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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Especial Inclusiva MODELAGEM DE SOFTWARES PARA AUXILIAR A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM AUTISMO MARIA CECILIA SABATINO FERNANDES DE ALMEIDA RENATO GUEDES DOS SANTOS BELO HORIZONTE 2007 Contatos: Renato Guedes dos Santos ([email protected])

Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação Es pecial Inclusiva

MODELAGEM DE SOFTWARES PARA AUXILIAR A EDUCAÇÃO DE

PESSOAS COM AUTISMO

MARIA CECILIA SABATINO FERNANDES DE ALMEIDA RENATO GUEDES DOS SANTOS

BELO HORIZONTE

2007

Contatos: Renato Guedes dos Santos ([email protected])

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MARIA CECILIA SABATINO FERNANDES DE ALMEIDA RENATO GUEDES DOS SANTOS

MODELAGEM DE SOFTWARES PARA AUXILIAR A EDUCAÇÃO DE

PESSOAS COM AUTISMO

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Educação Especial Inclusiva. Orientadora: Maria Auxiliadora Mattos Pimentel

Co-orientadora: Nivânia de Melo Reis

BELO HORIZONTE

2007

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MARIA CECILIA SABATINO FERNANDES DE ALMEIDA RENATO GUEDES DOS SANTOS

MODELAGEM DE SOFTWARES PARA AUXILIAR A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM AUTISMO

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Educação Especial Inclusiva.

Belo Horizonte, 2007

_________________________________________________

Maria Auxiliadora Mattos Pimentel (orientadora) – PUC Minas

_________________________________________________

Nivânia de Melo Reis (co-orientadora) – PUC Minas

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RESUMO

Este trabalho investiga e relaciona alguns dos softwares mais utilizados com

pessoas autistas nos lares, escolas e associações, identificando se as

características técnicas e as estratégias por eles adotadas são realmente

significativas para o beneficiamento dos processos de desenvolvimento de pessoas

com autismo, em especial da comunicação, à luz do desenvolvimento cognitivo, da

aprendizagem, da análise do comportamento humano e da ergonomia de software.

Palavras-chave: autismo; ergonomia de software; comunicação e linguagem; estratégias

educacionais; educação especial inclusiva

ABSTRACT

This paper investigates and relates some of the software used with most autistic

people in homes, schools and associations, identifying whether the technical

characteristics and the strategies adopted by them are really significant for the

improvement of development processes of people with autism, particularly

communication In the light of cognitive development, learning, analysis of human

behavior and ergonomics software.

Key-words: autism; software ergonomy; communication and language; educational

strategies; special needs education

Contatos: Renato Guedes dos Santos ([email protected])

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LISTA DE ABREVIATURAS

LISTA DE SIGLAS

ABA - Applied Behavior Analysis

ABBLS - The Assessment of Basic Language & Learning Skills

BCBA - Board Certified Behavior Analysts

PECS - Picture Exchange Communication System

CID10 - Décima revisão da Classificação Internacional de Doenças

EIBI - Early Intensive Behavioral Intervention

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 AUTISMO

2.2 TEORIA DA MENTE

2.3 COGNIÇÃO E TEORIAS DE APENDIZAGEM

2.4 CLAPARÈDE

2.5 PIAGET

2.6 VYGOTSKY

2.7 PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL E ABA

2.8 ERGONOMIA DE SOFTWARE

3 METODOLOGIA

3.1 DESCRIÇÃO

3.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4 CONCLUSÕES

5 REFERÊNCIAS

Anexo 1 – Modelo do Questionário para Avaliação Ini cial por Parentes

Anexo 2 – Modelo do Questionário para Avaliação Ini cial de Profissionais

Anexo 3 – Modelo do Questionário para Avaliação de Softwares

Anexo 4 – Modelo do Questionário para Avaliação de Softwares na Internet

Anexo 5 - Resumo das Avaliações Psicológicas

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1 INTRODUÇÂO

O autismo é uma síndrome que intitula o mais grave distúrbio da comunicação

humana. Aflora durante os primeiros anos de vida da criança comprometendo,

muitas vezes de forma crônica e incapacitante, três áreas nobres do ser humano: a

comunicação, a interação social e a imaginação.

Os níveis de comprometimento dessas áreas se apresentam clinicamente

separados uns dos outros, variando tanto no aspecto da qualidade quanto da

intensidade de forma independentes, havendo desde casos de grande gravidade até

a fronteira com a normalidade. Como essas variações dificultavam a classificação e

o diagnóstico do autismo, adotou-se o conceito de espectro autista [também

chamado de continuum autístico], que nada mais é do que uma linha imaginária de

continuidade clínica do mais grave ao quase normal.

Os problemas advindos dos prejuízos nesses três eixos sintomáticos

interferem de maneira importante na aprendizagem e na cognição da criança, uma

vez que pessoas autistas têm um jeito peculiar de aprender, organizar e processar

as informações. Alguns autores (Jordan and Riding, 1995 e Tennant’s, 1988)

descrevem que autistas têm um estilo cognitivo próprio, um modo diferente de

aprender, organizar e processar as informações, que deveria estar refletido na

maneira em como ensiná-los. Esse estilo cognitivo diferente deve estar refletido na

maneira como ensiná-los, através de estratégias de aprendizagem que incluam

apoios visuais e que respeitem os diferentes graus de autismo, sua maneira de

pensar e aprender. Pessoas com autismo muitas vezes processam o pensamento

através de imagens, reagem a mudanças nas rotinas diárias, necessitam de

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ambientes estruturados e organizados para aprender e falta-lhes habilidades na

percepção, compreensão e comunicação.

Outro conceito importante que deve ser focalizado em relação ao autismo são

os déficits na Teoria da Mente, representando falta de habilidade para reconhecer

emoções, sentimentos, intenções na própria pessoa e nos outros.

Pessoas com autismo poderão requerer intervenção educacional e

terapêutica continuada por toda vida e proporcionar-lhes o desenvolvimento de

habilidades e a integração com os demais alunos pode constituir um verdadeiro

desafio para os educadores. Mas, apesar da gravidade da síndrome, diagnóstico

precoce e acompanhamento adequado podem levar a pessoa autista a desenvolver

a compreensão de si mesma, do mundo e de suas regras, possibilitando, muitas

vezes, sua participação efetiva na sociedade, inclusive profissionalmente.

Basicamente, podemos considerar dois grupos de autistas de acordo com a

gama e a intensidade dos sintomas: um com prognóstico mais favorável e o outro

com prognóstico menos favorável. O grupo de pior prognóstico demandará um

trabalho centrado na metodologia comportamental, tanto na psicologia como na

escola, tratamentos médicos e terapêuticos em mais de uma especialidade, fará uso

de diversos medicamentos, necessitará empregar técnicas especiais para

comunicação [Comunicação Aumentativa e Alternativa], etc. O de melhor

prognóstico se beneficiará com as técnicas usuais da fonoaudiologia e poderá

alcançar habilidades pedagógicas que vão além da alfabetização, atingir grau de

socialização razoável e até executar trabalhos e participar ativamente da sociedade,

principalmente quando inserido em um ambiente protegido, como numa cooperativa

social.

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Autistas podem apresentar comportamentos repetitivos e estereotipados,

compulsivos, inesperados ou mesmo bizarros, o que pode despertar temores e

desconfianças nas pessoas, implicando em perdas qualitativas nas trocas

interpessoais que precisam ocorrer nas salas de aula, constituindo entraves

significativos nas relações e, consequentemente, na sua integração dentro do

ambiente escolar.

Embora os estudos epidemiológicos sobre a incidência do autismo variem

consideravelmente de acordo com os critérios adotados, não se trata de um

transtorno raro. O Center for Diseases Control and Prevention do governo dos

Estados Unidos já admite a ocorrência de um caso de autismo a cada 150

nascimentos. No Brasil não dispomos de estatísticas oficiais, mas a Secretaria

Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República estima que 600 mil

pessoas se enquadrem no espectro autista. Considerando-se a média de quatro

membros por família, concluímos que cerca de dois milhões e quatrocentas mil

pessoas no nosso país estejam envolvidas diretamente com o problema.

Dados apresentados no portal da internet da Secretaria de Educação

Especial do Ministério da Educação revelam que, de uma forma geral, os autistas

que freqüentam escolas estudam em classes especiais. Sua aceitação nas classes

regulares das escolas comuns vem se dando de forma bastante tímida e, mesmo

assim, apenas para aqueles que apresentam comprometimentos leves, haja vista a

necessidade de profissionais com capacitação específica e de salas especiais para

os casos com gravidade moderada ou acentuada. Em alguns países, como os EUA,

o diagnóstico vem sendo feito precocemente, tipicamente aos 18 meses de idade.

Quando os testes constatam que a criança se enquadra no espectro autista, inicia-

se um trabalho de terapia intensiva dentro de um ambiente estruturado, cuja

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organização e planejamento visam a melhoria da criança, tanto no aspecto físico

quanto mental, tentando dar-lhe condições de freqüentar uma escola comum quando

atingir a idade típica de ingresso das demais crianças, normalmente aos seis anos

de idade.

Este trabalho avaliou alguns dos softwares mais utilizados nas escolas e

associações de pais e amigos de autistas, verificando a aderência desses

programas aos conceitos relevantes e produtivos para o desenvolvimento das

pessoas autistas, em especial no aspecto da comunicação. Também investigou

trabalhos de terceiros sobre o tema do uso de tecnologia com pessoas autistas e

levantou possibilidades oferecidas pelas tecnologias em seu estado atual.

Nosso interesse era averiguar se as características e limitações do

desenvolvimento, inerentes às pessoas com autismo, as fazem tão especiais a

ponto de que os softwares concebidos para crianças de uma forma geral não lhes

possa conferir ganhos significativos no desenvolvimento. Como e com que

constância os recursos tecnológicos vêm sendo utilizados com pessoas autistas?

Os softwares produzem ganhos importantes nessas pessoas? Qual seria a

percepção de educadores que trabalham com autistas sobre a validade do uso de

software?

Qualquer software deve ter sua concepção baseada nos princípios que

nortearão a sua utilização, principalmente aqueles com função educativa, mas

haveria motivos consistentes para formular abordagens e condições diferenciadas

para a modelagem de programas específicos para pessoas autistas?

Segundo Marques,

A relação de ensino é uma relação de comunicação por excelência, que visa a formar e informar, e instrumentos que possam se encaixar nessa dinâmica têm sempre a possibilidade de servir ao ensino. O computador é uma forma de comunicar conhecimentos e, como tal, interessa à educação. MARQUES (1997).

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Sendo a educação uma “relação de comunicação por excelência”, quais são

as estratégias psicopedagógicas apropriadas para a utilização de computadores

com pessoas que apresentam déficits de comunicação? Quais são as principais

características que os programas de computador devem dispor para propiciar

desenvolvimento e motivação nos alunos com autismo?

Cabia-nos, ainda, questionar se rotulando softwares como “desenhados para

pessoas com autismo” não iríamos de encontro aos princípios de tratamento

igualitário que regem as políticas de inclusão social de pessoas com necessidades

especiais.

Conjugando áreas distintas, tais como pedagogia, psicologia e informática, as

duas primeiras enquanto ciências humanas e a terceira enquanto instrumento

tecnológico a serviço da aprendizagem, esta investigação considerou, notadamente:

1. Postulados sobre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo,

particularmente aqueles estabelecidos por Vygotsky e Piaget;

2. Pesquisas e trabalhos relevantes referentes a autismo e educação, como

os de Theo Peteers, Baron-Cohen, Catherine Maurice e Gina Green.

3. Conceitos psicopedagógicos presentes nas técnicas de motivação

comportamentalista da ABA, a Análise do Comportamento Aplicada, que

possibilita desenvolver as potencialidades dos indivíduos com características

autistas, com destaque para os trabalhos de Skinner (1938 e 1958) sobre

condicionamento e de Igor Lovaas (1987) e Catherine Maurice (1996) sobre

Intervenção Comportamental Intensiva Precoce;

4. Conceitos da Teoria da Mente, descrito por Premack e Woodruff (1978),

que prediz uma especial dificuldade da pessoa autista em construir meta-

representações e imaginar os estados mentais [sentimentos, desejos, crenças

e intenções] dos outros e de si mesmo.

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5. A conceituação de ergonomia de software de um modo geral e os

softwares usados para o trabalho com autistas.

A investigação se baseou em uma ampla revisão bibliográfica de trabalhos

publicados, de uma pesquisa qualitativa realizada com pais de autistas, diretores e

professores de escolas e instituições especializadas no trabalho com autismo e de

um formulário para avaliação de softwares, também disponibilizado na internet.

Participaram como sujeitos da pesquisa alunos de duas intituições de ensino e apoio

a crianças com autismo, sendo um colégio e uma associação de pais.

Constatamos que as tecnologias, usadas com propriedade, oferecem novas e

fantásticas possibilidades ao trabalho de apoio pedagógico e terapêutico para

pessoas autistas, podendo contribuir de forma eficaz e modificadora com os

processos de aquisição e desenvolvimento da autonomia, da cognição, da

comunicação e auxiliando esses indivíduos a perceberem e compreenderem os

rituais envolvidos nos relacionamentos interpessoais presentes nas atividades e

relações sociais diárias. Além das opções já disponíveis, de certo o futuro nos

reserva um uso abrangente e intensivo dessas ferramentas no trabalho com autistas

e outras síndromes comportamentais.

Detectamos que a grande maioria dos programas de computador [softwares]

disponíveis e utilizados atualmente não foi projetada com o intento de desenvolver

habilidades em crianças que apresentam os comprometimentos inerentes ao

autismo. Pessoas com autismo têm necessidades especiais e precisam de

programas capazes de despertar a atenção do aluno, suprindo suas necessidades

individuais específicas e utilizando uma linguagem que se traduza em motivação.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Uma vez que este estudo pretende validar e propor elementos balizadores

para a construção de softwares que beneficiem a educação e a socialização de

pessoas com autismo, emerge a necessidade de compreender conceitos e se

relacionar com campos científicos distintos, tais como autismo, cognição, teorias de

aprendizagem e comportamentais, neurociência, psiquiatria, psicologia e ergonomia

de software, sendo importante conceituá-los dentro da revisão da literatura que foi

realizada e dos critérios definidos para a pesquisa.

2.1 AUTISMO

A palavra autismo vem do grego autos, que significa “próprio”, denominando

uma condição onde o indivíduo anularia a percepção do que está ao seu redor,

centrando-se em si mesmo. Segundo o Oxford English Dictionary, foi o psiquiatra

suíço Paul Eugen Bleuler quem empregou pela primeira vez essa palavra em uma

edição do American Journal of Insanity de 1912, referindo-se a pacientes com

esquizofrenia que perdiam contato com a realidade e tinham comportamentos

bizarros. Naquela época não era clara a distinção entre autismo e esquizofrenia,

área na qual Bleuler deixou contribuições notáveis.

Em 1943, Leo Kanner, psiquiatra austríaco radicado nos Estados Unidos,

publicou a obra "Autistic disturbances of affective contact" na revista Nervous

Children, concebendo o autismo infantil como um distúrbio do contato afetivo.

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Descreveu os casos de onze crianças que tinham em comum "um isolamento

extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da

mesmice". Kanner apontou diferenças importantes na relação das crianças autistas

com objetos inanimados e com seres humanos:

As crianças do nosso grupo mostraram, sem exceção, uma extrema solidão desde o começo de suas vidas, não respondendo a nada que lhes viesse do mundo de fora. Isto fica caracteristicamente expresso no relato recorrente sobre a deficiência da criança no assumir uma postura antecipada ao ser levantada e a deficiência em se ajustar ao corpo da pessoa que a está carregando. Em segundo lugar, nossas crianças são capazes de travar e manter uma excelente e "inteligente" relação com objetos que não ameaçam interferir em sua solidão, mas ficam desde o início ansiosa e intensamente inacessíveis a pessoas com as quais não têm qualquer tipo de contato direto afetivo há muito tempo. Se for inevitável relacionar-se com outra pessoa, então uma conexão é efetuada com a mão ou o pé desta, como um objeto decididamente desligado e não com a pessoa em si. (KANNER, 1943, p.248)

No mesmo ano de 1943, em um trabalho independente do de Kanner, o

médico Hans Asperger submeteu o artigo Die 'aunstisehen Psychopathen' im

Kindesalter [A Psicopatia Autista na Infância] à revista científica Archiv fur psychiatrie

und Nervenkrankheiten, que o publicou apenas no ano seguinte. Asperger

descreveu um padrão de comportamento e habilidades que tinha maior incidência

em meninos e denominou-o de psicopatia autista, uma desordem da personalidade

que incluía: falta de empatia, baixa capacidade de formar amizades, conversação

unilateral, intenso foco em um assunto de interesse especial e movimentos

descoordenados.

As reais causas do autismo não foram determinadas até hoje, mas algumas

mudanças na caracterização da síndrome já foram realizadas. Do conceito de

doença, inicialmente atribuído ao autismo, evoluiu para o de síndrome funcional-

comportamental e, agora, se trabalha com a lógica de que seja um transtorno do

desenvolvimento, equivalendo a dizer que o autismo foi retirado da categoria das

psicoses e anexada a um grupo “vizinho” ao retardo mental, passando a representar

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um típico comprometimento do processo de desenvolvimento da criança.

Conseqüentemente, cresceu a importância do papel dos educadores no tratamento

da síndrome através de terapias educativas de apoio.

Na décima revisão da Classificação Internacional de Doenças - CID10, o

autismo aparece no grupo dos Transtornos do Desenvolvimento Psicológico,

subgrupo dos Transtornos Invasivos ou Globais do Desenvolvimento, junto com a

Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett, Outros Transtornos Desintegrativos da

infância, o Autismo Atípico, o Transtorno de Hiperatividade associado a Retardo

Mental e Movimentos Estereotipados, entre outros.

Embora se trate de uma síndrome pouco conhecida, o autismo não é raro. Se

no passado se estimava a ocorrência de 1 caso de autismo para cada 10.000

nascimentos, hoje o Center for Diseases Control and Prevention do governo dos

Estados Unidos admite a ocorrência de 1 caso a cada 150 nascimentos, com

predominância de cerca de 70% em pessoas do sexo masculino. Tal incremento se

deveu ao interesse crescente pela síndrome, o que proporcionou a realização de

pesquisas mais amplas e cuidadosas, além da constatação de que intervenções

realizadas precocemente podem amenizar os efeitos da síndrome.

Segundo o psiquiatra Camargos Junior (2001), o quadro clínico do espectro

autista possui quatro eixos: três eixos são sintomáticos e o quarto corresponde à

idade de surgimento dos sintomas, que é de até 36 meses – ou a criança nasce

autista ou os sintomas aparecem antes dos três anos de idade, com ou sem um fato

psíquico ou orgânico reconhecido. Os três eixos sintomáticos provêm das áreas do

relacionamento interpessoal [social], da comunicação [verbal e não-verbal] e do

comportamento.

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Ainda segundo Camargos Junior (2001), na área da interação social o

sintoma cardinal é o isolamento. Segue-se, a preferência por ficar só, não olhar

diretamente para as pessoas, não ter medo de estranhos, não conseguir brincar com

outros, a raridade de um diálogo, não gostar de contato físico como abraços e

toques, não apresentar movimentos antecipatórios, não buscar colo ou proteção

quando se machuca, agir como se fosse surdo e usar as pessoas como ferramentas,

entre outros sintomas.

Na área de comunicação se observa graus variados de comprometimento da

fala, desde o mutismo absoluto até algum diálogo, emissão de sons ou palavras de

forma automática e sem finalidade aparente, uso da terceira pessoa pronominal em

detrimento do pronome “eu”, uso de tom interrogativo para expressar afirmação,

ecolalia (repetição de palavras ou frases escutadas) imediata ou tardia, dificuldade

para iniciar, sustentar e terminar uma conversa e comprometimento da modulação

da voz, entre outros. A comunicação expressiva é talvez a área de maior

importância, pois é ela que possibilita a independência e o aprendizado social,

gerando uma pobreza marcante no relacionamento com o mundo circundante se

comprometida.

Os sinais mais comuns na esfera da comunicação não verbal são a hipotonia

muscular; posturas corporais estereotipadas, andar desajeitado ou extravagante,

mímica pobre, incoerente ou inexpressiva, ausência de gestos sociais, entre outros.

É importante observar que o prejuízo da falta do uso do olhar para o interlocutor não

compromete somente a comunicação, mas também a aprendizagem.

No plano do comportamento a hiperatividade é o sinal mais freqüente,

seguido da auto-agressão, comportamentos estereotipados, explosivos, destrutivos

ou obsessivos de várias ordens, giro de objetos repetidamente sobre superfícies,

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falar ou perguntar algo infinitamente, bater levemente com os dedos em mesas ou

mesmo nas pessoas, sentir medos intensos de objetos específicos sem motivo

aparente, resistir ao aprendizado que não o interessa, ter fixação e até mesmo

compulsão por água em movimento, brilhos e objetos que giram, como rodas ou

ventiladores, entre muitas outras características diferenciadas.

É muito importante entender que essas três áreas são clinicamente

independentes umas das outras em termos de gravidade sintomática e evolução.

Em geral, a área de comunicação expressiva, que engloba a fala, é a área mais

comprometida, os sintomas de comportamento são as maiores queixas dos

familiares e a área da interação social a que mais estranheza causa nas outras

pessoas.

Para Camargos Junior (2001), o prognóstico depende, basicamente, de seis

questões: QI do afetado, integridade familiar, precocidade diagnóstica e início da

intervenção, capacidade técnica dos profissionais, ausência de doença degenerativa

e sensorial. Evoluem com aquisição e perdas de habilidades até a adolescência,

seguindo-se um padrão que será o quadro futuro, tendo a dependência como eixo

central. Pessoas com autismo poderão necessitar de intervenção educacional e

terapêutica continuada por toda vida.

A intervenção precoce no autismo tem-se tornado possível graças a sua

identificação cada vez mais cedo, considerando “dificuldades específicas na

orientação para estímulos sociais, contato ocular social, atenção compartilhada,

imitação, atividade motora e jogo simbólico.” (BARON-COHEN; ALLEN; GILLBERG,

1992). Segundo Robins (2001), o Departamento de Psicologia da Universidade de

Connecticut, EUA, desenvolveu um checklist chamado de M-CHAT - Modified

Checklist for Autism in Toddlers, voltado para a detecção de autismo em crianças de

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16 a 30 meses de idade, através de 23 perguntas do tipo sim/não para os parentes

da criança.

O tratamento requer o atendimento por profissionais de diversas

especialidades, devendo-se avaliar o grau de comprometimento de cada área e

eleger as prioridades de trabalho distintamente para cada caso. Os modelos de

tratamento que vêm demonstrando ser muito eficientes para melhoria do prognóstico

advêm do diagnóstico e intervenção multidisciplinar realizados precocemente,

notadamente antes dos três anos de idade, valendo-se, principalmente, da utilização

de técnicas de motivação comportamental intensiva. Essa abordagem, muitas

vezes, permite a inclusão do aluno em salas de aula comuns já nas séries iniciais de

estudo, podendo mesmo tornar difícil a distinção de quais alunos são autistas.

Atualmente existem grupos que defendem que, a despeito do que os pais

esperavam e gostariam que seus filhos fossem, os autistas deveriam ser admitidos

da forma como são, que seu estilo diferente de viver não representa uma doença,

devendo ser respeitado, e que seria um erro provocar grandes mudanças no

comportamento dessas pessoas. Obviamente, essa prerrogativa não pode ser

considerada para os casos mais graves, como os que implicam em auto-agressão e

alta dependência. O fato é que o autismo tem uma enorme heterogeneidade de

quadros, sendo entendido como uma síndrome aglutinadora de um grande conjunto

de características e sinais, denominado espectro autista.

Existem evidências científicas que mostram que indivíduos com autismo têm

um pensamento concreto e visual (HOBSON, 1993) (GRANDIN, 1995). Grandin

(1995) diz que os autistas têm dificuldades para mudarem suas rotinas diárias, que

precisam de ambientes estruturados e organizados para aprender e que muitos

processam o pensamento através de imagens, ou seja, são pensadores visuais.

Page 19: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Também se percebe que as defasagens sócio-cognitivas não se distribuem

uniformemente em todos os processos cognitivos. Pessoas com autismo podem ter

um ótimo desempenho nas funções perceptivas visuais e espaciais, como quebra-

cabeças, e apresentar dificuldade se nesse mesmo processo perceptivo é requerido

compreender o significado de uma situação, como, por exemplo, compreender que

essa seqüência de imagens constitui uma história.

2.2 TEORIA DA MENTE

Diversas teorias e interpretações tentam explicar as possíveis causas do

autismo. Há estudos que relacionam o autismo a questões de natureza orgânica,

físicas e químicas, psicológica e social, combinadas entre si ou isoladamente.

Porém, todos concordam que as pessoas com autismo pensam e falam de forma

atípica e que têm dificuldades em dar significado às percepções e relações com o

meio social e cultural

“Eles estão orientados para o mundo de uma maneira diferente, sua posição

está ancorada ao particular, eles não vasculham o mundo para semelhanças e

diferenças, não agrupam suas percepções.” (PEETERS, 1998).

O mesmo Peeters (1998) ressalta também que as pessoas com autismo

desenvolvem padrões de comunicação próprios e não usuais, e também conclui que

“eles vêem, ouvem e sentem, mas seus cérebros administram essas informações de

maneira particular”. (PEETERS, 1998)

Uma das características mais marcantes e intrigantes no autista é justamente

a incapacidade de atribuir estados mentais a si próprio e a outras pessoas. Essa

Page 20: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

característica nos remete à chamada Teoria da Mente, termo concebido por Premak

e Woodruff (1978) descrevendo nossa habilidade em atribuir pensamentos,

sentimentos, percepções e crenças com o objetivo de predizer e explicar o

comportamento dos outros. Os pressupostos da Teoria da Mente nos remetem

facilmente ao que foi dito por Kanner ao fazer as primeiras descrições do autismo.

Alguns estudos recentes procuram identificar a origem dos distúrbios com

relação às defasagens cognitivas com as atividades simbólicas e a aprendizagem

[problemas na metarepresentação/metacognição] e afirmam que “ao contrário das

doenças mentais, o autismo deve ser tratado principalmente na educação com

terapias de apoio e somente em casos extremos utilizar o tratamento psiquiátrico.”

(PEETERS, 1998).

Jou e Sperg (1999) propõem o exercício a seguir, pois assim seríamos se nos

faltassem as habilidades previstas na Teoria da Mente.

Imaginemos como seria nosso dia-a-dia se não fôssemos capazes de interpretar desejos e intenções ou de prever nossos próprios comportamentos e o dos que nos rodeiam. Poderíamos relacionar-nos socialmente sem essa capacidade? Que habilidade é essa do ser humano que lhe permite compreender a existência dos sentimentos, das emoções e das intenções e, em conseqüência, predizer suas próprias ações e as dos outros? (JOU; SPERB, 1999, p.1).

O psicopatologista inglês Simon Baron-Cohen (1989), do Trinity College de

Cambridge postula a existência de quatro módulos cerebrais interagindo para

produzir o sistema de leitura mental do ser humano: o módulo detector de

intencionalidade, o detector da direção do olhar, o mecanismo da atenção

compartilhada e o mecanismo da Teoria da Mente, que seria o responsável pela

união das noções de atenção, desejo e intenção.

Page 21: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Baron-Cohen (1989) alerta que o autismo altera a meta-representação

requerida nos padrões sociais, resultando assim em déficit do desenvolvimento dos

padrões simbólicos. As falhas no desenvolvimento da atenção compartilhada

podem levar a criança autista a não desenvolver a comunicação intencional,

acarretando em um desvio severo no seu desenvolvimento, trazendo profundas

dificuldades em suas interações sociais, na comunicação e no entendimento do

mundo social em que vivem.

É por isso que em todas as categorias de atenção compartilhada, Carpenter,

Nagell & Tomasello (1998) frisam a importância do contato ocular, que é um dos

principais comportamentos infantis que mostram um comportamento comunicativo

intencional, visto que a criança direciona os sinais diretamente para uma outra

pessoa, e não para o objeto em si, reconhecendo-a não simplesmente como um

outro objeto físico que pode ser manipulado fisicamente, mas como um parceiro

comunicativo, que pode perceber e responder aos seus sinais.

Ressalta-se que mesmo crianças com atrasos na linguagem, retardo mental e

síndrome de Down (ROOM, 1981; COGGINS, 1983; BEDROSIAN, 1978)

apresentam atividade de linguagem com finalidade comunicativa, característica esta

ausente nos autistas. Isto revela que a presença desta linguagem independe de

níveis de inteligência, fornecendo evidência de que a dificuldade em identificar

expressões e em entender o que o outro quer dizer provêm de um déficit na Teoria

da Mente, para quem o mundo pode parecer extremamente trágico, pois o

comportamento de outras pessoas seria completamente imprevisível, sem nenhuma

ordem.

Page 22: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

2. 3 COGNIÇÃO E TEORIAS DE APENDIZAGEM

O DSM-IV - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (1994)

define a pessoa com déficits cognitivos como alguém significantemente limitado em,

no mínimo, duas das seguintes áreas: auto-cuidado, comunicação, habilidades de

convívio social e interpessoal, autonomia, uso de recursos da comunidade,

habilidades acadêmicas, profissionais, de lazer, saúde e segurança. O autista é,

portanto, uma pessoa com déficits cognitivos e, conseqüentemente, necessita de

apoio pedagógico e psicológico diferenciados, entre outros.

O termo cognição denomina o processo de aquisição de conhecimento pelo

homem, reunindo em uma única palavra conceitos como atenção, percepção,

memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem. Mais do que

simplesmente aquisição de conhecimento, a cognição representa o processo pelo

qual o ser humano interage com os seus semelhantes e com o meio em que vive,

sem perder a sua identidade existencial. É um processo de conhecimento que

considera as informações do meio em que vivemos, captadas através dos nossos

sentidos, a percepção produzida sobre os elementos envolvidos e tudo aquilo que já

está registrado na nossa memória, fazendo a conversão para o nosso modo de ser

interno. O sentido de cognição se confunde com o da própria consciência humana,

ocultando-se por trás de seu conceito diferenças essenciais entre diferentes teorias

filosóficas e visões do mundo.

A aprendizagem, de uma forma geral, é um processo inseparável do ser

humano e ocorre quando há uma modificação no comportamento, mediante a

experiência ou a prática, que não podem ser atribuídas à maturação, lesões ou

alterações fisiológicas do organismo. As teorias da aprendizagem tentam descrever

Page 23: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

a forma pela qual uma pessoa aprende, estando intimamente ligadas aos conceitos

propostos pela epistemologia [epistemo = conhecimento; e logia = estudo], ramo da

filosofia que estuda a definição, as origens e os limites do conhecimento e como

esse conhecimento se relaciona com a verdade e com quem o possui.

De acordo com Waal, Marcusso e Telles (2007), as cinco correntes

epistemológicas historicamente mais importantes são: o racionalismo, que entende

que todo o conhecimento válido provém, essencialmente, do uso da razão; o

empiricismo, que defende a experimentação como fonte essencial de aquisição do

conhecimento; o positivismo, onde o conhecimento científico deve basear-se em

fatos mensuráveis a partir dos quais serão construídos modelos através de rigoroso

raciocínio indutivo; o realismo, que pressupõe a existência de uma realidade objetiva

independente do observador; e o construtivismo, que entende que o conhecimento é

formado por constructos subjetivos, ou seja, pensamentos formados pela

combinação de impressões passadas e presentes, sem relação necessária com a

realidade.

A epistemologia divide-se ainda em dois grandes grupos, quando se refere

aos limites do conhecimento. O primeiro é o realismo, que teve origem em Platão

(427-347 a.C.) e imperou até o século XV, para o qual o mundo exterior é coisa

distinta do pensamento ou das nossas representações, significando que o nosso

conhecimento atinge a própria realidade e não apenas as representações subjetivas.

O segundo é o idealismo de Descartes (1596-1650), que concebe como únicas

fontes de conhecimento a intuição e a dedução, ambas compreendidas como

operações de nosso entendimento. Descartes usou a intuição intelectual não

somente para se adquirir a certeza das coisas mais simples [“Penso, logo, existo!”],

como também para se compreender com clareza cada passo da dedução. “Os

Page 24: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

primeiros princípios somente podem ser conhecidos pela intuição, enquanto que as

conclusões distantes só se concretizam pela dedução” (DESCARTES, 1989ª, p.21).

Descartes refutou a experiência como fonte de conhecimento e buscou fundamentar

a ciência em princípios racionais e lógicos.

Dentre as teorias de aprendizagem mais conhecidas, o cognitivismo e o

behaviorismo [ou comportamentalismo] têm base epistemológica realista, enquanto

o construtivismo tem base epistemológica idealista, sendo comum classificar o

behaviorismo e o construtivismo como os extremos entre os quais se situam as

demais correntes. Salienta-se, no entanto, que classificações, de uma forma geral,

devem ser olhadas com cautela, pois nem sempre suas fronteiras estão claramente

definidas. Piaget, por exemplo, dizia que o conhecimento é construído pelo

indivíduo, de forma coerente com o idealismo, mas não repudiava a idéia de que a

realidade existia fora do indivíduo, que é um conceito do realismo.

Segundo Mesibov (2006), a principal possibilidade para uma melhoria

constante dos alunos autistas é uma maior consideração das suas singularidades e

mais treinamento para profissionais para ajudá-los a entender seus estilos de

aprendizagem. As rotinas consistentes de trabalho e as instruções visuais podem

compensar a dificuldades dos alunos autistas em relação à organização do ambiente

e seqüenciamento das atividades. As instruções visuais podem destacar seqüências

de eventos e fazer com que os alunos autistas se lembrem da ordem adequada a

seguir. A figura visual permanece atual e concreta, ajudando o aluno seguir a

seqüência desejada.

Ainda segundo Mesibov (2006), os perfis irregulares das habilidades e dos

déficits são características bem documentadas nos alunos com autismo. Um aluno

autista pode ter a habilidade extraordinária de estabelecer relações espaciais ou de

Page 25: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

entender conceitos numéricos, mas ser incapaz de usar estes pontos fortes por

causa das limitações organizacionais e de comunicação.

As teorias da aprendizagem que predominam nas tendências da educação

contemporânea são aquelas desenvolvidas por Piaget e Vygotsky. Suas idéias

contribuíram para a elaboração de metodologias que ultrapassaram a metodologia

pedagógica arraigada na repetição de conceitos, encorajando inúmeros educadores

a repensarem e inovarem sua prática pedagógica, buscando compreender a

realidade de seus alunos tanto do ponto de vista psicológico, cognitivo, afetivo, como

sócio-cultural. Isto para que, a partir daí, possam trabalhar rumo a uma educação

significativa e construtiva que possa conduzir o aluno a ser sujeito consciente de sua

autonomia social.

2.4 CLAPARÈDE

O médico e psicólogo suíço Édouard Claparède (1873-1940) defendia a

prioridade da educação sobre a instrução, pregando por uma escola na qual a

aprendizagem se dá pela resolução de problemas, onde a atividade, e não a

memorização, seria o real vetor do aprendizado. Sua obra favoreceu o

desenvolvimento de duas das mais importantes linhas educacionais do século 20, a

Escola Nova, cuja representante mais conhecida foi Maria Montessori (1870-1952),

e o cognitivismo de Jean Piaget (1896-1980).

Mas, nos traços distintivos dos universos as diversidades sensoriais nada são quando comparadas às diversidades afetivas. É que não são as impressões sensoriais, e sim antes nossas necessidades, nossos interesses, nossos sentimentos, que recortam no mundo exterior as peças com que serão construídos nossos universos. O mundo exterior não se reflete em nosso espírito como um espelho.

Page 26: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Absolutamente! As nossas próprias percepções são modificadas por nossos interesses e paixões. (CLAPARÈDE, 1920, p.311)

Com sua abordagem funcionalista, Claparède foi um dos primeiros cientistas

a chegar a uma conclusão a que outros pensadores, de diferentes escolas, também

chegaram: o que diferencia o ser humano dos outros animais é a capacidade de

transformar a natureza [e os ambientes que o cercam em geral].

O psicólogo e filósofo norte americano, William James (1842-1910) é

considerado o fundador da psicologia funcional, por ter aplicado à psicologia tanto o

ponto de vista biológico quanto o pragmático, segundo o qual o que importa é o que

é útil e eficaz na manutenção da vida, enfatizando, como Claparède, as funções

adaptativas da conduta.

Segundo Campos e Nassif (2005), na perspectiva funcionalista defendida por

Claparède, interesse e afetividade [emoções, sentimentos e desejos] têm grande

relevância e estão intimamente ligados. Para ele, o saber nada mais é que um

instrumento de adaptação, o qual deve ser adquirido através de uma necessidade.

Para ele, a inteligência também corresponde a uma necessidade, mas o interesse é

o princípio fundamental da atividade mental, que conduz as escolhas entre os

objetos externos que poderão auxiliar o indivíduo na sua adaptação.

A partir disso, surge a questão: como estimular o interesse e fazer do

trabalho, do aprendizado, algo prazeroso? Através da Educação Funcional, e

utilizando-nos do jogo, que é um recurso precioso para este fim, responde-nos

Claparède. Claparède conferia grande importância à brincadeira e ao jogo como

recursos na estratégia de despertar, no ambiente da escola, as necessidades e

interesses dos alunos.

Page 27: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

2.5 PIAGET

O biólogo Jean Piaget (1896-1980), discípulo e sucessor de Édouard

Claparède na Academia de Genebra, contribuiu de forma importante para diversas

áreas do conhecimento, tais como sociologia, antropologia e psicologia do

desenvolvimento humano. Entre outros trabalhos, explicou o percurso que conduz o

ser humano da anomia à autonomia moral, demonstrou o papel fundamental do

afeto no funcionamento da inteligência e formulou a sua famosa epistemologia

genética, que, mesmo não tendo intenção pedagógica, ofereceu aos educadores

importantes princípios para o entendimento do processo de ensino e aprendizagem

e a possibilidade de formulação de novas metodologias educacionais.

De acordo com Bello (2002), as principais características da epistemologia

genética de Piaget são: ter como ponto central a estrutura cognitiva do sujeito;

estabelecer níveis diferentes de desenvolvimento cognitivo; perceber que o

desenvolvimento pode ser facilitado pela oferta de atividades e situações

desafiadoras; entender que interação social e a troca entre indivíduos funcionam

como estímulo ao processo de aquisição de conhecimento.

No entendimento de Piaget o conhecimento não provém nem da experiência

única dos objetos nem de uma programação inata, pré-formada no sujeito, nem

resultado de condicionamentos, mas de construções sucessivas com elaborações

constantes de novas estruturas resultantes da relação do sujeito com o objeto.

Assim, a criança estabeleceria desde o nascimento uma relação de interação com o

mundo físico e social que promoverá seu desenvolvimento cognitivo, ao construir e

reconstruir suas hipóteses sobre o mundo que a cerca. Dessa forma, a inteligência

Page 28: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

também poderia ser exercitada, evoluindo "desde o nível mais primitivo da

existência, caracterizado por trocas bioquímicas, até o nível das trocas simbólicas"

(RAMOZZI-CHIAROTTINO apud CHIABAL, 1990). Para Piaget, “ensinar é inventar”.

Piaget considera que os indivíduos se desenvolvem intelectualmente a partir

de exercícios e estímulos oferecidos pelo meio que os cercam. O que vale também

dizer que a inteligência humana pode ser exercitada, buscando um aperfeiçoamento

de potencialidades. Ele demonstra que para o indivíduo adquirir um determinado

conhecimento ele deve estar preparado para recebê-lo. É necessário que ele possa

agir sobre o objeto de conhecimento de forma a inseri-lo num sistema de relações.

Um novo conhecimento só poderá acontecer se o organismo já tiver um

conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo. Ou seja, a adaptação

intelectual constitui um "equilíbrio progressivo entre um mecanismo assimilador e

uma acomodação complementar" (PIAGET, 1982).

Segundo Dolle (1974), Piaget situa o problema epistemológico, o do

conhecimento, ao nível de uma interação entre o sujeito e o objeto. E "essa dialética

resolve todos os conflitos nascidos das teorias, associacionistas, empiristas,

genéticas sem estrutura, estruturalistas sem gênese, etc. (...) e permite seguir fases

sucessivas da construção progressiva do conhecimento." (DOLLE, 1974, p.52).

Esse processo de etapas sucessivas com complexidades crescentes

encadeadas umas às outras, foi denominado por Piaget de construtivismo

seqüencial. Ele segmentou o desenvolvimento motor, verbal e mental em períodos

onde eles ocorreriam prioritariamente. Em cada período o indivíduo adquire novos

conhecimentos ou estratégias de sobrevivência, de compreensão e interpretação da

realidade. A fase pré-operatória é a fase mais relevante para o desenvolvimento da

comunicação. Vai dos dois aos sete anos de idade da criança, aproximadamente, e

Page 29: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

compreende os períodos simbólico e intuitivo. O período simbólico é o da fantasia,

do faz de conta, do jogo simbólico, onde surge a função semiótica que permitirá o

desenvolvimento da linguagem, do desenho, da imitação, da dramatização, a

criação de imagens mentais mesmo na ausência do objeto ou da ação. No período

intuitivo distingue-se a fantasia do real, já sendo possível dramatizar a fantasia sem

que nela se acredite.

Para Piaget a principal expressão da relação pensamento e linguagem na

criança, até os sete ou oito anos, é a sua fala egocêntrica, uma fala orientada para

si, que não leva em consideração os pontos de vista de outros, não por uma falta de

habilidade para tal, mas sim por uma característica própria de seu pensamento, que

não é capaz de avaliar o modo como os outros podem estar pensando o que é por

ela pensado. Esse pensamento evolui para um nível superior, a partir do

desenvolvimento biológico e de pressões sociais posteriores, que forçam a criança a

desenvolver suas estruturas mentais para uma descentração crescente, de modo

que a sua fala passa de egocêntrica para socializada, ao mesmo tempo em que seu

pensamento passa de um autismo extremo para uma lógica da razão.

Na análise de Piaget teríamos dois tipos de pensamento: o dirigido, que é

consciente, inteligente, suscetível de verdade e erro e comunicável pela linguagem;

e o pensamento autístico, subconsciente, não adaptado á realidade externa e não

comunicável pela linguagem. São formas de pensamento que diferem, antes de tudo

pela sua origem, sendo uma socializada e a outra individual e incomunicável.

Page 30: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

2.6 – VYGOTSKY

O psicólogo russo Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934) empreendeu um

estudo original e profundo do desenvolvimento intelectual do homem, cujos

resultados demonstram ser o desenvolvimento das funções psicointelectuais

superiores um processo absolutamente único. Do ponto de vista da aprendizagem,

a importância dos estudos de Vygotsky é inquestionável, pois ele critica as teorias

que separam a aprendizagem do desenvolvimento (GIUSTA, 1985).

De acordo com Duarte (1999), no Brasil encontramos diversas denominações

e classificações atribuídas ao pensamento de Vygotsky, tais como

socioconstrutivismo, sociointeracionismo, sociointeracionismo-contrutivista e

construtivismo pós-piagetiano, mas ressalta-se que nenhuma dessas denominações

estão presentes na obra de Vygotsky. Entre outros, Duarte (1999) entende que o

mais correto seja classificar sua teoria como uma quarta concepção epistemológica

denominada de Teoria Sócio-Histórica da Aprendizagem, assim como o próprio

autor e seus adeptos já o faziam.

Contrapondo-se às idéias vigentes à sua época, Vygotsky (1994) definiu a

aprendizagem como “... o processo pelo qual o indivíduo adquire informações,

habilidades, atitudes, valores, etc. a partir do seu contato com a realidade, com o

meio ambiente e com as outras pessoas”. É nas interações que o ser humano

estabelece com os outros e com o mundo que ele vai apropriando-se do real de

forma ativa num processo de internalização, isto é, “a reconstrução interna de uma

operação externa.” (VYGOTSKY, 1994:74).

Page 31: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Vygotsky percebeu que desenvolvimento e aprendizagem estão intimamente

ligados e que na evolução intelectual do indivíduo há uma interação constante e

ininterrupta entre processos internos e influências do mundo social onde cada um dá

um significado particular às suas vivências, ou seja, cada pessoa tem seu próprio

jeito de aprender o mundo.

Assim, a aprendizagem não seria uma mera aquisição de informações, não

acontecia a partir de uma simples associação de idéias armazenadas na memória

como pressupunha o empirismo, mas de um processo interno, ativo e interpessoal.

O desenvolvimento do indivíduo seria resultado de um processo sócio-histórico,

enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento.

“Deve surgir um problema que não possa ser solucionado a não ser que pela

formação de um novo conceito (VYGOTSKY, 1962, p.55).

Além disso, o desenvolvimento não dependeria apenas da maturação, como

acreditavam os inatistas. Por exemplo, apesar de ter condições maturacionais para

falar, Vygotsky diz que uma criança só falará se participar ao longo de sua vida do

processo cultural de um grupo, se tiver contato com uma comunidade de falantes.

Vygotsky (1998) conclui que as habilidades cognitivas humanas não são

diretamente heranças biológicas, mas produto de uma variedade de processos

históricos e ontogenéticos e o desenvolvimento do homem surge a partir da

combinação de duas linhas de desenvolvimento: a natural [biológica e de maturação]

e a cultural formando uma linha sócio-biológica de desenvolvimento.

Para Vygotsky (1998), somente as informações que façam sentido para os

alunos serão assimiladas por eles. Também preconiza que a evolução intelectual do

homem é caracterizada por saltos qualitativos de um nível de conhecimento para

outro. Para melhor explicar esse processo, ele desenvolveu o conceito de Zona de

Page 32: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Desenvolvimento Proximal - ZPD, que representaria a distância entre o nível de

desenvolvimento real de um aluno, ou seja, um saber que ele já adquiriu e um nível

potencial, mais elevado, que ele pode alcançar com a mediação do professor e

colegas que já dominem o assunto.

Ressalta-se que Vygotsky não nega a existência de diferenças entre os

indivíduos, que uns estejam mais predispostos a algumas atividades do que outros

em razão de fatores físicos ou genéticos. Contudo, não entende que essa diferença

seja determinante para a aprendizagem.

Vygotsky (1987) destaca que o pensamento humano é constituído pela

linguagem [seja verbal, simbólica ou gestual], pois é a partir do momento em que ela

surge no curso do desenvolvimento que o pensamento torna-se expressivo e a fala

racional, estabelecendo uma estreita relação entre pensamento, linguagem e ação.

Assim, além da função comunicativa, a linguagem é fundamental na transição do

interpessoal para o intramental; na constituição do pensamento e da consciência; na

organização e planejamento da ação; na regulação do comportamento e, em todas

as demais funções psíquicas superiores do sujeito [memória, atenção, vontade].

Piaget e Vygotsky apresentaram visões diferentes sobre a seqüência dos

processos de aprendizagem e desenvolvimento mental. Para Vygotsky, "o

aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe

em movimento vários processos de desenvolvimento", enquanto Piaget, ao

contrário, defende que é o desenvolvimento progressivo das estruturas intelectuais

que nos torna capazes de aprender.

Eles também divergem quanto à importância do papel do professor. Piaget

delega ao professor o papel de facilitador para que o aluno produza suas próprias

descobertas e interpretações, representando a troca do modelo de repasse da

Page 33: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

informação pelo de formação do aluno. Vygotsky defende que o docente tem papel

explícito de contribuir para a transmissão do conhecimento acumulado

historicamente pela humanidade para o aluno. Ao professor também cabe mediar a

relação do aluno com o conhecimento de forma a provocar avanços na sua

aprendizagem, intervindo e criando novas zonas de desenvolvimento proximal,

caracterizando os processos pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o

objeto dessa intervenção a construção de conceitos.

Apesar das divergências conceituais entre as diversas correntes e

pensadores, o fato que parece mais significativo é a percepção da necessidade da

ação do indivíduo. Como escreveu Becker (1993), é possível aproximar autores

como Piaget, Vygotsky, Paulo Freire, Freud, Wallon, Luria, Baktin e Freinet, uma vez

que todos eles colocam a ação do sujeito na essência do processo de

aprendizagem.

2.7 PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL E ABA

A psicologia é a ciência que estuda e explica o comportamento humano.

Existem quatro abordagens, escolas ou conceituações básicas para este estudo. A

abordagem psicanalítica [Freud, M. Klein, H. Sullivan, Lacan] entende o

comportamento humano como resultante de um processo de motivação

inconsciente. Os gestaltistas clássicos [Koffka, Koehler, Wertheimer] entendem o

comportamento como um processo perceptivo. Para os funcionalistas [Piaget, W.

James, Dilthey], o comportamento seria sinônimo de adaptação, a expressão da

Page 34: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

interação entre organismo e meio. Para os behavioristas [Watson, C. Hull, Skinner]

o comportamento é resultante do condicionamento de reflexos inatos.

A educação se apropria e se beneficia de conceitos originados por correntes

psicológicas distintas. Técnicas do behaviorismo, ou psicologia comportamental,

têm sido introduzidas no processo educativo gerando resultados positivos,

principalmente em crianças com déficits cognitivos.

O behaviorismo pretende o controle do comportamento humano por meio do

padrão de estímulo-resposta. Concentra-se na análise objetiva do comportamento

observável e mensurável em oposição, por exemplo, à abordagem psicanalítica, que

assume que muito do nosso comportamento se deve a processos inconscientes.

Descarta, assim, conceitos e categorias centrais para outras correntes teóricas, como consciência, vontade, inteligência, emoção e memória — os estados mentais ou subjetivos. Os adeptos do behaviorismo costumam se interessar pelo processo de aprendizado como um agente de mudança do comportamento. (FERRARI, 2004)

O médico russo Ivan Pavlov (1849-1936) foi o primeiro cientista a trabalhar na

área psicológica sem utilizar referências a estados subjetivos como instrumento

teórico. Motivado por experiências realizadas com cães, criou a teoria dos reflexos

condicionados. Porém, coube ao psicólogo norte-americano John B. Watson (1878-

1958) formular as exigências metodológicas que nortearam o behaviorismo como

escola.

O mais célebre divulgador do behaviorismo foi o psicólogo norte-americano

Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Em seu livro “The Behavior of Organisms” [O

Comportamento dos Organismos], lançado em 1938, Skinner descreve alguns

pontos essenciais para compreensão do seu pensamento, especialmente o conceito

de Condicionamento Operante. Enquanto no reflexo condicionado de Pavlov há

uma reação, uma resposta, a um estímulo externo, no condicionamento operante um

Page 35: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

mecanismo premia uma determinada ação de um indivíduo provocando a

associação da necessidade à ação, modelando, dessa forma, um novo

comportamento.

Skinner (1938) afirma que todos nós aprendemos através de associações e

nosso comportamento é “modificado” através das conseqüências. O instrumento

fundamental dessa modelagem é o reforço, ou seja, a conseqüência de uma ação

quando percebida por quem a pratica. O reforço pode ser positivo [uma recompensa]

ou negativo [ação que evita uma conseqüência indesejada]. Segundo ele, um

comportamento que é positivamente reforçado vai acontecer novamente e que

reforços vão generalizar, lado a lado, estímulos similares produzindo

condicionamento secundário.

No livro “O Comportamento Verbal” publicado no final dos anos 1950, Skinner

descreveu a aquisição de linguagem como outro tipo de comportamento humano

que também seria influenciado diretamente por reforçadores. Nesse caso, os

reforçadores estariam representados tanto pelo sorriso e o abraço da mãe, para os

bebês, quanto pelo aparecimento do próprio objeto concreto.

A educação foi uma das preocupações centrais de Skinner, tendo se

dedicado a estudos sobre aprendizagem e linguagem. Para ele a educação deveria

ser planejada passo a passo, visando "modelar" o aluno através do uso de reforços

positivos, sendo, em princípio, contrário a punições e esquemas repressivos.

Os conceitos de behavioristas são utilizados atualmente para mudar ou

modificar comportamentos e ajudar na aprendizagem. Análise do Comportamento

Aplicada [Applied Behavior Analysis – ABA] é um termo advindo do campo científico

do behaviorismo, que observa, analisa e explica a associação entre o ambiente, o

comportamento humano e a aprendizagem. Uma vez que um comportamento é

Page 36: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

analisado, um plano de ação pode ser elaborado visando modificar aquele

comportamento. ABA pode ser usada para tratar muitas questões diferentes e cobrir

muitos tipos diferentes de intervenções.

Segundo a BCBA [Board Certified Behavior Analysts] Green,

Desde o início dos anos 1960 centenas de pesquisadores têm documentado a eficácia da abordagem da ABA ajudando a construir repertórios sociais funcionais e reduzindo problemas comportamentais de pessoas com autismo e desordens relacionadas de todas as idades... A visão do comportamento analítico é que o autismo é uma síndrome com base neurológica que apresenta déficits e excessos no comportamento, mas que são passíveis de mudanças em resposta a específicas interações construtivas com o ambiente, programadas cuidadosamente. (GREEN, 1996, p.1)

Ainda segundo Green (1996), ABA se baseia em mais que 50 anos de

pesquisas científicas e está sempre em evolução, incorporando novas evidências na

medida em que elas vão surgindo. Os autênticos programas de ABA para

estudantes com autismo podem combinar muitos métodos validados por pesquisas

científicas do comportamento em um pacote compreensivo, mas altamente

individualizado. A seleção das metas do tratamento para cada indivíduo é guiada

por testes de avaliação, definição de seqüência e por um currículo que relaciona

habilidades em todos os domínios [aprender a aprender, comunicação, social,

acadêmico, auto-cuidado, motor, jogos e lazer, etc.].

Uma relevante metodologia de ensino usada pela ABA é o Ensino por

Tentativas Discretas [Discrete Trial Teaching – DTT], caracterizada por dividir

seqüências complicadas da aprendizagem em passos muito pequenos ou “discretos”

[separados], que são ensinados um de cada vez durante uma série de “tentativas”

[trials], utilizando reforçadores positivos e a ajuda que for necessária para que o

objetivo seja alcançado.

De acordo com a The National Autistic Society da Grã-Bretanha, o psicólogo

clínico norueguês Ole Ivar Lovaas é considerado um dos pioneiros do emprego de

Page 37: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

ABA com crianças autistas e o primeiro a apresentar estudos científicos, publicados

em 1987, de que crianças autistas poderiam ter o comportamento modificado. Esse

estudo reportou que 47% de um grupo de crianças autistas que receberam de 30 a

40 horas semanais de terapia intensiva por cerca de 3 anos, foram inseridas em

classes comuns de ensino e classificadas como indistinguíveis dos demais alunos.

A terapia eram realizadas nas próprias casas das crianças com a ajuda de parentes

e o acompanhamento direto de Lovaas e sua equipe.

A técnica de Lovaas refere-se a uma terapia intensiva e personalizada que

visa potencializar o desenvolvimento de múltiplas habilidades, tais como as

interações sociais, comunicação, imitação e cooperação, utilizando-se do conceito

de condicionamento operante com reforçadores positivos, DTT e promovendo

Interações Positivas [técnica de aproximação que consiste em tornar o

relacionamento atraente e prazeroso para todos], no caso, através do uso de temas

de interesse do indivíduo autista.

Lovaas ganhou notoriedade e fomentou o uso de terapias intensivas iniciadas

precocemente com autistas, apesar de polêmicas sobre o eventual uso de

reforçadores negativos no seu trabalho. Ele apregoa que o desenvolvimento

responsável de habilidades em indivíduos com deficiências fornecem condições para

que eles adquiram dignidade e o domínio de regras básicas da sociedade e que “as

leis da aprendizagem aplicam-se aos indivíduos com estrutura orgânica anormal da

mesma forma que nos indivíduos com estruturas normais (LOVAAS, 2003).

O sítio do Lovaas Institute na internet diz que “se uma criança não pode

aprender da forma que nós a ensinamos, nós devemos ensinar de uma forma que

elas possam aprender”. Mas Lovaas (2003) não exime a responsabilidade das

crianças sobre os resultados obtidos: “Promover o desenvolvimento de pessoas com

Page 38: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

deficiências é um trabalho particularmente pesado. O trabalho delas é aprender e o

seu é ensinar. A responsabilidade é compartilhada.” (LOVAAS, 2003)

Outra técnica advinda das práticas terapêuticas comportamentais e cognitivo-

comportamentais é o Encadeamento de Trás para Frente. Segundo Hübner (2004),

trata-se de um conjunto de procedimentos que envolvem ensinar uma determinada

seqüência de respostas ou ações a partir do último passo até se chegar ao primeiro,

formando uma cadeia de respostas interligadas. O encadeamento de trás para frente

pressupõe a aplicação do princípio do reforçamento condicionado, onde cada

resposta serve como estímulo discriminativo para o próximo passo. Ferster,

Nurnberger e Levitt (1962) são considerados autores de referência na introdução do

conceito de cadeia comportamental. Ainda segundo Hübner (2004), esse

procedimento em sido extensivamente aplicado em treinos de habilidades da vida

diária em crianças com ou sem retardo mental.

Outro recurso que utiliza princípios de base comportamentalista é o PECS -

Sistema de Comunicação por Troca de Figuras. Trata-se de “um sistema de

comunicação aumentativa desenvolvido para ajudar pessoas a rapidamente adquirir

a comunicação funcional” (BONDY, FROST, 1994), sendo indicado para beneficiar a

comunicação em indivíduos que não falam ou que tenham algum tipo de limitação

para falar. Pode representar um importante instrumento de incentivo à comunicação

por pessoas com autismo.

Page 39: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

2.8 ERGONOMIA DE SOFTWARE

Simplificadamente, softwares educativos são programas de computadores

criados para mediar o relacionamento entre pessoas e computadores de forma a

promover e incentivar a aprendizagem. Por definição, espera-se que todo software

educativo seja motivador para o aluno, englobe recursos de acessibilidade, seja

adequado aos objetivos pedagógicos e às necessidades individuais de cada aluno,

representando uma ferramenta para seu desenvolvimento, reforço ou construção de

conhecimento e de novas habilidades.

De uma forma geral, todo software dispõe de uma interface, constituída, na

grande maioria dos casos, pelas representações gráficas e textuais apresentadas na

tela do computador muitas vezes complementadas por sons, animações e vídeos,

de maneira a delimitar o ambiente onde as atividades serão desenvolvidas. Ao

software também cabe definir a forma como ele se relacionará com os demais

dispositivos desse ambiente, tais como mouses e teclado.

Coutaz (1990) define uma interface como um dispositivo que serve de limite

comum a duas entidades comunicantes que se exprimem numa linguagem

específica [sinal elétrico, movimento, língua natural]. Além de assegurar a conexão

física, o dispositivo deve permitir a tradução de uma linguagem para outra. No caso

da interface homem-computador trata-se de fazer a conexão entre a imagem externa

do sistema e o sistema sensório-motor do homem. A fabricação da interface

pressupõe, portanto, o conhecimento preciso de cada uma das entidades a

conectar. A complexidade do sujeito homem torna esta uma tarefa difícil,

principalmente se esse sujeito não estiver orientado para os padrões convencionais,

como as pessoas com autismo.

Page 40: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

A International Ergonomics Association – IEA – define a Ergonomia

[ergon=trabalho e nomos=leis] como a disciplina científica preocupada com o

entendimento das interações entre seres humanos e outros elementos de um

sistema e a profissão que aplica teorias, princípios, dados e métodos para projetar

de modo a otimizar o bem-estar humano e a performance geral do sistema.

Ergonomistas colaboram para o projeto e para a avaliação de tarefas, trabalhos,

produtos, ambientes e sistemas de maneira a torná-los compatíveis com as

necessidades, habilidades e limitações das pessoas.

Segundo Santos (2006), dentro da disciplina da ergonomia existem domínios

de especialização, onde podemos salientar a ergonomia física, que se refere às

características humanas anatômicas, antropométricas, fisiológicas e biomecânicas, e

como estas se relacionam com a atividade física; e a ergonomia cognitiva, que se

relaciona com processos mentais, tais como percepção, memória, raciocínio e

respostas motoras.

Santos Lima (2003) afirma que utilizando a abordagem ergonômica a

interface se adapta à arquitetura cognitiva do usuário, sendo necessário uma análise

cognitiva para adequar ou projetar uma interface do software ao homem.

A ergonomia de software busca melhorar a capacidade de utilização

[usabilidade] do software por usuários de diferentes características, representando

“a adaptação do sistema informatizado à inteligência humana” (WISNER, 1987 apud

MORAES, 2006). Já a ergonomia cognitiva tem sua fundamentação teórica na

ciência cognitiva que é, segundo Peter (2001 apud NOGUEIRA, 2003, p.10), “o

estudo de como o conhecimento é adquirido, representado na memória e utilizado

na resolução de problemas”.

Page 41: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Diversos autores incluem em suas recomendações para projeto de sistemas e

de interfaces a preocupação com o usuário como requisito inicial para o

desenvolvimento. Meister e Enderwick (2002) afirmam que a tecnologia não existe

isoladamente. Há o usuário que é influenciado por ela e que também a influencia

em um ciclo interativo de uso. As regras de ouro, propostas por Shneiderman

(1998), por exemplo, incluem recomendações para que se projete o sistema de

forma a permitir ao usuário assumir o controle e ser um iniciador das ações, ao invés

de simplesmente responder aos estímulos da máquina.

A partir desse pensamento defende-se que qualquer sistema deva ser

projetado a partir do ponto de vista do operador, Deve-se ter em mente, ainda, que

esse operador humano trará para o sistema uma série de atributos particulares,

como fraquezas, qualidades, experiências, expectativas e motivações, que devem

ser considerados pela ergonomia.

O computador não é uma ferramenta comum: “em razão do seu potencial

funcional, ele pode ser visto, não como uma simples ferramenta e sim como um

colaborador” (Coutaz, 1990:2). Uma ferramenta é um instrumento sem poder

decisório, ela é concebida para ser manipulada. O colaborador, ao contrário,

participa ativamente da realização do trabalho comum, a sua eficácia depende muito

do conhecimento que ele tenha das estratégias do seu parceiro. Essa afirmação de

Coutaz, confere um certo nível de antropomorfização ao computador, pois o eleva

ao nível de um parceiro na realização da tarefa.

“Nessas condições, aquele que concebe um sistema interativo deve elaborar

uma descrição o mais precisa possível do problema e dos processos cognitivos do

usuário” (Coutaz, 1990:3), para em seguida concretizar o mais fielmente possível

esta representação no software. Dessa forma, o programa pode ser considerado

Page 42: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

como a extensão eletrônica das faculdades cognitivas do usuário, da mesma forma

que uma ferramenta é uma extensão mecânica das suas faculdades muscular e

sensória motrizes.

Na visão de Norman (1990) o foco do projeto de interfaces deve se desviar da

interface para a tarefa que o usuário quer desempenhar, a interface deve ser

centrada no usuário e nas suas metas e objetivos. Na verdade, um bom projeto de

interfaces exige aportes de múltiplas áreas de conhecimento, “não é mais província

exclusiva dos analistas, artistas gráficos, pesquisadores em inteligência artificial, ou

mesmo dos aficionados em multimídia” (LAUREL, 1990, p.364).

Para análise de softwares para uso por pessoas com autismo não devemos

desconsiderar as possíveis restrições, de diversas naturezas, que essas pessoas

precisam enfrentar, seja no manuseio do equipamento, no entendimento dos

objetivos propostos ou mesmo no trato social e comunicativo com os professores ou

orientadores, que muitas vezes exigirão abordagens especiais.

Segundo Goldsmith e LeBlanc (2004) entre as intervenções para crianças

com autismo baseadas em tecnologias as intervenções baseadas em computador

apresentam a maior quantidade de estudos. Computadores estão sendo utilizados

para ensinar uma grande variedade de habilidades, incluindo como reconhecer e

predizer emoções (Silver & Oakes, 2001), solução de problemas (Bernhard-Opitz,

Sriram, & Nakhoda-Sapuan, 2001), aumento de vocabulário (Moore & Calvert, 2000;

Bosseler & Massaro, 2003), sistemas avançados para geração de fala (Kinney,

Vedora, & Stromer, 2003), aumento da imitação vocal (Bernhard-Opitz, Sriram, &

Sapuan, 1999), e para ampliação das habilidades de leitura e comunicação

(Heimann, Nelson, Tjus, & Gillberg, 1995). Estudos para aplicação de sistemas de

realidade virtual, que oferece a oportunidade de realizar experiências em três

Page 43: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

dimensões em um ambiente seguro, vêm sendo realizado com crianças autistas de

forma promissora.

Embora os resultados destes estudos variem em termos dos ganhos

proporcionados às crianças com autismo, no geral os resultados são bastante

favoráveis. Mas a questão fundamental é saber se o ensino baseado em

computador é mais vantajoso do que o trabalho correspondente sem uso de

tecnologia. Diversos estudos comparativos, como os realizados por Chen & Bernard-

Opitz, (1993), Moore & Calvert (2000), Williams, Wright, Callaghan, and Coughlan

(2002), indicam que o uso do computador em favor da aprendizagem normalmente

resulta em aumento da motivação, diminuição do comportamento inadequado, maior

atenção e, por vezes, aumento da aprendizagem quando comparado com os

métodos tradicionais.

Ainda segundo Goldsmith e LeBlanc (2004), de acordo com dados de 48

estudos para concepção de modelos para tratamentos alternativos, crianças com

deficiências, inclusive os autistas, demonstraram mais engajamento e efetividade

quando utilizando programas que fazem uso intensivo da interação, animação, som

e vozes.

Em adição ao que já foi mencionado, intervenções baseadas em computador

apresentam outros benefícios dignos de notas. Primeiro, os programas permitem

controle ilimitado de apresentação de estímulos, propiciando aos médicos, parentes

e educadores representarem incansáveis tentativas de aprendizagem em um

formato idêntico ou sistematicamente variado.

Além disso, reforçadores podem ser emitidos imediatamente após as

respostas e os programas ajustados para as necessidades ou dificuldades dos

alunos, graduando níveis de dificuldades em pequenos passos. Mais que isso,

Page 44: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

embora geralmente utilizado por uma única pessoa, os programas de computadores

podem permitir seu uso concomitante por mais de uma pessoa [com dois joysticks,

por exemplo], servindo para utilização de forma "cooperativa", suavizando

preocupações sobre um eventual incentivo ao isolamento e diminuição da interação

interpessoal pelo uso de computadores.

Page 45: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

3 METODOLOGIA

3.1 DESCRIÇÃO

Esta investigação referiu-se a uma pesquisa qualitativa e tinha como objetivos

avaliar alguns dos softwares mais utilizados nas escolas e associações de pais e

amigos de autistas, verificando a aderência desses softwares a conceitos

associados ao desenvolvimento de pessoas autistas, compreendendo:

a) Investigar trabalhos de terceiros referentes ao uso de tecnologia com

pessoas autistas.

b) Averiguar se as características individuais e as limitações relativas ao

transtorno autístico impedem que softwares concebidos para desenvolver

habilidades em crianças com desenvolvimento típico produzam ganhos

significativos em crianças autistas.

c) Conhecer a percepção de educadores que trabalham com autistas sobre a

validade do uso de software.

Conjugando pedagogia, psicologia e informática como instrumento

tecnológico a serviço da aprendizagem, esta investigação pretendia considerar:

1. Postulados sobre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo,

particularmente aqueles estabelecidos por Vygotsky e Piaget;

2. Pesquisas e trabalhos relevantes referentes a autismo e educação, como

os de Theo Peteers, Baron-Cohen e Gina Green.

3. Técnicas de motivação comportamentalista da Análise do Comportamento

Aplicada, destacando os trabalhos de Skinner (1938 e 1958) sobre

Page 46: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

condicionamento e de Ivar Lovaas (1987) sobre Intervenção Comportamental

Intensiva Precoce;

4. Conceitos da Teoria da Mente, que prediz uma especial dificuldade da

pessoa autista em construir meta-representações e imaginar os estados

mentais dos outros e de si mesmo.

5. A importância da mesclagem de ciências para definição da ergonomia de

softwares educativos, principalmente aqueles destinados a pessoas autistas.

A base desta investigação consistia em uma ampla revisão bibliográfica que

constituiria o referencial teórico para subsidiar as conclusões e de uma pesquisa

qualitativa realizada com pais de autistas, diretores e professores de escolas e

instituições relacionadas com autismo.

Como sujeitos da pesquisa, participaram diretamente seis alunos de duas

instituições, sendo três alunos de cada instituição, ambas da cidade de São Paulo.

Os alunos selecionados constituem um grupo de jovens com idade a partir de 8 anos

que apresentam significativos atrasos no desenvolvimento e que não foram

beneficiados por nenhum tipo de intervenção intensiva precoce. Esse grupo

representa uma parcela dos autistas que, muitas vezes, são preteridos em

associações e escolas por terem idade um pouco avançada e serem de difícil trato e

convívio, mas que nos interessa pelos mesmos motivos.

A primeira instituição que participou deste trabalho é uma escola particular

formal que atua desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e que já vem

introduzindo alunos com necessidades pedagógicas diferenciadas nas turmas

convencionais há 30 anos. Duas diretoras dessa escola também colaboraram com a

pesquisa.

A segunda instituição é uma associação não formal de pais de crianças e

jovens autistas que se propõe a realizar terapias e promover a difusão do

Page 47: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

conhecimento de novas posibilidades de tratamento, visando beneficiar o

desenvolvimento cognitivo e melhorar a qualidade de vida de crianças autistas com

comprometimentos moderados a severos. Não houve a participação de diretores da

associação de pais, uma vez que ela não dispõe de uma estrutura formal.

Ambas as instituições de ensino pesquisadas informaram que praticam

abordagens pedagógicas inclusivas, utilizando computadores com o intuito de

desenvolver o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a fala, a escrita,

respeitando a capacidade de cada criança, visando ajudar suas crianças a

superarem algumas dificuldades e aumentarem suas habilidades.

Participaram, ainda, um parente de cada um dos 6 alunos e 9 pessoas que

preencheram adequadamente o QAS que foi disponibilizado na internet,

compreendendo 1 professor, 5 parentes, 1 psicopedagogo e 2 não classificados.

Utilizamos como instrumentos para coleta de dados um Questionário para

Avaliação Inicial para ser preenchido pelos parentes que acompanham os alunos -

[QAIP – Anexo 1], um Questionário de Avaliação Inicial com Profissionais do

trabalho educacional com autismo [QAIE – Anexo 2], um Questionário de Avaliação

de Software [QAS – Anexo 3] para ser preenchido por parentes, educadores,

psicólogos e cuidadores e seu similar oferecido na internet, o Questionário para

Avaliação de Softwares – Internet [QASI – Anexo 4].

Para compreender o perfil psicológico e o nível de desenvolvimento dos seis

alunos sujeitos da pesquisa, utilizamos avaliações psicológicas que foram realizadas

pela Dra. Micheline Silva, psicóloga com pós-doutorado realizado nos EUA onde

trabalhou por três anos com uma técnica de intervenção derivada do ABA chamada

Page 48: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Early Intensive Behavioral Intervention (EIBI). Um resumo dessas avaliações pode

ser visto no Anexo 5.

Os instrumentos utilizados pela Dra. Micheline para as avaliações foram

assim descritos e caracterizados por ela:

1) Escala Internacional de Performance Leiter – Revisado [Leiter International Performance Scale – Revised, Leiter-R]

a. Bateria de Visualização e Raciocínio [Visualization and Reasoning Battery]

2) Perfil Desenvolvimental – II [Developmental Profile – II, DP-II]

3) Escalas de Comportamento Independente – Revisado [Scales of Independent

Behavior – Revised, SIB-R] a. Escala Completa [Full Scale]

O Leiter-R é um instrumento de avaliação desenvolvido nos EUA, que tem como objetivo estimar o nível de funcionamento cognitivo não-verbal de crianças e adolescentes com idades variando entre 2 e 20 anos. Tal instrumento é constituído por duas baterias de testes: Bateria de Visualização e Raciocínio e Bateria de Atenção e Memória. Durante as presentes avaliações, foi utilizada apenas a Bateria de Visualização e Raciocínio, a qual fornece uma estimativa do nível geral de funcionamento intelectual não-verbal da criança/adolescente. O funcionamento intelectual não-verbal de um indivíduo envolve habilidades como raciocínio não-verbal fluido, visualização espacial e bidimensional, e processamento de informações visuais básicas. Estas habilidades não requerem qualquer capacidade do indivíduo de processar estímulos considerados “verbais”, como palavras e/ou números falados e/ou escritos. O Leiter-R foi escolhido para as presentes avaliações porque ele foi elaborado especificamente para fornecer informações sobre o nível de funcionamento cognitivo em crianças/adolescentes que possuem déficits verbais, e que, por isto, apresentam dificuldade em compreender instruções verbais e de fornecer respostas que envolvam habilidades cognitivas verbais (diferentemente da maioria dos instrumentos de avaliação de habilidades intelectuais). No Leiter-R, todas as instruções são oferecidas de forma não-verbal (através de uso de mímicas, gestos, figuras e outros estímulos visuais não-verbais) e as respostas também não requerem qualquer uso de habilidades verbais por parte da criança/adolescente. A visualização espacial está relacionada à capacidade de processar informações visuo-espaciais complexas, como identificar elementos que faltam em seqüências, rotacionar, montar e desmontar mentalmente figuras tridimensionais. Raciocínio fluido está relacionado à capacidade de resolver problemas novos que não dependam de aprendizagem escolar prévia, perceber/reconhecer padrões de seriação ou seqüência de estímulos, bem como dedução ou indução de conclusões sobre o todo a partir das partes. Outras habilidades cognitivas não-verbais estimadas durante a avaliação podem incluir por exemplo, a capacidade de perceber e discriminar detalhes de estímulos visuais para pareá-los de acordo com suas características; de reconhecer um dado estímulo mesmo com a interferência de estímulos de fundo (reconhecimento da figura sob um fundo); de organizar mentalmente pedaços fragmentados de uma figura para formar um todo; e de classificar estímulos por similaridade (formação de conceitos). O Perfil Desenvolvimental-II (Developmental Profile-II, DP-II) e as Escalas de Comportamento Independente – Revisado (Scales of Independent Behavior – Revised, SIB-R), também desenvolvidos nos EUA, foram traduzidos pela avaliadora do inglês para o português para serem utilizados nestas avaliações. O desenvolvimento e funcionamento adaptativo de um indivíduo se referem a habilidades essenciais para a sobrevivência e funcionamento independente deste indivíduo em atividades comuns do dia-a-dia, incluindo, por exemplo, habilidades físicas/motoras, de auto-ajuda ou auto-cuidado, sociais,

Page 49: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

lingüísticas e comunicativas, domésticas, e vocacionais. Funcionamento mal-adaptativo de um indivíduo se refere a comportamentos considerados problemáticos e que interferem no desenvolvimento, aprendizagem, e funcionamento geral deste indivíduo, como, por exemplo, comportamentos agressivos, de automutilação, destrutivos, disruptivos ou perturbadores, etc. O Perfil Desenvolvimental-II (Developmental Profile-II, DP-II) é um instrumento de avaliação que fornece estimativas do funcionamento de crianças, da infância aos 9 anos e meio de idade, em cinco áreas do desenvolvimento: físico, auto-ajuda, social, acadêmico e comunicativo. Tal instrumento é baseado nas respostas de pais ou pessoas familiares à criança a um número de perguntas relativas a cada área do desenvolvimento. As Escalas de Comportamento Independente – Revisado (Scales of Independent Behavior – Revised, SIB-R) são instrumentos de avaliação que fornecem estimativas do funcionamento adaptativo e mal-adaptativo de indivíduos da infância à idade adulta. A Escala Completa de do SIB-R é baseada nas respostas de pais ou pessoas familiares ao indivíduo a um número de perguntas relativas a 14 áreas diferentes de funcionamento adaptativo e 8 áreas diferentes de funcionamento mal-adaptativo.

Segundo os relatórios da Dra. Micheline, as avaliações psicológicas revelam,

entre outras coisas:

1) O funcionamento intelectual não-verbal dos indivíduos, representado por

habilidades como raciocínio não-verbal fluido, visualização espacial e

bidimensional, e o processamento de informações visuais básicas. Vale dizer

que foram utilizados instrumentos de avaliação especificamente designados

para crianças e adolescentes que possuem déficits verbais.

2) O desenvolvimento e funcionamento adaptativo dos indivíduos, representado

pelas habilidades essenciais para a sobrevivência e funcionamento

independente em atividades comuns do dia-a-dia, incluindo, por exemplo,

habilidades físicas/motoras, de auto-ajuda ou autocuidado, sociais,

linguísticas e comunicativas, domésticas, e vocacionais.

3) O funcionamento mal-adaptativo dos indivíduos, representado pelos

comportamentos considerados problemáticos e que interferem no

desenvolvimento, aprendizagem, e funcionamento geral do indivíduo, como,

por exemplo, comportamentos agressivos, de automutilação, destrutivos,

disruptivos ou pertubadores, etc.

Sobre as avaliações, é importante destacar que:

Page 50: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

a) Não foram identificados instrumentos para estimar habilidades cognitivas

não-verbais e de funcionamento adaptativo/mal-adaptativo normatizados

para a população brasileira, levando a psicóloga a utilizar instrumentos

normatizados para a população norte-americana. Deste modo, os

resultados das avaliações não podem ser considerados tecnicamente

válidos, devendo ser interpretados com precaução e cuidado.

Ainda assim, pareceram constituir uma rica fonte de informações sobre o

nível geral do funcionamento e desenvolvimento dos alunos, permitindo

sugerir as áreas nas quais eles apresentam habilidades ou dificuldades e

podendo ser usado como uma diretriz para o planejamento de objetivos

educacionais e desenvolvimentais específicos, ajudando na escolha e

elaboração de programas de ensino que atendam adequadamente as

suas necessidades particulares.

b) Aparentemente, nenhuma das seis crianças que participaram da pesquisa

já havia feito antes uma avaliação psicológica que fornecesse informações

sobre o seu nível de funcionamento em área críticas do seu

desenvolvimento.

O referencial teórico se deu através de pesquisa bibliográfica a publicações

de autores das áreas de pedagogia, psicologia e engenharia de software e nos

auxiliou a delinear o estágio atual, tendências e algumas características necessárias

ou, pelo menos, desejáveis nos softwares orientados para uso por pessoas com

autismo.

À luz das avaliações psicológicas, os dados coletados nas entrevistas e nos

questionários foram confrontados com as informações obtidas quando do

aprofundamento do referencial teórico.

Page 51: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

3.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Recebemos um total de 58 QAS e QASI, sendo que 49 estavam preenchidos

corretamente e foram considerados na pesquisa, representando 84,5% do total da

amostra. Outros 9 QASI, 15,5% da amostra, não foram considerados por falta de

identificação do produto avaliado e outros erros de preenchimento. A tabela 1

relaciona os softwares e recursos que foram citados.

Dos 23 softwares relacionados, a família Dally Doo foi a mais representativa,

com 17 citações [34,7%], seguida pela linha do Coelho Sabido, com 8 citações

[16,3%]. No entanto, os softwares que obtiveram melhores avaliações foram o Dr.

Seuss, Livros Virtuais no PowerPoint e o Teclado Comfy, respectivamente. O

software Minha Lista de Palavras foi o que apresentou avaliação mais singela.

Considerando a amostra pesquisada, os questionários indicaram que a

utilização de softwares com jovens autistas ainda parece ser incipiente e, até onde

pudemos descobrir, os benefícios advindos da utilização desses softwares não

foram validados cientificamente.

TABELA 1 Softwares citados no Questionário de Avaliação de Softwares

Fornecedor / Fabricante Software Citações

Divertire

Coelho Sabido Maternal 5 Coelho Sabido Jardim 1

Coelho Sabido Pré-Escolar 1 Coelho Sabido 1ª Série 1

Positivo Informática

Disney Maternal 2 Disney Jardim 2

Disney Pré 2 Disney 1ª Série 1 Teclado Comfy 2

CD Express Editora Dally Doo Formas 6

Dally Doo Números 4

Page 52: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Dally Doo Cores 3 Dally Doo Animais 2 Dally Doo Alfabeto 2

Anasoft

100 Mistérios 3 101 Exercícios 3 102 Atividades 2

103 Descobertas 1 RCT Software Minha Lista de Palavras 2

The Learning Company Dr. Seuss 1 Núcleo de Computação Eletrônica - UFRJ DosVox 1

Livros virtuais no PowerPoint 1 Joguinhos diversos 1

A grande maioria dos softwares listados, representando 93,9% da amostra,

parece voltada para o entretenimento e o desenvolvimento de habilidades

acadêmicas e cognitivas básicas, auxiliando, também, o exercício da coordenação

motora. Incluem-se nessa categoria os softwares da série Coelho Sabido, Dally

Doo, Disney e Dr. Seuss, assim como aqueles produzidos pela Anasoft e RCT.

Trata-se de softwares com interfaces gráficas atraentes e bem acabadas, que

encorajam a participação das crianças através de ambientes lúdicos, como

personagens infantis, músicas e animações. Essas estratégias para abordagem dos

alunos nos remetem aos conceitos de Claparède e às técnicas comportamentalista

por trabalhar na indução de comportamentos ao levar a criança a dar respostas

esperadas em função de estímulos fornecidos.

Aparentemente, esses softwares foram projetados para utilização por crianças

com desenvolvimento típico, sem compromentimentos físicos, intelectuais,

sensoriais ou múltiplos, uma vez que não adotam estratégias diferenciadas que

pudessem favorecer o pleno desenvolvimento das potencialidades das crianças,

nem consideram suas necessidades, interesses e características individuais.

Todas as 8 pessoas que preencheram os questionários de avaliação incial

[QAIP e QAIE], 6 parentes das crianças com autismo e 2 diretores da escola,

informaram desconhecer a existência de qualquer software destinado

Page 53: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

especificamente para pessoas com necessidades especiais no Brasil. O mesmo

desconhecimento se extende para outros recursos de alta tecnologia, como, por

exemplo, dispositivos portáteis para sintetização de voz usados para substituir ou

complementar a fala de pessoas com comprometimento motor, psicológico ou

cerebral.

Os outros 3 softwares citados, o Dosvox, o Teclado Comfy e os Livros Virtuais

no PowerPoint, no entanto, apresentam abordagens diferenciadas que podem

proporcionar ganhos adicionais, diretos ou indiretos, para aplicação na educação.

O Dosvox é um software concebido para que pessoas com deficiência visual

possam utilizar o computador. Embora a avaliação do Dosvox no QASI tenha sido

apenas mediana, devemos considerar que, certamente, sua avaliação foi realizada

do ponto de vista de uma pessoa acometida por múltiplas deficiências: autismo e

limitação visual total ou muito severa. Assim, se a missão original do Dosvox já não

é das mais fáceis, no caso desta pesquisa ela se torna ainda mais árdua. Mesmo

nessas condições ele foi, segundo o QASI, capaz de propiciar algum

desenvolvimento, tornando-o digno de nota.

Mesmo não sendo dirigido especificamente para o público com déficits

cognitivos, o Teclado Comfy, com duas citações nos QASI, também consiste de um

produto diferenciado dos demais. Na verdade se trata de um pacote constituído por

um hardware na forma de um telefone com teclas funcionais e softwares que

interagem com esse telefone. Segundo as avaliações dos parentes e informações

do fabricante, o Teclado Comfy parece oferecer uma abordagem bastante

estimulante para o aluno, possibilitando promover o desenvolvimento de áreas como

comunicação e convivência melhor do que os demais.

Page 54: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Um terceiro caso de abordagem destaque são os Livros Virtuais no

PowerPoint, muito embora não tenhamos tido a oportunidade de conhecer a

estrutura das atividades construídas, provavelmente pelos próprios professores e

parentes através do PowerPoint. Sem dúvidas essa é uma estratégia que pode

propiciar fácil personalização, planejamento das atividades e flexibilidade para

adequar a instrução aos progressos, interesses e necessidades da criança. Em

contrapartida, para ser atraente e divrsificado pode requerer do professor ou parente

alguma habilidade adicionail no uso do computador. Além disso, por se tratar de

software de alto nível, distante, pois, da linguagem da máquina, voltado para autoria,

incorre em limitações de possibilidades, visto não oferecer comandos para controlar

totalmente o computador e seus periféricos.

Segundo as avaliações através dos QAS e QASI, podem ser facilmente

percebidas algumas carências na adequação dos softwares pesquisados para uso

ideal por pessoas autistas:

1) Eles não dispõem de configurações para as necessidades, interesses e

características cognitivas individuais, não sendo possível refletir o estilo

cognitivo próprio de cada indivíduo, como pessoas com autismo

normalmente requerem, nem incorporam recursos de acessibilidade.

2) Esses softwares não colecionam os dados referentes à utilização pelo

aluno, não sendo possível analisar e interpretar as dificuldades

enfrentadas e os progressos obtidos pelo aluno, de forma a promover

ajustes finos adequados ao perfil e estágio de desenvolvimento que o

aluno se encontra e que se deseja que ele chegue.

Page 55: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

3) Exceto os Livros Virtuais no PowerPoint, todos os outros apresentam

estruturas fechadas, não permitindo a inserção de figuras, músicas, vídeos

e outros recursos que representem o interesse do aluno.

Como os softwares pesquisados estão orientados para uso individual,

também as trocas sociais, como as defendidas por Vygotsky, apenas ocorrerão

entre o aluno e seus educadores e parentes, mesmo assim se as atividades forem

acompanhadas de perto por eles. As trocas sociais entre os pares não são

estimuladas.

Conceitualmente, os softwares pesquisados se traduzirão em benefícios

maiores para autistas de bom funcionamento, mas serão insuficientes para suprir as

necessidades dos autistas mais comprometidos.

Apesar das inadequações ao sujeito levantadas, mesmo utilizando softwares

concebidos para crianças com desenvolvimento típico, psicólogos, pedagogos e

familiares pareceram considerar bastante satisfatório os benefícios proporcionados

com a introdução de softwares para uso por crianças autistas nas escolas e nos

lares.

Invariavelmente, os questionários preenchidos pelos parentes se referiram ao

computador como um reforçador positivo para a execução das atividades, inclusive

estimulando aquelas realizadas fora do ambiente computacional. Foram relatados

pelos parentes diversos benefícios com o uso do computador, principalmente:

a) Diminuição da resistência para o aprendizado;

b) Aumento na atenção e na concentração;

c) Interesse pelo aspecto lúdico dos softwares, representado poelos

personagens, músicas e animações;

d) Suporte nas áreas verbal, visual e motora;

Page 56: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

e) Aumento na capacidade de memorização;

f) Identificação e estabelecimento de relação entre pares, formas e figuras

espaciais.

Através dos questionários preenchidos pelos parentes também se conclui que

a utilização do mouse beneficia a coordenação motora dos alunos, mas também

constitui um entrave para utilização do computador, principalmente na fase inicial de

uso. A técnica de direcionamento, onde o orientador realiza a assistência

juntamente com a instrução ao aluno, levando a mão do aluno com o mouse para

mostrar-lhe o início do movimento, produziu resultados satisfatórios em alguns

casos.

O caso do ALUNO4 é bem representativo sobre o interesse que o computador

pode despertar nas crianças. Segundo a avaliação psicológica, trata-se de uma

criança de 11 anos que, “parece precisar de cuidados por parte de outros para

funcionar adequadamente em atividades diárias o tanto quanto crianças na faixa-

etária de 1 ano e 11 meses”. Sua família não deixava que ele utilizasse o

computador com receio dele provocar danos ao equipamento. Hoje ele manuseia o

mouse adequadamente, realizando, sozinho, atividades como separar ou combinar

figuras.

4 CONCLUSÕES

Percebemos nos softwares avaliados, mesmo que de forma indireta ou não

intencional, vários conceitos de diversas correntes de pensamentos da psicologia,

pedagogia e informática que se conectam no sentido de formar um conjunto atraente

e harmonioso para as crianças, inclusive aquelas com autismo.

Page 57: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

Assim, é possível verificarmos,

a) os estímulos e reforços defendidos pelo behaviorismo de Skinner (1938),

estampados na mudança de níveis ou na conquista de brindes virtuais nos

jogos; o lúdico de Claparède está por toda parte, através das interfaces

bem elaboradas dos jogos e brincadeiras que despertam o interesse,

motivam, divertem e ensinam.

b) o uso intensivo dos recursos multimídia, proporcionando mais

engajamento e efetividade, conforme os estudos de modelos citados por

Goldsmith e LeBlanc (2004) nas recomendações da ergonomia de

software.

c) a oferta de atividades e situações desafiadoras que representam

exercícios para o cérebro, conforme defendido por Piaget.

d) a necessidade de interagir com a máquina, estimulando a formação de

atitudes, interpretações simbólicas e previsibilidade das ações dos

personagens, funções estas necessárias para a comunicação e

convivência social, como as definições de Premak e Woodruff (1978) para

a Teoria da Mente.

Certamente, softwares que disponham desses requisitos, que provoquem

motivação, gerarão interesse e progressos no desenvolvimento de habilidades

motoras e cognitivas, indo muito além dos treinos da coordenação motora e da

função do entretenimento.

Essas crianças, que vivem ancoradas no particular, que pensam e falam de

forma atípica e têm dificuldades em dar significado às percepções e relações com o

meio social e cultural, aparentemente se sentem confortáveis diante da estrutura

Page 58: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

rígida e organizada proporcionada pelos computadores. Ressalta-se que não foi

necessário nenhum software especial para estimulá-los a usar o computador.

Não nos esqueçamos do relato sobre a criança autista hiperativa, que

“funciona em níveis significativamente inferiores”, que embora destrua objetos,

preserva o computador e aumenta a sua concentração nas atividades. Aliás, a

própria permissão para usar o computador, muitas vezes, acaba por se constituir

como outro reforçador.

Então, os softwares que já usamos bastam? A resposta é simples e direta:

não, faltam muitas coisas. O software somente representará um instrumento

eficiente de apoio à educação se for capaz de auxiliar os profissionais a

compreender as particularidades de cada aluno, de forma a desvendar suas reais

possibilidades de desenvolvimento.

Além de entreter, os softwares destinados à educação, principalmente de

pessoas com necessidades especiais, devem fazer sentido para o aluno. Mais do

que isso, têm a obrigação de fazer sentido para a sua vida, de ajudá-lo na

construção de repertórios sociais funcionais, de adequar as instruções ao seu modo

de aprender.

Onde está a visão do planejamento pressuposto pela educação nesses

softwares? E a possibilidade do educador, psicólogo ou parente interferir nos níveis

de dificuldade, nos esquemas temáticos, enfim, nas configurações e processos

desses softwares para ajustá-los ao plano de ação que conduzirá a mudança do

comportamento da criança autista? Como esses softwares estão posicionados

diante da importância da interação social adulto/criança proposta por Vygotsky? O

espaço para mediação do professor e colegas para estimular a ZDP dos alunos com

Page 59: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

autismo nos parece muito curto. Como estimular a autonomia através de relações

cooperativas como Piaget gostaria utilizando essas ferramentas?

As interfaces dos softwares citados nesta pesquisa não parecem terem sido

concebidas sob o ponto de vista das metas e objetivos dos usuários. Os projetos

desses softwares não consideraram os atributos particulares, os problemas e os

processos cognitivos do sujeito como requisito inicial para modelagem desses

produtos, conforme recomenda a ergonomia cognitiva. Abordagens com esses

cuidados, que considerassem pessoas com necessidades especiais, poderiam

beneficiar estratégias de individualização, desejadas para a ABA.

Também não há nos softwares avaliados nenhum tipo de recurso para coleta

e armazenamento de dados individualizados, que representem a utilização dos

softwares pelo aluno e sirvam como subsídio à avaliação da aprendizagem,

apoiando a orientação das ações pedagógicas.

De acordo com o que foi abordado neste estudo e considerando o atual

estado da arte das tecnologias, percebemos que existem muitos conceitos provados

cientificamente que poderiam ser introduzidos nos softwares para favorecer o

desenvolvimento cognitivo e propiciar melhoria na qualidade de vida das pessoas

com autismo.

Precisamos explorar os recursos oferecidos pelos computadores de forma

intensa, extrair todo o potencial de ajuda que ele tem a nos oferecer, abrindo novas

e poderosas possibilidades de trabalho, inclusive para pessoas com diagnósticos

mais desfavoráveis. Podemos ir além do óbvio, da atração pelo entretenimento,

muitas vezes repetitivo como uma nova obsessão, para chegar ao computador que

seja parceiro das nossas crianças, mas que também represente um instrumento

Page 60: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

tecnológico a serviço da educação, colaborando com o trabalho de terapeutas e

professores e, consequentemente, revelando novos horizontes para as famílias.

Page 61: Modelagem de softwares para auxiliar pessoas com autismo

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