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Verso On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
EXISTE LIRISMO EM AUGUSTO DOS ANJOS O POETA DO MAU GOSTO?
Nilsia Charal Lopes
Prof. Dra. Marcele Aires (Orientadora/UEM)
RESUMO Com intuito de encontrar formas mais dinmicas para trabalhar a literatura no Ensino Mdio do Colgio Estadual Vercindes Gerotto dos Reis, em Paiandu, PR, foi elaborado um projeto de interveno pedaggica priorizando a poesia, em especial devido ao tabu que os alunos trazem em relao a esse gnero. O projeto envolveu duas turmas de 3 anos do Ensino Mdio, perodo matutino, envolvendo aes numa metodologia diversificada e dinmica, com o objetivo de despertar nos alunos o gosto pela poesia. Como corpus do trabalho foram selecionados poemas de Augusto dos Anjos, substancialmente aqueles que abordam o tema morte. O propsito era levar os alunos a pensar na prpria existncia. Trabalhando-se concomitantemente com outras reas artsticas, a exemplo da pintura, da msica e do cinema, foram selecionadas 16 poesias de Augusto dos Anjos, intertextualizadas com os poetas: lvares de Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Castro Alves do Romantismo; e Manuel Bandeira e Mario de Andrade do Modernismo, que retratam o tema morte, em outra vertente. Este artigo tem como objetivo relatar as etapas e resultados alcanados por meio do projeto de interveno, pautado no apenas nas leituras, mas na dramatizao das ideias. Palavras-chave: poesia, Augusto dos Anjos, dramatizao, morte.
INTRODUO
Como professora de Lngua Portuguesa, com anos de prtica em sala
de aula do Ensino Mdio, sempre soube o quanto necessria a Literatura ao
desenvolvimento dos alunos, tanto no que tange aprendizagem, e acima de
tudo, no aprimoramento cultural, criativo, crtico, bem como na possibilidade de
despertar do esprito imaginativo e emocional diante do mundo e da vida.
Contudo, percebi o tabu existente em relao ao gnero poesia, pois
quando se faz a proposta de trabalhar com poesias, geralmente ela
associada a rimas, mtricas, versificao; enfim, prioriza-se o conceito da
estrutura e com isso os prprios alunos afirmam no entender nada, inclusive
muitos a veem como amontoados de palavras incompreensveis, sem sentido.
comum vrios a relacionarem ao lirismo amoroso. Dizem, na maioria das
vezes, que poesia de amor, dificilmente a correlacionando s diferentes
manifestaes de lirismo potico.
rotina nos deparamos com alunos que leem muito pouco, e que
comumente no se interessam pela Literatura, tampouco pela poesia por
consider-la chata, incompreensvel, desinteressante.
Existe por parte de muitos alunos certa dificuldade de compreenso em
relao real funo da poesia alm da estrutura, que importante,
imprescindvel, tem-se o contedo, a finalidade da poesia de transmitir
subjetividade, expressividade, imaginao, sensibilidade; mexer com as
emoes; humanizar; seduzir. Para Novalis, escritor e filsofo representante do
Romantismo alemo, poesia a arte de excitar a alma (1987, p. 13). No
sendo apenas uma diverso, a Poesia, na concepo novalisiana a mais
completa das atividades do esprito, o saber mais profundo e a ao mais
eficaz. O poeta ainda aquele que descobre o eterno, escondido e oculto nas
realidades passageiras e efmeras (CAMUS, 1942, p. 32 apud OLIVEIRA,
1996, p. 57).
De fato, a poesia criada para ser sentida, valorizando os sentimentos,
e so conceitos como estes que pretendemos passar aos alunos, de forma a
desmistificar a noo errnea que eles tm sobre o estudo. O prprio Ezra
Pound, em ABC da Literatura, afirma: Creio que o professor ideal seria o que
examinasse qualquer obra-prima que estivesse apresentando a seus
alunos quase como se nunca a tivesse visto antes (2006, p. 81).
As Diretrizes Curriculares da Educao Bsica de Lngua Portuguesa da
Secretaria de Estado da Educao do Paran (2008) nos orientam a trabalhar
desta forma com os textos poticos:
No caso da leitura de textos poticos, o professor deve estimular, nos alunos, a sensibilidade esttica fazendo uso, para isso de um instrumento imprescindvel e, sem dvida, eficaz: a leitura expressiva. O modo como o docente proceder a leitura do texto potico poder tanto despertar o gosto pelo poema como a falta de interesse pelo mesmo. Assim, antes de apresent-lo para os educandos o professor deve estudar, apreciar, interpretar, enfim, fruir o poema (p. 300).
Diante desse grande desafio de despertar o prazer para o gnero
poesia, buscamos um projeto audacioso, apostando na proposta de um
trabalho mais dinmico ao escolher a poesia como meio para despertar os
alunos, oportunizando o desenvolvimento do lado criativo, imaginrio.
Pretendamos que vivenciassem o mundo dos sonhos, acordando o artista
escondido dentro de cada um.
prudente admitir que ao iniciarmos os trabalhos com alunos do 3 A e
do 3 B (Ensino Mdio) do Colgio Estadual Vercindes Gerotto dos Reis, em
Paiandu, foi constatado que a relao aluno-poesia era, de fato, como a
descrita: poucos alunos afirmavam gostar de poesia e a justificativa era
exatamente essa: No gosto porque chato, no entendo.
Sem muito temer e apostando num resultado positivo, lancei o desafio e
relatarei as etapas desse projeto de interveno. Primeiramente abordando o
porqu da escolha do poeta Augusto dos Anjos, em especial sua nica obra,
Eu, publicada em 1912 com recursos prprios e do irmo Odilon (dois anos
depois, aos trinta, o poeta paraibano morreria ao sofrer de uma grave gripe). ,
pois, exatamente num perodo de mudanas estticas, polticas e geogrficas
que surge Eu, destacando-se Augusto dos Anjos no somente pela perfeio
formal na composio dos versos decasslabos, mas principalmente pelo
registro de imagens que remetem ao pnico, ao noturno, morte, ao mistrio.
Diante desse quadro, plausvel notar que seu livro provocou um certo
escndalo, visto que o pblico leitor da poca, sempre to seguidor do
modismo europeu, estava habituado elegncia parnasiana. Ou como Wilson
Martins em Histria da inteligncia Brasileira, na Belle poque a literatura
deveria ser o sorriso da sociedade. Porm Eu era um livro malcriado, de mau
gosto, de poeta de soldado de polcia, teria dito Manuel Bandeira (1981, v.5,
p. 512). Assim que o poeta, polmico, s encontraria compreenso e aceitao
a partir de 1928, quatorze anos depois da sua morte (REIS, 1982, p.6).
Diante do quadro de um poeta to controverso e ao mesmo tempo to
admirado, vale escolh-lo como autor a ser trabalhado por inmeros pontos.
Em primeiro lugar, suas poesias chocam pela intensidade dramtica com que a
voz lrica trata de sua aflio pessoal. Dentre os temas abordados, escolhemos
a temtica da morte, tratada pelo autor como decomposio da matria,
apresentada nos poemas com os sinnimos cemitrios, vermes, caixo,
putrefao. Mas por tratar de termos incomuns na poesia que acreditamos
que despertariam o interesse dos alunos.
1. Metodologia
1.1 A opo por Augusto dos Anjos
Escolhemos o poeta Augusto dos Anjos por consider-lo diferente dos
modelos de poetas e poesias que os alunos esto acostumados a estudar; mas
principalmente porque mexe com diversas emoes. De incio, numa primeira
leitura, h estranheza, porm com certa compreenso muitos se identificam,
acabam gostando porque sai do que convencional. um poeta que choca
pelo vocabulrio cientfico, dono de um lirismo grotesco, ao mesmo tempo em
que explora o subjetivismo, como em Psicologia de um vencido, publicado na
obra Eu (1912).
A opo pelo poeta Augusto dos Anjos deve-se ao fato de ser um poeta
nico, de estilo prprio, que se destaca pelo lirismo grotesco. Um poeta tido
pela crtica e por historiadores como como Ferreira Gullar (1976), Eudes Barros
(1996) e Anatol Rosenfeld (1996) como extravagante, filosfico, estranho,
chocante, grotesco, pessimista. Eis um poeta de inegvel valor, original pela
temtica materialista e pelo vocabulrio cientfico tpico do final do sculo XIX.
Em sua poca, inovou ao empregar poeticamente, e com frequncia, palavras
cientficas, manifestando suas ideias materialistas.
As poesias de Augusto dos Anjos chocam pela carga dramtica com que
o poeta trata de sua aflio pessoal. Dentre os temas abordados, optamos pela
temtica da morte, tratada pelo autor como decomposio da matria,
apresentada nos poemas com os sinnimos cemitrios, vermes, caixo,
putrefao. Mas por tratar de termos incomuns na poesia que acreditamos
que despertaria o interesse dos alunos.
Percebemos a profundidade de Augusto dos Anjos para exprimir seu
fazer potico. Contudo, ao apreciar os versos desse poeta mpar na literatura,
devemos convir que para os estudantes, objeto primordial desse trabalho, ele
classificado como um estranho, esquisito; poeta de difcil compreenso, de
mau gosto.
Desse modo, quis buscar na crtica de autores e estudiosos que
escreveram com propriedade sobre a vida do poeta, visivelmente com intuito
de melhor conhec-lo, para melhor compreend-lo e aceit-lo como um escritor
de inegvel valor potico, tal como nos comprova Ivan Cavalcanti Proena:
Curioso, no mnimo, o que se passa com o poeta Augusto dos Anjos. Reconhecidamente, poeta de difcil, muito complexo, vocabulrio, a exigir conhecimentos ora puramente de seus escritos