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JULIO CESAR FLORENCIO DOS REIS RUI GUIMARAES ANDRICH IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Monografia apresentado como requisite a obtenyao do titulo de especialista no Curso de P6s-Graduac;:ao em Administrag8.o Publica, da Universidade Tuiuti do Parana. Orientador: Gustavo Oliveira

JULIO CESAR FLORENCIO DOS REIS RUI GUIMARAES …tcconline.utp.br/media/tcc/2015/11/IMPROBIDADE-ADMINISTRATIVA-.pdf · RESUMO Este trabalho analisa a fen6meno da improbidade administrativa

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JULIO CESAR FLORENCIO DOS REIS

RUI GUIMARAES ANDRICH

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Monografia apresentado como requisite aobtenyao do titulo de especialista no Curso deP6s-Graduac;:ao em Administrag8.o Publica, daUniversidade Tuiuti do Parana.

Orientador: Gustavo Oliveira

TERMO DE APROVA<;:AO

RUI GUIMARAES ANDRICH

IMPROBIDADE ADMINISTRA TIVA

Esla monografia foi julgada e aprovada para a obten98o do titulo de

Especialista no Curso de P6s-Gradua9ao em Administra9ao Publica da Universidade

Tuiuti do Parana.

Curitiba. ' ' _

Coordenador do Curso

Universidade Tuiuti do Parana

Orientador:

Gustavo Oliveira

Universidade Tuiuti do Parana

SUMARIO

RESUMO... 4

1 INTRODU<;:AO... 5

2 REVISAo DE LlTERATURA... 7

2.1 PERSPECTIVA HISTORICA... 7

2.2 A PROBLEMATICA DA CORRUPCAo... 12

2.3 CORRUPCAO E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA... 15

2.4 REPRESsAo A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO BRASIL

EVOLUCAO CONSTITUCIONAL E LEGISLATIVA... 24

2.5 MECANISMOS DE REPRESsAo A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA... 37

2.6 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA INVESTIGACAO DA

pRATICA DE IMPROBIDADE... 39

2.7 REMESSA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO A RECEITA FEDERAL... 43

2.80 PAPEL DO MINISTERIO PUBLICO NA APURACAO DA PRATICA DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ..

CONCLUSOES .

REFERENCIAS .

46

52

56

RESUMO

Este trabalho analisa a fen6meno da improbidade administrativa e sua repercussaono sistema juridico brasileiro. A partir do exame das principais causas da corrupgaonos parses em desenvolvimento, procura mostrar como a Brasil tern respond ida aosdesafios da preven<;ao e repressao a essa sofisticada forma de delinqOemcia. A Lein° 8.429/92 - a Lei da Improbidade Administrativa - e 0 principal foco dainvestiga~ao. A pesquisa consagra-s8 ao estudo da responsabilidade civil dosagentes publlcos pelos atos funcionais que importam enriquecimento ilieito, causarnprejuizos ao erario OU violam as principios da administra980 publica. Aborda aindaas principais medidas cautela res destinadas a assegurar a efetividade do processo edas sanyoes a serem impostas nas sentenc;as condenat6rias, a exemplo daindisponibilidade dos bens, do afastamento de cargo publico e da quebra do sigilofiscal e bancario. Analisa tambem os instrumentos de investigac;ao dos delitos e aestrutura da a,ao civil publica por atos de improbidade administrativa. Por fim,estuda os efeitos condenatorios da improbidade administrativa, examinando assan,oes previstas na Lei n° 8.429/92, sobretudo a perda de bens e valoresacrescidos ilicitamente ao patrimonio do agente publico, 0 ressarcimento integral dodane inftigidoao erario, a perda da fun,ao publica, a muita civil, a suspensao dosdireitospoliticose a proibi,ao de contratarcom 0 poder publico.

Palavras·chave: Improbidade administrativa, corrupC;Bo, responsabilidade civil.

1 INTRODUCAO

Crise etica. E assim que a opiniao publica adjetiva 0 envolvimento de

autoridades com a pratica de improbidade administrativ8. as escandalos financeiros,

denunciados com estardalha<;o pela imprens8, passam a ideia de que governantes,

parlamentares e servidores estatais sao individuos inescrupulosos que usam as

cargos para enriquecer ilicitamente, favorecer aliados ou desviar recursos do eraria.

o declinio da confian<;8 no governo e urn dos fenomenos mais estudados na

atualidade. Enquetes e relatorios de organiz8c;oes transnacionais atestam 0

desencanto popular com as instituic;oes democraticas. A corrupc;ao esta entre as

principais causas da queda de credibilidade. Nos ullimos anos, lem-se verificado um

preocupante desgaste da imagem dos gestores da ceisa publica devido a denuncias

de praticas desonestas como peculato, clientelismo, favoritismo, nepotismo e usa

perdulario dos bens coletivos.

A gestao administrativa responsavel e eficiente passou a ser uma das

principais imposic;oes do Estado contemporaneo, fato que justifica a realizac;8.o do

presente estudo.

De fato, quais as causas da dificuldade em se punir efetivamente aquele que

traz prejuizo ao erario publica? Quais as metodos existentes para um melhor

controle do patrimonio publico?

Tem-se como hipotese, em primeiro plano, que a Lei de Improbidade

Administrativa apresenta-se como um dos instrumentos legais rnais importantes para

o fortalecimento da democracia brasileira. Atraves dela e possivel viabilizar a

governabilidade, restabelecer a confian(:a popular nas instituigoes estatais, melhorar

a distribuigao de rendas, imprimir maior eficiencia aos serv;gos publicos e polfticas

6

sociais, al8m de resgatar a auto-8stima e a dignidade da pessoa humana. Para

tanto, e preciso que as operadores do direito - magistrados, promotores de justi98,

gestores publicos, autoridades policiais, membros dos Tribunais de Contas, etc. -

assumam 0 compromisso de aplica-Ia em defesa dos bens coletivos e da probidade

no exercicio da func;ao administrativa.

A fim de provar as ideias expressas nos parc3grafos anteriores, dividiu-se 0

estudo em duas partes. Em principio, analisa-se criticamente 0 perfil da improbidade

administrativa, sobretudo as avam;os mais significativQs da legisla9ao nacional e

internacional no combate a corruP980 dos agentes publicos. A seguir, enfoca-se as

mecanismos de persecug80 a improbidade na esfera dvel examinando as principais

procedimentos investigat6rios e pracessuais, a exemplo do inquerito civil e da 8yaa

civil publica. Enfoca-se tambem as sanyoes aplicaveis aos agentes improbos. Por

fim, buscando a interconexao dos temas discutidos, sintetiza-se as principais

posicionamentos sustentados no curso da pesquisa, notadamente 0 conjunto de

proposiyoes destinadas a aperfeic;oar a sistema de repressao a improbidade no

Brasil.

Para melhor efetuar a revisao de literatura, optou-se pelo metoda de

fichamento de obras, selecionando-se autores de base como Odete Medauar,

George Sarmento e Carlos Mauricio Figueiredo juntamente como Marcos Nobrega.

2 REVISAO DE LlTERATURA

2.1 PERSPECTIVA HISTORICA

Em concord~mcia com 0 estudo de George Sarmento 1, no inicio do sEkula

XX, Maurice Hauriou concebia 0 Estado como uma empresa voltada para a

satisfa9ao do interesse geral e de Qutros val ores essenciais a manutenc;ao da

sociedade civil. 0 citado jurista frances sustentava que a Empresa-Estado 56

atingiria esses fins com a auxflio da C08c;30 material legitimada pela lei. au seja, do

direito.

Posteriormente, ainda conforme Sarmento, essa ideia foi retomada par

Marcelo Caetano2, que considerava 0 Estado uma empresa cujos objetivos basicos

eram (a) a seguran9a, (b) a justi9a nas rela,ces sociais e (c) 0 bem-estar. 0

constitucionalista portugues sustentava que 0 Estado Providencia cham au a si a

tarefa de satisfazer au estimular a satisfa9ao das necessidades sociais, instituindo

grandes empresas coletivas chamadas servi90s publicos. Argumentava que

o Eslado converteu-se, em lodos os paises, numa empresa giganlesca:produz bens, fomece energia, domina a circulayao de produlos e ideiasatraves dos transportes e das comunicagOes, controla a moeda, orienta 0credilO, regula a repartiyao dos rendimentos e, nos periodos criticos,intervem no consumo, ao mesmo tempo que ministra a instrugao e se ocupacada vez mais de lodos os graus de cultura. 3

Retornando para 0 estudo de Sarmento, partir da segunda metade do seculo

XX, as ideologias enfraqueceram-se. Nesta .apoea abalou-se sobremaneira a cren92

1 SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre:Sintese, 2002, p.17.2 CAETANO, Marcelo. Curso de Ciencia PoJiticae Oireilo Constitucional. Coimbra: Editora Coimbra,1959, p 126.3 Idem.

nos lideres carismaticos, onde a Ie que se depositava nos populistas ou

apocalipticos fo; substituida pela do governante eficiente e honesto, capaz de bern

administrar a patrimonio publico e melhorar a qualidade de vida da coletividade.

Em importante ensaio sobre 0 tema, Burdeau4 sustenta que a promoc;ao das

atividades gestionarias e urn objetivo prioritario da EmpreS8-Estado. Para ele, a

gestao dos recursos publicos deve ser racional e orientada para a promoc;ao do

desenvolvimento no sentido da realizac;ao do bern comum. Nesse contexto, a

probidade no usa dos recursos do erario emerge como urn principia vital a

administragao gerencial; mais do que isse, a principal pressuposto de sua

legitimidade.

o que S8 pode entender entao, e que com 0 desenvolvimento do

neoliberalismo, a intervenc;ao estatal nas relac;6es economicas e culturais mudou de

feic;ao. Privatizac;oes, quebra de monop6lios, concessoes e terceirizac;ao de servic;os

foram alguns dos mecanismos que reduziram a presenC;a direta do Estado nas

atividades economicas. Em contrapartida, a administragao profissionalizou-se,

tornou-se mais agil e diniimica. A lun,ao reguladora do Estado ganhou eficiencia

grac;as a criac;ao das AgEmcias instituidas para regular e disciplinar as atividades de

interesse publico, economico e social. Com isso, 0 Estado passou a atuar com mais

intensidade em setores essenciais como seguranc;a da populac;ao, arrecadac;:ao de

impostos, distribuic;ao da justic;a, previdencia social. poHticas publicas, etc.

Raciocinando sobre este ponto de vista, Feitosa5 afirma que a Estado

contemporaneo tambem prioriza a concretizayao da chamada "Constituic;ao

Financeira", que tern como elemento finaHstico 0 desenvolvimento da capacidade

, BURDEAU, Georges. L'Etat. Pans:Seul, 1992, p. 159 apud SARMENTO, George. Op.Cit, p. 1B.5 FEITOSA, Juliano Raimundo Rego. A ordenacao da atividade financeira e tributaria do Estado.Dike; Revisla do Curso de Direilo da UESC, n. 2, ano II, IIMus, p. 232, 2000.

patrimonial do erario a fim de canalizar os recursos disponiveis para a solu~o das

necessidades coletivas, mediante a oferta de servic;:os publicos eficientes e

acessiveis a todos as cidadaos. Tanto as receitas quanto os gastos publicos

destinam-se a satisfa9aO do interesse gera!. A COnCeP9aO patrimonial de Fazenda

Publica justifica a ado~o de mecanismos de controle de legalidade e de moralidade

dos atos de gestao. Nessa perspectiva, a preven<;80 e a repressao aos atos de

improbidade transformaram-se num dos temas mais recorrentes da Economia

Politica e do Direito Administrativo.

Considerando a diminui<;ao de seu papel como protagonista das rela<;oes

economicas, 0 Estado ainda e considerado uma megaempresa voltada para a

concretiza<;ao dos objetivos consagrados no texto constitucional. sobretudo a

satisfa9ao do interesse gera!. A produ91io de bens e servi90s depende do bom

desempenho dos orgaos publieos, que devem maxi mizar suas atividades de forma a

atender plena e eficazmente os anseios sociais.

Sarmento· explica que 0 novo paradigma de gestao publica exige que a

Empresa-Estado seja ,;gil e produtiva a fim de que os lucros colelivos possam ser

partilhados igualitariamente em forma de bens, servic;os e beneficios sociais. Por

iSso, deve orientar suas atividades para a promogao do bem-estar e da felicidade

publica, imprimindo 0 maximo de eficiemcia aos seus orgaos executores.

E sugerido pelo mesmo autor supra citado que a capacita980 tecnica,

independencia, obediencia ao principio da legalidade e da moralidade sao os

principais ingredientes para a profissionaliza~o do funcionalismo. 0 exercicio da

func;ao publica pressup6e ainda responsabilidade civil, penal e administrativa de

seus agentes, que devem responder por todos os atos praticados no exercicio do

6 SARMENTO, George. Op.CiI, p. 19.

10

cargo. 0 Estado exerce seu poder punitivo sabre os servidores cujas condutas

violarem a lei au as deveres deontologicos de honestidade, imparcialidade, lealdacte,

impessoalidade e discriyao.

Entende-se, a partir deste raciocinio que 0 Estado Democratico de Direito

sujeita a atividade politica e administrativa a um complexo sistema de controle que

tern como paradigma a supremacia do bern comum sobre os interesses particulares,

a preponderancia da lei sabre a vontade dos governantes e a responsabilidade dos

agentes estatais pel os atos praticados no exercicio do cargo au mandato. Nesse

contexto, a represseo a improbidade administrativa assume papsl relevante para a

sedimenta9ao do novo modelo de gestao publica que acaba de ser implantado no

Brasil.

Islo posta, pode-s8 observar que ao lango da decada de 90, foi passivel

testemunhar 0 aceleramento do processo de moderniza9aO do Estado brasileiro.

Nesse periodo, a Congresso Nacional aprovou urn conjunto de emendas

constitucionais e de leis ordinarias que mudararn profundamente a feigBo do texto de

1988. A Lei de Improbidade (Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992). a Reforma

Administrativa (EC n° 19, de 4 de junho de 1998). e a Lei de Responsabilidade

Fiscal (Lei Complementar n° 10 I, de 4 de maio de 2000) sao um exemplo disso.

E importante compreender que a Lei n° 8.429/92 e inovadora porque

ampliou a conceito de corrupgBo no exercicio de cargos publicos (antes a materia

resumia-se aos casas de enriquecimento iHcito, agora tambem abrange a rna gestao

do erario e a transgressao dos principios que fundamentam a administrag8a

publica). Em segundo lugar, por estabelecer severas sant;;oes de natureza eivel e

palitica que afetam a cidadania e 0 patrimonio do agente improbo. Finalmente, par

criar mecanismos cautelares de grande alcance destinados a assegurar a

II

efetividade das senten9as prol atadas no ambito das a90es civis publicas. Par isso,

esta incluida entre as leis mais avan<;adas do Brasil contemporaneo, urna

demonstrayao inequfvoca de que 0 pars tern tornado atitudes concretas no sentido

de honrar 0 compromisso de combater a improbidade nos termos da Conven98o

Interamericana contra a Corrupc;ao e de outros tratados intemacionais.

Sarmento7 cita que mesma diante de tantas virtudes, a Lei na 8.429/92 tern

encontrado forte resistencia dos seta res acostumados com a cultura da impunidade

e do imobilismo. Escreve:

Sao for~as que conspiram contra a moratidade da atividade administrativacom 0 objetivo subjacente de manter as privilegios dos grupos politicos eecon6micos acoslumados a sugar as riquezas nacionais. Dai a necessidadede mostrar a na~o brasileira a necessidade inaditlVel de apJica-laamplamente no combate a corrupyao no servil,;:opublico. Em razao disso,sustenlaremos a lese de que a Lei de Improbidade e um inslrumento legalindispensavel a reconslruyao de urn pais cornprometido com a gestaoresponsavel dos bens colelivos e com a distnbuil,;:aoda justica social.

A moraliza9i!o da administra9ao publica nacional tambem e uma questao de

cidadania. A probidade na gestao do patrimonio coletivo depende de uma sociedade

civil mobilizada, de uma imprensa livre e vigilante. S6 assim sera possivel fiscalizar

as atividades govemamentais, interferir nas politicas sociais e lutar pelo

desenvolvimento sustentavel baseado no uso racional dos bens do erano.

Acredita-se, a luz da bibliografia pertinente, que com a Lei na 8.429/92, 0

Brasil come9a a se livrar dos tradicionais vicios que tomaram a maquina

administrativa lenta, ineficaz e desacreditada. 0 sucesso desse projeto depend era,

essencialmente, de tres fatores: vontade politica dos governantes para combater a

corruP9ao no servi90 publico, eficiencia do sistema de controle dos atos dos agentes

estatais e celeridade do Poder Judiciario no julgamento das a90es de improbidade

? SARMENTO, George. Op. Cit., p. 19.

12

o fim do desperdicio e da apropriac;ao privada dos bens coletivos tambem passa par

uma profunda mudanC;8 do paradigma etica do funcionalismo publico e pela

transparencia da gestao do era rio naciona!.

2.2 A PROBLEMATICA DA CORRUPyAo

Em concordancia com Eduarda Simonetti e Denise Ramiros, a corrupc;ao

assola as nac;5es contemporaneas, devastando pavos e nayOes. Em escala mundial,

assume proporc;6es estarrecedoras. Estudos do Banco Mundial demonstram que ela

e diretamente respons8vel par problemas s6cio-econ6micos como empobrecimento

de paises, aumento da divida extema, diminuiyao do PIS, degradayao da qualidade

de vida nos centros urbanos e rurais, estagnatyao da economia, desrespeito aos

direitos fundamentais, reduc;ao dos investimentos internos e externos, favorecimento

de carteis e grandes corporac;6es, elevacao dos juros nos emprestimos

internacionais, migrayao das empresas para a economia informal e, sobretudo,

perda da legitimidade do Estado.

Sarmento explica que no Brasil, 0 envolvimento de funcionarios do alto

escalao em esquemas de trafico de infiuencia e no pagamento de propinas tem

criada um preoGupante clima de instabilidade institucional. Para 0 autor a situayaa e

tao grave que a maiaria dos cidadaos honestos se nega a participar diretamente do

processa eleitaral, seja par nao dispar de recursos financeiros para bancar as

campanhas milianarias, seja pelo receio de enlamear a boa reputac;ao em uma

atividade tao desgastante.

8 SIMONETTI, Eduarda Gianneta; RAMIRO, Denise. 0 Custo Economico da Corrupyao. Veja, 14 mar2001, p. 26.

13

Pode-S8 observar aqui, em acrescimo ao pensamento de Sarmento, que os

reeentes escandalos envolvendo altos dignitarios da Republica tern criado urn clima

de instabilidade polftica e econ6mica profundamente nocivo a nac;80. A opiniao

publica e bombardeada por denuncias de malversa~ao dos recursos publicos, tn;fico

de influencia e enriquecimenta ilieito.

As reunioes das comiss3es parlamentares de inquerilo transfonnaram-seem espetaculos grandiloqUentes que prolongam ao maximo 0 suspense dopova. 0 erella purificador dessa cafarse coletiva nos faz esquecer asverdadeiros problemas do pals. Par que pensar em desemprego, fome eexclusao social se a senador e 0 ministro estao no banco dos reus? Paraque pagar impastos se a cOffilpc;;ao e generalizada?9

A crise moral par que passa a administrayao publica conspira contra 0

Estado de Direito e coloca em risco 0 funcionamento das institui<;oes democraticas.

Genereux (1998) observa que a corrup~ao no funcionalismo corroi a confiabilidade

dos cidadaos no poder politico, alimenta a propaganda de extrema direita, atenta

contra a democracia e a sociedade como um todo. Para 0 cientista politico frances,

a sensac;ao de irresponsabilidade transmitida pelo poder, a impressao deuma justic;a de dais pesos e duas medidas, mais severa para 0 roubo demac;as do que para a desvio de verbas publicas, eslao a tal pontoarraigadas no juJgamenlo dos cidadaos, Que uma Simples mudanc;a deatitude nao bastarfl para restabelecer a confianc;a. Para lanto, seriamprecisos grandes gestos da parte dos politicos, gestos que demonstrem demodo impactante sua vonlade de moralizar a vida publica. (G~NEREUX,1998, p. 122)

Por vezes e chocante observar que os brasileiros chegaram ao limite da

tolerancia, exigindo que se rompam as antigas praticas administrativas de

nepotismo, clientelismo e pilhagem do patrimonio nacional. Ha urgemcia na

implanta~ao de novas formas de gestao dos servi~os publicos, baseadas na

9 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 26.

14

legalidade, moralidade e transparemcia. Mas e preciso reconhecer que a transi(A'jo etenta e traumatica. A crise de credibilidade da classe politica mina as bases da

democracia e estimula a ilusao do salvacionismo autoritario, ora de dire ita, ora de

esquerda.

Sarmento registra 10 que 0 maior paradoxa e que a legislat;ao brasileira

especializada na prevenc;ao e repressao as pfi3.ticas de improbidade administrativa

esta entre as mais avan9adas do mundo. to 0 caso da Lei n° 7.347/85, que disciplina

a 89030 civil publica, da Lei n° 9.034/95. que combate as ayOes praticadas par

organiza90es criminosas, da Lei n° 9.613/98, que ataca a lavagem de dinheiro e da

Lei n° 8.429/92, que pune 0 enriquecimento ilicito, a ma gestao do erario e a

viola<;.3o dos principios administrativos.

Pode explicar ests quadro quando S8 pensa no baixo nivel de efetividade

das leis, 0 que leva a popularrc3O a super que vive urn clima de impunidade

generalizada

Par efetividade pode-s8 aludir ao estudo de Pontes de Miranda11 que cita

que a principal caracter[stica das normas juddicas e a incondicionalidade da

incideneia. A ineideneia (eficacia legal) e infaliveL Ocorre no plano ps[quieo, no

mundo dos pensamentos, independentemente da adesao dos destinatarios au da

aplica(A'jo da norma juridica pelo aparelho estatal. Cronologicamente, a incidencia

anteeede a atendimento. Naa S9 pode falar em efetividade da norma juridiea que

ainda nao ineidiu au que nao tern eandi90es de incidir. A incideneia tambem e

inesgotavel: acontece sempre que houver composiC;ao do suparte factico. Dai

Pontes de Miranda afirmar que a incideneia das regras juridicas nao falha, 0 que

falha e 0 atendimento a elas.

11) SARMENTO, George. Op.Cit., p. 26.11 MIRANDA, Ponies de. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro:Borsoi, 1955, p. 273.

IS

Explica Tercio Sampaio Ferraz Junior que"

Incid~ncia e efetivldade sao fen6rnenos distinlos: a incidencia integra adimensao normativa do direito; a efetividade e objeto da dimensaosociol6gica. Ao soci61ogo interessa a concreyao da nonna juridica, isla e,suas conseqU~ncias na realidade social. A nanna jurfdica sera eficaz namedida em que a maiaria dos destinatarios aderir a condula presenta, QU

seja, quando houver "sucesso normativo"

Tendo-S8 compreendido 0 exposto, pode-S8 citar que em materia de

repressao a improbidade, 0 Brasil ja superou a fase de prodw;ao legislativa. Claro

que 0 sistema ainda nao e perieito. Precisa de muitos ajustes. Sarmento13 registra

que "a Lei n° 8.429192 e suficiente para punir as servidores que S8 prevalecem dos

cargos para lesar a eraria au enriquecer ilicitamenten• a momenta e de

eoneretiza98o das leis de combate a corrupc;ao e a criminalidade financeira. E isso

s6 sera posslvel se houver articula980 entre as instituiC;Oes governamentais e a

sociedade civil para promover urna cruzada em defesa do patrimonio publico e da

justi9a social.

2.3 CORRUP<;Ao E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Escreve Sarmento14 que "a corrupc;ao e um dos fen6menos mais antigos da

civiliza980 humana". Isso aeonteee porque, desde a Antiguidade, 0 Estado buscou

meeanismos juridicas para cambate-Ia. Em Atenas, tn§s crimes justificavam a

abertura de processo contra um magistrado eleito pelo povo: a conspirayao contra a

12 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdu~ao ao Estudo do Direito. Sao Paulo:AtJas, 1995, p.123.13 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 27.14 Idem. p. 28.

16

democracia, a traiyao em favor de urn inimigo da Cidade e a corrupc;ao, ou seja, a

utilizac;ao do mandata popular para a satisfacyao de interesses pessoais, conforme

escreve Bigaut.15.

Na Antiguidade, Cicero destacou-se como um dos mais ferrenho5defensores da probidade administrativa. Nos casas mais graves decorrupc;ao, 0 bravo senador romano costumava prop~r a seus pares aexecuc~o sumana dos govemantes desonestos. Com 0 advento daRevoluyao Francesa, a responsabilidade pessoal do funcionario pelos alosde gestao do erario foi erigida a direito fundamental. A Declarayao dosDireitos do Hornem e do Cidadao, de 1789, dispoe no art. 15 que "asociedade tern 0 direilo de pedir conlas a todo agenle publico pela suaadministrac;:ao"

Eo citado por Sarmento'· que 0 vocabulo corrup9iio deriva do latim

corruptione, palavra que evoca a ideia de degenerescencia, putrefa<;ao,

decomposigElo, devassida.o, suborno au peita. Hoje em dia e utilizado para definir a

conduta de uma autoridade que abusa do cargo para obter ganhos privados ou lesar

as cafres publicos.

Pode-S8 entender que a corrup<;ao e uma especie de criminalidade aGulta

pOis seu modus faciendi tern a marca da clandestinidade e do 5i9110. As trans8<;oes

ilicitas exigem a absoluta discrigao dos protagonistas. Ninguem fala, ninguem ve,

ninguem escuta: essa e a regra. Corrupto e corruptor nao que rem publicidade. Muito

menes investigat;6es dos auditores fiscais da Recelta Federal do Tribunal de Contas

e do Ministerio Publico. As estatisticas apresentadas ate hoje baseiam-se em dados

estimativos que nao correspondem a realidade. Moraes Filho17 explica este

argumento lembrando que dados extraidos de repartil'oes publicas ou coletados nos

meios de comunicac;ao. Existe urn profunda abisrno entre a criminalidade aparente

15 BIGAUT, Christian. La Responsabilite penale des hommes politiques. Paris:LGDJ, 1996, p. 13.16 SARMENTO] George. Op.Cit.] p. 28.17 MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. 0 Circulo Vicioso da CorruP9ao. Sociologia da Corrup.;ao.Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1987, p. 21,22.

17

(captada pelos 6r980s de controle social) e a criminalidade real (atos concretos de

improbidade). 0 desencontro de informagoes impede que S8 tenha uma nog8.o exata

da escalada da corruP980 em nivel nacional e internacional.

Esse ponto de vista e partilhado por Geddes e Ribeiro Neto'· que observam

que

e impassivel medir precisamente a corrup~o. Os que nela se envolvemnatural mente procuram aculla-Ia. Nunca se sabe se as casos que chegam avir a tona sao representativDs daquilo que pelTIlanece acullo. Os quedenunciam a corrupyao - jomalistas, adversarios politicos ou sacios emcanflilo tern seus pr6prios motivos para faze-1o, de modo que nao se pededizer que urn aumenlo das denuncias reflila 0 aumento da corrup.yao. Porlodos esses motivQs. nunca 5e pede provar completamente que a corrup~oaumentou.

Esta ideia esla bern colocada ainda mais quando S8 entende que a

expectativa de impunidade estimula a pr<3tica da improbidade administrativa. A

desorganiza980 da burocracia estataL a ineficiencia dos orgaos de controle interno e

externo da Administra\'i'io Publica, as fortes alian""s familiares e politicas

incrustadas no funcionalismo conspiram para a impunidade, encarajando os agentes

improbos a sangrar as cofres publicos.

Interessante, neste contexto, a coloca9ao de Sarmento'9:

Como fen6meno juridico, a corrupyao e anafisada sob diversos prismas.Para a fHosofo, e considerada transgressao das normas ilticas que regemas cargos publicos. 0 soci6togo prefere encara·la como fato socialdecorrente de um sistema administrativo ilegltimo e defeiluoso. 0anlrop6logo procura explica-Ia como desvio de condula ditado pelaincapacidade de a autoridade resislir as tentacoes financeiras ou aspressoes poHticaspara romper 0 pacta de lealdade ao Estado. Para 0 juristadogmatico, a improbidade e ala ilicito (contrario a lei) a ser punido civil,administraliva e criminalmente pelo aparelho estatal.

18 GUEOOES, Barbara; RIBEIRO NETO. Corrupc;ao e Reforma Politica no Brasil; 0 impacto doimpeachment de Collor. Rio de Janeiro: FGV, 2000. p. 49.19 SARMENTO, George. Op.Cit., p 29.

18

A mesma fonle citada'" registra tambem que 0 Direito Penal distingue duas

especies de corrupyao: a ativa e a passiva. A COrruP98.0 ativa consiste em oferecer

vantagem financeira a agente publico para que pratique, amita ou retarde ato de

offcio. Corruptor e a pessoa ffsica ou juridica que oferece, promete ou paga a

propina em traca de favorecimento ilegal; corrompido, 0 servidor que a ace ita e

pratica 0 ato de improbidade administrativa convencionado. A corrupyao passiva

Qcorre quando a autoridade tira proveito do cargo, fun9ao au emprego publico para

rectamar, proper, insinuar au sugerir propina em troca de ato de oficio. 0 art. 317 do

C6digo Penal define corrup~o passiva nos seguintes termos: "solicitar ou reeeber,

para si au para Qutrem, direta au indiretamente, ainda que fora da fun9ilo au antes

de assumi-Ia, mas em razao dela, vantagem indevida, au aceitar promessa de tal

vantagem".

Pode-se registrar tambem que a doutrina internacionaL especial mente a

norte-americana, a francesa e a espanhola, emprega a termo corruP9ao como

sin6nimo de improbidade administrativa. 0 significado e mais amplo que a de "crime

de corruP9ao" tipificado nos codigos penais. Refere-se a urn conjunto de condutas

desviantes do funcionario publico que implica enriquecimento ilicito, que acarreta

prejuizos ao erario ou que calida com as val ores eticos da administra9ao publica.

De fato, a corrup9ilo pressupoe intercambio ilegal entre agentes publicos e

atores privados_ Alimenta sofisticados esquemas de sonega9fjo fiscaL evasao de

divisas, lavagem de dinheiro e opera90es imobilianas simuladas. Nao se confunde

com a crime organizado, mas mantem com ele estreitas conexoes. Em vez de

traficantes, contrabandistas e estelionatarios, os envolvidos nos escandalos sao

20 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 29.

19

banqueiros, funcionarios do alto escalao, operadores do mercado financeiro,

construtores e governantes

Quando S8 trata de definir corrupg8o, as doutrinadores percorrem caminhos

distintos. Existem aqueles que restringem seu conteucto ao crime de peculato

(desvio de recursos estatais, recebimento de propina, malversaC;8o de verbas

publicas, enriquecimento ilicito, etc.). E a ideia de Marcos Silva21, para quem

"corrup9ao publica e uma rela9ao social (de carater pessoal extramercado e ilegal)

que S8 estabelece entre dais agentes au dais grupos de agentes (corruptos e

corruptores), cuja objetivo e a transferencia ilegal de renda, dentro da sociedade au

do lundo publico, para a realizayao de lins estritamente privados".

Existem tambem as autores que tentam explica-Ia pelo vies do abuso de

cargo publico para satisfag80 de interesses privados. Essa e a tese de Carvalho22

que define corrupr;80 como a

cornportamento que se desvia dos deveres fOmlais de um cargo publico emraz80 de vantagens pecunianas au de status, oferecidos a seu titular,familiares ou amigos intimos; ou que viola as normas contrarias ao exerciciode certas modalidades de influ~ncia, do interesse de particulares como (a)subomo - uso de recompensa para perverter a julgarnento do ocupante docargo publico; (b) nepotismo • concessao de cargo publico sem previaavaliayao do merito do candidato; (c) peculato - apropriayao fraudulenta deurn bern publico para usa particular.

Essa parece ser a posi9ao do jurista sui90 Queloz23 que apresenta 0

conceito de que a corruP98o e um processo de troca ilegal entre os atores publicos

do mundo politico e administrativo.

21 SILVA, Marcos Fernandes Gon9alves da. A economia politica da corruP98o. Artigo disponivel naInternet na URL http://www.lransparenciabrasil.com.br. Captura ern set 2005.22 CARVALHO, Getulio. Sociologia da Corrupc;ao. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1987, p. 64.23 QUELOZ, Nicolas. lis Temps de Reagir. Le Temps n. 81. Artigo disponivel na Internet na URLwww.edicom.chltempslls81fqueI2.html. Captura em set 2005.

20

Este conceito focaliza a corrupg8o no epicentro das relac;6es espurias entre

agentes publicos e grupos econ6micos visando a satisfaC;8o de interesses

partiGulares em detrimento do interesse geral.

Tem-s8 ainda, finalizando esta discussao, a corrente doutrinaria que prefere

encara-Ia como des via stico da autoridade, que S8 expressa pela transgresseo aos

princlpies da administrayao publica, sobretudo a da moralidade e 0 da lealdade as

instituic;oes. Pinto24 define corrupC;8o como a violag8o das normas sticas que regem

a conduta dos servidores publicos. Em sua opiniao, "ela revela sempre, da parte de

seu agente passivo - que e a politico ou 0 servidor publico - baixo nfvel de

moralidade" E acrescenta:

A circunstancia de que essa aberrac;ao elica !em geralmente comopressuposto a conduta imoral, tanto do agente ativo como do agenlepassivo, nos conduz a verificac;ao de que 0 clima em que se opera acorrupyao e 0 que e criado pelo desprezo das regras de declmcia e deausteridade nas relac;6es reciprocas entre 0 Estado e os orgaos deledependentes, de um lado, e os grupos economicos, as empresas e osindividuos, isoladamenle, do oulro.

Fagundes25 retoma a vertente stica desenvolvida por Pinto2ti e amplia 0

conceito, demonstrando que corrup9Bo nao se resume ao suborno au ao peculato,

mas a

quaisquer modalidades de ag80 que representem a utilizag80 indevida, isloe, sem motivo ou titulo habil de bens do patrimonio publico, au a cusleio,direto au indireto, de despesas nao impostas pela fungao exerci da, senaopara a gaudio de agenle publico de qualquer calegoria. E, ainda, os alos defavorecimenlo, a cusla dos cofres publicos, de parenles, amigos e eleitores,como admissoes irregulares no servigo publico au eslipulag80 de salariosprivilegiados.

24 PINTO, Francisco Sitac Moreira. Enriquecimenlo llicila de Cargos Publicos. Rio deJaneiro:Forense, 1960, p. 60.25 FAGUNDES, Miguel Seabra. Sociolagia da Corrup~ao. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1987, p. 156.25 PINTO, Francisco Bilaz. Op.Cil, p. 60.

21

Resta ainda apontar a ideia de Sarmento27 que registra acertadamente que

no Direito Internacional Publico, 0 conceito ainda €I mais abrangente, uma verdadeira

sintese das pos;<;oes aeirna expostas. lnclui nao 56 as desvios de condutas slicas e

dos deveres deontol6gicos, como tambem peculato, nepotismo, trafico de influencia,

enriquecimento [lieila, clientelismo e rna-gestao dos 6rg805 publicos. 0 art. VI da

Convenc;ao Interamericana contra a Corrupc;ao traduz bern 0 espirito universal do

instituto quando estabelece a seguinte tipifical'ao:

a) a solicitacao au a aceitayao, direta ou indiretamente, par urn funcionario

publico ou pessoa que exerya funl'oes publicas, de qualquer objeto de valor

pecunia rio ou de outros beneficios como dadivas, favares, promessas ou vantagens

para si mesma au para outra pessoa au entidade em troca da realizacao au amissae

de qualquer ata no exercicio de suas fun<;6es publicas;

b) a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionario publico ou

pessoa que exen;a funr;oes publicas, de qualquer objeto de valor pecuniario ou de

outros beneficios como dadivas, favores, promessas ou vantagens a esse

funcionario publico ou outra pessoa ou entidade em troca da realizayaa au amissao

de qualquer ate no exercfcio de suas func;6es publicas;

c) a realiza~o, por parte de urn funcianaria publico au pessoa que exen;:a

funl'oes publicas, de qualquer ate ou omissao no exercicio de suas funl'oes, a fim de

abter ilicitamente beneficias para si mesma ou para urn terceiro;

d) a aproveitamenta doloso ou a ocultayaa de bens provenientes de

qualquer dos atos a que se refere este artigo; e

:7 SARMENTO, George, Op.Cit., p. 31.

22

e) a participac;ao, como autor, co-autor. instigador, cumplice, acobertador ou

mediante qualquer Dutro modo na perpetrac;ao ou na associac;ao au confabulaC;8o

para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo.

Para 0 escritor Sarmento28 as parses signatarios devem adaptar suas

le9isla90e5 as exigencias contidas na ConvenC;8o Inleramericana de forma a

integrarem-se no sistema internacional de combate a corrupyao. Mais do que isso, a

ordem supra-estatal exige acy6es concretas no senti do de reprimir com rigor a

improbidade administrativa, mobilizando a palieia judiciaria, as autoridades fiscais e

fazendarias, 0 Ministerio Publico, 0 Poder Legislativo e 0 Poder Judiciario.

Esta postura significa que nao e difieil perceber que a grande novidade do

Direito AdministrativQ contempOfl3neo e a vinculat;§.o da conduta funcional dos

servidores publicos a rigorosos principios morais contidos na Constituiyao e na

legisla9aO ordinaria. a surgimento da Etica Publica como disciplina aut6noma

ministrada em renomadas universidades americanas e europeias e a prova disso. A

Etica especializou-se. Ja nao e mais domfnio exclusivo das abstra96es filos6ficas.

Transformou-se numa das mais instigantes palavras da praxis politica e judiciaria.

Antes meres ideais de vida honesta, os c6digos de etica projetam-se como normas

imperativas, passiveis de aplicac;ao por magistrados, parlamentares e governantes.

A Etiea da Administrac;iio Publica fundamenta-se em um eonjunto de valores

morais que regem as condutas das autoridades e orientam as politicas e servi90s

sociais na consecu9ao do interesse gera!. do bem-comum. Ora, a realizac;ao desses

valores pressupoe a existeneia do Estado Demoeratieo de Direito baseado na

legalidade, moralidade e respeito aos direitos humanos fundamentais. Apenas nessa

ambiemcia e que se pode falar, com seguran~, em improbidade administrativa como

28 SARMENTO, Georges, Op.Cil., p. 31.

23

ato ilicito. Quando 0 sistema politico e ilegitimo, despotico, ditatorial ou c\eptocratico,

nem todo desrespeito as normas administrativas a antiatico.

Improbidade nao a uma categoria meramente normativa: nao se restringe ao

binomio legal ou ilegal. Eo tambem moral.

Pode-se lembrar ainda que 0 despotismo esta profundamente enraizado na

civilizagao humana. Pontes de Miranda29 ensina que 0 principal objetivo da ciencia

positiva do direito e a extirpa980 de todas as formas de violencia que inviabilizam a

convivemcia social. 0 processo evolutivo, que a continuo e inexoravel exige indices

cada vez maiores de civilidade, traduzida como a transformag8o da energia violenta

- 0 quantum despotico - em energia social cujo efeito direto e a crescente pacifica9iio

social. Dai porque 0 quantum desp6tico diminui na razao inversa da adaptayao

realizada: "mais adaptay80 menos quantum despotico" .

A valorizacao do homem a a forma mais eficaz de aumento da energia social

pois, a medida que os povos avanyam rumo a concretizayao da dignidade humana,

das liberdades e da solidariedade, 0 despotismo diminui a convivencia pacifica-se, a

adaptayao social expande-se. Ocorrendo 0 contrario, isto a, se 0 Estado absorver

elementos despoticos que redundem no agravamento das desigualdades sociais, na

corrupyao sistemica na supressao das liberdades, no autoritarismo, na misaria ou na

nega9iio da democracia 0 quantum despotico aumentara, trazendo consigo

retrocesso politico e social, violencia civil, anomia e revolta generalizada, indicativos

incontestaveis da involuC;ao dos povos. A concretizayao dos direitos humanos e a

concep9iio de um modelo de administra9ao publica voltado para os interesses

coletivos sao 0 reflexo mais evidente da vit6ria da civilidade sobre 0 despotismo

estatal.

"PONTES DE MIRANDA, Op.Cit., p. 107.

24

Do ponto de vista sociol6gico, pode-se afirmar que a corrup(:ijo e um

fen6meno dotado de elevado quantum desp6tico na medida em que fraudas,

comiss6es iifcitas, desfalques e a venalidade das autoridades le58m 0 patrimonia

publico, impedindo que a popula(:ijo tenha acesso a politicas sociais que Ihe

assegurem urna boa qualidade de vida. A partir do momento em que a poder eocupado par urn grupo politico comprometido com a moralidade administrativa, com

a concretiz8c;ao dos direitos humanos e com as institui96es democraticas ocorre a

"Iiberac;ao de forc;as adaptativas que pacificam a sociedade melhoram as servic;os

pub Iicos e legitimam 0 poder politico", conforme Sarmento30.

2.4 REPRESsAo A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO BRASIL

EVOLUC;;AO CONSTITUCIONAL E LEGISLATIVA

Conforme explicam Caldeira et ai, 0 Estado brasileiro surgiu quando a

Revoluc;:ao Francesa de 1808 ja tinha aniquilado as privilegios da nobreza e

permitido a acesso de qualquer cidadao as func;6es publicas, a familia real se instala

no Brasil implantando 0 sistema absolutista de governo. Para satisfazer 0 desejo de

luxo e ostenta~a das quinze mil nabres e altos funcionarios que acompanhavam a

familia real, a milicia percorriaas ruas do Rio de Janeiro, pintando nas paredes das

principais casas as letras P.R, que significavam Principe Regente, interpretadas

jacosamente pela papulacho como "Ponha-se na Rua", vista que 0 proprietaria era

30 SARMENTO, George.Op.Cit, 34.

25

intimado a abandonar 0 predio em 24 horas para ceder lugar a um membro do

sequito real. 31

Em seguida, continua Caldeira et al32 veia a distribuiyao indiscriminada de

tftulos nobiliarquicos para ricos comerciantes e proprietarios rurais em traca de

investimentos no Banco do Brasil

Para 0 soci61ogo Candido33, a pratica de enobrecimento dos suditos como

pagamento de favares prestados a Coroa continuou em todo 0 periodo monarquico:

A distribuic;ao de titulos nobifiarquicos era uma (anna de manuten~o daestrulura de poder. Eram dados a ricos e pobres, brancos e mesti~os.membros de famflias importanles e genie sem nascimento. A mobilidadesocial era f1exivel: independentemente da origem social. eram agraciadoslodos as que (ossern uteis aos inleresses da oligarquia".

Conforme 0 soci61ogo, a Corte era administrada par gente ambiciosa e

sedenta de poder. A maioria dos fidalgos mantinha fortes ligac;6es com 0 trafico de

escravos, atividade extrema mente lucrativa que contava com a tolerancia do poder

imperial. Em importante estudo monografico sabre 0 Imperio, Neves e Machado34

mostram que a estrutura de poder era alimentada pala traca de favores e as

relac;6es de cumpadrio. A competencia para a exercicio da func;ao publica era 0 que

menos importava. Os autores evidenciam que

° cargo publico transformara-se em inslrumento de barganha, podendopertencer a alguem, ser concedido como presente au relirado comopunit;3o. Assegurar indicalfoes para determinados cargos significava ablerseguidores riels que demonstravam sua lealdade com as votos esperados.A vilOria no pleito eleitoral comprovava poder, garantindo ao chere localcacife para indicar seus protegidos.

31 CALDEIRA, Jorge; CARVALHO, Flavia de; CLAUDIO, Paula. Hist6ria do Brasil:SaoPaulo:Companhia das Lelras. 1999, p. 122-123.32 Idem.33 CANDIDO, Antonio. Folha de Sao Paulo, Mais, p. 8, 17.02.2002.34 NEVES, Lucia Maria Bastos das; MACHADO, Humberto Fernandes. 0 imperio do Brasil. Rio deJaneiro:Nova Fronteira, 1999, p. 281.

26

A elite do funcionalismo publico brasileiro nasceu do trafico de influencia, do

nepotismo, do parasitismo, do clientelismo e, sobretudo, do absoluto despreparo

para a gestao do patrimonio publico. Com a proclamac;ao da Republica, em 1889, a

sistema monarquico foi substituido pelo mandonismo dos chefes politicos e dos

patriarcas rurais. Os cargos publicos fcram lateados e distribuidos entre

apadrinhados politicos e cabos eleitorais. Os primeiros anos da Republica foram

marcados pelas barganhas partidarias e pela impunidade dos govern antes.

As maze Ias da Velha Republica (1889-1930) laram expostas par Mlranda35

em ensaio publicado em 1924. Inconformado com a impunidade que grassava no

Brasil, 0 jurista alagoano observava que

naD he'!nenhum pais em que sejam tao irresponsaveis e irresponsabilizadosas dirigentes, as funcionanos e as proprios particulares. Nada se apura; 56ha urn limite para os desmandos e dilapida90es dos dinheiros publicos, dosincapazes, das institui90es: 0 apetite dos funcionarios, govemantes egestores

o escritor criticava 0 fato de que aqui ainda prevalecia 0 principia da

irresponsabilidade do agente publico, de origem monarquica e ja em desuso em toda

Europa. Por outro lado, a crasse media nao estava suficientemente articulada para

exigir do governo republicano a adoyso de uma politica voltada para a moralidade

administrativa.

Rui Barbosa, conforme citado par Sarmento36 comparava a Republica a um

ser "multimamico", uma gigantesca vaca de milhares de tetas, nas quais se

dependuram insaciaveis e contumazes mamadores a sugar infinitamente suas

riquezas. Para a mamata nao havia desmame. Todos queriam uma boquinha, urn

ernprega de fachada, mardamias nababescas, prestigio e poder. Uma vida de

"PONTES DE MIRANDA. Op.Cit, p. 163.36 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 54.

fausto. A metafora do jurista baiano eelites brasileiras com 0 patrimonio publico, considerado res nullius - ceisa de

ninguem - a ser livre mente utilizado para fins privados, sobretudo para 0

enriquecimento tHeilo e para a manuten~o do empreguismo, isenc;ao llegal de

impastos, multas, concess6es gratuitas, etc.

a triste quadro denunciado par Pontes de Miranda e Rut Barbosa iria S8

agravar nos anos que S8 seguiram. A ascensao dos tecnocratas aDs altos escal6es

da Republica burocratizou as procedimentos administrativDS, favorecendo 0

pagamento de propinas para "desembarac;:ar" processos administrativQs e licitac;:oes.

Os grandes contratos atralram empresarios ambiciosos, que naG hesitavam em

estabelecer relac;6es promiscuas com a poder, alimentadas pelo financiamento de

campanhas politicas, pagamento de propinas, aberturas de contas clandestinas no

exterior, formac;ao de cartel e outras artimanhas para lesar 0 erario.

Consta da obra de Sarmento37 que ate meados do seculo passado, politicos

e funcionarios graduados tinham certeza da impunidade dos seus deslizes

funcionais. No Brasil, imperava a lei do "rouba, mas faz", que refletia 0 conformismo

do pavo ante a corruP9Ba. Os juristas reclamavam a regulamenta~o do § 3 I do art.

141 da Constitui<;iio de 1946, que estabelecia 0 seguinte: "A Lei dispora sobre 0

seqOestra e perdimento dos bens, no caso de enriquecimento iHcito, por influencia

au com abuso de cargo ou func;ao publica, ou de emprego em entidade autarquica".

Nos ultimos anos do Cicio Vargas, as demincias de corrupc;ao aumentaram

assustadoramente. Embora poucos questionassem a honestidade pessoat do

reverSBO a fazenda publica dos bens adquiridos por influencia ou abuso de cargo

publico; competencia do juizo civel para a aprecia<;iio da a~ao civil publica;

27

37 SARMENTO, Op.Cil., p. 54.

28

independEmcia das esferas eivel e criminal em materia de improbidade

administrativa; criac;ao do registro publico obrigat6rio de valores e bens pertencentes

80 patrimonio privado dos servidores da Uniao, Estados e Municfpios;

obrigatoriedade de atuatiza,iio bienal dos bens dos agentes publicos e respectivos

conjuges, sob pena de demissao na hip6tese de falsidade das informac;oes;

legitimaC;Elo do Ministerio Publico para a propositura da 89810 elvel de ressarcimento

80 en3rio.

Alem disso, pode-s8 Gitar em contrapartida que no plano legislativo, as

mudanc;as eram lentas e tfmidas. A primeira iniciativa concreta para reverter essa

situagiio ocorreu em 1951, quando 0 deputado alagoano Ari Pitombo apresentou ao

Congresso Nacional urn projeto de lei visando a regulamentar a citado dispositivo

constitucional. Iniciativa pioneira no combate a improbidade administrativa, a

proposigiio disciplinava a a,iio civil contra os servidores que abusassem do cargo

publico para 0 locupletamenta, incluindo a medida cautelar de seqOestra, a

decretagiio da perda dos bens obtidos com a pratica de atos de corrup~iio e a

obrigat6ria deciara,iio peri6dica de bens.

Na otica de Pinto38, a relatar do projeto, 0 deputado gaucho God6i Ilha.

sustentou a necessidade de consagrar, no sistema jurfdico brasileiro, a

independencia das instancias dvel e criminal. argumentando que a extinr;80 da ar;80

penal au a absolvir;8a do agente publico nao excluiriam a perda dos bens

ilicitamente adquiridos. G6doi Ilha tambem apresentou um substitutivo a proposir;ao

de Ari Pitombo, que foi acatado apenas na parte em que aperfei,oava a inciusiio da

obrigatoriedade de as servidores apresentarem, periodicamente, declarar;ao

atualizada de bens as respectivas repartic;oes.

38 PINTO, Francisco Bilac. Op.Cit., p. 116.

29

Embora a materia fosse urgente, 0 projeto so foi votado seis anos depois,

convertendo-se na Lei n° 3.164, de 1 de junho de 1957, que ficou mais conhecida

como Lei Pitombo-Godoi IIha, em homenagem a decisiva atuayilo desses

parlamentares no processo legislativa. Deve-s9 a ala a introdu<;ao dos seguintes

institutos, segundo Sarmento39.

1. Medida cautelar de seqOestro de bens do agente publico acusado de

enriquecimento ilicito;

2. reversao a fazenda pubica dos bens adquiridos par influencia au abuso de

cargo publico;

3. competencia do juizo civel para a apreciayilo da ayilo civil publica;

4. independ€mcia das esferas dvel e criminal em materia de improbidade

administrativa;

5. criag80 do registro publico obrigatorio de valores e bens pertencentes aD

patrionio privado dos servidores da Uniao, Estados e Municipios;

6. obrigatoriedade de atualizayilo bienal dos bens dos agentes publicos e

respectivos conjuges, sob pena de demissilo na hipotese de falsidade das

informar;oes;

Legitimar;80 do Ministerio Publico para a propositura da 89030 eivel de

ressarcimento aD erario.

Em 21 de dezembro de 1958, 0 presidente Juscelino Kubitschek sancionou a

Lei n° 3.502, que complementava a anterior. A nova lei foi mais uma tentativa de

com bater a escalada da corruP98o que assombrava 0 pais e punha em risco as

institui90es democraticas. 0 Brasil vivia um clima de institucionalizac;ao da

improbidade administrativa. Os cidadaos sentiam-se impotentes diante da corrupc;ao

39 SARMENTO, George. Op.Cil., 56,57.

30

generalizada que grassava no pais. Pinto40, filho do autor do projeto de lei, traduziu

o descontentamento da seguinte forma:

Em nossa pais. atualmenle, ninguem se anima a denunciar as falhas decondula moral de politicos e servidores publicos, pela certeza de que seuzela pela decencia da admjnjstra~o nao enconlrara eeo favoravel nasesferas respons3veis pela direyao do respectivo servj~o pub1ico~. Econtinua: "Os Que ousam denunciar as escandalos administrativos de quetern conhecimento, correm 0 risco de reeeber punit;:ao disciplinar por essaimprudencia

A Lei Bllac Pinto nasceu com a grande ambic;ao de transformar-S9 num

eficaz instrumento de combate a improbidade administrativa, a epoca considerada

sinonimo de enriquecimento iHcito dos servidores publicos. Para isso, introduziu as

seguintes materias:

1. tipificar;ao dos atos de enriquecimento Bleito, atraves da descrirrao das

transgress6es mais comuns no servir;o publico;

2. amplia9Bo do conceito de servidor publico;

3. equiparar;ao dos atos de enriquecimento ilieito aos crimes contra a

administrar;ao e 0 patrimonio publico;

4. especifica9Bo do procedimento cautelar de sequestro dos bens do agente

publico acusado de enriquecimento ilicito;

5. inclusao do ressarcimento ao erario e indenizar;ao por perdas e danos

como sanr;oes aplicaveis as hip6teses de enriquecimento il/cito.

Lamentavelmente as Leis Pitombo-God6i Ilha e Bilac Pinto restaram letra

marta na jurisprudencia brasileira. Nao houve vontade politica de apliciHas. Nem

independencia do Judicia-rio para condenar empresarios e autoridades do alto

escalao aeusados de enriquecimento incito. Durante a periodo em que estiveram em

.10 PINTO, Francisco Bilac. Op.Cit., p. 44.

31

vigor, nao se tern conhecimento de puni,oes exemplares impostas a agentes

publicos improbos. Mesmo com 0 advento da Lei n° 4.717/65, que disciplinou a a~ao

popular, as cidadaos nao S8 mobilizaram para anular as decis6es administrativas

prejudiciais ao patrimonio publico.

Ademais, a concepyao reducionista de corruP98o, que restringia 0 delito aos

cases de enriquecimento ilieito, foi inca paz de center 0 cresci menta das novas

formas de improbidade administrativa, cada vez mais sofisticadas e eficientes. 1550

sem falar nas condutas fiagrantemente desonestas que ficavarn impunes em razao

da ausencia de previsibilidade legal. 0 financiamento de campanhas politicas foi 0

exemplo mais contundente desse vazio normativo.

A partir da decada de 70, as projetos fara6nicos, a construc;ao de estradas,

conjuntos habitacionais e a urbanizac;ao das cidades favoreceram as grandes

empreiteiras, que passaram a financiar campanhas eleitorais, pagar comiss6es

ilegais e interferir no orc;amento da Uniao. Resultado: obras superfaturadas. de

qualidade inferior, inacabadas e ate mesmo fantasmas.

Sarmento41 lembra que a Constitui~ao de 1988 refor~ou os poderes do

Ministerio Publico. Oando-Ihe atribuic;6es para combater a corruP9ao e a ma gestao

administrativa. Institucionalizou, tambem. 0 inquerito civil como instrumento exclusivo

de investigaC;ao assegurando aos promotores de justic;a poderes para notificar

testemunhas requisitar documentos e pericias 8. final mente, legitimidade para propor

ac;oes civis publicas contra alos de improbidade administrativa.

o autor prossegue citando que com 0 objetivo de estabelecer a

responsabiliza~o dos agentes publicos implicados em atos de improbidade

administrativa, 0 § 4° do art. 37 da Constituic;ao Federal previu varias sanc;6es a

41 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 59

32

serem contempladas em lei nos seguintes termos: "Os atos de improbidade

administrativa importarao suspensao dos direitos politicos. a perda da func;:.3o

publica. a indisponibilidade de bens e 0 ressarcimento 80 erario. na forma e na

grada,;3o previstas em lei. sem prejuizo da a,;3o penal cabivel".

Nesse aspecta, Sarmento42 ressalta que a Constitui!yao consagrou 0

principia da imprescritibilidade da 8980 civil publica contra atos de improbidade

administrativa no que concerne aD dever de reparaC;:8o dos prejuizQs causados aD

era rio. Essa e a intetigencia do § 50 do art. 37, que e laxativo: "A Ie; estabelecera os

prazos de prescriyao para Hfcitos praticados par qualquer agente, servidor au naa.

que causem prejufzQs 80 erario. ressalvadas as respectivas 8c;:oes de

ressarcimento".

Pode-se compreender pelo exposto que a Constituig80 tambem previu a

responsabilidade da Fazenda Publica pelos danos causados a terceiros. Estatuiu a

obrigag80 de indenizar os danos, sem prejuizo da aryao regressiva a ser proposta

contra 0 agente publico que tiver agido com dolo ou culpa. Eo que estabelece 0 art.

37. § 6°, in verbis: "as pessoas juridicas de direito publico e as de direito privado

prestadoras de servigos publicos responderao pelos danos que os seus agentes.

nessa qualidade, causa rem a terceiros, assegurado 0 direito de regresso contra 0

respons8vel nos casos de dolo ou culpa"

Por fim, conferiu ao cidadao 0 direito de proper aryao popular em defesa do

patrimonio publico e da moralidade administrative. De acordo com 0 inciso LXXIII do

art. 5° da Constituigiio de 1988, "Qualquer cidad;3o e parte legitima para propor a,;3o

popular que vise a anular ato lesivo ao patrimonio publico au de entidade que 0

Estado participe. a moralidade administrative. ao meia ambiente. ao patrimonio

42SARMENTO, George.Op.Cit., p. 59.

33

historico e cultural. ficando 0 autor, salvo comprovada rna-fe, isento de custas

judiciais e do onus da sucumbencia"

Sarmento43 escreve que a Constitui<;80 de 1988 recepcionou as Leis

Pitombo-God6i Ilha e Bilac Pinto, am bas insuficientes para reprimir os atos de

improbidade administrativ8. 0 § 40 do art. 37 era uma norma de eficacia limitada.

que dependia da ediry80 de lei reguladora. Pensando nissa, 0 entao Ministro da

Justiga, Jarbas Passarinho, apresentou ao Presidente da Republica um anteprojeto

de 13 artigos que previa a responsabilidade dos agentes publicos implicados em

enriquecimento ilfcito.

A mesma fonte revela que em 14 de agosto de 1991, 0 Presidente Fernando

Coil or de Mello encaminhou a Camara dos Deputados a Mensagem n° 406/91

contendo a proposigao do Executivo. 0 Projeto de Lei recebeu 0 numero 1.446/91 e

foi relatado pelo deputado Nelson Gibson. Embora apresentada a midia como uma

iniciativa inovadora, a proposi<;ao nao passava de uma atualiz8<;80 superficial da Lei

Bilac Pinto.

Sarmento44 registra que aproveitando 0 interesse do Governo Federal em

disciplinar a materia, as deputados Jose Dutra, Carlos Alberto Campista e 0 senador

Pedro Simon apresentaram substitutivos que modificaram radicalmente 0 perfil inicial

do Projeto de Lei. Em menos de um ano. a materia foi aprovada. nascendo dar a Lei

n° 8.4291 92. bem mais avangada que a Lei Pitombo-God6i IIha e a Lei Bllac Pinto,

ambas revogadas por ela, continua Sarmento.

Muitas foram as materias introduzidas pela Lei n' 8.429/92. A primeira delas:

a amplia9aO do conceito de improbidade administrativa. Alem do enriquecimento

ilicito. fcram acrescentadas mais duas especies: a gestao ruincsa do erario e a

" SARMENTO, George. Op.Cit., p.59.44 Idem.

34

viola9ao dos principios da administra9ao publica. No caput dos arts. 9°, 10 e II,

descreve a conduta generica de cada uma del as et a titulo exemplificativG, inclui as

transgress6es mais comuns em diversos incisos.

Em seguida, segundo Sarmento'", estabeleceu-se um padrao atico de

conduta dos agentes publicos, baseado no respeito a rlgidas normas deontologicas

como a estrita observancia aos princfpios da legalidade, impessoalidade, moralidade

e publicidade no trato de assuntos que Ihe sao afetos (art. 4°). Impos ainda a

obedi!mcia aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade as

instituigoes como paradigma de atu8gao funciona! (art. 11). A fim de controlar a

evolu9iio patrimonial do funcionalismo, a Lei de Improbidade obriga os servidores a

apresentar declarag80 anual de bens e valores patrimoniais, sob pena de demissao

a bem do servi90 publico.

A Lei na 8.429/92 tambam consagrou a independencia das san90es

penais46, civis e administrativ8S pela pratica do mesma ato ilicito. Ao mesma tempo,

adotou rigorosas comi nac;6es para a improbidade, quais sejam: (8) perda de bens e

valores acrescidos ilicitamente ao patrimonio; (b) ressarcimento integral do dano; (c)

perda da fun9ao publica; (d) suspensao dos direitos politicos; (e) pagamento de

multa civil; (f) proibi<;ao de contratar com 0 Poder Publico au reeeber beneffcios au

incentivos fiscais ou crediticios. A eficacia de tais san<;6es e assegurada pela

possibilidade de concessao de medidas cautela res como, por exemplo, a

indisponibilidade dos bens do acusado, 0 afastamento do cargo, a transferencia dos

sigilos bancario, fiscal e patrimonial e telefonico, alem das a<;6es previstas no C6digo

de Processo Civil (busca e apreensao, da produyao antecipada de provas e da

exibi9ao de documentos).

45 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 60.4Gldem.

35

o Ministerio Publico e a pessoa juridica interessada estao legitimados para a

propositura da a~ao civil publica, que tera rita ordinaria e tramitara em uma das

varas clveis da Justi~ Estadual au Federal. A Lei na 8.429/92 veda expressamente

a transa<;iio, acordo ou concilia<;iio, posto que a tutela do patrimonio publico e do

en3rio manifesta-se como direito indisponfvel que exige provimento jurisdicional de

merito (art. 17). Julgada procedente, a repara9ao do dano ou a perda dos bens e

valores havidos ilicitamente dar-s8-a mediante pagamento au reversao a pessoa

juridica lesada (art. 18).

Odete Medauar47 cita que Qutra grande novidade foi a ampliagao dos

sujeitos passiv~ e ativo da improbidade. 0 art. 10 e seu paragrafo unico estabelecem

que os sujeitos passiv~s do ato ilicito sao: (a) pessoa juridica de direito interno -

Uniao, Estado, Territorios, Distrito Federal, autarquias e funda90es publicas; (b)

pessoas juridicas de direito privado - sociedades de economia mista, empresas

publicas; (c) entidades do terceiro setor - sociedades civis e funda90es que recebam

subvengaa, beneficio ou incentiv~, fiscal ou crediticio, de orgao publico bern como

daquelas para cuia criar;a,o ou custeio 0 erario haja cancorrido au concorra com

menos de cinquenta por cento do patrimonio ou da receita anual.

Quanto aos sujeitos ativos, 0 art. 20 tambem imprimiu grande abrangencia

ao conceito de agente publico, agora considerado qualquer pessoa que exerga,

ainda que transitoriamente ou sem remuneratyao, por eleiyao, nomea9ao,

designar;a,o, contrata9ao ou qualquer outra forma de investi dura ou vinculo,

mandato, cargo, emprego ou funyao nas entidades mencionadas no art. 10

Em sintese, 0 significado de agente publico e mais abrangente que 0 de

funcionario. A atual dimensao conceitual e surpreendente: qualquer pessoa fisica,

47 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4.ed. Sao Paulo:Revista dos Tribunais, 1999.

36

capaz, que esteja vinculada a ente estatal na condi~ao de ocupante de cargo,

emprego au fun.y8o publica, mediante qualquer tipo de investidura, remunerada au

nao, e ti da como tal. E nao e 56 isso. A Lei tambem inclui membros da diretoria e

empregados das entidades do terceiro setor que se beneficiem de recursos publicos.

Ainda merece destaque 0 art. 3°, que penaliza com as mesmas sanc;oes aquele que,

embera nao S8 enquadre no conceito exposto, induz agente publico a pratica de

improbidade administrativa ou dela se beneficia direta ou indiretamente.

Como S8 pode ver, a Lei na 8.429/92 abriu 0 caminho para a implantaC;80 de

urn novo paradigma de gestao publica. Este novo padrao seria baseado na

probidade, na eficiencia e no usa racional dos recursos publicos. Foi urn passo

importante para 0 fortalecimento da governabilidade e para 0 restabelecimento da

confianya nas instituic;oesdemocraticas do pais. E evidente que, par si 56, a Lei nao

Ii suficiente para erradicar a improbidade no servi~ publico. Apesar de tantos

avan90s, °Brasil ainda apresenta niveis preoGupantesde COrruP9ao,e isso afeta as

politicas publicas, acentua as desigualdades sociais, aumenta os indices de pobreza

e a onda de violencia nos grandes centres urbanos. Mas essa situac;ao tende a

mudar com a transparencia das finan9Bs publicas imposta pela Lei de

Responsabilidade Fiscal, com uma imprensa vigilante e uma sociedade civil

preocupada com 0 usa racional dos bens coletivos.

Figueiredo & N6brega48 citam acertadamente que ° Brasil esta armado de

um aparato legal capaz de fazer frente aos avan90s da criminalidade financeira e

dos crimes do "colarinho branco". A diminuic;ao das praticas corruptas depende

diretamente do aumento do grau de efetividade da Lei de Improbidade

Administrativa. Essa tarefa exige 0 esfor90 conjunto dos brasileiros no sentido de

~8 FIGUEIREDO, Carlos Mauricio; NOBREGA, Marcos. Administra~ao Publica. Sao Paulo:Revistados Tribunais, 2002.

37

exercer a tutela do patrimonio coletivo, expurgando do servi~o publicc os agentes

f mprobos au descomprometidos com a boa gestao dos recursos nacionais.

2.5 MECANISMOS DE REPRESSAo A IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

No estabelecimento do perfil da improbidade administrativ8, consideram-se as

principais mecanismos de repressao previstos na Lei n° 8429/92. Sarmento49 As

especies delituQsas analisadas nos capitulos precedentes sao uma demonstrac;ao

contundente de que a investigayao e a puniyao dos agentes improbos sao tarefas

cercadas par muitos obstaculos de ordem pratica e juridica A natureza aculla desse

tipo de criminalidade a escassez de provas materiais, desaparelhamento dos 6r9805

de controle e a desarticulayao das institui~6es publicas envolvidas na apurayao dos

delitos sao (alares que dificultam a persecuyao.

Em face as muitas dificuldades existem instrumentos investigativos que

podem ser acionados com a objetivo de apurar as responsabilidades decorrentes da

pratica de improbidade. Entre eles, Sarmento50 cita procedimento administrativo

disciplinar e a inquerita civil A pessoa juridica que sofrer diretamente a dana devera

fazer uso do processo administrativo para apurar as transgressoes praticadas pelo

servidor no exerclcio de suas func;:oes. oa mesma forma 0 Ministerio Publico pode

instaurar inquerito civil a fim de reunir as provas necessarias para a propositura da

ac;:ao de responsabilidade contra a agente improbo.

"SARMENTO, Op.Cit., P 145.50 Idem.

38

De todos as autores quem mais S8 detsm na consideragao da persecu980

judicial a improbidade administrativa e George Sarmento, ja ampla e devidamente

citado.

Quando surge a possibilidadeda improbidade, os legitimados proporao, em

jufzD, a devida 8980 civil publica ande 0 Ministerio Publico e os entes estatais

legitimados promoverao a tutela judicial dos interesses difusos e coletivQs, entre eles

o patrimonio publico. Em uma situa,ao de condena,ao, 0 juiz aplicara as san,oes

previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92 - perda de bens e valores acrescidos

ilicitamente ao patrimonia, ressarcimento integral do dana, perda da funC;8o publica,

multa civil, suspensao dos direitos politicos, proibiC;80 de contratar com 0 poder

publico ou reeeber beneficios au incentivQs fiscais ou crediticios.

SarmentoS1 explica que na tentativa de assegurar a efetividade do processo e

a concretiza9iio do direito material, a Lei n 8.429/92 colocou a disposi9iio dos

legitimados medidas cautelares como indisponibilidade de bens do reu, a

afastamento do cargo publico e a quebra dos sigilos bancario e fiscal. A partir

dessas providencias acautelat6rias, garante-se 0 lastro patrimonial para 0

pagamenta de indenizar;6es a Fazenda Publica, impede-se a destruiyao au

manipulayaa das provas, afasta-se a press80 sobre os membros das comiss6es

processantes e afere-se a evolu<;.8o patrimonial do acusado e de seus familia res.

E explicado que 0 sistema brasileiro de repressao a improbidade

administrativa possui aspectos polemicos tornando importante 0 estudo das

questoes pontuais da Lei no 8.429/92 com a finalidade de esclarecer as principais

controversias em materia de persecUr;80 aos atos de corrupc;ao.

51 SARMENTO, George.Op.Cit., p. 146.

39

2.6 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA INVESTIGACAO DA

PAATICA DE IMPROBIDADE

Para Sarmento52 0 art. 14 da Lei no 8.429/92 assegura a todo cidadao a

direito de provocar a instaura9ao de procedimento administrativo destinado a apurar

a pratica de improbidade. 0 exercicio de tal direito naG esta limitado as pessoas

fisicas. Alcan<;atambem os sindicatos, associa,oes, partidos politicos, etc.

Entende-se que a possibilidade de representayao contida na lei nada rnais eque urn desdobramento do direito fundamental de petic;ao consagrado no inciso

XXXIV do art. 5'. da Constitui,ao Federal, que garante a todos, independentemente

do pagamento de taxas: a) direito de peti,ao aos poderes publicos em defesa de

direito" ou contra ilegalidade ou abuso de poder.

o que Sarmento53 enfoca e a garantia fundamental que permite 0 amplo

exercicio da cidadania na medida em que qualquer pessoa, individualmente au

atrav8S de suas entidades representativas, participa ativamente da gestao publica,

denunciando as praticas lesivas ao erario, 0 enriquecimento iHeito dos agentes

estatais e os atentados aos princfpios da administrac;ao.

Fica compreendido porque 0 texto constitucional autoriza a todos, cidadaos

ou entidades nao-governamentais, 0 exercicio do dire ito de petic;ao nao s6 para a

defesa de seus pr6prios interesses, mas tambem para pugnar pelos interesses

coletivos e combater a ilegalidade e 0 abuso de poder.

Sob 0 aspecto formal, a representagao pode ser escrita ou oral - hip6tese em

que as alegac;6es do representante serao tomadas a termo pela propria autoridade.

52 SARMENTO, George.Op.Cit., p.146.53 Idem.

40

Consoante 0 § 1°. do art. 14, tambem e necessaria a identifica<;iio dos subscritores

da representacao, bern como a fornecimento das informa90es disponiveis sabre 0

fato investigado, a nome dos responsaveis pelo ato de improbidade e as elementos

probat6rios ate entaD colhidos. A ausencia desses requisitos implicara a rejeic;:ao da

representayao pel a autoridade competente e seu posterior arquivamento. Uma vez

malograda a representa9ao par falta de tais requisitos, 0 interessado podera formular

nova representa980 ao Ministerio Publico.

Escreve Sarmento54

Na verdade, a forma naD deve sobrepujar 0 conteudo da represenla~o.Neste particular, a di5cricionariedade da auloridade e bastante reduzida.Mesmo convencendo-se da fragilidade das provas que Ihe foramapresentadas, nao Ihe abe fazer juizo de valor, mas uma analise superficialda forma eleita para a representatyao, verificando se estao presentes ascondityoes minimas de admissibilidade. Encontrados tais requisitos, aautoridade competente nao pode rejeitar apresenta~ao ao argumento deque as provas sao vagas ou incompletas.

Em outras palavras, ainda que a representayao nao contenha todos os

requisitos exigidos pela no 8.429/92, nada impede que a autoridade administrativa

determine 0 inicio das investigac;:6es, constituindo comissao processante com plenos

poderes para esclarecer os fatos aduzidos na representa<;iio. Tat poder esta implicito

na lei, ja que procedimento administrativo para a apura~o dos atos de improbidade

pode ser instaurado ate mesmo de oficio pela autoridade, sem que seja necessaria a

normalizac;:ao do pedido. Basta que ela tome conhecimento dos fatos pela imprensa

em conseqOencia de auditorias, correic;:6es, etc.

A mesma fonte cita ainda que 0 ate da autoridade administrativa que rejeita a

representa~o tern de ser fundamentado, pois ela esta obrigada a descrever

minuciosamente os motivos que a aram a tomar tal decisao, enumerando as

54 SARMENTO, George.Op.Cit., p. 147.

41

irregularidades formais encontradas no to que tornaram a representac;ao

imprestavel. E. observado par Sarmento que despachos lac6nicos do tipo uive-se",

"rejeito a representa<;ao par nao atender as requisitos do § 1,1 do art. 14 lei no

8.429/92", "nao admito a representayao por defeitos de forma" etc. sao ilegais.

Em seguida, conforme Gita a escritor aqui referido, quando instaurado 0

procedimento administrativo, a comissao processante tern a obrigac;ao de comunicar

sua existemciaao Ministerio Publico e as Cortes de Contas que, poderao, de oficio

au a requerimento da referida comissao, designar representantes com a missao de

acompanhar de perta 0 desenrolar das investigac;oes. Os representantes dessas

institui90es nao integram a comissao process ante. Suas atribui0es restringem-se,

tao-somente, ao acompanhamento dos trabalhos. Na condi9aO de fiscais da lei e do

erario, devem pugnar pelo respeito aos direitos funda mentais dos implicados, pela

integridade do patrimonio publico, pela licitude das provas carreadas aos autos e

pela integral elucida~o dos fatos apurados.

Assim sendo, conforme Sarmento, a comissao processante deve assegurar

aos indiciados, nos termos do inciso LV do art. 5°. da Constitui9ao de 1988, 0

contradit6rio e a ampla defesa durante toda a tramita980 do procedimento

investigat6rio, permitindo-Ihes constituir advogado, arrolar testemunhas, requerer

pericias, juntar documentos, prestar depoimentos, acompanhar todos os ates

instrut6rios, apresentar sua defesa, etc. 0 desrespeito ao conteudo do devido

processo legal eivara todo 0 processo de nulidade, tornando 0 imprestavel para

infligir aos envolvidos as san90es administrativas previstas na lei.

Por outro lado, e explicado que, a comissao processante detem amplos

poderes investigat6rios, e par isse, podera tomar e depoimento pessoaJ dos

envolvidos, arrolar testemunhas, realizar acarea<;6es, requisitar documentos e

42

pericias, realizar diligencias diversas ou representar aD Ministerio Publico para que

este requeira 80 6r98o jurisdicional competente 0 seqOestro, 0 exame au 0 bloqueio

de bens, contas bancarias e aplica¢es financeira-, mantidas pelo indiciado no Brasil

ou no exterior (Lei n. 8.429/92, art. 16).

Tendo concluido as investiga90es, em concordfmcia com a informa<;'8o de

Sarmento55, a comissao processante confeccionara seu relat6rio, sintetizando 0

conteudo das provas, as diligencias realizadas, as fatos apurados, as implicados na

pratica de improbidade. Ao final, apresentara conclus6es fundamentadas e sugerira

a autoridade competente as medidas a serem lamada no ambito administrativD, dvel

e penal.

o 8ulor escreve que a autoridade competente nao esta obrigada a concordar

com as conclus6es a que chegou a comissao processante ou adotar as medidas por

ela recomendadas, podendo del as discordar ou se negar a adotar as providencias

sugeridas sem que caracterize of ens a ao dever de oficio.

Hely Meirelles56 explica que e necessario que fundamente sua decisao em

elementos de convicC;80 extraidos do processo ou na insuficiencia de provas para

uma decisao punitiva ou mesmo deferit6ria ou indeferit6ria da pretensao postulada

pela comissao.

Concordando com 0 relat6rio, a autoridade devera, conforme ensinamento de

Sarmento:57

1. remeter as autos au capia deles ao Ministerio Publico para ajuizamento de

a9iio civil publica e/ou a9iio penal;

55 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 148.56 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Sao Paulo: RT. 1989, p. 587.57 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 149.

43

2. remeter c6pia dos autos a Policia Judiciaria para instaurayao de inquerito

policial;

3. aplicar a penalidade disciplinar cabivel, au seja, advertencia, suspensao,

demissao, cassa,ao da aposentadoria ou disponibilidade, destituigiio de cargo em

comissao, destituic;ao de func;ao comissionada, etc.;

4. encaminhar capia dos autos a Corte de Contas para que sejam realizadas

as auditorias necessarias.

2.7 REMESSA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO A RECEITA

FEDERAL

Ainda fazendo referenda a obra de Sarmento58, fica claro que 0 Decreto

3.781, de 02 de abril de 2001, determina que "a autoridade que Instaurar processos

administrativos disciplinares que resultarem na demissao, cass8980 de

aposentadoria, destituityfiode cargo em comissao ou de funyao comissionada, par

infra,ao dos incisos IX, X, XI, XII XIII XIV e XV do art. 117, e tambem os incisos I, IV

VIII, IX, X, XI e XII da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, encaminhara os

referidos processos Ii Secretaria da Receita Federal do Ministerio da Fazenda, para

fins de extrac;ao de copias das pe9as de interesse fiscal Com vistas a instaura9ao de

pracedimento de fiscalizac;,ao, em autos apartados, e posterior devoluc;,ao do

pracesso disciplinar a origem no prazo de trinta dias contados de seu recebimento"

Por outro lado, 0 Decreto 3.781/2001 disciplina a colaboragiio entre os 6rgaos

publicos e a Secretaria da Receita Federal visando a traca de informa90es e 0

S~ SARMENTO, George.Op.Cil., p. 149.

44

cruzamento de dados patrimoniais e financeiros da autoridade investigada, a tim de

facilitar a apura<;:ao de crime de sonega9<30 fiscal. Os autos do processo

administrativo-disciplinar devem ser encaminhados sempre que houver provas au

indicios da pr<;tica de atos de improbidade administrativa. Sobretudo quando 0

servidor tiver praticado transgressoes do art. 117 da Lei no 8.112/90, in verbis:

a) valer-s8 do cargo para lograr proveito pessoal au de Qutrem, em detrimento

da dignidade da funyao pubtica;

b) participar de gerencia ou administra<;:8o de empresa privada, de sociedade

civil, ou exercer 0 comercio, exceto na qualidade de aCionista, cotista ou

comanditario;

c) atuar, como procurador au intermediario, junto a repartic;6es publicas, salvo

quando S8 tratar de beneficios previdenciarios au assistenciais de parentes ate 0

terceiro grau, e de conjuge ou companheiro;

d) reeeber propina, comissao, presente ou vantagem de qualquer especie, em

razao de suas atribuic;:6es;

e) aceitar comissao, emprego ou pensao de estado estrangeiro;

f) praticar usura sob qualquer de suas formas;

g) proceder de forma desidiosa;

h)uWizar pessoal ou recursos materiais da reparti~o em servic;:os ou

atividades particulares.

Explicam os autores que a remessa do processo administrativo tambem ecompulsoria nos crimes contra a admjnistra~o publica, improbidade administrativa

au qualquer outra conduta que justifique a aplicac;:ao da pena de demissao a bern do

45

servi"" publico, nos termos do art. 132 do Regime Juridico unico dos Servidores

Publicos da Uniao, conforme Sarmento. 59

o mesmo autor citado revela que a providencia imposta pelo Decreta

3.781/2001 fez surgir uma nova atribui~ilo para a Secretaria da Receita Federal do

Ministerio da Fazenda, que, segundo Palhares Moreira Reis60, consiste em saber S8

o agente publico teve injustificado aumento de receita nos anos que antecederam 0

processo administrativo. Par essa razao, 0$ ilicitos funcionais que nao tenham

repercussao financeira estao fora do alcance do Decreta, que 56 incide nos casas

em que as delitos envolverem desvio de verbas publicas e recebimento de propinas

au comissoes indevidas.

Na hara da conclusao do processo administrativD, a autoridade responsavel

encaminhara as autos a Receita Federal para analise e extragao de copias das

pe~s que interessem ao procedimento de investiga~o fiscal a ser instaurado

posteriormente. 0 Decreto 3.781/2001 estabelece 0 prazo de trinta dias para a

devoluc;ao do processo a repartic;ao de origem. Mas nao preys sanc;ao em caso de

descumprimento. Por nilo ser peremptorio, 0 prazo pode ser prorrogado a pedido

das autoridades fazendarias desde que haja justificativa para a dilac;ao conforme

explica Sarmento.

Este autor escreve que 0 procedimento de fiscalizagao tributaria nao serve

apenas para a cobranga de impostos sonegados. Mas tambem para reunir as provas

da pn3tica de improbidade administrativa que serao encaminhadas ao Ministerio

Publico para a propositura da a~o civil publica.

59 SARMENTO, George. Op.Cit., p.149,150.60 REIS, Palhares Moreira. Investigacao de servidores dernitidos a bern do servil}o publico. In: RevistaConsulex ano V n. 103. Brasilia: Consulex, p. 58, 2001.

46

2.80 PAPEL DO MINISTERIO PUBLICO NA APURA<;:AO DA PRATICA

DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Em concordi:lncia com Sarmento61, 0 Ministerio Publico tern papel

preponderante na apura~o dos atos de improbidade. Consoante 0 disposto no art.

22 da Lei n 8.429/92, a inslilui9ao lem 0 poder de requisilar a inslaura9ao de

inquerito palicial au de procedimento administrativo para apurar ato ilicito nas

seguintes hipoteses:

1. de afieia;

2. a requerimento da autoridade administrativa;

3.mediante representac;ao que the for formulada por qualquer pessoa.

A mesma obra explica que quando 0 Ministerie Publico encontrar indidos

suficientes de que 0 ato de improbidade tambem canstitui crime, devera requisitar a

instaurac;ao de inquerito policial atraves de manifestac;ao fundamentada dirigida apolfcia judiciaria.

A natureza juridica da requisi980 ministerial teria conteudo institucional

consagrado pela Constituic;:ao de 1988, que em seu art. 129, VIII, confere ao

Ministerio Publico 0 poder de "requisitar diligemcias investigatorias e a instaura980 de

inquerito pOlicial, indicados os fundamentos juridicos de suas manifesta90es

processuais" A requisic;:ao e compulsoria, isto e, obriga a autoridade policial a

instaurar 0 inquerito para apurar 0 crime. 0 Ministerio Publico tem atribui90es para

acompanhar lodos os alos do inquerilo policial (art. 26, IV da Lei n. 8.625/92 - Lei

Orgfmica Nacional do Ministerio Publico).

61 SARMENTO, George. Op.Cit., p.1S1.

47

As normas juridicas que asseguram ao Ministerio Publico 0 poder de

requisitar informac;5es visam a garantir a efetiva tutela dos interesses primarios da

sociedade, sobretudo a protevao do patrimonio publico, secularmente pilhado por

administradores despreparados ou corruptos

E citado par Sarmento62 que as sanc;oes previstas no art. 12, I, II e III da Lei

no 8.429/92 nao possuem natureza criminal. Nada impede, entretanto, que 0 agente

publico seja tambem responsabilizado na 6rbita administrativa e na 6rbita penal

mediante procedimentos independentes e cumulativos. Sabre esse aspecta, 0 caput

do mencionado dispositivo legal e taxativo ao afirmar que as cominac;6es ali contidas

haD de ser aplicadas "independentemente das sanc;6es penais, civis e

administrativas previstas na legislaryao especifica"

A instauragao de inquerito policial s6 se justifica se a conduta da autoridade

indiciada tambem constitui crime. Caso contrario, 0 orgao do Ministerio Publico

conduzira as investigac;oes atraves da instaurag80 de inquerito civil au entao

requisitara a autoridade cempetente a instaura~o de procedimento administrative.

Nao se pode deixar de reconhecer a importimcia da repressao criminal apratica da improbidade, sobretudo aos atos de corrup~o dos agentes publicos. No

Brasil, nao existe lei consagrada exclusivamente a esse desiderata. Os tipos penais

encontram-se dispersos em varios diplomas legais, que nem sempre guardam

coerencia entre si.

A complexidade da estrutura administrativa, a engenhosidade de alguns

gestores da coisa publica em desviar verbas do erario, as negociatas entre agentes

estatais e grupos privados, as financiamentos ilegais de campanhas eleitorais, 0

desperdicio irresponsavel dos bens de consumo, tude conspira para a adoyao de

62 SARMENTO. George. Op.Cit., p. 151.

48

profundas reformas no sistema penal brasileiro para dota-Io de mecanismos

real mente eficientes que pan ham urn ponto final na impunidade generalizada das

autoridades envolvidas em escandalos administrativDS, chaga profunda que tanto

revolta e desilude a na~ao.

Enquanto isso nao acontece, cabe 80 Ministerio Publico nao 56 requisitar,

conforme Sarmento63mas, sobretudo, acompanhar todos as passos das

investiga96es. 0 trabalho conjunto com a Palicia Judiciaria e extremamente

importante para 0 sucesso das investiga90es. A presen98 do Ministerio Publico no

inquerito policial inibe eventuais pressoes de setores politicos e econ6micos e

constitui-se verdadeiro canal de liga~ao com a judiciario, imprimindo maior

velocidade aos pedidos de diligencias e medidas cautelares como 0 bloqueio de

contas correntes, poupancyas e aplicac;:6es financeiras, seqOestra de bens, quebra de

sigilo bancario, apreensao de documentos, prisao temporaria ou preventiva dos

indiciados, etc.

E importante salientar que nada impede que °Ministerio Publico encabece as

investigac;:oes, instaurando inquerito civil com 0 objetive de apurar ayoes ou

omissoes que censtituem imprabidade. Nesse caso, cabera a instituiy80 coordenar

as atividades que visem a completa elucidayao do ate ilicito, objeto da

representa~o que Ihe foi encaminhada.

o inquerito civil e procedimento administrative e pre-processual que tem 0

objetivo de investigar violac;:6es aos direitos difusos e coletivos visando a posterior

propositura de a~o civil publica. Instrumento exclusivo do Ministerio Publico, a

inquerito civil tern se mostrado excelente meio de esclarecimento des ates de

imprabidade administrativa.·

63 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 152.

49

Sarmento" explica tambem que embora a Lei de Improbidade nao tenha feito

menC;:2Ioexpressa a esse aspecto da questao, nada impede que 0 Ministerio Publico

instaure inquerito civil, ainda que as atos de corrupc;ao estejam sendo apurados

atraves de processo administrativo disciplinar. A Constituic;ao Federal nao 56

assegura 0 poder como imp6e a Instituic;ao 0 dever de agir - independentemente de

provocac;:ao - sempre que chegar ao seu conhecimento den unci as de danos ao

patrimonio publico.65

Sarmento explica

Evidente que 0 inquerito civil, por si 56, naD tern forya para aplicar sanr;:oesa quem quer que seja. Hio-somente reline as provas que SetaO apreciadasem juizo. Na rase investigal6ria, as implicados naa tern direito ao exercfcioda ampla defesa. do contradil6rio e das demais garantias do due process oflaw. Portanto, 0 inciso LV do art. 50 da Constituiyao de 1988 e inaplicavel aconduc;;ao dos alas investigat6rios.

Entende-se, a partir dar, que ao instaurar 0 inquerito civil, 0 Ministerio Publico

exerce legitimamente os poderes investigat6rios que Ihe foram confiados pelo

legislador constituinte. 0 orgao ministerial dispoe de diversos mecanismos para a

coleta dos elementos de convic9ao que permitem a propositura da a9iio civel (e

eventual mente da acyao penal), a exemplo da promo9ao de diligencias, expedicyao de

notifica90es, requisi9ao de pericias, documentos publicos e particulares, etc. As

provas coligidas legal mente no inquerito civil sao validas para lodos os efeitos,

sobretudo diante do 6rgao jurisdicional incumbido do julgamento da causa.

64 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 151.65 GAnO, Rui Alberto. A atuac;;ao do Ministerio Publico em face da Lei n1 8429/92. In: Anais do 91Congresso Nacional do Ministerio Publico, livra de Teses do 9' Congresso do Ministerio PublicoSalvador, 1994, p. 615.

50

Dado 0 exposto, 0 ato de instaurac;ao do inquerito civil tem de ser publicado

no Oiario Oficial do Estado au da Uniao. 0 6r9aO do Minislerio Publico respons8vel

pel a presidencia dos trabalhos deve imprimir as investiga96es 0 maximo de

transparEmcia e publici dade, mantendo a popula9aO inform ada das principais

providencias adotadas no sentido de esclarecer as fatos.

Ainda segundo Sarmento66, antes da conclusao dos trabalhos, as promotores

de justi!Y8 devem S8 abster de emitir qualquer juizo de valor ou de fazer previsoes

infundadas sabre envolvimento de pessoas no ata daneso ao patrimonio publico.

Alinal, 0 inquerito civil nao e instrumento de vingan9B, de perseguic;ao politica ou de

promoyao pessoal, mas urn procedimento oficial de apura.y8o dos danos causados

aos direitos da coletividade. Mesma diante da curiosidade popular e do assedio dos

meios de comunic8C;8o, magistrados e promotores de juStig8 tern de manter vivo 0

compromisso com a verdade, evitando enxovalhar a honra de inocentes au criar

falsas expectativas no seio da popula98o.

Na condic;ao de legitimo representante da coletividade, 0 Ministerio Publico

nao esta vinculado a pertinencia tematica. 0 poder-dever de investigar a

improbidade administrativa ou de proper a a980 civil publica decorre de sua

legitima9ao para defender as interesses difusos da coletividade, entre eles 0

patrimonio publico. Sempre que tamar conhecimento da pratica de atas nacivos ao

erario, tern a obriga9ao de tomar todas as medidas cabiveis para reparar 0 dano e

responsabilizar os agentes publicos improbos.

o Ministerio Publico esta legitimado para propor diversos procedimentos

cautelares destinados a defesa do patrimonio publico, como a seqOestro e a busca e

apreens80 de bens do reu envolvido na pratica de improbidade administrativa (arts.

66 SARMENTO, George. Op.Cit., p. 153.

5 I

70 e 16) e ate mesmo 0 afastamento do exercicio do cargo (art. 20). 0 Parquet

tambem podera pleitear em juizo 0 bloqueio dos bens m6veis, imoveis e

semoventes, inclusive contas bancarias, poupanyas, titulos de capitaliza~oJ ac;6es,

assim como toda e qualquer aplicac;ao financeira mantida direta au indiretamente

pela autoridade acusada de enriquecimento ilicito au dana ao erario, em quantidade

e valores suficientes para 0 integral ressarcimento do dane sofrido pelo patrimonio

publico.

52

CONCLUSOES

Na verdade, a corrup~ao globalizou-se e 0 Brasil se inclui nesse projeto.

Embora os indices de corrupcao no pais sejam preocupantes, algumas medidas

fcram tamadas no sentido de reduzir significativamente as episodios de improbidade

no ambito dos seus 6rgaos administrativos. Entre elas esta a Lei n° 8.429192.

Em quase dez anos de existencia, tern desempenhado urn papel de grande

relevancia na moderniza~o do Estado, sobretudo na mudan~ de paradigma da

atua~ao do funcionalismo. Antes estigmatizados como incompetentes, desmotivados

e desinteressados, as agentes publicos assumiram a condic;ao de depositarios da

confian9CI nacional para 0 exercfcio da gestae do patrimonio coletivo.

A Lei n° 8.429192 refor~ou 0 compromisso com a probidade, com a boa

gestao do erario e com a respeito aos prindpios da administrac;ao publica. A

impunidade passou a ser combat ida par rigorosas san<;6es que se projetam na

dimensao patrimonial e politica do agenle improbo. Sua crescente aplica~o pelo

Judiciario tem desestimulado praticas como 0 enriquecimento ilicito, a uso perdulario

dos recursos financeiros, 0 trafico de influencia, 0 nepotismo e a des leal dade as

institui<;6es. A grande novidade e que, hOje, 0 servidor tern consciencia da

responsabilidade que cerca 0 exercfcio do cargo publico: deixar -se seduzir pel a

tenta<;ao da propina e uma conduta arriscada, de ganhos duvidosos, que pode leva-

10 irremediavelmente a ruina e a perda da cidadania.

E evidente que a Lei n° 8.429/92 nao e 0 unico caminho para a

mOderniza<;ao do Estado. Mas nao se pode negar que foi 0 primeiro passo para a

moraliza<;ao do servi<;o publico brasileiro. Urn verdadeiro divisor de aguas entre 0

53

passada de privilegias e 0 futuro de compromisso com a satisfayao do bem comum

atraves da boa gestao dos recursos administrativos.

Tudo dependera do nivel de efetividade que as forc;as vivas da sociedade

conseguirem imprimir a Lei de Improbidade. E uma tarefa diHcil em razao do carater

oculta dessa forma de criminalidade e do desaparelhamenta da maquina estatal

para reprimir todos os casos de corrupyao. Mas a sociedade civil pode contribuir

para esse desiderato dando demonstrac;6es claras de que niio tolerara as praticas

desonestas no serviyo publico. Para iSso, deve contribuir para a born funcionamento

dos 6rgaos de controle interno e externo da administrayao publica, sobretudo os

Tribunais de Contas, 0 Ministerio Publico, as Comissoes Parlamentares de Inquerito

e a Palicia Judiciaria. Mais do que isso, deve acompanhar 0 andamento das ayoes

civis publicas e exigir a severa puniyao dos culpados. S6 atraves do corajoso

exercicio da cidadania em defesa da preservac;ao do patrimonio coletivo,

chegaremos a plenitude do Estado Democratico de Oireito.

Alem desse aspecto, a diminuiyao da improbidade no Brasil s6 sera

perceptive 1 a partir de mudanyas estruturais no funcionamento do sistema

administrativo, que, como ja sustentado anteriormente, pressup6em a (I)

democratizayao dos processos de decisao sobre alocayao dos recursos publicos, (2)

transparencia dos processos licitatorios, (3) independencia do Poder Judiciario, (4)

fortalecimento dos or9';os de controle linanceiro e contabil. (5) mobiliza9iio da

sociedade civil em delesa do erario e da boa qualidade dos servi90s publicos, (6)

livre exerdcio do jornalismo investigativ~, (7) continua capa citay80 dos servidores

publicos, (8) financiamento publico das campanhas eleitorais, (9) capacita9iio e

articulayao de juizes, promotores de justic;a, autoridades fazendarias e policiais para

o combate a corruP9ao e (10) respeito aos direitos humanos lundamentais.

54

Assim, a que S8 pode acertadamente concluir e que existem dais eixos de

a~ao para conter a escalada da corrupr;8o no Brasil. 0 primeiro consiste no real

engajamento da sociedade civil no combate a todas as formas de improbidade,

sobretudo 0 clientelismo, a nepotismo e a venalidade do funcionalismo.

A democracia participativa oferece mecanismos de organiza~o social

capazes de garantir 0 sucesso dessa estrategia. 0 engajamento comunitario

refor~ra 0 sistema de controle dos 9a5t05 publicos e evitara 0 desvio au a utiliza~o

indevida dos bens coletivos.

o segundo eixo passa pelo reconhecimento da importancia desempenhada

pela lei no combate a COrruP9aO.Todo pais que queira debelar os crimes do

"colarinho branco" deve camegar pela formag8o de urn arcabougo legal capaz de

fazer frente a improbidade. 0 vazio legal cria uma cortina de impunidade que

enfraquece 0 Estado e mergulha a sociedade na mais profunda anomia. Durante a

decada de 90, 0 Brasil construiu uma le9islac;ao capaz de reprimir as condutas

improbas, moralizar a processo licitat6rio e implantar uma eficiente gestao fiscal. Na

verdade, a Lei n' 8.429192, a Lei n' 8.666/93 e a Lei Compiementar 10 1/2000 sao 0

tripe da probidade.

Tendo-se concluido a estudo, concluiu-se que a tutela do patrimonio publico

s6 atingin3. sua dimensao maxima com a aplica~ao das normas juridicas que

disponham scbre 0 usc racional das verbas orc;amentarias, sabre a transparemcia na

aplica~o des recursos estatais e sebre a Iisura das Iicitac;6es. Isso abre urn

vastissimo campo de pesquisa em areas especificas do Direito Administrative ainda

pouco exploradas pel as estudos avanc;ados. De nos sa parte, contentamo-nos em

mostrar a tarefa que cabe a Lei de [mprobidade no tocante ao fortalecimento das

55

bases da moderna gestao administrativa, particularmente no que S8 refere a puniy2lo

dos servidores corruptos.

Fora desses compromissos, a Brasil nao encontrara a caminho do

desenvolvimento duradouro, da inclusao social. da felicidade do pavo e da solidez

do regime democratico. A erradica«;ao da improbidade administrativa S8 imp6e como

uma das prioridades nacionais, a unica esperanva de assegurar a frui9Bo dos

direitos humanos fundamentais em toda a sua plenitude.

Concluiu-se que 0 grande desafio das na90es democraticas nac reside na

cria~o de leis, mas na visibilidade de sua concretizac;ao. 1550 impliea a terrea

determinayao de aeabar com as vieios provenientes do patrimonialismo medieval e

da cultura de privih~gios herdadas. E, portanto, uma questao de eficacia social nao

de positiva9iiode direitos.

A Lei n' 8.429/92 e um importante instrumento de tutela da moralidade

administrativa na medida em que pune rigorosamente os servidores improbas e

imp6e a gestao responsavel dos recursos publicos. Entretanto, sua efetividade

depende da efici€mcia dos orgaos de controle da Administra9aO Publica, do

aparelhamento da policia e, sobretudo, da independ€mcia do Poder Judiciario.

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