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- 266 - Artigo Original Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2009 Abr-Jun; 18(2): 266-72. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE UMA EQUIPE DE SAÚDE NO ATENDIMENTO AO USUÁRIO EM SITUAÇÕES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA 1 Estela Regina Garlet 2 , Maria Alice Dias da Silva Lima 3 , José Luís Guedes dos Santos 4 , Giselda Quintana Marques 5 1 Artigo extraído da dissertação “O Processo de Trabalho da Equipe de Saúde de uma Unidade Hospitalar de Atendimento às Urgências e Emergências” apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGenf) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2008. 2 Mestre em Enfermagem. Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Pinhal Grande. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Doutora em Enfermagem. Professor Associado da Escola de Enfermagem e Docente Permanente do PPGenf/UFRGS. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] 4 Mestrando em Enfermagem do PPGenf/UFRGS. Bolsista Capes. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: joseenfermagem@yahoo. com.br 5 Doutoranda em Enfermagem do PPGenf/UFRGS. Enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO: Este artigo teve como objetivo analisar a organização do trabalho da equipe de saúde de uma unidade hospitalar de atendimento a usuários em situações de urgência e emergência do interior do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo estudo de caso. Os dados foram coletados por meio de observação e entrevista semi-estruturada com profissionais da equipe de saúde entre junho e setembro de 2007. A análise dos dados seguiu diretrizes do método qualitativo: ordenação, classificação em estruturas de relevância, síntese, interpretação. Constatou-se que o trabalho da equipe divide-se entre atendimento aos casos com potencial risco à vida, assistência aos pacientes na sala de observação e atenção aos usuários com demandas não urgentes. Assim, os profissionais sobrecarregam-se e os pacientes nem sempre têm suas necessidades atendidas adequadamente. O estudo oferece subsídios para reorganização dos processos de trabalho visando à qualidade e resolutividade do atendimento às urgências. DESCRITORES: Emergências. Serviços médicos de emergência. Equipe de assistência ao paciente. Organização e administração. WORK ORGANIZATION OF A HEALTH TEAM IN ATTENDING THE USER IN URGENCY AND EMERGENCY SITUATIONS ABSTRACT: The objective of this paper is to analyze the organization of a health team while rendering services in urgency and emergency situations in a hospital unit in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. It was a qualitative case study. The data was collected through observation and semi-structured interviews with health professionals between June and September of 2007. The data analysis followed a qualitative approach: ordering, classification by relevance, synthesis, and interpretation. Teamwork is divided into death-risk cases, assistance to patients under observation, and attention to users with non-emergency cases. Thus, professionals are overloaded and patients quite often are not rendered the right service. The study offers support for reorganizing work processes, aiming to improve the quality and effectiveness of emergency service. DESCRIPTORS: Emergencies. Emergency medical services. Patient care team. Organization and administration. LA ORGANIZACIÓN DEL TRABAJO DE UN EQUIPO DE SALUD EN LA ATENCIÓN AL USUARIO EN SITUACIONES DE URGENCIA Y EMERGENCIA RESUMEN: Este trabajo tuvo como objetivo analizar la organización del trabajo de un equipo de salud de una unidad de urgencia y emergencia ubicada en Rio Grande do Sul (Brasil). Se trata de un estudio cualitativo de tipo estudio de caso. La recolección de los datos se hizo por medio de observación y entrevista semiestructurada con profesionales del equipo entre junio y septiembre del 2007. Se realizó un análisis de los datos según las directrices del método cualitativo: ordenación, clasificación por relevancia, síntesis e interpretación. El trabajo del equipo se divide entre la atención a los casos que presentan riesgo de vida, la asistencia a los pacientes en observación y la atención a los usuarios con demandas no urgentes. Así, los profesionales se ven sobrecargados y los pacientes no son atendidos adecuadamente. El estudio ofrece aportes para la reordenación de los procesos de trabajo, tratando de alcanzar la resolutividad de la atención a las urgencias. DESCRIPTORES: Urgencias médicas. Servicios médicos de urgencia. Grupo de atención al paciente. Organización y administración.

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    Texto Contexto Enferm, Florianpolis, 2009 Abr-Jun; 18(2): 266-72.

    ORGANIZAO DO TRABALHO DE UMA EQUIPE DE SADE NO ATENDIMENTO AO USURIO EM SITUAES DE URGNCIA E

    EMERGNCIA1

    Estela Regina Garlet2, Maria Alice Dias da Silva Lima3, Jos Lus Guedes dos Santos4, Giselda Quintana Marques5

    1 Artigo extrado da dissertao O Processo de Trabalho da Equipe de Sade de uma Unidade Hospitalar de Atendimento s Urgncias e Emergncias apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Enfermagem (PPGenf) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 2008.

    2 Mestre em Enfermagem. Enfermeira da Secretaria Municipal de Sade de Pinhal Grande. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

    3 Doutora em Enfermagem. Professor Associado da Escola de Enfermagem e Docente Permanente do PPGenf/UFRGS. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

    4 Mestrando em Enfermagem do PPGenf/UFRGS. Bolsista Capes. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

    5 Doutoranda em Enfermagem do PPGenf/UFRGS. Enfermeira da Secretaria Municipal de Sade de Porto Alegre. Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: [email protected]

    RESUMO: Este artigo teve como objetivo analisar a organizao do trabalho da equipe de sade de uma unidade hospitalar de atendimento a usurios em situaes de urgncia e emergncia do interior do Rio Grande do Sul. Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo estudo de caso. Os dados foram coletados por meio de observao e entrevista semi-estruturada com profissionais da equipe de sade entre junho e setembro de 2007. A anlise dos dados seguiu diretrizes do mtodo qualitativo: ordenao, classificao em estruturas de relevncia, sntese, interpretao. Constatou-se que o trabalho da equipe divide-se entre atendimento aos casos com potencial risco vida, assistncia aos pacientes na sala de observao e ateno aos usurios com demandas no urgentes. Assim, os profissionais sobrecarregam-se e os pacientes nem sempre tm suas necessidades atendidas adequadamente. O estudo oferece subsdios para reorganizao dos processos de trabalho visando qualidade e resolutividade do atendimento s urgncias.DESCRITORES: Emergncias. Servios mdicos de emergncia. Equipe de assistncia ao paciente. Organizao e administrao.

    WORK ORGANIZATION OF A HEALTH TEAM IN ATTENDING THE USER IN URGENCY AND EMERGENCY SITUATIONS

    ABSTRACT: The objective of this paper is to analyze the organization of a health team while rendering services in urgency and emergency situations in a hospital unit in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. It was a qualitative case study. The data was collected through observation and semi-structured interviews with health professionals between June and September of 2007. The data analysis followed a qualitative approach: ordering, classification by relevance, synthesis, and interpretation. Teamwork is divided into death-risk cases, assistance to patients under observation, and attention to users with non-emergency cases. Thus, professionals are overloaded and patients quite often are not rendered the right service. The study offers support for reorganizing work processes, aiming to improve the quality and effectiveness of emergency service.DESCRIPTORS: Emergencies. Emergency medical services. Patient care team. Organization and administration.

    LA ORGANIZACIN DEL TRABAJO DE UN EQUIPO DE SALUD EN LA ATENCIN AL USUARIO EN SITUACIONES DE URGENCIA Y

    EMERGENCIA

    RESUMEN: Este trabajo tuvo como objetivo analizar la organizacin del trabajo de un equipo de salud de una unidad de urgencia y emergencia ubicada en Rio Grande do Sul (Brasil). Se trata de un estudio cualitativo de tipo estudio de caso. La recoleccin de los datos se hizo por medio de observacin y entrevista semiestructurada con profesionales del equipo entre junio y septiembre del 2007. Se realiz un anlisis de los datos segn las directrices del mtodo cualitativo: ordenacin, clasificacin por relevancia, sntesis e interpretacin. El trabajo del equipo se divide entre la atencin a los casos que presentan riesgo de vida, la asistencia a los pacientes en observacin y la atencin a los usuarios con demandas no urgentes. As, los profesionales se ven sobrecargados y los pacientes no son atendidos adecuadamente. El estudio ofrece aportes para la reordenacin de los procesos de trabajo, tratando de alcanzar la resolutividad de la atencin a las urgencias. DESCRIPTORES: Urgencias mdicas. Servicios mdicos de urgencia. Grupo de atencin al paciente. Organizacin y administracin.

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    INTRODUONos ltimos anos, o sistema brasileiro de

    ateno s urgncias tem apresentando avanos em relao definio de conceitos e incorporao de novas tecnologias visando organizao do atendimento em rede. Nesse sentido, espera-se que a populao acometida por agravos agudos seja acolhida em qualquer nvel de ateno do sistema de sade, de modo que tanto a ateno bsica quanto os servios especializados devero estar preparados para o acolhimento e encami-nhamento de pacientes para os demais nveis do sistema quando esgotarem-se as possibilidades de complexidade de cada servio.

    No entanto, a ateno s urgncias tem ocor-rido, predominantemente, nos servios hospitalares e nas unidades de pronto atendimento abertos 24 horas. Esses servios respondem por situaes que vo desde quelas de sua estrita responsabilidade, bem como um volume considervel de ocorrncias no urgentes que poderiam ser atendidas em es-truturas de menor complexidade.1 Essas situaes podem ser identificadas na maioria das unidades pblicas de urgncia do Brasil e, tm interferido consideravelmente no processo de trabalho e na qualidade do cuidado prestado populao.

    Estudo realizado na Emergncia de Adultos de um hospital geral de Pernambuco, constatou que 74,5% dos atendimentos realizados eram por queixas tpicas da ateno bsica, no se caracte-rizando, portanto, como urgncia. Essa demanda prejudica a assistncia aos casos graves e agudos, pois acarreta acmulo de tarefas, contribui para o aumento dos custos de atendimento e gera sobre-carga para os profissionais da equipe de sade.2

    Somado a isso, os profissionais tambm atendem a situaes de extrema gravidade que extrapolam a capacidade resolutiva dos servios e tm dificuldades para referenciar os pacientes para outros hospitais. Desse modo, as salas de observa-o, que se destinam permanncia temporria dos pacientes, transformem-se em reas de internao, sem, no entanto, possurem as devidas condies de infraestrutura e de pessoal para cuidados contnuos, expondo, com frequncia, os pacientes a riscos.3

    Diante desse contexto, os usurios procuram os servios hospitalares de urgncia como uma das alternativas de acesso, pois entendem que eles re-nem um somatrio de recursos, como consultas, remdios, procedimentos de enfermagem, exames laboratoriais e internaes, que os tornam mais resolutivos.4

    Sabe-se que o trabalho em sade caracteriza-se pelo encontro entre pessoas que trazem um sofrimento ou necessidades de sade e outras que dispem de conhecimentos especficos ou instrumentos que podem solucionar o problema apresentado. Nesse encontro, so mobilizados sen-timentos, emoes e identificaes que podem di-ficultar ou facilitar a aplicao dos conhecimentos do profissional na percepo das necessidades ou interpretao das demandas trazidas pelo usurio. Dessa maneira, o cuidado, que o produto final do trabalho na sade, indissocivel do processo que o produziu, ou seja, a prpria realizao da atividade, sendo consumido pelo usurio no mesmo momento em que produzido.5

    A organizao do trabalho, entretanto, pode interferir no produto final do trabalho em sade, transformando-o conforme a influncia dos dife-rentes elementos do processo, das concepes e intenes dos agentes a respeito do produto a ser construdo. A organizao tecnolgica do trabalho se constitui pelos seus elementos: o objeto de tra-balho, os instrumentos e a prpria atividade, assim como as relaes tcnicas, sociais e de produo.6

    Com base no acima descrito, este artigo, elaborado a partir de uma dissertao de Mestra-do7, tem como objetivo analisar a organizao do trabalho de uma equipe de sade de uma unidade hospitalar de atendimento a usurios em situa-es de urgncia e emergncia do interior do Rio Grande do Sul.

    METODOLOGIATrata-se de uma pesquisa qualitativa que

    apreende a realidade de forma direta e permite a descrio ampla do fenmeno investigado no seu contexto.8 O desenho metodolgico da pesquisa o estudo de caso, o qual permite um aprofun-damento da unidade a ser estudada, vista na sua singularidade.9

    O espao de pesquisa foi a Unidade de Emer-gncia (EU) de um Hospital de Ensino Pblico, localizada em um municpio do interior do estado do Rio Grande do Sul. O servio atende os usurios que procuram a unidade espontaneamente, e os encaminhamentos formais e informais de unidades pr-hospitalares fixas (Unidades Bsicas de Sade, Unidades de Sade da Famlia, Ambulatrios de Especialidades, por exemplo) do municpio sede e de unidades hospitalares das demais cidades da regio, destacando-se como uma referncia no atendimento s urgncias e emergncias.

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    Os sujeitos da pesquisa foram selecionados entre os profissionais que atuavam na equipe de sade da referida unidade, no perodo de junho a setembro de 2007, conforme a funo que exer-ciam, buscando abarcar os diversos trabalhos de-senvolvidos na unidade. Participaram do estudo 29 sujeitos, sendo sete enfermeiros, nove tcnicos de enfermagem, um bolsista do Curso de Enferma-gem, dois mdicos plantonistas da clnica mdica, um mdico residente, dois doutorandos do Curso de Medicina, uma secretria, uma auxiliar de ser-vios gerais, dois vigilantes, uma nutricionista, uma fisioterapeuta e a enfermeira coordenadora administrativa da unidade.

    A coleta de dados foi realizada por meio de observao e entrevista semi-estruturada. Os aspectos norteadores da observao foram o ob-jeto, os agentes, os instrumentos e as relaes que compunham o processo de trabalho da equipe de sade que atuava na unidade. Foram observados os diferentes profissionais em atividades conside-radas relevantes para captar as relaes entre os sujeitos e a forma de organizao do trabalho.

    As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas para identificar as concepes sobre a organizao do trabalho, por meio das seguintes questes norteadoras - Como voc entende o trabalho realizado na unidade de emergncia? Como est organizado o atendimento s urgncias e emergncias nessa unidade? Quais os profissio-nais da equipe de emergncia que se envolvem no processo de trabalho, e de que forma?

    A anlise dos dados foi realizada seguindo diretrizes do mtodo qualitativo: ordenao, classificao em estruturas de relevncia, sntese e interpretao.8 Na fase de ordenao, realizou-se a digitao dos dados coletados nas observaes e entrevistas, a releitura do material e a ordenao dos relatos. A associao entre o material coletado e o referencial terico ocorreu na etapa de classi-ficao dos dados, a partir de leitura exaustiva e repetitiva dos textos, visando apreenso das estruturas de relevncia. Na etapa de anlise final, o material emprico e o terico foram articulados de forma a obter a interpretao dos fatos. Para organizao e operacionalizao do processo de anlise foi empregado o software Ethnograph verso 5.0 Qualis Research Associates.

    O projeto foi aprovado pelo Comit de ti-ca em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul sob o N 2007688. Aos profissionais foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual garantia os aspectos ticos apon-

    tados pela resoluo N 196/96 do Conselho Na-cional de Sade.10 As informaes obtidas por meio das observaes e entrevistas foram codificadas com a letra O e com a letra E, respectivamente, seguidas da descrio da categoria profissional do sujeito observado ou entrevistado.

    RESULTADOS E DISCUSSO Na UE, constatou-se que a organizao do

    trabalho da equipe de sade dividida em trs mo-mentos: o atendimento s urgncias e emergncias em que o risco vida iminente, a assistncia aos pacientes em sala de observao e a ateno aos usurios com demandas de sade no urgentes.

    O atendimento aos casos graves, com poten-cial risco vida sempre priorizado. Eles tm acesso livre e so encaminhados de forma imediata at a sala de emergncia. Nesse momento, salienta-se que os profissionais da equipe de sade convergem suas aes para o restabelecimento da vida:

    [...] quando chega uma emergncia muito rpido, cada um j sabe o que fazer, eu, por exemplo, conheo o olhar da enfermeira quando tem que fazer alguma coisa, tudo automtico, verifica-se os sinais rapidamente, corta-se a roupa rpido, punciona-se a veia rpido, outro j est vendo vias areas, estou h quatro anos com o mesmo grupo, a gente j sabe mais ou menos o que cada uma vai pedir (E - Tcnica de Enfermagem).

    A fala do entrevistado remete atuao em equipe e articulao entre as diferentes catego-rias profissionais no atendimento das situaes de urgncia e emergncia. Esse achado corrobora os resultados de um estudo que destaca a impor-tncia da integrao e articulao das diferentes categorias profissionais e ramos do conhecimento em prol de uma assistncia oportuna e livre de riscos, pautada na troca, cooperao e respostas imediatas ao usurio nas unidades de emergncia hospitalares.11 Entende-se por articulao as situa-es de trabalho em que os profissionais colocam em evidncia as conexes entre as diversas inter-venes executadas e os diversos saberes tcnicos empregados na execuo do trabalho em sade. A articulao das aes multiprofissionais e a co-operao so estabelecidas pela comunicao, por meio da mediao simblica da linguagem.12

    A interao entre os profissionais no atendi-mento aos pacientes que tem sua vida ameaada por uma situao de urgncia e emergncia pode estar associada ao sentido que eles atribuem ao seu trabalho. A ao de salvar vidas compre-

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    endida como a principal finalidade do trabalho nesta unidade, constituindo-se como um desafio a ser superado pelos profissionais, que se sentem orgulhosos do trabalho que realizam no atendi-mento desses casos.13

    Os pacientes graves, aps o primeiro atendi-mento na UE, permanecem em observao, que o perodo de tempo transcorrido entre o trmino da avaliao inicial e a internao em uma unidade aberta ou fechada ou a alta hospitalar. A dificul-dade para obter leitos de internao, prolonga o tempo de permanncia do paciente na sala de observao, o qual pode se estender por vrios turnos ou dias. Tal situao referida pelos pro-fissionais como uma das dificuldades encontradas no trabalho, visto que muitos desses pacientes so tratados at a alta na nesta unidade.

    O paciente acaba sendo tratado, totalmente aqui, sai direto daqui e vai com a alta pra casa. [...] H pa-cientes que ficam 30 dias aqui e deveria ser no mximo 24 horas por que aqui uma unidade de emergncia (E - Tcnica de Enfermagem).

    Segundo a opinio dessa trabalhadora, a uni-dade que deveria ser transitria, onde o paciente permaneceria um curto perodo de tempo, passa a funcionar como uma unidade de internao. Isso de certa forma descaracteriza a finalidade do tra-balho na emergncia e interfere na sua realizao, impedindo que seja realizado com a qualidade es-perada e no dispondo das condies necessrias para as prticas do cuidado.

    Entre a maioria dos trabalhadores e gesto-res, predomina a concepo de que as unidades hospitalares de ateno s urgncias possuem carter transitrio, restrito estabilizao das condies clnicas dos pacientes e o transporte para unidades de cuidados intensivos. A frag-mentao e descontinuidade do atendimento fazem com que se perca a viso integral do cui-dado, visto que a resolutividade obtida na sala de emergncia pode ser perdida, se na observao e/ou nas unidades de internao, o paciente no tiver um cuidado de qualidade.

    Quanto ao atendimento na sala de observa-o, evidenciou-se que a sua efetivao ocorre de acordo com a gravidade dos pacientes, os quais demandam cuidados mdicos e de enfermagem de alta complexidade, pois so, muitas vezes, pacientes em respirao mecnica, que chegam unidade em decorrncia de politraumas, doenas crnicas ou neoplsicas em fase terminal.

    Nesse sentido, o atendimento s necessida-des bsicas do ser humano como sono, repouso,

    alimentao, higiene corporal e direito pri-vacidade ficam comprometidos pela excessiva demanda de atendimento, assim como pela pro-ximidade dos leitos. As limitaes do ambiente na sala de observao da UE, associada longa permanncia, submetem usurios a constrangi-mentos fsicos e morais:

    A equipe de enfermagem, muitas vezes, tem que parar todo o servio dos pacientes que esto aqui inter-nados ou em observao para atender emergncia, e da fica praticamente tudo descoberto, [...] fica complicado, tem-se que dividir toda a equipe fica bem mais difcil o atendimento, falta espao, porque s h uma sala de emergncia e se chegam duas emergncias preciso atender s duas juntas na mesma sala (E - Mdico).

    Essa diversidade de tarefas gera sobre-carga de trabalho entre os profissionais, visto que complexo realizar mltiplas atividades ao mesmo tempo, especialmente, tratando-se do cuidado a pacientes em estado grave. O atendimento nas salas de urgncia e emergncia compete com o atendimento de rotina dos pa-cientes em observao, como a equipe mdica e de enfermagem a mesma.

    Diante desse cenrio, mesmo intensificando o ritmo de trabalho, muitas atividades no so realizadas, pois a capacidade de atendimento no suficiente para atender a demanda na uni-dade. Segundo enfermeiras e mdicos, para que se garantisse um atendimento mais qualificado, o nmero de profissionais deveria ser proporcional ao nmero de pacientes atendidos.

    O nmero de funcionrios pouco, tinha que ser assim, aumenta o nmero de pacientes, aumenta o nmero de funcionrios (...), a gente atende dentro das possibilidades (E - Enfermeira).

    So poucos funcionrios para atender tanta gente, tem que ter amor camiseta para trabalhar aqui (E - Mdico).

    O enfrentamento das adversidades tem colocado os profissionais na posio de vtimas neste cenrio adverso. Para sobreviver ao caos, esquecem que tanto trabalhadores como usu-rios necessitam condies dignas de trabalho e de assistncia.

    Estudos apontam que as condies de in-fraestrutura para o trabalho com espao fsico inadequado para a realizao das atividades assistenciais, dimensionamento insuficiente do quadro de profissionais de enfermagem, propi-ciam tenses e conflitos que se manifestam de forma intensa e estressante sobre os profissionais da unidade, mais especificamente sobre a enfer-

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    magem. Assim, a deficincia de recursos huma-nos e materiais configuram-se como condies imprprias para o trabalho e ameaa sade dos trabalhadores que atuam nos servios hospitalares de emergncia.11,13

    Os profissionais mencionam que a ausncia de equipamentos, materiais e a insuficincia de rea fsica so aspectos que contribuem para difi-cultar a realizao do trabalho.

    Geralmente, falta material e a gente fica no impro-viso. O oxmetro, s vezes, est quebrado (E - Tcnica de Enfermagem).

    Algumas vezes, difcil conseguir uma maca ou uma cadeira, quando chega paciente aqui. A equipe enfrenta muitos problemas, muitos! Falta maca, falta cadeira (E - Vigilante).

    A falta de recursos humanos e materiais, em-bora no seja constante, foi apontada por todos os profissionais entrevistados e tambm identificada durante a observao do campo. Essa deficincia dificulta no s o atendimento como tambm as relaes entre trabalhadores e usurios, que de-monstram esta insatisfao.

    Cabe destacar que essas dificuldades so en-contradas na maioria das unidades de urgncias e emergncias do pas. Elas so visivelmente expres-sas por meio da estrutura fsica e tecnolgica ina-dequada, insuficincia de equipamentos, recursos humanos limitados, capacitao insuficiente para o trabalho, baixa cobertura do atendimento pr-hospitalar mvel, nmero insuficiente de unidades de pronto atendimento e insuficiente retaguarda para transferncia de doentes.14

    Alm do atendimento aos casos em que o risco vida iminente e da ateno aos pacientes que permanecem em observao, a equipe da unidade divide-se ainda na ateno aos pacientes que necessitam de consulta mdica, procedi-mento de enfermagem, exames e medicaes. A demanda por esse tipo de atendimento, alm de excessiva, no se esgota no que se considera um problema de sade. Ela caracterizada, muitas vezes, por pacientes com necessidades no ur-gentes, que buscam no atendimento de sade nas UEs a resoluo para os mais diversos problemas sociais e de sade.

    Na opinio dos profissionais, a procura excessiva por atendimento est relacionada concentrao de recursos humanos e tecnolgicos que a UE oferece.

    um hospital-escola, ento, s vezes, se consegue uma tomografia imediatamente ou fazer exames comple-

    mentares. O que o diferencia de outros hospitais, porque eu j trabalhei em hospitais privados e para conseguir uma tomografia, para conseguir um RX, primeiro passa por uma burocracia para saber se o paciente tem convnio, se pode pagar, do contrrio, no fazem, aqui o servio pblico e possibilita realizar exames especiali-zados, complementares, cirurgia, enfim todo tratamento (E - Enfermeira).

    Os pacientes em situaes no urgentes pro-curam a unidade porque ela est aparentemente mais disponvel, pois eles no tm outros recursos para recorrer. Pesquisa realizada em um servio pblico de urgncia peditrica evidenciou a he-terogeneidade dos atendimentos, contrariando a vocao do servio, idealizado como referncia para casos agudos. O volume excessivo de atendi-mentos e a percepo da diminuio da qualidade do cuidado prestado foram queixas manifestadas por pediatras do ambulatrio de urgncias. Os mdicos ressentiam-se de assistir crianas que deveriam estar sendo atendidas no cuidado pri-mrio, expressando preocupao com as mais graves que tambm chegavam necessitando de cuidados que no esto disponveis em outros nveis do sistema.15

    A escolha do paciente sobre qual unidade de-ver acessar pode estar relacionada ao acolhimento anterior de suas demandas por um profissional ou servio de sade. Portanto, as concepes e expe-rincias anteriores do paciente relacionadas ao acesso e resolutividade dos servios de sade so fatores que podem colaborar com a superlotao e interferem na organizao do trabalho da equipe de sade das unidades hospitalares.

    Diante disso, importante salientar que os significados de urgncia para os profissionais e para a populao so distintos, como tambm so diferentes os conceitos de doena e sade em suas definies biomdicas e nas representaes e prticas, que variam segundo segmentos e culturas da sociedade.3 Para os profissionais, as urgncias esto relacionadas s patologias que comprometem a vida ou funo vital importante. Para a populao, relacionam-se a necessidades variadas (aflio, angstia, abandono e misria), que requerem ajuda e/ou assistncia, com soluo imediata a uma dificuldade passageira.16,17

    O cenrio descrito mostra contradies em relao ao conceito de que a todos os pacientes ser garantido o acolhimento nos servios, de acordo com a complexidade tecnolgica, que dever estar organizada de forma regionalizada, hierarquizada e regulada, pois existem muitas fragilidades na

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    organizao. Idealmente, os diferentes nveis de ateno devem formar uma rede assistencial de modo que cada servio complemente a ao de ou-tro por meio de mecanismos organizados e pactua-dos. Isso s ocorrer se os servios se reconhecerem como parte integrante desse sistema de urgncias, atendendo adequadamente o paciente naquilo que corresponder a sua capacidade resolutiva.

    Portanto, as unidades e os servios de sade devem estar habilitados tecnicamente e possuir condies de infra-estrutura fsica, de pessoal, recursos materiais e equipamentos para prestarem o primeiro atendimento ou a estabilizao dos qua-dros de urgncia, e, posteriormente, encaminhar o paciente para unidades de maior porte.

    CONSIDERAES FINAIS A anlise da organizao do trabalho de uma

    unidade hospitalar de atendimento a usurios em situaes de urgncia e emergncia evidenciou trs momentos principais de atuao da equipe de sade. Os profissionais atendem urgncias e emergncias em que o risco vida iminente, prestam assistncia aos pacientes na sala de ob-servao e recebem pacientes com demandas de sade no urgentes.

    A procura por atendimento nos servios de urgncia hospitalar tem inmeras causas que podem estas associadas ao aumento da violncia, das questes socioeconmicas, assim como pela falta de resolutividade de aes e servios. Os profissionais so interpelados por uma demanda que ultrapassa o que os servios esto organizados para reconhecer e intervir.

    Constatou-se que os profissionais sustentam a concepo biomdica de organizao do trabalho e priorizam o atendimento aos usurios com pro-blemas graves e agudos que procuram a unidade e, demonstram insatisfao com o longo tempo de permanncia dos pacientes e com a frequente utilizao do servio por casos no urgentes.

    A crise dos servios de urgncia pode estar relacionada aos desequilbrios do sistema de sa-de, sendo que os servios de urgncia e emergncia se transformam em porta de entrada para os mais variados problemas de sade e, portanto, sua ava-liao permite o acompanhamento da evoluo e adequao das polticas implementadas em rela-o s necessidades da populao. Nesse sentido, um atributo de qualidade importante do sistema de sade na ateno s urgncias a acessibilida-de, aliado ao tempo de espera para o atendimento

    e ao reconhecimento imediato da gravidade dos casos pelos profissionais.

    Os resultados desta investigao assinalam de forma relevante a necessidade de qualificao da ateno s urgncias. O estudo oferece subsdios para reorganizao dos processos de trabalho e re-estruturao dos fluxos de pacientes para as demais unidades do hospital, visando maior resolutividade aos atendimentos e satisfao para os profissionais.

    Uma das estratgias possveis para qualificar o atendimento a estruturao do acolhimento com avaliao de risco, estabelecendo um equil-brio entre a demanda de pacientes e os recursos disponveis para atender suas necessidades, por meio da classificao dos casos.

    Aponta-se a necessidade da organizao do trabalho na UE com base nos pressupostos da Poltica Nacional da Ateno as Urgncias, que preconizam o acesso e acolhimento aos servios de sade de acordo com sua complexidade tecnolgi-ca, procedendo a reordenao, quando necessrio, a servios ambulatoriais bsicos ou especializados existentes na rede de ateno sade. Para tanto, necessrio conhecer a estrutura dos servios e esta-belecer a rede de ateno s urgncias, com grades de referncia e contra-referncia efetivamente pactuadas, com definio de co-responsabilidades, de modo a corrigir as distores ainda existentes nas portas de entrada do sistema.

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    Correspondncia: Estela Regina GarletAvenida Integrao, 229098150-000 - Pinhal Grande, RS, BrasilE-mail: [email protected]

    Recebido em: 15 de setembro de 2008Aprovao final: 19 de maio de 2009

    Garlet ER, Lima MADS, Santos JLG, Marques GQ