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AcórDão n.º 468/2014 Proc. n.º 14/2014; 47/2014 e 137/2014 relator: conselheiro carlos fernandes cadilha Acordam em Plenário no tribunal constitucional 1. A Assembleia da república, enquanto órgão autor da lei do orçamento do estado para 2014, vem formular um pedido de aclaração do acórdão n.º 413/2014, na parte referente à limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade das normas do art. 33.º dessa lei, considerando terem sido detetadas dúvidas interpretativas decorrentes de ambiguidades e obscuridades, e pre- tendendo que se precise o exato alcance da restrição de efeitos quanto às seguintes questões concretas: “— para prevenir desde já conflitos interpretativos — na medida em que, por força do art. 35.º da lei do orçamento de estado para 2014, o subsídio de natal será pago, em 2014, a todos aqueles trabalha- dores, em regime de duodécimos -, importa clarificar se o sentido da referida restrição de efeitos é aquele mais próximo do seu sentido lite- ral, isto é, que os duodécimos já pagos se encontram ressalvados pela referida restrição; — por outro lado, relativamente ao subsídio de férias, pode colo- car-se a dúvida de saber qual a data relevante para decidir o montante desse subsídio: aquela na qual se constituiu o respetivo direito (1 de janeiro de cada ano — cf. arts. 172.º, n.º 1, e 208.º, n.º 2, da lei n.º 59/2008, de 11 de setembro — regime do contrato de trabalho em Jurisprudência Crítica

Meneses Leitão Comentario Ao Acordão TC

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  • AcrDo n. 468/2014Proc. n. 14/2014; 47/2014 e 137/2014

    relator: conselheiro carlos fernandes cadilha

    Acordam em Plenrio no tribunal constitucional

    1. A Assembleia da repblica, enquanto rgo autor da leido oramento do estado para 2014, vem formular um pedido deaclarao do acrdo n. 413/2014, na parte referente limitaode efeitos da declarao de inconstitucionalidade das normas doart. 33. dessa lei, considerando terem sido detetadas dvidasinterpretativas decorrentes de ambiguidades e obscuridades, e pre-tendendo que se precise o exato alcance da restrio de efeitosquanto s seguintes questes concretas:

    para prevenir desde j conflitos interpretativos na medidaem que, por fora do art. 35. da lei do oramento de estado para2014, o subsdio de natal ser pago, em 2014, a todos aqueles trabalha-dores, em regime de duodcimos -, importa clarificar se o sentido dareferida restrio de efeitos aquele mais prximo do seu sentido lite-ral, isto , que os duodcimos j pagos se encontram ressalvados pelareferida restrio;

    por outro lado, relativamente ao subsdio de frias, pode colo-car-se a dvida de saber qual a data relevante para decidir o montantedesse subsdio: aquela na qual se constituiu o respetivo direito (1 dejaneiro de cada ano cf. arts. 172., n. 1, e 208., n. 2, da lein. 59/2008, de 11 de setembro regime do contrato de trabalho em

    J u r i s p r u d n c i a C r t i c a

  • funes pblicas) ou aquela em que se processa o respetivo paga-mento?

    ainda quanto ao subsdio de frias, tendo em conta que h cer-tos trabalhadores do setor pblico, por exemplo em empresas pblicas,que recebem normalmente o subsdio de frias em meses diferentes(por exemplo, em janeiro) do da generalidade dos trabalhadores dosetor pblico, coloca-se a dvida de saber se da aplicao prtica dareferida restrio de efeitos no resultaro, em matria de subsdio defrias, situaes de desigualdade no cumprimento das obrigaes dereposio/redefinio que possam ser evitadas por uma aclarao dotribunal que reduza a ambiguidade;

    por ltimo, tendo em conta que o ms de maio um msde 31 dias, e o tribunal decidiu que a deciso deveria reportar os seusefeitos data da sua prolao (30 de maio), coloca-se tambm a dvidade saber se o tribunal se pretendia referir, com a expresso data dapresente deciso, que ocorreu no ltimo dia til do ms de maio, aoltimo dia do ms de forma que os seus efeitos s verdadeiramenteabrangero o ms de junho, o que, evidentemente simplificaria a cargaadministrativa de reclculo das remuneraes em causa ou se pre-tendia antes abranger nos efeitos da sua deciso tambm o dia remanes-cente do ms de maio.

    o pedido de aclarao formulado ao abrigo dos princpiosque regem o processo de constitucionalidade, maxime o processode fiscalizao abstrata sucessiva.

    cumpre apreciar e decidir.

    2. A Assembleia da repblica formula um pedido de aclara-o do acrdo n. 413/2014, com invocao dos princpios queregem o processo de constitucionalidade, visando a deciso delimitao de efeitos da declarao de inconstitucionalidade dasnormas do art. 33. da lei do oramento do estado para 2014 queconsta da alnea f) da parte dispositiva do acrdo.

    o pedido fundamenta-se na necessidade de esclarecer umconjunto de questes quanto ao exato alcance temporal da restriode efeitos, em face de dvidas interpretativas que tero sido susci-tadas por ambiguidades ou obscuridades que se contm no acrdo

    626 tribunAl conStitucionAl

  • mas que, em nenhum momento, se encontram identificadas nocontexto do requerimento por referncia aos excertos do acrdocujo sentido se tenha tornado ininteligvel ou passvel de diferentesinterpretaes.

    3. A lei do tribunal constitucional no contm normaespecfica que regule a deduo de incidentes ps-decisrios quetenham por objeto acrdos proferidos pelo tribunal constitucio-nal em sede de fiscalizao abstrata de constitucionalidade (pre-ventiva ou sucessiva), sendo que a nica disposio de remissosubsidiria para legislao aplicvel a que consta do art. 69.dessa lei, que se refere tramitao dos recursos em fiscalizaoconcreta. em todo o caso, estando em causa uma deciso judicialproferida no mbito da atividade jurisdicional do tribunal, deverentender-se que o acrdo, ainda que proferido em fiscalizaosucessiva, est sujeito aos princpios gerais do processo aplicveisa decises insuscetveis de recurso, tornando-se irrelevante, faceaos interesses subjacentes interveno do tribunal nessa formade processo, que o novo cdigo de Processo civil tenha deixadode contemplar o pedido de aclarao que constava do antigoart. 669., n. 1 (cf., neste sentido, em situao similar, o acrdodo tribunal constitucional n. 58/95).

    no h, por isso, obstculo admissibilidade do requeri-mento.

    4. Sucede que o acrdo, na parte a que se refere o pedido, nocontm qualquer obscuridade ou ambiguidade que deva ser suprida.

    no n. 99 do acrdo, o tribunal apenas procedeu limitaodos efeitos da declarao de inconstitucionalidade das normas doart. 33. da lei do oramento do estado para 2014, nos termosconsentidos pelo n. 4 do art. 282. da constituio, atribuindo,com fundamento em interesse pblico de excecional relevo, efic-cia ex nunc a essa declarao de inconstitucionalidade, de modo aque apenas produza efeitos a partir da data da sua deciso.e, consequentemente, na alnea f) da parte dispositiva, determinouque a declarao da inconstitucionalidade constante da alnea a)s produza efeitos a partir da data da presente deciso.

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  • Sabe-se que o efeito geral normal da declarao de inconstitu-cionalidade o efeito ex tunc, implicando que a declarao deinconstitucionalidade produza efeitos desde a entrada em vigor danorma declarada inconstitucional (art. 282., n. 1). A atribuio deefeitos ex nunc a partir da data da deciso uma das possibilidadesabertas pelo n. 4 do art. 282., que permite, no condicionalismo aprevisto, a fixao de efeitos com um alcance mais restrito.o alcance mais restrito significa que a sentena declarativa deinconstitucionalidade no tem efeitos retroativos reportados entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, como resul-taria do n. 1 do citado art. 282., mas produz efeitos a partir de ummomento ulterior, que poder ser a data da declarao da inconsti-tucionalidade ou da publicao do acrdo (gomeS cAnotilHo//VitAl moreirA, constituio da repblica Portuguesa Anotada,vol. ii, 4. ed., p. 978).

    no caso, o tribunal optou por limitar efeitos por referncia data da deciso de inconstitucionalidade e, portanto, prpria datada prolao do acrdo. Datando o acrdo de 30 de maio de 2014,os efeitos da declarao de inconstitucionalidade produzem-se apartir do dia imediato, por aplicao de um princpio geral dedireito que se entendeu no ser necessrio explicitar segundoo qual no cmputo do termo no se conta o dia em que ocorre oevento a partir do qual ele deve iniciar-se (cf. art. 279., alnea b),do cdigo civil).

    A deciso relativa limitao de efeitos no oferece, por isso,quaisquer dvidas, quer quanto ao contedo decisrio da limitao(ex nunc), quer quanto sua extenso temporal (a partir da data dadeciso).

    os esclarecimentos que o requerente pretende obter no deri-vam, por isso, de qualquer obscuridade ou ambiguidade que oacrdo contenha quanto limitao dos efeitos da declarao deinconstitucionalidade, mas relacionam-se com aspetos de ordemprtica que respeitam j ao cumprimento do julgado e extravasamo mbito da atividade jurisdicional do tribunal.

    5. o tribunal constitucional, enquanto rgo jurisdicionalde fiscalizao da constitucionalidade, no pode intervir no mbito

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  • da competncia administrativa do governo. Assim como no podecriar inovatoriamente parmetros normativos de regulao da vidacoletiva que invadam a esfera do legislador ordinrio e exorbitem afuno de administrao de justia em matria de natureza jurdico-constitucional. e esse princpio aplicvel tanto em relao a umadeciso de inconstitucionalidade como em relao a uma deciso delimitao de efeitos, quando a modulao dos efeitos produzidospela declarao de inconstitucionalidade esteja dependente de umaulterior interveno legislativa (cf. acrdo n. 142/85).

    o tribunal no poderia especificar, no prprio acrdo recla-mado, em que termos que a restrio de efeitos poder afetar opagamento do subsdio de natal ou do subsdio de frias, por issoser j matria de cumprimento da deciso de inconstitucionalidade,que solucionvel por recurso ao ordenamento jurdico em vigorou, caso se entenda necessrio, por via de concretizao legisla-tiva. e por identidade de razo, no pode efetuar quaisquer esclare-cimentos dessa mesma natureza em mero incidente ps-decisrio.

    A esse propsito, no tem cabimento a invocao do princpioda cooperao institucional.

    o tribunal constitucional, sendo um rgo constitucionalautnomo com competncia especfica em matria de fiscalizaode constitucionalidade (art. 221.), constitui um rgo de soberaniacom competncia para administrar a justia nesse mbito pr-prio de interveno (art. 202., n. 1). Sendo a competncia dosrgos de soberania definida na constituio e devendo estesobservar a separao e a interdependncia nela estabelecidas(arts. 110., n. 2, e 111., n. 1), haver de concluir-se que a atri-buio constitucional de determinada competncia a um certorgo de soberania exclui a possibilidade de ela poder vir a serlegalmente atribuda a qualquer outro, salvo explcita ou implcitaautorizao constitucional (cfr. acrdo do tribunal constitucionaln. 71/84).

    estando em causa, no presente caso, um incidente ps-decis-rio no mbito de um processo de fiscalizao abstrata sucessiva,este apenas poder ser resolvido por via das regras jurdico-proces-suais que sejam aplicveis. e a pretexto do princpio da cooperaoinstitucional, no possvel ao tribunal instruir o rgo legislativo

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  • ou executivo sobre os termos em que dever ser dado cumpri-mento, no plano infraconstitucional, deciso de inconstitucionali-dade, quando essa matria da sua exclusiva competncia.

    6. em concluso:

    a) o acrdo n. 413/2014, ao atribuir eficcia ex nunc, apartir da deciso, declarao de inconstitucionalidaderelativa s normas do art. 33. da lei do oramento deestado para 2014, nos termos constitucionalmente admis-sveis, no enferma de qualquer obscuridade ou ambigui-dade;

    b) os esclarecimentos que o requerente pretende obter noderivam de qualquer vcio ou deficincia que seja imput-vel ao acrdo, mas resultam de dvidas de ordem prticaque respeitam ao cumprimento do julgado;

    c) no cabe ao tribunal constitucional esclarecer outrosrgos de soberania sobre os termos em que estes devemexercer as suas competncias no plano administrativo oulegislativo.

    7. termos em que se desatende o pedido.

    lisboa, 18 de junho de 2014. Carlos Fernandes Cadilha maria de Ftima mata-mouros Lino rodrigues ribeiro Cata-rina Sarmento e Castro Joo Cura mariano maria Jos rangelde mesquita Pedro machete Ana Guerra martins Joo Cau-pers Fernando Vaz Ventura maria Lcia Amaral Jos daCunha Barbosa Joaquim de Sousa ribeiro.

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  • AnotAo

    (Pelo Prof. Doutor lus manuel teles de menezes leito)

    1. temos vindo em anotaes a vrios acrdos a criticara tomada sucessiva de decises pelo tribunal constitucionalsem qualquer base no texto constitucional, com o exclusivorecurso a princpios gerais e sua prpria jurisprudncia, des-considerando disposies expressas do texto constitucional e aposio da doutrina que sobre eles se pronunica. na anotaoque publicmos ao Acrdo 187/2013(1), afirmmos que seestava a desenvolver um sistema autopoitico prprio, uma vezque a jurisprudncia do tribunal constitucional ameaava auto-nomizar-se completamente do Direito constitucional vigente.neste novo acrdo, emitido no mbito de uma questo menor,mas que teve um impacto pblico considervel, verifica-se umnovo passo: o afastamento do tribunal constitucional dos pr-prios referentes legislativos que disciplinam o processo, osquais so genericamente aplicveis, incluindo no tribunalconstitucional.

    2. est em causa o instituto da aclarao das decisesjudiciais, que permite s partes reagir contra qualquer obscuri-dade ou ambiguidade existente na sentena. este institutoencontrava-se previsto no art. 670., a) do cdigo de Processo

    (1) cf. luS menezeS leito, Anotao ao Acrdo do Tribunal Constitucional(lei do oramento de estado para 2013), na roA, 72, iV (out-Dez. 2012), pp. 1777-1784.

  • civil de 1939, tendo da transitado para o art. 669., a) docdigo de Processo civil de 1961. era evidente que do mesmoera feito recorrentemente um uso abusivo e reprovvel, o qual jtinha sido denunciado por Jos Alberto dos reis que escreviaem meados do sculo passado o seguinte:

    J se tem feito uso do pedido de aclarao, no para se esclarecer obs-curidade e ambiguidade realmente existente, mas para se obter, por viaoblqua, a modificao do julgado. A ttulo ou a pretexto de esclareci-mento o que, na verdade, se visa a alterao da sentena. os tribunaistm reagido e bem contra tais tentativas, votando-as ao malogro(Acs. do Sup. trib. de Just. de 12/2/46 e 16/4/48, Bol. of., 6., p. 16,Boletim, n. 6, p. 190)(2).

    Precisamente por esse motivo, o novo cdigo de Processocivil de 2013, numa das poucas medidas positivas que tomou, abo-liu o pedido de aclarao das sentenas judiciais, apenas admitindoa sua reforma quanto a custas e multa (art. 616., n. 1, ncPc).A explicao dada na exposio de motivos era eloquente:

    independentemente do sancionamento dos comportamentos dilatriosdas partes, so institudos os mecanismos processuais aptos a preveni-los, permitindo pr-lhes termo prontamente: para alm das normaslimitativas do direito ao recurso quanto a meras decises interlocut-rias, de reduzido relevo para os direitos fundamentais das partes, ante-riormente referidas, reduzida a possibilidade de suscitar incidentesps-decisrios aclaraes ou pretensas nulidades da deciso final a coberto dos quais se prolonga artificiosamente o curso da lide. Assim,elimina-se o incidente de aclarao ou esclarecimento de pretensas e,nas mais das vezes, ficcionadas e inexistentes obscuridades ou ambi-guidades da deciso reclamada apenas se consentindo ao interessadoarguir, pelo meio prprio, a nulidade da sentena que seja efetivamenteininteligvel(3).

    (2) cf. JoS Alberto DoS reiS, Cdigo de Processo Civil Anotado,V, reimp.,coimbra, coimbra editora, 1981, pp. 151-152.

    (3) cf. PreSiDnciA Do conSelHo De miniStroS, Proposta de Lei n. 113/Xii,Pl 521/2012, 2012.11.22.

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  • foi, por isso, com estranheza que tommos conhecimento queo governo tinha pedido Assembleia da repblica, que formu-lasse um pedido de aclarao ao tribunal constitucional nos ter-mos que a seguir se transcrevem:

    ex.ma SenhoraPresidente da Assembleia da repblica:

    o Acrdo n. 413/2014, proferido pelo tribunal constitucionalna passada sexta-feira, determina objetivamente o cumprimento deobrigaes de reposio/redefinio dos montantes de remuneraes eoutras prestaes pblicas.

    considerando que o governo, enquanto rgo superior da Admi-nistrao Pblica, responsvel por tomar as providncias administra-tivas e necessrias para dar execuo ao estipulado no acrdo.

    considerando que na anlise do acrdo e dos seus fundamentosfoi detectado um conjunto de questes de ambiguidade ou obscuridadepara cujo esclarecimento ainda e tambm competente o tribunalconstitucional, nos termos das regras processuais aplicveis.

    considerando que o esclarecimento de tais questes fundamen-tal para a exata definio das balizas e condies que definem o mbitode atuao do governo, sem o qual no poder este assegurar uma boae normal execuo das obrigaes que lhe incumbem, decorrentes doreferido acrdo.

    considerando, por fim, que o governo no uma parte proces-sual, em sentido prprio, no processo de fiscalizao abstrata sucessivade que resultou o citado acrdo, visto que o rgo autor das normasdeclaradas inconstitucionais a Assembleia da repblica.

    no resta ao governo alternativa seno solicitar a V. ex. que sedigne, num esprito de cooperao interinstitucional, promover junto dotribunal constitucional, em relao ao citado acrdo, um pedido deaclarao de obscuridades ou ambiguidades, ao abrigo dos arts. 614.,n. 1, e 615., n. 1, alnea c), do cdigo de Processo civil, com osseguintes fundamentos:

    1. no ponto 99 do Acrdo, o tribunal aborda a questo dalimitao de efeitos da declarao de inconstitucionalidade das normasdo art. 33. da lei do oramento de estado, concluindo da seguinteforma:

    Nestes termos, considerando a necessidade de evitar a perda

    para o Estado da poupana lquida da despesa pblica j obtida no

    AnotAo Ao Ac. Do trib. conSt. n. 468/2014 633

  • presente exerccio oramental por via das redues remuneratrias,

    apesar de excederem o limite do sacrifcio que se entende constitucio-

    nalmente admissvel em relao aos trabalhadores que auferem com

    verbas pblicas, com base no disposto no n. 4 do art. 282. da Consti-

    tuio, e em ateno a esse interesse pblico de excecional relevo, o

    Tribunal decide atribuir efeitos ex nunc declarao de inconstitucio-

    nalidade das referidas normas, que, assim, se produziro apenas a par-

    tir da data da sua deciso.consequentemente, o tribunal veio a decidir, na alnea f) da deci-

    so, que essa declarao s produza efeitos a partir da data da presentedeciso.

    tendo em conta que as normas em causa determinavam a aplica-o de redues remuneratrias a todos os trabalhadores do "sectorpblico", nelas se incluindo as referentes aos subsdios de frias e denatal, colocam-se trs questes quanto ao exato alcance temporal destarestrio de efeitos:

    para prevenir desde j conflitos interpretativos na medidaem que, por fora do art. 35. da lei do oramento de estado para2014, o subsdio de natal ser pago, a todos aqueles trabalhadores, emregime de duodcimos , importa clarificar se o sentido da referidarestrio de efeitos aquele mais prximo do seu sentido literal, isto ,que os duodcimos j pagos se encontram ressalvados pela referidarestrio;

    por outro lado, relativamente ao subsdio de frias, pode colo-car-se a dvida de saber qual a data relevante para decidir o montantedaquele subsdio: aquela na qual se constituiu o respectivo direito (1 deJaneiro de cada ano cf. arts. 172., n. 1, e 208., n. 2, da lei 59/2008,de 11 de Setembro regime do contrato de trabalho em funes pbli-cas) ou aquela em que se processa o respectivo pagamento?

    por ltimo, e ainda quanto ao subsdio de frias, tendo emconta que h certos trabalhadores do sector pblico, por exemplo emempresas pblicas, que recebem normalmente o subsdio de frias emmeses diferentes (por exemplo, em Janeiro) do da generalidade dos tra-balhadores do sector pblico, coloca-se a dvida de saber se da aplica-o prtica da referida restrio de efeitos no resultaro, em matriade subsdio de frias, situaes de desigualdade no cumprimento dasobrigaes de reposio/redefinio que possam ser evitadas por umaaclarao do tribunal que reduza a ambiguidade.

    2. Ainda quanto restrio de efeitos, uma ltima dificuldadeinterpretativa se levanta, para cujo esclarecimento fundamental uma

    634 tribunAl conStitucionAl

  • aclarao do tribunal. tendo em conta que o ms de maio um msde 31 dias, e o tribunal decidiu que a deciso devia reportar os seusefeitos data da sua prolao (30 de maio), coloca-se tambm a dvidade saber se o tribunal se pretendia referir, com a expresso "data dapresente deciso", que ocorreu no ltimo dia til do ms de maio, aoltimo dia do ms - de forma que os seus efeitos s verdadeiramenteabrangero o ms de Junho, o que, evidentemente, simplificaria a cargaadministrativa de reclculo das remuneraes em causa -, ou se preten-dia antes abranger nos efeitos da sua deciso tambm o dia remanes-cente do ms de maio.

    com os melhores cumprimentos,o Primeiro-ministro

    (PeDro PASSoS coelHo)

    este pedido de aclarao, que o governo solicitava Assem-bleia da repblica que formulasse, era um absurdo completo. emprimeiro lugar, no parece que faa sentido, perante o art. 111. daconstituio, o governo pedir Assembleia da repblica queexera competncias que s Assembleia respeitam. Depois, o quese pretendia evidentemente, no era um esclarecimento da deciso,mas uma sua modificao em relao restrio de efeitos, preci-samente o que o legislador pretendia que no ocorresse e da tersido eliminada a figura.

    Por isso mesmo, as regras processuais aplicveis a que ogoverno se referia j no existiam, tanto assim que os preceitosinvocados dos arts. 614., n. 1, e 615., n. 1, c), do novo cdigode Processo civil nada tinham a ver com a aclarao. A primeiranorma refere-se antes existncia de erros materiais (erros deescrita ou de clculo ou quaisquer inexactides devidas a outraomisso ou lapso manifesto), o que no era o caso. J a segundanorma refere-se ao facto de a sentena ser nula por existir algumaambiguidade ou obscuridade que torne a deciso ininteligvel, oque tambm no era o caso.

    A Assembleia da repblica no quis deixar de fazer o favorque o governo lhe pedia e formulou o pedido de aclarao, masno foi capaz de acompanhar a absurda fundamentao processual

    AnotAo Ao Ac. Do trib. conSt. n. 468/2014 635

  • invocada. Por isso colocou na gaveta o cdigo de Processo civilque tinha aprovado no ano passado, invocando antes como funda-mento do pedido de aclarao os princpios que regem o processode constitucionalidade, maxime o processo de fiscalizao abs-trata sucessiva.

    o tribunal constitucional, que gosta muito de decidir combase em princpios e muito pouco com base em normas, deu-lherazo e considerou admissvel esse pedido, face aos princpiosgerais do processo aplicveis a decises insusceptveis de recurso,tornando-se irrelevante, face aos interesses subjacentes inter-veno do Tribunal nesta forma de processo, que o novo Cdigo deProcesso Civil tenha deixado de contemplar o pedido de aclaraoque constava do antigo art. 669., n. 1.

    esta deciso vem ao arrepio de anteriores decises do tribu-nal constitucional onde os pedidos de aclarao foram sempredecididos com base no art. 669., n. 1, do anterior cPc(4), masno admira, face sua mais recente jurisprudncia. no fundo,estamos perante uma forma de decidir semelhante s muitas a queo tribunal constitucional sucessivamente recorre. o que umanorma expressamente exclui afinal admissvel com base emprincpios gerais. S que desta vez j no estamos perante normasconstitucionais, mas antes perante normas processuais, que o tri-bunal constitucional igualmente desconsidera. resta-nos esperarque no futuro as partes, com base neste precedente do tribunalconstitucional, no venham invocar nos tribunais comuns os prin-cpios gerais do processo aplicveis a decises insusceptveis derecurso para os inundar de pedidos de aclarao. ficaria letramorta a abolio dos pedidos de aclarao, graas a estes princ-pios gerais do processo aplicveis a decises insusceptveis derecurso, que o tribunal constitucional consegue to facilmentedescobrir.

    tudo isto para admitir um pedido de aclarao que afinal aca-bou por desatender, concluindo, depois de algumas consideraes

    (4) cf. por todos o Acrdo n. 632/97 (ArminDo ribeiro menDeS), disponvel em.

    636 tribunAl conStitucionAl

  • sobre o tema, que o seu acrdo era perfeitamente claro e que nocabia ao Tribunal Constitucional esclarecer outros rgos desoberania sobre os termos em que estes devem exercer as suascompetncias no plano administrativo ou legislativo. na verdade,sendo o autor do pedido formalmente a Assembleia da repblica,no se compreendia a que propsito surgiam no pedido questes denatureza administrativa. mas a indistino entre a Assembleia e ogoverno j se tornou de tal forma evidente que as questes coloca-das diziam afinal respeito ao governo, como o prprio tribunalconstitucional assumiu expressamente.

    Apesar do indeferimento do pedido de aclarao, o governoveio por isso dizer que se considerava esclarecido e, pela voz doministro Poiares maduro, declarou que, em consequncia do escla-recimento da deciso do tribunal constitucional, deixaria dedevolver os cortes aos trabalhadores que j tivessem recebido ossubsdios. o tribunal constitucional ficou furioso com essasdeclaraes do governo e, numa iniciativa sem precedentes, fezsair um comunicado referindo que em face de afirmaes pblicasquanto s implicaes da deciso do Tribunal Constitucionalsobre o pedido de aclarao do Acrdo n. 413/2014, o Tribunallembra que tal pedido foi indeferido, pelo que desta deciso nopode ser retirada qualquer outra ilao. entende naturalmente otribunal constitucional que o governo no se pode consideraresclarecido quando ele no o quis esclarecer. o governo acabaria,por isso, por recuar na sua posio, evitando assim os inmerosprocessos judiciais j prometidos.

    tudo isto demonstra o estado a que o regime chegou. Alm deuma indistino manifesta entre o governo e a Assembleia, assisti-mos total desconsiderao do Direito vigente. o governo sabiaperfeitamente que, face ao princpio a trabalho igual salrio igual,previsto no art. 59., n. 1, a) da constituio, teria que tratar deforma idntica todos os trabalhadores. Quis evitar cumprir essadeterminao constitucional, formulando um pedido de aclaraoao tribunal constitucional, mesmo depois de ter proposto a aboli-o destes pedidos. A Assembleia da repblica formula essepedido, desconsiderando a lei que ela tinha aprovado a abolir afigura. o tribunal constitucional considera expressamente que

    AnotAo Ao Ac. Do trib. conSt. n. 468/2014 637

  • essa abolio irrelevante. citando barbosa de magalhes vigoraainda a Const. da repblica [e j agora o cdigo de Processocivil]? Chi lo sa?(5).

    (5) cf. JoS mAriA VilHenA bArboSA De mAgAlHeS, "41. ano", na Gazeta darelao de Lisboa, ano 41, n. 1, de 1 de maio de 1927, pp. 1-4 (1).

    638 tribunAl conStitucionAl