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Geografia - v. 15, n. 1, jan./jun. 2006 Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Geocincias
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O presente desafio consiste em construir um esquema de anlise que, em sua
amplitude, permita delimitar referenciais tericos com capacidade de explicar, compreender
e questionar o processo de formao do campesinato nos ltimos vinte anos, e, com esse
mesmo esquema de anlise, poder compreender quem so os camponeses e quem so os
agricultores familiares a partir de suas realidades sciopolticas do Pontal do
Paranapanema.
A leitura geogrfica aqui desenvolvida interessante por focalizar uma regio do
Estado de So Paulo na qual se constatam inmeros conflitos fundirios envolvendo
posseiros, grileiros, trabalhadores rurais e governo:
[...] Para compreender melhor esta questo, preciso uma breveretrospectiva histrica da ocupao do Pontal do Paranapanema. As terrasda regio comearam a ser griladas desde a segunda metade do sculo
XIX, com a formao do grilo fazenda Pirap-Santo Anastcio, com rea deduzentos e trinta e oito mil alqueires. At a dcada de 1990, com exceodas lutas de resistncia de posseiros e de movimentos sociais isolados, osgrileiros no encontraram maiores problemas no processo poltico deassenhoreamento das terras devolutas do Pontal. Grilagem o processo deapropriao de terras pblicas por meio de falsificao dos ttulos depropriedades. No faltaram aes do Estado para tentar impedir esseprocesso de grilagem (BERGAMASCO et al., 2003: p. 81-82).
Neste contexto, emergem questionamentos como: qual o papel e o lugar dos
camponeses na sociedade capitalista? O futuro do campesinato est na sua integrao ao
mercado ou na luta contra o capital?
OS CONCEITOS: CAMPONS E AGRICULTOR FAMILIAR
Desde a dcada de 1990 os conceitos de campons e agricultor familiar
sofreram profundas alteraes as quais tm desencadeado pesquisas acadmicas em
diversas reas. Na rea da Geografia, duas produes acadmicas construdas a partir de
anlises da realidade do Pontal do Paranapanema, uma de 1990 e outra de 2000 podero,
de forma preliminar, colocar o problema em questo. O trabalho cientfico de Silveira (1990)
demonstra:
[...] uma gama muito grande de tipos de camponeses que vai desde aqueleque racionaliza ao mximo sua produo, que est ligado a cooperativas, etenta ajustar-se s necessidades do mercado, minimizando ao mximo seusriscos, at o posseiro, com condies mnimas de existncia, que s vezesplanta para ter o que comer (SILVEIRA, 1990, p. 231).
Verificando os conceitos utilizados pela pesquisadora emerge uma gama de
tipos de camponeses que dificultam a diferenciao, impedindo um melhor esclarecimento e
compreenso.
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OS DOIS PARADIGMAS: DO CAPITALISMO AGRRIO E DA QUESTO AGRRIA
O desafio de tal compreenso justifica o resgate de teorias cientficas, polticas e
de outras reas do conhecimento. Resgatar entre outras, a teoria de Maquiavel (1999) para
o qual a cincia e a poltica esto intimamente unidas e dependentes. Segundo Maquiavelpara ter liberdade necessrio ter o poder, assim, cincia, dominao e liberdade so
inseparveis. S livre quem tem poder, portanto, o desejo de conquistar natural e
comum, e os homens capazes de satisfaz-lo sempre sero louvados, jamais criticados
(MAQUIAVEL, 1999, p. 47).
Maquiavel revolucionou a histria das teorias polticas ao se propor estudar a
sociedade pela anlise da verdade efetiva dos fatos humanos. O objeto de suas reflexes
a realidade poltica, pensada como prtica humana concreta. Quer compreender como as
organizaes polticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem.
O Prncipe um livro de histria e tambm de ideologia, com ele Maquiavel
procura demonstrar como e por que o conhecimento poder. Sobrepondo as idias de
Maquiavel e as idias de Bourdieu (2001) teremos elementos para compreender melhor as
aes empreendidas na defesa do conhecimento.
Quando estas defesas forem executadas por um conjunto de pensadores e suas
respectivas produes cientificas, diz-se tratar de um think tank. Os think tanks agrupam-
se num conjunto de pensadores e num conjunto de produes cientificas necessrias, para
com elas, dominarem a poltica. O domnio poltico a sua razo de ser e existir. Para
atingirem esse objetivo, constroem referncias tericas a partir de suas leituras e
interpretaes da realidade e com elas, estabelecem paradigmas, sendo estes um conjunto
de pensamentos, teorias e teses com os quais procuram explicar a realidade.
O pensamento consensual, aquele que defende a expanso do capitalismo de
maneira nica e homognea, agrupa alguns de seus tericos como think tank denominado
RIMISP (2005) - Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural, trata-se de:
[] una organizacin sin fin de lucro, fundada en 1986, que apoya elaprendizaje organizacional y la innovacin para promover la inclusin, laequidad, el bienestar y el desarrollo democrtico en las sociedades ruraleslatinoamericanas .
O pensamento crtico, aquele que defende o aprofundamento e a ampliao da
discusso numa perspectiva que confronte o pensamento consensual possibilitando a
compreenso das realidades em suas complexidades e diversidades, agrupam alguns de
seus tericos como think tank denominado CLACSO (2005) Centro Latino Americano de
Cincias Sociais.
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O RIMISP est vinculado ao Banco Mundial enquanto que a CLACSO vincula-se
a Via Campesina.
H diferentes concepes tericas de compreenso do desenvolvimento do
capitalismo no campo, dentre elas se destacam dois paradigmas, entendendo paradigma
como um conjunto de pensamentos, teorias e teses que procuram explicar a realidade.
O paradigma do capitalismo agrrio, defendido pelos tericos do Rimisp,
entende que o nico futuro para o campesinato est na metamorfose do campons em
agricultor familiar.
Ou seja, como inevitvel a tendncia ao desaparecimento do campesinato, a
nica possibilidade de sobrevivncia ao campons consiste na transformao dele em
agricultor familiar, inserindo-o plenamente no mercado, racionalizando ao mximo a sua
produo.
Portanto, para esse paradigma, o futuro do campo ter trs opes: a insero
do campons ao mercado, a pluriatividade ou ento, polticas compensatrias.
O paradigma da questo agrria, defendido pelos tericos da Clacso, entende
que a luta pela terra e pela reforma agrria a forma privilegiada da criao e recriao do
campons. O campons aquele que luta pela terra. Sem a luta o campons deixa de
existir.
Para esse paradigma, a anlise da luta camponesa compreende espao, sujeito
e tempo de forma dialtica constatando que, ao aumentar a concentrao de terras,
aumenta simultaneamente o nmero de camponeses em luta pela terra no Brasil. Assim, a
luta pela terra no Brasil elemento inerente histria do campesinato movido pelo conflito
entre a territorialidade capitalista e a territorialidade camponesa, como esclarece a
professora:
[...] A luta pela terra hoje existente no pas representa, na maioria doscasos, mais um captulo da histria do campesinato brasileiro, movido pelo
conflito entre a territorialidade capitalista e a territorialidade camponesa.Mas as novidades desse momento histrico so muitas. Dentre elas,destacam-se: a grande abrangncia da base social da categoria sem-terra,que envolve uma multiplicidade de sujeitos sociais, inclusive trabalhadoresresidentes nas cidades, e o significado a contido de negao do processode proletarizao em curso, demonstrando que a possibilidade de recriaocamponesa no se esgota com o processo de expropriao nem com apassagem desses sujeitos pela cidade (MARQUES, 2004, p. 151).
A procura da nova identidade e da nova identificao o objetivo deste texto
sendo de fundamental importncia a compreenso do papel e lugar dos camponeses na
sociedade capitalista e no Brasil, em particular.
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Esse entendimento ser construdo a partir de uma viso crtica e comprometida
com a transformao da realidade, aprofundando e ampliando a discusso numa
perspectiva que confronte o pensamento consensual. Nesta perspectiva torna-se
indispensvel construo da anlise que contemple de forma inerente dimenso da
conflitualidade.
A CONFLITUALIDADE
Ela um conceito que, recentemente vem sendo utilizado para a leitura e
interpretao da realidade atual dentro do paradigma da questo agrria conforme
Fernandes (2005 a; 2005 b). Sua contribuio corrobora para a compreenso de realidades
como a violncia no campo, a criminalizao da luta pela terra, a violncia do Poder Pblicoe privado (COMISSO PASTORAL DA TERRA: 2004).
A conflitualidade o processo de enfrentamento perene alimentado pela
contradio estrutural do capitalismo que produz concentrao de riqueza de um lado e
expande a pobreza e a misria do outro.
Assim explica o pesquisador:
[...] Um conflito por terra um confronto entre classes sociais, entremodelos de desenvolvimento, por territrios. O conflito pode ser enfrentadoa partir da conjugao de foras que disputam ideologias para convenceremou derrotarem as foras opostas. Um conflito pode ser esmagado ou podeser resolvido, entretanto a conflitualidade no. Nenhuma fora ou poderpode esmag-la, chacin-la, massacr-la. Ela permanece fixada naestrutura da sociedade, em diferentes espaos, aguardando o tempo devolta, das condies polticas de manifestaes dos direitos. [...] Osacordos, pactos e trguas definidos em negociaes podem resolver ouadiar conflitos, mas no acabam com a conflitualidade, porque esta produzida e alimentada dia-a-dia pelo desenvolvimento desigual docapitalismo (FERNANDES, 2005a, p. 26).
Gonalves (2005) elenca alguns elementos para compreender a reproduo
continuada da conflitividade e da violncia no campo brasileiro que reproduzo aqui de formasinttica. So elas: a) alm da violncia fsica, h a violncia simblica praticada pela
imprensa, omitindo informaes e veiculando uma noo acrtica do que seja progresso; b)
a simples presena de organizaes indgenas, de afro-descendentes, de camponeses e de
mulheres, enquanto protagonistas, j por si indcio de que uma outra ordem est em curso
e que a ordem estabelecida est em questo; c) nossa formao social e poltica desde os
primeiros momentos, no se pautou pela mediao pblica na resoluo de conflitos; d) os
pactos polticos responsveis pela segurana e garantia de governabilidade; e) a estrutura
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fundiria desigual que admite e aceita que mais de 50% das terras do Pas no sejam
sequer cadastradas (GONALVES, 2005, p.150-156).
Os movimentos camponeses no passado e no presente simbolizam e
concretizam um caminho alternativo, uma proposta diferente para a classe camponesa, que,
pelo confronto presente lhe abre perspectiva futura, como ensina Fernandes (2005 a, p. 27)
o tratamento da questo agrria no pode contemplar apenas o momento de conflito, mas
sim o movimento da conflitualidade, seu carter histrico e geogrfico em todas as
dimenses atingidas pela questo agrria.
A conflitualidade tambm se faz presente nas discusses tericas cujo objetivo
consiste em convencer ou derrotar oponentes. Ela se instala nas teorias, nos paradigmas,
nos discursos promovendo verdadeira disputa intelectual confrontando diferentes
compreenses e leituras, as quais indicam necessariamente alternativas distintas, s vezesopostas, outras antagnicas e nem sempre complementares.
Neste sentido importa saber: quais so os principais argumentos e as
contribuies de cada paradigma? Como se confrontam? Quais so seus objetivos?
O PARADIGMA DO CAPITALISMO AGRRIO
Os tericos do paradigma do capitalismo agrrio acreditam que o nico futuropara o campesinato est na metamorfose do campons em agricultor familiar. Ou seja,
como inevitvel a tendncia ao desaparecimento do campesinato, a nica possibilidade de
sobrevivncia do campons consiste na sua transformao em agricultor familiar, inserindo-
o plenamente no mercado, racionalizando ao mximo a sua produo.
Dentre as obras consultadas por quem defende esse paradigma, esto, entre
outras, os escritos de Lnin (1899/1985) e (1918/1980), e Kaustsky (1986) por serem
seminais, contendo elementos fundamentais para compreender o desenvolvimento da
agricultura no capitalismo e as obras de Lamarche (1993,1998) e Abramovay (1992) por
postularem defesas que apontam na mesma direo, porm, foram construdas em bases
distintas.
Lnin (1899/1985) e (1918/1980) ao discutir o desenvolvimento do capitalismo
na Rssia e nos Estados Unidos, explica o processo de explorao e destruio do
campesinato e a eliminao do campons, como fruto do avano capitalista, pois:
[...] o capital encontra as mais diversas formas de propriedade medieval e
patriarcal da terra: a propriedade feudal, a de cl, a comunal, a estatal, etc.O capital faz pesar seu jugo sobre todas estas formas de propriedade
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Lamarche (1993) parte da hiptese de que possvel encontrar um tipo ideal
nico de campesinato universal. Esta hiptese inspirou seu estudo comparativo
internacional realizado em cinco pases sobre a capacidade de adaptao da agricultura
familiar a contextos econmicos, sociais e polticos distintos.
O tipo ideal de sociedade camponesa possui cinco caractersticas: a) autonomia
relativa diante da sociedade; b) sistema econmico autnomo; c) um determinado grupo
domstico; d) os inmeros inter-relacionamentos; e) algumas personalidades fazem a ponte
entre o local e o geral.
A explorao familiar corresponde a uma unidade de produo agrcola, onde
propriedade e o trabalho esto intimamente ligados famlia propiciando a transmisso do
patrimnio e a reproduo da explorao.
A combinao entre propriedade e trabalho assume, no tempo e no espao, uma
grande diversidade de formas sociais. Desta forma a explorao familiar ao mesmo tempo
uma memria, uma situao, uma ambio e um desafio.
Lamarche explica que um determinado explorador est em uma lgica
produtivista, outro na lgica de acumulao fundiria e outro em uma lgica familiar. Essa s
elucida se analisada e compreendida em seu contexto no mbito local e global.
Abramovay (1992) entende que no existe uma discusso especifica sobre o
campesinato e a questo agrria nas obras de Marx, Lnin e Kautsky. Elas no so as
obras mais indicadas para quem quer conhecer e compreender a questo agrria e suas
dimenses, vez que, por intermdio delas, impossvel definir de forma cristalina a natureza
e a origem dos rendimentos dos camponeses, pois:
[...] a atividade produtiva que d origem a sua reproduo no tem oestatuto de trabalho social e neste sentido que o campesinato s pode seconstituir naquele grupo de brbaros de que falava Marx (ABRAMOVAY,1992, p. 36).
Para Abramovay o mercado o elemento de mediao e compreenso dasrelaes sociais interessando apenas a produo de mercadoria, elegendo, portanto, critrio
predominantemente econmico no qual a natureza dos mercados um dos atributos
microeconmicos mais reveladores da vida social (ABRAMOVAY, 1992, p. 104).
Neste contexto nada mais distante da definio do modo de vida campons que
uma racionalidade fundamentalmente econmica (ABRAMOVAY, 1992, p. 115), fazendo
Abramovay sentir-se autorizado em defender certas concepes como, por exemplo, a de
que o campons possui cultura e economia incompleta, parcial impossibilitando sua
participao em mercados completos desenvolvidos pela economia capitalista.
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O campons a melhor definio de resto feudal, um resqucio, classe que
representa a barbrie, um estorvo, uma vez que as sociedades camponesas so
incompatveis com o ambiente econmico onde imperam relaes claramente mercantis
(ABRAMOVAY, 1992, p. 130).
Abramovay adepto de que o final do campons sua extino, pois o
agricultor familiar um novo personagem diferente do campons tradicional, que teria
assumido sua condio de produtor moderno totalmente integrado ao mercado
racionalizando ao mximo sua produo.
O PARADIGMA DA QUESTO AGRRIA
O paradigma da questo agrria defende a hiptese de que a luta pela terra e
pela reforma agrria a forma privilegiada da criao e recriao do campesinato. Dentre as
obras consultadas por quem defende esse paradigma, esto, entre outras, os escritos de
Shanin (1983) e Chayanov (1974) pelas contribuies que trazem na compreenso do
desenvolvimento da agricultura no capitalismo e tambm as produes cientficas de
Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1986, 1988, 1991, 2004) e Bernardo Manano Fernandes
(1996, 1999, 2000, 2001) por desenvolverem compreenses utilizando o conceito de
territrio como sntese contraditria, como efeito material da luta de classes.
Shanin (1983) prova que a mobilidade scio-econmica peculiar e caracterstica
da sociedade camponesa conduziram a mudanas significativas no modo em que a
diferenciao real e os processos de polarizao afetaram a ao e a conscincia polticas
do campesinato russo no inicio do sculo XX (1910-1925).
S discutir o choque entre as autoridades estatais russas e as maiores vozes do
campesinato no ajuda ver que no campo h outras divises sociais. Mostra a relao entre
a mobilidade scio-econmica e as relaes de conflito na sociedade rural indicando sua
importncia para a explicao dos processos bsicos da historia rural russa.
A unidade domstica camponesa consiste na famlia e na sua explorao
agrcola. A famlia fornece o trabalho necessrio principalmente produo de subsistncia
para satisfazer suas necessidades bsicas e os tributos impostos pelos poderes econmicos
e polticos.
Era uma comunidade de mesa, antes de ser uma comunidade de sangue, sob a
autoridade patriarcal:
[] una unidad domstica campesina rusa estaba compuesta, en la mayoriade los casos, por familiares consanguneos de dos o tres generaciones. Sin
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embargo, la condicin bsica para convertirse en miembro de la misma noera el vnculo de sangre, sino la participacin total en la vida de sta, o, enexpresin de los campesinos, comer del mismo puchero (SHANIN, 1983,p. 55).
A unidade domstica camponesa era uma unidade bsica de produo,
consumo, posse, socializao, sociabilidade, apoio moral e ajuda econmica mutua. A
ocupao principal dos camponeses russos consistia na realizao de uma ampla variedade
de tarefas, o que exigia um ritmo de vida cclico, uma mobilidade multidirecional e cclica.
Chayanov (1974) analisa as relaes entre a terra, o capital e a famlia, a
circulao do capital na unidade econmica campesina da Rssia (1890- 1905). A famlia
ganha seu sustento com o trabalho na terra, ainda que seus trabalhadores possam
desenvolver-se em outros setores que no o agrrio como o artesanato e comercial.
a unidade domstica de explorao camponesa na qual no exista a fora detrabalho assalariada e por isso mesmo difere da unidade de explorao capitalista.
Alm de analisar as relaes entre terra, capital e famlia; a circulao do capital
na unidade econmica campesina, Chayanov analisa tambm as conseqncias que, para a
economia nacional, surgem da natureza desta unidade econmica campesina.
Analisando o modo produtivo destas unidades, sua concepo, seu
desenvolvimento e sua forma organizativa, constata-se que so verdadeiras violaes s
regras empresarias, de sorte que os conceitos fundamentais da economia clssica no tmmuita serventia para compreender e explicar a economia camponesa, obrigando Chayanov
criar conceitos e concepes excessivamente ambguas: unir na pessoa do campons o
capitalista e o proletrio.
As contribuies de Chayanov para o estudo da questo agrria so
indispensveis devido a sua originalidade.
Cada famlia conforme sua idade, constitui em suas diferentes fases um aparato
de trabalho completamente distinto de acordo com sua fora de trabalho, a intensidade dademanda de suas necessidades, a relao consumo-trabalho e a possibilidade de ampliar
os princpios da cooperao complexa. A partir deste quadro compreende-se a tese de
Chayanov:
[] de acuerdo con esto podemos plantear el primer problema de nuestrainvestigacin: la condicin de este aparato en continuo cambio afecta laactividad econmica de una familia que maneja su propia unidad deexplotacin, y si lo hace, como y hasta qu punto?(CHAYANOY, 1983, p.56).
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Ao estudar a unidade econmica campesina Chayanov quer de fato averiguar a
fora de trabalho camponesa como atividade econmica da famlia no campo e no a
produo deste campo.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira entende que o processo de desenvolvimento do
capitalismo na agricultura de nossos dias est marcado pela sua industrializao
(OLIVEIRA, 1991, p. 23).
O movimento dos camponeses no Brasil tentativa de resgate da condio de
campons autnomo frente expropriao representada pelos posseiros e sua luta contra
os grileiros. tambm um movimento originado na luta dos camponeses parceiros ou
moradores contra a expropriao completa no seio do latifndio, que os transformava em
trabalhadores assalariados.
O desenvolvimento do modo capitalista de produo no campo se d em
primeiro e fundamentalmente pela sujeio da renda da terra ao capital quer pela compra da
terra para explorar ou vender, quer pela subordinao produo do tipo campons, assim:
[...] o fundamental para o capital a sujeio da renda da terra, pois a partirda, ele tem as condies necessrias para sujeitar tambm o trabalho quese d na terra. Primeiramente, o capital sujeita a renda da terra e emseguida subjuga o trabalho nela praticado (OLIVEIRA, 1991, p. 49).
Nesse contexto, a luta pela terra est assentada no processo contraditrio de
desenvolvimento do capital que, ao mesmo tempo em que expropria, abre possibilidadehistrica do retorno a terra. Esses dados proporcionam compreender os conflitos fundirios
constantes no Brasil como parte de uma luta histrica, que, nas duas ltimas dcadas tm
assumido novas caractersticas, em virtude das transformaes recentes no campo
brasileiro:
[...] Se a mundianizao da economia capitalista traz tona novos sujeitossociais e novas articulaes, igualmente e contraditoriamente, traz tambm tona a luta de novos personagens sociais: basta olharmos para o Mxico,e l esto os zapatistas em luta. Com certeza a histria no acabou, e muito
menos a utopia (FERNANDES, 1996, p. 11).
Na produo cientfica de Bernardo Manano Fernandes a (re) criao do
campesinato se d atravs da luta pela terra e pela reforma agrria, quando as famlias
camponesas organizadas ocupam o territrio do latifndio num processo de espacializao
e territorializao. Logo:
[...] no interior desse processo desigual que se desenvolvem a exploraoeconmica, a excluso cultural e a dominao poltica, gerando os conflitose as mais diversas formas de resistncia. No interior desse processoformam-se diferentes movimentos sociais que inauguram novas situaes,
desenvolvem outros processos (FERNANDES, 1996, p. 25).
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Analisa Fernandes (1999) as razes de um desses movimentos sociais do
campo, o MST, que do ponto de vista socioeconmico e histrico tem sua gnese no Sul (do
Brasil) pela histrica concentrao de camponeses; do ponto de vista ideolgico, pelo
trabalho desenvolvido pela Igreja Catlica e Luterana e do ponto de vista poltico pelo
processo de democratizao do pas.
Aprofundou suas reflexes analisando as diferentes aes nos ltimos vinte e
cinco anos da existncia do MST que se encontra organizado em vinte e dois estados do
Brasil. Suas principais aes so: ocupao, trabalho de base, acampamento, negociao
poltica, organicidade, espacializao e territorializao:
[...] A ocupao uma realidade determinadora, espao/tempo queestabelece uma ciso entre latifndio e assentamento e entre o passado e ofuturo. Nesse sentido, para os sem-terra a ocupao, como espao de luta e
resistncia, representa a fronteira entre o sonho e a realidade, que construda no enfrentamento cotidiano com os latifundirios e o Estado(FERNANDES, 2000, p. 19).
Fernandes (2001) entende que s as ocupaes de terra no so suficientes
para amenizar os problemas, bem como as polticas governamentais tambm no o so. As
referncias tericas e as experincias histricas so fundamentais para a construo de
novas prticas na luta contra o capital. A partir dessas referncias so construdas novas
interpretaes, novas teses.
CONCLUSES
Os conceitos de agricultor familiar e de campons so concebidos pelos dois
paradigmas de forma distinta. Para o paradigma do capitalismo agrrio a diferena entre
eles est em dois aspectos: a) o campons sinnimo de atraso, resqucio do feudalismo,
da barbrie e, por isso, tende a desaparecer com o avano do capitalismo se transformando
em agricultor familiar; b) o agricultor familiar importante e necessrio, pois, de alguma
forma, ele faz parte do agronegcio.
Para o paradigma da questo agrria no h diferena entre agricultor familiar e
campons, pois, ambos so assim definidos por terem a famlia e o trabalho familiar por
caracterstica, pois, ao mesmo tempo em que a famlia proprietria dos meios de
produo, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Contudo, o seu futuro est na
superao do trabalho familiar. preciso inventar o trabalho familiar-cooperativo e aprender
a no abominar o mercado.
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