Manoel Justino Bezerra Filho, o seguinte: quando é que eu vou usar os embargos de terceiro e não o pedido de restituição? Toda vez que em razão da decretação da falência houver, porque embargos de terceiro é para esbulho ou turbação, no sistema geral essa é uma das formas de se tutelar a posse, e aqui na falência termos embargos de terceiros justamente quando a massa falida praticar esses atos (de esbulho ou turbação). Ele traz algumas diferenças que depois ele mesmo conclui que essas diferenças são meramente formais, na prática não existem, quais sejam, os embargos admitem liminar se for ano e dia, se a posse esbulhada tiver menos de ano e dia cabe liminar, e na restituição não cabe. Mas logo depois ele mesmo diz que eu posso na restituição obter prontamente o provimento jurisdicional via antecipação da tutela. Diz ele também sobre a legitimidade, que nos embargos a legitimidade seria maior. Mas eu não vejo diferença porque na restituição qualquer um poderia também se valer desse mecanismo quando sua posse fosse esbulhada ou turbada. E aí a única diferença que parece razoável para os embargos, e ninguém nunca embarga, estava na lei anterior e quase ninguém usava, mas aqui foi repetido. Quando é que você vai pensar em embargos de terceiros? Na questão da turbação. Qual? Na restituição estava dito: proprietário de bem arrecadado ou que se encontre em poder do devedor, poderá pedir a sua restituição. Então aquela pessoa que não teve o bem arrecadado e que o bem não esteja em poder do devedor, essa pessoa sabe que foi deflagrado no País, por exemplo, na falência da ENCOL ou de outra companhia grande, ele sabe que foi deflagrado um movimento de arrecadação. E ele recebe um comunicado do administrador da falência dizendo: “eu estou comunicando que a falência foi decretada e há aqui nos registros, nos livros, na papelada que eu achei, o seu nome. Indique qual bem está em seu poder para que a arrecadação possa acontecer”. Você nesse momento pode se sentir com sua posse turbada, não esbulhada efetivamente, mas turbada, quando há aquele embaraço à posse, aquela turbação, já poderia ver o seguinte: que já já alguém vai decretar o esbulho, que é o segundo degrau, com a posse turbada não cabe o caput do artigo 85, e não cabendo, eu me valho desde já do artigo 93, isto é, embargos de terceiros. Seria apenas para essa hipótese, de turbação.

Pergunta de aluno: inaudívelMas aí, liminarmente, pode ser dito o seguinte: se cessa a turbação imediatamente, você fica com o bem

guarnecido, você nem sofre a retirada do bem.Seria essa hipótese apenas que você pode vislumbrar o cabimento de embargos de terceiros.Outro efeito relativo à órbita de deveres e obrigações do falido é o chamado efeito, da falência quanto aos

contratos do falido.

Pergunta de aluno: o que seriam as cláusulas restritivas?São as cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade, sendo que a cláusula de

impenhorabilidade está disposta na própria lei, no artigo 108. § 4º, Nova Lei de Falências. A lei cuida de apenas uma das três cláusulas restritivas. Incidiriam também as outras duas.

Incomunicabilidade na falência? Sim, para a hipótese remota de falência de empresário individual.Às vezes a gente tem que tirar leite de pedra. Foi essa a pergunta específica da prova do Leoni, em Direito

Civil, e essa foi a minha prova específica de Comercial do Ministério Público. Só que a minha específica tratava de arrecadação de bens gravados com as cláusulas restritivas. Só. E aí você tem que falar tudo sobre cláusula restritiva e tentar desenvolver ao máximo para mostrar que não inalienabilidade, incomunicabilidade e tal. É a questão envolvia os bens do sócio, e queria incluir os bens da meação na arrecadação. Era casado com sei lá quem. E tinha que comparar a situação descrita com similares, em que a mulher pode pleitear a proteção da meação, etc..

Efeitos da falência quanto aos contratos do falido. A Nova Lei de Falências repete a regra sobre contrato unilateral e bilateral.

Sobre o contrato unilateral você vai encontrar os artigos 118 e artigo 83, parágrafo terceiro. E aí está a idéia que sempre existiu: se o falido for o devedor, o contrato estará rescindido, salvo, a contrario sensu do artigo 118, se houver autorização judicial para tanto. Antes, essa regra era mais clara. Está escondida a seguinte regra: o contrato unilateral, o falido é devedor, o contrato em regra é rescindido e aí o credor vai buscar o valor

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pretendido no Quadro Geral de Credores. Agora se o falido for o credor, ele poderá pugnar pelo cumprimento do contrato. Os efeitos da falência são sobre as dívidas do falido, e não sobre os créditos do falido. O falido pode exigir seus créditos. Contra a massa falida não correm juros, mas a seu favor correm sim. O falido pode cobrar à vontade, pode executar à vontade. Sempre tenham em mente o seguinte: no início, no artigo 115: efeitos sobre as obrigações do devedor. Puxa uma seta aí e faça uma remição para o artigo 126 porque o artigo 126 vai pautar todas as decisões tomadas em relação às obrigações do falido, isto é, sempre voltadas para a universalidade do concurso, para a igualdade de tratamento, para a unidade, fazendo remição ao artigo 75, do qual já falamos, que é aquele que diz a função social da empresa deve ser sempre preservada e guarnecida.

Em relação aos contratos bilaterais aí está repetida a regra do antigo artigo 43, Decreto-Lei 7.661/45, que também dizia que o contrato bilateral, quando a falência é decretada, não terá, em regra, nenhuma conseqüência. Não se rescinde automaticamente, é o contrário do contrato unilateral. É o artigo 177, Nova Lei de Falências. Como o credor saberá se a continuidade será ou não implementada? O credor invoca a massa falida para dizer se vai cumprir ou não o contrato, tal como era no artigo 43, parágrafo único, continua no atual artigo 117. Se a massa disser que não u nada disser, então o contrato ter-se-á como rescindido e aí o credor vai buscar a indenização específica e depois se habilitar no Quadro Geral de Credores.

A regrinha de conta-corrente também estava prevista na lei anterior e, se não me falha a memória, está preservada no artigo 121, encerra-se a conta-corrente. É uma regra apenas para que as contas-correntes em geral sejam encerradas, em todos os bancos, permanecendo apenas a conta-corrente judicial, que será aberta, será uma nova, porque ninguém ficará com dinheiro em mãos.

E vem o que há de mais interessante em relação a contratos e que não caiu em prova ainda, e que acontece todos os dias nos processo, que é o seguinte: leasing e alienação fiduciária.

Nós falamos aqui que tanto o leasing como a alienação fiduciária, se os bens forem arrecadados, o credor se dirigirá à falência afirmando que os bens são seus, requerendo a restituição.

O leasing e a alienação fiduciária são ambos contratos bilaterais. Sendo contratos bilaterais, pode a massa falida se recusar a devolve-los e cumprir o contrato? Eu já participei de audiências que foram marcadas só para saber se havia alguma forma de acordo, demonstração do interesse da massa. E o credor fiduciário, a instituição financeira dizia que a massa estava rasgando a lei ao dizer que não iria devolver os bens. Porque estava no artigo 43, Lei de Falências/45, e agora está no artigo 117, Nova Lei de Falências, que o contrato bilateral não se resolve, ele pode ser cumprido. E aí? Devolve ou não devolve o bem?

O contrato sempre traz a cláusula de que em caso de falência o contrato estará resolvido e o bem deverá ser devolvido.

Mas e aí, essa cláusula será contra legem ou não? Normalmente a cláusula não seria ilegal, inclusive, há vários julgados dizendo que o pacto rescisório é válido na falência: falência como causa de rescisão.

Mas e se você quiser dar continuidade ao contrato pelo artigo 117, Nova Lei de Falências, antigo art. 43, LF/45? Veja só: você instituição financeira está lá vendendo automóvel para determinada pessoa. Ela tem que pagar todo mês uma parcela de R$ 3 mil e todo mês ela paga. Em determinado momento vem a falência dela. E a instituição financeira quer os bens de volta. Aí ela diz que não vai devolver porque vai continuar a pagar o valor do contrato, vai dar continuidade ao contrato. A credora não vai sofrer nada, continua tudo idêntico, e a massa falida vai ganhar muito porque tanto no leasing quanto na alienação fiduciária, quando for paga a última parcela, a frota de caminhões ingressará no ativo e ela será proprietária de todos aqueles bens. Então, havendo quatro parcelas restantes, a massa se propõe a pagar. Porque hoje os bens não são dela, mas se ela pagar essas quatro prestações, toda a frota de caminhões passará a ser dela, ingressará no seu ativo e isso será muito bom porque poderá vende-los e poderá alcançar um produto da alienação muito maior e fará frente ao passivo de forma muito mais eficaz. Pergunta de aluno: E terá como dar continuidade à atividade, né?

Claro! É preciso caminhão para entregar as mercadorias.Ou então são necessários os computadores em leasing.A interpretação deve ser esta. É inclusive a interpretação jurisprudencial, de que você vai julgar o pedido

de restituição procedente ou não com base na função social da empresa, hoje tão marcante na Nova Lei de Falências, tomando por base o artigo 126; todas as relações serão resolvidas com base nesse dispositivo.

virada de fita

... se, hoje administrador, disser, eu vou pagar tudo certinho, acabou a instituição financeira não perde nada porque a massa especificamente vai pagar o que for pedido por ela em cada parcela.

Essa questão existe demais porque todos os bens arrecadados de pessoa jurídica são, em regra, adquiridos em alienação fiduciária ou leasing porque no final a pessoa que não paga o VRG no final, você entrega o bem e realiza um novo contrato, como se fosse a “entrada”, e vai adquirindo um novo e outro bem em razão da questão fiscal, contábil.

Vamos ver a seguinte questão: depois de decretada a falência de uma sociedade comercial é possível prosseguir a execução cambial contra a mesma e seus sócios avalistas?

O primeiro passo para responder a questão da prova é ler duas vezes a questão e abrir a questão fática. Deixa a questão jurídica um pouco de lado. Normalmente, a dificuldade da questão é o fato. E a gente vê isso na

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prática. Alguém vem com uma petição inicial de 40 laudas, mas com uma lauda e meia só de fato. E é o fato que importa. O Direito decorre do fato. Antes de buscar a solução jurídica, o livro do examinador entende o fato que está acontecendo aqui. E o fato é o seguinte: uma execução correndo em Vara Cível, de uma promissória, por exemplo. Quem é executado? A sociedade e os sócios avalistas, porque eles são os avalistas da nota promissória. A falência da sociedade é decretada. Essa execução pode prosseguir em relação à sociedade lá na Vara Cível? Não.A massa falida pode ser executada? Quem executa não é o credor? E o credor, tem que se habilitar. Credor tem que receber na falência, e não executar. Logo a execução tem que ser suspensa lá na Vara Cível.

E quanto aos avalistas? Eles são falidos? Não. Mas eles são sócios !! São sócios mas não são falidos. E a obrigação deles é autônoma, porque são co-obrigados. Então a execução prossegue.

A execução cinde é suspensa quanto ao falido, mas segue quanto aos co-obrigados não falidos, sócios avalistas.

A dificuldade é em relação ao fato.

Pergunta de aluno: o credor vai habilitar o mesmo valor da execução na falência?Sim.Qual é o problema que você está vendo: que o credor iria receber duas vezes. Mas quando você habilita o

crédito na falência, você vai informar, e o administrador vai confirmar a existência da execução. Isso já era assim e agora está no artigo 127. Nova Lei de Falências. Ao final da execução, o juízo vai informar que o credor recebeu do co-obrigado, e ele não mais receberá na falência.

Outra questão: foram arrecadados a marca e o nome. A camuflagem da questão pouco importa. O que o examinador quer saber é se o nome e a marca podem ser arrecadados. Tanto que o examinador pode perguntar na prova oral a mesma coisa que perguntou no provão e na específica. É só dar um floreio maior ou menor.

A marca é suscetível de avaliação patrimonial, logo ela pode ser arrecadada.E o nome? Hoje o nome é alienável? No artigo 1.163, Novo Código Civil, o nome empresarial é

inalienável. No parágrafo, diz-se apenas que quando você aliena o estabelecimento, você pode aproveitar o nome como “sucessor de”.

O nome sempre recebeu tratamento da seguinte forma: como firma individual ou firma social, havia o nome de uma pessoa natural envolvida, logo não poderia alienar nunca, só poderia alienar a denominação. Isso era assim. E na época em que a questão foi elaborada seria essa a resposta: o nome era arrecadável ou não, conforme tivesse ou não o nome civil de alguém, por causa do direito da personalidade [NOTA DA TRANSCRITORA: e o princípio da verdade, da realidade do nome]. Agora se fosse denominação, poderia haver alienação. Com o advento do Novo Código Civil, o tratamento é outro: o nome (em qualquer modalidade) é inalienável: o que você pode discutir e enfrentar é a constitucionalidade desse dispositivo, interpretando que a denominação é direito patrimonial e não direito da personalidade. Para a pessoa jurídica, diferentemente da pessoa natural, o nome não é direito da personalidade, mas direito patrimonial se você interpretar que para a pessoa jurídica a denominação é direito patrimonial, esse dispositivo seria inconstitucional porque estaria violando direito de propriedade sobre a respectiva função social da propriedade. Só essa é a discussão que poderia ser suscitada.

Pergunta de aluno: se eu arrecado o nome Coca-Cola S.A. eu não retiro a credibilidade do produto? Com certeza esse nome tem valor.

A marca Coca-Cola representa 50% do valor do produto. A Disneyworld, 38%. Isso quer dizer que só o nome vale 50% e 38% do valor das coisas que têm esse nome. O raciocínio é este. Como é que o nome não vai ser alienável? Isso é patrimônio. É claro que tem personalidade, mas não como nós temos. Tanto que sociedade pode sofrer dano moral, desde que objetivo, e não subjetivo, de forma diferenciada.

Uma última questão, que caiu na última prova específica. Em suma, ela é resolvida pelo enunciado nº 308, Supremo Tribunal de Justiça. Hipoteca e incorporação imobiliária. O agente financeiro entrega o dinheiro e a garantia é a seguinte: os imóveis, os apartamentos. O comprador paga à construtora, quita o preço e a incorporadora não paga o agente financeiro. O agente financeiro não dá a quitação e a construtora não consegue dar baixa no Registro Imobiliário. E o que o Supremo Tribunal de Justiça resolve no enunciado 308 é: a hipoteca não tem validade para o comprador. Ela só tem validade para o agente financeiro e a construtora. Deverá o agente financeiro fiscalizar a construtora para receber o seu pagamento.

Muito em breve essa súmula vai cair no vazio porque o agente financeiro vai fazer com que o comprador pague diretamente a ele, e ele repassará à construtora o que for de direito.

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5ª aula - 16 de junho de 2005

Desde que a Nova Lei de Falências entrou em vigor, nós observamos que muitos estudos são feitos, muitos eventos são realizados, muitos livros são lançados, muitos falencistas surgem no mercado, portanto, muito cuidado com o que estão vendo e com o que estão lendo porque vários falencistas que nunca tocaram em processo de falência, hoje se arvoram em tratar de falência. E aí vocês tem visto em jornais especializados, com colunas especializadas, como o Valor Econômico, a Gazeta Mercantil, Jornal do Commércio, algumas manifestações completamente desarrazoadas, que nunca foram desse jeito. Por exemplo, na última aula acho que chegamos a comentar uma discussão sobre a incidência da Nova Lei de Falências sobre o Banco Santos. Se o Banco Santos for à falência, ele se sujeitará ou não à Nova Lei de Falências? É claro que vai. Se a falência for decretada hoje, é a Nova Lei de Falências a incidir. “Ah! Mas ele já estava em liquidação antes...”. Pouco importa. “Ah!, mas o artigo segundo, da lei diz que a lei não se aplica às instituições financeiras...”. sim, mas nas Disposições Transitórias, no final da lei, verificamos claramente que enquanto não forem elaboradas novas leis para tratar das instituições financeiras, das corretoras de valores, das instituições de previdência complementar, plano de saúde e aí por diante, enquanto isso não acontecer, nos vamos trabalhar com a Nova Lei de Falências. Então essa discussão que surgiu é completamente afastada. Ontem mesmo estive em Belo Horizonte e fui verificar essa diferença, há muita gente tratando disso e vendo que a idéia é uníssona: não há a menor possibilidade de outra ser desenvolvida. Hoje à noite estarei em São Paulo e já sei que lá o tema está palpitante, as pessoas vão debater muito isso. Já me avisaram para tocar bastante nesse ponto. Eu vou ficar lá enganando os outros: ao invés de falar coisas novas sobre a Nova Lei de Falências, não, me pediram para falar sobre isso. Vou ficar lá falando sobre coisas que todo mundo já sabe. Eu vou ter que falar bastante porque às vezes surge alguém aí de plantão e arruma uma confusão danada.

Uma dúvida aqui poderia ser: operadora de cartão de crédito é instituição financeira? É. Mas chega alguém e diz assim: “Olha, o Desembargador tal acha que não”. Com todo respeito e consideração, problema dele! A verdade é essa: ele está errado porque todo mundo diz que é, o Superior Tribunal de Justiça diz que é, já é enunciado de súmula. “E se ele estiver na banca?” Bom, tomara que ele tenha bom senso de saber que quando você está na banca você está examinando e não impondo aos outros o que você pensa. Tem que saber se aquele ali var ser um bom profissional ou não. A idéia é essa, é verificar isso. Se ele não tiver bom senso, aí você reza. Acontece, mas geralmente numa banca de dez ou doze, um ou dois são assim. A mentira quando é contada muitas vezes acaba virando verdade. Cuidado. Isso é até um problema psicológico. Tem gente que cria um mundo imaginário e acaba acreditando nele. E no Direito isso às vezes acontece também.

Pois bem. Vamos tratar agora da administração da falência.Os administradores da falência são aqueles que vão gerir a falência. São eles: o Juízo, o Ministério

Público e o Administrador.Na verdade, esses sempre foram os três tradicionais agentes da falência. Hoje você poderia até

vislumbrar um quarto agente da falência. Não um agente direto, mas um agente indireto, um agente que vai tutelar os interesses da massa falida ou, na hipótese de recuperação, mas de forma indireta ou reflexa. Esse agente seriam os credores, através de seus órgãos representativos, através dos novos mecanismos criados pela Nova Lei de Falências.

Então os credores irão cuidar também do andamento e desenvolvimento da falência.Em primeiro lugar temos o juízo, o juízo falimentar. Em primeiro lugar, a atividade do juízo na falência é,

em primeiro plano, a atividade que qualquer juízo exerce, que é o responsável pela condução do processo, atentando sempre para o princípio da inércia, sendo que cada vez mais, hoje, o princípio da inércia pode ser mitigado quando você tem a possibilidade de utilização ao poder genérico de cautela. O poder genérico de cautela é uma questão processual. Então, o juízo da falência, o juízo da recuperação, poderá adotar algumas medidas de ofício com base no poder geral de cautela.

Desde Trajano Miranda Valverde, um dos maiores autores sobre a questão, já se dizia que o juízo falimentar tem a sua inércia um tanto quanto mitigada, o juízo da falência é muito mais ativo do que se verifica nos demais processos. Calmon de Passos dizia que a atividade jurisdicional era o seguinte: você estava em cima de uma ponte. Você vê que uma pessoa está se afogando, você é o juízo, você tem que ficar olhando. Se ele não pedir socorro, você não pode fazer nada. É bem verdade que essa visão é um pouco passada, não é uma visão presente porque hoje, claro, para instaurar o processo, aí sim você precisa [de provocação], mas uma vez ele já instaurado, se você verificar que aquela pessoa está se afogando, você pode, não obviamente salvá-la, porque você não pode adentrar ao mérito, mas você pode sim acautelar, e aí é processo, para que ela seja salva. Portanto, com base no poder genérico de cautela, nesse exemplo simplório, você chamaria o bombeiro, o salva-vidas, ou seja lá uem for para cuidar dessa pessoa. É bem verdade que você não pode ir lá, você não pode dar a mão a ela, mas você pode, sim, fazer com que outros se dirijam a essa pessoa e busquem a sua salvação.

Na falência isso é mais claro ainda. O juiz da falência deve agir, deve interagir, deve buscar todas as formas de alcance do desiderato na Nova Lei de Falências: e qual é o grande objetivo da Nova Lei de Falências? Função social da empresa.

Algumas coisas a gente vai percebendo e com o tempo vocês vão ganhando não só raciocínio jurídico como também esperteza mesmo. Caindo uma questão de falência num concurso hoje, você tem que soltar, nem que seja num aposto, a função social da empresa. Tem que soltar esse tema de alguma forma para demonstrar que você tem conhecimento amplo da lei. Hoje, o mundo todo só fala nisso. É uma realidade. Ora, vai alcançar a

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função da empresa na falência, o Juízo poderá marcar quantas audiências forem, buscar, inclusive, a composição extrajudicial em alguns casos. Nada impede, inclusive, que um juiz da falência compareça à Assembléia Geral de Credores para acompanhar mesmo, para buscar mecanismos para tanto. O nosso sistema falimentar tem origem em alguns sistemas já existentes. Um deles é o norte-americano, chamado de bankruptcy. O sistema americano está claro na própria lei. O Capítulo Onze da Lei de Falências vai dizer claramente que caberá ao juiz, e dá muitos moderes ao chamado general attorney, que é o Ministério Público. O general attorney é o Procurador Geral, vamos dizer assim, ele é eleito e é ele quem escolhe em cada cidade quem vai ser o promotor local, vamos dizer assim. É esse ‘Procurador Geral’ que terá poderes junto com o juiz da falência de, está na lei, buscar acordos, interceder, intermediar, inclusive. Imaginem se uma coisa dessas acontece por aqui... Ia dar capa de jornal: “Promotor intermediando acordo junto a credor preferencial”. É um mundo muito estranho para nós, ainda. Mas se você for ver, não é tão estranho assim. Se você está lá efetivamente para intermediar algo e salvar a empresa, a atividade, então não há nada de estranho. Portanto essa é, hoje, a função do juízo da falência. Já era incisava, hoje cada vez mais. Por exemplo, na falência da Mesbla foram realizadas mais de duas inspeções locais pelo Juízo da Falência e pelo Ministério Público em conjunto. Então, chega-se lá e as pessoas disseram: “sumiram não sei o que; não tem isso; não tem aquilo”. Vamos ao local, sem avisar a ninguém. Saíram então a juíza ___ Vieira de Castro e o promotor Mário Moraes Marques Júnior. Eles combinaram e fizeram uma inspeção local e depois foi elaborado um auto mostrando o que eles encontraram. E fizeram isso mais de duas vezes.

E eles extrapolaram de seus poderes? Não, claro que não. Está previsto na lei e sempre foi assim.O próximo agente, que é o Ministério Público...

Pergunta de aluno: InaudívelÉ a mesma idéia. A idéia alcança todos os pontos hoje. Você vai buscar cada vez mais a busca da

verdade real. Aliás, preceito esse que já estava lá no Código de Processo Civil desde 1939, a inspeção pessoal. No interior isso acontece. Quando eu fui trabalhar no interior, eu estava lá quando vieram me avisar: “Doutor, tem inspeção hoje”. E eu disse: “Como é que é? Inspeção?”. “Ué, doutor, o senhor não vai querer acompanhar? Vai lá, porque aí o auto vai ter valor maior, é bom”. Então eu pegava o carro e ia lá, acompanhando o juiz. No interior às vezes ainda dá para fazer isso. Mas na capital isso é impossível. Vara Empresarial da Capital tem competência para muitas matérias: falência, recuperação, todo o Direito Societário, ações coletivas de consumo, propriedade intelectual (que é uma matéria altamente especializada). Imagina se juiz de Vara Empresarial vai ter tempo de fazer inspeção judicial. O Tribunal assoberbou a Vara Empresarial de um jeito que não há condições de realizar. Em muito breve São Paulo passará a nossa frente porque a competência da Vara Empresarial lá é só para falências e recuperação judicial. Pelo menos a idéia inicial é essa, embora se cogite de incluir na competência o Direito Societário. No Tribunal do Júri de São Paulo já foi criada uma Câmara especializada em falências e concordatas.

O próximo agente, o Ministério Público. Quando você fala em Ministério Público na falência, você começa falando logo do artigo quarto, que foi vetado. O artigo quarto repetia o que dizia o art. 210, Lei de Falências/1945, quando dizia que o Ministério Público deveria atuar nas falências e nas recuperações judiciais.

Houve esse veto e agora a pergunta é como fica a atuação do Ministério Público nas falências e recuperações?

Ora, todo o respaldo da sua atuação [do Ministério Público] está na Constituição. Então, todas as vezes que você for pensar em atuação do Ministério Público você vai pensar nos artigos 127/129, Constituição Federal. Basicamente o artigo 127. E será o artigo 127 que indicará que quando houver interesse social, o Ministério Público atuará. E não precisa nem explicar se há ou não interesse social porque na falência sempre há. E na recuperação judicial também sempre há interesse social.

“Ah, numa falência em que há três funcionários apenas há interesse social?” No Brasil tem. Em outros países talvez não. E por que no Brasil tem? Porque no Brasil, quem emprega três pessoas é responsável pela absorção da massa de trabalho. Este é o empregador no Brasil. Empregador no Brasil não é Varig nem Parmalat, não é o ABCD paulista. Empregador, no Brasil, é quem emprega dois ou três funcionários. Então há interesse social. E mais. Fale no art. 188, Nova Lei de Falências, que diz: aplica-se o Código de Processo Civil de forma subsidiária. E aplicando-se o Código de Processo Civil de forma subsidiária, lá você encontra o art. 82, III, em que se trata da atuação do Ministério Público quando houver interesse social. E aí você conclui que a atuação do Ministério Público sempre se verifica no sistema da insolvência empresarial.

No Rio de Janeiro, como eu havia dito na última aula para vocês, já há uma recomendação da Procuradoria Geral da Justiça, a Recomendação número 001/2005 que dispõe sobre a atuação do Ministério Público nos processos relacionados com a matéria falimentar.

Recomenda a atuação do Ministério Público em todas as fases do processo. E isso não é à toa. Há autores, como o professor Fabio Ulhôa Coelho, defendendo que o Ministério Público só agirá após a segunda fase da falência, isto é, após a sentença de falência. Então, o Ministério Público deve falar em todas as fases do processo, a recuperação judicial, não havendo razão para se dispensar tratamento diverso nas demais ações em que a massa seja interessada.

“Participar dos leilões realizados”. Isso também não é à toa porque na Lei de Falências/45 a presença do Ministério Público era imprescindível sob pena de nulidade do leilão. Hoje a lei diz apenas que o Ministério Público

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será intimado a comparecer. Se ele é só intimado a comparecer ele poderia entender que estava ciente e que não iria comparecer ao leilão. É de suma importância a presença do Ministério Público na realização do leilão. É claro que pode haver algum tipo de falcatrua, lógico, mas o objetivo é minimizar ao máximo isso. Em alguns leilões, quem já participou sabe, isso fica bastante evidenciado quando as pessoas fazem sinais umas para as outras, quando às vezes o próprio leiloeiro pode indicar uma ou outra solução. Então, a recomendação é para que esteja presente no leilão.

“Requerendo vistas dos autos e intimação para todos os atos do processo ou procedimento”. Por que isso [procedimento]? Porque agora com a Nova Lei de Falências, o inquérito policial ou procedimento investigatório é instaurado por requerimento do Ministério Público e tramitará entre a Delegacia e a Curadoria de Massas Falidas e vice-versa. Não passará pelo Judiciário. Pelo menos é a resolução que estamos buscando lá, junto com a Secretaria de Segurança Pública.

Vocês sabem que, em regra, as recomendações podem ser utilizadas na hora da prova. E esse texto aqui traz até conteúdo doutrinário. O Estado de São Paulo já encaminhou nesse sentido. Já ligaram para nós os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Maranhão, todo mundo está se mobilizando, isso é muito bom, para editar resoluções do mesmo teor. A gente está tentando que sejam mais ou menos do mesmo teor para gerar uma uniformidade.

Ontem mesmo, em um evento, uma juíza de Juiz de Fora disse que adoraria uma resolução dessas lá em Minas Gerais porque o promotor dela não quer nada, diz que não há interesse social, não vai a leilão ...

É claro que a recomendação não tem caráter vinculativo, cada um tem a sua independência funcional, mas você tem que fundamentar a sua independência funcional. E normalmente quando se chega a uma recomendação, é recomendável que você siga. Claro que se você achar que ela é manifestamente ilegal você não vai seguir. Eu já tive, não fui punido, mas já tive quatro procedimentos na Corregedoria porque eu não sigo a recomendação que determina que eu faça o parecer recursal. Ora, eu me manifestei em todos os atos do processo, fiz o parecer final alcançando tudo que existe no processo; sentença; recurso; e ainda querem que eu, de primeiro grau, dê parecer, analisando todo o processo e as razões recursais sobre se a sentença deve ser mantida ou não. Qual é?! Eu ainda não fui promovido, não sou Procurador de Justiça ainda. Se eu for Procurador de Justiça um dia, o meu trabalho será esse. Então por que eu vou fazer isso? Que eu saiba, eu sou promotor. Existe um cargo chamado Técnico de Procuradoria. É esse Técnico de Procuradoria que é o assessor do Procurador de Justiça. Eu não sou assessor de Procurador de Justiça, então eu não vou fazer o trabalho. Aí o que acontece? Eles mandam para a Corregedoria e a Corregedoria instaura o procedimento. Já foram quatro. Três já foram decididos a meu favor. Falta um que ainda não foi arquivado. Como é que eles vão me punir? Não tem como. Onde está na lei que depois da sentença o promotor tem que falar? Fala só sobre a admissibilidade. Sobre admissibilidade eu falo. Fora dessa admissibilidade eu não falo, mesmo, porque ao meu ver essa recomendação é manifestamente ilegal.

Fiquem de olho porque Princípios Institucionais é uma matéria que nem sempre todo mundo estuda. Há um projeto lá no Órgão Especial do Ministério Público que vai baixar uma resolução fixando atribuição do promotor. É como se o Tribunal do Júri fixasse a competência do Juízo. Com essa resolução eles querem afirmar ser atribuição do Promotor de Justiça opinar depois da sentença em parecer recursal. Aí a questão vai complicar. Esse projeto está caminhando, nós estamos debatendo, discutindo necessariamente, mas a questão vai complicar porque uma Resolução, mesmo que seja Resolução, não pode ser ilegal, ela não pode ser manifestamente ilegal. Se você me der um argumento do Direito Processual Civil eu acato. Se você não tiver... tem que me promover. Se me promoverem eu falo depois da sentença com a maior tranqüilidade sobre as razões recursais. Não estou incitando aqui a anarquia. Estou só dando um exemplo de uma recomendação manifestamente ilegal, a meu ver.

Pergunta de aluno: Quais foram as razões do veto ao artigo quarto?Foram as seguintes: há razões explicitadas e razões implícitas. As razões explicitadas são que o

Ministério Público é uma instituição muito importante, que atuará sempre que necessário: a lei já trata de várias hipóteses em que ele será chamado; não há razão para dizer que ele irá falar em todo o processo porque isso está, pelas razões do veto, diminuindo a atuação do Ministério Público, o Estado estaria apequenando a sua atuação. A Instituição tem que ter uma atuação muito maior, um prestígio muito maior porque é muito mais importante. Isso é o que está escrito. Na verdade, o veto é, segundo o professor Manoel Justino Bezerra Filho, com precisão: é sim para apequenar o Ministério Público, é sim para tira esse sujeito daí porque ele dá muito trabalho. O professor Juarez Tavares esteve aqui essa semana e nó vamos iniciar um trabalho em toda a América Latina, com outros Ministérios Públicos, não em matéria penal, mas em matéria civil, estão querendo criar um Tribunal Civil Internacional, um Tribunal Penal muitos [países] não se submetem, mas um Tribunal Civil não tem como não se submeter porque a execução é da indenização e indenização não tem nada a ver com punição. E todos os Ministérios Públicos ficam maravilhados quando eles vêem a nossa instituição porque ninguém tem a independência que aqui foi feito. Alguns deputados já disseram e isso ficou gravado: “nós criamos um monstro em 1988 e agora nós não podemos contê-lo mais. Vamos deixá-lo e respeita-lo porque nós criamos um monstro. Alguém que é inamovível, vitalício e que tem irredutibilidade de vencimentos. Se você der isso a alguém, você terá esse alguém com precisão, isenção, tranqüilidade e independência total porque salário atrapalha o âmago da pessoa. Reduzir seu salário faz com que o seu filho sofra, tenha que sair daquele colégio e ir para outro, então, o sujeito pensa trinta vezes antes de desacatar uma ordem, para que o salário não seja diminuído. Número dois: emoção, haja vista a Polícia Federal. Coitado do Delegado Federal que age em desacordo com o comando. Haja

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vista o que sai aí no jornal aquele que foi lá e prendeu o Duda Mendonça. Ele está lá, esquecido no freezer do Alasca. Ele fica na geladeira, muito pior que aqui. Ele roda lá para longe, para Corumbá ou para uma delegacia dentro da selva. Um terror, é horrível. Imagina que você nasceu e cresceu aqui no Rio de Janeiro e vai para o meio da selva. Sem vitaliciedade, instaura-se um processo para exoneração. Olha, meus amigos, assim é muito fácil manipular a Polícia Federal, a Secretaria da Receita Federal, a Secretaria da Receita Estadual porque com um telefonema você resolve: ”e aí, amigo? Vai fazer ou vai rodar? Você escolhe!” Então o que acontece? Ou estão mexendo os pauzinhos na Assembléia Legislativa para irem para outros cantos, saindo de lá de dentro, ou então estão fazendo concurso para sair de lá, porque senão roda. No meio da tarde, roda. Recebe um telefonema dizendo: “sai daí. São três horas da tarde. Não mexa em mais nada”.. “Sim, senhor. Ainda me mandou para perto, para Barra Mansa...” E quando ele manda para Varre-e-Sai? Tem delegado com trinta anos de Polícia que roda para Varre-e-Sai. Da próxima vez, ele vai perguntar o que quer que faça: “Ah, é isso? Pode deixar”. Gente, é da natureza do ser humano. Então o negócio é esse é tirar o Ministério Público da falência porque ele dá trabalho.

Se ele dava trabalho, agora ele dará muito mais. E por duas razões. A primeira delas é que o Ministério Público terá legitimidade para propor a Ação Revocatória, que nós veremos hoje. Em segundo lugar: cairão os pedidos de falência. Teremos um decréscimo muito grande do número de pedidos de falência por causa do piso de quarenta salários, que nós já vimos. Com isso, haverá um número menor de processos e nós poderemos nos esmerar muito mais, trabalhar muito mais em cada processo. Você vê isso muito bem em determinadas instituições: quando você tem menos processos para trabalhar, a quantidade de trabalho aumenta, veja-se o caso da Justiça Militar. Ninguém usa caneta em processo militar; Nenhuma promoção é à mão. É tudo digitado, é tudo fundamentado, é tudo com decisão com doutrina fundamentando porque cada juiz, cada promotor militar tem cem processos. Sabe quantos têm em Vara Empresarial? Por baixo, quatro mil.

Pergunta de aluno: inaudívelÉ. As razões de veto fazem menção ao artigo 82, III, Código de Processo Civil, sim. Mas a realidade é o

seguinte: as razões de veto a gente lê agora só que a lei é para os próximos cinqüenta, cem anos. Você tem razões de veto de uma lei de cinco anos atrás? Eu não tenho mais. Agora a gente tem, a gente baixa [da internet] e lê. Mas razão de veto não é lei, o que importa é que na lei não houve um artigo igual ao antigo art. 110, um perfil, um local, um destino para o Ministério Público. E nós estamos falando em nível de Brasil inteiro e a título de Brasil inteiro a coisa complica bastante.

Pergunta de aluno: inaudívelNão falava, não falava e já se defendia lá quando do Projeto de Lei de recuperação extrajudicial.

Pergunta de aluno: inaudívelA razão de veto não diz isso. Mas você poderia dizer que talvez, também, sem querer explicitar, talvez a

idéia tenha sido essa.

E por último, não em ordem de relevância, claro, a figura mais importante é a do administrador judicial. E aí está o ponto para o qual temos que abrir os olhos quando eu falo em Ministério Público, em magistratura, em qualquer lugar que atue em falência, que a figura mais importante da falência é o administrador. Não é o juiz nem é o promotor. E foi exatamente por essa inversão de valores que nós temos as falências sofríveis de hoje porque o antigo síndico sempre foi relegado a segundo plano. O síndico é que tem que ser prestigiado porque ele é quem é o administrador. O síndico de outrora, o administrador de hoje, é ele quem vai cuidar de toda a administração. Ele é quem vai imprimir um destino [e o caminho] para se alcançar a função social da empresa. Então na Nova Lei de Falências a figura do administrador surge no art. 21. Ele é preferencialmente advogado, começa por aí, e na ordem, economista, administrador de empresa, contador ou pessoa jurídica especializada. Esta pessoa deve ser uma pessoa com experiência e que vá cuidar efetivamente da falência. Nós tínhamos alguns exemplos, bem verdade que sejam raros, alguns exemplos quando os síndicos eram advogados ciosos (?) de sua responsabilidade, a falência ia muito bem. Por exemplo, a falência das Casas Pernambucanas, na verdade, Irmãos Lundgren Tecidos S.A O síndico é o Banco do Brasil. Como o Banco do Brasil não tem um setor especializado em falências o que ele fez: contratou um advogado especializado, que é ex-juiz de Vara Empresarial. É muito especializado, é muito entendido na matéria, tem uma equipe boa, os melhores alunos que eu tive na Universidade estão com ele, você precisa de alguma coisa ele vem e toca minuciosamente o processo, qualquer coisa ele vai no seu gabinete, ele mostra o que é e o que não é ou seja, você vê alguém velando. É como qualquer negócio. Para tutelar isso aqui [curso jurídico], você tem que ver se o pessoal chegou na hora, tem que monitorar. Saiu para almoçar e voltou três horas? Que bagunça é essa? Tem que monitorar desde as pequenas coisas. E as falências, na maioria das vezes, não se prestavam a nada e continuarão a não se prestar enquanto nós não dermos ênfase a essa pessoa [administrador].

Acontece que tudo o que eu estou dizendo aqui sobre o administrador é muito bonito, que o administrador é o salvador da paria, que é o doctor do sistema norte-americano. No sistema bankruptcy há a figura do doctor do mercado, que é o doutor, o médico, que chega para salvar você da sua doença. Ele vem e salva. Acontece que quem vai ser administrador no nosso país? Ele vai ter remuneração, que não pode exceder cinco por cento do passivo ou do montante obtido. Está certo que ele será remunerado. Está resolvido o problema da remuneração. Na Lei de Falências/45, o administrador recebia a título de encargo da massa, isto é. Depois de acidente de

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trabalho, trabalho e fiscal. Isso na letra fria da lei, ou seja, o síndico não recebia nada porque do Fisco ninguém passa.

O enunciado 219 da súmula do Superior Tribunal de Justiça já havia corrigido esse problema, praticamente legislou e todo mundo aceitou porque tinha que aceitar o que a súmula 219, do STJ, faz é dizer que a remuneração do síndico deve ser paga junto com os trabalhadores. Então um posicionamento jurisprudencial teve o condão de alterar a classe de credores fazendo com que a remuneração do síndico saísse dos encargos da massa e integrasse a classe de trabalhadores. Passou a concorrer na mesma classe dos trabalhadores. E agora melhorou mais ainda porque o artigo 84, I, Nova Lei de Falências, ao tratar do crédito extra-concursal, vai mostrar que o administrador vai receber antes de todos os demais credores. Hoje a sua remuneração é percebida antes de todos os credores.

Então vocês me perguntam: “Por que você acha que mesmo assim não vai dar certo?” E eu responderei: porque o administrador receberá só até cinco por cento do passivo. Vamos imaginar uma falência grande: quinhentos mil reais de passivo, que é uma falência grande para o nosso país. Então, cinco por cento, vinte e cinco mil reais. Só que não é vinte e cinco mil reais por mês, não. É por todo o processo de falência. Se o processo for rápido e durar um ano, ele receberá menos de dois mil e quinhentos reais por mês. E se para eu nomear um administrador por menos de dois mil e quinhentos reais por mês, ou ele tem que ser muito vocacionado e desprendido de valores mundanos, ou ele vai buscar algo por fora. Ele vai buscar a complementação da sua remuneração de outra forma.

Mas e a VARIG? Ah, para a VARIG vai ter briga. E eles já estão definindo quem será o reestruturador da VARIG. Extrajudicialmente já há uma reestruturação. E a administração está disputada a tapa. Se a PARMALAT estiver em dificuldade, este [administrador] ganhará muito. Mas o Brasil não é composto de Varigs e Parmalats. Ele é feito de sociedades pequenas, cujos passivos são pequenos. Então nós não teremos administradores. Nós continuaremos a ter liquidante judicial, que é um funcionário já existente nos quadros do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Em alguns estados esse servidor não existe, em algumas comarcas do interior ele também não existe. E continua tudo como estava. Não muda nada. E se você chegar para ele e perguntar por que ele não está cuidado da falência ele vai responder que está cuidando de sessenta falências e que está fazendo o que dá para fazer. E você nunca vai saber se ele tem sessenta falências porque não trabalha ou se não trabalha porque tem sessenta falências. Embora tenha alguns por aí de Mercedes CRE mesmo ganhando quatro mil reais por mês. Então se vê claramente o desvirtuamento total da questão.

Questão prática, caso ocorrido em comarca do interior, um juiz enfurecido de tanto implorar aos advogados locais para que sejam síndicos, ele prepara uma sentença extinguindo todas as falências por falta de síndico, alegando que não há ali interesse de agir. Extinguiu mais de vinte. O promotor de lá liga para mim e pergunta o que fazer. Pode extinguir essas falências por falta de interesse de agir porque não há síndico? O que o juiz fez foi confessar a falta de interesse do aparelho estatal. Quando se requer a falência de alguém, está se colocando no colo do Estado o problema. Se o Juiz extingue as falências por falta de síndico, ele está dizendo que não tem como resolver o problema, então, ninguém quebra mais. Tem que seguir e arrumar um síndico. É uma realidade. O promotor recorreu e obteve a reforma na própria caneta do art. 558, CPC, os desembargadores foram prontamente resolvendo, de forma que a falência fosse re-instaurada e dado segmento ao processo.

Um projeto de lei que já está sendo elaborado pelo Ministério da Justiça é a figura do administrador profissional, administrador judicial. O projeto de lei determina a criação desse cargo no Tribunal de Justiça de cada estado. No Rio de Janeiro só há quatro liquidantes judiciais, o que não dá para nada. Pretende-se criar uma carreira, a de liquidante judicial, com remuneração compatível com o cargo, de forma a distribuir as falências entre eles. Pessoas com noções de economia, contabilidade e direito, num concurso bastante difícil e com remuneração atrativa, ou então exigir-se apenas noções de direito porque um advogado ele pode contratar. No processo o próprio Ministério Público e o Juiz já estão ali, indicando mais ou menos o caminho. Se o administrador tiver conhecimento de economia, de contabilidade, de negócio, para que ele bem administre a falência. Esse projeto de lei está sendo elaborado, pensado, e pode ser que bem em breve nós tenhamos essa solução.

O outro grupo de pessoas que nós vimos por aí é o de credores. E os credores, na Nova Lei de Falências terão um poder grande em relação ao destino do processo. Eles terão como influenciar de forma direta e incisiva no destino do processo através do Comitê de Credores, e aí existe a sua composição, a sua atribuição, e que não é remunerado. Sendo que esse Comitê só terá três representantes dos credores: representante dos credores trabalhistas, representante dos credores com garantia real e privilégio e, por último, o representante dos demais credores (os quirografários, privilégios gerais e subordinados – apesar da não menção expressa desses últimos).

Esses três irão, através do Comitê, tratar das questões envolvidas na falência e na recuperação judicial. Eles não serão remunerados e no art. 27 estão as suas atribuições. Obviamente eles não têm poder decisório mas têm grande influência e tem sido hoje indicado, o estudo hoje vem dirigido no sentido de que dificilmente a decisão judicial irá contra o Comitê de Credores e, como veremos já, a Assembléia Geral de Credores. Por quê? Porque a filosofia da Nova Lei de Falências é a mesma da auto-regulação. Uma analogia, obviamente, um tanto grosseira, mas a idéia é: na auto-regulação o que ocorre é que os auto-regulados eles vão dispor, vão tratar da melhor forma sobre a composição dos conflitos, a melhor forma de entendimento. E na Nova Lei de Falências a idéia é a mesma: serão os credores junto com o devedor que irão buscar a melhor alternativa para a satisfação dos créditos, visando sempre a função social da empresa. É uma idéia, uma nova filosofia. Se as pessoas estão aptas ou não é outra questão. Mas a idéia, pelo menos, é essa. Claro que será não só coerente como também

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recomendável que a decisão judicial não siga o deliberado pelos credores quando eles estiverem burlando os interesses da falência ou da recuperação. Por exemplo, algumas instituições financeiras estão comprando os créditos pulverizados, você sabe que alguém está “mal das pernas”, próximo da falência ou da recuperação. E aí o eu você faz? Começa a buscar no mercado os créditos existentes e “compra” esse crédito via cessão de crédito. Você vê um crédito de duzentos mil reais, o credor demora uns oito meses e não consegue recebê-lo, a corda está no pescoço, precisando pagar funcionários, os fornecedores. Aí a instituição coloca uma mala de dinheiro, cash, em cima da mesa. “cento e cinqüenta mil, na mão. Topa?” Se o sujeito não ceder na mesma hora no dia seguinte ele cede. Ele não agüenta mais receber certidão de protesto, funcionário ameaçando parar de trabalhar. O credor cede e a instituição financeira assim procede porque tem “um poder de fogo” muito grande. Mais adiante ela pede a recuperação judicial do devedor, geralmente a recuperação porque a falência é a desgraça total. Pede a recuperação judicial e se apresenta ao devedor como seu maior credor. E o devedor nem sabia disso. Na Assembléia Geral é o seu voto [da instituição financeira] que vai prevalecer. E no Comitê de Credores, instituição também é quem indica os representantes. Conclusão: o devedor está nas mãos de um único credor, por trás de vários créditos que ele comprou ao longo do tempo. Neste caso, que já está acontecendo que eu sei, eu ministrei um curso quase que fechado, a turma era quase toda de uma instituição financeira, e eles disseram que já estavam fazendo isso. É uma estratégia. É legal Não é fraude. “É, inclusive, interessante para nós porque a gente chega lá e assume a atividade e depois vende. É uma nova linha de mercado”, disseram eles. Então ta. Se eles chegarem lá, assumirem a atividade, sanearem a sociedade, criando emprego, mantendo a arrecadação de tributos, tudo certo, para arrebentar os demais credores e conseguir alienar o negócio mais tarde com lucro para a financeira, ótimo, bom para todo mundo. Mas se vier para vilipendiar o devedor, não fique muito feliz porque você não vai mandar na recuperação, nem na judicial, nem na extrajudicial, nem na falência, porque a decisão judicial não chancelará esse tipo de deliberação. Então o poder existente, ele não está explicitado na lei mas, implicitamente, ele deve ser respeitado. Eu tenho observado os juízes da Vara Empresarial e a experiência é muito boa em diversos Estados e esses juízes têm dito que a tendência é respeitar os credores, através da deliberação dos credores. Isso é uma coisa muito boa porque a gente observa que a filosofia está partindo do próprio Judiciário. O Judiciário poderia dizer: “quem decide sou eu. Quem sabe o que é certo ou não sou eu”. É o problema do sujeito que acha que está acima do bem e do mal, enquanto a gente sabe que ele está a serviço do bem e não do mal.

Pergunta de aluno: inaudívelO que pode acontecer é o seguinte: não ter nem Assembléia, nem Comitê. Pode não ter porque eles só

existirão se houver manifestação de credores contrários à recuperação quando o próprio juízo entender que é necessário. Aí ele marca a Assembléia Geral. Você verifica aqui, na própria atribuição do Comitê, no art. 27.

Pergunta de aluno: inaudível Não tem problema nenhum sabe por quê? Porque aqui onde nós estamos falando sobre Assembléia e

Comitê, nos artigos 27 e 28, nós estamos no Capítulo Dois: disposições comuns da Recuperação Judicial e da Falência. Lá, a lei não explicita. Em determinado ponto ela fala do Comitê, mas não fala sobre a Assembléia. Mas não precisa porque o que a gente está vendo agora corresponde a uma parte geral da Nova Lei de Falências: serve tanto para a recuperação quanto para a falência.

Importante frisar um outro veto ocorrido tanto para as atribuições na recuperação e na falência. Quando a Assembléia Geral de Credores existir – sua existência não é obrigatória – ela poderia indicar a substituição do administrador judicial e a nomeação de outro. Isso estava previsto no art. 35, I c e art. 35, II, a. Esse veto tem alguma relevância? Não, porque se você for analisar as atribuições da Assembléia, atribuições todas tendentes ao bom andamento da recuperação e da falência, você verá a alusão na alínea “e” a qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores. No art. 35, II d, “qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores”. Então esses dois vetos aí foram desnecessários porque se você tiver pelo art. 35, I, e, ou pelo art. 35, II, d, você verificar se aquele administrador não é bom, que ele não está indo bem, que ele está tomando medidas erradas, você então, com base nisso, se dirigirá ao juízo afirmando que o administrador não está bem e requererá a substituição. O veto ficou esvaziado.

As Assembléias serão realizadas quando a falência comportar a sua realização. Isso porque no art. 36 você verifica que o juízo convoca a Assembléia por edital. Convocando a Assembléia haverá regras de convocação. Os credores do art. 36, § 2º, podem impugnar a instalação da Assembléia. Você terá Presidência, Secretário, Isso só vai acontecer em falências que os credores forem interessados. O juiz pode determinar convocação de Assembléia sem manifestação de credores? Pode, só que ele poderá cair na seguinte questão, e em regra ele, na realidade brasileira, ele não determinará a realização de Assembléia, e por isso ele terá muita cautela: determina a realização de Assembléia e ninguém vai. Por que? Porque os credores existentes são todos credores *** [palavrão], são credores que não têm nenhuma influência maior, não tem interesse, não vão constituir advogado para saber o que é Assembléia, para comparecer em Assembléia, sabe que perdeu mesmo. Então as Assembléias serão realizadas de forma excepcional. E quando forem instaladas, os credores comparecem. Como eles vão votar? Qual será a forma de voto? Como as matéria serão deliberadas nas Assembléias? São três classes, pense sempre nelas. São três classes: dos credores trabalhadores, dos credores com garantia real e privilégio especial e classe dos quirografários e credores com privilégio geral.

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Como o voto será computado? Em regra, proporcionalmente. Em regra, o voto será computado de forma proporcional, salvo para o trabalhista. Essa questão estava sendo um tanto discutida no início e agora está mais ou menos assentado. Trabalhista vota por cabeça. Trabalhista não vota proporcionalmente. Vejam aí, onde está o art. 38, § 4º (????????????), é art. 38, caput mesmo porque é o art. 38, caput, que faz alusão ao art. 45, § 2º.

Virada de fita

Existem credores que não votam na Assembléia: aquele cujo crédito não é alcançado. Como assim credor cujo crédito não é alcançado? Na recuperação, o meu crédito é de dez mil reais. Se eles disserem que eu receberei dez mil reais, eu não tenho direito de votar porque o meu crédito não será alcançado.

A outra hipótese de credor sem direito a voto é a hipótese de credor retardatário. E isso é novo. Retardatário : art. 10, § 1º: quando a hipótese for de crédito retardatário, ele não terá direito de votar.

Na lei anterior, nós sabemos, que o credor retardatário apenas sofria o ônus de chegar depois. Se ele chegar depois da hora, isto é, se ele chegar na falência depois do pagamento realizado, não há mais dinheiro, ele então assumia a falência do jeito que ela estava. Hoje, além de ele sofrer esse tipo de conseqüência, isto é, chegou na falência depois dos pagamentos, ele não vai receber, ele também não ter direito de votar. Isso é o que diz o art. 10, § 1º, salvo se for credor trabalhista. Se for credor trabalhista terá direito sim de votar.

Problema existente já discutido pela doutrina sobre o tema é o seguinte: eu ainda não sou credor. Por exemplo, estou discutindo ainda, na Vara do Trabalho se eu sou ou não credor. Eu estou afirmando lá que sou credor da cifra tal. Só que o Judiciário lá ainda não disse se eu sou credor ou não. A falência ou a recuperação estão aqui em andamento. Tenho eu aqui direito de voto? O credor sem direito de votar pode comparecer à Assembléia? Pode. Tem direito à fala? Tem. Só não tem direito de votar. Na Assembléia Geral Ordinária e na Assembléia Geral Extraordinária, nas S.As., é assim. Quem são os acionistas sem direito de voto, em regra lá nas S.As. O preferencial. E o acionista preferencial pode ir à Assembléia e pode se manifestar também. Ele tem direito de falar e às vezes a fala dele influencia os outros que tem direito de votar. Aqui [nas Assembléias de Falência], a idéia é a mesma. Você é credor sem direito de votar. Pode ir à Assembléia? Sim. Mas e aquele que não é credor ainda? Ele poderá requerer ao juízo falimentar reserva para o seu crédito. E a partir do momento em que o juízo da falência ou da recuperação determinar a reserva para o crédito, quantia efetivamente discriminada, reservada para o seu crédito ele já terá seu direito acautelado – o pedido de reserva tem natureza cautelar – E se ele tem o direito acautelado, ele não é credor, não tem direito de votar na Assembléia, mas como ele já tem aqui garantido o seu direito, ele então tem direito de participar da Assembléia, podendo até se manifestar. E, obviamente, se ele pode se manifestar, se ele verificar que a deliberação caminhou no sentido de prejudicar os interesses da massa falida ou da recuperação, poderá ele buscar no juízo da falência ou da recuperação uma medida judicial para coibir tal ato. A correção do ato poderá, então, ser por ele pleiteada. Esse ponto é hoje discutido pela doutrina: se ele tem direito, ou não, de votar. Realmente, direito de votar ele não tem, mas ele tem todos os direitos inerentes a medidas cautelares, já que já foi deferida a ele a cautela porque se ele está lá, muito em breve chegará aqui e deve ter seu crédito guarnecido, preservado.

Pergunta de aluno: inaudívelÉ, o problema surge aqui, quando tiver o título de reserva de importância. O problema de voto surge

exatamente daí porque ele tem direito de votar quando a reserva é deferida. A lei explicita que ele tem direito de votar. Mas será que a norma é exatamente essa? Será que a norma busca exatamente esse objetivo? Ele não é credor: como é que ele vai votar sem ser credor? O problema é esse! Ele não é credor! E de repente o voto dele é decisivo, conclusivo para a questão e ele não é credor. Vai que lá no juízo efetivo o crédito dele não é reconhecido. E ele vem aqui e votou e ditou o caminho a ser seguido pela falência ou pela recuperação e nem credor ele era. Apesar de estar dito aqui. É aquela história: a lei trará alguns dispositivos, como a gente tem visto, o que está explícito não pode ser assim interpretado. A gente tem que interpretar o âmago. E o que é o âmago? É observar o disposto. E nesse caso, observar o disposto é conferir direito de voto ou não? É direito de manifestação, direito de acompanhar as deliberações e tomar todas as medidas necessárias para que as deliberações sigam o caminho da falência. A idéia é justamente essa.

Outro exemplo é o art. 40. O art. 40 vai dizer textualmente: não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar antecipatório...

Não precisa nem ler. Por que não precisa nem ler? É flagrantemente inconstitucional. Toda vez que o Executivo ou o Legislativo pretenderem dizer: “cale-se, Judiciário” a norma é inconstitucional. Ainda mais numa matéria como essa aqui! O art. 40 trata de classificação de crédito, de qualquer matéria referente a crédito. E aí vem a mesma questão: ora, eu estou lá constando no rol de credores como credor de cem mil reais. Só que esqueceram de colocar um zero. A Assembléia está marcada. Eu vou comparecer e votar como? Com o poder de cem mil reais? Não, se o meu crédito é de um milhão de reais. Esqueceram um zero! O meu crédito é de um milhão e não de cem mil reais. Então eu vou ter que me valer de um provimento in limine, de natureza cautelar ou antecipatória, dependendo da hipótese, para obstar a realização da Assembléia. O objetivo deles foi imprimir celeridade à falência e à recuperação, mas evidentemente, não é assim que se faz. É outro dispositivo que está explicitando isso, que mostra claramente isso mas que não merece respaldo.

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Pergunta de aluno: inaudívelTem natureza cautelar. Na Nova Lei de Falências não se fala em prazo. Como a reserva tem natureza

cautelar, quando o Fisco pede a reserva, e ele sempre pede a reserva, o que você faz? Você defere a reserva, respeitada a sua classificação no Quadro Geral de Credores. É uma reserva condicional. Ela só produz efeitos quando chegar a hora de ela produzir efeitos. Por exemplo, pede reserva de quinhentos mil reais. Aí você reserva os quinhentos mil reais e diz assim: ó, os quinhentos mil reais estão aqui, mas eles só serão seguros quando chegar a hora. Enquanto isso vai pagando os credores que tem que pagar. Quando chegar a hora de o fisco receber, ele recebe o que sobrou dos quinhentos mil reais que para ele estavam reservados. Essa reserva só teria eficácia se os credores que estavam antes da fila não precisassem do dinheiro da reserva para se satisfazerem. Quando há a reserva, só não pode é passar da sua classe [da classe a que pertence o titular da reserva]. O próprio trabalhista quando pede a reserva, ela é feita sob essa condição. E hoje isso vai acontecer com mais freqüência porque hoje nós temos os chamados créditos extra-concursais. E o crédito extra-concursal é aquele que vai recebendo no curso da falência, ao longo do processos. Esse credor extra-concursal vai recebendo antes mesmo do trabalhista, antes daqueles que buscarem via pedido de restituição, como nos já vimos: leasing, alienação fiduciária em garantia, antecipação do contrato de câmbio. Esse recebe antes. Se um trabalhista pede a reserva, você realiza a reserva com a condição de que ela somente terá eficácia quando for pagar os trabalhistas? E pode? Você tem cem mil reais em dinheiro, reservado. Você pode usar esse dinheiro para outras coisas mesmo tendo sido esse dinheiro reservado por ordem do juiz? Pode sim, para os créditos extra-concursais e até mesmo para a devolução de quantias oriundas de pedidos de restituição, de Adiantamento de Contrato de Câmbio, de questões referentes a leasing, a Alienação Fiduciária em Garantia ou qualquer outra questão que dê margem a restituição.

Pergunta de aluno: inaudível

Deveria ser mesmo. O.advogado trabalhista tem que vir aqui e avisar ser suposto credor trabalhista, afirmar saber que será credor e formular o pedido de reserva. Mas como era: o juiz do trabalho remetia um ofício ao juízo da falência afirmando que alguém se dizia credor de tanto. E o que deveria ser feito? “Sr. Juiz do Trabalho, que honra receber um ofício seu. Mas aqui ele não vale de nada porque o senhor não é parte. O que está acontecendo? O senhor está agora defendendo os interesses do jurisdicionado? O senhor é advogado dele? Não!! Então o senhor não pode fazer isso, tá?!”. Alguns não. Alguns admitiam aquilo ali e reservavam mesmo. E aí transitava em julgado e ficava por isso mesmo. Na Nova Lei de Falências, isso acarretará num problema de que falamos lá atrás: da exceção da universalidade do juízo falimentar. Lembra da questão trabalhista? Nós falamos do artigo sexto, parágrafo terceiro. E nós vimos que no art. 6º, § 3º, está lá dito que o juiz do trabalho determinará a reserva. Ele lá no Trabalho determinará a reserva aqui. Isso me parece inconstitucional porque ele não tem competência. Então, se ele determinar isso será inconstitucional porque ele não tem competência para deliberar aqui sobre uma questão de falência ou de recuperação porque o plano constitucional, quando cuida da competência da falência e da recuperação e da própria Justiça do Trabalho é o mesmo, é o artigo 109, I, CR. Eles estão ali lado a lado, um não pode interferir na seara do outro. Essa determinação haverá e muita confusão existirá, não tenham dúvidas. Principalmente quando ele [juízo trabalhista] determinar a reserva e não enviar um ofício para cá [juízo falimentar]. Se enviar um ofício, o juiz ainda diz: eu não cumprirei porque a ordem é inconstitucional, valendo-se do controle difuso [da constitucionalidade]. É quando ele [juízo trabalhista] determinar o bloqueio, a reserva on line? E quando ele determinar o bloqueio on line da conta corrente do sujeito? É, porque lá não determina o bloqueio do valor, mas o bloqueio da conta corrente. É uma coação para o pagamento. Como estratégia advocatícia eu pediria a reserva diretamente no juízo falimentar, para evitar qualquer tipo de problema. Se pedir lá, vai ter uma briga danada sobre a inconstitucionalidade e você vai ficar lá no meio. Então se você vem para cá e pede direto aqui, você se economiza de vários problemas. O melhor caminho é esse.

Pergunta de aluno: se o juiz trabalhista mandar bloquear a conta corrente, o que se faz?Aí tem que mandar desbloquear. Só que quem vai fazer isso é o juízo falimentar. E aí vai cair no mesmo

problema do Palace II. A justiça federal mandou bloquear a quantia e a justiça estadual mandou desbloquear. E aí: conflito de competência, Segunda Seção do Supremo Tribunal de Justiça. Mas como era o Palace II, resolveram rápido porque era todo mundo em cima, um caso de repercussão nacional. Mas se for um caso seu, você vai mandar bloquear: Banco do Brasil, bloqueia, senão eu te prendo. Aí vem o juiz estadual e diz: gerente do Banco do Brasil, desbloqueia senão eu te prendo. Aí o Banco do Brasil entra na história como no Palace II: suscita o conflito de competência direto na Segunda Seção do Supremo Tribunal de Justiça. Mas como não é o caso do Palace II, cinco anos para ser resolvido. Cada Ministro do Superior Tribunal de Justiça tem hoje represado em seu gabinete em média dez mil processos. E aí o seu processo nunca mais será julgado porque não se saberá se está reservado ou não. Então a melhor estratégia de advocacia é pedir a reserva aqui, na falência. Mas se a sua estratégia advocatícia é causar uma balbúrdia processual, então você pede lá [na Justiça do Trabalho], porque os juízos não vão se comunicar e depois ainda terá de esperar a Segunda Seção do Supremo Tribunal de Justiça.

Ação Revocatória. Na sentença de falência nós vimos que era fixado um Termo Legal. Termo Legal esse que é um prazo que é fixado da sentença para trás. Então os atos praticados da sentença de falência para trás, todos os atos praticados até um determinado momento, dentro desse Termo Legal ou Período Suspeito, são expressões sinônimas, hoje questão superada (já houve divergência sobre a matéria, mas o professor Rubens

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Requião dissipou a controvérsia dizendo que são termos sinônimos), os atos aqui praticados poderão ser declarados ineficazes mediante ação revocatória, com “c”, porque revocar é um verbo: trazer de volta. “Avocar” a gente já está acostumado: trazer para si. Então pode escrever na prova, sem medo, que o ato foi revocado, com “C” e não com “G”. Se o ato for revogado, aí é outra coisa. “Revogação” no âmbito do Direito é anulação do ato. E nós veremos aqui que não falaremos de revogabilidade, mas de revocabilidade, de ineficácia.

A revocatória visa buscar o bem que foi desviado, aquele ato que acarretou desvio de quantia, de algum bem. Vocês vêem aí no art. 129 que nada mais faz do que repetir o antigo art. 52 da lei anterior, vocês vêem aí atos estranhos, atos que normalmente quando praticados nesse período que antecede o pedido de falência são atos anormais, como por exemplo, o inciso I: pagar algo antes do vencimento. “Ah, mas qual o problema disso?” O problema disso é que, na seara empresarial, e sempre foi assim no âmbito comercial, o prazo, a data, sempre foi algo muito respeitado. Você tem uma conta vencendo dia 15 ou dia 19, quatro dias podem representar muita coisa; quatro dias podem representar a sua falência ou não, a sua saúde financeira ou não. Na seara empresarial um dia de rolagem de dívida representa muita coisa. Todo prazo representa muita coisa porque você gira nesse dia, você busca recursos nesse dia. Ninguém paga nada antes do vencimento. Ora, falência decretada. O sujeito antes da sentença decretada pagou dívidas vencidas posteriormente ou até mesmo antes do vencimento. É ato estranho. É tão estranho que o legislador diz que o ato será ineficaz, isto é, ineficaz, o pagamento, traga de volta o dinheiro. O dinheiro está revocado: traga o dinheiro de volta. Não está na lei mas eu pergunto a vocês: quando o vencimento for dia 15, dez mil reais, se pagar dia 5, oito mil reais, se pagar dia primeiro, seis mil reais. Qual é a data de vencimento desse título? Questão prática não raro de se enfrentar na Curadoria de Massas Falidas. Qual a data de vencimento desse título para fins de interpretação do artigo 129, I? O título tem três vencimentos. A obrigação vai se vencendo e de acordo com a data você vai ter um valor diferenciado. Não entremos na discussão se existe multa embutida se existe algo escondido, isso não vem ao caso. Vem ao caso saber qual é o vencimento do título. É preciso saber se quem pagou seis mil reais no dia primeiro está ou não no art. 129, I, nova Lei de Falências. Ora, se há três datas de vencimento, aquela pessoa que pagou no dia primeiro, com aquele descontão incomum, ela não pagou antes do vencimento. E isso ocorre por quê? Porque o ato previsto no inciso I e aquele do inciso II, quem paga da forma diversa da avençada, pode escrever aí, esse inciso II é o campeão da dação em pagamento. Na hora que eu estou prestes a falir, a tendência muito grande é de beneficiar, de privilegiar alguns credores. Eu chego e pergunto: “o que você quer? Eu sei que você quer dinheiro, mas dinheiro eu não tenho”, “Ah, então eu fico com a frota de caminhões”. E outro credor quer um galpão. E por que isso não é raro? Porque no âmbito empresarial é comum eu estar nessa sociedade e por trás de outras. Então, se eu quebrar aqui e não pagar esse credor, ele não me fornece nada para lá. Então eu tento beneficiar esse credor via dação em pagamento, que será declarada ineficaz.

Serão ineficazes, também, outros atos, como por exemplo, os a título gratuito, como a doação. A doação pode ser realizada? Pode. Você pode realizar quantas doações você quiser. Aliás, é muito bom que o faça. Hoje a responsabilidade social da empresa indica isso: você é responsável pelo bom andamento das atividades, para que a gente possa viver melhor, para que a gente possa sair do presídio (porque a gente mora em presídios, cercados, nós moramos televisionados, outro dia eu fui lembrado, eu estava fazendo umas caretas, brincando com a minha filha no elevador e a minha esposa me disse: “Márcio, está gravando”, então daqui a pouco vai ter câmera dentro da minha casa para saber se entrou algum bandido. E a central fica na portaria, para qualquer um ver o sujeito na garagem, no elevador, no hall social). Nós vivemos em presídio, e ainda se discute se colocar câmeras dentro do presídio é invadir a privacidade do preso. Discute-se isso e para eles não podem. Então, você deve doar sim para que a vida melhore. Só não pode fazer caridade com o dinheiro dos outros. Doação próxima à falência é estranho. Renunciar a herança. Como a pessoa jurídica pode ser herdeiro? Através de testamento.

Então todos esses atos aqui enumerados são presumidamente fraudulentos. Há uma presunção aqui que algo de estranho houve na falência. Só que nós não vamos falar que houve presunção de má-fé porque não será hipótese de aferição de elemento subjetivo. Na ação revocatória, nós não vamos analisar se houve ou não fraude. Daí a sua diferença marcante para a ação pauliana, que é a fraude contra credores. Na ação pauliana, hoje prevista no art. 158, Novo Código Civil, você vai provar não só o eventus damni, que é o ato, o elemento objetivo, mas também o consilium fraudis, que é a fraude, a má-fé, o elemento subjetivo. Lá no art. 158, Novo Código Civil, você tem que fazer prova do elemento subjetivo, da má-fé, da fraude. Aqui basta a comprovação do elemento objetivo, isto é, do eventus damni, do evento danoso.

Um dos itens do artigo 129 tem despertado bastante controvérsia na jurisprudência, que é o artigo 129, VII:

Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

[...]VII – os registros de direitos reais e de transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo o restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos;

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Esse ato só pode ser alcançado quando? No termo legal? Não. Você tem aí o art. 215, da Lei 6015/73, que vai dizer a mesma coisa. Só que o art. 215 alarga o conceito. O art. 52, Lei de Falências/45 falava apenas dos registros após a sentença de falência; antes, ele não falava. Se vocês acompanharem os itens do artigo 129, todos constam “realizados dentro do termo legal”. Todos eles referem-se ao termo legal, salvo os incisos IV e V, que possuem prazo próprio (dois anos). E o inciso VII, ao falar da transferência, fala “após a sentença de falência” a LRP [Lei de Registros Púlicos] fala em “termo legal”, e as transferências realizadas dentro do termo legal poderiam ser alcançadas pela ação revocatória.

O Supremo Tribunal Federal diz: revocatória para alcançar transferência de bens só quando realizada após a falência. Então a revocatória, tal qual no artigo 129, VII, sem a comprovação do elemento subjetivo, sem a comprovação da má-fé, só após a sentença de quebra. E como então conjuga o art. 215? “termo legal”.? O Supremo Tribunal de Justiça afirma que o termo legal, o ato praticado de alienação de imóvel dentro do termo legal pode sim ser alcançado. Mas desde que comprovada a má-fé, o elemento subjetivo.

A matéria não é pacífica, até porque com base na doutrina, o professor Rubens Requião dizia que um dispositivo completava o outro. O art. 215 não revogava a Lei de Falências/45 até porque a Lei de Falências é especial em outra área em relação à LRF (Lei 6.015/73). O professor Rubens Requião afirmava que os atos praticados no termo legal também seriam alcançados pela ação revocatória. Muita divergência ainda existe, mas no Superior Tribunal de Justiça predomina que quando há alienação de bem imóvel no período suspeito, precisa-se de demonstração de má-fé. Mas aí nós não estamos falando de ação revocatória do art. 129, Nova Lei de Falências, mas de ação pauliana do artigo 158, Novo Código Civil. E é isso exatamente o que diz o art. 130, quando afirma que “são também revogáveis”, vocês sabem que isso está errado, e já estava errado antes. E continuará errado. Não é “revogação”. Quando ele diz “também”, ele dá idéia que no art. 139 também se tinha revogação, o que não é verdade. Aqui no art. 130, Nova Lei de Falências, não tem que provar a má-fé? Aqui não se fala em elemento subjetivo? Sim. E lá no art. 158, Novo Código Civil, na ação pauliana, na fraude contra credores, aquela célebre discussão entre civilistas e processualistas, hoje, já não está um tanto pacificada? Hoje, ambos civilistas e processualistas já não estão mais ou menos acordes de que não é nulidade, não é revogação, mas sim ineficácia? Então, aqui também seria ineficácia? Você chega à conclusão de que o art. 130 é totalmente desnecessário porque se não está no art. 129, Nova Lei de Falências, nós cairíamos na regra geral, qual seja, o art. 158, Novo Código Civil. O art. 130 tem uma característica meramente didática: olha, pode partir também por outro mecanismo. Nada mais faz o art. 130 que repetir a regra da fraude contra credores, da ação pauliana. O art. 130 é análogo ao art. 158, Novo Código Civil. Tem que provar a fraude, o consilium, logo é de difícil aplicação.

Pergunta de aluno: inaudívelO tratamento tem sido o mesmo lá da esfera civil. Se eu tenho uma promessa de compra-e-venda e não

levei a registro, hoje o Superior Tribunal de Justiça tem se inclinado a não imputar essa prática ao contrato de gaveta e não trata-la de forma violenta. Se você comprar, perfeito, sem indício de fraude, você leva a registro, só que apesar de a transferência se realizar agora, ela retroage. A diferença é que você vai precisar de autorização judicial para tanto porque o Cartório de Registro de Imóveis recebe um ofício quando a sentença é decretada e com esse ofício ele bloqueia, ele não registra mais nada. Isso ocorre às vezes em falências e em liquidações: a pessoa já comprou o imóvel, tem a promessa quitada e não levou a registro. Então o juízo falimentar autoriza o registro.

Ademais, tem-se a questão da legitimidade, que não mudou: credor e Ministério Público. A única mudança é que hoje o Ministério Público está explicitamente exposto como legitimado para a propositura dessa ação revocatória, o que antes já existia, como objeto de dissertação de mestrado do professor Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho. Ele já tinha suscitado a matéria, junto com outras pessoas, sendo isso inclusive aceito no campo teórico. No campo prático, poucas eram as ações revocatórias e o Ministério Público sofria processualmente como em todas as ações em que ele é autor. O Réu contesta em 60 laudas, sendo que 40 laudas ele usa para dizer “sai daí, Ministério Público. Você não tem legitimidade ativa” e nas outras vinte laudas ele diz que realmente não tem direito. O Réu tenta desesperadamente excluir o Ministério Público porque ele dá trabalho, com ele não tem como compor.

Antes, as revocatórias eram propostas, indeferidas as iniciais por ilegitimidade ativa. Recurso para o Tribunal. Demorava muito. Agora a legitimidade está na lei e tudo fica mais fácil, ninguém vai discutir.

Estando na Lei, o Ministério vai buscar mais a ação revocatória e como vai buscar a colheita de dados para instruir essa ação? Instaurando inquérito civil, que é mecanismo próprio para colheita de dados necessários.

Há uma novidade interessante com a nova lei prevista no artigo 134.

Pergunta de aluno: No caso no art. 129 não precisa nem de ação, basta ir lá e arrecadar?Não, no art. 129 tem que ser ação revocatória a novidade está no art. 129, parágrafo único, que a

ineficácia pode ser reconhecida de ofício ou pleiteada em defesa. Antes era sempre necessária ação autônoma. Agora, arrecadado o bem, e em embargos de terceiros ou em pedido de restituição alguém alega a titularidade do bem. Então, na defesa dos embargos ou do pedido de restituição, diz que o bem é seu mas a alienação foi ineficaz porque o ato foi praticado no termo legal. Cria-se aí a possibilidade de uma amplitude processual bem maior.

Pergunta de aluno: a parte que se sentir prejudicada pode discutir essa presunção?

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Não porque aí é que está a ponto inicial não se presume a má-fé. Há uma presunção de fraude na falência. Porque você se presumisse a fraude, aí seria problemático.

Por isso que aqui não se discute fraude.A gente não vai presumir nem despresumir. Não vai dizer nem que sim nem que não. Você não discute.

Não é objeto de análise a má-fé. Praticou o ato dentro do termo legal, já era. É ineficaz e ponto final.O juízo competente é o mesmo, o prazo decadencial hoje é de três anos, antes era de um ano, o que dá

um alargamento maior porque hoje com três anos você tem possibilidade de alcançar mais atos.Seqüestro de bens, art. 137. Leia aí o que sempre foi lido: não só o seqüestro, como também o arresto.E por último, um item muito importante, que é o art. 131 em que você não vai poder alcançar mediante

ação revocatória os atos praticados com base no plano de recuperação judicial. Se houver um plano de recuperação judicial homologado e se neste plano estiver contemplado algum dos atos contemplados para ação revocatória, estará afastada a revocatória. E é por isso que você lá quando lhe for apresentado o plano para homologação você tem que tomar muito cuidado porque a homologação do plano com esvaziamento de todo ativo inviabilizará a propositura da ação revocatória. O que acaba aqui, no art. 131, dando margem à discussão é o seguinte: ele diz que não pode ser ineficaz ou revogado. Será que o afastamento é absoluto? Será que, se você descobrir a maior fraude depois, mesmo com base nos preceitos gerais não poderá coibir essa fraude com base na ação pauliana. A lei diz que não. Mas será que se isso não estiver violando a própria função social da empresa, o sujeito esvaziou tudo, mas foi homologado e lá na frente identifica-se que isso foi uma fraude, será que não poderá ser tomada nenhuma medida ampla como a fraude contra os credores? Parece-me que, com base nesses argumentos constitucionais, que nesses casos, excepcionalmente, seria cabível a ação pauliana para coibir tais atos. Não seria a ação revocatória, não seria o mecanismo adequado. Mas, em uma interpretação conforme a constituição você chegaria ao ponto de que isso violaria a função social da empresa, que é um corolário do preceito da função social da propriedade. E se os preceitos maiores são esses, uma interpretação conforme a constituição autorizaria uma interpretação como essa. Então o afastamento aqui não seria absoluto, não seria completo para hipóteses como essa.

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6ª aula - 23 de junho de 2005 Pergunta de aluno: inaudível

Hoje o art. 138 explicita o que já era admissível. A revocatória tem característica de ação rescisória. Isso já era admissível e hoje está estampado no art. 138. Mesmo os atos do art. 129 quando praticados mediante autorização judicial, se você alienou, se você transferiu estabelecimento com base em comando judicial, mesmo se esse ato foi praticado dentro do termo legal da falência, esse ato pode ser alcançado e a ação revocatória teria esse condão, esse escopo.

Aí você perguntaria. Mas como? A ação revocatória tem um escopo. Como isso se explica? Porque o Brasileiro gosta de dar nome às ações. Revocatória é um nome que você dá. A revocatória pode ter vários cunhos possíveis. Nesse caso será rescisória. Na revocatória, por exemplo, como diz a própria lei, você pode pedir o seqüestro, o arresto dos bens. Ora, nesse caso você estará falando em ação revocatória, mas a natureza é cautelar. Já quando você intenta ação revocatória e busca demonstrar que o ato foi praticado dentro do termo legal e daí a sua ineficácia, a sua natureza será declaratória. Você só vai declarar que o ato é ineficaz. Não é constitutiva porque ela não está anulando, está apenas declarando.

Pergunta de aluno: inaudívelDecisória de mesmo grau. É uma hipótese excepcional.

Vamos então prosseguir falando da habilitação dos créditos na falência.Vamos voltar lá para o início da lei, no art. 7º. Na verdade, a habilitação dos créditos, apesar de nós

estarmos falando em falência, servirá também para a recuperação.Vocês sabem a disposição da lei qual é. Primeiro ela trata das disposições comuns. Depois ela cuida da

recuperação judicial. Depois, da falência e depois, da recuperação extrajudicial.Então lá no início, quando ela fala da verificação e da habilitação dos créditos, a primeira idéia que deve

existir, antes mesmo de aprofundarmos no estudo, é que hoje foi muito aprimorado o processo de habilitação, a verificação dos créditos hoje foi aprimorada. Como era antes? Antes, nos arts. 80 e ss da Lei anterior, quando decretada a falência, todos os credores deveriam se submeter à habilitação. Imaginem a hipótese, que parece esdrúxula mas não é, falência sem nenhum credor. Era até comum isso: falência sem nenhum credor. E como pode ser comum a falência sem nenhum credor? Pelo menos um existe: o que requereu a falência. Pelo menos esse existe. Como é que não tem credor? É que mesmo esse que tinha requerido a falência ele tinha que se habilitar. E aí tendo um título de dois mil reais, não valia a pena se habilitar na falência porque se ia gastar muito mais para se habilitar e cuidar de todo o andamento do processo e deixava aquele troço de lado. Hoje você tem um mecanismo bem mais eficaz. O administrador, quando a falência é decretada, vai proceder à chamada, e vocês têm logo no início a alusão: a verificação do crédito.

Ele [o administrador], quando a falência é decretada, com base em toda a documentação existente, vai verificar quem é credor e quem não é verificado quem é e quem não é credor, pelos livros contábeis e pelos registros existentes, ele então publica o edital. Do edital constará quem é credor. Verificando no edital que você é credor e que o valor do crédito está correto, você não precisa fazer mais nada, pode ficar quieto. Não tenham dúvida que nesse edital estará contemplada a maioria dos credores. Antes acontecia o quê? Chegava uma pilha desse tamanho de processos de habilitação de crédito, são processos fininhos. Ali acontecia o seguinte: cada credor se habilitava, publicava por edital, encaminhava ao falido para ele se manifestar, o síndico, o Ministério Público e sentença. Cada habilitação daquela demandava uma habilitação específica. Isso atravancava muito o processo. Vários processinhos, autuação de cada um; tramitação de cada um. A maioria dos créditos só era de cinco mil reais, uma nota promissória certa, líquida e exigível. Não se discute. E hoje esses créditos constarão aqui do edital.

Mas e se você ler o edital e verificar que lá não está contido o seu crédito, que ele não está ressalvado, você tem duas alternativas, após o edital: você vai promover a sua habilitação – e aqui sim a habilitação tradicional - você se dirige ao juízo, apresenta a documentação que você tem, ou então você se valerá de um mecanismo dizendo: bom, eu aí estou, mas o valor está errado, o cálculo efetivo está errado, a correção monetária não foi contemplada, isto é, por qualquer razão por que você estiver lá listado mas por algum motivo o valor não está de acordo com o seu interesse. Aí, chama-se Divergência. Você apresentará a sua Divergência, que não é ainda impugnação.

Com base nas habilitações e nas Divergências apresentadas, novo edital é publicado. Nesse segundo edital é que efetivamente haverá força, lastro, para saber quem são os credores. Vejam que isso aqui ainda não e o Quadro Geral de Credores. É apenas um edital. O administrador, com base na documentação que ali estava elaborou uma primeira listagem. Com base nessa primeira listagem, alguns se habilitam e outros apresentam divergência. Ele [administrador] tem uma segunda oportunidade – vejam, sem a intervenção do Ministério Público e do juízo da falência, ainda, em procedimento extra-judicial – e com base nas habilitações e nas divergências publica um novo edital. Nesse edital aqui é que você poderá impugnar, é que poderá haver a impugnação. É com base nesse edital aqui que, vamos dizer assim, a questão se jurisdicionará. Aqui é que o Judiciário, o Ministério Público, os credores poderão analisar o que foi feito. E é através das impugnações é que se julgará. Impugnou. Qual é a prova que você terá de que o predito não está certo? Pode haver audiência? Pode, não há problema nenhum. Julgadas as impugnações, aí sim nós vamos formar o Quadro Geral de Credores, sendo que os que

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estiverem aqui no primeiro edital sem nenhuma resistência, automaticamente irão para o Quadro Geral de Credores. E aqueles que tiverem sofrido ou por parte do Ministério Público ou por parte de algum credor alguma impugnação, só com o julgamento da impugnação é que irão ao Quadro Geral de Credores. Não tenham dúvidas, e talvez a maioria não tenha experiência prática, mas isso aqui é um dos pontos mais importantes da Nova Lei de Falências porque nós teremos um Quadro Geral de Credores formado rapidamente.

Falência significa: eu entro na sua casa bagunçada, vou tentar arrumar e depois saio. O que é isso? Eu entro, busco todo o ativo, vendo e com o produto eu pago. Se eu vou conseguir pagar todo o passivo ou não é outra história. Acabou, eu vou embora.

Agora para eu conseguir pagar eu preciso de um Quadro Geral de Credores.Várias e várias falências já tramitam por oitos anos e nada de Quadro Geral de Credores elaborado

efetivamente.Esse, então, é o quadro hoje de habilitação. Vamos tratar, pois, das questões polêmicas.O primeiro ponto é o seguinte: qual é o título que pode instruir a habilitação de crédito? Porque se seu

nome já constar do edital você não precisa se habilitar, então não há que se falar em apresentação de título. Veja, antes, todo mundo tinha que contratar um advogado para se habilitar. Isso também é uma questão que chegou ao Judiciário várias vezes: o credor pode se habilitar sozinho? Não porque ele não tem capacidade postulatória e aí o que acontecia era que créditos de até cinco ou dez mil reais não se habilitavam. Os quirografários, por exemplo, com crédito de três mil reais – vejam: se você desenvolve uma pequena atividade, um crédito de três mil reais representa muita coisa. E quanto um advogado vai me cobrar para me habilitar e para acompanhar o processo? No mínimo isso. Hoje isso [elaboração do edital de credores pelo administrador] atende ao princípio de acesso à Justiça, até na função social porque já estará contemplado mesmo que não se manifeste.

Mas e se eu não estiver contemplado? Qual é o título que deve instruir a habilitação? Isso foi, inclusive, objeto do último provão do Ministério Público quando se perguntou se uma duplicata sem aceite, protestada, sem comprovante de entrega de mercadoria poderia embasar o pedido de habilitação na falência. Na verdade, dando o floreio que quiser, a pergunta era: posso habilitar sem título executivo? E a resposta é: eu preciso de um título executivo para requerer a falência, mas não para habilitar o crédito na falência porque esse mecanismo a que você estará submetido, mostrando a origem do seu crédito, seja através de um escrito particular de dívida, seja através de uma duplicata sem aceite, protestada, sem comprovante de entrega, você pode promover, pode dar início à habilitação. Isso não significa que o pedido de habilitação estará julgado procedente. O processo de habilitação é autônomo. Na petição inicial do processo de habilitação você não precisa de um título executivo. E no curso da habilitação você tem que demonstrar o lastro do seu crédito [em outras palavras: o processo de habilitação é um processo de conhecimento. Se você não tiver um título executivo, pode demonstrar o seu direito de qualquer forma possível].

Aqui, num primeiro momento, conforme a Nova Lei de Falências, antes não era assim, quem vai analisar em um primeiro momento é o administrador, o que não impede, e isso já foi tratado pela doutrina: “ele está exercendo um papel de julgador?” Não, o que está sendo feita é uma análise prévia por ele, que será jurisdicionalizada. Poderá ser. A partir do momento em que ele aceita a sua habilitação e você está aqui, qualquer credor pode impugnar. O Ministério Público também poderá se valer disso. Então, a qualquer momento a questão pode ser jurisdicionalizada, pode ser suscitada novamente. Mas a partir do momento em que o crédito vai para o edital e ninguém impugna, o crédito vai direto para o Quadro Geral de Credores.

Tem que se entender o seguinte: no momento em que o segundo edital é publicado, todo mundo tem que parar e analisar com profundidade o que está ali, conferir cada um dos créditos ali mencionados. Isso incumbe ao Ministério Público e a todos os credores interessados.

A lei diz, no art. 9º, parágrafo único, que o título poderá ser:

Art. 9º. A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º desta Lei deverá conter:[...]Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo.

Isso aqui está gerando problema. Pode a cópia substituir o original? Para fins de habilitação de crédito quando o título for título de crédito? Porque se você não precisa de título executivo, a cópia do espelho da dívida pode. Agora cópia autenticada de título de crédito pode? Isso viola o quê? O princípio da cartularidade.

“Mas Márcio! Você não falou que não precisa de título executivo?”. É mais isso aqui não tem nada a ver porque eu não estou exigindo que você traga título executivo. Estamos exigindo que você traga o título de crédito para fins de que? Para que não corra qualquer risco? Para que alguém chegue daqui a um mês e se afirme credor do mesmo título com base em uma outra cópia autenticada. O título circulou. E se o título circulou, credor é aquele que está de posse da cártula do título de crédito.

Então, se for título de crédito, com base em princípio de direito cambiário, é lógico que você tem que juntar o título em original.

“Ah, mas e se o título tiver retido nos autos de outro processo judicial?” Bem, então vamos resolver isso com base no próprio Direito Cambiário. O Direito Cambiário cuida de hipóteses para solucionar essa questão, que são as exceções à cartularidade. E uma das exceções à cartularidade é essa: quando o título estiver retido nos

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autos de outro processo, certidão de inteiro teor, dizendo que nos autos do processo tal consta o título tal, tal e qual. E o sujeito, com essa certidão de inteiro teor, aqui apresenta. E ela é suficiente ou é necessária mais alguma providência? Pensando na cartularidade, qual é o receio que você tem? Você vai lá e apresenta a certidão de inteiro teor e habilita. O medo é alguém chegar e apresentar aquele título. Ele está preso naqueles autos, mas como? Materialmente ele está só grampeado. Vai que alguém, na confusão do cartório leva o título? E isso é relevante: quando você souber que há título de crédito, pede para certificar que quando você retirou e quando você devolveu o título estava lá. Já aconteceu comigo. O sujeito estava no desespero e comeu a nota promissória. É o caso que corre por aí. O Nagib [Slaibi Filho] conta isso por aí, ele conta muita história, mas isso aconteceu sim. Já teve gente que comeu cheque em Delegacia. Caiu em prova, já, para saber se isso era crime. Já caiu em prova de Notário, Tabelião, em prova de múltipla escolha: o sujeito, nos autos do processo, em frente ao servidor, comeu o título de crédito. E agora afirma não ser mais devedor de nada porque sumiu a cártula. Queriam saber qual é o crime.

Mas e aqui? Qual é o medo? Que o título suma daquele processo e venha para cá, prejudicando quem traz a certidão de inteiro teor. Qual a providência que deve ser tomada aqui para o caso de alguém arrancar o título lá do processo onde ele estava, para que a pessoa que o arranque não se aproveite desse título? Exigir que lá, de onde foi extraída a certidão de inteiro teor, no título, e não na folha onde o título está preso [porque normalmente a certidão é feita logo em baixo] ou seja, exigir que a certidão seja feita no próprio título, no verso, porque quem arrancar o título não vai ter nenhum proveito dele. O título não vai conseguir circular. Título de crédito traduz um princípio de direito cambiário. Tudo que eu preciso saber está nele, está na cártula. Quando eu for negociar com ela, quando eu for comprar o carro dela e pagar com um título de crédito, eu tenho que entregar o título. Não basta uma cópia autenticada porque cópia autenticada ela não vai aceitar. Isso é cartularidade. Quando eu entrego e você lê, isso se chama literalidade. E quando você fica calado e não me pergunta quem emitiu o título, quem são os endossantes, isso se chama autonomia. É o contrário de um contrato. Num contrato quando a pessoa recebe, ela lê e pergunta; quem é essa pessoa? Entregou a mercadoria? Ta falido ou não está? Traz certidão disso... Mas quando se trata de título de crédito, não se faz nenhuma pergunta. Ou aceita ou não aceita. É o princípio da autonomia. Quando eu for tentar entregar a ela um título, ela vai pegar a cartularidade e quando ela for ler, ela verá a certidão e recusará. Princípio da literalidade. Se ela receber aquele título ela terá problemas para receber o seu crédito.

Então, não é que a simples certidão de inteiro teor não valha. É que há cautelas inerentes à particularidade dos títulos de crédito.

Você não pode, de jeito nenhum, é tirar a ilação de que poderia instruir a habilitação com cópia autenticada do título executivo, como afirmado em São Paulo, em um evento promovido pela Fundação Getúlio Vargas. Eu não quero nem saber quem disse isso. Vamos pensar. No art. 9º, parágrafo único, está se falando do processo de habilitação, que é um processo que não demanda título executivo. No art. 94, I, Nova Lei de Falências, na hipótese de impontualidade, exige-se um título [não necessariamente executivo] protestado. Em segundo lugar: título executivo é amplo, é gênero. Já título de crédito é restrito, é espécie, em que vige o princípio da cartularidade, em que você não pode dispensar jamais a cártula. E isso é pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Tem julgados inclusive sobre nota promissória, cópia autenticada de nota promissória. As pessoas perdem o título. Por exemplo, o banco, quando você compra o carro em trinta e seis vezes, ele normalmente exige que você assine trinta e seis notas promissórias. E a cada mês que você paga a parcela do carro o banco te devolve a nota promissória? Não. Você quita o carro e eles te devolvem alguma nota promissória? Não. Na maioria das vezes ele perde a nota promissória, não sabe onde está. Hoje, em contratos novos, eles fazem com que você assine cédulas de crédito bancário. Eles não exigem que você assine notas promissórias. Então, se você não paga nenhuma parcela eles dizem: “se você não me pagar, eu vou buscar e apreender o carro. Não está hipótese de alienação fiduciária, mas eu vou me reintegrar da posse como se fosse leasing.“ Aí eu quero pagar pelo carro mas quero as promissórias de volta. E se ele não achar as promissórias? Eu vou consignar o valor e ele não vai conseguir levantá-los a não ser que ele faça um acordo com você, levantando os juros que estão ali porque a cartularidade é importante a esse ponto.

Ofício da Justiça do Trabalho dizendo assim: “habilite o credor trabalhista tal porque ele é vencedor da demanda”. Esse ofício pode instruir o requerimento de habilitação? Não precisa ser título executivo. É um ofício da Justiça do Trabalho dizendo que realmente a pessoa é credora. Pode instruir a habilitação, sim, só que, por cautela, embora não esteja escrito na lei mas é sempre exigido, que se junte a cópia da sentença e a cópia do trânsito em julgado da sentença porque as pessoas fraudam demais os créditos trabalhistas. Há a famosa simulada. O que é isso? O sujeito manda o empregado embora e diz ao empregado assim: “vou te pagar isso aqui mas você vai ter que receber o resto na justiça. Deixa que esse advogado aqui resolve tudo para você, porque ele já tem uns contatos lá”. Aí marcam a audiência, o empregador finge que nunca tinha visto aquele advogado lá antes e eles fazem um acordo, que é homologado, que vai transitar em julgado. Tem advogado que ganha mil reais por cada simulada dessa. É um mercado. Tem gente que só faz simulada. E quando não, a fraude existe quando, prestes a falir, ou recuperação, como foi no caso da ENCOL, eu trabalho há quarenta anos numa companhia, por exemplo, estou próximo a aposentadoria, não me aposentei porque não quis e agora estou prestes a ir para a rua, estou com 68 anos, não vou arrumar emprego em lugar nenhum, vou ficar na pior? De jeito nenhum! Chego perto de um amigo meu de trabalho em mesma situação e falo para ele: “Vamos arrumar a nossa mala?”. “Vamos. Como?”. “Olha, eu vou entrar pedindo três milhões de reais e você vai lá na qualidade de preposto e a gente faz um acordo por dois milhões de reais”. No mês seguinte ele entra com a ação e o primeiro

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vai na qualidade de preposto, ou alguém já mancumunado. E aí, há sentença com trânsito em julgado. E aí? O ofício é válido? Nós estamos vendo claramente que essa pessoa não é credora de dois milhões de reais. E é a mesma hipótese para o seguinte fato, cujo desfecho é o mesmo: um suposto credor trabalhista chega se habilitando afirmando ser credor trabalhista, juntando a sentença. O próprio administrador olha e diz: “quando essa sentença foi proferida eu já era administrador. Se eu já era administrador, a falência quando foi decretada, a ação trabalhista continua? Continua. Mas a exigência qual é? Que a massa falida assuma a pólo passivo e quem irá representar a massa falida é o administrador. Então ele [administrador] diz: “a falência foi decretada e a ação trabalhista seguiu. A sentença lá é posterior e eu não participei disso, em segundo lugar: ela dá informações ao próprio devedor, agora falido, e o devedor não reconhece o sujeito, e afirma que aquele sujeito nunca trabalhou lá. Isso é uma fraude”. Isso aqui e o caso anterior são dois casos que chegando aqui no juízo falimentar verifica-se uma fraude clara, que nem credor, nem empregado ele era, e no outro caso, ele era empregado, mas ele fraudou o valor num esquema qualquer. A ENCOL está lá cheia de ex-empregados, de alto escalão, com créditos de três milhões de reais, dois milhões e quinhentos mil reais, até de quatro milhões de reais tem. E o que fazer aqui no juízo falimentar nesse momento da habilitação? O que o administrador deve fazer quando isso for apresentado para elaborar o edital? Pode o administrador dizer que ele é credor e que ele não é credor? E nesse momento ele estaria dizendo quem é e quem não é credor? Ele estaria exercendo jurisdictio? O direito não será dito por ele, mas ele tem que fazer alguma coisa. O que ele pode fazer é deixar de apreciar aquela habilitação porque parece que há algo estranho e se há algo estranho ele não vai contempla-la no edital. Ele não pode dizer se a questão trabalhista está certa ou se está errada. Ele não tem nem esse poder. Então, ele vai considerar que naquele momento aquelas pessoas não podem constar daquela listagem de credores. Aqui, o que esses supostos credores farão? Apresentarão impugnação e com essa impugnação a questão estará jurisdicionalizada. Então se afirmarão credores trabalhistas e apresentarão sentença com trânsito em julgado. Aí os autos vão para manifestação do Ministério Público e depois para conclusão por sentença, seja para incluí-lo no Quadro Geral de Credores ou não. O que você deve fazer? Na impugnação, você pode dizer “não” para um crédito habilitado como correto? Nos dois casos o problema é trabalhista. Você está aqui no juízo falimentar. Você pode meter o dedo em questão trabalhista? Não! Porque: 109, I. CR. A competência trabalhista é de lá. Tanto que no mesmo patamar do art. 109, I, está dito: competência falimentar é da competência de cá. E vocês estão lembrados de quando eu falei do pedido de reserva, tem um pedido de reserva no art. 6º, § 3º, que é inconstitucional porque seria a Justiça do Trabalho determinando a reserva aqui, não pode. O vento que vai, volta. Então aqui a gente não pode aqui botar o dedo lá. E qual será então o desfecho dessa impugnação? Tem que pagar? Você vê que é fraudulenta, o falido diz que a pessoa nunca trabalhou para ele e mesmo assim tem que pagar? Tem que contestar isso de alguma forma. Então suspende a impugnação porque existe uma prejudicial externa, qual seja, você chama o administrador – se já não o tiver chamado – e manda ele chamar o advogado que ele contratou para a massa falida e vá lá na Justiça do Trabalho resolver esse problema, já que aqui na falência não tem como resolver esse problema. Aqui a gente não pode dizer nem que vai habilitar nem que não vai habilitar. Suspende, há uma prejudicial externa. E quando lá estiver resolvido, nós aqui daremos andamento a essa impugnação. É esse o caminho. A probabilidade de ter êxito lá é muito grande, porque lá já se fala que há um direito processual próprio, embora não seja, eles acham que há. E isso funciona como uma blindagem: e se eles disserem juiz – TRT – TST que é então é. Hoje já há uma blindagem lá e eles começam a criar regras próprias, como, por exemplo, a relativização da coisa julgada. A gente sabe que existe, mas não da forma como eles fazem lá. Isso quer dizer o seguinte: lá se há uma decisão transitada em julgado eles vão lá e julgam de novo. Marcam acordo, fazem e depois rescindem em cima daquilo. Acontece direto: sentença com trânsito em julgado. Põe ele na pauta do dia, faz acordo, o mesmo juiz rescinde a sentença anterior e está aí um novo título judicial. Não adianta recorrer. Já gastou quatro mil reais no primeiro grau, vai gastar mais oito mil reais no segundo grau. Esta aí: doze mil reais e não vai resolver nada. Lá você vai ter grandes chances de êxito para a massa falida, porque vai conseguir demonstrar a fraude. Esta sempre foi a preocupação do legislador porque ele sempre soube da existência dessas fraudes. A ENCOL sempre foi citada, inclusive na discussão do Projeto de Lei que resultou na Nova Lei de Falências: a ENCOL tem habilitações absurdas e tal. E qual foi o caminho que eles acharam? E não foi para resolver como nós resolvemos agora, corretamente, como a jurisprudência cível estava tratando... Limitaram a habilitação do trabalhador em cento e cinqüenta salários mínimos. A razão da limitação está aqui. A razão é essa: para que não venha de lá [Justiça Trabalhista] uma indenização milionária e aí a Justiça Estadual não mete o dedo na indenização milionária... Só que o pressuposto está errado porque a Justiça Estadual nunca pôde meter o dedo na indenização milionária. Tem que resolver lá [na Justiça do Trabalho]. Mas eles arranjaram uma solução mais simples: limitar em cento e cinqüenta salários mínimos. Instituíram o socialismo: cada um só pode ganhar até tanto. O resto vira quirografário, espera, e [na prática] não vai receber. É uma questão muito delicada e o Supremo não vai decidir isso tão cedo. Vocês sabem que existe uma ADIN contra esse teto dos cento e cinqüenta salários e ela é extremamente delicada. Para você dizer que esse teto é inconstitucional não custa muito.

Pergunta de aluno: inaudívelCada impugnação vai ganhar uma autuação própria, um destinozinho. Aqui você não vai fazer a reserva

automaticamente, você até pode, com base no poder geral de cautela. Esta pessoa aqui pode fazer o pedido de reserva, sem problema nenhum, e é até aconselhável que peça.

Pergunta de aluno: inaudível

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Você habilitou o seu crédito direitinho. Habilitou os cinqüenta mil reais sem problemas, ninguém impugnou. Só que os cento e cinqüenta salários mínimos foram excedidos. Como é que vai para o Quadro Geral de Credores? Fracionado. Até os cento e cinqüenta salários fica lá em cima [como crédito trabalhista] e o restante fica lá embaixo, como quirografário. Vai lá para baixo, sem problemas. Só não vai receber. Como vocês sabem, hoje não há mais concordata suspensiva. Então, se for à falência não tem mais jeito e o quirografário não vai receber. Mas se o caso for de recuperação, aí o quirografário vai ter esperança.

Pergunta de aluno: inaudívelNão, mas aí não poderá porque na Justiça do Trabalho a ação correrá até a fixação do valor do crédito,

ou seja, até o trânsito em julgado da sentença. A execução, que poderia até alcançar a pessoa do sócio com a desconsideração, que eles adoram e lá é um perigo, lá aí não pode. Não pode executar lá. Aferido o crédito, tem que vir para cá [juízo falimentar].

Pergunta de aluno: inaudívelPrecisa. Essa controvérsia estava superada já. Tem que ter a presença de advogado e as pessoas nem

insistiam mais nisso.

Pergunta de aluno: inaudível.Há divergência aqui também. É sobre capacidade postulatória. Para falar, para se manifestar em juízo

tem que ter advogado.

INSS se habilita. Questão da penúltima prova específica do Ministério Público. Já caiu na magistratura também, mas muito lá atrás. O INSS se habilita. Qual deve ser o destino dessa habilitação? O administrador verificou que havia sim crédito do INSS mas ele não tinha listado esse crédito. O INSS então se habilita. Isso está correto. Se o INSS já está no edital e está tudo certo, se o INSS concorda, ele fica quieto, não faz nada. Se o INSS discorda de alguma coisa, é Divergência que eles chamam agora, não é habilitação. Se a Divergência for acolhida, vai constar do segundo edital e pronto. Acabou. Se a sua Divergência não é acolhida pelo administrador, e por isso não consta do edital, aí sim você vai formular impugnação vai repetir a argumentos daqui [da divergência] na impugnação. Aí sim a questão estará jurisdicionalizada.

Pergunta de aluno: inaudível.Porque é em juízo, não é extra-judicial. É um procedimento que é prévio, mas é nos autos de um

processo judicial. são medidas que são tomadas aqui sem jurisdição, sem jurisdictio. Por exemplo, o serventuário vai lá, carimba, certifica. Isso é ato jurisdicional? Não, mas é no curso de um processo judicial. é um ato praticado no processo, é um ato processual. Então é um corolário natural. Já já haverá a jurisdicionalização, a manifestação.

Pergunta de aluno: então tem que ter advogado?Sempre. Para postular em juízo tem sempre que ter advogado.

Pergunta de aluno: quem vai apreciar a divergência é o administrador?Ele vai, na verdade, ele não vai decidir. O termo stricto sensu senso não seria decidir, mas lato sensu

seria decidir sim. Stricto sensu seria verificar. É até o termo que a lei se utiliza: ele vai verificar o crédito. Se ele concordar, vem para cá [o crédito vai para o edital]. Se não, vai continuar [a análise vai se jurisdicionalizar]. É só um momento em que você pode... Vamos fazer uma analogia nos autos do inquérito policial ele pode vir a ser réu ou não. Ao final, pode-se concluir que ele foi indiciado errado e tal. E aí está resolvido. Ele não usou advogado, não foi ao Judiciário e está tudo resolvido. É um momento anterior.

Pergunta de aluno: inaudívelA verificação, eu chego, leio o que existe, vejo que não está arrolado e ponto final. Na verdade, mesmo

aquele que foi contemplado num primeiro momento direitinho, ele não segue o procedimento mas, se você for pensar, ele já passou pelo crivo de todo o procedimento. Sem que cada um tivesse que falar “concordo” [falido, Ministério Público, síndico] para que haja habilitação. Então ele passou por todo o crivo, embora ninguém tenha se manifestado até ele ser incluído na lista [no edital de credores].

Voltemos ao INSS, que até já caiu em prova. O INSS se habilitava dizendo o seguinte: “eu estou me habilitando porque não me foi repassada a quantia descontada dos empregados”. E ele se habilita para receber o seu crédito junto com o do Fisco. Não seria pedido de restituição? A questão sempre foi essa. O INSS não estaria sujeito a habilitação, mas a pedido de restituição. O INSS tem que buscar a restituição porque o dinheiro é dele. Ele não é credor da massa falida. Aquele dinheiro era dele e teria sido arrecadado indevidamente. Esta sempre foi a idéia maior. Acontece que você precisa saber se esse dinheiro foi efetivamente retido, se esse dinheiro foi efetivamente descontado do empregado. E isso você alcança através de uma perícia contábil. A falência tem um perito, hoje, ainda mais claro na nova lei, a falência e a recuperação têm sempre perito contábil, uma assessoria contábil lá nos autos. Aí se indaga: “perícia contábil, há como se identificar se lá atrás houve mesmo a retenção?” Se ela disser que não houve retenção alguma, que só havia dinheiro para pagar os empregados. O salário era de mil reais, mas pagava ao empregado só novecentos reais dizendo que reteria cem reais para o INSS e a perícia

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concluir que lê nunca teve os mil reais, que só tinha os novecentos reais, os cem reais não foram desviados. Como é que ele ia se apropriar de algo que ele não tinha? E você vai saber se é caso de pedido de restituição ou de habilitação conforme isso. Se não houve retenção efetiva, a hipótese será de habilitação, e não de restituição.

Pergunta de aluno: inaudívelNão, aí se for o INSS na qualidade de crédito fiscal, ele não estará sujeito à habilitação porque crédito

fiscal não se sujeita a habilitação. Então, se o crédito é fiscal, ele se apresenta, pelos arts. 186 e 187, Código Tributário Nacional.

Pergunta de aluno: inaudívelToda vez que houver uma impugnação referente a crédito trabalhista, a questão tem que ser resolvida

pela Justiça do Trabalho, se não vai ser inconstitucional.Vai sair uma obra coletiva publicada pela Editora Forense, coordenada pelo professor Penalva Santos,

na qual eu escrevi um capítulo sobre a atuação do Ministério Público na falência, na Nova Lei de Falências, e a habilitação de crédito. E foi aí que eu vi a dúvida sobre se a habilitação e a impugnação vão correr lá [perante a Justiça do Trabalho]. Não. A impugnação é aqui, mas a solução é lá, através dos mecanismos trabalhistas. Senão você vai ter inconstitucionalidade, porque vai interferir na seara alheia.

Credor fiduciário: o credor fiduciário pode se habilitar? O credor fiduciário é aquele que decorre de contratos de alienação fiduciária em garantia. Ele pode se habilitar? E se ele se habilitar essa habilitação pode correr? Pode ela se efetivar ou não? Ele tem garantia. Pode ele requerer a falência de alguém? Em regra não pode porque ele não tem interesse de agir. O interesse de agir é demonstrar ao Judiciário que aquela pessoa [o devedor] está presumidamente insolvente tem um automóvel e ele pode alcançar esse automóvel para a satisfação do seu crédito, como essa pessoa está presumidamente insolvente? Não tem interesse de agir. Agora, se ele renunciar à garantia, é uma questão teoria que existe porque ninguém vai renunciar à garantia, aí é possível que ele requeira a falência. Ou então, quando a garantia for insuficiente. Se a garantia for insuficiente aí sim vai haver interesse de agir e o credor fiduciário vai poder requerer a falência pela diferença. Mas e aqui na habilitação? Ele pode se habilitar? Você chega e se depara com a habilitação do credor fiduciário que pretende ingressar no Quadro Geral de Credores. Faltaria interesse de agir! Mas se ele demonstrar a insuficiência da garantia ou renunciar a ela, aí, sim, ele pode se habilitar. Ou então quando você vai buscar e apreender o bem e se constata que o bem desapareceu. Aí ele é credor, mas passa a ser credor quirografário. Então nesse caso ele também vai poder se habilitar. Isso pode acontecer aqui pela habilitação, ele vem e se habilita, ou então isso acontece quando da restituição. Nós sabemos que, quando o pedido de restituição for improcedente, art. 89, Nova Lei de Falências, se for o caso, e esse é um dos casos, a própria sentença que julgar improcedente a restituição ela poderá incluir o credor no Quadro Geral de Credores: julgo improcedente o pedido de restituição porque o automóvel desapareceu, mas como eu reconheço que o autor é credor, incluo-o, desde logo, no Quadro Geral de Credores. Então é uma outra hipótese do art. 89 em que o sujeito chegará ao Quadro Geral de Credores.

Aqueles credores que perderem o prazo para a habilitação, que chegarem após o prazo para habilitação chamam-se credores retardatários.

Eu não sei porquê, mas as pessoas pensam, e pensavam até sob a Lei de Falências/45, que havia um outro Quadro Geral de Credores só para os credores retardatários. Então teria um quadro para aqueles que chegaram na hora e um quadro para os retardatários. Nada disso! Completamente errada essa idéia, tanto na Nova Lei de Falências quanto na Lei de Falências/45 o credor retardatário sofrerá que tipo de ônus? Ele então chega e recebe a falência no estado em que ela se encontra. Se ele chegar e nenhum dinheiro tiver saído ainda, se não se pagou ninguém, ele não terá problema algum. Ele só terá algum problema se quando ele chegar o dinheiro já tiver se esvaído. Mas se ele chegar até a data do pagamento, ele pode chegar e se for trabalhador, vai lá para cima; se for credor com garantia real, idem; se for quirografário, vai lá para baixo. Até o dia do pagamento ele alcança a falência no estado em que se encontra. Não modificou nada. Modificações na Nova Lei de Falências são as seguintes: primeiro: se você não for credor trabalhista, você não vota. Isto é, se você for não credor trabalhista retardatário, você não pode votar. Já o credor trabalhista, ainda que retardatário, pode votar. Já expliquei para vocês: art.10, § 1º e § 3º.

Pergunta de aluno: inaudívelDepois do momento do pagamento, não. O pagamento tem que se dar atendendo tanto, para a

ordenação do Quadro Geral de Credores, atendendo a uma ordem vertical e depois, no pagamento de cada espécie, atendendo a uma ordem horizontal, proporcionalmente, cheguei na classe de trabalhadores. Tenho dinheiro para pagar a todo mundo? Tem. Ótimo. Paga-se todo mundo. Chegou na classe tal. Tem dinheiro para pagar todo mundo? Não. Tem quanto? Tem “x” por cento. Então paga “x” por cento para cada um daquela classe e acabou o dinheiro.

Outra questão nova é a das custas. E isso modifica as coisas na prática porque na prática as custas

sempre foram devidas em habilitação. A habilitação sempre recolheu custas. Aquele que tinha que se habilitar sempre recolheu custas. A Nova Lei de Falências muda essa idéia, ela introduz uma modificação porque ela dirá que o retardatário pagará custas. E se ela diz que o retardatário pagará custas ela está dizendo, a contrario sensu

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que o não retardatário, não recolherá custas, o que também torna mais barata a habilitação e favorece o acesso à Justiça. Está previsto aí também no art. 10, § 3º.

Pois bem. Vamos agora tratar das Classes de Credores.Quando se for organizar o Quadro Geral de Credores, é de se observar as classes de credores. E aqui

está um dos institutos mais marcantes do chamado princípio par conditio creditorum, a paridade, a igualdade entre os credores. A igualdade, a paridade, há porque recebe primeiro quem precisa mais e recebe por último quem precisa menos. E aí está o princípio da igualdade, está justamente traduzido nessa idéia. E esse princípio da igualdade estará traduzido não só no plano vertical, como também no plano horizontal. O plano vertical, a sua ordem a lei estipulou no seu art. 83 e no plano horizontal, o princípio da paridade se apresentará quando for necessária a observância de rateio entre credores da mesma classe, observando-se a proporcionalidade. Como isso ocorre? Chegamos ao início da fila, para fazer o pagamento dos credores trabalhistas e de acidentes de trabalho de até cento e cinqüenta salários. Quanto é que todos eles representam? Duzentos mil reais. Quanto nós temos? Trezentos mil reais. Ok, pagam-se a todos integralmente. Segunda da fila: credores com garantia real. Quanto é que eles valem? Duzentos mil reais. Quanto temos? Cem mil reais. Ótimo. Quanto é isso? Cinqüenta por cento. Isso significa que cada credor receberá proporcionalmente ao seu crédito. E não há, nem nunca houve, nenhuma obrigatoriedade para que se contemple todos os integrantes da classe. Você vai pagando enquanto houver dinheiro. Quando acabar o dinheiro, acabou e pronto. Por isso eu sempre me insurgi contra a idéia de que a falência é uma execução coletiva. Não é mesmo porque a execução é um processo que só se encerra quando o crédito for satisfeito. O processo pode ficar suspenso... O juízo não sossega enquanto o crédito não estiver satisfeito. Aqui [na falência], a questão da satisfação dos créditos é uma questão secundária, lateral. O importante é arrumar a casa. Se eu vou conseguir arrumar ou não é outra coisa. Então se conseguir pagar todo mundo ou não é mero detalhe. Não pensem que se chega abaixo do Fiscal. Satisfeitos credor trabalhista, credor com garantia real e credor fiscal, acabou o dinheiro com certeza. Ninguém mais recebe. Por que abaixo do credor fiscal ninguém recebe? Tem uma questão prática e uma questão teórica. A questão prática é que o primeiro que você deixa de pagar é o Fisco. Pode parar para pensar em você mesmo, pessoa natural. O dia que apertar em casa, a primeira coisa que você não paga é o IPTU, depois taxa de incêndio, taxa de coleta de lixo, taxa de iluminação pública... São os tributos que você deixa de pagar. E depois? É o INSS do empregado doméstico. Por último é que vêm as despesas da casa: colégio das crianças, plano de saúde, folha de salários dos empregados com certeza é a última coisa que você deixa de pagar porque ele precisa viver também. Então se deixa de pagar o Fisco por outra razão que não é tão prática: ele é um credor relevante, sim, mas como hoje já foi salientado, o Fisco não é um credor sujeito a habilitação. art. 186 e 187 do Código Tributário Nacional, que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já dirimiu, como visto lá trás. A Corte do Superior Tribunal de Justiça já disse como se interpretam os arts. 186 e 187, Código Tributário Nacional. O art.186 diz que o fisco recebe antes de todo mundo, salvo trabalhista. O art. 187, Código Tributário Nacional, diz que o fisco não se sujeita a processo de habilitação. E o Superior Tribunal de Justiça dirimiu a interpretação desses artigos à luz da lei anterior e o mesmo raciocínio vale para a lei nova: FISCO não recebe antes do trabalhista, mas recebe na falência. Embora você não tenha que se habilitar, você vai sim se classificar no Quadro Geral de Credores. Ele tem que se apresentar na falência. O máximo que se pode fazer é separar o que é principal do que é multa, correção, juros, etc. e depois insere-se no Quadro Geral de Credores. O Juiz nem prolata sentença. Apenas despacha: “inclua-se no Quadro Geral de Credores”. Mas às vezes não se tem como identificar, como separar o principal do restante, e nesses casos, e também quando o administrador achar que o valor esta exorbitante, o que ele irá fazer? Ele vai ter que cuidar disso lá na execução fiscal. E há dois.julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre isso. Um deles é lá de São Paulo. Admitiu a legitimidade do Ministério Público para embargar a execução. Vejam a extensão disso. O promotor aqui da Curadoria de Massas Falidas, vislumbrando que há uma execução fiscal em curso, em que o valor é absurdo, ele vai lá na outra vara, seja na Justiça Estadual, seja na Justiça Federal e embarga aquela execução dentro do prazo. E a questão que chegou ao Superior Tribunal de Justiça foi a da legitimidade: tem o Ministério Público ou não legitimidade para esses embargos? E o Superior Tribunal de Justiça disse, por duas vezes já, que o Ministério Público tem legitimidade, sim. Mas fora isso, o FISCO se apresenta nos autos e é incluído no Quadro Geral de Credores. Por isso que aqui [na falência] normalmente o valor é estratosférico.

Pergunta de aluno: inaudívelNão, ela não está sujeita a esse sistema, nada disso. O administrador vai ter que ir lá no juízo específico

embargar a execução fiscal. Pode pedir reserva, sim, claro que pode, enquanto não está decidido. E a Fazenda sempre pede reserva. Quando ela pedir a reserva, tem que se deferir aqui com aquela condição de que a reserva só surtirá efeitos quando chegar a hora de pagar. Se eu não tiver dinheiro para pagar os trabalhistas, não posso respeitar a reserva formulada pela Fazenda. Se eu tiver dinheiro para pagar todos os trabalhistas e passei pelos credores com garantias reais, aí sim eu respeito a reserva da Fazenda. É uma reserva sob condição. E vocês conhecem o quadro fiscal: primeiro a União, depois os Estados e só depois os Municípios. Mas não viola a igualdade? Eles não são autônomos? Onde está escrito? No art. 187, § 1º, Código Tributário Nacional: no plano do Fisco, primeiro a União, depois os Estados e só depois os Municípios. E o Supremo Tribunal Federal já disse que isso não é inconstitucional. E como não, se os Municípios, os Estados e a União são independentes, autônomos? Como se explica esse dispositivo não ser inconstitucional? Na Constituição da República, vamos dizer assim, lá na parte geral, está dito que a União, os Municípios e os Estados são independentes e autônomos.

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Mas, vamos dizer assim, na parte especial, específica sobre arrecadação, ordem econômica e tributária, lá sim você tem uma regra sim sobre arrecadação e divisão dos tributos. E qual é o foco arrecadador? Quem é o destinatário? É a União, o Município arrecada e manda o dinheiro para a União. O Estado arrecada e manda o dinheiro para a União. Por isso que a gente ouve falar tanto em repasse. E repasse de quê? Por que ela é quem repassa? Porque ela é o foco arrecadador. É ela quem centraliza o dinheiro, para alcançar o nome União. Para que um Município lá de longe possa receber. Por isso é que fazem o maior estardalhaço! O Estado de São Paulo, o Estado do Rio de Janeiro foram os que menos receberam da União. Claro! Eles arrecadam muito dinheiro de ICMS, não precisam de tanta verba da União. É com base nisso que a União é quem primeiro recebe: porque, em última análise, é ela quem vai redistribuir para quem mais necessita.

Antes de ingressarmos efetivamente no Quadro, será que antes de pagar os trabalhistas tem algum crédito, alguma satisfação a ser feita? Existem três: primeiro existe um crédito chamado de extra-concursal. O extra-concursal, na nova lei, está disposto no art. 84. E aí o que todo mundo identifica de plano é essa classe de credores, os extra-concursais. São aquelas despesas referente à administração, ao desenvolvimento da própria falência: preciso de dinheiro para remover os bens de um depósito para outro, preciso de dinheiro para pagar um honorário qualquer. Essas quantias são as chamadas extra-concursais. A lei anterior não as previa, mas elas já existiam na prática. Na lei anterior, teoricamente, não poderia liberar nenhum valor antes do efetivo pagamento dos credores. Mas como fazer a falência prosseguir sem liberar nenhum numerário antes do pagamento efetivo dos credores? Não tinha como. E a Nova Lei de Falências fez somente contemplar os extra-concursais que já existiam sob a égide da Lei de Falências/45. Mas será que isso é verdade? Será que a quantia vai sair antes do pagamento o Quadro Geral de Credores para os extra-concursais? Será que não existe ninguém antes que vai fazer com que o cofre seja esvaziado? Quem pode fazer com que o cofre seja esvaziado antes do pagamento dos credores e do pagamento dos extra-concursais? O pedido de restituição. Então, antes mesmo do pagamento dos credores e dos extra-concursais você tem que atender aos pedidos de restituição. Aquela Antecipação do Contrato de Câmbio, ou então alguma outra arrecadação de dinheiro, ou então quando o bem já foi alienado. Nestas hipóteses você buscará a restituição. Mas será que é verdade? Será que não existe outro alguém que será responsável pelo esvaziamento do cofre antes do pagamento das classes dos credores, dos extra-concursais e dos pedidos de restituição? Há sim um item que pode fazer com que o cofre se esvazie e isso está no art. 151. O art. 151 vai dizer que, imediatamente, havendo dinheiro, deverá ser pago os trabalhadores, referentes aos três últimos salários, totalizando-se até cinco salários-mínimos. Então, no montante de até cinco salários-mínimos os credores trabalhadores devem ser satisfeitos até os três meses anteriores. É cinco salários-mínimos não por mês, mas pelo total. Essa medida veio para atender aqueles trabalhadores que tenham necessidades preementes. Mas uma vez taxaram, tabelaram, impuseram um socialismo na Nova Lei de Falências. O trabalhador tem que pagar contas, tem que viver também.

Pergunta de aluno: inaudívelMas isso aí vai ser qualificado como débito alimentar, e débito alimentar não está sujeito a Quadro Geral

de Credores. É uma exceção à universalidade do juízo falimentar. Antes estava no art. 23, parágrafo único, Lei de Falências/45 e hoje não está explicitado, mas se chega a isso com base no art. 5º, Constituição Federal, do preceito constitucional de que o débito alimentar deve receber um tratamento diferenciado. E como ele sempre recebeu um tratamento diferenciado, isso não poderia mudar com a Nova Lei de Falências [vedação do retrocesso].

Montado o Quadro Geral de Credores, não resta mais nada a não ser vender, liquidar, para tentar pagar. É o chamado momento de liquidação. Veja que agora é assim: momento de liquidação, já que não há mais fase de liquidação. Na lei anterior nós tínhamos três fases e a terceira fase era a fase de liquidação. Hoje nós temos é um momento de liquidação. Muito embora estejamos falando dele assim, ao final do estudo de falências, ele não acontece no final. Ele já estava acontecendo, na ordem cronológica, logo após a sentença de falência. Ele já vinha acontecendo. Enquanto isso tudo que a gente vinha falando [pedido de restituição, efeitos quanto aos contratos...] estava ocorrendo, também estava ocorrendo o momento de liquidação,já que ele era imediato à sentença de falência.

Todo o raciocínio do momento de falência se encontrará no art. 75, Nova Lei de Falências, porque é o art. 95 que trata da função social. Então, toda vez que você for alienar você vai buscar a melhor alternativa para buscar a função social da empresa.

Nós falamos lá trás na arrecadação. E nós vimos que na arrecadação você não vai encontrar, cada dia mais isso vai acontecer, você não vai encontrar bens palpáveis, bens móveis, bens imóveis. A cada dia que passa o bem móvel se torna obsoleto. Bem imóvel nem se fala. Ninguém enterra mais dinheiro em imóvel. Nem mesmo a pessoa natural está se valendo mais disso. Algumas pessoas naturais estão se valendo de mecanismos os quais elas investem o dinheiro em um imóvel e ao final de dois anos, 100% de rentabilidade. Vários condomínios da Barra da Tijuca, muito em breve ela [Barra da Tijuca] não terá nem saída e nem entrada, estará tudo congestionado, vai ser o caos, só o Península Green tem 60 prédios, e o projeto original era de 105, e acabou de ser aprovado mais um projeto com dez prédios em frente ao Rio Centro, do autódromo. O que importa é que quem está comprando um imóvel lá hoje, tem que vender o seu e comprar o imóvel lá. Hoje aquilo vale cem mil reais. Mas daqui a pouco vai valer duzentos e dez mil. E vende. Quem comprou apartamento no Novo Mundo já ganhou 150%. É um investimento que tanto pessoa física quanto pessoa jurídica se vale. Pessoa jurídica compra o que?

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Imóvel nenhum: ela aluga. Quando ela compra parcelado, assim que ela paga a parcela, ela se insere no ativo, e sobre o ativo incide imposto de renda. Olha o dinheiro estagnado! Quando ela aluga a parcela não integra o ativo e não incide imposto de renda. Além do mais, locação deduz do imposto de renda como despesa operacional. E se ela não quer mais o prédio, porque ele está velho, ela rescinde e contrato e diz: “toma essa coisa velha de volta porque essa porcaria é sua”. E aí aluga um prédio mais novo. E assim vai. Muito em breve, hoje já esta ficando assim, no momento da arrecadação não se encontra nada. Mas o que se vai arrecadar é a unidade produtiva, o estabelecimento, o foco irradiador de riquezas. E é isso que você deve buscar: o foco irradiador de riquezas porque é ele que vai gerar as riquezas. E como é que eu vou fazer isso? Você vai arrecadar e imediatamente vai buscar a alienação. O destino dos bens será, a regra vem no art. 139, a alienação será imediata. Só que ainda há a possibilidade, na própria lei, não só da alienação imediata, mas também, você pode combinar com o art. 113 porque no art. 113 você vai encontrar a alienação antecipada dos bens. Alienação antecipada dos bens seria um disparate você pensar na frieza do papel porque se alienação, pelo art. 139, é alienação imediata não há que se falar em alienação antecipada. Mas alienação antecipada está prevista sim porque existem hipóteses em que a atividade não pode esperar, são bens perecíveis ou de difícil armazenagem, e também quando, art. 75, a função social assim indicar. Por exemplo, falência de qualquer sociedade que explora atividade intelectual, ensino, por exemplo, é um dos exemplos mais marcantes a meu ver, tem que haver arrecadação e alienação imediata porque se não houver alienação imediata tudo cai por terra. Em um local em que se tem mil alunos por dia, se o pessoal começar a saber que houve falência ou recuperação, as pessoas vão se questionar se o curso vai chegar ao fim e vão preferir se transferir no meio do ano letivo. Portanto, a interpretação que já existia da alienação antecipada já prevista no art. 73 da lei anterior aqui também permanecerá: vender antecipadamente tudo. Arrecadou, vende imediatamente. A regra é essa.

Pergunta de aluno: inaudívelNão é continuação do negócio. O que você deve fazer se tiver que arrecadar uma instituição de ensino?

Você deve fazer a arrecadação e promover desde já a continuação do negócio. Não pode lacrar o estabelecimento. A atividade deve continuar. Você vai chegar no local, se identificar como o administrador e informar que o trabalho continua todo igual, trazendo desde logo a autorização para a continuação do negócio. O que se vai arrecadar é a estrutura: vai apurar quantos alunos existem, quanto eles pagam, quanto os professores recebem, tudo direitinho, se o prédio é alugado ou não. Arrecadação é o inventário da situação no dia seguinte, tudo continua; as aulas, etc. E vai buscar a alienação dos bens de que forma? Respeitando o art. 142: leilão, proposta, em regra mas eu posso me valer de qualquer outra técnica porque no art. 142 eu vou ter uma remição do art. 144 e 145 porque o art. 142 traz as regras estanques para a alienação, a forma de alienação. Mas os art.s 144 e 145 mostram que qualquer outra forma é possível. E aí? Como é que eu vou vender? Eu vou buscar no mercado pessoas que atuem com isso, na mesma área e oferece a instituição. Vê quem quer comprar o interessado deposita o valor vai ter a Assembléia Geral e os credores serão consultados, concordando os credores com o valor, ele será depositado na conta da massa falida e o comprador leva o estabelecimento. O estabelecimento não estava falido. Daí a importância de se fixar bem os conceitos. A empresa não vai à falência: empresa é atividade. Quem está falida é a sociedade empresária e ela continuará falida. O valor que foi depositado transferirá apenas a titularidade do estabelecimento era a sucessão trabalhista e fiscal, que agora não existe mais.

Pergunta de aluno: inaudívelNão, não é isso. A sua premissa está errada. Olha só: Ensino Total Ltda; pessoa jurídica de direito

privado que tem toda a sua órbita de atividade. Aqui nós temos Centro de Ensino Ltda. É outra pessoa completamente diferente. O que é feito é o seguinte: toda a unidade produtiva será alienada do Ensino Total ltda para o Centro de Ensino Ltda. Agora é tudo dela [Centro de Ensino Ltda]. Ela depositou a quantia e parte do patrimônio da falida se transferiu. Sumiu para ela. Essa aqui [Centro de Ensino Ltda] recebeu tudo limpinho. O credor tributário, trabalhista e tal fica aqui [Ensino Total Ltda]. Isso nunca acontecia antes porque a lei não permitia. Sempre havia a sucessão. Agora não há sucessão fiscal nem trabalhista. O estabelecimento é alienado, você esvazia o ativo praticamente e aqui entra uma quantia.

Zerando todo o patrimônio, vendendo tudo e estando pronto o quadro Geral de Credores, vamos começar a pagar.

Pergunta de aluno: inaudível.O título do estabelecimento continua. A gente tem que analisar o título que estava sendo utilizado e o

título do estabelecimento. Normalmente eu quero o título do estabelecimento. Imagine que esse abra um curso, qualquer, e esse aqui tinha quatro filiais, digo, quatro estabelecimentos, quatro locais com sala de aula: um no Centro, um em Niterói, um na Barra, sei lá. Esse aqui, que tem o título do estabelecimento, esse aqui tem quatro. Ele pode unificar tudo, botar esse título em todos ou então ficar com os dois, não tem problema nenhum. Ele adquiriu o título do estabelecimento. Agora o nome empresarial continuou lá.

Pergunta de aluno: inaudívelContinuação do negócio. Os alunos continuam pagando mensalidade, continuam tendo aula, tudo

normal. E você vai entregar tudo lá para quem adquirir o estabelecimento. Essa é a única saída para a atividade.

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Vejamos o que acontece por aí, com o plano de recuperação da VARIG. Ela tem uma unidade produtiva boa. Tanto que ela consegue demonstrar, como nos últimos tempos, que ela consegue ser superavitária. Identificada mês a mês. Mas quando vem a carga, a doença antiga dela, aí é que ela puxa a perna, aí é que ela fica doente. Agora se você botar o tumor para trás e entregar a parte boa para frente de modo que esse tumor não sofra tanto, então esse aí é um plano de recuperação. Ela tem contratos de leasing, tem passagens vendidas, ela mostra. Ela já tem três mil e quinhentas passagens vendidas para o exterior, outras em andamento, tem vários vôos marcados, a ponte aérea é superavitária. Então você vê que a unidade produtiva é boa. Mas o que está para trás é podre. E o que ela vai fazer? Tem que vender a unidade produtiva para alguém, e esse alguém vai ter que pagar e com esse dinheiro pagar os credores de alguma forma. Os credores vão sofrer? Claro. Em insolvência os credores sempre sofrem, mas de modo que o sofrimento seja um tanto amainado.

Pergunta de aluno: inaudívelOs vínculos contratuais, a própria lei preceitua, extinguem-se os contratos e aqui são contratos novos.

Assina de novo.

Pergunta de aluno: inaudívelContrato de locação. Quando se vende o estabelecimento, você tem que observar a regra geral, já que

a Nova Lei de Falências não cuidou desse assunto especificadamente. Então, Novo Código Civil, art. 1148 vai dizer sobre trespasse. “Ah, mas locação no Código Civil excepciona o que a lei de locação trata”. Tá certo, mas a Lei de Locações não trata só do trespasse. Se ela não trata? E se ela não trata, tem que buscar no Novo Código Civil e o que o Novo Código Civil fala? Hoje, diferente do que tratava a jurisprudência, trespasse é: tem locação em andamento? Tem. Então haverá uma cláusula de ouro [?] que você terá de negociar. Se a cláusula disser que o trespasse acarretará na rescisão do contrato de locação então o contrato de locação estará rescindido. Então você terá que negociar com o locador. Ao passo eu se o contrato não contiver essa cláusula, haverá a sucessão. É o que o art. 1148, Novo Código Civil, diz: salvo disposição em contrário, os contratos serão cedidos.

Pergunta de aluno: inaudívelHá muita. Dá margem a muita fraude porque você esvazia tudo numa só tacada.

Pergunta de aluno: inaudívelA própria cuida desses casos mais simples no art. 141, § 1º, em que ela diz:

Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata esse artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo;II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.§ 1º. O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:I- sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;II- II – parente, na linha reta ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ouIII- Identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

Então ela já alcança. Só que você vai fazer o seguinte: não vai aparecer com sua carinha aqui. Vai se valer da interposta pessoa ou vai ter um controle indireto sobre a pessoa jurídica onde ninguém vai te achar. É claro que se o controle [da pessoa jurídica] for direto, tem como achar. Mas se o controle for indireto, aí fica muito mais difícil. Você tem que ter em mente que essa alienação, qualquer ato deliberado aqui na falência, ele está submetido ao crivo dos credores. Através da Assembléia Geral de Credores e do Comitê de Credores isso tudo aqui pode ser vetado. E mais, se isso aqui acontecer, qualquer ato praticado num plano de recuperação não está submetido a ação revocatória posteriormente. Se você vislumbrar o que diz o art. 132, se você vislumbrar que o ato foi evidentemente fraudulento, no art. 131, mas praticado com base no plano de recuperação extra-judicial, ainda que se tenha esvaziado tudo, não cabe ação revocatória. Então o controle dos credores aqui deve ser, realmente incisivo. Deve ser voraz porque depois de ter sido alienado, aí já era. Não tem mais saída. Não tem mais alternativa.

Pergunta de aluno: inaudívelAí você vai ter que cuidar da interpretação da cláusula sempre com vistas à função social prevista no art.

75. porque você tem hipóteses, como a do Copacabana Palace, como uma instituição de ensino há quarenta anos naquele local, o local é aquele, o prédio é aquele, sair dali já era, não tem como. Então a cláusula tem que ser interpretada à luz da função social, como está sendo agora a questão do leasing e do plano de recuperação. Falaremos dela acho que na próxima aula. Notadamente o leasing de aeronaves. Aí foi encomendado o art. 199, parágrafo único para dizer que o leasing não vale para aeronave. Mas a liminar foi concedida para que não

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retomassem a aeronave, a decisão está correta porque é uma interpretação conforme a função social. É essa a discussão que vem sendo travada e vai ter que analisar: bom, tem uma cláusula que não sucede. Ah, mas é essencial para o negócio, para que ingressem seis milhões de reais e para que nós possamos pagar a todos e minorar a todos esses tipos de efeitos, é preciso que haja esse tipo de interpretação.

7ª aula - 30 de junho de 2005

Nós temos, até o final do nosso módulo, quatro aulas. Contando essa, mais três. As três aulas seguintes são mais que suficientes para tratarmos da recuperação.

Hoje nós vamos tratar, a pedido de muitos, das questões que ficaram pendentes, as questões de prova do nosso material, que já caíram sobre falência. Até mesmo porque sobre recuperação judicial nós não temos nenhuma questão de prova para tratar porque ainda não caiu recuperação judicial em praticamente nenhum concurso. Então vamos tratar [das questões de prova] e depois falaremos sobre recuperação. Talvez em duas aulas nós consigamos falar de toda a recuperação. Ela envolve muitos aspectos negociais, muitos aspectos econômicos, há muita coisa a ser dita, a ser explorada, mas não tecnicamente. A recuperação vai buscar várias questões econômicas, financeiras... Várias pessoas, por exemplo, ficaram o dia inteiro ontem em São Paulo só tratando de recuperação. Mas como? É claro: um auditor da Price, um outro especialista em reestruturação de empresa, outro explicando como se darão as negociações, isto é, questões extra-jurídicas que não nos interessarão muito. Em sendo assim, acho que na última aula poderemos falar um pouco sobre liquidação judicial e extra-judicial, especialmente de instituições financeira, corretoras de valores, intervenção, RAET, que é uma matéria que é, volta e meia, perguntada.

Vamos tratar primeiramente aí das questões.Uma do Ministério Público, pergunta de prova específica: pode o menor de vinte e um anos, excluída a

hipótese de emancipação civil, exercer, independentemente, atos de comércio e submeter-se à falência? Hoje, amoldando a redação, falaríamos em ato de empresa.

Toda questão tem uma camuflagem e você tem que tirar dela essa camuflagem, o que ela está escondendo. Essa questão qual é de um menor poder praticar atos de empresa antes dos dezoito anos. Então você já abre a questão dizendo: um menor, entre dezesseis e dezoito anos pode praticar ato de empresa? E abrindo a questão você já está olhando, você tem que colocar na sua prova, ao lado, uns tópicos que você tem que falar. Lê a questão uma vez. Parou: lê a questão uma segunda vez, vê os tópicos, coloca uns artigos de lei ao lado e só depois que vai passar para o papel. Isso requer treinamento porque isso tudo tem que ser feito em 15 minutos. Não dá tempo de revisar, de escrever de novo, de passar a limpo. Não dá tempo.

Menor entre dezesseis e dezoito anos. O primeiro tópico é esse. O segundo tópico: capacidade para ser empresário. Aí você lembra: “Ih! Tem um negócio no Novo Código Civil que fala de capacidade para ser empresário! E capacidade para ser empresário está por ali, pega o Novo Código Civil no colo, abre, procura e coloca na prova. E ali você vai achar no artigo 972, NCC, que a capacidade para ser empresário é a mesma da capacidade civil. E quem diz que tem capacidade civil é o próprio Código Civil, lá no início, no art. 5º. Pois bem. Vendo isso aqui você chega à conclusão que quem tem entre 16 e 18 anos poderá estar emancipado em razão de quê? Quando a pergunta exclui a hipótese de emancipação, está excluindo a emancipação voluntária, por vontade dos pais. Há uma hipótese de emancipação, tanto no CC/16 quanto no CC/02, para que esse menor possa ser considerado capaz, qual? Então: estabelecimento com economia própria. É aquela definição do Direito Civil daquele que se estabelece com economia própria. Pois bem, em razão disso você teria capacidade, o problema qual é, para o Direito Comercial e hoje para o Direito Empresarial? Lei de Falências. A Lei de Falências anterior, o Decreto-Lei 7661/45, dizia no art. 3º que só o maior de 18 anos poderia ir à falência? Por causa do crime. Em razão da prática de crime falimentar. Isso era dessa forma. Com o NCC alguma coisa mudou? Não. Com o NCC nada mudou, continua tudo igual porque tudo que era continua a ser antes do art. 5º e do art. 972, o tratamento era o mesmo porque o art. 9º [Código Civil/16] era igual. E o art. 1º, Código Comercial, dizia que podia ser comerciante quem tivesse capacidade. Então não mudou absolutamente nada. Mas alguma coisa mudou. O que mudou? Não com o NCC, mas com a Nova Lei de Falências. A Lei 11.101/05, quando foi tratar da legitimidade passiva ela trata no art. 1º, em que se exige, para ter legitimidade passiva na falência, que seja empresário ou sociedade empresária. Acabou a história dos 18 anos. Ninguém fala mais em 18 anos de idade. Então agora este menor entre 16 e 18 anos poderá se submeter à falência? Ou até mesmo a recuperação judicial? Pode. Pode, sem problema nenhum. E a questão do crime, como fica? Ele se submeterá ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, praticará ato infracional análogo a crime.

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Pergunta de aluno: mas para se submeter à recuperação não tem que exercer o comércio há pelo menos dois anos?

Tem.

Pergunta de aluno: então ele [o menor entre 16 e 18 anos] poderia falir mas não se recuperar?Porque ele já alcançaria os 18 anos e antes dos 18 ele não teria essa possibilidade. É verdade.

Então crime ele [menor entre 16 e 18 anos] não vai praticar. Mas poderá praticar ato infracional análogo a crime. Ele vai se submeter ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Abrindo isso tudo você ganharia todos os pontos da questão. Essa questão pode ser perguntada de várias formas. Já caiu na prova da magistratura: Paulo Werner recebeu de herança uma quantia e monta uma oficina mecânica. Pode Paulo Werner ser considerado empresário regular? É a mesma questão. O ponto foi falência. O sujeito queria perguntar isso e ele vai perguntar só que sob forma de falência. Redigir é a parte mais fácil da prova. E no provão a redação é telegráfica. A gente tem mania de escrever “com efeito”, “todavia”, “nesse sentido”, “a jurisprudência pátria se encaminha”. Isso é redação para prova específica e não para o provão. No provão tem que economizar espaço, senão não dá mesmo. Nada de colocar: “nos termos do artigo ...”. coloca o artigo entre parênteses. Em regra examinador não admite que passe da última linha. Então comece a escrever mais à esquerda e termine um pouquinho mais à direita.

A outra questão envolve título que você pode instruir requerimento de falência: no contrato de abertura de crédito vinculado a contrato de conta-corrente subscrito por duas testemunhas pode instruir requerimento de falência? E a nota promissória a ele vinculado? Leu duas vezes: contrato de abertura de crédito vinculado a conta corrente. Que contrato é esse? É o famoso cheque especial. Para instruir requerimento de falência, você precisa ter em mãos um título executivo. E um título, para ser título executivo, precisa, nos moldes do art. 586, CPC, ser certo, líquido e exigível. Muito embora a lei diga “título líquido, certo e exigível” os processualistas falam que a orem certa é “certo, líquido e exigível”, mas não é o título que deve ter esses atributos, mas a obrigação porque: certeza quanto à existência da obrigação: depois a liquidez, o objeto da obrigação; e por último a exigibilidade, são os chamados: na debeatur, quantum debeatur e quid debeatur.

E o contrato de cheque especial ostenta essas características? Falta o quê? A liquidez. E você sabe que tem que falar o que aí? Por que falta liquidez? Falta o valor porque você tem que verificar o extrato. E quem disse que falta liquidez? O Superior Tribunal de Justiça, na súmula 233. E lá na súmula 233 do seu código você já tem marcada a súmula 247 que é o que vai dizer que a cobrança se dará via processo de conhecimento pelo rito monitório. E você também tem a remição à súmula 258, STJ, no sentido de que a nota promissória vinculada ao contrato de cheque especial é ilíquida. Então você resolveu tudo com base nas súmulas. Mas você não acabou a questão, e a questão nova pode vir sob esse aspecto, você tem que falar que para substituir esse problema aqui hoje existe a cédula de crédito bancário. Você sabe que ela surgiu com a Medida Provisória 1925/99, logo após o enunciado 233 ter sido elaborado, e que hoje ela já está disposta na lei nº 10.931/04.

E se a questão vier hoje sob a égide da cédula de crédito bancário? A liquidez da cédula de crédito bancário se comprova com a planilha, do extrato. Se você tiver uma cédula de crédito bancário e com ela a planilha, ela ostenta a necessária liquidez ou não? Como você sabe se um determinado papel é título executivo ou não? A lei é o que vai dizer o que é e o que não é título executivo. A lei resolveu que nota promissória é título. Se a lei decidir que título emitido pelo CEPAD é título executivo então título emitido pelo CEPAD é título executivo. A ação na S.A., quando o sujeito subscreve as ações e não as integraliza, você junta o certificado mais o aviso de chamada para o sujeito integralizar. Se ele não vier, isso se torna título executivo. Por quê? Porque a lei diz que é. Só que a Lei 10.931/04, desde quando ainda era Medida Provisória diz que isso é título executivo, então cédula de crédito bancário é título executivo. E pode instruir requerimento de falência.

E a Nota Promissória vinculada? Há algum problema em vincularmos Nota Promissória a algum contrato? O Superior Tribunal de Justiça diz que a vinculação de Nota Promissória a contrato é válida. Tanto que no enunciado 258 diz que nota vinculada a contrato de abertura de crédito em conta-corrente não tem liquidez. Porque o contrato não tem liquidez? O STJ deu ênfase à vinculação. Admitiu a vinculação. Então aqui está o pano de fundo. Agora é só redigir.

Pergunta de aluno: então uma Nota Promissória vinculada tem idoneidade para instruir requerimento de falência?Se vinculada a contrato antigo, não, porque o contrato antigo não tinha liquidez. Os Tribunais assim

decidiam. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Mas hoje, uma nota [promissória] vinculada a um contrato tem validade? Sim.

Pergunta de aluno: não entendiA Nota Promissória vinculada a contrato tem validade essa vinculação? Tem. Se ela era vinculada a um

contrato de abertura de crédito em contrato de conta-corrente e esse contrato não tinha liquidez. É o que diz o enunciado 253.

Pergunta de aluno: mas isso pode [nota promissória em branco], não pode?Pode, desde que súm. 287, STJ, boa-fé. Se você vê que esse título aqui não pode alcançar liquidez

porque os tribunais disseram que não pode, como é que o banco pode preenchê-la unilateralmente [de boa-fé] e

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conferi-la liquidez? Como pode lançar um valor e dizer que a nota é autônoma? É uma construção jurisprudencial, conforme súmula 258, STJ.

Pergunta de aluno: então quer dizer que com Nota Promissória eu posso instruir requerimento de falência, mas, se ela estiver atrelada a contrato de cheque especial, ela se torna ilíquida e não pode instruir o requerimento de falência, conforme súmula 278, Superior Tribunal de Justiça?

Exatamente.

Gente, o que a gente está fazendo aqui é encaminhar a resposta, ao máximo. Isso é concurso. Nem eu, se fosse fazer uma prova de Direito Empresarial, teria a pretensão de gabaritar. Prova é prova. Há vários fatores. O que a gente coloca aqui é próximo, próximo da questão cheia. É por isso que a média do primeiro colocado no concurso é 62. E o último colocado tem média 50,5. tem que acertar metade e um pouquinho mais. Não é para se desesperar.

Vamos então a outra questão. E sobre ela falaremos um pouco mais rápido porque dela já falamos.

Pergunta de aluno: nesse título novo, cédula de crédito bancário, ele pode ter garantia? E ele pode incidir sobre outro contrato, tipo alienação fiduciária em garantia?

Sim. Ele pode ter garantia, inclusive garantia real. E pode ser vinculado a outro contrato que não abertura de crédito em conta-corrente.

E para piorar, podem perguntar assim: cédula de crédito bancário com garantia real pode instruir requerimento de falência? Você, para requerer a falência, tem que demonstrar interesse de agir. Quando você requer a falência de alguém, você tem que afirmar que aquela pessoa está presumidamente insolvente. Como você mostra que a pessoa está presumidamente insolvente? Mostrando que ela não pagou aquele título. Ora, mas se aquele título que você está levando ao Judiciário para dizer que aquela pessoa está presumidamente insolvente tem lastro, tem garantia, você tem como receber e falta interesse de agir. Então só poderá haver requerimento de falência com base em título com garantia real se a garantia for insuficiente por qualquer razão ou, em tese, se você renunciar à garantia. E essa é a realidade: ninguém renuncia a garantia na prática. Vai renunciar para virar credor quirografário?

E como seria essa renúncia? O STJ já firmou posicionamento de que a renúncia tácita tem que estar prevista em lei – e isso é lá no Direito das Obrigações: se você não fizer isso em tantos dias, entende-se como renúncia.

Fora isso, renúncia tem que ser expressa. E por que algumas pessoas renunciavam à garantia para requerer a falência? Porque quer cobrar e receber logo. É só para fins de cobrança. Se eu tenho um título de dez mil reais, que é um título pequeno para quem tem um volume grande de negócio, ele tem um volume grande de negócio, ele não vai discutir a garantia por causa de dez mil reais. O volume dele é de setenta milhões de reais. O que ele faz? Ele resolve apontar a espada afiada da falência contra o pescoço do devedor, só que há o óbice da garantia do crédito, falta interesse de agir. Mas ele pode renunciar expressamente e requerer a falência.

A questão que nós já tratamos é a das duplicatas: duplicata vencida, protestada e não paga, referente a prestação de leasing. Podem requerer a falência?

Como você vai abrir essa questão? Para requerer a falência com base na impontualidade, e vai demonstrando conhecimento, a pessoa vai precisar de título executivo que esteja protestado. Por quê? Na lei anterior a exigência do título estava no art. 1º e o do protesto estava no art. 10. A NLF é mais técnica nesse sentido porque ela une as exigências num só artigo, o art. 94, I. E o art. 94, I, vai logo dizer que exige o título e ele tem que estar protestado. Muito bem: você já abriu a questão no prisma da falência. E agora você vai dizer se a duplicata que você tem é título executivo. E é? É, sim: art. 585, I, CPC. E ela pode instruir requerimento de falência? Pode. Ela está protestada? Está. Então o problema vai surgir no terceiro item: leasing. Qual é a natureza jurídica do leasing? Um contrato complexo. Não é contrato de locação! Aqui começa o erro e começa a perder ponto. Mas se colocar: leasing, cujas parcelas têm natureza de locação”, aí já acertou. Como o leasing é um contrato complexo, aí vem o link para a duplicata. As prestação do contrato de leasing tem natureza de locação. O STJ admite não admite duplicata para lastrear locação porque a duplicata é um título causal, tem causa debendi especificada em lei para a sua emissão, quais sejam, compra-e-venda e prestação de serviço, isto é, locação não está aqui contemplada, logo locação não pode render ensejo à emissão de duplicata. Então essa duplicata não pode instruir requerimento de falência.

Mas há algum jeito de essa resposta ser positiva [essa duplicata sacada com base em prestação de leasing com natureza de locação]? Sim. Se essa duplicata tiver circulado surge a autonomia. E como é que o portador da duplicata vai saber que ela é baseada em prestação de leasing? Surgindo a autonomia, o título vai se desvincular da causa debendi, salvo se constar do título que ela está atrelada a determinada causa.

Há outra forma da resposta ser positiva: se você disser que as duplicatas estiverem representando não as prestações de natureza locatícia, mas representando o VRG. VRG diluído no contrato. Pode? Sim. Se a duplicata estiver representando o VRG, a causa debendi é compatível.

Ou ainda se você baseasse numa idéia que está vencida: VRG diluído descaracteriza leasing, e caracteriza compra-e-venda a prazo. E aí as prestações não terão natureza locatícia, mas de compra-e-venda e aí a duplicata é idônea para requerer a falência.

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Eu estou mostrando para vocês essa questão porque ela foi formulada pelo examinador pensando só na primeira resposta. Essas respostas que vocês elaboraram aqui surpreenderam ele porque ele nem tinha pensado nelas. A vantagem era que o examinador era o Paulo Penalva Santos, que entende da matéria, e quando ele leu essas respostas, e eu até tinha comentado com ele que um aluno meu tinha respondido que o VRG diluído descaracterizaria o leasing e ele confirmou que tinha dado o ponto integral. E ele nem tinha pensado nisso quando formulou a questão. Às vezes o aluno pensa demais. Mas se ele pensar pelo caminho certo, tá valendo.

A última questão da primeira leva foi do penúltimo concurso e aí já é um fato, uma historinha. E quando é assim, você tem que entender o fato. Deixa de lado o batalhão jurídico.

Sociedade de fomento mercantil requer a falência do faturizado com base em nota promissória formalmente válida, vencida e levada a protesto, dada como garantia da solvência dos títulos negociados, que não ostentavam vício de origem. Recebendo os autos para vistas antes da citação do requerido, como se posicionaria o Ministério Público?

O faturizador é a sociedade de factoring. Faturizado é quem entrega os títulos. O faturizado não emite títulos. Ele os transfere. Como é a operação de factoring? Pensem assim: quando você vai à loja e emite aqueles dez chequinhos para frente, se você for lá no dia seguinte e levar o dinheiro os cheques já não estão mais lá. Esta tudo na factoring. O faturizador paga à loja certa quantia, com deságio. É o chamado endosso sem garantia. Então o que aconteceu? Ela [faturizado] endossou os cheques ao faturizador. O faturizador está pedindo a falência do faturizado com base em nota promissória vencida, protestada e não paga dada como garantia da solvência do faturizado pelos títulos negociados, que não ostentavam vício de origem. Na hora que o faturizado foi entregar os títulos, o faturizador exigiu a promissória, já que o faturizador não pode cobrar os títulos diretamente do faturizado [porque o endosso é sem garantia]. Certamente o que aconteceu foi que o faturizado não conseguiu receber aquele título, pegou a promissória e veio cobrar o seu prejuízo. Aí, antes de citado o requerido, os autos vão ao Ministério Público para opinar. Com certeza o examinador atribuiu ponto a esse filigrana da questão: como, antes da citação, os autos vão ao Ministério Público? Os autos não podem ser remetidos ao Ministério Público antes da citação do requerido: artigo 83, CPC. Agora, o batalhão jurídico entra em cena, porque já entendidos os fatos. Os autos não deveriam ser remetidos ao Ministério Público. E quanto ao ponto modal da questão: a nota promissória aqui não é autônoma? Não. Ela está vinculada ao contrato de factoring. E o contrato de factoring é na sua essência a não garantia pelo pagamento porque aqui estamos diante de endosso sem garantia, não pode a nota promissória estar vinculada a algo que, na sua essência, não está atrelado a garantia. Ela está viciada. A questão era essa. Ela está atrelada a reação jurídica adjacente, há vício na sua emissão.

Essa questão poderia ser mais difícil: o faturizador endossou a nota promissória a “D” e “D” é quem está pedindo a falência do faturizado. Autonomia salvo exceção pessoal: seja na relação inicial ou em relação de permeio. Pode circular. Quando não circula, não há que se falar em autonomia, mas as relações pessoais, seja a inicial, seja as de permeio, elas admitem exceção pessoal. Neste caso, quem requer a falência do faturizado e o faturizado não tem relação pessoal. Mas o que poderia ser alegado pelo faturizado nesse requerimento de falência? A única coisa que ele pode alegar é má-fé, e má-fé só se mede no caso concreto. Verificar se há alguma menção da vinculação ao contrato de factoring na nota promissória, se há vinculação entre o faturizador endossante de quem requer a falência, se eles fazem parte do mesmo grupo societário, se eles são parentes.

Pergunta de aluno: e isso caracteriza má-fé?Poderia começar a pensar em má-fé.

Pergunta de aluno: e quem apreciaria essa alegação?O próprio juízo falimentar, em embargos do executado, que é processo de natureza cognitiva. E na

primeira fase da falência, há uma flagrante natureza cognitiva: você pode produzir qualquer tipo de prova. Pode até ter audiência se for o caso.

Pergunta de aluno: e se o endossatário fosse habilitar esse título na falência do faturizado?Primeiro, o administrador canalizou na habilitação e esse ‘credor’ diverge e o administrador mantém: “não,

você não é credor”. Aí ele vai se habilitar. E nessa habilitação é que haverá a cognição: audiência, perícia e tudo o mais será tratado ali.

E aí é que tem que ter o maior cuidado. Tem gente que diz que faturizador não pode pedir a falência de faturizado. E aí traçou uma regra. E não é bem isso. O que se diz é que com base nesse título, vinculado à relação de factoring, o faturizador não poderá requerer a falência do faturizado.

Como o faturizador pode requerer a falência ao faturizado? Com base em outra relação que eles tenham que não seja essa especificação. Neste caso, que é a grande maioria dos casos, a falência não poderá ser postulada. Só que você não pode generalizar.

NOTA: Waldírio Bulgarelli, entre outros, de forma minoritária, ao argumento de que o factoring é um contrato atípico, afirma que não é necessariamente via endosso sem garantia que os títulos se transferem ao faturizador. A cláusula referente à garantia deve ser estipulada de comum acordo entre as partes. Se houver garantia, tal nota promissória seria idônea a instruir requerimento de falência do faturizado pelo faturizador.

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Pergunta de aluno: inaudívelIgualzinho. É endosso normal. O endosso sem garantia é um endosso normal, não se transforma em

cessão civil de crédito. Tem todas as características cambiárias. Não confundam endosso sem garantia com endosso póstumo ou tardio. O que é cessão civil é cláusula não à ordem. Quando há transferência com cláusula não à ordem o título se transfere normalmente, só que essa transferência será a título de cessão.

Vamos a uma outra questão. Ela está superada, mas vou mostrar para vocês como se pode dar um floreio enorme a uma questão muito simples. Uma execução proposta por “A” contra “B”. “B” foi citado na execução. Não pagou nem nomeou bens à penhora. “A” então requer a falência de “B” (art. 2º, Lei de Falências/45, art. 94, II, NLF). Requer “B” o depósito elisivo da quantia. É possível?

O depósito elisivo é sempre em dinheiro, englobando o principal, juros, correção monetária, honorários advocatícios, custas processuais. Estava no enunciado 129, STJ e agora está no art. 98, parágrafo único, NLF.

Muito embora essa falência seja com base em ato de falência. A jurisprudência admitia depósito elisivo nesse caso, e agora isso está na NLF.

Outra questão interessante caiu no provão da magistratura. Depois de decretada a falência contra sociedade comercial, é possível prosseguir execução cambial proposta contra a mesma e seus sócios avalistas. Fato: falência decretada. Existia uma execução cambial, que é uma ação em que se busca a satisfação de uma obrigação cambiária: só que existem sócios avalistas. E esta execução foi movida em face da sociedade e dos avalistas. Quando há falência, qual o efeito sobre as ações em curso? Se a ação for de execução, deve-se suspender porque se há execução é porque o exeqüente é credor e credor se submete ao juízo universal e ao princípio da par conditio creditorum. Então deve se habilitar na falência – por isso a execução se suspende. Já, e aí se você quiser, você pode traçar a exceção: a execução fiscal não se suspende com o advento da quebra até a realização da hasta. Realizada a hasta, o produto se encaminha para o juízo falimentar e o Fisco deve se apresentar. Não diga se habilitar, na forma dos arts. 186 e 187, CTN. Essa interpretação foi dada pela Corte Especial do STJ. A execução suspende. E as ações de conhecimento? Elas não se suspendem, sem exceções. Mas é importante mencionar que elas continuam a tramitar no juízo de origem. Enquanto ação de conhecimento, o juízo universal não exerce vis attrativa. Somente as ações de conhecimento intentadas após a quebra terão como juízo natural o falimentar: art. 6º, § 1º. Visto isso então, você vai concluir que a ação cambial terá seguimento em relação aos sócios avalistas, não em razão de eles serem sócios, mas pelo fato de serem avalistas. O aval é autônomo. Eles deverão adimplir a obrigação e depois comunicar que o credor, na hipótese de ele também ter se habilitado, já foi satisfeito. Os sócios avalistas, que pagaram, terão direito de se ressarcir do avalizado, agora falido, via habilitação na falência. Qual a natureza do crédito deles? Lembre-se que na Nova Lei de Falências, quando é dito do sócio credor, o sócio credor é credor subordinado, está lá embaixo, no art. 83. Toda vez que o sócio for credor da massa falida, ele estará abaixo do quirografário. Ele receberá por último.

Penúltima prova específica: decretada a falência de uma sociedade limitada, requer o INSS a habilitação de crédito comprovadamente descontado dos empregados e não recolhido à Previdência Social. Para tanto, junta cópia autenticada de certidões débito de dívida ativa. Concomitantemente, fazendo uso das certidões originais, promove o INSS execução contra o sócio gerente e os demais sócios da falida pelo fato de não possuir esta valores ou bens suficientes para o pagamento do débito previdenciário. Defendem-se os sócios alegando tratar-se de débitos da falida e não seus, conforme se constata das CDAs. Essa é complexa.

Você tem aí dois itens que foram camuflados, duas situações bem práticas, que acontecem todos os dias.Houve a falência de uma sociedade. O INSS se habilita como credor porque quantias comprovadamente

descontadas dos empregados não foram repassadas. O INSS promove habilitação do seu crédito. O segundo ponto: o INSS executa os sócios, concomitantemente. Uma questão extensa.

O primeiro ponto a enfrentar é que o INSS não deveria promover a habilitação mas a restituição do crédito, já que comprovadamente descontado do empregado. O segundo ponto: a legitimidade dos sócios. Na verdade, o devedor é a sociedade falida e há que se considerar a personalidade jurídica. É a sociedade quem deve, não os sócios. O Fisco argumenta insuficiência patrimonial. Como a sociedade não tem patrimônio, quem deve pagar é o sócio ou sócios. Insuficiência patrimonial é causa para alcance dos sócios. Você pode dizer: depende da sociedade. Se se tratasse de sociedade em nome coletivo, em comandita simples, poderíamos dizer que o(s) sócio(s) teria(m) de pagar. Mas aqui trata-se de uma ltda., logo não se pode alcançar os sócios. No Brasil, suficiência patrimonial não é causa de desconsideração porque adotamos a Teoria Maior. Mas aqui não se trata de desconsideração. Quando o Fisco alcança o sócio, nós estamos falando de artigo 135, CTN: responsabilidade tributária do administrador e dos sócios. E neste caso eles podem ser alcançados ou não? Como está dito que está comprovado que foi feito o desconto e que não houve o repasse, está configurada não só a responsabilidade como também o crime fiscal de apropriação indébita. Então neste caso aplica-se o art. 135 porque houve crime fiscal de apropriação indébita. Se houve esse crime fiscal você tem que alcançar os próprios sócios.

Na ltda, o auto de infração alcança todos os sócios da ltda porque são poucos sócios e normalmente todos eles têm ciência e, na medida do possível são condutores. É claro que se você identifica que um determinado sócio é meramente investidor, sócio participativo, que ele não contribuiu para o ato, que ele não participou, aí, é claro, ele não será alcançado. Só deve ser alcançado aquele que efetivamente contribuiu para a prática do ato de alguma forma.

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Pergunta de aluno: e caso seja desrespeitado um parcelamento?Saiu, acho que ontem, no Valor Econômico uma matéria dizendo isso e é o que está sendo debatido aí

pela Schincariol, essas operações porque você tem o abrandamento dos ilícitos fiscais. Praticamente ninguém é condenado, não é nem mesmo denunciado porque o sujeito vai e paga o tributo, satisfaz a obrigação tributária. E como ele não tem o dinheiro, ele obtém um parcelamento. E obtendo o parcelamento ele não pagou mas a obrigação está suspensa, parceladamente, e aí o sujeito tem que ser solto, como o cara da Schincariol está sendo solto, e os demais estão sendo soltos. Todas elas agem assim, são devedoras tributárias por substituição, obtém parcelamento. Está sendo visto aí no país, é um grande momento em que estão jogando para o povo, o clamor popular, o que é um absurdo. Você não pode deflagrar uma ação assim, e tirar fotos da pessoa de cueca, acordando, mandado judicial não dá autorização para isso não. Dá autorização para ir lá e prender. E até usar força, se necessário, se for o caso. Mas não dá autorização para algemar o cara e colocar ele de frente para ser fotografado. Isso é abuso. Antigamente, quando o Ministério Público Federal fazia isso, todo mundo descia a lenha. Agora com a Polícia Federal tem uma galera aplaudindo, achando o máximo. E não é. Eles entram na sua casa, fazem isso e depois pedem desculpas. E a sua imagem foi por água abaixo. Capa de jornal, você de ceroulas de bolinha azul. O resto da vida você será o cuecão azul. Nunca mais vão deixar de pensar isso.

Pergunta de aluno: mas se há parcelamento, o IINSS não pode requerer falência?Mas aqui nesse caso, o INSS não requereu a falência. Ela já estava decretada.

Pergunta de aluno: ele [INSS] teve que requerer a desconsideração da personalidade para atingir a pessoa dos sócios?

Não. Aqui não é caso de desconsideração. Aqui é responsabilidade tributária. O estudo da desconsideração está avançando muito para chegarmos a conclusão que a desconsideração é excepcionalíssima porque você tem instrumentos que terão a mesma conseqüência da desconsideração. Por exemplo, art. 135, CTN. Isso não é desconsideração, apesar de colocar a mão no bolso do sócio. Mas não é desconsideração e tem um instrumento de responsabilidade tributária. A responsabilidade do administrador: arts. 1.015 e 1.016, NCC. Bota a mão no bolso do sujeito sem ser desconsideração, art. 158, Lei 6404/76: responsabilidade do administrador e do diretor. Bota a mão no bolso do sujeito e também não é desconsideração. Então a desconsideração vem sendo interpretada hoje como a exceção da exceção.

Pergunta de aluno: o INSS pode promover execução fiscal contra o sócio só com base nas CDAs da sociedade?Sim. É o que ele faz.

Pergunta de aluno: sem estar [a CDA] no nome do sócio?Logo no capítulo da inicial ele explica porquê está fazendo isso; com base no art. 135, CTN. É o mesmo

que aconteceu durante muito tempo com a desconsideração, e que foi muito debatido. Eu tenho um título cujo devedor é Motores Avançados Ltda. Eu ingresso em juízo e o réu não é Motores Avançados Ltda, mas os sócios. E sempre houve discussão no STJ sobre o que se chama de desconsideração direta e aí incidental. Desconsideração direta: como é que eu vou desconsiderar se o contrato não traduz nenhuma relação direta com a pessoa dos sócios? Eu precisaria, defendiam alguns, de um processo próprio só para a desconsideração, para só depois, então, com a sentença, aí sim eu processa-los. Mas isso foi afastado. O STJ afastou logo dizendo que basta que isso fosse analisado em um capítulo da sentença. E isso é sempre alegado em defesa como falta de legitimidade passiva. E no momento de sanear o processo, que seria o momento do art. 331, CPC, lá na audiência preliminar, nesse momento você deveria falar da legitimidade passiva. Mas é uma das hipóteses famosas em que a preliminar somente será analisada quando da análise do mérito. Não vai falar que a preliminar se confunde com o mérito, não. Se preliminar se confundisse com mérito seria mérito, e não preliminar. A hipótese é de análise junto com o mérito. Isso porque você só vai excluir um [o sócio] se for condenar o outro [a sociedade]. Não pode ser antes sob pena de estar quase pré-julgando a demanda. Então na própria inicial da execução fiscal você vai explicar isso. E não só isso como incidental também. Você pode descobrir isso no curso da execução fiscal. Ele [INSS] executa a sociedade e no meio da execução ele verifica que houve condenação [por crime tributário] na esfera federal e aí, incidentalmente, pede a desconsideração. Isso também é possível.

Pergunta de aluno: numa execução comum – não fiscal – a desconsideração pode ser incidental?Perfeitamente. Hoje, tranqüilamente. Essa questão está bastante sedimentada no Supremo Tribunal de

Justiça.Eu escrevi um artigo só desconsideração [está no livro da EMERJ] e está num site não sei qual. Pode ser

o jus navigandi, no site da Amperj também tem. É um artigo sobre desconsideração em que eu coloquei vários julgados do STJ mostrando que ele admite tranqüilamente, desde que respeitando o contraditório.

Qual a classificação dos debenturista no Quadro Geral de Credores?Depende da espécie de debênture. Quantas são as espécies de debênture? Vamos lá na Lei 6404 acha o

art. 58: debênture com garantia real, debênture com garantia flutuante, debênture sem garantia, debênture subordinada. Então debênture com garantia real: credor com garantia real; debênture com garantia flutuante,

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credor com privilégio geral, conforme artigo 58, § 1º; debênture sem garantia, credor quirografário; debênture subordinada, credor subquirografário. Pronto. Está resolvido o problema. Foi outra questão campeã em branco. Facílima de ser corrigida.

Questão da magistratura: quem pode ser sujeito ativo na ação revocatória? Questão facílima. Estava na lei: quem era o síndico, nos trinta primeiros dias; depois o síndico e o credor, concomitantemente, nos onze meses seguintes. Hoje, são três anos. Quem tem legitimidade é o administrador, os credores e o Ministério Público, art. 132.

E se não propuser dentro do período legal? Decai do direito?Decai. Há decadência do direito de propor a ação revocatória. Há uma questão interessante: na LF/45, a

ação revocatória deveria ser proposta em um ano a contar de quando a falência deveria ser terminada, que era o segundo relatório do síndico. O segundo relatório era a parte final da segunda fase, sendo que na terceira fase íamos só pagar. O síndico às vezes, deliberadamente, não confeccionava o segundo relatório. E não confeccionando o segundo relatório quando começava a correr o prazo de um ano? E esse foi um enfrentamento incisivo do STJ. Se for por desídia, se o momento próprio para o segundo relatório foi aquele e não foi elaborado o segundo relatório, ali se inicia o prazo de um ano. E a decadência haveria. Então: era para elaborar o segundo relatório e não elaborou? Então começa a contar o prazo mesmo assim, hoje isso está superado porque o termo inicial, conforme o art. 132, NLF, é a sentença de quebra.

Por último, questão do último provão: é admissível habilitação de crédito na falência representada por duplicatas protestadas sem aceite e sem comprovante de entrega de mercadoria?

Habilitar pode porque para habilitar não precisa de título executivo. O que não pode é requerer falência. Porque para requerer a falência precisa de título executivo. Na habilitação não porque na habilitação você pode comprovar e demonstrar o seu crédito. Falamos disso na última aula.

Pergunta de aluno: fiquei com uma dúvida de uma questão que você já respondeu. É a da última específica do Ministério Público da incorporação imobiliária. Você respondeu com base na súmula 307, STJ.

Virada da Fita

... na aula você até respondeu com base na súmula 307, STJ, e como você não leu o enunciado, eu até achei que você tava falando sobre outra coisa. Mas quando eu ouvi a fita, eu fiquei confusa.

Olha, deve ter ficado alguma coisa truncada. Aquela questão era o seguinte. Era o caso ENCOL.

Pergunta de aluno: inaudível: tem outra coisa também. A gente foi ver depois da prova que nos artigos sobre patrimônio de afetação, só que o patrimônio de afetação tem que ser expressamente constituído no memorial de incorporação e isso também não teve na questão. E o Penalva Santos, no livro de obrigações e contratos dele, ele responde com base no art. 43 da Lei de Incorporações, que a maioria dos sócios pode pedir o prosseguimento e foi isso que aconteceu com a ENCOL. Só que eu não entendi, porque eu respondi com base nesse dispositivo e tirei zero na questão. Então eu não sei qual é a resposta.

A resposta do examinador é essa. Aquele ali é o caso da ENCOL, aquilo ali foi feito na marra, porque não existia a Lei 10.941/04. Foi vendido e não foi legal. As pessoas tomaram o empreendimento e construíram. Aí veio a Medida Provisória 2222/02, que modificou a tal Lei 4591/64 criando o chamado patrimônio de afetação, mas para frente e a Lei 10941 vem e diz que o patrimônio de afetação será criado e disposto no memorial de construção, levado a registro de imóveis. Não é toda e qualquer incorporação que acarretará patrimônio de afetação. E ali você tinha também que falar do art. 43 e da continuidade do contrato. Analisar a viabilidade. Tinha que tratar da afetação e da questão referente ao crédito, se era quirografário ou não.

Pergunta de aluno: inaudível: é que na Lei de Incorporações, no art. 43, § 1º ou 2º, diz que se a maioria dos sócios não puder continuar, eles vão ser classificados como credores privilegiados. E esse dispositivo sempre existiu, desde o Caio Mário. Enfim, eu respondi com base nesse artigo.

É. Mas a resposta era essa, era a resposta do examinador. Ele queria que respondesse com base no patrimônio de afetação e falasse sobre essa evolução.

Pergunta de aluno: inaudível: mesmo que ele não tivesse mencionado isso expressamente na questão?É você tinha que ventilar essa possibilidade.

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8ª aula - 07 de julho de 2005

Recuperação Judicial – Nós, até aqui, falamos sobre falência, sistema de falência. É importante a gente ressaltar que a lei, quando começamos a tratar da lei, nós vimos que ela começa com disposições preliminares. Depois, disposições comuns à recuperação judicial e à falência. Então, muita coisa que a gente falou aqui, sobre as disposições comuns. Claro: disposições comuns valem tanto para a falência quanto para a recuperação judicial. Se você for folheando, você vai ver que falamos sobre o juízo de atração, a força atrativa, nós falamos sobre a verificação e habilitação de créditos, vimos como isso se dava e isso também tem cabimento para a recuperação, falamos sobre administrador judicial, Comitê de Credores, toda a estrutura da Assembléia Geral de Credores. Tudo isso aí cabe tanto para falência quanto para recuperação.

Então vamos caminhar para o art. 47 porque o art. 47, sim, vai abrir a recuperação judicial.Recuperação judicial é o outro lado, o material ainda não chegou da gráfica. Eu mandei ontem; hoje à

tarde ele deve estar chegando.A recuperação, voltando um pouco ao início da nossa conversa, quando você for falar de recuperação,

você sempre ter em mente, você sempre deve carregar uma visão econômica, uma visão financeira e visão social. Lembrem lá do início quando eu disse que a pessoa que está indo mal das pernas, se essa pessoa for cara ao Estado ela poderá se valer de dois mecanismos. Terá à sua disposição o sistema de insolvência empresarial. Insolvência Empresarial é esta pessoa estar insolvente, não estar bem. Então ela poderá: fim de linha para você. Ponto final. Acabou com você. Falência, ou então, reerguimento, recuperação. Na lei anterior também era assim, só que o mecanismo era a concordata. E por que a concordata não serviu para nada? Por que há bem pouco tempo a concordata não se prestava a nada? Essa é uma pergunta quase que obrigatória em uma prova oral. Hoje tem a recuperação. Não há mais a concordata. Por que a concordata não permaneceu? Por que surgiu a recuperação? A recuperação é para melhor, ela vai recuperar efetivamente. Por que a concordata não recuperava? Se você tivesse lido sobre concordata, a parte introdutória da concordata ia se manter igualzinho a isso aqui [a recuperação]. Você só trocaria “concordatário” e “em concordata” para “em recuperação” e “devedor”. A idéia toda é a mesma. O remédio, o antídoto, é que não estava bom. Por que não estava bom? Por que não se prestava a recuperar? Nós vimos as classes de credores. Em último lugar vinham os subordinados. Em penúltimo, os quirografários. A concordata alcançava, pelo art. 147, apenas os quirografários. Então era o seguinte: imaginem alguém com fome, com sede, com frio, doente, caído ao chão. Aí você diz: “eu vou te ajudar a sair dessa”. Aí você paga um cafezinho puro para ela. Não é nem pingado, não é nem com leite. Um cafezinho puro vai ajudar essa pessoa? Assim era a concordata. Você tinha o credor fiscal em cima de você. O credor trabalhista, o credor com garantia real, o com privilégio geral, o com privilégio especial. Todo o mundo. Aí tinha unzinho, o quirografário, o último, e para ele você dizia: “deixa esse comigo”. E o resto? “Ah, o resto é contigo”. Ou seja, você deixava todos os outros credores livres para o massacre. Todos os outros credores podiam partir para cima do devedor. Portanto, meus amigos, a concordata, por só alcançar os quirografários, não servia para mais nada. Apenas o quirografário não adianta.

A recuperação vem de que forma? Para alcançar todos os credores. Se você está com fome, com frio, com sede, doente, então eu tenho que te dar comida, agasalho, bebida e remédio. A recuperação alcança todos os credores e visa a sua reestruturação.

Não deixemos de lado a idéia de que todos sofrem. Na recuperação e na falência nós estamos dentro do sistema de insolvência empresarial, então todos vão sofrer. O devedor, os credores, a coletividade. Todos vão sofrer. Só que a idéia é: sofrer o mínimo possível e alcançar o maior nível de êxito possível em razão da função social da empresa.

Vamos ao art. 47:“A recuperação judicial tem como objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira

do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Aqui está o dispositivo norteador da recuperação. Façam remissão ao art. 75 porque é o art. 75 lá no caput referente à falência que traduzirá a mesma idéia.

O objetivo então é esse: função social da empresa, não deixar os credores sofrerem muito, não deixar a coletividade sofrer. Quanto a isso não muda nada em relação à falência, a mesma idéia. Você só tem que ter como norte o art. 47.Quais serão os requisitos da recuperação?Primeiro: requisito subjetivo: quem pode se valer da recuperação? Voltamos ao que, quanto à falência, já

havíamos falado: art. 1º, Nova Lei de Falências. Então no art. 48, quando se afirma quem pode requerer a recuperação o devedor, você puxa uma seta para o art. 1º porque o art. 1º é quem vai dizer quem vai poder pugnar pela recuperação: empresário e sociedade empresária. Tem que ser empresário ou sociedade empresária. Neste ponto, a mesma coisa, igualzinho, não muda nada em relação à falência. Então aqui, se o sujeito quiser, e cair o ponto: recuperação judicial, ele quer perguntar Novo Código Civil e teoria da empresa, ele pode. Aqui ele pode perguntar o que ele quiser. E pergunta se sociedade de arquitetos pode requerer recuperação. A sociedade de médicos, a cooperativa. Tudo aquilo que a gente sabe sobre teoria da empresa pode aqui ser perguntado. Só que a diferença em relação à falência qual será? Na falência, você tem que ser empresário ou sociedade empresária. E na recuperação também. Qual é a diferença? Há um requisito a mais na recuperação – além do

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tempo da atividade? O mais importante, e desde o sistema anterior isso sempre foi muito marcante, é a regularidade. A sociedade empresária e o empresário [individual] irregulares podem ir a falência sim, mas não podem se valer de recuperação. Isso está disposto no art. 48 quando diz “regularmente”. E aí no art. 48 quando diz “regularmente”, você vai puxar uma sete e vai colocar art. 51, V, NLF. Porque é o art. 51, sobre os requisitos da petição inicial, quem vai dizer que a certidão de regularidade do devedor deverá ser juntada com a inicial do requerimento de recuperação.

Pode, e esse é o assunto do momento, o Banco Santos pugnar por recuperação judicial? Instituição financeira, consórcio, previdência complementar, plano de saúde, seguradoras, todas aquelas que têm mecanismo próprio de liquidação em regime especial poderiam [postular recuperação]? Vamos ao art. 2º. O art. 2º, II, diz que não. Mas você tem que ir ao art. 197, em que há a ressalva: enquanto não houver lei específica, esta lei aplica-se subsidiariamente a todas essas pessoas de que acabamos de falar.

Então a discussão que temos de enfrentar é: como compatibilizar o art. 2º, II, com o art. 197 (que você já fez a remição). É aplicável a lei [Nova Lei de Falências] ou não.

Vamos primeiro em relação à falência, que parece mais clara a questão. Nós sabemos que o Banco Santos está em liquidação extra-judicial. Lá na liquidação extra-judicial, na Lei 6024/74, no curso da liquidação, existe um momento em que o liquidante, nomeado pelo Banco Central, ele é obrigado a pedir a auto-falência da instituição liquidanda, quando o ativo não fizer frente a cinqüenta por cento do passivo quirografário. Então, se você se deparar com um passivo quirografário e o ativo não faz frente a cinqüenta por cento, aqui o liquidante é obrigado pela Lei 6024/74, art.21, a pedir a auto-falência da instituição. Estar ele impedido de requerer a auto-falência com base no artigo 2º ou não? Isso me pareceu, e estou trazendo aqui uma questão que já passamos porque isso está ganhando uma proporção enorme. As pessoas, às vezes, vão sem qualquer tipo de ressalva ouvir algo. Você sempre vai lá, com uma postura de ouvir, mas sempre com o pé no chão. Eu já tenho uma bagagem jurídica. Eu já posso interpretar isso. Eu cheguei em um evento em São Paulo e estavam catequizados de que o Banco Santos não poderia pedir a auto-falência porque o art. 2º veda. Ora, e me parece exatamente o contrário. Me parece que a lei se aplica já que o art. 197 diz que enquanto não houver lei especial para o artigo 2º, II, para essas pessoas, aplicar-se-á a falência. O que o legislador pretendeu aqui foi se for uma falência ou uma recuperação de uma dessas pessoas aqui, eu elaborarei uma lei especial para elas porque elas são diferentes. Há mecanismos diferenciados. Mas há vozes muito altas que dizem que não tem aplicabilidade. Claro que tudo tem uma razão de ser, um conteúdo por trás. Há algumas pessoas que assim estão dizendo, são os advogados do Banco Santos, são pessoas interessadas, ligadas à própria questão. E que também são professores conhecidos. E aí acabam disseminando essa idéia. Mas me parece isso aqui de uma clareza solar. É claro que você vai poder aplicar.

Mas e a recuperação? Não, porque a falência é uma questão mais simples. Aqui no meio [o liquidante nomeado pelo BACEN] vai ter que pedir. E o plano de recuperação é possível? Pode, por exemplo, o liquidante do Banco Santos apresentar um plano de recuperação ao invés de requerer a falência?

Manifestação de aluno: se o BACEN autorizar, eu não vejo problema ...Mas o Banco Central pode autorizar sem previsão n Lei 6024/74? Aplicando a Lei 11.101/05

subsidiariamente? A questão é: o art. 21, ele fecha e diz: só poderá haver falência, e só pode requerer falência, ou ele abre a possibilidade de você apresentar um plano de recuperação? Dentro de toda a ótica, de todo o novo sistema de insolvência empresarial, nós estamos falando de alguém que é muito importante para a economia. Nós estamos falando de alguém que é responsável pelo desenvolvimento do país. Hoje o que gera a economia são as instituições financeiras. São elas as gestoras, o dinheiro está lá.

Elas são as responsáveis diretas. Nós estamos vendo agora aí até pelas eleições dos candidatos. Até os candidatos são eleitos em razão delas. Então elas têm um poder, uma influência, muito maior. E uma realidade. Está na hora de agente parar com a hipocrisia, eu sempre falei, quanto custa ser vereador? R$ 600 mil. E deputado estadual? R$ 1.500.000,00. E deputado federal? R$ 2 milhões. Custa. Nem adianta tentar por menos. Não se amole porque você não será eleito. E depois como é que você vai prestar contas para o promotor eleitoral? A prestação de contas de um vereador é de R$ 30mil. O resto ele arrecadou na campanha. A propaganda de um deputado estadual custa no máximo R$ 200 mil, R$150 mil declarados. E quanto custa o menino de rua, para panfletar? Ele cobra R$ 30,00 por dia. Quantos tem na rua, panfletando, por dia? Então, é uma realidade. E diante de toda essa realidade nós sabemos que aqui está o desenvolvimento, a mola propulsora do desenvolvimento econômico, como é que eu vou dizer que não cabe recuperação? “Ah, porque a Lei 6024 fecha na falência”. A Lei 6024 não parece fechar na falência porque ela não fecha na falência. Ela só diz: nesse momento, se esse for o fato, o liquidante deverá requerer a falência. Da mesma forma que no dia-a-dia, se eu estiver devendo mais que 40 salários-mínimos, eu devo pedir a minha auto-falência. Agora isso não quer dizer que eu estou impedido de recuperação, ao invés da falência. Nesse momento, então, ou até mesmo antes, poderá o liquidante intentar um plano de recuperação. A grande verdade é que isso vai acontecer porque existe um órgão regulador que vai autorizar todos os atos do liquidante e dificilmente um plano de recuperação será apresentado por uma instituição financeira. Muito difícil de acontecer porque, primeiro, o BACEN sabe, e o próprio banco que estiver em liquidação sabe: se o Banco Santos abrir as portas hoje ninguém pisa lá dentro, ninguém faz mais nada com ele, então vai ser uma questão quase impossível de acontecer. Mas nada impede que se chegue o Itaú, o Bradesco e diga: “Banco Santos, vem cá. Você tem uma carteira de clientes. Me interessa essa carteira. Você tem agências. Me interessam essas agências. Você tem uns empréstimos em andamento que me interessam. Vamos elaborar um

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plano de recuperação? Eu entro com tanto, você paga o que deve, alguns vão sofrer, todo mundo sofre, eu assumo isso, levo adiante, você está construindo quatro prédios, eu construo esses prédios pela Bradesco Imobiliária, seja lá o que for, e toco para frente.” E isso não está dentro do objetivo da lei? Então como é que eu vou dizer que a lei veda isso? Então toda a interpretação deve ser no sentido do interesse social, função social da empresa. Pode a instituição fim se valer do plano de recuperação judicial? Poderia, por essa razão.

O que vai derrubar tudo o que falamos é o art. 198. O art. 198 vai ruir todo o nosso raciocínio. O que diz o art. 198? “OS devedores proibidos de requerer concordata nos termos da legislação específica em vigor na data da publicação desta Lei ficam proibidos de requerer recuperação judicial ou extrajudicial nos termos desta Lei”.

O art. 198 pôs por terra tudo o que nós dizíamos. O art. 198 diz que aqueles que não podiam pedir concordata não podem pedir recuperação. E aí estavam todas essas pessoas, como as instituições financeiras, companhias seguradoras, de previdência privada e tantas outras.

Ora, então por que você falou aquilo tudo? Só para confundir a gente?Não, eu falei porque tudo o que eu falei já estava sendo ventilado e seria levado ao conhecimento do

Judiciário para a Transbrasil. A Transbrasil não pode, como nenhuma companhia aérea podia, pedir concordata. E já se estava desenvolvendo um estudo aprofundado, sob o ponto de vista constitucional, desta vedação do Código Brasileiro de Aeronáutica. Então já estava sendo levantada a inconstitucionalidade desse dispositivo com base no princípio da função social da empresa, que não se coadunava com aquele dispositivo. E aqui a mesma idéia se é ventilada no art. 198. Por que o artigo 198 vai vedar a recuperação por determinadas atividades? Ora, imaginem atividades que estão intimamente atreladas ao dia-a-dia da gente? Seguros. Seguro de vida. Banco. O dinheiro esta no banco, se o banco fechar, já era. Plano de Saúde, etc. são coisas ligadas a todas as pessoas. Como você vai dizer que não haverá possibilidade de recuperação? O art. 198 diz que não haverá possibilidade de recuperação. E essa talvez tenha sido a base desse artigo que você leu. Então o art. 198 veda a recuperação para as pessoas do art. 2º. E no art. 2º você já tem a remição ao art. 197 e ao art. 198. O art. 198 veda [a recuperação] e o que você vai fazer é suscitar a inconstitucionalidade do dispositivo.

Como a Varig se valeu do plano de recuperação se a Transbrasil, também companhia aérea não pôde? Ué, a Transbrasil não pôde, a Varig também não poderia. Nós temos o chamado “artigo Varig”. O artigo-Varig é o art. 199. Temos o artigo-Encol, que nós já vimos... esse [o artigo 199] é o artigo-Varig. Ele surgiu para a Varig. O lobby, todo o trabalho foi feito no final da tramitação do projeto de lei para que as companhias. Aéreas pudessem se valer da recuperação. E a Varig, então, pelo art. 199, companhia aérea, esse aqui é o próprio Código de Aeronáutica, Lei 7565/86, a Varig, então, pôde se valer da recuperação, já foi seguida agora pela Vasp. A Vasp também já pediu a sua recuperação em São Paulo.

Pergunta de aluno: e a Parmalat?A Parmalat também. A Parmalat daqui está bem. A Parmalat do Brasil passou por um momento de crise

que já foi estancado de forma bastante eficaz e aqui ela adotou uma estratégia empresarial que é a seguinte: ela começou a comprar todas as grandes produtoras de laticínios, então ela controla a Batavo, a Leco, várias produtoras de iogurte, queijo, aquela coisa toda. Todas saudáveis. As que estão abaixo dela estão extremamente saudáveis. E ela, Parmalat, estava mal porque a italiana estava mal. E o que eles fizeram? Estancaram o problema lá imediatamente. E hoje é, até, o que a nova era talvez, quem sabe um dia, nós consigamos isso: você tem um problema? Tenho. Chegou, está aqui o problema. É boa-fé objetiva. Você desviou dinheiro? Desviou, quanto foi? R$ 46 milhões. Você tem R$ 46 milhões para devolver, mais o prejuízo, que totaliza R$ 60 milhões? Tenho. Então, devolve os R$ 60 milhões, eu coloco seu nome no Cartório de Interdições e Tutelas, você nunca mais vai poder administrar nada e acabou o processo para você. Está bom assim? Foi assim o acordo que fizeram com um executivo americano com o Ministério Público de lá. Os promotores de Nova York fizeram esse acordo com ele. E está bom para todos: para a empresa, para o executivo, para a sociedade. Fica ótimo. O que adianta colocar o Nicolau na cadeia? Ele fica lá velho e doente. E não adianta nada. Ele não devolveu o dinheiro. Aqui, não, aqui a gente fica querendo prender esse tipo de gente. Não tem como. Na Parmalat italiana foi isso que aconteceu: estancou o problema, prendeu todo mundo, eles estão devolvendo o dinheiro, fazendo acordo. E ela está se recuperando. O que foi feito na Parmalat em são Paulo, a recuperação dela lá foi uma loucura, foi um absurdo jurídico. Um credor entrou com uma cautelar de arresto em face da Parmalat. E a cautelar de arresto, todos nós sabemos, tem lugar quando o devedor está dissipando seus bens e o Judiciário os bloqueia todos; a cautelar de seqüestro visa bem determinado porque esse é o bem que tem que ser entregue. Pois bem, o credor de São Paulo disse ao Judiciário que o devedor Parmalat estava se livrando dos bens e que esses bens tinham de ser arrestados. O Judiciário de são Paulo defere a liminar, afasta o administrador, nomeia um administrador, instaura o concurso universal de credores. Ele misturou a lei que estava por vir ainda com a falência, numa salada que não teve tamanho. Resultado: o que foi feito lá e por que demorou a ser resolvido? Porque não poderia uma decisão dessa repercussão no mundo ser modificada imediatamente, até mesmo sob o ponto de vista prático, foi coerente. Tem certas horas que você tem de agir com equidade. Vamos ver, o Tribunal não podia, e o Tribunal já revogou aquela decisão dizendo que era uma sandice total, não tinha razão nenhuma de ser e mal ou bem ela [a Parmalat] acabou se reerguendo em razão disso.

Tem que, então, requisito subjetivo, ser empresário ou sociedade empresária, tem que ser regular, e essa aí a questão do artigo 2º com o art. 197, que é a questão que está aí na ordem do dia. Muita gente está se debatendo por causa disso.

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Pergunta de aluno: é só discutir a constitucionalidade do art. 198, NLF; não é para discutir a constitucionalidade das leis que proibiam a concordata, não?

É. Via reflexa você vai alcançá-las. Mas a questão é via art. 198, Nova Lei de Falências, e conseqüentemente você vai discutir a constitucionalidade das leis especiais que vedam a concordata. Você impede que a pessoa se recupere, e isso ofende a função social da empresa. Por que você vai matar algo que pode se recuperar. Você não pode presumir que é sempre impossível a recuperação. Pode ser viável, pode ser possível.

Pergunta de aluno: a Transbrasil, porque era maior, não vai se recuperar?A Transbrasil está preparando um plano de recuperação e vai apresentar também. A Vasp pediu, mas a

gente sabe que ali é muito difícil. A situação dela é mais complicada.

Requisitos objetivos para a recuperação. Eles estão dispostos no art. 48, Nova Lei de Falências.

Pergunta de aluno: uma questão de direito intertemporal. Admitindo-se que as empresas possam obter o benefício da recuperação, mesmo as que já estavam com a liquidação em curso, ela [a recuperação] é possível? Ou a intervenção ou liquidação extra-judicial?

Você vai aplicar o art. 192 que diz que a Nova Lei de Falências não se aplica às falências e concordatas em curso. Se você seguir a linha de que o art. 198 é inconstitucional e a instituição financeira poderia se valer da recuperação, não estará na restrição do art. 192, porque intervenção não é nem falência nem concordata, aí você poderia. Mas primeiro teria que percorrer o caminho pela possibilidade.

Requisitos objetivos. Art. 48. A primeira coisa que você deve falar no art. 48 é que na lei anterior recuperação era um ato de falência. Hoje toda a recuperação que aqui está era absolutamente obstada pela LF/45 porque o Decreto Lei 4661/45, em seu artigo 2º dizia que “convocar credores para propor remissão, dilação ou extinção de crédito” era um ato de falência. Então o cerne da recuperação é buscar uma forma diferenciada de pagamento, e isso era considerado ato de falência. Você poderia falir. Toda a Lei, inclusive a exposição de motivos da Nova Lei de Falências, abre assim, a primeira coisa que temos que fazer é vedar, é afastar, melhor dizendo, é afastar o ato de falência de convocar credores propondo a dilação, remissão ou extinção dos créditos. Outro item que deve ser falado antes mesmo de ser abordado o art. 48 é que o protesto não impede a recuperação porque o art. 158, IV, LF/45 dizia que quem tivesse título protestado não poderia pugnar por concordata. Hoje, na Nova Lei de Falências, você terá apenas no art. 51, VIII, você terá a indicação que na sua inicial deverá ser apresentada a sua relação de títulos protestados. Isso apenas para verificarmos qual a real situação financeira. Então, esses dois itens, desde já, devem ser ressaltados porque são bastante diferenciados do sistema anterior.

O art. 48, em alguns meios, traduz uma regrinha que é bem parecida com os requisitos da concordata da lei anterior. O primeiro, que nós já vimos, é que o requerente deve ser empresário ou sociedade empresária regular, há mais de dois anos.

Na LF/45, a mesma regra existia para os dois anos. E aí a discussão surgida era: eu exerço minha atividade regularmente há um ano e onze meses. Posso pugnar por recuperação? Na lei anterior poderia pugnar por concordata se eu exercesse a atividade por um ano e onze meses. Ou não: só com dois anos e um dia? Na LF/45, e eu sempre quando falava de falências na lei anterior, sempre disse o seguinte e aqui também terá cabimento. Algo que nós aprendemos desde a faculdade, o Judiciário não legisla, no sistema de insolvência o Judiciário não legisla. Isso é mentira. No sistema de insolvência o Judiciário legisla. E todo o mundo concorda. Já vimos um exemplo que é muito marcante: prazo para o depósito elisivo. Na lei anterior, era de 24 horas, na NLF é de dez dias. É verdade? Não. Então ele [o Judiciário] acabou de legislar e todo mundo concordou. E todo mundo diz: se ele pedir a guia com 30 dias você não vai deferir? Claro que vai. E se ele pagar, acabou. Ninguém vai dizer: ”Não! Não vou deferir. Você vai falir. Vamos botar todo mundo na rua. Que se ferre!” Claro que não. Aqui é a mesma coisa. Esses dois anos daqui não são novidade. Esse prazo não é novo. Quem vier com um ano e onze meses demonstrando que tem condição de se reerguer, que tem condições de pagar o que deve, ora, será deferido, sim, o plano de recuperação. E isso não é coisa nova. Senão daqui a pouco vai vir alguém proclamando a novidade dos dois anos. Novidade só se for para quem não lei o Decreto Lei 7661/45! Então há uma certa maleabilidade. Tudo que diz respeito a prazo tem uma certa maleabilidade, uma flexibilidade por causa da função social da empresa.

Ultrapassando isso, o sujeito terá de apresentar, cumulativamente. Eu não sei se vocês fazem isso, mas na minha lei sempre que tem um “cumulativamente” tem um “+”. Na hora da prova, são só 15 minutos para resolver cada questão do provão, então isso aqui salva, com isso aqui você não escorrega de jeito nenhum. Viu o “+”, é cumulativamente. Não erra mais: não ser falido, se o foi, ter suas dívidas declaradas extintas por sentença transitada em julgado as responsabilidades daí decorrentes. Isso aqui mostra que falência não é causa de dissolução da sociedade. Ao contrário do que diz o art. 1044, Novo Código Civil, vai dizer que: “A sociedade se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência.” A NLF ao dizer: “ou se o foi ...” está dizendo que é possível alguém ter falido e continuar vivo e continuar exercendo a sua atividade.

Como é que a gente interpreta o art. 1044, NCC, se sabemos que a falência não é causa de extinção da personalidade jurídica? Você tem a dissolução lato sensu, que é todo o procedimento que acarreta a morte, a

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extinção. O primeiro ato da dissolução é a deliberação de encerrar a atividade. O segundo ato é liquidar. O terceiro ato, extinguir. Então: deliberar pela morte, liquidar e extinguir. O que o art. 1044, NCC, está querendo dizer que as duas primeiras etapas estarão supridas pela falência: a deliberação por encerrar, a sentença decreta a falência já terá esse condão. Liquidar. Ora, todo o processo de falência visa a liquidação. Ora, a terceira etapa, a extinção, ou seja, ir à Junta dizer: “olha, to lavrando a certidão de óbito”, é que vai depender da manifestação do devedor, outrora falido, ou do empresário ou da sociedade empresária porque nem mais devedor ele ou ela é mais. Perceberam mais uma vez como a falência não é causa de extinção da personalidade, apesar de o art. 1044 assim estipular. Pode até colocar uma remição aquela remição nós sabemos, “não ser falido”, e fazer uma remição ao art. 1044, NCC. Cada um tem seu método de remição. Essa remição é para dizer que não é aplicável, não está correto. Aí fica a seu critério: ou você coloca aspas, ou põe uma nuvenzinha, sei lá. Você tem é que lembrar é que falência não é causa de extinção da personalidade jurídica.

Número dois: não ter, há menos de 5 anos obtido concessão de recuperação judicial. Igualzinho à concordata, anteriormente art. 140. Por quê? Para evitar que você vá lá, pague metade do que deva e fique livre. E se prevalece disso. E daqui a um ano vem ele de novo. O prazo então é de cinco anos.

O inciso II avançou muito quando disse “obtido”. De “obtido” você puxa uma seta para o art. 58 ou 63. E ai, entre (), você coloca art. 52, § 4º. Remição conta a história para você. E qual é a história dessa remição? É a discussão antiga do Superior Tribunal de Justiça que lá na concordata já havia sido resolvida e aqui na recuperação também vai surgir. Qual? Eu, no dia 10 de janeiro de 2000, eu peço, eu ingresso com o pedido de recuperação. Nós vamos ver todo o procedimento é um pouco complexo, vamos abrir um item só para procedimento, mas pedida a recuperação, é feita uma análise prévia dos requisitos e aí é deferido o processamento. Então você tem primeiro uma decisão de processamento. Você processa. Isso foi, imaginemos, em 10 de fevereiro de 2000, um mês. Deferido o processamento, nós temos você tem 60 dias para apresentar o plano. É o momento em que a Varig está. Já lhe foi deferido o processamento e em 60 dias ela tem que apresentar o plano de recuperação. Aqui poderá ou não haver Assembléia Geral de Credores. Os credores podem não pedir a convocação da Assembléia Geral. Vamos imaginar que foi deferida e os credores aprovaram o Plano. E aí sim vem a remição ao art. 58 porque é quando ela é concedida. É apenas aqui em que há a concessão da recuperação. É o art. 58. Concedida a recuperação ela será cumprida, ou melhor, ela terá início. Mas terá início o quê? Não sei. A gente vai chegar no Plano e tudo o que você imaginar pode caber dentro do Plano. Tudo, mesmo! Pagamento com desconto, venda do estabelecimento, usufruto da empresa, assunção da administração pelos empregados, cisão, fusão, incorporação ... Tudo o que você imaginar. O que importa é que o plano começará a ser cumprido e ao final do Plano, ao final do prazo fixado para cumprimento do plano, haverá então, e aí estará a outra remição entre (), art. 63 porque é a sentença que julga cumprida, é a sentença de cumprimento da recuperação.

Sentença de cumprimento. E eu coloquei entre () o art. 52, § 4º, que diz “O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembléia geral de credores”.

Então a partir do processamento, desistência. Mas por que o sujeito vai pedir e depois desistir? Estrategicamente, no âmbito empresarial isso vai acontecer bastante porque quando você ingressa com o pedido de recuperação você já ingressa com o fato e isso abala. E é possível que as pessoas te procurem e digam que o devedor se precipitou, que não há necessidade de pedir recuperação. Agora que o credor está manso é que é a hora de resolver o problema. É que às vezes são 3 ou 4 credores que estão aborrecendo a vida do devedor e não cedem por nada. Só que eles sabem que há um credor que é uma bomba, e que não há como saldar esse passivo de jeito nenhum. Esse credor é o Fisco. O sujeito pede a recuperação, e nós vamos ver que o Fisco não está automaticamente submetido a ela, o devedor pede a recuperação e os credores vêm à sua procura. Eles sabem que vão se arrebentar porque o devedor não vai conseguir se recuperar porque o Fisco não vai querer parcelar e o devedor vai à falência. E com a falência esses credores chatos vão se ferrar e não vão receber nada. Então eles [os credores chatos] se propõem a conversar e negociar.

Isso vai acontecer muito. Desistir do pedido de concordata já acontecia muito. Aliás já caiu na prova do Ministério Público. A discussão era: é cabível desistência do pedido de concordata? A jurisprudência já tinha chancelado a possibilidade e a lei dizia que podia desistir até o processamento sem a manifestação de ninguém. E após o processamento, aí você precisa da manifestação dos credores. Nada mais faz do que contemplar o que o STJ sempre disse. O professor Rubens Requião já começava a defender isso doutrinariamente e o STJ depois seguiu. E o que o STJ passou a dizer? Pode haver desistência da concordata sempre, desde que os credores fossem ouvidos. Agora mudou. A NLF não se contenta com a oitiva dos credores. Ela quer a aquiescência. Se os credores anuírem, pode haver desistência. Caso contrário, não. Por quê? Porque o cerne da lei é “toma que está com vocês”. O problema está aí. Eu, Poder Público, vou ficar aqui só monitorando, só vendo se está tudo bem. Vocês é que vão resolver o problema de vocês. Então eles [credores] têm uma ingerência maior. E onde essa questão toda chega? Quando é que conta o prazo de cinco anos? O termo inicial é o “obtido”. Vocês sublinharam. É a mesma coisa da lei anterior. Quando da concordata a discussão também existia. Quando é que conta o prazo? Obtido é o que? O processamento? Não. É a concessão? Pode parecer que sim, mas e se eu desistir após a concessão? Pedi a recuperação. Foi deferido o processamento, foi aprovado o meu plano. Comecei a cumpri-lo e de repente eu apresento a desistência e a Assembléia Geral de Credores concorda. Homologada a desistência. Um belo dia, dia 10 de janeiro de 2004, eu ingresso com um novo pedido de recuperação. Pode? Se eu contar daqui [10 de janeiro de 2000, pedido de recuperação], não dá cinco anos. Se contar daqui [10 de fevereiro de

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2004, data do deferimento de processamento da recuperação], muito menos. Obviamente, aqui não dá para obter cinco anos de lugar nenhum. Posso ou não [em 10 de janeiro de 2004 requerer a recuperação]?

O STJ sempre disse que a ratio legis, a mens legis do termo “obtido” é impedir que você se beneficie duas vezes em menos de cinco anos. E para que você se beneficie efetivamente é necessário que você tome o remédio todo. É como se no primeiro dia você tomasse um laxante. No segundo dia, você tomasse uma anestesia para colocar um tubo para o exame. Aí você vai para a sala de procedimento. Lá eles te dão algo para você inalar e você começa a ver tudo redondo. Ora, se ele começar a colocar o tubo e parar, houve o procedimento? Não. Pode fazer amanhã? Não. Se você fizer o mesmo procedimento dois dias seguidos vai machucar tudo, não pode. Não, mas ele não enfiou o tubo não. Teve que parar tudo porque acabou a luz, ou teve um problema qualquer. Amanhã ele pode tomar o laxante e tomar a anestesia de novo? Nesse caso pode. Então, o que se quer dizer é o seguinte: o benefício só existe se ele cumpre todo o procedimento, quando ele tomou o remédio todo. É essa a razão de ser da lei. Se ele desistir antes, se ele não obteve benéfico, não há que se falar em início da contagem do prazo de cinco anos. Isso foi muito debatido quando das Óticas Ponto de Vista, Ótica do Povo. Pediu concordata preventiva, não cumpriu, quebrou, falência. E aí no curso da falência, como antes podia e hoje não pode, pediram concordata suspensiva. E aí como o prazo de cinco anos estava como requisito de prazo geral para a concordata, você ia olhar que havia menos de cinco anos entre a concordata preventiva e a concordata suspensiva. E foi negado o pedido de concordata suspensiva em primeiro grau por causa disso. E o STJ reformou a decisão porque o STJ disse o seguinte: lá, quando ele pediu a preventiva, ele não obteve o benefício. Ele foi à falência. Então agora ele pode pedir a suspensiva sem problema algum porque ele não se beneficiou. Esse exemplo das Óticas do Povo não vai se repetir porque não cabe recuperação no curso da falência. Ou é recuperação ou é falência. Se é falência, já era. Foi para o buraco e não tem mais jeito. Não cabe mais recuperação no meio como cabia concordata.

Então vocês vejam como um único inciso pode gerar uma baita controvérsia. E essa é uma boa perguntinha muito boa..

Pergunta de aluno: se a Assembléia de Credores negar o pedido de recuperação, ele vai ter que esperar outros cinco anos também ou não?

Se a Assembléia negar a desistência, a recuperação continua.Veja: a Assembléia só vai se manifestar se ela suscitar a sua instalação [rectius, se os credores

suscitarem sua instalação] ou se o Juízo da recuperação entender que é hipótese de instalação. Em todos os casos, a manifestação ou será requerida pela Assembléia ou o Juízo a determinará. Não tenha dúvida: a Varig terá Assembléia Geral de Credores.

Pergunta de aluno: e se a Assembléia Geral de Credores não aceitar o plano de recuperação?Aí é falência direta.Só há uma hipótese em que o pedido de recuperação é indeferido e a falência não é decretada sem ser

caso de desistência de recuperação: se o devedor não for empresário ou sociedade empresária. Se esse for o motivo da denegação da recuperação, o requerente não pode se valer do benefício por falta de legitimidade. Como é que você vai decretar a falência de quem não é empresário (seja pessoa jurídica ou pessoa natural). Essa pergunta é boa!

Mas isso pode acontecer

virada da fita –

Você compra um plano, e ele falou com toda a razão, com toda a experiência que ele tem sobre a matéria: essa lei foi feita é uma lei para as Parmalats, para as Varigs do nosso país. É uma lei que não foi feita para o povo, para a realidade brasileira. Por isso é que tem que ter um passivo e um ativo de lastro. Mas é claro que você ver a utilização da recuperação para qualquer um o que a pessoa vai fazer? Ela vai comprar um plano de recuperação. Já tem escritórios de contabilidade com planos de recuperação com menu. Você compra um plano de recuperação, desse tamanho, por R$ 1.000,00. E você está dentro daquele plano. Um plano que vem com argumentos econômicos e financeiros, é só você mudar um nomezinho, inserir a sua atividade e isso vai acarretar na suspensão do requerimento, na análise dos requisitos, na análise pela Assembléia Geral de Credores, você ganha quase 6 meses nisso e lá na frente descobre-se que o que você quis foi é ganhar tempo porque você não é nem sociedade empresária nem empresário. Não esqueçam de um outro fator: hoje em dia se ganha dinheiro com o serviço. E quando o prestador de serviço tiver uma característica intelectual que não foi absorvida pelo elemento de empresa, ele poderá movimentar uma quantia enorme e não se submeter a esse sistema. Está vendo como pode acontecer [de alguém querer despender uma quantia enorme para postular a recuperação sem ser empresário]?

Pergunta de aluno: qual o interesse de uma pessoa em postergar a decisão?Ela ainda não quer enfrentar esse ponto. Postergar é uma estratégia dela para negociar com os outros no

mercado

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Essa discussão sobre os 5 anos já existia, e como vocês estão vendo, vai continuar. Vocês agora com essas remissões, vocês lendo cada uma delas vocês vão lembrar direitinho na hora da prova do que a gente falou, inclusive a dos (), sobre a desistência ou não.

Pergunta de aluno: o pedido de recuperação é uma ação, não é?É, tem a natureza jurídica de ação.

Pergunta de aluno: essas condições não deveriam ser analisadas inicialmente pelo Juiz para deferir ou indeferir o processamento?Um dos primeiros itens a serem enfrentados é se o sujeito é ou não empresário [legitimidade ativa]. E como você analise se o sujeito é ou não empresário? Com o contrato social. E é definitiva essa análise? Se o sujeito faz constar no contrato social que ele compra e vende mercadorias ele é empresário? A resposta é: parece que sim. Todos os indícios apontam para o sim porque o registro ao contrato no nosso país tem a característica constitutiva da personalidade jurídica: art. 45 e 985, NCC. Agora, para fins de classificação, para saber se ela é ou não sociedade empresária, a cláusula contratual tem natureza declaratória. Então é possível que aquela pessoa, no requerimento, ela apresente que o contrato está na Junta Comercial e que lá esteja toda a sua atividade indicada. Só que no curso do processo pode ocorrer que as pessoas demonstrem que ela esteja no lugar errado. Ela um dia já fez isso, mas hoje ela não o faz mais. Hoje o objeto dela não é ato de empresa; ela deveria constar no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Então ela não poderia estar sujeita ao sistema de insolvência empresarial.

Além desses requisitos, certamente você vai observar os requisitos da petição inicial, art. 282, CPC.O inciso III vai dizer: não ter obtido a menos de 8 anos concessão de recuperação com base em plano

especial da Seção V deste Capítulo. Essa Seção V é a recuperação para M.E e E.P.P: micro empresa e empresa de pequeno porte: art. 70. Pode até fazer essa remiçãozinha para não perder tempo. Tempo na hora da prova é só o que falta.

E alguém vai se valer disso? Não, porque é igualzinho à concordata.

Pergunta de aluno: então aí não seria cumulativo. Seria uma ou outra, conforme seja M.E. ou E.P.P.E aí ele fala cumulativamente. Na verdade o que você tem que apresentar é uma certidão negativa. Nesse

ponto, seria mais técnica essa análise.Quarto [requisito]: não ter sido condenado, ou, não ter sido como administrador ou como sócio controlador

pessoa condenada em um dos crimes previstos nesta lei.Esse inciso sempre foi muito guerreado na concordata e está repetido aqui de forma mais violenta. Porque aqui diz que você não pode ter sido condenado por nenhum dos crimes previstos nesta lei. Ora, a gente só vai imaginar que o devedor só pode ter sido condenado por um crime previsto nesta lei quando já passou pela falência, é uma hipótese, e aí foi a própria sociedade que praticou um ilícito penal. A 2ª hipótese, quando a pessoa, na qualidade de administrador, diretor, não pode ter sido condenado por um desses crimes. E a 3ª hipótese, na qualidade de sócio controlador. Visualizem, meus amigos. Nós temos 18 mil funcionários. É o caso da Varig. Cada pessoa economicamente ativa no Brasil tem 3 dependentes, em média. Então você multiplica isso por 4 para você saber efetivamente o número de pessoas que efetivamente dependem dessa companhia. Você tem um número de credores ao longo do país que se movimentam em razão disso. Se, por uma razão qualquer, a Varig contratar um diretor, e normalmente o diretor da S.A. é externo, ele é contratado, e a Varig contrata um diretor que tenha sofrido uma condenação anterior pela prática de um crime desses. Esses 18 mil funcionários estão ferrados, os credores estão ferrados, toda a companhia está impedida de postular a recuperação. Visualizaram isso? Pior ainda: eu adquiro o controle de uma grande companhia. Não sou nem administrador nem diretor, sou controlador. Tenho muito dinheiro, vou lá e adquiro o controle. Agora teve a oferta pública da Renner S/A, a JCPenny que era a controladora, com 98%, colocou todas as suas ações no mercado. Aí um cara cheio da grana compra o controle. Lojas Renner, um mundaréu de empregados, um mundaréu de credores. Se eu, novo controlador, por acaso tiver sido condenado alguma vez por um crime dessa lei, está todo mundo ferrado.

Ora, é possível isso? Você não pode imaginar isso, mas é o que está escrito. A primeira ressalva imediata e que não vai suscitar controvérsia nenhuma é: se você tiver sido condenado e já estiver reabilitado, e é aquela reabilitação penal do Código Penal, esse dispositivo não tem aplicabilidade. Isso não se discute. Eu não posso taxar uma pessoa o resto da vida porque ela sofreu uma condenação. A reabilitação penal já afasta esse dispositivo. Façam a remição, art. 94, Código Penal.

A segunda ressalva refere-se ao preceito constitucional de que a pena não passará da pessoa do condenado. A pena é sempre adstrita à pessoa do condenado. Eu não posso penalizar todos os credores, todos os funcionários nem a própria companhia porque o diretor ou o controlador eventualmente cometeu um crime. Então haveria uma vedação: art. 5º, XLV, Constituição Federal [1ª parte]. E nesse ponto seria inconstitucional, como já era suscitado em relação à concordata.

Pergunta inaudível: essa inconstitucionalidade seria só em relação ao administrador e ao controlador, né?Em relação à sociedade em si. Você também não poderia levantar essa tese? Olha só: e os credores? A

recuperação não é vista como um benefício para a sociedade, para o empresário. A recuperação é vista como destinada para a sociedade – coletividade. Eu vou condenar a sociedade-coletividade porque aquela pessoa jurídica praticou no passado um crime contábil, por exemplo? Parece que não. Parece que você não pode obter

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esse alcance. Aqui, alguns deslizes são cometidos na Lei, e esse é um deles, quando você acaba trazendo aquela marca de que seria um benefício para o empresário enquanto na verdade o benefício é para a coletividade. Então se a pessoa natural empresária ou se a pessoa jurídica empresária cometeu um deslize, isso quer dizer que todos serão penalizados? Que ela não pode se reerguer, mesmo que ela tenha condições de fazê-lo? Porque ela foi condenada vai todo mundo para a rua? É falência, é desgraça total? Não, você não pode alcançar essa visão.

Outra questão interessante: pode o credor requerer a recuperação do devedor? Não, não pode. Existem sistemas em que isso é possível. O próprio Ministério Público, o Estado, o próprio Judiciário pode decretar de ofício a recuperação. Pode determinar o seguinte. Você está sujeito agora à recuperação. Os credores me trouxeram um Plano de Reestruturação para você. Não pode. A Nova Lei de Falência não admite. O art. 48 diz que é o devedor. No máximo o art. 48, parágrafo único diz que os herdeiros, pessoas que ali estiverem, o cônjuge sobrevivente, claro que na hipótese do empresário individual, apenas eles. Os credores, não. Acho até que a evolução natural será nesse sentido, de que os credores, um dia, possam pugnar pela recuperação do devedor. Eles afirmarão que a atividade desenvolvida tem função social extremamente relevante e nós temos um plano para reergue-la. E aí o Judiciário, ou a pedido dos devedores, ou de ofício, poderá alcançar em desiderato. Mas é algo ainda remoto.

Outro item que não está aqui e que suscita uma das maiores discussões atualmente foi dito pelo professor Jorge Lobo, com sapiência e experiência que lhe são peculiares, que 50 milhões seria o razoável, uma pessoa que tenha um passivo de 50 milhões. Se eu ostentar um passivo inferior a 40 salários mínimos eu posso requerer a minha recuperação? 40 salários. Todos já se lembram que isso está na falência, art. 94 I; você pode requerer a falência se o sujeito estiver devendo mais de 40 salários mínimos. Ora, se ele não esta devendo 40 salários mínimos ele não é presumidamente insolvente no Brasil. Pelo menos é isso que está prevalecendo de acordo com o texto da Nova Lei de Falências. Só quem deve mais de 40 salários mínimos é que é presumidamente insolvente. Quem deve menos, não. A outra possibilidade seria a da prática de atos estranhos, atos de falência.

Aqui, quando você vai pugnar pela recuperação, você poderá pugnar pela recuperação se o seu montante for inferior a 40 salários mínimos? Numa cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, se você pegar, por exemplo, São Fidélis, você vai ver uma fábrica. Vamos pegar uma cidade que todo mundo conhece, vamos pegar Mangaratiba. Tirando a rede hoteleira vocês saem que o Mediterranee fica em Mangaratiba e é um dos grandes responsáveis pelo recolhimento de ISS, é ele que praticamente movimenta a cidade, a cidade tem fluxo econômico em que: padaria da esquina, leiteiro, jornaleiro, aquele restaurantezinho, mais nada. Agora naquela cidadezinha lá, se a padaria estiver devendo R$ 8.900,00 ela não vai ter direito a recuperação? Gente, é muito sério, se a padaria fechar, não vai ter pãozinho nem leite de manhã. Vai ter que ir até Angra comprar pãozinho! Se você for olhar o Brasil amiúde, será que quem deve menos de 40 salários mínimos não tem direito a recuperação?

Pergunta inaudível: mas e a lei determina valor para a recuperação?Na parte de recuperação, não.Mas no sistema de insolvência empresarial a questão é essa: o sistema de insolvência empresarial está

pautado nos 40 salários mínimos ou não? Então fica no ar. Não tem opinião prevalente. Os autores ainda estão recalcitrantes em opinar, não há enfrentamento, mas nos eventos, nas palestras, muito tem sido suscitado.

Comentário de aluno: até porque se o legislador quisesse um piso ele teria fixado um valor para a recuperação como ele estabeleceu para a falência.

É, esse é um argumento. Um outro argumento é o sistema de insolvência empresarial hoje é, pra você ser presumidamente insolvente, para você estar em dificuldade, você precisa dever mais de 40 salários mínimos. Então para pedir recuperação você também deverá apresentar-se como devedor de 40 salários mínimos.

Comentário: é, e se você postular recuperação com menos de 40 salários mínimos, se ela for negada, haverá uma falência com passivo inferior a 40 salários mínimos.

Comentário: só que na falência você pode ter um litisconsórcio para juntar os credores, e no pedido de recuperação, não.

Mas esse item que ela suscitou é interessante porque, por via reflexa, você pode ter a falência de alguém por menos de 40 salários mínimos. Mas aí você poderia argumentar: 40 salários mínimos é para alguém pedir. E neste caso ninguém pediu. Houve convolação da recuperação em falência. É um outro item. É uma regra especial para a recuperação.

Pergunta inaudível: esse limite de 40 salários mínimos para o requerimento de falência não tem como razão de ser evitar ter a falência como ação de cobrança?

É. O objetivo é esse.

Pergunta inaudível: já que a limitação é essa, não haveria sentido nessa limitação.Então vocês estão mostrando que o raciocínio jurídico está aflorando porque vocês estão expondo tudo

que os doutos falam.

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A tendência é que a recuperação possa ser requerida por quem deva menos de 40 salários mínimos porque: 1º) na falência você tem apenas o pedido por terceiro limitado em 40 salários mínimos. Ué, pode decretar falência por menos de 40 salários mínimos? Pode, por ato de falência. Mas pela impontualidade? Também pode, quando você requerer a auto-falência. Para auto-falência não existe o requisito dos 40 salários mínimos. Para a recuperação o sistema é distinto, o sistema mostra uma visão econômico-financeira e daí vem a razão da cidade de Mangaratiba, porque lá se você deve R$ 8.500,00 você deve muito e seria razoável a sua recuperação e mais, a falência como forma de convolação da recuperação ela vem excepcionalmente no sistema da recuperação, e não no sistema da falência. Encerrando tudo com o objetivo da limitação dos 40 salários mínimos, embora eu não concorde com a limitação, é evitar que a falência seja utilizada como forma de cobrança. E em recuperação isso não tem aplicabilidade alguma.

Vamos tratar agora da abrangência da recuperação judicial.Vai ter concurso para procurador do Tribunal de Contas do Estado, 3 vagas. Alguém tem que passar, né.

O Tribunal de Contas do Estado pediu para o Ministério Público Estadual organizar o concurso. A banca será a por nós indicada, o concurso vai ser feito por nós, as perguntas serão fechadas conosco, exatamente para não pensarem que como são 3 vagas serão uma para o filho, uma para o sobrinho e outra para o afilhado. Vais ser um concurso com pouca divulgação. Não deve cair nem penal nem processo penal.

Pergunta de aluno: dentre os requisitos objetivos, como fica a questão da quitação fiscal?Vamos ver agora na abrangência porque quitação fiscal não é para o pedido. Os requisitos objetivos são

para requerer a recuperação. E aqui não se fala em quitação fiscal.Como no início nós conversamos, a grande razão, a razão principal para a concordata ter ido para o ralo é

o fato de a concordata só abranger o credor quirografário. Ela se prestou, é bem verdade, num momento da nossa história a salvar muita gente, quando a inflação era galopante e não havia correção monetária. E depois veio até uma leizinha, que era muito discutida, sobre a correção monetária na concordata. Quando eu tinha 80% de inflação ao mês, se eu conseguisse ficar um mês em concordata, eu ganhava um desconto de 80%. Olha que espetáculo!!! Ela só se prestou nesse período. E quando houve alteração na LF/45, incluindo correção monetária na concordata, aí sumiu a concordata. Numa vara empresarial havia umas 4 concordatas. Concordata era uma coisa que ninguém via, até mesmo os advogados experientes, quando um cliente o procurava querendo concordata, ele dizia “eu não pego, eu não faço isso por isso, isso e isso. O Sr. está me procurando para se reerguer, não é isso? E eu serei responsável pela sua falência. O pedido de concordata era formulado e normalmente ele voltava com a decretação da falência”. Eu vou dar um exemplo para vocês. Eu não sei qual a estratégia utilizada porque alguma estratégia deve ter havido. Lembra aquele colírio que estava cegando as pessoas? A indústria farmacêutica que fabricava o colírio pediu concordata. Por quê? Dizendo que precisava se reerguer porque o produto estava cegando as pessoas. Ele era uma boa pessoa, um comerciante honesto... Precisava do auxílio estatal. Eu não sei quem pensou isso ou se fez isso propositalmente. Não tenha dúvidas. Ele voltou com uma sentença de falência o que, aliás, aqui na própria lei de falências, atualmente, eu lembro que até o promotor da 1ª curadoria de falência me procurou dizendo: “Márcio, será que dá? Esse cara está cegando as pessoas e está pedindo concordata. Lembre da regra nº 1 que você aprendeu na faculdade; concordata é para comerciante honesto. Sai por aí. É para o comerciante honesto. Está na primeira página de qualquer livro sobre concordata. Saiu por aí e decretou-se a falência. E hoje, pelo art. 47, fica bem claro: você não tem direito à recuperação nenhuma. Não me venha cegar as pessoas e pedir recuperação porque você não vai obter.

A Nova Lei de Falências, na abrangência, faz o quê? Ela vem alcançar todos os credores. A idéia é essa. Acontece que nós sabemos que quando falamos em credores, nós falamos da paridade entre credores, par conditio creditorum. Não há aqui concurso universal, não é isso. Aqui você não tem, como na falência, que pagar primeiro a um determinado grupo, ou outro e outro. Aqui você pode dispor no seu Plano, e todos, concordando com isso, como o pagamento será feito, o quantum do desconto concedido a um ou a outro. A lei se preocupou com algumas pessoas que realmente demandam a sua tutela. O primeiro deles foi o trabalhista. O credor trabalhista é alcançado pela recuperação? É, sim, só que a lei faz duas ressalvas em relação ao credor trabalhista. A primeira é o art. 54: o trabalhista deverá ser pago em primeira, no máximo. O Planos que nós vimos aqui têm .prazo para cumprimento? Você apresenta um Plano sem prazo para cumprimento? Você apresenta com prazo. Mas qual prazo? O que estiver decidido no Plano. Cuidado, o prazo não é de 2 anos. 2 anos é o alcance, é a abrangência. Eu vou alcançar os credores que eu estiver atendendo em até 2 anos para frente. Se eu tiver hoje um crédito existente mas cujo vencimento é só em 2007, eu posso arrolar esse crédito no meu plano dizendo: “tá vendo esse crédito que vence só em 2007, então, vencimento antecipado, eu vou te pagar em 8 parcelas a partir de 2007. O Plano pode ter 20 anos? Sim. 30, 40,. 100 anos? Poder pode, só que no bojo do Plano você vai ter que justificar o prazo por você apresentado. Não existe prazo, isso é uma coisa que quando você lê dá para confundir. Cuidado. O prazo não é de 2 anos para o Plano. Você estaria taxando o máximo. E tem atividades que demandam 5, 10 anos para a recuperação. 2 anos é a abrangência, até onde eu posso alcançar. Se o crédito vai vencer em 2008 ou 2010, aí eu não posso arrolá-lo no Plano de Recuperação. Mas um prazo eu tenho! Eu tenho de pagar o trabalhador em 1 ano. Se o meu Plano é de 10 anos, não importa, eu tenho que pagar o trabalhador em 1 ano. E mais, tenho que pagar, como diz o art 54, parágrafo único, tenho que pagar 5 salários mínimos em 30 dias para os créditos vencidos 3 meses para trás. Então no mês em que eu requeri a recuperação, todos os funcionários a que eu estiver devendo os 3 últimos meses, para cada um eu tenho que pagar 5 salários mínimos, no prazo de 30 dias para os créditos vencidos 3 meses para trás. Então no mês em que requeri a recuperação,

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todos os funcionários a que eu estiver devendo os 3 últimos meses, para cada um eu tenho que pagar 5 salários mínimos, no prazo de 30 dias, 5 salários mínimos por pessoa. Não é 5 salários para todos os empregados, senão fica inviável essa norma. Seria uma maldade esculhambar com o trabalhador. E olha que tem gente falando que os 5 salários mínimos seria para a classe de trabalhador...

Perguntado uma vez na EMERJ ao professor Álvaro Mayrink “isso é pacífico?” E ele respondeu “pacífico só o oceano”. Isso é Direito. Não tem nada pacífico. Ainda mais porque as editoras hoje não têm mais Conselho Editorial. É cada lixo, é cada porcaria que você vê. E o pior de tudo sou eu, que tenho que ler. Sai uma publicação nova sobre a Nova Lei de Falências mandam para eu ler. Sou eu quem atura essas desgraças. E o aluno, pelo menos, tem a indicação do professor. Mas o concursando tem que ler livro de examinador. Concursando também sofre porque pode ler um idiota que peça o que está no livro dele.

Então a 1ª mitigação é em relação ao credor trabalhista, que deve ser pago em ate 1 ano com essa ressalva;

Aqui quando falamos em todos os credores, também teremos as ressalvas feita por ocasião da falência referente aos credores extra-concursais. Os credores extra-concursais estão dispostos no art. 67.

Uma questão que surge e não é nova, já existia na concordata: pedido de recuperação. Eu continuo aberto, funcionando, como está a Varig, voando, pagando credores. A partir de agora [com o pedido de recuperação], como fica a minha vida? A concordata, dizia o art, 147, alcança todos os credores do concordatário. E aí pela redação fria, literal, você poderia chegar à conclusão de que todos são todos, isto é, anteriores e posteriores. Mas o próprio professor Rubens Requião já havia dirimido a questão: “que posteriores?” ora, eu estava em concordata, e assim era chamada a forma de pagamento, era 50% à vista. Então agora o carinha que me fornece um copinho d’água, ele me fornece 100 copinhos, R$ 1,00 cada um. E, amigo, como eu estou em concordata, eu só vou te pagar R$ 50,00, tá? Com certeza ele vai .achar que você está louco. Já bebeu a essa hora da manhã. Então ele não vai te fornecer mais nada. Ou então só se for a dinheiro de contado à vista, em R$. aqui a mesma idéia persiste com a recuperação. O problema surge no art. 67, parágrafo único. O caput fala do extra-concursal. O parágrafo único fala: “Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.”

Aqui se você não conhecer o sistema anterior, a doutrina anterior, o que foi decidido anteriormente, um teórico simplesmente pode falar: o sujeito vai continuar fornecendo e será classificado como credor com privilégio geral. Espere a hora dele de receber. Mas isso é impossível de acontecer por uma questão de ordem prática: ninguém mais vai fornecer. Então quando você fornece no curso da recuperação você vai receber direitinho como você cobrou. O credor posterior à recuperação não está submetido à recuperação. A única coisa que a Lei está fazendo é criar um incentivo a você para que você não pare de fornecer. Qual é o medo de quem fornece? Você sabe que ela tem que te pagar o valor que você forneceu, não tem essa história de Plano de Recuperação para você. Mas o seu receio é que a falência seja decretada. Então o que a lei está fazendo é criar um privilégio: ela está dizendo: “fornecedor fique tranqüilo porque se houver falência, você será um credor com privilégio”. Isso é nada, também. É abaixo do Fisco. Não adianta nada, mas a idéia é essa, a ratio legis é essa: forneça durante a recuperação. Você consegue imaginar o medo que dá para quem fornece a comida do avião, sabendo que o crédito vence em 30 dias e que o Plano só será apresentado em 60 dias? E já se passaram uns 20. Imagina quando já tiverem passado 40 dias e ele emitir fatura para 30 dias. O risco existe. Ele poderá tentar burlar alguma garantia e caberá à companhia demonstrar que ela tem como se recuperar.

Então, tal qual era na concordata, apenas os credores anteriores ao pedido de recuperação estarão sujeitos ao Plano. Aliás, esses credores posteriores poderão, inclusive, requerer a falência da sociedade empresário ou do empresário que estiver em recuperação.

Pergunta de aluno: havendo a decretação de falência e esse fornecedor que já estava fornecendo e não recebeu, não seria mais justo colocá-lo como credor da massa?

Não existe mais credor da massa. Mas o que você está falando seria conferir a ele o tratamento de extra-concursal. Aí sim, seria mais razoável, mas a Lei assim não facilita.

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9ª aula - 14 de julho de 2005

Na última aula começamos a falar sobre a recuperação judicial. Vamos terminar de falar sobre a recuperação judicial hoje porque ela é a recuperação de maior relevância, de maior abrangência, é a recuperação que efetivamente vai existir. A recuperação extra-judicial, ou até mesmo a judicial pra as micro-empresas e empresas de pequeno porte, ela será excepcionalíssima.

Na última aula, então, nós falamos da recuperação, falamos sobre o pedido de recuperação, daqueles que estavam submetidos à recuperação, a sua abrangência, trabalhistas, credores e ficou faltando falarmos da Fazenda Pública. Falamos de algumas hipóteses, os requisitos, todo o andamento do procedimento, do requerimento, do despacho de processamento, decisão homologatória da recuperação.

Como fica a Fazenda Pública? Você apresenta o Plano de Recuperação e a Fazenda Pública será abrangida ou não? Esse foi um dispositivo que deu muita confusão. Por quê? O atual art. 57, ele tinha o nº 55, depois passou para 56 e hoje ele é o art. 57, esse artigo dizia que em 5 dias, aprovado o plano, o devedor deveria juntas as CNDs, isto é, Certidões Negativas de Débitos Municipal, Estadual e Federal. A CND é aquela certidão que mostra que você não deve coisa nenhuma à Fazenda, ao Fisco. Esse artigo, na forma em que estava redigida, com um prazo de 5 dias, esse dispositivo colocava em xeque todo o instituto da recuperação porque é claro e evidente que alguém que estivesse em dificuldade financeira, econômicas, é claro que essa pessoa não teria CND. E não teria como ela, em 5 dias, providenciar isso. Não só porque ela seria devedora certamente da Fazenda, como também pelo fato de ela não ter condições de juntar em 5 dias, por exemplo, o INSS está em greve. E às vezes você não pode imaginar o que isso representa de prejuízo, não só lá para o segurado da Previdência Social, claro, mas para a própria economia. Por exemplo, hoje, quando você vai prestar serviços para alguém pela primeira vez, essa pessoa exige de você CND federal, pede a você a chamada GEVIP, que nada mais é do que a certidão negativa do INSS. Hoje você não tem há mais de um mês ou quase dois. O INSS não emite uma certidão. E o que acontece: você não recebe. Tem alguns projetos nossos de aulas, palestras, que foram ministradas via pessoa jurídica, via o próprio CEPAD, que eu não recebo. Há 8 meses já eu não recebo porque a primeira vez que eu prestei o serviço para determinada pessoa e o que ela exigiu, como sempre exige? O CND do INSS e cadê a CND do INSS? Já se passam 2 meses e eu só vou receber quando o INSS der a graça de resolver essa greve ou quando alguém, emergencialmente, voltar a trabalhar e emitir a certidão. Está tudo pago, tudo quitado e você não recebe. Vocês imaginem se ficasse aqui estipulado o prazo de 5 dias? Isso não existe mais no art. 57. Não existe mais o prazo de 5 dias aprovado o plano, pelo art. 57 você terá de juntar a CND. Isso quer dizer o quê? O Fisco não estará contemplado no seu plano, mas você deve demonstrar ao Judiciário que você está buscando solução ao problema fiscal. Qual será o prazo para a juntada da CND? Não será mais de 5 dias! Não há determinação de prazo na lei. Fica a critério do caso específico a fixação. Você sempre se baseará no razoável, em como estão as coisas, como está a tramitação na Fazenda. E aí, você diz: “Judiciário, em 30 dias, ou em 20 dias, eu juntarei a CND ou documento específico de parcelamento do débito”. Se não juntar a CND no prazo? A falência deverá ser decretada.

Pergunta de aluno: mas e se a repartição entrar em greve?Bom, se a repartição entrar em greve, aí é razoável que a decisão seja alterada porque ela tem uma

natureza extremamente com aquela idéia rebus sic standibus, ela é modificável, ela vai se amoldar à situação específica e aí aumenta-se o prazo ou então fixa-se o prazo até o INSS voltar, ou até quando isso for possível ou então, via Judiciário, expede-se um ofício ao INSS para que o INSS diga se está tudo pago ou não, e aí fica tudo resolvido. Embora você [como pessoa] não consiga entrar lá, porque as portas estão fechadas, o ofício eles recebem, e depois encaminham a resposta para cá.

Esse é o alcance da Fazenda, de forma reflexa.Mas como fica no Plano, por exemplo, a Varig agora, em que ela tem 3 grandes credores: BR

Distribuidora, INFRAERO, Governo Federal, notadamente, Fazenda Nacional e INSS. Quando você for elaborar o Plano de Recuperação da Varig, você vai querer, claramente, que quer pagar os tributos desta ou daquela maneira. Pode fazer isso? No seu Plano você pode impor à Fazenda o recebimento dessa ou daquela maneira? Não pode. Isso, a imposição à Fazenda, estava prevista no curso do Projeto de Lei. Em boa hora foi corrigido o curso do Projeto de Lei quando foi dito assim: “Peraí, como a gente vai mexer com o Fisco? Como a gente vai meter o dedo em questão tributária, se só a Lei Complementar pode fazê-lo?”. Então a Lei Complementar n.º 118/05 modificou o Código Tributário Nacional, criando o art. 191-A, CTN. Portanto, onde está escrito o art. 57, NLF, faça uma remição ao art. 191-A, CTN. Façam remição também ao art. 68 (NLF). E aí você vai encontrar, no art. 68, a indicação que o parcelamento da sua dívida fiscal deve ser alcançado com o ente tributante específico? Apenas aqueles já existentes. Existe, hoje, um mecanismo de parcelamento fiscal de débito para quem estiver em recuperação judicial? Não, não existe. Hoje você tem que torcer para quê? Estou precisando de uma recuperação judicial; estou devendo o tributo tal. Está aberto o prazo para o REFIS? Posso refinanciar? Posso me valer daquelas parcelas? Posso! Mas o REFIS que existe por aí financia em 48 meses. Mas 48 meses não dá nem para o início. O meu Plano de Recuperação é de 6 anos. Eu preciso de 6 anos. Não, mas hoje o REFIS existente é de 48 meses. Ou você se submete ao REFIS de 48 meses ou um abraço, não tem jeito. Há um PL, o PL 245/04. esse PL é o que vai criar um mecanismo de parcelamento de débito fiscal para aqueles que estiverem em Recuperação Judicial. Daí a preocupação enorme da Varig, porque ela tem uma dívida enorme com o ente tributante federal. E ela tem um crédito enorme também, mas que ainda não está transitado em julgado, em relação ao ente tributante

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federal, uma questão lá do STJ referente a aumento, diferenciação de tarifa, tributos incidentes, questões a que ela teria direito à devolução de uma quantia muito grande. Ela está buscando reuniões com o governo federal para buscar uma compensação. Mas a gente sabe quão difícil é compensar um tributo. É quase impossível. A não ser um caso de lei específica. Vamos ver. Pode ser que haja uma lei a toque de caixa, ou até mesmo uma MP que determine a compensação dessa quantia. Mas a submissão da Fazenda não é imediata, como ocorre com os demais credores. Se você é credor quirografário, eu digo: “no meu Plano você vai receber 70% apenas, em 6 anos”, aprovado o Plano, ele vai receber só 70%, e em 6 anos. E acabou. Já a Fazenda, não. Ela não se submeterá ao Plano. De outro lado, a Fazenda não vota na Assembléia Geral de Credores. Fazenda não vota. Fazenda não comparece à Assembléia Geral de Credores. Entretanto, tomem muito cuidado e vocês verão isso, a Fazenda já está se preparando para isso, as Procuradorias de Fazenda sempre deixaram as falências de lado, nunca ligou, não existe um Procurador da Fazenda para falência, eles já estão se preparando, se especializando na matéria porque quando da alienação do estabelecimento, de toda a unidade produtiva, não há sucessão fiscal. Então ela [a Fazenda] vai funcionar na falência, vai estar ali presente para, apesar de não votar na Assembléia Geral de Credores, tentar de alguma forma, judicialmente, impedir a alienação de determinado estabelecimento em que vise o prejuízo.

Então esse é o alcance em relação à Fazenda.Avalistas e fiadores do devedor. Qual é o alcance da recuperação em relação ao avalista? Por exemplo:

A emite uma nota promissória em favor de B. X é avalista. B está executando A e X. A apresenta Plano de Recuperação Judicial, dizendo assim: todos os credores quirografários receberão 50% do valor à vista. Pagarei a todos eles à vista”. B já está executando A e X. E nós sabemos que com o Pedido de Recuperação há a suspensão de todas as execuções. Está lá, como falamos lá na falência e também vale para cá [para a Recuperação Judicial], no art. 6º. É o art. 6º, NLF, quem determinará a suspensão de todas as ações, execuções, a prescrição por 180 dias, nos termos do art. 6º, § 4º. Esta execução em curso promovida por B em face de A e de X, sendo que X é avalista de A. Se A apresenta Plano de Recuperação, há incidência do art. 6º, § 4º, NLF, suspensão por 180 dias. Qual será o destino dessa execução em tramitação na 22ª Vara Cível, por exemplo? O que acontece? Suspende a execução em face de A, que está em recuperação, e prossegue a execução em face de X, avalista.

Pergunta de aluno: a execução em relação a X não tem que esperar o desfecho da Recuperação?Quem disse que ele vai receber [que A vai conseguir se recuperar?]. Ele [A] pediu [a recuperação]. Ele

pede, são analisados os requisitos mínimos, é deferido o processamento, prazo para juntar o plano, junta o Plano; tem a Assembléia Geral de Credores para analisar o Plano. E só lá na frente, quando homologado o Plano é que ele [B] vai receber eventualmente [porque pode ser que ele não receba por determinação do Plano ou porque houve a decretação de falência]. Você na execução não pode ficar esperando isso daqui [resolução sobre a recuperação]. Vai continuar a execução em face do avalista porque o aval é autônomo. E isso nem precisava estar disposto no art. 49, § 1º, vai dizer exatamente que o avalista e o fiador não estão sujeitos ao sistema, isto é, conservam-se os direitos e os privilégios contra os co-obrigados, fiadores e obrigados de regresso. Então co-obrigados, co-devedor, nós sabemos que no Direito Cambiário co-obrigados e co-devedores são os endossantes e avalistas. Em relação ao avalista não tem problema nenhum.

Ele também faz alusão aqui ao fiador. “os credores do devedor conservam seus direitos e privilégios contra os co-obrigados, fiadores e obrigados de regresso” [art. 49, § 1º, NLF]. Aqui em relação ao fiador houve modificação. Na lei anterior, no DL 7661/45, o art. 148 dizia que a concordata não alcançava os co-obrigados e os fiadores. Em relação ao co-obrigado, ao avalista, permanece a mesma idéia. É avalista, é co-obrigado, obviamente não precisava estar na lei: se você é avalista, você é autônomo [a sua obrigação era autônoma], se você é endossante, a sua obrigação também era autônoma, também não precisava estar na lei. Mas e em relação aos fiadores? Lá na concordata, quando você dizia o seguinte: “ela não alcança o fiador”, a disposição era excepcional porque, vamos imaginar a mesma idéia, só que ao invés de nota promissória, nós temos um contrato de locação: A, locatário; B, locador, X, fiador. B pode cobrar diretamente de X, o fiador? Você vai ter que analisar o benefício de ordem e a lei diz que há o benefício de ordem: 1º você tem que cobrar do afiançado. O fiador pode dizer: primeiro cobre dele, depois cobre de mim. Só que não existe nenhum contrato que não traga renúncia ao benefício de ordem. Em todo contrato o fiador renuncia ao benefício de ordem. Então B [normalmente] vai cobrar de X, fiador, sem problemas. Ora, uma das diferenças principais da fiança para o aval, e aí é pergunta clássica se o ponto for aval: diferenças entre aval e fiança, porque através dessas diferenças você caminha por todo o direito cambiário. E uma das diferenças mais marcantes é a da acessoriedade [da fiança] e da autonomia [do aval]. O aval é autônomo. O avalista é devedor autônomo. Ele deve porque deve e ponto final. Ele é devedor. Já o fiado ele deve de forma acessória, a obrigação dele é acessória. Isso quer dizer que ele só deve o que o afiançado estiver devendo. Então se ele [afiançado] não deve nada, eu [fiador] também não devo nada. Se ele, por exemplo, não deve a taxa extraordinária de modificação do elevador do prédio, eu também não devo. Aqui, na concordata, anteriormente, o que acontecia? Quando o art. 148 dizia que a concordata não alcançava o fiador, o que lá poderia ser interpretado? A acessoriedade estaria excepcionada porque em relação ao fiador eu poderia cobrar tudo, todo o valor, e não só aquela quantia chamada de moeda da concordata. Isso era assim. Agora na NLF, nós temos a disposição do art. 49, § 1º, “os credores do devedor conservam direitos e privilégios contra co-obrigados, fiadores e obrigados de regresso”. “Conservam os direitos”, não está dito aqui que o fiador não está submetido à recuperação. Não está dizendo que o credor do fiador está excepcionado, mas “todos conservam”. Então se eu

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tinha um crédito de que X é o fiador, hoje, neste quadro aqui em que A, afiançado, apresenta um Plano de pagamento de 50% à vista, o B [credor de A] pode cobrar quanto de X, fiador? Hoje, 50%. Hoje, se for fiador, só pode cobrar 50% porque a acessoriedade permanece. E se X fosse avalista? B poderia lhe cobrar quanto? 100% porque a obrigação é autônoma, e não acessória. Então, aqui, no art. 49, §1º, você pode colocar “diferente de art. 148, DL 7661/45”. [ 148, LF/45]

E por último, no que tange à abrangência, já falamos bastante sobre isso, é sobre o leasing, a alienação fiduciária em garantia e ACC – Antecipação de Contrato de Câmbio.

Leasing, Alienação Fiduciária em Garantia (AFG) e Antecipação de Contrato de Câmbio (ACC). Esses credores não estarão submetidos ao Plano De Recuperação. Por quê? O credor decorrente de leasing e o credor fiduciário, eles não estarão submetidos à recuperação, como também não estão submetidos à falência por uma razão muito simples: porque a Lei diz não. Antigamente a Lei não dizia, não, mas agora a lei diz. A lei mudou? Não, a Lei não mudou nada. E por que eles não estão submetidos? Porque eles são os proprietários dos bens. Se o credor é fiduciário, o bem é dele, o bem não pode ser arrecadado nem vendido porque não pertencia nem ao falido nem à massa. Então eles nunca estiveram submetidos. Agora eles não estarão explicitamente submetidos. É o que dizem os artigos 49, § 3º e o art. 49, § 4º, que faz alusão ao art. 86, II.

Muito bem. Vamos analisar um caso específico. Apresentado o Plano de Recuperação de uma companhia aérea. Sabemos que, pelo art. 6º, que com a apresentação do Plano, todas as ações e execuções, estarão suspensas por 180 dias. A companhia aérea deixa de pagar a parcela de leasing da aeronave. Pode o credor operador de leasing retomar a aeronave? Há, no final da lei, um artigo, o art. 199, parágrafo único, que diz: “Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata o caput deste artigo, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de contrato de arrendamento mercantil de aeronaves e de suas partes”. Vocês sabem que o art. 199, caput, é o artigo Varig. E o que o art. 199, parágrafo único, é o artigo credores de leasing, da Varig. A quantia mensal mais pesada em companhia aérea é a prestação de leasing. Ou seja, em nenhuma hipótese, o credor de leasing pode retomar a aeronave porque senão a companhia aérea não se recupera. Saibam vocês que a meta de qualquer companhia aérea é pagar a prestação do leasing. É tudo leasing: da aeronave à manutenção. A pedrada mensal não é salário de funcionários, é a prestação de leasing.

Mas está escrito isso aqui: “Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata o caput deste artigo, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de contrato de arrendamento mercantil de aeronaves e de suas partes”. Eu sei que está escrito, mas não está certo. E tanto não está certo que já foi concedida liminar em ação cautelar no Plano de Recuperação da Varig impedindo os credores de leasing da reintegração de posse das aeronaves. Ela não está pagando as parcelas, tem parcelas de leasing atrasadas e a Justiça já disse que não pode buscar as aeronaves, e a reintegração de posse no leasing é a medida judicial correta. “Mas isso é Brasil, isso é bagunça!!”. Não, isso não é Brasil nem isso é bagunça. Juiz de Nova York também já deferiu provimento judicial impedindo que a GE [General Eletric], que é a proprietária das turbinas, ela [Varig] tem uma parcela de dívida grande com a GE, lá, a GE, no estado de NY, pediu que quando qualquer aeronave da Varig pousasse no território americano a GE iria bloquear para tirar a turbina porque ela é a proprietária da turbina e não estava sendo feito o pagamento das turbinas. O Juízo de NY pediu ao Brasil, à Varig, que demonstrasse o fluxo financeiro de todas as suas lojas. Então todas as lojas da Varig no Brasil tiveram que levantar o seu fluxo financeiro e saber quando de dinheiro elas geravam, porque todos dizem que ela está no azul, e está mesmo,. O problema é o para trás, o passivo que está acumulado. Foi feito esse levantamento, foi traduzido, foi encaminhado para o Juízo de NY e o Juízo de NY já deferiu provimento jurisdicional: “se a Varig pousar aqui, e ela pousa todo dia, ninguém pode tomar dela avião, reintegrar na posse, arrestar, seja lá o nome que você quiser dar. Ela pode transitar aqui sem problema nenhum. E aí ontem à noite, na turma de pós-graduação do IBMEC, o pessoal se insurgiu: “é um absurdo! Como é que pode?”. Comecem a ver, em matéria de insolvência empresarial, e não é novo isso, o Judiciário legisla e todo mundo aceita. Quem é que vai dizer aqui que essa decisão está errada? Não está errada. Se não, não tem como ela se recuperar! Como é que você vai deixar uma companhia se recuperar se você tirar os aviões dela? Impossível! É melhor decretar a falência. Com a Pan Am aconteceu isso: tomaram as aeronaves. E ela não se recuperou. Não tem como. E eu dou vários exemplos. Nós já falamos do depósito elisivo. Qual era o prazo para a realização do depósito elisivo na lei anterior? 24 horas. Não é isso? Não, não é isso. Nem hoje, que o prazo é de 10 dias, é assim. Está na lei, mas não é assim. Na lei anterior, e nós já falamos isso, se você chegasse 3 semanas depois falando: “Dr. Juiz, eu quero depositar, me dá a guia. Trouxe uma mala de dinheiro – porque mala de dinheiro está na moda – para o sr. ver.” “Moço, sai daqui com essa mala, senão vão achar que tem alguma coisa estranha aqui”. Hoje em dia ninguém deve andar com dinheiro para não ter problemas. “Toma a guia”. Vejam a mala de dinheiro não era para o juiz da falência, era só para mostrar que ia fazer o depósito elisivo, que tinha dinheiro para pagar. Sinceramente, o juiz não vai decretar a falência, mandar despedir funcionário, parar com arrecadação de tributo só porque não se respeitou o prazo de 24 horas! Hoje o prazo é de 10 dias, se alguém chegar com 40 dias dizendo que tem dinheiro para pagar, você acha que alguém vai indeferir a guia? Também não! Então vocês vêem que o prazo de 24 horas ou de 10 dias continua letra morta. No jornal Valor Econômico de anteontem tinha um falencista, porque agora tem um monte de falencistas de plantão, inclusive uns que eu já convidei várias vezes para falar em eventos e eles recusaram afirmando que só falavam sobre [Direito] Societário e agora são falencistas desde criancinhas. Pois bem, esse ‘falencista’ dizia que a lei anterior era um absurdo, porque só dava um prazo de 24 horas para o depósito elisivo, e que esse prazo era risível, um absurdo, tecendo maiores comentários. E agora, a lei era muito melhor porque a lei fixa um prazo de 10 dias para a realização do depósito elisivo. Eu paro e penso: de que

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planeta esse sujeito veio? Em qual juízo ele litiga? Eu tenho certeza que ele nunca tocou em algum processo de falência porque o prazo não é esse. Portanto, acostumemos com o Judiciário praticamente legislando em matéria falimentar, como nesse caso. E ninguém vai modificar essa decisão, ao que tudo indica.

Então o alcance em relação ao leasing, notadamente da companhia aérea, está um tanto mitigado. Vamos acompanhar a evolução jurisprudencial. Com certeza essa questão vai chegar ao Superior Tribunal de Justiça porque o credor de leasing não abre mão, ele é um credor ferrenho, então essa questão, muito em breve, chegará ao STJ.

Pergunta de aluno: no leasing normal, sem ser o da aeronave, o art. 49, § 3º diz que eles não podem retirar os bens essenciais ao estabelecimento.

Por que 180 dias? E agora nós vamos tratar exatamente do procedimento.Aqui você tem o pedido de recuperação. Esse pedido de recuperação pode se dar de forma voluntária,

eu vou lá e digo: “não estamos bem, vamos buscar uma recuperação”, como tem acontecido por aí com algumas sociedades, a Parmalat também, já se valeu desse pedido voluntário, a Vasp também já se valeu desse pedido voluntário. A segunda possibilidade desse pedido de recuperação ser levado ao Judiciário é, nós já vimos, em defesa no pedido de falência. Requerida a falência, nós já vimos, art. 96, VII, você vai ver que a falência não será decretada mediante apresentação de pedido de recuperação. Basta apresentação de pedido: “quero a recuperação”. Então, o pedido de recuperação pode se dar de forma voluntária ou em defesa do pedido de falência.

Este pedido [apresentado como defesa do requerimento de falência ou voluntariamente], ele vai obedecer ao disposto no art. 51. na análise do art. 51, vocês verão que a petição será instruída com: I – mostrar a realidade financeira econômica. Estou mal porque eu devo tanto ao fisco, tanto a fulano, tanto a beltrano. Mas eu tenho viabilidade econômica; a minha situação econômica é boa porque eu vendo tanto por dia, contabilmente eu estou no azul há tantos meses, eu tenho tantos funcionários, todos com salário em dia. No inciso I, exige-se o retrato da atividade. O inciso II será a demonstração contábil comprobatória do afirmado no inciso I. Inciso III: relação de credores; IV – relação de empregados, V – certidão de regularidade. Nós já falamos sobre isso aqui, é quando você demonstra que não basta ser empresário ou sociedade empresária, tem que ser regular, ao contrário da falência, para você falir você não precisa ostentar regularidade, na recuperação, sim, então tem que mostrar lá, na Junta, o seu registro; inciso VI – relação dos bens particulares dos sócios controladores e administradores; VII – estar atualizado; VIII – certidões de protesto, IX – relação das ações judiciais.

Vejam. Todos os incisos aqui, eu fiz questão de passar rapidamente com vocês uma a um, nenhum deles está dizendo a forma como você vai se recuperar. Então aqui é quando você diz ao Judiciário que há uma fumaça, uma possibilidade, por alto, requisitos mínimos de análise de que tem condição [de se recuperar]. Esse pedido de recuperação apresentado já tem como conseqüência, lá do art. 6º, onde está escrito “deferimento do processamento” puxem uma seta para o art, 52. Aqui houve deferimento do processamento? Não! Então houve suspensão na forma do art. 6º? Não, não houve ainda suspensão de nada.

Ora, quando haverá esse processamento? Vamos ver já.Eu quero tratar de um item aqui, que é o art. 51, VI, em que diz que já ali, no pedido de recuperação,

não só os administradores, que nas S.A. são os diretores, e nas limitadas é o administrador, não só esses como também os acionistas e sócios controladores deverão apresentar a sua relação particular de bens.

Por que eu quero suscitar esse item aqui? Porque principalmente a advocacia especializada está muito reticente sobre a aplicabilidade desse inciso VI, dizendo que ele seria descabido, feriria a CR no que tange ao princípio da razoabilidade, notadamente aqui violando o preceito do sigilo fiscal, do sigilo referente a suas informações, aos seus bens, ao seu patrimônio. No Plano de Recuperação da Varig, os bens apresentados foram os seguintes: um apartamento na Delfim Moreira, uma Cherokee ano tal, sem placa, um imóvel situado em Angra dos Reis, tudo assim. Ninguém sabe onde na Delfim Moreira é o apartamento, ninguém sabe onde é o bem de Angra. Isso aqui é assim porque, a primeiro momento, parece uma violência se exigir dos diretores e dos controladores, principalmente, que eles abram todo o seu patrimônio em um processo e tornem isso público. Num primeiro momento parece desarrazoado, ora, quem está em recuperação? É ele? Não, é a companhia, a sociedade, o devedor empresário ou sociedade empresária. Se o devedor é empresário [pessoa natural] aí até poderia ser razoável, mas quando o devedor é sociedade empresária, aí me parece um tanto descabido.

Acontece que nós estamos passando por um momento que me parece decisivo, crucial, um mecanismo referente à boa-fé objetiva, a visão dos tribunais em relação a isso, deixando de lado os eventuais excessos. Nos estamos vendo uma “plêiade” de hipóteses que se resumem num ponto só: batom, para não ser indelicado, no colarinho. Tira a camisa, coloca aqui. Qual é a explicação? Tem explicação? Tem defesa para tudo. Mas, cá para nós, tem coisa que não tem jeito. Boa-fé objetiva. Você não tem nada, o seu IR [imposto de renda] está como isento. Se você anda de helicóptero, alguma coisa está errada. A segunda maior frota de helicóptero do mundo está em São Paulo. Só perde para a Califórnia. Gente, São Paulo é o caos. De carro ao dá para andar. Se você for um cliente importante, eles mandam te buscar de helicóptero no próprio aeroporto. A corrida do táxi-aéreo lá é bem mais barata do que aqui. Tem corrida lá de R$ 500,00. É caro. É claro que é caro, mas também não é tão caro assim se você for pensar. Um cliente igual ao seu chegou no escritório de advocacia você para R$500,00. Um piloto para levá-lo do aeroporto ao seu escritório de advocacia está de graça, ainda mais se for menos de R$ 1.000,00 a corrida. Está barato dentro do mecanismo.

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Então, nós estamos passando pelo momento crucial da boa-fé objetiva, do que é e do que não é. Então se a pessoa está se valendo, no Judiciário, de um remédio, de um mecanismo como esse aqui, um sistema que é altamente benéfico para ele, para solucionar a crise da empresa, a função social da empresa, ele deve vestir a camisa, ele deve mostrar, sim, quais os seus bens, inclusive os sócios controladores porque ele tem uma vinculação notória e imediata com a atividade. Nós vimos ontem o presidente da World Com, e eu acho que nem precisa tanto, ser condenado a 25 anos de cadeia, para esse sujeito, não serve para nada. Ele não é perigoso. Para que vai trancá-lo? Tem é que deixá-lo pobre. Pobre, arrancar tudo o que tem e dos próximos. Se o filho trabalha com ele, tira tudo dele; se a filha trabalha com ele, tira tudo dela também. O sobrinho também? Deixa ele pobre, também. Todos aqueles que roubaram junto, indiretamente, deixa pobre. Para ele foi um duro golpe. Mas o que eles buscam lá, e isso é muito interessante, eu participei de um seminário recentemente, é o tema gerado em relação a isso. Quando você é o diretor ou o administrador de uma instituição agora e vê o sujeito trancafiado por 25 anos e você tem 30 anos, você pensa: Puxa, eu tenho 30 anos, eu? Passar 25 anos lá? Não! Não tem condição! Eu não vou roubar. Eu não vou fraudar balanço nenhum. Isso eu não vou fazer mesmo! Porque eu devo ficar trancado ou eu vou ficar pobre. O Brasil está passando por um momento de boa-fé objetiva. Pelo menos num primeiro ponto, eu estou ressalvando aqui eventuais excessos. Vamos ver como o Judiciário vai reagir, como a jurisprudência vai reagir em relação a isso. Dentro dessa linha, me parece extremamente razoável o art. 51, VI, em que os controladores, os administradores devam, sim, tenham, sim, que mostrar os bens existentes, a sua relação de bens. As pessoas têm que entender que isso aqui não significa apenas o seguinte: eu vou comprar essa garrafa por 5, vender por 10, e os outros 5 eu ponho no bolso. As pessoas precisam entender que quem lida com essas atividades é uma mola, é responsável pela economia. Ora, quando você vai ser servidor público não tem que entregar todo ano à Corregedoria a sua declaração de IR? Inclusive lá no treinamento dos promotores novos, a eles está sendo dito que eles escolheram uma atividade que traz um ônus muito grande para eles. Nem sempre as pessoas percebem. As pessoas querem passar em concurso para ganhar subsídio, ter 13º, duas férias... Agora, eles têm que pensar que não podem freqüentar rave, não pode sair em escola de samba, no seu prédio, quando você sai, tem alguém comentando: “olha o promotor saindo lá”. O sujeito vai incorporar uma função pública cujo ônus é pesado. Aquele que desempenha uma função de direção, de gestão empresarial tem que ter noção de que ele é responsável, sim, pelo desenvolvimento econômico da nação. É no sentido dessa responsabilidade que surge esse inciso VI.

Eu estou dando bastante ênfase nisso porque vocês vão ver já já o STF tendo que tratar dessa matéria porque os administradores e os sócios controladores não querem mostrar, porque eles não terão nada. O controlador, o administrador de uma companhia, a cada dia que passa, eles não têm nada. O IR deles, inclusive, é de isento. Ele não ganha nem R$ 12.000,00 por ano. Porque o dinheiro está todo em off-shores, em tradings, em mecanismos pulverizados e que ninguém mais encontra os bens deles. E é por isso que ele não quer mostrar. Eu falei isso em uma associação comercial, já. Sejamos bem realistas. A questão é essa. E disseram eles, e eu até concordo: “a gente tem que esconder os bens porque a Justiça do Trabalho pratica verdadeiros absurdos. Ela sai bloqueando tudo o que vê pela frente para pagar o que o trabalhador lá diz que entende cabível. E nós também sabemos que tem iniciais, e o professor de Direito do Trabalho Paulo Renato Fernandes ele guarda uma, inclusive com a homologação do acordo, homologaram um acordo em que o sujeito trabalhava 32 horas por dia. E sabe por que homologam acordos? Face a violência que é, o empregador pergunta: “quanto é?” “R$ 2.000,00” “se eu te der R$ 1.000,00 fecha agora?” “Fecho”. “Então, toma”. Homologado o acordo, não necessariamente foi feita Justiça. E por causa de decisões e acordos. Assim é que os diretores e controladores não têm nada em nome deles. Para evitar bloqueios de conta, etc.

Podem anotar, esse inciso aqui [art. 51, VI] vai gerar muita discussão.Ainda no processamento, nós temos que analisar o art. 66. façam remição ao art. 51.O art. 66 terá incidência agora: “Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não

poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.”

A partir do pedido, não pode ser vendido nenhum bem que faça parte do ativo permanente. O que aí você deve pensar e no dia-a-dia analisar? Quando do pedido de processamento os bens do ativo permanente não podem ser alienados. Contabilmente, hoje, os bens que fazem parte do ativo permanente são diminutos. A rubrica ‘ativo permanente’ a cada dia que passa é menor, é mais diminuta porque o que era ativo permanente era galpão, imóvel, estoque, lojas, mobiliário, maquinário. Alguém hoje tem imóvel? Não. Alguém tem mobiliário? Não. Alguém tem computador? Não. E trabalha como? É tudo leasing. Nada disso integra o ativo permanente. Portanto logo aqui, quando houver o pedido com base no poder geral de cautela, façam remição ao dispositivo do CPC [art. 798, CPC], deverá o Juiz despachar, logo no início: “ficará, desde logo, impedido [cautelarmente] de vender tais e tais bens. O Juiz sabe quais são os bens porque, pelo art. 51, ele pintará o balanço, e, com base no balanço do que existe, deverá analisar bens que, mesmo não integrando o ativo permanente, não deverão ser vendidos [cautelarmente], como por exemplo, a marca, ou qualquer outro item que não esteja escriturado. Aqueles que estiverem sendo adquiridos via leasing, esses mesmo e que não poderão ser vendidos, até porque pertencentes ao operador de leasing e não porque [o devedor] está em recuperação. O pedido apresentado passa o pente fino nesses requisitos.

Passado o pente fino nesses requisitos, vamos ao próximo passo, que é o art. 52, o processamento.É decisão ou despacho?

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No art. 52 você vai encontrar a disposição de que, estando em termos a relação do art. 51, o Juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e no mesmo ato ele nomeia o administrador, ordena a suspensão das ações e execuções, determina ao devedor, ou seja, até os verbos, a forma verbal utilizada denota decisão. Mas é importante que lembremos da concordata porque na concordata o mecanismo era parecido. Você impetrava a concordata, era lá o pedido de recuperação, fazendo a analogia. Analisados os requisitos mínimos, como fizemos aqui na recuperação, havia o processamento, o Juiz despachava o processamento e lá se você for ver na concordata, lá pelo art. 150, 151, lá vai ser dito o seguinte: com o processamento da concordata, o J então ordenará, fará: e copia o que está aqui. Lá ele nomeava comissário, aqui, nomeia o administrador: lá ele determinava a suspensão das ações e das execuções, aqui, igualzinho. Está bem repetido. E o que isso importa? Importa em saber: cabe ou não recurso desse ato? Se for despacho, não cabe [recurso]; se for decisão, cabe. O STJ, depois de muito e muito julgar a questão, sumulou a matéria no enunciado 264, dizendo que o despacho de processamento da concordata não desafia recurso. O STJ dizia, para a concordata, que o despacho de processamento da concordata não desafiava recurso. Não tenham dúvidas de que o problema será trazido agora para a recuperação. Teremos de saber aqui se é decisão ou despacho. Sempre me pareceu lá ser decisão, e me parece aqui também ser decisão, portanto, recorrível nas duas hipóteses. Mas por que vai permanecer o problema? Por que lá [na concordata] um dos argumentos para inadmitir o recurso era que a lei não traz previsão por recurso do processamento. Lá não havia previsão e aqui também não há previsão. Eu trago para vocês um exemplo concreto. O administrador da Varig foi nomeado aqui, um escritório de advocacia. Foi fixado ao administrador, nós sabemos que poderá ser fixado de zero a 5%, ou do passivo existente, ou do montante que for alcançado com a alienação dos bens. Então o administrador receberá até 5% do passivo existente ou então do montante alcançado com a alienação de todos os bens. Foi fixado o montante de 0,2% para o administrador. Essa foi a remuneração fixada para o administrador. O passivo, por alto, da Varig é de R$ 6 bilhões. Quanto é a remuneração do administrador? R$ 12 milhões. “Mas Márcio, você tem que considerar que é ele quem vai trabalhar, é ele quem vai tomar conta da Varig. É ele quem vai gerir, é ele quem vai tomar conta de tudo...”. Não, não é. Não confunda administrador judicial na falência com administrador judicial na recuperação. Não é a mesma coisa. É completamente diferente. Na falência, o administrador judicial administra, na recuperação judicial, o administrador, pode parecer antítese, mas não é, ele não administra. Quem administra no curso da recuperação são os próprios administradores, os diretores da companhia. É nomeado para tanto, mas é diretor, o Conselho de Diretores está lá, estão todos lá. São eles quem trabalham, eles são quem tocam o trabalho. Na falência, não. Na falência é o administrador judicial é quem toca, é ele quem faz tudo. O administrador judicial na recuperação não administra. E não está errado afirmar isso. Ele é apenas o fiscal do juízo. Enquanto todo mundo administra ele vai lá, às vezes, vê as contas, o dia-a-dia, leva informações ao juízo. A função dele é essa. E aí não cabe recurso? Para vocês terem uma idéia, toda a Diretoria da Varig, todos os diretores da Varig ganham, por ano, R$ 6 milhões. Todos os diretores reunidos, somando-se o salário de todos eles, por ano, ganham R$ 6 milhões. Não é cada um deles, por ano, não. Numa recuperação dessas que não vai durar mais de 2 anos, porque só tem uma saída: ou vende tudo para alguém e resolve, ou vai quebrar. Não pode alguém receber R$ 12 milhões porque senão está esvaziando a viola. Tem que ganhar, sim. E eu sou um dos maiores defensores de que o Judiciário não pode ficar com essa história: “eu, Juiz, fiz concurso, ganho tanto por ano”. Azar o seu que fez concurso! Ou então, você é Juiz, que bom! Sorte a sua. Você optou por uma vida, então a sua vida é retilínea, o que lhe dá uns bônus e alguns ônus. Um deles é esse: não há possibilidade de aumentos, não há bonificação no final do ano, como numa companhia tem. Se você é Diretor Jurídico de uma companhia, no final do ano você tem abono, de R$ 180, 200 mil para você e você nem imaginava. Só porque você obteve êxito aquele processo tal. Se você é Promotor ou Juiz, se você consegue êxito num processo de R$ 42 milhões, no final do mês o seu salário vem lá, igualzinho. No final do ano tem 13º e só. Não me venha com essa história de que o Juiz estudou muito e só ganha “x” por ano. Azar o seu! Igual desembargador que entrou pelo quinto constitucional: “pela advocacia eu ganhava muito mais”. Então volta, meu amigo, volta. Por que você não volta? Não tem problema nenhum. É só ir ao Presidente do Tribunal e pedir exoneração. Ele defere na hora. Está cheio de gente querendo ocupar a sua vaga. Eu acho, sinceramente, que tem que ganhar bem, só tem que ser razoável e R$ 12 milhões, a meu ver, é desarrazoado. E tem recurso? Não, não tem recurso. E qual foi a estratégia para não suscitar essa questão agora? Embargos de Declaração para que fosse explicitado, a decisão foi omissa nesse ponto, quais os critérios utilizados para se chegar a essa cifra de R$ 12 milhões. Quantas horas de trabalho ele dedicará para esse processo. E em Embargos de Declaração não há discussão sobre esse ponto se há ou não cabimento de recurso. Você suscita. Pode ser que através dos Embargos já haja o recuo. Se não houver, nós teremos, novamente, a questão levada ao Judiciário. Porque todos nós, inclusive do Ministério Público, embargamos de declaração. E se não houver recuo ou se for rejeitado (“não, não cabem Embargos de Declaração”), aí então haverá recurso para o TJ, e aí será suscitada a questão, muito em breve. O recurso será para atacar aqui esse item decisório, claro que é decisório porque fixa a remuneração do administrador no despacho de processamento da recuperação.

“Mas não é tudo igual?”. É tudo igual em termos. Eu aprendi quando passei pelo nascimento do CC, não tinha, obviamente, muita maturidade para perceber isso, muita experiência, e o professor Capanema disse: “Márcio, você e o Marco Aurélio são felizardos porque vocês estão passando por uma era, na idade de vocês, que daqui a 20 anos só vocês terão. Vocês viram o CC nascer, vocês viram agora a NLF nascer. E muitas coisas vocês aprenderão. Uma delas: estava escrito na lei anterior e repetida na lei posterior igualzinho, repetido, recorta-cola, é completamente diferente.” “Ué, professor Capanema, não entendi.” “Se tem um dispositivo na lei anterior, você recorta e cola na lei posterior e esse dispositivo é completamente diferente?” E agora eu começo a perceber

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isso porque esse dispositivo ele estava lá cheio de lodo, cheio de teia de aranha, como aqui o 264 acabou suscitando. Tinha concordata no país? Não tinha. Não tinha o clamor, as pessoas que escreviam estavam lá. Ninguém ia ler. Ninguém ia mais estudar aquela matéria. Agora, repetido aqui, é hora de repensarmos numa nova realidade, num novo contexto. E esse dispositivo aqui pode receber uma interpretação completamente distinta. Vamos ver aqui o que acontece no que tange a esse recurso [se será, ou não, admissível recurso contra a decisão de processamento da recuperação, que corresponde ao despacho, conforme interpretação do STJ, de processamento da concordata].

Deferido o processamento, longe ainda estaremos de se falar em recuperação. Deferido o processamento, começa a correr o prazo de 60 dias, improrrogáveis, e isso aqui foi objeto de muita discussão no Congresso Nacional. Já na tramitação se falou, em uma época, em prorrogar-se por uma única vez, já chegou a se falar no curso do processo, em aumento do prazo, mas foi fechada a questão em que 60 dias você deverá apresentar o Plano de Recuperação. O art. 53 não deixa dúvidas: [prazo] improrrogável de 60 dias. Começa a correr o prazo. Ninguém está ainda em recuperação judicial, e é neste momento aqui que a corrida contra o tempo será deflagrada. E é nesse momento, expirados quase 30 dias para a Varig, os outros 30 dias estão fluindo para a apresentação do Plano. Ao final dos 60 dias você deverá apresentar o Plano de Recuperação Judicial.

Pergunta: se o Juiz indefere de plano o pedido de Recuperação. Aí vai ser o quê? Uma sentença?Aí será uma sentença só que sem resolução do mérito, por falta das condições especiais da ação, que

são essas aqui [do art. 51, NLF]. Agora, se o Juiz afirmar que você tem legitimidade ativa, por exemplo, mas ele acha que a contabilidade não está correta e por isso você não tem direito à recuperação, aí é com resolução do mérito. Aí você pode recorrer e o Tribunal pode reformar, não pode conceder a recuperação, mas sim determina o processamento. Aí volta ao 1º grau e aí volta a correr o prazo de 60 dias para a apresentação do Plano.

60 dias para a juntada do Plano. Improrrogáveis. O que virá a ser o Plano de Recuperação Judicial? Art. 50. Tudo que você quiser mais um pouco. Tudo o que você imaginar pode ser objeto do Plano de Recuperação Judicial.

Você vai olhando aqui. Prazo e condições especiais. Esse é o nº 1, o campeão. Normalmente os planos de recuperação se valerão desse aqui: prazo e condições de pagamento especiais. Cisão, incorporação, fusão. Mudança do controle societário. Substituição do administrador. Aumento do capital social. Alienação, que é o trespasse, do estabelecimento. Redução salarial. E aí, meus amigos, tudo o que você imaginar aqui pode dar margem à recuperação. Quando você, no inciso VII, fala em trespasse ou arrendamento do estabelecimento, pode fazer uma remição ao art. 141, em que não haverá nem sucessão fiscal, nem trabalhista. Só para você lembrar daquela questão.

Outro item que você deve lembrar é que uma vez aprovado e homologado o Plano, o que for aprovado no Plano não poderá ser objeto de ação revocatória. Então no art. 50, faça uma remição ao art. 131.

O Plano de Recuperação levará em consideração a situação econômico-financeira de cada devedor. O Plano virá enorme com argumentos econômicos, financeiros e contábeis. E aí está o grande desafio para a advocacia, o Judiciário e o Ministério Público. Porque nenhum dos três entende de economia, finanças ou contabilidade. Por mais que você tenha noção, você não é economista, você não é contador. Por mais que tenhamos cursos de noções de contabilidade, por mais que você saiba ler um balanço, o Plano vai dizer se há possibilidade ou não de recuperação de acordo com normas econômicas e de mercado. E como você não está no mercado, é lógico que você não sabe se é bom ou não é. E é por isso que a lei, sabiamente, e é essa a nova filosofia, deixou a decisão ao alvedrio daqueles que serão alcançados pelo Plano, os credores.

Apresentado o Plano em 60 dias, se não apresentar o plano, decreta-se a falência. Concordata estava na lei? Estava. Prazo para cumprimento da concordata estava na lei. E se descumprisse a concordata, qual era a conseqüência? Falência. Encol usou concordata. Ela não cumpriu a concordata. Quanto tempo depois de não cumprida a concordata foi decretada a falência? Um ano e meio depois. Um ano e meio após o prazo que ela tinha para cumprir a concordata. Aí sim foi decretada a falência. Casas Pernambucanas, mesma coisa, Irmãos Lundgren Tecidos S.A . Não cumpriu a concordata, tinha que decretar a falência. Decretou? Não. Quanto tempo depois? Um ano e meio. Mesbla. Dois anos do não cumprimento. Então a preocupação muito grande hoje qual é? Se o legislador hoje disse que o prazo de 60 dias é de 60 dias. Porque vai chegar no dia marcado, ou 100 dias ou 200 dias com aquela conversa: “já vou juntar, está quase pronto, olha, eu tenho 18 mil funcionários, olha eu tenho tantos vôos por dia, se o sr. decretar a falência o sr. Arruína, o sr. acaba com tudo”. Porque o professor Paes de Almeida disse certa vez que o Judiciário fica refém de alguns argumentos sócio-econômicos mas diz se não apresentar o plano, falência.

Apresentado o plano, o próximo passo será certamente Assembléia Geral de Credores.É obrigatória a realização de Assembléia Geral de Credores? Não, a realização de Assembléia Geral de

Credores não é obrigatória. Art. 56: “Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, convocará a assembléia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.”

Chegamos na Assembléia Geral de Credores e você verá no art. 56, § 1º, o que muita gente está se confundindo nessa questão de prazo. A data para a realização da Assembléia não excederá 150 dias a contar de quando? Do processamento! Só que vocês verão que na verdade você tem da decisão de processamento para a apresentação do Plano 60 dias, então não são 150 dias, já começou de 90 dias. Depois, 30 dias, pelo art. 55, para a impugnação do Plano. Então, menos 30, já cai para 60 dias. Você tem 15 dias da objeção para o edital de convocação da Assembléia. Então já cai para 45 dias. Ou seja, o prazo para a realização da Assembléia é de 45

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dias. Não é de 150 dias. 150 dias é contado daqui [do processamento]. Aí desconta os 60 dias [para a apresentação do Plano]. A menos que apresente [o Plano] antes [dos 60 dias]. Mas normalmente não vai apresentar no prazo, vai apresentar depois, com 80, até 100 dias. Não tenham dúvidas. E vai fazer o que? Decretar a falência como a lei diz? A lei diz, mas você vai decretar? Mais uma vez: o Judiciário legislando em matéria falimentar. Eu já estou dizendo que ele vai legislar. A lei confere um prazo de 60 dias. Se ele só apresentar com 80 dias, alguém vai decretar a falência? Não. Vai ler o plano, vai analisar o seu Plano, vai acatá-lo e o prazo ainda será menor. 150 menos 60. 90 dias. Tem 30 dias para objeção dos credores. Cai para 60. 15 dias da objeção para o edital da Assembléia Geral de Credores cai para 45 dias. Então, a partir dos 60 dias [do prazo para apresentação do Plano de Recuperação Judicial], o prazo para a realização da Assembléia será rápido.

Não esqueçam que os 180 dias para a suspensão das ações e execuções começou a correr daqui, do processamento. Então, se não resolver em 180 dias já era, naturalmente. Se o sujeito demorar, apresentar o plano com 90 dias, 100 dias, ele vai ter problemas relativos à realização da Assembléia. Vai realizar quando se o sujeito apresentar no 110º dia e o Plano é admitido. 30 dias para impugnar. 140 dias: 15 dias o edital, extrapolou por 155 dias. E aí? Posso já prever: não vai acontecer nada. O prazo será esse. Não foi culpa de ninguém. Função social da empresa. Ninguém vai decretar a falência desse sujeito. Ele extrapola, apresenta [o Plano] depois e eventualmente a Assembléia poderá, inclusive, ser realizada após os 150 dias. Mas se demorar demais, a realidade é, se ultrapassar o 100º, o 80º dia, não vai adiantar de nada porque todo mundo vai partir para cima dele. Estava todo mundo preso, agarrado, seguro, porque ninguém podia cobrar dele. Ele está há 6 meses sem pagar ninguém. Então vai todo mundo partir para cima dele. Então o prazo de 150 dias para a realização da Assembléia não é assim como parece.

O que a Assembléia Geral de Credores fará? Vamos voltar para o art. 35, I. O art. 35 vai dispor sobre as matérias a serem deliberadas pela Assembléia na recuperação aprovar, rejeitar ou modificar o Plano apresentado pelo devedor. Aprovou o Plano, tudo bem. Aí não tem problema. Quer modificar o Plano. A Assembléia Geral de Credores quer modificar o Plano. A ela parece que ele é razoável, parece que você devedor realmente tem condições de se recuperar, mas ela acha que a forma de recuperação deveria ser distinta. Pode a Assembléia modificar o Plano? Só se o devedor concordar: art. 56, § 3º. Então lá no art. 35, I, a, onde está “modificação”, vocês façam remição do art. 56, § 3º.

E se houver rejeição do Plano? Os credores, em assembléia, dizem assim: “rejeitamos o Plano. Nós não concordamos com esse Plano” Aí, art. 56, § 4º, falência. Mas antes do art. 56, § 4º, antes da falência, é importante que vocês vejam o quorum diferenciado disposto no art. 58, § 1º. Então onde está lá o art. 56, § 4º, vocês puxem uma seta combinando com o art. 58, § 1º porque de acordo com o quórum mitigado como está aqui poderá sim o Judiciário dispor que o Plano será aprovado mesmo sem a aprovação tranqüila da Assembléia. Mas e se esse quorum aqui não for alcançado? Pode o Judiciário, mediante a rejeição dos credores, determinar a recuperação? Não, não pode. Não há possibilidade de o Judiciário deferir a recuperação porque o dispositivo legal é claro nesse sentido. Alguns que querem ser mais realistas às vezes extrapolam a função de realizar a Justiça e querem sim ser justiceiros, esses, sim, dizem que sim, que farão, que eles vão aprovar o Plano mesmo que haja reprovação da Assembléia. E só poderão fazer numa hipótese quando você vislumbrar que há fraude aí você desqualifica aquela decisão porque ela está eivada de fraude. Como é que os credores vão fraudar? Às vezes numa situação bastante comum, e na prática já está acontecendo e já há gente se preparando para isso, já falei isso aqui algumas vezes, a dos 2 anos? Não é de lá, como parece. Isso muito foi discutido na tramitação do PL, se deveria haver ou não fixação de prazo. Acertadamente chegaram a conclusão de que não deveria ser fixado um prazo para a recuperação na lei. O prazo estará definido no Plano de Recuperação. Pode ser de 20 anos? Pode. 10 anos? Pode. Desde que se fundamente o tamanho do prazo no Plano de Recuperação os credores analisando e dizendo ser razoável o prazo e deliberem a aprovação, então o prazo de cumprimento do Plano será o de 10 ou de 20 anos. O que há relativo a história dos 2 anos é o seguinte: primeiro nós já falamos no 1 ano, né? No art. 61, e vocês já têm a remição ao art. 54. Se não tem faz do art. 61 para o art. 54 e do art. 54 para o art. 61, porque é o art. 54 que fala que os créditos trabalhistas e de acidentes de trabalho devem ser pagos em até 1 ano, é o art. 61, quando fala em 2 anos, ele quer dizer que no momento em que você for elaborar o seu Plano, você poderá contemplar apenas aqueles credores cujos créditos se vençam em até lá. Então, estamos em 2005, eu tenho uma dívida existente, mas cuja exigibilidade só se dará em 2006. Posso contemplá-la no meu Plano? Posso. E os já vencidos também, claro. E os vincendos (dívidas existentes, mas não exigíveis)? Até 2 anos. Se eu tiver um depósito que só vence em 2009, 2010, eu não posso contemplá-la no meu Plano. Isso não quer dizer que eu tenho que me recuperar em 2 anos não. Eu posso me recuperar até em 10! Mas em 10 quem? Os meus credores submetidos ao meu Plano de Recuperação. Ué, e em 2009 eu ainda estarei em recuperação? Estarei. E aquele meu credor cujo valor vence em 2009, o que eu tenho que fazer? Pagar. Tem que pagar.

Então pode ser requerida a falência de quem está em recuperação judicial? Sim, desde que por credor não alcançado pelo Plano. E aí os credores não alcançados pelo Plano e os posteriores ao Plano, como também já analisamos [são legitimados a requerer falência]. Porque se eu disser que quem está em recuperação e vai pagar aos credores só 70%, se ele for comprar um produto e disser que só vai pagar 70%, isso não vai dar certo porque o sujeito não vai querer vender. Então os credores posteriores estão livres e podem requerer a falência. Todos os credores não alcançados pelo Plano podem.

Pergunta de aluno: o artigo fala se vence em até 2 anos depois da concessão da recuperação judicial, ou seja, o devedor quando foi elaborar o Plano dele, ele vai contar esses prazos?

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Quando ele for elaborar o Plano ele já pensa: 60 mais 30 mais 15. agora, como é que ele vai saber de um lá na frente?

Pergunta de aluno: e detalhe, e se o juiz resolver legislar? E esse prazo extrapolar, o credor que não for abrangido pelo Plano e se sentir prejudicado?

É a partir da concessão e ele não estaria anotado?

Pergunta de aluno: é. E como o juiz legislou, ele estaria dentro do prazo de 2 anos da concessão da recuperação [que não teria ocorrido dentro do prazo previsto pela lei]?

Esse é um problema da maior gravidade não só quando o juiz legisla, mas quanto também há uma greve, demorou a despachar... às vezes por causa de 7 dias, 3, 2 dias você pode ter um credor de R$ 42 milhões que seja vital para a sua recuperação ou não e por ele, ele estará ou não submetido à recuperação. E aí, qual será a interpretação?

Fica completamente no ar.

Pergunta de aluno: o que o credor pode fazer?O credor vai afirmar não estar alcançado pela recuperação. O que me parece que vai acontecer é que o

Plano de Recuperação não me parece com a concordata, que tinha ima moeda estática. Na concordata a questão se resolvia de maneira fácil porque ela tinha moeda estática: 50% à vista, 60% em 6 vezes, 90% em 12 vezes e assim ia. O Plano aqui contempla o que você imaginar. Esse credor não está contemplado, contando o prazo que a lei fixa. Se demoraram a despachar, aí é outra questão.

Pergunta de aluno: todos os credores que não foram contemplados no Plano mais tarde querem requerer a falência, a situação desses credores que deliberaram pela aprovação do Plano, que participaram da assembléia, eles terão que se habilitar perante a massa falida?

Eles automaticamente já estão no Quadro Geral de Credores.

Pergunta de aluno: Mas eles não ficarão prejudicados? Eles tiveram o crédito de alguma forma alterado e mesmo assim eles entrarão na massa.

É. Isso já era assim. Na concordata, mas o que você vai fazer: você está em recuperação, aí ele resolveu ir para trás e você vai dar uma blindagem a ele dizendo que ele é infalível? No curso do Plano? Começa com o seguinte problema: você vai fornecer para ele se você não puder requerer a falência? Senão se arruína ele de qualquer jeito. A espada da falência fica sobre a cabeça de todo empresário e sociedade empresária ao longo de toda a sua vida. Quando a espada está começando a enterrar eu tiro um pouco e digo: vou fazer um curativo, vai melhorar, mas eu não posso tirar a espada daqui não, ela tem que ficar. Lembra daquele requisito de que nós falamos, dos 5 ou 8 anos? Então, depois dessa você tem que esperar 5 ou 8 anos, conforme o caso, para poder ter outro curativo.

Recuperação judicial da M.E. [micro empresa] e da E.P.P. [empresa de pequeno porte], porque a partir do plano é tudo igual: apresenta o Plano, homologa o Plano, cumpre o Plano, sentença de cumprimento, não tem mistério. É igual à concordata. Aí corre o prazo de novo para poder pugnar por outra recuperação.

É como era na concordata. É importante que vocês vejam isso aqui porque ninguém mais estudava a concordata porque ela não existia. A homologação da recuperação, vocês vêem, é quase no final. As bombas, os problemas surgem antes da homologação do Plano. Homologado o Plano, as coisas fluem. Se não cumpriu o Plano, falência. Se cumpriu, homologa o cumprimento e ponto final. Não tem maiores dificuldades.

Pergunta de aluno: se o pedido de recuperação é apresentado como defesa de um requerimento de falência, isso não obsta posteriores requerimentos, né?

Olha só, quando a recuperação é veiculada como defesa num requerimento de falência, o deferimento de processamento da recuperação suspende aquela falência. Mas nada obsta que os credores não contemplados no Plano de Recuperação [incidental] formulem os próprios requerimentos de falência. É a mesma situação de você ter 4 requerimentos de falência que foram distribuídos por 4 varas diferentes. E não há litispendência: são 4 credores diferentes e 4 causas de pedir distintas. São lides diferentes. Também não há conexão nem causa de reunião. A preocupação é que esses 4 juízos se comunicarão: um mandará ofício para o outro para quem decretar a falência primeiro avisar aos demais. Porque aí sim há o juízo universal e a força de atração, e não porque haja uma regra processual própria, específica. Aí aqueles credores que não foram o primeiro a obter a falência, exatamente por ser credor e possuir título executivo, terá de se habilitar no juízo falimentar.

A recuperação judicial da M.E. e da E.P.P. é uma das coisas mais tristes na NLF porque ela não serve de nada. E é exatamente no nosso país que mais de 92% das sociedades são E.P.P ou M.E., e aqui o legislador fez logo no primeiro item? Alcança apenas os credores quirografários. Acabou. Só o quirografário. E todos os outros? E todos aqueles, eu sempre uso uma metáfora, já falamos algumas vezes, você tem um cercado grande onde estão lá presos touros bravos, gado forte, bonito, cavalos fortes que não estão domados, chucros e também bezerrinhos magros, doentes, ali no canto, mancando. Quem são esses grandes e fortes? Os credores trabalhista, fiscal, credor com garantia real. E aquele bezerrinho fraco, doente, cansado, com sete e mancando quem é? O

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credor quirografário. E aí você diz: olha, eu vou te ajudar, ta? Eu abro a porteira e deixo os brabos saírem e seguro o bezerrinho magro. “Que ajuda é essa? Você me arrebentou.” A recuperação judicial da M.E e da E.P.P é isso aí, é a antiga concordata na abrangência. Não serve para nada porque ninguém vai se recuperar com o credor quirografário. Então você tem a disposição: “os créditos não contemplados no Plano não podem se habilitar”. Então na M.E. e na E.P.P eu vou escolher os credores. Se eu não escolher tal ou qual credor, aquele credor não poderá se habilitar na recuperação, no Quadro de Credores. O que parece um tanto quanto desarrazoado. É o art. 70, § 2º. Diz mais, diz que a primeira parcela deve ser paga em 180 dias. Em que forma? Igual, mensal e sucessivas, em 36 vezes, corrigidas com juros de tanto. Igualzinho à concordata. A concordata fixava a moeda, qual a forma de pagamento. Ora, você está estagnado, às vezes o sujeito precisa de mais de 180 dias, às vezes ele precisa de 200 dias, 8 meses para se recuperar, para se reerguer, porque, sei lá, vai ter a festa anual da cidade, a quermesse em que ele ganha mais dinheiro e essa quermesse só vai acontecer daqui a 200 dias e ele só tem condições de ganhar dinheiro lá. Ou então vai ter um evento na cidade, o Marina Boat Show onde ele podia ganhar dinheiro e se reerguer por conta disso. Então há inúmeros fatores aqui que estão sendo desprezados. Não há Assembléia Geral de Credores. Joga-se por terra o que há de mais importante na recuperação, qual seja, os credores. Será posto no colo dos credores a solução dos seus problemas e aqui não há Assembléia Geral de Credores, art. 72. E da mesma forma: se os credores oferecerem alguma forma de objeções, falência, (art. 72 parágrafo único), a falência incidirá imediatamente, não há possibilidade de você argumentar ou analisar mais. Portanto, coloque isso num segundo plano, isso não vai acontecer, recuperação de M.E. e de E.P.P. não vai acontecer é que quando a M.E. ou E.P.P. pretender a recuperação ela vai se valer da judicial normal. Ela não vai se valer do mecanismo próprio que foi criado para ela. E é claro que você não vai interpretar que não pode. Não há aqui nenhuma restrição a que ela possa se valer do mais. A idéia era que isso aqui fosse o melhor para ela, só que quem escreveu não criou nada de bom para ela, criou só desgraça, então ela pode se valer, sim, do que é bom para ela.

Pergunta de aluno: para ela isso é financeiramente inviável, né?A recuperação é. Veja que talvez a preparação, a realização de um Plano talvez seja inviável. Mas você

tem que ver que tem muitas M.E.s e E.P.P.s, por exemplo, para ser classificada como M.E. por ter faturamento bruto anual de até R$ 400 mil. E.P.P. é R$ 1 milhão e 200 mil por ano. No Brasil é coisa à beça. Ela pode chegar com um Plano de Recuperação enxuto, sendo que a dívida toda é de R$ 100 mil. Não é nem tão alta, mas acaba com ele. Era um negócio que era do avô e ele quer se recuperar. O contador vai lá e faz o Plano dele e diz como vai pagar, quanto e em quanto tempo se livra disso. Não será uma recuperação que dê ibope, nem haverá administrador para ela.

Pergunta de aluno: ele pega um contador que prepara uma planilha e se o contador der um vacilo é decretada a falência?

É. Esse é o risco. Mas se for enxuto, uns 6 credores só, pega uma atividade mediana, consulta um advogado, aí até dá. Eu concordo que a lei foi feita para as grandes [sociedades empresárias], mas a média [empresa], a pequena [empresa] nunca, mas a média empresa conseguirá se valer.

Será que por você apresentar o pedido de recuperação você tem que ter um passivo superior a 40 salários mínimos? Essa é uma questão interessante... Não, cada vez mais eu me convenço que não. Não precisa apresentar um passivo superior a 40 salários mínimos porque função social de acordo com a sua comunidade. Falamos aqui até de Mangaratiba, não foi? Se você negar isso, numa cidade como Mangaratiba, é capaz de o sujeito ficar sem pão ou sem leite.Então é isso. Na próxima e última aula nós falaremos da recuperação extra-judicial.

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10ª aula - 21 de julho de 2005

O art. 192, §5º, vai dizer que o Juiz poderá autorizar a locação ou o arrendamento de bens imóveis a fim de evitar a sua deterioração. Os resultados reverterão em favor da massa.

Isso aqui, o § 5º, surge nas disposições transitórias quando nós suscitarmos a discussão, falência em curso, já decretada com a NLF, qual será a incidência? A NLF incidirá ou não?

O art. 192 diz que em regra, está lá no caput, a nova lei não se aplica. Em regra, a lei nova não se aplica. Excepcionalmente, ele vai dizer que quem estiver em concordata poderá pugnar pela Recuperação Judicial. Essa é a primeira exceção, logo no § 2º. A segunda exceção está no § 4º, quando diz que a lei se aplica às falências decretadas em sua vigência, resultantes da convolação [de falência] em concordata, ou resultantes de pedidos de falência anteriores. Nós vamos ter que trabalhar sempre com esses dois dispositivos, além da aplicação imediata referente à alienação dos bens. A lei entrando em vigor e havendo bens na massa falida, vamos aliená-los imediatamente. Quem não tem um § 5º depois dêem uma olhada. Achem o § 5º e coloquem na sua lei. É só uma medida para evitar a deterioração dos bens. Isso, ao meu ver, não é nem necessário, mas está aqui explicitado, não era necessário um dispositivo de lei para tanto porque se o § 1º já diz que a lei se aplica à alienação dos bens, isso quer dizer o quê? Que a nova lei se aplica em tudo que diz respeito a bens da massa, ao alcance dos bens da massa, à tutela dos bens da massa. Ora, se você precisar alugar, como está dizendo aqui, dar em arrendamento alguns bens, nada impede, então, que você o faça. Essa aí é uma ressalva que a gente tem que notar.

Resta-nos falar agora sobre a Recuperação Extrajudicial e como havia dito a vocês, nós vamos tratar hoje da Liquidação Extrajudicial, regime excepcional que é um ilustre desconhecido para a maioria das pessoas, mas que, a cada dia mais, é mais comum no dia-a-dia. E é o que mais é perguntado em concurso porque a realidade traduz a necessidade de cada um. Se a realidade é a liquidação de instituição financeira, intervenção, como nós vimos em passado recente, uma onda enorme de intervenções e agora algumas pontuais, como o Banco Santos, alguns planos de saúde volta e meia sofrem intervenção, alguns planos de previdência privada, previdência complementar também sofrem intervenção. Isso então é importante que nós saibamos, principalmente se você for fazer a prova para o MP e até mesmo para a Magistratura, porque a Magistratura também teve que se deparar com isso. E com uma grande dificuldade: para liquidação não há livro. É muito difícil você encontrar livro sobre liquidação. Tem meia dúzia de livros, só a cada dia que passa isso vai melhorando, mas vamos dissecar essa questão.

Pois bem Recuperação Extrajudicial.Nós falamos, até então, sobre recuperação judicial e vimos que ela, sim, tem por objetivo reerguer,

recuperar, soerguer, fazer com que aquela pessoa que está em dificuldades possa voltar a exercer a sua atividade, o seu fim econômico, a sua função social. Para tanto ela se vale de um mecanismo em que todos os credores estarão submetidos à exceção, com a ressalva do credor trabalhista, porque o credor trabalhista está alcançado pela recuperação, mas a ressalva é de que, são duas: primeira: o credor trabalhista recebe em até um ano, ele não pode receber em mais de um ano, no Plano de Recuperação; segunda: os três últimos meses de salários atrasados até cinco salários-mínimos, como nós vimos, eles devem ser pagos imediatamente, tão logo haja caixa suficiente para o adimplemento. A outra ressalva na Recuperação Judicial é o Fisco. Não quer dizer que ele não esteja submetido. Mas quer dizer que como ele é o Fisco, o credor fiscal, o credor tributário, ele, para se submeter a um Plano qualquer, seja de desconto, seja de parcelamento, ele precisa de Lei Complementar para tanto. Então o CTN diz que você tem que torcer para que algum REFIS esteja em andamento e que você possa se cadastrar nesse REFIS. Fora isso você não poderá fazer com que o Fisco receba de forma diferenciada. E, além disso, nós vimos também que existe um Projeto de Lei, em regime de urgência, está célere a sua tramitação, em que esse PL visa exatamente criar uma Lei somente para parcelamento de débitos fiscais [para empresários – individuais ou sociedades – em recuperação]. Mas o que importa nessa visão é na recuperação judicial, deixando de lado a questão de que ela é cara, de que ela não vai acontecer no interior, ela dificilmente será vislumbrada, deixando isso de lado, ela alcança, sim, toda a seara de problemas daquela sociedade empresária ou daquele empresário [individual]. Ela alcança. E a recuperação chamada de Recuperação Extrajudicial, em um primeiro momento, houve uma discussão durante a tramitação do PL, se realmente ela era viável, razoável. Por que uma recuperação extrajudicial? Ora, quem quer uma recuperação que judicialmente se recupere. Por que uma Recuperação Extrajudicial? Decidiu-se, então, que era boa, sim, a Recuperação Extrajudicial até sob o ponto de vista dos economistas, sob o aspecto, sob a análise dos economistas porque, isso é um ponto importante e nós temos que ter essa noção, os economistas dizem umas coisas que você olha e diz “mas isso juridicamente não tem nada a ver”, mas hoje o campo jurídico e a realidade jurídica têm que estar atrelados à realidade econômica e à realidade financeira. Dizem eles o seguinte: numa mesa de negociações, você quando tem um instrumento legal para impor outra pessoa fazer ou deixar a sua postura. Isso a gente pode entender, filosoficamente, o que hoje está acontecendo. Hoje, quando estávamos ali conversando sobre a CPI, ontem todos foram suscitados, eu não tenho dúvida alguma, que todos foram suscitados pelas suas esposas pelos seus maridos, pelos seus pais e pelos seus filhos: por que não prendem esse sujeito? O que é habeas corpus? Como é que pode alguém mentir deslavadamente? E a Lei é algo que sempre leva o cidadão que não é letrado juridicamente a um temor ‘ law is the law’, no Direito norte-americano e todo mundo pensa nisso. Então quando tem a lei, facilita muito. E por que eu estou dizendo isso? Porque senão você não vai entender nada de Recuperação Extrajudicial. Para que serve

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isso? Para nada! Você vai ver Recuperação, e aqui nós vamos ver até de uma forma um tanto rápida, você vai ver que isso não vai acontecer porque o fundamento dela é econômico, a idéia dela é econômica.

O curso que eu coordeno na FGV, o outro coordenador é o professor Aloísio Pessoa de Araújo, o economista que mais escreveu até hoje no Brasil e o professor de alguns correspondentes estrangeiros: Harvard, Ohio e Sorbonne. Por quê? Porque nós dois vamos traçar aí, às vezes quando ele me liga, a gente fica uma hora e meia no telefone falando porque fico eu tentando tirar dele a Economia e ele, tentando tirar de mim o Direito. Essa é a visão da NLF. Como é isso? Vocês vão entender.

Recuperação Extrajudicial para começar, está errado o nome. Tecnicamente o nome está errado. Mas economicamente está certo o nome. Por que juridicamente está tecnicamente errado o nome? Se ela é extrajudicial, ela não vai ao Judiciário, né? Esta é a base, né? Não, não é. Toda a Recuperação Extrajudicial demanda homologação judicial. Ela só tem validade se for levada ao Judiciário. Vocês vêem isso lá a partir do art. 161, que é o dispositivo que trata da homologação, quando lá no art. 162 e 165: “Art. 162 – o devedor poderá requerer a homologação do Plano, juntando a justificativa, documento que contenha termos e condições”. O Art. 165 também fará menção à Recuperação Extrajudicial homologada: “O plano só surte efeitos após a homologação judicial”.

Ora, então o que é esse negócio de extrajudicial, mas que não é extrajudicial nada, é judicial? É um mecanismo bastante restrito em que você coloca à mesa quando vai realizar algum tipo de negociação. Colocando esse Plano à Mesa, o credor normalmente fica mais forte e o devedor também. Ué? De que forma? Ou os dois ficam mais fracos, isto é, os dois ficam mais tranqüilos e falam de igual para igual. Eu digo: “olha, vamos negociar?”, “vamos”. Todo mundo fica de peito cheio, o credor fica de peito cheio, só que eu também venho com o peito cheio porque eu digo assim: “olha, se você não negociar, eu vou te submeter a um mecanismo, eu vou pegar a adesão de alguns credores, vou submeter essa adesão, esse documento judicialmente e você estará obrigado a cumprir.” Aí, o credor fica daquele jeito: “Opa! Esse negócio de judicialmente, não”. Economicamente as pessoas têm pavor do Judiciário e não é para menos porque o Judiciário Brasileiro deixa muito a desejar. O nosso vizinho São Paulo é o maior exemplo disso: demora quatro anos para distribuir um recurso... Ninguém pode acreditar em um Judiciário que demora quatro anos para distribuir um recurso. É um a realidade fria e crua. Um economista não pode acreditar num troço desses! Economia, Finanças, é o seguinte: o problema surgiu ontem, 20:30 hs. Até às 22:30, 23:00, a gente fica falando num conference call da casa de cada um e hoje às 07:00 tem reunião para que quando os funcionários chegarem às 09:00 já estar resolvido o problema. Imaginem: o problema surgiu ontem à noite. Você levou ao Plantão Judiciário? Não, levar ao Plantão Judiciário não serve para esse tipo de problema... Aí você vai esperar o fórum abrir às 11 h, para pedir distribuição por planilha, ficar lá, perder o seu almoço e o dia todo. Às 13 h, com muito custo, você consegue chegar ao gabinete de alguém. Aí começa a segunda leva: cadê o alguém? “Ah, esta chegando...”, “Ah, já chegou, mas foi direito para a sessão” Mas onde? Cata ele no elevador, antes de entrar na sessão, porque se entrou na sessão já era, ele só vai sair às 18 h! Ninguém pode imaginar, economicamente, que uma situação dessas será resolvida. Então eles fogem do Judiciário. Com isso aqui [Recuperação Extrajudicial] eles vão conseguir. E a Recuperação será Extrajudicial? Não. Por que eles vão conseguir? Eles vão conseguir um acordo; um acordo que não será levado à homologação judicial. Por quê? É um pressuposto básico! Quando você faz um acordo, para você dar força executiva a esse acordo basta você ter duas testemunhas. Muito simples! Para que então eu vou me valer do art. 161 § 6º: sentença de homologação do Plano é título executivo judicial, nos termos da Lei nº 5869/73, ou CPC? Para que se eu alcanço a mesma coisa se você assinar aqui comigo junto com dois funcionários da Secretaria?

É para vocês entenderem e terem a idéia. Alguém vai pergunta para que isso serve, e você não vai ter a mínima idéia. Você não vai ver Recuperação Extrajudicial em juízo. Isso aqui não vai acontecer na prática por causa desses argumentos. Se você for querer alcançar o devedor de forma mais incisiva, você vai se valer da Recuperação Judicial; em que você apresenta um Plano e ele [credor] estará submetido a esse Plano. E aí virá a Assembléia Geral, e na Assembléia Geral ele deverá se submeter se os outros lá concordarem.

Em primeiro lugar, quais os credores submetidos ao Plano de Recuperação? Apenas aqueles que o devedor elencar. Então ele [devedor] vai escolher cada um mais algum outro? Não. Os demais estão livres: podem pedir a falência, podem executar, podem buscar o que bem entenderem.

Pergunta de aluno: essa sentença de homologação da Recuperação Extrajudicial, se ela for descumprida, com base nela se pode requerer a falência?

Pode. Pega essa sentença, protesta essa sentença e pede a falência. Art. 94, I. Mas tem que protestar essa sentença. O título executivo tem um valor fixo.

Credores selecionados pelo devedor. O devedor indica alguns credores e esses credores, então, são chamados em juízo. Eles serão chamados em juízo para saber se eles se submetem ou não.

Os demais credores estão livres para executar, para pedir a falência, para agir da forma como bem entenderem.

Mas há credores que jamais poderão ser alcançados pela Recuperação Extrajudicial. E são aqueles mesmos que estão sempre de fora: aqueles credores decorrentes de ACC (adiantamento de contrato de câmbio), arrendamento mercantil (que é o leasing) e o credor fiduciário (de alienação fiduciária em garantia). Quem mais está de fora por disposição expressa da lei? Fisco e credores trabalhistas. E mais: credores com garantia real estão alcançados pela Recuperação Extrajudicial? Se eles forem arrolados pelo devedor, a supressão da garantia

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real somente terá eficácia com a anuência dos credores com garantia real. Só se os credores com garantia real anuírem, senão eles não serão alcançados pela Recuperação Extrajudicial? Se eles forem arrolados pelo devedor, a supressão da garantia real somente terá eficácia com a anuência dos credores com garantia real. Só se os credores com garantia real anuírem, senão eles não serão alcançados.

Arrolados os credores, se eles concordarem, muito bem, é muito simples: será homologado o plano, publicado o edital para conhecimento, alguns podem impugnar. Homologado o Plano, se alguns credores resistirem, o que vai acontecer? Você vai analisar o quorum de resistência e de adesão. Se você obtiver 3/5 (três quintos) dos credores aderindo ao Plano, o Plano está homologado. O restante estará submetido sem a própria aquiescência.

Pergunta de aluno: esses 3/5 (três quintos) é do valor do crédito?É, é do valor do crédito, não é por cabeça, não.

Homologado o Plano, publica-se o edital e começa-se a cumprir o Plano.Diferença para a Recuperação Judicial: se não for homologado o Plano, se o Plano não tiver a adesão

dos credores, a conseqüência não é a decretação da falência. Na Recuperação Extrajudicial, a não aprovação do Plano não acarreta na falência, ao contrário do que ocorre na Recuperação Judicial. E faz o quê? Nada. Volta para casa do jeito que estava antes, ou seja, você lê todos os dispositivos aqui, alguns requisitos obviamente, você tem que ser empresário ou sociedade empresária, vai ter que juntar o balanço contábil mostrando quem você é e quem você não é, mostrando a sua realidade econômica, se você tem viabilidade ou não, mas ao final de ler tudo você vai chegar à concessão de que isso tudo serve juridicamente para nada. Juridicamente não haverá esse plano. Só sob o ponto de vista econômico é que ele terá validade, eficácia e eficiência. Não veremos isso. Recuperação Extrajudicial não chegará ao Judiciário.

O professor Luis Fernando Valente Paiva escreveu um artigo no Valor Econômico dizendo o seguinte: como é que eu posso, eu estou devendo a um monte de gente. Eu elejo alguns. Para que eles estejam submetidos ao Plano. Um deles não concorda, mas ele obteve 3/5 (três quintos) dos outros, que concordaram. Aquele que não anuiu com o Plano vai fazer o quê? Vai requerer a falência. Como? Vai adquirir algum crédito no mercado (daqueles que não foram alcançados pelo Plano de Recuperação Extrajudicial), se bobear pagando até mais do que o valor daquele crédito. E de posse desse crédito, protesta o título e requer a falência. E aí o devedor vai falir. Se o devedor requer a Recuperação Extrajudicial e algum dos credores alcançados discordar, ele vai falir. Submeter um credor ao plano de Recuperação Extrajudicial a contra-gosto é despertar a ira dele. Ele vai fazer de todo para que o devedor venha a falir. Então, a Recuperação Extrajudicial serve para alcançar apenas aqueles que o devedor tem certeza que não vão se opor. Serve para os credores próximos, que tenham uma tradição de mais de 20 anos de negócios. Aí, o apelo será outro: “olha, meus amigos. Eu estou na pior. Você tem um crédito de R$ 3 milhões e ele, um de R$ 4 milhões. Eu quero pagar a todo mundo, não quero deixar ninguém na pior. Mas a gente tem que negociar. Vamos ver como é que dá para pagar.” Aí, ele coloca o Plano de Recuperação Extrajudicial na mesa, mostra as armas que existem, negociam, dilatam prazo, alteram a taxa de juros, não impede ou suspende o fornecimento... E no final, quando perguntarem quem e quando esse Plano de Recuperação Extrajudicial será levado ao Judiciário, o advogado que estiver assistindo às partes esclarecerá sobre a desnecessidade, falará em economizar as despesas processuais, assinam o acordo com duas testemunhas e estará selado o acordo, que não será levado ao Judiciário por essas razões. E dificilmente Recuperação Extrajudicial será perguntada em prova porque o tema está bastante prejudicado.

Pergunta de aluno: uma vez que foi celebrado o acordo com esses credores, um acordo acordo, o art. 61, § 5º, diz que uma vez distribuído o pedido, os credores não poderão desistir da adesão ao Plano. Se foi feito só um acordo [extrajudicial], eles podem desistir.

Se foi feito o acordo, não, porque ele já firmou. Acordo é acordo. Nem nisso seria vantagem. Se você assinou um contrato comigo de novação de dívida, assinou está assinado. Não tem mais como desistir. Só se você alegar algum vício da vontade [para anular ou rescindir o contrato]. Assinou, pronto, a obrigação está firmada.

Antes de passar para os regimes excepcionais (RAET, liquidação e intervenção), eu queria falar um pouco para vocês sobre as disposições penais da lei, a partir do art. 168.

Sobre os tipos penais eu não vou falar muita coisa, até porque essa não é a minha especialidade, mas vamos tratar de alguns itens pelo que eu tenho falado com outros professores, já falei com o Mendelssohn, que já estudou a matéria, já falei com o professor Anco Márcio Vale, que está escrevendo sobre o tema, fez um estudo profundo, inclusive, comparando-o com outros sistemas, como o alemão, que é parecido.

O art. 168 traduz, nos seus parágrafos, uma imprecisão técnica. A técnica legislativa aqui é imprecisa porque trata, nada mais, nada menos, do estelionato falimentar. Isso aqui, na verdade, é o estelionato falimentar: “Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, co o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.”.

Por que os professores que tratam da matéria falam que há aqui uma imprecisão técnica? Primeiro: no final, quando se diz: “com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida, para si ou para outrem”, há dolo de perigo concreto (“fim de”). Tem que buscar a vantagem, que não precisa ser material. Já no § 1º todas as

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hipóteses são de perigo abstrato. Então, todos dizem que isso aqui deveria ser uma conduta autônoma [o § 1º deveria ser um artigo autônomo], deveria ser um tipo especial mas não, é uma causa de aumento de pena, e não tipo autônomo. Você tem aqui uma qualificadora, há aumento da pena de 1/6 até 1/3.

Nota da transcritora – em Direito Penal, causa de aumento de pena não se confunde com qualificadora. A circunstância será qualificadora se a sua caracterização importar nova escala penal. Ao revés, se a escala penal permanece íntegra mas especificado um quantum de acréscimo na reprimenda, caracterizada estará uma causa de aumento de pena. Então, as situações descritas no art. 168, § 1º, são, em verdade, causas de aumento de pena.

Uma vantagem, um avanço da NLF é o seguinte: o crédito falimentar, antes, ele era próprio, isto é, só o falido podia praticá-lo. E isso era uma dificuldade porque o falido dificilmente pratica o crime de per si. Às vezes, ele tem o auxílio do contador, às vezes ele tem alguém auxiliando, um funcionário, um empregado. Aqui o legislador não fecha mais. Ele não diz: “o falido praticar ou deixar de praticar”. Não. Ele abre. Há a possibilidade de todas as pessoas que estiverem envolvidas possam ser sujeito ativo do crime. O § 3º, traduzindo a chamada teoria monista ou unitária, que é a regra, é a teoria mais aceita, afirma que nas mesmas penas incorrem contadores, técnicos, auditores e outros profissionais que de qualquer maneira concorrem para a conduta criminosa.

Além dessa peculiaridade suscitada pelos especialistas na matéria, nós temos um tipo penal novo, que é o do art. 169, que trata da violação do sigilo empresarial. É um novo tipo penal.

E um outro tipo de que já falamos no curso das nossas conversas é o tipo do art. 178, que não vai tratar de nenhuma novidade. Na verdade, é de uma omissão que ele cuida: da não entrega dos livros e documentos obrigatórios, mas que agora têm a redução de pena. A pena será reduzida. E esse aqui é o tipo responsável, sem sombra de dúvida, por 99% das denúncias existentes. Hoje as denúncias existentes em falência estão aqui: falta de entrega de livros. Se você não entregar os livros como é que se vai identificar os crimes do art. 168? Que são todos os crimes de fraude contábil? Ora, para eu saber se houve fraude contábil, se houve algum desvio, alguma maquiagem, eu preciso dos livros. Cadê os livros? Os livros sumiram. Se eu desapareço com os livros, o que é muito comum, eu incido no art. 178, não incido na pena, como está aqui, de 3 a 6 anos do art. 168, que pode ser aumentada em até 1/3 isto é, pode chegar a 9 anos, eu deixo de pegar até 9 anos de pena, sumo com os livros e incorro no único crime apenado com detenção na NLF, de 1 ano a 2 anos, ou seja, ainda cabe transação penal. Não há mais a figura da suspensão condicional do processo [exatamente porque a transação excluirá a ação penal e não haverá processo a ser suspenso].

Surge desde já a questão referente à abolitio criminis. Não tecnicamente uma abolitio criminis porque tecnicamente não deixa de ser crime, mas sim um abrandamento da pena. Se há um abrandamento da pena, qual o caminho a ser seguido? Claro que essa Lei vai retroagir. Se há um abrandamento de direito material, retroage. Crimes praticados antes da NLF, hoje, quando você for analisar e denunciar, a nova lei incide porque a pena é menor.

Só que surge um problema processual que não tem solução ainda. Cada um está seguindo um caminho na prática. Aqueles processos que você já denunciou mas ainda não propôs a suspensão condicional do processo. Porque antes isso crime [o crime de não entregar os livros] dava margem à suspensão condicional do processo. Primeiro se denunciava e depois lá na frente, se abria a possibilidade da suspensão condicional do processo, o chamado sursis processual. Na verdade, as condições são as mesmas da transação penal. Vamos aplicar a transação penal? Vamos voltar? Não houve suspensão condicional do processo sendo aplicada. Denunciou. Sursis processual não foi aplicado. Agora vem a NLF e diz que a pena é de 1 ano. Só que para o processo eu vou aplicar a transação penal ou não? Mesmo naquelas hipóteses em que já há denúncia recebida? Aí a questão fica no ar porque aqui você tem direito material com repercussão lá na seara processual penal. Tenho para mim, de longe, eu não sou especialista na matéria, que apesar de a questão ser de direito material e ter repercussão na seara processual e em processo [a novatio legis] incide imediatamente sempre, e deve sempre o que representar maior benefício para o réu. A transação penal é o que representa o maior benefício ao réu, porque nela não há processo porque não houve denúncia. Se há transação, a denúncia sequer será oferecida ou recebida, não se instaurando qualquer processo penal. E se o réu descumprir a transação haverá oferecimento da denúncia e aí sim será instaurada a ação penal. Então aqui seria o caso de se promover a transação penal.

Nota da transcritora – o que fazer em caso de descumprimento de transação penal é tema controvertido em processo penal. Prevalece, todavia, o entendimento de que os termos da transação devem ser executados (via execução específica, seja de obrigação de fazer, obrigação de dar, obrigação de pagar), não sendo cabível a promoção da ação penal.

Os promotores de massa falida no município do Rio de Janeiro, em sua maioria, não têm seguido este caminho. Eles têm dito o seguinte; se já há denúncia, como é que eu posso agora, com a NLF, aplicar transação penal? Há uma impossibilidade. Vou fazer o quê? Revogar o oferecimento da denúncia? Promover uma rescisória da decisão de denúncia? Já houve trânsito em julgado [rectiu, preclusão consumativa] a denúncia já foi oferecida e até recebida... Como é que eu vou agora aplicar um regime que é anterior [ao oferecimento da denúncia]? Há uma incompatibilidade processual sobre a questão, uma incompatibilidade de ritos. E quanto aos autores? Bom, até

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então os autores não enfrentam a questão. Eles ainda não tratam de questões mais aprofundadas. Eles falam assim: “agora o novo crime admite transação, aquela da lei nº 9099/95, porque a pena é de 1 ano de detenção”. Só falam isso.

Pergunta de aluno: qual o tipo de ação penal?Ação penal pública de iniciativa incondicionada. Você tem alusão aqui no art. 184. Admite-se também

ação penal privada subsidiária da pública que também comumente ocorre.

Outra questão referente ao art. 178. Gente, é basicamente o art. 178 que vocês vão enfrentar. Tem um promotor de falências lá mais antigo do que eu, ele está lá na Vara de Falência há 7 anos, e ele disse que em 7 anos ele só denunciou 3 vezes por crime que não sejam falta de entrega de livros. Por quê? Porque não há apuração. A gente não tem investigação. Vocês sabem que apenas 1% dos homicídios praticados no Rio de Janeiro vão a Júri. Então, de cada 100 que matam, 99 têm desconto. É... a gente não tem apuração de crime de homicídio. Para esses crimes aqui da legislação de falência nem se fala. Hoje mesmo vai haver uma reunião com o Secretário de Segurança exatamente para criar um setor da Polícia para investigar esse tipo de crime porque a gente vai ver agora que é o MP quem requisita a instauração de inquérito por crimes falimentares à Polícia. É ele quem vai promover a investigação conjuntamente com a Polícia. Então para que possamos alcançar aí outras questões [diga-se: elucidar outros crimes falimentares, que não o do art. 178].

Um outro ponto aqui do art. 178 transação penal. Você recebeu os autos e viu lá que é hipótese desse crime. Transação. Vou denunciar ou não vou denunciar? Vou deixar para vocês irem lá na Lei 9099 e discutirem, se você oferece a denúncia e antes do recebimento dela você oferece a transação ou se você oferece a transação e só no caso de ela não ser aceita é que você denuncia. O sistema é para ser uma audiência só. Aqui, o que importa é: você vai oferecer a transação penal onde: na Vara Criminal ou no Juizado Especial Criminal? Se for no interior dá no mesmo porque o sujeito faz os dois: o juiz criminal é juiz do Júri, é juiz do JECRIM, ele faz de tudo. Há previsão no art. 185 da aplicação do rito do art. 531 a 540, CPP, que seria lá o rito sumário do CPP. E aí você dirá o seguinte: Juizado Especial Criminal não admite rito especial. E se não admite rito especial, seria a Vara Criminal e não o Juizado o juízo competente. Acontece que os arts. 531/540, CPP, estão revogados. Esses ritos estão revogados. E aí fica no ar: ora está revogado. E há previsão de rito especial para crime falimentar e aí demandaria competência da Vara Criminal ou não, caberia JECRIM. Aqui na Comarca da Capital, as curadorias de massas falidas, nós não temos ciência, ninguém ainda denunciou crime pela NLF. E nós, que somos 8 e nos falamos muito, temos um fórum de debate na internet, nós, os 8, e a tendência é que seja a Vara Criminal porque acham que aqui na falência há um sistema especial. Mas eu não sei se essa é a idéia, não, porque lá nos Juizados há a transação penal e aqui não há rito especial algum. O rito especial a que se fez alusão não mais existe. Então não sei o que vai prevalecer e haverá muita confusão. Se esse crime aqui já não dava em nada, por causa da transação penal, com essa confusão toda, aí é que não vai dar em nada mesmo porque ele vai prescrever pela pena ideal. E não vem com essa que [a prescrição pela pena ideal] é ilegal. Ela ocorre todos os dias. Para que mover toda a máquina judiciária se vai prescrever? O promotor concorda e o Juiz homologa, julga extinto em razão da prescrição.

Isso é um ponto que fica no ar. Eu nem posso dizer qual o posicionamento dominante porque não tem nada sobre isso, ainda. Mas eu quero deixar isso pelo menos registrado nas anotações de vocês para que vocês possam acompanhar a evolução e ver como é que vai ficar essa questão.

Outra discussão importante antes da discussão sobre sistema processual penal, é o art. 180, que diz claramente que a sentença é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta lei. Então aquela discussão antiga fica resolvida.

O rt. 182 cuida de prescrição. A prescrição dos crimes falimentares obedecia a regra do 2 + 2. era o entendimento do STF no enunciado de súmula 147: a prescrição era de 2 anos e o termo inicial era o momento em que a falência deveria estar encerrada. E a falência deveria estar encerrada em 2 anos, utopicamente assim disposto na LF/45. O STF dispôs, então, que se a falência deveria estar encerrada em 2 anos, a partir daí começaria a correr o prazo, porque findos os 2 anos a falência deveria estar encerrada. E aí corriam mais 2 anos, que era o prazo prescricional. Então a gente sempre tinha o cuidado de, na capa do inquérito, de pilot vermelho colocar: “DATA DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA:“ porque olhando aquilo ali você sabia que tinha que denunciar em menos de 2 anos. Denunciava e depois contava mais 2 anos para a implementação da prescrição então antes desses 2 anos tem que haver a condenação Agora, com a NLF, isso fica claro no art. 182, dizendo que a prescrição, lá nos termos do CP, corre do dia da decretação da falência, da concessão da Recuperação ou da homologação do Plano da Recuperação ExtraJudicial. Então é da decretação da falência ou da decisão de homologação da Recuperação, seja judicial, seja extrajudicial. Acaba também com esse problema anterior.

Como é que vai funcionar a questão processual penal, pelo menos rapidamente, o procedimento?Decretada a falência, o administrador enviará a você o relatório disposto no art. 22, III, e. Então,

decretada a falência, o administrador elaborará um relatório. Esse relatório não é novo. Esse relatório já era elaborado pelo síndico no sistema anterior. Esse relatório é encaminhado ao Ministério Público. O MP diante desse relatório, lá no art. 187. O MP recebe esse relatório e avalia se há indícios da prática de crime falimentar. Verificando que há indícios de prática de crime falimentar, ele passará a uma outra etapa: se há elementos suficientes para denunciar? Se há elementos, denuncia direta. Não tendo, requisita a instauração de inquérito policial. Se for no interior, não vai ter qualquer problema porque vai ser aquela única delegacia do interior. Se for

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na capital, hoje nós estamos sem base.Vai requisitar pra quem? Eu já estive na ‘ADEPOL’ (?) ministrando uma palestra sobre essas questões e foi exatamente para ser suscitado esse problema da requisição de inquérito policial para investigação de créditos falimentares e lá firmaram-se duas idéias: a primeira é a criação de uma delegacia especializada para isso, o que me parece desnecessário porque não há esse volume. Vai criar uma delegacia que não vai servir para nada. Vai ter um delegado e dois agentes. Ela não vai funcionar. Como ela não ter movimento ninguém vai querer instalá-la. A outra idéia, a qual nós estamos em tratativa, entre a Procuradoria Geral e o Secretário de Segurança para definir o quanto antes através de uma Resolução, Defraudações. A Delegacia de Defraudações, inclusive com o Delegado Titular de lá. Nós já conversamos e ele acha razoável, interessante, inclusive iam ser deslocados peritos do ICCE [Instituto de Criminalística Carlos Eboli] para lá, que se especializariam e seriam treinados em crime falimentar só para essa questão. Então, na capital seria a DEFRA (Delegacia de Defraudações). Acompanhem isso. Muito em breve vocês terão notícia de uma resolução que será publicada informando que a requisição de instauração de inquérito para apurar crime falimentar será à DEFRA. E aí o promotor de massas falidas funcionará como uma mini Central de Inquéritos porque o inquérito correrá Delegacia – Curadoria de Massas, como ocorre entre a Delegacia – Central de Inquéritos, com os inquéritos em geral. E no interior haverá uma peculiaridade. No interior há 2 promotores: o criminal e o cível. E quem lidará com a delegacia será o promotor cível porque é ele quem tem atribuição em matéria falimentar. De acordo com o CPP, o promotor de falências é quem tem atribuição para matéria criminal. Corre entre Delegacia e Curadoria de Massas até o dia em que você verifica que foi caso de denunciar. Aí você denuncia [e ela passará a ser atribuição do promotor criminal]. Ou então que você verificar que é o caso de arquivar, que não se confirmou a idéia de possibilidade/probabilidade, razoabilidade mínima para a deflagração da ação penal, a chamada justa causa. Se não há justa causa, arquiva. E o arquivamento segue o mesmo esquema. Cabe aplicação do art. 28, CPP? Cabe. E aí o PGJ vai decidir se há ou não justa causa; se for determinada a propositura da ação penal, outro promotor será, como longa manus, indicado para fazê-lo. Isso é importante. No Rio de Janeiro um perigoso raciocínio estava sendo desenvolvido pela Assessoria de Assuntos Institucionais da Procuradoria Geral de Justiça. Acontecia o seguinte: você requeria o arquivamento, o Juiz aplicava, analogicamente, o art. 28, CPP. Remessa à Procuradoria Geral de Justiça, Assessoria de Assuntos Institucionais, que dizia: olha, você vai denunciar sim, mas isso não viola a sua independência funcional porque eu estou fixando a sua atribuição. Então é caso de fixação de atribuição, e não de violação de independência funcional. Isso me parecia um perigoso mecanismo. Isso aconteceu comigo e eu sofri uma representação na Corregedoria porque eles disseram que eu tinha que fazer, apesar de eu já ter dito que não ia fazer. Eles diziam estar fixando a minha atribuição e determinando que eu faça. E eu digo: não, não faço. Eu sofri essa representação do PGJ anterior. E eu acho isso um absurdo, uma violência à independência funcional. O PGJ atual já corrigiu isso de novo. Se o promotor disse que não vai fazer é porque ele já analisou isso. Independência funcional. Tem que designar outro para funcionar.

Virada de Fita

Pergunta de aluno: inaudível.Aí não. Não é o promotor designado quem está denunciando. Ele está atuando como longa manus. Ele

está apenas assinado. A questão é assim resolvida doutrinariamente. E se ele não fizer ele será punido. Aqui ele não tem direito à sua própria opinio. Ele não exerce juízo de delibação. Esse juízo de delibação não compete mais a ele. Aí sim trata-se de hierarquia. O PGJ te convoca, como se convocasse para representá-lo numa determinada reunião. Cabe a você obedecer. Isso não significa que você tenha que concordar com o que está sendo dito lá. Cabe a você ir lá e dizer que o PGJ mandou você dizer. Mas não é você quem está dizendo, mas o PGJ. Você é só o instrumento.

Vai denunciar. Vai denunciar onde? Na lei anterior, podia-se denunciar ou na Vara Empresarial ou na Vara Criminal. Cabia tanto numa quanto na outra. Cabia nas duas, mas no Rio de Janeiro, 100% das denúncias eram oferecidas na Vara Empresarial. Por quê? Porque a denúncia estava aqui com você, sendo que foi o cartório da Vara Empresarial que abriu vistas para você, porque o inquérito corria em juízo, era um Inquérito Judicial, uma das anomalias, um dos resquícios do antigo sistema processual penal em que o Juiz presidia o inquérito. Na verdade, até para que não houvesse qualquer tipo de discussão, ele [o Juiz] não exercia a presidência. Ele não dizia o que devia ser feito, ele mandava ao MP, até mesmo para não quebrar o princípio da inércia. Como é que o Juiz vai dizer o que vai ser feito ou não durante a investigação? Esse não é o nosso sistema, que é o princípio acusatório. Se eu der para você o processo e você for denunciar na Vara Criminal eu vou ter que ir lá, tirar cópias, extrair peças, formar a denúncia, tirar uma cópia da denúncia, mandar alguém ir lá no PROGER, ir na distribuição, protocolar ... Ora, muito mais fácil é juntar a denúncia no processo e dizer: denunciei em anexo. E na cota de denúncia requerer a extração de peças tais e quais, e cópia de folhas tais e tais, e o cartório da Vara Empresarial é quem vai formar o instrumento. O juízo da Vara Empresarial, a lei anterior admitia, recebia a denúncia e encaminhava à livre distribuição a uma das varas criminais. Era uma anomalia. Anomalia esta que às vezes gerava alguns tipos de problemas, como por exemplo, a Vara Empresarial recebia uma denúncia que, por erro material, foi deflagrada. E aí? Na Vara Criminal agora, que não foi o juízo que recebeu a denúncia, como é que o Juiz Criminal vai adotar qualquer tipo de postura quanto a uma decisão proferida pela Vara Empresarial? Habeas corpus. Em processo penal é assim, quando alguma coisa está errada, habeas corpus soluciona tudo. Aqui um

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pode impetrar o HC, até mesmo o promotor da Vara Empresarial pode trancar a ação penal via HC, porque está errado o recebimento.

Agora, na NLF, no art. 183, a denúncia será oferecida ao Juízo Criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência. No Rio de Janeiro, em razão do CODJERJ, o juízo criminal com competência para processar e julgar os crimes falimentares é o Código de Organização e Divisão Judiciária local que confere a competência para os crimes falimentares. E me parece muito mais razoável porque é o juízo falimentar quem conhece bem as questões falimentares. O juízo criminal não domina bem a matéria falimentar. Como ele vai julgar bem um crime falimentar, afeto à matéria falimentar, sem dominar muito bem o assunto? É muito mais difícil, e a gente vê isso na prática. Lá [no Estado de São Paulo] a eficiência está muito mais presente em razão disso.

Com a NLF, a denúncia só será ofertada na Vara Criminal. Não pode mais ser oferecida denúncia em Vara Empresarial.

Problema aqui ainda: a falência já estava decretada quando do advento da NLF. A falência está correndo. O inquérito judicial está correndo. No momento em que o inquérito judicial de encaminhado a você, você abre e vê que está na hora de denunciar, hoje mesmo, 21 de julho de 2005. Onde denunciar? Nós sabemos que pelo art. 192, essa lei não se aplica às falências e concordatas ajuizadas anteriormente ao início de sua vigência e serão concluídos nos termos do DL 7661/45. E aí você vai dizer: “É processo penal, Márcio, e as leis de processo se aplicam imediatamente”. Mas há a ressalva expressa no art. 192. Na comarca da capital, as denúncias têm sido ofertadas na Vara Empresarial. E essas denúncias têm sido recebidas e encaminhadas à Vara Criminal. Então só para os novos pedidos de falência é que nós temos adotado o sistema novo para o que já estava em curso, não.

Outra questão peculiar do Rio de Janeiro, que o TJ ainda não firmou posicionamento. Falência decretada no RJ [fórum central] mas o local [principal estabelecimento], Campo Grande. O juízo cível de Campo Grande processa e julga falência, concordata e recuperação? Não! Na nossa Organização e Divisão Judiciária os fóruns regionais não processam nem julgam falência. Os fóruns regionais do Méier, Campo Grande, Barra, Madureira etc., não possuem varas cíveis com competência falimentar. Então, se o estabelecimento for no Méier, na Barra, em Campo Grande, a falência será processada e julgada no fórum central. Atenção! Essa regra só vale para fórum regional! Caxias não é fórum regional. É outra comarca que não a da Capital. Se for outra comarca aí sim se processa lá. Problema existente: falência decretada na comarca da capital, portanto, fórum central, mas a sede era em Campo Grande. A denúncia é aqui na Vara Empresarial. O encaminhamento é a uma das varas criminais do fórum central. O que alguns juízes criminais faziam era declinar para a Vara Criminal de Campo Grande, dizendo que a competência criminal era de lá loci comissi delicti, o local do delito. E aí nós começamos a dizer: “já era”. A promotoria de falência do MP é uma das promotorias mais ecléticas porque você lida com a vara empresarial, todas as varas criminais – porque a denúncia vai a livre distribuição -, todas as varas cíveis – porque se tiver qualquer processo que interesse a uma massa sua você fala como custos legis, delegacia – você fala com delegacia também – então agora já era, vamos ter que sair daqui para fazer audiência em tudo quanto é regional com competência criminal.

A NLF vem e resolve o problema: “compete ao juízo criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência”. Então resolveu você verificará que a jurisdição criminal de onde se decretou a falência, no fórum central, também fica no fórum central.

Pergunta de aluno: o advogado do requerente, não concordando com o promotor em não denunciar, se ele quiser representar, qual é o momento e qual o juízo? Ele pode representar?

Não é perante juízo, mas internamente no próprio MP, ao Conselho Superior do MP.

Vamos tratar, então, dos regimes especiais a que algumas pessoas estão submetidas.Liquidação Extrajudicial é apenas uma das pontas. E a gente sempre fala de Liquidação Extrajudicial e

aí nessas anotações eu sempre abro por Liquidação Extrajudicial, pelo que todo mundo chama mas, na verdade, tudo vem de quê? Esta parte introdutória mostra apenas as leis, a intervenção do Estado-Juiz na economia e aí os três regimes.

A base qual é? Existem pessoas, e aí voltando à primeira aula de falência, eu dizia: se cada um de nós estiver devendo, o problema é de cada um de nós. Mas se for uma sociedade empresária, alguém que represente algo para a economia, o Estado tem interesse em monitorar e cuidar de você. E agora tem um próximo passo: se você, além de representar muito para a economia, se você é alguém que pode abalar intensamente o mercado com a sua saída, com o fechamento das suas portas, aí a questão fica mais intensa ainda. Quem são esses? Os bancos, os planos de saúde, os planos de previdência suplementar, as seguradoras, as corretoras de valores, cooperativas de crédito, isto é, hipóteses em que se você fechar as portas, “já era”. Nós vimos recentemente na Argentina um “panelácio” quando os bancos fecharam as portas. Quando o Banco Econômico fechou, houve depredamento de agências. A razão é muito simples: o sujeito vendo o imóvel para comprar outro e quando vai comprar o outro o banco fechou. E aí ele vai ficar no meio da rua, ou pior, vai morar de favor na casa da sogra. De qualquer forma, o banco não pode fechar as portas. Senão todo o mundo fica na pior. A mesma coisa com plano de saúde. Se o sujeito está sendo operado, ou no pós-operatório, e o Plano fale, como é que fica? Morre? São questões muito intensas, que merecem um tratamento mais especial ainda. E quais são esses três regimes? RAET – Regime de Administração Temporária -, a Intervenção e a Liquidação Extrajudicial.

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Um, necessariamente, sucede o outro? Não. São três remédios, em ordem crescente, esta é a intensidade da medicação. O primeiro medicamento é mais brando; o segundo, mais intenso; o terceiro, muito mais intenso ainda.

RAET foi utilizado, por exemplo, no PROER (?) dos bancos. Tecnicamente, foi perfeito. Internamente, materialmente, eu não sei. Não sei se deram dinheiro a mais, se teve gente que ganhou dinheiro, se teve gente que “se deu bem”. O PROER foi importante para fazer frente aos depósitos dos correntistas, para que eles pudessem sacar o dinheiro e não abalar demais a economia, para que os correntistas não sofressem mais, e depois, tocar adiante o restante. Você utiliza o RAET para arrumar a casa. Depois, ou decreta a liquidação ou devolve.

O Banco Santos passou primeiro pela intervenção, mais branda, para “tomar pé” da situação, e agora já passou para a Liquidação. Nada impede que ele se submeta à falência.

Quando uma instituição financeira se submete à falência? Banco pode falir? Sim. Banco pode falir. Banco pode falir diretamente, por exemplo, você tem um título protestado e com ele você pode requerer

a falência do banco? Hoje não. Mas sempre pôde. Mas por que, se sempre pôde, eu nunca vi? Por uma razão muito simples: para você poder requerer a falência, você tem que protestar. O art. 29, da Lei n.º 9.492/97, a Lei de Protestos, diz que o cartório de protestos enviará diariamente uma listagem de devedores a órgãos de proteção ao crédito e quando se tratava de banco, obviamente, o cartório enviava a lista também ao Banco Central e o BACEN já partia imediatamente para cima do sujeito e resolvia o problema sem precisar chegar à falência. Ou o banco pagava, ou o BACEN decretava o RAET, ou a Intervenção, ou a Liquidação. Só que hoje você, categoricamente, vai afirmar que banco mão pode ter um pedido de falência formulado contra ele por causa do art. 2º, II, NLF. Agora, no curso da Liquidação Extrajudicial o banco poderá ir à falência quando o ativo dele não fizer frente nem a 50% do passivo quirografário dele. Esse é o requisito para dizer que ele está muito mal, mal demais e que não tem mais jeito. Então o liquidante judicial, nomeado pelo Banco Central, pedirá ao BACEN autorização para requerer a autofalência. Está surgindo uma discussão vã, vazia. É claro que a NLF vai incidir por causa do art. 197, que excepciona a vedação do art. 2º enquanto não houver lei específica, a falência aquelas instituições submeter-se-á ao regime da NLF.

Como funciona uma Liquidação Extrajudicial? O presidente do BACEN, através de um Decreto PRESI, ou seja, um Decreto da Presidência do Banco Central, decreta a liquidação e nomeia um liquidante, que terá “super poderes”. O liquidante, além de ser o administrador, é o juiz e o promotor. Ele é tudo isso. Enquanto na falência o administrador está submetido à fiscalização do Ministério Público, do juízo e dos próprios credores, além da sua própria administração [que também é uma forma de fiscalização], então seriam quatro [controles], na Liquidação Extrajudicial, não. Não há transparência: os credores não têm acesso à documentação, o MP não participa da liquidação e o Judiciário muito menos. O liquidante, então, tem super poderes. Ele vai desenvolver a liquidação de forma analógica à falência, conforme o art. 34, da Lei n.º 6.024/74.

Quando a Liquidação Extrajudicial é instaurada, instaura-se inquérito junto ao BACEN [art. 41, Lei n.º 6.024/74]. Esse inquérito serve para apurar as responsabilidades dos ex-administradores. Esse inquérito corre no Banco Central e, ao final, é encaminhado ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal. Isso foi muito perguntado na última prova oral e ninguém soube responder: por que aos dois MPs? Porque a parte criminal é toda de competência da Justiça Federal. Então quem vai denunciar e perseguir a punição para aqueles crimes é o Ministério Público Federal. E o que o Ministério Público Estadual tem a ver com isso tudo? Ele é destinatário porque o alcance dos ex-administradores será promovido pelo Ministério Público Estadual. No Rio de Janeiro [capital, provavelmente] há uma única promotoria de liquidações extrajudiciais. Então ela é a destinatária dos inquéritos. Recebendo o inquérito, sob pena de responsabilidade pessoal do promotor (essa é uma das pouquíssimas leis que pautam a responsabilidade pessoal do promotor de justiça), em oito dias deve ser ajuizada uma cautelar de arresto, e não de seqüestro [art. 45, Lei n.º 6.024/74], porque lá no inquérito estarão arrolados os bens declarados pelos ex-administradores e os bens que o BACEN conseguiu alcançar. Agora, em juízo, com a cautelar de arresto para arrestar todos os bens dos administradores, agora, em juízo, você vai conseguir quebrar o sigilo com as declarações de Imposto de Renda, com a remessa da D.O.I. (Declaração de Operação Imobiliária). Como a D.O.I. representa quebra de sigilo, o seu requerimento à Receita Federal tem que ser via judicial, e pode ser pedida aqui nessa cautelar de arresto. De posse da D.O.I., expede-se ofícios aos cartórios certos.

Então, essa cautelar de arresto deve ser ajuizada em oito dias, sob pena de responsabilidade pessoal do promotor. Como uma cautelar [preparatória], em 30 dias deve se ajuizada a ação principal, que será uma Ação de Responsabilidade. Quando cumprida a cautelar, com todos os bens arrestados, há 30 dias para a ação principal, a ação de responsabilidade.

A primeira questão tormentosa e que hoje já está tranqüila, mas que durante muito tempo foi perguntada é a seguinte: processo civil; falta de interesse de agir. O MP teria interesse de agir para a propositura da ação cautelar de arresto? Essa tese foi ventilada na Liquidação Extrajudicial do Banco Nacional por dois grandes advogados: Arnoldo Wald e Sérgio Bermudes. Não há interesse de agir porque os bens, quando o BACEN decretando a intervenção e a liquidação, eles já estão todos alcançados. Então não há interesse de agir nessa cautelar de arresto porque não há outros bens a alcançar. Essa tese restou vencida pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, com o Mendelssohn, e depois eu levei a tese adiante, e nós firmamos a jurisprudência no STJ. O STJ confirmou a existência de interesse de agir em razão da jurisdicionalização da questão, ou seja, os bens estavam arrestados por conseqüência de uma decisão administrativa e adora o tema está jurisdicionalizado. O segundo e mais importante argumento: lá, os bens alcançados são desconhecidos [porque o inquérito é sigiloso

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no BACEN e ninguém tem acesso a qualquer informação]. Só aqui [judicialmente] é que os bens arrestados e alcançados serão efetivamente conhecidos e identificar-se-ão quais os bens de efetiva propriedade daquelas pessoas. Por exemplo, Banco Santos. A casa do Edmar Cid Ferreira (?) é dele? Não. No papel aquela casa pertence a quatro off shores, mas é dele ou não é? É dele. Mas você não alcança, na prática, você nunca vai saber se é realmente dele ou não porque na verdade você não tem como saber se ele é acionista ou não daquelas quatro off shores, porque [ações de off shores] são títulos ao portador. Esse é o planejamento fiscal mais comum. Ele é o proprietário da casa ou não é? Ele não posou para a revista Veja, Caras, sei lá, iluminando, da sacada da casa dele, o letreiro do Banco Santos via controle remoto? O Banco Central, quando decretou a Intervenção do Banco Santos, não pôde arrestar aquela casa porque ela não pertencia a Edmar Cid Ferreira. Mas o Ministério Público Estadual de São Paulo já obteve o arresto daquela casa em razão do princípio da boa-fé objetiva. A casa é dele, mas ele se utiliza de quatro off shores para esconder o dinheiro. E essa é a nova era. Eu quero ver como as cortes superiores, STJ e STF, vão se posicionar em relação a isso. Está aí a boa-fé objetiva que tanto o professor Capanema tanto falava no início [da vigência] do NCC, que seria o Código da eticidade, da socialidade, da visibilidade.Porque todas essas operações realizadas, tirando-se, claros, os excessos, estão pautadas na boa-fé objetiva. E o que é boa-fé objetiva? Se você vende algo que vale R$ 30 mil, a nota fiscal não pode ser de R$ 3 mil. Legalmente, não há nada de errado em eu vender essa garrafinha d’água, que vale R$ 1,50, por R$ 80,00. Mas a boa-fé objetiva denota que se essa garrafinha vale R$ 1,50, eu não paguei por ela R$ 0,01. Essa é a nova era. Vamos ver como a jurisprudência dos tribunais superiores se comportam. Então, está aqui o arresto, há interesse de agir, sim, a jurisdicionalização vai alcançar os bens efetivamente.

Pergunta de aluno: Poderia se pedir a desconsideração da personalidade jurídica nesse caso?Nada impede.

Pergunta de aluno: inaudívelÉ nesse caso [referente às off shores] realmente não pode. Mas em outros casos não há o menor

problema porque quem se vai alcançar são as pessoas dos sócios. Então, aqui, se você detectar ma fraude perpetrada por um sócio que não é administrador, pela desconsideração você poderá alcançá-los.

Cumprido o arresto, vem a ação de responsabilidade em 30 dias, que é uma ação simples, curta, pequena, de duas páginas: Proponho a ação de responsabilidade em face de fulano porque: nº 1) foi decretada a Liquidação Extrajudicial pelo Decreto Presi do BACEN nº tal; nº 2) o inquérito nº tal, anexo; nº 3) a cautelar aqui apensada; nº 4) ele(s) tem que pagar: os Administradores tem responsabilidade objetiva pelo passivo a descoberto quando da liquidação. Assim, se a decretação da Liquidação Extrajudicial é hoje, e hoje há um passivo a descoberto de R$ 4 milhões, todos os administradores terão os bens arrestados para cobrir esse passivo. É responsabilidade objetiva. No Rio de Janeiro, o leading case foi julgado pelo Desembargador Laerson Mauro. Depois o STJ firmou esse entendimento sobre a objetividade da responsabilidade pelo passivo a descoberto. E não é à toa que hoje qualquer presidente de banco, de instituição financeira, de instituição de previdência privada só aceita o cargo se for feito um seguro para ele. E a seguradora vai fiscalizar os atos cometidos para avaliar o risco.

Em 1997, o passivo a descoberto do banco Veja era de R$ 7,5 milhões. Proposta a cautelar de arresto e cumprida, foi proposta a ação de responsabilidade. O tempo passa e em 2003 a ação de responsabilidade, que se presta para realizar uma perícia para saber qual o passivo a descoberto no momento da decretação Liquidação Extrajudicial. Os réus concordam. E requerem ao perito que esclareça o atual passivo a descoberto, o que é deferido em amor à ampla defesa. E o perito indica um superávit de R$ 150 mil, porque os títulos das dívidas públicas, que todo banco tem, vão se vencendo. E se a ação de responsabilidade demorar muito, o ativo será superior ao passivo. E o que fazer? Extinção do processo por perda superveniente do objeto. E não tenham dúvidas que nós entraremos na era de ações milionárias de responsabilidade em face do Banco Central na Justiça Federal, porque o ato do BACEN é de competência da Justiça Federal. Eles argumentarão que o ato do BACEN era desnecessário: pagou-se a todo mundo e ainda sobrou dinheiro para partilhar entre os sócios. Eu não estou defendendo, não estou dizendo que está certo não. Lá atrás, a saúde financeira era extremamente debilitada, não podia o BACEN deixá-lo operando. Não podia esperar esse tempo todo.

Ação de responsabilidade em curso e a falência é decretada. Quem é o legitimado para permanecer como autor? O MP perde a legitimidade e o administrador, antigo síndico, assume a titularidade ativa, a legitimidade ativa.

Pergunta de aluno: inaudível.Já era. É a Vara Empresarial. Ela já era a competente. A Vara Empresarial, o promotor de liquidações

extrajudiciais já trabalhava lá. Agora, continua na Vara Empresarial, só que é o administrador da falência que vai cuidar disso.

Gente, isso tudo é só para a Liquidação Extrajudicial. Nada disso acontece na intervenção ou no RAET.Há uma Liquidação Extrajudicial em que o sujeito é administrador e tem todos os bens bloqueados,

arrestados? Essa questão foi levada ao STJ e já foi perguntada na prova do MP. A primeira questão é essa: pode esse sujeito ser executado? Porque um dos efeitos da decretação da Liquidação Extrajudicial e a suspensão das execuções. Se você é credor de lá [da instituição liquidanda], é lá que você tem que se habilitar. A execução pode

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acontecer porque a dívida é da pessoa do administrador, e não da instituição em Liquidação Extrajudicial. E o carro do administrador pode ir à hasta pública? Porque o carro está arrestado... Depois de muita discussão, definiu-se que pode. O STJ entendeu que o bem pode ser penhorado e levado à hasta pública. A Liquidação Extrajudicial tem por objetivo a não dilapidação do patrimônio para não fazer frente aos credores da instituição financeira. Mas isso não quer dizer que a Liquidação Extrajudicial vá embaraçar o direito dos credores particulares do administrador. Esses credores particulares não têm nada a ver com isso [com a Liquidação Extrajudicial]. Claro e obviamente que o administrador não pode estar fraudando. Senão, é facílimo: antevendo a Liquidação Extrajudicial, o administrador emite um monte de nota promissória e quando sair a Liquidação Extrajudicial, eles combinam de todos executarem e livrarem os bens do administrador do alcance da Liquidação Extrajudicial e fica tudo bem: ele continua a fruir dos bens que agora estão em nome de terceiros. Não é isso.

A última questão de que eu quero falar é a seguinte: decretada a Liquidação Extrajudicial o dinheiro está em conta corrente. O dinheiro está retido. O titular dessa conta pode manejar pedido de restituição em face do banco? Não. O STJ já firmou entendimento desde 2003, pelo Ministro José Delgado o dinheiro que está no banco não é do titular daquela conta-corrente. No contrato de depósito bancário, a pessoa transfere ao banco a propriedade do dinheiro, que passa a ter sobre ele total disponibilidade. É mútuo, contrato de empréstimo. O sujeito empresta o dinheiro ao banco. É um depósito impróprio, irregular. Essa posição do STJ importa em um problema muito sério. Se as pessoas descobrirem isso aqui elas nunca mais colocam dinheiro em banco. Se o banco quebra, o dinheiro não é seu; você é mero credor do banco e vai receber como credor quirografário.

Pergunta de aluno: E se for o contrário? E se a sua conta estiver negativa?Aí o banco se cobra, via rito monitório.O problema é o seguinte: se as pessoas descobrirem essa orientação do STJ, elas nunca mais

guardarão dinheiro em banco. Vão investir em ações, em fundos com propriedade fiduciária.

Pergunta de aluno: E se a conta for conta-salário?A mesma coisa. Só que dá para argumentar que é verba alimentar, essencial à sobrevivência e tal. O

que estiver lá, perdeu. Mas vai poder suscitar essa discussão e pedir um alvará judicial para sacar o salário todo mês.