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CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 65, p. 187-210, Maio/Ago. 2012 187 Anete B. L. Ivo O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO: do mito fundador ao novo desenvolvimento Anete B.L. Ivo * DOSSIÊ Este artigo busca historicizar contextos que reorientaram a noção de desenvolvimento, no Brasil, desde os anos 30-80, passando pelo ajuste neoliberal dos anos 90, até inflexões atuais que indagam se o novo intervencionismo massivo e estratégico do Estado em políticas sociais para os mais pobres aponta para um novo modelo de desenvolvimento. A análise apresenta inflexões do modelo cepalino de 50-60 e tenta priorizar dimensões sociais na mediação das contradições entre a economia, a política e o institucional. O fio condutor toma dois vetores analíticos: o tema do conflito (redistributivo) e o da integração. O primeiro é assentado nas coalizões das classes e confronto entre atores nacionais e agências multilaterais; e o da integração, na contraface do conflito, considera a abertura das políticas públicas e, também, a inovação de atores sociais e políticos em novos arranjos voltados para os objetivos do bem-estar social e da cidadania, de uma perspectiva mais sustentada. PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento, modernização, ajuste estrutural, Estado, políticas sociais, po- breza. A noção de desenvolvimento aparece no horizonte da economia e da política e no campo das práticas dos atores políticos e institucionais no Pós-Segunda Guerra. Constitui-se num “mito fundador”, no sentido antropológico do termo, pelo qual a narrativa e os sentidos associados a essa ideia representam “uma solução imaginária das tensões, conflitos e contradições” (Chaui, 2000) enfrentadas pela sociedade brasileira, em relação aos dilemas e desafios da modernização econômi- ca, política e institucional. Para Chauí, referindo- se à nação, “[...] este mito impõe um vínculo inter- no com o passado como origem, isto é com um passado que não cessa nunca.” (p.9). Da perspec- tiva do desenvolvimento, abrange um repertório de problemas de interpretação da nação brasileira e se projeta no futuro, como “solução possível”, mas também deliberada, no sentido de ser promo- vida pelo Estado, com vistas a superar os óbices da tradição e implementar um projeto de moder- nização nacional urbano-industrial para o país. Esse “mito” atualiza o ideário iluminista 1 do “pro- gresso” adaptado à singularidade da formação da sociedade brasileira, que articula, de forma com- plexa e contraditória, o regime de acumulação às condições de reprodução das classes, e os proces- sos de dominação que mobilizam grupos e poder político, e, ao mesmo tempo, forças externas do regime de acumulação. A problemática clássica da sociológica do desenvolvimento, entendida por Cardoso e Faletto (1970), na crítica ao modelo es- truturalista de desenvolvimento cepalino, envol- via o estudo das “estruturas de dominação e das formas de estratificação social que condicionam os mecanismos e tipos de controle e decisão do siste- ma econômico em cada caso particular.” (p.37). Os debates atuais discutem as possibilida- des e contornos da emergência de um “neodesen- volvimentismo” (Boschi; Gaitán, 2008; Bresser * Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais da UFBA e pesquisadora do Centro de Recursos Humanos/UFBA. Estrada de São Lázaro, 197. Federação. Cep: 40210-730. Salvador – Bahia – Brasil. [email protected]m. 1 Aqui entendido não como a era da Razão, que acompa- nhou o pensamento de filósofos até o século XVIII, em países da Europa, mas pela ênfase nos valores do pro- gresso e na tese do aperfeiçoamento do homem com base num conhecimento racional e científico, capaz de superar o poder e as ideologias tradicionais a serviço da melhoria da sociedade.

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Anete B.L. Ivo*

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Este artigo busca historicizar contextos que reorientaram a noção de desenvolvimento, noBrasil, desde os anos 30-80, passando pelo ajuste neoliberal dos anos 90, até inflexões atuaisque indagam se o novo intervencionismo massivo e estratégico do Estado em políticas sociaispara os mais pobres aponta para um novo modelo de desenvolvimento. A análise apresentainflexões do modelo cepalino de 50-60 e tenta priorizar dimensões sociais na mediação dascontradições entre a economia, a política e o institucional. O fio condutor toma dois vetoresanalíticos: o tema do conflito (redistributivo) e o da integração. O primeiro é assentado nascoalizões das classes e confronto entre atores nacionais e agências multilaterais; e o da integração,na contraface do conflito, considera a abertura das políticas públicas e, também, a inovação deatores sociais e políticos em novos arranjos voltados para os objetivos do bem-estar social e dacidadania, de uma perspectiva mais sustentada.PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento, modernização, ajuste estrutural, Estado, políticas sociais, po-breza.

A noção de desenvolvimento aparece nohorizonte da economia e da política e no campodas práticas dos atores políticos e institucionaisno Pós-Segunda Guerra. Constitui-se num “mitofundador”, no sentido antropológico do termo, peloqual a narrativa e os sentidos associados a essaideia representam “uma solução imaginária dastensões, conflitos e contradições” (Chaui, 2000)enfrentadas pela sociedade brasileira, em relaçãoaos dilemas e desafios da modernização econômi-ca, política e institucional. Para Chauí, referindo-se à nação, “[...] este mito impõe um vínculo inter-no com o passado como origem, isto é com umpassado que não cessa nunca.” (p.9). Da perspec-tiva do desenvolvimento, abrange um repertóriode problemas de interpretação da nação brasileirae se projeta no futuro, como “solução possível”,mas também deliberada, no sentido de ser promo-vida pelo Estado, com vistas a superar os óbicesda tradição e implementar um projeto de moder-

nização nacional urbano-industrial para o país.Esse “mito” atualiza o ideário iluminista1 do “pro-gresso” adaptado à singularidade da formação dasociedade brasileira, que articula, de forma com-plexa e contraditória, o regime de acumulação àscondições de reprodução das classes, e os proces-sos de dominação que mobilizam grupos e poderpolítico, e, ao mesmo tempo, forças externas doregime de acumulação. A problemática clássica dasociológica do desenvolvimento, entendida porCardoso e Faletto (1970), na crítica ao modelo es-truturalista de desenvolvimento cepalino, envol-via o estudo das “estruturas de dominação e dasformas de estratificação social que condicionam osmecanismos e tipos de controle e decisão do siste-ma econômico em cada caso particular.” (p.37).

Os debates atuais discutem as possibilida-des e contornos da emergência de um “neodesen-volvimentismo” (Boschi; Gaitán, 2008; Bresser

* Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA e pesquisadorado Centro de Recursos Humanos/UFBA.Estrada de São Lázaro, 197. Federação. Cep: 40210-730.Salvador – Bahia – Brasil. [email protected].

1 Aqui entendido não como a era da Razão, que acompa-nhou o pensamento de filósofos até o século XVIII, empaíses da Europa, mas pela ênfase nos valores do pro-gresso e na tese do aperfeiçoamento do homem combase num conhecimento racional e científico, capaz desuperar o poder e as ideologias tradicionais a serviço damelhoria da sociedade.

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Pereira, 2004, 2006) na agenda pública de paísesda América Latina e no Brasil, pelo novointervencionismo do Estado. Diante da crise es-trutural do capitalismo contemporâneo e os resul-tados apresentados pelas economias de países la-tino-americanas – que combinam crescimento comdistribuição, com base num papel ativo e centraldo Estado –, pretendo trazer, neste artigo, umacontribuição de natureza mais sociológica, afinadacom a historicidade de processos de longo prazo,em vista de retraçar um fio condutor de inflexões erupturas do pacto prevalecente entre Estado, bur-guesia e trabalhadores assalariados (que sustentouo projeto nacional-desenvolvimentista dos anostrinta aos setenta). Tais inflexões possibilitam ob-servar novos arranjos, atores e dimensões entreEstado, mercado e sociedade, no encaminhamen-to da questão social, no contexto pós-consenso deWashington. Esse resgate ultrapassa abordagensexclusivamente econômicas (objetivos da estabili-dade e da capacidade competitiva do país), ou res-tritas ao papel intervencionista do Estado brasilei-ro, de uma perspectiva exclusivamenteinstitucional, privilegiando dimensões sociais nastemáticas do conflito e no seu contraponto, ou seja,a temática da integração social, que envolve, deum lado, a justiça redistributiva e, de outro, o ho-rizonte da política voltada para o objetivo de bem-estar social e da cidadania, sustentadas por coali-zões e contradições de classes. A sequência não élinear, mas mediada por contradições, avanços erecuos entre historicidades de atores internos, lo-cais e nacionais, e os agentes externos, nem sempreconvergentes com os objetivos nacionais e os proje-tos mais singulares de diferentes atores locais.

O artigo se estrutura em quatro partes e umaconclusão. A primeira resgata algumas linhasinterpretativas sobre os dilemas entre tradição emodernidade no Brasil, expressas no sistema agrá-rio colonial, no patrimonialismo e nas relações ra-ciais e escravistas. Voltar a esses antecedentes aju-da a requalificar interpretações críticas sobre adualidade estrutural e a discussão do“neodesenvolvimentismo” hoje, ultrapassandoperspectivas que entendam o desenvolvimento

orientado para a competitividade, estabilidade ecrescimento, ou de retomada do protagonismo doEstado nacional. A segunda parte sintetiza as te-ses do desenvolvimento dos anos cinquenta até oinício dos anos setenta. Abrange tanto a formula-ção do ISEB como a crítica ao paradigma do de-senvolvimento periférico, com base na coalizão dasclasses, formulado pela escola paulista[F.H.Cardoso; E. Faletto (1970), F. Oliveira [1972]1976]. Na sequência, o artigo apresenta as inflexõesdos anos oitenta, marcadas, no âmbito internacio-nal, por um diagnóstico conservador dagovernabilidade, que fundamentou a ruptura dopacto distributivo do Estado de Bem-estar pela tesedo déficit fiscal. Tal diagnóstico conflitou, interna-mente, com o processo de redemocratização dasinstituições jurídicas e políticas do país, orienta-do por diversos e novos atores sociais em luta pordireitos da cidadania, como um novo projeto deEstado, mais próximo de um regime de bem-estarassentado numa concepção de universalidade dodireito social. A esse diagnóstico conservador dasagências multilaterais seguem-se, nos anos noven-ta, mudanças do ajuste estrutural do Estado, vol-tadas para a estabilidade e em favor de umadesconcentração do Estado nacional pela via dadescentralização das políticas e dos objetivos dodesenvolvimento endógeno, local e sustentável. Aquarta parte discute o tema da “integração social”,orientado pela agenda do pós-consenso de Wa-shington e por organizações multilaterais, restritoa um consenso ampliado de combate à pobreza edissociado da dimensão estruturante do mercadode trabalho (Ivo, 2001). A conclusão do artigo in-daga se a intervenção estratégica do Estado empolíticas sociais massivas pró-pobres, como via deenfrentamento das desigualdades estruturais, so-ciais e territoriais, aponta para um novo modelode desenvolvimento de caráter mais redistributivoe voltado para objetivos de bem-estar. Ou seja,destaca o debate atual do novo desenvolvimentona implantação de políticas sociais focadas “sobreos mais pobres”, como políticas de integração so-cial, as quais estariam condicionando padrões deum crescimento sustentado pelo mercado interno,

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segundo as novas teses das agências oficiais e mul-tilaterais. Até que ponto esses fatores distinguemum novo papel do Brasil na nova ordem mundial?

O LEGADO: antecedentes da noção do desen-volvimento, entre tradição e modernidade2

Diferentes interpretações da sociedade bra-sileira antecederam o debate sobre o papel estraté-gico do Estado nacional, orientado pelo pensamen-to “desenvolvimentista” da década de 50-60. A tra-dição das ciências sociais buscava entender os fun-damentos da sociedade brasileira, a relação entre atradição e a modernidade, que impedia o projetoracional civilizador, no sentido de assimilação deatributos de uma sociedade com traço fortementeiluminista, assentada no triunfalismo da Razão einfluenciada pelo “desejo do outro” europeu.

Nessa linha, o retorno a algumas das tesesde Gilberto Freire, em Casa Grande & Senzala[1933] e de Sérgio Buarque de Holanda, em Raízesdo Brasil [1936] ajuda a recompor algumas linhasdesse dilema.3 Freire analisa as origens dopatriarcalismo da família brasileira, base de orga-nização e dominação da estrutura fundiária eescravocrata colonial, centrado no domínio dopatriarca sobre parentes, filhos, esposa, escravosetc., destacando a integração de tais elementos,mesmo em condições de subalternidade, e apon-tando para a singularidade do processo de miscige-nação entre brancos, negros e indígenas, no Brasil.

Em Raízes do Brasil [1936], Holanda discu-te traços da cultura política brasileira, sintetizadosna representação do “homem cordial”. Para ele, asociedade brasileira, influenciada pela tradição ibé-rica – patrimonial e autoritária, mas mediada por

relações primárias de proteção, sem o filtro daracionalidade moderna –, era incompatível com ofuncionamento da burocracia e das regras demo-cráticas do Estado moderno. Robert Wegne (2009)considera que Sérgio Buarque de Holanda nãoenxerga possibilidades de que “a cordialidade setransformasse em civilidade. [...] que exige algumtipo de racionalidade e abstração.” (p.218).

Na linha de discussão sobre os óbices àmodernização brasileira, incluem-se, também, in-terpretações e estudos relativos à herança das rela-ções escravistas, patrimoniais e agrárias, própriasao sistema colonial, que seriam impeditivas daplena adoção de atributos racionais da sociedadecapitalista. A interseção entre raça e classe, no Bra-sil, foi objeto de pesquisas da escola paulista so-bre relações raciais, liderada por FlorestanFernandes e alguns dos seus discípulos: FernandoHenrique Cardoso, Otávio Ianni, Maria Sylvia deCarvalho Franco, entre outros.4

Do ponto de vista sociológico, as preocupa-ções e os diagnósticos sobre a tradição traziamimplícita a perspectiva de “mudança provocada”,expressão usada pelos sociólogos dos anos 50, oque, segundo Villas Boas (2006), “traduzia o dese-jo de intervir [...] para mudar a feição das institui-ções, das mentalidades, da distribuição de poder,impondo a regularidade nova à conduta cotidianade homens e mulheres” (p.13). Tal racionalizaçãopode ser observada no livro de Florestan FernandesMudança social no Brasil (1960), que mostra aparticipação ativa de Florestan em prol da educa-ção universal e pública, ao final dos anos 1950, dacampanha em defesa da escola primária, quandoda discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação (Arruda, 2009, p.316). Para Arruda (p.316),Florestan Fernandes entendia que “o sistema edu-cacional brasileiro não respondia aos imperativosde uma sociedade em processo de modernização,representando um obstáculo às mudanças em cur-so, caracterizando o fenômeno de “demora cultu-ral” (p.317). Do mesmo modo, ao criticar a

2 Aqui distingo as noções de modernidade e moderniza-ção. A primeira entendida da perspectiva de pensar otempo presente à luz de uma ruptura com o passado. Asegunda, a modernização, como um processoracionalizador impulsionado pelo Estado, em vista doprogresso técnico e do crescimento econômico. Ambasas noções influenciam a mudança e a transformação dasociedade brasileira na implantação de uma sociedadeurbano-industrial capitalista.

3 Este resgate tem função indicativa, apenas para apontardilemas enfrentados no debate clássico, com a consciên-cia dos limites e riscos implícitos aos esforços de síntese.

4 Thales de Azevedo introduziu esse debate em Les élitesde couleur dans une ville brésilienne originalmentepublicada pela Unesco [1953].

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heteronomia presente na “situação de castas”, queimpedia o negro de assimilar suas condições de“classe”, Fernandes destacava os processos de“desajuste estrutural” e o “isolamento sociocultural”dos traços da tradição e da discriminação em rela-ção às conquistas civilizadas.

Resulta deste processo o “desajustamento estru-tural”, a “desorganização social” típicas dos des-cendentes dos africanos, relegados a viver umestado de marginalidade social, verdadeiros pros-critos das conquistas civilizadas. O preconceitoe outras expressões de discriminação exercerama função “de manter a distância social” e de re-produzir o “isolamento sociocultural”, tendo emvista a preservação das “estruturas sociais arcai-cas”. (Arruda, 2009, p.317-318).

Diferentemente dessas interpretações, quediscutem as relações socioculturais e políticas damodernidade brasileira, Caio Prado Junior [1933]constrói uma interpretação histórica singular dasociedade brasileira, orientada pela categoriamarxiana de “formação social”. Enfatiza a relaçãoentre a colônia e a nação, ou a passagem entre acondição de colônia para a formação da nação, ereconhece, nessa relação, impasses para a transi-ção5 modernizadora.

Com base numa abordagem econômica daordem colonial brasileira, Caio Prado Júnior anali-sa o “sentido do projeto colonial” que orienta aformação da colônia na direção de uma constru-ção da nação. Para ele, a formação brasileira só podeser entendida pelo “sentido da colonização” volta-do para fora, cujo objetivo era fornecer produtospara o mercado externo e atender aos interesses dacoroa portuguesa. Esse “sentido colonial” forma-va a totalidade entre as partes constitutivas da eco-nomia e da política colonial brasileiras, articula-das à metrópole. Prado Junior reconhecia tambémuma desarticulação entre a produção voltada parafora, que ele chama de setor orgânico da sociedadecolonial agroexportadora, e o setor inorgânico,constituído pela maior parte da população voltada

para o consumo interno e que, de acordo com oautor, tem papel subalterno. Para ele é a esse “se-tor inorgânico” e subalterno e a essa grande maio-ria “desqualificada” que a nação brasileira “deveseguir” no futuro, conforme analisa Ricúpero(2009, p.235). Talvez esteja em Caio Prado Juniora síntese das principais contradições da sociedadebrasileira, entre as instituições políticas coloniaise a estrutura socioeconômica do país. Tais contra-dições vão fundamentar os dilemas futuros doencaminhamento da questão social brasileira, ca-racterizada pelo enorme contingente de trabalha-dores empobrecidos e desprotegidos de direitossociais do mercado informal e por uma sociedadeprofundamente desigual no acesso aos direitos. Nasua análise, Caio Prado destaca “um desacordofundamental entre o sistema econômico legado pelacolônia e as novas necessidades de uma nação livree politicamente emancipada”. Suas interpretaçõessuscitaram debates nos círculos da esquerda brasi-leira, exatamente porque confrontavam com a tese,então predominante, de que a revolução econômicae nacional brasileira implicava a superação dos con-siderados traços “feudais”, como etapa necessária,e viam, na burguesia nacional, o ator central do pro-jeto de desenvolvimento nacional.6

Caio Prado Junior, no seu livro A Revolu-ção Brasileira [1966], considera equivocada a trans-posição de um processo de transição de épocaspassadas, ocorrido em outras sociedades europeias,do feudalismo para o capitalismo, para países comoo Brasil. Para ele, a burguesia nacional não existiae nem poderia ser um ator central do projeto dedesenvolvimento e modernização nacional, porqueestava bloqueada internamente pelas estruturas dedominação tradicionais, e, externamente, pela de-pendência do capital internacional. Com essas te-ses, Caio Prado Junior deixa um lastro históricosobre os vínculos da dependência dos processosde acumulação no país que, certamente, constitu-íram-se em referenciais importantes para a crítica

5 O uso da categoria marxiana “formação social” buscaapreender a complexidade das sociedades históricas ondesobrevivem diferentes modos de produção que, articu-lados, produzem uma totalidade histórica complexa econtraditória.

6 Parte da esquerda brasileira, sob a liderança do PartidoComunista Brasileiro (PCB), acreditava que as classesempresariais, aliadas aos trabalhadores, poderiam adotarposições nacionalistas e produzir, ao mesmo tempo, umarevolução burguesa e nacional.

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da escola paulista às teses do desenvolvimentopropostas pelo ISEB.7

As interpretações desses autores (e outrasque aqui não foram tratadas) revelam que uma dasprincipais contradições do país estava entre o sis-tema produtivo, voltado para fora, e os óbices parase criar uma organização jurídica e política queadotasse plenamente instituições liberais. Ou seja,os limites da modernização estavam, em grandeparte, na “modernidade possível”, como formulaFaoro (1992). Para ele, entre as duas: “A oposiçãopode, uma vez que não chega à contradição, e daí,à superação, conciliar-se e acomodar-se num qua-dro sem afirmação e sem superação” (p.18). Nessesentido, Faoro expressa a limitação de um projetode modernização realizado pelo alto e pelas elitese considera que a via central dessa transição pas-sa pela expansão da cidadania.

TESES DO NACIONAL-DESENVOLVIMENTO: domito fundador do pós-guerra aos anos setenta

A noção de desenvolvimento adquiriu umlugar hegemônico nas ciências sociais latino-ame-ricanas, no período Pós-Segunda Guerra. À luz deum horizonte epistemológico da economia políti-ca e associada a um projeto de modernização naci-onal pela via da industrialização e da urbanizaçãocapitalista, a noção é paradigmática de um projetonacional de “substituição de importações”8 com

base no progresso técnico, e da revolução nacionalis-ta brasileira, a exemplo das teses defendidas pelosintelectuais do Instituto Superior de Estudos Brasi-leiros (ISEB), na década de cinquenta, da tese sobre amodernização da CEPAL e das críticas posterioresformuladas por intelectuais da escola paulista9 a es-sas teses sobre o subdesenvolvimento.

A noção estratégica de desenvolvimento do ISEB

Segundo os intelectuais do ISEB, a noção dodesenvolvimento referia-se a um regime de acumu-lação capitalista baseado em industrialização, cres-cimento econômico e progresso técnico, e moderni-zação das relações produtivas, com base no traba-lho assalariado e na elevação do padrão de vida dapopulação, sob a liderança do empresariado nacio-nal.10 A esse conjunto de mudanças costumou-sechamar de “modernização brasileira”. Em termospolítico-institucionais, a perspectiva nacional-desenvolvimentista supunha um papel central, deli-berado e planejado do Estado nacional, de longo prazo,voltado para dar suporte e impulsionar as transfor-mações da base técnica e econômica, bem como astransformações das instituições políticas e jurídicas.

A articulação entre o econômico e o políticosustentava uma coalizão entre a burocracia Estatal,as elites empresariais e os trabalhadores assalaria-dos. O Estado nacional assumiu o papel de atorestratégico do desenvolvimento, visando a geraras condições institucionais e de infraestrutura paraalavancar a economia. Tais condições incluíam asações protecionistas aos empresários da indústrianacional (o modelo de “substituição das importa-ções”, desde Vargas) e a criação de infraestrutura,de modo a gerar as condições para esses investi-

7 O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), ór-gão criado em 1955, era dotado de autonomia adminis-trativa, mas vinculado ao Ministério de Educação e Cul-tura, cuja missão era o ensino e o estudo das ciênciassociais. Constituiu-se num núcleo difusor das ideias dodesenvolvimentismo e das ações do Estado no governoJuscelino Kubitschek, visando a orientar a burguesia emrelação a seu papel nas transformações econômicas, so-ciais e culturais do país. Participaram desse grupo inú-meros intelectuais brasileiros com formação e orienta-ções distintas, como: Miguel Reale, Sergio Buarque deHolanda, Hélcio Jaguaribe, Roland Corbisier, GuerreiroRamos, Nelson Werneck Sodré, Antônio Cândido,Candido Mendes, Inácio Rangel, Alvaro Vieira Pinto,Carlos Estevam Martins, Abdiais Nascimento, entreoutros. Foi infleunciado pelas ideias da Cepal (ComissãoEconômica de Estudos para a América Latina e o Caribe),tendo também como colaboradores Celso Furtado eHeitor Villa Lobos. O ISEB foi extinto após o golpe de1964. Ver Bresser Pereira (2004) e CPDOC- FGVcpdoc.fgv.br na parte relativa a JK.

8 O modelo de substituição de importações refere-se à pro-posta da CEPAL, aplicada a países como Brasil, México eArgentina e outros, de um planejamento da política eco-

nômica baseada no processo de industrialização capitalis-ta, voltado para o mercado interno e dependente de polí-ticas protecionistas do Estado à indústria nacional. A ado-ção dessa política acarretou uma mudança do centro di-nâmico da economia brasileira, pelo estímulo às manufa-turas. A Cepal considerava que essa política permitiria aacumulação de capitais internos, o que poderia gerar umdesenvolvimento autossustentável e duradouro.

9 Refiro-me à teoria da dependência (Cardoso; Faletto, 1970)e a tese da dualidade da sociedade brasileira (Oliveira, 1972).

10 Ver Bresser Pereira, 2004 e os textos CPDOC- FGVcpdoc.fgv.br parte relativa à JK de Alzira Abreu.

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mentos, indicados no Plano de Metas (1956-1961)de Juscelino Kubitschek. O Plano contemplou umconjunto integrado de investimentos com metaspara o setor público e privado e pouco estímulo aosetor agrário, tendo sido bem sucedido, do pontode vista do crescimento econômico, à custa de altoendividamento público. Bresser Pereira (2004) as-sim define a noção estratégica de desenvolvimen-to formulada pelos intelectuais do ISEB:

É o processo de acumulação de capital; acumula-ção de progresso técnico e elevação do padrão devida da população de um país, que se inicia com arevolução capitalista e nacional; é o processo decrescimento sustentado da renda dos habitantesde um país sob a liderança estratégica do Estadonacional e tendo como principais atores os em-presários nacionais. O desenvolvimento é nacio-nal porque se realiza nos quadros de cada Estadonacional, sob a égide de instituições definidas egarantidas pelo Estado. (p.57-58).

A teoria da modernização e a noção demarginalidade da Cepal11

O paradigma da modernização, no pós-guer-ra, converteu-se numa referência central do pensa-mento latino-americano. Segundo Nun (2001,p.10), para os economistas, essa modernização sig-nificava a busca do crescimento sustentado doproduto per capita. Para os cientistas políticos, ainstitucionalização de uma democracia represen-tativa e, para sociólogos, a difusão de valores paraa racionalização, o universalismo, o desempenho,a secularização.12 A tese cepalina apoiava-se noconceito de “subdesenvolvimento” entendidocomo uma formação histórica singular que opu-nha um setor “atrasado” a um setor “moderno”,uma forma específica de as economias pré-indus-triais, penetradas pelo capitalismo, passarem paraformas mais avançadas.13

Inerente à tese sobre a singularidade do sub-desenvolvimento latino-americano, multiplicaram-se argumentos sobre a persistência de uma “cultu-ra da pobreza”, que se constituía em freio para odesenvolvimento. A tese do “círculo vicioso dapobreza” de Nurkse (1963), por exemplo, argumen-tava que os países subdesenvolvidos tinham umarenda per capita muito baixa e voltada totalmentepara o autoconsumo, o que impossibilitava a capa-cidade de inversão, fazendo com que a pobreza seperpetuasse.14 Considerava que a via para rompertal “ciclo vicioso” seria a atração de investimentosestrangeiros, empréstimos no exterior e assistên-cia técnica de organismos internacionais. A hipó-tese era a de que, uma vez estabelecido o polomoderno, seus efeitos positivos se expandiriam, ea produção, o consumo e os valores se moderniza-riam. Ou seja, o progresso técnico e econômicoliquidaria os vínculos da tradição, e o país se ins-talaria num processo de mudanças que acabariapor estabelecer e consolidar a democracia repre-sentativa (Nun, 2001, p.12-13).

A literatura sociológica brasileira dos anossessenta e setenta discutiu a natureza e aespecificidade do “desenvolvimento capitalistaperiférico” e seus efeitos sobre a matriz das rela-ções sociais excludentes, a exemplo das teorias da“massa marginal” [Nun, 1969], da “teoria da de-pendência” [Cardoso; Faletto, 1970], e da críticaàs “teses dualistas”, formulada por Oliveira [1972]e implícitas nas noções de “subdesenvolvimento”e de “modernização” da Cepal, etc.

Reconhecendo a heterogeneidade e a coe-xistência de diferentes modos de produção na for-mação histórica de sociedades latino-americanas esustentado na interpretação marxiana do materia-lismo histórico, Nun, no artigo “Superpopulación

11 Apresentei essa discussão de forma mais detalhada emIvo (2008) capítulo IV.

12 Esse entendimento de Nun, no entanto, não contem-pla a crítica da economia política e a abordagem socioló-gica marxiana da dominação de classes, como o fizeramCardoso e Falleto (1970) e Oliveira (1972).

13 Ver a crítica central de Francisco de Oliveira (1976, p.9)à perspectiva dualista da CEPAL.

14 Posição hoje superada pelas teses liberais, e de caráternormativo – do “empreendedorismo“ (JosephShumpeter), do empoderamento, empowerment (JohnFriedmann), ou da tese de “capacitação dos pobres” naluta contra a pobreza (Amartya Sen) –, entendidas comopromotoras de emancipação e autonomia dos sujeitosna promoção do desenvolvimento local alternativo, aomesmo tempo também articulado ao desenvolvimentonacional. Significa identificar oportunidades etransformá-las em negócio lucrativo. Shumpeter popu-larizou o conceito do empreendedorismo como centralna sua teoria de “destruição criativa“ do capital, pelacapacidade de inovação dos agentes.

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relativa, ejército industrial de reserva y masa mar-ginal” (1969)15 distingue a “superpopulação relati-va”, como um fenômeno existente em todos osmodos de produção, da noção de “exército indus-trial de reserva”, restrita ao capitalismo. Para Nun,na fase do capitalismo monopolista, asuperpopulação relativa, em sua totalidade, deixade ter essa “funcionalidade”. Assim, ele distinguea parte funcional da superpopulação relativa aocapital, que considera como “exército industrialde reserva”, e outra, considerada por ele “não fun-cional” à acumulação capitalista, a qual ele chamade “massa marginal”.16

Fernando Henrique Cardoso [1969]17 criti-ca as teses de Nun pela ambiguidade metodológicada noção de “funcionalidade” dos sistemas de pro-dução, cujo patamar analítico se distingue da no-ção de exército industrial de reserva, reveladorada natureza contraditória entre acumulação e ex-ploração do trabalho, e não da “funcionalidade”[adaptação] entre a produção capitalista e as pré-capitalistas. Para Cardoso, a noção de “massa mar-ginal” de Nun seria mais um conceito heurístico eoperacional do que uma “contradição necessária”histórica, inerente às relações entre as classes soci-ais. Ao se referir à “contradição necessária”, Car-doso considera que a proposta de Nun deixou àmargem o caráter conflitual das classes, que dizrespeito às condições de exploração e pobreza dostrabalhadores, inerente ao regime de acumulação.Ele admite que esse procedimento poderia se jus-tificar em contextos em que não existam empre-gos suficientes para todos, ou de expansão dosistema econômico.

No livro Dependência e desenvolvimento naAmérica Latina [1970], Fernando Henrique Car-doso e Enzo Faletto constroem uma perspectivasociológica sobre o desenvolvimento na AméricaLatina, visando a estabelecer a natureza social epolítica desse processo, em diálogo com a econo-mia política. “A problemática sociológica de trans-formação econômica requer a análise das situaçõesem que a tensão entre grupos e classes sociais re-vele as bases de sustentação econômica e políti-ca.” (p.37). No capítulo sobre “Subdesenvolvimen-to, periferia e dependência”, esses autores retornamà questão das “etapas” da transição, discutidas porPrado Junior [1966], com a seguinte formulação“[...] entre as economias desenvolvidas e as subde-senvolvidas não existe uma simples diferença deetapa ou de estágios, do sistema produtivo, mas deposição dentro de uma mesma estrutura econômicainternacional de produção e distribuição.” (p.38-39). Os autores abrem um novo esquema de inter-pretação para o desenvolvimento, à época, articu-lando variáveis econômicas às políticas, ou seja, asestruturas de dominação de classes, os conflitos deinteresses e as instituições sociopolíticas.

Francisco de Oliveira (1976), na crítica àsconcepções dualistas e estruturais da CEPAL, dis-tingue a contribuição de Cardoso e Faletto (1970)das outras análises sobre a dependência e a domi-nação externa.

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto ela-boram uma teoria da dependência cujapostulação essencial reside no reconhecimentoque a própria ambigüidade [sic] confereespecificidade ao subdesenvolvimento, sendo a“dependência” a forma em que os interesses in-ternos se articulam com o resto do sistema capi-talista. Assim, [esses autores] afastaram-se doesquema cepalino que vê nas relações externasapenas oposição a supostos interesses nacionaisglobais, para reconhecerem que, antes de umaoposição global, a “dependência articula os inte-resses de determinadas classes e grupos da Amé-rica Latina com os interesses de determinadasclasses e grupos sociais de fora da América Lati-na”. (Oliveira, 1976, nota 4, p.70-71)

Sintetizando o debate sobre os limites dateoria da modernização – que opunha o setor mo-derno ao setor tradicional, atrasado –, um conjun-

15 Texto publicado originalmente na RevistaLatinoamericana de Sociología, v.5, n.2, p.178-236, 1969.Nesse texto as referências seguem a republicação do ar-tigo em Nun (2001).

16 Para Nun (2001, p.24-25), o conceito de exército indus-trial de reserva foi utilizado por Marx para designar osefeitos funcionais da superpopulação relativa na fase docapitalismo que ele estudou. Nun propõe chamar de mas-sa marginal a parte da superpopulação relativa que, emoutras situações, não produz esses efeitos funcionais.

17 No trabalho “Comentario sobre los conceptos desobrepoblación relativa y marginalidad”, RevistaLatinoamericana de Ciencias Sociales, Santiago do Chi-le, ELAS-ICIS, n.1/2, p.57-76, 1970. Baseamo-nos nasua republicação sob o título de “Crítica de F.H. Cardo-so”, em Nun (2001, p.141-183).

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to de estudos avançou no sentido de perceber eexplicar a heterogeneidade dos mercados de traba-lho brasileiros. Duas perspectivas orientaram essaanálise crítica: a primeira é tributária de reflexõesde caráter histórico-estrutural dual, voltada paraentender a natureza da dominação sobre os paísesperiféricos, o caráter da dependência e a naturezada burguesia nacional em relação aos centros deprodução do capitalismo, a exemplo de Nun; aoutra tomou como eixo analítico a tese relativa às“contradições fundamentais” inerentes às condi-ções de classe, de exploração da força de trabalhoe a concentração da renda na formação da popula-ção excedente, como exército industrial de reser-va, e o entendimento da dinâmica de estruturaçãodo mercado de trabalho nos países de capitalismoperiférico, como categoria crítica do processo demodernização brasileiro (Cardoso; Faletto 1970;Oliveira, [1972] 1976).

Na crítica de Francisco de Oliveira [1972](1976) às concepções cepalinas, ele esclarece que aperspectiva dualista induzia a uma visão ético-finalista de satisfação das necessidades da popu-lação, desconhecendo que a finalidade do sistemaé a sua própria reprodução. Considera que o pen-samento socioeconômico latino-americano, ao pro-curar romper com as teses cepalinas de caráter dual-estruturalista, e entender a problemática latino-americana mediante a utilização de um arsenal te-órico e metodológico, deu largas margens à utiliza-ção das abordagens marginalista e keynesiana.

Segundo Oliveira, os estudiosos da depen-dência latino-americana – orientados segundo arelação entre centro e periferia e pela constituiçãode um “modo de produção subdesenvolvido” –, àexceção da tese de Cardoso e Faletto, deixaram detratar aspectos relativos às contradições de classese às estruturas de dominação que conformam oprocesso de acumulação próprio a países periféri-cos, como o Brasil:

[...] toda a questão do desenvolvimento foi vistasob o ângulo das relações externas e o problematransformou-se, assim, em uma oposição entrenações, passando despercebido o fato de que,antes de oposição entre nações, o desenvolvimen-

to ou o crescimento é um problema que diz res-peito à oposição entre classes internas (p.9).

Para o autor, essa discussão teve importân-cia decisiva, desconsiderando a indagação princi-pal: “a quem serve o desenvolvimento econômicocapitalista no Brasil?” (Oliveira, 1976, p.10). As-sumindo uma interpretação marxiana sobre a for-mação do exército industrial de reserva, Oliveiracritica o modelo de substituição de importações.

O fato de que o processo tenha desembocado nummodelo concentracionista, que numa segundaetapa de expansão vai deslocar o eixo produtivopara a fabricação de bens de consumo duráveis,não se deve a nenhum fetiche ou natureza dosbens, a nenhum “efeito-demonstração”, mas àredefinição das relações trabalho-capital, à enor-me ampliação do exército industrial de reserva”,ao aumento da taxa de exploração, às velocida-des diferenciais de crescimento de salários e pro-dutividade que reforçam a acumulação (p.22,grifos do autor).

Assim, Oliveira (p.8) considerava que osconhecidos opositores da CEPAL, no Brasil e naAmérica Latina, tinham quase sempre a mesmafiliação teórica marginalista, neoclássica ekeynesiana, comprometidos com o status quo eco-nômico, político e social da miséria e do atrasosecular latino-americano. E, a respeito daespecificidade da expansão do capitalismo, noBrasil e na América Latina, produz uma nova sín-tese sobre os dilemas da tradição e do capitalismo:

A originalidade consistiria talvez em dizer-se que[...] a expansão do capitalismo no Brasil se dáintroduzindo relações novas no arcaico e repro-duzindo relações arcaicas no novo, um modo decompatibilizar a acumulação global [...]. Essaforma parece absolutamente necessária ao siste-ma em sua expansão concreta no Brasil, quandose opera uma transição tão radical de uma situa-ção em que a realização da acumulação dependiaquase que integralmente do setor externo, parauma situação em que será a gravitação do setorinterno o ponto crítico da realização, da perma-nência e da expansão dele mesmo. Nas condi-ções concretas descritas, o sistema caminhouinexoravelmente para uma concentração da ren-da, da propriedade e do poder. (p.28-29, grifosdo autor).

Para Oliveira, a conversão de enormes con-

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tingentes populacionais em “exército industrial dereserva” era pertinente e necessária, do ponto devista da reprodução do capital, porque atendia, deum lado, ao cálculo econômico empresarial numhorizonte médio, enquanto, de outro, a legislaçãotrabalhista igualava, reduzindo o preço da força detrabalho, ao invés de incrementá-la.

As características assumidas pelo modelode desenvolvimento brasileiro, especialmente nocontexto da modernização autoritária realizada noperíodo militar, envolveram intensos debates e crí-ticas sobre o caráter conservador dessa moderni-zação. Esse caráter se vincula e se restringe ao pro-gresso técnico e ao crescimento econômico altamenteconcentrador, sem mudança significativa da distri-buição da renda e das relações políticas e sociaisassentadas numa cultura política patrimonial e au-toritária. Essa crítica singulariza a questão socialem países caracterizados por extrema pobreza, al-tos índices de desigualdades sociais e por um Es-tado de Bem-estar incompleto, como o Brasil, quedeixou à margem da cidadania a maioria dos tra-balhadores brasileiros, fora da proteção dos direi-tos do trabalho, reduzidos à condição de reprodu-ção da vida no nível de pura sobrevivência.18

A herança da modernização conservadora:ampliação das desigualdades socioeconômicase culturais

O debate sociológico do modelo de desen-volvimento diz respeito ao tema da distribuição,ou da justiça distributiva, o que implica pensarcomo os resultados da economia são apropriadossocialmente, questionando “como” se está crescen-do e “para quem” se dirigem os resultados dessas

políticas e os custos desse crescimento, do pontode vista da qualidade do bem-estar dos cidadãos.Portanto, a modernização conservadora eexcludente contém dimensões sociais, políticas einstitucionais legitimadoras do regime de concen-tração de riqueza, o que, no caso brasileiro, pro-duziu uma massa de excluídos e padrões de desi-gualdade de renda extremamente elevados entretrabalhadores, grupos e (ou) regiões.

A modernização conservadora, que marcaa sociologia do desenvolvimento até os anos oi-tenta, aponta um conjunto de fatoresdeterminantes da iniquidade no Brasil:19 a longahistória do escravismo e do latifúndio, quesedimentou relações profundamente verticais edesiguais, hierarquizadas; o caráter centralizador,patrimonialista e autoritário da cultura políticabrasileira, permeado por relações clientelistas quese alternam e (ou) se complementam com o cír-culo burocrático (Nunes, 1997); o caráter depen-dente do capitalismo periférico; a natureza res-trita da política de seguridade social, decorrentede uma inclusão imperfeita da massa trabalha-dora aos empregos protegidos com a persistên-cia de amplos contingentes de trabalhadores in-formais, excluídos com suas famílias de um sis-tema de proteção e de Direitos sociais; e o enor-me volume da pobreza, como fenômeno de mas-sa (Lautier, 1995). São fatores que, articulados,contribuem para a formação de um massivo ehistórico processo de exclusão das famílias de tra-balhadores, dos benefícios do desenvolvimentobrasileiro (Ivo, 2001, 2008).

As razões da persistência da iniquidade daestrutura social brasileira não são, portanto, ex-clusivamente econômicas, mas se referem ao pa-drão altamente concentrador da renda e do poder,esse último garantido por uma herança lusitanade relações políticas e sociais autoritárias, que,

18 Acompanha esse processo todo um debate sobre a nature-za do excedente social de trabalhadores. A crítica a algumascategorias, como desocupação, subemprego e subocupação,setor informal, renda inadequada etc., permitiu avançar noreconhecimento de indivíduos submetidos a essas ocupa-ções como “trabalhadores”: trabalhadores por conta pró-pria, autônomos e independentes. Essa nominação temefeito simbólico de reconhecimento deles como sujeitosdo trabalho e permite, metodologicamente, ultrapassar as-pectos duais e atributos ou designações negativas, implíci-tos nas anteriores. Essa análise foi objeto do capítulo IV dolivro de Ivo (2008).

19 Nunes (1997), na Gramática Política do Brasil, destacaquatro fatores: o clientelismo, o patrimonialismo, ocorporativismo e o insulamento burocrático. Esse últi-mo é encaminhado pelo Estado autoritário. Jessé deSouza (2003, p.97) critica o uso das categoriaspersonalismo, familismo e patrimonialismo para expli-car as mazelas sociais nos países periféricos, porque,segundo ele, elas expressam uma visão “culturalessencialista”.

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desde a época colonial, mantiveram à parte “ho-mens livres”, moradores do campo e das cidades,considerados como “desocupados”, “vadios”, “va-gabundos”, “marginais” ou “resíduos”, frente aossetores hegemônicos da economia.

José Murilo de Carvalho (2000) aproxima a tran-sição da questão social brasileira à experiência conser-vadora da Alemanha, “onde houve aliança dos se-nhores de terra com o Estado e os industriais” (p.28).

INFLEXÕES DO PARADIGMA DO DESENVOL-VIMENTO NOS ANOS OITENTA E NOVENTA: ademocracia e os ajustes estruturais

O projeto de democratização nacional e a emer-gência de novos atores sociais

A década de oitenta, considerada a “décadaperdida” da perspectiva do projeto modernizador,pela estagnação econômica dos países da AméricaLatina – com retração da produção industrial,volatilidade dos mercados e redução do ritmo docrescimento –, expressa uma crise do modelo e aemergência de novos atores no cenário nacional,orientada por um processo de resistência políticae pressões para reconhecimento de direitos da ci-dadania. Do ponto de vista político, o período ca-racterizou-se por um alto nível do conflito social,quando o modelo nacional desenvolvimentista mos-tra sinais de esgotamento, e o projeto nacional éreapropriado pela cidadania mobilizada, com a emer-gência de novos atores sociais numa sociedade cadavez mais diferenciada. A dívida social do país com agrande maioria excluída se expressa na persistênciade um mercado de trabalho informal, integrado pelamaioria dos trabalhadores que sobrevivem em pata-mares mínimos de reprodução social e fora dos di-reitos à proteção social. Por outro lado, articuladas aessas desigualdades socioeconômicas e políticas,observam-se discriminações e desigualdadessocioculturais (de gênero, étnicas, etárias, religio-sas, etc.), herança da “tradição”, com pautas polí-ticas reatualizadas na escala internacional pelaslutas por direitos civis das minorias (étnicas; de

gênero; de ambientalistas, entre outras) em redestambém nacionais e pontos da agenda local, quese entrecruzam com as condições de classe e dereprodução das camadas populares trabalhadoras,em níveis de extrema pobreza.

A transição brasileira, nesse contexto dosanos 80, orientou-se pelas lutas para expansão dosdireitos da cidadania, num contexto de mobilizaçãonacional por democratização da sociedade e dasinstituições políticas de um Estado de direitos eliberdade de expressão. A sociedade civil se dife-renciou sob a influência de novos atores sociais: onovo sindicalismo, os novos movimentos sociaise as pressões de organizações não-governamentais,que se expandem desde 1986, os intelectuais, aIgreja, os partidos de esquerda de oposição ao re-gime militar, a imprensa, e, também, a formação deum novo empresariado paulista moderno, produ-tor de bens de capital. Esse segmento de classeconstituiu-se especialmente no governo Geisel, ecomeça a se autonomizar na formulação crítica depolíticas e defesa de interesses “nacionais”.20 OEstado desloca-se do seu papel racionalizador damudança e do progresso técnico-industrial paraatuar prioritariamente como mediador dos confli-tos dos distintos interesses da sociedade civil, (em-presários, trabalhadores e movimentos sociais), quepressionam por direitos civis, políticos e sociais.A alta mobilização dos atores sociais e partidos en-caminhou mudanças institucionais do Estado dedireito, que se consolidaram na Constituição Brasi-leira de 1988, especialmente na universalidade dedireitos sociais e de participação da cidadania.

Na contramão do projeto nacional: o diagnós-tico conservador da reforma do Estado dosanos noventa

Na contramão da historicidade dos atoressociais em luta, no Brasil como em outras socieda-

20 Um exemplo seria da Gazeta Mercantil e do PensamentoNacional das Bases Empresariais, criado em 1987, cujamissão é articular empresários para tornar o país econo-micamente mais desenvolvido, socialmente mais justoe politicamente mais democrático.

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des, observa-se, no âmbito internacional, uma rup-tura do pacto redistributivo que sustentou o Esta-do de Bem-estar em muitos países e cujos efeitossociais, nos anos 90, mostraram-se mais graves nassociedades latino-americanas, devido ao caráterainda incompleto dos regimes de bem-estar socialnesses países.

A oposição dos liberais ao pactoredistributivo dos regimes de bem estar não énova e expressa tensões clássicas entre forças li-berais e socialistas, que postulam por maior oumenor liberalização de mercados, maior ou me-nor grau de interferência do Estado na regulaçãodo capital e em favor da “desmercadorização”21

da força de trabalho, questões que integram oconflito distributivo (Ivo, 2007).

A crítica liberal ao modelo de bem-estar, nadécada de 50, considerava que as políticasredistributivas eram incompatíveis com o crescimen-to econômico estável e representavam pressão infla-cionária de difícil controle para os Estados nacio-nais (Perrin, 1969). O crescimento acelerado da eco-nomia até os anos setenta neutralizou essas criticas.Na contramão da crítica dos liberais, na década desessenta, setores da esquerda, dos trabalhadores edas diversas minorias organizadas em matéria de“igualdade” e direitos, criticavam o regime, exigin-do expansão de benefícios e cobertura de direitoscivis e sociais, pela pressão dos movimentos soci-ais. No Brasil, a expansão desses movimentos ocor-reu especialmente nas décadas de 70 e 80.22

O diagnóstico conservador da governabilidadepara a América Latina23 (Achard; Flores, 1997),

formulado em meados da década de setenta pelasagências multilaterais, aponta como fatoresdeterminantes da crise: a crise fiscal provocada pordemandas crescentes; excesso de democracia,provocando crise de autoridade; e oprovincianismo dos Estados nacionais, fatoresque, da perspectiva neoliberal, dificultavam alivre circulação de capitais. Esse diagnóstico cons-ta do relatório de Michel Crozier,24 SamuelHuntington e Joji Watanuki The Crisis ofDemocracy, encomendado pela ComissãoTrilateral em 1975, voltado para orientar interes-ses do capitalismo global, articulando os interes-ses dos países do Norte (especialmente EstadosUnidos e Europa) e Ásia (Japão). Ele orientou asrecomendações do Consenso de Washington e asreformas e ajustes do Estado, em diversos países,nos anos 90. Os autores desse relatório considerama incontrolabilidade da crise fiscal nos centros docapitalismo avançado como fator inflacionário e deingovernabilidade dos Estados nacionais, provoca-do pelo welfare. Sugerem medidas restritivas à de-mocracia pela reforma das instituições políticas sobhegemonia do mercado, em favor da estabilidadeeconômica e do combate à inflação.

Em 1981, a Organização para a Cooperaçãoe o Desenvolvimento Econômico – OCDE(Organization for Economic Co-operation andDevelopment – OECD),25 que representa interessesdos países ricos, reforça a tese original que opõepolíticas redistributivas (de bem-estar) aos objeti-vos do crescimento econômico, entendendo que aestagnação do crescimento dos anos 80, as altas ta-xas de inflação e o crescente desemprego resulta-vam diretamente da crise fiscal pelo excesso de de-21 Corresponde à expressão “decommodification“ usada

por Gosta Esping-Andersen (1990), que significa o aces-so dos trabalhadores a seguros e prestações sociais, ba-seados em direitos e políticas sociais, que representamuma socialização parcial da economia.

22 Essa tendência teve efeitos sobre países em desenvolvi-mento e se expressou em intensas mobilizações sociais nadécada de 70 e 80. A ação desses movimentos traduziu-sena expansão de direitos sociais básicos de cidadania inscri-tos na Constituição Brasileira de 1988, como a Previdênciaespecial rural e o Benefício da Prestação Continuada, alémde benefícios dirigidos aos direitos das minorias.

23 Sobre o detalhamento do diagnóstico da governabilidade,ver: Valladares e Coelho, 1995; Melo, 1996; Achard eFlores, 1997; Diniz, 1997; Boschi, 1999; Ivo, 2001. Aperspectiva “conservadora” refere-se à tradução políticada liberação econômica (mercados livres) com redução aintervenção do Estado no âmbito da economia.

24 O capítulo sobre os Estados Unidos foi escrito por SamuelHuntington, um economista americano conservador. Ocapítulo sobre a Europa Ocidental é da autoria do soció-logo francês Michel Crozier formulador das bases da açãoestratégica da Sociologia das Organizações; e o capítulosobre o Japão é da autoria do sociólogo japonês JojiWatanuki, autor de reflexões sobre a natureza do regimede acumulação na sociedade japonesa.

25 Organização que articula o “grupo dos ricos”, ou seja, 37países de alta renda e índices de desenvolvimento hu-mano que se orientam segundo princípios da democra-cia representativa e da economia do livre mercado. Foicriada em 1960, sucedendo à Organização Europeia paraa Cooperação Econômica (OECE), responsável pelaimplementação do Plano Marshall (1947) de reconstru-ção do continente europeu, no pós-guerra.

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mandas sociais, sem capacidade de processamentopelos Estados nacionais.

O esgotamento do regime de acumulaçãofordista no centro do capitalismo mundial reper-cutiu sobre as formas de regulação econômica epolítica, especialmente sobre o papel do Estadonacional como indutor do desenvolvimento e res-ponsável pela proteção social universal,priorizando mudanças institucionais nos Estadosem defesa da estabilidade, nos anos noventa, comênfase em ações estratégicas empreendidas porcorpos intermediários, tais como família,associativismo e desenvolvimento local, como ca-minho para enfrentar as crises cíclicas do mercado.O efeito dessas mudanças, do ponto de vista social,foi mais grave em países como o Brasil, dadas asenormes e históricas desigualdades sociais e o cará-ter incompleto das políticas de bem-estar social.

Essa transição alterou as responsabilidades doEstado nacional como promotor e regulador do de-senvolvimento, observando-se uma desconcentraçãodo poder do Estado nacional, reorientado por re-formas em favor do mercado, através dasprivatizações, e operando a descentralização depolíticas sociais com ênfase nas dinâmicas locais,na passagem de responsabilidades públicas para aesfera da sociedade civil, com base no modelo de“parcerias público e privado”, e, em termos deSeguridade e proteção, reorientando o princípiodo Estado (social) protetor de caráter universalistapara um Estado de assistência focalizada sobre osmais pobres, etc.

No plano econômico, priorizaram-se políti-cas monetárias voltadas para garantir estabilidade econdições necessárias à liberalização e mobilizaçãode capitais, especialmente financeiros. Um dos ato-res internacionais centrais dessa mudança é o Fun-do Monetário Internacional (FMI),26 que, na décadade noventa, orienta e controla os Estados nacionais

na aplicação de políticas de austeridade e ajustesfiscais, e de reforma do Estado, sob o argumento daadministração da dívida externa (Osmond, 1998).

Na década de noventa, o conflito se expres-sa, portanto, entre os interesses do projeto de de-mocratização nacional – formulado e conduzidopelos diversos atores nacionais na década de oiten-ta, em favor dos direitos da cidadania brasileira – eos atores internacionais, agências financeiras e dedesenvolvimento associadas aos Bancos Centrais ea setores comprometidos com a política monetarista,a reforma e o ajuste institucional do Estado.

Essa reforma, em prol de um modelo de Es-tado gerencial, assentado em critérios institucionaisde eficiência e competitividade, representa, na rea-lidade, um rearranjo interno de atores e instânciasde decisão e interesse, sob a hegemonia de políticasmonetaristas, e envolveu aplicação rigorosa do ajustefiscal, sobretudo nos governos dos países latino-americanos. Tal orientação aprofundou a rupturado pacto nacional-desenvolvimentista (entre Esta-do, elites empresariais e trabalhadores assalariadosurbanos), que vigorou até os anos 70, e neutraliza opapel do Estado nacional como processador de con-flitos, esvaziando parte das lutas encaminhadas nadécada de oitenta por atores da sociedade civil or-ganizada e expandindo a pauta de políticas sociaisorientadas também para o reconhecimento de direi-tos civis. O Estado nacional reformado, que sereestrutura na década de 90, reforça a função coer-citiva do Executivo como gestor do ajuste fiscal ereconverte os princípios universalistas da Consti-tuição de 88, relativo às políticas de seguridade dedireitos básicos universais, em ações de combate àpobreza pela via de programas estratégicos de assis-tência social focalizada.

Essa transição desloca a “temática do con-flito” (redistributivo) relativo às classes e ao pa-drão da integração social para “o tema dos proce-dimentos gerenciais” da eficácia da alocação debenefícios, transferindo princípios estratégicos domercado (eficiência e competitividade) para o Es-tado-gerente reformado, executor das metas de es-tabilidade e controle das contas públicas, exercidopor uma burocracia estatal moderna e eficiente, que,

26 O Fundo foi criado em 1944 para evitar desequilíbrios nobalanço de pagamento dos países membros, atuando naformulação de uma política monetarista e nomonitoramento dos programas de ajustes estruturais, naassistência técnica e treinamento aos países membros.Nos anos noventa, transformou-se em ator internacionalcentral da nova ordem neoliberal no monitoramento econtrole das contas públicas nos diversos países, em fun-ção da administração da dívida externa.

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nesse contexto, passa a se constituir como um dosatores fundamentais dessa transição.

A concepção do governo federal, no final dadécada de 80, considerava que o dilema daredistribuição e da “inclusão social” fora sustenta-da, no Brasil, com base em políticas monetaristas eplanos anti-inflacionários,27 realizados indiretamentepelo Plano Real. Esse Plano significou aumento realdo Salário Mínimo, o que favoreceu especialmentepessoas com renda mais baixa, facultando sua mai-or integração aos mercados e em melhores condi-ções de seguridade econômica, em termos reais. Àsociedade civil, nessa nova ordem, coube a respon-sabilidade pública do controle social, a fiscalizaçãodas contas públicas e a corresponsabilidade na im-plantação de políticas sociais através dos diversosconselhos e arenas públicas, além da busca de opor-tunidades competitivas no âmbito produtivo.

A local governance (anos 80-90): uma novacategoria normativa da ação prática para odesenvolvimento

Diante dos efeitos perversos da aplicaçãodas políticas de ajuste fiscal e da crise de repre-sentação dos atores, especialmente urbanos, o Ban-co Mundial, desde 1989, introduziu, em seus re-latórios sobre o desenvolvimento, a noção de localgovernance (World Bank, 1992). Trata-se de umespaço estratégico de intermediação e ação concer-tada de interesses contraditórios entre os diversosatores da sociedade civil, do mercado e do Estado,através de conselhos, comissões e fóruns. Essa açãoconcertada constitui-se num espaço aberto à cons-trução de arranjos entre diferentes agentes sociais,privados e públicos, na formulação de projetos dedesenvolvimento. Esse modelo reconhece que aspossibilidades competitivas dos projetos de de-senvolvimento, em distintas escalas, dependem dacoalizão e do acordo entre os atores. Por outro lado,considera a possibilidade de projetos de desen-volvimento pela capacidade de coordenação entreEstado, mercado e sociedade, em cada situação,

escala e temporalidade específica.O Presidente do Banco Mundial, numa fala

de agosto de 1991 (World Bank, 1992), consideravaque a estabilidade política e econômica não era sufi-ciente para o desenvolvimento. Sugere um conjuntode dispositivos normativos de “bom governo” e “boaspráticas”, de caráter moral (luta contra a corrupção,contra o familismo amoral, o corporativismo e oclientelismo, etc.), tendo em vista a construção deum novo consenso de Estado eficiente. Tais dis-positivos implicam medidas institucionais de trans-parência das contas públicas, eficiência adminis-trativa e competitividade, afastando as “más con-dutas” e o legado da ordem tradicional das rela-ções políticas corporativas e protecionistas do Es-tado com setores do empresariado e dos trabalha-dores.

Com base nas normativas das agências mul-tilaterais, formulam-se orientações práticas e trans-mitem-se novas modalidades de arranjos para ato-res públicos e privados, como as parcerias públi-co-privadas, a criação de arenas públicas, adescentralização das ações, accountability, etc. Taisarranjos são formadores de consensos parciais,destacando as (supostas) virtudes do Estado refor-mado na construção de ações preventivas contra“condutas indesejáveis”, resultantes da herança deuma cultura política autoritária, patrimonialista,clientelista e corporativa.

O grande equívoco situa-se na tradução dequestões políticas em problemas de gestão. Ao assen-tar-se sobre princípios morais de “boa conduta” e nãoem valores universais da democracia e da política, rei-tera-se um raciocínio binário e dual entre velhos enovos atores, desconhecendo-se a permeabilidade e acapacidade de adaptação dos atores da “tradição e damodernidade”, no campo institucional. No âmbito daspráticas, os agentes são sujeitos com capacidade estra-tégica para pactuar e atualizar seus interesses, compermeabilidade dos velhos atores em “novas práti-cas”, como a adesão à luta contra a pobreza por setoresde oligarquias tradicionais,28 e a adoção das “velhaspráticas”, envolvendo também partidos de esquerda.

27 Ver entrevista de Fernando Henrique Cardoso, publicadapor Achard e Flores (1997, p.80-90)

28 A criação do Fundo Nacional de Combate à Pobreza peloentão senador do PFL, Antônio Carlos Magalhães.

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A epistemologia emancipatória e participativapara um novo paradigma de desenvolvimento

Esse movimento de desconcentração doEstado e de emergência desses novos atores e mo-vimentos, na década de oitenta, é acompanhado,também, de uma crítica epistemológica ao caráterdedutivo e estrutural da noção de desenvolvimen-to como “um modelo universal” e único, regidopelo mercado e pela democracia liberal (ou mode-los autoritários), como se só existisse um tipo deregulação para os conflitos sociais em todas as so-ciedades e em todos os seus segmentos.

Essa crítica buscava superar a perspectivahomogeneizadora do desenvolvimento das déca-das de 50 e 60, como modelo universal, e é pensa-da também por alguns “[...] como um projeto dehumanidade solidária inerente a todos os atoressociais com capacidade autotransformadora parao desenvolvimento” (Prieto, 2010, p.82). Na reali-dade, parte dessa epistemologia se constitui naslutas por emancipação dos novos movimentos so-ciais (NMS) por igualdade e reconhecimento dasdiversidades, frente às múltiplas formas de exclu-são social e cultural (de gênero, de raça, de reli-gião, de gerações etc.), associadas às lutas sindi-cais e dos trabalhadores por justiça redistributiva.Essas lutas pressionaram por políticas públicas deacesso a bens públicos e fundiários (movimentosdos sem-terra, movimentos urbanos pela moradia,sem-teto, etc.), por melhoria das condições de vida(movimentos contra a carestia, entre outros) e poracesso a serviços públicos urbanos, etc. (Gohn,1985; Jacobi, 1989; Sherer-Warren, 2000, 2003).

A superação dessa polarização tem sidoencaminhada, ao menos, por duas perspectivas.Primeiramente, encaminha-se para um esforçometodológico de transversalidade, no sentido dearticular as dimensões de trabalho e classe, queenvolvem redistribuição, com dimensõesestratificadas das desigualdades e vulnerabilidadessociais, em termos de atributos socioculturais (esco-laridade, raça, gênero gerações e território), na dinâ-mica de conformação dos mercados de trabalho.

Os autores Axel Honneth [1992] 2002 e

Nancy Frazer (1997), da teoria social crítica reno-vada da Escola de Frankfurt, encaminham a supe-ração da polarização das pautas redistributivas,inerente à noção marxiana da classe social, com aslutas por reconhecimento, associadas à dimensãoweberiana do status. A. Honneth, fazendo dasnormas implícitas do reconhecimento o fundamen-to dos vínculos sociais, produz as bases de umalegítima crítica social (Géguen; Malochet, 2012,p.46). Nancy Fraser considera que o retorno à teo-ria do reconhecimento ocorreu pela ênfase cultu-ral das sociedades contemporâneas (cultural turn).Para a autora muitas reivindicações de justiça nãoexigem apenas melhorias econômicas, mas o reco-nhecimento de identidades e diferenças culturais.Ela, no entanto, critica as teorias do reconhecimentorestritas às dimensões culturais, morais eidentitárias, por desconhecerem a dimensãoredistributiva da justiça. Frazer considera que aquestão da justiça, nas sociedades contemporâne-as, caracteriza-se pela articulação de dois tipos de“injustiça”: a do tipo socioeconômico, manifestapela exploração do trabalho e pelas condições dereprodução material; e as do tipo cultural e simbó-lico, submetidas a formas de dominação cultural,desqualificação e invisibilidade social (1997).

A construção dos Fóruns Mundiais na lutaantiglobalização, nos anos 2000, aparece comoarena ampla e emblemática de articulação de redesde atores sociais em escala internacional. Asorganizações não governamentais e outrosmovimentos sociais comprometidos com aformulação de novos entendimentos e alternativasao desenvolvimento transnacionalizam as redes deinúmeros movimentos sociais na crítica ao regimede acumulação globalizado e ao “modelo único”(Sherer-Warren, 2000, 2003; Gohn, 1985, 2008).

Uma segunda dimensão da transversalidadeé observada a partir da dimensão do território, dosagentes e dos destinos locais nas suas interfaces earranjos no âmbito das escalas produtivas dos gran-des projetos ou de políticas locais. Para outros, asalternativas do “modelo” visam a considerar apermeabilidade de arranjos entre atores na cons-trução de pautas políticas locais ou regionais, em

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cada país, de acordo com suas singularidades his-tóricas, tal como analisaram Danielle Leborgne eAlain Lipietz para os contextos pós-fordistas naItália (Leborgne; Lipietz, 1991a, 1991b), e JoséRicardo Ramalho (2005), que discute a formaçãode novos padrões de participação e a formação deredes sociopolíticas que se constituem nas locali-dades onde ocorrem as atividades industriais.

Esses arranjos mobilizam atores distintos,quer se considerem áreas metropolitanas, quer setrate das tipicamente rurais. Nas áreas metropoli-tanas, o desenvolvimento local contempla arran-jos e interesses entre empresas industriais, traba-lhadores e agentes locais. Boschi e Gaitán (2008)destacam que alguns acordos têm grande impor-tância na geração de bem estar para os assalaria-dos, a exemplo dos “[...] acordos institucionais domercado de trabalho [...] por meio das negociaçõesentre os diversos atores envolvidos, no desdobra-mento de estratégias de qualificação da mão deobra.” A singularidade e inovação desses acordosexplora a dimensão participativa de empresários etrabalhadores “além da fábrica” (Ramalho eSantana, 2003), considerando os destinos regio-nais, a exemplo da análise sobre a experiência daComissão Tripartite do ABC paulista (Ramalho;Jacome, 2010) e dos distritos automotivos da bai-xada Fluminense (Jacome; Cunha; Ramalho;Santana, 2006). Por outro lado, o impacto de gran-des projetos nacionais tem efeito no âmbito local eregional, em relação à estruturação econômica e àquestão social e ambiental, mobilizando agentes(econômicos, sociais e políticos) em diversas esca-las de governança, que passam por arranjos emdiferentes níveis. Esses espaços contêm asuperposição de interesses contraditórios de atoresnos limites do território e constituem campos alter-nativos de discussão e construção de projetos dedesenvolvimento sustentado, em diferentes escalas(local, nacional e global), que envolvem movimen-tos contraditórios de integração ou exclusão, ou seja,o destino das populações tradicionais e locaispreexistentes e a emergência de novos atores de gran-deza e força distintas sobre um mesmo território.

Do ponto de vista do desenvolvimento

territorial de base rural, Wanderley (2000) mostracomo a opção prioritária por políticas agrícolasgerou problemas de exclusão de áreas e grupossocialmente marginalizados, e a necessidadeconsequente de integração de espaços e popula-ções na dinâmica econômica e social, assegurandoa preservação dos recursos naturais comopatrimônio de toda a sociedade, além da supera-ção das desigualdades e da pobreza.

Assim, do ponto de vista político, o territó-rio incorpora um movimento de mão dupla. Deum lado, ele se constitui como um espaço de reali-zação de projetos coletivos e, do outro, ele é o lu-gar de intervenção das políticas, dos poderes pú-blicos e dos agentes produtivos. Dessa perspecti-va, um projeto de desenvolvimento local, resultada convergência das demandas e iniciativas locaise da interferência dos grandes projetos nacionais esupranacionais (Wanderley, 2000). É na tensãodesses arranjos e escalas entre diferentes agentesque se conformam e constroem as tendências epossibilidades do (novo) desenvolvimento, noâmbito dos lugares e do território. O modelo dedesenvolvimento territorial oficial, promovido peloMinistério do Desenvolvimento Social e Combateà Fome (MDS), concilia combate à pobreza, segu-rança alimentar e nutricional, proteção ambientale geração de renda. O território torna-se, portanto,“um novo espaço de construção de projeto e arti-culação de políticas públicas em parceria com es-tados, municípios e sociedade civil” (MDS, 2012).O processamento dos conflitos em escala global ope-ra a passagem dos projetos de desenvolvimento lo-cal e dos interesses particulares de múltiplos atorespara escalas e entendimentos mais globais. Essa pas-sagem não significa que o desenvolvimento nacionalse constitua do somatório de iniciativas locais, masda capacidade de prevalência e força de agentes deorientar esses projetos e as forças em escalas maisampliadas. Depende, portanto, da capacidade doEstado na relação com países, mas também da interfaceda rede de atores sociais nacionais e globalizados. Odesafio posto pelas novas epistemologias é de ultra-passar dimensões particularistas na direção dequestões universais e globais, sem o risco da capi-

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tulação dos sujeitos pelo universalismo econômi-co liberal do mercado, ou pelo essencialismo dosmovimentos identitários.

A perspectiva reformista do Estado, dosanos 90, orientada para a desconcentração do Es-tado em benefício de políticas descentralizadas,também reforça o papel do local e damicroeconomia na sustentabilidade de um desen-volvimento endógeno, econômico e social, local eregional, como possibilidade inovadora e degovernança local.

Essa dupla matriz – que caminha em para-lelo e segundo marcos políticos e ideológicos dis-tintos, ou seja, aquela dos novos movimentos so-ciais emancipatórios e a dos dispositivosnormativos da reforma institucional – produz uma“convergência contraditória”, que expressa movi-mentos de hegemonia e contra-hegemonia, nosquais a polissemia inscrita nas categorias interme-diárias de governança, capital social, capital hu-mano, redes sociais, inovação, etc. expressa um“giro linguístico” (Ianni, 1999) pelo qual essasnoções são mediadoras da transformação das rela-ções sociais e de poder.

Na linha institucional, na década de noventa,alguns autores (Coleman, 1990; Putnam [1994]1996; Baas, 1997; Joseph, 1998; Bullen; Onyx,1998, etc.) destacam os determinantes culturais esocietários como lastro para o desenvolvimentoinstitucional, a inovação econômica e o desempe-nho das políticas públicas. Eles reconhecem queaspectos da cultura local e populações tradicionais,como as redes de confiança e sociabilidade – capi-tal social – geram solidariedades que fomentam ainovação, podendo estimular o empreendedorismolocal e fortalecer a democracia.

Outros autores (Le Galès, 1995; Diniz, 1997;Préteceille, 1999; Ivo, 2001, 2004b; Barba;Ivo;Valencia; Ziccardi, 2005), no entanto, apon-tam para alguns limites dessa tese e das categoriasde alcance médio, como capital social, localgovernance, e redes sociais. Essas categorias, mui-tas vezes, assumem um caráter normativo e difuso.Por outro lado, os arranjos societais, longe dascondições econômicas que estruturam o conflito

redistributivo, podem induzir uma perspectiva“comunitarista romântica”, afastada da dimensão doconflito e das instituições do Estado. Ao consideraro mercado como a via principal da integração social,os processos cooperativos podem ocultar relaçõesassimétricas, de atores hegemônicos do financiamento,transferindo os riscos dos empreendimentos e dofluxo financeiro para os setores populares.

A ideia de sustentabilidade associada aodesenvolvimento endógeno anuncia uma novautopia de equilíbrio entre crescimento econômico,equidade social e proteção do meio ambiente(Lebauspin, 2010), mas mostra também a comple-xidade e a polissemia implícitas nesses processos,que podem “fetichizar o lugar do conflito dos agen-tes, em favor do mercado.

Para alguns (Veiga, 2005; Sachs, 2002, 2004),a sustentabilidade do desenvolvimento, combina-da ao paradigma da igualdade e da proteção social,anuncia uma nova utopia da sustentabilidade, ca-paz de agregar projetos coletivos. Assim, a noçãode “desenvolvimento sustentável”, desde fins doséculo XX, vem se constituindo num paradigmaaglutinador de projetos críticos ao modelo de cres-cimento econômico, associando a ele a defesa domeio-ambiente e o princípio da equidade social, erecolocando o tema da integração social pela viada luta contra a pobreza como condição fundamen-tal do novo desenvolvimento sustentado.29

A AGENDA DA INTEGRAÇÃO SOCIAL VIAMERCADO NO PÓS-CONTEXTO DE WA-SHINGTON

Esta parte analisa as vias de encaminhamentoda integração social no contexto dos anos dois mil,orientadas pela agenda internacional do combate àpobreza, que considera dois processos: a mobilizaçãodos pobres na luta contra as suas condições de po-

29 O documento final da Rio+20 O Futuro que Nós Que-remos reafirma esses princípios, que enfatizam promes-sas para avançar para uma “economia verde”, que freie adegradação do meio ambiente, combata a pobreza e re-duza desigualdades, que não atendeu às expectativasdas ONGs por faltar comprometimentos reais sobre osmeios e recursos para viabilizar essas transformações.

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breza, com base num empreendedorismo social, e avia compensatória da transferência de renda a famí-lias em condições de extrema pobreza. Qual o al-cance do ponto de vista da desmercadorização, ine-rente à regulação do Estado com base nas políticassociais?

A agenda para os “pobres viáveis”: oempreendedorismo como via de superação dapobreza nos anos 2000

A inserção dos países na dinâmica da acu-mulação globalizada dificultou a conciliação dastarefas regulatórias do Estado nacional como pro-vedor do desenvolvimento com equidade, numambiente democrático. Os efeitos dessocializadores(desemprego, precarização, insegurança e empo-brecimento de setores médios urbanos) gerados pelareestruturação produtiva e a aplicação rigorosa doajuste fiscal pressionaram os liberais para uma re-visão crítica quanto à temática da integração. Aí seinsere o que estamos chamando de pós-consensode Washington, priorizando a agenda internacio-nal “da luta contra a pobreza”, nos anos 2000. Elaintegrou os Objetivos do Milênio (2000) formula-dos pelo Programa das Nações Unidas para o De-senvolvimento (PNUD), que estabeleceu metas paraos países membros de: acabar com a extrema po-breza, promover a igualdade entre os sexos,erradicar as doenças e fomentar as bases de umdesenvolvimento sustentável até 2015, entre ou-tros objetivos.

As agências multilaterais no combate à po-breza têm se orientado segundo as teses liberais deAmartya Sen. Na crítica à abordagem economicistada pobreza restrita à insuficiência de renda, elepropõe a definição da pobreza como “privação decapacidades”. Seu diagnóstico sugere a mobilizaçãoe o poder dos “pobres” no enfrentamento da suaprópria condição de pobreza. Essa tese reforça aperspectiva emancipatória de autonomia e res-ponsabilidade individual dos sujeitos em condi-ção de pobreza, supondo a transformação dos in-divíduos “pobres” da condição de “sujeito passi-

vo” para a de “sujeito ativo”, protagonista da mu-dança social [mobilidade]. Isso implica, para Sen,o acesso e o desenvolvimento de capacidades es-tratégicas das camadas populares.

Essa tese orienta os relatórios das NaçõesUnidas (PNUD, 1997) quanto a uma nova pers-pectiva do desenvolvimento social e humano, edá base para a construção de metodologias demensuração da pobreza segundo “NecessidadesBásicas”,30 o Índice de Desenvolvimento Humano(IDH), induzindo políticas públicas que enfatizamo acesso dos “pobres” a capacidades básicas (edu-cação, saúde, poder, etc.). Acompanhando a pers-pectiva de Sen, o PNUD definiu, na década de 90,o “desenvolvimento humano” como um processode: alargamento das escolhas pessoais em termosde acesso à vida longa e saudável; aquisição deconhecimentos; e acesso a recursos necessários aum padrão de vida adequado. Agregou a essas es-colhas valores políticos e humanitários, como: li-berdade política, direitos humanos e oportunida-des dos indivíduos e cidadãos serem criativos,fomentando a “inovação”.

Esse paradigma assenta-se na perspectiva li-beral de autonomia do sujeito “empoderado” – o“pobre” – e não se refere às condições estruturaisdeterminantes da pobreza. Ele tem influenciado aconcepção das políticas sociais contemporâneas, combase nos paradigmas de capital humano, do capitalsocial, local governance, que operam o mito do de-senvolvimento exclusivamente pela individualizaçãoda capacitação dos “pobres” na luta para a superaçãode sua própria condição de pobreza.

Essa tese traz uma tautologia implícita: con-verte a inserção individual dos pobres no merca-do (como produtores e consumidores) em “virtu-de emancipatória”. Reorienta os precários bensdisponíveis das famílias populares (casa, terra e

30 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) agregaindicadores sintéticos de educação, saúde (expectativade vida ao nascer) e renda, possibilitando comparaçãoentre países e regiões. Ele classifica os países segundo ograu de desenvolvimento humano, em três blocos: aque-les com alto desenvolvimento humano (países desen-volvidos); os de médio desenvolvimento humano (paí-ses em desenvolvimento) e os que apresentam baixodesenvolvimento, situação típica dos países subdesen-volvidos, segundo o PNUD.

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trabalho) em “ativos” e “bens de capital” do em-preendimento, orientados para superar sua con-dição de vulnerabilidade social e pobreza. Se-gundo o Banco Mundial, à mobilização desses“ativos” (propriedades) – que, em realidade, seconstituem em recursos de sobrevivência dostrabalhadores do setor informal –, agregam-seoutros “capitais” sociais e culturais, segundoMoser (1996), como a solidariedade familiar eas redes comunicativas, consideradas pela eco-nomia popular como “oportunidades” no enca-minhamento das soluções para as condições depobreza. Ou seja, as formas de resistência dos tra-balhadores autônomos da economia informal sãoressignificadas como “virtudes do capital”.

A estratégia orientada para a microeconomia éa via liberal para os “pobres viáveis”, aqueles compossibilidade de se transformar em “cidadãos em-preendedores e consumidores”, pela via de integraçãoao mercado. Sem desconhecer a potencialidade dosempreendimentos solidários e da microeconomiano fomento ao mercado interno e mesmo a supera-ção de situações de pobreza, a tese da auto-organi-zação estratégica do setor popular ativo transforma“os pobres viáveis”, aqueles inseridos no mercado,em agentes financeiros e consumidores no âmbitolocal, pelo acesso ao crédito e ao consumo, assu-mindo também os riscos do endividamento nomédio prazo. Portanto, a mobilização das variáveissocietais e culturais como fontes de desenvolvimentopode ocultar o caráter conflitual do mercado em fa-vor das “virtudes morais” da “cooperação”,reconvertidas, então, em bens do mercado. Trata-sede reorientar a sociabilidade do setor popular, trans-formando quaisquer tipo de “inserção” em “bem”de mercado e em supostas virtudes da “integraçãosocial” [pelo mercado].

A agenda pública para os “pobres não-viá-veis”, na luta contra pobreza dos anos 2000:os programas de transferência de renda

A segunda via que encaminha a temática daintegração social no contexto da agenda pós-Con-

senso de Washington orienta-se pela aplicação dosprogramas focalizados de transferência de renda,como “assistência aos mais pobres”. A reorientaçãoda política social centrada no combate à pobreza,por essa via, busca reduzir os efeitos adversos dosajustes estruturais e da reestruturação produtiva,institucionalizando-se à margem do campo da pro-teção social.31

O desenho da nova política, no contextode hegemonia neoliberal, implicou distensão darelação pilar entre proteção social e emprego,rompendo o modelo que caracterizou a constru-ção parcial do Estado social.32 Essa mudança sefez através de um novo modelo de focalizaçãoda política social, que envolve responsabilida-des partilhadas entre Estado e sociedade, no en-caminhamento da assistência aos mais pobres.A ideia é fortalecer a capacidade dos pobres delutar contra pobreza, integrados à dinâmica domercado, potencializando, ao mesmo tempo, oconsumo interno. Essa mudança obedece a al-guns princípios: o estratégico (flexibilidade esegmentação da focalização); o societário, de ca-ráter local (partilha de responsabilidades entrepúblico e privado via sistemas de governança lo-cal); o da racionalidade econômica do mercado(mediante a transferência direta de renda aosbeneficiários dos programas, que se transformamem consumidores).

O centro da política social, no contexto atu-al, desloca a dimensão mais universalista de direi-tos e redistribuição da riqueza nacional para o trata-mento compensatório da assistência a partir dos seusefeitos – a pobreza, a miséria –, aprofundando oconflito redistributivo na base da pirâmide da ren-

31 O campo de atuação das políticas sociais, no Brasil, após aConstituição de 1988, estrutura-se em torno de três núcle-os de direitos (IPEA, 2003): (i) aquele dos direitos sociaisbásicos estruturados no aparelho do Estado; (ii) os vincu-lados constitucionalmente, que respondem pela garantiados direitos sociais básicos constitucionais, mas não estãoprotegidos de cortes orçamentários (Ex. Programa de Re-forma Agrária; Fome Zero); e (iii) e os programasemergenciais dirigidos a atenuar situações de vulnerabilidadesocial de segmentos específicos (Ivo, 2004a).

32 Esse Estado foi apenas parcialmente implantado noBrasil. Os direitos sociais restringiam-se à camada detrabalhadores assalariados do mercado de trabalho for-mal. A Constituição de 88 universalizou o direito à as-sistência como política securitária de proteção a todos oscidadãos.

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da, entre “pobres” e “quase pobres”, ou seja, pesso-as em condição de pobreza e trabalhadores assalari-ados. Como indica Lautier (1999), “desvinculandoa pobreza dos seus determinantes estruturais, se-param-se os indivíduos submetidos a essa condi-ção dos seus lugares no sistema produtivo”.

Assim, o encaminhamento da integração soci-al com base na erradicação da pobreza desvincula os“pobres” do sistema de proteção social, e daestruturação do mercado de trabalho, passando a as-sistência a constituir-se como um atributo individual“moral” dos “mais” necessitados. Essa reconversãotransforma o princípio da universalidade dos direi-tos sociais em programas e medidas técnicas e es-tratégicas de selecionar, controlar e atribuir benefí-cios a grupos de famílias, não se constituindo emdireitos (Ivo, 2001, 2004a), ainda que operem o alí-vio das condições de extrema pobreza.

A responsabilidade do Estado no provimen-to do bem-estar é reorientada para a norma da efi-ciência na seletividade e acompanhamento dascondicionalidades. Institui-se, assim, um novoparadigma da “justiça social com eficácia” (Ivo,2011), pelo gerenciamento da distribuição dosmínimos sociais para os que realmente precisam,evitando-se, de acordo com essa tese, supostosdesvios nos gastos sociais. No caso do Brasil, oPrograma Bolsa Família manteve, nos últimos anos,um patamar de 0,4 % do PIB, e a expansão e ocrescimento do programa foi possível pelo cresci-mento da renda nacional.33 Para os desamparadosda proteção pública, desenvolvem-se também po-líticas de proteção civil (Castel, 2004) da “ordem”,voltadas para conter as máfias e o crescimento daviolência, especialmente nas periferias urbanas.Substitui-se, portanto, a política do welfare porpolíticas coercitivas de proteção civil na constitui-ção de um aparato de segurança pública para ossetores populares.

A aplicação massiva desses programas detransferência de renda, a valorização do salário

mínimo e a recuperação de postos de trabalho pro-tegidos, juntos, influenciaram a queda dos indica-dores de desigualdades de renda. Isso teve impac-to político e simbólico, especialmente no ambienteinternacional, consolidando a “prova da eficácia”do modelo de transferência de renda em favor domercado, o que estaria favorecendo a mobilidadesocial e a expansão de uma nova classe média,festejada pelos agentes do mercado.

Do ponto de vista analítico, no entanto, éimportante considerar o illusio que reafirma o mer-cado como instância justa e autorregulável. Em pri-meiro lugar, a renda, apesar de relevante, não é su-ficiente para determinar mudança de classe social.Nos setores populares, ela é extremamente variável,em função da incerteza e da vulnerabilidade dotrabalho informal. A incorporação de capital cul-tural constitui-se também, segundo Bourdieu, emfundamento da hierarquia social, definindo as con-dições distintas de apropriação de bens materiaise ideais, como analisa Souza (2010). Do ponto devista da relação de trabalho, a renda não explicitaa precarização das relações de trabalho, os déficitsde educação e o capital cultural, valorizando maiso aumento do consumo. O triunfalismo do “con-sumo dos pobres” reproduz outra illusio, a queconsidera que a nova “classe média” formaria ago-ra a espinha dorsal da estrutura social brasileira.

CONCLUSÃO

Este trabalho buscou historicizar os contex-tos que alteram a natureza dos atores, do Estado edas políticas, com ênfase nos vetores do conflitonas relações internas e externas, e o das desigual-dades e da integração, da perspectiva da regulaçãodas políticas sociais do Estado em vista dos objeti-vos de bem-estar e de cidadania. As alternativasde encaminhamento da integração social, no perí-odo pós-consenso de Washington, nos anos 2000,mostram como as políticas sociais, ajustadas aomercado e orientadas segundo princípios de ges-tão estratégica da focalização do Estado “eficien-te”, apresentam limites no padrão da distribuição,

33 O programa Bolsa Família se expandiu rapidamente ehoje atinge 12,8 milhões de famílias com um gasto de14,8 bilhões, o que representa 0,4 % do PIB desde 2009 .Entre 2003 e 2010, ele incorporou 9 milhões de famílias,passando de 3,6 milhões de famílias beneficiadas em 2003para 12,8 milhões, em 2010.

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nos direitos da cidadania e nos objetivos maisamplos da seguridade econômica e alimentar, semdesconhecer as melhorias no alívio das famíliasem condição de pobreza.34

Diante da intervenção do Estado em políti-cas massivas dirigidas aos segmentos mais pobres– o que resultou num padrão de crescimento comredistribuição, em países da América Latina –, al-guns autores e agências (CEPAL, 2010; Delacourt,2009) indagam se estamos voltando a políticaskeynesianas centradas num papel central eintervencionista do Estado como indutor de umdesenvolvimento sustentado na consolidação domercado interno. Nesse caso, as políticas massivasde transferência de renda teriam fomentado a eco-nomia popular na constituição de um processo dedesenvolvimento endógeno.

Bresser Pereira35 (2006) e Renato Boschi eFlávio Gaitán (2008),36 como outros economistas,reabrem o debate sobre um neodesenvolvimentismono Brasil, que articula instituições de governo einstituições econômicas na coordenação de umacordo nacional para crescimento e distribuição.Boschi e Gaitán (2008) advertem que esse acordo“[...] não significa subsumir a política ao domínioda economia, senão [...] reclamar a necessidade decada sociedade de estabelecer acordos mínimos quepermitam o desenvolvimento e o bem-estar” (p.313).Nesse sentido, eles reconhecem que a agenda so-cial ocupa um plano relevante no modelo de umneodesenvolvimentismo em formação.

Da minha perspectiva, considero que avali-

ar a relevância da agenda social do desenvolvimen-to hoje implica analisar um padrão decisivo doEstado na distribuição e no enfrentamento da di-mensão estruturante e qualificada de inserção pelomercado de trabalho e na proteção sustentada emdireitos sociais, ou na regulação das relações nãomercantis (base de que tratam as políticas sociais).Conquanto se reconheçam resultados positivos noalívio à pobreza, políticas vigorosas de proteção eintegração social não se restringem a programasgovernamentais de transferência de renda, masdependem das condições estruturais da distribui-ção, da qualidade das políticas públicas e da qua-lidade de inserção dos indivíduos na esfera dotrabalho, eixo fundamental da integração social.Os dispositivos normativos das agências multila-terais e dos agentes dos governos, relativos à teseda “eficiência do gasto social”, geraram uma “co-munidade epistêmica” (para usar expressão dePalier; Prévost, 2006), que reforça a eficácia da“focalização” na sustentação de um desenvolvimento“moralmente” mais justo, uma vez que orientadopara os que mais precisam. A aplicação massivadas políticas de transferência de renda e seus efei-tos sobre o mercado interno e sobre indicadores dedesigualdades, ainda que tenham resultado tambéme, sobretudo, da ação de outras políticas (como aaplicação de direitos básicos constitucionais, a apo-sentadoria rural e o aumento do salário mínimo),consolidam um convencimento generalizado sobreum novo Estado social “eficiente” pró-pobres, con-siderado, dessa perspectiva, como socialmente maisjusto, porque redistribui renda a aqueles que “efeti-vamente” dela mais precisam. Alguns sociólogos(Dowbor, 2008) destacam a potencialidade dos pro-gramas de transferência de renda e do microcréditocomo dinamizadores de um “círculo virtuoso” damicroeconomia e da inserção social, estímulo aomercado interno, o que pode impactar positivamentesobre a mobilidade social mais ampla. Outros(Asseburg; Gaiger, 2007) reconhecem esses valores,mas advertem sobre os seus alcances limitados emrelação às condições estruturais da distribuição, àqualidade das políticas públicas e à naturezaprecarizada das relações de trabalho.

34 Sobre a perspectiva das políticas sociais e do padrão dasdesigualdades como elementos de sustentabilidade parao Brasil na crise, ver Ivo e Laniado (2012).

35 Bresser Pereira (2006) defende um “novodesenvolvimentismo” para países de desenvolvimentomédio, como o Brasil, que deve expressar um novo acor-do entre as classes sociais e um Estado forte, voltadopara a construção de uma estratégia nacional de desen-volvimento (p.10-11), que contemple a manutenção daestabilidade macroeconômica, o fortalecimento do mer-cado e do Estado, com ênfase numa política industrial, ea promoção de poupança interna e inovação[p.19].

36 Boschi (2008) considera que as mudanças operadas nocapitalismo, em âmbito global, impedem retorno a mo-delos desenvolvimentistas clássicos. Para ele o“neodesenvolvimentismo” constitui “um modelo emformação, que postula a construção de um espaço decoordenação entre as esferas públicas e privadas, com oobjetivo de aumentar a renda nacional e os parâmetrosde bem estar social.” (p.306).

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Essas mudanças exigem retorno a um deba-te sociológico sobre um novo modelo de desen-volvimento em formação e sobre as perspectivasmais universalistas das políticas sociais, que in-dague a “quem” se dirigem os resultados dessaspolíticas, o “como” se está crescendo e “quempaga” os custos desse modelo. A resposta a essasquestões exige uma agenda de pesquisas sobre asmudanças em curso e sobre os limites do cresci-mento endógeno, determinante para os objetivosde sustentabilidade do desenvolvimento, conside-rando-se a disjunção entre capital e trabalho, di-ante da crise estrutural e histórica contemporânea.

(Recebido para publicação em 12 de março de 2012)(Aceito em de 18 de junho de 2012)

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THE PARADIGM OF DEVELOPMENT: from thefounding myth to the new development

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This paper aims at historicizing thecontexts that reorient the concept ofdevelopment in Brazil, from the 30s to the 80s,going through the neoliberal adjustment of the90s, to the current inflections that question ifthe new massive and strategic interventionismof the State in social policies for the poorest pointsto a new model of development. The analysispresents inflections of the cepalino model,Cepal’s theory (Economic Commission for LatinAmerica) of the 50s and 60s, in order to prioritizethe social dimensions to mediate contradictionsamongst economics, politics and institutionalaffairs. The leading thread adopts two analyticalvectors: the topic of conflict (redistribution) andintegration. The former is established on classcoalitions and confrontation between nationalactors and multilateral agencies; integration, inthe counterface of the conflict, takes intoconsideration the opening of public policies aswell as the innovation of social and politicalactors in new arrangements oriented to theobjectives of the social welfare and citizenship,from a more supported perspective.

KEY WORDS: development, modernization,structural adjustment, State, social policies,poverty.

LE PARADIGME DU DÉVELOPPEMENT: dumythe fondateur au nouveau développement

Anete B.L. Ivo

Cet article cherche à historiciser les contextesqui réorientent la notion de développement auBrésil, des années 30 aux années 80, en passantpar l’ajustement néolibéral des années 90 pour enarriver aux inflexions actuelles qui se demandentsi l’interventionisme massif et stratégique de l’Étatau sein des politiques sociales en faveur des pluspauvres est le signe d’un nouveau modèle dedéveloppement. L’analyse montre des inflexionsdu modèle cépalien des années 50-60 et essaie dedonner la priorité à des dimensions sociales dansla médiation des contradictions entre l’économie,la politique et l’institutionnel. Le fil conducteursuit deux vecteurs d’analyse: le thème du conflit(redistributif) et celui de l’intégration. Le premierse base sur les coalitions de classes et les conflitsentre les acteurs nationaux et les agencesmultilatérales; et celui de l’intégration, à l’opposédu conflit, qui considère l’ouverture des politiquespubliques, mais aussi l’innovation acteurs sociauxet politiques dans de nouveaux arrangements quivisent des objectifs de bien-être social et decitoyenneté de manière plus soutenue.

MOTS-CLÉS: développement, modernisation,ajustement structurel, État, politiques sociales,pauvreté.

Anete B.L. Ivo - Socióloga. Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em CiênciasSociais da UFBA. Pesquisadora do Centro de Recursos Humanos da UFBA. Titular da Cátedra Simon Bolivar(Université de Paris III, 2000). Professora visitante da Université Paris XII (2006). Pesquisadora visitante doCREDAL-CNRS (1991). Editora do Caderno CRH (1996 a março de 2012). Seus trabalhos tratam sobremodernidade, questão social, Estado, espaço público e local governance. Publicou, entre outros, Metamorfo-ses da Questão Democrática (Buenos Aires, 2001) e Viver por um fio [...] (Annablume, 2008). Em co-autoriacom Ruthy Laniado, The Brasilian Approch to Crisis: [...] In: U. Schuerkens. Socio-economic Outcomes of theGlobal Financial Crisis (Routledge, 2012) e The Transformation of the Social Issue: [...]. In: U. Shuerkens.Globalization and Transformations of Social Inequality (Routledge, 2010).