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1 FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA FRANCISCO AFFONSO DE CAMARGO BELTRÃO A LAVAGEM DE DINHEIRO E O AUTORITARISMO PENAL “MODERNO” CURITIBA 2.007

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FACULDADES INTEGRADAS CURITIBA

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

FRANCISCO AFFONSO DE CAMARGO BELTRÃO

A LAVAGEM DE DINHEIRO E O AUTORITARISMO PENAL “MODE RNO”

CURITIBA

2.007

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FRANCISCO AFFONSO DE CAMARGO BELTRÃO

A LAVAGEM DE DINHEIRO E O AUTORITARISMO PENAL “MODE RNO”

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania das Faculdades Integradas Curitiba como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Câmara

CURITIBA

2.007

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TERMO DE APROVAÇÃO

FRANCISCO AFFONSO DE CAMARGO BELTRÃO

A LAVAGEM DE DINHEIRO E O AUTORITARISMO PENAL “MODE RNO”

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito Empresarial e Cidadania do Programa de Mestrado em Direito das Faculdades Integradas Curitiba, pela seguinte banca examinadora: Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Câmara Faculdades Integradas Curitiba Membro: Prof. Dr. José Laurindo de Souza Netto UNIPAR (Universidade Paranaense) Membro: Prof. Dr. Fábio André Guaragni Faculdades Integradas Curitiba

Curitiba, 27 de fevereiro de 2.007.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Luiz Antonio Câmara, pela dedicada orientação e ainda pela

confiança que sempre depositou em minha pessoa.

À minha esposa e companheira Flávia Lück Begnini Beltrão, pela paciência em

ouvir meus questionamentos e pela ajuda na correção deste trabalho.

A todos professores e funcionários das Faculdades Integradas Curitiba.

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RESUMO Analisa aspectos da Lei nº 9.613/98, criada com o objetivo de reprimir atividades

realizadas pela criminalidade do colarinho branco, a fim de garantir a aplicação

do princípio da igualdade previsto no artigo 5º, I da Constituição Federal de 1988,

no âmbito do direito penal. Trata de detectar este delito cuja apuração é

complicada, especialmente porque existe um rol de crimes antecedentes à

lavagem de dinheiro. Aborda as dificuldades de prova quando o delito é praticado

por intermédio de empresas. Examina a delação premiada, a impossibilidade de

concessão de liberdade provisória e as maiores facilidades para confisco de

bens, direitos e valores, como formas de conseguir provas deste crime. Busca

examinar qual o efeito combinado destes três dispositivos estudados no processo

penal brasileiro.

Palavras-chave: direito processual penal; lavagem de dinheiro; provas do crime;

delação premiada; liberdade provisória; confisco de bens, direitos e valores.

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ABSTRACT

It analyses aspects of the Law n. 9.613/98, which has the objective of repressing

activities accomplished by the white collar’s criminality, in order to guarantee the

application of the equality’s principle foreseen in the article 5th, I of the 1988

Federal Constitution, in the ambit of the penal law. It detects this crime whose

research is complicated, especially because there is a list of antecedent crimes

related to money laundering. It approaches the proof difficulties when the crime is

practiced through companies. It examines the plea bargaining, the impossibility of

concession of temporary freedom and the largest means for confiscation of goods,

rights and values, as forms of getting proofs of this crime. It aims at examining

which the combined effect of these three devices studied in the Brazilian criminal

process.

Key-words: criminal process; money laundering; proofs of the crime; plea

bargaining; temporary freedom; confiscation of goods, rights and values.

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SUMÁRIO

1 - Introdução 01

2 – A lavagem de dinheiro 03

2.1 – A lavagem de dinheiro e a cidadania 03

2.2 - A lavagem de dinheiro como crime empresarial 08

2.3 – O bem jurídico tutelado na lavagem de dinheiro 20

3 – Discussões pontuais sobre a Lei de lavagem de dinheiro 23

3.1 - O problema do sujeito ativo do crime 23

3.2 - Dos delitos antecedentes 31

4 - A delação premiada e a instrução probatória 60

4.1 – Finalidades da delação 60

4.2 – Vantagens e desvantagens da delação premiada 61

4.3 – Comparação entre modernidade e idade média 65

4.4 – Diferença entre a delação e figuras jurídicas aproximadas 71

4.5 – Força probatória da delação premiada 76

4.6 – Critérios para a delação e reconhecimento do prêmio 80

4.7 – Relato sobre a realidade procedimental atual 85

5 - A restrição à liberdade provisória na lavagem de dinheiro 90

6 - A recuperação de ativos 106

6.1 – Das medidas cautelares reais 106

6.2 - Da iniciativa do seqüestro 115

6.3 – Do levantamento do seqüestro 118

6.4 – Da liberação dos bens 123

7 - Conclusões 128

REFERÊNCIAS 130

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1 – Introdução

Existe atualmente uma tendência de expansão do Direito Penal com a

criminalização de condutas que apresentam o sujeito ativo economicamente

privilegiado responsável por lesões de direitos supra-individuais.

Esta expansão do Direito Penal levou o legislador a tipificar crimes como a

lavagem de dinheiro, cujo intuito é ocultar ou dissimular a natureza, a origem, a

localização ou a propriedade de bens, direitos ou valores provenientes direta ou

indiretamente de crime.

O autor do delito indicado, na maioria das vezes, possui noções sobre

como burlar as diversas regras criadas pelos Estados para impedir ou dificultar a

circulação de ativos de origem ilícita nos seus mercados financeiros.

Além disso, reconhece-se que a lavagem de dinheiro é um crime de difícil

prova. Sabe-se que em tais infrações exige-se uma profunda investigação para

entender todos os meandros do crime, buscar a autoria e conseguir interromper o

financiamento do delito.

Em vista disso, a tarefa a ser realizada por autoridades responsáveis pela

descoberta do crime não é das mais fáceis, pois eles são obrigados a realizar

investigações complexas, a fim de obter provas, como a quebra de sigilo bancário

dos envolvidos, complicadas perícias contábeis, etc. Isto sem falar na

necessidade de colaboração de autoridades de países estrangeiros.

O legislador acabou por tipificar o crime de lavagem de dinheiro através de

uma lei que, em alguns aspectos, foi mal formulada e em outros recriou ou

regulamentou dispositivos de natureza processual penal que são

excepcionalmente autoritários, a fim de compensar as dificuldades da coleta de

provas dos crimes ali tipificados.

Diante disso, é preciso examinar se esta lei, ao recriar ou dar uma nova

roupagem a antigos dispositivos legais, não tornou o processo penal mais

autoritário e menos garantista, sob o argumento de que é necessário tornar

efetiva a repressão aos delitos nela tipificados.

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A dificuldade de se investigar o crime de lavagem de dinheiro é ainda

maior quando se considera que para a prática deste crime é necessário o

cometimento de um delito anterior. Deve-se, por conseguinte, examinar se o fato

posterior exige a prova da autoria do crime antecedente para reprimi-lo. Outra

dificuldade advém do fato de que a atividade de lavagem pode ser realizada por

intermédio de pessoa jurídica, o que torna ainda mais difícil a repressão dessa

conduta delituosa.

Neste estudo pretende-se examinar três questões da lei de lavagem de

dinheiro, quais sejam: a regulamentação da delação premiada, aquela que

impede a concessão de liberdade provisória e aquela atinente à recuperação de

ativos pelo Estado.

Destarte, investigar-se-á como estão regulamentadas estas três situações

previstas na Lei nº 9.613/98. Além disso, examinar-se-á qual o efeito combinado

de todas estas normas legais no Processo Penal brasileiro.

Em vista disso pergunta-se: justifica-se a inserção em nosso ordenamento

jurídico de novos dispositivos legais, ou então, dar nova roupagem a antigas leis,

que facilitem a colheita de provas nos crimes de lavagem de dinheiro, a fim de

tornar mais fácil reprimir este delito?

Como premissa metodológica, informa-se que os textos em idioma

estrangeiro serão transcritos no corpo do texto em português e no idioma original

nas notas de rodapé.

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2 – A lavagem de dinheiro

2.1 – A lavagem de dinheiro e a cidadania

O desenvolvimento tecnológico levou a uma forma de criminalidade

bastante diferenciada, que possui características diferentes da comum, e que

comumente é praticada por pessoas que integram uma classe social mais

abastada do que a dos autores de crimes convencionais. Estas infrações penais

têm como exemplos os delitos praticados contra a ordem econômica. No rol

destes crimes certamente encontra-se a lavagem de dinheiro.1

1 Esteban Righi distingue crimes convencionais (Direito Penal Clássico), os quais tutelam interesses individuais, do não convencional (Direito Penal Econômico), que tutelam interesses supra-individuais. O autor faz um apanhado histórico das modificações ocorridas na economia das nações após a 1ª Guerra Mundial e principalmente depois da crise econômica de 1929. Neste período chegou ao fim o modelo econômico liberal, com a passagem para o neoliberalismo. Esta mudança de concepção na economia influenciou o Direito Penal. ”(No Direito Penal clássico ou convencional) o delito foi concebido como uma desobediência culpável à norma, o que pressupõe o livre arbítrio, é dizer, a autodeterminação do autor para poder optar entre cumprir a ordem do legislador ou não fazê-lo.(....).O Direito Penal foi entendido como a forma mais enérgica de proteger os bens jurídicos e, por conseguinte, somente reservado aos interesses mais relevantes, é dizer, os ‘direitos naturais’ do homem (vida, integridade, liberdade, igualdade, segurança, propriedade), e os vinculados à preservação das instituições sobre as quais foi organizado o Estado liberal.(....) (Direito Penal econômico ou não convencional) A superação da crise de 1929 não foi conseqüência da ação livre das forças de mercado, mas da intervenção do Estado, que traduziu em controle de preços, medidas tarifárias, estabelecimento de mercados privilegiados, estímulos à exportação, e manutenção de margens de lucros para evitar a queda de preços.(....).Sobre a base dessa experiência e a evolução posterior, o liberalismo moderno se viu obrigado a considerar de outra forma a intervenção do Estado na economia, e conseqüentemente o rol do direito penal econômico. (....) A intervenção do Estado na economia deu lugar a novas formas jurídicas destinadas a regulá-la. Surgiu assim o direito econômico que entrou em luta com o direito clássico, afetando a autonomia contratual e redimensionando a noção de ordem pública. Paralelamente, a reforma econômica produziu a irrupção de normas de direito penal econômico, o que foi entendido como a mais excessiva norma de intervenção do Estado na economia (texto traduzido). (En el Derecho Penal clasico o convencional) El delito fue concebido como una desobediencia culpable a la norma, lo que pressupone el libre albedrío, es decir, la autodeterminación del autor para poder optar entre cumplir na norma o no hacerlo.(....). “El derecho penal fue entendido como la forma más energica de proteger bienes jurídicos y, por conseguiente, sólo reservado a los intereses más relevantes, es decir, los ‘derechos naturales’ del hombre (vida, integridad, libertad, igualdad, seguridad, propriedad), y los vinculados a la preservación de las instituiciones sobre las que se organizó el Estado liberal.(....) (En el derecho penal económico o no convencional) La superación de la crisis de 1929 no fue consecuencia de la acción libre de las fuerzas del mercado, sino de la intervención del Estado, que se tradujo en control de preccios, medidas tarifaricas, establecimiento de mercados privilegiados, estímulos a la exportación y mantenimiento de márgenes de ganancia para evitar la caída de los precios. (....) Sobre la base de esa experiencia y la evolución ulterior, el liberalismo moderno se vio obligado a considerar de otra forma la influencia de la intervención del Estado en la economia, y consiguientemente el rol del derecho penal econômico.(....).La intervención del Estado en la

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É certo que a lavagem de dinheiro se mostra como fenômeno marcante

das modernas sociedades capitalistas. Contudo, de acordo com Amartya Sen, até

mesmo o sistema capitalista precisa de determinados padrões éticos para

conseguir sobreviver:

Para concluir a discussão sobre os diferentes aspectos do papel dos valores no êxito capitalista, temos de entender que o sistema ético subjacente ao capitalismo envolve muito mais do que santificar a ganância e admirar a cupidez. O êxito do capitalismo na transformação do nível geral de prosperidade econômica no mundo tem se baseado em princípios e códigos de comportamento que tornaram econômicas e eficazes as transações de mercado. Para fazer uso das oportunidades oferecidas pelo mecanismo de mercado e aproveitar melhor a troca e o comércio, os países em desenvolvimento precisam atentar não apenas para as virtudes do comportamento prudente, mas também para o papel de valores complementares, como formar e manter a confiança, resistir às tentações da corrupção disseminada e fazer da garantia um substituto viável para a imposição legal punitiva.2

O mencionado autor diz que, em locais onde não se atingiu estes

padrões éticos que garantem o cumprimento dos contratos, as organizações

criminosas substituem o Estado:

Embora a Máfia seja uma organização execrável, precisamos compreender a base econômica de sua influência, suplementando o reconhecimento do poder das armas de fogo e das bombas com a compreensão de que algumas atividades econômicas que fazem da Máfia uma parte funcionalmente relevante da economia. Essa atração funcional cessaria à medida que e quando as influências combinadas da imposição legal de contratos e da conformidade do comportamento relacionado à confiança mútua e códigos normativos tornassem totalmente supérfluo o papel da Máfia nessa área. Portanto, existe uma conexão geral entre a emergência limitada de normas para os negócios e a influência do crime organizado nessas economias.3

O autor menciona que a economia de mercado somente poderá abrir

mão da influência de organizações criminosas quando o sistema capitalista

economia dio lugar a nuevas formas jurídicas destinadas a regularla. Surgió así el derecho económico y entro em pugna con el derecho clasico, afectando la autonomia contratual y redimensionando la noción de orden público. Paralelamente, la reforma económica produjo la irrupcíón de normas de derecho penal económico, el que fue entendido como la norma más aguda de intervención del Estado en la economia.” (texto no idioma original). (RIGHI, Esteban. Derecho Penal Económico comparado. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidos, 1991, p. 7-12). 2SEN, Amartya. Kumar. Desenvolvimento como liberdade. (Trad. Laura Teixeira Motta). São Paulo. Ed. Companhia das Letras, 2000, p. 302-303. 3 SEN, A..K. Ob. cit. p. 304-305.

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estiver devidamente preparado, com instituições que garantam o cumprimento de

obrigações.

Contudo, o verdadeiro problema é que quando o Estado não cumpre o

seu papel de fazer funcionar a economia, a criminalidade acaba por ocupar este

espaço aberto no lugar do poder público.

Ambientes onde proliferam organizações criminosas como as

mencionadas precisam, em contrapartida, que se criem condições para que tais

organizações possam conseguir legalizar seus recursos.

Se as organizações criminosas são necessárias para o bom

funcionamento da economia de mercado de certa nação em desenvolvimento, é

lógico que terão influência política sobre ela.4

A tendência desta influência negativa é um descontrole geral da

economia, com a perda de soberania fiscal dos Estados e o crescimento dos

paraísos fiscais.5

A propósito da definição de paraíso fiscal, Deomar de Moraes determina

com muita propriedade quais as condições para um local poder receber tal

qualificação:

Situando-me na questão dos paraísos fiscais, o que faz atraente um paraíso fiscal é o sigilo bancário impenetrável, a lavagem de dinheiro não ser considerada um crime, a capacidade reduzida de investigação e de coibição da prática de lavagem de dinheiro, a falta de identificação no fechamento de uma operação financeira, pouco controle de câmbio, uso de instrumentos monetários pagáveis ao portador.6

A propósito, o magistério de Hans-Peter Martin e Harald Schumann:

4 Existe um dado referente a um dos novos países no leste europeu: 30% do Produto Interno Bruto da Belarus é constituído por lavagem de dinheiro. É claro que esta nação não pode prescindir dos investimentos do crime. Um relatório semelhante publicado pela Universidade Chulalongkon de Bancoc revela que na Tailândia o crime representa 15% do Produto Interno Bruto. (LILLEY, Peter. Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais. (Trad. Eduardo Lesserre). São Paulo: Ed. Futura, 2.001, p. 38). 5 O Dow Jones Report informou, em março de 1988, que a lavagem de dinheiro representa algo em torno de 2 a 5 por cento do Produto Interno Bruto Mundial; em outras palavras algo em torno de um a três trilhões de dólares. (LILLEY, P. Ob. cit. p. 41). 6 MORAES, Deomar de. Paraísos fiscais, centros “offshore” e lavagem de dinheiro. In Conselho da Justiça Federal: Centro de Estudos Judiciários; Ministério da Fazenda Conselho de Controle de Atividades Financeiras; Escola Nacional de Magistratura. Seminário Internacional sobre lavagem de Dinheiro. Brasília: Série Cadernos do CEJ, v. 17, p. 95-113, 2.000, p. 98.

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A renúncia aos controles (fronteiriços) no trânsito de capitais colocou em marcha uma desastrosa dinâmica interna, que sistematicamente desengata a soberania das nações e já há muito apresenta traços anárquicos. Os Estados perdem sua soberania fiscal, os governos tornam-se passíveis de extorsão, as autoridades policiais defrontam-se com organizações criminosas que escondem muito bem seu capital. Nada documenta melhor a tendência hostil ao estado, típica do sistema financeiro planetário, do que o desenvolvimento das assim chamadas praças financeiras “off-shore” (ao largo da costa).7

Com relação aos paraísos fiscais, quem os financia é a corrupção

governamental e o crime organizado internacional, já que são conseqüências de

sistemas capitalistas onde a economia não está bem desenvolvida. Da mesma

forma, o maior beneficiário da existência de locais conhecidos como “praças

financeiras off-shore” é o crime organizado internacional. 8

Além disso, existem facilidades tecnológicas à disposição do crime, que

fizeram desaparecer até mesmo o dinheiro material fazendo surgir em seu lugar o

eletrônico, que pode ser transferido através de um simples comando de

computador.

O surgimento do chamado dinheiro eletrônico tem preocupado as

autoridades monetárias em razão do descontrole da circulação de capitais. Tal

fato é comentado pela doutrina:

Um fantasma está assustando o mundo – o fantasma do dinheiro em sua presença eletrônica, imaterial, que não tem forma nem valor definido. Faminto, ele ronda o globo de dia e de noite, não conhece fronteiras nem as estações do ano. Esse estranho animal apareceu no mundo tão recentemente que nós nem lhe demos um nome. O fantasma que ronda o mundo é feito da vasta, porém invisível, nuvem de “dinheiro em forma de energia” que se apressa de uma moeda para outra no estálido de um toque eletrônico ou computador programado. Está tão próximo como um cartão de crédito, telefone ou computador, e ainda assim está tão além de nosso controle quanto as marés.9

7 MARTIN, Hans-Peter; SCHUMANN, Harald. A armadilha da globalização: O assalto ao bem-estar social. (Trad. Waldtraut U. E. Rose; Clara C. W. Sackiewicz). 6. Ed. São Paulo: Ed. Globo, 1.999, p. 89-90. 8 Mesmo em nações desenvolvidas pode ser encontrado algum exemplo de admissão de recursos financeiros de origem ilícita, foi o que ocorreu na Suíça, onde seu famoso sistema bancário aceitou de bom grado valores roubados pelos nazistas. (ABRÃO, Nélson. Direito bancário. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.996, p. 53). 9 COSTA JÚNIOR, Paulo José da; QUEIJO, Maria Elizabeth; MACHADO,Charles Marcildes. Crimes do colarinho branco. 2.Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2002 , p. 21-22.

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O crescimento de transferências eletrônicas para paraísos fiscais decorre

do fato de que quando a economia não está bem desenvolvida, deixa vácuos que

acabam sendo preenchidos pelo crime.10

Assevere-se que, para que um povo tenha realmente cidadania é preciso

que o Estado concretamente se comprometa a reprimir toda a criminalidade e

não apenas uma parcela de crimes. O Estado tem o dever de punir tanto os

crimes convencionais como os não convencionais, já que não se pode fazer

opções sobre que espécie de infração penal se deseja controlar.

Daniel R. Pastor comenta que mesmo o Direito Penal tem uma função no

desenvolvimento e no bem-estar de um país:

O direito penal é, sem dúvida, um dos caminhos que deve seguir o Estado para obter o êxito de suas políticas sociais e econômicas quando estas estejam obstaculizadas por comportamentos que verdadeiramente perturbam de modo intolerável a paz social e a convivência pacífica. O direito penal é, todavia, em nosso meio, um instrumento para assegurar o desenvolvimento econômico, social e cultural do povo, para colocá-lo à altura de uma sociedade moderna de bem-estar e progresso.11

O primeiro ponto básico para se falar em cidadania é garantir a

abrangência de um princípio estrutural dos direitos fundamentais: o de que todos

são iguais perante a lei. Isso somente será efetivado quando se assegurar que o

10 Uma das formas para dificultar este sistema quase anárquico de paraísos fiscais e transferências eletrônicas é através dos órgãos de controle do sistema bancário. Estes organismos controladores do sistema financeiro devem exigir a coleta de dados que informe sobre os clientes das instituições bancárias. Janice Agostinho Barreto Ascari comenta sobre esta forma de regulação do sistema bancário: “Os bancos devem implantar rígidos procedimentos de investigação: a política conhecida como ‘know your customer’ (conheça seu cliente) evoluiu nos países mais avançados para ‘know your customer’s customer’ (conheça o cliente de seu cliente). Outra providência a cargo das instituições financeiras é o compromisso de manter atualizados os registros de seus clientes e colocar todos esses dados a disposição das autoridades, a quem devem ser informadas todas as operações e transações suspeitas”. (ASCARI, Janice Agostinho Barreto. Algumas notas sobre a lavagem de ativos. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 11, n. 45, p. 220. out/dez. 2003). 11 El derecho penal es, sin lugar a dudas, uno de los caminos que debe seguir el Estado para obtener el éxito de sus políticas sociales y económicas cuando estas se vean obstaculizadas por comportamientos que verdaderamente perturban de un modo intolerable la paz social y la convivencia pacífica. El derecho penal es todavía, en nuestro medio, un instrumento para asegurar el desarrollo económico, social y cultural do povo, para ponermos a la altura de una sociedad moderna de bienestar y progreso. (PASTOR, Daniel R. Es conveniente la aplicación del proceso penal “convencional” a los delitos no “convencionales”? In. Júlio B. J. Maier (Coord.) Delitos no convencionales. Buenos Aires: Editores del Puerto, 1994, p. 274).

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Estado venha a reprimir as atividades que configurem crimes,

independentemente do meio social a que pertença o autor do delito.12

A outra conseqüência de um Estado fraco, em contrapartida a

organizações criminosas fortes, é a impossibilidade de se conseguir que estas

sejam submetidas à justiça estatal. O Estado precisa ser forte não somente para

impor políticas públicas, mas para garantir o cumprimento da lei para todos, o que

é uma conseqüência do princípio da igualdade.

Além disso, a supressão de organizações criminosas no controle da

economia garante o respeito aos próprios princípios capitalistas, do livre mercado

e do respeito à concorrência justa.

Deve-se reconhecer que o poder público realmente tem tipificado

condutas visando reprimir os delitos econômicos, cujo exemplo maior foi a

promulgação da lei de lavagem de dinheiro. Crimes que não existiam em nosso

ordenamento jurídico foram definidos em lei, o que comprova um compromisso

político de criar dispositivos para combater toda a criminalidade.

A seguir será examinada a expansão do Direito Penal, abarcando os

crimes não convencionais, econômicos ou empresariais onde está contida a

infração penal de lavagem de dinheiro.

2.2 - A lavagem dinheiro como crime empresarial

12 Art. 5º, inc. I – Todos os homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Alexandre de Moraes define o princípio da igualdade da seguinte forma: “O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 15. Ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2004, p. 66-67).

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Jorge de Figueiredo Dias e Manoel da Costa Andrade afirmam que “a

definição legal de uma atividade como criminosa não pode deixar de

corresponder aos sentimentos e interesses de toda a coletividade, sendo em

nome desta que se conduz a luta contra o crime e o criminoso”.13

O desafio da política criminal dos dias atuais levou o Brasil a tentar

reprimir a criminalidade cometida por sujeitos mais sofisticados que os autores

dos crimes convencionais. Nas infrações penais denominadas não convencionais

os autores de delitos se aproveitam dos meios e recursos que o desenvolvimento

tecnológico põe à disposição de todos para praticar infrações penais. Em

contrapartida, encontram, na lavagem de dinheiro, meios para esconder recursos

provenientes de crimes. 14

O avanço tecnológico permite a ocorrência de novas possibilidades de se

cometerem crimes, o que pode representar uma expansão do campo de ação do

Direito Penal. Com relação a esta expansão, os adeptos do pensamento da

Escola de Frankfurt afirmam que o Direito Penal não pode se afastar dos bens

jurídicos universais e que os outros ramos do Direito podem regular com maior

eficiência novas formas de condutas que surjam em decorrência do avanço

tecnológico. 15

Winfried Hassemer é o principal defensor desta tese ao declarar o

seguinte:

Evidentemente um Código Penal não pode, principalmente hoje, renunciar aos bens jurídicos universais. Eu, todavia, defendo que é preciso formulá-los do modo mais preciso possível e que é preciso funcionalizá-los pelos bens jurídicos universais. De maior importância é que os problemas, mais recentemente foram introduzidos no Direito Penal, sejam afastados dele. O direito dos ilícitos administrativos, o Direito Civil, o Direito Público e também o mercado e as próprias preocupações da vítima são setores nos quais muitos problemas, que o moderno Direito Penal atraiu para si, estariam essencialmente melhor tutelados. Recomenda-se regular aqueles problemas das sociedades modernas, que levaram à modernização do Direito Penal, particularmente, por um “Direito de Intervenção”, que esteja localizado entre o Direito Penal e o Direito dos ilícitos administrativos, entre o Direito Civil e o Direito Público, que na verdade

13 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manoel da Costa. Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1.984, p. 67. 14 De acordo com Luiz Alberto Machado, política criminal é a “(ciência) que procura valorar os institutos e as normas penais e a sua influência no criminoso e na sociedade”. (MACHADO, Luiz Alberto. Direito Criminal. Parte Geral. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1.987, p. 18). 15 Entre os pensadores da Escola de Frankfurt destaca-se Winfried Hassemer.

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disponha de garantias e regulações processuais menos exigentes que o Direito Penal, mas que, para isso, inclusive, seja equipado com sanções menos intensas aos indivíduos. Tal Direito “moderno”, seria não só normativamente menos grave, como seria também faticamente mais adequado para acolher os problemas especiais da sociedade moderna.16

O Direito Penal tem alguns princípios políticos que desaconselham a sua

expansão como o princípio da subsidiariedade, conforme descrito com

propriedade por Claus Roxin:17

A proteção de bens jurídicos não se realiza somente através do Direito Penal, de sorte que a ele há de cooperar o instrumental de todo o ordenamento jurídico. O Direito Penal somente é incluído por último entre todas as medidas protetoras a serem consideradas, é dizer que somente se pode fazer intervir quando falhem outros meios de solução social do problema – como a ação civil, os regulamentos policiais ou jurídico-técnicos, as sanções não penais, etc. – Por isso se denomina a pena como “ultima ratio da política social” e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos.18 Outrossim, o princípio da intervenção mínima é mencionado por Maurício

Antonio Ribeiro Lopes:

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como “ultima ratio”, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-

16 HASSEMER, Winfried. Características e crises do moderno direito penal. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 3, n. 18, p. 156, fev. /mar. 2003. 17 Este autor se manifestou em outra obra sobre o mesmo princípio da seguinte forma: “A teoria dos fins da pena de Liszt, tal como atrás se esboçou através de algumas frases programáticas de seu tratado tem uma característica muito particular, que radica nos elementos “necessidade” e “idoneidade”. Não se pode castigar – por falta de necessidade – quando outras medidas de política social, ou mesmo as próprias prestações voluntárias do delinqüente garantem uma protecção suficiente de bens jurídicos e, inclusivamente, ainda que se não disponham de meios mais suaves, há que renunciar – por falta de idoneidade – à pena quando ela seja política e criminalmente inoperante, ou mesmo nociva”. (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal (Trad. Ana Paula dos Santos Natscheradetz et alii). 3ª Ed. Lisboa: Ed. Vega Universidade, 1998, p. 57-58). 18 La protección de bienes jurídicos no se realiza sólo mediante el Derecho Penal, sino que a ello ha de cooperar el instrumental de todo el ordenamiento jurídico. El Derecho Penal sólo es incluso la última de entre todas las medidas protectoras que hay que se considerar, es decir que sólo se puede hacer intervir cuando fallen otros médios de solución del problema – como acción civil, las regulaciones de policia o jurídico-técnicas, las sanciones no penales, etc – Por ello se denomina la pena como “ultima ratio de la política social” y se define su missión como protección subsidiária de bienes jurídicos. (ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general, t. 1. 2. Ed. (Trad. Diego Manoel Luzon Pena et alii).Madrid: Ed. Civitas, 2003, p. 65).

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se suficientes para a tutela desse bem, a sua incriminação é inadequada e não recomendável.19

Além disso, não se deve deixar de mencionar o princípio da lesividade,

cuja definição foi citada por Nilo Batista em sua obra:

No direito penal, à conduta do sujeito autor do crime deve relacionar-se como signo do outro sujeito, o bem jurídico (que era objeto da proteção penal e foi ofendido pelo crime). Como ensina Roxin, “só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não é simplesmente um comportamento pecaminoso ou imoral”.20

Outro princípio estrutural do Direito Penal e que deve ser analisado pelo

legislador, antes de se tipificar condutas em nosso ordenamento jurídico é o

princípio da insignificância, assim definido por Cezar Roberto Bittencourt:

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto penal.21 Como se definiu acima, outras formas de intervenção seriam mais

adequadas que a utilização do Direito Penal para reprimir, por exemplo, os crimes

econômicos. Segundo este entendimento, o Direito Penal deveria estar limitado

ao que se chama de “bens jurídicos universais”. 22

19 LÓPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios políticos do Direito Penal. 2. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999 (Série princípios fundamentais do direito penal moderno), p. 92. 20 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1990, p. 91. 21 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, v. 1, 13. Ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2008, p. 21. 22Jorge de Figueiredo Dias identifica outro princípio não tão conhecido como os mencionados acima e que desaconselha grandes expansões do Direito Penal, todavia admite novas criminalizações desde que existam critérios para isto. São as palavras do jurista lusitano: “A restrição da função do Direito Penal à tutela dos bens jurídicos penais, por um lado, e o caráter subsidiário desta tutela em sintonia com o princípio da necessidade, por outro, conduzem à justificação de uma proposição político-criminal fundamental: a de que, para um eficaz domínio do fenômeno da criminalidade dentro das cotas socialmente suportáveis, o Estado e seu aparelho formalizado de controle do crime devem intervir o mínimo possível, e devem intervir só na medida requerida pelo asseguramento das condições essenciais de funcionamento da sociedade – A essa proposição se dá o nome de princípio da intervenção moderada – corrigindo em parte o princípio da não intervenção radical avançado por Schur – que assim se arvora em trave-mestra de todo um novo programa político-criminal. Desse programa se devem só destacar, com particular revelo para a matéria de determinação do conceito material de crime, duas implicações.

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Raúl Cervini argumenta em sua obra o seguinte, acerca da utilização

desenfreada do Direito Penal para solucionar problemas:

Estamos firmemente consubstanciados com a tendência político-criminal que postula a redução da solução punitiva dos conflitos ao mínimo, atendendo fundamentalmente ao efeito contraproducente, ou ao menos inócuo, da ingerência penal do Estado. Repetimos em quase todos os capítulos, como premissa de trabalho, que o direito penal somente deve ser empregado como “ultima ratio” reservando-se para aqueles casos em que seja o único meio de evitar mal ainda maior.23

Os defensores do Direito Penal mínimo têm razão quando afirmam que a

tipificação de novas condutas pelo Direito Penal pode levar a uma flexibilização

indesejável de direitos e garantias fundamentais do cidadão. Existe uma clara

tendência no Direito Penal brasileiro de flexibilização de direitos mínimos aliada à

expansão penal para além daquele núcleo clássico antes referenciado.

Por outro lado, é de se ressaltar que nos dias de hoje o desenvolvimento

tecnológico trouxe novas formas de se cometer delitos, o que não pode ser

ignorado pelo Direito Penal. É possível citar como exemplos: remessas

eletrônicas de valores sem passar pelos órgãos de fiscalização do Banco Central,

existência de empresas de fachada para encobrir crimes, etc. Diante disso, o

Direito Penal dos dias atuais não deve ser o mesmo do início do século XX,

quando não existiam todas as inovações tecnológicas à disposição da

criminalidade. Delitos atuais como, por exemplo, a lavagem de dinheiro, apesar

de tutelarem direitos supra-individuais, são crimes graves, afetam muitas

pessoas, têm importância significativa e por isso devem ser reprimidos pelo

Direito Penal.

A primeira é de que do âmbito desse conceito têm de ser expurgados todos os comportamentos que não acarretem lesão (ou perigo de lesão) para bens jurídicos claramente definidos. (....) A segunda, na outra vertente, é a de que processos novos de criminalização (chamados processos de neocriminalização) só devem ser aceitos como legítimos onde novos fenômenos sociais, anteriormente inexistentes, muito raros ou socialmente pouco significativos revelem agora a emergência de novos bens jurídicos para cuja proteção torna-se indispensável fazer intervir a tutela penal em detrimento de um paulatino desenvolvimento de estratégias não criminais de controle social”. (DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões penais de Direito Penal revisitadas. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 81-82). 23 CERVINI, Raúl. Os processos de descriminalização. (Trad. Eliana Granja et alii). São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 1.995, p. 192.

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Jesús Maria Silva Sánchez fala de uma espécie diferente de

criminalidade, por ele denominada de Direito Penal da globalização:

O Direito Penal da globalização não é, sem embargo, todo o Direito Penal. Como aludido no início, concentra-se na delinqüência econômica ou organizada e em modalidades delitivas conexas. Daí que se produza uma mudança significativa quanto ao modelo de delito que serve de referência à construção dogmática: em lugar do homicídio do autor individual, trata-se, por exemplo, de abordar atos de corrupção realizados por uma empresa que, por sua vez, comete delitos econômicos.24

Luciano Nascimento Silva comenta acerca da criminalidade praticada por

intermédio de empresas:

Sem dúvida o processo de globalização da economia, com o fenômeno dos programas de integração econômica, com a formação de ambientes supranacionais, passou a representar um cenário extraordinário para a expansão das grandes empresas, que se tornaram multinacionais, transnacionais, verdadeiros conglomerados, enxergando na política de desregulamentação um caminho promissor para o enriquecimento sem causa. Nessa criminalidade “cassino”, fenômenos econômicos como a circulação de mercadorias e capitais, passaram a receber o significado de veículo condutor da criminalidade moderna através da empresa. Os escândalos econômico-financeiros não estão ao alcance da espada do poder estatal, a vida é fundamentalmente econômica, existindo uma desvalorização do trabalho, um desprezo pela materialização dos direitos sociais, uma substituição da economia real pela financeira.25

É possível conceituar crimes empresariais como sendo “aqueles que

decorrem da atividade de empresas constituídas para fins lícitos, mas que

eventualmente transpõem a linha do ilícito”.26 A definição não está de todo

correta, pois a empresa pode ser criada com a intenção de praticar ilícitos.

Inês Fernandes Godinho procura definir crime praticado por empresa da

seguinte maneira:

24 SÁNCHEZ, Jesús Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais (Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2.002 (Série ciências criminais do século XXI), p. 84. 25 SILVA, Luciano Nascimento. O direito penal econômico como Direito penal da empresa. O dualismo jurídico-criminal: “societas delinquere non potest” vs. “societas delinquere potest”. JUS NAVEGANDI, Teresina, ano 9, n. 608, 8. mar. 2005. Disponível em <http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6415>. Acesso em: 22 jun.2006. 26 BUENO, Paulo Eduardo. Crimes empresariais. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre, v. 3, n. 14, p. 33, jun. 2002.

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A criminalidade da empresa pode definir-se como “soma dos crimes económicos que se cometem a partir de uma empresa (...) ou através de uma actuação para uma empresa”. Os crimes económicos, por seu turno, deverão ser entendidos como “todas as acções puníveis e as infracções administrativas que se cometem no âmbito da participação na vida económica ou em estreita conexão com ela”. Por outras palavras a criminalidade de empresa refere-se aos “crimes socio-económicos cometidos no âmbito das actividades do tráfico jurídico e económico de uma empresa”.27

Juan Maria Terradillos Basoco, já nos anos 90 do Século passado,

traçava um perfil do que considerava ser o Direito Penal de empresa:

O Direito Penal da empresa é o ramo do Direito Penal Econômico cujo nascimento deve datar da metade do nosso século. Certo que o crescimento econômico-financeiro característico do (século) XIX se constituiu no teatro privilegiado de operações ilícitas que alguns novelistas dissecaram genialmente, até o ponto de que se pode dizer que Balzac é um especialista na quebra, como é Zola da especulação. Porém verdadeiramente não existirá uma sistematização do estudo da delinqüência sócio-econômica, e sua regulação específica senão após o início do Século XX.28

Paulo Eduardo Bueno define que “os crimes empresariais (corpore crime)

são estudados pelo Direito Penal da Empresa ou Direito Penal Empresarial, que é

o ramo do Direito Penal Econômico diretamente vinculado à atividade

empresarial”.29

Este mesmo autor relaciona um rol de delitos que seriam, por ele,

considerados como pertencentes ao direito penal empresarial:

a) Crimes contra a Fazenda Pública, b) contra as relações trabalhistas; c) contra as relações de consumo; d) contra o meio ambiente; e) contra a ordem econômica; f) contra o sistema financeiro; g) crimes falimentares; h) contra a propriedade industrial; i) crimes societários.30

27 GODINHO, Inês Fernandes. A actuação em nome de outrem em Direito Penal Económico: entre a narrativa e a dogmática ou o outro lado do espelho.In. Temas de Direito Penal Económico (Coord. José de Faria Costa). Coimbra: Coimbra Editora, 2.005, p. 210. 28 El derecho penal de la empresa es rama del Derecho penal económico cuya partida de nacimiento hay que datar a mediados de nuestro siglo. Cierto que el crecimiento económico-financeiro característico del (siglo) XIX se constituyó en teatro privilegiado de operaciones ilícitas que algunos novelistas diseccionaram genialmente, hasta el punto de que se ha podido dicer que Balzac es un especialista de la quiebra, como lo es Zola de la especulación. Pero verdaderamente no habrá una tentativa de sistematización del estúdio de la deinquencia socio-económica, y de su regulación especifica mas que una vez entrado el siglo XX. (BASOCO, Juan Maria Terradillos. Derecho Penal de la Empresa. Madrid: Ed Trotta, 1.995, p. 10). 29 BUENO, P. E. Ob. cit. p. 32. 30 BUENO, P. E. Ob cit. p. 36-37.

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Ademais, Luís Felipe Caldas comenta como a criminalidade econômica

ou empresarial está fortemente vinculada com a lavagem de dinheiro:

É uma criminalidade que usa freqüentemente as vestes e as formas jurídicas da normalidade, e que utiliza a internacionalização não só para o exercício das atividades criminosas, mas também para segregar sua estrutura, iludir seu espaço, repartir seu risco, reciclar os seus proveitos e por isso, ligar actividades ilegais com actividades formalmente bem estruturadas. Ou que, ainda mais complexamente, resulta em comportamentos desviantes (com maior ou menor relevo ético-social) em actividades e organizações lícitas.31

Um meio bastante eficiente para lavar dinheiro é fazê-lo por intermédio

de empresas, pois é sempre difícil encontrar, na contabilidade de pessoas

jurídicas, valores obtidos através de atividades ilegais.

Ademais, autores como Juan Maria Terradillos Basoco defendem que

existe um Direito Penal empresarial, bastante relacionado com o Direito Penal

econômico e com a lavagem de dinheiro.32

Por outro lado, pode-se dizer que os outros ramos do direito mostram-se

insuficientes para tutelar determinados bens jurídicos, o que justificaria a

existência de um Direito Penal econômico ou empresarial.

Fábio André Guaragni define o campo de atuação do Direito Penal

Econômico o qual tem uma relação com a atividade empresarial:

Afinal, pensar-se em direito penal econômico como marco de união do rol de infrações lesivas à ordem pública, neste passo, significa tutelar consumidores enquanto parcelas hipossuficientes das relações de mercado, significa garantir o livre florescimento de uma economia de centros de produção e distribuição de produtos concorrentes entre si

31 CALDAS, Luís Felipe. Território e espaço em Direito Penal Económico: novos temas e novos azimutes. In: COSTA, José de Farias (Coord.). Temas de Direito Penal Económico. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 114. 32 Apesar de que este autor faz uma ressalva de que o Direito Penal não pode ser usado de forma política: “Têm razão os alertas ante a uma possível expansão do Direito Penal, que o faça ignorar os limites fixados por sua tradicional missão de tutelar bens jurídicos, convertendo-o em um instrumento puramente funcional, a serviço de duvidosos programas políticos”.(texto traduzido). “Tienen razón las llamadas de alerta ante una posible expansión del Derecho penal, que le haga traspasar los límites fijados por su tradicional cometido de tutela de bienes jurídicos, convirtiéndolo en un instrumento puramente funcional, al servicio de contingentes programas políticos”. (texto no idioma original) (BASOCO, Juan Maria Terradillos. Globalización, administrativización y expansión del derecho penal econômico. In Temas de Derecho Penal Econômico: III Encuentro hispano-italiano de derecho penal econômico (Coord. BASOCO, Juan Maria Terradillos; SÀNCHEZ, Maria Acale). Madrid: Ed. Trotta, 2.004, p. 239).

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e geradores de empregos, significa garantir aos participantes de sociedades comerciais que atuam na economia de mercado confiança na atividade empresarial etc. Enfim, são projeções de ordem político-criminal que vão além da atuação do Estado na economia, e que carecem de uma guarida jurídico-penal na qual sejam pensados princípios, orientações, modelos processuais e executórios aptos a fazer frente a todas estas demandas. Daí, afigura-se adequado reunir-se todos os fatos lesivos que orbitam neste microcosmo sob um mesmo manto de produção legislativa e doutrinária, pensando através de uma política criminal atenta a tais nuances da realidade. Neste passo, justa a pretensão de desenvolver-se um direito penal econômico em sentido amplo, como estrutura de proteção jurídico penal da ordem econômica como tutora da produção, distribuição e consumo de bens no mercado.33

A delinqüência econômica, ou empresarial, ou da globalização,

comumente representa os crimes praticados pelas classes econômicas mais

abastadas da nossa sociedade e deve ser reprimida da mesma forma que a

criminalidade tradicional. O problema é que esta criminalidade nem sempre é

reprimida, conforme recorda a doutrina:34

Sempre, com efeito, esteve presente a consciência do abismo entre o optimismo dos legisladores mais voluntaristas e a fria verdade da “law in action”. A consciência de que a plétora de normas incriminatórias e drasticamente sancionatórias que, por todo o lado, enchem as folhas oficiais não encontra correspondência significativa nas cifras oficiais da criminalidade. A ponto de a generalidade dos participantes se confrontar com a dúvida – verbalizada ou não – sobre se o direito penal económico terá, afinal, outra função que não a da uma subtil legitimação do “status quo” e de um sistema penal que

33 GUARAGNI, Fábio André. O novo tratamento dos crimes contra a propriedade intelectual à luz do direito penal econômico (comentários à Lei 10.695, de 01.07.2003). In. Jair Gevaerd; Marta Marília Tonin (Coord.) Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Ed. Juruá, 2004, p. 102. 34 A doutrina estrangeira chega a defender a especialização de competência para julgar delitos econômicos, a fim de evitar que estes crimes não fiquem impunes. Este é o posicionamento de Carlos Pérez del Valle que usa os seguintes argumentos para defender sua posição: “Tem-se indicado que uma reforma penal em relação à criminalidade econômica requer, para evitar seu fracasso, uma reforma processual paralela. Em numerosas ocasiões se tem chamado a atenção sobre a necessidade de especialização dos órgãos judiciais e da acusação pública dos delitos econômicos. Sem embargo, na atualidade não existe na organização jurisdicional espanhola a previsão de órgãos especializados em direito penal econômico” (texto traduzido). “Se ha indicado que una reforma penal en relacion con la criminalidad económica requiere, para evitar su fracasso, una reforma procesal paralela. En numerosas ocasiones se ha llamado la atención sobre la necessidad de especialización de los órganos judiciales y de la acusación publica de los delitos económicos. Sin embargo, en la actualidad no existe em la organización jurisdiccional española la previsión de los órganos especializados en derecho penal económico” (texto em idioma original). (VALLE, Carlos Pérez del. Introducción al Derecho Penal Económico. In Enrique Bacigalupo (Dir.). Derecho Penal Económico. Buenos Aires: Ed. Hammurabi, 2004, p. 50-51). A Justiça Federal do Brasil seguiu o entendimento de que alguns crimes devem ser julgados em varas especializadas, como no caso de lavagem de dinheiro, contudo esta questão será abordada em um momento posterior. Vide nota 198.

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não está aí para punir os que, por terem fortuna, usufruem do poder ou, por terem poder usufruem da fortuna.35

Sobre a impunidade da criminalidade empresarial confrontada com as

penas aplicadas aos crimes comuns, Russel Mokhiber comenta o seguinte em

sua obra:

Há muitos malfeitores empresariais aos quais é permitida a liberdade, enquanto muitos criminosos de rua são punidos severamente por violações de menor importância. Nenhum executivo foi para a cadeia, tampouco nenhuma empresa foi condenada pela comercialização da talidomida, uma droga que causou defeitos congênitos severos em oito mil bebês no início dos anos 60, porém, Wallace Richards Stewart, do estado de Kentucky, foi sentenciado em julho de 1.983 a dez anos de cadeia por ter roubado uma pizza. Nenhum executivo da “Ford Motor Company” foi para a cadeia por ter comercializado o carro Pinto, com seu tanque de combustível mortal, nem a empresa condenada por acusações criminais (embora em seu caso tenha sido indiciada, julgada e declarada não culpada de homicídio culposo). Nenhum executivo da “Hoocker Chemical” foi para a cadeia, nem a empresa foi acusada de ofensa criminal, após ter exposto seus empregados e vizinhos do Love Canal a tóxicos, mas, sob o estatuto de transgressores habituais do Texas, Willam Rummel foi condenado à prisão perpétua por ter roubado US$ 229,11, num período de nove anos.36

Além disso, existem diversas oportunidades de dificultar ao trabalho

repressivo realizado pelas autoridades responsáveis pela punição de crimes

empresariais ou econômicos. Sobre isto comenta James Willian Codelman:

Nossa avaliação sobre processos antitruste movidos contra o setor petrolífero mostrou que as indústrias usaram uma série infindável de apelações e manobras jurídicas para atravancar o trabalho de órgãos estatais marcados pela carência de pessoal. A estratégia disso pode ser vista na capitulação da FTC no caso “Exxon”, em que o Governo admitiu abertamente não ter condições de dar seguimento ao processo porque isso levaria muito tempo. O jogo de protelação tem sido usado com freqüência para combater os novos padrões de segurança do Governo: a) apresentar argumentos sucessivos, de forma que os agentes federais tenham de responder um de cada vez; b) argumentar que o problema verdadeiro não é “X”, mas, sim ”Y” ; independentemente da insignificância dos argumentos, apresentar todos eles com milhares de paginas contendo declarações extremamente técnicas, que o Governo levaria meses, ou preferencialmente anos, para confirmar.37

35 ANDRADE, Manoel da Costa; COSTA, José de Faria. Sobre a concepção e os princípios do direito penal económico: notas a propósito do colóquio preparatório da AIDP. In Temas de Direito Penal Econômico. Roberto Podval (Org.). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 118. 36 MOKHIBER, Russel. Crimes corporativos (Trad. James F. S. Cook). São Paulo: Ed. Página Aberta, 1.995, p. 13. 37 CODELMAN, James Willian. A elite do crime: para entender o crime do colarinho branco. (Trad. Denise R. Sales). 5. Ed. Barueri: Ed. Manole, 2005, p. 291.

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A repressão a toda espécie de crimes demonstra respeito ao princípio

constitucional da igualdade e um crédito à justiça, pois é, antes de tudo, uma

forma de o Estado reafirmar seu poder perante todos os cidadãos. É claro,

todavia, que a atuação estatal deve, mesmo no controle de tal espécie de

criminalidade, atentar para limites que lhe são impostos pela observância de

direitos individuais mínimos do imputado. Não se concebe que o combate a um

determinado tipo de crimes se dê com a inobservância dos direitos fundamentais

de cunho nitidamente garantista.

A propósito, o magistério reconfortante de Juan Maria Terradillos

Basoco:

Em realidade, a preocupação que deve aparecer como relevante não é o possível relaxamento dos princípios garantistas. Em direito positivo, não é essa a tendência; não parece que os avanços na luta contra a delinqüência empresarial se tenham inclinado em direção a um utilitarismo até o fim desconhecedor dos princípios garantidores. O risco não é o expansionismo, mas a inibição.38

É importante lembrar que esta forma de criminalidade se marca por

singulares complexidades. A propósito, lembre-se que tem, em regra,

características supranacionais. Sobre isto ensina Alberto Silva Franco:

De um lado, não se pode deixar de reconhecer que o modelo globalizador produziu novas formas de criminalidade supranacional sem fronteiras limitadoras por ser uma criminalidade organizada no sentido de que possui uma estrutura hierarquizada quer em forma de organização criminosa e por ser uma criminalidade que permite a separação tempo-espaço entre a ação das pessoas e a danosidade social provocada. Tal criminalidade, desvinculada do espaço geográfico fechado de um estado, espraia-se por vários outros e se distancia nitidamente dos padrões de criminalidade que tenham sido até então objeto de consideração penal.39

38 En realidad, la preocupación que debe aparecer como relevante no es la posible relajación de los principios garantistas. En Derecho Positivo, no es ésa la tendencia; no parece que los avances en la lucha contra la delinquencia empresarial se hayan inclinado hacia un utilitarismo a ultranza desconocedor de principios garantizadores. El riesgo no es el expansionismo, sino la inhibición. (BASOCO, Juan Maria Terradillos. Empresa y Derecho Penal. Buenos Aires: Ed. AD-HOC S.R.L., 2001, p. 39-40). 39 SILVA FRANCO, Alberto. Globalização e criminalidade dos poderosos. In Temas de Direito Penal Econômico Roberto Podval (Org.). São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 2000, p 256-257.

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A principal representação da criminalidade empresarial ou econômica é o

delito de lavagem de dinheiro, crime este que está relacionado com quase todo o

tipo de negócio ilegal. Sobre isto comenta Moisés Naím:

A lavagem de dinheiro não é simplesmente um comércio, mas um mecanismo insubstituível para qualquer tipo de negócio ilícito. O dinheiro lavado é um espelho do submundo da economia global.40

A questão de se tentar encontrar uma classificação doutrinária para

incluir os crimes de lavagem de dinheiro não é muito fácil, pois se pode dizer que

este delito integra um rol de crimes denominados de empresariais. Pode-se

afirmar também que a lavagem de dinheiro pode integrar um rol de infrações

penais relacionadas como crimes contra a ordem econômica e/ou financeira, ou

então pode ser definido como um dos delitos não convencionais. Além disso, a

lavagem de dinheiro é a típica infração penal que também pode ser relacionada

como crime do colarinho branco.41

César Antonio da Silva, ao comentar sobre a relação da lavagem de

dinheiro com a delinqüência econômica, demonstra como é difícil relacionar este

crime em uma classificação doutrinária de delitos:

Na contextualização da macrodelinqüência econômica, é evidente que também se inclui o chamado crime de “lavagem de dinheiro”, ou seja, aquela conduta de tornar com aparência de lícito o dinheiro obtido por meios ilícitos, como ocorre com o dinheiro obtido por determinadas atividades criminosas (tráfico de entorpecentes, contrabando, corrupção de agentes ou de determinados órgãos da administração pública em geral), por representar lesão altamente danosa à ordem econômica e financeira de um país. É, portanto, um fenômeno de caráter socioeconômico. Há sérias conseqüências negativas para o sistema financeiro em seu normal funcionamento, levando à deterioração do normal fluxo de capitais, porque afeta a limpa concorrência; surgem grupos dominantes, com a criação de monopólios, não há a necessária transparência de determinadas operações financeiras; aparece o abuso do poder econômico; a concorrência desleal; a

40 NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global (Trad. Sérgio Lópes). Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 2.006, p. 131. 41 Cláudia Cruz Santos define crime do “colarinho branco”: “como o que é cometido no âmbito da sua profissão por pessoa de respeitabilidade e elevado estatuto social”. (SANTOS, Cláudia Cruz. O crime do colarinho branco, a (des)igualdade e o problema dos modelos de controlo. In. Roberto Podval (Org.) Temas de Direito Penal Econômico. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 192-193).

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burla ao fisco; a facilitação da corrupção; e muitos outros fatores que debilitam a ordem econômica de um modo geral, que é o sustentáculo de uma sociedade organizada.42

Por sua vez pode-se dizer que a lavagem de dinheiro pode em tese ser

doutrinariamente classificada como um crime do colarinho branco, como um

delito não convencional, como crime econômico, como integrante do Direito Penal

da globalização, ou até mesmo como um dos crimes empresariais.

A seguir será examinada a questão do bem jurídico a ser protegido na

lavagem de dinheiro.

2.3 - O bem jurídico tutelado na lavagem de dinheir o

A missão do Direito Penal, de acordo com a opinião de Rene Ariel Dotti,

“consiste na proteção dos bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e à

comunidade”.43

Neste sentido este autor declara que:

Incumbe-lhe (ao Direito Penal), através de um conjunto de normas (incriminadoras, sancionatórias e de outra natureza) definir e punir as condutas ofensivas à vida, à liberdade, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela Constituição e demais leis.44

Winfried Hassemer comenta que a função da lei é proteger bens

jurídicos:

A lei penal protege bens jurídicos e, sem esse seu reconhecimento, não poderíamos mais, atualmente viver em comunidade, em conformidade com nosso entendimento social e de acordo com nossa opinião constituída democraticamente: a segurança fundamental dos pressupostos da dignidade humana, acima de tudo da vida, da liberdade, da saúde, da honra, da propriedade e das condições necessárias para uma coletivização ao mesmo tempo libertária e exitosa. 45

42 SILVA, César Antonio da Lavagem de dinheiro: uma perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 31-32. 43 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 3. 44 DOTTI, R. A. Ob cit. p. 3. 45 HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário (Trad. Regina Greve). Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2007, p. 89.

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Francisco de Assis Toledo define bem jurídico da seguinte forma:

Bens jurídicos são valores éticos-sociais, que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas.46

O bem jurídico nos crimes comuns é facilmente identificável. No

homicídio é a vida humana, no furto é o patrimônio, etc. Em um delito onde se

tutelam direitos supra-individuais, como a lavagem de dinheiro, a tarefa é

bastante complexa, conforme comenta a doutrina:

Em síntese, parece que não existe acordo para determinar qual bem jurídico é protegido pela norma penal de lavagem de dinheiro. É possível que, como afirmam as teses funcionalistas em sua vertente jurídico-penal, nos encontremos ante a este tipo de delitos característicos do novo direito penal nos quais, na realidade, o bem jurídico é uma mera metáfora irrelevante para estabelecer a conduta proibida, o que está definido de modo mais ou menos centralizado pelo regulador.47

A doutrina ressalta sobre a atividade econômica da lavagem de dinheiro:

Como a conduta se desenvolve perante a “atividade econômica”, o aspecto metaindividual da objetividade juridicamente atingida ganha destaque, pois no fundo visa impedir que os valores passem a circular dentro no normal circuito econômico, com as nefastas conseqüências que isso implica.48

O bem jurídico da lavagem de dinheiro para Carlos Martinez-Bujan Perez

“é um bem jurídico de natureza coletiva que afeta os interesses da comunidade

46 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1994, p. 16. 47 En síntesis, parece que no hay acuerdo para determinar cuál es el bien jurídico protegido por la norma penal de lavado de dinero. Es posible que, como afirman las tesis funcionalistas en su vertiente jurídico penal, nos encontremos ante ese tipo de delitos característicos del nuevo derecho penal en los que, en realidad, el bien jurídico es una mera metáfora irrelevante para establecer la conducta prohibida, la que es definida de modo más o menos centralizado por el regulador. (VILLAR, Pacífico Rodríguez; BERMEJO, Mateo Germán. Prevención del lavado de dinero en el sector financiero. Buenos Aires: Ed. AD-HOC S.R.L., 2001, p. 89) 48 GOMES, Luiz Flávio; OLIVEIRA, Willian Terra de; CERVINI, Raúl. Lei de lavagem de capitais: comentários à Lei 9.613/98: aspectos criminológicos e políticos criminais: tipologia da lavagem de capitais: direito internacional e comparado: dos crimes e das penas: aspectos processuais e administrativos. São Paulo: Ed. Revista dos tribunais, 1.998, p. 337.

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em geral e que, em concreto, refere-se ao funcionamento do sistema de livre

mercado”.49

Apesar das dificuldades, é possível reconhecer o bem jurídico da

lavagem de dinheiro. Para Carlos Martinez Buján-Perez é a ordem econômica.50

Com referência a doutrina nacional, para Rodolfo Tigre Maia o bem jurídico

protegido é a ordem econômica, o sistema financeiro e a administração da

justiça.51 Para Luiz Régis Prado é a ordem sócio-econômica.52 José Laurindo de

Souza Netto entende que o bem jurídico dos crimes de lavagem de dinheiro é o

sistema econômico-financeiro.53 A mesma opinião tem César Antonio da Silva.54

Esta parece ser a opinião mais correta, pois a lavagem de dinheiro afeta a ordem

econômico-financeira.

No próximo capítulo, serão examinadas algumas questões referentes à

Lei nº 9.613/98, que acabam por se tornar empecilhos para a repressão penal a

esta espécie de crime.

49 Es un bien juridico de naturaleza coletiva que afectan a los intereses de la comunidad en general y que, en concreto, va referido al funcionamiento del sistema de libre mercado. (PEREZ, Carlos Martines-Buján et alii. Derecho Penal Económico: parte general. Valéncia: Ed. Tirant lo Blanch, 2002, p. 323). 50 PEREZ, C.M.B. Ob. cit. , p. 324. 51 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de crimes: anotações às disposições criminais da Lei nº 9.613/98. São Paulo: Ed. Malheiros, 1.999, p. 58. 52PRADO, Luiz Régis. Delitos de lavagem de capitais: um estudo introdutório. In (Coord. Luiz Régis Prado) Direito Penal Contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 248. 53 SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de dinheiro: comentários à Lei 9.613/98. Curitiba: Ed. Juruá, 1.999, p. 61. 54 SILVA, C. A. Ob cit. , p. 39.

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3 – Discussões pontuais sobre a Lei de Lavagem de D inheiro

3.1 - O problema do sujeito ativo do crime

O crime de lavagem de dinheiro somente foi tipificado em nosso direito

por intermédio da Lei nº 9.613/98. A edição desta lei representa um grande passo

para tentar reprimir esta criminalidade, pois, até então, legalizar recursos

originários do crime não era considerado crime no Brasil.55

A melhor definição para lavagem de dinheiro é aquela realizada pelo

“Financial Crimes Enforcement Network” (Fin Cen) citada por Marcelo Batlouni

Mendroni:

A lavagem de dinheiro envolve dissimular os ativos de modo que eles possam ser usados sem que se possa identificar a atividade criminosa que os produziu. Através da

55 Segundo definição do Grupo de Egmont, Unidade Financeira de Inteligência (FIU) é a "agência nacional, central, responsável por receber (e requerer), analisar e distribuir às autoridades competentes as denúncias sobre as informações financeiras com respeito a procedimentos presumidamente criminosos conforme legislação ou normas nacionais para impedir a lavagem de dinheiro". A principal função de uma FIU é estabelecer um mecanismo de prevenção e controle do delito de lavagem de dinheiro através da proteção dos setores financeiros e comerciais passíveis de serem utilizados em manobras ilegais. Essas unidades podem ser de natureza judicial, policial, mista (judicial/policial) ou administrativa. O Brasil optou pelo modelo administrativo. A criação dessas agências de inteligência ocorreu primeiramente de forma individualizada, ligada às necessidades específicas das jurisdições que as estabeleceram. Em 1995, porém, as FIU promoveram o desenvolvimento do Grupo de Egmont, que, desde então, tem agilizado o intercâmbio de informações, permitindo-lhes maior eficiência no desempenho de suas funções. O resultado dessa ação é a agilização dos mecanismos de intercâmbio de informações. A Lei nº 9.613/98 instituiu como uma de suas novidades a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). O COAF é a FIU brasileira. O COAF tem ampliado seus vínculos e estabelecido um amplo relacionamento com as FIU dos outros países. A principal finalidade deste órgão vinculado ao Ministério da Fazenda é promover um esforço conjunto por parte dos vários órgãos governamentais do Brasil, que cuidam da implantação de políticas nacionais voltadas para o combate à lavagem de dinheiro, a fim de impedir que setores da economia sejam utilizados em operações ilícitas. Na tarefa o COAF regulamenta procedimentos que facilitam a comunicação de operações suspeitas de lavagem de dinheiro, podendo inclusive aplicar, para as pessoas jurídicas e seus administradores referidos no artigo 9º, que não atenderem as determinações previstas nos artigos 10 e 11, penas administrativas na forma prevista no artigo 12 da Lei nº 9.613/98. O COAF é auxiliado pelo Banco Central do Brasil (BACEN), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) entre outros órgãos da Administração Pública, os quais aplicam, de acordo com sua esfera de competência, atos normativos visando atender às necessidades da repressão ao crime de lavagem de dinheiro. (BRASIL. Ministério da Fazenda. COAF. Lavagem de dinheiro: um problema mundial. Disponível em https://www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/i_publicacao.htm. Acesso em 15 fev. 2007).

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lavagem de dinheiro, o criminoso transforma os recursos monetários oriundos da atividade criminal em recursos com uma fonte aparentemente legítima.56

A atividade de lavagem de dinheiro está vinculada a “ocultar” ou

“dissimular” a origem ou a localização de bens, direitos ou valores objetos de

crime.57

Primeiramente é de se definir as etapas da lavagem de dinheiro para

depois examinar a conduta típica do sujeito ativo.

Rodolfo Tigre Maia relaciona da seguinte forma as etapas da lavagem de

dinheiro:

A lavagem de dinheiro pode ser simplesmente compreendida, sob uma perspectiva teleológica e metajurídica como o conjunto complexo de operações integrado pelas etapas da conversão (placement), dissimulação (layering) e integração (integration) de bens, direitos e valores, que tem por finalidade tornar legítimos ativos oriundos da prática de ilícitos penais, mascarando esta origem para que os responsáveis possam escapar da ação repressiva da Justiça.58

O crime, por si só, é extremamente complexo, pois primeiramente se

oculta o dinheiro, através de bancos, casas de câmbio, etc. Em seguida se

apagam os vestígios dos valores obtidos ilicitamente. Finalmente, o agente

converte o dinheiro sujo em capital lícito.

Marcelo Batlouni Mendroni apresenta dezesseis maneiras de se lavar

dinheiro:

56 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Ed. Atlas, 2.006, p. 7. 57 Jeffrey Robinson comenta acerca de algumas medidas tomadas pelo governo dos Estados Unidos para salvaguardar o sistema financeiro local da ação de lavagem de dinheiro: “Nessa posição,alguns governos fazem mais do que limitarem a encorajar os bancos a conhecerem os respectivos clientes. Exercem considerável pressão sobre todos os negócios no sentido da detecção do inimigo, declarando que a ignorância dos métodos dos branqueadores não constitui defesa adequada, quando a lei tenha sido violada. O ônus de monitorar e comunicar actividades recai sobre os dirigentes das instituições e uma falha em fazê-lo podem levá-los a incorrer em pesadas penalidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, qualquer dirigente ou instituição financeira que sejam considerados pessoalmente culpados arriscam-se a penas que podem durar até dez anos de cadeia e/ou multas até $ 500.000. Em determinadas circunstâncias o governo pode igualmente confiscar a firma infractora”. (ROBINSON, Jeffrey. Os branqueadores de dinheiro. (Trad. Samuel Soares). Lisboa.(Coleção Vida e Aventura). Ed. Livros do Brasil, 1.995, p. 315-316). 58 MAIA, R. T. Ob. cit., p. 53.

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A) estruturação (“ smurfing” ): divide-se grande soma de dinheiro em pequenas quantias, em depósitos variados; B) mescla ( commingling ): agente mistura recursos legais com ilícitos, utilizando uma empresa lícita; C) empresa de fachada : presta-se apenas a utilizar um nome empresarial como forma de viabilizar a abertura de contas bancárias, utilização do nome da pessoa jurídica, etc; D) empresa fictícia : esta empresa somente existe no papel, não há sequer imóvel; E) compra de bens : o agente compra bens móveis ou imóveis, declarando ter comprado por um valor subfaturado e depois vende com valor real; F) contrabando de dinheiro : transporte físico de dinheiro até a conta bancária do grupo, se parece com o “smurfing”; G) transferência de fundos : a ocultação ocorre naturalmente com a simples transferência de valores entre contas e aplicações financeiras, podendo atravessar fronteiras (ficou mais fácil fazer transferências eletrônicas com o fim da CPMF); H) compra ou troca de instrumentos monetários , pode ser com a compra e venda de instrumentos conversíveis como ouro, ações, cheques administrativos; I) venda fraudulenta de propriedade imobiliária : o autor compra um imóvel e declara um valor subfaturado, a diferença é paga em “moeda não contabilizada”; J) a utilização de Centros Off-shore , a utilização de paraísos fiscais é muito conveniente para a lavagem de dinheiro; L) investimento em bolsa de valores , as bolsas de negócios têm características transnacionais e alto índice de liquidez; M) companhia seguradoras : o mercado de seguradoras é também vulnerável à lavagem de dinheiro; N) jogos e sorteios: jogos, sorteios, bingos e loterias; O) compra de antiguidades e objetos de arte é difícil avaliar objetos de arte, como quadros, peças, móveis; P) a realização de demandas ou acordos judiciais : que pode ser através de demandas judiciais, com a realização de “acordos entre as partes” Q) empréstimo falso : utilizando-se de falsos empréstimos com instituições financeiras59

As técnicas utilizadas para a lavagem de dinheiro com certeza vão além

das mencionadas acima e dependem da criatividade do sujeito ativo para burlar

os órgãos de fiscalização dos governos.60

Mais importante do que relacionar maneiras de se praticar o delito é

identificar o comportamento criminoso realizado pelo sujeito ativo do crime de

lavagem de dinheiro. A forma de se fazer isto é analisar as condutas delituosas

descritas no tipo penal.

O tipo penal da lavagem de dinheiro pune quem ocult ar ou

dissimular, a natureza, origem, localização, dispos ição, movimentação ou 59 MENDRONI, M. B. Ob. cit. p. 62-79. 60 Ressalta-se, além do que foi dito acima, acerca da facilidade com que autores de crimes de lavagem de dinheiro conseguem inserir esta atividade ilícita na economia legal, fato observado por Peter Lelley: “Os lavadores de dinheiro são espertos e estão continuamente procurando novas oportunidades de negócios. O holofote regulamentador que foi direcionado para os bancos significa que eles tiveram de procurar outros tipos de negócios onde os regulamentos contra a lavagem de dinheiro não existem, ou que ainda não estão tão desenvolvidos quanto os em relação ao ambiente bancário. Além disso, o que se sabe sobre a lavagem de dinheiro, nessas áreas de negócios, ou é insuficiente ou os donos/funcionários das empresas podem ser cooptados para o processo de lavagem. A lavagem de dinheiro é migratória: costuma ser exercida onde houver, a qualquer momento, a menor resistência”.(LLLEY P. Ob cit. p. 29).

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propriedade de bens, direitos e valores proveniente s direta ou

indiretamente de crimes relacionados na Lei nº 9.61 3/98 (art. 1º) . Ocultar

significa disfarçar, e corresponde a primeira etapa no processo de legalização de

valores objetos com atividades criminosas. Dissimular significa enganar e pode

ser entendido como uma segunda fase do processo de lavagem, pois os valores

oriundos de crime são legalizados. Ex. lucros obtidos criminosamente são

investidos em uma pessoa jurídica aparentemente livre de suspeitas que aplica

em compra e venda de direitos federativos de atletas profissionais de futebol. O

lucro desta atividade altamente rentável serve para limpar o dinheiro de uma

organização criminosa. Foram ocultados os valores obtidos por meios criminosos

e depois foram dissimulados os lucros da operação.

A doutrina comenta o seguinte acerca desta conduta:

Como objeto de ocultação ou de dissimulação o caput do art. 1º estabelece a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de bem, direitos e valores. A natureza refere-se à sua propriedade ou qualidade, justificada sua inclusão para abarcar as hipóteses em que o crime antecedente repercute de alguma maneira na existência ou na composição dos proventos da atividade criminosa. A origem é a procedência dos crimes antecedentes. A localização é um termo espacial, referente ao lugar em que se encontram situados os bens. Trata-se de referência supérflua, pois quem oculta a localização do bem está ocultando o próprio bem. A disposição, no campo jurídico civil é atribuição de um direito de quem detém, trazendo a idéia de transferência dos proventos ilícitos, enquanto que a movimentação é o fluxo ou a troca de lugar do objeto material do crime. Por último, a conduta típica consiste em ocultar a propriedade, ou seja a verdadeira titularidade do objeto material.61

O tipo penal prevê também que está sujeito às mesmas penas quem

converte os valores ocultados em ativos lícitos (ar t. 1º, §1º, I), ou seja,

completa a dissimulação dos recursos financeiros obtidos ilicitamente, comprando

ou investindo em atividades legais. Neste caso a conduta do sujeito ativo é a de

empregar valores ilícitos em uma atividade legal, que pode ser o mercado

financeiro, por exemplo. Neste sentido a doutrina:

A conversão de ativo ilícito em ativo aparentemente lícito tem sido feita por vários meios, inclusive aplicação no sistema financeiro, com certa facilidade, em face da

61 SOUZA NETTO, J. L. Ob. cit. p. 66.

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inexistência de um maior controle sobre operações, envolvendo, por vezes, altas somas de dinheiro.62 Os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,

guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere (ar t. 1º, § 1º, II). O sujeito

ativo nesta hipótese negocia com objetos oriundos de crime, facilitando a entrada

destes na economia legal. A conduta aqui abarca quem auxilia o sujeito ativo a

lavar dinheiro. Esta atividade pode ser exercida por uma instituição bancária ou

uma casa de câmbio, etc.

José Laurindo de Souza Netto observa que a conduta de movimentar ou

transferir “visa abarcar as transferências eletrônicas, tão utilizadas para a

‘lavagem”.63

Sobrefatura ou subfatura bens com valores não verda deiros (art. 1º,

§1º, III). Nestas condutas o sujeito ativo vende objetos por um valor muito

superior ao valor de mercado ou compra objetos com valores inferiores ao que se

custa no comércio lícito. O superfaturamento nominal da mercadoria quando

vendida a terceiros, ou então o subfaturamento, caso o sujeito ativo adquira bens,

consegue fazer com que se lave dinheiro oriundo de crimes. Ex. o mercado de

artes ou de imóveis podem ser utilizados desta forma.

Todas estas condutas são praticadas por autores que possuem o

domínio do fato, ou que controlam o início e a paralisação das atividades

criminosas. O legislador decidiu relacioná-las na lei de lavagem de dinheiro, já

que são maneiras de ocultar recursos provenientes deste crime. 64

Com relação às diversas condutas descritas no tipo penal de lavagem de

dinheiro há a seguinte manifestação doutrinária:

62 SILVA, C. A. Ob. cit. p. 121. 63 SOUZA NETTO, J.L. Ob. cit. p. 102. 64 Juarez Cirino dos Santos define teoria do domínio do fato da seguinte forma: “a idéia principal da teoria do domínio do fato pode ser assim enunciada: o autor domina a realização do fato típico, controlando a continuidade ou a paralização da ação típica; o partícipe não domina a realização do fato típico, não tem controle sobre a continuidade ou paralização do fato típico” (SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 2.000, p. 279).

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Como veremos adiante, múltiplos são os processos ou técnicas que possibilitam essa “alquimia econômica” que transforma dinheiro “sujo” em correspondentes quantidades legalizadas. A “engenharia financeira” que acompanha a criminalidade organizada se desenvolve e se aprimora a cada dia, dificultando seu seguimento, já que quase diariamente surgem novas modalidades de operações e artifícios para burlar os controles estatais. Contudo, a redação do tipo é bastante abrangente e aberta, com verbos genéricos, de maneira que acaba abarcando a maioria das condutas ilícitas.65

Entretanto, a própria Lei nº 9.613/98 apresenta duas outras formas de

comportamentos que permitem a inclusão de outros sujeitos ativos no crime.

Nestas duas espécies de conduta, o autor também tem o domínio do fato,

colaborando na configuração do crime, através de alguma atividade na

organização criminosa. 66

A Lei nº 9.613/98 prescreve que está sujeito às mes mas penas

previstas no artigo 1º aquele que utiliza bens, direitos ou valores na

atividade econômico-financeira, sabendo serem prove nientes de lavagem

de dinheiro (art. 1º, §2º, I) . Neste caso ocorre lavagem de dinheiro, pois a

atividade empresarial sustentada por rendimentos do crime deve dar lucro, sendo

este fictício, já que foi financiado com valores ilícitos.

César Antonio da Silva reitera que a conduta exige que o “agente sabe

que os bens direitos e valores são oriundos de crimes antecedentes arrolados no

art. 1º da Lei nº 9613/98”.67 O conhecimento da origem ilícita do bem, direito ou

valor é exigência obrigatória para se configurar esta conduta delituosa.

A segunda conduta é a de quem participa de grupo, a ssociação, ou

escritório, cuja atividade principal ou secundária seja a lavagem de

dinheiro. (art. 1º, §2º, II). A conduta delituosa do agente é a de participar

somente de um agrupamento empresarial sustentado pelo crime. A referência

para saber se este agente é ou não sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro

está no seu conhecimento pessoal sobre quem financiava a atividade criminosa.

65 GOMES, L.F.; OLIVEIRA, W. T. ; CERVINI, R. Ob. cit. p. 335. 66Art. 1º - § 2º - Incorre, ainda, nas mesmas penas quem: I) utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; II) participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que a atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta lei. 67 SILVA, C. A. Ob cit. p. 124.

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Neste caso precisa ser examinado o elemento subjetivo do tipo de

lavagem de dinheiro que é a existência de conduta dolosa por parte do agente.

De fato, o agente para ser punido como integrante de uma pessoa jurídica

utilizada como fachada para a prática de crime (e de qualquer outra conduta

relacionada como lavagem de dinheiro), tem de ter consciência de que esta

estrutura é sustentada por meios criminosos. Não existe conduta culposa nesta

espécie de crime. Tal fato, aliás, é observado por Willian Terra de Oliveira:

Uma leitura completa do capítulo I revela que todos os crimes previstos na lei são dolosos. Em momento algum o legislador fez menção a figuras culposas, razão pela qual somente será possível o enquadramento de comportamentos onde a consciência de estar ocultando ou dissimulando dinheiro, bens, direitos ou valores cuja procedência sabe ser relacionada com os crimes previstos nos incisos I a VII do art. 1º (tráfico, terrorismo, contrabando de armas, extorsão mediante seqüestro, etc). Em todas as operações que realize deve saber, ou ao menos admitir (teoria da representação) que pratica ou concorre para a prática de lavagem de dinheiro.68

Obviamente que se um integrante de uma determinada pessoa jurídica

não sabe que esta atividade empresarial está direcionada a, de alguma maneira,

ocultar bens oriundos de crime, a conduta deste sujeito é atípica. Não se observa

neste agente a intenção de participar de uma organização criminosa. Tal

alegação pode ser, inclusive, utilizada para beneficiar eventuais sócios da

empresa, desde que não tenham conhecimento do braço criminoso da sua

organização.

Outrossim, a doutrina comenta que para alguém ser responsabilizado por

esta conduta devem estar provados os seguintes requisitos:

a) demonstrar que o grupo realmente existe, através da reunião de pessoas, um escritório, uma associação ou simplesmente uma pessoa jurídica; b) a presença de uma mínima estabilidade associativa: verificação de que o grupo está reunido de maneira estável e não eventual e que as atividades estão programadas para o cometimento de um número indeterminado de delitos; c) que existam finalidades concretas voltadas nos crimes descritos nesta lei: é preciso restar esclarecido um desiderato comum direcionado à lavagem de dinheiro, ainda que essa atividade não seja a principal do grupo; d) deve-se descobrir que em dado momento ocorreu uma efetiva adesão aos planos coletivos e que esta participação merece uma reprimenda

68 OLIVEIRA, Willian Terra de. O relacionamento do crime organizado com a lavagem de dinheiro. São Paulo. Disponível em:<http://www.apmp.com.br/jurídico/quintapjcri/artstec/crimeorg.htm.> Acesso em 4 nov. 2005, p. 09.

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penal, se a conduta em nada contribuir para a lavagem de dinheiro não existirá responsabilidade penal.69

Note-se que a doutrina elabora certos requisitos para alguém ser sujeito

ativo deste crime, pois não se exige somente a participação na organização

criminosa, mas também uma adesão aos planos coletivos. Estes requisitos

impedem que alguém queira punir funcionários que exerçam funções que em

nada contribuam com o braço criminoso de uma determinada empresa utilizada

para lavagem de dinheiro.

Contudo, se o agente estiver de alguma forma de conluio com os planos

coletivos dos outros sujeitos ativos do crime, não tem como se furtar da

responsabilidade penal. A lei pune quem participa do crime, todavia isto somente

acontece para quem de alguma forma adere e contribui na prática de lavagem de

dinheiro.

A consumação do delito de lavagem de dinheiro se dá quando o agente

faz a ocultação ou dissimulação dos valores, esta é a opinião da doutrina:

Os delitos de lavagem de dinheiro consumam-se já no momento em que o agente pratica uma ação que envolva “ocultar” ou “dissimular” a natureza, origem localização, disposição, movimentação ou propriedade do bem, direito ou valor. Não é possível exigir-se para a consumação, evidentemente, que o agente cumpra todas as etapas da lavagem – “colocação e integração”. Não será somente com a “integração” que o crime será consumado, mas simplesmente, já através de qualquer ato de “colocação”. Nestes termos, uma só, ou a primeira transferência de valores obtidos pelo tráfico de entorpecentes, será ação criminosa suficiente para a configuração do crime, ainda que venha seguida de inúmeras outras transferências bancárias.70

Então se com uma simples transferência de valores o crime é

consumado, de que maneira ocorre a forma tentada deste delito, visto que a Lei

de Lavagem de dinheiro admite expressamente a forma tentada?71

Pode ocorrer, por exemplo, quando o gerente de uma agência bancária

detecta uma transferência bancária suspeita e comunica aos órgãos de

fiscalização do Governo Federal, na forma prevista no artigo 11 da Lei de

69 GOMES, L.F.; OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R., p. 337-338. 70 MENDRONI, M. B. Ob. cit. p. 33. 71 Art. 1º, §3 – A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.

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Lavagem de Dinheiro, isto antes do agente realizar a transferência bancária.

Neste caso a operação aludida não ocorreu, tampouco houve ocultação de

valores. Ainda com relação ao crime tentado, a redução na pena será de um a

dois terços, de acordo com o “iter criminis” percorrido, ou seja, se estiver mais

próximo da consumação a redução na pena será menor e se estiver mais longe,

a redução será maior.72

Examinar-se-á, a seguir, a questão dos delitos antecedentes de lavagem

de dinheiro com o intuito de se compreender qual a melhor maneira para se

colher provas a fim de reprimir este crime.

3.2 - Dos delitos antecedentes

Rodolfo Tigre Maia divide as legislações sobre lavagem de dinheiro, em

três gerações, quando se referem a delitos antecedentes:

Como de primeira geração, que circunscreve a lavagem de dinheiro em conexão com o tráfico ilícito de entorpecentes. De segunda geração, que amplia o rol dos delitos, cujos exemplos são a Alemanha, Portugal e Espanha. De terceira geração, que optaram por ligar a lavagem de dinheiro a qualquer ilícito precedente. Ex. Bélgica, Itália, França, México, Suíça e Estados Unidos. O Brasil, apesar de ter uma legislação recente, optou por incluir um rol de delitos, ou seja, filiou-se a segunda geração.73

O legislador brasileiro decidiu relacionar um elenco de delitos que são

antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro, deixando claro que, somente

quando o crime principal for uma daquelas infrações penais relacionadas na

própria lei, é que alguém pode ser processado pelo crime previsto na Lei nº

9.613/98.

Seguindo o exemplo de outros países, o Brasil passa a considerar como delitiva a conduta de atribuir aparência de licitude ao dinheiro, bens e valores que estejam relacionados com determinados crimes anteriores. Para tanto elabora um elenco ou lista de “delitos predecedentes”, que limitarão a incidência da lei nova.74

72 Sobre a obrigação de informar operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras(COAF) vide nota 55. 73 MAIA, R. T. Ob. cit. p. 67-68. 74GOMES, L. F.; OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R.Ob. cit., p. 330.

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De fato, o legislador brasileiro, ao relacionar um elenco taxativo de delitos

que possam ser anteriores ao de lavagem de capitais, impediu que outras

infrações penais, não mencionadas neste rol, fossem antecedentes àquele crime.

Sobre a existência de delitos antecedentes, a doutrina comenta o seguinte:

Assim, se o produto de outro crime for objeto da conduta de “lavagem de dinheiro”, a ação não será punível, porque o crime antecedente é que vai determinar se a conduta do agente é ou não proibida pela lei penal especial. Fosse diferente, estaria sendo violado o princípio da legalidade ou da reserva legal, porque, sendo taxativa a lei, como é, exclui outros delitos como crime antecedente que nela não estejam definidos.75

Neste caso, o legislador criou uma dificuldade maior para a punição à

lavagem de dinheiro ao relacionar um rol taxativo de crimes antecedentes. O

delito previsto na Lei nº 9.613/98 somente pode ser configurado se for com o

intuito de ocultar ou dissimular a origem, localização, disposição ou propriedade

de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de um dos crimes

previstos como anteriores à lavagem de dinheiro.

O legislador deveria ter simplesmente mencionado que a lavagem de

dinheiro ocorreria quando os bens ou recursos fossem provenientes de crime em

geral. Neste caso somente seria necessário provar que a origem criminosa dos

recursos era oriunda de uma infração penal qualquer. 76

Ademais, já comentamos sobre isto em um outro artigo:

Neste caso a lei (9.613/98) exige, para o oferecimento da denúncia, que se tenham indícios suficientes de prática do crime antecedente (tráfico de entorpecentes, contra a administração pública, etc.), art. 2º, §1º da Lei nº 9.613/98. Por sua vez, quando não houver indícios suficientes da ocorrência do crime antecedente (tráfico de entorpecente, crime contra o sistema financeiro, etc.) não há meios de se processar alguém por delito de lavagem de dinheiro.77

75SILVA, C A. Ob. cit., p. 62. 76 Art. 2º, § 1º - A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime. 77 BELTRÃO, Francisco Affonso de Camargo. Eles podem depositar o dinheiro no Brasil. O Estado do Paraná, Curitiba, 7 de outubro de 2.001, Caderno de Direito e Justiça, p. 02.

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Se a lavagem de dinheiro for originária de um outro delito não previsto

como antecedente na Lei nº 9.613/98, a conduta será atípica, conforme comenta

Antonio Sérgio de Moraes Pitombo:

No correr da instrução criminal, a acusação terá de provar que os bens, objetos da suposta lavagem de dinheiro, provêm de determinado crime antecedente, que não se duvida tenha ocorrido. Caso contrário, será impossível assentar-se a tipicidade penal.78

O Juiz de Direito ao receber uma denúncia deve examinar se estão

presentes as condições da ação que são relacionadas pela doutrina como sendo

aquelas que foram transportadas do Processo Civil para o Processo Penal, ou

seja, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade para

agir. No Processo Penal existe uma quarta condição que é a justa causa. 79

Nas três primeiras, deve o Juiz examinar se o fato narrado na denúncia

constitui ou não crime (possibilidade jurídica) (art. 43, I, do CPP), se não ocorreu

alguma causa extintiva de punibilidade (interesse de agir) (art.. 43, II, do CPP),

bem como, se a ação penal é proposta pelo Ministério Público (se a ação for

pública) ou pelo ofendido (se a ação for privada) para processar o autor do delito

(legitimidade para agir) (art. 43, III, primeira parte do CPP).

Depois disso, deve o Juiz examinar a quarta condição da ação que é a

justa causa para o exercício da ação penal (art. 43, III, segunda parte do CPP).

Nesta condição exige-se um mínimo de indícios de prova (geralmente trazidos

pelo inquérito policial) para lastrear a acusação. No caso de crime de lavagem de

dinheiro é necessário um mínimo de indícios probatórios de que a infração penal

78 PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2.003, p. 131-132. 79 Jacinto Nélson de Miranda Coutinho rejeita este transporte das condições da ação do Processo Civil para o Processo Penal e descreve as condições da ação que para ele correspondem às do Processo Penal. E são elas: tipicidade aparente, punibilidade concreta, legitimidade de parte e justa causa. Questiona principalmente a questão da possibilidade jurídica/tipicidade aparente. No Processo Civil o pedido é impossível juridicamente somente quando vedado pelo ordenamento jurídico. No Processo Penal, com relação à tipicidade aparente, a denúncia ou a queixa-crime somente deve ser recebida se a ação do acusado corresponde a um crime previsto no ordenamento jurídico (em um tipo penal previamente definido).(COUTINHO, Jacinto Nélson de Miranda. A lide e o conteúdo do processo penal. 3. Tir. Curitiba: Ed. Juruá, 1998, p. 148-150).

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ocorreu oriunda de um dos seus crimes antecedentes, sob pena de não existir

uma das condições da ação penal.

Afrânio da Silva Jardim comenta sobre esta condição da ação:

Às três condições que classicamente se apresentam no processo civil, acrescentamos uma quarta, ou seja, um lastro mínimo de prova que deve fornecer arrimo à acusação, tendo em vista que a simples instauração de um processo penal atinge o chamado “status dignitatis” do imputado. Tal arrimo de provas nos é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação, que devem acompanhar a acusação penal.80

Eugênio Pacelli de Oliveira declara que esta condição da ação amplia o

preceito constitucional da ampla defesa e do contraditório:

A nosso ver, a questão de se exigir lastro mínimo de prova pode ser apreciada também sob a perspectiva do direito à ampla defesa. Com efeito, exigir do Estado, por meio do órgão da acusação, ou do particular, na ação privada, que a imputação feita na inicial demonstre, de plano, a pertinência do pedido, aferível pela correspondência e adequação entre os fatos narrados e a respectiva narrativa indiciária (prova mínima não colhida ou declinada), nada mais é que ampliar, na exata medida do preceito constitucional do art. 5º, LV, CF, o campo onde irá se desenvolver a defesa do acusado, já ciente, então, do caminho percorrido na formação da “opinio delicti”.81

Analisando por este vértice, os Juízes dificilmente concederiam “habeas

corpus” para trancar uma ação penal em favor de um paciente por falta de justa

causa, pois sempre se pode absolver o réu. Neste caso, a única forma desta

condição da ação ser suficiente para impedir o andamento de uma ação penal é

se não existir prova alguma da imputação. No caso da lavagem de dinheiro,

somente será rejeitada uma denúncia se não houver nenhuma prova de que o

fato posterior é proveniente de um dos crimes antecedentes relacionados na Lei

nº 9.613/98.

Obviamente já se tentou trancar ações penais (ou inquéritos policiais)

quando não está comprovada a ocorrência do delito antecedente. Todavia, os

80 JARDIM, Afrânio da Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. 4. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 37. 81 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 3. Ed. 2. Tir. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2.004, p. 91.

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Tribunais não têm exigido evidências da materialidade do delito antecedente

antes do recebimento da denúncia pela lavagem de dinheiro.82

Outrossim, os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro são

processados e julgados de forma independente, não sendo necessário aguardar

eventual condenação pela infração anterior para processar alguém por lavagem

de capitais. A propósito a seguinte manifestação doutrinária:

Proclama o art. 2º § 1º, parte final, que o crime de lavagem de capitais é punível ainda que desconhecido o autor do crime anterior, ou isento de pena. E pelo que diz o art. 2º, inc. II, parte final, tampouco importa o local do crime anterior. Não é preciso, destarte, que se descubra a autoria do crime anterior. O que a lei exige, em suma, para a processabilidade do crime de lavagem é unicamente a demonstração (ao menos indiciária) de que houve um crime precedente (dentre aqueles catalogados no art. 1º). Com isso se constata a origem ilícita (suja) do capital.83

Rodolfo Tigre Maia ressalta que a separação dos crimes antecedentes e

de lavagem de dinheiro vem baseada nos seguintes aspectos:

A separação dos processos é justificável não somente à luz do disposto no art. 80 do Código de Processo Penal: quando alude a outro motivo relevante que o juiz repute conveniente para a separação. A proposta vai mais longe. Determina a obrigatoriedade

82 PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA CORRESPONDENTE AO DELITO DE "LAVAGEM DE DINHEIRO". FALTA DE COMPROVAÇÃO, NA ATUAL FASE DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR, PELA PRÁTICA DE UM DOS DELITOS PRÉVIOS RELACIONADOS NA LEI 9.613/98. DESNECESSIDADE, PARA O EFEITO DE INTEGRAÇÃO DA CONDUTA TÍPICA QUE CONSTITUI O DELITO ACESSÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMOSTRADO. - O trancamento do inquérito policial, pela via estreita do habeas corpus somente é possível quando, pela mera exposição dos fatos investigados, constata-se que há imputação de fato penalmente atípico, inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito ou extinta a punibilidade. - A alegação de ausência de justa causa para o prosseguimento do inquérito policial só pode ser reconhecida quando, sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos, indícios e provas, restar inequivocamente demonstrada, pela impetração, a atipicidade flagrante do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a investigação, ou, ainda, a extinção da punibilidade. - Não há que se falar em manifesta ausência de tipicidade da conduta correspondente ao crime de "lavagem de dinheiro", ao argumento de que não foi devidamente comprovado, na atual fase da investigação preliminar, a prática de algum dos crimes anteriores arrolados no elenco taxativo do artigo 1º, da Lei 9.613/98, sendo inexigível que o autor do crime acessório tenha concorrido para a prática do crime principal, desde que tenha conhecimento quanto à origem criminosa dos bens ou valores. - Impedir a possibilidade do Estado-Administração demonstrar a responsabilidade penal do acusado implica em cercear o direito-dever do poder público em apurar a verdade sobre os fatos. Ordem denegada. (STJ – HC 44339 – SP 2005.0086034-5 – Rel. Min. Paulo Medina – 6ª Turma – DJ 21.11.2005 – p. 309). 83GOMES, L.F.; OLIVEIRA., W. T.; CERVINI, R. Ob. cit, p. 356.

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da separação e assenta em dois aspectos essenciais: o primeiro, de caráter instrumental, visto que o procedimento relativo ao ilícito poderá estar – as mais das vezes – submetido à jurisdição penal de outro país; o segundo, de natureza material, diz respeito às exigências de segurança e justiça que são frustradas pelas práticas domésticas ou transnacionais de determinados crimes, cuja gravidade e reiteração constituem desafios ao Estado contemporâneo.84

Não há nenhum impedimento à unidade do processo, a não ser nos

casos do crime antecedente ser de competência de jurisdição estrangeira, ou

então quando não for possível ainda definir com precisão a autoria do crime

anterior.

Luiz Flavio Gomes admite que o processo transcorra sem necessidade

de separação:

Consoante o disposto no art. 1º, inc. II, o processo pelo crime de lavagem de bens, direitos e valores independe do processo e julgamento do crime anterior (do qual derivam tais bens, valores e direitos), mesmo que praticados em outro país. Se descoberta a autoria de tais crimes precedentes, para além da configuração de um concurso material de crimes teremos o instituto da conexão (julgamento único, processo único) tendo a “vis atractiva” o juízo da infração mais grave.85

Por outro lado, é bastante difícil imaginar na prática como alguém pode

ser condenado por lavagem de dinheiro se não é possível identificar um possível

autor pelo crime antecedente.

Os crimes antecedentes estão necessariamente ligados ao de lavagem

de dinheiro, pois esta infração penal existe quando o agente oculta bens oriundos

dos delitos anteriores relacionados na Lei nº 9.613/98.

O crime antecedente e o posterior podem ser julgados de forma

independente. A Lei nº 9.613/98 não exige que se aguarde a finalização do

processo pelo delito antecedente, bem como não exige a punição por uma das

infrações penais para se reprimir a lavagem de dinheiro.86

A independência do julgamento do crime anterior e de lavagem de

dinheiro a princípio causa alguma estranheza, pois se não é possível provar a

84 MAIA, R. T. Ob.cit., p. 111. 85 GOMES, L.F.; OLIVEIRA., W. T.; CERVINI, R. Ob. cit., p. 355-356. 86 Art. 2º, II – independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país.

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autoria do crime antecedente, como é possível comprovar que deste crime

anterior de autoria desconhecida originou o delito de lavagem de dinheiro?

O recebimento da denúncia por crime de lavagem de dinheiro não pode

estar subordinado à condenação pelo delito antecedente. O argumento principal

para a manutenção da independência da repressão do crime anterior ao de

lavagem de dinheiro é que todos estes crimes são difíceis de ser provados. Neste

caso não deve a legislação criar mais um empecilho para a repressão ao delito

previsto na Lei nº 9.613/98. Outro argumento a favor da independência das

instâncias é que o crime antecedente pode ter sido cometido no exterior.

Destarte, pode-se até concluir que a instância deva ter alguma

independência, contudo não se pode admitir que o crime antecedente não tenha

existido, pois neste caso o crime posterior também não ocorreu.

Segundo José Laurindo de Souza Netto:

Trata-se então (a lavagem de dinheiro) de um crime acessório, pois depende de outro que lhe é precedente. Inexistindo sérios indícios da ocorrência do crime antecedente, a denúncia não poderá ser recebida pelo Juiz. A comprovação da ocorrência do crime antecedente constitui-se numa questão prejudicial do próprio mérito. Tal exigência condiciona o desenvolvimento válido da relação processual.87

Esta posição parece ser a mais correta, pois não há como fugir do fato

de que a lavagem de dinheiro é um crime acessório ao delito antecedente. Esta

foi a opção do legislador, quando inseriu um rol taxativo de crimes anteriores.

Contudo, como já foi dito, o recebimento da denúncia por lavagem de dinheiro

não pode ficar na dependência do julgamento do crime antecedente.

A existência de um rol taxativo de crimes antecedentes se expressa

como dificuldade para a repressão ao crime principal, já que em algum momento

será necessário provar que ocorreu o crime anterior.

Os delitos antecedentes ao da lavagem de dinheiro são os seguintes:

tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, terrorismo e seu financiamento,

contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua

produção, extorsão mediante seqüestro, crimes contra a administração pública

87 SOUZA NETTO, J. L. Ob. cit.,p. 69.

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brasileira e estrangeira, contra o sistema financeiro nacional e delitos praticados

por organizações criminosas.

Como o legislador entendeu ser mais correto mencionar um rol taxativo

de crimes, passamos a comentá-lo a seguir.

a) - Tráfico de entorpecentes

O tráfico de entorpecentes, no Brasil, está tipificado no artigo 33 da Lei nº

11.343/06.88

Este é o delito que deu origem a todo um movimento visando criminalizar

a lavagem de dinheiro, pois o crescimento de organizações criminosas que

financiam o tráfico de entorpecentes e as suas ramificações internacionais

sempre preocupou os governos nacionais.

Conforme afirmado anteriormente, a primeira geração das legislações

internacionais sobre o crime de lavagem de dinheiro se deu em razão do

crescimento do poder do narcotráfico, conforme Nuno Brandão:

Inicialmente medidas anti-reciclagem apareceram fundamentalmente associadas ao esforço internacional de combate ao tráfico de estupefacientes. A luta contra o branqueamento serviria a esse combate de forma mediata, pois por um lado, tornaria mais difícil aos traficantes usufruir dos proventos alcançados com a sua actividade criminosa e, por outro lado, pondo em acção a máxima, follow the money, seria um instrumento da investigação criminal.89

88 Lei nº 11.343/06 - art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 500 (quinhentos) a 1500 (mil e quinhentos) dias-multa. Nas mesmas penas incorre quem: I) Importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II) semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III) utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para tráfico ilícito de drogas. 89 BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de capitais: o sistema comunitário de prevenção. Coimbra: Coimbra Editora, 2.002, p. 20.

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A Convenção de Viena, de 20 de dezembro de 1988, foi aprovada por

vários países em razão do crescimento do tráfico internacional de entorpecentes

e do financiamento internacional desta atividade criminosa.90 Ao ratificar esta

convenção, o Brasil se comprometeu a futuramente reprimir o delito de lavagem

de dinheiro.91

Sobre isto, Marcelo Batlouni Mendroni nos ensina:

A Convenção de Viena teve, portanto, o propósito de gerar a conscientização dos Estados de que, tendo a criminalidade organizada tomado forma empresarial globalizada, seria necessário o seu combate através de uma cooperação internacional em relação às questões ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes. Os Estados que subscreveram o acordo se comprometeram tipificar penalmente a organização, gestão, ou financiamento do tráfico ilícito, bem como as operações de lavagem de dinheiro, conseqüência dessa prática delituosa. Este foi o primeiro instrumento jurídico internacional a tipificar as condutas de operações de lavagem de dinheiro.92

Ives Gandra da Silva Martins entende que a Lei nº 9.613/98 deveria

somente prever o tráfico de entorpecentes como crime antecedente ao de

lavagem de dinheiro.93

Somente sobre os cartéis colombianos, Peter Lilley comenta o seguinte:

Altamente organizados, bem equipados, bem financiados e espetacular e totalmente endinheirados em seu país de origem, receberam do governo americano o seguinte comentário: ”os líderes dessas organizações de drogas internacionais construíram impérios financeiramente poderosos, bem equipados quanto a transportes, informações e comunicações, que rivalizam com muitos governos de países pequenos”. Afirma-se que o cartel de Cali vale 206 bilhões de dólares. Seus líderes, os irmãos Gilberto e Miguel Rodrigues, foram condenados a dez anos de prisão, em 1997, mas se sabe que continuam dirigindo suas operações de dentro da cadeia.94

90 Geralmente são apresentados alguns antecedentes históricos internacionais como as 40 recomendações do “GAFI” ou ”FATF” (grupo criado no âmbito das Nações Unidas, que visa uma atuação concentrada e articulada para o combate à lavagem de dinheiro) e a criação do Grupo “Egmont” (estipula uma rede de cooperação entre países integrantes do grupo). Contudo o Brasil somente foi convidado para integrar o “GAFI/FATF” na Reunião Plenária de Portugal em setembro de 1.999. Com relação ao Grupo “Egmont” o Brasil somente o integrou na Reunião plenária da Bratislava em maio de 1.999. (MENDRONI,M, B. Ob. cit. p. 18-20). Como o Brasil entrou nestes grupos de atuação de combate a lavagem de dinheiro após a promulgação da Lei nº 9.613/98, pode-se entender que a Convenção de Viena é o principal antecedente histórico da lei brasileira de lavagem de dinheiro. 91 O Brasil ratificou a convenção de Viena através do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1.991. 92 MENDRONI, M. B. Ob. cit., p. 15. 93 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A esdrúxula lei da lavagem de dinheiro. REVISTA CEJ – Centro de Estudos Judiciários. Brasília, v. 2, n. 5, p. 28-32, mai/ago. 1.998. 94 LILLEY, P. Ob.cit., p. 31.

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Por outro lado, o Brasil inclusive passou a ser rota do tráfico de

entorpecentes, conforme comenta a doutrina:

O Relatório Anual Sobre Controle Internacional de Narcóticos informa que o Brasil se converteu no maior canal de distribuição de cocaína produzida pelos cartéis de Medelin e Cali, na Colômbia. Está entre os quatro maiores entrepostos mundiais do tráfico de cocaína e entre os seis maiores fornecedores mundiais de éter e acetona, empregados para o refino da pasta de cocaína.95

Moisés Naím inclusive se manifesta acerca das complexas formas para

lavar dinheiro das drogas:

A revolução financeira ocorrida nos últimos 10 anos talvez seja o fato que mais beneficiou o comércio das drogas. Se um pacote de heroína é uma agulha no palheiro do volumoso comércio mundial, seus valores monetários são ainda mais difíceis de serem detectados no turbilhão diário das transações financeiras. Para ocultar a movimentação de dinheiro, pagar os fornecedores, remunerar trabalhadores e repor os lucros em circulação, os traficantes de drogas lançam mão de todos os artifícios – de dinheiro enviado pelos correios ou carregado em pequenas quantidades por emissários conhecidos como “smurfs” a complexas operações de lavagem envolvendo empresas, bancos em paraísos fiscais, correspondentes e intermediários em vários países. O correio eletrônico, a rede bancária on-line e os serviços de transferência eletrônica entram em cena.96

A necessidade de se combater o poder do tráfico de entorpecentes fez o

legislador inserir este delito como um dos crimes antecedentes ao da lavagem de

dinheiro em nosso ordenamento jurídico.

b) - Terrorismo e seu financiamento

Os acontecimentos de 11 de setembro de 2.001 na cidade de Nova

Iorque deram uma maior importância para o crime de terrorismo e o seu

financiamento por organizações nacionais ou internacionais.97

Peter Lilley comenta acerca do terrorismo:

Não há praticamente uma semana em que não se tenham notícias de algum canto do globo dando conta de mais um ataque terrorista. Todos os grupos terroristas precisam

95 SOUZA NETTO, J. L. Ob. cit., p. 45. 96 NAÍM, M. Ob. cit. p. 77. 97 O inciso II do art. 1º da Lei 9613/98 tem redação determinada pela Lei nº 10701 de 9 de julho de 2003.

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de dinheiro – e da possibilidade de usá-lo – para apoiar suas infraestruturas e comprar armas e equipamentos.98

Por sua vez, no Brasil, o terrorismo, apesar de estar inserido como crime

antecedente ao da lavagem de dinheiro, tem regulamentação deficiente, pois

somente pode ser considerado como delito, nos termos do artigo 20 da Lei nº

7.170/83, se praticado contra a Segurança Nacional do Brasil.99

Obviamente o texto do artigo se refere a atos de terrorismo ou seu

financiamento desde que praticado contra o nosso país, pois a finalidade da Lei

7.170/83 é definir crimes contra a Segurança Nacional, a Ordem Política e Social

brasileira.

O terrorismo internacional não pode ser considerado um crime contra a

Segurança Nacional do Brasil, portanto não foi tipificado no direito brasileiro, e a

sua repressão fere o disposto no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição

Federal.100

Em sua obra José Laurindo de Souza Netto alerta sobre este fato:

Assim, a fim de que não ocorra lesão ao princípio da reserva legal, consubstanciado no art. 5º XXXIX da CF, exige-se a prévia definição da conduta típica do “terrorismo”, para que possa ser crime antecedente da lavagem de dinheiro ou ocultação.101

Destarte, o crime antecedente precisa ser definido legalmente para ser

possível punir-se alguém pelo crime posterior de lavagem de dinheiro. Somente

98 LILLEY, P. Ob. cit. p. 19-20. 99 Lei nº 7.170/83 – Art. 20: Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena – reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos. Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo. 100 Nilo Batista argumenta acerca do princípio da legalidade o seguinte: “O princípio da legalidade, base estrutural do próprio estado de direito é também pedra angular de todo o direito penal que aspire à segurança jurídica, compreendida não apenas na acepção da ‘previsibilidade da intervenção do poder punitivo do estado’ que lhe confere Roxin, mas também na perspectiva do ‘sentimento de segurança jurídica’ que postula Zaffaroni. Além de assegurar a possibilidade do prévio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante que o cidadão não será submetido a coerção penal distinta daquela predisposta na lei. Está o princípio da legalidade inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XI, 2) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 9º)”. (BATISTA, N. Ob. cit., p. 67). 101 SOUZA NETTO, J. L. Ob. cit. , p. 79.

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com a definição do crime de terrorismo como um delito em suas diversas formas

é possível reprimir a lavagem de dinheiro oriunda desta atividade.

O legislador brasileiro, provavelmente preocupado com eventuais

recursos aplicados por terroristas internacionais, incluiu como antecedente da

lavagem de dinheiro não somente o terrorismo, mas o financiamento desta

atividade.102

Todavia, insiste-se no fato de que o terrorismo internacional não foi

definido como crime no Brasil, portanto não pode ser antecedente da lavagem de

dinheiro. Obviamente o financiamento ao terrorismo internacional não é também

um crime definido em lei brasileira. Assim, a admissão de tal espécie criminosa

como antecedente da lavagem fere o disposto no inciso XXXIX do artigo 5º da

Constituição Federal.

c) - Contrabando ou tráfico de armas

O contrabando e o tráfico de armas de fogo foram inseridos como crimes

antecedentes da lavagem de dinheiro, pois a violência resultante do uso de

armas é uma preocupação atual do Estado brasileiro.

Esta preocupação pode ser representada através do mencionado

“Estatuto do Desarmamento”, o qual tipificou o crime de contrabando e tráfico de

armas nos artigos 17 e 18 da Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2.003.103

Sem dúvida alguma a principal finalidade da mencionada lei é tentar

impedir o comércio de armas de fogo pelo crime organizado, aplicando regras

mais duras para o seu porte.

102 O financiamento do terrorismo foi inserido como antecedente da lavagem de dinheiro por intermédio da Lei 10.701 de 9 de julho de 2.003. 103 Lei nº 10.826/03. Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer modo utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Parágrafo único – Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente. Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

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Por outro lado, há ainda o crescimento da segurança privada o que

reforça o descontrole sobre as armas. Sobre isso Moisés Naím comenta:

Até agora, característica indissociável da globalização, o crescimento da segurança privada reflete e reforça a disseminação de armas, revelando não apenas o dinamismo do mercado de armas, mas sua íntima conexão com os Estados falidos e com a instabilidade daqueles que, ainda não-falidos, passam por crescentes crises de governabilidade. Mas essas estatísticas também demonstram uma verdade maior: a crescente demanda por armas de todos os tipos não tem fronteira. E que as tentativas dos governos de limitarem a demanda ou controlarem o comércio internacional de armas não foram bem-sucedidas. Nenhum grupo revolucionário, organização criminosa, ou exército pária em qualquer lugar do mundo parece ter qualquer problema para obter as armas que necessita.104

Somente com um controle mais efetivo das fronteiras de nosso país e da

nossa costa marítima é que se poderá tentar impedir que armas de fogo cheguem

às mãos do crime organizado. Além disso, o tráfico de armamento tem uma

relação muito próxima com o tráfico de entorpecentes.105

d) - Extorsão mediante seqüestro

A extorsão mediante seqüestro foi incluída já na lei dos crimes hediondos

por ser uma infração penal praticada por quadrilhas que possuem uma certa

organização, pois é necessário manter algumas pessoas cuidando do cárcere,

outras exigindo pagamento, etc.

A doutrina comenta acerca do tipo objetivo da extorsão mediante

seqüestro:

A conduta tipificada é seqüestrar, isto é, reter, arrebatar, retirar alguém de circulação privando-a da liberdade. O seqüestro objetiva obter qualquer vantagem, como

104 NAÍM, M. Ob. cit., p. 61-62. 105 O jornalista Caco Barcelos escreveu um livro sobre a história da quadrilha de um conhecido traficante carioca e da ocupação do Morro Dona Marta pelo Comando Vermelho. Nesta história contou que os traficantes tiveram acesso a AK-47, arma projetada pelo General russo Mikhail Kalashinikov, para enfrentar na 2ª Guerra Mundial o exército nazista de Hitler, mas que somente ficou pronta em 1.947. Enquanto as outras metralhadoras disparam rajadas num raio de 15 metros, o fuzil AK-47 pode disparar até 600 projéteis por minuto e contra um alvo a 400 metros de distância. O fato do tráfico de entorpecentes conseguir obter uma arma projetada para ser utilizada por exércitos prova a proximidade entre estes grupos distintos de criminosos. (BARCELLOS, Caco. Abusado: o dono do Morro Dona Marta. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2.003, p. 194).

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condição ou preço do resgate. Embora alguma divergência, o tipo penal não exige que a vantagem seja indevida, nem que seja econômica.106

O exemplo das FARC da Colômbia e de outras organizações terroristas

nos permite observar que o seqüestro deve ser combatido através do ataque à

lavagem de dinheiro destes grupos paramilitares, o que certamente prejudicaria o

financiamento destas organizações.107

Caco Barcellos faz um comentário sobre os métodos colombianos de

seqüestro:

Entre os colombianos, os seqüestros eram praticados ao mesmo tempo por motivações políticas e delinqüência comum. As vítimas eram alvos de narcotraficantes e de guerrilheiros esquerdistas. Os seqüestros de natureza política eram praticados pelos guerrilheiros das Farcs, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, e do ELN, o Exército de Libertação Nacional. Eles levavam para o cativeiro na selva empresários, fazendeiros e executivos de empresas multinacionais da área petrolífera. Usavam o dinheiro do resgate das vítimas para financiar a guerrilha.108

A politização do seqüestro justifica a sua inclusão como antecedente de

lavagem de dinheiro. E mais: a disseminação de seqüestros comuns objetivando

resgate (veja-se São Paulo alguns anos atrás) também parece justificar a

inclusão de tal espécie infracional entre os antecedentes da lavagem.

e) Crimes contra a administração pública

106 PRADO, Luiz Régis; BITTENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal anotado e legislação complementar. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1.997, p. 590. 107 A Procuradoria Geral da Argentina realizou um estudo comparado sobre seqüestros realizados na Colômbia onde, no período de 1996 a 2000, houve um aumento significativo destes delitos para fins políticos realizados por grupos subversivos. As maiores organizações são as “Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colômbia” (FARC), no período compreendido entre 1996 a 2000 realizaram 3424 seqüestros. “Ejercito de Liberación Nacional” (ELN) realizaram 2910 seqüestros; em terceiro lugar fica a delinqüência comum com 1658 seqüestros e em quarto lugar, fica o “Ejercito Popular de Liberación” (EPL) com 596 seqüestros. O estudo conclui que o seqüestro de natureza política tem grande relevância naquele país. (REPÚBLICA ARGENTINA. Procuración General de la Nación. El secuestro extorsivo en la República Argentina: magnitud del fenómeno y estrategias de persecución penal en el contexto local y regional. Montevideo:Ed. Konrad Adenauer-Stiftung, 2.006, p. 204-207). 108 BARCELLOS, C. Ob. cit. p. 298.

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A legislação penal regulamenta os crimes contra a administração pública

no próprio Código Penal nos artigos 312 a 359-H.

O Brasil se comprometeu a cumprir a Convenção Interamericana contra a

Corrupção de 29 de março de 1996 da Organização dos Estados Americanos

(OEA), adotada em Caracas.109

Os itens 1, 2 e 10 do artigo III, desta convenção têm a seguinte redação:

Artigo III

Medidas preventivas

Para os fins estabelecidos no artigo II desta Convenção, os Estados Partes convêm em considerar a aplicabilidade de medidas, em seus próprios sistemas institucionais destinadas a criar, manter e fortalecer:

1.Normas de conduta para o desempenho correto, honrado e adequado das funções públicas. Estas normas deverão ter por finalidade prevenir conflitos de interesses, assegurar a guarda e uso adequado dos recursos confiados aos funcionários públicos no desempenho de suas funções e estabelecer medidas e sistemas para exigir dos funcionários públicos que informem as autoridades competentes dos atos de corrupção nas funções públicas de que tenham conhecimento. Tais medidas ajudarão a preservar a confiança na integridade dos funcionários públicos e na gestão pública.

2.Mecanismos para tornar efetivo o cumprimento dessas normas de conduta.

10.Medidas que impeçam o suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros, tais como mecanismos para garantir que as sociedades mercantis e outros tipos de associações mantenham registros que, com razoável nível de detalhe, reflitam com exatidão a aquisição e alienação de ativos e mantenham controles contábeis internos que permitam aos funcionários da empresa detectarem a ocorrência de atos de corrupção.

Posteriormente o Brasil se comprometeu a cumprir a Convenção sobre o

Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações

Comerciais Internacionais, no âmbito da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) ocorrida em Paris, no dia 17 de dezembro

de 1997.110

A propósito o artigo 7º da mencionada convenção tem a seguinte

redação: 109 A referida Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional através Decreto Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002 e promulgada pelo Presidente da República através do Decreto nº 4410 de 7 de outubro de 2002. 110 A referida Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional através Decreto Legislativo nº 125, de 14 de junho de 2000 e promulgada pelo Presidente da República através do Decreto nº 3678 de 30 de novembro de 2000.

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Artigo 7º Lavagem de dinheiro A Parte que tornou o delito de corrupção de seu próprio funcionário público um delito declarado para o propósito da aplicação de sua legislação sobre a lavagem de dinheiro deverá fazer o mesmo, nos mesmos termos, em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, sem considerar o local da corrupção.

Claro que esta última convenção se refere a funcionários públicos

estrangeiros, todavia o Brasil se comprometeu, em ambas as Convenções, a

fazer o possível para reprimir toda espécie de corrupção praticada por funcionário

público. Note-se que esta última convenção sugere a inserção dos crimes contra

a administração pública, tanto nacional quanto estrangeira, como antecedentes

ao delito de lavagem de dinheiro.111

Ademais, não é preciso aprofundamento neste assunto para lembrar o

dano que a corrupção tem causado aos cofres públicos brasileiros, sempre às

voltas com escândalos financeiros (como por exemplo, nos casos do Banestado,

da Operação Anaconda, etc). 112

111Os crimes particulares contra a administração pública estrangeira serão examinados posteriormente: item “h”. 112 Relacionam-se informações prestadas pela 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, referentes a alguns dados sobre o trabalho realizado desde 1997, para identificar a origem de bilhões de reais levados para fora do país via contas CC-5. Como a investigação identificou políticos e servidores públicos, certamente foram também cometidos crimes contra a administração pública, isto sem falar em crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro. A força-tarefa CC-5 encerrou em agosto uma nova etapa das investigações sobre o esquema de lavagem de dinheiro iniciado nos anos 90, com a finalização sobre evasão de divisas via contas CC-5, no Paraná. Em Brasília, a Procuradoria da República do Distrito Federal, atuando em conjunto com o grupo criminal de Curitiba e em coordenação com o Procurador-Geral da República, apurou o envolvimento de 411 servidores públicos e 137 políticos titulares de remessa e/ou recebimento de valores do exterior utilizando mecanismos de fraudes facilitadas pelas contas CC-5. Alguns dados apurados sobre os 411 servidores públicos: 1) 411 servidores públicos movimentaram nas contas CC-5 e nas contas correntes tituladas por “laranjas” ou empresas “de fachada”, no ano de 2.001, a importância de R$ 459.118.962,73, possuindo estes, no ano de 2.001, um patrimônio superior a R$ 1,5 bilhão de reais, embora tenham auferido, a título de rendimentos, neste mesmo ano R$ 307.121.437,13; 2) 96,93% das remessas realizadas por servidores públicos tiveram como finalidade a disponibilidade de recursos no exterior, o que representa dinheiro para depósitos ou investimentos não informados às autoridades brasileiras; 3) 71% das contas CC-5 utilizadas por servidores públicos pertencem a instituições financeiras sediadas em países como Nassau, Cayman, Uruguai e Paraguai. Números da área criminal (Paraná): 22 denúncias, 5 aditamentos, 27 quebras de sigilo bancário, 109 pedidos de seqüestro de bens, R$ 107.361.036,10 bens arrestados, 16 condenações (3 com trânsito em julgado). Estes números estão atualizados até a data de 15/02/2007. (Disponível em <http//www.prpr.mpf.gov.br/arquivos/externas/000147.php> Acesso em 15/fev./07).

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Os escândalos decorrentes da corrupção sempre trouxeram grandes

transtornos ao nosso desenvolvimento, como podemos constatar diariamente nos

noticiários. 113

Marcelo Batlouni Mendroni chega a afirmar que tais crimes envolvem

metade do dinheiro lavado no Brasil.114

Isto sem falar nos casos em delitos como o descaminho, que é

classificado no Código Penal como um crime contra a Administração Pública.115

Este delito tem relação com organizações criminosas que praticam delito de

lavagem de dinheiro, conforme demonstra a jurisprudência.116

113 A Transparência internacional é uma organização não governamental fundada na Alemanha que tem como missão criar mudanças de comportamento que levem a um mundo livre de corrupção. A organização supra citada criou um “ranking” anual que aponta os países menos corruptos e os mais corruptos entre 159 países do Planeta (cerca de 50 países não são pesquisados). O instituto atribui uma nota que varia de 0 a 10 entre os países analisados. O país considerado menos corrupto na última pesquisa foi a Islândia (9,7) e os mais corruptos foram Bangladesh e o Chade (1,7). O Brasil aparece posição intermediária entre as nações pesquisadas (na 62ª colocação com 3,7 de nota atribuída). Na análise da Transparência Internacional “a liberdade excessiva dos governantes para indicar aliados políticos para ocupar posições na administração do Estado” e “os episódios relacionados ao escândalo do mensalão deixam claro que uma estratégia anticorrupção integrada a uma abordagem ampla é necessária”. (Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Corrupt%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADtica.> Acesso em 05/fev./07). 114 MENDRONI, M. B. ob. cit., p. 45. 115 O crime de descaminho está descrito no Código Penal como um crime praticado por particular contra a administração em geral, todavia estruturalmente é um delito contra a ordem tributária. A doutrina comenta o seguinte acerca desta infração penal: “Objeto jurídico – Administração pública, especialmente o controle de entrada e saída de mercadorias do País e o interesse da Fazenda Nacional.(....) Descaminho (é) iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.(....) O que se incrimina é a ação de iludir (fraudar, burlar) total, ou parcialmente, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou consumo, observando-se que o imposto de consumo não existe sob tal denominação.” (DELMANTO, Celso. et alii. Código Penal comentado. 7. Ed. Rio de Janeiro. Ed. Renovar, 2007, p. 837). 116 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. LAVAGEM DE DINHEIRO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXECUÇÃO DA PENA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. EFEITO DEVOLUTIVO. I - Contra a decisão condenatória confirmada, à unanimidade, em segundo grau de jurisdição, cabem, tão-somente, em princípio, recursos de natureza extraordinária – apelos especial e extraordinário – sem efeito suspensivo (art. 27, § 2º da Lei nº 8.038/90), razão pela qual se afigura legítima a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da respectiva condenação (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ/Súmula nº 267-STJ). II – In casu, esgotadas as instâncias ordinárias e tendo o órgão Colegiado se manifestado pela execução “provisória” da pena, afastando, portanto, o alegado vício formal (decisão monocrática acerca da matéria e não do Colegiado), legítima a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação. Writ denegado. Cassadas, por conseguinte, as liminares concedidas. (STJ – HC 41980/Pr. - 5ª Turma – Rel Min. Felix Fischer, julgamento em 03/11/05; DJ 19.12.05).

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f) - Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

A Lei nº 7.492/86 tipificou inúmeras condutas para reprimir quem

prejudica o sistema financeiro nacional. Estes crimes têm uma relação muito

estreita com a lavagem de dinheiro e trazem enormes danos ao país. Sobre tal

afirmação veja-se o magistério de João Marcello de Araújo Júnior:

Neles (delitos financeiros) a despeito da lesão ao patrimônio individual que possam causar, a tônica da reprovação social está centrada na ameaça que representam para o sistema financeiro, que se caracteriza como um interesse jurídico supra-individual e no qual se destacam os seguintes aspectos: a) a organização do mercado; b) a regularidade dos seus instrumentos; c) a confiança nele exigida e d) a segurança dos negócios. Esses os aspectos do bem jurídico que evidenciam aquela relação dialética entre a realidade das coisas e o ideal de valor.117

A Lei que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

tipificando condutas como gerir fraudulentamente instituição financeira, emissão

de título ou valores mobiliários sem garantia, manter ou movimentar recurso ou

valor paralelamente à contabilidade, ou então efetuar operação de câmbio não

autorizada com o objetivo de promover evasão de divisas do País, etc. Em todos

estes casos o beneficiário da operação certamente precisa ocultar recursos

obtidos ilicitamente, o que pode ser feito através da lavagem de dinheiro.

Além disso, crimes como a evasão de divisas andam ao lado da lavagem

de dinheiro, quando esta é praticada no exterior, o que pode ser feito através das

chamadas contas CC5.118

117 ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1.995, p. 145-146. 118 O Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, incluiu no seu voto em uma apelação criminal, julgada, em 29 de abril de 2003 improcedente, da qual foi relator, um subitem para explicar a sistemática das contas CC5 e o intrincado esquema que utiliza esse instrumento legal para retirar dinheiro do país irregularmente: “A nomenclatura ‘CC5’ decorre da Carta-Circular/BACEN nº 05, de 1969, que, hoje já revogada, no passado normatizou esse procedimento de débito/crédito aos estrangeiros que estavam no Brasil, embora não fossem aqui domiciliados. Nessa linha, veja-se que há três espécies de contas ‘CC5’ (Circular/BACEN nº 2.677, de 10.4.96, art. 3º): (a) as provenientes de Vendas de Câmbio; (b) de Outras Origens; e, (c) de Instituições Financeiras. E os artigos 6º e 8º dessa Circular assim prevêem: Art. 6º. Podem ser livremente convertidos em moeda estrangeira, para remessa ao exterior, no mercado de câmbio de taxas flutuantes, os saldos existentes nos subtítulos de Instituições Financeiras e Provenientes de Vendas de Câmbio. Art. 8º. Nas movimentações de valor igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) é obrigatória a identificação da proveniência e destinação dos recursos, da natureza dos pagamentos e da identidade dos depositantes de

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A existência destas contas e a facilidade de utilizá-las como meio de

lavagem de dinheiro é comentada Maria Carolina de Almeida Duarte:

valores nestas contas, bem como dos beneficiários das transferências efetuadas, devendo tais informações constar do dossiê da operação. Além disso, créditos e débitos quando efetivados em tais contas são considerados como transferências internacionais em reais e, tratando-se de valores iguais ou superiores a R$ 10.000,00, faz-se necessário o registro da operação no Sistema de Informações do Banco Central (SISBACEN). A fim de ter um maior controle sobre o fluxo de capitais, a autarquia federal determinou que os depósitos no montante da cifra antes mencionada fossem efetivados por meio de cheques nominais, cruzados, de emissão dos depositantes, ou seja, por meios que permitissem o rastreamento e a identificação dos recursos financeiros. Entretanto, a inovação regulamentar gerou uma abrupta diminuição do fluxo de moeda que normalmente ocorria entre Foz do Iguaçu/Brasil e Cidade do Leste/Paraguai, fato que refletiu na taxa de câmbio flutuante do país, pressionando o ágio entre esse e o preço do dólar paralelo. A fim de solucionar tal problema, o BACEN autorizou determinadas instituições bancárias a receberem depósitos em espécie, a serem creditados nas contas de domiciliados no exterior. Dois eram os requisitos. Primeiro, que os bancos assumissem integral responsabilidade pela movimentação de tais contas e, ainda, que os depósitos, mesmo em cash, deveriam ser acompanhados da DPV, Declaração de Porte de Valores (Portaria MF 61/94, de 03.02.94). Muito bem, restabelecida, mesmo que em uma área limitada, a possibilidade de depósitos em espécie diretamente nas contas CC5, descobriu-se que o volume transacionado era em muito superior às estimativas oficiais. Com efeito, dados do BACEN noticiaram que, em período não superior a três meses, foram movimentados cerca de R$ 1,4 bilhão por meio das CC5. Isso, à época, correspondeu a uma média de US$ 28 milhões/dia, sendo que as autoridades fiscais supunham que a movimentação não superava os US$ 10 milhões/dia. Por tal motivo, iniciou-se uma delicada e detalhada investigação, principalmente em Foz do Iguaçu/PR, a fim de que fossem desvendados o exato montante, a origem, bem como quem eram os depositantes dessas vultosas quantias. Assim, percebeu-se que a referida DPV não estava sendo preenchida e entregue às autoridades fazendárias e, mais do que isso, o número de carros-forte que traziam dinheiro ao Banco do Brasil, agência em Foz do Iguaçu/PR, para que fosse creditado nas contas CC5, era em número muito superior àqueles que cruzavam a Ponte da Amizade vindos, portanto, de Cidade do Leste/Paraguai. Concluiu-se, portanto, não se tratar de quantia repatriada, mas sim de moeda nacional que estava sendo depositada em contas de domiciliados no exterior para, futuramente, ser convertida em moeda estrangeira, com posterior remessa a banco off shore. Tudo, evidentemente, sem os registros competentes, o que indicava o ilícito de evasão de divisas e, também, de sonegação fiscal, porquanto a ausência da DPV espelha possível origem espúria de recursos. Daí se pergunta: como procedem essas pessoas, de que maneira o numerário deixa o país? A resposta é simples. Primeiramente, os INTERESSADOS remetem quantias, por meio de cheques, de transferência bancária, de depósitos para pessoas que mantenham conta-corrente em bancos com agências em Foz do Iguaçu/PR. Em uma segunda etapa, esse correntista, normalmente um LARANJA, ou um PREPOSTO desse, movimenta os valores, sacando-os em espécie, geralmente da tesouraria do Banco do Brasil local. Feito isso, essa quantia é depositada, em espécie, em uma conta de domiciliado no exterior, a qual permite sua conversão para moeda estrangeira. Finalmente, a quantia convertida é remetida para o exterior, lá ficando à disposição do INTERESSADO, através da instituição financeira titular da CC5, para saque/redirecionamento. Gize-se que essa ‘remessa’, CC5-exterior, é mera operação contábil, não havendo no instante da conversão saída física de moeda estrangeira do território nacional. Esse é, em uma rápida síntese, o intrincado esquema de retirada de moeda do país que se opera diariamente em Foz do Iguaçu/PR.” Trexo do voto do Des. Fed. Vladimir Passos de Freiras (TRF4 – Ap. Crim. 2002.04.01.049689-8 – Rel. Vladimir Passos de Freitas – 7ª Turma – Data 29/04/2003 – DJ 14/05/2003 – p. 1104).

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As contas CC5 foram criadas pelo Banco Central, para permitir que estrangeiros não residentes no Brasil pudessem movimentar dinheiro dentro e fora do país (....). As contas CC5 foram verdadeiros presentes para as pessoas que desejavam fazer “lavagem” de dinheiro. Sabe-se que essas contas eram também abertas por brasileiros que usavam nome de uma empresa “fantasma” sediada no exterior. Assim, o interessado podia depositar na CC5, em moeda nacional, o montante que pretendia para fora do país e, no mesmo dia, recebia um crédito equivalente em dólares. Uma operação que dificilmente deixava rastros.119

No mesmo sentido Ela Wiecko V. de Castilho:

As CC-5 passaram a abrigar tanto as transações legais de não-residentes no país como operações de lavagem de dinheiro do tráfico internacional de drogas, contrabando, corrupção, sonegação fiscal, “caixa dois” e operações ilegais de exportação e importação.120

Alem disso, Vasco Soares da Veiga ressalta os danos causados à

reputação de instituições financeiras a sua utilização para a prática de crime de

lavagem de dinheiro:

O envolvimento, ainda que involuntário, das instituições de crédito em operações de reciclagem de capitais de origem criminosa, afecta a reputação dessas instituições e abala ou pode abalar a confiança do público no sistema bancário.121

Isso sem falar sobre os escândalos do Sistema Financeiro Nacional:

Jamais se registrou, no Sistema Financeiro Nacional, número tão significativo de escândalos financeiros. Ora por má gestão, ora por gestão fraudulenta, sempre com a conivência dos órgãos fiscalizatórios. Só para se ter uma idéia, nos últimos 5 anos, cerca de 188 instituições financeiras sofreram liquidação ou intervenção extrajudicial, perfazendo um passivo a descoberto de instituições liquidadas no valor de 75,5 bilhões, o que por si só já nos dá a idéia da inoperância e defasagem dos instrumentos de controle e punição do sistema financeiro.122

119 DUARTE, Maria Carolina de Almeida. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: uma abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003, p. 109. 120 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O controle penal dos crimes contra o sistema financeiro nacional. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1998, p. 135. 121 VEIGA, Vasco Soares da. Direito Bancário. 2. Ed. Coimbra. Ed. Livraria Almedina, 1.997, p. 472. 122 COSTA JÚNIOR, P. J; QUEIJO, M. E; MACHADO, C. M. Ob. cit., p. 60.

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Nada mais correto do que incluir os crimes praticados contra o sistema

financeiro nacional como antecedente de lavagem de dinheiro, já que o sistema

financeiro tem, inclusive, a obrigação de evitar a prática de crimes.

g) Crimes praticados por organizações criminosas

A Lei nº 9.613/98 incluiu também como antecedente do crime de lavagem

de dinheiro, os delitos praticados por organizações criminosas.

Organizações criminosas e lavagem de dinheiro atuam praticamente

juntas, conforme o comentário abaixo:

As organizações criminosas e a lavagem de dinheiro não coexistem separadamente. Não é possível imaginar uma organização criminosa que não pratique lavagem de dinheiro obtido ilicitamente, como forma de viabilizar a continuidade dos crimes, sempre de maneira mais aprimorada. Exemplificando, o dinheiro conseguido com o tráfico de drogas é utilizado para a estruturação de meios cada vez mais sofisticados de esconderijo para o transporte de mais entorpecentes para a viabilização de prática de corrupção de funcionários de escalões mais altos, para a aquisição de negócios lícitos que servem de escudo para a obtenção de outros fundos, de forma a proporcionar a dissimulação de origem ilícita daqueles, para “contratar” mais funcionários dispostos a se exporem e testas-de-ferro que viabilizem a ocultação dos verdadeiros “chefes”, para o aprimoramento da distribuição. É utilizado como verdadeiro “investimento”, servindo, evidentemente, para proporcionar vida luxuosa aos “donos do negócio”.123

O legislador tentou, na Lei nº 9.034/95, regulamentar os meios

operacionais para a prevenção e repressão às organizações criminosas.

Contudo, como de costume no Brasil, esta lei é muito mal elaborada. Nela não

está bem esclarecido como se definem organizações criminosas. Sobre elas a

doutrina comenta:

A lei 9.034 em seu artigo 1º diz que se propõe definir e regular “meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante da ação de quadrilha e bando”. É evidente que o texto citado “ipis literis”, implica na redução do crime organizado ao bando ou quadrilha. A rigor não há formulação de um tipo penal que expresse as novas dimensões do crime organizado. Postura até certo ponto razoável porque nem mesmo a doutrina penal chegou a ultimar um conceito do crime organizado.124

123 MENDRONI, M. B. Ob cit.,p 9-10. 124 LUISI, Luiz Os princípios constitucionais penais. 2. Ed. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio Fabris, 2003, p. 193.

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César Antonio da Silva se manifesta neste sentido:

Incluiu ainda a Lei, como antecedente, o crime praticado por “organização criminosa”, sem, contudo, existir uma legislação definindo o que seja organização dessa natureza. Existe a Lei nº 9.034 de 3.5.1995, que pretendeu definir a “ação de organização criminosa” no Capítulo I, porém assim não o fez. Trata-se de mera alusão à organização criminosa sem, no entanto, trazer em seu contexto um tipo penal definidor e delimitador dessa “organização”.125 De fato, o termo “organização criminosa” não é um crime, mas apenas

uma estrutura empresarial que tem a finalidade específica de praticar infrações

penais.

A falta de definição de organização criminosa foi admitida pelo próprio

Governo Federal, através do Ministro Nélson Jobim:126

Alguns juristas e acadêmicos traçaram algumas críticas sobre a circunstância de termos colocado no texto da lei brasileira “organização criminosa”, tour court, sem defini-la; e o fizemos com absoluta consciência; resolvemos não definir a expressão “organização criminosa” para deixar que a jurisprudência e a prática no exercício e na aplicação da lei pudessem produzir um conceito que viesse abranger e a estabelecer o universo pessoal de aplicação desta regra.127

O Poder Judiciário tem a atribuição de interpretar as normas previstas na

legislação e não de definir crimes, portanto a justificativa do Ministro Nélson

Jobim é descabida.

O artigo 5º, inciso XXXIX da nossa Constituição Federal, estabelece que

somente a lei pode definir condutas criminosas; esta incumbência não pode estar

a cargo dos Tribunais.128

Sobre esse assunto comenta Eugenio Raúl Zaffaroni:

O âmbito do “penal” é delimitado pela pena e o conceito de “pena” é definido por um ato de batismo legislativo. Assim cabe à agência legislativa (ou política) decidir o horizonte

125 SILVA, C. A. Ob cit. p. 68. 126 Nélson Jobim foi, na época, Ministro da Justiça e depois Ministro do Supremo Tribunal Federal. 127 JOBIM, Nélson. A Lei n. 9.613/98 e seus aspectos. In Conselho da Justiça Federal: Centro de Estudos Judiciários; Ministério da Fazenda Conselho de Controle de Atividades Financeiras; Escola Nacional de Magistratura. Seminário Internacional sobre lavagem de Dinheiro: Série Cadernos do CEJ, v. 17, p. 15. 128 Art. 5º, XXXIX – Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Esta definição repetiu o disposto no artigo 1º do Código Penal brasileiro.

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de projeção do saber penal. Um fato de poder da agência legislativa decide, portanto, o que fica dentro e o que fica fora do saber penal, do discurso jurídico-penal.129

Caso se concedesse ao Poder Judiciário a incumbência de definir crimes,

haveria grande insegurança jurídica, pois seria impossível saber quais são as

condutas criminosas existentes em nosso país.130

O próprio art. 1º da Lei nº 9.613/98 deixa claro que somente um crime,

previamente definido em lei, pode ser antecedente da lavagem de dinheiro.131

129 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. Ed. (Trad. Vania Romano Pedrosa; Almir Lopes Conceição). Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2.001, p. 185. 130 Maurício Antonio Ribeiro Lopes afirma o seguinte acerca do princípio da legalidade: “em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida”. (LÓPES, M. A. R. Ob. cit, p. 77).

131 Em momento posterior o Brasil homologou, por intermédio do Decreto nº 5015, de 12 de março de 2004 a Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional. A mencionada Convenção define o que significa organização criminosa no seu artigo 2º: Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior; c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada; d) "Bens" - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos; e) "Produto do crime" - os bens de qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da prática de um crime; f) "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária de transferir, converter, dispor ou movimentar bens, ou a custódia ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou de outra autoridade competente; g) "Confisco" - a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de um tribunal ou outra autoridade competente; h) "Infração principal" - qualquer infração de que derive um produto que possa passar a constituir objeto de uma infração definida no Artigo 6 da presente Convenção; i) "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática; j) "Organização regional de integração econômica" - uma organização constituída por Estados soberanos de uma região determinada, para a qual estes Estados tenham transferido competências nas questões reguladas pela presente Convenção e que tenha sido devidamente mandatada, em conformidade com os seus procedimentos internos, para assinar, ratificar, aceitar ou aprovar a Convenção ou a ela aderir; as referências aos "Estados Partes" constantes da presente Convenção são aplicáveis a estas organizações, nos limites das suas

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Na hipótese em que a existência de organização criminosa seja o único

fato antecedente à lavagem de dinheiro, simplesmente não haverá qualquer bem,

direito ou valor a ser ocultado ou dissimulado. Neste caso, não foi cometido

nenhum crime, tampouco nada foi adquirido por meios criminosos. Assim sendo,

quais bens, direitos ou valores provenientes de infrações penais serão ocultados

ou dissimulados? A organização criminosa somente vai obter algo a ocultar das

autoridades quando praticar um crime.

Talvez a intenção do legislador fosse a de tentar criar uma forma de

inserir outros delitos não mencionados na lei 9.613/98 como antecedentes da

lavagem de capitais.

Destarte, através do conceito de organização criminosa tornou-se

possível burlar o princípio da legalidade a fim de se incluir novos delitos

antecedentes à lavagem de dinheiro. Todavia, tal subterfúgio não tem o menor

cabimento, já que se preferiu inserir um rol taxativo de crimes como anteriores.

Outrossim, através deste conceito, permite-se que qualquer grupo de

pessoas destinado a praticar outros delitos não relacionados na Lei nº 9613/98,

possa também ser condenado por crime de lavagem de dinheiro, em razão de

essas pessoas serem integrantes de uma organização criminosa.

Entretanto, registra-se, na jurisprudência, a admissão de processos que

se assentam na idéia de organização criminosa. Veja-se que o Superior Tribunal

de Justiça não impediu o andamento de ações penais instauradas para apurar

lavagem de dinheiro praticada por organizações criminosas, nem considerou a

lavagem de dinheiro atípica. Apesar de não julgar o mérito do processo, manteve

em andamento uma ação penal para processar determinada pessoa por crime de

lavagem de dinheiro, por ter sido praticada por organização criminosa.132

competências. (art. 2º da Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional).

132 HABEAS CORPUS – CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – INDÍCIOS DE AUTORIA - INDEPENDÊNCIA DO JUÍZO CRIMINAL – IMPOSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO DA PROVA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO NO EXAME DE PROVAS – ORDEM DENEGADA. 1- O trancamento de uma ação penal exige que a ausência de justa causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade estejam evidentes, independente de investigação probatória, incompatível com a estreita via do habeas corpus. 2- Se a denúncia descreve conduta típica,

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A organização criminosa, por outro lado, serve como causa de aumento

de pena, na forma prevista no parágrafo 4º do artigo 1º da lei nº 9.613/98.133

Neste momento, o legislador se superou na má técnica legislativa, pois

inseriu o termo organização criminosa no “caput” do artigo para depois incluí-lo

na mesma lei como uma causa de aumento de pena.

De fato, nestes casos, quando o crime antecedente for um dos previstos

nos incisos I a VI e estiver em concurso com o inciso VII (que é a organização

criminosa) será aplicada a causa de aumento de pena prevista no § 4º do artigo

1º da Lei nº 9.613/98. Rodolfo Tigre Maia comenta sobre esta contradição:

Este § 4º, todavia, em qualquer versão, data máxima vênia, constitui exemplo da falta de técnica que ornamenta a legislação estudada. Em primeiro lugar, criou-se uma agravação da reprimenda penal para um delito já severamente apenado em sua forma “básica”. Ao que tudo indica, objetivando impedir uma aparente dupla valoração do mesmo fato (o que na realidade não ocorreria, eis que existir um tipo penal de organização criminosa, mas simplesmente um conceito jurídico penal que reverbera processualmente, atraindo um tratamento mais severo no Direito adjetivo Penal, e integra o “caput” deste artigo como mero elemento normativo), o legislador confundiu a autoria dos crimes pressupostos com a autoria da lavagem de dinheiro.134

De fato, há necessidade de excluir a organização criminosa do rol de

crimes antecedentes da lavagem de dinheiro.

h) crimes praticados por particular contra a admini stração pública

estrangeira

O legislador inseriu também um inciso no qual se considera crime

antecedente ao de lavagem de dinheiro aquele praticado por particular contra a

administração pública estrangeira.

presumidamente atribuída ao réu, contendo elementos que lhe proporcionem ampla defesa, a ação penal deve prosseguir. 3- O Juízo Penal independe do Juízo Cível, salvo quando se tratar de questões referentes ao estado das pessoas. 4- Ordem denegada. (STJ – HC 70.211/SP – 5ª Turma – Rel. Min. (Des. Conv.) Jane Silva – Data 06/09/2007 – DJU 01/10/2007). 133 (Art. 1º), § 4º - A pena será aumentada de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a VI do “caput” deste artigo, se o crime é cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa. 134 MAIA, R. T. Ob cit. p. 103-104.

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Adotando uma política de cooperação com as outras nações que

desejam reprimir a lavagem de dinheiro, o Brasil estabeleceu esta infração penal

como possível de ser antecedente do crime previsto na Lei nº 9.613/98, através

da Lei nº 10.467 de 12 de junho de 2.002. Além disso, esta mesma lei definiu

quais são os delitos praticados por particulares contra a administração pública

estrangeira ao acrescentar os artigos 337-B, 337-C e 337-D ao Código Penal

brasileiro.135

A doutrina comenta esta inclusão de novos tipos penais no Código Penal:

Em parte, o texto legal reproduziu as conhecidas disposições do “Foreign Corrupt Practices Act” (FCPA), Lei Pública 95-213, de 19.12.1977, dos Estados Unidos da América, que proíbe pessoas físicas e jurídicas norte-americanas, ou estrangeiras, em território norte-americano, de oferecer, presentear, prometer dar, ou autorizar que se dê qualquer valor para qualquer autoridade estrangeira com o fim de: a) influenciar qualquer ato ou decisão dentro da atribuição da autoridade, ou induzir a autoridade a fazer ou deixar de fazer qualquer ato em violação aos seus deveres legais; b) induzir a autoridade a usar sua influência no governo estrangeiro ou, desse modo, afetar ou influenciar qualquer ato ou decisão desse governo; c) obter qualquer vantagem indevida.136

Contudo, a principal finalidade da inclusão destes tipos penais em nosso

Código Penal foi a de cumprir a Convenção Interamericana contra a Corrupção e

a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos

Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais referidas neste mesmo

trabalho em momento anterior. Nesta última convenção, na redação do artigo 7º,

está previsto o combate ao crime de lavagem de dinheiro originária de corrupção

praticada por funcionário público estrangeiro.137

Os dispositivos das duas Convenções comprometem os Estados

Membros (entre os quais o Brasil) a combater o suborno de funcionários públicos

nacionais e estrangeiros, por esse motivo foi necessário definir os crimes

praticados por particulares contra a administração pública estrangeira, que não

existiam em nosso ordenamento jurídico. 135 Os crimes particulares contra a administração pública estrangeira foram tipificados e inseridos como delitos antecedentes da lavagem de dinheiro através da Lei nº 10.467 de 11 de junho de 2.002. 136 PITOMBO, A. S. A. M. Ob. cit., p. 64. 137 As referidas convenções foram examinadas no item “e” deste capítulo.

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O legislador nacional, na mesma lei que definiu estes crimes, incluiu-os

como antecedentes ao crime de lavagem de dinheiro. De fato, deu-se um

tratamento isonômico ao combate à corrupção, já que agora, reprime-se o

particular que cometer crimes tanto contra a Administração Pública nacional

quanto à estrangeira.

I) A exclusão dos crimes contra a ordem tribu tária

Segundo Ela Wiecko V. de Castilho, a exclusão dos crimes contra a

ordem tributária dos delitos antecedentes de lavagem de dinheiro aconteceu por

ser conveniente aos detentores do capital financeiro.138

Os crimes contra a ordem tributária foram surpreendentemente excluídos

como antecedentes da lavagem de dinheiro, principalmente quando se conhece a

história de Alphonse Capone, que foi condenado nos Estados Unidos por não

recolher tributos ao fisco norte-americano. Ele praticava toda a sorte de crimes,

desde contrabandear bebidas, cuja venda era então proibida naquele país,

corromper boa parte do aparato de repressão ao crime, até mesmo patrocinar o

assassinato de quem atravessasse o seu caminho.

Apesar de serem notórios, não foi possível condená-lo por nenhum

destes crimes. Contudo, uma mera acusação de falta de recolhimento devido de

tributos foi o que tornou possível o envio deste autor de crimes para uma prisão

de segurança máxima. Ele se esqueceu de que precisava justificar seu

patrimônio suntuoso, com alguma atividade lícita. De fato, Capone não possuía

meios de explicar às autoridades americanas seu modo de vida extravagante

através de alguma ocupação legítima.

Historicamente, o exemplo de Alphonse Capone foi fundamental para a

criação do crime de lavagem de dinheiro, conforme o comentário a seguir:

A origem deste delito volta-se para as primeiras formas de organizações criminosas que começaram a despontar no mundo, as máfias. Pode ser interessante começar com a experiência norte-americana, lá no ano de 1920, quando o contrabando ilegal de

138 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro. Lei 9.613/98. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v. 12, n. 47, p. 57. mar/abr. 2004.

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bebidas estava tendo impacto similar na repressão ao crime, da mesma maneira que o crime de tráfico de drogas viria representar a partir do ano de 1970. Gangues de operadores independentes seriam logo organizadas por uns poucos criminosos criativos que usariam a corrupção e a extorsão para preservarem suas organizações criminosas. O mais famoso destes criminosos foi Al Capone que, enquanto operava fora de Chicago, dirigiu um sindicato nacional do crime, grande e poderoso. Todos sabiam que ele era um assassino contrabandista e extorquia dinheiro, mas não podiam prová-lo. Al Capone foi preso por sonegar impostos e não pelos crimes que havia cometido. Não querendo decair no mesmo erro de Al Capone, as organizações criminosas passaram a pensar em uma forma de inserirem no mercado financeiro o produto do crime de maneira que ele não fosse descoberto. Foi o que fez Meyer Lanski, famoso por contratar seus próprios contadores para criarem métodos de legalizar, através de operações financeiras, o dinheiro sujo.139

Este exemplo já é uma justificativa para incluir os crimes contra a ordem

tributária no rol dos delitos antecedentes ao de lavagem de dinheiro. Todavia o

legislador decidiu excluí-los do tal rol taxativo. A exposição de motivos nº 692, de

18 de dezembro de 1996, do então Ministro da Justiça Nelson Jobim explicava a

razão da exclusão dos crimes contra a ordem tributária do elenco de

antecedentes de lavagem de dinheiro:

Observe-se que a lavagem de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por isso que o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Nesta, o núcleo do tipo constitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não pagamento de obrigação fiscal. Seria desarrazoado se o projeto viesse a incluir no novo tipo penal - lavagem de dinheiro - a compra, por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito.140

O argumento do Ministro para excluir os crimes contra a ordem tributária

do rol dos crimes antecedentes ao de lavagem de dinheiro, apesar de bem

fundamentado, não deve ser aceito. De fato, os crimes contra a ordem tributária

não agregam patrimônio ao sujeito ativo, mas com a lavagem de dinheiro isto

também não acontece. Se alguém vive de bens adquiridos por intermédio do 139 SANTOS, Cláudia Fernandes dos. Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Jus navegandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em Internet em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3838. Acesso em: 27 abr. 2006. 140 Fonte: Disponível em <https://fazenda.gov.br/siscoaf/português/m_lavagem.htm>. Acesso em 03 jun 08.

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tráfico de entorpecentes, a aquisição de seu patrimônio se deu em virtude desta

atividade. Com a lavagem de dinheiro, o sujeito ativo justifica perante as

autoridades o aumento de seu patrimônio. Neste caso, não ocorre aumento real

do patrimônio, apenas nominal.

Destarte, foram analisadas neste capítulo as dificuldades que possuem

as autoridades para tentar reprimir atividades como a de lavagem de capitais.

Estes problemas vão desde a existência de meios para depositar recursos em

contas correntes localizadas em paraísos fiscais, o que é facilitado pela

possibilidade de se transferir recursos eletronicamente. Passa pelo uso de

empresas para legalizar recursos originários de crimes, o que dificulta bastante a

identificação da autoria do delito, já que são realizadas também nestas mesmas

pessoas jurídicas, muitas vezes, atividades legais. Além disso, a Lei nº 9613/98

menciona que somente um rol taxativo de crimes pode ser antecedente de

lavagem de dinheiro.

O legislador, para compensar estas dificuldades, inseriu, na lei nº

9613/98, três dispositivos de natureza processual que aparentemente servem

para facilitar a repressão à lavagem de capitais. Os mencionados dispositivos

regulamentaram a delação premiada e impediram a concessão de liberdade

provisória. Para o seqüestro de bens o legislador decidiu utilizar o capítulo das

medidas assecuratórias do Código de Processo Penal, previsto no artigo 125 até

o artigo 144. Estes três institutos têm a finalidade de tornar efetiva a repressão

penal da lavagem de dinheiro e de tornar mais ágil a produção da prova deste

crime.

A seguir examinaremos os três institutos de natureza processuais

mencionados nesta lei.

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4 - A delação premiada e a instrução probatória

4.1 – Finalidades da delação

A prova da materialidade e da autoria no crime de lavagem de capitais,

dada a complexidade do delito, não é fácil, conforme visto no capítulo anterior.

Nos crimes previstos na Lei nº 9613/98, o Estado terá de se deparar com um

sujeito ativo que conhece o sistema financeiro e que pode se utilizar de pessoas

jurídicas para dificultar a apuração da autoria. Além disso, a acusação precisa

provar que a lavagem de dinheiro é oriunda de um dos crimes antecedentes

mencionados na Lei nº 9.613/98.141

Outrossim, a colheita de provas nestes crimes pode incluir quebras de

sigilo bancário, telefônico ou fiscal, a realização de complicadas perícias

contábeis, a necessidade de se efetuar buscas e apreensões em residências ou

estabelecimentos comerciais e, finalmente, vez por outra, é preciso conseguir

evidências em países estrangeiros.

Em vista da dificuldade na produção probatória incluiu-se a delação

premiada na lei de lavagem de dinheiro.

A delação premiada pressupõe que determinado integrante de uma

organização criminosa passe a colaborar com a repressão do crime, em troca de

alguma vantagem, que pode ser desde a redução da pena até o perdão judicial.142

Concede-se um poder discricionário ao representante do Ministério

Público e ao Poder Judiciário a fim de que avaliem se vale ou não a pena

141 Francesco Carnelutti com muita propriedade comentava acerca das provas no processo penal: “As provas servem, exatamente, para voltar atrás, ou seja, para fazer, ou melhor, para reconstituir a história. Como quem, tendo caminhado através dos campos, tem que percorrer em retrocesso o mesmo caminho? Segue os rastros de sua passagem. Vem em mente o cão policial, o qual vai farejando aqui e ali, para seguir com o faro o caminho do malfeitor perseguido. O trabalho do historiador é este. Um trabalho de atenção e paciência, sobretudo, para o qual colaboram a polícia, o Ministério Público, o Juiz Instrutor, os Juízes de audiência, defensores, os peritos”.(CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. (Trad. José Antonio Cardinalli). São Paulo: Ed. Conan, 1.995, p. 44). 142 Lei nº 9.613/98 (Art. 1º, § 5º) - A pena será reduzida de 1(um) a 2/3 (dois terços) e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

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transacionar com o acusado. Caso seja vantajoso pode-se negociar com o

investigado, sobre a possibilidade de este passar informações à justiça; em

contrapartida, o Estado oferece um prêmio ao denunciado que colaborar com a

justiça no esclarecimento dos fatos.

Alberto Silva Franco comenta em sua obra acerca da origem do

dispositivo estrangeiro que incentivou a inserção, deste instituto, no Brasil:

Nisso, seguiu a Itália que, em relação à figura delitiva do seqüestro com o fim de extorsão (art. 630 do CP), pediu de empréstimo à legislação anti-terrorista, a regra de premiar o delator que tenha propiciado, em razão de suas denúncias, a libertação do seqüestrado ou que tenha colaborado, com a autoridade policial ou judiciária, na coleta de provas decisivas para a identificação ou captura dos concorrentes.143

A delação premiada foi inserida em nosso ordenamento jurídico na lei

dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90), lei do crime organizado (Lei nº 9.034/95),

no parágrafo 4º artigo 159 do Código Penal, na lei de lavagem de dinheiro (Lei nº

9.613/98), na lei de proteção às testemunhas (Lei nº 9.807/99) e na lei de tóxicos

(Lei nº 11.343/06).

4.2 – Vantagens e desvantagens da delação premiada

É evidente que um instituto tão controvertido quanto a delação premiada

não pode deixar de provocar certa polêmica, tendo em vista que se decidiu

premiar a colaboração de autores de crimes.

Sobre isto, Valéria Andréa Lancman e Laura Perez De Mateis comentam:

Por outro lado, com a incorporação dos agentes encobertos e arrependidos se acaba legitimando um Estado negociador com determinadas organizações ou forças de segurança para alcançar seus objetivos de prevenção ou frear a impunidade, valendo-se de meios pouco éticos. Assim ao poder optar entre as várias formas de solução de conflitos, - neste caso mediante negociação de penas que podem chegar até a redução total das mesmas -, se termina por debilitar o estado de direito.144

143 SILVA FRANCO, Alberto. Crimes hediondos: notas sobre lei 8072/90. 3. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1.994, p. 316-317. 144 Por otra parte, con la incorporación de los agentes encubiertos y arrependidos se termina legitimando un Estado negociador con determinadas organizaciones o fuerzas de seguridad para alcanzar sus objetivos de prevención o frenar la impunidad, valiéndose de medios poco éticos. Así, al poder optar entre varias formas de ‘solución’ de conflictos, - en este caso mediante la

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A primeira questão sobre a delação premiada é que este meio de prova,

nos crimes comuns, nunca foi muito aceito pelos nossos Tribunais, exatamente

em razão do questionamento que se faz acerca das razões para esta delação e

do porquê deste súbito “arrependimento” por parte de um dos autores de crimes.

Ressalta-se que neste caso se trata de delação prestada por co-réu e não de um

acordo de delação premiada.145

A doutrina analisa esta questão:

Embora não haja hierarquia prévia de provas, vigendo o livre convencimento motivado, a delação suscita um certo cuidado próprio, reclamador de que alguma ponderável circunstância ou fonte de informação lhe dê corroboração. Do interrogatório do delator não participa, no nosso sistema processual, ou no ato acusado, de modo que as garantias da defesa não se concretizam. Se só pela delação, feita com algum engenho e coberta de aparente verossimilidade, pudesse aflorar a condenação, sem outra comprovação, o envolvido estaria simplesmente a mercê dos acusados.146

Sempre se considerou que a delação não é um modelo de prova, pois

não tem grande credibilidade, uma vez que nunca se conhecem as motivações e

o grau de veracidade do que conta o delator. Sobre isso Mittermaier nos ensina:

O depoimento do cúmplice oferece também graves dificuldades. Aquele que, por confissão própria, manchou com um crime a sua vida, não tem mais o direito de ser acreditado em seu testemunho, como o homem que se conservou puro sempre. Depois é natural que o cúmplice faça recair sobre o sócio no delito uma parte de sua própria falta; mais claramente: ele tem interesse direto em depor contra a verdade. Tem-se visto, algumas vezes, criminosos, reconhecendo não poderem escapar à pena, esforçarem-se, em seu desespero, por arrastar outros cidadãos ao abismo, em que se despenham; outros, muitas vezes denunciam cúmplices, aliás inocentes, com o fim único de afastar as suspeitas daqueles que realmente tomaram parte no delito, e de tornar a instrução mais complicada ou mais difícil; ou ainda, porque esperam, acusando

negociación de penas que pueden llegar hasta la redución total de las mismas -, se termina por debilitar el estado de derecho. (DE MATEIS, Laura Pérez; LANCMAN, Valeria Andréa. La Criminalidad organizada. In Direito penal & criminologia. Curitiba: Ed. Juruá, 2.002, p. 298-299). 145 A propósito, a decisão seguinte ementa sobre a validade deste meio de prova: “PROVA – DELAÇÃO CO-RÉU – EFICÁCIA – A delação levada a efeito por co-réu não respalda, por si só, decreto condenatório. A valia de tal procedimento pressupõe contexto que evidencie a sinceridade do depoimento. (STF, 1ª Turma, Rel. Celso de Mello, DJU 17.2.95, p. 2746)”. (GARCINDO FILHO, Alfredo de Oliveira – Jurisprudência Criminal do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ed. Curitiba: Ed.do Autor, 1.995, p. 232). 146 VIEL, Luiz. Temas polêmicos: estudos e acórdãos em matéria criminal (Org. Roque Viel). Curitiba: Ed. JM, 1.999, p. 252.

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as pessoas em posição eminente, obter o benefício de um tratamento menos rigoroso.147

Sobre cúmplices que tenham vantagens ao delatar eventuais comparsas,

Nicola Framarino Dei Malatesta nos ensina o seguinte:

Observamos, enfim, que, falando da acusação do cúmplice, sempre nos referimos à hipótese de um acusado confesso que se encontre “sub judice” para ser processado e julgado. Que dizer, no caso de o acusado, em seguida ao julgamento já estar condenado, venha a apresentar uma acusação de cúmplice? É preciso distinguir: se, quanto ao condenado, tal acusação, aceita, puder dar lugar à revogação da sentença, ou a um perdão judicial, a suspeita surgiria potente contra a sua veracidade.148

O arrependido, no desejo de obter vantagens com a justiça, pode se

beneficiar duplamente ao delatar um inocente: em primeiro lugar vem conseguir

as vantagens da delação premiada, que pode ser uma redução significativa de

pena, ou até mesmo a concessão do perdão judicial; em segundo lugar, não seria

objeto de vingança dos verdadeiros criminosos ao mentir em um acordo de

delação premiada.

Em vista disso, a retirada de alguns direitos dos autores de crimes como

a lavagem de dinheiro é uma tendência que tem sido percebida por parte da

doutrina:

Meu prognóstico é que, de fato, o direito penal da globalização econômica e da integração supranacional será um direito já crescentemente unificado, mas também menos garantista, no qual se flexibilizarão as regras de imputação e se relativizarão as garantias políticos-criminais, substantivas e processuais. Nesse ponto, o direito penal da globalização não fará mais que acentuar a tendência que já se percebe nas legislações nacionais, de modo especial nas últimas leis em matéria de luta contra a criminalidade econômica, criminalidade organizada e a corrupção.149

147 MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal ou exposição comparada: dos princípios da prova em matéria criminal, etc., de suas diversas aplicações na Alemanha, França, Inglaterra, etc. 3. Ed. . 2. Tir. (Trad. Herbert Wüntzel HEINRICH). Campinas: Ed. Bookseller, 1.997, p. 260. 148 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal, v. 2 (Trad. Waleska Girotto Silverberg). Campinas: Ed. Conan, 1.995, p. 210. 149 SANCHEZ, J. M. S. Ob. cit, p. 75-76

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Por outro lado, o Estado precisa de alguma ferramenta para solucionar os

crimes que não consegue investigar, para isso é necessário o auxílio de alguém

de dentro de organizações criminosas.

O melhor exemplo para justificar a adoção da delação premiada é aquele

que ocorre em crimes como a extorsão mediante seqüestro. Neste caso, as

autoridades, através da colaboração do delator, conseguem encontrar o

endereço do cativeiro e soltar a vítima. O Estado, neste caso, deixou de aplicar a

pena na totalidade contra um autor de crimes. Contudo o que se consegue em

troca tem muito mais valor, pois a vida e a liberdade de uma vítima inocente é um

bem muito superior à pretensão estatal de punir todos os criminosos. Isto é o que

Victor Eduardo Rios Gonçalves chama de delação eficaz, pois a medida,

inclusive, serviu para salvar uma vida.150

No caso da Lei nº 9.613/98, a delação premiada deve ser aplicada

quando a acusação obtém, do delator, informações que esclareçam sobre os

fatos criminosos, indícios de autoria ou esclarecimentos que levem as

autoridades a localizar valores, bens e direitos objetos do crime.

A delação premiada pode ser uma solução para desbaratar organizações

criminosas, como algumas criadas para a prática de crimes como a lavagem de

dinheiro. Sobre isto a doutrina comenta:

Difícil é entrar nessas quadrilhas ou organizações, mesmo com a infiltração de agentes e policiais. Muito mais fácil dados resultados mais satisfatórios, e rápidos, quando um “arrependido” como o denomina os italianos não só se entrega mas entrega, também, seus colegas de crimes e a organização, permitindo a prisão do bando ou grupo.151

Outrossim, pode-se argumentar sobre a falta de ética do arrependido, ao

delatar um companheiro. Contudo, a doutrina contra-argumenta que ética não é

algo que se possa exigir de criminosos:

150 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Crimes hediondos, tóxicos, terrorismo, tortura. São Paulo: Ed. Saraiva, 2.001, p. 21. 151 SZNICK, Valdir. Comentários à lei dos crimes hediondos. 3. Ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1993, p. 355.

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Ocorre que não existe nenhum dever moral do associado criminoso para com seu bando e/ou organização criminosa; esse, o dever, quando presente, há de encontrar sua justificativa em códigos de conduta meramente individuais, particulares, sem quaisquer pretensões de universalidade, dado que voltados (as ações) exatamente para a destruição de bens e valores assegurados em lei à comunidade jurídica. Ética, em sentido mais comum, é a ciência da moral, de fundo eminentemente axiológico, fundado, desde a Grécia do período clássico, na idéia do bem e do justo.152

A delação premiada, por outro lado, pode ser até aplicada em nosso

direito, pois em certos casos é possível solucionar crimes com o auxílio de um

integrante de uma quadrilha. Este é o entendimento de Rodrigo Sanchez Rios:

Destaque-se que, ao estabelecer a delação premiada, nossa legislação penal acompanha as atuais legislações modernas que reconhecem, com algumas peculiaridades (próprias de cada realidade sócio-político-econômica) estes benefícios, com o objetivo de encarar de frente condutas de especial gravidade, que alcançam elevados níveis de intolerância social.153

4.3 – Comparação entre modernidade e Idade Média

A delação premiada pode ser considerada como uma forma de tornar o

nosso processo mais parecido com os procedimentos utilizados pela inquisição

medieval, visto que se premia o colaborador da justiça com uma pena menor. A

ação do julgador ou inquisidor nestes processos em relação ao arrependido é de

minorar as suas penas. Não é esta a atitude de Deus com quem confessa e se

arrepende de seus pecados? O inquisidor perdoa os pecados daquele que se

arrepende e o auxilia na tarefa de impor a justiça a todos.154

152 OLIVEIRA, E. P. Ob, cit., p. 758. 153 RIOS, Rodrigo, Sanchez. O crime fiscal: reflexões sobre o crime fiscal no direito brasileiro (Lei 8.137 de 27 de dezembro de 1990) e no direito estrangeiro. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio Fabris, 1.990, p. 102. 154 Observou Franz Von Liszt o seguinte acerca do fundamento do perdão para a Igreja Católica, o qual demonstra que a confissão e o arrependimento eram importantes durante a inquisição medieval: “O fundamento filosófico e moral da instituição do perdão, se encontra em toda a doutrina cristã da misericórdia, do perdão e a reconciliação, existente no simbolismo das mais belas parábolas do Evangelho. (....) O essencial para merecer a graça era o arrependimento, de que são indícios a apresentação espontânea – dentro ou fora do tempo de graça – e a confissão, acompanhada do repúdio sincero ao delito, ou somente a confissão ou citação, porém antes da confissão, segundo a opinião mais favorável de Hostiene e de A. Castro, ‘sempre que o Juiz reconheça que houve arrependimento do delito cometido e espere fundadamente a correção” (texto traduzido). “El fundamento filosófico y moral de la instituición de la gracia se halla en toda la doctrina cristiana e la misericordia, del perdón, y la reconciliación, viviente en el simbolismo de las

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Yesid Reyes Alvarado identifica claramente o instituto com a inquisição

medieval:

Dentro desta tendência atual à persecução efetiva de determinadas classes de delitos através de procedimentos especiais, começa a tomar força a idéia não somente de converter a confissão no centro da investigação penal, senão também a de tratar de persuadir os investigados para que além de admitir sua responsabilidade, delatem a quem os tenham induzido a cometer ilícitos ou tenham contribuído com eles em seu cometimento. O mecanismo a que se recorre na procura de obter os referidos efeitos é – ao melhor estilo do Santo Ofício – duplo: de uma parte se tenta persuadir os implicados de que sua admissão da contribuição e a efetiva colaboração para o descobrimento de outros delinqüentes lhe reportará consideráveis diminuições na pena. Porém para aqueles casos nos quais através deste método não se consiga convencer o investigado das vantagens de “arrepender-se”, os funcionários judiciais que na Colômbia se ocupam desta classe de procedimentos costumam recorrer ao mecanismo de uma lenta investigação, escoando o prazo máximo de instrução que confere a lei procedimental penal e negando aos investigados – por disposição legal – a possibilidade de permanecer em liberdade provisória durante o transcorrer da investigação.155

Damásio Evangelista de Jesus observa que a delação premiada já foi

utilizada em nosso direito, nas Ordenações Filipinas:

A origem da “delação premiada” no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, consoante do Livro V, vigorou de janeiro de 1.603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1.830. O Título VI do “Código Filipino” que definia o crime de “lesa magestade” (sic), tratava da “delação premiada” no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica “Como se perdoará aos

más hermosas parabolas del Evangelio. (....) Lo esencial para merecer la gracia era el arrependimiento, del que son indicios la presentación espontánea – dentro o fuera del tiempo de gracia – y la confesión, acompañadas de la detestación, sincera del delito, o ya sola confesión o citación, pero antes de la confesión según la opinión más favorable del Hostiene y de A. Castro, ‘siempre que el Juez conozca que hay dolor del delito cometido y espere fundadamente en la enmienda” (LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal. Tomo 1. (Trad. Luiz Jimenez de Asua). 4. Ed. Madrid: Ed. Réus, 1999, p. 382-384). 155 Dentro de esta tendencia actual a la persecución efectiva de determinadas clases de delitos a través de procedimientos especiales, empieza a tomar fuerza la Idea no solo de convertir la confessión en el centro de la investigación penal, sino también la de tratar de persuadir alos investigados para que además de admitir su responsabilidad, delatén a quienes les hayan inducido a la comission de los ilícitos o hayan contribuido com ellos em su perpetración. El mecanismo al que se recurre em procura de obtener los referidos efectos es - al mejor estilo del Santo Ofício – doble: de uma parte se intenta persuadir a los implicados de que su admissión de los cargos y la efectiva colaboración para el descubrimento de otros delinquentes le reportará considerables rebajas punitivas”. Pero para aquellos casos en los que a través de este método no se consiga convencer al sindicado de las bondades de “arrepentirse”, los funcionarios judiciales que en Colombia se ocupan de esta clase de procedimientos suelen recurrir al mecanismo de una lenta investigación, agotando los términos máximos que de instrucción lês confiere la ley procedimental penal y negando a los sindicados – por disposición legal – la posibilidad de permanecer em libertad provisional durante al adelantamiento de la investigación. (ALVARADO Yesid Reyes. Arrependidos y testigos secretos: semembranzas de la Santa Inquisición. In Ouviña, Guillermo el alii Teorias Actuales en el Derecho penal. Buenos Aires. Ed. AG AD HOC.SRL, 1.998, p. 388).

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malfeitores que derem outros à prisão” e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios.156

Destarte, a delação premiada esteve em vigor enquanto durou o mais

repressivo ordenamento penal já existente em nosso país, que são as

aterradoras Ordenações Filipinas.157 A delação aplicada nas Ordenações Filipinas

admitia, inclusive, a hipótese do delator ficar com bens pertencentes ao

acusado.158

O sistema que se implantou no Brasil foi inspirado na inquisição da

época medieval, o qual institucionaliza a chantagem com o réu. Este pode

escolher entre colaborar e não colaborar. A alternativa pode ser a sua prisão

desde o início do processo ou a redução de sua reprimenda final.159

156 JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da “delação premiada” no Direito Penal brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 152. Disponível em: www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto. asp?id=908 Acesso em 6 abr. 2006. 157 Segundo Aníbal Bruno: “Para julgar esta legislação (as Ordenações Filipinas) é preciso situá-la naqueles começos do Século XVII, em que foi promulgada e dos quais reflete os princípios e costumes jurídicos. Baseada na idéia da intimidação pelo terror, como era comum naqueles tempos, distinguiam-se as Filipinas pela dureza das punições, pela freqüência que era aplicável a pena de morte e pela maneira de executá-la, morte por enforcamento, morte pelo fogo até ser o corpo reduzido a pó, morte cruel precedida de tormentos cuja crueldade ficava ao arbítrio do Juiz, mutilações, açoites abundantemente aplicados, penas infamantes, degredos, confiscações de bens. (...). A esse quadro se juntava o horrível emprego de torturas para obter confissões, ao arbítrio do juiz, a infâmia transmitida aos descendentes no crime de lesa-majestade, que podia consistir até no fato de alguém, em desprezo ao rei, quebrar ou derrubar alguma imagem de sua semelhança, ou armas reais, postas por sua honra ou memória”. (BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte geral. Tomo 1º. 3. Ed. Rio de janeiro: Ed. Forense, 1.978, p. 174-175). 158 Deplorável também a prática do instituto da delação. Com efeito, premiava-se o “alcagüete” com parte dos bens confiscados em certos delitos. Para se ter uma idéia repetimos a seguir o item 5 do Título XII: “Título XII – Dos que fazem moeda falsa ou a despendem, e dos que a cerceam a verdadeira, ou a desfazem. 5 – E todo o que cercear moeda de ouro, prata, ou a diminuir, ou corromper qualquer maneira, as cerceaduras, ou diminuição, que assi tirar, quer juntamente, quer por parte valerem mil reis, morra por isso morte natural e perca seus bens a metade para nossa Camera, e a outra para quem o accusar”. É fácil imaginar o risco contido numa norma jurídica como esta. No bojo da punição e as escâncaras, nada menos que a extorsão, a chantagem, a corrupção. Tal procedimento do Estado, alimentando as denúncias, tornava oficial uma nova atividade, por vezes altamente rentável.(FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direito Penal. 3. Ed. São Paulo: Ed. Ícone, 2002, p. 58). 159 É, pois, a versão moderna da do drama encenado pelo inquisidor que ante a negativa do réu em arrepender-se anunciava com grande pesar de sua parte a necessidade de partir a uma longa viagem durante a qual devia permanecer o acusado privado de sua liberdade. (texto traduzido) Es, pues, la version moderna del drama escenificado por el inquisidor que ante la negativa del reo a “arrependirse” le anunciaba com gran pesar de su parte la necesidad de partir a un largo viaje durante el cual debia permanecer el acusado privado de su libertad. (texto no idioma original).(ALVARADO, Y. R. Ob. cit, p. 388-389).

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No “moderno” instituto da delação premiada, o Juiz busca informações,

com um dos réus, sobre outros fatos desconhecidos ou não provados sobre o

crime. Em contrapartida, concede-se ao arrependido uma pena bem mais branda

ou, então, o perdão judicial. Qual a diferença entre a legislação antiga e a

moderna? É evidente que os horríveis métodos de torturas medievais não estão

presentes na atual delação premiada, contudo o princípio de que o julgador pode

perdoar pecados dos arrependidos continua o mesmo. Outrossim, será

processado aquele que for delatado pelo arrependido, da mesma forma como era

feito na inquisição da época medieval.160

A “moderna delação premiada” foi instituída em nosso país em virtude do

que Luiz Flavio Gomes chama de “direito emergencial ou de exceção”:

Em nome de um controvertido Direito Penal funcionalista, utilitário e pragmático, que só se preocupa com resultado final (só com seu rendimento em suma), estão pretendendo, no Brasil secularizar a “delação premiada”. Semelhante propósito configura a mais viva expressão política do instrumental do poder coativo da era pós industrial que, menosprezando valores fundamentais como “justiça”, “equidade” e “proporcionalidade”, procura a todo custo difundir a cultura do “direito emergencial ou de exceção”.161

A ligação entre a modernidade e a antiga inquisição medieval está nestas

legislações de exceção. Justifica-se a “relativização” de direitos individuais em

benefício de um direito maior que é o do combate à criminalidade. No caso em

questão, a delação premiada voltou ao nosso ordenamento jurídico (existia no

160 José Henrique Pierangeli menciona com relação às Ordenações do Reino: “Tormentos – como já vimos, eram perguntas feitas pelos Juízes ao réu de crimes graves, a fim de compelí-lo a dizer a verdade mediante tortura (tratos do corpo). (....) Alerta João Mendes de Almeida Júnior, que os tormentos só podiam ser postos em prática ocultamente e depois de acusação escrita e de graves indícios, e só em virtude de decisão judicial, da qual cabia recurso, como se se tratasse de sentença final. Esclarece, ainda, que a “esquissa” ou inquérito e o processo secreto desenvolveram o uso da tortura, em conseqüência dos preconceitos que levaram a jurisprudência a formular como regra essencial, a necessidade da confissão do acusado”. (PIERANGELI, José Henrique. Processo Penal: evolução histórica e fontes legislativas. 2. Ed. São Paulo. Ed. IOB Thomson, 2004, p. 65). Curiosa citação deste autor, onde alguém procura apresentar justificativas legais para algo terrível como a tortura, como se estar legitimado pela ordem legal justificasse a realização desta hedionda forma de se obter confissões. Atualmente se justifica a existência da polêmica delação premiada em razão da situação de exceção, todavia também argumenta-se que a delação está amparada pela legalidade e pelo controle do Poder Judiciário. 161 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raul. Crime organizado: enfoques criminológico, jurídico (Lei 9034/95) e político criminal. 2. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 165-166.

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período das Ordenações do Reino, como já visto) para ser a principal

“ferramenta” para solucionar crimes como a lavagem de dinheiro.

Em períodos mais recentes identifica-se a delação sempre como um meio

de prova importante em estados policiais, onde a legislação é sempre de

exceção. Nestes Estados o bem maior era a manutenção da ordem e a repressão

ao crime, inclusive de natureza política, sendo a liberdade do cidadão suprimida,

sob o argumento de que esta deve sujeitar-se à coletividade. Exemplos não

faltam: como a Alemanha nazista162 e a União Soviética de Josef Stalin163

A delação premiada atual, inclusive a prevista na legislação brasileira, no

entanto, não tem relação com regimes não democráticos, já que foi instituída para

que se produza alguma prova em crimes de difícil solução. O que preocupa é

justamente a inserção de tal meio de prova num Estado Democrático de Direito.164

162 Na Alemanha Nazista os agentes infiltrados espionavam e delatavam para a polícia os próprios familiares que tinham opiniões contrárias ao regime. Willian L Shirer comenta acerca dos informantes da S.D. organização vinculada à S.S. e ao Partido Nazista, que exerceu enorme influência na vida da Alemanha e nos países ocupados por ela durante a 2ª Guerra Mundial: “sob a hábil direção de Heydrich, antigo oficial de inteligência da Marinha, que tinha sido demitido pelo Almirante Raeder, em 1931, com vinte e seis anos de idade, por se ter recusado a casar com a filha de um armador de navios que ele havia comprometido, o S.D. espalhou logo sua rede (de informantes) pelo país, empregando parcialmente uns 100.000 informantes que deviam espionar todo o cidadão da terra e comunicar o mais rapidamente a observação ou atividade que julgassem prejudiciais ao governo nazista. Ninguém – se não fosse idiota – dizia ou fazia qualquer coisa que pudesse ser interpretada como ‘antinazismo’, sem primeiro tomar precauções para não ser registrada pelos microfones ocultos do S.D. ou ouvida por um de seus agentes. Seu filho, ou seu pai, ou sua esposa, ou seu primo, ou seu melhor amigo, ou seu patrão ou seu secretário, podia ser um informante da organização de Heydrich; nunca se sabia, se se fosse prudente, nada servia jamais como garantia.” (SHIRER, Willian L. Ascensão e queda do Terceiro Reich. (Trad. Pedro Pomar). v. 1. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1.964, p. 405-406). 163 A violência (repressão política) chegou ao máximo no início de 1938. Stalin recebia mais e mais relatórios sobre a situação catastrófica nas fábricas, nas ferrovias, nos comissariados. A repressão prosseguia com impulsão própria. As prisões geravam “cúmplices”; a chance para carreiristas subirem degraus produzia denúncias em cascata, quase sempre vingança de parentes. (VOLKOGONOV, Dmitri Antonovith. Stalin: triunfo e tragédia. (Trad. Joubert de Oliveira Brízida). v. 1, Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2004, p. 329). 164 Em um regime democrático a mais antiga experiência de proteção a colaboradores da justiça iniciou-se em 1789 com a criação do “US Marshal’s service” nos Estados Unidos. O programa tinha a princípio a finalidade de proteger testemunhas de acusação e membros do Poder Judiciário da ação do crime. Maiores informações no site: http//:www.usmarshals.gov.Segundo Marcelo Batloni Mendroni: “O serviço do U.S. Marshals garante proteção 24 horas por dia, e escolta para os depoimentos na Justiça. Além do suporte do QG dos U.S. Marshals, o programa inclui a atenção de mais 10 integrantes dessa agência e das polícias metropolitanas locais, cujos integrantes são especialmente treinados para a proteção. Um estudo recente demonstrou que menos de 10% das pessoas ingressadas nos programas de proteção, com antecedentes

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Michael Woodiwiss comenta acerca do impacto dos acordos realizados

entre o Estado americano e “colaboradores da justiça arrependidos”:

O problema da proteção a testemunhas nos casos de crime organizado é que as melhores testemunhas são os próprios criminosos. Fazem confissões ao governo em troca de penas reduzidas, são soltos e reinstalados em uma região diferente do país, às vezes com subvenções do governo para iniciar negócios.165

Historicamente houve colaboração entre integrantes da máfia, presos nos

Estados Unidos e o governo deste país no final da 2ª Guerra Mundial.166

Em momento posterior, a própria Itália foi obrigada a utilizar-se dos

chamados colaboradores da Justiça, chegando até a pagar salários para os

delatores, coisa que ainda não se decidiu fazer em nosso direito.167

criminais, deixaram de reincidir, que equivale a menos da metade da taxa dos criminosos que deixaram de reincidir entre aqueles que saíram das prisões. Aspectos da Lei de Proteção às testemunhas: No direito Norte-americano, o capítulo 224 do ‘Criminal Procedure Code’ tratam da proteção de testemunhas (Protection of witnesses)”. (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Aspectos do sistema de proteção às testemunhas nos EUA. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?, Acesso em 27 jun. 2008). 165 WOODIWISS, Michael. Capitalismo gangster: quem são os verdadeiros agentes do crime organizado. (Trad. C. E. de Andrade). Rio de Janeiro: Ed. Ediouro, 2.007, p. 119. 166 Durante a segunda guerra mundial, Lucki Luciano, Vito Genovese e Fanck Costelo, todos processados e presos nos EUA resolveram colaborar com os aliados. Evidentemente, tinham interesse em prêmios, em liquidar suas penas e extinguir seus processos em curso. Com o coronel Charles Poletti celebraram acordo de colaboração. As tropas aliadas em razão disso, desembarcaram, em junho de 1943, na Sicília. Os “piccioti” (soldados da máfia) sinalizaram, com lenços brancos e lanternas, às tropas aliadas, permitindo tranqüilo e seguro desembarque. (MAIEROVITCH, Valter Fanganiello. As organizações internacionais e as drogas ilícitas. In (Coord. Jaques de Camargo Penteado) Justiça Penal, 6: 10 anos da Constituição e a Justiça Penal, meio ambiente, drogas, globalização, o caso pataxó. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 133). 167 Conforme Ângelo Jannone o sistema de “colaboradores da justiça” foi instituído, no direito italiano, por intermédio da Lei nº 82/91, que já previa incentivos para a colaboração (além da redução que poderia chegar a dois terços na pena): como o programa de proteção às testemunhas, com mudança de cidade e de identidade, assistência econômica e benefícios processuais e penitenciários. Por intermédio do texto de reforma da Lei n. 45/2001 e da Lei n. 63/2001, em atenção à Reforma Constitucional do art. 111, quis-se agir profundamente tanto sobre o regime e o sistema de proteção quanto sobre a avaliação processual das declarações constantes de co-réus e nas investigações em procedimento conexo ou coligado. A Lei 45/2001, por outro lado, ampliou os benefícios para o colaborador, que poderá dispor de uma residência, de reembolso decorrente de eventuais transferências de moradias, de assistência legal, além de uma renda de aproximadamente mil e quinhentos euros mensais. Desde que o colaborador cumpra pelo menos um quarto da pena. (JANNONE, Ângelo; DIPP, Gilson; LÓPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de Investigação Preliminar. In Conselho da Justiça Federal: Centro de Estudos Judiciários. Propostas para um modelo de persecução criminal: combate a impunidade. Brasília. Série Cadernos do CEJ, v. 25, p. 72-73, 2005).

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Justifica-se a aplicação da regra da delação premiada trazida pelo direito

italiano sob o argumento de que os fins justificam os meios:

Com base no ensinamento do grande jurista Von Ihering, a Itália construiu o chamado “sistema de colaboradores da justiça” que podemos chamar, em um eufemismo, de arrependidos. Para que isso seja efetivado, há necessidade, evidentemente, de cooperação internacional, e a Itália, poucos sabem, premia o colaborador da justiça mantendo o seu patrimônio, ainda que ilícito, ainda que sujo. É uma forma. Houve necessidade de se chegar a isso.168

Na opinião de Paulo Tonini o instituto da delação premiada trouxe

problemas para o Direito daquele país:

Do sistema acima delineado, derivaram situações inaceitáveis, nas quais os acusados da prática de crimes gravíssimos promoveram acusações falsas, sem que disso decorresse qualquer responsabilidade e sem que perdessem os benefícios concedidos pelo Estado aos denominados “colaboradores da justiça”. Em 1996, foram documentados e veiculados pela imprensa, pelo menos, dez casos de acusados conexos que haviam acusado injustamente pessoas inocentes, as quais, conseqüentemente, tinham sido presas e cuja reputação tinha sido irremediavelmente arruinada.169

No mesmo sentido César Antonio da Silva:

O sistema de delação premiada há muito adotado na legislação italiana, se de um lado teve alguma eficácia no combate à atividade terrorista e subversiva, responsável por muitas vítimas naquele país, visto porém numa outra perspectiva, foi bastante problemático e causador de grandes injustiças, não só pelas informações falsas prestadas pelos chamados “colaboradores da justiça” para obterem o benefício, mas também pela insegurança, pela falta de proteção a que estavam expostos os colaboradores.170

4.4 – Diferenças entre a delação e figuras jurídica s aproximadas

a) Confissão espontânea

168 MAIEROVITCH, Warter Faganiello. Crime organizado transnacional. In Conselho da Justiça Federal; Centro de Estudos Judiciários; Ministério da Fazenda; Conselho de Controle de Atividades Financeiras; Escola Nacional da Magistratura. Seminário internacional sobre lavagem de dinheiro. Brasília: CEJ. Série Cadernos do CEJ, v. 17, p. 110, 2000. 169 TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. (Trad. Alexandra Martins; Daniela Mróz). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 150-151. 170 SILVA, C. A. Ob. cit. p. 133.

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A delação premiada não pode ser confundida com a circunstância

atenuante da confissão espontânea perante a autoridade pública, prevista no

artigo 65, inciso III, letra “d” do Código Penal.171

A doutrina define a confissão espontânea como sendo o seguinte:

Para que se reconheça a atenuante (da confissão espontânea), basta agora ter o agente confessado perante a autoridade (policial ou judicial) a autoria do delito, e que tal confissão seja espontânea. Não é mais mister que a confissão se refira às hipóteses de autoria ignorada do crime, ou de autoria imputada a outrem. Desde que o agente admita o seu envolvimento na infração penal, incide a atenuante para o efeito de minorar a sanção punitiva. O propósito do legislador foi, portanto, o de estimular o autor da infração penal a reconhecer sua conduta como um ato pessoal, dando-lhe, em contrapartida, como um prêmio, a atenuação da pena.172

A confissão espontânea e a delação premiada sustentam-se sobre a

mesma base, que é inspirar o arrependimento dos autores de crimes e conceder

àqueles que confessam uma vantagem na pena.

Por sua vez, os dois institutos têm diferenças que não podem ser

ignoradas. A delação premiada pressupõe um acordo neste sentido entre o

Ministério Público e a defesa, que deve ser homologado pelo Juiz. Na confissão

espontânea o Magistrado simplesmente aplica a circunstância, na forma prevista

no artigo 68 do Código Penal.173

171 Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena; III – ter o agente; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; 172 SILVA FRANCO, Alberto. et alii. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, v. 1, t. 1, Parte Geral. 6. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1.997, p. 1.049. 173 Um acórdão interessante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região distingue delação e confissão espontânea. A delação se dá com o pedido do Ministério Público e com a avaliação judicial acerca de como foi feita a cooperação com as autoridades. Na circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso III, letra “d” do Código Penal basta a confissão do réu. “PENAL. ROUBO QUALIFICADO. CONFISSÃO RETRATADA. DEPOIMENTO DE CO-RÉU. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DELAÇÃO PREMIADA. REQUISITOS. ATENUANTE DA CONFISSÃO. RECONHECIMENTO. 1. A retratação do acusado em interrogatório judicial não desautoriza o teor da sua confissão pré-processual, quando os demais elementos informativos dos autos, vistos de forma conjunta, evidenciaram que não passa (a retratação) de uma estratégia de defesa. 2. Os depoimentos de co-acusados podem ser levados em conta para a condenação, desde que apresentem enredo linear com os fatos do processo e tenham apoio, ainda que indiciário, no restante da prova dos autos. 3. Para o reconhecimento do benefício da delação premiada, é mister que o Ministério Público faça o pedido que será concedido ou não pelo juiz, observado o grau de cooperação do réu. 4. A c onfissão inquisitorial que é confirmada em juízo deve ser considerada como circunstância at enuante na fixação da pena, nos termos do art. 65, III, "d", do Código Penal. 5. Comprovadas a autoria e materialidade do delito, não apresentando a defesa provas capazes de infirmar o decreto condenatório, este deve ser mantido. 6. Apelações de dois dos três réus não providas. Recurso de um réu parcialmente

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Na confissão espontânea basta o agente confessar seu crime. Na

delação, a informação não pode ser uma simples confissão de autoria e de

materialidade do delito, mas sim sobre fatos relevantes para o esclarecimento do

crime. Do contrário, as autoridades não iriam obter nenhum elemento novo que

esclarecesse os fatos delituosos.174

As informações prestadas, que levem ao reconhecimento e à aplicação

da delação premiada nos crimes de lavagem de dinheiro devem ser acerca da

apuração das infrações penais e de sua autoria, ou então, sobre a localização de

bens, direitos, ou valores objetos do crime.

Outra diferença entre estes institutos é que a confissão espontânea é

somente uma mera circunstância atenuante legal prevista no artigo 65 do Código

Penal, a qual incide sobre pena-base de qualquer crime e que deve ser reduzida

de acordo com os ditames do artigo 68 do Código Penal. A delação premiada, por

sua vez, prevê reduções bastante significativas na reprimenda penal, com a

possibilidade de diminuí-la em um ou dois terços, inclusive, com a aplicação do

regime aberto, e/ou a sua substituição por pena restritiva de direito. Existe ainda

a possibilidade de as autoridades concederem o perdão judicial para o delator.

A última distinção entre confissão espontânea e delação premiada é que

a confissão espontânea deve ser aplicada para qualquer crime e a delação

premiada é um instituto a ser aplicado em leis específicas.175

b) Transação penal

provido. (TRF1 – Ap. Crim. 1998.38.03.004114-4/MG – Rel. Des. Olindo Menezes – 3ª Turma – Data 18/03/2008 – DJ 11/04/2008 – p. 41).” 174 A confissão espontânea da autoria do crime atua como circunstância que sempre atenua a pena, considerada como serviço à justiça, vez que simplifica a instrução criminal e confere ao julgador a certeza moral de uma condenação justa. (TACRIM-SP – AC – Rel Ary Casagrande – RT 727/523). Fonte: (Silva Franco, A. et alii. Código Penal e sua...,p. 1050). 175(....) Não se cumulam a atenuante da confissão espontânea e a redução em face da delação premiada, pois a última, além de mais benéfica, melhor atende ao preceito da especialidade da norma penal. (....). (TRF4 – AP. Crim. 2000.70.00.004794-8 – Rel. Des. Elcio Pinheiro de Castro – 8ª Turma – Data 30/05/2007 – DJ 06/06/2007).

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A delação premiada não pode ser confundida com a transação penal

prevista na Lei nº 9.099/95, apesar de que a doutrina identifica semelhanças

entre a transação penal e o “plea bargaining” dos Estados Unidos.176

A transação penal da Lei nº 9.099/95 é aplicável aos crimes de menor

potencialidade ofensiva. A delação premiada foi criada para auxiliar as

autoridades a solucionarem certos crimes graves, como a lavagem de dinheiro,

extorsão mediante seqüestro, etc. 177

No caso da transação penal exige-se que o beneficiário não tenha sido

condenado à pena privativa de liberdade transitada em julgado e não tenha sido

beneficiado por outra transação no prazo de cinco anos. Além disso, o Juiz não

deve conceder o benefício, se ao examinar os antecedentes, a conduta social, os

motivos e as circunstâncias do crime, entender que a medida não é

recomendável. No caso da delação premiada, o Magistrado não se preocupa com

nenhuma destas circunstâncias.

176 Com Relação ao plea bargaining Angel Tinoco Pastrana demonstra que o representante do Ministério Público tem alta dose de discricionariedade, o que facilita acordos entre a acusação e a defesa: “O Promotor atuará de maneira discricionária na acusação, em pelo menos cinco ocasiões. Em primeiro lugar, ao decidir se exerce ou não a ação penal, em segundo lugar, ao determinar a que delito específico será responsabilizado o acusado, em terceiro lugar, ao optar sobre o arquivamento ou não, de um procedimento já iniciado, em quarto lugar, ao “negociar” (plea bagaining) com o acusado que se declara culpado (guilty plea), obtendo de sua parte e com suporte também do Tribunal, um “tratamento” privilegiado, e em quinto e último lugar, ao estabelecer a estratégia que seguirá no transcorrer do processo”(texto traduzido). El prosecutor actuará de manera discrecional en la prosecution, al menos en cinco ocasiones. El primer lugar, al decidir si se ejerce o no la acción penal, en segundo lugar, al determinar respecto a que delito específico pedira responsabilidad al acusado, en tercer lugar, al optar sobre el archivo o no, de un procedimiento ya iniciado, em cuarto lugar, al “negociar” (plea bargaining) con el acusado que si declara culpable (guilty plea) obteniendo por su parte y con probabilidad también de la Corte, un “tratamiento” privilegiado, y en quinto y último lugar, al establecer la estrategia que seguirá a lo largo del proceso (texto com redação original) (PASTRANA, Angel Tinoco. Fundamentos del sistema judicial penal en el “common law”. Sevilha: Ed. Universidad de Sevilha, 2001, p. 149). 177 De acordo com a redação original da Lei nº 10.259/01 os delitos de pequena potencialidade ofensiva eram todos os crimes com pena máxima não superior a dois anos. Esta lei, que serviu para regulamentar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, ampliou a competência do Juizado Especial Criminal, pois, anteriormente, a Lei nº 9.099/95 previa pena máxima de um ano, além das contravenções. Posteriormente, a Lei nº 11.313/06 revogou o disposto no artigo 2º da Lei nº 10.259/01 para reportá-la a Lei nº 9.099/95. A Lei 11.313/06, por sua vez, redefiniu a redação do artigo 61 da Lei nº 9099/95 estabelecendo que a competência do Juizado Especial Criminal será para todos os crimes com pena máxima não superior a 2 anos, além de todas as contravenções.

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Na transação penal, a homologação do pedido não leva à reincidência.

No caso da delação premiada, não está prevista esta garantia, a menos que seja

concedido o perdão judicial em razão das informações prestadas pelo delator.

Finalmente, a mais importante das diferenças: na transação, o autor da

infração não é obrigado a prestar esclarecimentos ou trazer informações que

auxiliem as autoridades no esclarecimento de fatos importantes. Na delação

premiada, as informações prestadas pelo delator são fundamentais para a

concessão da medida. No crime de lavagem de dinheiro pode se tratar de

esclarecimento sobre a materialidade do delito, de autorias ou então sobre a

localização de bens direitos e valores objetos de crime.

c) Suspensão condicional do processo

Outro instituto penal que aparentemente tem semelhanças com a

delação premiada é a suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89

da Lei nº 9099/95. De fato, tanto na suspensão condicional do processo como na

delação premiada existe uma proposta do Ministério Público que pode ser aceita

pelo beneficiário.178

Os dois institutos têm muitas diferenças, uma vez que a suspensão

condicional do processo somente pode ser aplicada em crimes com pena mínima

cominada igual ou inferior a um ano. A delação premiada foi criada para auxiliar

as autoridades a solucionarem crimes graves, como a lavagem de dinheiro,

extorsão mediante seqüestro, etc.

Na suspensão condicional do processo exige-se que o beneficiado não

tenha sido nem processado e tampouco condenado por outro crime. Na delação

isto não é exigido do réu.

Maurício Antonio Ribeiro Lopes comenta que a suspensão condicional do

processo é um direito subjetivo do réu, caso estejam presentes seus requisitos:

A exemplo do que fixei em interpretação ao art. 76 desta Lei, uma vez preenchidos os requisitos legais exigidos – lá para a proposta de aplicação imediata de pena não

178 Art. 89 da Lei nº 9099/95.

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privativa de liberdade, aqui para a suspensão condicional do processo – surge um direito subjetivo do argüido ao benefício legal. Desse modo, é de rigor a concessão do benefício uma vez verificada que a pena mínima cominada é não superior a um ano; que o argüido não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime; não seja o agente reincidente em crime doloso; sua culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias do crime autorizem a concessão do benefício e o queira receber o argüido.179

Na suspensão condicional do processo pode-se suspender o processo

por dois a quatro anos e, caso o benefício não seja revogado, é declarada extinta

a punibilidade. No caso da delação premiada, não está prevista esta garantia, a

menos que seja concedido o perdão judicial em razão das informações prestadas

pelo delator.

Na suspensão condicional do processo exigem-se alguns requisitos como

a reparação do dano, a proibição de freqüentar lugares, de se ausentar da

Comarca sem autorização judicial, além de se exigir o comparecimento mensal

em Juízo, para informar e justificar suas atividades. Na delação premiada é

necessária apenas a colaboração do acusado no esclarecimento de fatos

importantes.

Finalmente, a mais importante das diferenças: na mesma esteira que na

transação, na suspensão condicional do processo, o autor da infração não é

obrigado a prestar esclarecimentos ou trazer informações que auxiliem as

autoridades no esclarecimento de fatos relevantes. Na delação premiada, as

informações prestadas pelo delator são fundamentais para a concessão da

medida, que devem versar, conforme dito acima, sobre a materialidade do delito,

a autoria, ou então, a localização de bens direitos e valores objetos de crime.

4.5 - Força probatória da delação premiada

Outra questão fundamental a ser discutida acerca da delação premiada é

como este controvertido meio de prova deve influenciar o julgamento de um caso

penal.

179 LOPES, Maurício Antonio Ribeiro; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 390-391.

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Os Juizes de Direito, ao decidir sobre um processo criminal, não podem

basear sua sentença condenatória isoladamente na delação premiada, mas a

delação pode ser aceita se estiver corroborada por outras provas, como, a

propósito, vem decidindo os Tribunais.180

A prova de delação premiada é produzida sem a presença do delatado e

uma eventual condenação criminal deve ser fundamentada em outras evidências.

Utiliza-se o mesmo raciocínio quando se avaliam provas produzidas na fase do

inquérito policial, as quais, isoladamente, não são suficientes para amparar um

decreto condenatório.181

De fato, na fase do inquérito policial não é exigida a presença das partes

para a produção da prova. A defesa, contudo, mesmo durante a fase

investigatória, tem direito a examinar os autos do inquérito. Depois de encerradas

as investigações, as partes podem contrapor as suas evidências em Juízo (nada

impede que, mesmo durante as investigações policiais, a defesa produza provas,

basta que a autoridade policial defira um requerimento neste sentido).182

180 a) (....) Não se deve afastar o valor da delação premiada como meio de prova. Entretanto, doutrina e jurisprudência pátrias vêm reforçando o entendimento de que o testemunho do co-acusado, para embasar uma condenação, deve ser corroborado por outras evidências. (....) (TRF4 – Ap. Crim 2005.70.00.029546-2 – Rel. Luiz Fernando Wowk Penteado - 8ª Turma – Data 25/04/2007 – DJ 09/05/2007). b) (....)Não se deve afastar o valor da delação premiada como meio de prova. Entretanto, doutrina e jurisprudência pátrias vêm reforçando o entendimento de que o testemunho do coacusado, para embasar uma condenação, deve ser corroborado por outras evidências. (....). (TRF4 – Ap. Crim. 2005.70.00.029545-0 – Rel . Des. Elcio Pinheiro de Castro – 8ª Turma - Data 25/10/2006 – DJ 01/11/2006 p. 903). 181Note-se que a decisão referente à validade da prova produzida exclusivamente na fase de inquérito policial pode influir no convencimento do julgador. Da mesma forma, como ocorre na delação premiada, não pode, isoladamente, ser suficiente para embasar um decreto condenatório. A título meramente exemplificativo, refletindo a posição majoritária dos Tribunais, a decisão que segue: (....) A prova produzida em sede policial pode influir na formação do convencimento do Magistrado, mas somente quando amparada nos demais elementos probatórios colhidos na instrução criminal. Precedentes. Se a sentença foi lastreada em provas colhidas somente durante o inquérito, as quais não se submeteram ao crivo do contraditório, sendo impróprias para, por si só, justificar a condenação, resta configurada a apontada nulidade da decisão condenatória, em virtude da indevida ofensa aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. (....).(STJ - HC 2006/0088599-9 – Rel. Gilson Dipp – 5ª Turma – Data 17/10/2006 DJ 20.11.2006 p. 348). 182 Depois do interrogatório do réu, a defesa tem um prazo de três dias para apresentar alegações escritas, onde se arrolam testemunhas e se requerem diligências, na forma prevista nos artigos 395 e 399 do Código de Processo Penal. A defesa pode também juntar documentos nos autos, conforme prevê o artigo 400 do Código de Processo Penal.

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Os Tribunais entendem que somente o Juiz do caso, o representante do

Ministério Público e os Defensores do delator devem ter acesso ao acordo de

delação premiada, vedando o exame dos autos de acordo ao delatado.183

Sem ter acesso ao acordo de delação premiada, como pode o delatado

contrapor os argumentos ali apresentados? Sua defesa não tem como arrolar

testemunhas ou apresentar documentos que desacreditem a delação, já que o

mencionado acordo entre o delator e o Ministério Público é uma prova secreta

contra o delatado.

183 Em um processo criminal que tramitou recentemente na 2ª Vara Criminal Federal de Curitiba,

Seção Judiciária do Paraná, um réu ao ser delatado em um acordo de delação premiada no mesmo processo, pretendeu ter acesso aos autos de delação premiada. O STJ, em acórdão relatado pela Ministra Laurita Vaz, negou o pedido, com base nos seguintes argumentos: “HABEAS CORPUS. PEDIDOS DE ACESSO A AUTOS DE INVESTIGAÇÃO PREAMBULAR EM QUE FORAM ESTABELECIDOS ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA. INDEFERIMENTO. SIGILO DAS INVESTIGAÇÕES. QUESTÃO ULTRAPASSADA. AJUIZAMENTO DE AÇÕES PENAIS. ALGUNS FEITOS JÁ SENTENCIADOS COM CONDENAÇÃO, PENDENTES DE JULGAMENTO APELAÇÕES. FALTA DE INTERESSE. MATERIAL QUE INTERESSAVA À DEFESA JUNTADO AOS AUTOS DAS RESPECTIVAS AÇÕES PENAIS. FASE JUDICIAL. MOMENTO PRÓPRIO PARA O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Se havia algum interesse dos advogados do réu no inteiro teor das declarações prestadas pelos delatores na fase preambular meramente investigatória, ele não mais subsiste neste momento processual, em que já foram instauradas ações penais – algumas delas até sentenciadas e com apelações em tramitação na correspondente Corte Regional – porque tudo que dizia respeito ao Paciente, e serviu para subsidiar as acusações promovidas pelo Ministério Público, foi oportuna e devidamente juntado aos respectivos autos. E, independentemente do que fora declarado na fase inquisitória, é durante a instrução criminal, na fase judicial, que os elementos de prova são submetidos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal. 2. Além disso, conforme entendimento assente nesta Corte, ‘O material coligido no procedimento inquisitório constitui-se em peça meramente informativa, razão pela qual eventuais irregularidades nessa fase não tem o condão de macular a futura ação penal.’ (HC 43.908/SP, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJ 03/04/2006). 3. Ordem denegada. (STJ – HC 59115-Pr Rel. Min. Laurita Vaz – 5ª Turma – Data 12/12/06 – DJ 12.02.2007, p. 281)”. Inconformado o mesmo delatado impetrou novo Habeas Corpus desta vez para o Supremo Tribunal Federal. A Corte Suprema admitiu parte do pedido, para que o delatado tomasse ciência dos nomes das autoridades que participaram da delação premiada. Com relação ao sigilo da delação, a ordem não foi concedida: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE COOPERAÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. DIREITO DE SABER QUAIS AS AUTORIDADES DE PARTICIPARAM DO ATO. ADMISSIBILIDADE. PARCIALIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUSPEITAS FUNDADAS. ORDEM DEFERIDA NA PARTE CONHECIDA. I - HC parcialmente conhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem, sob pena de supressão de instância. II - Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. III - Sendo fundadas as suspeitas de impedimento das autoridades que propuseram ou homologaram o acordo, razoável a expedição de certidão dando fé de seus nomes. IV - Writ concedido em parte para esse efeito. (STF - HC 90688/Pr. – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – 1ª Turma – Data 12/02/2008 – DJ 25/04/2008, p. 756)”.

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Por sua vez, um sistema penal em que se escondem provas da defesa

não parece muito próximo do que vem a se chamar de garantismo.184

Os meios de prova devem ser garantistas, ou seja, deve-se assegurar ao

delatado a total abrangência dos princípios constitucionais e processuais penais,

especialmente da ampla defesa, do contraditório, da publicidade, da

fundamentação das decisões judiciais e do devido processo legal, por sinal

previstos em nossa Carta Constitucional.

Isso corresponde a conceder à defesa, acesso aos autos de delação

premiada, para que esta, querendo, contraponha os argumentos apresentados

pelo delator, podendo, inclusive, apresentar documentos e outros depoimentos

que desacreditem a delação.

Luiz Flávio Gomes menciona que uma das garantias mínimas que devem

ser ofertadas às partes é a paridade de armas entre a acusação e a defesa,

contudo ressalta o seguinte:

Mas não pode ser, evidentemente, uma igualdade puramente formal: o correto enfoque da “paridade das armas” leva ao reconhecimento não de uma igualdade estática, senão dinâmica, em que o Estado deve suprir desigualdades para verificar uma igualdade real. Se o devido processo é a expressão jurisdicional democrática de um determinado modelo de Estado, esta igualdade somente pode ser substancial, efetiva, real. As oportunidades dentro do processo (de falar, de contraditar, de reperguntar, de opinar, de requerer e participar das provas etc) devem ser simétricas, seja para quem ocupa posição idêntica dentro do processo (dois réus v.g.), seja para os que ostentam

184 Luigi Ferrajoli defende a teoria do garantismo da seguinte forma: “Segundo uma primeira acepção, ‘garantismo’ significa um modelo normativo de direito precisamente, pelo que preocupa ao direito penal, o modelo de estrita legalidade. S.G. do estado de direito, que no plano epistemológico, se caracteriza como um sistema cognoscitivo ou de poder mínimo, no plano político como uma técnica de tutela capaz de minimizar a violência e de maximizar a liberdade e no plano jurídico como um sistema de vínculos impostos ao poder punitivo do estado em garantia dos direitos dos cidadãos. Em conseqüência, é ‘garantista’ todo o sistema penal que se ajusta normativamente a este modelo e o satisfaz de maneira efetiva”. (texto traduzido). “Segun una primeira acepción, ‘garantismo’ designa un modelo normativo de derecho precisamente, por lo que respecta al derecho penal, el modelo de ‘estricta legalidad’ S. G. del estado de derecho, que en el plano epistemológico se caracteriza, como un sistema cognoscitivo o de poder mínimo, en el plano político como una técnica de tutela capaz de minimizar la violência y de maximizar la libertad y en el plano jurídico como un sistema de vínculos impuestos a la potestad punitiva del estado en garantia de los derechos de los ciudadanos. En consecuencia, es ‘garantista’ todo sistema penal que se ajusta normativamente a tal modelo y lo satisface de manera efectiva”. (texto com redação original) (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoria del garantismo penal. 6. Ed. Madrid: Ed. Trotta, 2.004, p. 851-852).

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posições contraditórias (autor e réu, que devem ter, em princípio, os mesmos direitos, ônus e deveres).185

No mesmo sentido Rogério de Lauria Tucci:

A outra parte em sentido processual, tratando-se de ação penal pública de conhecimento de caráter condenatório, é, obviamente, o acusado, a quem deve ser assegurado o devido processo penal, com todos os seus corolários, especialmente o ‘contraditório e ampla defesa com todos os meios a ela inerentes’ a realização de quaisquer provas, desde que obtidas ou produzidas licitamente, a publicidade dos atos processuais, a assistência jurídica integral e gratuita, e a motivação dos atos decisórios proferidos em razoável prazo. 186

A delação premiada, da forma como tem sido aplicada no Brasil, fere

esta importante garantia individual do delatado, pois seus defensores não têm

oportunidade de examinar a prova produzida contra ele, ao contrário do

representante da acusação. Diante disso tem sido desrespeitado o princípio da

paridade das armas entre a acusação e a defesa.

O Magistrado, por sua vez, ao aceitar a delação e conceder o prêmio ao

delator, está dizendo tacitamente que esta evidência vai influir no seu

convencimento acerca da verdade real do processo. O delatado fica em uma

posição difícil, pois uma prova que foi produzida antes de ele integrar a relação

processual e à qual ele não teve acesso, pode auxiliar o Juiz a buscar evidências

para uma eventual condenação criminal.

4.6 - Critérios para a delação e reconhecimento do prêmio

Primeiramente, deve-se compreender quais os requisitos necessários

para um Juiz deferir um acordo de delação premiada. Em um acórdão bem

fundamentado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ficaram estabelecidos

quais os requisitos para a concessão do benefício em um crime contra o Sistema

Financeiro Nacional, o que pode em parte, também ser aplicado para a lavagem

185 GOMES, Luiz Flávio. As garantias mínimas do devido processo criminal nos sistemas jurídicos brasileiro e interamericano: estudo introdutório. In (Coord. Luiz Flávio Gomes; Flávia Piovesan). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 208-209. 186 TUCCI, Rogério de Lauria. Direitos e garantias no processo penal brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 204, p. 154.

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de dinheiro, desde que as informações se refiram àquelas previstas no parágrafo

5º do artigo 1º da Lei nº 9613/98.187

O acórdão supra citado (apesar de se referir a crimes contra o sistema

financeiro nacional e não a lavagem de dinheiro) define de forma clara o que é

necessário para o reconhecimento da delação premiada: a informação precisa

ser espontânea (ato não forçado, ainda que provocado por terceiros), ter ocorrido

revelação de fato novo (fatos, agentes e provas antes não conhecidos), o alcance

da revelação (toda a trama criminosa) e a incidência em grupo voltado à prática

de crimes específicos. A Lei de Lavagem de Dinheiro não determina

expressamente que o agente revele toda a trama criminosa, todavia, os delatores

devem colaborar integralmente com as autoridades, falando tudo o que sabem

sobre o grupo criminoso. Como requisito específico da Lei nº 9613/98 (não

descrito no mencionado acórdão), é de se exigir que as informações versem

sobre a materialidade, a autoria, ou então sobre a localização de bens, direitos e

valores ocultados das autoridades.

Com relação aos requisitos para o reconhecimento da delação premiada,

a doutrina comenta:

187 PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DELAÇÃO PREMIADA.FUNDAMENTAÇÃO CLARA E SUFICIENTE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. APLICAÇÃO A INDICIADO E DENUNCIADO. POSSIBILIDADE. REVELAÇÃO DA TRAMA DELITUOSA. OCORRÊNCIA. LIMITES DA REDUÇÃO. 1. Fundamentada a concessão do favor legal decorrente da delação, de modo claro e suficiente, ainda que sucinto, não há falar em nulidade, por ofensa ao art. 93, inc. IX da Constituição Federal. 2. São requisitos do art. 25, § 2º, da Lei nº 7.492/86, a espontaneidade (ato não forçado, ainda que provocado por terceiros), a existência de revelação (fatos, agentes e provas antes não conhecidos), o alcance da revelação (toda a trama criminosa) e a incidência em grupo voltado à prática de crimes contra o sistema financeiro nacional.3. Embora prioritariamente voltada à facilitação da investigação criminal, pode a delação dar-se mesmo após o indiciamento ou em fase de ação penal, desde que mantido o caráter inovador, de revelar o que antes não se sabia, de modo pleno e relevante. 4. Tampouco se perde na delação judicial o caráter de espontaneidade, pois continua sendo faculdade do réu, que em juízo pode negar ou confessar seu crime, mas não possui dever legal de denunciar a trama criminosa e muito menos revelar todo seu desenvolvimento e integrantes. 5. Tendo os acusados prestado declarações em juízo indicando a participação de outras pessoas nas diversas fraudes perpetradas durante longo período na gestão de entidade administradora de consórcio, revelando detalhes das irregularidades e apresentando inclusive documentos probatórios, é escorreita a incidência da minorante legal. 6. O limite de redução pela delação premiada, de um a dois terços, é dosado em face da importância e alcance da revelação: pelos detalhes desconhecidos, número de crimes ou agentes envolvidos, utilidade para as investigações e provas do crime, bem como ante a eventual prova trazida pelo delator. (TRF4 – Ap. Crim. 2005.04.01.046420-5-Pr – Rel. Des. Néfi Cordeiro – 7ª Turma – Data 02/10/2007 – DJ 24/10/2007).

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Quem pode ser usufrutuário do “prêmio” oferecido no § 5º em discussão? A lei diz: o autor, o co-autor e o partícipe. Do ponto de vista técnico-jurídico, o legislador distinguiu muito bem tais figuras: autor é quem executa a ação criminosa, sendo responsável, destarte, pela realização do “verbo núcleo do tipo”; co-autor é quem executa a mesma conduta em companhia de outros; partícipe é quem colabora, de qualquer outro modo, para a realização do delito. Qualquer um deles pode ser contemplado com os favores do preceito legal em pauta. Como? O que ele deve fazer para conquistar o “prêmio” legal? Impõe-se-lhe “colaborar espontaneamente com as autoridades”. Colaboração espontânea é a que parte da iniciativa do próprio infrator. (....) Colaborar com as “autoridades”, de outro lado significa ajudar, contribuir com qualquer autoridade que participe da “persecutio criminis in indicio”. (autoridade policial, Ministério Público, juiz etc.) De outro lado, a colaboração pode ocorrer em qualquer fase da persecução penal (inquisitiva, ou contraditória ou mesmo executiva). (....) Que tipo de colaboração? A lei não se contenta com simples vontade de colaboração. Preocupada com sua eficácia, prescreve, em primeiro lugar, que os esclarecimentos devem conduzir à apuração (descoberta) das infrações penais (isto é, do que se está investigando e outras conexas) e de sua autoria. A conjuntiva ‘e’, nesse caso é inafastável. Infração e autoria: logo, não basta a apuração somente de outras infrações. Também se faz necessária a revelação da autoria dessas infrações. Em segundo lugar, alternativamente, espera o texto legal que tais esclarecimentos, ao menos, sejam úteis para a localização dos bens, direitos (sic) ou valores objeto do crime de lavagem de capitais.188

Outrossim, o autor ou o partícipe tem o direito à delação premiada caso

estejam presentes os seus requisitos, ou seja, somente serão concedidos seus

benefícios se o acordo for legalmente possível. O Superior Tribunal de Justiça já

se manifestou no sentido de que a aplicação da delação premiada é de incidência

obrigatória quando as informações prestadas pelo delator forem relevantes para a

solução do processo.189

A doutrina também acompanha este entendimento:

Essa disposição (delação premiada) constitui uma causa de redução de pena, que consiste em direito subjetivo do réu, desde que presentes os pressupostos legais de incidência.190

Os Tribunais devem simplesmente verificar se é cabível a delação

premiada examinando caso a caso. Se a informação prestada for relevante para 188 GOMES, L. F.; OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R. Ob. cit., p. 344-345. 189 Apesar da decisão se referir a extorsão mediante seqüestro, a opinião do STJ se aplica também a lavagem de dinheiro, ou seja, quando for possível, deve ser feita a redução na pena. Segue um trecho da decisão: “(....) A “delação premiada” prevista no art. 159, § 4º, do Código Penal é de incidência obrigatória quando os autos demonstram que as informações prestadas pelo agente foram eficazes, possibilitando ou facilitando a libertação da vítima. (....) (STJ – HC 35198-SP – Rel, Min. Gilson Dipp – Data 28/09/2004 – DJ 03/11/2004, p. 215)”. 190 PRADO, L. R. Ob. cit. p. 255.

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a solução de um processo penal, o acordo de delação premiada deve ser

aplicado, contudo se as declarações prestadas pelo delator não auxiliarem as

autoridades em nada, o benefício não deve ser concedido, conforme

manifestações pretorianas.191

Na delação premiada, o Juiz de Direito deve, a partir da análise do fato

concreto, avaliar a qualidade da informação, para decidir qual vai ser a redução

da pena do agente, ou então se será concedido o perdão judicial.

José Laurindo de Souza Netto afirma que esta colaboração tem de ser

ampla:

Por constituir no maior prêmio, seu efeito liberatório deve ser amplo e total e requer para que se possa operá-lo um nível máximo de colaboração espontânea para com as autoridades, com relevância absoluta para os esclarecimentos não só da materialidade e autoria do crime, mas também da localização dos bens, direitos e valores objeto do crime.192 Ademais, as informações sobre materialidade, autoria e sobre a

localização de bens, valores e direitos objetos de lavagem de dinheiro têm de ser

confirmadas, conforme comenta Marcelo Batlouni Mendroni:

Evidentemente que somente aqueles esclarecimentos indicadores de fatos concretos é que podem ser merecedores do benefício previsto. Em outras palavras, o co-autor ou partícipe que indicar nomes, condutas, datas, locais, ou que apresentar documentos comprobatórios etc., e isto levar à apuração de infrações penais por si praticadas e coligadas àqueles que lhe são imputados, estes sim poderão receber o benefício, cuja análise, todavia, será levada ao crivo do judiciário. Por outro lado, indicações vagas e abstratas como “afirmo que há muita corrupção em tal repartição pública” não podem merecer o benefício.193

191(....)6 - Incabível a incidência dos benefícios decorrentes da “delação premiada”, tendo em vista que a informação prestada pela apelante - que se limitou ao nome do suposto aliciador para o tráfico e fornecedor da droga - foi incapaz de auxiliar na identificação e localização dos demais partícipes do delito. A apelante não revelou às autoridades nada que tivesse colaborado no prosseguimento das investigações sobre a caterva que a convocou para as fileiras dela. Não basta a mera prestação de informações para que se considere eficaz a colaboração, estando a mesma adstrita, necessariamente, ao seu efetivo rendimento para a persecução penal estatal. (....)(TRF3 – Ap. Crim. 2006.61.19.002079-1 – Rel. Juiz Johonsom di Salvo – 1ª Turma – Data 08/04/2008 – DJU 18/04/2008 – p. 749). 192 SOUZA NETTO, J. L. Ob. cit. p. 112. 193 MENDRONI, M. B. Crime de lavagem........, p. 115.

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Leonardo Augusto de Almeida Aguiar comenta acerca da possibilidade e

dos critérios para a concessão do perdão judicial no caso de crime de lavagem de

dinheiro:

De se notar que o dispositivo permite ao magistrado reduzir a pena privativa de liberdade e determinar o seu cumprimento no regime aberto, ou substituí-la por uma pena restritiva de direitos, ou ainda aplicar o perdão judicial. Assim sendo, a escolha pela última alternativa – que é a mais benéfica ao réu – deve levar em consideração as circunstâncias do fato concreto, em especial aquelas que correspondem à listagem do artigo 59 do Código Penal e também a reincidência. De modo que tão-somente em verificando consistir o perdão judicial medida suficiente para prevenção e reprovação do crime é que poderá o magistrado dele se valer no caso concreto.194

Como não está bem claro na lei qual benefício será aplicado em favor do

delator (redução de pena ou perdão judicial), Luiz Flávio Gomes tenta explicar

qual o critério de escolha do Juiz na hipótese de delação premiada:

Supletivamente, o legislador conferiu ao juiz uma dupla possibilidade: a) deixar de aplicar a pena (perdão judicial) ou substituí-la por pena restritiva de direitos (CP, art. 43). Cabe ao juiz, conforme seu prudente critério, com base na razoabilidade, aferir os casos em que seja justo algum desses benefícios mais amplos. Algumas linhas mais acima ponderava-se: se a colaboração for inteira e rapidamente eficaz, de tal modo a não só permitir a descoberta de outras infrações como também a autoria bem como a localização dos bens, nesse caso, segundo nosso juízo, seria adequado até mesmo o perdão judicial (não se esquecendo, no entanto, da possibilidade intermediária de fixação da pena restritiva de direitos). Nessa última possibilidade (pena restritiva), já não importará qual é a quantidade da pena final fixada (e nesse ponto estão derrogados, somente em relação aos crimes de lavagem, os limites do art. 43 do CP.).195

Guilherme de Souza Nucci afirma que o Magistrado deve ponderar para

definir a redução sobre: “se além de voluntária a delação for espontânea (trata de

arrependimento sincero), se todos os co-autores e partícipes delatados foram

encontrados e processados, se a recuperação do produto foi total ou parcial”.196

De acordo com os Tribunais, a redução na pena deve ser conforme a

colaboração do agente com as autoridades, quanto maior for a colaboração,

maior será a redução de pena. Agora se as informações sobre a materialidade, a

194 AGUIAR, Leonardo Augusto Almeida. Perdão judicial. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2004, p. 155-156. 195 GOMES, L.F.; OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R. Ob. cit. p. 345-346. 196 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais comentadas 2. Ed. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 950.

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autoria ou o destino dos bens, direitos e valores objetos de crime forem obtidas

através dos esforços dos órgãos de repressão do Estado (como a polícia, o

Ministério Público, etc) o benefício da delação premiada não deve ser

concedido.197

4.7- Relato sobre a realidade procedimental atual

Na 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná,

declarada competente para julgar todos os processos por lavagem de dinheiro, a

delação premiada é aplicada de acordo com o entendimento dos Juízes e

representantes do Ministério Público, pois não há um procedimento judicial

previsto em lei. 198

197 a) (....) Em relação ao benefício da delação premiada (art. 6º da Lei nº 9.034/95), o percentual a ser aplicado deve corresponder ao grau de colaboração do agente na elucidação do delito em exame. Quanto mais decisiva for a atuação do colaborador, maior o quantum a ser aplicado como redução da pena.(....). (TRF4 – Ap. Crim. 2003.70.02.004164-3 – Rel. Des. Tadaaqui Hirose – 7ª Turma – Data 13/12/2005 – DJ 08/03/2006 – p. 890). b) vide item 6 da decisão relacionada na nota 187. c) (....) III - O perdão judicial não constitui direito subjetivo do réu, e sim de faculdade do julgador em cada caso concreto, mediante análise dos requisitos previstos no § único do art. 13, Lei 9.807/99. Considerando a natureza e gravidade do crime de tráfico de drogas, apenas muito excepcionalmente será aplicado, o que não ocorreu. IV - Não incide a causa de diminuição de pena prevista no art. 14, da Lei 9807, ou o benefício da delação premiada. A colaboração do réu não produziu os resultados reclamados, pois a identificação e prisão dos demais envolvidos no crime derivou de investigação paralela realizada pelo GAECO, do MP do Estado de SP, em diligências relacionadas ao cometimento de crime de tráfico regional.(....). (TRF3 – Ap. Crim. 2006.61.19.005487-9 - Rel. Juiz Henrique Herkenhoff – 2ª Turma – Data 13/11/2007 - DJ 07/12/2007 p. 613). 198O Conselho da Justiça Federal determinou, através da Resolução 314, a criação de varas especializadas e o Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, através da Resolução 20, de 26 de maio de 2.003, processo administrativo 03.11.00025-8, conceder à 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná, a competência para o julgamento de todos os crimes de lavagem de dinheiro e contra o Sistema Financeiro Nacional. (Fonte <http//www.trf4.gov.br/trf4/institucional/institucional.php?no=246&idSEDE=33>. Acesso em: 03 jan. 2007). A competência para julgar todos os processos por crime de lavagem de dinheiro passa a ser deste Juízo, portanto todas as delações premiadas referentes a estes crimes serão decididas pela mesma Vara Criminal Federal. O método utilizado para definir a competência da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná surpreendeu a todos. Ao definir-se a competência de um Juízo através de uma mera resolução, feriu-se claramente os princípios do Juiz Natural e do Promotor Natural. Isto somente poderia ser feito por intermédio de lei federal. Futuramente poderá o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade desta resolução, o que com certeza será mais um golpe na imagem do Poder Judiciário de nosso país.

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No procedimento aplicado neste Juízo, o Advogado de um indiciado se

dirige ao Ministério Público Federal e propõe um acordo que vai desde a

diminuição de pena até o perdão judicial. Este acordo é homologado pelo Juiz

Federal em uma audiência designada para este fim.

Somente o Juiz Federal, o representante do Ministério Público e o

Defensor do delator têm acesso aos autos onde se realizou o acordo. Eventuais

delatados não têm acesso à prova produzida contra eles (na audiência designada

para o acordo), o que, como já foi ressaltado neste trabalho, fere os princípios

constitucionais da ampla defesa e do contraditório.199

Além disso, deve-se evitar na delação premiada que o Juiz investigue

pessoalmente a prova, pois assim estará assumindo, mesmo sem perceber, a

função de inquisidor, relegando à acusação e à defesa funções secundárias e

irrelevantes no processo.

A separação das funções de julgador e de representante da acusação é

fundamental em um processo no modelo acusatório, conforme comenta Luigi

Ferrajoli em sua obra:

A separação do Juiz e da acusação é o mais importante de todos os elementos constitutivos do modelo teórico acusatório, como pressuposto estrutural e lógico de todos os demais. Essa separação, exigida por nosso axioma A8 “nullum indicium sine acusatione”, forma a primeira das garantias orgânicas estipuladas em nosso modelo teórico. SG. Ela comporta não só a diferenciação entre os sujeitos que desenvolvem funções judicantes e os que desenvolvem funções de postulação – com o conseqüente papel de espectadores passivos e desinteressados reservado aos primeiros em virtude da proibição “ne procedat iudex ex officio”, mas também, e sobretudo, o papel de parte – em oposição de paridade com a defesa – consignado ao órgão da acusação e conseqüentemente ausência de poder sobre a pessoa do imputado.200

199 Vide nota 183. 200 La separación de Juez y la acusación es el más importante de todos los elementos constitutivos del modelo teórico acusatório, como pressuposto estrutural y lógico de todos los demás. Esta separación, requerida por nuestro axioma A8 “nullum indicium sine accusatione”, es la base de las garantias orgánicas estipuladas en nuestro modelo teórico SG. Comporta no sólo la diferenciación entre los sujetos que desarrollan funciones de enjuiciamiento y los que tienem atribuidas las de postulaciones – con la consequiente calidad de espectadores pasivos y desinteressados reservados a los primeros como consecuencia de la prohibición “ne procedat iudex ex officio” -, sino tambien, y sobre todo, el papel de parte, en posición de paridad con la defensa – asignado al órgano de la acusación, con la conseguiente falta de poder alguno sobre la persona del imputado. (FERRAJOLI, L. Ob. cit., p. 567).

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Jacinto Nélson de Miranda Coutinho ressalta que o processo penal

brasileiro tem características inquisitórias, conforme relatado por ele:

Finalmente diante da breve análise dos sistemas processuais e dos princípios que os estruturam, pode-se concluir que o sistema processual penal brasileiro é na essência, inquisitório, porque regido pelo princípio inquisitivo, já que a gestão da prova está, primordialmente, nas mãos do juiz, o que é imprescindível para a compreensão do Direito Processual Penal vigente no Brasil. No entanto, como é primário, não há mais sistema processual puro, razão pela qual tem-se, todos, como sistemas mistos. Não obstante, não é preciso grande esforço para entender que não há – e nem pode haver - um princípio misto, o que por evidente, desfigura o dito sistema. Assim, para entendê-lo, faz-se mister observar o fato de que, ser misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a referida adjetivação por conta dos elementos (todos secundários), que de um sistema são emprestados ao outro. É o caso, por exemplo, do processo comportar a existência de partes, o que para muitos, entre nós, faz o sistema tornar-se acusatório. No entanto, o argumento não é feliz, o que se percebe por uma breve avaliação histórica: quiçá o maior monumento inquisitório fora da Igreja tenha sido as ‘Ordonnance Criminelle’ (1670), de Luis XIV, em França; mas mantinha um processo que comportava partes. 201

A função do Juiz investigador torna o processo penal brasileiro ainda

mais inquisitório, pois ele investiga, produz e julga a prova. O Ministério Público e

o Defensor passam a exercer funções meramente decorativas no processo.

Pode-se argumentar que ao buscar a verdade, o Juiz se informa

pessoalmente sobre os fatos, todavia, Jorge de Figueiredo Dias comenta que

esta suposta vantagem é suplantada pelos problemas que acarretam a figura do

Juiz investigador:

A vantagem (aparente) de uma tal estrutura (modelo inquisitorial) residiria em que o Juiz poderia mais fácil e amplamente informar-se sobre a verdade dos factos – de todos os factos penalmente relevantes, mesmo que não contidos na acusação -, todo o seu domínio único e omnipotente do processo em qualquer das fases sabe-se já, porém o preço incomportável: antes de tudo, a impossibilidade “psicológica” de preservar a imparcialidade de julgamento de um Juiz no qual convergissem as qualidades de instrutor, acusador e julgador; e depois também o frontal ataque que assim desencadearia contra a preservação (humanamente impossível) da própria independência judicial quanto aos poderes do Estado.202

Destarte, a negociação da delação premiada deve ser realizada

inteiramente sob o patrocínio do Ministério Público e do Defensor do réu, sendo o

Juiz afastado da mesma. O Juiz somente deve tomar ciência das informações, 201 COUTINHO, Jacinto Nélson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do Direito Processual Penal brasileiro. In Revista da UFPR, Curitiba, a. 30, n. 30, 1998, p. 167. 202 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Ed. Coimbra, 1.984, p. 247.

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prestadas pelo delator quando a negociação entre as partes estiver encerrada, a

fim de homologá-la, caso satisfaça os requisitos previstos no artigo 1º, § 5º da Lei

nº 9613/98.203

Com relação aos direitos constitucionais das partes envolvidas na

delação premiada: primeiro examinar-se-á os direitos do delator e depois do

delatado.

O delator tem o direito de receber o prêmio, que pode ser desde a

redução na reprimenda, aplicação do regime aberto ou sua substituição por pena

restritiva de direitos, ou até mesmo a concessão do perdão judicial, caso as

informações prestadas sejam aquelas previstas no artigo 1º, § 5º da Lei de

Lavagem de Dinheiro. O delator tem também o direito de ser protegido,

juntamente com sua família, de eventual retaliação dos delatados, por intermédio

da Lei de Proteção às Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.204

Um acusado, no processo penal brasileiro, tem o direito de permanecer

calado em seu interrogatório, nos termos do artigo 5º, inciso LXIII da Constituição

Federal e artigo 186 do Código de Processo Penal. Este direito deve ser

garantido ao delator, a fim dele não ser obrigado a responder às perguntas

formuladas pelo advogado do delatado? A esta pergunta responde-se com um

não, pois o co-réu, ao optar pelo acordo de delação premiada, não tem a

prerrogativa de ficar em silêncio, visto que o mencionado acordo exige, por parte

do delator, colaboração total no esclarecimento da verdade.

A colaboração com a justiça significa responder a todas as perguntas

elaboradas pela acusação e pela defesa para esclarecer fatos por ele praticados

nos autos, mesmo que seu depoimento lhe cause algum embaraço. A partir do

momento que deseje colaborar com a justiça, o delator deve ter o seu

depoimento equiparado ao de uma testemunha, contudo não é este o

entendimento da jurisprudência pátria.205

203 Na Justiça Federal de Curitiba têm sido realizadas delações premiadas desta forma, todavia não há nada que impeça que algum Magistrado entenda ter ele o papel principal na negociação entre as partes. 204 Lei nº 9807/99 – Lei de Proteção às Testemunhas e Vítimas Ameaçadas. 205 Na decisão abaixo relacionada não é exigido do delator tomada de compromisso de dizer a verdade, previsto no art. 203 do CPP: “(....) Não merece acolhida a preliminar de nulidade do

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No Direito Italiano o colaborador da justiça tem o dever de dizer a

verdade, conforme comenta Paolo Tonini:

No direito italiano a Lei 63 de 2.001 impõe ao acusado, no curso do interrogatório do próprio procedimento, o dever de dizer a verdade com relação a declarações que concerne à responsabilidade de terceiros. Neste caso, ele assume, com relação a estes fatos, o papel de testemunha. Não se excluiu, com relação a este co-réu, a prerrogativa de não responder a perguntas.206

O delatado, como já foi ressaltado neste trabalho, tem direito às

garantias processuais previstas na Constituição Federal e na legislação ordinária,

especialmente os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da

publicidade, da fundamentação das decisões judiciais e do devido processo legal.

Por sua vez, o Poder Judiciário tem vedado ao delatado acesso aos autos de

delação, desrespeitando, portanto as mencionadas garantias.

Os Tribunais não podem impedir que um réu tome ciência de importantes

informações que, com certeza, influenciam em seu julgamento, sob argumento de

que estes depoimentos estão protegidos por sigilo. Se não for possível conhecer

o que falam a seu respeito, ninguém terá condições de exercer plenamente o seu

direito de defesa, por sinal previsto na Constituição, no inciso LV do artigo 5º.

Finalmente a delação premiada tem sido utilizada como uma importante

ferramenta para solucionar os crimes de lavagem de dinheiro, todavia, como foi

visto acima, a sua aplicação é ainda objeto de muita polêmica.

No próximo capítulo examinar-se-á o disposto no artigo 3º da Lei nº

9613/98 que impede a concessão de liberdade provisória para os crimes de

lavagem de dinheiro.

processo, pela tomada de compromisso legal de ex-integrantes da associação criminosa. Com efeito, a alegação do réu vai de encontro à finalidade do instituto da delação premiada, previsto no art. 6º da Lei n. 9.034/1995, que reduz a pena de 1 (um) a 2/3 (dois terços) quando a colaboração espontânea do agente possibilite o desmantelamento do bando ou quadrilha, ou leve efetivamente ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.(....). (TRF1 – AP. Crim. 2000.37.00.001030-0/MA – Rel. Des. Hilton Queiroz – 4ª Turma – Dara 24/01/2006 – DJ 15/02/2006 - p. 25)”. 206 TONINI, P. Ob. cit., p. 155.

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5 - A restrição à liberdade provisória na lavagem d e dinheiro

A Lei nº 9.613/98, depois de incluir dispositivos que incentivam o autor a

cooperar com as autoridades, institui norma bastante autoritária, para quem não

colabora com a justiça no esclarecimento da verdade. Esta lei prevê, em seu

artigo 3º, que estes crimes não são suscetíveis de fiança e de liberdade

provisória.207

Outrossim, o dispositivo que impede a concessão de liberdade provisória

combinado com a inclusão da delação premiada, institucionaliza a chantagem no

processo: quem não colabora com a repressão ao crime fica preso. Em

contrapartida, quem auxilia as autoridades recebe um prêmio.

O ponto de partida para a discussão acerca de qualquer dispositivo legal

que aborde restrições ao direito de responder um processo criminal em liberdade,

é ter em conta o funcionamento de todo o arcabouço constitucional que trata da

questão. A Constituição brasileira de 1988 possui vários incisos no seu artigo 5º

que restringem a prisão provisória em nosso país.

Naturalmente, há uma preocupação em impedir que qualquer pessoa

seja presa ilegalmente, ao se limitar a prisão provisória a somente duas

hipóteses: ocorrência de flagrante delito ou de prisão mediante ordem escrita e

fundamentada da autoridade judicial.208 Outro dispositivo constitucional impõe que

a prisão ilegal seja relaxada pela autoridade judiciária, quando esta verificar que a

detenção de alguém não está de acordo com as formalidades legais.209

207 Art. 3º. Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. 208 Art. 5º; LXI – Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar definido em lei. 209 Art. 5º; LXV – A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.

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Os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal oferecem a

todos os cidadãos um sistema de normas que garante a segurança jurídica,

impedindo a prisão arbitrária.210

Por outro lado, a Constituição Federal declara expressamente que

qualquer pessoa é presumidamente inocente até a sentença penal

condenatória.211

Luigi Ferrajoli resume em poucas palavras a essência do princípio da

presunção de inocência:

Esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que a custo da impunidade de algum culpado.212

A doutrina nacional comenta sobre a importância do princípio da

presunção de inocência na questão do poder conferido aos Juízes de decretar

prisões cautelares:

210 Eugenio Raúl Zaffaroni apresenta uma preocupante estatística acerca de presos provisórios na América Latina: “Aproximadamente ¾ dos presos latino-americanos estão submetidos a medidas de contenção por suspeita (prisão ou detenção preventiva). Desses, quase 1/3 será absolvido. Isto significa que em ¼ dos casos os infratores são condenados formalmente e são obrigados a cumprir apenas o resto da pena; na metade, do total de casos, verifica-se que o sujeito é infrator, mas se considera que a pena a ser cumprida foi executada com o tempo da prisão preventiva ou medida de mera contenção; no que diz respeito ao ¼ restante dos casos, não se pode verificar infração e, por conseguinte, o sujeito é liberado sem que lhe seja imposta pena formal alguma.” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. (Trad. Sérgio Lamarrão). Rio de Janeiro. Ed. Revan, 2007, p. 71). 211 “Art. 5º; LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” É importante ressaltar que o princípio da presunção de inocência está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de novembro de 1948, adotada pela Resolução 217 A(III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, no seu Artigo XI que tem a seguinte redação: “ 1 – Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” Além disso, está inserida no artigo 8º, nº 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica - de 22 de novembro de 1969, aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 27 de 26 de maio de 1992 e promulgada pelo Presidente da República, através do Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992. O referido dispositivo tem a seguinte redação: “Art. 8º Garantias Judiciais: 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.” 212 Este princípio fundamental de civilidad es el fruto de una opción garantista a favor de la tutela de la inmunidad de los inocentes, incluso al precio de la impunidad de algún culpable. (FERRAJOLI, L. Ob. cit., p. 549)

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No caso da prisão cautelar, essas exigências se tornam ainda mais rigorosas, diante do preceito constitucional segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, inc. LVII, CF); em face do estado de inocência do acusado, a antecipação do resultado do processo representa providência excepcional, que não pode ser confundida com a punição, somente justificada em situações de extrema necessidade.213

A doutrina reconhece que a presunção de inocência da nossa

constituição é a base para se entender o sistema de prisão provisória de nosso

país. Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Júnior nos ensinam que:

Se o ‘status’ de condenado começasse antes do término do processo, o contraditório e a defesa plena seriam postergados, cedendo espaço a presunções que não encontram guarida na constituição.214

Este princípio constitucional não conflita com o sistema de prisão

cautelar, pois a própria Constituição admitiu que a prisão provisória pode ser

aplicada, basta examinar os dispostos nos incisos LXI e LXVI do artigo 5º da

Constituição Federal, os quais admitem a prisão provisória em nosso

ordenamento jurídico: quando ocorrer prisão em flagrante delito (nesta hipótese

só se deve permanecer no cárcere se não for possível conceder-se liberdade

provisória ao réu) e quando o Juiz fundamentar um decreto de prisão na forma da

lei. 215

Fernando da Costa Tourinho Filho comenta os requisitos para se admitir

prisões cautelares em nossa legislação processual penal:

A Carta Maior (Constituição Federal) veda, pois, terminantemente, qualquer prisão ou detenção cuja ordem não provenha da Autoridade Judiciária Competente. A única ressalva que faz, no que respeita à exigência de ordem escrita, diz respeito às transgressões militares ou crimes propriamente militares, quando, então, a ordem poderá provir da autoridade militar competente. A outra ressalva é o flagrante. Sem que haja flagrante – e o conceito deste é dado pela lei processual – ninguém poderá ser preso ou detido sem ordem escrita da Autoridade Judiciária competente.216

213 GRINOVER, Ada Pellegrini: FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 1.992, p. 221. 214CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito Penal na Constituição, 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.995, p. 111. 215 Art. 5º; LXI e LXVI. 216 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo Penal. 12. Ed., v. 3. São Paulo: Ed. Saraiva, 1.990, p. 343.

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O autor supra mencionado comenta que somente nos casos previstos

em lei é possível a imposição da custódia cautelar. Se é admissível a prisão

cautelar, mesmo que em hipóteses limitadas, deve-se concluir que esta não está

em conflito com o princípio constitucional da presunção de inocência.

Pode-se dizer que a prisão cautelar somente pode ser decretada quando

for imprescindível para a prestação jurisdicional. É o que se pode chamar de

princípio da necessidade.217

Com relação à probabilidade de condenação, identifica-se outro princípio

que é o da proporcionalidade: não se pode justificar a prisão de quem quer que

seja, se não for possível imaginar que a decisão condenatória projete uma pena

de prisão. É claramente absurda a custódia cautelar quando se observa que a

medida é imposta contra um acusado que tenha cometido um crime culposo cuja

pena comumente é aplicada em regime aberto.218

A doutrina identifica outro princípio, o da adequação, que é quando se

busca a medida provisória mais adequada às finalidades cautelares para o caso

em questão.219

A combinação aplicada dos princípios acima mencionados é uma

garantia de que a prisão cautelar não pode ser usada como um poder arbitrário

da autoridade judiciária.

A doutrina exige inclusive que a fundamentação não seja genérica, mas

baseada em dados concretos, visando demonstrar a existência das hipóteses

previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal:

A prevalência do princípio da presunção de inocência sobre normas inferiores conduz a exigência de que a prisão processual seja admissível somente por meio de decisão suficientemente fundamentada, com a indicação de fatos concretos, suscetíveis de causar prejuízo à ordem pública ou à instrução criminal, bem como pôr em risco a aplicação da lei penal.220

217 CÂMARA, Luiz Antonio. Prisão e liberdade provisória: lineamentos e princípios do processo penal cautelar. Curitiba: Juruá, 1.997, p. 90. 218 CÂMARA. L. A. Ob. cit. p. 96. 219 CÂMARA, L. A. Ob. Cit. p. 93. 220 SOUZA NETTO, J. L. Ob. Cit, p. 127.

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A prisão em flagrante delito, em qualquer infração penal, somente pode

ser mantida quando estiverem presentes as hipóteses que autorizam a custódia

preventiva. Essa manutenção na prisão, conforme orientação bastante firme – até

mesmo dos Tribunais – remete à disciplina dos arts. 310 e 312 do Código de

Processo Penal. É a partir de tais dispositivos, com análise do caso concreto que

o juiz verificará se é devida ou não a manutenção da prisão.221

221 Aliás o Superior Tribunal de Justiça tem farta jurisprudência neste sentido: a) PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA PARA RESPALDAR A CUSTÓDIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Para a decretação da prisão preventiva, não bastam singelas considerações acerca da gravidade do delito em abstrato, nem é suficiente a mera reprodução das expressões constantes no art. 312 do Código de Processo Penal, sendo necessária a demonstração objetiva, com base em fatos concretos, da efetiva necessidade da medida cautelar na hipótese em exame, evidenciando-se na decisão a real ameaça à ordem pública ou os riscos para a regular instrução criminal ou o perigo de se ver frustrada a aplicação da lei penal. 2. A proibição à liberdade provisória aos acusados por crimes hediondos ou a eles equiparados, nos termos do art. 2º, inciso, II, última parte, da Lei 8.072/90, não se mostra suficiente, por si só, para a restrição de liberdade antecipada, que se deve reger sempre pela demonstração da efetiva necessidade no caso em concreto. 3. Reconhecida a ilegalidade da prisão provisória do paciente, resta prejudicado o pleito de reconhecimento do excesso de prazo para a formação da culpa. 4. Ordem concedida para determinar a expedição de alvará de soltura ao paciente, caso não se encontre preso por outro motivo. (STJ - HC 2006/0133013-7 – Rel. Min Arnaldo Esteves Lima – 5ª Turma – Data 13/02/2007 – DJ 12.03.2007 - p. 278). b) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES EM ASSOCIAÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE. VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA FUNDAMENTADA TÃO-SOMENTE NO ART. 2º, INCISO II, ÚLTIMA PARTE, DA LEI 8.072/90. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A vedação à liberdade provisória contida no art. 2º, inciso, II, última parte, da Lei 8.072/90, não se mostra suficiente, por si só, para a restrição de liberdade antecipada, sendo necessária a demonstração da presença dos requisitos autorizadores da custódia cautelar, nos termos do art. 312 do CPP. 2. Assim, para o indeferimento do pedido de liberdade provisória, é indispensável a demonstração objetiva, com base em fatos concretos, da efetiva necessidade da segregação cautelar, evidenciando-se na decisão a real ameaça à ordem pública ou econômica, o risco para a regular instrução criminal ou o perigo de se ver frustrada a aplicação da lei penal. Precedentes. 3. Ordem concedida para, assegurando o benefício da liberdade provisória ao paciente, determinar a expedição de alvará de soltura em seu favor. (STJ - HC 2006/0145675-6 – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – 5ª Turma – Data 12/12/2006 – DJ 05.02.2007 p. 286). c) PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES, RECEPTAÇÃO E PORTE ILEGAL DE ARMA. PRISÃO EM FLAGRANTE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA PARA RESPALDAR A CUSTÓDIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A gravidade do delito, bem como a sua classificação como assemelhado aos crimes hediondos, dissociada de elementos concretos, não constituem fundamentos idôneos para obstar a concessão de liberdade provisória, sendo indispensável a demonstração de ao menos um dos pressupostos autorizadores da prisão preventiva, além da prova da materialidade e dos indícios de autoria, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o referido dispositivo legal não admite conjecturas. 2. A simples reprodução das expressões ou dos termos legais expostos na norma de regência, divorciada dos fatos concretos ou baseada em meras suposições, não é suficiente para atrair a incidência do art. 312 do CPP. 3. Deve ser demonstrada a efetiva necessidade da medida

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A decisão de se conceder ou não liberdade provisória deve ser

fundamentada pelo Magistrado, especialmente porque esta deliberação judicial

afeta a liberdade de alguém. No caso da regra impeditiva de liberdade provisória,

prevista no artigo 3º da Lei nº 9.613/98, os Juízes não precisariam justificar as

suas decisões de negar ou conceder liberdade provisória, já que o dispositivo

desta lei simplesmente veda a concessão de liberdade provisória.222

Eugenio Pacelli de Oliveira comenta sobre a necessidade de

fundamentação para se decretar uma prisão cautelar:

restritiva de liberdade antecipada, evidenciando-se, de forma específica e objetiva, em que ponto reside a ameaça à ordem pública ou econômica, o risco para a regular instrução criminal ou o perigo de se ver frustrada a aplicação da lei penal. 4. Reconhecida a ilegalidade da prisão provisória do paciente, resta prejudicado o pleito de reconhecimento do excesso de prazo para a formação da culpa. 5. Ordem concedida para determinar a expedição de alvará de soltura ao paciente, caso não se encontre preso por outro motivo. (STJ – HC 2006/0218005-9. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – 5ª Turma – Data 12/12/2006 – DJ 05.02.2007 p. 314). d) RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA NEGADA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. A prisão cautelar, assim entendida aquela que antecede a condenação transitada em julgado, só pode ser imposta se evidenciada, com explícita fundamentação, a necessidade da rigorosa providência. 2. Mesmo nas hipóteses de crimes hediondo ou equiparado, é imprescindível que se demonstre, com elementos concretos, ser necessária a custódia provisória, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, não bastando a referência à vedação legal contida no art. 2º, II, da Lei nº 8.072/1990, tampouco à repercussão da conduta 3. Recurso provido. (STJ – RHC 2005/0129019-1 – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – 6ª Turma – Data 14/11/2006 – DJ 19.11.2007 p. 291). e) HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDO EM RAZÃO DA NATUREZA DO DELITO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O simples fato de se tratar de crime hediondo ou equiparado, in casu, tráfico de entorpecentes, bem como a hipotética possibilidade de fuga do paciente não impedem a concessão de liberdade provisória, uma vez constatada a ausência dos requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva. 2. Habeas corpus concedido para assegurar ao paciente a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento aos atos do processo, pena de revogação. (STJ – HC 2006/0111102-5 – Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO – 6ª Turma – Data 07/12/2006 – DJ 20.08.2007 p. 308). 222 Gilson Bonato comenta sobre a necessidade de fundamentação das decisões judiciais no caso da prisão cautelar: “Dentre todas as garantias acima elencadas, a que merece importância maior é sem dúvida a necessidade de motivação da decisão restritiva e isso por duas razões básicas: a) da forma como está estruturada a prisão cautelar no sistema brasileiro, um simples jogo de palavras pode levar o juiz a decretar uma prisão. Veja-se, por exemplo, que o fundamento da ‘garantia da ordem pública’ pode enfeixar uma série de significados, dando margem a abertura a qualquer fundamentação; b) a restrição a liberdade através de medida cautelar é ato que gera graves conseqüências para o acusado e por isso deve ser sério e extremamente fundamentado, numa perfeita análise dos fatos concretos e sua consonância aos dispositivos permissivos da restrição da liberdade”. (BONATO, Gilson. Processo legal e garantias processuais penais, 2002, 224f. Dissertação de Mestrado em Direito Econômico e Social – PUC-Pr., p. 140-141).

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Assim é porque o reconhecimento da situação jurídica de inocente (art. 5º, LVII) impõe a necessidade de fundamentação judicial para toda e qualquer privação de liberdade, posto que só o judiciário poderá determinar a prisão de um inocente. E, mais, que essa fundamentação seja constituída em bases cautelares, isto é, que a prisão seja decretada como acautelamento dos interesses da jurisdição penal, com a marca da indispensabilidade e da necessidade da medida.223

Saliente-se que, mesmo quando se tomava como referência a Lei

8.072/90 (de crimes hediondos, onde havia, também, vedação à concessão de

liberdade provisória)224 os Tribunais decidiam que a simples menção à lei não era

suficiente para a manutenção de alguém no cárcere, ou seja, sempre foi

necessária a fundamentação das decisões judiciais na forma do artigo 93, inciso

IX da Constituição Federal.225

Ressalta-se que prisão cautelar deve ser sempre a exceção em qualquer

país que pretenda ser democrático, conforme comenta José I. Cafferata Nores:

Quase ninguém discute hoje que, em virtude do artigo 18 da Constituição Nacional que consagra o princípio da inocência, durante a tramitação do juízo prévio a restrição do direito de liberdade do imputado só se concebe quando se possa temer que este pretende abusar do seu exercício para prejudicar as investigações da verdade, evitar a realização do Juízo ou evitar o cumprimento da pena que lhe poderia ser imposta, o que evidencia claramente sua natureza cautelar. Só quando seja o único modo de resguardar o interesse pela verdade e a justiça, se admite a restrição à liberdade.226

223 OLIVEIRA, E. P. Ob. cit. p. 490. 224 A Lei nº 11464 de 28 de março de 2007 modificou a Lei 8072/90 retirando do texto legal a vedação à concessão de liberdade provisória, que constava no texto original. 225 CRIMINAL. HC. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. HEDIONDEZ DO DELITO. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. ORDEM CONCEDIDA. Revela-se insuficientemente fundamentada a decisão que deixa de conceder liberdade provisória sem apontar nenhum motivo concreto para a manutenção da custódia do paciente, fazendo referências, tão somente, à prova da materialidade e indícios de autoria. A prisão cautelar é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. Nem mesmo o fato de se tratar de crime hediondo basta para, isoladamente, justificar a custódia cautelar, sendo necessária a devida fundamentação. Precedente. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão monocrática por ele confirmada para conceder ao paciente o benefício da liberdade provisória, mediante as condições estabelecidas pelo Juiz de 1º grau, se por outro motivo não estiverem presos, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia cautelar, com base em fundamentação concreta. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ – HC 2006/0148419/3 – Rel. Gilson Dipp – 5ª Turma – Data 07/11/2006 - DJU 18.12.2006 p. 438). 226 Casi nadie discute hoy que, en virtud del artículo 18 de la Constituición Nacional que consagra el principio de inocencia, durante la tramitación del juicio previo la restrición del derecho de libertad del imputado sólo se concibe cuando se pueda temer que éste pretenda abusar de su ejercicio para entorpecer la investigación de la verdad, eludir la realización del juicio o evitar el

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Determinações legislativas impeditivas de liberdade provisória, como a

restrição prevista no artigo 3º da Lei de Lavagem de Dinheiro, são claramente

inconstitucionais, pois o réu não pode ser mantido preso quando a lei admitir a

liberdade provisória, na forma prevista no inciso LXVI do artigo 5º da Constituição

Federal. Além disso, o artigo 3º da Lei nº 9613/98 declara que a prisão sempre é

necessária e que não se pode decidir de forma contrária, o que contraria o

disposto no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal, que obriga o julgador a

fundamentar todas as suas decisões.

Observa-se uma tendência do legislador ordinário em aumentar o campo

de atuação da prisão cautelar e, por conseguinte, reduzir as hipóteses de

concessão de liberdade provisória.227

Rodolfo Tigre Maia reitera que o dispositivo da lei de lavagem de

dinheiro, que veda a liberdade provisória, não conflita com o princípio da

presunção de inocência:

Por outro lado, não há que se cogitar de qualquer vulneração da presunção constitucional da inocência, eis que a compatibilização entre os dois mandamentos constitucionais envolvidos conduz a que a regra da não-culpabilidade – inobstante o seu relevo – não afetou e nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assume a prisão cautelar em nosso direito positivo. O instituto da tutela penal, que não vincula qualquer idéia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não-culpabilidade.228

Não há como concordar com o entendimento do autor referido, pois se

todos são presumidos inocentes, como se admite que os réus por lavagem de

dinheiro sejam menos inocentes que os indiciados por outros delitos? Não há

nenhuma justificativa em não se tratar o crime de lavagem de capitais da mesma

cumplimiento de la pena que pudiera imponérsele, lo que evidencia claramente su naturaleza cautelar. Sólo cuando sea el único modo de resguardar el interés por la verdad y la justicia, se admite la restricción a la liberdad. (NORES, José I. Cafferata. Introdución al derecho procesal penal. Córdoba: Ed. Marcos Lerner Editora Córdoba, 1.994, p. 65). 227 Em várias leis produzidas em nosso país incluíram-se dispositivos que vedam a concessão da liberdade provisória, mesmo com determinação constitucional em contrário. Vide art. 2º, II (com redação original) da Lei 8072/90 (dos crimes hediondos) (dispositivo legal atualmente revogado), art. 7º da Lei nº 9034/95 (Organizações criminosas), art. 21 da Lei nº 10826/03 (Estatuto do desarmamento), art. 44 da 11343/06 (Lei de tóxicos) além do art. 3º da Lei nº 9613/98 (Lei de lavagem de dinheiro). 228 MAIA, R. T. Ob. Cit., p. 126.

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forma que os demais delitos previstos na legislação penal brasileira. Além disso,

o posicionamento deste autor é claramente minoritário na doutrina nacional.

A propósito Vicente Greco Filho nos ensina:

Por outro lado, a obrigatoriedade da prisão, mesmo em crimes mais graves, revelou-se no direito brasileiro como inadequado para a realização da justiça. Todos os estudiosos de processo sabem como era odiosa a figura da prisão preventiva obrigatória, hoje totalmente superada. Cremos que seria um retrocesso, incompatível com o sistema geral de garantias da pessoa, manter na prisão alguma pessoa em virtude de situação meramente formal que seria a de flagrância.229

O mesmo posicionamento tem Luiz Antonio Câmara:

O princípio da presunção de inocência impede admitam-se prisões que importem no reconhecimento da execução antecipada da pena ou que constituam conseqüência lógica da imputação, como ocorre nos casos de prisão obrigatória, razão pela qual se contrapõe ao princípio a previsão legislativa que nega ao acusado direito à liberdade provisória. Em síntese, a compatibilidade da adoção de uma medida de cautela com a presunção de inocência somente pode ser avaliada “in concreto”.230 Da mesma forma se manifesta César Antonio da Silva:

A vedação à concessão de liberdade provisória nos termos previstos no art. 3º é tão equivocada quanto à proibição de fiança. Porque se trata de prisão indiscriminada, o que equivale dizer que é admitida a prisão sem necessidade. O legislador, ao proibir a liberdade provisória, utilizando-se de critérios abstratos, está substituindo o Juiz em sua tarefa de decidir.231

No mesmo sentido Eugênio Pacelli de Oliveira:

Inconstitucional, porque a manutenção obrigatória da prisão (em flagrante) dispensa fundamentação, e, o que é pior, dispensa fundamentação judicial. Ora, segundo o nosso texto constitucional, ninguém será mantido preso senão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, nos termos do art. 5º, LXI. Inconstitucional, também, porque parte do pressuposto da existência do crime e de sua autoria, no que se revela incompatível com o princípio da inocência, e porque parte ainda do pressuposto de que, em tais situações, a prisão seria sempre necessária. Com isso, segundo a lei, estaria justificada a natureza cautelar da custódia. Ora, nada mais equivocado.232

229 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1.989, p. 135-136. 230 CÂMARA, L. A. Ob. cit., p. 44-45. 231 SILVA, C. A. Ob cit. p. 145. 232 OLIVEIRA, E. P. Ob. cit. p. 565-566.

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Identicamente, Luiz Flávio Gomes:233

A proibição de concessão de liberdade provisória, prevista também no art. 3º, segue a mesma linha equivocada da proibição da fiança. É um erro lamentável tentar conter a criminalidade com corte de direitos e garantias fundamentais. E além disso, obviamente, inconstitucional, mesmo porque, ao proibir o texto legal a fiança e a liberdade provisória, acaba de pretender reintroduzir no nosso sistema a prisão provisória, obrigatória, que desapareceu na década de sessenta com o regime militar.234

A conclusão a que se chega sobre o assunto é que o legislador deve

estabelecer normas gerais (aplicáveis a todos os investigados e acusados e em

relação a todas as infrações penais) para se conceder ou não liberdade

provisória.

De acordo com J. J. Gomes Canotilho, os Tribunais devem interpretar as

leis levando-se em conta que as normas constitucionais são superiores a todos

os outros dispositivos legais. Esta é a materialização do princípio da

constitucionalidade.235

Se a norma constitucional diz que a regra deve ser a liberdade e a

exceção, a prisão, é absolutamente inconstitucional manter alguém preso

provisoriamente com base em dispositivos legais que restringem a liberdade

provisória (como o do artigo 3º da Lei nº 9.613/98). Portanto para se decretar

prisões cautelares deve-se provar para cada caso concreto a existência dos

requisitos previstos no Código de Processo Penal.236

233 Alias este autor se manifestou de forma contundente em momento anterior sobre o mesmo tema: “Conceber a impossibilidade de liberdade provisória em razão de determinação legislativa não autorizada constitucionalmente, por fim, significa admitir a prisão compulsória às avessas, isto é, tratar o acusado – que é presumido inocente – como se fosse culpado. Isso é antecipação da pena, que conflita com o princípio da inocência”. (GOMES, L. F.; CERVINI, R. Ob cit., p. 217). 234 GOMES, L. F.; OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R. Ob. cit, p. 359. 235 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2. Ed. Coimbra: Ed. Almedina, 1998, p. 633. 236 Em recente decisão acerca de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade o Supremo Tribunal Federal considerou inaplicável a norma prevista no art. 21 da Lei 10826/03 (Estatuto do Desarmamento), que restringia liberdade provisória para os crimes previstos nesta lei. Este mesmo raciocínio deve ser aplicado para a Lei 9.613/98, ou seja, a Constituição não autoriza a prisão provisória em face de lei ordinária por ferir os princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. Segue um trecho da decisão: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 10.826/2003. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL AFASTADA. INVASÃO DA COMPETÊNCIA RESIDUAL DOS ESTADOS. INOCORRÊNCIA.

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A legislação processual penal admite a prisão provisória, quando estão

presentes as regras que autorizam a prisão preventiva previstas no artigo 312 do

Código de Processo Penal. A prisão preventiva somente pode ser decretada

quando houver prova da existência do crime e de indícios de autoria, desde que

seja para a manutenção da ordem pública ou da ordem econômica, por

conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. 237

A parte inconformada com uma eventual decisão de 1ª instância,

negando ou concedendo a liberdade provisória, evidentemente que poderá

recorrer (no caso do Ministério Público) ou impetrar “habeas corpus” (no caso da

DIREITO DE PROPRIEDADE. INTROMISSÃO DO ESTADO NA ESFERA PRIVADA DESCARACTERIZADA. PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO RECONHECIDA. OBRIGAÇÃO DE RENOVAÇÃO PERIÓDICA DO REGISTRO DAS ARMAS DE FOGO. DIREITO DE PROPRIEDADE, ATO JURÍDICO PERFEITO E DIREITO ADQUIRIDO ALEGADAMENTE VIOLADOS. ASSERTIVA IMPROCEDENTE. LESÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AFRONTA TAMBÉM AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. ARGUMENTOS NÃO ACOLHIDOS. FIXAÇÃO DE IDADE MÍNIMA PARA A AQUISIÇÃO DE ARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE. REALIZAÇÃO DE REFERENDO. INCOMPETÊNCIA DO CONGRESSO NACIONAL. PREJUDICIALIDADE. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE QUANTO À PROIBIÇÃO DO ESTABELECIMENTO DE FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA. (....)V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.(....) IX - Ação julgada procedente, em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos únicos dos artigos 14 e 15 e do artigo 21 da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003. (STF - ADIN 3112 / DF – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – Data 02/05/2007 – DJU - 26-10-2007 - p. 28).” O Superior Tribunal de Justiça seguiu o mesmo entendimento: “HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA REVOGADA EM SEDE DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. VEDAÇÃO LEGAL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 3.112, julgou inconstitucional a vedação da liberdade provisória contida no artigo 21 da Lei 10.826/2003, consoante Informativo 465 daquela Casa. 2. Afastada a vedação legal ao benefício, não persiste nenhum fundamento para a manutenção do cárcere cautelar do Paciente pela Corte a quo, mormente porque a gravidade abstrata do delito, de per si, não é razão suficiente para impedir a liberdade provisória. 3. Habeas corpus concedido. (STJ – HC 2006/0240636-3 – Relª. Minª. Ministra Laurita Vaz - 5ª Turma – Data 18/12/2007 – DJ 11.02.2008 - p. 1).” 237 Art. 310 - Quando o Juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19 (leia-se art. 23), I, II e III do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único – Igual procedimento será adotado quando o Juiz verificar, pelo auto de prisã o em flagrante, a inocorrência de hipóteses que autorizam a prisão preventiva. (art. 311 e 312).

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defesa) à instância imediatamente superior, contestando os argumentos do Juiz

“a quo”, que concedeu ou indeferiu pedido de liberdade provisória.238

É verdade que a prova produzida na investigação dos crimes de lavagem

de dinheiro é de difícil elaboração, sendo necessárias quebras de sigilo bancário

ou telefônico, perícias contábeis, bem como, às vezes, produção de provas em

países estrangeiros. Contudo, não se admitem dispositivos que vedem a

liberdade provisória, como no caso do artigo 3º da Lei nº 9.613/98, pois a

obrigatoriedade da prisão confronta com o princípio constitucional da presunção

de inocência.239

Alberto Silva Franco vai além, vendo na prisão obrigatória ofensa ao

princípio constitucional do devido processo legal:

A impossibilidade de concessão de liberdade provisória ofende outro dispositivo constitucional que trata do devido processo legal (Art. 5º, LIV) – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Como antecipação de pena, a imposição de prisão cautelar obrigatória impossibilita o exercício de qualquer defesa por parte do sujeito. Não lhe é possível exercitar as garantias constitucionais previstas no n. LV do mesmo artigo 5º, que prevê a asseguração do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. É inconcebível que alguém seja privado de seu bem maior, a liberdade, sem poder exercitar qualquer defesa, sem poder usar dos recursos necessários.240

238 (Art. 581, V, do CPP) – Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante. (Art. 5º, LXVIII da C. F.) – Art. 5º, LXVIII- conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. 239 No ano de 2002, o Conselho da Justiça Federal, realizou uma pesquisa através do Centro de Estudos Judiciários. Foi enviado um questionário a 279 (duzentos e setenta e nove) Juízes Federais, a 156 (cento e cinqüenta e seis) Procuradores da República e a 44 (quarenta e quatro) Delegados Federais. Este questionário foi respondido por 134 (cento e trinta e quatro) Juízes Federais, por 65 (sessenta e cinco) Procuradores da República e por 20 (vinte) Delegados Federais. As respostas se referiam, entre outras coisas à constitucionalidade de dispositivos da Lei nº 9613/98. Chegou-se a uma surpreendente conclusão acerca do dispositivo previsto no art. 3º desta lei, que veda a liberdade provisória. Com relação aos Juízes Federais, 63% (sessenta e três por cento) consideraram este dispositivo de acordo com a Constituição Federal; entre os Procuradores da República, 84% (oitenta e quatro por cento) opinaram que o dispositivo é constitucional; finalmente, 89% (oitenta e nove por cento) dos Delegados Federais responderam que este dispositivo está de acordo com o texto constitucional. (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Centro de Estudos Judiciários. Uma análise crítica da lei dos crimes de lavagem de dinheiro. Série de Pesquisas do CEJ, n. 9. Brasília. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/revista/seriepesquisas9.pdf>, Acesso em 03 jun 2008). 240 SILVA FRANCO, A. Crimes hediondos.........., p. 103.

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A constatação a que não se pode fugir é que não há, no processo penal

brasileiro, observância do princípio do devido processo legal para a

imposição/manutenção de prisão. A propósito, Luiz Antonio Câmara comenta

esta questão:

No momento cautelar do processo as coisas não se passariam de forma diferente: aberto o contraditório das partes, muitas vezes, frustrar-se-ia o fim da cautela em razão de que, tomando o acusado conhecimento da possibilidade da adoção contra ele de medida cautelar, poderia, antecipando-se a decisão, furtar-se à execução. Inatendida, destarte, ver-se-ia a tutela cautelar. A providência restritiva de liberdade, sendo ato de surpresa , não poderia constituir objeto de contraditório, pois, às vezes, no interesse de uma investigação eficaz, as medidas devem ser impostas com rapidez, motivo pelo qual se entendeu mais adequado que os efeitos do contraditório não exercessem qualquer espécie de influência no incidente cautelar.241

Contudo, o mesmo autor afirma a necessidade de estabelecimento de

um debate contraditório em tema de cautelas pessoais, procedimento, aliás, já

adotado por todas as codificações mais recentes e modernas.242

O crime de lavagem de dinheiro prevê penas que variam de três a dez

anos de reclusão, portanto, há uma possibilidade razoável de ser fixado o regime

aberto ou semi-aberto, em caso de condenação. Diante disso, caso este

dispositivo seja aplicado, o acusado poderá permanecer preso durante meses,

para ao final do processo, receber uma pena em regime aberto ou semi-aberto.

Isto não é admissível. Entre a medida cautelar e a aplicação da pena deve haver

alguma proporcionalidade, ou seja, somente deve-se decretar prisões cautelares

quando se prevê uma pena final a ser cumprida em regime fechado.

Sobre a proporcionalidade entre a medida cautelar e a pena a ser

aplicada, Luiz Antonio Câmara nos ensina:

A idéia basilar, ínsita a tal princípio (da proporcionalidade), exterioriza-se no sentido de existir uma determinada interdependência entre a medida de cautela a ser adotada e o apenamento projetado para o término do processo cognitivo.243

241 CÂMARA, L. A. Ob. cit. p. 52-53. 242 CÂMARA, L. A. Ob. cit. p. 53-59. 243 CÂMARA, L. A. Ob. cit. p. 94.

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No crime de lavagem de dinheiro, tomados como referencial mínimo e

máximo da pena restritiva de liberdade verifica-se que, adotado o critério trifásico

para a fixação da pena previsto no artigo 68 do Código Penal, é muito provável

que a pena de prisão seja aplicada para desconto em regime aberto.

Na maioria dos crimes de lavagem de dinheiro, o Juiz ao decidir sobre a

imposição/manutenção de cautela pessoal, deve projetar uma pena, que deve ser

maioria dos casos aplicada em regime aberto, por isso não há o menor

fundamento em se antecipar uma prisão que não será exigida do réu ao final do

processo.

Ademais, no mesmo artigo que vedou a liberdade provisória, o legislador,

em uma contradição inacreditável, afirma que o Juiz após a prolação de sentença

penal condenatória decidirá fundamentadamente acerca da possibilidade de o

réu apelar em liberdade.

A propósito, a doutrina:

O mesmo art. 3º da Lei 9.613/98 que veda a concessão de liberdade provisória e de fiança, oportuniza ao Juiz decidir se pode ou não o acusado apelar em liberdade. Neste aspecto também não há nenhuma lógica com relação à impossibilidade de concessão desse benefício enquanto não houver condenação.244

Diante disso, como nos crimes de lavagem de dinheiro é possível apelar

em liberdade (basta provar o disposto no artigo 594 do CPP), é muito mais

razoável dar o mesmo tratamento durante a instrução criminal, ou seja, mantê-lo

solto durante a instrução criminal.

Luiz Antonio Câmara comenta, em nota, esta contradição do legislador:

Estranhamente, a disposição repete norma equivalente constante da Lei dos Crimes Hediondos e que importa no reconhecimento de verdadeiro contra-senso: o acusado preso em flagrante não pode ser colocado em liberdade provisória no curso da investigação preliminar ou do processo de cognição. Findo este e proferida decisão condenatória (o réu obviamente não apelará de sentença absolutória), pode ser o condenado posto em liberdade, desde que o juiz fundamente sua decisão. O contra-senso reside no fato de que a não concessão de liberdade provisória convive com um conjunto constituído por provas de eficácia interina ou provisória, num momento inicial não só do processo como, às vezes, da própria investigação criminal. Prolatada decisão condenatória com base num conjunto de provas de gradação diferenciada (com eficácia imediata ou definitiva), atingindo-se um nível probatório subseqüente, e robustecida “in

244 SILVA, C. A. Ob. cit, p. 146.

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concreto” a convicção do julgador – externada na decisão de mérito – de serem culpados os acusados, ironicamente se permite a concessão de liberdade provisória. (Sobre a diferença entre a gradação entre os níveis probatórios indicados, v. Gianfranco VIGLIETTA. Indagini preliminari: attivitá della polizia giudiziaria e del Pubblico Menistero. In Contributi allo studio Del nuovo Códice di Procedura Penale. Milão:Giuffrè, 1989,. P. 19-20).245

Em vista disso, a modulação utilizada pelo Juiz, para a concessão da

liberdade provisória nos crimes de lavagem de dinheiro, deve ser aquela prevista

no artigo 312 do Código de Processo Penal em combinação com o artigo 310

parágrafo único do mesmo estatuto.

Veja-se, inclusive, que a restrição à liberdade de alguém não pode ser

usada para forçá-lo a se tornar um “colaborador da justiça”. Afirma-se isso em

razão da aproximação que se pode constatar entre a delação premiada e a

liberdade provisória. A combinação destes institutos torna o nosso processo

penal mais autoritário, pois, para não ficar preso, alguém pode ser constrangido a

delatar terceiros.

Por outro lado, como é difícil reprimir estes crimes, o Estado precisa de

uma compensação, que poderia se dar por intermédio da prisão dos “não

colaboradores recalcitrantes”.

A delação premiada e a impossibilidade de se conceder a liberdade

provisória poderiam ser um “grande incentivo” para todos os autores de crimes

colaborarem com a justiça. Entretanto, com relação a esta norma impeditiva de

liberdade provisória, não será possível aplicá-la para tão “nobre fim”, por ser

inconstitucional. Este plano de se conseguir provas desta forma foi frustrado, em

parte, pela posição do Poder Judiciário, de não reconhecer a validade do

disposto no artigo 3º da Lei nº 9.613/98. 246

Luiz Flávio Gomes comenta sobre a questão de se tentar impedir a

liberdade provisória para justificar programas políticos:

Também sobre esse ponto já tivemos oportunidade de dissertar e então sublinhamos nossa dúvida sobre a inconstitucionalidade da lei. Aqui transcreveremos nossos

245 CÂMARA, Luiz Antonio. Reflexões acerca das medidas cautelares pessoais nos crimes contra Sistema Financeiro Nacional. In. Jair Gevaerd; Marta Marília Tonin (Coord.) Direito Empresarial & Cidadania: questões contemporâneas. Curitiba: Ed. Juruá, 2004, p. 236. 246 Vide notas 221, 225, 236.

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argumentos, “mutatis mutandis”: o poder político está deveras perdido frente a criminalidade moderna, já não sabe mais o que fazer (as polícias não conseguiram até agora bons resultados, as forças armadas tampouco). Num momento muito infeliz, em que se observa inclusive certo abalo emocional, acabou tendo outra recaída e mais uma vez incidiu no crasso erro político-criminal autoritário de tentar conter a criminalidade com a restrição de direitos e garantias individuais. Esquecendo-se que direitos e garantias, quando individuais, são intangíveis, intocáveis, por força da cláusula pétrea estabelecida no art. 60 § 4º, inc. IV, da CF, não conseguiu conter seu atávico impulso (que encontraria explicação, alguns dizem, na evolução darwiana inconclusa do homem) e pôs no texto legal uma proibição absolutamente inconstitucional, qual seja a proibição de liberdade provisória a quem foi preso em flagrante.247

A restrição à liberdade provisória não pode se basear na justificativa de

que se precisa combater a impunidade, seja qual for o crime que tenha sido

cometido. Em vista disso, é absolutamente inconstitucional o dispositivo

mencionado na lei de lavagem de dinheiro.

247 GOMES L. F.; OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R. Ob cit. p. 359-360.

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6 - A recuperação de ativos

6.1 – Das medidas cautelares reais

O legislador de 1998 teve grande preocupação com a recuperação de

ativos, objetos da lavagem de dinheiro, devido à importância de se impedir que os

recursos provenientes de atividade criminosa permaneçam em poder dos autores

do delito. 248

Diante disso, para a recuperação de ativos, a Lei de Lavagem de

Dinheiro se reportou às medidas cautelares reais previstas no Código de

Processo Penal, que são as seguintes: seqüestro, hipoteca legal, arresto prévio e

definitivo.

Primeiramente serão examinadas, nesta ordem, a hipoteca legal, o

arresto prévio e o definitivo. Apesar da Lei nº 9.613/98 não mencionar estas

medidas cautelares reais, elas podem ser aplicadas para os crimes de lavagem

de dinheiro, já que servem para garantir a reparação do dano causado à vítima, a

aplicação da pena de multa e o pagamento das custas processuais, conforme

determina o artigo 140 do Código de Processo Penal.

Pontes de Miranda define hipoteca da seguinte forma: “no direito

brasileiro, hipoteca é o direito real de garantia, que grava o imóvel ou bem a que

248 A questão de se buscar bens dos acusados precisa ser feita de forma ponderada. Michael Woodiwiss apresenta um exemplo estarrecedor ocorrido nos Estados Unidos: “O confisco de bens levou também a novas formas de corrupção policial. Tem havido numerosos casos de agências policiais que buscam bens sem qualquer atenção aos direitos dos suspeitos. Um policial de ‘Oakland’, Califórnia, por exemplo, confessou que sua unidade operava ‘mais ou menos como uma alcatéia’, avançando em viaturas e ‘tomando tudo o que víamos na esquina’. No Estado da Lousiania, a polícia deteve e revistou ilegalmente grande número de motoristas, confiscando dinheiro que foi posteriormente desviado para férias dos agentes em estações de esqui e outros usos não autorizados”. (WOODIWISS, M. Ob. cit. p. 120). O caso apresentado acima é de mera corrupção policial e não tem relação com uma busca e apreensão de produtos de crimes, ou então, com um seqüestro de bens oriundos de infrações penais. O exemplo acima, contudo, mostra que a apreensão e o confisco de bens precisam ser bem regulamentados, para que não ocorram abusos por parte das autoridades que executam estas medidas.

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a lei aponta (Código Civil 810)249 como hipotecável, sem passar para o titular do

direito a posse do bem ou dos bens”.250

João Gualberto Garcez Ramos comenta as principais finalidades da

hipoteca legal:

O cometimento do crime conduz a reparação do dano, que por ele tenha causado. Os bens do autor do crime garantem o ressarcimento do dano causado pela infração penal. A hipoteca legal assegura também o ressarcimento para o Estado das despesas com o processo.251

Com a entrada em vigor do Código Civil atual foi suprimida, no seu artigo

1489, a hipótese de se garantir o ressarcimento das custas e o pagamento da

multa pecuniária em razão da condenação. Larissa Leite observa que esta

omissão no atual Código Civil impede a sua aplicação para o Processo Penal:

Isso porque, insista-se, não sendo reprisado o texto do inciso VII do art. 827, do Código Civil de 1916, excluindo-se o direito real de garantia em favor da Fazenda Pública, destinado a assegurar o pagamento de multa e custas processuais decorrentes de eventual condenação criminal transitado em julgado. Surge daí, a afirmação de que o sistema atual somente contempla o direito à hipoteca em favor do ofendido (ou de seus herdeiros), com o objetivo de garantir a reparação ou dano provocado pelo crime (eventualmente reconhecida em sentença condenatória).252

Os Tribunais têm entendido, contudo, que é possível aplicar a hipoteca

legal para o pagamento da multa e custas processuais, mesmo com a exclusão

desta medida cautelar real do artigo 1489 do Código Civil atual.253

249 O referido artigo do Código Civil de 1.916 foi substituído pelo Art. 1.473 do Código Civil de 2.002. 250 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. 20. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1.958, p. 62. 251 RAMOS, João Gualberto Garcez. A tutela de urgência no processo penal brasileiro, 1.997, 426f. Tese de Doutorado em Direito das Relações Sociais – Setor de Ciências Jurídicas - UFPr., p. 369. 252 LEITE, Larissa. Sociedade de risco e estado democrático de direito: uma análise das medidas patrimoniais de urgência no Direito Processual Penal brasileiro, 2008, 282f. Dissertação de Mestrado em Direito Econômico e Social – PUC-Pr, p. 219. 253 Seguem entendimentos jurisprudenciais neste sentido: a)(...)O Ministério Público, na qualidade de titular exclusivo da ação penal pública, tem legitimidade para pleitear as medidas assecuratórias de especialização da hipoteca legal e do arresto, as quais visam garantir o pagamento da multa pecuniária e das despesas processuais, tendo em vista o interesse da Fazenda Pública. Precedentes citados (....). (TRF2 – Ap. Crim 2003.50.01.004811-7 – Rel. Juiz Abel Gomes – 1ª Turma – Julg. 24/01/2007, DJ 06/02/2007).

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A hipoteca legal pode servir para garantir a reparação do prejuízo

causado à vítima e, de acordo com nossos Tribunais, o pagamento de custas

processuais e da multa pecuniária.

O processamento da hipoteca legal segue as regras previstas no artigo

135 do Código de Processo Penal e somente pode recair sobre os bens imóveis

que forem necessários à garantia da reparação do dano à vítima, do pagamento

da multa e do valor das custas processuais.254

A hipoteca legal poderá ser dispensada se o réu oferecer caução

suficiente em garantia da dívida 255, neste caso o Juiz deixará de mandar proceder

a sua inscrição.256 Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, os autos

de hipoteca legal são enviados ao Juízo cível.257

Outras duas medidas cautelares reais previstas na lei processual penal

são o arresto prévio e o arresto definitivo previstos, respectivamente, nos artigos

136 e 137 do Código de Processo Penal.258

Ovídio Baptista da Silva distingue seqüestro de arresto da seguinte

maneira: b)(....) Nos termos do art. 142 do CPP, o Ministério Público está legitimado para requerer o seqüestro e posterior hipoteca legal, visando resguardar o montante necessário para pagamento de multa, custas e reparação do prejuízo causado. (TRF4– Ap.Crim 2003.70.00.04.3884-7– Relª. Salite Monteiro Sanchotene – 7ª Turma – julg. 01/08/2006 – DJ 16/08/2006, p. 678). c)(....)Os bens cautelarmente arrestados ou hipotecados terão como destino final o pagamento da multa, das custas do processo e o ressarcimento à vítima dos danos causados pelo crime.(....) (TRF4 – Ap. Crim. 2003.70.00.047995-3 - Rel. Des. Décio José da Silva – 7ª Turma – Data 05/09/2006 – DJ 01/11/2006 – p. 890). d)(....)Nos termos do art. 142 do CPP, o Ministério Público está legitimado para requerer o seqüestro e posterior hipoteca legal, visando resguardar o montante necessário para pagamento de multa, custas e reparação do prejuízo causado.(....) (TRF4 – Ap Crim 2003.70.00.045594-8 – Rel. Des. Maria de Fátima Freitas Labarrere – 7ª Turma – Data 06/06/2006 - DJ 21/06/2006 – p. 445). 254 Art. 135, § 4º do CPP. 255 Art. 135, § 6º do CPP. 256 O § 6º do artigo 135 do CPP fala em caução suficiente em dinheiro ou em título de dívida pública, contudo não se nota nenhum motivo para deixar de ampliar as hipóteses de caução para aquelas previstas no artigo 330 do Código de Processo Penal que fala sobre a fiança. De fato, a caução serve apenas para a garantia da dívida que recai sobre a hipoteca legal, se o(s) objeto(s) dado(s) em garantia permite(m) que as dívidas a serem garantidas pela hipoteca legal sejam asseguradas, não há porque se deixar de aceitar a caução de outros bens não referidos no §6º do Art. 135. 257 Art. 143 do CPP. 258 Recentemente, através da Lei nº 11.435 de 28 de dezembro de 2006, o Código de Processo Penal foi modificado nos artigos 136, 137, 138, 139, 141 e 143 para corrigir a nomenclatura de seqüestro para arresto.

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Enquanto o seqüestro tem por fim a segurança de uma futura execução sobre coisa determinada, podendo envolver situações que nada têm a ver com o direito obrigacional, o arresto é medida preventiva relacionada sempre a uma futura execução por quantia certa.259

A primeira das formas de arresto é o arresto prévio previsto no artigo 136

do Código de Processo Penal, o qual se trata de uma medida preparatória para a

inscrição da hipoteca legal.260

João Gualberto Garcez Ramos comenta sobre a finalidade do arresto

prévio:

Esse arresto prévio existe unicamente para garantir a eficácia do procedimento de especialização da hipoteca legal: enquanto arrestado o bem – com a respectiva inscrição no Registro de Imóveis – não poderá o imputado aliená-lo.261

Luiz Antonio Câmara define o arresto prévio como “uma medida pré-

cautelar, a qual objetiva impedir que, no curso do processamento da medida

cautelar de especialização e inscrição de hipoteca legal, complexo e demorado, o

acusado se desfaça dos bens”.262

Larissa Leite ressalva o seguinte acerca do arresto prévio:

O caráter de urgência do arresto prévio é revelado, de modo especial, pela regra do art. 136 do Código de Processo Penal, que condiciona a manutenção do decreto de arresto ao ajuizamento do pedido de especialização (da hipoteca legal) no prazo de 15(quinze) dias, contados a partir da efetivação da medida.263

A outra forma de arresto é o definitivo, realizado sobre bens móveis, que

servem unicamente para complementar a garantia prevista pela hipoteca legal, na

forma prevista no artigo 137 do Código de Processo Penal, caso os bens

hipotecados não sejam suficientes para assegurar o pagamento dos danos à

259 SILVA, Ovídio Baptista da. Do Processo Cautelar. 2. Ed. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1.999, p. 272. 260 Art. 136. O arresto do imóvel poderá ser decretado de início, revogando-se, porém, se no prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca legal. 261 RAMOS, J. G. G. Ob. cit. p. 381. 262 CÂMARA, Luiz Antonio. Considerações sobre as medidas cautelares reais patrimoniais nos crimes contra a ordem tributária. O referido artigo (no prelo) está aguardando publicação na Revista do Mestrado das Faculdades Integradas Curitiba, p. 26. 263 LEITE, L. Ob. cit. p. 239.

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vítima, da pena de multa e das custas processuais. Neste caso, o indiciado teria

bens móveis que assegurassem o cumprimento destas obrigações.264

Hélio Tornaghi menciona a finalidade desta forma de arresto:

Este arresto não é como o anterior (arresto prévio), destinado a assegurar os imóveis que serão objetos de hipoteca. É subsidiário e complementar. Se o acusado tiver imóveis que bastem para responder pela obrigação, a hipoteca é suficiente e não precisa ser complementada por nenhuma outra providência. No caso oposto, permite a lei o arresto de bens móveis.265

Este arresto pode recair sobre algum bem móvel penhorável como, por

exemplo, um veículo. Obviamente que se o acusado tiver bens imóveis

suficientes para assegurar o cumprimento das obrigações acima relacionadas,

exigidas no caso da hipoteca legal, não é necessário promover o arresto de bens

móveis. Neste sentido Larissa Leite nos ensina:

O art. 137 do Código de Processo Penal prevê uma última medida de restrição patrimonial: o arresto subsidiário de bens imóveis. Fala-se em subsidiariedade porque, de acordo com o texto legal, trata-se de constrição incidente sobre bens móveis, quando o acusado não possuir imóveis ou os possuir em valor inferior aquele que seria assegurado através da inscrição de hipoteca legal. Assim, somente quando a estimativa de dano superar o valor dos imóveis do acusado ou este não os possuir é que estará autorizado o deferimento do arresto de que trata o mencionado art. 137.266

Especificamente com relação ao assunto tratado neste trabalho, é

fundamental examinar com mais cuidado o instituto do seqüestro, vez que o

mesmo está regulamentado na Lei nº 9.613/98.

De fato, o artigo 4º da Lei nº 9.613/98 dispõe que o Estado tem a

possibilidade de apreender e seqüestrar bens, direitos ou valores, objetos da

lavagem de dinheiro.267

264 Art. 137. Se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos móveis. 265 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de Processo Penal, t. III. Rio de Janeiro: Ed. José Konfino Editor, 1.967, p. 993-994. 266 LEITE, L. Ob cit. p. 240. 267 Art. 4º O Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou representação da autoridade policial, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou ação penal, a apreensão ou seqüestro de bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, objeto dos crimes previstos nesta Lei,

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O artigo 4º da Lei nº 9613/98, se reporta ao capítulo das medidas

assecuratórias previstas nos artigos 125 a 144 no Código de Processo Penal, os

quais facilitam a apreensão e o seqüestro de bens de suspeitos de lavagem de

dinheiro. Por conseguinte, tornam difícil a devolução destes mesmos bens,

mesmo quando houver absolvição ainda não transitada em julgado.

Magalhães Noronha define seqüestro como “a retenção judicial do bem

móvel ou imóvel, havidos com os proventos da infração, com o fim de assegurar

as obrigações civis advindas da prática dessa”.268

Luiz Antonio Câmara comenta acerca do seqüestro:

O Código de Processo Penal brasileiro oferece molde normativo ao seqüestro, no art. 125 quando o objeto da tutela são bens móveis e no art. 132, quando possibilita que a medida atinja bens imóveis. Observa-se que a medida se volta diretamente contra os bens adquiridos com proventos da infração penal. Aí se estabelece um primeiro limite ao uso da medida: ela somente atinge bens que tenham passado a compor o patrimônio do suspeito, investigado, indiciado ou acusado em decorrência das práticas infracionais.269

A finalidade do dispositivo é garantir o confisco dos bens, direitos e

valores, objetos de crime de lavagem de dinheiro. O seqüestro pode ocorrer tanto

com relação a bens móveis, quanto imóveis, que tenham sido adquiridos com

proventos de crime.

Existe a possibilidade de seqüestro, inclusive, quando os bens adquiridos

com dinheiro proveniente de crimes tenham sido transferidos para terceiros,

conforme a parte final do artigo 125 do Código de Processo Penal. Cabe a estes,

caso julguem necessário, buscar seus direitos através da via dos embargos,

previsto no artigo 130 do Código de Processo Penal.270

Com relação ao seqüestro de proventos da infração penal, deve-se

definir primeiramente o que significa produto de crime. A doutrina define produto

do crime da seguinte forma:

procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei nº 5.689, de 3 de outubro de 1.941 – Código de Processo Penal. 268NORONHA, Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 19. Ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 1989, p. 74. 269 CÂMARA, L. A. Considerações sobre as medidas cautelares..., p. 9. 270 Art. 125. Caberá seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que tenham sido transferidos a terceiros.

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Produto do crime é tudo que represente vantagem ou proveito (direta ou indiretamente) para o agente em razão do delito praticado. Nesse rol incluem-se as coisas obtidas diretamente com o delito (res furtiva) ou que resultaram de alguma alteração do bem subtraído (veículo clonado), bem assim as que sofreram completa modificação decorrente do crime (moeda falsa) e as que foram adquiridas com o dinheiro proveniente de sua venda . (destaque nosso).271

Observa a doutrina que nem todo o produto de crime deve ser objeto de

seqüestro:

Visando, assim, permitir (primordialmente) a reparação do dano, decorrente do crime em investigação, o seqüestro atinge bens móveis e imóveis adquiridos pelo agente a partir da conduta ilícita praticada. É preciso estar atento, porém, ao fato de que esta medida não incide sobre o produto direto do crime – já que este permanece sujeito à busca e apreensão, como foi exposto anteriormente.272

O objeto do seqüestro, na lavagem de dinheiro, são aqueles bens,

direitos e valores adquiridos por intermédio deste crime, ou seja, os proventos da

infração penal. No caso da definição acima, o seqüestro busca atingir o lucro da

atividade de um dos crimes antecedentes, o qual foi reinvestido em atividade de

lavagem de dinheiro.

O seqüestro, como qualquer medida cautelar, é regulado pelos princípios

da necessidade, adequação e proporcionalidade, conforme comentado por Luiz

Antonio Câmara:

Sinteticamente, na imposição de cautelas, reais ou não, devem ser observados os princípios da necessidade, adequação ou proporcionalidade. Em relação ao primeiro afirme-se que qualquer medida cautelar – porque restritiva de direitos individuais – somente pode ser imposta se demonstrada sua indispensabilidade. A impositividade da medida se demonstra pela presença dos pressupostos de natureza cautelar (o denominado “periculum in mora” para as medidas reais patrimoniais). Em conformidade com o princípio da adequação as providências impostas devem ser adequadas às finalidades cautelares cujo atendimento se busca.(...). Por fim será atendido o princípio da proporcionalidade: a imposição de cautela se limitará a restringir os bens do acusado em projeção que se pode fazer com a sentença a ser proferida no processo de conhecimento, especialmente à pena pecuniária.273

271 ALMEIDA, Eulálio Figueiredo de. Sentença penal: doutrina, jurisprudência e prática. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2002, p. 251. 272 LEITE, L. Ob cit. p. 184-185. 273 CÂMARA, L.A. Considerações sobre as medidas cautelares... ,p. 06.

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Para se instituir uma medida cautelar que pode restringir o patrimônio de

alguém, esta deve sempre ser necessária, proporcional e adequada, pois não é

possível que o Estado confisque os bens de alguém, sem critérios mais objetivos.

Segundo Luiz Antonio Câmara274, a seqüência cronológica correta é a

seguinte: o juiz impõe o seqüestro. Após, verifica-se a apreensão do bem como

mera decorrência do cumprimento do mandado respectivo. Em caso de imóvel o

Juiz ordena a sua inscrição no Registro de Imóveis respectivo. Na hipótese de

serem móveis os bens seqüestrados, obviamente se pode ordenar o impedimento

de transferências de veículos automotores junto ao Departamento de Trânsito

local, ou então, o bloqueio de valores em contas correntes. 275

Em vista disso, decreta-se a medida sem que seja ouvida a parte

contrária, como ocorre normalmente com as medidas cautelares. Isto

aparentemente parece ligeiramente drástico, todavia, não há como agir de outra

forma, pois se antes do decreto fosse obrigatório ouvir o acusado, ele se livraria

imediatamente de seus bens. O principal exemplo disso é quando o seqüestro se

refere a contas correntes em poder do denunciado, que sejam originários de

proventos de atividades criminosas. Caso o acusado seja avisado do seqüestro

iminente, vai procurar transferir seus recursos para outros locais, ou até para

outros países, a fim de que a justiça não se aproprie dos lucros de atividades

criminosas. O réu ou terceiro de boa fé terá somente a possibilidade de opor

embargos de terceiros, na forma prevista no artigo 130 do Código de Processo

Penal.

Entretanto isto não significa que o Juiz deve decretar o seqüestro sem

nenhum embasamento probatório, sobre isto a doutrina comenta:

De fato em se tratando de medida que invade a esfera individual antes do provimento definitivo da ação penal, o seqüestro depende de um conjunto de informações que permitam ao Juiz concluir, ainda que por verossimilhança, que há forte probabilidade de procedência da ação principal e, ainda, da argüição da procedência ilícita dos bens. Na linguagem própria das medidas cautelares penais, estas referências se traduzem na expressão “fumus comissi delicti”.276

274 CÂMARA, L.A. Considerações sobre as medidas cautelares..., p. 10. 275 Art. 128. Realizado o seqüestro, o juiz ordenará a sua inscrição no Registro de Imóveis. 276 LEITE, L. Ob cit. p. 188-189.

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Sobre disposições restritivas ao patrimônio de um acusado de um

processo penal, existe a seguinte manifestação doutrinária:

Existe um generalizado reconhecimento ao direito de propriedade que, apesar das limitações que se autorizem, deverá ser resguardado durante o desenvolvimento do processo penal. Para o alcance de tal finalidade deverão reduzir-se aos limites da mais estrita necessidade, as restrições que possam impor-se à livre disposição do patrimônio do imputado.277

É que para a decretação da medida de seqüestro, como qualquer outra

medida cautelar, é necessário, no mínimo, provas da materialidade e de indícios

de autoria.278

Luiz Antonio Câmara argumenta sobre a cronologia probatória para a

imposição da medida:

Caso se puder falar numa cronologia de construção da prova para adoção da medida pode-se ordená-la da seguinte forma: primeiramente deverá ser provada a ocorrência de infração penal, provando-se, após, a respectiva autoria. Provada esta, investiga-se o patrimônio atual ou recente do réu para averiguar aquisição de bens em período posterior ao cometimento da(s) infração(es) e o auferimento de vantagens financeiras dela(s) diretamente decorrentes.279

Marcelo Batlouni Mendroni comenta que em razão das dificuldades de se

localizar bens oriundos de lavagem de dinheiro, justifica-se a aplicação de

dispositivos previstos nas medidas assecuratórias do Código de Processo Penal:

Já a Lei nº 9.613/98, tratando de se adaptar à situação criminológica atual, previu “apreensão” ou “seqüestro” de “bens, direitos e valores” - indeterminados -, quaisquer, desde que supostamente oriundos da prática de crimes antecedentes. Isto porque, nos casos do Código de Processo Penal, dada a situação da prática criminosa, possível e viável ao órgão acusador diligenciar e individualizar os bens suspeitos de origem daquele mesmo crime investigado. Nos casos da Lei nº 9.613/98, dadas a universalidade, a complexidade e a múltipla origem dos bens, isso seria impossível. O dispositivo legal é ainda sábio, portanto, quando se considera o seu efeito prático. Não seria possível ao Poder Público comprovar a origem ilícita daqueles valores e bens amealhados ao longo de rotineira atividade ilícita do agente. Os valores e bens

277 Existe un generalizado reconoscimiento al derecho de propriedad que, a pesar de las limitaciones que se autoricen, deberá ser resguardado durante el desarrollo del proceso penal. Para el logro de tal finalidad deberán reducirse a los límites de la más estrita necessidad, las restriciones que puedan imponerse a la libre disposición del patrimônio del imputado. (NORES, J. I. C. Ob. cit, p. 98). 278 O Código de Processo Penal, no artigo 126 exige indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. 279 CÂMARA, L. A. Considerações sobre as medidas cautelares..., p. 10.

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obviamente podem estar misturados com outros de origem lícita. Em meio a um complexo “bolo” de ingredientes lícitos e ilícitos, somente o próprio agente pode ser capaz de efetuar a separação.280

Apesar da dificuldade de se separar os valores lícitos dos ilegais, deve

ser realizada uma investigação criteriosa antes de efetuar-se o seqüestro dos

bens do acusado. Não há qualquer sentido no confisco de bens que tenham sido

adquiridos pelo denunciado antes do início da atividade criminosa, embora sobre

tais bens possa incidir a hipoteca legal e o arresto.281

6.2 - Da iniciativa do seqüestro

A decisão sobre a apreensão e o seqüestro de bens cabe somente ao

Juiz de Direito. A iniciativa do seqüestro pode se dar por requerimento do

Ministério Público, mediante representação proposta pela autoridade policial ou,

até mesmo, de ofício pela autoridade judiciária.282

Luiz Antonio Câmara comenta que a titularidade da medida não pode ser

tomada de ofício pelo Juiz por ferir a Constituição:

Esta última possibilidade é desconforme a imparcialidade judicial. Na doutrina italiana fala-se de uma jurisdicionalização das providências cautelares obtida, inclusive, através da diferenciação entre as funções acusatória e julgadora. (NAPI, 1989, P. 184). E mais: parece não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988, quando impôs a exclusividade de atuação do Ministério Público na promoção da ação penal pública. Lembre-se que até a entrada em vigor de tal Carta era deferida ao juiz a iniciativa relacionada à promoção de ações penais em algumas situações.283

A outra forma de se decretar o seqüestro de bens, é através de

requerimento do representante do Ministério Público ou de representação da

autoridade policial; neste último caso, deve ser aberta vista ao Promotor de

280 MENDRONI, M. B. Crime de lavagem.........., p. 123. 281 RAMOS, J.G.G. Ob. cit., p. 374. 282 Art. 127 do CPP. 283 CÂMARA, L. A. Considerações sobre as medidas cautelares...,p. 11.

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Justiça para que este se manifeste acerca da representação do Delegado de

Polícia. 284

A forma mais correta para a iniciativa de tal medida seria, sempre,

através de solicitação pelo representante do Ministério Público, pois é ele o titular

da ação penal. O papel do Juiz de Direito é o de decidir acerca da prova

solicitada pelas partes e não agir como parte no processo. 285

Por sua vez, a Lei nº 9.613/98, ao invés de criar um procedimento

especial, utiliza o já previsto nos artigos 125 a 144 do Código de Processo Penal,

para as medidas assecuratórias, as quais tinham pouca aplicação no direito

brasileiro até a entrada em vigor da Lei de Lavagem de Dinheiro.286

Ademais, Larissa Leite, ressalta que com relação ao procedimento do

Código de Processo Penal devem ser adotadas as garantias constitucionais do

Estado Democrático de Direito:

Embora se trate de tema a merecer melhor regulamentação o procedimento da ação de seqüestro pode encontrar preocupação com os Princípios do Contraditório, da Ampla Defesa, da Publicidade e da Fundamentação das decisões judiciais um norte para sua validade perante o Devido Processo Legal.(.....). Diante disso, é inimaginável que o seqüestro de bens (móveis ou imóveis) seja decretado sem que se tenha oportunizado ao requerido ter ciência dos elementos concretos apresentados com o pedido inicial (com a representação, ou ainda, com o despacho de instauração de ofício da ação), sem que a defesa tenha sido intimada – antes da sentença cautelar – a se manifestar sobre os argumentos iniciais; sem que lhe seja facultado indicar elementos de convicção, capazes de contribuir para o esclarecimento dos fatos e a formação da convicção do juiz.287

284 Observa Larissa Leite também que: “na esfera do Direito Penal Econômico, por exemplo, é comum que processos administrativos fiscais sejam utilizados para instruir denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal ou Estadual. Pode-se citar, também, os inquéritos civis públicos, os relatórios produzidos por Comissões Parlamentares de Inquérito, as conclusões obtidas por Tribunais de Contas, os autos de ações falimentares e tantos outros. No entanto é preciso compreender que cada uma dessas formas de apuração tem finalidades próprias e específicas, podendo ser utilizados na esfera penal, de forma subsidiária”.(LEITE, L. Ob cit, p. 195). Nada impede que o Ministério Público se utilize de conclusões destas investigações para solicitar seqüestro de bens ao Juízo penal. 285 Em um estudo comparado chegou-se a conclusão de que o Brasil faz parte de um rol de nações sul-americanas onde a imparcialidade do julgador é afetada porque julga uma causa na qual teve contato direto na investigação preliminar. (AMBOS, Kai; CHOUKR, Fauzi Hassan. A reforma do processo penal no Brasil e na América Latina. São Paulo: Ed. Método, 2.001, p. 240). 286 No caso de hipoteca legal, arrestos prévio e definitivo valem as mesmas regras do CPP. 287 LEITE, L. Ob cit. p. 198.

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A defesa, segundo esta manifestação doutrinária, tem o direito de se

manifestar sobre os argumentos iniciais antes da concretização do seqüestro,

com base nos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da

publicidade, da fundamentação das decisões judiciais e do devido processo legal.

O Poder Judiciário, por sua vez, não entende assim e vai além ao impedir o

acesso da defesa aos autos até concretização da medida.288

O poder de impedir a defesa de ter acesso aos autos antes da

concretização da medida, também contraria, segundo Larissa Leite, dispositivos

constitucionais:

Muito embora a rotina forense, a jurisprudência e a doutrina possuam manifestações firmes nesse sentido (da decretação de sigilo até a concretização da medida), parece necessário questionar a validade dos fundamentos dessa tendência ao acolhimento da regra do sigilo. Isto porque, a publicidade dos atos estatais e de todos os procedimentos do Poder Judiciário configura regra constitucional, inserta, aliás, em duas passagens da lei fundamental: nos art. 5º, LV e no art. 93, IX da Constituição. 289

Com relação às duas manifestações doutrinárias da autora supra citada,

é de se concordar apenas em parte. A tese de que se deve permitir a

manifestação da defesa antes da decretação de seqüestro, não deve ser aceita,

porque se assim for, a medida não terá eficácia. Imagine-se, por exemplo, a

hipótese do Juízo seqüestrar valores encontrados em uma conta bancária. O

288 Esta prática foi questionada no Superior Tribunal de Justiça, que decidiu não ser absoluto o direito do advogado de examinar os autos, já que este direito deve estar subordinado ao interesse público. Segue a decisão do STJ :”CRIMINAL. RMS. MEDIDA CAUTELAR DE SEQÜESTRO DE BENS CONCEDIDA SOB SIGILO. ACESO IRRESTRITO AO ADVOGADO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO. RECURSO DESPROVIDO. I. O direito do advogado de acesso aos autos não é absoluto, pois em se tratando de processos guardados com segredo de justiça, esse direito sofre restrições, independentemente da existência ou não de procuração. II. Hipótese em que foi decretada a medida cautelar de seqüestro de bens pertencentes aos acusados, incidental ação penal instaurada com vistas à apuração da existência de criminalidade organizada voltada à prática de evasão de divisas. III. Determinação de que medida se desenvolve de forma sigilosa, tendo indeferida o pedido de vista dos autos formulado pelos ora recorrentes até a concretização do seqüestro e decisão judicial em contrário. IV. Não há ilegalidade na decisão que, considerando estar a medida cautelar de seqüestro gravada de sigilo, negou, fundamentadamente, aos recorrentes vista aos autos, especialmente porque buscava-se privilegiar a efetividade dos atos jurisdicionais, especialmente em se tratando de ação criminal que coloca em risco a segurança da sociedade e do Estado, na qual deve prevalecer a supremacia do interesse público sobre o privado. V. Recurso desprovido.” (STJ – RMS 18673-Pr. – Rel. Min. Gilson Dipp – 5ª Turma – Data 16/06/2005 – DJU 01/08/2005 – p. 479). 289 LEITE, L. Ob cit. p. 268.

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acusado, ao tomar ciência da possível decisão de seqüestro, vai encerrar sua

conta e enviar todo o seu dinheiro para outro local. Por sua vez, com relação à

questão da decretação do sigilo, tem razão esta autora, pois o Poder judiciário

deve se sujeitar à norma constitucional de publicidade das decisões judiciais,

previstas nos dispositivos constitucionais do art. 5º, inciso LV e art. 93, inciso IX

da Constituição Federal.

6.3 - Do levantamento do seqüestro

O Código de Processo Penal dispõe, no artigo 131, que o seqüestro

pode ser levantado nas seguintes hipóteses: caso a denúncia não seja oferecida

em sessenta dias, contando-se a partir da conclusão da diligência; quando o

terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar caução, se for julgada

extinta a punibilidade, ou então, se o réu for absolvido em sentença transitada em

julgado.

Com relação à prestação de caução, que assegure a aplicação do

disposto no artigo 91, II, “b” do Código Penal não há nenhum problema, pois

assim estará garantida a eficácia da medida cautelar.

O prazo para se intentar a medida de seqüestro de acordo com o Código

de Processo Penal é de sessenta dias antes do oferecimento da denúncia,

contados da data que for concluída a diligência.

O legislador de 1998 visando facilitar as investigações para se conseguir

informações sobre a localização de bens, direitos e valores, foi além do Código

de Processo Penal ao aumentar este prazo para cento e vinte dias. 290

José Laurindo de Souza Netto comenta acerca deste prazo quando

ocorrer seqüestro de bens, valores e direitos em lavagem de dinheiro:

O legislador aumentou de 60 (sessenta) (art. 131, inciso I) para 120 (cento e vinte) dias, o prazo para que a ação penal seja intentada, sob pena de o seqüestro ser levantado. Desse modo, alargou a possibilidade da obtenção da prova referente à proveniência ilícita dos bens diante da natureza complexa dos crimes de “lavagem”. O prazo, como

290 Art. 4º, § 1º. As medidas assecuratórias previstas neste artigo serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados da data em que ficar concluída a diligência.

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se verifica do artigo conta-se da data em que se realizará a diligência do seqüestro, ou seja, do momento em que surge uma restrição ao direito do acusado.291

Luiz Flávio Gomes menciona também sobre o prazo previsto no artigo 4º

da Lei nº 9.613/98, contudo faz a ressalva de que são necessários indícios

suficientes para a decretação da medida:

Pelo que ficou estabelecido no art. 4º, os bens ilícitos encontrados (do acusado ou em seu nome) serão apreendidos (CPP, art 240 e ss.) ou seqüestrados (podem ser seqüestrados os bens imóveis adquiridos com os proventos da infração ou os bens móveis que não podem ser apreendidos – v. CPP, arts. 125 e 132), desde que haja “indícios suficientes”. O juiz pode agir de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial. Sempre ouvirá o Ministério Público, que deverá se manifestar em vinte e quatro horas. Cuida-se de medida cautelar “inaudita altera pars”, valendo o chamado contraditório diferido. Se a ação não for intentada em cento e vinte dias, a medida cautelar perde seu efeito. Caso o acusado venha ser condenado, haverá confisco dos seus bens (cautelarmente assegurados). Caso o acusado seja absolvido ou extinta a sua punibilidade, levanta-se o seqüestro (art. 131 do CPP).292

Aparentemente este prazo parece ser excessivo, já que a medida pode

ser decretada ainda na fase de inquérito policial. Todavia, são necessárias provas

para a imposição da medida, pois é fundamental que se comprove o aumento do

patrimônio do acusado e também que este acréscimo de bens foi oriundo de

atividade criminosa.

A medida cautelar de seqüestro deverá ser levantada se ocorrer a

extinção da punibilidade do crime de lavagem de dinheiro. A doutrina comenta o

seguinte acerca desta possibilidade:

Isto não significa, necessariamente que a reparação do dano não poderá ser perquirida na esfera cível, já que as hipóteses de extinção da punibilidade vinculam-se a questões estritamente penais, além do que prevê o art. 67, II do Código de Processo Penal e há casos em que a absolvição não decorre exatamente de estar provada a inexistência do crime.293 Ademais, existem dispositivos como o inciso III do artigo 131 e o artigo

141 do Código de Processo Penal que impedem a devolução de bens, direitos e

291 SOUZA NETTO, J. L. Ob. cit. p. 130. 292 GOMES, L.F.; OLIVEIRA, W. T. CERVINI, R. Ob. cit. p. 365. 293 LEITE, L. Ob cit. p. 212.

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valores ao acusado, mesmo quando este for absolvido em primeira instância, ou

seja, somente com trânsito em julgado da sentença absolutória ou com a extinção

da punibilidade contra o réu, o seqüestro será levantado.294

A Lei nº 9.613/98 definiu que os bens objeto do crime sejam perdidos

para a União, caso ocorra condenação criminal por crime previsto na mencionada

lei, ressalvados apenas o direito do lesado ou de terceiros de boa fé, nesta

ordem.295

Não haveria o menor sentido na apreensão ou seqüestro de valores

objetos dos crimes de lavagem de dinheiro, se a condenação pelo delito previsto

na mencionada lei não levasse a um efeito extrapenal de perda dos valores, bens

ou direitos em favor da União.

Com relação às cautelares reais, a absolvição criminal em primeira

instância, mesmo pendente de recurso, deve tornar o seqüestro sem efeito. Ao

absolver alguém, o Poder Judiciário declara expressamente que este réu não

pode ser punido e tampouco pode perder bens. Em caso de procedência de um

recurso interposto pela acusação, pode-se até retomar o seqüestro, com o

perdimento de seus bens para o Estado.296

João Gualberto Garcez Ramos comenta que:

O seqüestro é uma medida temporária, no sentido de que só se mantém enquanto durar o Processo Penal Condenatório. Uma vez absolvido o acusado ou, ainda, se for julgada extinta a punibilidade (em ambos os casos por decisão condenatória irrecorrível) o seqüestro é, na dicção do artigo 131, inciso III, do Código de Processo Penal, “levantado”.297

294 Art. 131. O seqüestro será levantado: III - se for extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada em julgado. Art. 141 – O arresto será levantado ou cancelada a hipoteca se, por sentença irrecorrível, o réu for absolvido ou julgada extinta a punibilidade. 295 Art. 7º. São efeitos da condenação: I) a perda, em favor da União, dos bens direitos e valores objeto de crime previsto nesta Lei, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa fé. 296 Como foi visto anteriormente a prisão provisória ou cautelar deve ser decretada quando estão presentes as hipóteses que autorizam a prisão preventiva, todavia, com a absolvição criminal, mesmo pendente de recurso, a custódia cautelar perde validade, conforme comenta José Frederico Marques: “A sentença absolutória deve prevalecer sobre atos decisórios proferidos segundo estado da causa. Desse modo, decretada a prisão preventiva, na forma do art. 312, claro está que a absolvição deve prevalecer sobre o despacho que impôs aquela medida cautelar”.(FREDERICO MARQUES, José. Elementos de Direito Processual Penal, v. 3. 2. Ed. Campinas: Ed.. Millenium, 2000, p. 61.). Com relação às cautelares reais deveria acontecer a mesma coisa, ou seja, com a absolvição criminal em primeira instância dever-se-ia tornar sem efeito o seqüestro. 297 RAMOS, J. G. G. Ob. cit. p. 367.

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Note-se que o autor supra citado somente se refere ao trânsito em

julgado da sentença absolutória para proceder ao levantamento do seqüestro, o

que obviamente não é aceitável, pois se a justiça decidiu absolver o réu, não tem

porque não liberar imediatamente seus bens.

Luiz Antonio Câmara comenta o seguinte acerca do dispositivo que

confere ao Estado o poder de continuar na posse dos bens seqüestrados, mesmo

com a absolvição em 1ª instância:

O estatuto processual penal apresenta uma norma óbvia, impositiva do afastamento quando há absolvição com trânsito em julgado. Cabe questionar, todavia, a manutenção da medida quando prolatada sentença absolutória em primeira instância. Isso em razão de que, expressa decisão no processo cognitivo que seja favorável ao réu, a própria sentença terá reconhecido o desaparecimento dos pressupostos de natureza probatória. Portanto, é atentatória a um sistema de cautelas processuais penais a manutenção da medida de natureza real após a prolação da sentença absolutória. Isso em razão de que cautela pessoal, prolatada sentença absolutória, cessa automaticamente, “ex legge”, a eficácia da medida, com a imediata colocação do réu em liberdade.298

De fato não pode prevalecer uma norma que confere ao Estado o direito

de continuar na posse de valores que pertençam ao réu, mesmo com este

absolvido em primeira instância.

Ademais, apesar da nossa Constituição Federal ter já vinte anos, alguns

dispositivos do autoritário Código de Processo Penal, que não são compatíveis

com o espírito democrático atual, inacreditavelmente, ainda permanecem em

vigor no nosso direito. Dentre eles um artigo que impede, mesmo com a

absolvição criminal em primeira instância, o levantamento da medida

assecuratória.299

298 CÂMARA, L. A. Considerações sobre as medidas cautelares...,p. 14-15. 299 O Código de Processo Penal foi criado em um dos períodos da história brasileira mais autoritários que se conhece, a ditadura de Getúlio Vargas, no Estado Novo. Esse diploma legal está inteiramente defasado e deve ser reformulado integralmente para não contrariar a democrática Constituição Federal de 1988. Fauzi Hassan Choukr comenta sobre a necessidade de reforma do Código de Processo Penal: “Não basta, apenas, a reforma parcial e isolada de pontos determinados do Código. É necessário enfrentar a reforma completa, adequando sistematicamente a ordem infra-constitucional ao primado maior contido no texto político, exigindo deste novo texto o respeito às aspirações sociais ali estampadas, instrumentalizando eficazmente garantias e rompendo uma tradição politicamente autoritária e academicamente defasada. Para recordar e finalizar, é forçoso lembrar que este Código de Processo Penal foi criado a partir de idéias da segunda metade da década de trinta, tendo sua gestão inda sob a égide da Carta de 1937, posteriormente, subsistiu (ao menos formalmente) à Constituição de 1946, 1967, 1969, até

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A validade de dispositivos autoritários, mesmo quando existe uma

Constituição Federal democrática, dá-se pelos seguintes motivos apresentados

por Francesco C. Palazzo:

Ora, se se quizesse questionar sobre as possíveis razões desse fenômeno singular, duas espécies de causas poderiam, hipoteticamente, ser consideradas: de um lado, as atinentes a uma certa resistência e capacidade do sistema existente às transformações político-constitucionais; de outro lado, as causas pertinentes a uma espécie de escassa vitalidade e incidência das forças que deveriam ativar a transformação.300

Conclui-se que o dispositivo legal que determina o levantamento do

seqüestro e/ou da hipoteca legal somente após o trânsito em julgado deve ser

desconsiderado por atentatório à presunção de inocência. Os Juízes e Tribunais,

por sua vez, têm concedido a esta norma plena eficácia.301

O único fundamento para a parte final do inciso III do artigo 131 e artigo

141 do Código de Processo Penal não terem sido nunca declarados

inconstitucionais está no fato de que o capítulo das medidas assecuratórias do

Código de Processo Penal tinha, até pouco tempo, pouca aplicação no nosso

direito.302

que chegasse a atual, além de ter passado por algumas reformas profundas (no âmbito cautelar em final de década de sessenta, e início da década de setenta, bem como a reforma parcial de 1.977), dando a certeza de que não sobreviverá, enquanto a ordem sistemática, a mais uma reforma parcial”.(CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo penal à luz da Constituição Federal. Baurú: Ed. Edipro, 1.999, p. 81-82). 300 PALAZZO, Francesco C. Valores constitucionais e direito penal: um estudo comparado. (Trad. Gerson Pereira de Souza). Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio Fabris, 1.989, p. 20. 301 PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SEQÜESTRO PRÉVIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR. INSUBSISTÊNCIA DA MEDIDA CONSTRITIVA. LIBERAÇÃO DOS BENS.PRECEDENTES. 1. Nos termos do art. 142 do Código de Processo Penal, havendo interesse da Fazenda Pública, o Ministério Público tem legitimidade para requerer medida assecuratória de seqüestro (arresto) e posterior hipoteca legal. 2. Entretanto, ocorrendo o trânsito em julgado da sent ença absolutória que reconheceu não ter o réu praticado crimes, não há como subsistir a constrição do seu patrimônio, eis que a perda dos bens constitui efeito da condenação ( TRF4 - Emb. Dec. na Apel. Crim. nº 2000.70.09.002260-0-Pr. – 8ª Turma – Rel. Des. Elcio Pinheiro de Castro – Data 14/05/2006 – DJU 31/05/2006 – p. 870). 302 Note-se que a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, referida na nota anterior, fala em trânsito em julgado da sentença absolutória para a liberação dos bens em um caso de arresto prévio que, como foi visto neste trabalho, serve como medida preparatória para a inscrição da hipoteca legal. Os Tribunais têm dado inteira validade aos dispositivos legais do artigo 131, inciso III e artigo 141 do Código de Processo Penal que não admitem a liberação de bens, direitos

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6.4 - Da liberação de bens

O procedimento previsto no Código de Processo Penal facilita a

decretação do seqüestro, em razão de que é bastante complicado conseguir

provas da localização de bens, valores ou direitos, que foram objetos de lavagem

de dinheiro.303

O parágrafo 2º do artigo 4º da Lei nº 9613/98 determina que os bens,

direitos e valores suspeitos de lavagem de dinheiro somente podem ser liberados

quando for comprovada a licitude de sua origem. Assim, inverteu-se o ônus da

prova para estes casos.304

Como em regra é o Ministério Público quem afirma serem os bens,

direitos ou valores oriundos de lavagem de dinheiro, nada mais normal, portanto,

do que exigir do órgão ministerial a comprovação de suas suspeitas.

No caso de uma medida cautelar de seqüestro, quem, a princípio,

deveria provar que determinados bens, valores ou direitos são provenientes da

criminalidade, seria o órgão responsável pela acusação. A lei de lavagem de

dinheiro inverteu o ônus da prova ao exigir da defesa ou terceiros de boa fé a

prova de que os valores seqüestrados não foram obtidos por meios criminosos.

e valores apreendidos através de medida cautelar real antes do trânsito em julgado da sentença absolutória. 303 Em reportagem realizada pelo Jornal Folha de São Paulo, no dia 05/06/06, ficou claro que a preocupação do legislador, de conseguir recuperar valores escondidos em países estrangeiros, não tem dado muito resultado. O Brasil conseguiu repatriar menos de 10% de valores descobertos por nossas autoridades e que foram oriundos de corrupção (aponta-se que em 328 casos que o Ministério da Justiça acompanha, em somente três houve devolução parcial de recursos). O noticiário aponta algumas dificuldades para as autoridades brasileiras repatriar bens oriundos de crimes: 1) a conta corrente nunca está aberta em nome do titular, mas de empresas localizadas no exterior, o que é permitido em paraísos fiscais; 2) a existência da facilidade da transferência eletrônica; 3) as legislações brasileira e estrangeiras; 4) a demora dos processos no Brasil (boa parte dos países estrangeiros somente aceita devolver o dinheiro, com o trânsito em julgado da sentença condenatória); 5) a existência de países que não reprimem a lavagem de dinheiro como é o caso do Líbano (reconhece-se que a cooperação internacional para a repatriação de valores escondidos tem aumentado). A reportagem listou os escândalos do INSS, do TRT-SP, da Prefeitura de São Paulo (gestões Paulo Maluf e Celso Pitta), Silverinha e a cobrança de propinas de fiscais, o caso do Banestado e o do comendador João Arcanjo Ribeiro. (CHRISTOFOLETTI, Lilian. País repatria menos de 10% do dinheiro da corrupção. Jornal Folha de São Paulo, São Paulo, 5 jun., 2006. Caderno “A”, p. 4.). 304 Art. 4º §2º. O Juiz determinará a liberação dos bens direitos e valores apreendidos e seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem.

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O legislador procurou justificar a modificação do ônus da prova em razão

do fato de que a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de

Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, realizada em Viena, admitiu esta

inversão no seu artigo 5º, nº 7.305

De fato, a mencionada Convenção de Viena admite a possibilidade de se

inverter o ônus da prova neste caso. Entretanto estas disposições de direito

internacional são genéricas e não impedem que os países apliquem o direito de

acordo com suas próprias regras e tradições. Sobre isto César Antonio da Silva

comenta:

É certo que o art. 5º, nº 7, da Convenção de Viena celebrada a 19 de dezembro de 1.988, sugere a inversão do ônus da prova, quando necessário se fizer a respeito da licitude dos bens, direitos e valores, porém, quando for compatível com os princípios do direito interno de cada país e com a natureza dos procedimentos judiciais. Foi com base nessas disposições da Convenção de Viena que o legislador brasileiro, na Exposição de Motivos da Lei nº 9.613/98, procura justificar a inserção de inversão do ônus da prova,...306

Outrossim, o principal motivo para a inserção da inversão do ônus da

prova para a medida assecuratória do seqüestro nos crimes de lavagem de

dinheiro foi a dificuldade de se obter evidências da existência e da localização

dos bens, nestes crimes.

Marcelo Batlouni Mendroni defende a inversão do ônus da prova com

base exatamente na dificuldade de se obter provas nos crimes de lavagem de

dinheiro:

A dificuldade da investigação decorrente da complexidade de situações geradas pelos lavadores do dinheiro obrigou as autoridades – de vários países do mundo -, em conjunto, a criar mecanismos rigorosos e eficientes para o seu combate, exatamente no intuito de proteger a sociedade dos malefícios que lhe podem causar. Basta considerar que o dinheiro lavado é normalmente investido no incremento da própria empresa criminosa, gerando-lhe maior poder de ofensa à sociedade. Evidentemente que não se trata de ofender direitos e garantias individuais dos cidadãos constitucionalmente previstos em todos os países. Trata-se, ao revés, de preservá-los através da viabilização do combate eficiente à criminalidade chamada “de colarinho branco”,

305 Convenção de Viena: Art. 5º, nº 7 – As partes podem considerar a possibilidade de inverter o ônus da prova no que diz respeito à origem lícita dos presumíveis produtos ou outros bens que possam ser objeto de perda, na medida em que os princípios do respectivo direito interno e a natureza dos procedimentos judiciais e outros o permitam. 306 SILVA, C. A. Ob. cit., p. 142.

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modalidade de crime organizado, evitando-se, novamente, repita-se o “hipergarantismo” dos “delinqüentes de gravata”.307

O autor supra mencionado deixa evidente que garantias individuais, no

caso destes crimes, são meros expedientes para se instituir a impunidade nestas

infrações penais. Nestes delitos, os acusados, em razão da enorme dificuldade

em se obter provas da materialidade e da autoria, devem ser tratados de forma

diferenciada pelas regras processuais penais.

Luiz Flávio Gomes, apesar de admitir a possibilidade de ocorrer a

inversão do ônus da prova neste caso específico, dá uma interpretação mais

equilibrada ao texto de lei:

É preciso que seja bem compreendido esse dispositivo (§ 2º do art. 4º), se se pretende dar-lhe algum tipo de aplicação. Sua literalidade poderia dar ensejo a uma interpretação completamente absurda e inconstitucional, além de autoritária e seriamente perigosa, e que consistiria na exigência em todos os casos, de inversão do ônus da prova (com flagrante violação do princípio da presunção de inocência). Dito de outra maneira: tem-se a impressão, pelo que está escrito na lei, que os bens só seriam liberados, em qualquer hipótese, quando o acusado comprovasse sua licitude. Estaríamos nesse caso diante de interpretação inconstitucional e totalmente errônea, além de tirânica e despótica. O que o citado parágrafo, no máximo, poderia significar seria o seguinte: durante o curso do processo, tendo havido apreensão ou seqüestro de bens, se o acusado, desde logo, espontaneamente, (‘sponte sua’ sublinhe-se), já comprovar sua licitude, serão liberados imediatamente, sem necessidade de se esperar a decisão final. Considerando a apreensão ou seqüestro como medida cautelar, a liberação imediata seria uma medida de contracautela, reparadora da injustiça ocorrida pouco antes (no momento da privação dos bens).308

O autor supracitado afirma que a obrigação conferida ao acusado ou ao

terceiro de boa fé de provarem que os bens seqüestrados sempre lhe

pertenceram, somente pode ser aplicada nos casos de liberação antecipada de

bens, sem precisar aguardar o curso do processo.

José Laurindo de Souza Netto entende que realmente existe uma carga

mais leve para a acusação no ônus da prova:

Entretanto, não se pode esquecer que para a decretação do seqüestro bastarão “indícios veementes” enquanto que para a liberação será necessária a “comprovação”

307 MENDRONI, M. B. Crime de lavagem....., p. 127. 308 GOMES, L.F.;OLIVEIRA, W. T.; CERVINI, R. Ob. cit, p. 365-366.

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da licitude. Desse modo existe uma carga mais leve para a acusação (indícios) do que para a defesa (prova), configurando-se então a inversão do ônus da prova.309

A obrigação de provar as alegações da acusação é mais um exemplo de

que a lavagem de dinheiro tem tido um tratamento altamente rigoroso por parte

da legislação brasileira.

O ônus do Ministério Público de provar as suas alegações é uma regra

básica nos direitos e garantias individuais, pois o autor da ação penal afirma, ao

oferecer a denúncia, que provará suas alegações.

A inversão do ônus da prova, nos casos de seqüestro, é uma tentativa de

tornar efetiva a recuperação de ativos obtidos por meios criminosos. Inclusive, o

parágrafo 2º do artigo 4º da Lei de lavagem de dinheiro é uma exceção à regra

geral, de somente liberar os bens após o trânsito em julgado da sentença

absolutória, prevista no parágrafo único do artigo 130 do Código de Processo

Penal. O texto da lei deixa claro que a intenção é a de somente solucionar

alguma injustiça evidente cometida pelos executores da medida de seqüestro.

Todavia, se houver alguma dúvida quanto à justeza da medida, que se aguarde a

decisão final do processo. O dispositivo é extremamente drástico, já que a defesa

terá de provar sem sombra de dúvidas que um bem, que sempre esteve com o

réu ou que foi adquirido por um terceiro de boa fé, lhe pertence de direito. Pode-

se imaginar a dificuldade de se comprovar a licitude de valores depositados em

contas correntes bloqueadas judicialmente.

A prova da licitude dos bens seqüestrados pode ser um tanto difícil, pois

eventualmente, em uma empresa utilizada para lavagem de dinheiro, pode existir

um cidadão honesto que se associou a esta pessoa jurídica com recursos lícitos.

Nesta mesma empresa pode, também, haver um sócio desonesto, que ingressou

na sociedade utilizando-se de dinheiro desviado de crime. Nestes casos, haveria

mistura de valores lícitos e ilícitos. Eventual injustiça fica clara quando o

seqüestro atinge os bens pessoais do sócio que não praticava irregularidades.

Em vista disso, como será possível a ele provar o que era lícito e o que era ilegal,

entre os valores apreendidos nesta empresa? 309 SOUZA NETTO, J.L. Ob. cit., p. 132.

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André Luiz Callegari menciona que é comum a mistura de atividades

legais com ilícitas:

Existem muitas atividades ou negócios nos quais o manejo de grandes somas de dinheiro resulta normal (bares, supermercados, restaurantes, pizzarias, hotéis, sociedades de exploração de máquinas automáticas recreativas ou de azar). Esses proporcionam aos lavadores uma fácil introdução no circuito legal dos fundos em dinheiro, misturados muitas vezes com outras quantidades precedentes de atividades produtivas para que se possa esconder estas últimas.310

É fundamental que se produza uma prova razoável de materialidade, da

autoria e de que o bem realmente foi adquirido com os proventos do crime para

se efetivar a medida assecuratória do seqüestro. Isto impede que se cometam

graves injustiças com terceiros de boa fé. O Magistrado, por sua vez, deve

examinar se estão presentes os princípios da necessidade, da proporcionalidade

e da adequação para ordenar a medida constritiva, pois o terceiro de boa fé, ou

até mesmo o acusado, podem ter dificuldades de provar que seus bens não

deveriam ter sido seqüestrados.

310CALLEGARI, André Luis. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2.003, p. 52.

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7 - Conclusões

1) Há, modernamente, uma tendência de expansão do Direito Penal com

criminalização de condutas que apresentam sujeito ativo economicamente

privilegiado e lesivas de direitos supra-individuais.

2) A repressão a crimes como a lavagem de dinheiro, é um ato de

cidadania ou de inclusão social, pois está sendo garantido o mandamento

constitucional de que todos são iguais perante a lei.

3) Um bom exemplo desta criminalização pode-se encontrar na lavagem

de dinheiro, cujo bem jurídico é representado pela ordem econômico-financeira.

4) A tarefa de encontrar evidências para a lavagem de dinheiro é

bastante difícil, já que este crime é muito complexo. Esta complexidade é ainda

maior quando o sujeito ativo se utiliza de pessoas jurídicas para praticar esta

infração penal.

5) O crime de lavagem de dinheiro está vinculado à existência de um

delito antecedente, previsto em rol taxativo na Lei nº 9.613/98.

6) Admite-se em tese a condenação por crime de lavagem de dinheiro,

mesmo quando ocorrer absolvição pelo delito antecedente, ainda mais porque o

crime anterior pode ter sido praticado no estrangeiro.

7) A lei nº 9.613/98 criou algumas impropriedades como a de inserir

como crimes antecedentes o terrorismo e seu financiamento, bem como quando

for praticado por organização criminosa.

8) O legislador brasileiro, por sua vez, reconhecendo a dificuldade de se

conseguir provas da materialidade, da autoria e do destino dos bens, criou um

texto legal que deixou o processo penal bem menos garantista.

9) A inserção combinada da delação premiada, com a impossibilidade de

se conceder liberdade provisória e com a utilização de dispositivos do Código de

Processo Penal flagrantemente inconstitucionais para o seqüestro de bens, leva a

seguinte conseqüência: se o réu auxiliar a justiça, sua pena será reduzida; se não

colaborar, fica preso e tem seus bens confiscados.

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10) Com relação à delação premiada deve-se garantir ao delator e à sua

família a proteção do Estado, bem como, o delator tem direito ao prêmio, caso as

informações prestadas sejam aquelas previstas no art. 1º, §5º da Lei nº 9613/98.

11) Com relação ao delatado é de se garantir todos os direitos previstos

na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, e em especial deve-se

assegurar acesso aos autos de acordo de delação premiada, a fim de que o

mesmo possa produzir prova contrária, caso queira.

12) A delação premiada só deve ser aceita pelos Tribunais se

corroborada com outras provas.

13) Ainda com relação à delação premiada, o Juiz deve examinar o grau

de colaboração do delator para definir qual a quantidade da redução na pena, ou

então, se será concedido o perdão judicial.

14) O art. 3º da Lei 9.613/98 que impede a liberdade provisória em todos

os crimes de lavagem de dinheiro é inconstitucional.

15) A medida cautelar real de seqüestro tem plena aplicação nos crimes

de lavagem de dinheiro e volta-se contra bens adquiridos pelo investigado com

proventos da prática infracional.

16) Com relação às medidas cautelares reais contraria o espírito

democrático da Constituição Federal a regra, prevista no Código de Processo

Penal, que somente admite a liberação dos bens seqüestrados ou hipotecados

com o trânsito em julgado da sentença absolutória.

17) Também com relação às medidas cautelares reais é de se ressaltar

que o artigo 4º, parágrafo 2º da Lei 9613/98 exige que o réu ou terceiro de boa fé

comprove a licitude dos bens, direitos ou valores no caso da sua liberação

antecipada.

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