O SUS Sindrome Da Dualidade_AMELIA COHN

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  • 7/24/2019 O SUS Sindrome Da Dualidade_AMELIA COHN

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    REVISTA USP, So Paulo, n.51, p. 6-15, setembro/novembro 20016

    J

    O Sistema nicode Sade:a sndrome da

    dualidade

    na dcada de 50 publicada a clebre obra de

    Jacques Lambert intitulada Os Dois Brasis, apontan-

    do para a caracterstica de nosso pas de ser uma

    sociedade crivada pela ento tida como uma abso-

    luta dicotomia entre o Brasil moderno e o Brasil atrasado. Tal obra

    pertencia escola de pensamento vinculada concepo de que

    a modernizao da sociedade brasileira estava se processandoatravs de enclaves modernos (os ncleos urbanos, sobretudo do

    Sudeste do pas) numa sociedade atrasada, e que esses enclaves

    pela ausncia de uma articulao com os setores mais atrasados da

    sociedade no conseguiam se espraiar e produzir efeitos em cas-

    cata de modernizao daquelas reas atrasadas. Em resumo, tra-

    tava-se de apontar como, imperando a lgica ento vigente de se

    pensar o desenvolvimento do pas, vale dizer da modernizao dasociedade brasileira, a clivagem entre o atrasado e o moderno

    (entre o urbano e o rural, portanto) no seria superada.

    AMLIA COHN

    AMLIA COHN

    sociloga, professora doDepartamento deMedicina Preventiva daFM-USP e pesquisadora doCedec.

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    aJ as dcadas de 50, 60 e 70 caracterizaram-se pela produo

    de uma vasta literatura sobre a questo do desenvolvimento brasi-

    leiro que apontava na direo de mostrar que essa aparente dicotomia

    entre o atrasado e o moderno na realidade consistia numa articula-

    o entre ambas tendo como lgica imperante exatamente o fato de

    que o atraso exatamente sustentava e permitia o moderno, sendo

    este promovido custa daquele. So os estudos sobre desenvolvi-

    mento e subdesenvolvimento, a maior parte deles inspirados na

    concepo cepalina de desenvolvimento, caracterizada sobretudo

    pela nfase dada ao Estado como agente por excelncia modernizador

    da sociedade. Corresponde, portanto, ao perodo em que impera

    a concepo de Estado desenvolvimentista, valendo destacar que o

    que se buscava era quebrar o crculo virtuoso da pobreza, trans-

    formando-o num crculo virtuoso.

    Todos os estudos, porm, independentemente das escolas

    de pensamento a que se filiam, apontam e denunciam as enormes

    desigualdades sociais que imperam historicamente no pas, atribu-

    da sua origem herana do Brasil colnia e da economia extrativista-escravagista dos ciclos econmicos, e seus determinantes selando

    o destino do posterior desenvolvimento econmico do pas,

    marcado pelos enclaves econmicos e sociais. A depender da

    poca e das crises cclicas de nossa economia, enfatizava-se a dis-

    crepncia regional, entre o urbano e o rural, e/ou entre ricos e

    pobres. No entanto, um trao comum e permanente dessa lite-

    ratura ao longo da histria reside exatamente na onipresena,embora sempre analisada de diferentes ngulos, dessa discrepn-

    cia de vrias ordens e naturezas presente em nossa sociedade.

    Da no ser de estranhar, uma vez que foi exatamente

    inspirado nessa literatura, o ttulo deste artigo. Trata-se, aqui, de

    se pensar se a proposta do Sistema nico de Sade efetivamente

    vem seguindo as diretrizes que constitucionalmente lhe conferi-

    ram determinadas caractersticas. Dentre estas, a da universalida-

    de e a da eqidade de todo cidado ao acesso ateno sade,

    concebida como um direito de cidadania e um dever do Estado.

    Polt

    icasdeSa

    de

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    Em conseqncia, o que se ir buscar

    verificar nas sees que seguem at que

    ponto a implementao do Sistema nico

    de Sade vem obedecendo aos preceitos

    constitucionais, o que nesse caso significa

    instituir a eqidade e a universalidade do

    direito sade superando ou pelo menos

    apontando para a superao das dualidades

    que marcam nossa realidade.

    ALGUMAS DAS HERANAS QUE O

    SUS CARREGA

    Como o propsito aqui no o de de-

    senhar um balano quantitativo do que vemsendo feito no que diz respeito ao SUS,

    mas apresentar alguns elementos que per-

    mitam compreender em que direo a sua

    implementao se orienta, faz-se necess-

    rio resgatar no a histria propriamente da

    sua formulao, mas sim as principais con-

    cepes que a orientaram.

    A primeira delas, e que merece desta-

    que, diz respeito concepo propriamen-

    te poltica da reforma sanitria brasileira(1), sobretudo no que se refere ao entendi-

    mento que ela expressava em termos do

    papel da sade no processo mais amplo de

    reforma social e do Estado. Neste ponto,

    cabe registrar que a concepo de Estado

    que inspirava o movimento sanitrio era

    exatamente aquela do modelo do Estado

    desenvolvimentista. Em conseqncia, re-

    formar o sistema de sade consistia em re-

    formar o Estado, tomando-se este como o

    grande agente modernizador da sociedade

    brasileira. Em termos da traduo poltica

    desse processo, o que se tem , liderado

    pelo Partido Comunista Brasileiro, uma

    dinmica concomitante de ao mesmo tem-

    po que se formulava um arcabouo institu-

    cional para a sade, que acabou redundan-

    do na proposta do SUS, implementava-se a

    estratgia de ocupao de espaos estra-

    tgicos no interior do aparelho de Estado

    como mecanismo de se fazer avanar aimplementao dos passos iniciais que

    dariam condies para viabiliz-lo.

    Dentre esses passos destacam-se no

    mnimo trs. O primeiro deles, o de se fazer

    avanar a descentralizao da sade, para o

    que havia como condio necessria dece-

    par uma das cabeas do(s) sistema(s) de

    sade ento vigente(s): aquela que tinha

    como suporte o maior volume de recursos

    para se financiar a assistncia mdica, e

    que consistia no sistema previdencirio

    dessa assistncia, vale dizer, os extintos

    INPS e Inamps. Como corolrio, na dca-

    da de 80, assiste-se a uma progressiva des-

    centralizao da prestao dos servios de

    sade para estados e municpios, sobretu-

    do no que diz respeito assistncia mdica

    previdenciria (2).

    Decorrente daquela primeira concep-

    o, os militantes da reforma sanitria en-tendiam que o poder local leia-se o muni-

    cpio possibilitaria um maior controle da

    sociedade sobre as polticas de sade, fa-

    zendo com que estas se tornassem mais ade-

    quadas s reais necessidades de sade da

    populao, e o Estado mais permevel s

    demandas sociais. No entanto, e isso ter

    repercusses posteriormente, como se ver,

    tendo em vista a adeso ao modelo do Es-

    tado desenvolvimentista, a nfase dada aoprocesso de descentralizao consistia em

    conceber e defender mecanismos de

    descentralizao com nfase somente no

    poder Executivo, deixando-se para segun-

    do plano os demais poderes e o to

    onipresente nos discursos da poca con-

    trole social. E, de fato, os estudos sobre

    descentralizao egood governancena rea

    da sade efetivamente concentram suas

    atenes s iniciativas dos governos locais,

    concebidos estes como restritos ao Execu-

    tivo local.

    Reside nisso uma das inmeras tenses

    do processo de construo do SUS no Bra-

    sil, que consiste em ao mesmo tempo que

    se faz a defesa da descentralizao como o

    mecanismo por excelncia de democrati-

    zao da sade, entende-se esta como de

    iniciativa pertinente fundamentalmente do

    Executivo, em que pese a nfase sempre

    dada no exerccio do que a grande maioriados reformistas sanitrios denominava de

    controle social. Em conseqncia, con-

    cebia-se e em parte at hoje se concebe

    1 Sobre o movimento da reformasanitria brasileira, ver: Escorel;

    Elias; Cohn.2 A literatura a respeito bastante

    vasta e trata da questo dasAes Integradas de Sade (AIS)e do Sistema Unificado Descen-tralizado de Sade (Suds).

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    o local (e portanto a descentralizao) como

    sinnimo de democratizao; e, em con-

    trapartida, o nacional como sinnimo das

    perverses do sistema de sade ento vi-

    gente, e portanto do autoritrio.

    Ao mesmo tempo, durante a dcada de

    80, culminando na Constituio de 88, o

    que caracteriza um segundo passo, conce-

    beram-se os Conselhos de Sade como ca-

    nais privilegiados de participao social,

    vale dizer, do exerccio do controle social.

    As Aes Integradas de Sade (AIS) e o

    Sistema Unificado e Descentralizado de

    Sade (Suds) contavam com conselhos

    nacionais e at locais e distritais, bem como

    o SUS conta hoje com os conselhos de sa-

    de nacional, estaduais e municipais, e emvrios casos com os dos servios de sade.

    De qualquer forma, porm, era o nvel lo-

    cal aquele considerado como o locuspor

    excelncia da participao social, e portan-

    to da democratizao da sade. poca, e

    a bem dizer at os dias atuais, so poucos os

    estudos e documentos sobre as polticas de

    sade no Brasil que alertam para o perigo

    de se tomar como sinnimos descentra-

    lizao e democratizao da sade e, em-bora mostrem que a descentralizao traz

    consigo elementos que favorecem a demo-

    cratizao da sade, mostram tambm que

    ela no a garante.

    Uma terceira dimenso vai no sentido de

    enfrentar exatamente as desigualdades so-

    ciais brasileiras, no que diz respeito tanto a

    indicadores socioeconmicos de distribui-

    o de equipamentos pblicos e privados de

    produo de servios de sade, como ao

    perfil de sade da populao, e que cabe ao

    Estado, via SUS, responder. Neste caso,

    ganha destaque na implementao do SUS

    o desafio da mudana de modelo de ateno,

    o que significa transform-lo de um modelo

    de ateno mdica, isto , de um modelo de

    prestao de servios essencialmente de

    assistncia mdica, para um modelo de aten-

    o integral sade. E, claro est, com seve-

    ras repercusses sobre a lgica de financia-

    mento e pagamento da prestao de servi-os de sade populao.

    Talvez resida nessa ltima dimenso o

    desafio mais complexo das heranas que a

    implantao do SUS teria que se propor a

    enfrentar. Isso porque ela no s implica

    reverter a lgica de repasse de recursos entre

    as esferas de governo para a prestao de

    servios de sade, como tambm construir

    um novo modelo de ateno agora tendo

    como parmetro fundamental a sade e no

    mais a doena para o qual os equipamen-

    tos de sade pblicos e privados conve-

    niados com o SUS disponveis no so

    adequados, nem os profissionais de sade

    da rede pblica tecnicamente preparados

    para tanto.

    Da a nfase que vem sendo dada, so-

    bretudo a partir da segunda metade da d-

    cada de 90, a questes como a da univer-

    salizao da ateno primria atravs dosProgramas de Agentes Comunitrios de

    Sade (PACS) e de Sade da Famlia (PSF),

    sobretudo nas regies mais pobres do pas,

    com destaque para a Regio Nordeste e, no

    seu interior, o Cear, em que pese o fato de

    serem programas nacionais. Da mesma

    forma, ganha destaque a questo da

    humanizao do atendimento sade, as-

    sociada da sua integralidade, o que basi-

    camente significa garantir a eqidade noacesso da populao aos servios de sade

    segundo suas necessidades. Mas como isso

    significa, na sua essncia, enfrentar exata-

    mente os vieses estruturais do sistema de

    sade anterior e promover uma reforma

    do Estado, fica a questo de at que ponto

    o SUS, ao trazer consigo essas heranas,

    no estaria fadado a se configurar como

    uma mera readaptao atualizada aos cons-

    trangimentos econmicos e sociais de nos-

    sa realidade do que propriamente a uma

    mudana radical da lgica que vinha at

    ento prevalecendo.

    A IMPLANTAO DO SUS: UMA

    BREVE CARACTERIZAO

    Uma anlise mais acurada das polticas

    sociais no Brasil, numa perspectiva hist-rica, traz tona uma de suas caractersticas,

    talvez a mais perversa delas: independen-

    temente dos regimes polticos e dos gover-

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    nos, na sua essncia traduzem-se em pol-

    ticas no de combate s desigualdades so-

    ciais, mas de reproduo dessas desigual-

    dades. E isso ocorre exatamente pelo fato

    de a rea social no ter enfrentado, de for-

    ma conseqente, inclusive nos tempos atu-

    ais, a reestruturao de sua lgica de finan-

    ciamento e de atuao.

    Dentre essas caractersticas que se pode

    denominar de estruturais, e agora referin-

    do-se exclusivamente rea da sade, des-

    taca-se a lgica de seu financiamento: ain-

    da herdeira da concepo desenvol-

    vimentista de Estado, mas noutra conjun-

    tura em que o desenvolvimento econmico

    no possibilita oportunidades e mecanis-

    mos de mobilidade social ascendente viatrabalho, recursos para o setor so depen-

    dentes da lgica macroeconmica das po-

    lticas governamentais. Dessa forma, recur-

    sos adicionais, sobretudo para este setor

    eminentemente gastador, tal como no

    passado so dependentes de taxaes ex-

    tras, como a CPMF, Cofins, para no men-

    cionar tantos outros. Nesse sentido, talvez

    a PEC/96, recm-aprovada e sancionada,

    represente no futuro a oportunidade de asade contar com uma fonte estvel e regu-

    lar de recursos, restando somente a outra

    questo: mecanismos que garantam que os

    repasses federais para as demais esferas de

    governo sejam efetivamente realizados

    tambm de forma regular e estvel (o que

    implica que os estados tambm o faam).

    Em conseqncia, a descentralizao da

    sade, ditada pela lgica de seu financia-

    mento, por sua vez ditada pela lgica

    macroeconmica, vem se dando de forma

    no s vertical, do nvel nacional para o

    estadual e o municipal, como estreitamen-

    te regulada e normatizada por aquele, uma

    vez que a esfera federal aquela que detm

    e controla os recursos financeiros para o

    setor. Estabelece-se assim uma contradi-

    o, em que do ponto jurdico-legal e de

    seu arcabouo institucional, tal como defi-

    nido constitucionalmente, o SUS defini-

    do como um sistema nico e descentraliza-do de sade, quando na verdade vem se

    configurando como um sistema nico

    desconcentrado de sade, na medida em

    que a autonomia das esferas de governo

    sobretudo municipais est restrita e rigida-

    mente controlada pelo nvel central.

    Nesse perodo mais recente, da dcada

    de 90, as Normas Operacionais Bsicas (3),

    de iniciativa do Ministrio da Sade, ex-

    pressam de forma lmpida esse fenmeno.

    Destinavam-se a regulamentar as modali-

    dades de descentralizao atravs da clas-

    sificao da insero dos municpios em

    distintos graus de autonomia frente ao go-

    verno central quanto responsabilidade

    municipal e conseqente autonomia na

    gesto de seu sistema local de sade. E de

    fato, em dezembro de 2000, segundo dados

    do prprio Ministrio da Sade, 99% dos

    municpios brasileiros j estavam inscritosnesse novo modelo, enquanto somente 8

    dos 27 estados estavam habilitados e mais

    6 em processo de anlise de suas solicita-

    es pelo ministrio (4).

    De fato, um balano das modalidades

    de habilitao dos municpios por estado,

    segundo dados oficiais de dezembro de

    2000, aponta para duas tendncias que con-

    firmam a anlise anterior. Segundo a NOB/

    SUS 01/96, h duas modalidades de habi-litao: a Plena de Ateno Bsica e a Ple-

    na do Sistema Municipal. Como o prprio

    nome esclarece, a primeira significa que o

    municpio ganha autonomia somente e

    to-somente para gerir seu sistema de aten-

    o bsica, vale dizer, a ateno de primei-

    ra linha, sem ingerncia sobre os demais

    equipamentos de prestao de servios de

    sade de maior complexidade, como o sis-

    tema hospitalar, por exemplo. J a segunda

    significa que sob responsabilidade do

    municpio abrange a gesto de todo o siste-

    ma local de sade, incluindo a a relao

    que estabelecer com o setor privado (lu-

    crativo e no-lucrativo) de prestao de

    servios.

    Diante dessas normas, verifica-se que

    exatamente nos estados das regies mais

    pobres do pas o percentual dos municpios

    habilitados na modalidade gesto plena da

    ateno bsica atinge um valor muito mai-or do que nos demais casos. Peguemos dois

    exemplos extremos: Piau comparece com

    100% dos seus municpios habilitados, sen-

    3 As Normas Operacionais Bsi-cas do Sistema nico de Sa-de (NOB 01/93 e NOB 01/96), como o prprio nome tra-

    duz, regulamentam competn-cias dos municpios em termosde graus diferenciais de suaautonomia frente esfera fede-ral de governo para a gestodos sistemas locais de sade,sempre porm estreitamenteacompanhadas das respectivasmodalidades de financiamen-to para diferentes aes de sa-de, alm de ins t i tuir aobrigatoriedade da existnciaformal de Conselhos e FundosMunicipais de Sade. A partirdessa lgica, municpios e es-tados solicitavam sua habilita-o junto ao Ministrio da Sa-de na modalidade desejada, oque era referendado ou no poresta instncia.

    4 Interessante notar, neste ponto,primeiro a maior resistncia deadeso dos estados frente aosmunicpios. Segundo, o fato deos municpios de maior porte, eportanto com melhores condi-es, dadas a disponibilidadee a complexidade de equipa-mentos a existentes, terem apre-sentado relativa maior resistn-cia a se habilitar segundo ojogo das NOBs do que aque-les com escassos recursos dis-ponveis, para os quais a habi-litao representava a nicaoportunidade de contar comrecursos federais para o aten-dimento sade de seusmuncipes.

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    do 99,55% deles na modalidade plena de

    ateno bsica e somente 0,45 na modali-

    dade plena do sistema municipal; j para

    So Paulo os percentuais so 99,7%,

    74,42% e 24,65%, respectivamente.

    Esses dados refletem portanto uma se-

    gunda caracterstica do processo recente de

    implantao do SUS, e que agora tem a ver

    mais especificamente com o perodo que

    compreende a segunda metade dos anos 90,

    e mais particularmente a partir do final dessa

    dcada at o momento atual. Reside ela na

    nfase em, num extremo, universalizar o

    acesso da populao, sobretudo a pobre e

    indigente das regies mais pobres do pas,

    ateno bsica, e no outro buscar regular

    o setor privado prestador de servios desade, isto , o Sistema Supletivo de Assis-

    tncia Mdica. Vejamos como isso se d.

    Em primeiro lugar, verifica-se que a

    regulao por parte do governo central do

    processo de descentralizao em direo

    aos municpios d-se atravs dos instrumen-

    tos das Normas Operacionais, acima refe-

    ridas, orientadas em torno de trs polticas

    especficas voltadas para a ateno bsica:

    o PSF, o PACS e o PAB (Piso de AtenoBsica). Com a combinao desses trs

    programas busca-se estender a univer-

    salizao do acesso da populao s aes

    bsicas de primeira linha, cada uma delas

    contando com linhas de financiamento es-

    pecficas dentro do Ministrio da Sade,

    sendo que somente o PAB tem como crit-

    rio de clculo para repasse de recursos ao

    municpio o nmero de habitantes, cons-

    tando portanto de um valorper capita uni-

    forme para todo o territrio nacional.

    A idia que inspira a concepo desses

    programas consiste exatamente no fato de

    o perfil de morbimortalidade da populao

    brasileira indicar que grande parte dos pro-

    blemas de sade de nossa sociedade pode

    ser resolvida no atendimento de primeira

    linha, sobretudo nas regies brasileiras e

    nos segmentos mais pobres de nossa socie-

    dade; em conseqncia, com a imple-

    mentao dessas aes estar-se-ia raciona-lizando a demanda da populao por servi-

    os de sade, uma vez que esta seria satis-

    feita e o problema resolvido antes de o

    usurio chegar s unidades bsicas de sa-

    de, ou procurar diretamente, nos casos de

    maior disponibilidade tecnolgica de equi-

    pamentos de sade, os servios de sade de

    segunda linha (hospitalares).

    Quanto a esses, o processo de descen-

    tralizao adotado no setor acaba por dei-

    xar aos municpios e estados a incumbn-

    cia pela garantia de montar uma infra-es-

    trutura de servios de sade de nvel secun-

    drio, para no falar do tercirio no caso

    dos grandes centros urbanos, ou a respon-

    sabilidade por garantir populao de sua

    abrangncia o acesso queles nveis de aten-

    dimento, seja atravs de um sistema de re-

    ferncia e contra-referncia, o que no geral

    implica um acerto entre municpios vizi-nhos ou prximos, ou atravs de investi-

    mentos pblicos no setor hospitalar. No

    entanto, numa realidade em que os munic-

    pios, a no ser com rarssimas excees

    como o caso do municpio de So Paulo,

    no contam com um oramento prprio que

    permita fazer esse tipo de investimento, ou

    ainda, o que mais freqente, no apresen-

    tam as condies concretas de sade, de

    densidade populacional, entre outros, quecomportem investimentos dessa magnitu-

    de. Por outro lado, a crise fiscal dos estados

    no favorece que invistam no segmento de

    maior complexidade do setor da sade,

    fazendo com que se forme um hiato entre

    os nveis primrio e secundrio de ateno

    sade, comprometendo assim a integra-

    lidade e a universalidade do acesso da po-

    pulao sade, um dos preceitos consti-

    tucionais do SUS.

    Na outra ponta o Sistema Supletivo de

    Assistncia Mdica a poltica nacional

    vem se caracterizando por instituir novos

    instrumentos de regulao do setor, sobre-

    tudo no que diz respeito aos seguros e aos

    planos de sade, atravs da recm-criada

    Agncia Nacional de Sade (ANS). Neste

    caso, so traadas normas que garantam os

    direitos dos consumidores, recaindo as re-

    gulamentaes principalmente sobre co-

    bertura de doenas crnicas e de alto custode atendimento. E, paralelamente, atravs

    da Agncia de Vigilncia Sanitria, vem

    sendo regulamentado controle dos labora-

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    trios fabricantes de medicamentos, com

    destaque especial para a instituio dos

    medicamentos genricos, de mais baixo

    custo no mercado.

    Mas se essas duas linhas mestras de

    extenso da universalidade do acesso

    sade no nvel bsico e a regulamentao

    do nvel secundrio e tercirio de ateno

    mdica trabalham os extremos, por assim

    dizer, da gradao dos nveis de complexi-

    dade da ateno sade, elas no vm sen-

    do suficientes para contemplar o fluxo da

    populao pelos diversos nveis de ateno

    segundo suas necessidades, uma vez que

    no vem sendo enfrentado pelas polticas

    de implantao do SUS exatamente o equi-

    lbrio na integrao desses trs nveis primrio, secundrio e tercirio, para no

    se falar no nvel quaternrio, que compre-

    ende os hospitais de mais alta complexida-

    de e densidade tecnolgica, como o Hospi-

    tal das Clnicas de So Paulo, por exemplo.

    Para uma efetiva integrao entre esses

    trs nveis de ateno mdica, para ficarmos

    somente at o tercirio, seria necessrio no

    s se prever investimentos no setor pblico

    estatal hospitalar, e neste caso com grandeparte dos recursos provenientes do nvel

    central e investidos no sentido de se enfren-

    tar as crnicas desigualdades existentes na

    sua distribuio geogrfica, mas sobretudo

    concentrar esforos no sentido de se buscar

    fundar uma outra forma de relao entre os

    setores pblico e privado no atendimento

    hospitalar, baseada at o momento em con-

    tratos sob a forma de convnio.

    Isso significa a necessidade de se en-

    frentar e modificar a relao entre o setor

    pblico e o setor privado prestador de ser-

    vios hospitalares para a populao adscrita

    ao SUS. Constitucionalmente, o setor pri-

    vado hospitalar complementarao SUS,

    vale dizer, parte constitutiva dele. No

    entanto, o Estado nos trs nveis de go-

    verno remunera esses servios hospitala-

    res por servios prestados. Isso significa

    que, por mais que se busque regulamentar

    esse setor privado produtor de servios desade, continua prevalecendo a lgica da

    remunerao por produo, gerando assim

    fortes distores na prpria dinmica de

    funcionamento do SUS. E, por outro lado,

    igualmente no vem sendo enfrentada uma

    das heranas mais perversas do SUS: o fato

    de desde a dcada de 80, com as Aes

    Integradas de Sade, o prprio setor pbli-

    co remunerar o setor pblico com base na

    produo, instituindo nessa relao a mes-

    ma lgica que tradicionalmente impera na

    relao setor pblico/setor privado de ser-

    vios de sade: o pagamento por servios

    prestados.

    A confluncia desse conjunto de fato-

    res acaba por imprimir ao SUS determina-

    das amarras que impedem que ele, tal como

    vem sendo implantado, suplante as histri-

    cas distores que marcam o complexo

    mdico-sanitrio brasileiro. Isso porque en-quanto no nvel primrio de ateno sa-

    de a lgica que vem sendo adotada na lti-

    ma dcada a de sua universalizao, nos

    nveis secundrio e tercirio no se verifica

    a mudana da lgica na relao setor pbli-

    co/setor pblico, nem setor pblico/setor

    privado, sendo que neste caso o excessivo

    impulso governamental dos ltimos anos

    em criar agncias reguladoras acaba por

    fracionar ainda mais as polticas de sade.Registram-se ainda, neste tpico, duas

    outras caractersticas que chamam a aten-

    o. A primeira delas diz respeito ao fato

    de, como grande parte dos recursos que

    financiam a sade provm do nvel central,

    na sua maioria comprometido com o paga-

    mento dos servios hospitalares prestados

    pelo setor privado e pelo setor pblico

    municipal e estadual, a base de clculo para

    o custo das distintas aes e do volume

    mximo de recursos a serem repassados

    para estados e municpios estar fundada em

    sries histricas de produo, o que por sua

    vez traduz a disponibilidade de equipamen-

    tos j existentes em cada estado ou munic-

    pio. Em conseqncia, deixa-se em aberto

    algo anteriormente j referido, que diz res-

    peito a investimentos no setor pblico hos-

    pitalar de ateno mdica no sentido

    redistributivo da sua alocao, tanto por

    critrios geogrficos como populacionais,tornando mais equnime o seu acesso pela

    populao, sendo a eqidade outro dos

    principais preceitos constitucionais do SUS.

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    A segunda caracterstica diz respeito ao

    processo de descentralizao da sade,

    embora no se restrinja a ela, mas diga tam-

    bm respeito ao pacto federativo institudo

    pela Constituio de 1988. Neste caso,

    sobretudo pela lgica de relao que se es-

    tabeleceu na sade entre os nveis de go-

    verno, sendo a descentralizao regida pela

    lgica de financiamento e de repasse de

    recursos do nvel central para o estadual e

    o municipal, o que se tem verificado uma

    no-colaborao tanto horizontal como

    vertical entre as unidades federadas, sendo

    freqente de fato a competio entre elas,

    sempre girando em torno de busca de mais

    recursos, j que o processo de descentrali-

    zao do SUS vem sendo regido e coman-dado pelo governo central pela lgica do

    financiamento e do repasse de recursos para

    as demais esferas.

    Para se enfrentar esta ltima questo, a

    Noas busca avanar na normatizao dos

    consrcios municipais, que congregariam

    municpios limtrofes com distintas dispo-

    nibilidades de equipamentos de sade, com

    cmaras de compensao para os gastos de

    cada municpio com os muncipes dos de-mais, e assim por diante. Para um pas com

    tamanha heterogeneidade de extenso, ta-

    manho populacional, recursos financeiros

    e de equipamentos de sade, dentre outros,

    nada mais engenhoso do que a criao de

    consrcios. H porm dois fatores que vm

    sendo detectados nas diversas tentativas de

    formao desses consrcios: o primeiro

    deles diz respeito s distintas lgicas de

    financiamento do setor da sade que regem

    os repasses de recursos; o segundo deles

    diz respeito a fatores polticos. Quanto ao

    primeiro, os recursos provenientes do n-

    vel central e estadual para o municpio, no

    geral e na sua grande maioria, so recursos

    vinculados a programas especficos, res-

    tando pouca autonomia aos municpios para

    remanejarem, no interior da sade, os gas-

    tos a serem efetivados. Por outro lado, os

    municpios que no dispem de hospital e

    tero que encaminhar sua clientela paraoutro municpio, sentem-se perdendo re-

    cursos, pois o municpio que sedia o hospi-

    tal vai receber recursos com base em servi-

    os prestados, portanto neste caso o mun-

    cipe uma fonte de recursos para o muni-

    cpio que dispe de tal equipamento. fre-

    qente, por exemplo, entre os secretrios

    municipais de Sade, a queixa de que, quan-

    do se encaminha um paciente para um hos-

    pital de um outro municpio, perde-se esse

    usurio e todo o trabalho que com ele foi

    feito no sentido da preveno e proteo

    sade, uma vez que o hospital no o devol-

    ve mais, inserindo-o numa rotina de mlti-

    plos exames e tratamentos pagos pelo SUS

    com base nos clculos de produo.

    O segundo fator, de natureza poltica,

    diz respeito a duas especificidades do setor

    da sade: o fato de ser um setor gastador

    por excelncia, no geral conformando-secomo uma pasta incmoda nesse sentido

    para o restante do governo, em qualquer

    dos nveis de poder, e o fato de grande parte

    de suas aes ser politicamente invisvel,

    dada nossa tradicional cultura poltica.

    Nesse sentido, dada a caracterstica da sa-

    de, a competitividade entre as esferas go-

    vernamentais acaba por ocorrer tambm em

    torno da disputa entre aes de maior ou

    menor visibilidade poltica. Por exemplo,aes de combate dengue e medidas vol-

    tadas diminuio das filas nas portas dos

    servios trazem consigo distintos dividen-

    dos polticos. E isso sem contar as disputas

    poltico-partidrias entre governos muni-

    cipais, estaduais e municipais e ambos com

    relao ao governo federal.

    Por fim, restam dois outros aspectos que

    ressaltam nesse processo mais recente de

    implantao do SUS. Um deles diz respei-

    to ao controle sociale outro diz respeito s

    novas formas de gesto dos servios e dos

    sistemas locais de sade. Quanto ao con-

    trole social, assim equivocadamente deno-

    minado, uma vez que se trata, na verdade,

    de controle pblico, este est previsto na

    existncia dos Conselhos de Sade, seja

    em cada esfera de governo, como previsto

    na Constituio, seja nos prprios servios

    de sade, como regulamentado por vrios

    governos municipais. No entanto, o que sevem registrando a partir do acompanhamen-

    to da prtica desses conselhos que no geral

    eles funcionam muito mais como instncia

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    legitimadora das aes e decises do Exe-

    cutivo do que propriamente instncia delibe-

    rativa, como previsto em lei. De fato, as

    iniciativas no caso da definio das polti-

    cas, em que pesem os conselhos, recaem

    quase que unicamente no mbito do Execu-

    tivo, referendadas pelos conselhos e pelo

    Legislativo. Dessa forma, o exerccio do con-

    trole pblico sobre as polticas e aes de

    sade acaba sendo restrito no mais das ve-

    zes ao acesso a informaes processadas pelo

    prprio nvel executivo, que acaba definin-

    do as agendas das reunies dos conselhos.

    J quanto s novas formas de gesto

    dos sistemas locais e servios de sade, a

    sua pluralidade e diversidade chama a aten-

    o. E isso por pelo menos dois motivosbsicos: a lgica maior que as inspira e os

    efeitos que vm tendo na prtica sobre o

    acesso da populao integralidade da aten-

    o sade. No que diz respeito lgica

    maior que a inspira, destacam-se a reforma

    do Estado e a relao custo/efetividade nos

    servios pblicos estatais.

    Reforma do Estado, neste caso signifi-

    cando a reforma administrativa do Estado

    propriamente dita mais do que o papel doEstado nessa nova conjuntura internacional.

    Quanto reforma administrativa do Estado,

    o que se persegue a formulao e experi-

    mentao de novas formas de gesto que

    imprimam maior flexibilidade adminis-

    trao pblica direta, tidaper secomo mo-

    rosa, ineficiente e onerosa. Exemplos de

    experincias dessas novas formas de gesto

    no faltam, bem como de sua exeqibilidade

    e eficincia: vo desde os casos das funda-

    es at os dos hospitais geridos por organi-

    zaes sociais, e o Plano de Atendimento

    Sade (PAS) no caso do municpio de So

    Paulo durante os governos Maluf e Pitta,

    que ilustra de forma quase caricatural o que

    possa ser uma experincia malsucedida do

    ponto de vista de todo e qualquer preceito

    constitucional do SUS (5).

    Tal como o processo de descentralizao

    que vem sendo implantado como forma de

    viabilizao do SUS transformou este pasnum grande laboratrio de experincias

    exitosas e no-exitosas de efetivao de

    programas inovadores na rea da sade, o

    mesmo vem ocorrendo no que diz respeito

    s novas formas de gesto dos sistemas

    locais e/ou de servios de sade. No entan-

    to, seja no caso das fundaes, seja nos casos

    da gesto de hospitais pblicos estatais

    geridos por organizaes sociais, seja no

    caso de hospitais pblicos estatais que

    disponibilizam parte de seus leitos para a

    compra direta de servios para a demanda

    privada (direta ou atravs de seguros e pla-

    nos de sade), a polmica que vm provo-

    cando gira em torno da constitucionalidade

    ou no dessas iniciativas do ponto de vista

    do preceito da sade como direito de todos

    e dever do Estado diante do fato de que

    tanto no caso das fundaes como no lti-

    mo caso institui-se uma dupla fila de aces-so da populao queles servios: uma para

    os SUS dependentes e outra para aqueles

    que tm acesso queles servios via merca-

    do. A racionalidade que fundamenta a de-

    fesa dessas novas formas de gesto recai

    sobre o argumento do subsdio cruzado,

    isto , no fato de que os recursos adicionais

    provenientes do atendimento do mercado

    reforariam investimentos na infra-estru-

    tura desses estabelecimentos, para alm deimprimir maior agilidade e flexibilidade na

    gesto, em contraposio administrao

    direta, burocratizada, morosa e ineficiente.

    Na realidade o que est em jogo at que

    ponto essas novas formas de gesto no

    ferem exatamente os princpios do acesso

    universal de todo e qualquer cidado aos

    servios de sade independentemente da

    sua condio no mercado, princpio

    norteador dos direitos de cidadania.

    E com isso recai-se, uma vez mais, em

    algo crucial que o prprio termo SUS

    dependente, to utilizado entre os tcni-

    cos da rea da sade j deixa entrever: o

    fato de que no geral o acesso sade vem

    sendo concebido, na sua essncia, como

    algo que diz respeito ao cidado como con-

    sumidor dos servios pblicos, mais espe-

    cificamente estatais, embora o Estado deva

    ser um provedor de direitos e no necessa-

    riamente um produtor de servios. O queest em jogo neste caso, uma vez mais, a

    reincidncia to coincidente com nossa

    histria das polticas sociais no pas de que5 Ver a respeito A. Cohn e P. E.

    Elias (coords.), 1999.

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    o acesso a servios pblicos estatais algo

    voltado e inerente ao pblico de baixa ren-

    da, isto , quele cidado que no capaz

    de por si s, via mercado, satisfazer suas

    necessidades sociais bsicas. Noutros ter-

    mos, ao cidado dependente do consu-

    mo dos servios pblicos. Com isto, no

    de espantar, ento, que o controle pblico

    atravs dos conselhos venha se traduzindo

    numa participao limitada a referendar

    decises do Executivo no setor.

    Por outro lado, ao se negar a racionali-

    dade do setor pblico da administrao

    direta na prestao de servios a favor des-

    sas novas formas de gesto, o que se veri-

    fica que essa inovao no geral tende a se

    basear numa dupla racionalidade de custo/benefcio. Uma delas diz respeito aos ser-

    vios restringirem ou enfatizarem aquelas

    aes de sade menos onerosas quando no

    deixarem para os servios de maior densi-

    dade tecnolgica de outras esferas de go-

    verno o atendimento daqueles usurios que

    necessitem de tratamentos que impliquem

    aes de maior complexidade e, portanto,

    de maior custo. Estas, por sua vez, como

    visto anteriormente, a depender dos casospodem estar fazendo com que esse tipo de

    usurio represente uma fonte de renda, uma

    vez que o SUS remunera os hospitais por

    servios prestados. Mas podem tambm sig-

    nificar uma sobrecarga do equipamento di-

    ante de uma demanda j desmesurada fren-

    te sua capacidade, ou nos casos em que o

    Estado ou o municpio j tenha atingido o

    seu teto histrico de repasse de recursos

    atravs de pagamento por procedimentos.

    Cria-se ento uma diversidade de situaes

    que no s aumenta a complexidade do

    quadro de oferta de servios de sade

    populao como coloca novos e insond-

    veis obstculos ao acesso da populao aos

    servios de sade, numa lgica que suplan-

    ta a sua possibilidade de compreenso.

    Est-se ento atualmente diante de uma

    situao paradoxal: de um lado, a expanso

    e a universalizao da ateno sade no

    nvel primrio, atravs de programas como

    o do PSF, PACS e PAB, alm da extenso

    da rede pblica de unidades bsicas de sa-

    de a cargo, na grande maioria dos casos, dos

    governos municipais; e de outro lado, a pro-moo de uma seletividade crescente no

    acesso da populao aos servios de maior

    complexidade tecnolgica, dada a nova l-

    gica que vem sendo implantada na gesto

    dos servios pblicos estatais de sade.

    Com isso evidencia-se um processo de

    implantao do SUS sendo regido pela l-

    gica do custo/efetividade, no que diz res-

    peito tanto gesto dos sistemas locais e

    dos servios de sade quanto definio deprioridades num contexto de permanente

    escassez de recursos diante do volume da

    demanda reprimida, qual se associa aque-

    la advinda das mazelas sociais produzidas

    pelo atual modelo econmico de ajuste es-

    trutural e estabilidade econmica de nossa

    moeda, acentuando ainda mais as desigual-

    dades sociais em nosso pas.

    BIBLIOGRAFIA

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    NASCIMENTO, V. B. Interdependncia e Autonomia na Gesto Pblica da Sade, in Lua Nova Revista de Culturae Poltica, n. 52, So Paulo, Cedec, 2001, pp. 29-70.