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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
FORMAÇÃO PARA O TRABALHO DOMÉSTICO E PARA O TRABALHO DE
CUIDADO: UMA ANÁLISE EM CURSOS DE CAPACITAÇÃO NA BAIXADA
FLUMINENSE - RJ
Tatiane de Oliveira Pinto1
Resumo: A presente comunicação tem como objetivo apresentar parte de um estudo de doutorado
sobre o trabalho doméstico remunerado, realizado por mulheres da Baixada Fluminense – RJ. A
partir de uma perspectiva etnográfica, busca-se refletir sobre os significados atrelados às
representações do feminino em um segmento específico dos grupos populares, tendo como objeto
de pesquisa o serviço doméstico e explorando dimensões do entendimento sobre trabalho,
experiência feminina e aprendizado doméstico. O universo de pesquisa é composto por mulheres,
trabalhadoras domésticas e moradoras do município de Nova Iguaçu. Como estratégia de
aproximação a essas mulheres, utilizamos três caminhos: a formação de uma rede externa, a partir
da indicação de participantes iniciais, que por sua vez, indicam novos participantes e assim
sucessivamente; a busca por mulheres associadas em sindicatos de trabalhadores domésticos e em
instituições que oferecem cursos de qualificação e/ou treinamentos para o serviço doméstico e para
o trabalho de cuidado. Nesta comunicação, daremos ênfase à análise dessas instituições, aos cursos
de capacitação oferecidos e às vivências das mulheres que buscam pela qualificação. Destacaremos
ainda, as modalidades que, na opinião das trabalhadoras, oferecem melhores condições de trabalho
e possuem um maior status na escala dos serviços.
Palavras-chave: Trabalho doméstico remunerado. Grupos populares. Cursos de capacitação.
A configuração de identidades de gênero pode ser constituída pela habilidade dos sujeitos
em interiorizar normas sobre o que é ser masculino e feminino e ainda pelo reforço de influências
socioculturais. Tais identidades são instituídas de acordo com a forma pela qual homens e mulheres
são socializados, de acordo com seus ciclos de vida e suas experiências específicas no interior de
um universo particular perpassado pela raça, etnia e classe social, como nos informa Duque-
Arrazola (1997). Assim, pensar a construção das relações de gênero como uma categoria de análise
nos leva a pensar em uma “realidade social de gênero”.
As relações de gênero são estabelecidas pelos antagonismos sociais entre homens e
mulheres a partir de seus valores e significados, seus espaços ocupados, tarefas e atribuições
pautadas na diferenciação sexual e, essas mesmas relações sugerem relações de poder, baseadas em
diferenças, hierarquias e significados divergentes do feminino e do masculino.
1 Doutoranda em História, Política e Bens Culturais no CPDOC/FGV- RJ; Professora do curso de Serviço Social da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - RJ/Brasil. E-mail: [email protected].
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Como pontua Sarti (2005), o trabalho é o instrumento que viabiliza a vida familiar. Em se
tratando da mulher, a ideia de trabalhar para os outros, ou seja, para a família, colabora para a
valorização do trabalho doméstico e lhe confere sentido de identificação com tal atividade, numa
espécie de contrapartida da atividade masculina de provedor. Para algumas mulheres o trabalho
doméstico apresenta certa positividade, uma vez que pode (também) representar a essência da
construção da identidade feminina, definindo assim “um jeito de ser mulher, sempre enredado em
intermináveis lides domésticas, neste mundo social fortemente recortado pela diferenciação de
gênero” (SARTI, 2005).
A partir dos anos de 1990 e na primeira década do século XXI, diversos fatores provocaram
novos interesses acerca do debate sobre o trabalho doméstico, sobretudo aqueles com relação à
entrada crescente e definitiva de mulheres no mercado de trabalho (BRUSCHINI apud BRITES,
2013). Entre tais fatores se sobressaem à reestruturação e flexibilização produtivas nas sociedades
pós-industriais, que elevam os índices de “feminização do trabalho”; a precarização do trabalho e o
declínio do Estado de Bem-Estar Social em países desenvolvidos do hemisfério norte; além do
envelhecimento populacional, que gerou uma crise global dos cuidados que, por sua vez, questionou
a logística transnacional de divisão social do trabalho em que os recortes de gênero e etnia estão
entrelaçados.
No universo acadêmico feminista, o debate contribuiu enormemente ao definir que aquilo
que se produz no espaço doméstico não são atividades produtivas, nem improdutivas, mas sim
reprodutivas, ou seja, “que estão no centro da existência, sem as quais os seres humanos não podem
viver”, como pontua Dalla-Costa, citado por Brites e Picanço (2014).
Na discussão acerca do trabalho de cuidado não é tarefa simples chegar a um consenso sobre
um único significado ou uma terminologia acerca dos estudos do care e as ambigüidades em
relação aos termos empregados levam a divergências quanto ao o seu significado e natureza e em
relação aos conteúdos considerados mais importantes.
O care work, ou seja, o trabalho de cuidado é uma atividade profissional que está se
ampliando na economia de serviços em escala internacional, como indicam Hirata e Guimarães
(2012). Para a pergunta “pode-se dizer que as empregadas domésticas e diariastas, que cuidam do
bem estar das pessoas, e não apenas do cuidado das pessoas, são também caregivers, provedoras de
care?”, poderíamos responder que sim, porque do mesmo modo que o trabalho de care apresenta
uma interface entre trabalho emocional e trabalho material, técnico, também é possível perceber tal
interface em algumas situações do trabalho doméstico. O termo cuidado, como ressaltam Hirata e
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Debert (2016: 07), remete a “processos, relações e sentimentos entre pessoas que cuidam umas das
outras, como também de seres vivos e até mesmo de objetos, cobrindo várias dimensões da vida
social”. Deste modo, na presente análise entende-se o trabalho de cuidado como pertencente ao rol
de atividades consideradas domésticas, realizadas no espaço privado da casa.
É sabido que houve uma melhoria ao acesso de direitos sociais e trabalhistas para os (as)
empregados (as) domésticos (as), assim como em seus rendimentos. No entanto, a atividade ainda é
desvalorizada socialmente, realizada por mulheres vindas de grupos populares, sendo essa mão de
obra aquela que permite que muitas pessoas das classes média e alta possam trabalhar fora,
transferindo cuidados com alimentação, casa, crianças, idosos, etc. Talvez essa seja uma das
questões centrais da discussão acerca do trabalho doméstico (MACEDO, 2013).
Diante do exposto, a presente comunicação tem como objetivo apresentar parte de um
estudo de doutorado2, ainda em curso, sobre o trabalho doméstico remunerado, realizado por
mulheres da Baixada Fluminense – RJ. A partir de uma perspectiva etnográfica, busca-se refletir
sobre os significados atrelados às representações do feminino em um segmento específico dos
grupos populares, tendo como objeto de pesquisa o serviço doméstico e explorando dimensões do
entendimento sobre trabalho, experiência feminina e aprendizado doméstico. O universo de
pesquisa é composto por mulheres, trabalhadoras domésticas e moradoras da Baixada Fluminense,
especificamente, no município de Nova Iguaçu, que estão ou estiveram vinculadas a instituições
que oferecem cursos de capacitação e/ou treinamento para o serviço doméstico e para o trabalho de
cuidado. Nesta comunicação daremos ênfase à análise de dois cursos de capacitação nas referidas
instituições e a algumas vivências das mulheres que buscam pela qualificação. Destacaremos ainda,
as modalidades que, na opinião das trabalhadoras, oferecem melhores condições de trabalho e
possuem um maior status na escala dos serviços.
A capacitação para o trabalho doméstico e o trabalho de cuidado
Nas últimas décadas houve um aumento no interesse pela profissionalização do trabalhador
doméstico, com o surgimento de agências especializadas em seleção e encaminhamento, cursos de
formação e outras formas de legitimação da atividade de empregadas mensalistas, diaristas, babás e,
mais recentemente, cuidadores (as) de idosos, como mencionam Debert e Oliveira (2015).
2 A pesquisa em andamento tem como comitê de orientação as professoras Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira -
CPDOC/FGV e Liane Maria Braga da Silveira - ENSP/Fiocruz.
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No estudo do qual trata esta discussão, um número significativo de mulheres identificadas
no trabalho de campo em andamento estão inseridas em curso de formação para babás e cuidadores
(as) de idosos. Muitas delas já atuam como empregadas domésticas – como diaristas voltadas para a
limpeza ou como mensalistas, ou ainda como cozinheiras, lavadeiras e passadeiras – e algumas
pretendem migrar para a função de babá e/ou cuidadora.
Barros (2013), ao defender a qualificação profissional para trabalhadores domésticos, afirma
que não é mais possível reproduzir a ideia social de que para a realização do serviço doméstico não
é preciso aprender, uma vez que é uma atividade inerente ao feminino, própria da mulher, mãe,
cuidadora e dona de casa. Somando-se a isso, a autora posiciona-se a favor da qualificação para o
serviço doméstico em consonância com as normas internacionais específicas da Organização
Internacional do Trabalho – a OIT – que orienta as modificações nas legislações e nas práticas
relacionadas aos trabalhadores domésticos em âmbito mundial. É preciso compreender o trabalho
doméstico do ponto de vista jurídico, com base na concepção daquilo que se entende por trabalho
decente3 e com ênfase na capacitação profissional como uma ferramenta de valorização do trabalho
doméstico remunerado.
Em termos conceituais, a partir das normas internacionais do trabalho, a formação
profissional ajusta não somente a formação para o trabalho, mas também se destina ao
desenvolvimento pessoal, de modo que possa abranger não somente questões econômicas, mas
também o desenvolvimento humano e o desenvolvimento social, que são fatores indispensáveis
para o exercício da cidadania e para a garantia de direitos. Deste modo, “a formação profissional é
considerada como um direito fundamental do trabalhador” (BARROS, 2013: 11).
Guimarães (2016), utilizando o trabalho de cuidado como “território empírico”, ilustra dois
argumentos para a problematização da mercantilização do care: primeiro que a atividade de cuidado
do/com o outro é um campo rico para a análise de controvérsias referentes à mercantilização de
certo bem ou serviço. O primeiro argumento é que o trabalho de cuidado se torna concreto na
medida em que é exercido no espaço da casa ou fora dela, por meio de uma relação compulsória ou
profissional, de maneira gratuita ou paga. E segundo, que a controvérsia em torno do trabalho do
cuidado pode ser relevante para os teóricos dos mercados e para a sociologia econômica de forma
mais ampla. Assim, a autora afirma que a mercantilização em nosso país é “um processo que se
declina no feminino”, tendo em vista que no início da década de 1960, o mercado de trabalho era
3Nos termos de Barros (2013), o trabalho decente, um conceito ainda em construção, supõe a efetivação de direitos que
só será alcançada a partir da democracia, justiça social e cidadania, que possuem como base a educação, incluindo a
formação profissional.
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um domínio dos homens e no final do mesmo período havia deixado de sê-lo. Ao longo de
cinquenta anos, a incorporação feminina no mercado quase quadruplicou, alinhando-se à tendência
masculina de elevada mercantilização.
Na medida em que se mercantiliza de maneira intensa o trabalho feminino, o domicílio se
torna uma “unidade produtora de cuidado”, uma atividade que já não é mais um trabalho gratuito e
compulsório da dona de casa e sim uma atividade na qual convergem vários personagens, tendo
destaque as empregadas domésticas e as cuidadoras onde, em termos de status e reconhecimento e,
a partir da forma de se nomear uma e outra, há um favorecimento da cuidadora. Por outro lado, a
luta por acesso a direitos parece estar ao alcance daquelas que são menos reconhecidas socialmente,
as empregadas domésticas, que tiveram seu trabalho regulamentado e ampliação de direitos. E ainda
há uma disputa das cuidadoras com as profissões consideradas superiores do cuidado com os
enfermeiros, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, como ressalta Guimarães (2016).
No Brasil e em outros países caracterizados por desigualdades econômicas e sociais, a figura
da empregada doméstica – geralmente referenciada em mulheres jovens, vindas de pequenas
cidades do interior ou do meio rural – acompanhou, no decorrer do tempo, a realização das tarefas
domésticas e do cuidado das crianças e dos velhos. O cuidado de idosos em domicílio é um
mercado de trabalho em crescimento, que é decorrente do aumento da expectativa de vida e que
produz novos significados ao fluxo de pessoas das regiões mais pobres para as mais ricas, impondo
novas configurações às relações afetivas na família, aos contratos de trabalho e à percepção dos
deveres e obrigações do Estado. Tratar do tema no Brasil é “enaltecer a nova legislação que
estendeu ao empregado doméstico direitos do trabalhador no mercado formal”, gerando o que ficou
entendido como uma segunda abolição da escravidão (DEBERT, 2016: 144).
Ainda no campo do cuidado, a respeito do universo de trabalho de babás, Zelizer (2012)
afirma que é possível perceber que suas relações com as crianças e os pais das crianças não são
“simples relações de amor” e nem “transações comerciais comuns”. A negociação que envolve a
tarefa, as relações interpessoais e as formas de contrapartida em termos de pagamento, preocupa as
babás, além de ter grande impacto sobre o care que elas dispensam às crianças e pode ainda definir
a permanência ou não delas no trabalho. A autora evidencia, em casos como esses, que as partes
envolvidas nos contratos de trabalho exercem um poder muito desigual. Para Zelizer (2012), as
relações entre babás e empregadores têm a mesma complexidade das relações entre esposos, filhos,
parentes ou amigos: os maus arranjos e as transações econômicas deles decorrentes geram prejuízos
e os bons arranjos promovem as relações e se revelam com uma colaboração mais eficaz.
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Sobre a qualificação para o trabalho doméstico, Kofes (2001) faz referência a instituições
religiosas e cursos de Assistência Social que apresentam em suas orientações os termos-chave
limpeza e obediência. Segundo a autora, mesmo sob ideologias diferentes, tais instituições têm em
comum seus objetivos: “interpor-se entre classes sociais diferentes e desiguais para preparar, com e
por meio de mulheres, umas nos hábitos das outras” (KOFES, 2001: 384). Em tais cursos de
formação o doméstico assume o caráter de “domesticar”, onde a domesticidade, para além de ser
definida pelo doméstico, se sobrepõe para a empregada na perspectiva do treinamento de hábitos
culturais sob o modo de mando e obediência.
Na descrição de tais instituições, Kofes (2001) ressalta o evitamento da palavra
“trabalhadora”, que era substituída, na ocasião da certificação, pela categoria “auxiliar de serviços
domésticos”. Aqui se percebe a negação do status de trabalhadora para quem executa o serviço
doméstico, que na atualidade já não pode mais ocorrer devido à legislação, embora na prática, o
exercício pleno desse direito ainda não esteja ao alcance da maioria das mulheres inseridas nesse
campo de trabalho.
Procedimentos Teórico-Metodológicos
No referido estudo são privilegiados os procedimentos de pesquisa qualitativa e a
investigação está sendo realizada a partir de uma perspectiva etnográfica.
O trabalho de campo é operacionalizado a partir da observação participante e entrevistas,
aqui consideradas como importantes meios de análise científica. A observação participante que
compreende uma técnica de coleta de dados em que a presença do investigador numa situação
social é mantida para fins de investigação científica e tem uma perspectiva de relação direta com o
grupo investigado, podendo o pesquisador participar de seu ambiente ‘natural’ e social. A
característica do observador é a sua participação na vida cotidiana do grupo ou organização que
estuda, onde observa seus sujeitos de estudo, a fim de notar as situações, descobrindo assim suas
interpretações acerca dos eventos observados (BECKER: 1999).
Conforme mencionado anteriormente, o universo de pesquisa é composto por mulheres,
trabalhadoras domésticas, residentes na cidade de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Como
estratégia de aproximação a essas mulheres, utilizamos três caminhos: a formação de uma rede
externa, a partir da indicação de participantes iniciais, que por sua vez indicam novos participantes
e assim sucessivamente; a busca e a localização de mulheres associadas em sindicatos de
trabalhadores domésticos; a identificação de mulheres matriculadas como alunas em instituições
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que oferecem cursos de qualificação e/ou treinamentos para o serviço doméstico e para o trabalho
de cuidado.
Nesta comunicação serão pontuadas questões específicas à duas instituições que oferecem a
formação para o trabalho doméstico e o trabalho de care que foram mapeadas durante a fase
exploratória do campo, das quais uma ainda permanece como locus da pesquisa.
As instituições de capacitação para o trabalho doméstico e o trabalho de cuidado em Nova
Iguaçu, Baixada Fluminense
No início do mapeamento do campo foram localizadas duas instituições no município de
Nova Iguaçu. A primeira instituição atua com foco na promoção/assistência social e possuía em seu
quadro de cursos de capacitação, até fevereiro de 2015, um curso específico voltado para a
formação de trabalhadores domésticos. Trata-se da Casa Amarela, vinculada a uma instituição
maior que possui em seu quadro atividades socioassistenciais que intervêm na vida de famílias em
situação de vulnerabilidade social. A outra instituição mapeada foi a Casa Azul que, embora tenha
suas ações voltadas para a educação infantil de crianças carentes, oferece atividades voltadas para
adultos (pais e/ou responsáveis pelas crianças assistidas).
Na Casa Amarela4, o LDHD – laboratório de desenvolvimento de habilidades domésticas –
tinha suas atividades voltadas para homens e mulheres, a partir dos 16 anos de idade. No início do
ano de 2015, o curso foi fechado por falta de recursos. Na ocasião das visitas a instituição, foi
possível entrar em contato com a última monitora do curso e duas ex-alunas. Nas falas das ex-
alunas, embora tenham cursado o LDHD, não pretendiam atuar como empregadas domésticas.
Matricularam-se no curso para manterem vínculo com a instituição, mas não intencionavam ter
como profissão o ofício, sobretudo pela questão do estigma e da pouca valorização. No encontro
com a professora nos foi informado que a maioria das jovens, algumas já mães, intencionava estar
fora de casa, obter uma autonomia em relação à família e por isso havia a procura pelo curso. Nas
palavras da professora, não havia o interesse específico das jovens em se tornarem empregadas
domésticas. O interesse era de se instrumentalizarem para, num momento posterior, atuarem na
própria casa. De acordo com o que a professora nos relatou essas meninas não trabalharam, após o
curso, em nenhuma atividade no campo do serviço doméstico.
Tendo em vista que as atividades do laboratório foram finalizadas, não foi possível
identificar outras ex-alunas que pudessem contribuir com nossas inferências acerca das atividades
4 Para preservar a identidade das instituições os nomes utilizados são fictícios.
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de formação na Casa Amarela. O que ficou claro nas poucas informações que obtivemos a respeito
da referida oficina foi que, ao longo do tempo de existência, ela foi se transformando em uma
atividade de capacitação na área de alimentação e que não funcionava mais nos moldes anteriores,
onde as atividades eram desenvolvidas dentro de um espaço físico que remetia a uma unidade
doméstica, com atividades de capacitação para homens e mulheres, futuros trabalhadores
domésticos. Ao que tudo indica, essa alteração na configuração do curso/oficina ocorreu devido a
pouca procura pela comunidade local e a um possível desinteresse na qualificação para o serviço
doméstico.
Na Casa Azul, dentre os cursos de qualificação oferecidos, identificamos, em março de
2015, a oficina de Artes Domésticas que consiste em oferecer formação nas áreas de cuidador (a) de
idosos/babá, cozinheiro (a) e jardineiro e que tem como público alvo homens e mulheres que já
tenham ou buscam pela inserção em atividades de serviço doméstico. Também nos foi informado
em entrevista com a direção da instituição que houve uma adaptação na nomenclatura e no
conteúdo programático do curso, uma vez que o curso específico de empregados domésticos não
atraía pessoas da comunidade.
Sobre a relação da monitora com as alunas do curso de babá e cuidador (a) de idosos, não é
possível fazer muitas inferências, pois as entrevistas são realizadas no intervalo das aulas. Não há
contato da pesquisadora com as mulheres/alunas durante as aulas. No entanto, em conversa
informal com a monitora, foi informado que devido ao tempo disponível para as atividades, não é
permitido que as alunas exponham, durante as aulas, suas experiências e vivências decorrentes de
suas atividades no serviço doméstico e/ou do trabalho de cuidados. Segundo a monitora, o tempo
utilizado para esses relatos e trocas de experiências poderia comprometer o cronograma de
atividades proposto no plano de ensino do curso. Deste modo, ficou claro, por parte da monitoria,
certo evitamento de comentários acerca das vivências laborais das alunas e ainda a orientação para
que elas também evitem emitir qualquer tipo de opinião em seus futuros empregos como cuidadoras
e/ou babás.
Considerações finais
Nos cursos de qualificação identificados na fase exploratória do campo ficou evidenciada a
demanda da profissionalização por parte das mulheres. Nas falas daquelas que buscam pelo curso
de babá e cuidador (a), com as quais temos uma maior interação, fica clara a necessidade de
certificação, ainda que muitas já se considerem experientes pelo tempo que já atuam em alguma
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esfera do serviço doméstico. Muitas mulheres matriculadas na referida oficina, durante as
entrevistas, ressaltaram a importância do certificado de participação, tendo em vista a cobrança por
parte dos patrões ou futuros empregadores. Algumas mulheres afirmam já possuírem certa
experiência no trabalho de cuidadora e/ou babá, mas que de posse de um certificado, podem
comprovar a qualificação e, assim, seria mais fácil serem contratadas e/ou se manterem no trabalho.
Sobre o reconhecimento da atuação como babás e cuidadores de idosos apontado por
Guimarães (2016), ficou evidenciado nas falas das mulheres entrevistadas que tais atividades
possuem um maior status social e menor estigma, além de serem ofícios com melhor remuneração e
horários mais flexíveis do que no serviço doméstico em geral. Mesmo com a regulamentação da
profissão, as entrevistadas consideram que como babás e/ou cuidadoras vão “trabalhar menos e
ganhar mais”. O que pode se depreender a partir das entrevistas com as alunas da Casa Azul é que o
“trabalho doméstico não é uma atividade valorizada pela sociedade” e que por isso, muitas
trabalhadoras intencionam abandonar as atividades de empregada mensalista, faxineira diarista,
passadeira e lavadeira para tornarem-se babás ou cuidadoras de idosos.
Liane Silveira (2014), ao estudar a relação entre mães e babás, nos traz a reflexão de que
para muitas babás (e aqui incluo as cuidadoras), ao serem contratadas para cuidar da criança (ou
idoso (a)) de uma família, são levadas a uma posição “diferenciada e hierarquicamente superior”
das outras pessoas que trabalham na gestão doméstica. Em outras palavras, ser doméstica para
muitas das alunas que pretendem se tornar cuidadoras e/ou babás é “decair na hierarquia”.
Também foi evidenciado o caráter “domesticador” – nos termos de Kofes (2001) – do curso
de babás e cuidadores (as) de idosos, através da orientação por parte da instrutora de uma postura
social diante do outro, sobretudo de treinamento dos hábitos culturais, a partir da afirmativa de que
não há espaço para relatos sobre as experiências e vivências das alunas como domésticas em seus
atuais trabalhos/empregos. As alunas ainda são orientadas a silenciarem-se em seus futuros
empregos, de modo que não venham a interferir nos assuntos privados das famílias para as quais
prestarão seus serviços, deixando evidente a pretensão de uma futura relação de mando e obediência
e a ideia da empregada como “não pessoa”, aquela que não tem sua presença percebida/reconhecida
pelos patrões, exceto quando desejam solicitar alguma tarefa, como demarca Goffman (2009).
Para Claudia Ribeiro (2014), o conceito de estigma está relacionado a uma conjunção de
predicados depreciativos, que diminuem ou marcam o sujeito estigmatizado. Além disso, simboliza
pré-noções que promovem a confirmação de relações de diferenciação social. A estigmatização é
uma construção moral, em torno da qual se constroem critérios de distinção social, aos quais
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cumprem formas distintas de tratamento e reconhecimento social. Seus contornos são bem frouxos,
julgando que a mesma característica pode ser considerada de maneiras distintas em sociedades
diferentes. A trabalhadora doméstica ocupa uma determinada posição social, que advém da imagem
que os outros imputam a ela e das relações que estabelecem com ela. Além disso, vivencia sua
posição social tendo como referência os padrões de conduta e a aparência pré-estabelecida pelo
outro (RIBEIRO, 2014). A representação do termo “empregada doméstica” está eivada de um
sentido histórico associado à subordinação, à dominação e ao desrespeito típico do tratamento
fixado a criadagem.
A partir das questões aqui colocadas, é possível considerar que as atividades de formação
para o serviço doméstico na Casa Azul, podem ser norteadas por relações sociais pautadas na
“dominação-subordinação” (FARIAS, 1983), onde mulheres com condições sociais desiguais
estabelecem vínculos – que podem ser temporários ou não – mas, possuem objetivos diferentes,
como no caso das patroas e empregadas domésticas.
Farias (1983) acredita que a permanência no serviço doméstico como possibilidade para
mulheres de grupos populares não permite que os limites de uma “socialização para a
domesticidade” seja ultrapassado. Para a autora, há na relação entre patroas e empregadas,
elementos ideológicos que justificam as relações de dominação presentes nesse universo laboral e
reveladas nas diferentes formas de exploração e discriminação social por parte das patroas e por
outro lado, despertando nas empregadas, em suas “vivências da condição subordinada” sentimentos
de conformação, ambiguidade e, até mesmo, revolta.
Tendo em vista que o estudo encontra-se em andamento, não foi possível tecer maiores
conclusões, uma vez que utilizamos alguns dados coletados em campo, porém sem realizar uma
análise em profundidade. No entanto, esses breves apontamentos apontam para a existência de uma
lacuna na efetivação de direitos para mulheres trabalhadoras domésticas, tanto na condução de
atividades de capacitação engendradas em relações de mando e obediência, como na permanência
de estigmas e estereótipos negativos para a profissão no imaginário social.
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(orgs). Cuidado e Cuidadoras: As Várias Faces do Trabalho do Care. São Paulo: Atlas, 2012.
Training for Domestic Work and Care Work: An analysis in training courses in Baixada
Fluminense - RJ
Abstract: This paper aims to present part of a doctoral study on paid domestic work, carried out by
women from Baixada Fluminense - RJ. From an ethnographic perspective, it is sought to reflect on
the meanings linked to the representations of the feminine in a specific segment of the popular
groups, having as object of research domestic service and exploring dimensions of understanding
about work, female experience and domestic learning. The research universe is composed of
women, domestic workers and residents of the municipality of Nova Iguaçu. As a strategy to
approach these women, we use three paths: the formation of an external network, from the
indication of initial participants, which in turn, indicate new participants and successively; The
search for associated women in domestic workers' unions and institutions that offer qualification
courses and / or training for domestic service and care work. In this communication, we will
emphasize the analysis of these institutions, the training courses offered and the experiences of
women seeking qualification. We will also highlight the modalities that, in the opinion of the
workers, offer better working conditions and have a higher status in the scale of services.
Keywords: Paid domestic work, popular groups, training courses.