228
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ANDREYA DE BORTOLI A IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA JURÍDICA NAS EMPRESAS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL CURITIBA 2008

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE ... · em vista o gerenciamento de riscos jurídicos (tomada de decisão), a gestão de stakeholders e a sustentabilidade da

Embed Size (px)

Citation preview

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ANDREYA DE BORTOLI

A IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA JURÍDICA NAS EMPRESAS PA RA O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

CURITIBA

2008

ANDREYA DE BORTOLI

A IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA JURÍDICA NAS EMPRESAS PA RA O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Prof.(a) Dr.(a) Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa.

CURITIBA

2008

ANDREYA DE BORTOLI

A IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA JURÍDICA NAS EMPRESAS PA RA O

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________ Prof.(a) Dr.(a) Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

____________________________________ Prof. Dr. Antônio Carlos Efing

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

____________________________________ Prof. Dr. Marcos Abraham

Universidade Cândido Mendes

____________________________________ Prof. Dr. Eduardo Damião da Silva

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Curitiba, ___ de __________ de 2008.

À toda família, em especial ao meu marido, mãe, pai, irmã, pois cada um, de sua

maneira toda especial, e todos juntos, são o motivo e a razão da minha vida, e compõe o

início, o meio e o fim da minha história, e é por eles e para eles que vale a pena todo

esforço e dedicação.

AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuiram para a realização da presente pesquisa, e a todas elas

dirijo os meus mais profundos agradecimentos.

Agradeço especialmente a Professora Fabiane, por toda dedicação e paciência,

além de todo carinho com que sempre me atendeu.

Agradeço meu marido, pela tolerância e compreensão em todo o período do

mestrado, e por toda ajuda na etapa final, para a entrega da presente pesquisa.

Agradeço toda minha família, especialmente aos meus pais, pela ajuda e atenção

que sempre me dedicaram. Sem vocês, certamente, eu não teria alcançado meus

objetivos.

Agradeço aos meus colegas de trabalho e a todos os amigos, que souberam

compreender as minhas ausências, para o cumprimento desse objetivo.

Agradeço aos professores e colegas do mestrado, pois o presente trabalho é

resultado de todos os ensinamentos desses dois anos de estudo, e cada um, à sua

forma, contribuiu e auxiliou para a sua realização.

RESUMO

A temática da presente dissertação, intitulada “A Importância da Auditoria Jurídica nas Empresas para o Desenvolvimento Sustentável”, relaciona-se ao projeto de pesquisa “Desenvolvimento Sustentável, Responsabilidade Social das Empresas e Cidades”, vinculada à linha de pesquisa “Estado, Atividade Econômica e Desenvolvimento Sustentável”, e visa examinar a utilização da auditoria jurídica como um fator de promoção do desenvolvimento sustentável nas empresas, tendo em vista o gerenciamento de riscos jurídicos (tomada de decisão), a gestão de stakeholders e a sustentabilidade da atividade empresarial. Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivos aprofundar o conhecimento sobre desenvolvimento sustentável, conhecer os instrumentos de gestão de riscos empresariais, analisar o processo de gerenciamento de riscos jurídicos empresariais e o seu caráter interdisciplinar, analisar a auditoria jurídica empresarial, quais as suas principais funções e aplicações, quais são os benefícios que pode trazer para as empresas e qual é o seu diferencial em comparação com as práticas jurídicas tradicionalistas, e ainda, caracterizar os benefícios que a auditoria jurídica empresarial pode trazer para o desenvolvimento sustentável (sustentabilidade econômica e socioambiental). Para atingir os objetivos estabelecidos, a metodologia centrou-se na pesquisa bibliográfica para elaboração das bases conceituais, na análise comparativa entre a gestão de riscos (da teoria da administração) e a gestão de riscos jurídicos, e na análise dos benefícios práticos da utilização da auditoria jurídica. Ao final, pode-se concluir que auditoria jurídica empresarial, novo mercado de trabalho para os advogados, constitui-se em um instrumento que auxilia a gestão empresarial e influencia na tomada de decisões e prevenção de riscos do negócio, proporcionando informações importantes sobre o desempenho global do empreendimento, apontando como deve ser sua atuação em conformidade com a lei, identificando oportunidades e indicando medidas corretivas e preventiva de riscos jurídicos, contribuindo para a sustentabilidade empresarial. Portanto, a auditoria jurídica pode auxiliar as empresas para que assumam o seu papel de co-responsáveis pelo desenvolvimento econômico, social e ambiental, apontando alternativas racionais para solucionar os problemas socioambientais, e, assim, contribuir para a sustentabilidade empresarial e para o desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: Auditoria jurídica empresarial; riscos jurídicos; gestão de riscos jurídicos; sustentabilidade empresarial; desenvolvimento sustentável.

ABSTRACT

The theme of the present dissertation, titled “The Importance of Legal Auditing in Corporations for their Sustainable Development”, refers to the research project by the name of “Sustainable Development and Social Responsibility of Corporations and Cities”, which is linked to the line of research named “The State, Economic Activity and Sustainable Development”, targeted at examining the utilization of legal auditing as a way to promote sustainable development within a corporation, in regard to the management of legal risks (decision making), stakeholder management and the sustainability of the entrepreneurial activity. In that regard, the aim of the research was to acquire an in-depth knowledge of sustainable development, to get acquainted with corporate risk-management tools, to analyze the process of corporate-risk management and its multidisciplinary nature, to analyze corporate legal auditing and its major functions and applications – what benefits it can bring to the corporations, its differences in comparison with traditional legal practices – and, also, to characterize the benefits that corporate legal auditing can contribute with in terms of sustainable development (economic and social/environmental sustainability). In order to attain the established goals, the adopted methodology focused on bibliographical research in drafting the conceptual bases, on the analysis of risk management (of the administration theory) as compared with legal-risk management, and on the analysis of the practical benefits resulting from the utilization of legal auditing. At the end, one can conclude that corporate legal auditing – a novel market for lawyers – is a valuable tool in corporate management, and markedly influences the making of decisions and the prevention of risks in the business world, thus shedding important information on the global performance of the corporation by showing it how to act in full conformity to the law, and by identifying opportunities and recommending corrective and preventive measures regarding legal risks, thus substantially contributing to corporate sustainability. Therefore, legal auditing is able to contribute toward the corporations’ assuming co-responsibility for economic, social and environmental development by pointing out rational alternatives leading to the solution of social and environmental problems, thus contributing to corporate sustainability and to sustainable development.

Key Words: corporate legal auditing; corporate legal risks; legal-risk management; corporate sustainability; sustainable development.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Conceito básico de sustentabilidade: zonas de intersecção ....................54

Figura 2 – Matriz tridimensional da gestão de riscos ..............................................120

Figura 3 – Gestão de riscos no setor de energia.....................................................120

Figura 4 – Gestão da sustentabilidade corporativa .................................................121

Figura 5 – Infra-estrutura de gestão de riscos.........................................................124

Figura 6 – Gestão de riscos organizacionais...........................................................127

Figura 7 – Estrutura organizacional de gerenciamento de riscos............................128

Figura 8 – Inter-relação de fatores a considerar na gestão das empresas .............134

Quadro 1 - Evolução das abordagens da gestão ambiental empresarial ................148

Figura 9 - Gestão da sustentabilidade corporativa - visão da sustentabilidade por

stakeholders............................................................................................................149

Figura 10 - Gestão da sustentabilidade corporativa - valor para shareholders por

atenção a stakeholders ...........................................................................................149

Quadro 2 – Riscos empresariais .............................................................................169

LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS

ABRAPP - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência

Complementar

ADIn Ação direta de inconstitucionalidade

AICPA American Institute of Certified Public Accountants

ANBID Associação Nacional dos Bancos de Investimento

AOB Public Company Accounting Oversight Board

APIMEC Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado

de Capitais

BACEN Banco Central do Brasil

BCSD Business Council for Sustainable Development

BIS Bank for International Settlements

BOVESPA Bolsa de Valores de São Paulo

CDS Comissão de Desenvolvimento Sustentável

CEBDS Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável

CEO Chief Executive Officer

CF Constituição Federal Brasileira

CMMAD Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das

Nações Unidas

CMN Conselho Monetário Nacional

CNI Confederação Nacional da Indústria

CNUMAD Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento

COSO Comitee of Sponsoring Organizations of the Treadway Comission

CPDS Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21

Nacional

CVM Comissão de Valores Mobiliários

DDT Diclorodifeniltricloretano

DIRES Diretoria de Relações com Funcionários e Responsabilidade

Socioambiental

DIREO Diretoria de Estratégia e Organização

DJSI Dow Jones Sustainability Indexes

ECOSOC Conselho Econômico e Social das Nações Unidas

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

ICC International Chamber of Commerce

IFC International Finance Corporation

ISE Índice de sustentabilidade empresarial

ISEA Institute of Social and Ethical Accountability

ISO Organização Internacional de Normalização

MC Medida cautelar

MIT Massachusetts Institute of Technology

MMA Ministério do Meio Ambiente

OCDE Organisation for Economic Co-operation and Development

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMT Organização Mundial do Trabalho

ONGs Organizações não-governamentais

ONU Organização das Nações Unidas

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PPA Plano Plurianual do Governo

RSA Responsabilidade socioambiental

RSE Responsabilidade social empresarial

SEC Securities Exchange Commission

SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente

SOX Sarbanes-Oxley Act of 2002

SRI Investimentos socialmente responsáveis

STF Supremo Tribunal Federal

UICN União Mundial para a Conservação da Natureza

UNEP United Nations Environment Program

WBCSD World Business Council for Sustainable Development

WICE World Industry Council for the Environment

WWF Fundo para a Vida Selvagem

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................14

2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPRESAS........... .............................18

2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL...........18

2.1.1 O Clube de Roma e os limites do desenvolvimen to....................................22

2.1.2 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambi ente Humano –

Conferência de Estocolmo ........................... ..........................................................24

2.1.3 Relatório da Comissão Mundial do Meio Ambient e e Desenvolvimento das

Nações Unidas – Relatório Brundtland ............... ..................................................26

2.1.4 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambi ente e Desenvolvimento

– Conferência Eco 92 ou Cúpula da Terra............ .................................................28

2.1.5 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentá vel – Cúpula de

Joanesburgo ou Eco 2002............................ ..........................................................32

2.2 DEFINIÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...................................32

2.3 SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL...............................................................34

2.3.1 Breve histórico sobre o desenvolvimento suste ntável e o setor

empresarial ........................................ ......................................................................36

2.3.2 Definição de sustentabilidade empresarial.... ..............................................49

2.3.3 As dimensões da sustentabilidade empresarial. .........................................54

2.3.4 A reação contra a sustentabilidade empresaria l .........................................56

2.4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPRESAS – UMA ANÁLISE A

PARTIR DA AGENDA 21 ..........................................................................................59

2.4.1 Agenda 21 Brasileira......................... .............................................................65

2.4.2 Agenda 21 Local .............................. ...............................................................68

2.4.3 Agenda 21 Empresarial no Brasil .............. ...................................................69

2.5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA PERSPECTIVA

JURISPRUDENCIAL – O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

..................................................................................................................................71

3 A GESTÃO DE RISCOS EMPRESARIAIS NA PERSPECTIVA DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................ ...........................................76

3.1 SOCIEDADE COMPLEXA E RISCO...................................................................77

3.1.1 Sociedade de risco e o princípio da precaução ..........................................83

3.1.2 Influência do risco na responsabilidade civil ..............................................87

3.2 O RISCO E A SUA GESTÃO NAS EMPRESAS.................................................92

3.2.1 A gestão empresarial ......................... ............................................................93

3.2.2 A governança corporativa ..................... ........................................................99

3.2.3 Risco empresarial: histórico, definição e cla ssificações .........................108

3.2.3.1 Breve histórico sobre o risco .......................................................................108

3.2.3.2 Definição de risco........................................................................................110

3.2.3.3 Algumas classificações de risco..................................................................112

3.2.4 Gestão de riscos empresariais ................ ...................................................117

3.2.4.1 Fases da gestão de riscos empresariais .....................................................123

3.2.4.2 Técnicas de gestão de riscos empresariais.................................................126

3.3 A GOVERNANÇA CORPORATIVA E A GESTÃO DE RISCOS NAS EMPRESAS

COMO FORMA DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .....129

3.3.1 A incorporação dos interesses das partes afet adas (stakeholders) como

interesses sociais ................................. ................................................................130

3.3.1.1 Análise da Administração: Visão dos stockholders X Visão dos stakeholders

................................................................................................................................130

3.3.1.2 Análise do Direito: Teorias Contratualistas X Teorias Institucionalistas ......136

3.3.2 O desenvolvimento sustentável e as decisões n as empresas.................142

4 AUDITORIA JURÍDICA E RISCO....................... .................................................151

4.1 AUDITORIA – ASPECTOS GERAIS.................................................................151

4.1.1 Auditoria: definição, princípios, objetivos e procedimentos gerais,

conforme a NBR ISO 19011: 2002 ..................... ...................................................153

4.2 RISCOS JURÍDICOS EMPRESARIAIS.............................................................158

4.2.1 Considerações gerais ......................... .........................................................158

4.2.1.1 Algumas espécies de riscos jurídicos empresariais ....................................162

4.2.2 Gestão de riscos jurídicos empresariais...... ..............................................171

4.3 AUDITORIA JURÍDICA: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O DIREITO E PARA

AS EMPRESAS BRASILEIRAS ..............................................................................176

4.3.1 Auditoria jurídica empresarial: definição, ob jetivos, finalidades, processo,

limites e aplicações............................... ................................................................176

4.3.1.1 Diferenciação entre a auditoria jurídica empresarial e a legal due diligence

................................................................................................................................188

4.3.1.2 Comentários sobre o Projeto de Lei n.º 6.854/2006....................................190

4.3.2 Breves considerações sobre a responsabilidade do auditor jurídico.....193

4.3.3 A auditoria jurídica e seu caráter de prevenç ão e interdisciplinaridade

versus o tradicionalismo jurídico ........................ ................................................196

4.4 SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL: BENEFÍCIOS DA AUDITORIA

JURÍDICA PARA A GESTÃO DE RISCOS NAS EMPRESAS................................199

4.5 AUDITORIA JURÍDICA EMPRESARIAL E DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL ......................................................................................................203

5. CONCLUSÃO ....................................... ..............................................................211

14

1 INTRODUÇÃO

A temática da presente dissertação, intitulada “A Importância da Auditoria

Jurídica nas Empresas para o Desenvolvimento Sustentável”, relaciona-se ao grupo

de pesquisa “Regulação econômica e atuação empresarial”, vinculada à linha de

pesquisa “Estado, Atividade Econômica e Desenvolvimento Sustentável”, da área de

concentração “Direito Econômico e Socioambiental”.

A pesquisa visa examinar a utilização da auditoria jurídica como um fator de

promoção do desenvolvimento sustentável, tendo em vista que ela aponta as

desconformidades da atuação empresarial em relação às normas jurídicas de

proteção a diversos aspectos relacionados à sustentabilidade, e indica soluções

(medidas preventivas e corretivas), a fim de que as empresas assumam o seu papel

na efetivação do meio-ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e

futuras gerações, garantido constitucionalmente.

Assim, os problemas a serem tratados estão relacionados à definição da

auditoria jurídica empresarial, à verificação da possibilidade de compreender e

utilizar a auditoria jurídica como instrumento de gestão empresarial, tendo em vista

que constitui um dos requisitos para uma boa gestão de riscos do negócio, e ainda,

identificação de alguns dos aspectos nos quais a auditoria jurídica pode ser utilizada

e influenciar condutas nas empresas, e dos benefícios que pode trazer para a

sustentabilidade empresarial e para a concretização do desenvolvimento

sustentável.

Para atingir os objetivos estabelecidos, a metodologia centrou-se na

observação assistemátiva individual, e na pesquisa bibliográfica aplicada, descritiva

e qualitativa, com a utilização do método dialético e fenomenológico (considerando

muito presente também o caráter dedutivo). Assim, foi feita a análise comparativa da

gestão de riscos (da teoria da administração) com a gestão de riscos jurídicos, e a

análise de alguns dos benefícios práticos da utilização da auditoria jurídica nas

empresas brasileiras.

O objetivo geral da dissertação trata, então, de determinar quais as principais

conseqüências que a atividade de auditoria jurídica nas empresas pode acarretar

para o desenvolvimento sustentável, tendo em vista o gerenciamento de riscos

15

(tomada de decisão), a gestão de stakeholders e a sustentabilidade da atividade

empresarial.

Para alcançar o objetivo geral, os objetivos específicos estabelecidos foram

aprofundar o conhecimento sobre desenvolvimento sustentável, conhecer os

instrumentos de gestão de riscos empresariais, analisar o processo de

gerenciamento de riscos jurídicos empresariais e o seu caráter multidisciplinar,

analisar a auditoria jurídica empresarial, quais as suas principais funções e

aplicações, quais são os benefícios que pode trazer para as empresas, e qual é o

seu diferencial em comparação com as práticas jurídicas tradicionalistas (abordagem

exclusivamente jurídica e voltada para o passado), e ainda, caracterizar os

benefícios que a auditoria jurídica empresarial pode trazer para o desenvolvimento

sustentável (sustentabilidade econômica e socioambiental).

A partir desses objetivos, foi estabelecida como hipótese de pesquisa a

compreensão da auditoria jurídica empresarial como uma medida preventiva e

interdisciplinar que fornece informações importantes sobre o negócio, possibilitando

uma maior eficácia da gestão de riscos e influenciando a tomada de decisões pelas

empresas, que possui um papel relevante na promoção da sustentabilidade

empresarial e do desenvolvimento sustentável e deve ser compreendida como

eficiente instrumento de proteção do meio ambiente e da sociedade.

Ressalta-se a importância da pesquisa pela co-relação feita entre a atividade

jurídica e a eficácia da gestão empresarial e o desenvolvimento sustentável,

ressaltando uma nova área de atuação para os advogados (lembrando que muitas

vezes a auditoria jurídica é praticada mas não utiliza-se essa denominação) e o

fortalecimento de uma tendência pró-ativa e preventiva no sistema jurídico.

Assim, o capítulo que trata sobre o desenvolvimento sustentável apresentará

a temática, a partir do seu desenvolvimento histórico, e sua relação direta com a

atividade econômica e a exigência da sustentabilidade empresarial.

O desenvolvimento sustentável possui fundamento constitucional e decorre

da interpretação sistemática dos artigos 1º, 3º, 170 e 225 da Constituição Federal

Brasileira, que determinam uma articulação entre o Poder Público e o Setor Privado

(princípio da cooperação) para a construção de uma ordem social garantidora do

direito fundamental ao meio ambiente e o bem-estar da sociedade, impondo

restrições e limites ao exercício da atividade econômica. A exigência constitucional

16

reflete uma mudança de comportamento da sociedade em geral, que passa a cobrar

atitudes responsáveis e pautadas no desenvolvimento sustentável.

A lógica competitiva das empresas passa, então, a ser obrigada a avaliar os

impactos sociais, ambientais e culturais do processo de produção, pois o

desenvolvimento empresarial não pode ser compreendido separadamente com

relação à sociedade e ao meio ambiente, pois a atividade desenvolve-se para

atender às necessidades dessa sociedade e depende dos recursos retirados da

natureza. Sustentabilidade econômica, social e ambiental formam a base do

desenvolvimento sustentável, havendo, portanto, uma relação direta entre atividade

econômica, meio ambiente e bem-estar da sociedade.

Como a sustentabilidade das empresas privadas depende, além de outros

fatores, do desenvolvimento social e do cumprimento de suas obrigações e

responsabilidades, acredita-se que elas devem aliar à sua administração, critérios,

princípios e políticas pautadas no desenvolvimento sustentável, o que justifica a

necessidade de implementação de um efetivo gerenciamento dos riscos (inclusive

os jurídicos) e impactos de suas atividades, buscando a melhoria dos processos de

gestão, respeitando a legislação vigente e demais normas regulamentares que lhe

são aplicáveis (compliance), o que ressalta a importância da auditoria jurídica.

No capítulo sobre a gestão de riscos empresariais, procura-se compreender

no que ela consiste, a partir das considerações da Teoria da Administração e da

Teoria do Direito, e tendo como pressuposto a complexidade dos riscos na

“sociedade do risco”, preceituada por Ulrich Beck. Também procura-se relacionar o

desenvolvimento sustentável como conseqüência da gestão de riscos nas

empresas.

Ressaltam-se desde já as limitações técnicas desta autora com relação ao

conteúdo sobre gestão e administração de empresas utilizado como suporte para a

construção deste trabalho, o qual expressa, portanto, tão somente o posicionamento

dos autores citados, referências sobre o tema na respectiva área de conhecimento.

A partir da compreensão dos riscos empresariais, de como eles podem ser

geridos, e da amplitude que assumem no âmbito jurídico, e ainda, considerando os

aspectos gerais relacionados à auditoria, procura-se então, analisar o efetivo

conceito e alcance da auditoria jurídica empresarial.

A auditoria jurídica, trabalho realizado por advogado no regular exercício da

profissão, é tida como ferramenta que auxilia a empresa, atuando diretamente na

17

relação entre a economia e meio ambiente, possibilitando o mapeamento dos riscos

a partir da avaliação das suas atividades, e indicando no parecer conclusivo

medidas preventivas e corretivas, a fim de que se possa verificar plenamente a

conformidade com a legislação aplicável. Para que ela possa produzir os efeitos

desejados, será necessário que o profissional observe os princípios éticos e legais, e

que a empresa implemente os planos de ação indicados pela auditoria, incorporando

as orientações no seu plano geral de gestão de riscos.

A auditoria jurídica nas empresas pode ser relevante para a sustentabilidade

empresarial, na medida em que produz informações que são consideradas na

gestão de riscos do negócio, e pelo seu caráter preventivo, que indica um atuação

pró-ativa com o objetivo de minimizar, controlar ou excluir riscos, sem cessar as

atividades da empresa ou mesmo antes do seu início.

O princípio da informação (no qual está pautada a auditoria jurídica) somado

ao princípio da cooperação (que exige uma atuação pró-ativa das empresas),

instrumentalizam o exercício da parceria entre os setores público e privado na

defesa do meio ambiente e construção de uma sociedade sustentável, conforme

determina a Constituição Federal.

Dessa forma, torna-se instrumento que auxilia a concretização dos princípios

da prevenção, proteção do meio ambiente, e promoção do desenvolvimento de toda

a sociedade, o que significa desenvolvimento sustentável.

18

2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPRESAS

Embora o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade sejam temas

bastante discutidos na atualidade, não existem normas explícitas de conduta

definindo-os, caracterizando-os e estabelecendo formas e requisitos para sua

aplicação pela sociedade e pelo Poder Público (MILARÉ, 2007, p. 70). Na realidade,

o direito não estabelece as condutas que são sustentáveis, mas determina que as

condutas devam ter a sustentabilidade como objetivo e efeito.

Portanto, não basta conhecer a ordem jurídica para que se possa

compreender o que é o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade. É preciso

compreender o verdadeiro sentido e o efetivo alcance das expressões, motivo que

reforça a importância da interpretação histórica, com o conhecimento dos diversos

significados atribuídos às expressões ao longo do tempo.

Assim, será possível compreender o efetivo alcance e extensão da

determinação constitucional, e verificar na prática se as atividades e condutas são

ou não sustentáveis.

2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

De acordo com Veiga, durante muito tempo alguns teóricos (como Giovanni

Arrighi, Oswaldo de Rivero, Majid Rahnema e Gibert Rist) entenderam o

desenvolvimento como ilusão ou manipulação ideológica. Nesse sentido, Giovanni

Arrighi desenvolveu estudo no período de 1938-1983, partindo do pressuposto de

que o desenvolvimento poderia ser aferido pelo produto nacional bruto per capita, e

verificou que praticamente não houve ascendência de países na “hierarquia de

riqueza da economia capitalista mundial”, motivo pelo qual concluiu que o

desenvolvimento seria uma ilusão (VEIGA, 2005, p. 20-21).

19

Outra linha teórica passou a compreender o desenvolvimento como sinônimo

de crescimento econômico1. Nesse sentido, ele passou a ser avaliado primeiramente

de acordo com o aumento da renda per capita (ou seja, ou aumento do produto

interno bruto ou da produção, considerada a idéia do lucro como gerador do

progresso e/ou bem-estar coletivo), e, posteriormente, com relação à combinação do

crescimento econômico com a distribuição de renda2.

A concepção de desenvolvimento como crescimento econômico é

acompanhada pela sustentabilidade no sentido de que o meio ambiente serve ao

homem (por isso o sacrifício do meio ambiente é entendido como um “custo”

necessário para o progresso da sociedade) e a qualidade de vida depende do “ter”,

motivo pelo qual não há preocupação com a utilização racional dos recursos naturais

ou a promoção do bem-estar social.

Assim, foi popularizada a partir de 1955, a “curva de Kuznets” ou “curva do ‘U’

invertido”, na qual acredita-se que o teórico procurou demonstrar, de acordo com os

dados disponíveis (que eram bastante limitados), “que a desigualdade de renda

tendia a aumentar na fase inicial da industrialização de um país, ocorrendo o inverso

em fase posterior, quando esse país estivesse desenvolvido” (VEIGA, 2005, p. 42-

43).

A hipótese de que o crescimento econômico melhoraria a qualidade ambiental

a partir de um patamar de riqueza aferida pela renda per capita, ficou conhecida

como a “curva ambiental de Kuznets” (Simon Kuznets) (VEIGA, 2005, p. 110).

Simon Kuznets, Gene M. Grossman e Alan B. Krueger, após examinarem a

relação entre o comportamento da renda per capita e quatro indicadores de

degradação ambiental (poluição atmosférica urbana, oxigenação de bacias

hidrográficas, contaminação fecal e contaminação por metais pesados), concluíram

que o que separa “as fases da desgraça” da “recuperação ambiental” é um ponto de

mutação em torno de oito mil dólares de renda per capita, a partir do qual haveria

uma tendência de melhora na preservação dos recursos naturais (VEIGA, 2005, p.

110-111)3.

1 Derani (1997, p. 105) critica esse entendimento, afirmando que o problema do esgotamento dos recursos naturais está vinculado à forma como se dá a apropriação desses recursos e às características da atividade econômica, e não propriamente ao crescimento econômico. 2 A compreensão atual do termo ‘desenvolvimento’ foi introduzida a partir de Amartya Sen, em 1996. 3 Sachs (2002, p. 51) denomina essa linha teórica de otimismo epistemológico, e os otimistas de cornucopians (cornucopianos).

20

Esse entendimento foi descartado quando se verificou que não havia uma

relação entre crescimento do produto interno bruto e a desigualdade de renda.

Embora as duas discussões teóricas sejam válidas, o que se verifica é que os

países mais desenvolvidos estão também entre os maiores poluidores, motivo pelo

qual relacionar a renda per capita com a preservação dos recursos naturais não se

justifica na prática.

A sustentabilidade é uma questão complexa porque não se trata de um

estado estático, nem existe um consenso sobre a necessidade de conciliar

desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente e dos

recursos naturais4.

A conciliação do crescimento econômico com a conservação ou preservação

do meio ambiente e o bem-estar da sociedade é uma problemática que tem

suscitado diversas discussões ao longo dos anos.

De acordo com Dias (2006, p. 12-13), os problemas da relação do homem

com o meio ambiente vinham sendo abordados de forma superficial até o ano de

1962, quando Rachel Carson5 publicou o livro Silent Spring (Primavera Silenciosa),

que trata dos perigos da utilização do inseticida químico DDT

(diclorodifeniltricloretano) como fator de poluição ambiental.

Conforme Camargo (2005, p. 46), a repercussão desse livro contribuiu para

que o Senado dos Estados Unidos restringisse a utilização do produto (DDT), e

ainda, para a criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (na

década de setenta).

Portanto, é a partir das décadas de sessenta e setenta que se tornaram mais

consistentes os questionamentos sobre o modelo econômico, em razão da

constatação do agravamento da degradação do meio ambiente, e ainda, do grande

nível de subdesenvolvimento dos países, pobreza, e desigualdade social. Com

fundamento em teorias pessimistas, começa-se a afirmar a impossibilidade de

compatibilizar o crescimento econômico com a proteção do meio ambiente.

4 Independente da denominação que se dê para as teorias que tratam do assunto, Veiga (2005, p. 109-114) resume os posicionamentos sobre a sustentabilidade em três linhas gerais: a) visão otimista ou cética daqueles que entendem que o crescimento econômico deve ocorrer sem preocupação com os recursos ambientais (portanto, não existiria a necessidade de compatibilizar crescimento e meio ambiente); b) visão pessimista daqueles que defendem a impossibilidade de compatibilizar crescimento econômico com a preservação dos recursos naturais; e c) visão moderada daqueles que entendem ser possível e necessária a harmonização entre crescimento econômico e meio ambiente. 5 Bióloga que trabalhava para o governo norte-americano.

21

Destaca-se o posicionamento de Nicholas Georgescu-Roegen sobre entropia,

no sentido de que as atividades econômicas transformam energia (matéria utilizável,

encontrada em um estado que possibilita empregá-la física ou quimicamente), em

formas de calor difusas (matéria não utilizável, encontrada em partículas dissipadas

que não podem voltar a ser reunidas).

Sendo a Terra um sistema fechado, a utilização de diversos recursos naturais

nas atividades econômicas leva à dissipação da matéria e da energia, que não se

recuperam mais. Portanto, a exaustão de recursos naturais torna-se um fator de

limitação do crescimento econômico (que importa sempre no encurtamento da

expectativa de vida da espécie humana) (VEIGA, 2005, p. 111-112).

Por isso, Georgescu-Roegen6 afirma que no futuro a humanidade terá que

apoiar seu desenvolvimento na retração (decrescimento), motivo pelo qual é preciso

que o crescimento seja “o mais compatibilizado possível com a conservação da

natureza” (o que não significa crescimento zero, estagnação econômica ou condição

estacionária7) (VEIGA, 2005, p. 111-112).

Assim, a concepção de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável

vem sendo construída, merecendo destaque alguns marcos históricos deste

processo.

66 Conforme Veiga (2005, p. 162-163), Georgescu-Roegen estabeleceu um “programa bioeconômico mínimo” com oito pontos que ele mesmo reconhece serem difíceis de efetivar, que podem ser assim resumidos: 1) proibir a guerra e a produção de todos os instrumentos de guerra; 2) ajudar os países subdesenvolvidos a conquistar uma existência digna de ser vivida; 3) diminuir progressivamente a população a um nível no qual a agricultura orgânica baste à sua nutrição; 4) evitar desperdício de energia, viabilizar a utilização direta de energia solar e controlar a fusão termonuclear; 5) curar a sede mórbida por “gadgets” (equipamentos eletrônicos pequenos e modernos) extravagantes, para que os fabricantes parem de produzir esse tipo de bens; 6) acabar com a moda, para que os produtores se concentrem na durabilidade; 7) fazer com que as mercadorias mais duráveis passem a ser concebidas para que sejam consertadas; e 8) reduzir o tempo de trabalho e redescobrir a importância do lazer para uma existência digna. 7 De acordo com Derani (1997, p. 102), a simples paralisação do crescimento econômico implica somente na queda do valor do capital para manter a taxa de lucro. “Uma mera estabilidade da receita conduz a uma perda do patrimônio”.

22

2.1.1 O Clube de Roma e os limites do desenvolvimen to

O Clube de Roma8 consistiu em um encontro realizado entre trinta pessoas de

dez países (cientistas, economistas, humanistas, industriais, pedagogos,

funcionários públicos), na Academmia dei Lincei, na cidade de Roma, a partir de

abril de 1968, a fim de “aprofundar e difundir o conhecimento científico dos

problemas da humanidade e induzir, sobre uma base científica, ações políticas

concretas para a solução desses problemas” (CALABRETTA, 2000, p. 369).

Esse grupo reuniu esforços para o patrocínio e análise de vários relatórios,

sendo que o primeiro e um dos mais importantes, publicado em 1972, com o título

Limits to Growth (Limites do Crescimento – Um Relatório para o Projeto do Clube de

Roma sobre o Dilema da Humanidade), teve direção de Dennis L. Meadows9.

O estudo pretendia analisar (através de projeções) o comportamento conjunto

de cinco fatores previamente determinados: população (crescimento demográfico),

produção industrial (industrialização acelerada), produção de alimentos (escassez

de alimentos), exploração de recursos naturais (esgotamento de recursos não

renováveis) e poluição (deterioração do meio ambiente).

As projeções foram feitas considerando o período compreendido entre os

anos de 1900 a 2100, concluindo-se pelo caráter insustentável do crescimento

econômico, que levaria inevitavelmente a um colapso no prazo de até cem anos

(2100). A partir dessas considerações, Foladori (2001, p. 116) afirma que foi “uma

crítica surgida no interior do próprio sistema capitalista, que propunha como

alternativa passar a um estado de estagnação ou de crescimento zero”.

Para resolver a crise do sistema mundial, foi proposta a alternativa do

crescimento zero:

Para esconjurar a crise do sistema mundial devem ser primeiramente controladas as duas variáveis fundamentais: população e produção industrial. Isso exige não só a realização de programas quase utópicos de controle dos nascimentos, mas também uma condição de estabilidade do capital industrial que é possível obter somente mantendo a taxa de investimento igual àquela da depreciação.

8 O fundador do Clube de Roma, Arillio Peccei, era à época um dos principais executivos da Fiat e Olivetti. 9 Segundo Calabretta (2000, p. 369), a pesquisa foi realizada por Donella H. Meadows, Jorge Randers e William W. Behrens III, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), sob a direção do primeiro, com apoio financeiro da Volkswagen Foundation.

23

Além disso, é necessário que, em combinação com as mais vastas aplicações das futuras inovações tecnológicas, sejam modificados alguns valores e orientações fundamentais da sociedade humana a fim de reduzir a tendência do sistema em direção ao desenvolvimento. Para conter o esgotamento dos recursos naturais, o consumo de matérias-primas por unidade de produto industrial deveria ser reduzido a um quarto do seu valor; com o mesmo objetivo a atividade produtiva deveria ser dirigida para os serviços e não para os bens de consumo material. A poluição industrial e agrícola deveria ser reduzida a um quarto do seu valor, seria necessário o máximo empenho na produção de alimentos e deveria ser encorajada a adoção de técnicas de cultivo baseadas no enriquecimento e na conservação dos solos. Por fim, para compensar a redução do investimento industrial, dever-se-ia tentar prolongar a vida média dos produtos mediante um projeto cuidadoso, atento também à possibilidade de um conserto fácil, com vantagens também no que concerne aos níveis de poluição e de consumo de matérias-primas (CALABRETTA, 2000, p. 374).

Surgiram várias críticas ao modelo apresentado no relatório Limits to

Growth1011.

Não obstante isso, Giddens (2001, p. 613) destaca a grande importância do

relatório no sentido de alertar as pessoas sobre as conseqüências prejudiciais que o

desenvolvimento industrial e a tecnologia (atividades econômicas) podem ter, bem

como sobre os perigos das diferentes formas de poluição descontrolada, reforçando

que esse cenário decorre do crescimento populacional desordenado e da super

exploração dos recursos naturais.

Os estudos do Clube de Roma e a discussão que eles suscitaram lançaram

subsídios para a discussão do desenvolvimento sob uma nova perspectiva, qual

seja, aliar ao crescimento econômico a preservação ambiental e a preocupação com

a questão social (com ênfase, nesse período, na estabilidade

populacional/demográfica).

10 Uma das críticas foi de que não inovou, uma vez que as conclusões foram as mesmas de Malthus, as quais já estariam suficientemente questionadas. O dilema malthusiano do crescimento populacional versus disponibilidade de alimentos, foi no sentido de que a população crescia em termos geométricos e a produção de alimentos em termos aritméticos (FOLADORI, 2001, p. 111). Sachs (2002, p. 51) denomina de malthusianos os pessimistas que afirmam, em razão da degradação do meio ambiente e incapacidade do progresso tecnocientífico, que o problema seria resolvido com a estagnação do crescimento demográfico ou econômico, ou pelo menos, do consumo. 11 Outra crítica foi o estudo ter esquecido das desigualdades econômicas entre os países (Norte X Sul), e das desigualdades entre classes dentro da sociedade, centrando a análise apenas nos limites físicos do crescimento. Também se entendeu que o relatório não considerou corretamente a capacidade de resposta aos desafios ambientais dos avanços tecnológicos e dos meios políticos e econômicos (forças de mercado).

24

2.1.2 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambi ente Humano –

Conferência de Estocolmo

A Organização das Nações Unidas (ONU) organizou uma conferência sobre o

meio ambiente a ser realizada em Estocolmo, em 197212.

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada

em Estocolmo, Suécia, de 0513 a 16 de junho de 1972, tinha a intenção de discutir os

problemas ambientais e econômicos do desenvolvimento, e a necessidade de

preservação e melhoria do “meio ambiente humano”. Foi o evento que colocou o

meio ambiente no foco das preocupações internacionais.

Nessa conferência foram votadas a Declaração das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo, um Plano de Ação para o

Meio Ambiente (desenvolvido com o objetivo de orientar a preservação e a melhoria

do “meio ambiente humano”), e o Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente – PNUMA (United Nations Environment Program - UNEP).

A Declaração de Estocolmo trouxe no primeiro item do preâmbulo o conceito

de “meio ambiente humano”, preceituado inicialmente no Relatório de Founex:

1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Na larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta, chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais pa ra o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamenta is, inclusive o direito à vida (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972, p. 01, grifo nosso).

12 Nas reuniões preparatórias surgiu um embate entre os países “ricos” e os “pobres”, pois estes atribuíram os problemas ambientais ao excesso de produção e consumo daqueles, e ameaçaram não comparecer à conferência. Assim, foi realizado o Seminário de Founex, na cidade de Founex, Suíça, de 05 a 12 de junho de 1971, a fim de tentar pacificar o conflito surgido. Nesse encontro foi elaborado o Relatório de Founex, no qual foi estabelecido o conceito de “meio ambiente humano” (PIERRI, 2001, p. 36), e cuja grande contribuição foi identificar as principais questões referentes ao “binômio meio ambiente-desenvolvimento”, traçando um caminho intermediário entre as posições extremadas dos otimistas e dos pessimistas (SACHS, 2002, p. 50-52). 13 Desde então, em 05 de junho é comemorado o “Dia Mundial do Meio Ambiente”.

25

Tal documento também propôs ser a questão ambiental limite e condição do

crescimento econômico, concluindo, ainda, que a pobreza14 é uma das principais

causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais.

Assim, a defesa da qualidade do meio ambiente foi estabelecida como

objetivo e responsabilidade dos cidadãos, comunidades, empresas e instituições,

considerado o caráter intergeracional15, e o desenvolvimento econômico e social foi

considerado indispensável para a sociedade e para a criação de condições de

melhoria da qualidade de vida16.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA foi criado

com o objetivo de monitorar o avanço dos problemas ambientais no mundo17,

podendo ser definido como o órgão das Nações Unidas que “procura o equilíbrio

entre interesses nacionais e o bem global, objetivando unir as Nações para que

enfrentem os problemas ambientais comuns” (INSTITUTO BRASIL PNUMA, 2007).

A importância da Conferência de Estocolmo (e do Seminário e Relatório

Founex que a precederam) foi ressaltar a inter-relação entre desenvolvimento e

meio ambiente, ou seja, que este deve ser considerado na discussão do

desenvolvimento, pois é indispensável para favorecer e possibilitar a melhoria das

condições de vida das pessoas.

De acordo com Dias (2006, p. 17), devido principalmente ao relatório do

Clube de Roma e à Conferência de Estocolmo, foram estabelecidas no âmbito das

Nações Unidas, dos Estados e de organizações, “preocupações ‘normativo-

institucionais’ de caráter ambiental”. Assim, a discussão do problema do

desenvolvimento, que era feita apenas a partir do aspecto quantitativo, passou a

admitir também o questionamento da qualidade do crescimento. 14 Conclui-se que a degradação ambiental agrava as condições de vida dos mais pobres, e que a pobreza destes conduz a uma exploração ainda mais predatória dos recursos ambientais, formando um ciclo de prejuízos sócio-ambientais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972). 15 “6. […] A defesa e o melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras se converteu na meta imperiosa da humanidade, que se deve perseguir ao mesmo tempo em que se mantêm as metas fundamentais já estabelecidas, da paz e do desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, e em conformidade com elas. 7. Para se chegar a esta meta, será necessário que cidadãos e comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que possuem e que todos eles participem eqüitativamente nesse esforço comum. Homens de toda condição e organizações de diferentes tipos plasmarão o meio ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e a soma de suas atividades. [...]” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972, p. 02). 16 “Princípio 8 - O desenvolvimento econômico e social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável, e para criar na terra as condições necessárias de melhoria da qualidade de vida (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972, p. 03). 17 No Brasil, o Comitê do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente foi criado em 1991, com sede no Rio de Janeiro, e é denominado de Instituto Brasil PNUMA (2007).

26

2.1.3 Relatório da Comissão Mundial do Meio Ambient e e Desenvolvimento das

Nações Unidas – Relatório Brundtland

Fruto da Conferência de Estocolmo, foi criada em 1983, a Comissão Mundial

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (CMMAD), na 38ª

Sessão da Assembléia Geral, através da Resolução 38/161, a fim de examinar as

questões críticas entre meio ambiente e desenvolvimento, dar uma nova

compreensão ao problema e elaborar propostas de normas de cooperação

internacional que pudessem orientar políticas e ações internacionais para a

promoção de mudanças.

Gro Harlem Brundtland, na época primeira-ministra da Noruega, foi designada

presidente da Comissão que elaborou o Relatório "Nosso futuro comum", conhecido

como Relatório Brundtland, o qual trouxe a definição mais amplamente aceita de

desenvolvimento sustentável até os dias atuais:

O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: - o conceito de ‘necessidades’, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima prioridade; - a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 46).

E ainda:

tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico. Para a Comissão, a pobreza generalizada já não é inevitável. A pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas para haver um desenvolvimento sustentável é preciso atender às necessidades básicas de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor. Um mundo onde a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes, ecológicas ou de outra natureza (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 09-10).

O desenvolvimento sustentável é tido como um processo de mudanças, por

isso a exploração de recursos, a direção de investimentos e a orientação do

27

desenvolvimento tecnológico devem considerar, além do acesso aos recursos e da

distribuição de custos e benefícios, a incorporação da eqüidade intergeracional18.

Assim, propõe o relatório que a sustentabilidade global poderia ser alcançada

com a preservação dos recursos ambientais (ecoeficiência19), eliminação da

pobreza, crescimento econômico e eqüidade intergeracional20, atendendo-se aos

princípios do direito humano fundamental ao meio ambiente, eficiência econômica,

condicionalidade (limitação) ecológica e respeito à diversidade cultural21.

O Relatório Brundtland atraiu muitas críticas22. Considerou-se que a noção de

desenvolvimento sustentável era vaga e que negligenciava as necessidades

18 “Afinal, o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras. Sabemos que este não é um processo fácil, sem tropeços. Escolhas difíceis terão de ser feitas. Assim, em última análise, o desenvolvimento sustentável depende do empenho político. [...] Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção os investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 10; 49). 19 A economia neoclássica pressupõe a “racionalidade da maximização das utilidades individuais com a resultante determinação do uso ‘ótimo’ ou ‘eficiente’ dos recursos em equilíbrio”, ou seja, o uso eficiente dos recursos ambientais. Ocorre que o uso sustentável está ligado a critérios de eqüidade (e não apenas ao uso ótimo como critério de eficiência), por isso, é necessário um esforço para compatibilizar ‘otimalidade’ com ‘sustentabilidade’ (VEIGA, 2005, p. 124). 20 O problema da economia ligada ao meio ambiente ou ecologia é a questão temporal, pois a ciência econômica não trata de problemas intergeracionais (VEIGA, 2005, p. 155). 21 No final do Relatório Brundtland, consta no anexo I a “Súmula dos princípios legais propostos para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável, adotados pelo grupo de especialistas em Direito Ambiental, da CMMAD”, uma proposta de princípios legais de proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, dos quais se destaca: “Direito humano fundamental 1 – Todos os seres humanos têm o direito fundamental a um meio ambiente adequado à sua saúde e bem-estar. Eqüidade entre as gerações 2 – Os Estados devem conservar e utilizar o meio ambiente e os recursos naturais em benefício das gerações presentes e futuras. Conservação e uso sustentável 3 – Os Estados devem manter os ecossistemas e os processos ecológicos essenciais ao funcionamento da biosfera, preservar a diversidade biológica e observar o princípio da produtividade ótima sustentável, ao utilizarem os ecossistemas e recursos naturais vivos (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 388). 22 Amartya Sen criticou a comparação que existia na versão original do Relatório Brundtland, entre as necessidades da atual e das futuras gerações, sob o fundamento de que não se considerou “a liberdade dos humanos para salvaguardarem aquilo que valorizam e aquilo a que atribuem importância”, no sentido de que o valor atribuído às coisas não é apenas conseqüência da percepção da contribuição que essa coisa ou bem oferece diretamente ao padrão de vida. Assim, considerar os seres humanos apenas em termos de necessidades é insuficiente em termos de humanidade (VEIGA, 2005, p. 146). Outra crítica feita por Amartya Sen, conforme Veiga (2005, p. 147), refere-se ao senso de responsabilidade quanto ao futuro das espécies, pois, se a espécie humana é a mais poderosa deve ter responsabilidade para com as demais, o que não teria sido devidamente considerado no Relatório.

28

específicas dos países mais pobres (ou seja, centrava sua análise sobre as

necessidades dos países ricos).

De qualquer forma, a importância do Relatório Brundtland está em tentar

delimitar o sentido do meio ambiente no mundo contemporâneo e os limites dessa

relação do meio ambiente com a economia, diante da necessidade do uso mais

responsável dos recursos naturais.

O Relatório Brundtland foi utilizado como referência para a Conferência Eco

92, tendo influenciado também a Declaração produzida nesse evento e a Agenda

21.

2.1.4 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambi ente e Desenvolvimento

– Conferência Eco 92 ou Cúpula da Terra

Prevista no Relatório Brundtland, a Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como Rio 92,

Eco 92 ou Cúpula da Terra, foi convocada pela Assembléia Geral das Nações

Unidas23 para elaborar estratégias com o objetivo de reverter os processos de

degradação ambiental e promover o desenvolvimento sustentável.

A Eco 92 teve grande repercussão em razão da grande representatividade

dos países presentes e da quantidade de participantes, tendo sido considerada o

evento ambiental mais importante do século XX.

Os compromissos específicos adotados pela Eco 92, que incluem

expressamente o desenvolvimento sustentável nos instrumentos internacionais das

Nações Unidas, são duas convenções (a Convenção-Quadro sobre as Mudanças

Climáticas e a Convenção sobre a Diversidade Biológica), três linhas políticas (a

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de

Princípios sobre Manejo, Conservação e Desenvolvimento Sustentável de Todos os

Tipos de Florestas, e a Agenda 21), e a criação da Comissão para o

Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, subordinada ao Conselho

23 Mediante a Resolução n.º 44/228, de 22 de dezembro de 1989.

29

Econômico e Social da ONU (a Comissão, entre outras atribuições, acompanha a

implementação da Agenda 21).

Durante a Eco 92 houve a proposta de uma Carta da Terra24 discutida

mundialmente por organizações não-governamentais e governos, entretanto, não

houve consenso entre os governos e em seu lugar adotou-se a Declaração do Rio

de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, um conjunto de vinte e sete

princípios que têm por finalidade estabelecer os alicerces para um desenvolvimento

sustentável em âmbito nacional e internacional. Suas bases conceituais são muito

semelhantes aos conceitos e definições do Relatório Brundtland, reafirmando a

necessidade de harmonizar e complementar-se o desenvolvimento com o respeito

ao meio ambiente.

Destaca-se a Agenda 21, documento consensual assumido oficialmente por

países e organizações não governamentais, que tem como objetivo preparar o

mundo para os desafios do século XXI (preâmbulo). Seu conteúdo, dividido em

quatro seções, trata de questões ambientais e socioeconômicas, estabelecendo

diretrizes a serem seguidas para a execução das ações propostas, a fim de

alcançar-se a sustentabilidade25.

24 Em 1997, com o auxílio de Maurice Strong (ONU) e Mikhail Gorbachev (Cruz Verde Internacional), e em 1999, com a ajuda de Steven Rockfeller, foram escritos os esboços da Carta da Terra, culminando na sua ratificação no período compreendido entre 12 e 14 de março de 2000. A Carta da Terra, que trata dos princípios que proporcionam um fundamento ético à comunidade mundial para a busca de um modo de vida sustentável como critério comum, orientando e avaliando a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos, e instituições transnacionais, traz como princípios gerais: a) respeitar e cuidar da comunidade da vida; b) integridade ecológica (prevenção de danos ambientais, precaução e adoção de padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário); c) justiça social e econômica; e d) democracia, não violência e paz. No que se refere à justiça social e econômica, a Carta da Terra estabelece a necessidade de “garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de forma eqüitativa e sustentável”, obrigação esta que também significa “garantir que todas as transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas trabalhistas progressistas”, e ainda, “exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas conseqüências de suas atividades” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2000). 25 Em razão de todos os compromissos assumidos com a Eco 92, e com o objetivo de avaliar os cinco primeiros anos de implementação da Agenda 21, em Nova Iorque, de 23 a 27 de junho de 1997, foi realizada a 19ª Sessão Especial da Assembléia-Geral das Nações Unidas, conhecida como “Rio mais 5”. O encontro pretendia identificar as principais dificuldades encontradas na implementação da Agenda 21, e avaliar quais ações seriam priorizadas para os anos seguintes, com a intenção de dar um impulso político às negociações ambientais resolvendo as divergências entre os Estados. Conforme Dias (2006, p. 34), se chegou ao consenso apenas de adotar objetivos juridicamente vinculantes para reduzir a emissão dos gases do efeito estufa, investir em modalidades mais sustentáveis de produção, distribuição e utilização de energia, e focar a erradicação da pobreza como requisito prévio do desenvolvimento sustentável.

30

De acordo com Veiga (2005, p. 44), a compreensão do desenvolvimento

como crescimento econômico e distribuição de renda prevaleceu inclusive na Eco

92, e só foi questionada por volta de 1996, quando o Banco Mundial finalizou uma

pesquisa de quatro décadas, envolvendo cento e oito economias nacionais, através

da qual se concluiu que independente do crescimento econômico, o padrão da

distribuição de renda quase não se alterou.

Assim, segundo o autor, para a compreensão de desenvolvimento como um

processo mais amplo, estruturado por valores além da ciência econômica, foi

essencial a contribuição de Amartya Sen26.

Se o desenvolvimento promove a liberdade, para que haja desenvolvimento é

preciso remover as principais fontes de privação de liberdades “pobreza e tirania,

carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência

dos serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados repressivos” (SEN,

2000, p. 18).

Por isso, Sen (2000, p. 25) avalia cinco tipos de direitos ou liberdades

instrumentais que deveriam estar interligados, com o propósito de contribuir para o

aumento da liberdade humana em geral: liberdades políticas, facilidades

econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança

protetora.

A expansão dessas liberdades instrumentais é vista como objetivo e meio do

desenvolvimento, com a intenção de eliminar aquilo que limita as escolhas e as

oportunidades das pessoas e gera como conseqüência a responsabilidade individual

(SEN, 2000, p. 322).

Essa mudança de entendimento com relação ao desenvolvimento reflete na

sustentabilidade. Torna-se ainda mais importante encontrar meios de conciliar

crescimento econômico27, bem-estar social e preservação do meio ambiente, a fim

26 Em evento organizado em 1998, pelo Fundo Monetário Internacional – FMI, para discussão da relação entre distribuição de renda e crescimento econômico, Amartya Sen alterou o ponto de partida da discussão sobre o desenvolvimento, e a partir de uma comparação entre Índia e China, demonstrou que embora a distribuição de renda fosse menos concentrada na primeira, esta tinha mais analfabetos, crianças subnutridas e maior taxa de mortalidade. Portanto, não bastava analisar a distribuição de renda, a pobreza deveria “ser vista como uma privação de capacidades básicas, e não apenas como baixa renda” (VEIGA, 2005, p. 45-46). 27 O crescimento econômico (mudança quantitativa) passa a ser entendido como elemento do desenvolvimento (mudança qualitativa), já que nem sempre seus resultados trazem benefícios para as pessoas, motivo pelo qual se concluiu que as políticas de desenvolvimento deveriam ser pautadas em valores que vão além dos propostos pela ciência econômica, e que o desenvolvimento não

31

de eliminar a pobreza (que é indicada como geradora de degradação do meio

ambiente, motivo pelo qual o desenvolvimento, ao eliminar a pobreza, preserva o

meio ambiente) e promover a justiça intrageracional (o desenvolvimento traz

melhoria de vida para o presente e para o futuro)28.

A sustentabilidade passou a exprimir a necessidade de um uso mais

responsável dos recursos ambientais, o que é difícil para a economia neoclássica29,

fundada no utilitarismo e no individualismo.

Considerando essa nova compreensão do desenvolvimento econômico, em

setembro de 2000, foi aprovada em Assembléia Geral, a “Declaração do Milênio das

Nações Unidas”, e o Brasil, em conjunto com cento e noventa e um países

membros, assinou o pacto e assumiu um compromisso compartilhado de até o ano

de 2015, atingir os “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio” (dos oito objetivos30

deveria ser compreendido apenas como resultado espontâneo da livre interação das forças de mercado (VEIGA, 2005, p. 54). 28 Herman Daly, adepto da teoria conciliadora, trata da necessidade de alcançar-se a “condição estacionária” ou steady state (desenvolvimento sem crescimento) através da manutenção de estoques físicos constantes de riqueza (artefatos) e de uma população também constante, num determinado nível escolhido. Ainda, o crescimento da população e dos estoques físicos (produção) deveriam se dar dentro da capacidade de regeneração dos recursos e absorção dos dejetos (capacidade de suporte ambiental) (VEIGA, 2005, p. 112). Essa noção de condição estacionária é associada com a capacidade de administração dos recursos na Terra (produção), considerando-se que os estoques físicos (derivados do meio ambiente) e de pessoas não são estáticos. Portanto, pode haver momentos de crescimento e pode haver momentos de retração, que seriam considerados apenas como transições temporárias de um estado estacionário para outro. Assim, a economia continuaria a melhorar de forma qualitativa (VEIGA, 2005, p. 112-113). Conforme Veiga (2005, p. 138-144), Herman Daly racionalizou a idéia de desenvolvimento sustentável, defendendo a aplicação de quatro políticas para uma economia “steady state”: parar de contabilizar o consumo de capital natural como renda, tributar menos a renda e taxar mais o uso de recursos naturais, maximizar a produtividade do capital natural no curto prazo e investir no crescimento de sua oferta no longo prazo, e evitar o globalismo, que não contribui para o aumento dos capitais naturais. 29 Segundo Veiga (2005, p. 126-127), de acordo com a economia neoclássica, a sustentabilidade seria a “administração mais ou menos eficiente de uma dimensão específica da escassez”, e, portanto, a administração da alocação eficiente de recursos naturais presentes e futuros por meio de um sistema de preços, no qual estes resultam da análise da disposição (“dispa”) daqueles que irão pagar pelo ganho (o preço depende do benefício que se tem em troca do bem adquirido ou usufruído), em razão da disposição de aceitar algo em compensação (“disco”) por aqueles que esperam perder (o preço depende da compensação a pagar para aqueles que abrem mão de adquirir ou usufruir o mesmo bem ou bens escassos). 30 “1. Erradicar a extrema pobreza e a fome. 2. Atingir o ensino básico universal. 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres. 4. Reduzir a mortalidade infantil. 5. Melhorar a saúde materna. 6. Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças. 7. Garantir a sustentabilidade ambiental. 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2000).

32

decorreram dezoito metas e quarenta e oito indicadores), relacionados ao

desenvolvimento sustentável.

2.1.5 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentá vel – Cúpula de

Joanesburgo ou Eco 2002

Em 2002, em Joanesburgo, África do Sul, foi realizada pela ONU a Cúpula de

Joanesburgo31, também conhecida como “Rio mais 10” ou Eco 2002, com o objetivo

de discutir e avaliar os avanços e os problemas referentes às questões do meio

ambiente e do desenvolvimento sustentável dos últimos dez anos, em função das

medidas adotadas na Conferência Eco 92.

Foram produzidos dois documentos relevantes, a Declaração de Joanesburgo

sobre Desenvolvimento Sustentável e o Plano de Implementação da Cúpula Mundial

sobre Desenvolvimento Sustentável. Esses documentos trazem implicações muito

importantes para as empresas, motivo pelo qual serão melhor abordados quando

tratar-se do histórico do desenvolvimento sustentável relacionado ao setor

empresarial (item 2.3.1).

A doutrina acompanhou a evolução histórico-documental do desenvolvimento

sustentável, e vários estudos com relação ao tema foram realizados, sendo que, no

presente trabalho, serão enfocados alguns daqueles relacionados à atividade

econômica empresarial.

2.2 DEFINIÇÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A expressão “desenvolvimento sustentável”32 está sendo muito utilizada no

discurso de governantes, empresas e outras instituições, mas, embora haja um

31 De acordo com Camargo (2005, p. 69), a Eco 2002 foi a primeira Conferência das Nações Unidas a direcionar expressamente o foco das discussões diretamente para o termo “desenvolvimento sustentável”. 32 Camargo (2005, p. 67) afirma que a expressão teria sido utilizada primeiro por Robert Allen, em 1980, “no artigo ‘How to save the world’ (‘Como salvar o mundo’), quando sumarizava o livro The

33

consenso com relação à necessidade de atuação para atingi-lo, o mesmo não existe

quando se trata da definição do desenvolvimento sustentável, e de como

implementá-lo em âmbito local, regional e global.

De acordo com Dias (2006, p. 30), foi Maurice Strong33 quem teria lançado a

definição de “ecodesenvolvimento” (no sentido de que o desenvolvimento

dependeria de eqüidade social, prudência ecológica e eficiência econômica), a qual

evoluiu para o atual conceito de desenvolvimento sustentável.

E Ignacy Sachs foi quem divulgou o “ecodesenvolvimento” em suas obras e,

posteriormente, passou a utilizar esse termo como sinônimo de desenvolvimento

sustentável, afirmando que “a abordagem fundamentada na harmonização de

objetivos sociais, ambientais e econômicos não se alterou desde o encontro de

Estocolmo” (SACHS, 2002, p. 54), o que continua válido até os dias atuais (DIAS,

2006, p. 30).

Nesse mesmo sentido, de conciliação do desenvolvimento econômico com a

preservação do meio ambiente, Silva (2002, p. 26) define o desenvolvimento

sustentável como a exploração equilibrada dos recursos naturais nos limites da

satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como a

sua conservação no interesse das futuras gerações.

No documento “Agenda 21 Brasileira – Ações Prioritárias”, o desenvolvimento

sustentável é definido da seguinte forma:

Pelo menos quatro dimensões (ética, temporal, social e prática) complementam a questão econômica, a partir dos enunciados do Relatório Brundtland e aparecem ora isoladas, ora de forma combinada nas dinâmicas do processo de construção social do desenvolvimento sustentável. A dimensão ética, onde se destaca o reconhecimento de que no almejado equilíbrio ecológico está em jogo mais que um padrão duradouro de organização da sociedade; está em jogo a vida dos seres e da própria espécie humana (gerações futuras); dimensão temporal, que determina a necessidade de planejar a longo prazo, rompendo com a lógica imediatista, e estabelece o princípio da precaução (adotado em várias convenções internacionais de que o Brasil é signatário e que tem, internamente, força de lei, com a ratificação pelo Congresso);

world conservation strategy: Living resource conservation for sustainable development (Estratégia mundial para a conservação), de 1980 (Pezzey 1989; Pearce et al. 1989, apud Bellia, 1996), lançado conjuntamente pela União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN), pelo Fundo para a Vida Selvagem (WWF) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)”. (BELLIA, Vitor. Introdução à economia do meio ambiente . Brasília: Ibama, 1996). 33 Secretário Geral da Conferência de Estocolmo em 1972, Secretário Geral da Eco 92, e o primeiro Diretor Executivo do PNUMA.

34

a dimensão social, que expressa o consenso de que só uma sociedade sustentável - menos desigual e com pluralismo político - pode produzir o desenvolvimento sustentável; a dimensão prática, que reconhece necessária a mudança de hábitos de produção de consumo e de comportamentos (COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21 NACIONAL, 2004, p. 17).

O princípio do desenvolvimento sustentável, portanto, não objetiva impedir o

desenvolvimento econômico, mas encontrar um meio termo, um equilíbrio entre as

necessidades da atuação econômica e a proteção do meio ambiente.

Evidencia-se assim, a exigência do desenvolvimento sustentável (conceito

construído politicamente), com os seus três enfoques principais – econômico, social

e ambiental -, que interfere diretamente na atividade econômica, e, aplicado à teoria

da empresa34, exige a sustentabilidade empresarial.

2.3 SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL

Dentro da visão multidisciplinar, sistêmica e holística35 da questão ambiental e

do desenvolvimento sustentável, verifica-se a necessidade de exercerem-se as

atividades econômicas empresariais também de forma sustentável.

34 De acordo com Coelho (2005, p. 18), a evolução histórica da definição de direito comercial culmina com a adoção da teoria da empresa, a partir da edição do Codice Civile (que unifica as normas de direito privado – civil, comercial e trabalhista), na Itália, em 1942, quando a “empresa” passa a ser o “núcleo conceitual do direito comercial” (em substituição aos atos do comércio). Assim, o direito comercial passa a ser o direito da empresa, entendida esta “como sendo atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados estes mediante a organização dos fatores de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia)”. 35 A “visão holística do mundo” e a “interdependência” são preceituadas por Capra (2006, p. 25): “O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominada visão ecológica, se o termo ‘ecológica’ for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)”. A ecologia profunda é uma escola filosófica fundada por Arne Naess no início da década de 70, que concebe o mundo como uma rede de fenômenos interconectados e interdependentes, motivo pelo qual os seres humanos (a partir da compreensão da igualdade entre as espécies) devem viver em harmonia com a natureza (que tem valor intrínseco), com a consciência de que o planeta tem recursos limitados, e que o crescimento econômico e material deve estar a serviço de objetivos maiores de auto-realização (CAPRA, 2006, p. 25-28).

35

Sachs identifica oito critérios distintos de sustentabilidade parcial (social,

cultural, ecológico, ambiental, territorial, econômico, político nacional e político

internacional36), que, integrados, representam o ideal de sustentabilidade.

Esses critérios incluem a necessidade de “preservação do potencial do capital

natureza na sua produção de recursos renováveis” e a limitação do uso dos recursos

não renováveis (critério ecológico), o respeito à capacidade natural de suporte

(critério ambiental), o “desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado” e a

capacidade de modernizar constantemente os instrumentos de produção (critério

econômico), e a mais ampla efetivação dos direitos humanos, a coesão social e a

parceria entre Estado e empreendedores para o desenvolvimento do país (critério

político nacional) (SACHS, 2002, p. 85-88).

E ainda, no critério político internacional, exige-se o controle efetivo da

aplicação do princípio da precaução na gestão ambiental, “prevenção das mudanças

globais negativas, proteção da diversidade biológica (e cultural); e gestão do

patrimônio global, como herança comum da humanidade” (SACHS, 2002, p. 88).

36 Critérios de sustentabilidade de Ignacy Sachs: “1. Social - alcance de um patamar razoável de homogeneidade social; distribuição de renda justa; emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente; igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais; 2. Cultural - mudanças no interior da continuidade - equilíbrio entre respeito à tradição e inovação; capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno - em oposição às cópias servis dos modelos alienígenas; autoconfiança combinada com a abertura para o mundo; 3. Ecológico - preservação do potencial do capital natureza na sua produção de recursos renováveis; limitar o uso dos recursos não renováveis; 4. Ambiental - respeitar e realçar a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais; 5. Territorial - configurações urbanas e rurais balanceadas - eliminação das inclinações urbanas nas alocações do investimento público; melhoria do ambiente urbano; superação das disparidades inter-regionais; estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis - conservação da biodiversidade pelo ecodesenvolvimento; 6. Econômico - desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado; segurança alimentar; capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção; razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica; inserção soberana na economia internacional; 7. Político (nacional) - democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos; desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores; um nível razoável de coesão social; 8. Político (internacional) - eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU, na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional; um pacote Norte-Sul do co-desenvolvimento baseado no princípio de igualdade (regras do jogo) e compartilhamento da responsabilidade de favorecimento do parceiro mais fraco; controle constitucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios; controle institucional efetivo da aplicação do Princípio da Precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais, prevenção das mudanças globais negativas, proteção da diversidade biológica (e cultural), e gestão do patrimônio global, como herança comum da humanidade; sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica internacional e eliminação parcial do caráter de commodity da ciência e tecnologia, também como propriedade da herança comum da humanidade (SACHS, 2002, p. 85-88).

36

A Agenda 21 Brasileira também consagrou o conceito de sustentabilidade

(ampliada e progressiva):

A sustentabilidade ampliada preconiza a idéia da sustentabilidade permeando todas as dimensões da vida: a econômica, a social, a territorial, a científica e tecnológica, a política e a cultural; já a sustentabilidade progressiva significa que não se deve aguçar os conflitos a ponto de torná-los inegociáveis, e sim, fragmentá-los em fatias menos complexas, tornando-os administráveis no tempo e no espaço (COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21 NACIONAL, 2004, p. 18).

O conceito de sustentabilidade exige uma mudança nas noções de eficácia e

de racionalidade econômica, e obriga a considerar outras dimensões (culturais,

éticas e morais) no desenvolvimento das atividades econômicas, uma vez que estas

não se desenvolvem sustentavelmente se a natureza estiver comprometida

(degradada), e a sociedade extremamente empobrecida (COMISSÃO DE

POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21

NACIONAL, 2004, p. 24).

Portanto, a sustentabilidade, como qualidade daquilo que é sustentável –

referente ao conceito de desenvolvimento sustentável anteriormente referido -,

constitui-se em critério para a gestão de empresas e do meio ambiente.

2.3.1 Breve histórico sobre o desenvolvimento suste ntável e o setor

empresarial

O princípio quatorze da Declaração de Estocolmo de 1972, já previa que:

o planejamento racional constitui um instrumento indispensável para conciliar as diferenças que possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1972, p. 04).

A abrangência do que foi estabelecido com relação ao planejamento e a

gestão pôde ser percebida a partir da evolução histórica e política do

desenvolvimento sustentável, e sua incorporação pelo setor empresarial.

Conforme Demajorovic (2003, p. 33-34), até meados da década de oitenta,

havia uma resistência do setor empresarial em assumir qualquer obrigação de

37

minimizar os impactos socioambientais da atividade produtiva, sob o argumento de

que os custos “comprometeriam a lucratividade, a competitividade e a oferta de

empregos, gerando, portanto, prejuízos às partes interessadas, ou seja,

trabalhadores, acionistas, consumidores”.

Entretanto, a exposição de empresas em razão de grandes desastres

ambientais causou clamor na sociedade e tornou o setor empresarial alvo de

protestos de grupos ambientalistas que exigiam uma mudança de postura e conduta

das empresas.

Ressalta-se que no Relatório Brundtland, em 1987, já estavam definidos

como imperativos estratégicos, a fim de alcançar a sustentabilidade, administrar os

riscos e tomar decisões considerando não apenas aspectos econômicos, mas

também o meio ambiente:

Os principais objetivos das políticas ambientais e desenvolvimentistas que derivam do conceito de desenvolvimento sustentável são, entre outros, os seguintes: retomar o crescimento; alterar a qualidade do desenvolvimento; atender as necessidades essenciais de emprego, alimentação, energia, água, e saneamento; manter um nível populacional sustentável; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e administrar o risco ; e incluir o meio ambiente e a economia no processo de tomada de decisões (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 53, grifo nosso).

No que se refere à administração do risco, consta do Relatório Brundtland que

além da necessidade de ser desenvolvida tecnologia para mitigação do risco, é

necessário que sejam criados e fortalecidos mecanismos legais e institucionais de

segurança e controle, prevenção de acidentes, planejamento contingente, mitigação

de danos, entre outros37.

Quanto à integração do aspecto econômico e ambiental, é orientada a sua

incorporação nas leis38 39 e nas decisões a nível internacional, bem como a sua

37 “Não tem sido aplicada coerentemente às tecnologias ou sistemas a melhor análise de vulnerabilidade ou de risco. Um dos principais objetivos da ampla concepção de sistemas seria tornar menos graves as conseqüências de falhas ou sabotagens. Portanto, são necessárias novas técnicas e tecnologias – e também novos mecanismos legais e institucionais – para planejar a segurança, prevenir acidentes, traçar planos de contingência, diminuir os danos e dar o auxílio necessário” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 66). 38 Em razão da racionalidade competitiva do mercado pressupõe-se que, muitas vezes, a prevenção de danos e a mitigação de riscos por aqueles que exercem a atividade econômica não serão feitas de

38

utilização como critério de planejamento da atividade econômica (em especial a

industrial) e nos processos de tomada de decisão40.

Nesse sentido é possível, por exemplo, tomar decisões com o objetivo de

aumentar a eficiência do uso de recursos ambientais, reduzindo desperdícios41, o

que, embora seja orientado muito mais pelo aspecto econômico, acaba revertendo

também em benefícios para o meio ambiente.

No final da década de oitenta surgiu a preocupação das instituições

financeiras com as questões ambientais, a fim de evitar sua responsabilização legal

por danos ao meio ambiente produzidos por bens que eram recebidos como garantia

de empréstimos.

Conforme consta na Agenda 21 do Banco do Brasil (2007, p. 19), a Comissão

Européia, em 1989, emitiu diretiva sobre a responsabilidade civil do produtor e do

atual controlador pelos danos causados por resíduos. Passou-se então a entender

que as instituições financeiras teriam capacidade para influenciar nas decisões de

gerenciamento de resíduos do tomador do crédito/empréstimo, e por isso, também

deveriam ser responsabilizadas por eventuais danos ambientais, o que motivou a

incorporação de princípios de desenvolvimento sustentável pelo setor financeiro.

Afirma-se que uma das evidências da preocupação do meio empresarial com

relação ao desenvolvimento sustentável foi a criação, em 1991, do Conselho

Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Business Council for Sustainable

Development – BCSD), um órgão ligado à ONU, que tem como objetivo engajar a

forma voluntária (e realmente, a voluntariedade ocorre quando é necessário adaptar-se à lógica competitiva do mercado), motivo pelo qual é preciso estabelecer de forma coercitiva normas que obriguem, por exemplo, a efetivação de investimentos e de níveis de poluição e desperdício aceitáveis, impondo responsabilidades. 39 No Brasil, geralmente a forma da mitigação de riscos e a da prevenção de danos ambientais acaba sendo estabelecida pelo poder público no ato da concessão das licenças ambientais. 40 “O tema comum a essa estratégia do desenvolvimento sustentável é a necessidade de incluir considerações econômicas e ecológicas no processo de tomada de decisões. Afinal, economia e ecologia estão integradas nas atividades do mundo real. Para tanto, será preciso mudar atitudes e objetivos e chegar a novas disposições institucionais em todos os níveis. [...] Também é preciso haver mudanças nas atitudes e nos procedimentos das empresas tanto públicas quanto privadas. Além disso, a regulamentação referente ao meio ambiente tem de ir além das costumeiras regulamentações de segurança, leis de zoneamento e de controle da poluição; os objetivos ligados ao meio ambiente devem estar embutidos na tributação, na aprovação prévia de investimentos e escolha de tecnologias, nos incentivos ao comércio exterior, enfim, em todos os componentes das políticas de desenvolvimento” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1991, p. 67;70). 41 Para o empresário a poluição é uma forma de desperdício da produção, que gera um custo pela diminuição desta e/ou pela necessidade de cumprimento de exigências legais, a fim de diminuir as externalidades negativas no entorno e/ou para dar uma destinação aos resíduos do processo produtivo.

39

comunidade internacional de empresários nas discussões sobre o desenvolvimento

sustentável (WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT,

2007).

Na preparação para a Eco 92, foram convocados quarenta e oito líderes

empresariais, e a primeira reunião do Conselho foi realizada em 12 de abril de 1991,

data em que foi considerado oficialmente criado o BCSD (WORLD BUSINESS

COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2007).

Embora se admitisse naquela época que o progresso em direção ao

desenvolvimento sustentável poderia trazer vantagens competitivas e oportunidades,

eram necessárias mudanças profundas na atitude empresarial e a incorporação de

uma nova ética na maneira de fazer negócios (SCHMIDHEINY42, 1992, p. 12, apud

DIAS, 2006, p. 37).

Em 1992, o BCSD fez a primeira publicação referente ao papel das empresas

relacionado ao meio ambiente e ao desenvolvimento, denominado Changing

Course: A Global Business Perspective on Development and the Environment,

através do qual foi introduzido o termo ecoeficiência43, que se refere à produção de

bens e serviços (produtividade) que satisfaçam as necessidades humanas e tragam

qualidade de vida, com preços competitivos (lucratividade), reduzindo

progressivamente os impactos ambientais de todo o ciclo de vida do produto/serviço,

de acordo com a capacidade de suporte da Terra.

Também pode-se dizer que ecoeficiência é saber combinar desempenho econômico e ambiental, reduzindo impactos ambientais, usando mais racionalmente matérias-primas e energia, reduzindo os riscos de acidentes e melhorando a relação da organização com as partes interessadas (stakeholders). Elementos da Ecoeficiência: Reduzir o consumo de materiais com bens e serviços. Reduzir o consumo de energia com bens e serviços. Reduzir a dispersão de substâncias tóxicas. Intensificar a reciclagem de materiais. Maximizar o uso sustentável de recursos renováveis. Prolongar a durabilidade dos produtos. Agregar valor aos bens e serviços (CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2007c).

42 SCHMIDHEINY, Stephan. Cambiando el rumbo: una perspectiva global del empresariado para el desarrollo y el medio ambiente. México: Fondo de Cultura Económica, 1992. 43 São consideradas ecoeficientes “aquelas empresas que alcancem de forma contínua maiores níveis de eficiência, evitando a contaminação mediante a substituição de materiais, tecnologias e produtos mais limpos e a busca do uso mais eficiente e a recuperação dos recursos através de uma boa gestão” (SCHMIDHEINY, 1992, p. 12, apud DIAS, 2006, p. 130).

40

Na Eco 92 foi apresentada a Carta Empresarial para o Desenvolvimento

Sustentável, conhecida como “Carta de Roterdã”, adotada pela Câmara de

Comércio Internacional em 27 de novembro de 1990, e publicada pela primeira vez

em abril de 1991 (na Segunda Conferência Mundial da Indústria sobre a Gestão do

Meio Ambiente, que ocorreu na Holanda).

A Carta de Roterdã, que incorporou vários conceitos do Relatório Brundtland,

contém dezesseis princípios que têm servido de fundamento para a maioria das

políticas ambientais adotadas pelas empresas. Destaca-se a definição de

desenvolvimento sustentável utilizada na sua introdução:

Desenvolvimento sustentável implica em satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de satisfazerem as suas necessidades. O crescimento econômico estabelece as condições nas quais a proteção do meio ambiente pode ser melhor alcançada44, e a proteção ambiental, em equilíbrio com outras metas humanas, é necessária para que o crescimento seja sustentável. Em troca, são necessários negócios versáteis, dinâmicos, responsáveis e lucrativos como força motriz para o desenvolvimento econômico sustentável e para prover os recursos administrativos, técnicos e financeiros que irão contribuir para resolver desafios ambientais. Economias de mercado, caracterizadas por iniciativas empresariais, são essenciais para alcançá-los. Os negócios com essa visão mostram que deveria haver um objetivo comum, não um conflito, entre crescimento econômico e proteção ambiental, em benefício das gerações presentes e futuras45 (INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE, 2007, tradução livre da autora).

Os princípios da Carta de Roterdã46 tratam de diversos temas que devem ser

considerados tendo como ponto de partida as determinações legais:

44 Verifica-se que é o próprio setor empresarial que estabeleceria as melhores formas de proteção do meio ambiente, o que muitas vezes é considerado suspeito devido à existência de conflito de interesses econômicos a curto prazo entre lucro e preservação ambiental. 45 “Sustainable development involves meeting the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs. Economic growth provides the conditions in which protection of the environment can best be achieved, and environmental protection, in balance with other human goals, is necessary to achieve growth that is sustainable. In turn, versatile, dynamic, responsive and profitable businesses are required as the driving force for sustainable economic development and for providing the managerial, technical and financial resources to contribute to the resolution of environmental challenges. Market economies, characterized by entrepreneurial initiatives, are essential to achieve this. Business thus shares the view that there should be a common goal, not a conflict, between economic development and environmental protection, both now and for future generations” (INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE, 2007). 46 “Principles 1. Corporate priority: To recognize environmental management as among the highest corporate priorities and as a key determinant to sustainable development; to establish policies, programmes and practices for conducting operations in an environmentally sound manner. 2. Integrated management: To integrate these policies, programmes and practices fully into each business as an essential element of management in all its functions.

41

a) reconhecimento da importância de considerar investimento a formação de

pessoal para a integração do processo produtivo (empregados mais

preparados e engajados na política de sustentabilidade da empresa);

b) necessidade de implementar a gestão integrada da empresa (e o seu

aperfeiçoamento contínuo, considerando a ecoeficiência);

c) compreensão da gestão ambiental como uma prioridade;

d) exigência de dar destinação final adequada aos resíduos do processo

produtivo e de prevenir (princípio da prevenção e da precaução) a

degradação ambiental; 3. Process of improvement: To continue to improve corporate policies, programmes and environmental performance, taking into account technical developments, scientific understanding, consumer needs and community expectations, with legal regulations as a starting point; and to apply the same environmental criteria internationally. 4. Employee education: To educate, train and motivate employees to conduct their activities in an environmentally responsible manner. 5. Prior assessment: To assess environmental impacts before starting a new activity or project and before decommissioning a facility or leaving a site. 6. Products and services: To develop and provide products or services that have no undue environmental impact and are safe in their intended use, that are efficient in their consumption of energy and natural resources, and that can be recycled, reused, or disposed of safely. 7. Customer advice: To advise, and where relevant educate, customers, distributors and the public in the safe use, transportation, storage and disposal of products provided; and to apply similar considerations to the provision of services. 8. Facilities and operations: To develop, design and operate facilities and conduct activities taking into consideration the efficient use of energy and materials, the sustainable use of renewable resources, the minimization of adverse environmental impact and waste generation, and the safe and responsible disposal of residual wastes. 9. Research: To conduct or support research on the environmental impacts of raw materials, products, processes, emissions and wastes associated with the enterprise and on the means of minimizing such adverse impacts. 10. Precautionary approach: To modify the manufacture, marketing or use of products or services or the conduct of activities, consistent with scientific and technical understanding, to prevent serious or irreversible environmental degradation. 11. Contractors and suppliers: To promote the adoption of these principles by contractors acting on behalf of the enterprise, encouraging and, where appropriate, requiring improvements in their practices to make them consistent with those of the enterprise; and to encourage the wider adoption of these principles by suppliers. 12. Emergency preparedness: To develop and maintain, where significant hazards exist, emergency preparedness plans in conjunction with the emergency services, relevant authorities and the local community, recognizing potential transboundary impacts. 13. Transfer of technology: To contribute to the transfer of environmentally sound technology and management methods throughout the industrial and public sectors. 14. Contributing to the common effort: To contribute to the development of public policy and to business, governmental and intergovernmental programmes and educational initiatives that will enhance environmental awareness and protection. 15. Openness to concerns: To foster openness and dialogue with employees and the public, anticipating and responding to their concerns about the potential hazards and impacts of operations, products, wastes or services, including those of transboundary or global significance. 16. Compliance and reporting: To measure environmental performance; to conduct regular environmental audits and assessments of compliance with company requirements, legal requirements and these principles; and periodically to provide appropriate information to the Board of Directors, shareholders, employees, the authorities and the public” (INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE, 2007).

42

e) exigência de compliance e accountability47 48;

f) necessidade da avaliação prévia dos impactos ambientais (e sociais) da

atividade empresarial (no início e no encerramento de uma atividade ou

projeto);

g) importância da gestão de stakeholders49;

h) necessidade de orientação dos consumidores acerca dos produtos e

serviços; e

i) exigir atitude semelhante à política interna da empresa, dos fornecedores.

Verifica-se, portanto, o reconhecimento (ao menos formal) de que deve existir

um objetivo comum, e não conflito, entre os objetivos econômicos e financeiros

empresariais e a proteção do meio ambiente.

Seguindo a linha histórico-evolutiva, verifica-se que em 1992, o Programa das

Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA/UNEP), e mais cinco bancos

(NatWest Bank, Deutsche Bank, Royal Bank of Canada, Hong Kong & Shanghai

Banking Corporation e Westpac Banking Corporation), prepararam um termo de

compromisso que deu origem à Declaração Internacional dos Bancos para o Meio

Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (maio de 1997).

Em janeiro de 1995, o World Industry Council for the Environment - WICE

(Conselho Mundial da Indústria para o Meio Ambiente) uniu-se ao BCSD, e dessa

fusão originou-se o World Business Council for Sustainable Development - WBCSD

(Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável), que passou a

ter sede em Genebra/Suíça (WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE

DEVELOPMENT, 2007).

No Brasil, o representante do WBCSD é o Conselho Empresarial Brasileiro

para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS50. Sua missão é “integrar os

47 Compliance se refere à obediência e cumprimento das obrigações legais, regulamentos específicos do setor da atividade empresarial e diretivas internas da organização, e accountability, à responsabilidade pela prestação de contas. 48 “Princípio 16. Cumprimento de regulamentos e informação: Medir o desempenho das ações sobre o meio ambiente; realizar auditorias ambientais regulares e avaliações do cumprimento das exigências internas da empresa, das exigências legais e desses princípios; e periodicamente fornecer informações apropriadas ao Conselho de Administração, aos acionistas, empregados, às autoridades e ao público” (INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE, 2007, tradução livre da autora). 49 Os stakeholders são indivíduos ou entidades que assumem algum tipo de risco, direto ou indireto, em face da sociedade. São eles, além dos acionistas, os empregados, clientes, fornecedores, credores, governos, entre outros (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004).

43

princípios e práticas do desenvolvimento sustentável no contexto do negócio,

conciliando as dimensões econômica, social e ambiental” (CONSELHO

EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL,

2007b), partindo da seguinte definição de desenvolvimento sustentável:

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL é um conceito que busca conciliar as necessidades econômicas, sociais e ambientais sem comprometer o futuro de quaisquer dessas demandas. Como impulsor da inovação, de novas tecnologias e da abertura de novos mercados, o desenvolvimento sustentável fortalece o modelo empresarial atual baseado em ambiente de competitividade global (CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2007b).

Ainda em 1995, foi firmada no Brasil a Carta de Princípios para o

Desenvolvimento Sustentável, que ficou conhecida como “Protocolo Verde”51.

Destaca-se a exigência para que o setor bancário privilegie o financiamento de

projetos sustentáveis e não agressivos ao meio ambiente, considerando os riscos

ambientais na análise e nas condições de financiamento52, e ainda, a exigência para

que as leis e regulamentações ambientais sejam exigidas e aplicadas pelos bancos

(BANCO DO BRASIL, 2007, p. 100-101).

Em abril de 1998, no Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI)

definiu e publicou uma Declaração de Princípios da Indústria para o

Desenvolvimento Sustentável53, com o intuito de estabelecer uma maior interação

entre economia e meio ambiente (DIAS, 2006, p. 38).

50 Criado em março de 1997, o CEBDS integra a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional (CPDS). 51 O Protocolo Verde foi firmado pelo Banco do Brasil S/A, Banco do Nordeste do Brasil S/A, Banco da Amazônia S/A, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Caixa Econômica Federal e Banco Central do Brasil. 52 Os Princípios do Equador, que não possuem caráter obrigatório, foram lançados em 4 de junho de 2003, e são um conjunto de políticas e diretrizes a serem observadas pelas instituições financeiras na análise de projetos de investimento de valor igual ou superior a dez milhões de dólares, de acordo com critérios (revisados em julho de 2006) estabelecidos pela International Finance Corporation (IFC). As políticas e salvaguardas (padrões de performance em sustentabilidade socioambiental) versam sobre: “avaliações ambientais; proteção a habitats naturais; gerenciamento de pragas; segurança de barragens; populações indígenas; reassentamento involuntário de populações; propriedade cultural; trabalho infantil, forçado ou escravo; projetos em águas internacionais; e saúde e segurança no trabalho” (THE EQUATOR PRINCIPLES, 2003). 53 “A Confederação Nacional da Indústria - CNI considera que um dos grandes desafios do mundo atual é conciliar crescimento econômico e social com equilíbrio ecológico. Para que tal desafio seja superado, a CNI entende como essencial que as indústrias desenvolvam suas atividades comprometidas com a proteção do meio ambiente, a saúde, a segurança e o bem-estar dos seus trabalhadores e das comunidades. Neste sentido, a CNI propõe que a indústria brasileira se empenhe em atender aos princípios listados a seguir:

44

Nessa Declaração, propõe-se que a indústria brasileira se empenhe no

sentido de auxiliar o desenvolvimento e aperfeiçoamento de leis, regulamentos e

padrões ambientais, respeitando os conceitos de desenvolvimento sustentável e a

ecoeficiência, incentivando a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias limpas,

promovendo a melhoria e o aperfeiçoamento da gestão ambiental (com ênfase na

prevenção de riscos) de todo o processo produtivo e a gestão de recursos humanos

(saúde e segurança do trabalho).

E ainda, que o setor industrial promova o envolvimento contínuo e

permanente dos trabalhadores nessa “política da empresa” com relação às questões

ambientais, e divulgue e estimule a implementação da Agenda 21.

A intenção do discurso da Declaração de Princípios da Indústria é de

implementar uma atuação conjunta do setor privado (indústria brasileira), governo e

sociedade em geral, na busca do desenvolvimento sustentável.

Também em 1998, foi criado o Instituto Ethos de Empresas e

Responsabilidade Social54, uma associação sem fins lucrativos que tem como

1 - Promover a efetiva participação pró-ativa do setor industrial, em conjunto com a sociedade, os parlamentares, o governo e organizações não-governamentais no sentido de desenvolver e aperfeiçoar leis, regulamentos e padrões ambientais. 2 - Exercer a liderança empresarial, junto à sociedade, em relação aos assuntos ambientais. 3 - Incrementar a competitividade da indústria brasileira, respeitados os conceitos de desenvolvimento sustentável e o uso racional dos recursos naturais e de energia. 4 - Promover a melhoria contínua e o aperfeiçoamento dos sistemas de gerenciamento ambiental, saúde e segurança do trabalho nas empresas. 5 - Promover a monitoração e a avaliação dos processos e parâmetros ambientais nas empresas. Antecipar a análise e os estudos das questões que possam causar problemas ao meio ambiente e à saúde humana, bem como implementar ações apropriadas para proteger o meio ambiente. 6 - Apoiar e reconhecer a importância do envolvimento contínuo e permanente dos trabalhadores e do comprometimento da supervisão nas empresas, assegurando que os mesmos tenham o conhecimento e o treinamento necessários com relação às questões ambientais. 7 - Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias limpas, com o objetivo de reduzir ou eliminar impactos adversos ao meio ambiente e à saúde da comunidade. 8 - Estimular o relacionamento e parcerias do setor privado com o governo e com a sociedade em geral, na busca do desenvolvimento sustentável, bem como na melhoria contínua dos processos de comunicação. 9 - Estimular as lideranças empresariais a agirem permanentemente junto à sociedade com relação aos assuntos ambientais. 10 - Incentivar o desenvolvimento e o fornecimento de produtos e serviços que não produzam impactos inadequados ao meio ambiente e à saúde da comunidade. 11 - Promover a máxima divulgação e conhecimento da Agenda 21 e estimular sua implementação” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 1998). 54 O Instituto Ethos trabalha em cinco linhas de atuação: a) ampliação do movimento de responsabilidade social empresarial - RSE (sensibilização e engajamento de empresas em todo o Brasil, articulação de parcerias, entre outras atividades); b) aprofundamento de práticas de RSE (foram criados os Indicadores Ethos de responsabilidade social empresarial, e estimulada a publicação de balanços sociais e de relatórios de sustentabilidade, entre outros); c) influência sobre mercados e seus atores mais importantes, a fim de criar um ambiente favorável à prática da RSE; d) articulação do movimento de responsabilidade social empresarial com políticas públicas; e e)

45

missão “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma

socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade

sustentável e justa” (INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE

SOCIAL, 2007a).

Em 31 de janeiro de 1999, no Fórum Econômico Mundial realizado em Davos

(Suíça), Kofi A. Annan, secretário-geral da ONU, lançou o Pacto Global das Nações

Unidas, um programa voluntário para instituições (não só empresas) que se

comprometam a respeitar e incorporar em suas atividades dez princípios55 56 pré-

estabelecidos sobre direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e

anticorrupção, redefinindo suas estratégias e ações, a fim de que todas as pessoas

possam compartilhar dos benefícios da globalização (BANCO DO BRASIL, 2007, p.

35).

Também em 1999, foram lançados os Índices de Sustentabilidade Dow Jones

(DJSI World – Dow Jones Sustanability Indexes57), os primeiros índices globais a

produção de informação sobre a RSE e temas conexos (INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL, 2007a). 55 Princípios derivados da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. 56 Os princípios do Global Compact são: “Human Rights Principle 1: Businesses should support and respect the protection of internationally proclaimed human rights; and Principle 2: make sure that they are not complicit in human rights abuses. Labour Standards Principle 3: Businesses should uphold the freedom of association and the effective recognition of the right to collective bargaining; Principle 4: the elimination of all forms of forced and compulsory labour; Principle 5: the effective abolition of child labour; and Principle 6: the elimination of discrimination in respect of employment and occupation. Environment Principle 7: Businesses should support a precautionary approach to environmental challenges; Principle 8: undertake initiatives to promote greater environmental responsibility; and Principle 9: encourage the development and diffusion of environmentally friendly technologies. Anti-Corruption Principle 10: Businesses should work against corruption in all its forms, including extortion and bribery” (UNITED NATIONS, 1999). 57 O índice de sustentabilidade é construído a partir de um questionário, da análise de documentos (relatórios financeiros, de sustentabilidade, de saúde, de segurança, entre outros), websites, e de informações prestadas pela empresa a analistas, à imprensa e às partes interessadas. As companhias são avaliadas sob os aspectos econômico, ambiental e social, e têm que satisfazer trinta e três critérios diferentes, com foco na criação de valor a longo prazo para os acionistas. De acordo com Dow Jones Sustainability Indexes (2007), “Corporate Sustainability is a business approach that creates long-term shareholder value by embracing opportunities and managing risks deriving from economic, environmental and social developments. Corporate sustainability leaders achieve long-term shareholder value by gearing their strategies and management to harness the market's potential for

46

tratar do desempenho financeiro das empresas administradas “com

sustentabilidade”58.

Em 2002, foram produzidos dois documentos importantes sobre

desenvolvimento sustentável na Cúpula de Joanesburgo, a Declaração de

Joanesburgo e o Plano de Implementação da Cúpula Mundial sobre

Desenvolvimento Sustentável.

Na Declaração de Joanesburgo está prevista expressamente a obrigação das

empresas de contribuírem para o desenvolvimento sustentável (não apenas no

aspecto ambiental, mas também no aspecto social - com ênfase na relação com os

seus empregados), e também a responsabilidade dos administradores de

informarem sobre sua atuação e de assumirem efetivamente a responsabilidade

pelos atos praticados no exercício de seus mandatos, o que exige a prestação de

contas (accountability):

27. Concordamos que, na busca de suas atividades legítimas, o setor privado, tanto grandes quanto pequenas empresas, tem o dever de contribuir para a evolução de comunidades e sociedades eqüitativas e sustentáveis. 28. Concordamos também em prover assistência para ampliar oportunidades de emprego geradoras de renda, levando em consideração a Declaração de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organização Mundial do Trabalho (OMT). 29. Concordamos que existe a necessidade de que as corporações do setor privado implementem suas responsabilidades corporativas. Isto deve ocorrer num contexto regulatório transparente e estável (CÚPULA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2007a, p. 04-05).

No Plano de Implementação da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento

Sustentável foram estabelecidas metas59 para os próximos dez anos (2002-2012),

sustainability products and services while at the same time successfully reducing and avoiding sustainability costs and risks”. 58 Considerando a tendência aos investimentos socialmente responsáveis (SRI), e a partir do entendimento de que empresas sustentáveis geram valor para os acionistas a longo prazo, pois estão mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais, foram reunidos esforços pela Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), em parceria com outras instituições (ABRAPP, ANBID, APIMEC, IBGC, IFC, Instituto ETHOS, PNUMA e Ministério do Meio Ambiente), para criar, no Brasil, o índice de ações SRI, denominado de Índice de Sustentabilidade Empresarial - ISE. “O ISE tem por objetivo refletir o retorno de uma carteira composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial, e também atuar como promotor das boas práticas no meio empresarial brasileiro”. A Bolsa é responsável pelo cálculo e pela gestão técnica do índice (BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO, 2007). 59 Destacam-se os seguintes trechos: “18. Aumentar a responsabilidade e prestação de contas [accountability] empresariais, ambientais e sociais. Para tanto, requer-se que sejam tomadas medidas em todos os níveis para:

47

que reforçam, entre outras exigências, a necessidade de promoção da governança

corporativa, gestão de stakeholders, responsabilidade social empresarial, princípio

do poluidor-pagador, práticas de gestão ambiental e ecoeficiência, internalização

dos custos ambientais, gestão de riscos, a integração de instrumentos econômicos,

ambientais e sociais na tomada de decisões, e ainda, o reconhecimento do caráter

de interdependência da sociedade com relação ao meio ambiente e a importância da

a) incentivar a indústria a buscar um melhor desempenho social e ambiental, mediante iniciativas voluntárias que incluam sistemas de gerenciamento ambiental, códigos de conduta, certificação e apresentação de relatórios públicos sobre questões ambientais e sociais, levando em conta iniciativas como as normas da Organização Internacional de Normalização (ISO), e as diretrizes da Iniciativa Mundial para a Apresentação de Informações (Global Reporting Iniciative) para a apresentação de relatórios sobre a sustentabilidade, levando em conta o princípio 11 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; b) fomentar o diálogo das empresas com as comunidades circundantes e outros grupos de interesse [gestão de stakeholders]; c) incentivar as instituições financeiras a incorporar as considerações sobre o desenvolvimento sustentável em seus processos de tomada de decisões; d) desenvolver parcerias e programas no local de trabalho, incluindo programas de educação e capacitação profissional [responsabilidade social empresarial]. 19. Incentivar as autoridades competentes de todos os níveis para que levem em consideração as questões do desenvolvimento sustentável na tomada de decisões, inclusive no planejamento do desenvolvimento nacional e local, nos investimentos em infra-estrutura, no desenvolvimento empresarial e nas compras públicas. Para tanto, requer-se que sejam tomadas medidas em todos os níveis para: a) prestar apoio ao desenvolvimento de estratégias e programas de desenvolvimento sustentável, incluindo a tomada de decisões sobre os investimentos em infra-estrutura e desenvolvimento comercial; b) continuar promovendo a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o princípio de que o agente poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da poluição, de acordo com os interesses públicos, e sem distorcer as práticas comerciais e os investimentos internacionais; c) promover as políticas de compras públicas que incentivem o desenvolvimento e a disseminação de bens e serviços ambientalmente saudáveis [licitação sustentável]; d) propiciar a capacitação e o treinamento para ajudar as autoridades competentes em relação à implementação das iniciativas indicadas neste parágrafo; e) utilizar procedimentos de avaliação do impacto ambiental. 22. Prevenir e reduzir ao mínimo os resíduos e aumentar ao máximo o reaproveitamento, a reciclagem e o uso de materiais alternativos que não causem danos ao meio ambiente [ecoeficiência], com a participação de autoridades governamentais e de todos os grupos de interesse [stakeholders], a fim de minimizar os efeitos adversos sobre o meio ambiente e melhorar a eficiência dos recursos, prestando assistência financeira, técnica e de qualquer outro tipo aos países em desenvolvimento. [...] 37. Um dos elementos essenciais para um mundo mais seguro no século XXI é a utilização de uma abordagem integrada e inclusiva, que leve em conta todos os tipos de riscos, para enfrentar a vulnerabilidade, a avaliação de riscos e a gestão de desastres, incluindo a prevenção, mitigação, prontidão, resposta e recuperação. [...] 49. Promover ativamente a responsabilidade e a prestação de contas [accountability] empresariais, baseadas nos princípios da Conferência do Rio, inclusive por meio do desenvolvimento pleno e implementação efetiva dos acordos e medidas intergovernamentais, iniciativas internacionais e parcerias público-privadas e de normas nacionais apropriadas, bem como apoiar o contínuo aperfeiçoamento das práticas corporativas em todos os países” (CÚPULA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2007b, p. 10; 11; 15; 16; 25; 26; 40).

48

sua preservação, o que interfere diretamente nos instrumentos econômicos quando

se trata de atividade empresarial.

Em 2004, ganha enfoque a questão social relacionada ao desenvolvimento

sustentável empresarial, e foi publicado pela WBCSD o livro Doing Business with the

Poor, com o objetivo de explicar como a atividade empresarial pode auxiliar na

diminuição da pobreza (entende-se que a redução da pobreza é um fator importante

para o desenvolvimento sustentável, desde o Relatório Brundtland).

Também em (junho) 2004, o Banco do Brasil assumiu um compromisso com o

Ministério do Meio Ambiente para elaborar60 e implementar uma Agenda 21

Empresarial, cujas ações evidenciariam o comprometimento do banco com o

desenvolvimento sustentável de seus negócios e atividades. Assumiu ainda, o

compromisso de disseminar a Agenda 21 nos projetos de Desenvolvimento Regional

Sustentável (BANCO DO BRASIL, 2007, p. 27).

Em novembro de 2006, com a intermediação da WBCSD, foi assinado por

dirigentes de grandes empresas mundiais o documento A Statement of Intent for

Doing Business with the World (Declaração de Intenções para Fazer Negócios com

o Mundo), um convite ao governo e aos líderes da sociedade civil para trabalharem

em conjunto com as empresas, no intuito de criarem um ambiente de vantagens

mútuas. Nesse documento há o reconhecimento de que a atividade empresarial não

pode ter sucesso numa sociedade falida, por isso a necessidade de investir na

prosperidade da sociedade como um todo61 (WORLD BUSINESS COUNCIL FOR

SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2006).

A conclusão é de que o sucesso das empresas (da parte) depende também

do sucesso da sociedade (do todo).

Assim, historicamente o desenvolvimento sustentável tem se consolidado no

discurso de que as empresas devem assumir formas de gestão mais eficientes

(ambiente interno), como práticas identificadas com a ecoeficiência e a produção

mais limpa, sendo mais recentemente dado enfoque à questão social.

60 Em dezembro de 2005, foi formatada a Agenda 21 e o Painel do Desenvolvimento Sustentável pela Diretoria de Relações com Funcionários e Responsabilidade Socioambiental (DIRES) e pela Diretoria de Estratégia e Organização (DIREO), e após, encaminhada nota administrativa para aprovação do Conselho Diretor do Banco do Brasil (BANCO DO BRASIL, 2007, p. 99). 61 Propõe-se uma maior compreensão sobre assuntos como pobreza, meio ambiente, mudanças demográfica e globalização, relacionadas e que afetam as atividades empresariais, a fim de procurar soluções (no âmbito local e global), e alinhá-las com as estratégias e necessidades das empresas (sucesso considerado a longo prazo), possibilitando rentabilidade sustentável e uma administração responsável social, ambiental e economicamente.

49

2.3.2 Definição de sustentabilidade empresarial

Considerando a definição de desenvolvimento sustentável, pode-se afirmar

que uma empresa sustentável é aquela que contribui para o desenvolvimento ao

gerar, simultaneamente, benefícios econômicos, sociais e ambientais (HART;

MILSTEIN, 2003, p. 56).

De acordo com Savitz (2007, p. 02), sustentabilidade é “a arte de fazer

negócios num mundo interdependente” 62, ou seja:

A sustentabilidade se desenvolveu como método integrado de abordar ampla gama de negócios referentes ao meio ambiente, direitos dos trabalhadores, proteção aos consumidores e governança corporativa, assim como sobre o impacto das atividades da empresa em relação a questões sociais mais abrangentes, tais como fome, pobreza, educação, saúde e direitos humanos – e aos efeitos desses temas sobre o lucro (SAVITZ, 2007, p. 04).

Portanto, para o autor, a “empresa sustentável63 é aquela que gera lucro para

os acionistas, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida

das pessoas com quem mantém interações” (SAVITZ, 2007, p. 02), o que significa

dizer que a sustentabilidade64 traz benefícios para a própria empresa65, além de

benefícios para toda a sociedade.

62 A relação de interdependência existe entre: a) seres vivos entre si e na relação destes com o meio ambiente; b) os elementos da sociedade entre si e em relação ao tecido social (o que exige o reconhecimento dos interesses e das necessidades das outras partes); c) os diferentes aspectos da existência humana. Essa interdependência envolve questões financeiras, aspectos de reputação e considerações legais (responsabilidade), motivo pelo qual se justifica a necessidade de gerir os negócios com sustentabilidade (SAVITZ, 2007, p. 03; 55). 63 Savitz (2007, p. 03-04; 28) diferencia sustentabilidade empresarial da responsabilidade social das empresas (que se refere às obrigações para com a sociedade em geral, enfatizando os benefícios dos grupos sociais externos), da ética empresarial (que trata de responsabilidades sociais e morais dos administradores e das suas escolhas), e da filantropia, afirmando que a sustentabilidade enfatiza ao mesmo tempo os benefícios para as próprias empresas e para os grupos sociais externos, e aborda temas operacionais mais amplos, como por exemplo, quem consultar na tomada de decisões que afetam terceiros, quais são os públicos perante os quais a empresa possui responsabilidades, e como elas devem medir o impacto de suas atividades sobre a sociedade. Com relação à filantropia, entende-se que a empresa sustentável não precisa necessariamente fazer “caridade”, porque conduz seus negócios de modo a gerar naturalmente um fluxo de benefícios para todos os seus stakeholders, beneficiando a sociedade. 64 Savitz (2007, p. 29-30) acredita que o ponto doce da sustentabilidade é aquele em que o interesse da empresa (leia-se lucro), converge com o bem comum, gerando benefícios sociais, o que geralmente implica em novos produtos e serviços, novos processos produtivos, mercados e modelos de negócios, e ainda, novos métodos de gestão e de divulgação de informações. 65 A idéia é a de que os recursos naturais, ativos humanos e sociais, e os recursos econômicos são um “capital” para a empresa, e que toda vez que ela não os respeita e preserva está “consumindo” o próprio capital, fonte da sua sobrevivência, o que compromete a sua viabilidade no futuro.

50

Nesse sentido, o conceito de Tríplice Resultado66 proposto por John

Elkington, em 1998, na obra Cannibals with Forks: The Triple Bottom Line67 of 21st

Century Business, sugere que as empresas avaliem o sucesso não só a partir do

desempenho financeiro (geralmente expresso em termos de lucro, retorno sobre o

investimento, ou valor para os acionistas), mas também sob o ponto de vista de seu

impacto econômico sobre o meio ambiente e sobre a sociedade em que atua

(SAVITZ, 2007, p. 04).

Essa exigência de avaliação se deve ao fato de que as empresas passaram a

ser efetivamente consideradas responsáveis por suas atividades68, a dos seus

fornecedores, pelas comunidades em que atuam e pelas pessoas que usam seus

produtos. Isso reflete diretamente na exigência de prestação de contas

(accountability) para investidores, acionistas, credores, políticos, whistleblowers69,

mídia, empregados, grupos comunitários, promotores, advogados, ambientalistas,

defensores dos direitos humanos, organizações de saúde pública e

clientes/consumidores (SAVITZ, 2007, p. 06).

Mesmo diante desse novo cenário, a maioria dos executivos vê a

sustentabilidade empresarial como um mandato moral, uma exigência legal, ou

como um custo inerente ao fato de se fazer negócios. Não existe unanimidade

quanto ao seu significado específico e quanto à sua motivação, e geralmente a

sustentabilidade não é compreendida como um benefício, em razão das práticas

administrativas de resultado a curto prazo.

66 O conceito do Tríplice Resultado pressupõe que empresas sustentáveis, as quais consomem recursos (financeiros, ambientais e sociais), devem ser capazes de medir, documentar e reportar os resultados (benefícios econômicos, ambientais e sociais) próprios e dos stakeholders (SAVITZ, 2007, p. 05). 67 Refere-se ao tripé da sustentabilidade, ou seja, o aspecto econômico (profits), o social (people) e o ambiental (planet). 68 Com relação ao grande poder atribuído às empresas, transcreve-se o posicionamento de Savitz (2007, p. 61): “À medida que se desenvolvem essas tendências, as empresas – sobretudo as grandes corporações – tornam-se cada vez mais ricas e poderosas. Quando se classificam em termos de produto interno bruto (ou seja, o valor total dos bens e serviços produzidos), das cem maiores entidades econômicas do mundo, apenas sessenta e três são países – as outras trinta e sete são empresas multinacionais. A venda conjunta das duzentas maiores empresas do mundo é maior do que a produção total de todos os países do mundo, com exceção dos dez mais ricos. Trata-se de enorme concentração de riqueza e poder – não nas mãos de presidentes e parlamentos, mas sob o controle de CEOs e de Conselhos de Administração”. 69 Savitz (2007, p. 66) explica que whistleblowers são os insiders que nos Estados Unidos revelam delitos praticados pelas empresas, e que possuem proteção de várias leis, impedindo que sejam demitidos e punidos, e, em alguns casos, ainda é prevista vantagem pecuniária pela denúncia (como forma de incentivo).

51

Para Hart e Milstein (2003, p. 57-59) a sustentabilidade deveria ser vista como

uma oportunidade e não apenas como uma obrigação. Afirmam que existem quatro

conjuntos de motivadores para a sustentabilidade global (que justificam o seu

tratamento como oportunidade de negócios). O primeiro relaciona-se com a

crescente industrialização e suas conseqüências, como o consumo de matérias-

primas, poluição e geração de resíduos. Em razão do aumento e descontrole dos

riscos e suas conseqüências (danos), a sustentabilidade pode auxiliar na prevenção

de responsabilidades.

O segundo conjunto de motivadores relaciona-se à proliferação e interligação

(através dos meios de comunicação) dos stakeholders da sociedade civil (com

destaque para organizações não-governamentais - ONGs), o que exige uma

atuação transparente e responsável das empresas, que não mais prestam contas

apenas para os acionistas.

O terceiro conjunto relaciona-se com a necessidade de desenvolvimento de

tecnologias que ofereçam soluções poderosas e revolucionárias para reduzir o

impacto ambiental. E o quarto, relaciona-se com o aumento da população, da

pobreza e da desigualdade, associados à globalização (HART; MILSTEIN, 2003, p.

59).

Todos esses fatores refletem na necessidade de uma atuação sustentável

das empresas, pois o seu desequilíbrio pode afetar negativamente os negócios.

Diante de todas essas mudanças na sociedade (aumento da industrialização

e dos stakeholders, cada vez mais inter-relacionados, e ainda, o desenvolvimento

tecnológico e aumento da população, pobreza e desigualdade), Savitz (2007, p. 40-

44), afirma que a sustentabilidade deve ser vista como uma estratégia de negócios

(aumenta a lucratividade e melhora a gestão das empresas) com referência a três

pontos básicos: proteção, gerenciamento e promoção do crescimento.

A proteção deve abranger a redução dos riscos de prejuízo aos clientes,

empregados e comunidades, a rápida identificação de riscos iminentes e de falhas

gerenciais pendentes, a limitação de intervenções regulatórias e a preservação da

licença da atividade (licença ambiental e tolerância social) (SAVITZ, 2007, p. 40).

O gerenciamento, por sua vez, deve abranger a redução de custos e uma

produtividade melhor, com eliminação ou redução de desperdícios, o que está

diretamente ligado à ecoeficiência:

52

A ecoeficiência é o componente básico da sustentabilidade, que se aplica à gestão da empresa. Significa redução da quantidade de recursos utilizados para a produção de bens e serviços, aumentando os lucros da empresa e, ao mesmo tempo, reduzindo seu impacto ambiental. A temática básica é simples: poluição é desperdício e desperdício é anátema, pois significa que a empresa está pagando por algo que não usa (SAVITZ, 2007, p. 41-42).

O terceiro ponto a ser considerado é a promoção do crescimento da empresa,

que deve abranger a abertura de novos mercados, o lançamento de novos produtos

e serviços, o aumento do ritmo de inovação, a melhoria da satisfação e da lealdade

dos clientes, o desenvolvimento de novas alianças com parceiros de negócios e com

outros stakeholders, e a melhoria da reputação e do valor da marca (SAVITZ, 2007,

p. 42).

A sustentabilidade como estratégia de negócios pode ser percebida no trecho

de documento do United Nations Global Compact, Who Cares, Wins: Connecting the

Financial Markets to a Changing World, citado por Savitz, no qual vários bancos de

investimento multinacionais relatam:

Estamos convencidos de que num mundo mais globalizado, mais interconectado e mais competitivo, a maneira como se gerenciam as questões ambientais, sociais e de governança corporativa é parte da qualidade gerencial de que as empresas precisam para competir com sucesso. As empresas que apresentam melhor desempenho em relação a esses temas podem aumentar o valor para os acionistas, mediante, por exemplo, a boa gestão de riscos, a antecipação das iniciativas regulatórias ou o acesso a novos mercados, ao mesmo tempo em que contribuem para o desenvolvimento sustentável das sociedades em que operam. Além disso, essas questões podem exercer forte impacto sobre a reputação e marcas das empresas, fator cada vez mais importante para a avaliação do empreendimento (UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT, 200470, apud SAVITZ, 2007, p. 38).

Conforme Savitz (2007, p. 74-77), praticamente todas as funções de negócios

estão sendo integradas ao movimento da sustentabilidade, entre elas, a produção e

fabricação, o marketing, as vendas, a pesquisa e o desenvolvimento, as relações

com clientes, os recursos humanos, a tecnologia da informação, as compras

(fornecedores), as relações com os investidores, as finanças e contabilidade, a

saúde e a segurança ambiental, os assuntos legais, jurídicos e governamentais.

70 UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. Who cares, wins : connecting the financial markets to a changing world. 2004. Disponível em: <http://www.unglobalcompact.org/Issues/financial_markets/who_cares_who_wins.pdf>. Acesso em 10/09/2007.

53

Assuntos legais e governamentais. Em nosso mundo cada vez mais litigioso, é inevitável que advogados, lobistas e outros especialistas em relações com o governo desempenhem função crítica na jornada das empresas rumo à sustentabilidade. Os advogados terão de desenvolver conhecimentos não só sobre toda uma nova área de riscos, mas também sobre como criar condições para ampliar a zona de influência, a divulgação de informações, a prestação de contas e a transparência do desempenho por parte das empresas, sem aumentar o risco de indenizações por responsabilidade civil (SAVITZ, 2007, p. 76-77).

Verifica-se, portanto, que a sustentabilidade é um conceito complexo e

multidimensional (como o desenvolvimento sustentável), que não pode ser

equacionada por meio de uma única ação corporativa, e que demanda uma ação

pró-ativa das empresas, com reflexos para o Direito e os profissionais dessa área.

Importante salientar, por fim, que as empresas podem criar valor através da

sustentabilidade, reduzindo o nível de consumo de matérias-primas e os níveis de

poluição associados com a rápida industrialização (ecoeficiência - controle interno),

por exemplo, com o objetivo de diminuir custos, riscos e passivos legais (HART;

MILSTEIN, 2003, p. 60).

Ainda, o desenvolvimento de novas tecnologias que tenham potencial para

reduzir o impacto ambiental (tecnologias limpas), e o atendimento às necessidades

dos mais pobres, de uma forma que facilite a criação e distribuição de renda

inclusiva, também são formas de criar valor para as empresas através da

sustentabilidade (HART; MILSTEIN, 2003, p. 61-63).

E finalmente, as empresas também podem criar valor ao operar com níveis

mais amplos de transparência e responsabilidade, pois ao engajar construtivamente

os stakeholders, elas elevam a confiança externa em suas intenções e atividades,

tendo como resultado, melhores relações comunitárias, legitimidade e reputação de

marca (HART; MILSTEIN, 2003, p. 61).

54

2.3.3 As dimensões da sustentabilidade empresarial

É preciso que haja um equilíbrio entre as três dimensões básicas da

sustentabilidade empresarial (econômica, social e ambiental), conforme demonstra a

Figura 1, abaixo:

Figura 1 – Conceito básico de sustentabilidade: zonas de intersecção71 Fonte: Vanca (2004, p. 10).

A sustentabilidade prevê que as empresas têm que ser economicamente

viáveis e propiciar rentabilidade (seu papel na sociedade deve ser cumprido

considerando-se que o objetivo das empresas é o lucro) (DIAS, 2006, p. 39-40).

Quando isso não acontece, a organização não perdura no tempo e,

dependendo do seu porte, a sua insolvência econômica pode prejudicar diversas

outras empresas (o que geralmente acarreta o processo de falência), além dos

trabalhadores (desemprego), da comunidade onde estava instalada (perda de poder

71 Na dimensão Ambiental & Econômico, onde se lê “aspectos regulórios”, leia-se “aspectos regulatórios”.

55

econômico da região), dos consumidores de seus produtos e serviços (perda da

garantia legal ou contratual dos produtos ou serviços), e do próprio Poder Público e

da sociedade (no caso do não pagamento de tributos, por exemplo).

A sustentabilidade também exige a integração do público interno, melhores

condições de trabalho (o que se relaciona, por exemplo, com as normas de

segurança do trabalho que têm como objetivo evitar acidentes, e com a proibição de

trabalho infantil, escravo ou desumano), e ainda, que sejam considerados na tomada

de decisões, os interesses da comunidade na qual está inserida a empresa (é

necessário o apoio e aceitação dessa comunidade), e os interesses dos

consumidores dos seus produtos ou serviços (gestão de stakeholders).

E com relação à gestão ambiental, a sustentabilidade prevê que as empresas

têm que ter suas políticas e processos produtivos pautados na ecoeficiência, com a

adoção de uma postura de responsabilidade ambiental (prevenindo-se e

precavendo-se de danos ambientais), e de uma produção mais limpa (DIAS, 2006,

p. 40).

Ainda com relação à sustentabilidade ambiental, Dias (2006, p. 46-47) afirma

que, não existindo incentivos capazes de induzir a internalização dos custos

ambientais72, as empresas só cessam a geração de externalidades negativas

quando estas deixam de gerar benefícios privados.

Os incentivos que provocam uma resposta das empresas para diminuir a

degradação ambiental podem decorrer de fatores internos ou externos à

organização. São fatores externos as leis coercitivas (regulação formal), a

fiscalização pelos órgãos ambientais (atividades de controle), os mecanismos fiscais

(tributos com efeitos extra-fiscais, o que os torna um instrumento econômico de

controle), a pressão das comunidades (regulação informal), as exigências do

ambiente institucional (investidores e acionistas estão interessados em correlações

positivas entre as performances econômica e ambiental, e as instituições financeiras

72 Dias se refere à aplicação da lógica da tragédia dos recursos comuns de Garret Hardin para o sistema capitalista. Segundo Hardin, no pasto aberto cada pastor tentará manter tantas cabeças de gado quantas forem possíveis, pois o incremento de um animal traz uma utilidade positiva individual em contrapartida ao componente negativo coletivo, que é a sobreutilização do pastoreio, compartilhado por todos. Ao somar as utilidades parciais, o pastor (e os outros pastores que compartilham os recursos comuns) conclui que o melhor é agregar o máximo de gado. Portanto, “cada homem está dentro de um sistema que o impulsiona a incrementar seu gado ilimitadamente, em um mundo limitado. [...] A liberdade de uso dos recursos comuns resulta na ruína de todos (HARDIN, 1968, p. 1243-1248, apud DIAS, 2006, p. 45). (HARDIN, Garrett. The Tragedy of Commons, Science , v. 162, 1968).

56

estão sendo demandadas a associar atitudes ambientais ruins a riscos financeiros

mais elevados), e a auto-regulação do mercado (o que resulta, inclusive, em maior

exigência e controle dos fornecedores).

No caso da haver regulamentação sobre o uso dos recursos ambientais, a

decisão da empresa de reduzir ou não a contaminação depende da diferença entre o

valor das multas e dos custos de um fechamento temporário da empresa, ou da

descontaminação, e os custos de implantação dos métodos de controle da

degradação ou de novos métodos de produção, por exemplo.

Entretanto, embora a responsabilidade civil (condenação pecuniária) seja um

fator considerável (e muitas vezes é o fator preponderante, em razão dos altos

custos da recuperação ambiental), o grande fator da mudança de conduta para a

sustentabilidade ambiental das empresas é o temor da responsabilidade penal,

prevista pela Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Esse mesmo raciocínio é

utilizado nas relações da empresa com seus empregados.

Portanto, pode-se afirmar que a regulação pelo Estado e a fiscalização

(controle) são fatores muito importantes para a sustentabilidade empresarial, e para

que haja um equilíbrio entre os fatores ou dimensões da sustentabilidade.

2.3.4 A reação contra a sustentabilidade empresaria l

A aceitação da sustentabilidade como uma exigência/obrigatoriedade para as

empresas não é unânime.

Foladori (2001, p. 121-122) faz uma crítica pertinente à exigência da

sustentabilidade quando ela é feita para justificar o aumento do preço dos produtos e

serviços (e do lucro, como conseqüência), e quando se submete sempre em

primeiro plano à lógica do mercado:

Nas últimas décadas, as empresas têm se incorporado ao debate ecológico. Suas organizações participam ativamente do lobby pelo estabelecimento de regulações ambientais para a produção e o comércio, como faz a International Chamber of Commerce (ICC), e criaram instituições ad hoc para discutir o desenvolvimento, como o Business Council for Sustainable Development (BCSD) e o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). Todas essas instituições, atualmente, levantam a bandeira do desenvolvimento sustentável, mas o entendem a seu modo: ‘[...] os mercados devem dar as indicações corretas; os preços dos bens e

57

dos serviços devem reconhecer cada vez mais e refletir os custos ambientais de sua produção, uso, reciclagem e detritos’ (BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT, apud Welford, 1997, p. 2973). Quer dizer, em primeiro lugar, que a sustentabilidade é mais cara, e o consumidor deverá pagar por ela. Mais ainda, somente em caso de incremento dos lucros haverá mudanças [...]. Em segundo lugar, os critérios ambientais deverão submeter-se à lógica do mercado [...].

Savitz afirma que ao tentar-se levantar a história das empresas sustentáveis,

encontram-se casos74 75 esparsos e desconexos que descrevem os esforços

pioneiros de poucas organizações em áreas restritas (as iniciativas eram encaradas

de maneira isolada), o que explica o porquê da sustentabilidade ser mais um

discurso do que uma prática76.

De acordo com Savitz (2007, p. 96), existem dois tipos básicos de reação

contra a sustentabilidade empresarial, a dos cínicos e a dos céticos.

Os “cínicos”, simpatizantes de ideologias de esquerda, tratam a

sustentabilidade como ferramenta de publicidade ou de relações públicas, ou seja,

73 WELFORD, Richard. Corporate environmental management : culture and organization. London: Earthscan, 1997. 74 A DuPont, há mais de duzentos anos, era fabricante de explosivos, e desde o início de suas atividades se preocupava com a segurança dos trabalhadores e da comunidade em relação às explosões. Entretanto, a preocupação efetiva com o meio ambiente é recente, e a empresa foi responsável por mais de duzentas e cinqüenta áreas contaminadas por resíduos perigosos (gastou US$ 1,2 bilhão para a limpeza) (SAVITZ, 2007, p. 48). 75 A Ford Motor Company teria sido a pioneira no aspecto da sustentabilidade com relação aos benefícios econômicos para os trabalhadores e para a comunidade. Em 1913, pagava cinco dólares por dia, no mínimo, para os trabalhadores, quando o salário praticado era de quinze centavos de dólar por dia. O entendimento era de que “todos que trabalham na Ford devem ser capazes de comprar o produto que produzem”. Entretanto, lembra Savitz (2007, p. 48-49) que durante a Grande Depressão (1929), a empresa contratou brutamontes para surrar trabalhadores em greve e recorreu a grandes demissões em massa para reduzir os custos de pessoal. 76 O Grupo Ibope divulgou em São Paulo, durante o II Fórum Ibope - Negócios Sustentáveis, a pesquisa “Sustentabilidade: Hoje ou Amanhã?”. Esta analisou, entre outras questões, a opinião da comunidade empresarial brasileira através de entrevistas com quinhentos e trinta e sete executivos, de trezentas e oitenta e uma grandes empresas nacionais (áreas de serviços, indústria, comércio e administração pública). A grande maioria dos executivos entrevistados afirmou já ter ouvido falar de sustentabilidade empresarial, e para estes, ela significa ter responsabilidade social (59%), preservar o meio ambiente (58%), ter uma boa gestão (45%), e gerenciar bem os recursos humanos (42%) (GRUPO IBOPE, 2007, p. 06). Na caracterização de suas empresas, os principais aspectos indicados pelos entrevistados foram a ética (80%), o cumprimento de leis pagando impostos (78%), o respeito aos clientes (73%), o cumprimento de leis trabalhistas (72%), ter boa reputação (69%), ter sucesso a longo prazo (69%), e respeitar os consumidores (64%) e os fornecedores (61%) (GRUPO IBOPE, 2007, p. 09). A pesquisa do Grupo Ibope (2007, p. 20) identificou que o tema da sustentabilidade nos últimos anos ganhou maior projeção, mas não mudou a expectativa de investimentos nas empresas para 2007, que continuam mais voltados para a atualização tecnológica e introdução de novos produtos e serviços. Entretanto, é preciso reconhecer um avanço, pois em análise comparativa com o ano de 2005, nem constava no quadro de respostas de investimentos o item de preservação ambiental, e em 2007, ele teve uma indicação percentual de 25% (vinte e cinco por cento).

58

marketing para “obscurecer reiteradas malfeitorias”. Por isso, entendem que o

governo deve ser mais rigoroso na imposição de obrigações ao invés de confiar na

regulação pelo próprio mercado77 e nas mudanças implementadas pelas próprias

empresas, pois o objetivo destas é evitar maior controle e imposições legais de

órgãos governamentais com relação à sustentabilidade.

Savitz (2007, p. 98) acredita que à medida que os riscos sociais e ambientais

ameaçam resultados financeiros das empresas, o seu comportamento (dos

gestores) passa por mudanças, e assim, embora algumas corporações realmente

utilizem a sustentabilidade como publicidade, essa estratégia torna-se perigosa em

razão da pressão dos grupos de stakeholders.

O outro tipo básico de reação contra a sustentabilidade é a dos “céticos”,

simpatizantes de ideologias de direita, que afirmam ser a maximização dos lucros a

única atribuição dos gestores de empresas, com fundamento em princípios do

capitalismo.

Nesse sentido, Savitz (2007, p. 100) cita o entendimento de Milton

Friedman78, de que “todos os outros deveres a serem cumpridos pelas empresas

são desvios ilegítimos de sua atribuição básica de gerar lucro”. Discordando desse

posicionamento, o autor argumenta que toda gestão empresarial comporta e

reconhece responsabilidades sociais, e nem sempre são realizados negócios,

mesmo sacrificando o lucro, quando se sabe que o fornecedor emprega mão-de-

obra infantil, possui maus antecedentes com relação à segurança do trabalho, ou

está envolvido em desavenças com a comunidade local, por exemplo.

77 Um exemplo de auto-regulação é o Responsible Care, uma iniciativa de desempenho da indústria química que é implementada nos Estados Unidos. Informações sobre os princípios e resultados que têm sido obtidos (que se referem à segurança do trabalho, gestão ambiental e de riscos, entre outras), são divulgados no site <http://www.americanchemistry.com/s_responsiblecare>. 78 Em crítica à Friedman, Henry Mintzberg (2004) respondeu na entrevista concedida a A.J. Vogl: “I call it corporate social irresponsibility, period. The argument that Milton Friedman and others use is that business has no business dealing with social issues-let' me stick to business. It's a nice position for a conceptual ostrich who doesn't know what's going on in the world and is enamored with economic theory. Show me an economist who will argue that social decisions have no economic consequences! No economist will argue that, so how can anyone argue that economic decisions have no social consequences? And if we train managers to ignore the social consequences, what kind of a society do we end up with? According to Aleksander Solzhenitsyn, whom I quote in the book, we end up with one that rests on the letter of the law, and that's a pretty deadly society. I'm not saying that businesspeople should take the place of politicians to decide social issues, but they have to be managing with a sensitivity to the social impact of their decisions”. (MINTZBERG, Henry. Managerial correctness. Entrevista concedida a A.J. Vogl, publicada na The Conference Board Review Magazine , jul/ago de 2004. Disponível em: <http://www.conference-board.org/articles/atb_article.cfm?id=266>. Acesso em 12/10/2007).

59

A evolução na atitude e comportamento das empresas não é uniforme, pois

enquanto há grupos empresariais que avançam em relação ao gerenciamento de

seus impactos socioambientais, muitas empresas ainda estão começando a

perceber a importância da questão. O tema avançou principalmente nas grandes

empresas, mais sujeitas ao controle dos órgãos de fiscalização em geral.

2.4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EMPRESAS – UMA ANÁLISE A

PARTIR DA AGENDA 21

De acordo com Camargo (2005, p. 55-56), dois anos antes da Eco 92,

começou a ser preparado um documento que representasse compromissos a serem

assumidos entre governos (programa internacional), setor produtivo e sociedade civil

organizada, para resolver os problemas prioritários do século XXI (abordagem

integrada e sistêmica das dimensões econômica, social, cultural, ambiental e

político-institucional), em busca do desenvolvimento sustentável.

Esse documento ficou conhecido como Agenda 21, e a aceitação do seu

formato e conteúdo, aprovados pelos países presentes à Eco 92, possibilitou a

criação da Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), vinculada ao

Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), com o objetivo de

acompanhar e cooperar com os países na elaboração e implementação das

Agendas 21 nacionais79.

A Agenda 21 é um plano de intenções80 sem caráter obrigatório (é necessário

vontade e comprometimento para sua efetivação), para orientar os interessados em

implementar planos, programas e projetos do Poder Público e da sociedade que

79 Transcreve-se comentário e crítica de Milaré (2007, p. 89-90) à Agenda 21: “A Agenda 21 resultou de relatórios, experiências e posicionamentos anteriores das Nações Unidas (tais são, por exemplo, o Relatório Dag Hamarskjold – ‘Por um outro desenvolvimento’ – e o Relatório Brundtland, conhecido como Nosso Futuro Comum), enriquecidos por documentos e posições das ONG’s do Meio Ambiente. Se, de um lado, é um texto de diretrizes, por vezes normativo, de cunho otimista e com uma abrangência até então pouco vista em textos congêneres, de outro lado ressente-se de generalidades – o que não é de se estranhar em um documento tão amplo e consensual, dirigido a todos os povos, governos e nações”. 80 Foi utilizado o termo "Agenda" para representar o desejo de mudanças para um modelo de civilização em que predominasse o equilíbrio ambiental e a justiça social entre as nações, concomitante com o desenvolvimento (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007b).

60

visem o desenvolvimento sustentável, com aplicação na esfera local (mas sem

perder de vista a sua dimensão global).

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2007b), a Agenda 21 é um

processo de planejamento participativo e democrático81 que consiste em

diagnosticar problemas (análise da situação atual), e a partir da compreensão dos

conflitos envolvidos, estabelecer formas de resolvê-los (a curto, médio e longo

prazos), considerando a sustentabilidade ampliada e progressiva (planejar o futuro

de forma sistêmica e sustentável), nas dimensões econômica, social, ambiental e

político-institucional.

Assim, a Agenda 21 Nacional deve estar em consonância com a Agenda 21

Global, da mesma forma que a implementação da Agenda 21 Local deve seguir as

orientações da Agenda 21 Global e da Agenda 21 Nacional.

O documento aprovado na Eco 92 foi estruturado em quatro seções

(subdivididas num total de quarenta capítulos): a) dimensões econômicas e sociais;

b) conservação e a questão dos recursos para o desenvolvimento; c) medidas

requeridas para a proteção e promoção de alguns dos segmentos sociais mais

relevantes; e d) revisão dos instrumentos necessários para a execução das ações

propostas.

A primeira seção, que trata das dimensões sociais e econômicas, em seu

capítulo segundo, estabelece que é atribuição da economia internacional propiciar a

realização das metas referentes ao meio ambiente e ao desenvolvimento através:

(a) da promoção do desenvolvimento sustentável pela liberalização do comércio; (b)

do estabelecimento de um apoio recíproco entre comércio e meio ambiente; (c) da

oferta de recursos financeiros suficientes aos países em desenvolvimento e

iniciativas concretas diante do problema da dívida internacional; e (d) do estímulo às

políticas macroeconômicas favoráveis ao meio ambiente e ao desenvolvimento

(CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1992).

O capítulo oitavo, também da primeira seção, trata: (a) da integração entre

meio ambiente e desenvolvimento na tomada de decisões no plano político, de

planejamento e de manejo; (b) da influência dessa integração na criação de uma

estrutura legal e regulamentadora eficaz (específica e adequada para as

81 Esse processo pode ser aplicado para um país, estado, município, região ou setor.

61

necessidades de cada país); (c) da utilização eficaz de instrumentos econômicos e

de incentivos do mercado82; e (d) do estabelecimento de sistemas de contabilidade

ambiental e econômica integrada83 (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS

SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

Assim, cada país deve desenvolver estratégias integradas para maximizar a

observância das leis e regulamentações relativas ao desenvolvimento sustentável,

as quais podem incluir: (a) a instituição de leis, regulamentos e normas aplicáveis e

eficazes, fundamentadas em princípios econômicos, sociais e ambientais e em uma

avaliação adequada dos riscos, incorporando as sanções destinadas a punir

violações, obter compensação (danos) e impedir violações futuras; (b) mecanismos

que promovam sua observância; (c) capacidade institucional para coletar dados

sobre a observância, examiná-la regularmente, detectar violações, estabelecer as

prioridades das medidas coercitivas, aplicar essas medidas e realizar análises

periódicas da eficácia dos programas de observância e coerção; e (d) instituir

mecanismos para a participação de indivíduos e grupos na formulação e aplicação

de leis e regulamentos relativos ao meio ambiente e ao desenvolvimento.

Ainda, concomitante com as leis e regulamentações ambientais, deve ser

considerada também a influência dos preços, mercados e políticas fiscais e

econômicas governamentais, que desempenham um papel complementar (algumas

vezes, principal) na determinação de atitudes e comportamentos em relação ao meio

ambiente. Nesse sentido, é importante citar os princípios do poluidor-pagador e do

usuário-pagador (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO

AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

82 “8.31. Reconhecendo que os países irão desenvolver suas próprias prioridades, em conformidade com suas necessidades e planos, políticas e programas nacionais, o desafio é realizar um progresso significativo nos anos vindouros para atingir três objetivos fundamentais: (a) incorporar os custos ambientais às decisões de produtores e consumidores e com isso inverter a tendência a tratar o meio ambiente como um "bem gratuito", repassando esses custos a outros setores da sociedade, outros países, ou às gerações futuras [solidariedade intergeracional]; (b) avançar mais para a integração dos custos sociais e ambientais às atividades econômicas, de modo que os preços reflitam adequadamente a relativa escassez e o valor total dos recursos e contribuam para evitar a degradação ambiental; (c) incluir, quando apropriado, o uso de princípios do mercado à configuração de políticas e instrumentos econômicos que busquem o desenvolvimento sustentável; (d) aumento da compreensão do papel dos instrumentos econômicos e dos mecanismos de mercado” (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992). 83 “8.48. Os Governos devem estimular as empresas para que: (a) ofereçam informações ambientais pertinentes por meio de relatórios claros a acionistas, credores, empregados, autoridades governamentais, consumidores e o público em geral [accountability]; (b) desenvolvam e implementem métodos e normas para a contabilidade do desenvolvimento sustentável” (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

62

Conforme consta do item 8.29 da Agenda 21, considerando-se a estrutura

jurídica e regulamentadora, “as abordagens econômicas e voltadas para o mercado

podem, em muitos casos, aumentar a capacidade de lidar com as questões do meio

ambiente e do desenvolvimento”. Ocorre que, na análise do custo-benefício, pode-se

concluir que a melhor solução é adotar medidas preventivas e de controle de

poluição, e desenvolver novas tecnologias (prevenir é mais lucrativo ou menos

oneroso do que despoluir ou arcar com as sanções em razão da poluição). Ainda,

essa relação pode exercer influência no oferecimento de recursos financeiros para

atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável – as instituições financiadoras

podem exigir a prevenção de riscos ambientais como requisito para a efetivação do

financiamento (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE

E DESENVOLVIMENTO, 1992).

A terceira seção da Agenda 21 trata do fortalecimento do papel dos

indivíduos, grupos e organizações, que devem participar em procedimentos de

avaliação do impacto ambiental e conhecer e participar das decisões (em especial,

daquelas que possam vir a afetar as suas comunidades).

O capítulo vinte e nove trata do papel dos trabalhadores, uma vez que o

“emprego pleno e sustentável, que contribui para ambientes seguros, limpos e

saudáveis: o ambiente de trabalho, o da comunidade e o meio físico”84, gera como

conseqüência a redução da pobreza (portanto, exige-se a participação dos

trabalhadores na implementação e avaliação das atividades relacionadas com a

Agenda 21) (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1992).

Destaca-se também na terceira seção, o capítulo trinta, que trata da

necessidade de fortalecimento do papel do comércio e da indústria (empresas

nacionais e transnacionais; grandes, médias e pequenas; formais e informais), e da

sua proteção e promoção.

84 “29.3. Para esse fim, propõe-se a realização dos seguintes objetivos até o ano 2000: (a) promover a ratificação das convenções pertinentes da OIT e a promulgação de legislação em apoio dessas convenções; (b) estabelecer mecanismos bipartidos e tripartites sobre segurança, saúde e desenvolvimento sustentável; (c) aumentar o número de acordos ambientais coletivos destinados a alcançar um desenvolvimento sustentável; (d) reduzir os acidentes, ferimentos e moléstias de trabalho, segundo procedimentos estatísticos reconhecidos; e (e) aumentar a oferta de educação, treinamento e reciclagem para os trabalhadores, em particular na área de saúde e segurança no trabalho e do meio ambiente” (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

63

Conforme o item 30.1 da Agenda 21, “a prosperidade constante, objetivo

fundamental do processo de desenvolvimento, é principalmente o resultado das

atividades do comércio e da indústria”, motivo pelo qual estes devem ser

estimulados a implementar políticas de longo prazo e a agir de forma eficiente e

responsável (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1992).

Por isso exige-se a promoção de uma produção mais limpa e a

responsabilidade empresarial:

30.2. As políticas e operações do comércio e da indústria, inclusive das empresas transnacionais, podem desempenhar um papel importante na redução do impacto sobre o uso dos recursos e o meio ambiente por meio de processos de produção mais eficientes, estratégias preventivas, tecnologias e procedimentos mais limpos de produção ao longo do ciclo de vida do produto, assim minimizando ou evitando os resíduos. [...]. 30.3. O comércio e a indústria, inclusive as empresas transnacionais, devem reconhecer o manejo do meio ambiente como uma das mais altas prioridades das empresas e fator determinante essencial do desenvolvimento sustentável. Alguns dirigentes empresariais esclarecidos já estão implementando políticas e pro gramas de "manejo responsável" e vigilância de produtos, fome ntando a abertura e o diálogo com os empregados e o público [gestão de stakeholders] e realizando auditorias ambientais e avaliações de ob servância. Esses dirigentes do comércio e da indústria, inclusive das empresas transnacionais, cada vez mais tomam iniciativas voluntárias, promovendo e implementando auto-regulamentações e responsabilidades maiores para assegurar que suas atividades tenham impactos mínimos sobre a saúde humana e o meio ambiente. Para isso contribuíram as regulamentações impostas em muitos países e a crescente consciência dos consumidores e do público em geral, bem como de dirigentes esclarecidos do comércio e da indústria, inclusive de empresas transnacionais. Pode-se conseguir uma contribuição positiva cada vez maior do comércio e da indústria, inclusive das empresas transnacionais, para o desenvolvimento sustentável mediante a utilização de instrumentos econômicos como os mecanismos de livre mercado em que os preços de bens e serviços reflitam cada vez mais os custos ambientais de seus insumos, produção, uso, reciclagem e eliminação, segundo as condições concretas de cada país (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992, grifo nosso).

Com relação à promoção de uma produção mais limpa, consideram-se

importantes a utilização de tecnologias, sistemas de engenharia, e práticas e

conhecimentos técnico-científicos que reduzam os resíduos gerados no processo

produtivo e possibilitem a reciclagem dos produtos (ecoeficiência), melhorando a

competitividade das empresas.

Para efetivação desse propósito, é proposto aos governos que identifiquem e

implementem instrumentos econômicos e medidas regulamentadoras (leis) que

promovam a ecoeficiência (item 30.8 da Agenda 21), incorporando os custos

64

ambientais nos mecanismos de contabilidade e fixação de preços (item 30.9 da

Agenda 21), e promovendo a cooperação tecnológica e de kwow-how entre

empresas (item 30.11 da Agenda 21) (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS

SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

Já o comércio e a indústria devem ser estimulados a adotar (e implementar)

códigos de conduta com melhores práticas ambientais, e a prestar informações

periódicas sobre o uso de energia e recursos naturais, bem como sobre os seus

resultados ambientais (item 30.10 da Agenda 21) (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES

UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

As associações industriais e comerciais também têm papéis a desempenhar

na consecução do objetivo de uma produção mais limpa, no sentido de “cooperar

com trabalhadores e sindicatos para melhorar constantemente os conhecimentos e

as habilidades necessárias para implementar operações de desenvolvimento

sustentável” (item 30.13 da Agenda 21). E ainda, para estimular empresas a

empreender programas de conscientização sobre as responsabilidades ambientais

em todos os níveis, melhorando a performance ambiental de acordo com as

exigências e padrões internacionais (item 30.14 da Agenda 21) (CONFERÊNCIA

DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

Com relação à exigência da responsabilidade empresarial, considera-se

importante a utilização mais eficiente dos recursos, a redução de riscos e perigos,

bem como da geração de resíduos e a preservação da qualidade do meio ambiente.

São propostos dois objetivos: “estimular o conceito de vigilância no manejo e

utilização dos recursos naturais pelos empresários”, e aumentar o número de

empresas que apóiem e implementem políticas de desenvolvimento sustentável

(item 30.18 da Agenda 21) (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO

AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

Para a consecução dos objetivos, propõe-se que os governos estimulem

empresas gerenciadas de maneira sustentável com medidas reguladoras e

incentivos econômicos (item 30.19 da Agenda 21), que estimulem o estabelecimento

de fundos de capital de risco para projetos e programas de desenvolvimento

sustentável (com a cooperação do setor privado) (item 30.20 da Agenda 21), e que

apóiem as instituições acadêmicas e as organizações internacionais no treinamento

do gerenciamento empresarial ambiental (com a colaboração do comércio e da

65

indústria) (item 30.21 da Agenda 21) (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS

SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

Já o comércio e a indústria, devem estabelecer conselhos nacionais para o

desenvolvimento sustentável, que deverão auxiliar a promoção das atividades

empresariais sustentáveis nos setores formal e informal (item 30.24 da Agenda 21),

e ainda, “aumentar a pesquisa e desenvolvimento de tecnologias ambientalmente

saudáveis e de sistemas de manejo ambiental, em colaboração com instituições

acadêmicas, científicas e de engenharia” (item 30.25 da Agenda 21), e “assegurar

um manejo responsável e ético de produtos e processos do ponto de vista da saúde,

da segurança e do meio ambiente”. Essas iniciativas (auto-regulamentação) devem

ser orientadas por códigos ou regulamentos apropriados, num processo aberto de

diálogo entre as organizações, empregados e demais pessoas afetadas pelas

atividades empresariais (item 30.26 da Agenda 21) (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES

UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

Portanto, pode-se afirmar que na construção e implementação da Agenda 21,

o comércio e a indústria (as empresas) têm um papel relevante a desempenhar que

não pode ser desconsiderado pelos governos nem omitido pelas empresas.

A quarta seção da Agenda 21 trata dos meios de implementação dos

objetivos e atividades previstos em todo o documento, dos quais se ressalta a

necessidade de informação (correta/consistente, suficiente, acessível e atualizada)

para a tomada de decisões (capítulo quarenta). Por isso, considera-se necessário

reduzir as diferenças de disponibilidade, qualidade, coerência, padronização e

acessibilidade de informações (e melhorar a sua disponibilidade), fatores que

prejudicam a capacidade de tomar decisões sobre o meio ambiente e

desenvolvimento (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO

AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1992).

2.4.1 Agenda 21 Brasileira

A partir da Eco 92, cada país se comprometeu a definir sua própria Agenda

21 em consonância com a Agenda 21 Global, fixando suas prioridades, envolvendo

66

a sociedade e o governo, promovendo parcerias e introduzindo meios de

implementação da sustentabilidade no modelo de desenvolvimento.

No Brasil, a Agenda 21 foi discutida e construída num processo coordenado

pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21

Nacional - CPDS85, do Ministério do Meio Ambiente, composta por dez membros

(com paridade entre a sociedade civil e o governo), criada em 1997. O processo de

elaboração ocorreu entre 1996 a 2002 (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007c).

Em julho de 2002, foi lançada a Agenda 21 Brasileira, composta de dois

documentos, "Agenda 21 Brasileira - Ações Prioritárias" e "Agenda 21 Brasileira -

Resultado da Consulta Nacional".

Na plataforma das vinte e uma ações prioritárias estabelecidas na Agenda 21

Brasileira, destacam-se três objetivos: a) objetivo 1 - produção e consumo

sustentáveis contra a cultura do desperdício (fazer campanha contra o desperdício

de água e energia, diferenciada conforme os setores produtivos; estimular a

simplificação das embalagens e restringir a produção de descartáveis; b) objetivo 2 -

ecoeficiência e responsabilidade social das empresas; e c) objetivo 21 - pedagogia

da sustentabilidade: ética e solidariedade (COMISSÃO DE POLÍTICAS DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21 NACIONAL, 2004, p. 33-

36; 84-85).

A partir de 2003, a Agenda 21 Brasileira entrou na fase de implementação

assistida pela CPDS, e foi transformada em programa no Plano Plurianual do

Governo - PPA 2004/200786 - Lei n.º 10.933/2004, o que lhe conferiu maior alcance

e importância como política pública, “estando coadunada com as diretrizes da

política ambiental do Governo, transversalidade, desenvolvimento sustentável,

fortalecimento do SISNAMA e participação social e adotando referenciais

importantes como a Carta da Terra” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007d).

85 O Decreto Presidencial de 26 de fevereiro de 1997, criou a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional - CPDS, “com a finalidade de propor estratégias de desenvolvimento sustentável e coordenar, elaborar e acompanhar a implementação daquela Agenda” (artigo 1º) (BRASIL, 1997). O ato de 1997 foi revogado pelo Decreto Presidencial de 28 de novembro de 2003, que por sua vez também foi revogado pelo então vigente Decreto Presidencial de 03 de fevereiro de 2004, que estabelece os objetivos da CPDS. 86 “O objetivo central do Programa Agenda 21 é, portanto, promover a internalização dos princípios e estratégias da Agenda 21 Brasileira, cujos meios de implementação incluem desde o planejamento estratégico, descentralizado e participativo, ao estabelecimento de prioridades a serem definidas e colocadas em prática de forma democrática e transparente” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007d).

67

A estratégia de desenvolvimento de longo prazo do PPA 2004/2007 possui

atualmente três objetivos gerais: a) a inclusão social e redução das desigualdades

sociais; b) o crescimento com geração de emprego e renda, ambientalmente

sustentável e redutor das desigualdades regionais; e c) a promoção e expansão da

cidadania e fortalecimento da democracia. Esses objetivos foram decompostos em

desafios, descritos no anexo I da Lei nº. 10.933/2004 (BRASIL, 2004), com a

redação atual alterada pela Lei nº. 11.318/2006.

No documento das Ações Prioritárias da Agenda 21 Brasileira são

mencionados alguns instrumentos econômicos e fiscais que podem ser utilizados

como meios de implementação da Agenda 21, tais como tributos, subsídios,

financiamentos facilitados, incentivos fiscais, criação de mercados (ex.: mercado de

carbono), os quais podem acarretar alterações diretas e indiretas de preços e

custos, ou criação de mercados.

Os instrumentos econômicos pretendem estimular comportamentos em

consonância com a sustentabilidade ambiental na produção, consumo e

investimento:

− alteração direta dos níveis de preços e de custos: ocorre quando impostos e taxas são aplicados diretamente a produtos e aos processos que geram estes produtos, assim como quando sistemas de depósitos restituíveis são operacionalizados; − o governo aplica taxas, impostos ou multas aos poluidores individuais ou aos usuários de recursos, baseado no uso do recurso e na natureza do meio recipiente, e em valores suficientemente elevados para reduzir impactos desfavoráveis; − alteração indireta de preços e custos por meio de medidas fiscais ou financeiras: quando ocorrem subsídios diretos, financiamentos facilitados ou incentivos fiscais (de imposto de renda, de depreciação acelerada); bônus de desempenho ou aplicação de multas; − criação ou apoio a mercados: no mercado, há instrumentos formulados a partir de legislação modificada ou de regulação (emissões de títulos negociáveis, esquemas de seguro para atender ao passivo ambiental); no apoio a mercados, há situações em que as autoridades públicas se responsabilizam pela estabilização de preços ou pela organização (materiais secundários de reciclagem, estruturação de ecomercados). [...] − permissões negociáveis: o governo estabelece um sistema de permissões negociáveis para poluição ou uso de recurso, leiloa ou distribui as permissões e monitora o cumprimento; poluidores ou usuários de recurso negociam as permissões por meio de preços de mercado não regulados; − classificação de desempenho: o governo apóia programas de certificação ou de classificação que requeiram a divulgação de informações ambientais de produtos de uso final, que permitam identificar os "ambientalmente amigáveis"; − legislação rígida sobre passivos ambientais: o poluidor ou usuário do recurso deve, por lei, pagar todos os danos aos prejudicados; as partes prejudicadas fazem acordos por meio de litígios e cortes de justiça

68

(COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21 NACIONAL, 2004, p. 104-105).

Na fase de implementação da Agenda 21 Brasileira, é preciso superar as

restrições econômicas (as empresas e seus administradores devem se posicionar de

forma pró-ativa quanto às suas responsabilidades sociais e ambientais), político-

institucionais (são necessárias políticas efetivas para a redução das desigualdades e

eliminação da pobreza absoluta, bem como estrutura mais qualificada de recursos

humanos dentro dos governos, com capacidade gerencial) e culturais (baixo nível de

consciência e de educação ambiental) da sociedade brasileira (COMISSÃO DE

POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21

NACIONAL, 2004, p. 15-16).

A realização das tarefas que a Agenda 21 propõe depende do

comprometimento do governo (nas três instâncias de Poder), empresários,

organizações civis, Ministério Público e de toda a sociedade, que deve ser

estimulada a “praticar a cidadania na estruturação dessa nova ordem, que traga

bem-estar, justiça e qualidade de vida para as atuais e futuras gerações de

brasileiros” (COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

E DA AGENDA 21 NACIONAL, 2004, p. 125).

2.4.2 Agenda 21 Local

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a Agenda 21 Local é “um

instrumento de planejamento de políticas públicas” (planejamento estratégico

participativo) que abrange a sociedade civil e o governo, consistente em um

processo de consulta sobre os problemas locais (ambientais, sociais e econômicos),

com debate para identificar soluções para esses problemas e a implementação de

ações concretas para o desenvolvimento sustentável local (MINISTÉRIO DO MEIO

AMBIENTE, 2007e).

A Agenda 21 Local é o processo participativo e multissetorial de construção de um programa de ação estratégico dirigido para o desenvolvimento sustentável local. Seu principal objetivo é a formulação e implementação de políticas públicas, por meio de uma metodologia participativa que una governo e sociedade. Implica num processo de

69

negociação que não tem por objetivo esconder conflitos; ao contrário, reconhece sua existência e procura pactuar formas de resolvê-los. Desta forma, os diversos segmentos da sociedade local devem estar incluídos de maneira a conjugar as dimensões sociais, econômicas, político-institucionais, culturais e ambientais da sustentabilidade. O processo da Agenda 21 Local pode começar tanto por iniciativa do poder público quanto por iniciativa da sociedade civil. De fato, a Agenda 21 Local pode se tornar documento de referência para a construção ou revisão de Planos Diretores, de orçamentos participativos municipais, de zoneamento ecológico-econômico, entre outros instrumentos de gestão, contribuindo, dessa maneira, para a integração de ações de diferentes instituições em uma mesma localidade (BANCO DO BRASIL, 2007, p. 25).

A Agenda 21 Local pode (e deve) ser construída em municípios, consórcio de

municípios, estados, bacias hidrográficas, unidades de conservação e

territorialidades definidas, mas também, em escolas e empresas. É necessário que

nela sejam identificados os recursos humanos e financeiros para sua elaboração e

implementação.

Para a construção da Agenda 21 Local foi desenvolvida uma cartilha pelo

Ministério do Meio Ambiente - “Passo a Passo da Agenda 21 Local” -, onde são

instituídas as premissas e os princípios gerais que devem ser respeitados, bem

como são descritas seis etapas (passos) a serem seguidas: 1) mobilizar para

sensibilizar governo e sociedade; 2) criar o Fórum permanente de desenvolvimento

sustentável da Agenda 21 Local; 3) elaborar diagnóstico participativo; 4) elaborar

plano local de desenvolvimento sustentável (para cada ação estratégica devem ser

definidos: metas, prazos, responsáveis e indicadores); 5) implementar o plano local

de desenvolvimento sustentável; e 6) monitorar e avaliar o plano local de

desenvolvimento sustentável (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2007e).

Para o sucesso da Agenda 21 Local é necessário o engajamento e a ação

dos indivíduos, famílias, organizações comunitárias, movimentos sociais, ONGs,

produtores e empresas (inclusive as de pequeno a médio porte), governos e

organizações governamentais locais e regionais, e instituições de pesquisa e ensino.

2.4.3 Agenda 21 Empresarial no Brasil

As empresas devem desenvolver suas atividades de forma sustentável,

investindo no bem-estar de seus funcionários e dependentes, em um ambiente de

70

trabalho saudável, em um bom relacionamento com a comunidade do entorno (onde

está inserida), e na preservação do meio ambiente (gestão ambiental e

ecoeficiência). Devem ainda, promover comunicações transparentes, dar retorno aos

acionistas, assegurar sinergia com seus parceiros (fornecedores) e garantir a

satisfação (e os direitos) de seus clientes e consumidores. Para tanto, elas podem

utilizar-se da Agenda 21 Empresarial.

Já existem prestadoras de serviços e consultorias para orientar as empresas

na implantação da Agenda 21 Empresarial, de acordo com o perfil da organização

contratante.

O pioneiro na construção e implantação da Agenda 21 Empresarial no Brasil

foi o Banco do Brasil, após assumir um compromisso com o Ministério do Meio

Ambiente em junho de 2004.

Compreender a responsabilidade socioambiental87 88 e assumir o

compromisso de efetivá-la na empresa, é o primeiro passo para a construção da

Agenda 21 nas empresas.

Para o Banco do Brasil, a definição de um conceito e de uma carta de

princípios de responsabilidade socioambiental foi importante para fundamentar e

direcionar as ações e movimentos voltados à internalização da cultura de

responsabilidade na instituição (BANCO DO BRASIL, 2007).

Continuando no processo de construção da Agenda 21, após ser estabelecida

uma carta de princípios, deve ser criada uma estrutura para a articulação dos

procedimentos e definição dos direcionamentos estratégicos das ações de

responsabilidade socioambiental, comparando-os com a atuação da empresa

(diagnóstico dos problemas).

Então, constrói-se um plano de responsabilidade socioambiental e formula-se

um modelo de gestão para a organização, considerando a sustentabilidade ampliada

e progressiva (partindo do pressuposto de que a Agenda 21 é um processo de

87 Conforme Bessa (2006, p. 135), a definição de responsabilidade social corporativa ou responsabilidade socioambiental expressa compromissos que vão além daqueles decorrentes das obrigações legais trabalhistas, tributárias, sociais, ambientais, entre outros, e abrange a “doação e a difusão de valores, condutas e procedimentos que induzam e estimulem o contínuo aperfeiçoamento dos processos empresariais, para que também resultem em preservação e melhoria da qualidade de vida das sociedades, do ponto de vista ético, social e ambiental”. 88 “Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais” (INSTITUTO ETHOS, 2006, p. 08).

71

planejamento participativo e democrático, e os funcionários devem ser ouvidos e

envolvidos no processo) (BANCO DO BRASIL, 2007, p. 98).

Nessa fase já devem ser previstos mecanismos de acompanhamento e de

avaliação do processo de internalização da cultura de responsabilidade

socioambiental na empresa.

Passa-se então para a implementação e operacionalização do projeto, que

pode e deve ser revisto e atualizado periodicamente, motivo pelo qual é importante

definir indicadores a serem utilizados para medir a eficácia das atitudes adotadas

(BANCO DO BRASIL, 2007, p. 98).

O Banco do Brasil, de forma pioneira no país, construiu e está implementando

a sua Agenda 21, tendo assumido formalmente o compromisso de adotar práticas

administrativas e negociais com responsabilidade socioambiental89 e de efetivar

investimento social privado pautado no desenvolvimento sustentável (BANCO DO

BRASIL, 2007, p. 71-75).

Compreendido o que é o desenvolvimento sustentável (sua construção

histórica) e quais são suas implicações doutrinárias (sustentabilidade empresarial) e

práticas (a partir da Agenda 21) para as empresas, é importante ainda esclarecer

que a atuação destas considerando os aspectos sociais e ambientais na tomada de

decisões não decorre apenas de obrigações morais e éticas, mas também, é uma

exigência constitucional, de aplicabilidade reconhecida pelo Supremo Tribunal

Federal, como se verá a seguir.

2.5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA PERSPECTIVA

JURISPRUDENCIAL – O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A Constituição da República de 1988 inovou na ordem constitucional

brasileira ao estabelecer, no artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente

89 Na sua Agenda 21, o Banco do Brasil se compromete em disseminar os princípios e fortalecer a cultura de responsabilidade socioambiental (RSA) no público interno, a manter processos administrativos coerentes com os princípios de RSA, em especial, no relacionamento com o público interno, a manter processos negociais coerentes com os princípios de RSA no relacionamento com fornecedores, com consumidores e clientes, e no respeito ao meio ambiente, e ainda, a fortalecer a interação com os públicos de relacionamento; e influenciar a incorporação dos princípios de RSA no país).

72

equilibrado, interpretado como direito fundamental90, intergeracional91 92,

intercomunitário, incluindo a adoção de uma política de solidariedade (MILARÉ,

2007, p. 145-147).

Conforme observa Leite (2000, p. 96), o meio ambiente é considerado bem

incorpóreo e imaterial, de uso comum do povo, garantindo-se o direito à qualidade

do meio ambiente como manifestação do direito à vida:

este direito fundamental inclui uma concepção jurídico-política de solidariedade, pois não se buscam a garantia ou a segurança individual contra determinados atos, nem mesmo a garantia e segurança coletiva, mas sim, tem-se como destinatário final o próprio gênero humano e, paralelamente, a natureza, com vistas à preservação da capacidade funcional do ecossistema (LEITE, 2000, p. 93-94).

Nesse sentido, ressalta-se trecho da ementa de acórdão proferido pelo

Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança nº.

22.167/SP, em 1995:

A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito de terceira geração – princípio da solidariedade. - O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinárias (BRASIL, 1995).

Assim, considera-se o meio ambiente um bem jurídico transindividual, ou seja,

que pertence a todos os cidadãos indistintamente, podendo ser usufruído pela 90 Corresponde ao princípio do ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, considerado direito inato, estável, definitivo, indisponível, uma extensão do direito à vida, ou seja, à existência física e saúde, e à dignidade dos seres humanos (MILARÉ, 2007, p. 762). 91 Corresponde ao princípio da solidariedade intergeracional, segundo o qual se “busca assegurar a solidariedade da presente geração em relação às futuras, para que também estas possam usufruir, de forma sustentável, dos recursos naturais”. (MILARÉ, 2007, p. 763). 92 De acordo com Sachs (2002, p. 49), a solidariedade intergeracional pode ser compreendida pelo somatório da solidariedade sincrônica (da geração atual) com a solidariedade diacrônica (das gerações futuras), traduzindo-se nos vínculos solidários entre e com as gerações, estabelecendo-se um “postulado ético de responsabilidade para com o futuro de todas as espécies vivas na Terra”.

73

sociedade em geral. Em contrapartida, a Constituição da República afirma o dever

jurídico do Poder Público e de toda a coletividade de proteger e preservar esse bem

jurídico (princípio da cooperação), o que deve se refletir no sistema de proteção ao

meio ambiente. Conforme Milaré (2007, p. 64), ao direito de usufruir corresponde o

dever de cuidar.

Esse direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser

interpretado em consonância com os objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil, constantes do artigo 3º da Constituição Federal, principalmente

o desenvolvimento nacional (inciso II) e o bem-estar da sociedade (incisos I, III e IV).

Ainda, a proteção constitucional ao meio ambiente foi incluída como princípio

de orientação da ordem econômica e limite93 à livre iniciativa, valendo ressaltar que

com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº. 42/2003 ao inciso VI do

artigo 170, foi acrescentado que a defesa do meio ambiente deve ser feita “mediante

tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de

seus processos de elaboração e prestação” (BRASIL, 1988).

As atividades econômicas, portanto, só se legitimam quando protegem o meio

ambiente, contribuem para o bem-estar da sociedade e impulsionam o

desenvolvimento:

Com efeito, o crescimento ou desenvolvimento socioeconômico deve portar-se como um instrumento, um meio eficaz para subsidiar o objetivo social maior. Neste caso, as atividades econômicas não poderão, de forma alguma, gerar problemas que afetem a qualidade ambiental e impeçam o pleno atingimento dos escopos sociais. O meio ambiente, como fator diretamente implicado no bem-estar da coletividade, deve ser protegido dos excessos quantitativos e qualitativos da produção econômica que afetam a sustentabilidade e dos abusos das liberdades que a Constituição confere aos empreendedores. Aliás, a própria Ordem Econômica, analisada em seguida, requer garantias de obediência às regulamentações científicas, técnicas, sociais e jurídicas relacionadas com a gestão ambiental (MILARÉ, 2007, p. 149).

Esse equilíbrio entre as exigências econômicas e socioambientais pautou o

entendimento jurisprudencial, traduzindo sua consonância com o princípio do

desenvolvimento sustentável.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar em

Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.540-1/Distrito Federal ratifica o

93 Derani (1997, p. 119) entende que os princípios de proteção do meio ambiente não são limitativos da ordem econômica, ou conflitantes com suas normas, pois isto impossibilitaria o desenvolvimento produtivo com a utilização sustentada do meio ambiente.

74

entendimento de que o meio ambiente é um direito típico de terceira geração, de

titularidade coletiva, de caráter transindividual, intergeracional, cuja defesa e

proteção (dever de preservação da sua integridade) constitui um encargo

irrenunciável pelo Estado e pela coletividade, o que consagra o postulado da

solidariedade (BRASIL, 2006a).

Embora a decisão reconheça a existência de "um permanente estado de

tensão" entre o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, de “garantir

o desenvolvimento nacional”, previsto no artigo 3º, inciso II da Constituição da

República, e a necessidade de preservar a integridade e a qualidade do meio

ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da Constituição da República),

destaca ser imprescindível que eles sejam harmonizados (BRASIL, 2006a).

A decisão jurisprudencial confere interpretação ampla ao termo meio

ambiente ao qual se refere o inciso VI do artigo 170, e explica que deve ser feita a

ponderação de princípios quando houver antinomia imprópria de princípios e valores

envolvendo direitos fundamentais, economia e meio ambiente. Também observa-se

a questão da subordinação da atividade econômica à defesa do meio ambiente e ao

princípio do desenvolvimento sustentável, fazendo ainda, a ressalva de que não se

pode, nesse caso, esvaziar o conteúdo essencial do direito à preservação do meio

ambiente.

Nesse sentido, transcreve-se trecho do extenso acórdão:

A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural (BRASIL, 2006a, grifos do autor).

75

A constitucionalidade do princípio do desenvolvimento sustentável foi

confirmada pelo Supremo Tribunal Federal na decisão da Ação Direta de

Inconstitucionalidade n.º 3.540-1, conforme segue abaixo:

A questão do desenvolvimento sustentável nacional (CF, art.. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225): o princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações (BRASIL, 2006a, grifos do autor).

A decisão do Supremo Tribunal Federal reafirma a co-responsabilidade das

empresas em relação ao desenvolvimento sustentável, que se traduz na

necessidade de compatibilizarem o desenvolvimento econômico e financeiro com a

gestão ambiental (através da avaliação dos impactos ambientais do processo de

produção) e a promoção da existência digna, valorização do trabalho humano e as

exigências relacionadas à ordem econômica em geral (artigos 1º, 3º, 170 e 225 da

Constituição Federal Brasileira), pois o desenvolvimento empresarial deve ser

compreendido em relação à sociedade e ao meio ambiente, uma vez que a atividade

desenvolve-se para atender às necessidades dessa sociedade, e depende dos

recursos retirados da natureza, e, portanto, a sobrevivência das empresas exige um

equilíbrio desses fatores.

Conclui-se, portanto, que o princípio do desenvolvimento sustentável está

consagrado na Constituição Federal Brasileira pela correlação de diversos direitos

fundamentais e também princípios tributários, sociais (inclusive trabalhistas),

ambientais e econômicos, que se complementam, como forma de desenvolvimento

almejado para o Estado Democrático de Direito, pois abrangente dos aspectos

econômico, social e ambiental, e como tal, deve ser observado pelas empresas e

seus administradores.

76

3 A GESTÃO DE RISCOS EMPRESARIAIS NA PERSPECTIVA DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A empresa pode ser compreendida como um fenômeno econômico poliédrico,

a partir dos diversos perfis (subjetivo, funcional, patrimonial ou objetivo, e

corporativo) relacionados aos elementos que a integram, conforme a teoria do

italiano Alberto Asquini (1943, p. 01-2094 apud COELHO, 2005, p. 18-19).

Pelo perfil subjetivo95, a empresa é vista como empresário (o sujeito de direito

que exerce profissionalmente uma atividade autônoma de caráter organizativo e com

assunção de risco); pelo perfil funcional, identifica-se com a própria atividade

(atividade econômica organizada com vistas à produção ou circulação de bens ou

serviços); pelo perfil patrimonial ou objetivo, corresponde ao patrimônio especial

constituído e destinado às atividades da empresa (o que engloba também o

estabelecimento); e finalmente, pelo perfil corporativo, a empresa é identificada com

uma instituição (é uma organização social formada pelo empresário e seus

colaboradores com o intuito de obter o melhor resultado econômico da produção)

(REQUIÃO, 2003, p. 55-56).

Requião (2003, p. 53) cita expressamente da doutrina de Vivante96 e J. X.

Carvalho de Mendonça97, a assunção dos riscos da atividade pelo empresário como

um dos elementos ou pressupostos da empresa.

Gevaerd Filho (2001, p. 282-287) cita as funções primordiais das empresas

no plano interno – relacionadas à sua interface com o direito privado (sua

sobrevivência, continuidade e reprodução), e no plano externo - relacionadas à sua

interface com o direito público (a adequada e lícita organização dos fatores de

produção; o abastecimento da coletividade e do próprio mercado; a promoção e/ou

preservação do crédito; a promoção e/ou preservação das práticas de

interdependência entre os agentes econômicos; a promoção e/ou preservação e

tutela da natural lucratividade; a tutela do interesse da proporcional distribuição de

94 ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del diritto commerciale , Milão, Francesco Vallardi, vol. XLI – Parte I, p. 01-20, 1943. 95 Verifica-se no artigo 966, caput, do Código Civil Brasileiro, que o legislador não define empresa, apenas o empresário (perfil subjetivo). 96 VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale . 5. ed., Milão, Francesco Valardii, 1922. 97 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro . vol. 5, tomo I, 3 ed., atualizada por Achilles Bevilaqua e Roberto Carvalho de Mendonça. Rio de Janeiro, 1938.

77

ônus e bônus; a promoção e/ou preservação das condições de concorrência leal,

entre outros), e explica que o risco (termo utilizado em relação à inexistência de

lucro) é um dos princípios orientadores das funções das empresas no plano interno,

relacionado à eficiência e à lucratividade.

Para haver eficiência (que ainda não é lucratividade) há que existir a adequada administração do risco. [...] Se há risco (logo, há perigo para incorporadores, dependentes, terceiros e mercado), a exigência de licitude é restritíssima e inafastável (GEVAERD FILHO, 2001, p. 306).

Portanto, a organização da atividade empresarial econômica pelo empresário

pressupõe o risco. É preciso, então, compreender as mudanças na sociedade que

alteram a percepção do risco, o qual passa a ter características distintas nessa nova

sociedade (de risco), o que traz implicações para a tomada de decisões (e gestão

das empresas), e exige uma mudança no sistema jurídico, com a introdução da

teoria do risco e o princípio da precaução.

3.1 SOCIEDADE COMPLEXA E RISCO

Os riscos caracterizam uma fase do desenvolvimento em que a interpretação

das ameaças às quais a sociedade está exposta passa a ser analisada como

conseqüência das decisões (e não como conseqüência da natureza), estando

associada à inovação tecnológica e ao desenvolvimento econômico gerados pela

industrialização.

De Masi (2000, 27-28) explica que nos anos setenta, quando a eletrônica e a

informática se difundiram, deixou-se de pensar no futuro com entusiasmo e se

começou a discutir sobre a “Crise do Ocidente”, ou seja, “entrou em crise o modo de

compreender e avaliar a realidade”, pois como as categorias mentais assimiladas da

época (da sociedade) industrial98 não podiam mais explicar o que estava

acontecendo, percebeu-se “o advento do futuro como crise do presente”.

98 Para De Masi (2000, p. 17-18), a sociedade industrial (que nasceu com a revolução francesa e a expansão manufatureira, e perdurou da metade do século XVIII até a metade do século XX), teve como características principais: a) a concentração de massas de trabalhadores assalariados nas fábricas e nas empresas financiadas e organizadas pelos capitalistas de acordo com o modo de produção industrial; b) o predomínio de trabalhadores no setor secundário; c) a aplicação das

78

O processo de industrialização (e o modelo de exploração capitalista dos

recursos economicamente apreciáveis) é indissociável do processo de produção de

riscos, pois, uma das principais conseqüências do desenvolvimento científico-

industrial (e depois, tecnológico-científico) é a exposição da humanidade (população

atual e gerações futuras) a riscos.

Assim, a sociedade industrial é, aos poucos, substituída pela sociedade de

risco99, sendo esta caracterizada pelo conflito referente à produção e distribuição de

riscos, e pelas conseqüências do desenvolvimento tecnológico-científico (BECK,

1998, p. 25-26).

a previsão dos riscos das decisões relativas ao desenvolvimento econômico e à inovação tecnológica – que antes era confiada ao resultado de juízos de probabilidade estatística – começa a ser posta em dúvida, expondo ao público a falência dos programas institucionais de cálculo dos efeitos colaterais das decisões naqueles processos, sendo esta a tese central das sociedades de risco (AYALA; LEITE, 2004, p. 16).

Segundo Beck (1998, p. 200), na sociedade de risco, o reconhecimento da

incalculabilidade dos perigos produzidos pelo desenvolvimento técnico-industrial dá

ensejo a uma nova fase da modernização100 - a modernização reflexiva101 -, na qual

descobertas científicas ao processo produtivo na indústria; d) a maior mobilidade geográfica e social; e) a reforma dos espaços em função da produção e do consumo dos produtos industriais; f) o aumento da produção em massa e do consumismo; g) a fé em um progresso irreversível e em um bem-estar crescente; h) a difusão da idéia de que o homem, em conflito com a natureza, deve conhecê-la e dominá-la; i) a presença de conflito, nas fábricas, entre empregadores e empregados; j) a possibilidade de reconhecer uma dimensão nacional dos vários sistemas industriais; l) o predomínio dos critérios de produtividade e eficiência como único procedimento para a otimização dos recursos e dos fatores de produção; m) a existência de uma rígida hierarquia entre os vários países, estabelecida com base no Produto Nacional Bruto, na propriedade das matérias-primas e dos meios de produção. Conforme o autor, embora as indústrias tenham se difundido e acarretado transformações econômicas e sociais, não se utilizou na época a expressão denominativa “sociedade industrial”. Apenas em 1830, aproximadamente, Carlyle teria sido o primeiro a utilizar a expressão no sentido mais próximo ao que é usado atualmente. 99 “A sociedade de risco (...) não está limitada somente aos riscos de saúde e ambientais – inclui toda uma série de mudanças inter-relacionadas dentro da vida social contemporânea: mudanças nos modelos de emprego, aumento da insegurança no trabalho, declínio da influência da tradição e do costume sobre a auto-identidade, o desgaste dos paradigmas familiares tradicionais e a democratização dos relacionamentos pessoais” (GIDDENS, 2001, p. 68-69). 100 Brüseke (1997, p. 117) associa a modernização “à quebra dos laços sociais tradicionais e à integração das forças produtivas naturais no processo econômico, seja através de novas tecnologias (com a máquina a vapor no seu centro), ou com sua reorganização e ampliação do processo produtivo como processo de trabalho”. 101 Beck (1998, p. 200) explica o processo de reflexividade da modernidade da seguinte forma: “cuando el proceso de modernización destradicionaliza sus fundamentos industriales, irrumpe el monismo mediante el cual el pensamiento acorde com las categorias de la sociedad industrial subsume la distribución del riesgo según la lógica de la distribución de la riqueza. No es el alcance de los riesgos lo que diferencia la sociedad industrial de la del riesgo, ni tampouco solo la mayor cualidad y âmbito de los riesgos que originan por las nuevas tecnologias y racionaliaciones. Lo que es central

79

a sociedade industrial tornou-se seu próprio tema, pois o processo de modernização

transformou-se em “problema” em razão das instabilidades e dos riscos que as

inovações tecnológicas e organizacionais provocaram na sociedade.

Giddens traça um perfil associado à modernidade:

1. Globalização do risco no sentido de intensidade [...]; 2. Globalização do risco no sentido de expansão da quantidade de

eventos contingentes que afetam todos ou, ao menos, grande quantidade de pessoas no planeta [...];

3. Risco derivado do meio ambiente criado, ou natureza socializada [...]; 4. O desenvolvimento de riscos ambientais institucionalizados afetando as

possibilidades de vida de milhões [de pessoas]102 [...]; 5. Consciência do risco como risco [...]; 6. A consciência bem distribuída do risco [...]; 7. Consciência das limitações da perícia [...] (GIDDENS, 1991, p. 126-

127).

De acordo com Ulrich Beck, os riscos na modernidade sempre pressupõem e

dependem de decisões, e são conseqüência dessas decisões (LASH;

SZERSZYNSKI; WYNE, 2000, p. 30103, apud AYALA; LEITE, 2004, p.13-14).

Na sociedade contemporânea tornaram-se mais complexos, com conteúdo

diferenciado, e já não podem ser limitados no tempo e espaço (podem afetar

inclusive as gerações futuras): são imprevisíveis, incertos, incalculáveis104 e

anônimos, o que dificulta a identificação do nexo causal entre o problema gerado e

es más bien el hecho de que las condiciones del contexto social han cambiado radicalmente em relación com el proceso de modernización reflexivo; al adquirir, los riesgos de la modernización, naturaleza científica, se eleva su latencia. El triungo del sistema industrial permite que se difuminen las fronteras entre naturaleza y sociedad. De ahí que las destrucciones naturales ya no quepa atribuirlas al ‘médio’ sino que sean propias de las contradicciones culturales, econômicas, políticas y sociales generadas por la universalización industrial. (...) cambia la relación de prioridad. La noción de sociedad industrial presupone el dominio de la <<lógica de la riqueza>> y admite como compatible la distribución del riesgo, mientras que la noción de sociedad del riesgo considera incompatibles la distribución de riqueza y de riesgo y acepta la rivalidad entre sus ‘lógicas’”. 102 Nesse particular, exemplifica Giddens (1991, p. 76): “Os mercados de investimento representam facilmente o exemplo mais proeminente na vida social moderna. Todas as firmas de negócios, com exceção de certos tipos de indústria nacionalizada, e todos os investidores, operam num ambiente onde cada um tem que prever os lances dos outros no sentido de maximizar os lucros. As incertezas envolvidas nas decisões de investimento derivam em partes das dificuldades de antecipar eventos extrínsecos, tais como inovações tecnológicas, mas fazem parte também da natureza dos próprios mercados. Como uma abordagem à análise social, a teoria dos jogos provavelmente funciona melhor quando aplicada a tais situações, nas quais os agentes estão tentando prever os lances dos outros, sabendo que ao mesmo tempo esses outros estão tentando prever os seus”. 103 LASH, Scott; SZERSZYNSKI, Bronislaw; WYNE, Brian (ed.). Risk, environment & modernity : towards a new ecology. Londres: Sage, 2000. 104 “Muitos cientistas e representantes de diversas organizações empresariais utilizam o argumento da incalculabilidade, entendida como incerteza sobre os reais impactos das alterações ambientais no futuro, para impedir, ou ao menos postergar, ações mais contundentes no momento presente” (DEMAJOROVIC, 2003, p. 45).

80

sua origem, e a conseqüente compensação (os riscos não se submetem às regras

de causalidade e de responsabilidade) (DEMAJOROVIC, 2003, p. 39).

Os riscos também “relativizam as posições de classe”, ou seja, todos podem

sofrer as conseqüências dos eventuais danos deles decorrentes, de maneira mais

ou menos intensa, inclusive o agente responsável pela sua produção, ao que se

denomina efeito bumerangue (BECK, 1998, p. 43). Isso se aplica também para o

setor empresarial, explica Demajorovic (2003, p. 42), ao citar como exemplo que o

aumento de ameaças socioambientais cria uma contradição entre propriedade e

lucro, devido ao potencial de desvalorização da propriedade degradada.

Os riscos podem ainda ser caracterizados pela invisibilidade (nem sempre

são perceptíveis aos afetados), e acumulatividade no tempo105 (o que dificulta a

fixação de padrões mínimos de poluição, por exemplo) (BECK, 1998, p. 83).

Com relação à invisibilidade (social, institucional, e política) dos riscos, Beck

(1997, p. 64-68) entende que existe uma diferença entre riscos (indicados pela

ciência) e a percepção dos riscos (pela sociedade). Dessa situação decorrem duas

conseqüências: a manipulação da informação e o desconhecimento dos riscos

produzidos (pode-se negar a existência dos riscos ou não informar sobre sua

periculosidade).

A manipulação da informação deve-se, em parte, ao descrédito da ciência.

A modernização tornou-se independente (fora do controle dos processos de

decisão) porque a ciência não conseguiu explicar e prever todas as conseqüências

dos seus fenômenos, “tornando-se” falível para a lógica da fundamentação. Ou seja,

a ciência não conseguiu (e não consegue) prever as conseqüências complexas,

imprevisíveis, incertas, anônimas, invisíveis e acumulativas dos riscos produzidos na

modernidade, o que representa uma insegurança (para a tomada de decisões) e

uma grande ruptura com relação à sociedade industrial – que era pautada na

certeza e confiança106 na ciência (AYALA, LEITE, 2004, p. 17-18).

105 Ayala e Leite (2004, p. 125-126) falam em “acumulação intergeracional dos estados de periculosidade”. 106 Giddens (1991, p. 41) define a confiança como a “crença na credibilidade de uma pessoa ou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultados ou eventos, em que essa crença expressa uma fé na probidade ou amor de um outro, ou na correção de princípios abstratos (conhecimentos técnicos)”.

81

De outro lado, a ocultação de riscos107 através da manipulação da informação

tem a finalidade de subtrair-se das responsabilidades de controle (do risco) e

compensação (dos danos), o que caracteriza a irresponsabilidade organizada.

A irresponsabilidade organizada108 representa “a forma pela qual as

instituições organizam os mecanismos de explicação e justificação dos riscos nas

sociedades contemporâneas” (AYALA; LEITE, 2004, p. 22).

Com relação à sociedade de risco, Beck (1998, p. 52; 64) também caracteriza

que o sistema se beneficia dos abusos que produz, porque riscos são

“oportunidades de mercado”, ou seja, os riscos da modernização não contradizem a

lógica da valorização do capital, ao contrário, a estimulam (o que causa a

potencialização e exploração econômica dos riscos).

Assim, para o autor, muitas pessoas se beneficiam com os riscos porque, em

termos econômicos, os riscos se transformaram em novas e promissoras

oportunidades de negócios e empregos109, o que gera novos contrastes de

interesses.

Por isso, o interesse é tratar dos efeitos dos riscos e não de suas causas, a

fim de eliminá-los (quando isso for possível).

Assim, Beck (1997, p. 63; 229-231110, apud Demajorovic, 2003, p. 62)

entende ser necessário substituir o tratamento dos sintomas (só tratar o problema no

final do processo produtivo ou com a recuperação ambiental, por exemplo, a partir

da gestão dos danos, o que configura uma ação post factum), por uma efetiva

eliminação das causas dos riscos (geri-los a fim de evitar que ocorram danos).

Demajorovic (2003, p. 62) entende que essa atitude é essencial para tentar remediar

“a incalculabilidade dos efeitos reais de parte das conseqüências secundárias”

decorrentes do processo de industrialização e das decisões empresariais.

Diante desse cenário de riscos complexos, insegurança científica (a ciência

perdeu seu papel de autoridade e passou a ter um papel de colaboração),

manipulação de informações, ocultação de riscos, efeito bumerangue e exploração

107 Embora os riscos escapem da percepção pública, por meio do ocultamento social e institucional de seus responsáveis, causas e conseqüências, não é possível ocultar os seus efeitos secundários, que recaem sobre a sociedade (AYALA; LEITE, 2004, p. 21). 108 Os “instrumentos e meios utilizados pelos sistemas político e judicial, que intencional ou involuntariamente, conseguem ocultar não só as origens, a existência, mas os próprios efeitos dos riscos”, são chamados de padrões de irresponsabilidade organizada (AYALA; LEITE, 2004, p. 126). 109 Embora o benefício seja questionável em razão do efeito bumerangue. 110 BECK, Ulrich. The reinvention of politics : rethinking modernity in the global social order. Cambridge: Polity Press, 1997.

82

econômica dos riscos, que tornou mais difícil a tomada de decisões nas empresas (e

a ética passa a ter papel relevante nesse processo), passa-se a exigir uma efetiva e

eficiente gestão de riscos, que deve ser justificada perante a sociedade:

Perante a necessidade de gerir os riscos de uma sociedade global (ou mundial) do risco, juízos dependentes de avaliações científicas especializadas cedem espaço para decisões eminentemente políticas, e o privilégio dedicado à tecnologia é ocupado agora pela ética, modificando qualitativamente a própria organização dos processos de tomada de decisão, permitindo a interferência pública da sociedade, da comunidade científica, da indústria e das autoridades decisórias propriamente ditas para a formação da decisão exigida na particular hipótese de gestão de determinada espécie de risco (AYALA; LEITE, 2004, p. 342).

Portanto, pode-se afirmar que a prevenção de riscos e a sua administração

consolidam-se como funções primordiais para as empresas, e envolvem não só a

tomada de decisões, mas também, a redefinição das regras e princípios para essas

decisões (BECK111, 1999, p. 45 apud AYALA; LEITE, 2004, p. 343), que deverão

estar pautadas na sustentabilidade empresarial e, consequentemente, no

desenvolvimento sustentável de toda a sociedade.

Essa mudança de paradigma interfere diretamente no sistema jurídico,

exigindo atitudes pró-ativas e preventivas (ao invés de reativas) que aos poucos

estão sendo incorporadas aos ordenamentos jurídicos e ao exercício da advocacia:

Na gestão dos riscos, as soluções de negociação e os modelos de cooperação preferem decisões dependentes de formas de conhecimento cientificamente limitadas e disciplinares, circunstância que produzirá importantes conseqüências na própria forma de organização dos sistemas jurídicos nas sociedades de risco, baseada em uma postura proativa, e no desenvolvimento de ambiciosos programas orientados pelo futuro, definidos essencialmente por conjuntos de ações de prevenção dos riscos (LADEUR112, 2002, p. 09, apud AYALA; LEITE, 2004, p. 344).

A incorporação do princípio da precaução (que também orienta a gestão de

riscos) e a adoção da teoria do risco na responsabilidade civil, são reflexos dessa

nova perspectiva no ordenamento jurídico.

111 BECK, Ulrich. La invención de lo político : para una teoria de la modernización reflexiva. trad. Irene Merzari. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1999. 112 LADEUR, Karl Heinz. The changing role of the private in public governan ce: the erosion of hierarchy and the rise of a new administrative law of cooperation - a comparative approach. Florence: European University Institute, 2002.

83

3.1.1 Sociedade de risco e o princípio da precaução

Uma das conseqüências da sociedade de risco é a necessidade de

precaução com relação às atividades – é melhor gerir riscos do que gerir danos.

Segundo Derani113 (1997, p. 165), o princípio da precaução é a essência do

direito ambiental, trata da “precaução contra o risco”, que tem como objetivo prevenir

na atualidade uma suspeição de perigo ou garantir uma margem de segurança da

linha de perigo, considerada suficiente:

[...] O princípio da precaução deixa claro que, devido à dimensão temporal (relacionada com o futuro) e à complexidade da proteção ambiental, não é suficiente que se pratique apenas uma ‘intervenção periférica’. Isto é, com base neste princípio, a política ambiental desenvolve-se não em normas rigidamente divididas numa denominada ordem do direito ambiental. Normas que denotam uma prática sustentável de apropriação de recursos naturais integram obrigatoriamente o planejamento da política econômica e, conseqüentemente, as normatizações da prática econômica. Precaução ambiental é necessariamente modificação do modo de desenvolvimento da atividade econômica. [...] [...] o princípio da precaução tem uma dimensão pacificadora, firmando-se com o postulado que atua preventivamente contra um risco – especificamente por medidas de prevenção de perigo de um determinado tipo -, principalmente valendo-se de planejamento e controle prévio de produtos (DERANI, 1997, p. 165-166).

Para que se possa compreender melhor o princípio da precaução, é preciso

diferenciá-lo da prevenção:

em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção (MACHADO, 2007, p. 74).

De acordo com Milaré (2007, p. 766), o princípio da prevenção114 engloba a

precaução115, ocorre que “a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos

113 Para a autora, a concretização plena do princípio da precaução exige que sejam respeitados também os princípios da cooperação (“informa uma atuação conjunta do Estado e sociedade, na escolha de prioridades e nos processos decisórios”) e do poluidor-pagador (impõe a internalização das externalidades negativas, ou seja, “arca o causador da poluição com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização” dos danos) (Derani, 1997, p. 157; 158; 166). 114 Também decorre da prevenção o princípio do poluidor-pagador (Polution Prevention Pays). Ayala e Leite (2004, p. 95-99) entendem que o referido princípio caracteriza-se pela necessidade de transferência de todos os custos relativos à implementação de medidas para evitar o dano através da internalização das externalidades nos custos de produção da atividade pretensamente poluidora – para que sejam suportados primeiro pelo poluidor, que deve ser o “primeiro pagador dos custos

84

pela ciência [risco certo ou concreto], ao passo que a precaução se destina a gerir

riscos ou impactos desconhecidos [risco incerto ou abstrato]”.

Portanto, aplica-se a prevenção116 117 quando há perigo, ou seja, a certeza de

que o dano ocorrerá caso não sejam adotadas medidas para evitá-lo (por isso fala-

se em “perigo concreto”), o que também justifica a proibição (mediante decisão

fundamentada) da repetição de atividade que já se sabe perigosa, a fim de “inibir o

resultado lesivo que se sabe possa ser produzido pela atividade”, ou “inibir o risco de

dano” (AYALA; LEITE, 2004, p. 71).

Já a precaução aplica-se quando há risco, ou seja, a possibilidade (existe

dúvida ou incerteza) de ocorrer o dano (por isso fala-se em “perigo abstrato” ou

“perigo potencial118”). Sua aplicação é mais difícil e complexa, porque na sociedade

de risco e diante da incerteza científica, é preciso equilibrar interesses: os interesses

econômicos daqueles que desenvolvem a atividade e os interesses da sociedade

diante dos estudos inconclusivos que demonstram a existência de risco potencial.

Com relação à legislação, embora já constasse implicitamente na Lei sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981119), a

relativos às medidas preventivas e precaucionais, destinadas a evitar a produção do resultado proibido ou não pretendido, ou seja, é primeiro pagador porque paga, não porque polui, mas paga justamente para que não polua”. De acordo com Sztajn (2004, p. 07-08), externalidade é um termo empregado pelos economistas, “ligado a benefícios ou custos nascidos e presos ao exercício de atividade que não são suportados pelo seu exercente, por quem lhes dá causa, mas recaem sobre terceiros ‘externos’ à sua origem, pessoa, grupos de pessoas ou à sociedade”. Exemplifica a autora as externalidades negativas com o exemplo da emissão de poluentes decorrentes do exercício da atividade econômica: “como o benefício (não incorrer em custos com o tratamento) é apropriado pelo exercente da atividade e a coletividade sofre com os eventuais efeitos da poluição, suporta as despesas daí derivadas, tem-se uma externalidade negativa”. 115 “Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados com o desconhecido, cautela para que uma atitude ou ação não venha a concretizar-se ou a resultar em efeitos indesejáveis” (MILARÉ, 2007, p. 766). 116 “Prevenção é substantivo do verbo prevenir (do latim prae = antes e venire = vir, chegar), e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes” (MILARÉ, 2007, p. 766). 117 O artigo 225, inciso IV da Constituição Federal Brasileira, comprova a adoção do princípio da prevenção do dano ambiental ao “exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (BRASIL, 1988). 118 Ayala e Leite (2004, p. 73) explicam que o que é potencial “é o perigo da atividade, ou o perigo produzido pelos efeitos nocivos da atividade perigosa. Logo, ou é possível que a atividade seja perigosa, ou é possível que essa atividade perigosa venha a poluir ou degradar”. 119 “Artigo 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;” Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: III - a avaliação de impactos ambientais.” (BRASIL, 1981).

85

obrigação de prevenir danos ambientais (através da avaliação prévia), e também, no

artigo 225, incisos V e VII da Constituição Federal Brasileira120, a consagração do

princípio da precaução no Brasil se deu através da ratificação e promulgação da

Convenção-Quadro sobre as Mudanças Climáticas (artigo 3º) e da Convenção sobre

a Diversidade Biológica (preâmbulo), adotadas na Eco 92 (MACHADO, 2006, p. 67).

Posteriormente, a Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, em seu artigo 54,

§3º121, criminalizou a omissão considerada como a não adoção de medidas de

precaução em caso de risco de dano ambiental.

O princípio da precaução, embora não consagrado em termos literais pelos

diplomas legais vigentes, foi claramente acolhido pelo ordenamento jurídico

brasileiro de forma implícita, uma vez que seus elementos e valores integram o

ordenamento.

Ayala e Leite (2004, p. 71) explicam que depois da internalização do princípio

da precaução na legislação brasileira, através das Convenções adotadas na Eco 92,

num segundo momento, foi utilizado como referencial sobre o assunto o estudo

sobre o princípio apresentado pela Comissão das Comunidades Européias122, que

relaciona precaução com a gestão de riscos.

120 “Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (BRASIL, 1988). 121 “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: [...] § 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior [reclusão, de um a cinco anos] quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível” (BRASIL, 1998). 122 O Tratado sobre a União Européia, assinado em 7 de fevereiro de 1992, em Maastricht (entrou em vigor em 1º de novembro de 1993), introduziu o princípio da precaução, no artigo que fixa os fundamentos da política do ambiente (artigo 130-R, que teve sua numeração alterada para 174 pelo Tratado de Amsterdã, assinado em 2 de outubro de 1997). Posteriormente o princípio da precaução foi mantido no art. 233 da Constituição Européia, assinada em Roma, em 29 de outubro de 2004. Entretanto, na falta de uma definição do princípio da precaução no tratado e nos textos comunitários, foi solicitado através da Resolução de 13 de abril de 1999, à Comissão Européia, que elaborasse diretrizes claras e eficazes tendo em vista a aplicação do princípio. Assim, foi elaborada a “Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução”. “Artigo 174 (antigo Artigo 130-R). 2º. A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, e do poluidor-pagador” (UNIÃO EUROPÉIA, 2002).

86

A “Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução” salienta a

importância do princípio da precaução para uma “abordagem estruturada à análise

de riscos” e para a gestão de riscos, porque abrange situações de incerteza

científica, em que é necessário decidir a partir do equilíbrio entre as liberdades e os

direitos dos indivíduos, das empresas e das organizações, e a necessidade de

reduzir ou eliminar os riscos de efeitos nocivos para a sociedade - danos

(COMISSÃO EUROPÉIA, 2000).

Nesses casos, a Comissão Européia (2000, item 4) entende que o equilíbrio

depende de um processo de tomada de decisões estruturado com informações

detalhadas, a partir de três elementos da análise de riscos: a avaliação123, a gestão

e a comunicação de riscos.

Nesse processo, o princípio da precaução é relevante no que se refere à

gestão de riscos, porque seus pressupostos de aplicação (a identificação dos efeitos

potencialmente perigosos, a avaliação dos dados científicos disponíveis e a

extensão da incerteza científica), estão relacionados diretamente com o risco da

atividade ou do produto/serviço oferecido (COMISSÃO EUROPÉIA, 2000, item

5.1.3).

Ayala e Leite ponderam a relação do princípio da precaução com a gestão de

riscos:

A investigação (avaliação dos riscos) é pressuposto relevante para o procedimento de aplicação do princípio da precaução, mas a justificação de medidas precaucionais não pressupõe, como constatado, que a investigação tenha sido exaustiva e conclusiva no sentido de identificar, demonstrar e caracterizar todos os riscos e seus efeitos. No caso concreto, tem-se que a aplicação do princípio não importa recomendar, necessariamente, que o produto deva ser automaticamente banido, porque sua segurança não foi provada, mas sim que as autoridades deverão ser mais rigorosas na avaliação dos possíveis riscos desse produto (AYALA; LEITE, 2004, p. 81).

Ainda, é preciso destacar os princípios gerais de aplicação da precaução,

indicados pela Comissão Européia para qualquer medida de gestão de riscos:

123 “A avaliação de riscos consiste em quatro componentes - designadamente, a identificação do perigo [identificar os agentes ou atividade causal], a caracterização do perigo [determinar, em termos quantitativos e/ou qualitativos, a natureza e gravidade dos efeitos nocivos associados aos agentes ou atividade causal], a avaliação da exposição [avaliar quantitativa ou qualitativa a probabilidade da exposição ao agente sob análise] e a caracterização do risco [estimativa qualitativa e/ou quantitativa da probabilidade, da freqüência e da gravidade do efeito nocivo, potencial ou conhecido, suscetível de ocorrer]” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2000, item 5.1.2 e Anexo 7).

87

Os princípios gerais incluem: proporcionalidade (com relação ao nível de proteção escolhido); não-discriminação na sua aplicação; coerência com medidas semelhantes já tomadas; a análise das vantagens e dos encargos que podem resultar da atuação ou da ausência de atuação (incluindo, sempre adequado e viável, uma análise econômica custo/benefício); a análise da evolução científica (as medidas baseadas no princípio da precaução devem ser reexaminadas e, se necessário, alteradas em função dos resultados da investigação científica e do acompanhamento do seu impacto); e ainda, capaz de atribuir a responsabilidade de produzir os resultados científicos necessários para uma análise de riscos mais detalhada (COMISSÃO EUROPÉIA, 2000, item 6.3).

Verifica-se que a “Comunicação da Comissão relativa ao princípio da

precaução” trouxe uma grande contribuição ao incluir na gestão de riscos o princípio

da precaução, e que todos os princípios que orientam a sua aplicação devem ser

analisados no caso concreto com o intuito de fundamentar os processos de decisão.

Como administrar riscos (gestão de riscos) faz parte da atividade empresarial,

e como o princípio da precaução (e seus princípios gerais de aplicação) está

relacionado diretamente com os riscos da atividade ou do produto/serviço, pode-se

concluir que a precaução está ligada à sustentabilidade empresarial.

3.1.2 Influência do risco na responsabilidade civil

Quando se trata do risco, se fala da precaução (e da prevenção), mas

também do dever de reparação, por isso a importância do tema da responsabilidade,

enfocada aqui no aspecto civil.

A responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, no entendimento da

teoria clássica, decorre da existência de ato ilícito (ação ou omissão), que causa

dano para terceiro, mediante a comprovação da culpa do agente e do nexo causal

entre o fato e o dano - o que fundamenta a responsabilidade civil subjetiva

(GONÇALVES, 2003, p. 31-34).

Ocorre que com o advento da Revolução Industrial, industrialização, e todos

os efeitos decorrentes da sociedade de risco, aumentaram os fatores de risco por

um lado, e por outro, os riscos se tornaram mais complexos, o que alterou a

apreensão jurídica sobre a responsabilidade civil extracontratual, ou seja, verificou-

88

se a necessidade da tutela estar mais direcionada à prevenção dos danos124 (evitar

que eles ocorram, gerindo riscos) do que à sua reparação (embora a grande

importância desse tema).

Por outro lado, esse entendimento justificou a responsabilização civil

independente de culpa125 126, pois esta (a culpa) se mostrou insuficiente para

legitimar o dever de indenizar prejuízos que, mesmo merecedores de reparação, não

decorrem de atos ilícitos (como as atividades empresariais, que são atos lícitos),

mas que podem gerar riscos e causar danos para terceiros127 (GONÇALVES, 2003,

p. 06).

Nesse ponto, é relevante ressaltar que os riscos são inerentes à atividade

empresarial, mas que existe um “limite social” (e jurídico) para os riscos criados

quando eles se transformam em danos e afetam direitos de terceiros (intervindo na

dignidade da pessoa humana), para tanto, basta lembrar da máxima de que a

“liberdade de um [a empresa] vai até onde começa o direito do outro [as pessoas

afetadas pelas atividades empresariais]”.

Por isso, e diante da complexidade dos riscos e dos danos causados na

sociedade do risco, há também que se considerar a dificuldade de provar a culpa do

agente causador do dano nesses casos.

Com relação à responsabilização no caso de atividades empresariais lícitas

que importem riscos a terceiros, Bessa explica, a partir da doutrina de Gevaerd, que

houve (além da introdução expressa da responsabilidade civil objetiva), uma

mudança nos princípios que orientam o Código Civil Brasileiro de 1916 e o Código

Civil vigente (2002):

Comentando as diferenças de enfoques conferidos à responsabilidade pelo Direito Civil e o Direito Comercial (anteriormente à disciplina trazida pelo novo Código Civil) Jair GEVAERD (1999) observa que o enfoque do Código Civil de 1916 centrava-se na segurança e na manifestação inequívoca da vontade de maneira a vincular a responsabilidade exclusivamente aos atos assumidos pelos agentes, enquanto a atual perspectiva pauta-se pelo

124 Nesse sentido, Venosa (2007, p. 05-06) explica que a teoria da responsabilidade objetiva tem como fundamento o dever genérico de não prejudicar. 125 O Código Civil Brasileiro de 1916, em seu artigo 159, não se afastou da teoria da culpa e consagrou como regra a responsabilidade subjetiva, o que foi mantido com o advento do novo Código Civil Brasileiro de 2002 (artigos 186 e 927, caput). 126 O Código de Defesa do Consumidor - Lei n.º 8.078/90, de 11 de setembro de 1990 -, em seus artigos 12, 13 e 14, adotou de forma inovadora a teoria da responsabilidade civil objetiva. 127 Por isso o fundamento da responsabilidade objetiva, segundo Gonçalves (2003, p. 07), está no princípio da eqüidade, ou seja, “aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes, (...) quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos)”.

89

dinamismo, a imprecisão, a funcionalidade, a eficiência, a continuidade do empreendimento e a boa-fé (GEVAERD, 1999128, apud BESSA, 2006, p. 114).

Nader (2006, p. 666-667) explica a importância do reconhecimento da

responsabilidade civil objetiva no caso das atividades lícitas que acarretam riscos a

terceiros, da seguinte forma:

Na busca de melhores recursos de vida, a fim de atender a sua ânsia de progresso e bem-estar, o homem introduz fatores de risco no cotidiano e se conforma em viver e conviver em um mundo envolto em perigos de toda ordem. Em seu espírito ambicioso e aventureiro, nada impede a busca de benefícios que a ciência e a técnica lhe acenam, ainda que o acesso seja perigoso e inseguro. O mais grave é que os riscos nem sempre são perceptíveis. As agressões de toda ordem ao meio ambiente, provocadas pelas múltiplas formas de poluição, de contaminação de alimento, geram lesões inicialmente imperceptíveis e de gradativa destruição da saúde. Algumas drogas são legalmente permitidas, não obstante o seu caráter nocivo, pois de um lado induzem a dependência e, de outro, contêm o poder de destruição progressiva. Além destes fatos geradores de danos, há os derivados da construção civil, da indústria em geral, dos transportes, das redes de distribuição de energia elétrica, além de engenhos ligados às usinas em geral e às redes nucleares em especial. Relativamente aos danos oriundos de todas estas fontes, a teoria subjetiva se revela impotente para garantir o direito à devida reparação. Daí a importância do parágrafo único do art. 927, que permite a reparação, independente de culpa, nas hipóteses assinaladas.

Assim, devido à multiplicação dos danos decorrentes do “progresso”, foi

sendo introduzida a teoria do risco – responsabilidade objetiva -, sem substituir a

teoria da culpa – responsabilidade subjetiva. Ambas coexistem e cada qual possui a

sua função (GONÇALVES, 2003, p. 06), com especial destaque, no presente caso,

para a responsabilidade civil objetiva decorrente de atividades lícitas.

A teoria do risco admite desdobramentos, dos quais se ressalta a teoria do

risco integral, do risco profissional, do risco excepcional, do risco-proveito e do risco

criado.

Para a teoria do risco integral surge o dever de indenizar mesmo quando não

existe nexo causal ou tenha ocorrido caso fortuito ou força maior (que em geral são

excludentes de responsabilidade). Exemplo de responsabilidade civil objetiva do tipo

128 GEVAERD FILHO, Jair Lima. Regime mercantil societário : teoria e prática da função. Curitiba, 1999. 1055 f. Tese (Doutorado em Direito – Setor de Ciência Jurídicas, Universidade Federal do Paraná).

90

risco integral é a relacionada ao meio ambiente129, estabelecida no artigo 225, §3º

da Constituição Federal Brasileira (VENOSA, 2007, p. 15).

De acordo com a teoria do risco profissional, o dever de indenizar decorre de

uma atividade laborativa, independente de culpa. Essa teoria explica, por exemplo, a

responsabilidade objetiva dos empregadores nos casos de acidentes de trabalho

(VENOSA, 2007, p. 14).

A teoria do risco excepcional reconhece certas atividades como

extremamente perigosas para a sociedade e determina o dever de reparação de

qualquer dano que delas seja decorrente. Esse é o caso das atividades relacionadas

com energia nuclear, redes de energia elétrica e materiais radioativos, entre outros

(VENOSA, 2007, p. 14).

A teoria do risco-proveito determina que aquele que cria risco para terceiros

em razão de sua atividade, deve suportar eventual dano que sua conduta acarrete,

na medida em que lhe proporciona algum benefício (VENOSA, 2007, p. 13).

E para a teoria do risco criado, basta criar o risco e ocorrer o dano para surgir

o dever de indenizar, independente do autor do dano auferir algum proveito. Essa é

a teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro (Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de

2002) no parágrafo único do artigo 927130 (VENOSA, 2007, p.14).

Na teoria do risco criado (ou risco benefício) explica Venosa:

o sujeito obtém vantagem ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona. Levando-se em conta o rumo que tomou a responsabilidade objetiva, a teoria da responsabilidade civil deixa de ser apoiada unicamente no ato ilícito, mas leva em conta com mais proeminência o ato causador do dano (VENOSA, 2007, p. 05-07).

O problema prático que tem sido apontado pelos juristas a partir da

interpretação do artigo 927, parágrafo único, última parte, do Código Civil, é que o

mesmo não trouxe uma definição de atividades de risco potencial, deixando-a para o 129 Para que reste configurada a responsabilidade civil ambiental (objetiva), basta comprovar a lesão ambiental, identificar o autor da lesão e o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. A adoção desta vertente de responsabilidade visa proteger o meio ambiente, pois se trata de um bem de uso comum do povo. De acordo com Leite (2000, p. 197), para que fique caracterizada a responsabilidade ambiental, também é preciso examinar no caso concreto se a alteração prejudicou ou não a capacidade de uso do bem ambiental ou a capacidade funcional ecológica protegida pelo direito. Assim, entende o autor que só estará desonerado o agente no caso de comprovar-se que o dano não ocorreu, que o risco não foi criado, ou que o dano não guarda relação de causalidade com aquele que criou o risco (LEITE, 2000, p. 209). 130 Por esse dispositivo (art. 927, parágrafo único do Código Civil Brasileiro/2002), a responsabilidade civil objetiva aplica-se, além dos casos descritos em lei, também "quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem" (BRASIL, 2002).

91

julgador, a partir da análise do caso concreto (lembre-se, entretanto, que diversas

atividades de risco são tratadas em legislação especial, como as relações de

consumo, atividades que causam mais impactos ao meio ambiente e acidentes de

trabalho).

Também é importante salientar a alteração introduzida expressamente pelo

Código Civil Brasileiro de 2002 (na verdade, uma consolidação do entendimento

jurisprudencial pacificado), com relação à responsabilidade objetiva do empregador

pelos danos causados a terceiros, decorrentes de conduta de seu empregado (pelo

exercício do trabalho ou em razão dele), considerando a aplicação do princípio da

aparência (o que também é uma conseqüência da adoção da teoria do risco):

Nesse campo, presente o pressuposto do poder de direção, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido da presunção absoluta da culpa: ‘É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto’ (Súmula 341). Essa conclusão sumular, já antiga131, decorre da margem de dúvida que colocava o antigo Código com relação à natureza dessa responsabilidade, que proclamava a culpa in eligendo. Hoje, é mais apropriado referirmo-nos à responsabilidade da empresa da qual o empregado é um de seus elementos ou órgãos. A responsabilidade do patrão é melhor justificada em sede da teoria do risco, daí por que se consolidou a jurisprudência no sentido dessa presunção de culpa estabelecida na súmula, uma vez que a culpa presumida fica a um passo da responsabilidade objetiva. Nos mais modernos julgados, geralmente nem mais se discutia a natureza desse vínculo entre o causador e o patrão ou comitente. A sociedade aceita esse vínculo sem rebuços, tanto que hoje se encara essa responsabilidade como objetiva, o que foi consagrado pelo art. 933132 do presente Código (VENOSA, 2007, p. 79).

Pode-se concluir, a partir desse breve relato sobre as modificações na

responsabilidade civil a partir da adoção da teoria do risco, e sua consolidação no

Código Civil Brasileiro de 2002, que a alteração é no sentido de exigir a efetiva

adoção de medidas preventivas e de precaução de todos aqueles que exerçam

atividades que gerem riscos a terceiros, o que exige uma mudança de postura por

parte das empresas e a adoção de novas medidas de gestão a fim de incorporar

esses riscos (legais) na tomada de decisões.

131 A Súmula n.º 341 do Supremo Tribunal Federal foi aprovada na sessão plenária de 13 de dezembro de 1963. A referência legislativa indicada é o artigo 1.523 do Código Civil Brasileiro de 1916 (que exige o elemento culpa para responsabilização), e na sua indexação estão expressas as palavras “presunção” e “culpabilidade”. 132 “Artigo 932. São também responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;” “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos” (BRASIL, 2002).

92

Trata-se de efetivamente substituir o tratamento dos sintomas (a partir da

gestão dos danos) por uma efetiva eliminação das causas, gerindo os riscos para

evitar que danos aconteçam.

Por isso a gestão de riscos empresariais consolida-se como uma função

primordial para as empresas.

3.2 O RISCO E A SUA GESTÃO NAS EMPRESAS

Antes de adentrar na questão central da gestão de riscos, considerada boa

prática de gestão, é preciso compreender como pode ser entendida a gestão

empresarial, no que consiste e quais são as implicações para as empresas em

adotar as boas práticas de governança corporativa (da qual a gestão de riscos é

elemento essencial).

Então, a partir da percepção de riscos para as empresas na atualidade, inicia-

se o estudo sobre a gestão de riscos que, ressalta-se desde já, embora seja mais

complexa do que os procedimentos de compliance e auditoria, os engloba, motivo

pelo qual é necessário compreender, ainda que em termos gerais, o que ela

significa, para que se possa situar a auditoria jurídica dentro do processo mais

amplo que a envolve, e entender a sua real importância e significado para as

empresas, e suas implicações para a sustentabilidade empresarial e o

desenvolvimento sustentável, escopo do presente estudo.

Contudo, informa-se que em razão da complexidade do assunto e das

limitações técnicas da pesquisadora, os temas da gestão empresarial, governança

corporativa e gestão de riscos (temas da Administração de Empresas), são

apresentados a seguir, em termos gerais, considerando os limites e os objetivos

deste estudo, a partir do posicionamento dos autores citados, referências sobre o

tema na respectiva área de conhecimento.

93

3.2.1 A gestão empresarial

Embora alguns autores da administração133, como Drucker (1998, 57-58),

neguem que o objetivo das empresas134 é gerar lucro, sob o fundamento de que este

é um fator que as limitam, e que é o cliente a explicação, causa e o fundamento

lógico das decisões (ou seja, o cliente é a causa da empresa135; e o lucro, a

conseqüência pela assunção de riscos), na prática constata-se que o principal

interesse empresarial é o lucro (embora não seja o único), o que se justifica por uma

questão de sobrevivência da organização.

Para Drucker (1998, p. 31), dentro da perspectiva das empresas como entes

cooperadores e como ‘órgãos da sociedade’, a administração não tem uma função

em si mesma e não pode dela estar separada.

Por isso a conclusão de que também na atividade empresarial o poder tem de

vir acompanhado de responsabilidade, ou seja, “o administrador é responsável por

aplicar o conhecimento à ação efetiva” e precisa saber por que fazer, o que fazer e

como fazer, pois cada decisão tomada ou ação realizada afetam o todo (a

sociedade), uma vez que a organização “é humana e social” (DRUCKER, 2001, p.

11).

Ao traçar a evolução da definição da administração, Drucker (2001, p. 75)

explica que aproximadamente em 1950, foi formulada a sua primeira concepção por

Ralph Cordiner, diretor-presidente da General Eletric Company, no sentido de que

os administradores “eram responsáveis pela administração da empresa ‘em prol do

melhor equilíbrio entre os interesses de acionistas, clientes, empregados,

fornecedores e comunidades metropolitanas’”.

Entretanto, a partir do final da década de 1970, devido ao aumento do

investimento em ações a curto prazo (caráter especulativo), a administração de

133 Gestão (conduzir, dirigir, governar) e administração (aplicação de gerir um bem) possuem conceitos tecnicamente diferenciados (a gestão tem origem na administração), entretanto, para os efeitos da presente pesquisa, ambas as expressões serão utilizadas no mesmo sentido, qual seja, a forma como os dirigentes conduzem os negócios e as atividades das empresas (FERREIRA; REIS; PEREIRA, 1997, p. 06). 134 As palavras “empresa”, “companhia”, “organização” e “corporação” estão sendo utilizadas no mesmo sentido neste trabalho. 135 Questiona-se a posição do autor de que as empresas existem em razão dos clientes (DRUCKER, 1998, p. 31), pois na prática, acredita-se que elas existem em razão dos sócios/acionistas e dependem dos clientes (lembre-se que muitas vezes é possível manipular o mercado consumidor).

94

empresas passou a ser orientada para “maximizar o valor para os acionistas”136

(DRUCKER, 2001, p. 77).

Drucker afirma que a definição de administração de sucesso nos dias atuais é

oriunda da perspectiva administrativa das indústrias alemãs e japonesas, onde a

definição de administração está focada na empresa:

[...] Preferem maximizar a capacidade das empresas de produzir riqueza. É esse o objetivo que integra resultados de longo e curto prazo e amarra os aspectos operacionais do desempenho empresarial – situação do mercado, inovação, produtividade e pessoal e seu desenvolvimento – às necessidades e aos resultados financeiros. É também desse objetivo que todos os públicos dependem para satisfação de suas expectativas e objetivos, seja os acionistas, os clientes, ou seja, os empregados (DRUCKER, 2001, p. 79).

Assim, o autor analisa as dimensões da administração com enfoque em: a)

analisar e especificar a finalidade e missão da entidade (função social –

desempenho econômico nas empresas comerciais); b) fazer com que o trabalho seja

produtivo e se realize; e c) conduzir as repercussões sociais e as responsabilidades

sociais da organização (DRUCKER, 1998, p. 31).

Diante dessa análise, conclui-se que há cinco operações básicas no trabalho

de um administrador de empresas que resultam na integração dos recursos em “um

organismo viável e em desenvolvimento”: a) planejar (fixar objetivos e metas, e

determinar o que será feito para alcançá-los); b) organizar (analisar as atividades,

classificar o trabalho, dividi-lo em atividades e em serviços administráveis, para

então formar a estrutura organizacional e escolher as pessoas que irão administrar

os serviços); c) ajustar (formar uma equipe que reúna as pessoas responsáveis

pelos serviços); d) mensurar (cuidar para que cada medida fixada disponha de

padrões de mensuração que ao mesmo tempo se encontrem em sintonia com o

desempenho de toda a organização e se concentrem no trabalho de cada pessoa); e

e) com relação ao seu pessoal, formá-lo (DRUCKER, 1998, p. 10-13).

A análise de Drucker é muito importante para contextualizar a administração

empresarial, mas é preciso reconhecer que as perspectivas da gestão empresarial

passam atualmente por grandes transformações que não podem ser ignoradas:

136 Para o autor, essa segunda definição não se harmoniza com uma “teoria de corporação”, porque beneficia aqueles que buscam ganhos de capital a curto prazo (3 a 6 meses), e não leva em consideração a continuidade da empresa.

95

reengenharia137, inovações tecnológicas, descentralização, empowerment138,

terceirização, declínio de antigas empresas multinacionais e o surgimento de novos

competidores e de novos modelos de gestão, mudanças no perfil dos clientes e nas

suas relações com as empresas fornecedoras de produtos e serviços (CORDEIRO;

RIBEIRO, 2002, p. 01-02). Assim, pode-se afirmar que atualmente a gestão

empresarial está relacionada a novos fatores:

Gerir hoje envolve uma gama muito mais abrangente e diversificada de atividades do que no passado. Conseqüentemente o gestor hoje precisa estar apto a perceber, refletir, decidir e agir em condições totalmente diferentes das de antes [lembre-se da definição de sociedade de risco]. O dia-a-dia de um gestor envolve atualmente diferentes entradas em uma realidade complexa: Interdisciplinaridade - os processos de negócio envolvem equipes e diferentes áreas, perfis profissionais e linguagens; Complexidade - as situações carregam cada vez um número maior de variáveis; Exigüidade - o processo decisório está cada vez mais espremido em janelas curtas de tempo, e os prazos de ação/reação são cada vez mais exíguos; Multiculturalidade - o gestor está exposto a situações de trabalho com elementos externos ao seu ambiente nativo, e, por conseguinte com outras culturas: clientes, fornecedores, parceiros, terceiros, equipes de outras unidades organizacionais, inclusive do estrangeiro; Inovação - tanto as formas de gestão, quanto a tecnologia da informação e da comunicação, estão a oferecer constantemente novas oportunidades e ameaças; Competitividade - o ambiente de mercado é cada vez mais competitivo, não só em relação aos competidores tradicionais, mas principalmente pelos novos entrantes e produtos substitutos. Nesse ambiente, a diferença entre sucesso e fracasso, entre lucro e falência, entre o bom e o mau desempenho está no melhor uso dos recursos disponíveis para atingir os objetivos focados (CORDEIRO; RIBEIRO, 2002, p. 02).

Diante de todos esses elementos que integram a gestão, pode-se concluir

que cada setor de negócios terá um modelo de gestão (conjunto de técnicas e

137 Reengenharia pode ser conceituada como “‘abandonar procedimentos consagrados e reexaminar o trabalho necessário para criar os produtos e serviços de uma empresa e proporcionar valor aos clientes’. Formalmente, ‘é o repensar fundamental e a reestruturação radical dos processos empresariais, que visam alcançar drásticas melhorias em indicadores críticos e contemporâneos de desempenho, tais como custos, qualidade, atendimento e velocidade’” (HAMMER; CHAMPY, 1994, p. 21-22; 1-20, apud FERREIRA; REIS; PEREIRA, 1997, p. 209). (HAMMER, Michael; CHAMPY, James. Reengenharia – revolucionando a empresa. 11. ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1994). 138 No Oxford Advanced Learner's Dictionary o termo empower significa "to give somebody the power or authority to do something" (HORNBY, 2003, p. 411), portanto, empowerment pode ser entendido como uma abordagem de delegação de poder de decisão, autonomia e participação dos funcionários na administração das empresas – descentralização de poderes pelos vários níveis hierárquicos da organização. Passa pela delegação de autoridade a um indivíduo ou grupo dentro da organização, sendo, no entanto, acompanhado e apoiado pelas chefias. Assim, cada indivíduo deverá ter o poder necessário e suficiente para controlar o seu próprio trabalho, reduzir custos e promover a eficiência e a motivação.

96

instrumentos de gerenciamento das organizações) mais apropriado para sua

atividade.

Os modelos de gestão entre os quais as empresas devem escolher devem

estar associados aos objetivos da empresa. Destacam-se: a) a gestão estratégica139;

b) a gestão participativa140; c) a gestão holística141; e d) a gestão empreendedora

(entrepreneurship)142 (CORDEIRO; RIBEIRO, 2002, p. 03-06).

A partir da adoção do modelo de gestão, a empresa deve estabelecer um

sistema de indicadores para acompanhamento dos resultados. Conforme Cordeiro e

Ribeiro (2002, p. 13), a avaliação de desempenho na gestão moderna é necessária,

e deve ser efetivada por medidas financeiras e também pelas não financeiras

(apesar de estas estarem atreladas ao desempenho financeiro), pois as práticas que

garantiram bons resultados no passado podem não ser mais suficientes no futuro

(lembre-se do entendimento da sociedade de risco).

Assim, para que se possa alcançar uma melhoria na gestão, os autores

indicam alguns fatores que devem estar presentes - inovação, qualidade, agilidade e

atenção ao cliente -, e a necessidade de munir os responsáveis pela gestão (para

que possam atingir os objetivos organizacionais) dos seguintes elementos:

139 “O planejamento estratégico é o processo de planejamento formalizado e de longo alcance, empregado para se definir e atingir os objetivos organizacionais” (STONER, 1985, p. 70, apud FERREIRA; REIS; PEREIRA, 1997, p. 116). (STONER, James A. Administração . 2. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1985). 140 “A administração participativa é uma filosofia ou política de administração de pessoas, que valoriza sua capacidade de tomar decisões e resolver problemas. A administração participativa aprimora a satisfação e a motivação no trabalho. A administração participativa contribui para o melhor desempenho e a competitividade das organizações” (MAXIMIANO, 1995, p. 19-20, apud FERREIRA; REIS; PEREIRA, 1997, p. 129). (MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Além da hierarquia : como implantar estratégias participativas para administrar a empresa enxuta. São Paulo: Atlas, 1995). 141 De acordo com Ferreira, Reis e Pereira (1997, p. 177-180), na gestão holística “a empresa não é mais vista como um conjunto de departamentos, que executam atividades isoladas, mas como um corpo uno, um sistema aberto em contínua interação com o ambiente”. Assim, a prática da visão holística seria o modelo sistêmico. Para a teoria dos sistemas, “toda organização se insere num meio ambiente onde se originam os recursos utilizados para o desenvolvimento da sua atividade (produção ou prestação de serviços) e para o qual se destinam os resultados do seu trabalho”. Assim, pode-se afirmar que as empresas são influenciadas por fatores externos decorrentes da tecnologia, economia e sistema financeiro, cultura, sociedade, meio ambiente, concorrência, política e ordenamento jurídico, que afetam suas atividades (FERREIRA; REIS; PEREIRA, 1997, p. 61-64). 142 A administração empreendedora refere-se à concretização de idéias, à capacidade de inovar como um instrumento integrado ao espírito empreendedor, relacionado “com a satisfação de alguma necessidade, com a disposição para enfrentar crises, com a exploração de oportunidades, com a simples curiosidade ou com o acaso” (FERREIRA; REIS; PEREIRA, 1997, p. 182).

97

− Estratégia e transformação organizacional - trabalhando a capacidade de visão prospectiva e sistêmica, através de um pensamento total da organização; − Arquitetura organizacional e orientação a processos – revendo sempre as estruturas mais adequadas como meio para a excelência nos processos de negócio; − Aprendizado organizacional - desenvolvendo as habilidades necessárias para o aprendizado coletivo permanente; − Processo de decisão - repensando os fatores envolvidos na tomada de decisão e os estilos gerenciais; − Qualidade e marketing - atentando para as expectativas e a percepção dos clientes, internos e externos, quanto aos produtos e serviços oferecidos; − Gestão de projetos - otimizando a utilização dos recursos e do tempo; − Controle orçamentário - entendendo e acompanhando o valor financeiro agregado em cada operação para os resultados da organização; − Cultura organizacional - tomando consciência e repensando os valores e práticas adquiridas e/ou inerentes às pessoas que trabalham na organização; − Stress e qualidade de vida - revendo o papel do indivíduo e seu espaço de realização através do trabalho, buscando a harmonia de objetivos entre a pessoa, a equipe e a organização (CORDEIRO; RIBEIRO, 2002, p. 06-07).

Todos esses elementos são muito importantes, mas destaca-se o processo

de tomada de decisão (que está relacionado ao modelo de gestão), porque dele

dependem os rumos a serem seguidos pela organização.

O processo de tomada de decisão está intimamente relacionado ao

planejamento estratégico, que pode ser compreendido como “um procedimento

formal para produzir um resultado articulado, na forma de um sistema integrado de

decisões”. A sua formalização engloba decomposição da análise (reduzir situações e

processos à suas partes), racionalização do processo de análise, e articulação (das

partes decompostas para produzir estratégias integradas) (MINTZBERG, 2004, p.

26-27).

Conforme Mintzberg (2004, p. 29-32) planejar é importante para coordenar as

atividades, ou seja, para assegurar que o futuro seja considerado (“1. preparar-se

para o inevitável; 2. antecipar o indesejável; 3. controlar o controlável, para ser

racional e para controlar”).

Para Andion e Fava (2002, p. 27), o objetivo do planejamento é fornecer aos

gestores e suas equipes uma ferramenta que lhes dê informações para a tomada de

decisão, ajudando-os a atuar de forma pró-ativa143, antecipando-se às mudanças

que ocorrem no mercado em que atuam.

143 Atuar de forma pró-ativa é muito importante para minimizar riscos e evitar a ocorrência de danos ou perdas (à própria empresa, ou a terceiros).

98

E essas informações podem ser obtidas por meio de diagnóstico estratégico,

que é o primeiro passo do processo de planejamento, através do qual a organização

irá obter as informações (a partir da análise do ambiente e dos aspectos internos da

organização) que irão nortear o direcionamento do seu planejamento e plano

estratégico (ANDION; FAVA, 2002, p. 28).

Toda organização, para sobreviver, precisa de recursos humanos, financeiros

e materiais, que são transformados em bens e serviços colocados no mercado para

o atendimento de uma determinada necessidade, o que produz resultados que

retroalimentam a organização (receitas e lucro). Essa relação com o ambiente

(interno e externo) é muito importante, porque influencia diretamente na gestão das

empresas (ANDION; FAVA, 2002, p. 29).

Os autores citam a divisão do ambiente organizacional externo em dois

grandes grupos: o macroambiente ou ambiente geral e o microambiente ou indústria.

O primeiro compõe-se de variáveis que influenciam a empresa indiretamente,

e pode ser caracterizado “como o conjunto de aspectos estruturais capazes de

influenciar as diferentes indústrias [de produtos com os mesmos atributos] que

atuam em determinado país” (ANDION; FAVA, 2002, p. 29). Para sua análise, o

gestor deve verificar informações relacionadas a aspectos:

− socioculturais: preferências, tendências populacionais, cultura, nível educacional, estilo de vida, distribuição etária e geográfica da população-alvo da empresa; − legais: leis, impostos, taxas aplicáveis ao setor; − políticos/governamentais: políticas governamentais de incentivo e/ou restrição, influências políticas e de demais grupos de interesse; − econômicos: juros, câmbio, renda, nível de emprego, inflação, índices de preços; − tecnológicos: pesquisa e desenvolvimento de produtos na área, avanços tecnológicos e custos envolvidos (ANDION; FAVA, 2002, p. 29-30).

Quanto ao microambiente, Andion e Fava explicam que ele “é formado por um

grupo de empresas com produtos similares que competem entre si”. Esse estado de

competição é influenciado pelas seguintes forças, cujo perfil o administrador deve

compreender e saber gerir muito bem (pois teoricamente, quanto maior a

competitividade, menor a lucratividade): a) a rivalidade entre vendedores

concorrentes na indústria; b) as tentativas que as empresas de outras indústrias

fazem no mercado para conquistar os clientes com seus produtos substitutos; c) o

potencial de entrada de novos concorrentes no mercado; d) o poder de barganha

99

dos fornecedores; e e) o poder de barganha dos compradores do produto (ANDION;

FAVA, 2002, p. 30).

A partir da análise do ambiente organizacional deve ser possível ao

administrador identificar as oportunidades e as ameaças ou riscos ao negócio, para

a tomada de decisão, que deve estar alinhada com a missão (de caráter mais geral)

e os objetivos (de caráter mais específico ou concreto) definidos para a empresa

(ANDION; FAVA, 2002, p. 31).

A tomada de decisão envolve riscos, e a gestão de riscos envolve o

estabelecimento de uma cultura organizacional e de uma infra-estrutura (de controle)

que demandam a implementação de boas práticas de gestão/governança

corporativa.

3.2.2 A governança corporativa

A origem da governança corporativa está relacionada à dissociação da

propriedade acionária da administração nas empresas (que se tornou

profissionalizada) e da responsabilidade dos acionistas, o que criou a possibilidade

de uma assimetria informacional, ou seja, o gestor possui informações que os

proprietários não possuem, e por isso, quando os interesses pessoais daquele são

distintos dos interesses destes (o que configura o conflito de agência144), existe a

possibilidade de uma conduta oportunista por parte do gestor.

Na teoria econômica tradicional, a governança corporativa surgiu a partir da

tentativa de superação do conflito de agência, motivo que justifica a preocupação em

criar mecanismos eficientes (sistemas de monitoramento e incentivos) para garantir

que o comportamento dos gestores esteja alinhado com os interesses dos

acionistas, o que garante, ao final, o gerenciamento de riscos conforme o perfil de

riscos fixado pelo Conselho de Administração (que representa os acionistas).

144 Conforme explica Machado Filho (2006, p. 77-78), a teoria da agência foi desenvolvida por Jensen e Meckling (1976), e trata dos conflitos que ocorrem quanto um agente age em nome de outro (o principal), e os objetivos de ambos não coincidem integralmente. Portanto, a expressão “conflito de agência” descreve o conflito de interesses entre o acionista (principal) e o gestor ou administrador (agente), particularmente no caso da tomada de decisões, que decorrem da separação entre propriedade e controle, e da delegação de poder.

100

Aproximadamente até metade da década de oitenta, os acionistas nos

Estados Unidos eram passivos e não acompanhavam as decisões da diretoria da

empresa. Entretanto, a partir de então, com o aumento e fortalecimento dos

investidores institucionais145, estes passaram a ser mais ativos no mercado de ações

(houve uma “mudança de comportamento” dos investidores) e, através do seu

ativismo, ocorreram grandes mudanças na administração das empresas, pois ao

invés de vender as ações quando eram constatados problemas, os acionistas

passaram a influenciar mudanças na gestão. Assim, desenvolveram-se as práticas

de governança corporativa (LODI, 2000, p. 55-57).

Na Inglaterra, os problemas relacionados à gestão das companhias também

ganharam destaque a partir da década de oitenta, mas em razão dos Clubes de

Conselheiros (Old boy networks). Os membros desses conselhos participavam em

empresas uns dos outros, criando uma relação que dificultava a fiscalização e a

participação dos acionistas minoritários (devido à troca de favores). Assim, em 1991,

o Banco da Inglaterra criou uma comissão, liderada por Adrian Cadbury, que

elaborou um Código de Práticas de Governança Corporativa (publicado em 1992),

conhecido como Relatório Cadbury, que procurou disciplinar as relações nos

conselhos de empresas, com o intuito de coibir as práticas desses clubes de

conselheiros (LODI, 2000, p. 55-57).

Seguindo as diretrizes do Relatório Cadbury, em janeiro de 1998, foi

publicado o Relatório Hampel, na Inglaterra, definindo a importância da governança

corporativa para a prosperidade dos negócios e a importância da auditoria jurídica e

da prestação de contas aos acionistas (LODI, 2000, p. 63-65).

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico - OCDE

(Organisation for Economic Co-Operation and Development), também contribuiu

para a governança corporativa, principalmente com a fixação de princípios sobre o

tema146 147, que são periodicamente discutidos e avaliados – a última revisão foi em

145 Instituições que dispõem de grande volume de recursos oriundos de aplicações coletivas, destinados a investimentos, previdência ou seguro, estando subordinadas a regras operacionais específicas. São os fundos de pensão, entidades de previdência complementar, montepios, fundações de seguridade social, fundações de investimento, companhias de seguro e capitalização, e companhias de investimento. 146 Os princípios da OCDE sobre governança corporativa foram desenvolvidos no sentido de estabelecer um conjunto de normas e orientações sobre o tema pela OCDE em conjunto com os governos nacionais, outras organizações internacionais relevantes e o setor privado. Os princípios foram instituídos a partir de abril de 1998, mas apenas a partir de 1999 foram difundidos e passaram a constituir a base de iniciativas no domínio da governança tanto nos Estados-Membros da OCDE, como em países terceiros. Além disso, o “Fórum para a Estabilidade Financeira” também adotou os

101

2004 (LODI, 2000, p. 72-75)Assim, a governança corporativa foi instituída como uma

forma de possibilitar aos proprietários (acionistas ou cotistas) a gestão estratégica

da empresa e o monitoramento da direção executiva, através de mecanismos que

assegurem o controle da propriedade sobre a gestão: o conselho de administração,

a auditoria independente e o conselho fiscal.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) elaborou uma cartilha com

recomendações sobre boas práticas de governança corporativa, definindo-a da

seguinte forma:

(...) conjunto de práticas que têm por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, eqüidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, 2002, p. 02).

Já o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)148 149 (2004, p. 06)

define a governança corporativa como “o sistema pelo qual as sociedades são

princípios como uma das doze normas fundamentais para sistemas financeiros sólidos, o que também ajudou na sua consolidação (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2004, p. 09). 147 Os princípios da OCDE sobre governança corporativa são: “I – Assegurar a base para um enquadramento eficaz da governança corporativa A governança corporativa deve promover mercados transparentes e eficientes, estar em conformidade com o princípio do primado do direito e articular claramente a divisão de responsabilidades entre diferentes autoridades de s upervisão, autoridades reguladoras e autoridades dedicadas à aplicação das leis; II – Os direitos dos acionistas e funções fundamentais de exercício dos direitos A governança corporativa deve proteger e facilitar o exercício dos direitos dos acionistas; III – O tratamento eqüitativo dos acionistas A governança corporativa deve assegurar o tratamento eqüitativo de todos os acionistas, incluindo acionistas minoritários e acionistas estrangeiros. Todos os acionistas devem ter a oportunidade de obter reparação efetiva por violação dos seus direitos; IV – Papel dos outros sujeitos com interesses relevantes na governança corporativa A governança corporativa deve acautelar os direitos legalmente consagrados, ou estabelecidos através de acordos mútuos, de outros sujeitos com interesses relevantes na empresa e deve encorajar uma cooperação ativa entre as sociedades e esses sujeitos na criação de riqueza, de emprego e na manutenção sustentada de empresas financeiramente saudáveis; V – Divulgação de informação e transparência A governança corporativa deve assegurar a divulgação em tempo e objetiva de todas as informações relevantes relativas à sociedade, nomeadamente no que respeita à situação financeira, desempenho, participações sociais e governança corporativa; VI – As responsabilidades do órgão de administração A governança corporativa deve assegurar a gestão es tratégica da empresa, um acompanhamento e fiscalização eficazes da gestão pe lo órgão de administração e a responsabilização do órgão de administração perante a empresa e os seus acionistas ” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2004, p. 17-25, grifo nosso). 148 Em 27 de novembro de 1995, foi fundado o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração - IBCA, que posteriormente passou a ser denominado de Instituto Brasileiro de Governança

102

dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre Acionistas/Cotistas,

Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal”.

Para o IBGC (2007b), as boas práticas de governança corporativa têm a

finalidade de aumentar o valor da sociedade empresária, facilitar seu acesso ao

capital e contribuir para a sua perenidade. Assim, a expressão abrange os assuntos

relativos ao poder de controle e direção das empresas, bem como as diferentes

formas e esferas de seu exercício, e os diferentes interesses que estão relacionados

às atividades dessas organizações, relacionando-as a um ambiente institucional

equilibrado.

Lodi (2000, p. 19) define governança corporativa como:

o papel que os Conselhos de Administração passaram a exercer para melhorar o ganho dos acionistas e arbitrar os conflitos existentes entre os acionistas, administradores, auditores externos, minoritários, conselhos fiscais (no Brasil) e os stakeholders: os empregados, os credores e clientes.

Para Souza (2005, p. 10), a governança corporativa pode ser entendida

“como um sistema de normas de estruturação societária que tem por objeto a

delimitação de atribuições dos órgãos integrantes da sociedade de capital aberto,

definindo a distribuição de poderes na companhia e atribuindo responsabilidades”.

Em breve síntese, dentro do sistema de governança corporativa, cabe:

a) aos acionistas, na qualidade de proprietários, escolherem os membros do conselho de administração em assembléia-geral, e anualmente tomar as

Corporativa - IBGC. Este “tem o propósito de ‘ser a principal referência nacional em governança corporativa; desenvolver e difundir os melhores conceitos e práticas no Brasil, contribuindo para o melhor desempenho das organizações e, conseqüentemente, para uma sociedade mais justa, responsável e transparente’” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004, p. 07). 149 O movimento pela governança corporativa no Brasil começou a partir da criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), responsável pelo primeiro Código Brasileiro de Melhores Práticas de Governança Corporativa, que, em sua primeira edição (06/05/1999), concentrava-se principalmente no papel do conselho de administração. As recomendações contidas nesse Código partiram da reflexão sobre a Lei das Sociedades Anônimas vigente à época, e das discussões e conclusões de um grupo de empresários que estiveram reunidos, de 10 a 12 abril de 1997, no "Top Management Summit", na cidade de Itu, Estado de São Paulo (as conclusões dessa reunião foram registradas em um documento editado pela Fundação Dom Cabral, intitulado: “Governança Corporativa – Subsídios ao Código Brasileiro de Melhores Práticas”). Também foi objeto de estudo, para a elaboração do Código, o Comparison of Materials on Board Guidelines (de autoria de Ira M. Millstein, Holly J. Gregory e Paula Lowit, publicado pela Weil, Gotshal and Manges LLP, Nova Iorque, em 1998), que trata de uma comparação, tópico por tópico, das melhores práticas e os principais Códigos de Melhores Práticas, incluindo “The Cadbury Report” (Inglaterra, 1992), Relatório Vienot (França, 1995), “General Motors: Corporate Governance Guidelines” (EUA, 1994), “The Hampel Report” (Inglaterra, 1997), e NACD Report (National Association of Corporate Directors – EUA, 1996), e outros (LODI, 2000, p. 46). Em 2001, foi lançada uma segunda edição do Código do IBGC, e, recentemente, em 30 de março de 2004, foi lançada a terceira versão, revisada e ampliada.

103

contas e deliberar sobre as demonstrações financeiras por estes apresentadas (art. 122, II e III); b) ao conselho de administração, representante dos acionistas, fixar a orientação geral dos negócios da empresa, eleger, destituir e fixar as atribuições dos diretores, fiscalizando sua gestão, ou seja, ao conselho de administração cabe a orientação estratégica e supervisão dos atos da diretoria, liderando o processo de governança corporativa (art. 142, I a III); c) à diretoria, composta de dois ou mais diretores eleitos pelo conselho de administração (art. 142), ou indicados pelo diretor executivo (CEO150) com a aprovação do conselho de administração, a representação da empresa e a prática dos atos necessários para o seu funcionamento (art. 144); d) ao conselho fiscal, fiscalizar os atos dos administradores (conselho de administração e diretoria), verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários, analisar periodicamente as demonstrações contábeis, entre outros (art. 163); e) à auditoria independente, escolhida pelo conselho de administração (art. 142, IX), prestar serviços de consultoria de maneira efetivamente independente.

Quanto aos princípios que norteiam a governança corporativa, eles têm sido

apresentados de forma resumida pelo IBGC (2004), da seguinte forma:

a) Transparência ou disclosure151 152 - transparência nos dados, registros e relatórios (que englobem aspectos econômicos financeiros e os não-econômicos também), que devem ser precisos e entregues nos prazos combinados. A comunicação deve ser espontânea, franca e rápida (demonstra confiança), e as informações devem ser verdadeiras e equilibradas, facilitando ao leitor a correta avaliação da empresa; b) Eqüidade ou fairness153 – consiste em dar tratamento justo e igualitário para todos aqueles que estejam envolvidos ou sejam afetados pelas atividades empresariais, desde acionistas minoritários (com relação aos acionistas majoritários e os gestores), até os clientes, fornecedores, credores, entre outros; c) Responsabilidade pela prestação de contas ou accountability154 155 - é a responsabilidade dos administradores (que tomam decisões) de

150 Chief Executive Officer - CEO é o executivo principal de uma empresa (geralmente chamado de diretor executivo). Distingue-se do Chairman, que comanda o conselho de administração. 151 No Oxford Advanced Learner's Dictionary o termo disclosure significa “the act of making something known or public that was previously secret or private” (HORNBY, 2003, p. 357). 152 “Os acionistas têm o direito a informações transparentes e oportunas com respeito às empresas onde estão investindo” (LODI, 2000, p. 52) 153 No Oxford Advanced Learner's Dictionary o termo fairness significa "the quality of treating people equally or in a way that is reasonable” (HORNBY, 2003, p. 452). 154 No Oxford Advanced Learner's Dictionary o termo accountable significa “responsable for your decisions or actions and expected to explain them when you are asked” (HORNBY, 2003, p. 9). 155 De acordo com especialistas, um dos caminhos para a busca do engajamento dos stakeholders pode ser a adoção da AccountAbility 1000 (AA1000), que embora não seja um certificado, busca fornecer o primeiro padrão internacional de processo de gestão de ética e responsabilidade social, tomando como base fundamental o processo de engajamento de stakeholders (planning, accounting, auditing and reporting, embedding, e stakeholder dialogue). Ela objetiva legitimar a empresa como sendo socialmente responsável, tornando as informações divulgadas ao público mais confiáveis, possibilitando ainda, o gerenciamento de riscos potenciais em relação a cada stakeholder e a melhoria do relacionamento da empresa com seus diferentes públicos. A norma AA1000 foi lançada em 1999, pelo Institute of Social and Ethical Accountability (ISEA), organização não governamental criada em 1995, para promover inovações que contribuam para

104

informarem sobre sua atuação e assumirem efetivamente as conseqüências pelos atos praticados no exercício de seus mandatos; d) Responsabilidade corporativa ou sustainability - consiste em adotar condutas visando a sustentabilidade empresarial (econômica, social e ambiental) e a perenidade das organizações a longo prazo. Responsabilidade Corporativa é uma visão mais ampla da estratégia empresarial, contemplando todos os relacionamentos com a comunidade em que a sociedade atua. A "função social" da empresa deve incluir a criação de riquezas e de oportunidades de emprego, qualificação e diversidade da força de trabalho, estímulo ao desenvolvimento científico por intermédio de tecnologia, e melhoria da qualidade de vida por meio de ações educativas, culturais, assistenciais e de defesa do meio ambiente. Inclui-se neste princípio a contratação preferencial de recursos (trabalho e insumos) oferecidos pela própria comunidade (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2004, p. 09-10).

Além desses princípios, Lodi (2000, p. 19) acrescenta a obediência e o

cumprimento das leis do país como princípio de governança corporativa. Nesse

sentido, verifica-se nos princípios da OCDE a necessidade de conformidade com o

princípio do primado do direito ou compliance156, que de forma mais abrangente

exige, além do cumprimento das obrigações legais, o cumprimento de regulamentos

específicos do setor da atividade empresarial e de diretivas internas da organização.

Com relação à ética empresarial157, ela deve estar presente em todas as

atividades desenvolvidas pela organização.

Os princípios de governança corporativa precisam ser efetivados e

implementados em políticas corporativas, decisões e posturas das empresas (na

cultura organizacional e cadeia produtiva), pois são ferramentas estratégicas de

apoio à governança e à gestão empresarial.

Entretanto, a grande importância atribuída à efetividade de valores e

princípios de governança é fenômeno atual, atribuído ao impacto da descoberta de

ilícitos administrativos (fraudes) em grandes companhias dos Estados Unidos (como

a Enron158 e WorldCom159)160, que ocasionaram uma verdadeira “reforma de todo o

práticas responsáveis de negócio em empresas, na sociedade civil e em organizações públicas (mais informações podem ser obtidas no site <www.accountability.org.uk>). 156 Nesse sentido, basta verificar a definição de compliance no Oxford Advanced Learner's Dictionary: “the practice of obeying rules or requests made by people in authority” (HORNBY, 2003, p. 247). 157 Arruda, Whitaker e Ramos (2001, p. 42) explicam que “a ética é a parte da filosofia que estuda a moralidade dos atos humanos, enquanto livres e ordenados a seu fim último”. Trata-se de distinguir se os atos são bons ou maus num determinado espaço e tempo. Assim, considerando que as empresas são formadas e impulsionadas por pessoas, enfatizando o caráter pessoal, pode-se considerar uma organização ética quando seus executivos e empregados “forem pessoas que tentam viver de modo total a integridade das virtudes morais” (prática denominada pelos autores de ética da virtude e liderança (ARRUDA; WHITAKER; RAMOS, 2001, p. 70)). 158 A Enron, uma das maiores empresas dos Estados Unidos, atuante no setor de energia elétrica, mesmo tendo exibindo bons resultados financeiros (lucros), acabou pedindo falência no final de 2001. A empresa utilizou-se de brechas na legislação contábil e conseguiu manipular informações de

105

sistema de controle de gestão empresarial”, com destaque para a Sarbanes-Oxley

Act of 2002 (também conhecida como Sarbox ou SOX), elaborada por Paul

Sarbanes e Michael Oxley, e promulgada nos Estados Unidos em julho de 2002, que

é tida como marco referencial da exigência legal de melhores práticas de

gestão/governança e ética nos negócios nos Estados Unidos, e conseqüentemente,

em todas as companhias que negociam ações na bolsa de valores do país, mesmo

as estrangeiras.

A Lei Sarbanes-Oxley tornou obrigatórias regras de governança corporativa e

instituiu responsabilidade para os administradores, destacando a necessidade dos

controles internos161 a serem executados pela alta diretoria, conselho de

administração e outros colaboradores da empresa (inclusive advogados

contratados), a fim de garantir, entre outros, exatidão, transparência e confiabilidade

maneira tal, que conseguiu esconder de seus balanços milhões de dólares em empréstimos (os lançamentos contábeis dos empréstimos não estavam sendo feitos na conta de empréstimos de longo e curto prazo). As irregularidades nos balanços foram descobertas a partir de outubro de 2001, quando a empresa informou que havia exagerado em quase US$ 600 milhões os lucros apresentados nos balanços dos cinco anos anteriores. Essa informação gerou dúvidas quanto à capacidade da empresa de honrar seus compromissos, e o valor de suas ações caiu muito na Bolsa de Nova Iorque (o valor das ações passou de US$ 80,00 para US$ 0,01 em janeiro de 2002). O pedido de falência da empresa foi feito no início de dezembro de 2001. Muito questionado foi o papel dos consultores e ao mesmo tempo auditores independentes da Enron, integrantes da Arthur Andersen, que estiveram envolvidos com a manipulação das informações contábeis, e na verdade, deveriam ter sido aqueles que indicariam os riscos que estavam envolvidos nos investimentos realizados naquela empresa (GONÇALVES, 2002, p. 106). 159 O escândalo contábil da WorldCom, que ficou conhecido em 2002, com o seu pedido de falência, foi devido à manipulação ou “ajustes” nos livros contábeis, que não informaram um débito de US$ 11 bilhões, a fim de apresentar resultados mais favoráveis para os analistas e acionistas. O ex-chefe do setor financeiro da empresa, Scott Sullivan, admitiu ter feito os ajustes por ordem do fundador e então presidente da empresa, Bernie Ebbers. Este foi considerado culpado por sete acusações de falsificar documentos, e condenado a vinte e cinco anos de prisão por fraude e formação de quadrilha, em 2005. Scott Sullivan, que se declarou culpado das acusações de conspiração e fraude, também foi condenado em 2005, mas a cinco anos de prisão. A WorldCom saiu do estado de falência em 2004, e agora se chama MCI. 160 Os acontecimentos justificaram ainda mais a necessidade de cumprimento do princípio IV da OCDE sobre governança corporativa, que considera função essencial do órgão de administração “assegurar a integridade dos sistemas de contabilidade e de informação financeira da sociedade, incluindo a auditoria independente, bem como o funcionamento de sistemas de controle apropriados, em especial os sistemas de controle do risco, de controle financeiro e operacional, e o cumprimento da lei e das normas aplicáveis” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2004, p. 25). 161 O controle interno integra o gerenciamento de riscos corporativos. Em 1992, o COSO publicou o Internal Control – Integrated Framework, que estabeleceu uma estrutura de controles internos e forneceu ferramentas para avaliação destes. O Internal Control – Integrated Framework definiu o controle interno como “um processo conduzido pelo conselho de administração, pela administração e pelo corpo de empregados de uma organização, com a finalidade de possibilitar uma garantia razoável quanto à realização dos objetivos [operacionais, relatórios financeiros e compliance] nas seguintes categorias: eficácia e eficiência das operações; confiabilidade das demonstrações financeiras; conformidade com leis e regulamentos cabíveis” (COMMITEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMISSION, 2007, p. 119).

106

dos relatórios financeiros e atos da administração, e também o cumprimento de leis

e regulamentos.

A Lei focalizou um objetivo bem amplo, abrangendo a responsabilidade de todos os órgãos da companhia, desde o presidente e a diretoria, até as auditorias e os advogados contratados. Para tanto, adotou normas rígidas de governança corporativa, procurando assegurar maior transparência nas informações, mais independência aos órgãos de auditoria e confiabilidade aos resultados, mediante a imposição de controle mais rigoroso às auditorias e sanções severas contra as fraudes societárias (SOUZA, 2005, p. 14-15).

A Lei Sarbanes-Oxley também criou a Public Company Accounting Oversight

Board – AOB, uma comissão oficial para análise geral das demonstrações

financeiras, sob a supervisão da SEC (Securities Exchange Commission -

equivalente à Comissão de Valores Mobiliários no Brasil), com poderes para

fiscalizar e sancionar atos ilícitos dos auditores. Foi limitada a atuação dos auditores

independentes, proibindo a prestação de serviços de consultoria às empresas

auditadas (em razão da suspeição do auditor), ou a empresas cujo qualquer membro

da administração tenha sido empregado da auditoria até um ano antes da

contratação dos serviços (SOUZA, 2005, p. 15).

Também foram estabelecidos na seção trezentos e sete162 da Sarbanes-

Oxley Act of 2002, padrões de conduta profissional para os advogados contratados

pelas companhias, que passaram a ter a obrigação de informar ao diretor jurídico ou

ao diretor executivo qualquer indício de fraude ou violação das leis do mercado

acionário por parte da empresa e seus administradores e, ainda, caso não sejam

tomadas providências por estes, instituiu-se a obrigação do advogado comunicar o

fato ao comitê de auditoria163 (ou outro comitê) do conselho de administração ou

para o próprio conselho de administração (SOUZA, 2005, p. 16).

162 “Sec. 307. Not later than 180 days after the date of enactment of this Act, the Commission shall issue rules, in the public interest and for the protection of investors, setting forth minimum standards of professional conduct for attorneys appearing and practicing before the Commission in any way in the representation of issuers, including a rule: 1. requiring an attorney to report evidence of a material violation of securities law or breach of fiduciary duty or similar violation by the company or any agent thereof, to the chief legal counsel or the chief executive officer of the company (or the equivalent thereof); and 2. if the counsel or officer does not appropriately respond to the evidence (adopting, as necessary, appropriate remedial measures or sanctions with respect to the violation), requiring the attorney to report the evidence to the audit committee of the board of directors of the issuer or to another committee of the board of directors comprised solely of directors not employed directly or indirectly by the issuer, or to the board of directors” (UNITED STATES, 2002). 163 As empresas brasileiras com títulos negociados na Bolsa de Valores de Nova Iorque (a quem a Lei Sarbanes-Oxley também se aplica) requereram, com o apoio da CVM, a dispensa da exigência de

107

Diante dessas breves considerações sobre a SOX, pode-se afirmar que uma

das grandes mudanças trazidas pela lei foi a exigência de todos os procedimentos

internos estarem rigorosamente descritos e documentados (exigência legal de uma

política de controles internos nas empresas), e a punição severa para fraudes (com

o objetivo de reduzi-las, bem como ao risco).

No Brasil, a reforma da Lei de Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404, de 15 de

dezembro de 1976), pela Lei n.º 10.303, de 31 de outubro de 2001 (incorporação

expressa de alguns princípios de governança corporativa no texto legal), anterior à

SOX, também promoveu um avanço nos padrões de governança, tendo sido

resultado da necessidade de adaptação da lei à nova conjuntura social, histórica e

econômica164 165.

criação do comitê de auditoria, e a proposta foi aceita pela Securities Exchange Commission em abril de 2003, entretanto, a função do Comitê de Auditoria exigido pela SOX foi atribuída ao Conselho Fiscal (SOUZA, 2005, p. 17). 164 Lembre-se que tanto a ética como a boa-fé, já eram tratadas como princípios gerais do direito (embora não enunciadas expressamente) - informadores do sistema jurídico. Da mesma forma, a transparência e a eqüidade também constituíam princípios gerais no direito societário, antes de serem invocados pelos códigos de boa gestão empresarial. Por isso, pode-se afirmar que esses princípios são pré-existentes ao movimento da governança corporativa, ou seja, são princípios gerais do direito (SOUZA, 2005, p. 89). Nesse sentido, basta relembrar que mesmo antes da alteração da Lei nº. 6.404/76, em 2001, já estava previsto no art. 116, parágrafo único, o dever da empresa de cumprir sua função e assumir sua responsabilidade social (BRASIL, 1976). 165 O Novo Mercado, criado pela Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), constitui uma seção especial de listagem da bolsa de valores na qual só podem ser negociadas ações de empresas que se comprometem (contratualmente) a implantar regras (mais rigorosas do que as previstas em lei) referentes à governança corporativa e proteção aos investidores. A par desse segmento, foram estabelecidos dois níveis diferenciados de governança corporativa (Nível 1 e Nível 2), para as empresas que, embora ainda não se disponham a aderir ao Novo Mercado, pretendam melhorar suas relações com o mercado investidor.

108

3.2.3 Risco empresarial: histórico, definição e cla ssificações

A gestão de riscos corporativos é um processo pró-ativo que faz parte da

estratégia do planejamento, no qual se procura organizar os riscos e gerenciá-los a

fim de evitar que causem prejuízos aos interesses sociais. A compreensão de

aspectos básicos da gestão de riscos é, assim, um pressuposto para que se possa

compreender a auditoria jurídica.

3.2.3.1 Breve histórico sobre o risco

Conforme Bernstein (1997, p. 216), até a Primeira Guerra Mundial, os

economistas clássicos haviam definido a economia como um sistema sem riscos,

que sempre produzia resultados ótimos, ou seja, a estabilidade estava garantida e a

economia jamais sofreria desemprego involuntário ou lucros desapontadores, exceto

durante breves períodos de ajuste. Embora as empresas e os investidores

individuais corressem riscos, a economia como um todo estava livre deles.

Essa idéia da economia como um sistema sem riscos teve que ser alterada a

partir da industrialização, e hoje não se concebe mais. O que se procura na

atualidade são as melhores formas de gerenciar ou administrar os riscos nas

organizações.

Convém ressaltar, conforme Bernstein (1997, p. 06), que embora a noção de

economia como um sistema com riscos seja posterior à Primeira Guerra Mundial, as

ferramentas utilizadas na administração do risco e na análise das decisões e opções

em situação de risco resultam das evoluções ocorridas entre 1654 e 1760, com

exceção da noção de regressão à média (1875 – Francis Galton) e diversificação de

investimentos (1952 – Harry Markowitz).

A teoria da decisão, ou seja, saber o que decidir quando é incerto o que vai

acontecer, teria surgido das respostas que Blaise Pascal tentou dar,

aproximadamente em 1660, à pergunta a respeito da existência ou não de Deus.

Conforme explica Bernstein, a crença em Deus não é uma decisão, ou se acredita

109

ou não se acredita. A decisão está em como a pessoa vai agir, porque as

conseqüências dos dois resultados são diferentes:

Caso Deus não exista, será indiferente se você levar uma vida devota ou pecaminosa. Mas suponha que Deus exista. Então, se você apostar contra a existência de Deus, recusando-se a viver uma vida de devoção e sacramentos, correrá o risco da danação eterna; o vencedor da aposta de que Deus existe tem a possibilidade da salvação. Como a salvação é claramente preferível à danação eterna, a decisão correta é agir com base na existência de Deus. ‘Para que lado nos inclinaremos?’ A resposta era óbvia a Pascal (BERNSTEIN, 1997, p. 68-69).

A definição de risco conforme é compreendida atualmente foi concebida por

Frank Knight e John Maynard Keynes.

A ‘dissertação doutoral’ de Frank Knight, publicada em 1921, Risk, uncertainty

and profit (Risco, incerteza e lucro), é a primeira obra a tratar da teoria da decisão

(diferencia risco de incerteza). Frank Knight rompe com a doutrina econômica

clássica ao afirmar que o raciocínio a priori não consegue eliminar a indeterminação

do futuro:

Os dirigentes de empresas regularmente extrapolam do passado para o futuro, mas com freqüência deixam de reconhecer quando as condições estão começando a mudar de mal para melhor ou de melhor para pior. Eles tendem a identificar momentos críticos somente depois de ocorrido o fato. Se eles fossem melhores em detectar mudanças iminentes, as mudanças abruptas de rentabilidade tão comuns jamais ocorreriam. A predominância da surpresa no mundo dos negócios indica que a incerteza tende mais a prevalecer do que a probabilidade matemática (BERNSTEIN, 1997, p. 220).

John Maynard Keynes, em sua obra The general theory of employment,

interest and money, focalizou o dinheiro e os contratos para demonstrar que a

incerteza, e não a probabilidade matemática, seria o paradigma dominante do

mundo real. Explica que o desejo de liquidez e de consolidar arranjos futuros

mediante acordos com força legal demonstram o predomínio da incerteza na tomada

de decisões pelas pessoas, que não estão dispostas apenas a aceitar a orientação

da freqüência matemática de eventos passados (BERNSTEIN, 1997, p. 228).

A crítica de Bernstein a essas concepções de Frank Knight e John Maynard

Keynes é que os modelos de administração de riscos estão fundados em ‘dados’ do

passado, entretanto, estes raramente revelam quando ocorrerá uma turbulência no

futuro (risco). Assim, não é possível traçar um quadro futuro perfeito, e é exatamente

nessas brechas de imperfeição que os grandes danos podem acontecer.

110

3.2.3.2 Definição de risco

Risco comumente é definido como a possibilidade de algo não dar certo, ou

de um imprevisto mudar o rumo dos acontecimentos.

No dicionário da língua portuguesa encontra-se a seguinte definição de risco:

Risco. 1. Perigo ou possibilidade de perigo. 2. Situação em que há probabilidades mais ou menos previsíveis de perda ou ganho como, p. ex., num jogo de azar, ou numa decisão de investimento. 3. Em contratos de seguros, evento que acarreta o pagamento de indenização (...) (FERREIRA, 1999, p. 1772).

De acordo com a definição acima, verifica-se que o termo não está ligado

apenas a situações de perda, às quais normalmente é mais vinculado, mas também

a oportunidades (possibilidades de ganho). Também cumpre ressaltar a

previsibilidade das probabilidades futuras, o que distingue o risco da incerteza, na

concepção administrativa.

Frank Knight fez a distinção entre risco e incerteza, no sentido de que no risco

a distribuição do resultado num grupo de casos é conhecida (através do cálculo a

priori ou das estatísticas da experiência passada), enquanto que no caso da

incerteza isso não ocorre, pois a situação que se enfrenta é singular. Assim, a

incerteza se refere às situações em que não se conhece a distribuição de

probabilidade dos resultados, e o risco se refere às situações em que se podem

estabelecer os possíveis resultados e suas respectivas probabilidades de ocorrência

(BERNSTEIN, 1997, p. 220).

Gonçalves cita em seu artigo o conceito de risco de Philippe Jorion: “é a

volatilidade de resultados inesperados” (JORION, 1998, p. 03166, apud

GONÇALVES, 2002, p. 104). Portanto, os riscos, na concepção administrativa,

nunca podem ser totalmente eliminados.

De acordo com Bernstein (1997, p. 08), “a palavra ‘risco’ deriva do italiano

antigo risicare, que significa ‘ousar’. Neste sentido, o risco é uma opção, e não um

destino”.

166 JORION, Philippe. Value at risk . São Paulo, BM&F: 1998.

111

Com relação à definição de risco, deve haver a possibilidade de perda de algo

valioso, e de que quem toma a decisão possa agir de forma a aumentar ou diminuir

a probabilidade do dano, a partir de sua escolha.

A possibilidade de escolha na tomada de decisões, considerando o risco,

pode gerar mais riscos, mas também pode gerar oportunidades. O Committee of

Sponsoring Organizations of the Treadway Commission, no Sumário Executivo

sobre o Gerenciamento de Riscos na Empresa167 (2007, p. 16), assim define risco e

oportunidade:

O risco é representado pela possibilidade de que um evento ocorrerá e afetará negativamente a realização dos objetivos. Oportunidade é a possibilidade de que um evento ocorra e influencie favoravelmente a realização dos objetivos.

Assim, o conceito atual de risco (sob o ponto de vista administrativo) envolve

a quantificação e qualificação das possibilidades/probabilidades com relação ao

rumo dos acontecimentos planejados, tanto no que diz respeito a perdas como aos

ganhos.

A identificação dos riscos, a capacidade de administrá-los e assim, de tomar

decisões conscientes, a fim de prever o futuro e influenciá-lo no presente,

ponderando sobre as conseqüências das condutas possíveis, é um poderoso

instrumento de gestão de empresas a favor do desenvolvimento.

Conforme Ayala e Leite (cuja visão jurídica também contribui para o

entendimento):

o conceito de risco evoca necessariamente as noções de probabilidade, de cálculo, de controle estatístico de expectativas, mas, sobretudo, de normalização das contingências por meio de mecanismos que permitam diminuir a incerteza que qualifica os efeitos das decisões, de modo que é possível argumentar que o que se procura, em última análise, é submeter ao controle o próprio futuro (AYALA; LEITE, 2004, p. 14).

Dessa forma, as empresas buscam gerenciar seus riscos, algumas de forma

mais agressiva (assumindo mais riscos), outras de forma mais conservadora

(assumindo menos riscos), expondo-se de maneira estratégica e esforçando-se para

obter diferenciação no seu mercado de atuação, e também, vantagem competitiva

(GONÇALVES, 2002, p. 103).

167 A estrutura COSO é um dos modelos de controles internos que pode ser utilizado pelas empresas.

112

3.2.3.3 Algumas classificações de risco

De acordo com Cocurullo e Vanca (2002, p. 02), o Instituto Americano de

Contadores Públicos Certificados – Auditores Independentes (American Institute of

Certified Public Accountants - AICPA), classificou os riscos empresariais em três

grupos:

− Riscos relacionados ao ambiente empresarial – Ameaças no ambiente empresarial em que a companhia opera, como os riscos decorrentes da atuação da concorrência, riscos políticos, riscos legais ou decorrentes de situação regulatória, riscos financeiros e riscos de mudanças na demanda. − Riscos relacionados a processos de negócios e seus ativos – Ameaças a processos de negócios-chaves e perdas de ativos físicos, financeiros e outros. − Riscos relacionados com informações – Ameaças decorrentes da má qualidade das informações para o processo de tomada de decisões e para o fornecimento de informações a terceiros (COCURULLO; VANCA, 2002, p. 02).

Destacam os autores que os diferentes tipos de riscos alteram suas

características em função do ambiente empresarial da empresa e das suas

características operacionais. Em razão da categoria e relevância dos riscos,

Cocurullo e Vanca recomendam outra classificação, em seis tipos de riscos: riscos

relacionados à estratégia de gerenciamento da empresa; riscos financeiros; riscos

relacionados à tecnologia da informação; riscos operacionais; riscos de

conformidade; e riscos relacionados ao meio ambiente. Transcreve-se a definição e

os comentários sobre os dois últimos tipos de risco:

− Riscos de Conformidade – Riscos associados com a habilidade da organização de cumprir com normas reguladoras, legais e exigências fiduciárias. A não-conformidade com normas, tanto legais como relacionadas apenas às melhores práticas, pode gerar riscos, tanto financeiros como de perda de imagem (marcas e produtos) e, portanto, impactar negativamente o resultado das companhias. Áreas de potencial não-conformidade, que geram riscos, podem estar, p. ex., relacionadas a normas legais e tributárias, normas e práticas ambientais, exigências de consumidores ou do mercado, expectativas da Sociedade e expectativas dos funcionários ou vizinhos. − Riscos relacionados ao meio ambiente – Riscos relacionados à gestão inadequada de questões ambientais, com efeitos tipo contaminação decorrente da disposição inadequada de resíduos sólidos. As contingências relacionadas a este tipo de risco são: necessidades de remediação de áreas degradadas, elevação dos valores pagos a título de prêmio de seguro, indenizações, multas, perda de imagem de produtos ou da marca da companhia, com conseqüente redução do valor das ações da companhia (COCURULLO; VANCA, 2002, p. 03).

113

A Deloitte Touche Tohmatsu adota a classificação dos riscos em quatro

categorias:

− Riscos estratégicos: ocorrências como baixas de demanda do mercado por produtos e serviços da empresa, falhas na reação ao movimento dos concorrentes ou problemas relacionados a fusões e aquisições; − Riscos Operacionais: ocorrências como aumentos dos custos ou problemas na contabilidade causados por falhas em controles internos e na logística; − Riscos financeiros: ocorrências como endividamento elevado, reservas inadequadas para controlar aumentos nas taxas de juros, administração financeira fraca e perdas nas negociações; − Riscos externos: crises vivenciadas pelo setor de atuação da empresa, conjunturas política e econômica, atos terroristas e problemas de saúde pública (DELOITTE TOUCHE TOHMATSU, 2005, p. 02).

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, na minuta do Guia de

Orientação para o Gerenciamento de Riscos Corporativos desenvolvida pelo Sub-

Comitê de Gerenciamento de Riscos Corporativos do Comitê de Finanças e

Contabilidade do IBGC, afirma que não há um tipo de classificação de riscos que

seja consensual e aplicável a todas as empresas, devendo ser desenvolvida de

acordo com as características de cada uma, conforme o setor de atuação.

Entretanto, sugere uma classificação dos riscos em categorias, conforme a origem

dos eventos (em internos ou externos), a natureza (em estratégicos, operacionais ou

financeiros) e a tipificação dos riscos (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA

CORPORATIVA, 2007b, p. 12-15).

Riscos internos são aqueles que decorrem da própria estrutura da empresa,

de seus processos, funcionários ou de seu ambiente de tecnologia. Riscos externos

são aqueles referentes ao ambiente macroeconômico, político, social, natural ou

setorial em que a organização opera.

Riscos estratégicos são aqueles que se referem à tomada de decisão pela

alta administração e podem gerar perda substancial no valor econômico da

organização. Os riscos operacionais decorrem de falhas, deficiências ou

inadequação de processos internos, pessoas e sistemas, assim como de eventos

externos como catástrofes naturais, fraudes, greves e atos terroristas. Os riscos

operacionais geralmente acarretam redução, degradação ou interrupção, total ou

parcial, das atividades, com impacto negativo na reputação da sociedade, além da

potencial geração de passivos contratuais, regulatórios e ambientais. Os riscos

114

financeiros são aqueles associados à exposição das operações financeiras da

organização.

Com relação à classificação dos riscos quanto à tipificação, o IBGC elenca

alguns tipos de risco, como o macroeconômico, o tecnológico, o legal, os riscos

ambientais e os riscos de conformidade. Segue o conceito de risco ambiental e de

risco de conformidade (este engloba o risco legal):

− Ambiental: associado à gestão inadequada de questões ambientais, causando efeitos tais como: contaminação de solo, água ou ar decorrente da disposição inadequada de resíduos, ou levando a acidentes com vazamento de produtos tóxicos. Nesses casos, a empresa vê-se impedida de operar até que a causa do dano ambiental seja remediada, podendo inclusive ser acionada por terceiros em função de lucro cessante, ou tendo que arcar com esforço adicional de reparo de prejuízo causado às comunidades do entorno. Os riscos ambientais não se resumem a catástrofes ou desastres ambientais, mas também ao potencial de efeitos decorrentes do aquecimento global sobre os negócios, que podem inviabilizar novos empreendimentos ou uma expansão da capacidade produtiva. − Conformidade: relacionado à falta de habilidade ou disciplina da organização para cumprir com a legislação e/ou regulamentação externa, aplicáveis ao negócio e às normas e procedimentos internos. Por incluir as normas e procedimentos internos, apresenta um contexto mais amplo do que o tipo de risco mais usualmente citado, o risco legal/regulatório, decorrente da aplicação da legislação trabalhista, tributária, fiscal, referentes a relações contratuais, regulamentação de mercado e de prestação de serviços (INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA, 2007b, p. 14-15).

Ressalta-se a diferenciação que o IBGC faz entre risco legal ou regulatório e

risco de conformidade, no sentido de destacar que este é mais amplo porque se

refere à conformidade não apenas com a legislação (ambiente externo), mas

também com a regulamentação e normas internas (ambiente interno).

Gonçalves (2002, p. 104) também traz uma classificação dos riscos para as

empresas (ressaltando-se a ênfase desse autor para o caso das instituições

financeiras):

− Riscos intrínsecos ao negócio: são aqueles assumidos voluntariamente pela instituição, com o objetivo de delinear sua forma e princípios de atuação; − Riscos externos: resultam de mudança no cenário econômico ou político; − Riscos financeiros: estão relacionados a perdas no mercado financeiro.

115

Dias Filho, Martin e Santos (2004, p. 10-11) trazem em seu artigo a

classificação dos riscos empresariais funcionais em três áreas168: riscos de

propriedade, de processo e comportamentais.

Os riscos de propriedade são aqueles “associados à mobilização, aquisição,

manutenção e disposição dos ativos (com exceção dos ativos humanos)” (DIAS

FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 11).

A maior parte desses riscos é tratada pelo controle de custódia169, e poderia

ser resumida da seguinte forma:

− Riscos de perdas de ativos críticos: riscos de perdas de ativos empresariais ou sob sua responsabilidade (dados em garantia como penhor, hipoteca ou alienação fiduciária), associados a eventos destrutivos originados em causas naturais ou provocados pelo homem. Ainda, devem-se considerar os riscos de perda de intangíveis (conhecimento especializado, experiência, etc.) com a possível saída da empresa das pessoas que os possuíam; − Riscos estratégicos ou externos: riscos que têm origem em forças ambientais (ambiente da empresa) fora do controle da empresa: demandas de clientes ou fornecedores, alterações nas características dos mercados de insumos ou produtos, mudança de regulamentação governamental (regras contra a poluição ambiental ou criação de um novo tributo), surgimento de novas tecnologias, mudanças políticas/econômicas; − Riscos financeiros: são os riscos de mercado (referentes a movimentos desfavoráveis da taxa de juros, de câmbio ou qualquer outro índice de reajuste dos preços de um contrato, bem como os que se referem às dificuldades ou incapacidade de transferir aumentos de custos para o mercado através de preços), os riscos de crédito (referente à incapacidade de um devedor cumprir os termos de seu contrato) e os riscos de liquidez (referente à impossibilidade de liquidar ativos ou de obter financiamentos) (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 11-12).

Os riscos de processo são aqueles “que se originam do uso ou da operação

dos ativos para alcançar os objetivos empresariais” (DIAS FILHO; MARTIN;

SANTOS, 2004, p. 11).

A maior parte desses riscos é tratada pelo controle de desempenho170:

168 Refere-se à tipologia dos riscos empresariais de Olsson (2002) e Young & Tippins (2001). OLSSON, Carl. Risk management in emerging markets : how to survive and prosper. London: Financial Times Prentice Hall, 2002. YOUNG, Peter. C.; TIPPINS, Steven. C. Managing Business Risk : an organization-wide approach to risk management. New York: Amacon Books, 2001. 169 Ao controle de custódia cumpre assegurar que as obrigações legais e contratuais da empresa estão sendo atendidas e seus recursos estão sendo adequadamente conservados e empregados, “sem que ocorram carências de proteção, fraudes, abusos de poder ou desvios dos objetivos” (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 09). Portanto, o ‘custodiador’ de recursos tem uma visão negativa dos riscos, pois estes podem afetar os resultados/patrimônio/ativos/recursos da empresa. 170 O controle de desempenho dos recursos verifica a conformidade deste desempenho com as expectativas dos acionistas e sua percepção dos riscos do negócio (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 09).

116

− Riscos de operação humana: riscos de perdas totais/parciais de recursos associadas a operações ou controles não apropriados dos ativos e direitos da empresa e que têm causas humanas (muitos são também riscos de propriedade); − Riscos de defeitos dos equipamentos ou dos processos: riscos de falhas de funcionamento de máquinas e equipamentos, de software, de sistemas ou de processos de trabalho; − Fraudes e omissões: riscos que se originam em deliberadas falsificações, atividades ilegais, em distorções de informações feitas por empregados, fornecedores, clientes, administradores, etc., em nome da empresa ou contra ela (muitos são também riscos de propriedade e de comportamento) (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 12).

Os riscos comportamentais são aqueles “riscos vinculados à aquisição,

manutenção, utilização e disposição dos ativos empresariais de base humana, entre

as quais se encontra a capacidade de gestão” (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS,

2004, p. 11).

A maior parte desses riscos é tratada pelo controle de desempenho e da

qualidade de informação171, e poderiam ser resumidos em:

− Riscos de insatisfação ou desmotivação: riscos de improdutividade resultante dos processos de seleção, promoção, reconhecimento, treinamento, etc. (esses riscos estão ligados aos riscos de perdas de intangíveis críticos de base humana e aos riscos dos processos executivos); − Riscos da disfuncionalidade dos ambientes de trabalho: riscos a que estão expostos os empregados em razão do ambiente (assédio sexual, violência, pressão excessiva para obter resultados, sabotagem ou roubo de empregados, acidentes de trabalho), e a que estão sujeitas as empresas por permitir que os empregados estejam sujeitos a tais riscos; − Riscos de percepção e julgamento: riscos que têm origem em atitudes, percepções e valores que prevalecem em certos grupos influentes internos que podem levar a decisões e comportamentos negativos em relação à empresa ou a alguns stakeholders (por exemplo, fraudar demonstrações contábeis para minimizar carga tributária); − Riscos de atitude perante os riscos: são os que resultam de uma demasiada cautela ou de um excesso de temeridade dos administradores em relação aos riscos que cercam a empresa (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 12-13).

A análise da classificação dos riscos, seja qual for o parâmetro adotado, faz

parte do gerenciamento de riscos, ou seja, é uma das fases desse processo.

171 O controle da veracidade e qualidade da informação assegura que não haverá omissão, ocultação, distorção ou atraso na comunicação das informações prestadas pelos administradores (que têm poder de influenciar a produção de tais informações) (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 09).

117

3.2.4 Gestão de riscos empresariais

A atividade econômica compromete recursos presentes para o futuro, e por

isso, assumir riscos está na sua essência. Um importante teorema relativo à

economia (a Lei de Boehm-Bawerk) afirma que os meios de produção existentes só

apresentam melhor desempenho econômico às custas de uma incerteza maior, isto

é, de riscos172 maiores (DRUCKER, 1998, p. 136).

Por isso, economicamente, o desempenho de um empreendedor está

também vinculado à sua capacidade de assumir riscos maiores (melhores

possibilidades de ganho).

Entretanto, quando não é possível eliminar o risco que não traz

oportunidades, é possível reduzi-lo através de um controle ou gestão eficiente. Para

tanto, é necessário compreender os riscos para que se possa escolher

racionalmente entre os diversos caminhos que envolvem a tomada de decisões.

A gestão do risco pode ser entendida como o processo de obtenção de

informações adequadas para conhecer melhor a situação de risco e intervir nela se

necessário, a fim de obter como resultado a melhoria da qualidade das decisões que

implicam na possibilidade de ganhos (incrementar os lucros) ou perdas/danos

(principalmente aquelas que não são suportáveis pela empresa) (GONÇALVES,

2002, p. 103).

Como o risco é uma questão de opção, envolvendo a tomada de decisão, que

pode gerar conseqüências importantes para o futuro das empresas, a decisão deve

ser baseada em critérios coerentes e mensuráveis, surgindo então a necessidade de

medir o risco e gerenciá-lo.

Bernstein define da seguinte maneira gestão de risco:

A essência da administração do risco está em maximizar as áreas onde temos certo controle sobre o resultado, enquanto minimizamos as áreas onde não temos absolutamente nenhum controle sobre o resultado e onde o vínculo entre efeito e causa está oculto de nós (BERNSTEIN, 1997, p. 197).

172 Nesse contexto administrativo e econômico, risco empresarial é compreendido como oportunidade. Mesmo nesse caso, a teoria administrativa entende que é essencial que os riscos assumidos sejam os riscos certos (ou seja, aqueles que não causem perdas), e por isso devem estar controlados.

118

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2004, p. 32), no Código das

Melhores Práticas de Governança Corporativa, item 2.38, sugere às empresas o

gerenciamento de riscos:

2.38. Gerenciamento de riscos O Conselho de Administração deve assegurar-se de que a Diretoria identifique preventivamente – por meio de sistema de informações adequado – e liste os principais riscos aos quais a sociedade está exposta, sua probabilidade de ocorrência, bem como as medidas e os planos adotados para sua prevenção ou minimização.

No Sumário Executivo do Committee of Sponsoring Organizations of the

Treadway Commission (2007, p. 04), o gerenciamento de riscos corporativos é

definido da seguinte forma:

O gerenciamento de riscos corporativos é um processo conduzido em uma organização pelo conselho de administração, diretoria e demais empregados, aplicado no estabelecimento de estratégias, formuladas para identificar em toda a organização eventos em potencial, capazes de afetá-la, e administrar os riscos de modo a mantê-los compatível com o apetite a risco da organização e possibilitar garantia razoável do cumprimento dos seus objetivos.

Se todas as organizações enfrentam riscos, o desafio de seus

administradores é determinar até que ponto estes riscos podem interferir no esforço

para gerar valor às partes interessadas (COMMITTEE OF SPONSORING

ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION, 2007, p. 03), por isso a

gestão de riscos exige o fortalecimento de controles internos.

O Sumário Executivo sobre o Gerenciamento de Riscos na Empresa

(COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY

COMMISSION, 2007) demonstra a relação entre a estrutura de controle interno e a

estrutura do gerenciamento de riscos corporativos, a partir da comparação entre as

categorias de objetivos de cada um.

No controle interno, as categorias de objetivos são “operacionais, relatórios

financeiros e compliance”. Nesse caso, a comunicação relaciona-se com a

confiabilidade das demonstrações financeiras publicadas (COMMITTEE OF

SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION, 2007, p.

119).

Já no gerenciamento de riscos corporativos, os objetivos são semelhantes:

“operacionais, de comunicação e de compliance”. Mas no que se refere à

comunicação, foi ampliada para envolver todos os relatórios desenvolvidos pela

119

organização, divulgados interna ou externamente, sobre as informações financeiras

e também as não financeiras. Ainda, foi adicionada uma nova categoria de objetivos,

os estratégicos, que decorrem da missão ou da visão da organização (COMMITTEE

OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION, 2007,

p. 119-120).

O gerenciamento de riscos corporativos é aplicado para se definir a

estratégia, bem como as ações para que os objetivos operacionais, de comunicação

e de compliance sejam alcançados. Assim, a estrutura de gerenciamento de riscos

corporativos introduz os conceitos de apetite a riscos (a quantidade de risco que

uma empresa está disposta a aceitar na busca de sua missão/visão) e de tolerância

a risco (“são os níveis aceitáveis de variação referentes à realização dos objetivos”).

A fixação das tolerâncias a riscos propicia à administração maior garantia de que

será respeitado o apetite a riscos estabelecido, e que os objetivos corporativos serão

concretizados (COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE

TREADWAY COMMISSION, 2007, p. 120). Trata-se, portanto, de uma forma efetiva

de controle da organização.

Um dos modelos de controle interno – gestão de riscos - amplamente utilizado

pelas organizações é o elaborado pelo COSO, que inter-relaciona oito componentes

para o gerenciamento da organização: “ambiente interno, fixação dos objetivos,

identificação de eventos, avaliação de riscos, resposta a risco, atividades de

controle, informações e comunicações, e monitoramento” (COMMITTEE OF

SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION, 2007, p.

22).

Esses oito componentes também são relacionados com as quatro categorias

de objetivos (operacionais, de comunicação, de compliance/conformidade, e

estratégicos), formando a matriz tridimensional, conforme a Figura 2, abaixo:

120

Figura 2 – Matriz tridimensional da gestão de riscos Fonte: Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (2007, p. 23).

A partir da visualização dessa matriz tridimensional, fica simples a

compreensão da inter-relação estabelecida entre os componentes do gerenciamento

de riscos, as categorias de objetivos das empresas e a estrutura da organização.

Brandão ilustra bem a relação da gestão de riscos com os diversos aspectos

das organizações (outros ciclos de gestão), conforme se verifica na Figura 3:

Figura 3 – Gestão de riscos no setor de energia173 Fonte: Brandão (2006, p. 02)

173 Ressalta-se que este quadro refere-se ao gerenciamento de riscos de empresa do setor de energia.

121

Quanto à estruturação da gestão de riscos, Paulo Vanca, da

PricewaterhouseCoopers, formulou em 2005 um quadro de questionamentos que

auxilia na sua compreensão:

Figura 4 – Gestão da sustentabilidade corporativa Fonte: Vanca (2004, p. 07)

Um setor que já incorporou a gestão de riscos com regulamentação sobre o

assunto foi o setor financeiro. As instituições financeiras têm se deparado com vasta

regulamentação que trata da imposição de controle e mensuração de riscos no

âmbito internacional, através do Bank for International Settlements - BIS174, e com

reflexo no âmbito nacional, através das Resoluções do Conselho Monetário Nacional

174 O Bank for International Settlements – BIS é uma instituição internacional, com sede na Basiléia, na Suíça, “que procura promover a cooperação dos bancos centrais e das agências financeiras. O BIS serve como um fórum de discussão e de coordenação de políticas monetárias e financeiras”. É formado por diversos países como Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Os representantes dos bancos centrais dos países que compõem o BIS integram o Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia, responsável pela promulgação das exigências de adequação de capital dos Bancos Comerciais (GONÇALVES, 2002, p. 104). O Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia tem origem no Acordo da Basiléia, firmado em 15 de julho de 1988, “com o objetivo de proporcionar condições equilibradas aos bancos comerciais, estabelecendo um padrão mínimo de capital aplicável a todos os países-membros”.

122

– CMN175, e das circulares do Banco Central do Brasil – BACEN176 (GONÇALVES,

2002, p. 104).

Com referência a uma pesquisa feita no setor empresarial, no período

compreendido entre 1994 a 2003, a Deloitte Touche Tohmatsu (2005), considerando

apenas o grupo das cem empresas que sofreram as maiores perdas de valor das

suas ações no mercado, concluiu que oitenta por cento delas foram expostas a mais

de um tipo de risco.

Para compreender as causas dessas perdas, a Deloitte Touche Tohmatsu

(2005) examinou informações contidas em documentos públicos, notícias veiculadas

pela imprensa e informações de analistas que trataram desse grupo de empresas, e

identificou os eventos que mais contaram para as variações nos preços das ações,

que caracterizaram vinte e nove fatores de risco, classificados em quatro categorias,

assim distribuídos: oito riscos estratégicos, oito riscos operacionais, quatro riscos

financeiros e nove riscos externos177.

Os vinte e nove riscos identificados demonstraram a necessidade de

fortalecimento da gestão de riscos aliada às práticas inerentes à governança

corporativa, o que requer a adoção das seguintes condutas:

a) Gerenciar o inter-relacionamento dos riscos: a empresa precisa adotar uma gestão integrada de riscos para identificar e administrar as correlações entre todos os riscos aos quais ela está exposta; b) Alimentar uma forte cultura ética: a administração da empresa tem que criar uma cultura que enfatize a importância da cultura ética, o controle de qualidade e o gerenciamento de risco. Incentivos de remuneração devem ser alinhados com a criação de valores em longo prazo e com a proteção à marca; c) Fornecer informações em ‘tempo real’: a empresa precisa implantar sistemas de informações internos e mecanismos de comunicação para assegurar que a Diretoria Executiva e o Conselho de Administração

175 O Conselho Monetário Nacional estabelece, entre outras determinações, as condições de acesso das empresas ao Sistema Financeiro Nacional, o valor mínimo de capital e patrimônio líquido ajustado (e a fórmula do seu cálculo), que deve ser ajustado com o grau de risco das operações ativas das instituições financeiras. Também determina sobre limites de diversificação de risco por cliente (Resolução n.º 2.474, de 26/03/1998), e sobre a implementação de sistema de controles internos (Resolução n.º 2.554, de 24/09/1998). Quanto aos controles internos, Gonçalves (2002, p. 108) explica que eles “têm sido um mecanismo para a redução das possibilidades de fraude, apropriação indébita e erros. [...] Os controles internos consistem de cinco elementos inter-relacionados: 1. a visão gerencial e a cultura de controle; 2. o reconhecimento e a avaliação de risco; 3. as atividades de controle e a segregação de responsabilidades; 4. a informação e a comunicação; 5. as atividades de monitoração e correção de deficiências”. 176 O Banco Central estabelece procedimentos de implementação do Sistema Central de Risco de Crédito. 177 Estes riscos serão tratados de forma pormenorizada no capítulo quatro, que trata da auditoria jurídica.

123

recebam informações corretas, em tempo real, sobre as causas e os impactos financeiros, bem como as possíveis soluções para os problemas; d) Enfrentar os riscos com baixa freqüência e alto impacto: a empresa deve empregar ‘testes de estresse’ para assegurar que os controles internos e os planos para a continuidade dos negócios poderiam resistir a um evento de alto impacto ou, pelo menos, que pudessem dar flexibilidade para responder rapidamente a cenários adversos (DELOITTE TOUCHE TOHMATSU, 2005, p. 08).

A Deloitte Touche Tohmatsu (2007, p. 01-02) realizou também um estudo

sobre a conscientização das empresas com relação à gestão dos riscos não-

financeiros, e em seu resultado foram constatadas as seguintes preocupações (com

indicação do percentual de indicações por assunto):

a) em conhecer e prevenir os impactos ocasionados à sua reputação (49%);

b) com as crescentes influências criadas pelas expectativas e exigências do

consumidor (39,5%);

c) referentes à competitividade global (37,5%); e

d) com questões regulatórias e ambientais (32,5%).

3.2.4.1 Fases da gestão de riscos empresariais

O quadro de Cocurullo e Vanca, na figura 5, abaixo, é um modelo que

esclarece quanto à estrutura da gestão de riscos:

124

Figura 5 – Infra-estrutura de gestão de riscos Fonte: Cocurullo; Vanca (2003, p. 14)

De acordo com Dias Filho, Martin e Santos (2004, p. 13), o gerenciamento de

riscos engloba as seguintes etapas178: identificação, classificação e avaliação dos

riscos, e estimativa dos possíveis impactos179.

Para os autores, a gestão de riscos começa com a identificação dos riscos a

que os ativos e as atividades da empresa estão expostos, o que muitas vezes é feito

por consultores externos especializados ou pelo concurso de executivos das

diferentes áreas funcionais de uma empresa (inclusive do setor ou departamento

jurídico, se houver). Questiona-se o que pode acontecer, quando, onde, como e por

quê.

Depois de identificados os riscos, eles devem ser classificados, considerando-

se o grau de importância, o que varia no tempo e espaço.

A avaliação dos riscos é a etapa seguinte, na qual se procura conhecer a

probabilidade da ocorrência de cada risco e determinar as conseqüências que sua 178 Ressalta-se que a primeira fase, de identificação de riscos, pressupõe que já estejam contextualizados os ambientes externo e interno, desenvolvidos critérios e definida a estrutura para o gerenciamento dos riscos. 179 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2007b), na minuta do Guia de Orientação para o Gerenciamento de Riscos Corporativos, também sugere as fases no gerenciamento de riscos: avaliação, mensuração, tratamento, monitoramento e informação dos riscos.

125

materialização poderá causar nos ativos empresariais e na sua capacidade de

produzir resultados. Existem escalas e métodos para medir numericamente os

riscos, entretanto, na maioria das empresas e para a maior parte dos riscos, as

avaliações são feitas de forma qualitativa e subjetiva, mesmo quando são utilizados

aparatos numéricos (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 13).

Ressalta-se a importância, na avaliação dos riscos, de estimar a freqüência

esperada da sua ocorrência, pois existem riscos extremos que, não obstante tenham

uma probabilidade baixa de ocorrer, se efetivados, podem ter repercussões tão

graves que sua materialização impediria que a empresa continuasse a funcionar

normalmente como uma entidade produtiva. Portanto, é preciso comparar os riscos

com critérios e estabelecer prioridades (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p.

14).

Depois de avaliados os riscos, é preciso estimar individualmente o seu

possível impacto sobre a capacidade da empresa de obter os resultados esperados

ou os impactos diretos sobre os recursos mobilizados e aplicados.

Com o resultado final das avaliações é preparado um mapa geral de controle

de riscos da empresa. Esse quadro é importante para que a governança conheça e

avalie a totalidade dos riscos que cercam a organização, as probabilidades de sua

ocorrência e a gravidade do seu impacto sobre o patrimônio empresarial. A partir de

então, é possível estabelecer as formas de tratamento dos riscos (DIAS FILHO;

MARTIN; SANTOS, 2004, p. 14).

Na prática, a eliminação total dos riscos é impossível. Nesse contexto, a

elaboração de um mapa de riscos apóia a escolha de prioridades e o direcionamento

de esforços, com o intuito de que se possa minimizar os eventos que possam afetar

adversamente, e maximizar aqueles que possam trazer benefícios para a empresa.

Conforme explicam Dias Filho, Martin e Santos (2004, p. 14), a disposição

particular do mapa de riscos numa determinada data gera um perfil de risco que,

juntamente com as estimativas de suas prováveis tendências futuras, são os

instrumentos básicos usados pela governança para elaborar diretrizes para a

administração dos riscos.

Depois de avaliados e mensurados, deve-se definir qual o tratamento que

será dado aos riscos e como os mesmos deverão ser monitorados e informados às

diversas partes interessadas.

126

3.2.4.2 Técnicas de gestão de riscos empresariais

Dias Filho, Martin e Santos (2004, p. 15), explicam que de acordo com as

diretrizes e limites fixados pela governança corporativa, os gestores irão escolher as

técnicas específicas de gestão de risco que serão colocadas em prática, e que

também dependem dos recursos financeiros disponíveis.

Além de poder escolher evitar o risco, decidindo-se não continuar a atividade

que o gera, as técnicas possíveis de sua gestão são:

− Diversificação: distribuição do risco entre um número mais amplo de ativos de modo a reduzir o risco geral de perdas ou danos sobre eles; − Imunização: formulação de atividades e controles para prevenir, detectar ou conter eventos adversos ou limitar as perdas ligadas a tais eventos; − Compartilhamento180: distribuição de uma parte do risco para outra pessoa física ou jurídica, como, por exemplo, através de uma terceirização; − Neutralização: realização de determinadas operações financeiras, que, no evento de um “sinistro”, geram resultados que possam compensar os prejuízos ocorridos; − Transferência: distribuição de todo o risco para uma terceira pessoa através de um contrato, como, por exemplo, através de um seguro; − Retenção: aceitação181 ativa e consciente de que as perdas ligadas a determinados riscos serão absorvidas total ou parcialmente pelo próprio patrimônio da empresa (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 15).

A decisão sobre quais riscos evitar, quais minimizar, quais assumir e quais

explorar (lembre-se que administrativamente riscos também são oportunidades e

fontes de negócios) é essencialmente uma decisão estratégica (isso do ponto de

vista gerencial, porque juridicamente existem diversos riscos que devem

obrigatoriamente ser evitados), com impactos na forma de atuação e no

posicionamento competitivo.

Em geral, são os administradores que têm o poder de decisão sobre as

técnicas específicas de gestão de risco que serão utilizadas na empresa, respeitado

o perfil de riscos (limites de exposição do patrimônio dos acionistas) fixado pelo

conselho de administração (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 15).

180 Leis ou contratos podem obrigar, proibir ou limitar esse compartilhamento com relação a alguns riscos, lembre-se como exemplo, os casos expressos em lei de responsabilidade solidária (o que, por si só, gera riscos de assumir a responsabilidade pelos danos causados pela outrem). 181 Neste caso, essa aceitação abrange inclusive os riscos que não tenham sido identificados pelo agente.

127

D’Addario sistematiza o processo de gestão de riscos, abordando técnicas

acima mencionadas, conforme a Figura 6, abaixo:

Figura 6 – Gestão de riscos organizacionais182 Fonte: D’Addario (2007, p. 24)

A partir dessa breve exposição sobre a gestão de riscos, pode-se concluir que

ela pode ser aplicada às decisões em diversos níveis das organizações, inclusive

para: o planejamento estratégico, operacional e de negócios (tomada de decisões);

projeto e responsabilidade pelo produto ou serviço; responsabilidade civil de

diretores e gerentes; questões ambientais e também as relativas à segurança

patrimonial, fraude, ética e probidade; gestão de contratos; gestão de recursos

humanos e segurança; conformidade; responsabilidade civil em geral, etc.

Portanto, são muitos os benefícios que o gerenciamento de riscos

corporativos pode acarretar, desde o controle de eventos com o intuito de prevenir

ou minimizar a ocorrência de danos, até a melhoria no planejamento e o

aproveitamento de oportunidades (que passam a ser melhor gerenciadas), o que,

por sua vez, pode trazer benefícios econômicos e de eficiência, melhoria das

182 Risco residual, mencionado por D’Addario (2007, p. 24), é aquele remanescente após serem efetivadas as técnicas de tratamento dos riscos.

128

informações, e melhoria da comunicação e das relações com os stakeholders (e da

reputação da empresa em geral). E todos esses fatores ajudam a prevenir ações de

responsabilidade no âmbito jurídico.

Ainda, a forma como é sistematizada a gestão de riscos empresariais

(controle interno), para a obtenção de informação (correta, suficiente e no tempo

certo), a fim de embasar decisões que estejam em conformidade com os interesses

sociais e as determinações legais e regulamentares do setor de atividade econômica

da empresa, sempre pautadas na ética, demonstra a sua integração com a

governança corporativa.

Essa relação está bem sistematizada na Figura 7, abaixo, por Cocurullo e Vanca:

Figura 7 – Estrutura organizacional de gerenciamento de riscos Fonte: Cocurullo; Vanca (2003, p. 15)

Cocurullo e Vanca elencam alguns benefícios que o gerenciamento de riscos

pode acarretar:

− Redução de perdas por erros, fraudes, incompetência ou práticas não éticas; − Proteção à marca (ao nome); − Fortalecimento da sustentabilidade (perpetuação) da organização;

129

− Identificação e priorização dos “gaps” na implementação de controles; − Aplicação das normas e procedimentos definidos pela alta administração; − Menos surpresas nos negócios; − Aproveitamento de oportunidades com riscos assumidos; − Maior acesso a capital; − Preferência de investidores com pouco apetite a riscos; − Possibilidade de atendimento a requerimento de divulgação de riscos (COCURULLO; VANCA, 2003, p. 16).

Contudo, verificado o que é a gestão de riscos, sua estrutura, sua função e

benefícios, bem como sua relação com a governança corporativa, é preciso

estabelecer, por fim (com relação aos objetivos do presente estudo), suas

implicações para o desenvolvimento sustentável.

3.3 A GOVERNANÇA CORPORATIVA E A GESTÃO DE RISCOS NAS EMPRESAS

COMO FORMA DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A tomada de decisões nas empresas deve incorporar os interesses de todos

aqueles que forem afetados pelas suas atividades, pois dessa forma, ao adotar boas

práticas de governança corporativa, e um processo eficaz de gestão de riscos e

controle interno, evitando que danos ocorram (precaução e prevenção), elas estarão

contribuindo não apenas para sua sustentabilidade (sustentabilidade empresarial),

como também para o desenvolvimento sustentável.

Ocorre que a discussão sobre os interesses sociais (quais interesses

principais devem ser tutelados pelas empresas na tomada de decisões?) não é

assunto pacífico, nem no âmbito administrativo, nem no âmbito jurídico, motivo pelo

qual se apresenta em linhas gerais a contraposição das principais teorias

divergentes e suas implicações, a fim de relacioná-las com a exigência

constitucional do desenvolvimento sustentável da atividade econômica empresarial.

130

3.3.1 A incorporação dos interesses das partes afet adas (stakeholders) como

interesses sociais

3.3.1.1 Análise da Administração: Visão dos stockholders X Visão dos stakeholders

Na teoria da administração, apresenta-se o seguinte questionamento

paradigma: a única responsabilidade dos acionistas e dos administradores de

empresas é incrementar os lucros do empreendimento, ou é necessário também

considerar os interesses dos diversos grupos (clientes, fornecedores, empregados,

comunidade, etc.) afetados pelas suas decisões, e agregar valor para estes?

Este questionamento estende-se à governança corporativa: ela está

relacionada a boas práticas de gestão de empresas e ao poder de controle pelos

acionistas (shareholders ou stockhoders), ou também se refere à relação entre as

empresas e demais partes interessadas (stakeholders)183?

Por isso, no contexto empresarial, surgiram modelos de governança

corporativa diferentes, que podem ser classificados basicamente em dois tipos: o

stockholder ou shareholder - oriented model ou modelo anglo-saxão (cujo objetivo

principal dos administradores é agir em nome dos interesses dos acionistas), e o

stakeholder - oriented model ou modelo nipo-germânico (segundo o qual os

administradores têm a atribuição ética de respeitar os direitos de todos aqueles que

sejam afetados pelas atividades da empresa, não apenas os acionistas) (MACHADO

FILHO, 2006, p. 03).

No modelo anglo-saxão, que prevalece nos Estados Unidos e na Inglaterra,

os objetivos dos administradores estão vinculados aos interesses dos acionistas, ou

seja, a eficiência e o lucro. Assim, é buscado o fortalecimento dos proprietários no

controle e na seleção das estratégias a serem empreendidas, com a finalidade de

maximizar o valor econômico da empresa (valor, riqueza e retorno) (LODI, 2000, p.

10). 183 Machado Filho (2006, p. 03) explica que “stockholders são formados por sócios e acionistas, majoritários e minoritários, detentores dos direitos sobre os lucros do empreendimento”; e que “stakeholders são constituídos, além de pelos próprios stockholders [lembre-se do efeito bumerangue], por funcionários, fornecedores, clientes, consumidores, investidores, comunidades, governos, entre outros agentes que – direta ou indiretamente – afetam a empresa ou são por ela afetados”.

131

Machado Filho (2006, p. 95) informa como características desse modelo de

governança a pulverização relativa das participações acionárias em bolsas de

valores desenvolvidas, que garantem a liquidez das participações a curto prazo, o

que diminui o risco dos acionistas. Nesse contexto, é o mercado (de investidores)

que sinaliza a aprovação ou não da administração societária, através da variação do

preço das ações da empresa, não havendo a necessidade de um monitoramento

direto pelos acionistas.

Exige-se, portanto, um nível elevado de transparência, liquidez e a divulgação

periódica de informações, com sistemas regulatórios rígidos, e efetiva aplicação da

lei (enforcement184) (MACHADO FILHO, 2006, p. 96).

Já no modelo nipo-germânico, que prevalece no Japão, na Alemanha185 e na

maioria dos países da Europa, considera-se que os objetivos empresariais estão

vinculados a um conjunto ampliado de interesses cujo valor não é orientado tão

somente pela eficiência e lucro, mas também pela sustentabilidade e pelo

cumprimento da função social corporativa. Assim, a propriedade acionária é mais

concentrada e com muitas participações de longo prazo (visando a perenidade da

empresa), e o que é priorizado é a geração abrangente de valor (com um amplo

conjunto de indicadores de desempenho), e não a liquidez a curto prazo das ações

(o que caracteriza o caráter especulativo, presente no modelo anglo-saxão)

(MACHADO FILHO, 2006, p. 96-97).

Nesse sentido, há um reconhecimento de que as atividades das empresas

possuem dimensões éticas, econômicas e legais, e os acionistas e administradores

o devem considerar todos esses fatores (MACHADO FILHO, 2006, p. 02).

Verifica-se, portanto, que existe uma diferença de interesses sociais a garantir

e preservar nesses dois modelos de governança corporativa.

184 No Oxford Advanced Learner's Dictionary, o termo enforce significa “to make sure that people obey a particular law ou rule” (HORNBY, 2003, p. 415). 185 “Na Alemanha, berço das teorias institucionalistas, que entendem o interesse social não como a comunhão dos interesses dos sócios, mas como o interesse da própria sociedade (stricto sensu), que é distinto do interesse dos sócios e a estes se sobrepõe, a governança corporativa foi interpretada, desde o início, como um sistema de proteção não só dos minoritários, mas de todas os demais interessados direta ou indiretamente na sociedade anônima (stakeholders), como os fornecedores, clientes, empregados, e também a comunidade a que a empresa serve. Com o alargamento do âmbito da governança corporativa, devem-se conjugar e equacionar os interesses dos acionistas, garantindo-lhes segurança, liquidez e rentabilidade das aplicações, com os interesses dos fornecedores, consumidores e empregados, e da comunidade em que se insere a empresa” (SOUZA, 2005, p. 11-12).

132

O debate quanto aos propósitos corporativos das empresas (adoção do

modelo anglo-saxão ou nipo-germânico) passou a ser discutido a partir da definição

de stakeholders proposta por Edward Freeman186 no artigo The politics of

stakeholder theory: some future directions (MACHADO FILHO, 2006, p. 03).

Ocorre que até então, e de acordo com a vertente clássica, liderada por Milton

Friedman187 (MACHADO FILHO, 2006, p. 04), defensor da visão dos stockholders,

deveriam ser considerados pelos administradores somente os interesses dos

acionistas ou cotistas na gestão dos negócios, porque ao promover os interesses

destes, estar-se-ia promovendo, de forma adicional, o bem-estar social. Nesse

sentido, para Friedman, o objetivo das empresas é maximizar o lucro e remunerar os

investimentos feitos pelos acionistas, pois os recursos financeiros provenientes

destes é que viabilizam os negócios e a existência dos stakeholders, gerando

ganhos para toda a sociedade.

Machado Filho (2006, p. 05-06) explica que os problemas éticos, na visão de

Milton Friedman, são dos indivíduos e não das empresas, ou seja, a função e

objetivo destas deve ser sempre a busca do maior retorno possível para os seus

acionistas, embora dentro dos padrões de comportamento ético empresarial. Assim,

passa a ser uma decisão (ética) dos indivíduos (acionistas ou cotistas) que recebem

os retornos gerados pela organização (lucros), o que fazer com tais recursos.

Contudo, a partir do conceito de stakeholders de Freeman, surgiu uma

corrente doutrinária que passou a considerar também como objetivo primordial das

organizações atenderem aos interesses dos stakeholders e da sociedade, pois os

lucros seriam apenas a forma de garantir a sobrevivência das empresas e

possibilitar que continuem a atender a outros interesses – oferecer bens e serviços

desejáveis pela sociedade.

Assim, no modelo nipo-germânico, os acionistas reduzem os riscos obtendo

junto às administrações as informações necessárias para a tomada de decisões. Por

isso, o objetivo dos administradores é equilibrar os interesses dos acionistas com

aqueles de outros grupos que são afetados pelas atividades da empresa, como os 186 Edward Freeman definiu stakeholders como aqueles que afetam ou são afetados pelos objetivos das organizações, e dividiu os stakeholders em primários (são aqueles que possuem direitos legais sobre os recursos organizacionais - acionistas e credores) e secundários (“são aqueles cujo direito sobre os recursos organizacionais é menos estabelecido em lei e/ou baseado em critérios de lealdade ou em obrigações éticas” - comunidade, funcionários, consumidores, entre outros) (MACHADO FILHO, 2006, p. 03). 187 Machado Filho (2006, p. 78) esclarece que Friedman admite “o engajamento em ações sociais” pelas empresas, desde que o objetivo buscado esteja fundado no auto-interesse (retorno).

133

empregados, fornecedores, clientes e a comunidade (os stakeholders), visando a

perenidade do empreendimento, ou seja, a sustentabilidade empresarial.

Vige, portanto, o “princípio do stakeholder” ou “princípio dos interesses

sociais”, conforme ensinamento de Lodi (2000, p. 10).

A doutrina da teoria dos stakeholders baseia-se na idéia de que o saldo final da atividade de uma dada organização empresarial deve levar em consideração os retornos que otimizam os resultados de todos os stakeholders envolvidos, e não apenas os resultados dos acionistas. A idéia básica da responsabilidade social corporativa é que a atividade de negócios e a sociedade são atividades interligadas, não distintas. Portanto, a sociedade tem certas expectativas em relação ao comportamento e aos resultados das atividades de negócios (MACHADO FILHO, 2006, p. 08-09).

Ao estabelecer que os stakeholders, em especial os funcionários,

fornecedores, consumidores e comunidade local, além dos acionistas, têm

interesses que dependem da organização, a conclusão é que os gestores devem ter

como objetivo incorporar benefícios sociais juntamente com a maximização do lucro

(MACHADO FILHO, 2006, p. 09-10).

A justificativa para essa mudança, assumindo-se que as empresas têm

compromissos morais com os stakeholders e com a sociedade, e ainda, que devem

considerar o valor intrínseco e os interesses destes na tomada de decisões, é

essencialmente ética (embora também o seja jurídica188).

Vanca sistematiza que a continuidade, lucratividade, crescimento e reputação

da empresa dependem da incorporação de ética e valores pela mesma, que

internamente devem pautar boas práticas de governança corporativa, os processos

produtivos, desenvolvimento tecnológico e a relação com o capital intelectual; e

externamente, sua relação com os stakeholders:

188 Juridicamente, as empresas não possuem essa opção em razão da ascensão dos direitos da solidariedade, da natureza da propriedade acionária (trata-se de uma propriedade-poder, que conforme os ensinamentos de Comparato (1997, p. 97), é uma fonte de deveres fundamentais, e impõe ao seu titular o dever de utilizá-la de acordo com as necessidades sociais para a garantia dos direitos fundamentais, com o objetivo de evitar lesão ao direito de acesso à propriedade), e da função social da empresa (que Comparato (1995, p. 32) define como um “poder-dever” de servir como instrumento de realização da igualdade social e da solidariedade coletiva, que decorre do fato de possuir os meios de produção). Portanto, não se pode conceber juridicamente que a propriedade acionária seja utilizada apenas como meio de obtenção de lucros pelos acionistas, sem considerar os interesses dos stakeholders, pois isso está em desacordo com a determinação constitucional que impõe deveres fundamentais à propriedade acionária, dos quais decorre um poder-dever (função social) às empresas.

134

Figura 8 – Inter-relação de fatores a considerar na gestão das empresas Fonte: Vanca (2004, p. 14)

A possibilidade de incorporação dos interesses dos stakeholders na gestão

das empresas189 depende de mudanças em padrões éticos e nos métodos de

governança corporativa, bem como do ambiente institucional em que a atividade

ocorre, pois, como o poder e o controle das empresas privilegiam os interesses dos

acionistas (são os representantes destes que estão na administração), os debates

sobre essa possível mudança “de postura” não têm ultrapassado muito a seara do

discurso, o que torna ainda mais premente a necessidade de encontrar formas de

sua efetivação.

Com relação ao ambiente institucional, Machado Filho (2006, p. 11) cita a

doutrina de Douglass North, que define as instituições190 como “os limites que as

sociedades se impõem para estruturar as relações políticas, econômicas e sociais”.

189 Conforme Lodi (2000, p. 11), do debate entre acionistas (stockholders) e stakeholders, surge o princípio do “conselheiro esclarecido”, que estabelece como dever para as empresas “maximizar os ganhos do acionista, porém fazendo isso de uma forma responsável, levando em conta o longo prazo. O conselheiro tem obrigações de longo prazo e de confiança para com os empregados, fornecedores e clientes, mas deve assegurar o sucesso da empresa e o seu dever fiduciário para com o acionista”. 190 Nesse contexto, as instituições podem ser formais (constituições, leis, direitos de propriedade) ou informais (crenças, tradições, códigos de conduta e costumes).

135

North estabelece a seguinte relação: “as instituições constituem as regras do

jogo e as organizações são os jogadores”, por isso, as instituições (formais e

informais) efetivas191 afetam as organizações e orientam a natureza, o grau e o tipo

de conduta (socialmente responsável) que elas irão manifestar mantendo a sua

função básica de criação de valor/aumento da riqueza para os seus

acionistas/cotistas (MACHADO FILHO, 2006, p. 13).

Conclui-se que a prática da governança corporativa, associada aos aspectos

da responsabilidade social, está afetando a atuação das empresas, com destaque

para a postura ética e o comprometimento dessas com seus acionistas, com a

comunidade onde atuam e com a sociedade como um todo (principalmente em

busca de boa reputação corporativa).

boas práticas de governança corporativa aumentam a eficiência da gestão, reduzem o custo de capital, atraem novos investimentos e possibilitam o crescimento das empresas e controles mais rigorosos e padrões éticos mais elevados ampliam a arrecadação fiscal. Os stakeholders são beneficiados com mais treinamento, melhores produtos e serviços, proteção ao meio ambiente, etc. (FERREIRA, 2004, p. 133-136).

As leis fazem parte do ambiente institucional formal e afetam o

comportamento das atividades de negócios. Como conseqüência, a utilização da

auditoria para que se obtenha, por exemplo, conformidade com a lei (compliance), é

resultado da exigência do ambiente institucional com relação à precaução (e

prevenção), a fim de evitar que os danos ocorram. Por isso, justifica-se a importância

do planejamento estratégico, e a função da gestão de riscos e da governança

corporativa.

191 North afirma que as instituições e a efetividade do enforcement determinam os custos de transação entre agentes em um determinado mercado. Instituições efetivas são aquelas que elevam os benefícios de soluções cooperativas ou os custos de defecção (numa ação coletiva, a promoção de resultados eficientes muitas vezes depende do aumento dos custos em que cada indivíduo incorre quando abandona o grupo, agindo de maneira diferente dos demais, que são denominados custos de defecção), em termos de teoria dos jogos. Quanto aos custos de transação, reduzem os custos de funcionamento do sistema econômico (trocas), aumentando os ganhos do comércio. Nesse sentido, instituições efetivas são aquelas que motivam uma conduta ético/legal das empresas (MACHADO FILHO, 2006, p. 12).

136

3.3.1.2 Análise do Direito: Teorias Contratualistas X Teorias Institucionalistas

No âmbito jurídico, a discussão trazida é sobre a abrangência dos interesses

sociais corporativos, que decorre da natureza jurídica contratual ou institucional da

empresa.

Salomão Filho diferencia as teorias contratualistas, institucionalistas e as

teorias modernas do interesse social.

Para o autor, as teorias contratualistas (que se desenvolveram de maneira

relevante na Itália) analisam a companhia sob a perspectiva dos sócios, ou seja,

concebem a sociedade empresária como um contrato e conceituam o interesse

social como “a síntese dos interesses comuns dos sócios”. Elas estariam

subdivididas em contratualismo clássico192 (considera o interesse comum dos sócios

a maximização do lucro e reduz o interesse da sociedade ao interesse dos sócios

atuais), e contratualismo moderno (decorrente da integração entre o direito

societário e o mercado de capitais, reconhece que as companhias abertas não

devem ter seus interesses definidos exclusivamente com relação aos sócios atuais,

mas também devem considerar os interesses dos sócios futuros193) (SALOMÃO

FILHO, 2002, p. 26-30).

Com relação às teorias institucionalistas (que se desenvolveram melhor na

Alemanha), Salomão Filho (2002, p. 30-31) explica que elas analisam a companhia

“a partir do que ela representa para a comunidade e para a economia em termos de

oferta de trabalho, produção de bens, etc.” Elas também são subdivididas em

institucionalismo publicista e institucionalismo integracionista ou organizativo.

O institucionalismo publicista, fundamentado na doutrina do Unternehmen194

an sich, de Walter Rathenau, procura “traduzir em termos jurídicos a função

econômica, de interesse público” da macroempresa, através da valorização do papel

do órgão administrativo (em relação à assembléia de acionistas) que teria a função

de defender o interesse empresarial (Unternehmensinteresse), autônomo e

hierarquicamente superior aos interesses dos sócios (Gesellschaftsinteresse) 192 O grande teórico do contratualismo clássico foi Pier Giusto Jaeger, para o qual o interesse social constitui um conceito concreto (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 27). 193 Em razão do caráter de preservação do contratualismo moderno, ele pode ser identificado com as teorias institucionalistas (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 217). 194 Salomão Filho (2002, p. 31) explica que “o termo Unternehmen é útil para o fim de identificar uma ‘instituição não-redutível ao interesse dos sócios’”.

137

(SALOMÃO FILHO, 2002, p. 31-34). Tentou-se internalizar a doutrina na legislação

alemã, o que ocorreu em 1937, mas na prática não se obteve o resultado esperado.

Assim, foram desenvolvidas leis regulamentadoras da participação operária

nos órgãos diretivos das macroempresas, como continuação natural da doutrina

Unternehmen an sich.

Entretanto, em razão da redução excessiva dos direitos dos acionistas, houve

várias críticas195 e a teoria entrou em declínio. Como conseqüência, na Alemanha,

ocorreu uma reação legislativa (nova lei acionária de 1965), que determinou o

fortalecimento da assembléia dos acionistas e a proteção dos interesses dos

minoritários.

Surge, então, uma variação doutrinária do institucionalismo, o

institucionalismo integracionista ou organizativo196, que atribuiu interesses e direitos

à própria sociedade stricto sensu (e não à empresa), pessoa jurídica autônoma e

distinta da dos sócios, e que se traduz essencialmente no interesse de preservação

da empresa.

Os fundamentos dessa teoria foram abalados pela revisão do conceito de

pessoa jurídica feita por Comparato, baseado na doutrina de Tullio Ascarelli, de que

os interesses e as relações sempre se referem aos homens, e, portanto, o interesse

social só poderia referir-se ao interesse dos sócios por meio de um contrato

plurilateral, que é meio através do qual “várias relações jurídicas (...) são concebidas

e disciplinadas unitariamente” (COMPARATO, 1977, p. 248-264197, apud SOUZA,

2005, p. 37-39).

Conclui Comparato, com a acuidade habitual, que a personalização nada mais é do que ‘uma técnica jurídica para se atingirem determinados

195195 “Jaeger sintetizou as críticas à teoria da empresa em si [ou institucionalismo publicista], apontando sua incoerência porque, admitindo a coexistência dos interesses de todos os envolvidos na atividade produtiva, atribuiu sua tutela exclusiva à diretoria, que, por não ter suficiente independência em relação aos controladores, não era capaz de defender interesses diversos dos deles. Tendo subordinado os interesses dos acionistas ao da empresa, restringiu-lhes drasticamente o direito de informação, de impugnação das decisões das assembléias, de obtenção de rendimentos de suas aplicações. Impugnou, também, a atribuição de interesse próprio e autônomo à empresa, ente que só poderia ser objeto, e não sujeito de direitos” (JAEGER, 1972, p. 25, apud SOUZA, 2005, p. 36-37). (JAEGER, P. G. L’interesse sociale . Milão: Giuffrè, 1972). 196 Souza (2005, p. 04) entende haver uma propensão ao institucionalismo integracionista em razão da impossibilidade das teorias contratualistas de justificarem a interação entre o direito societário e o mercado de capitais, o que denota a “feição publicística do direito empresarial, que coexiste com os seus aspectos privatísticos, sobrepondo-se a estes sempre que se impõe a tutela de interesses da coletividade”. 197 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

138

objetivos práticos – autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades individuais – não recobrindo toda a esfera da subjetividade, em direito’. Sustentando que os interesses e as relações sempre concernem a indivíduos, deduz que, ‘nas sociedades, o chamado interesse social corresponde ao interesse dos sócios que as compõem, apenas ‘uti socii’, isto é, quando idêntico para todos, em função do objeto social’, caracterizando-se o conflito, se houver incompatibilidade entre o interesse do acionista e o objeto social, que considera a causa do negócio, ou seja, da constituição da sociedade, permitindo a separação patrimonial para a consecução do fim comum, que seria o próprio objeto social (SOUZA, 2005, p. 39-40).

Em razão da necessidade de tratar do direito societário de maneira

interdisciplinar, inclusive em razão da conscientização dos efeitos econômicos e

sociais das normas societárias, Salomão Filho (2002, p. 40) trata das teorias

modernas sobre o interesse social, mais especificamente para justificar a adoção da

teoria do contrato organização.

Afirma o autor que a teoria clássica de análise econômica do direito (que

“desconsidera as formas jurídicas para centrar-se no conteúdo econômico

subjacente”), cujo grande representante é Henry Hansmann, compreende a empresa

como “um feixe de contratos (nexus of contracts)”, abrangendo todos os envolvidos

na atividade corporativa (sócios, fornecedores, clientes e trabalhadores, entre

outros), integrados pelo objetivo comum (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 40-41).

Para essa teoria, o fundamento do controle interno das empresas está na

teoria dos custos de transação198 (inclui não só os custos mensuráveis

economicamente, como também aqueles relacionados à satisfação dos que a

empresa se relaciona), relacionada com a tomada de decisões. A conseqüência é “a

equivalência substancial entre controle interno e externo do ponto de vista jurídico”,

isso porque se considera que ambos podem ser importantes para as empresas

(SALOMÃO FILHO, 2002, p. 41-42).

Diante desse entendimento, o interesse da empresa deixa realmente de ser

identificado apenas com o interesse dos sócios (contratualismo) ou com o interesse

198 De acordo com Machado Filho (2006, p. 56-58), os custos de transação são “aqueles relativos à especificação do que está sendo comercializado e à garantia de que os conseqüentes acordos sejam cumpridos”. E exatamente por estarem relacionados aos “atributos valoráveis dos bens e serviços transacionados ou a performance dos agentes”, geralmente esses custos não são considerados pela economia neoclássica. Os pressupostos básicos da economia dos custos de transação são a racionalidade limitada dos agentes (o contrato perfeito não se verifica no mundo real, motivo que gera conseqüências para o aspecto do cumprimento dos contratos – efeitos ex-post) e o oportunismo (a assimetria informacional, que ocorre devido a distribuição desigual da informação aos agentes econômicos, e devido à diferença de acesso destes às informações, considerando inclusive que a busca de informações gera custos e pode gerar oportunismo por aqueles que detém a informação).

139

de autopreservação (institucionalismo), para relacionar-se “à criação de uma

organização capaz de estruturar de forma mais eficiente – e aqui a eficiência199 é a

distributiva e não a alocativa – as relações jurídicas que envolvem a sociedade”,

trata-se da teoria do contrato organização200 201 (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 41-42).

Organização na acepção jurídica significa a coordenação da influência recíproca entre atos. Portanto, adotada a teoria do contrato organização, é no valor organização e não mais na coincidência de interesses de uma pluralidade de partes ou em um interesse específico à auto-preservação que se passa a identificar o elemento diferencial do contrato social. (...) O objetivo da compreensão da sociedade como organização é exatamente o melhor ordenamento dos interesses nela envolvidos e a solução dos conflitos entre eles existentes. O interesse social passa, então, a ser identificado com a estruturação e organização mais apta a solucionar os conflitos entre esse feixe de contratos e relações jurídicas (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 43).

Portanto, para Salomão Filho (2002, p. 42-44), a teoria do contrato

organização não se distingue das demais pela finalidade comum, mas pela

‘organização’ criada para coordenar as relações jurídicas que envolvem a sociedade

e solucionar os conflitos surgidos entre elas (o que aprimora a eficiência da

empresa, diminuindo os custos de transação e aumentando os lucros, conforme

Souza (2005, p. 54)), o que corresponderia ao interesse social, que não se confunde

com o interesse à maximização dos lucros ou à preservação da empresa.

De fato, a teoria organizativa, com todos os ganhos em custos de transação e eficiência que sua aplicação criteriosa pode propiciar, é sem dúvida a mais apta a garantir a lucratividade dos sócios, tão almejada pelos contratualistas. Por outro lado, a mesma capacidade de organização das relações a ela submetidas, proporcionada pela teoria do contrato organização, tem a capacidade de transformar a sociedade naquela célula social propulsora do desenvolvimento tão almejada pelos institucionalistas desde Rathenau (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 49).

199 Lembre-se que existe mais de um conceito de eficiência econômica. Para Vilfredo Pareto essa eficiência refere-se à obtenção de uma solução que traga vantagens a um dos participantes sem prejudicar os demais. Já o conceito de eficiência de Richard Posner refere-se à maximização da riqueza (SALOMÃO FILHO, 2002, p. 39). 200 Salomão Filho (2002, p. 43) explica que a teoria do contrato organização aproxima-se do institucionalismo integracionista, que também tem caráter organizativo. 201 De acordo com Salomão Filho (2002, p. 80-83), para Coase a empresa é uma forma de dar solução organizativa, eliminando as incertezas e conflitos decorrentes das relações de mercado (entre os agentes produtivos), o que gera a redução dos custos de transação. O elemento inovador da teoria de Coase seria o elemento “integração de interesses” como causa de eliminação de conflitos, o que sustenta a teoria do contrato organização (e não a forma de organização). Assim, a teoria econômica de Coase pode ser identificada com a visão jurídica moderna de empresa – “uma forma de integração e solução de conflitos entre fatores que podem cooperar”.

140

Conclui-se, portanto, que aspectos da teoria contratualista e da

institucionalista podem coexistir na mesma sociedade. E também, que o

posicionamento da teoria do contrato organização (e do institucionalismo

integracionista) possibilitou que a governança corporativa passasse a ser

interpretada como um sistema de proteção dos minoritários e de todos aqueles que

forem afetados pelas atividades empresariais (stakeholders), como os fornecedores,

clientes, empregados, e também a comunidade em que atuam, pois o valor da

sociedade empresária foi “deslocado” para a solução dos conflitos oriundos da

própria organização e das suas relações com terceiros.

No Brasil, Requião (2003, p. 365-372) afirma que a Lei n.º 6.404/76 é

inspirada na teoria institucionalista (e que não concorda com a adoção legal dessa

teoria), mas que o Código Civil Brasileiro está fundado na teoria contratualista,

conforme os artigos 981 e 997.

Ainda, para o autor, a sociedade anônima é constituída através de um

contrato plurilateral (que é aquele com mais de duas partes, no qual a prestação

destas é dirigida à consecução de um fim comum (REQUIÃO, 2003, p. 371), sendo

que a sua configuração como instituição só aparece após essa constituição, a partir

de quando a sociedade passa a ter como interesse “a consecução do ‘bem comum’,

visando primacialmente aos altos interesses coletivos, desvanecendo um tanto o

interesse privado, perseguido pelos acionistas” (REQUIÃO, 2003, p. 12-15).

Carvalhosa202 e Latorraca (1997, p. 236-238), compreendem que o interesse

social nas companhias é o interesse comum dos acionistas, ou seja, a produção de

bens e serviços e obtenção de lucros. Entretanto, os autores afirmam que estes fins

privados devem ser harmonizados com os interesses da comunidade ou coletividade

(que podem ser afetados ou influenciados pela atividade empresária), o que se

traduz na função social da empresa203 204. Verifica-se, assim, a admissão da teoria

202 A posição de Carvalhosa, adepto da teoria contratualista, é mantida após a alteração da lei das sociedades anônimas em 2001 (CARVALHOSA; EIZIRIK, 2002, p. 221-222). 203 Carvalhosa e Latorraca (1997, p. 237-238) definem empresa como “a racionalização dos fatores econômicos, tecnológicos e humanos da produção, instituída sob a forma de pessoa jurídica, a companhia”; e relacionam a quatro aspectos a sua função social: a) às condições de trabalho e às relações com seus empregados e dependentes destes; b) ao interesse dos consumidores de seus produtos e serviços; c) ao interesse dos concorrentes (ou seja, manter práticas eqüitativas de comércio); e d) à preservação do meio ambiente. 204 Bessa (2006, p. 127) explica e justifica o porquê da função social da empresa. De acordo com a autora, o ato de empreender depende da utilização de recursos naturais (bens de uso comum do povo), implica a livre disposição de “recursos” humanos (pessoas), e produz além dos bens e serviços de consumo, externalidades negativas. Assim, pode-se concluir que “as conseqüências do livre agir

141

institucionalista, a partir do que dispõem os artigos 116, 154, caput e §4º, e 165205 da

Lei n.º 6.404/76.

Souza resume o seu entendimento a partir da concepção da adoção da teoria

contratualista (moderna), conciliada com características da teoria institucionalista:

Em suma, o interesse da companhia corresponde, também na Lei nº 10.303/2001, ao interesse comum dos sócios, enquanto sócios, voltado à realização do escopo da sociedade, que concerne tanto à otimização do desempenho da empresa, como à maximização dos resultados, considerado legitimo interesse do acionista, cuja proteção representa, por via de conseqüência, benefícios para a própria empresa, que depende da provisão de recursos dos investidores, que só aplicarão seu capital nas companhias que respeitarem seus direitos. Embora o interesse social stricto sensu se paute, por imposição legal, pelo interesse coletivo, a análise da efetiva preponderância deste sobre o primeiro exige apreciação ponderada, sempre com o propósito de tentar harmonizá-los. Em suma, a orientação conciliatória que se atribui à lei não só é mais justa como também é mais sensata e condizente com a realidade social e econômica” (SOUZA, 2005, p. 63).

Constata-se, enfim, que a faculdade de desenvolver atividades econômicas e

de buscar o lucro devem ser instrumentos de realização da dignidade de todas as

pessoas envolvidas, sejam os empresários, os trabalhadores ou os demais

integrantes da comunidade (direta ou indiretamente relacionados com a empresa),

conforme preceitua o artigo 170 da Constituição Federal Brasileira. Nesse sentido,

ensina Justen Filho (1998, p. 130):

No plano constitucional, a empresa tem de ser investigada sob dois ângulos. A atividade empresarial pode ser considerada como instrumento de realização dos valores pessoais e egoísticos do empresário. Mas não se legitimou a empresa, constitucionalmente, apenas sob esse aspecto. O que dá sustentação constitucional ao instituto da empresa é sua vocação para realização da dignidade de cada pessoa humana. (...) Há vinculação entre as faculdades atribuídas ao empresário e a realização de valores não

da pessoa jurídica esbarram no livre agir, na propriedade e nos direitos alheios, não só vistos individualmente, mas, muitas vezes, alcançando dimensões supra-individuais”. 205 “Art. 116. [...] Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”. “Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. § 4º. O conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais”. “Art. 165. Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores de que tratam os artigos 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto” (BRASIL, 1976).

142

referidos diretamente a ele. Isso não significa desnaturar a empresa e transformar o empresário em uma espécie de filantropo compulsório. (...) Nenhum tipo de exploração empresarial será legítima quando conduzir ao sacrifício dos interesses grupais e coletivos. A realização do lucro somente pode ser validada quando conduzir ao bem-estar grupal.

Lembre-se, ainda, que o direito de propriedade (que apresentava um caráter

essencialmente individualista) passou, conforme, ensina Comparato (1997, p. 99), a

ser concebido como um ‘direito meio’, de modo que a atual Constituição da

República não garante a propriedade em si, mas como instrumento de proteção de

valores fundamentais da pessoa humana, ou seja, existem direitos anteriores e

superiores às leis positivas, e a propriedade foi concebida como um instrumento de

garantia da liberdade individual, e para tanto deve ser utilizada por todas as pessoas

(inclusive as pessoas jurídicas privadas que exercem a atividade econômica).

Seguindo o raciocínio do autor, pode-se concluir que a propriedade - inclusive

a propriedade empresarial/acionária - traz ínsita também a função de servir como

instrumento de realização da igualdade social e da solidariedade coletiva, o que

também fundamenta a sua função social.

3.3.2 O desenvolvimento sustentável e as decisões n as empresas

A predominância no país do ideal econômico desenvolvimentista (que exige

das empresas a obtenção de lucros, pois estes geram, ao menos a curto prazo, o

crescimento econômico), não incorporava (em geral) na tomada de decisões

aspectos relativos às questões sociais e ambientais.

Entretanto, a repercussão das externalidades negativas das atividades

econômicas no meio ambiente e na sociedade (trabalhadores, consumidores, etc.),

bem como a cobrança desta por uma mudança de atitudes das empresas, levou a

uma revisão de valores que fez emergir a Responsabilidade Socioambiental das

Empresas (termo mais utilizado).

A governança corporativa e a responsabilidade socioambiental das empresas

pressupõem a gestão de stakeholders, ou seja, a adoção de mecanismos de

promoção do equilíbrio dos interesses dos acionistas e dos demais públicos

atingidos pelas atividades empresariais, com o intuito de cumprir a determinação

143

legal e promover o desenvolvimento (sustentável) com a realização do bem comum

e da dignidade da pessoa humana.

A preocupação do meio empresarial com interesses que não aqueles próprios

dos acionistas (e cotistas) é recente, tendo nos últimos anos suscitado mais

discussões e um maior aprofundamento, conforme verifica-se do entendimento

doutrinário exposto anteriormente, relacionado à teoria da Administração e do

Direito.

De acordo com Comparato (1997, 94-96), a propriedade privada foi concebida

desde o constitucionalismo moderno, como um direito humano (direito fundamental –

art. 5º, incisos XXII e XXIII da Constituição Federal) com a função de garantir a

subsistência e a liberdade individual contra a interferência do Poder Público. Assim,

reconheceu-se além do direito de propriedade, um direito à propriedade.

Com o reconhecimento constitucional da propriedade como um direito

humano com a função de proteção pessoal, conclui-se que nem toda propriedade

privada pode ser considerada direito fundamental e como tal protegida. Nesse

sentido, Comparato (1997, p. 97) afirma que existe também a propriedade-poder,

que não possui a natureza de um direito humano, mas que pode (e deve) ser

compreendida como uma fonte de deveres fundamentais, ou seja, é o lado passivo

dos direitos humanos alheios. A propriedade acionária é um exemplo de

propriedade-poder.

A propriedade-poder impõe ao titular o dever fundamental de utilizar os bens

próprios de acordo com a sua destinação natural e as necessidades sociais, para a

garantia dos direitos fundamentais, a fim de evitar lesão ao direito de acesso à

propriedade.

Comparato (1997, p. 99) entende que a verdadeira natureza constitucional da

propriedade é a de um direito meio, e não de um direito fim, o que significa que a

Constituição Federal Brasileira não garante a propriedade em si mesma, mas a sua

utilização como instrumento de proteção dos valores fundamentais da pessoa

humana. Assim, existem direitos anteriores e superiores às leis positivas, e a

propriedade teria sido concebida como um instrumento de garantia da liberdade

individual, e para tanto deve ser utilizada.

Ainda, como conseqüência das transformações do Estado, foi atribuída

também à propriedade a função de servir como instrumento de realização da

igualdade social e da solidariedade coletiva. Assim, todas as pessoas têm a

144

obrigação de exigir o respeito ao dever fundamental de atribuir-se à propriedade

também uma função social.

Portanto, não se pode conceber juridicamente que a propriedade acionária

seja utilizada apenas como meio de obtenção de lucros pelos acionistas

(shareholders), sem considerar os interesses dos stakeholders, pois isso está em

desacordo com a determinação constitucional, que impõe deveres fundamentais à

propriedade-poder.

A exigibilidade dos deveres fundamentais é imediata (os direitos fundamentais

têm aplicação imediata), dispensando a intervenção legislativa, assim, não cabe

argumentar a necessidade de uma lei específica atribuindo função social às

empresas ou à propriedade acionária.

Conclui-se, então, seguindo a teoria da propriedade-poder de Comparato, que

a função social da empresa tem fundamento constitucional e deve ser exigida pelo

Estado e por toda a sociedade, e por outro lado, cumprida pelas organizações,

sendo responsabilidade dos acionistas e dos administradores.

Com relação à função social da empresa, Comparato (1995, p. 32) a define

como o “poder-dever do proprietário, sancionável pela ordem jurídica”, que decorre

do fato de possuir os meios de produção, ou seja, significa o poder de dar ao objeto

da propriedade um destino determinado, vinculado a um objetivo ligado ao interesse

coletivo.

Afirma-se que a faculdade de desenvolver atividades econômicas e de buscar

o lucro devem ser instrumentos de realização da dignidade de todas as pessoas

envolvidas, sejam os empresários, os trabalhadores ou os demais integrantes da

comunidade (direta ou indiretamente relacionados com a empresa), conforme

preceitua o artigo 170 da Constituição Federal Brasileira:

“No plano constitucional, a empresa tem de ser investigada sob dois ângulos. A atividade empresarial pode ser considerada como instrumento de realização dos valores pessoais e egoísticos do empresário. Mas não se legitimou a empresa, constitucionalmente, apenas sob esse aspecto. O que dá sustentação constitucional ao instituto da empresa é sua vocação para realização da dignidade de cada pessoa humana. (...) Há vinculação entre as faculdades atribuídas ao empresário e a realização de valores não referidos diretamente a ele. Isso não significa desnaturar a empresa e transformar o empresário em uma espécie de filantropo compulsório. (...) Nenhum tipo de exploração empresarial será legítima quando conduzir ao sacrifício dos interesses grupais e coletivos. A realização do lucro somente pode ser validada quando conduzir ao bem-estar grupal” (JUSTEN FILHO, 1998, p. 130).

145

Nesse sentido, Szterling (2003, p. 07) afirma que a função social da empresa

passa a ser entendida como “um conjunto de deveres que esta possui com seus

empregados, seus fornecedores de insumos, consumidores de seus produtos, o

Estado, o Fisco, bem como toda a comunidade atingida pela atividade por ela

exercida”.

Bessa (2006, p. 127) também explica e justifica o porquê da função social da

empresa. De acordo com a autora, o ato de empreender depende da utilização de

recursos naturais (bens de uso comum do povo), implica a livre disposição de

“recursos” humanos (pessoas), e produz além dos bens e serviços de consumo,

externalidades negativas. Assim, pode-se concluir que “as conseqüências do livre

agir da pessoa jurídica esbarram no livre agir, na propriedade e nos direitos alheios,

não só vistos individualmente, mas, muitas vezes, alcançando dimensões supra-

individuais”.

A simples dissociação entre propriedade, lucro e responsabilidades pelos

impactos da atividade empresarial não pode ser aceita pelos stakeholders como

forma de maximizar os lucros e socializar as perdas.

O poder do setor empresarial reforça as exigências decorrentes da função

social e da assunção de responsabilidades, e justifica tratar-se da propriedade

acionária como uma propriedade-poder que deve ser exercida em benefício de toda

a coletividade.

Desde o início do século XX, a teoria das empresas passou por diversas

mudanças. Bessa (2006, p. 127) enfatiza o término da Segunda Guerra Mundial

como o marco do “deslocamento da primazia do individual para o coletivo, da

independência para a cooperação”, o que ampliou a missão das empresas, até

então consideradas exclusivamente como instrumento de obtenção de lucro.

Alterou-se também a concepção do Direito, que de protetor de direitos

individuais (direito de propriedade como absoluto), passou a deter uma função ativa

para, intervindo na realidade, promover a melhoria das condições de vida de forma

mais abrangente, em favor da coletividade.

Com a globalização, concentração e acumulação de capital, as empresas

passaram a ter um grande poder de direcionar a economia. Em contrapartida, com a

ascensão dos direitos da solidariedade, tornou-se necessário repensar o seu papel

enquanto agente de implementação dos interesses coletivos.

146

Assim, é preciso reconhecer que houve uma modificação do perfil e das

responsabilidades da empresa (JUSTEN FILHO, 1998, p. 118).

Há alguns anos já vêm se estabelecendo novos parâmetros de humanização

das relações entre as empresas e suas participações no desenvolvimento

sustentável. A lógica competitiva das organizações está passando por um processo

de incorporação de novos valores, como a avaliação de impactos sociais, ambientais

e culturais do processo de produção (sustentabilidade empresarial).

O desenvolvimento empresarial não pode ser compreendido separado do

desenvolvimento da sociedade e da preservação do meio ambiente206, pois a

atividade econômica objetiva atender as necessidades da sociedade e depende dos

recursos retirados da natureza (que quando não são renováveis, degradam o meio

ambiente de forma irreversível) para o processo produtivo.

Assim, a atividade empresarial privada subordina-se à promoção da

existência digna, valorização do trabalho humano, preservação do meio ambiente e

às exigências relacionadas à ordem econômica (artigos 1º, 3º, 7º, 170 e 225 da

Constituição Federal Brasileira). Também está subordinada à possibilidade de

intervenção do Estado em suas atividades quando assim exigir o interesse geral

coletivo, e à participação dos trabalhadores nas formas preceituadas pela legislação

(artigos 6º a 11, 21, 175 e 177 da Constituição Federal Brasileira).

Também os artigos 116, parágrafo único, e 154 da Lei nº 6.404/76,

estabelecem que o acionista controlador e os administradores das sociedades

anônimas devem conduzir as atividades da sociedade empresária de forma a atingir

os fins e interesses da sociedade, bem como satisfazer as exigências do bem

público e da função social da empresa.

A Constituição Federal Brasileira é o fundamento e o limite das atividades

econômicas privadas. De acordo com Justen Filho (1998, p. 128), “a empresa não é

um fim em si mesmo. Nem é meio de realização de interesses puramente privados”,

ela é o instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil, em especial o bem-estar da sociedade e a dignidade da

pessoa humana, aos quais não pode se contrapor.

206 Diante do reconhecimento da interdependência fundamental de todos os fenômenos (ecologia profunda) (CAPRA, 2006, p. 25), pode-se afirmar que a sustentabilidade empresarial contribui para o desenvolvimento sustentável da sociedade e do próprio país, por isso a sua importância.

147

Assim, como a faculdade de desenvolver atividades econômicas é

instrumento de realização da dignidade de todas as pessoas envolvidas (acionistas,

administradores, stakeholders e a própria sociedade), o seu limite está no bem

comum equilibrado pelo princípio da proporcionalidade (cuja aplicação depende da

ponderação de valores e impõe uma análise específica para cada caso concreto).

Portanto, ao mesmo tempo em que não se pode exigir filantropia da empresa,

também não se deve admitir que suas atividades causem o sacrifício de interesses

coletivos (JUSTEN FILHO, 1998, p. 129).

Conclui-se, enfim, que em razão da propriedade acionária, é atribuído à

empresa o dever de exercer a devida função social dentro do contexto e do

ambiente em que está inserida, motivo pelo qual a gestão empresarial e a

governança corporativa devem considerar também na tomada de decisões os

interesses dos stakeholders, não havendo fundamentação jurídica para a busca tão

somente do lucro, sem considerar, de forma ampla, os impactos da atividade

econômica.

Demajorovic sistematiza, no quadro abaixo, a evolução de atitude das

empresas com relação à tutela de valores relacionados ao meio ambiente,

entendimento que pode ser traduzido para outras áreas além da ambiental, a fim de

abranger todos os aspectos da sustentabilidade empresarial, e que demonstra as

tendências na tomada de decisões e que ainda muito há que se fazer para

incorporar o desenvolvimento sustentável em atitudes corporativas:

Período Abordagem Valor Concepção Atitude

Até 1970 Sem controle de poluição

Lucro Indiferença aos problemas ambientais

Poluir e degradar (externalizar custos)

Até 1985 Controle da poluição

Lucro e respeito à regulação

O controle da poluição diminui os lucros

Poluir no limite que a regulação permite

Atual Prevenção da poluição

Lucro, respeito à regulação e eficiência

Aumento dos lucros

Reduzir resíduos no processo produtivo e desenvolver maior política de segurança

? Análise do Ciclo de Vida

Lucro, eficiência e qualidade ambiental

Aumento dos lucros e de vantagens competitivas no longo prazo

Gerenciar o produto desde a produção até sua disposição final

148

? Desenvolvimento sustentável

Lucro e preservação da qualidade ambiental no longo prazo

Aumento da produção e de vantagens competitivas no longo prazo

Produzir produtos que não agridam o meio ambiente

Quadro 1 - Evolução das abordagens da gestão ambiental empresarial Fonte: Johnson (1998) 207 apud Demajorovic (2003, p. 54)

Explicando o quadro acima, afirma o autor que atualmente as empresas

passam a adotar uma abordagem de prevenção à poluição para evitar prejuízos e

obter vantagem corporativa, o que já é bastante positivo dentro de uma escala

evolutiva para o desenvolvimento sustentável.

Verifica-se na doutrina de Porter e Linde que, ao pregar as vantagens das

estratégias “ganha-ganha” (win-win strategies), propõe-se que o aumento das leis

ambientais, ao invés de ameaçar o desempenho empresarial, contribui para a

inovação, pois estimula a criação de novos produtos e novas técnicas que não

agridam o meio ambiente (ou agridam menos), mudanças estas que podem ser

“consideradas ‘ganha-ganha’ devido aos benefícios evidentes que geram para as

empresas e para a sociedade, pois além de melhorar a performance ambiental das

organizações, reduzem seus custos” (PORTER; LINDE, 1995, p. 97-118208, apud

DEMAJOROVIC, 2003, p. 170).

Assim, embora as abordagens de análise de ciclo de vida e de

desenvolvimento sustentável continuem sendo ainda um referencial mais teórico do

que pragmático, eles aparecem como próximos estágios evolutivos a serem

alcançados pelas empresas, na sua busca pela sustentabilidade.

E a adoção de boas práticas de gestão, a incorporação dos interesses de

todos aqueles que forem afetados pelas atividades empresariais aos interesses

sociais (tomada de decisões), e a gestão de riscos, fazem parte do estágio atual, e

contribuem para que isso seja possível.

Nesse sentido, Vanca relaciona a gestão de stakeholders com o retorno para

os acionistas e a relação desse processo com a sustentabilidade corporativa, o que

inclui, também, a governança corporativa, a gestão de riscos e controles internos:

207 JOHNSON, Ronie-Richele G. Exporting and importing environmentalism: industry and the transnational dissemination of ideology from the United States to Brazil and Mexico. Tese de doutorado, Universidade de Michigan, 1998. 208 PORTER, Michael; LINDE, Class van der. Toward a new conception of the environment-competitiveness relationship. In: Journal of Economic Perspectives , 9 (4), Saint Paul, 1995.

149

Figura 9 - Gestão da sustentabilidade corporativa - visão da sustentabilidade por stakeholders Fonte: Vanca (2004, p. 15)

Figura 10 - Gestão da sustentabilidade corporativa - valor para shareholders por atenção a stakeholders

Fonte: Vanca (2004, p. 16)

150

A redução de custos e de litígios está relacionada também à gestão de riscos

e controles internos, por isso sua importância e a necessidade de incorporar os

valores do desenvolvimento sustentável na racionalidade e nos custos das

empresas (equilibrar riscos versus custos versus valores morais e éticos). Nesse

ponto, identificam-se dois problemas bem definidos: (a) os custos de implantar

sistemas de gestão e prevenção de riscos (e mesmo que os custos não sejam tão

elevados eles diminuem o lucro, por isso muitas vezes há uma retração quanto à

sua implantação), e (b) a necessidade de incorporar dimensões éticas e morais às

atividades das empresas e às pessoas que dirigem e administram suas atividades

(para além do ideal econômico desenvolvimentista).

Ainda, com relação ao aspecto econômico, a adoção da gestão de riscos

(riscos complexos na sociedade de riscos) pode reduzir custos e despesas futuras

da empresa, contribuindo para sua sustentabilidade econômica. Se a empresa adota

medidas de precaução e prevenção, evita a ocorrência, por exemplo, de graves

passivos ambientais, e garante sua “saúde financeira” e sua reputação no mercado.

Ao mesmo tempo, contribui para a manutenção dos postos de trabalho, para a

preservação do meio ambiente, e para o desenvolvimento sustentável.

Quando a empresa atua bem (nas esferas econômica, legal e ética),

diminuem os riscos e há benefício para toda a sociedade, já que os

gestores/administradores têm a atribuição ética de respeitar os direitos de todos os

agentes afetados pelas atividades empresariais e promover o bem entre eles,

incluindo neste conjunto de agentes, os clientes, fornecedores, funcionários, os

próprios acionistas ou cotistas (majoritários e minoritários), a comunidade local, bem

como os próprios gestores, que devem ser agentes a serviço desse grupo ampliado

– o que já foi enunciado há muito na legislação brasileira, particularmente pelo artigo

116 da Lei das Sociedades Anônimas, e reforçado pela Constituição da República,

em especial, no seu artigo 170.

Diante dessa nova perspectiva, no campo jurídico, é tarefa do advogado

empresarial conhecer a regulamentação relacionada com o assunto e criar

mecanismos de gerenciamento de riscos envolvidos nas atividades jurídicas das

empresas (riscos legais), com o objetivo de detectar, medir, valorar e controlar as

incertezas, “encontrando modos de otimizar os controles e diminuir suas

possibilidades de incidência” (GONÇALVES, 2002, p. 104), o que pode ser feito

através da auditoria jurídica.

151

4 AUDITORIA JURÍDICA E RISCO

As empresas devem se preocupar em gerir os riscos da sua atividade (atitude

de prevenção e precaução), numa atitude pró-ativa, e não somente os danos

eventualmente causados ou decorrentes de suas operações. A impossibilidade de

controlar (previamente) muitos dos efeitos e conseqüências dos riscos (que podem,

inclusive, inviabilizar os negócios), reforça esse entendimento.

A auditoria jurídica pode ser utilizada como ferramenta de gestão de riscos,

na medida em que aponta as desconformidades do negócio e indica medidas de

solução, contribuindo para a perpetuidade e sustentabilidade empresarial. E ainda,

deve ser considerada sua utilidade para a demonstração de resultados e atração de

investimentos, salientando-se que as empresas estão sendo cada vez mais exigidas

no sentido de comprovar os resultados de suas atividades para o público (são

crescentes as exigências nesse sentido por instituições financeiras, grandes

empresas, e o próprio Poder Público, nas contratações).

No presente estudo será tratada da auditoria voluntária e jurídica, periódica,

interna e externa, e ressaltada a sua importância para a sustentabilidade

empresarial e o desenvolvimento sustentável. Entretanto, inicialmente é necessário

compreender alguns aspectos conceituais e gerais da auditoria, a fim de analisar

posteriormente sua aplicação específica na área jurídica, a partir do entendimento

sobre os riscos jurídicos.

4.1 AUDITORIA – ASPECTOS GERAIS

A auditoria empresarial, sob um aspecto generalista, pode ser compreendida

como um processo de exame ou avaliação sistemática realizada por profissionais

especialistas sobre um determinado assunto ou procedimento, seguindo uma

metodologia de aplicação e critérios de avaliação pré-definidos, gerando ao final um

parecer (resultado) que deve ser comunicado ao contratante/auditado, incluindo a

indicação das não-conformidades encontradas (relacionadas com os critérios de

avaliação adotados) e possíveis medidas de solução que podem ser adotadas para

152

correção ou prevenção, contribuindo para o sistema de controle interno (conjunto de

procedimentos internos que têm como objetivo evitar a ocorrência de erros ou

acidentes) (LA ROVERE, 2001, p. 13-14).

Existem diversos tipos de auditoria (contábil, financeira, operacional,

ambiental, de gestão de qualidade, entre outras), que auxiliam na identificação e

avaliação das não-conformidades, e na geração de informação a ser utilizada pela

gestão, o que traz como benefícios a maior facilidade de identificação de

oportunidades de melhoria e a redução do risco de não-conformidades (identificação

de medidas corretivas para desconformidades existentes, e de medidas preventivas

para potenciais desconformidades).

A auditoria pode ser específica (restrita a um determinado assunto ou setor de

uma empresa) ou geral (mais abrangente em relação a um assunto ou setores da

empresa), eventual ou periódica (realizada em determinados intervalos de tempo),

interna209 (realizada por funcionários da própria empresa que não devem estar

subordinados àqueles cujo trabalho avaliam, nem devem avaliar o seu próprio

trabalho) ou externa210 (realizada por profissionais contratados especificamente para

esse serviço, geralmente denominados de auditores independentes). As

características da auditoria a ser realizada devem ser estabelecidas no caso

concreto, conforme o objetivo a ser alcançado (que pode ser estabelecido pela

própria diretoria e/ou acionistas, clientes, governo, investidores, seguradoras, entre

outros) (LA ROVERE, 2001, p. 13-14).

No presente estudo, adota-se como padrão ou modelo geral de auditoria,

aquele estabelecido na Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas

Técnicas - NBR ABNT ISO 19011: 2002.

209 As auditorias internas são denominadas de auditoria de primeira parte quando têm como objetivo produzir uma declaração da própria empresa “atestando, sob a sua exclusiva responsabilidade, que um produto, processo ou serviço está em conformidade com uma norma ou outro documento normativo especificado” (LA ROVERE, 2001, p. 15). 210 As auditorias externas incluem as auditorias denominadas de segunda e terceira partes. Auditorias de segunda parte são realizadas por aqueles que têm um interesse na organização, tais como clientes, fornecedores (ou outras pessoas em seu nome), com o objetivo de verificar conformidade. Auditorias de terceira parte são realizadas por organizações externas de auditoria independente, a fim de dar garantias, por escrito, de que o produto, processo ou serviço está em conformidade com determinados requisitos (LA ROVERE, 2001, p. 15).

153

4.1.1 Auditoria: definição, princípios, objetivos e procedimentos gerais,

conforme a NBR ISO 19011: 2002

A auditoria é ferramenta de gestão empresarial, essencial nas atividades de

avaliação da conformidade, por isso a importância da NBR ISO 19011211 212, válida a

partir de 29 de dezembro de 2002, que estabelece diretrizes para auditorias de

sistemas de gestão da qualidade e/ou ambiental, que podem ser aplicadas a outros

tipos de auditoria, inclusive a jurídica.

O objetivo da norma ISO 19011 (BRASIL, 2002b) é fornecer orientação sobre

princípios de auditoria, gestão de programas de auditoria interna ou externa, e sobre

a competência e avaliação de auditores. Ela define auditoria da seguinte forma:

processo sistemático, documentado e independente para obter evidências de auditoria213 e avaliá-las214 objetivamente para determinar a extensão na qual os critérios da auditoria são atendidos (BRASIL, 2002b).

Os critérios de auditoria são utilizados como referência para avaliação da

conformidade, e podem incluir políticas adotadas, procedimentos, normas, leis e

regulamentos, requisitos de sistema de gestão, requisitos contratuais ou código de

conduta empresarial (BRASIL, 2002b).

211 Esta norma pode ser adaptada para aplicação em outros tipos de auditorias (inclusive a jurídica), com o intuito de monitorar a conformidade com requisitos como leis, regulamentos e decisões judiciais. 212 A NBR ABNT ISO 19011 (2002) cancela e substitui as NBR ISO 10011-1:1993, NBR ISO 10011-2:1993, NBR ISO 10011-3:1993, NBR ISO 14010:1996, NBR ISO 14011:1996 e NBR ISO 14012:1996. As normas que estabelecem diretrizes para auditoria de sistemas de qualidade, ISO 10011-1 (Parte 1: auditoria), ISO 10011-1 (Parte 2: critérios para qualificação de auditores de sistemas de qualidade) e ISO 10011-3 (Parte 3: gestão de programas de auditoria), de 1993, foram substituídas pela norma ISO 19011, de 2002. As normas ISO 14010 (estabelece os princípios gerais para execução das auditorias), ISO 14011 (estabelece os procedimentos para o planejamento e execução de auditorias num sistema de gestão ambiental) e ISO 14012 (estabelece os critérios para qualificação de auditores), de 1996, também foram substituídas pela norma ISO 19011: 2002. 213 Evidências de auditoria são registros, apresentação de fatos ou outras informações qualitativas ou quantitativas coletadas pelo auditor, referentes aos critérios de auditoria, e verificáveis na prática (BRASIL, 2002b). 214 Na avaliação das evidências de auditoria coletadas (análise crítica), cujos resultados são comparados com os critérios de auditoria (constatação de auditoria), o resultado pode indicar conformidade ou não conformidade com os critérios utilizados. Assim, considerando os objetivos da auditoria e as constatações, é possível obter um resultado denominado de conclusão da auditoria (BRASIL, 2002b).

154

Os principais princípios aplicáveis aos auditores215 são: a) a exigência de

conduta ética (atuação com profissionalismo, confiança, integridade,

confidencialidade e discrição); b) a apresentação justa (obrigação de apresentar

constatações, conclusões e relatórios de auditoria que reflitam a realidade, e com

exatidão/precisão); e c) o devido cuidado profissional (ser diligente e ter a

competência necessária para realizar a atividade, em especial, o julgamento nas

conclusões da auditoria) (BRASIL, 2002b).

Os princípios do processo da auditoria, que ora se destacam, são a

independência (imparcialidade e objetividade das conclusões, que devem ser

baseadas tão somente nas evidências de auditoria), e a abordagem baseada em

evidências ou processo sistemático (as evidências devem ser confiáveis e

verificáveis, pois baseadas em amostras das informações disponíveis num

determinado período de tempo e com a utilização de recursos finitos) (BRASIL,

2002b).

De acordo com a norma brasileira, a gestão do processo de auditoria exige as

seguintes ações: planejar (estabelecer o programa de auditoria), fazer (implementá-

lo), verificar (monitorá-lo e analisá-lo criticamente) e agir (melhorá-lo).

Assim, para iniciar uma auditoria é preciso estabelecer um programa de

auditoria, o que significa designar previamente objetivos (direcionar seu

planejamento216 e realização), abrangência, responsabilidades, recursos e

procedimentos.

Os objetivos da auditoria podem estar baseados na consideração de

prioridades da direção da empresa, intenções comerciais, requisitos de sistema de

215 São atributos pessoais do auditor a ética (ser justo, verdadeiro, sincero, honesto e discreto), ter a mente aberta (estar disposto a considerar idéias ou pontos de vista alternativos), ter diplomacia no tratamento com pessoas, ser observador (estar ativamente atento à circunvizinhança e às atividades físicas), ser perceptivo (instintivamente atento e capaz de entender situações), versátil (se ajustar prontamente a diferentes situações), tenaz (persistente, focado em alcançar objetivos), decisivo (conseguir racionalizar conclusões oportunas baseado em uma análise lógica), e autoconfiante (atuar independentemente, enquanto interage de forma eficaz com os outros) (BRASIL, 2002b). 216 O plano de auditoria deve conter: a) os objetivos da auditoria; b) o critério de auditoria e qualquer documento de referência; c) o escopo da auditoria, inclusive com identificação das unidades organizacionais e funcionais e processos a serem auditados; d) as datas e lugares onde as atividades de auditoria serão realizadas; e) o tempo esperado e duração das atividades de auditoria, inclusive reuniões com a diretoria do auditado e reuniões da equipe da auditoria; f) as funções e responsabilidades dos membros da equipe da auditoria e das pessoas acompanhantes; g) a alocação de recursos apropriados para áreas críticas da auditoria; h) identificação do representante do auditado a quem se deve reportar; i) o idioma de trabalho e do relatório da auditoria, se ele for diferente do idioma do auditor e/ou do auditado; j) os principais pontos do relatório de auditoria; k) arranjos de logística (viagem, instalações no local, etc.); l) assuntos relacionados a confidencialidade; m) quaisquer ações de acompanhamento de auditoria (BRASIL, 2002b).

155

gestão (satisfazer requisitos para certificação ou contribuir para a melhoria do

sistema de gestão), requisitos estatutários, regulamentares e contratuais (verificar

conformidade com requisitos contratuais), necessidade de avaliação de fornecedor

(obter e manter confiança na capacidade de um fornecedor), requisitos de cliente,

necessidades de outras partes interessadas, ou riscos para organização (BRASIL,

2002b).

A abrangência de um programa de auditoria pode variar e será influenciada

pelo tamanho, natureza e complexidade da empresa objeto da análise, como

também pelo: a) escopo, objetivo, duração e freqüência da auditoria a ser realizada;

b) número, importância, complexidade, semelhança e localização das atividades a

serem auditadas; c) requisitos normativos, estatutários, regulamentares, contratuais

e outros critérios de auditoria; d) conclusões de auditorias anteriores ou resultados

de análise crítica de um programa de auditoria anterior; e e) mudanças significativas

para uma organização ou suas operações (BRASIL, 2002b).

Quanto às responsabilidades, deve ser designado um responsável para

gerenciar o programa de auditoria, que tenha um entendimento geral dos princípios,

das competências necessárias aos auditores, da aplicação de técnicas de auditoria,

bem como habilidades de gerenciamento, e compreensão técnica e empresarial

pertinentes às atividades a serem auditadas217.

Quanto aos recursos para o programa de auditoria, os mesmos referem-se às

questões financeiras, técnicas de auditoria, processos para alcançar, manter e

aperfeiçoar a competência e desempenho dos auditores, disponibilidade de

auditores e especialistas competentes, abrangência do programa de auditoria, e

tempo de viagem, acomodação e outras necessidades que se apresentem (BRASIL,

2002b).

E por fim, os procedimentos do programa de auditoria incluem, na fase inicial

(na qual se estabelece o programa de auditoria), o planejamento e programação da

auditoria, bem como a garantia da competência de auditores e líderes de equipe

(BRASIL, 2002b).

Assim, depois de estabelecido o programa de auditoria, é preciso implementá-

lo, o que abrange: a) a seleção da equipe de auditoria, atribuição de funções e

217 É de responsabilidade dos auditores verificarem a conformidade com os requisitos da organização, a definição do calendário de auditorias e sua realização, registrar e comunicar os pontos verificados, conduzir auditorias de acompanhamento, tudo isso considerando a obediência ao princípio da independência e respeitando a confidencialidade (BRASIL, 2002b).

156

responsabilidades; b) a realização da auditoria propriamente dita; c) a realização de

ações de acompanhamento de auditoria, se aplicável; e d) a manutenção de

registros apropriados do programa de auditoria (BRASIL, 2002b).

Quanto à implementação, consiste em comunicar o programa de auditoria às

partes pertinentes e assegurar que este será cumprido, coordenar e programar as

atividades necessárias, e assegurar a seleção da equipe de profissionais (deve-se

estabelecer e manter um processo para a avaliação dos auditores e o seu

desenvolvimento profissional contínuo), que deverá ter acesso aos recursos

necessários para o trabalho. Também é necessário assegurar o controle de registros

das atividades realizadas e a análise crítica e aprovação de relatórios, que deverão

ser distribuídos ao cliente da auditoria e outras partes especificadas, considerando-

se, ainda, a realização de atividades de acompanhamento de auditoria, se aplicável

(BRASIL, 2002b).

Depois de implementado o programa de auditoria, é preciso monitorá-lo

(quanto ao desempenho e eficácia) e, periodicamente, analisá-lo criticamente para

avaliar se os objetivos estão sendo alcançados, o que implica também a

identificação das necessidades corretivas e preventivas e das oportunidades de

negócios, e em informar os resultados à alta direção da empresa (trata-se do

relatório da auditoria218). É justamente dentro dessa perspectiva que se orienta a

218 O relatório da auditoria deve fornecer um registro completo, preciso, conciso e claro da auditoria, e conforme a norma ISO 19011 (BRASIL, 2002b), deve referir-se aos seguintes aspectos: “a) os objetivos da auditoria; b) o escopo da auditora, particularmente a identificação das unidades organizacionais e funcionais ou os processos auditados e o período de tempo coberto; c) identificação do cliente da auditoria; d) identificação do líder da equipe da auditoria e seus membros; e) as datas e lugares onde as atividades da auditoria no local foram realizadas; f) o critério da auditoria; g) as constatações da auditoria; h) as conclusões da auditoria; O relatório da auditoria também pode incluir ou pode se referir ao seguinte, se apropriado: i) o plano de auditoria; j) uma lista de representantes do auditado; k) um resumo do processo de auditoria incluindo obstáculos e/ou incertezas encontrados que poderiam diminuir a confiabilidade das conclusões da auditoria; l) a confirmação de que os objetivos da auditoria foram atendidos dentro do escopo da auditoria e em conformidade com o plano de auditoria; m) quaisquer áreas não cobertas, embora dentro do escopo da auditoria; n) quaisquer opiniões divergentes e não resolvidas entre a equipe da auditoria e o auditado; o) as recomendações para melhoria, se especificado nos objetivos da auditoria; p) o plano de ação de acompanhamento negociado, se existir; q) uma declaração da natureza confidencial dos conteúdos; r) a lista de distribuição do relatório da auditoria”.

157

realização da auditoria de forma periódica, considerando-se efetivamente como um

processo de auxílio à implementação efetiva da conformidade.

Se especificadas nos objetivos de auditoria as conclusões219, estas podem

conduzir a recomendações referentes às relações empresariais (de forma ampla),

com vistas à realização de melhorias, certificação/registro ou atividades de futuras

auditorias.

Diante desse breve descrição do processo de auditoria da norma ISO 19011:

2002, verifica-se que o modelo estabelecido é compatível com uma análise jurídica

das atividades da empresa, e que na auditoria jurídica, então, deverá ser

estabelecida uma programação prévia a fim de que as atividades estejam focadas

em atingir os objetivos estabelecidos, procedendo-se à análise da conformidade de

documentos, atividades, regulamentos e políticas da empresa com relação a

critérios jurídicos (aplicação de leis, regulamentos, contratos), e indicando no

resultado as medidas que devem ser adotadas para corrigir ou prevenir

desconformidades.

E nesse caso, uma das grandes diferenças da auditoria jurídica em relação às

demais auditorias, é que os critérios de análise são exigíveis coercitivamente pelo

Estado ou através dele (Poder Judiciário), não havendo (na teoria) possibilidade de

escolha em manter-se a desconformidade. Por isso a importância de compreender

os riscos legais ou jurídicos, que influenciam na realização da auditoria jurídica, na

gestão de riscos e na tomada de decisões pelas empresas.

219 As conclusões da auditoria podem apontar: a) a extensão da conformidade do sistema de gestão com o critério de auditoria; b) a implementação eficaz, manutenção e melhoria do sistema de gestão; e c) a capacidade do processo de análise crítica pela direção em assegurar a contínua pertinência, adequação, eficácia e melhoria do sistema de gestão.

158

4.2 RISCOS JURÍDICOS EMPRESARIAIS

4.2.1 Considerações gerais

Primeiramente, é preciso salientar que no ordenamento jurídico brasileiro

sempre predominou, e ainda hoje predomina, o tratamento dos efeitos jurídicos das

condutas empresariais (depois que o fato já ocorreu). Trata-se de uma visão reativa,

que nos últimos anos tem sido substituída por uma conduta pró-ativa e o

planejamento jurídico (tratamento das causas), com o objetivo de evitar que danos

ocorram e onerem os custos financeiros das empresas.

Portanto, a teoria do risco jurídico (ou legal)220 empresarial, está sendo

construída na doutrina brasileira e foram encontrados poucos autores que tratam do

tema, o que caracteriza uma limitação ao presente estudo.

Duarte Júnior (1996, p. 05) tratava, em 1996, de quatro dimensões de riscos

relacionados às instituições financeiras: risco de mercado, risco de crédito221, risco

operacional e risco legal. Este foi definido da seguinte forma:

O risco legal pode ser definido como uma medida numérica da incerteza dos retornos de uma instituição caso seus contratos não possam ser legalmente amparados por falta de representatividade por parte de um negociador, por documentação insuficiente, insolvência ou ilegalidade (BASTOS; DUARTE JÚNIOR; JORDÃO et al, 1999, p. 15).

A partir da definição acima, foram estabelecidas três sub-áreas de risco legal:

1) Risco de legislação - risco de perdas decorrentes de sanções por reguladores e indenizações por danos a terceiros por violação da legislação vigente. Exemplos: multas por não cumprimento de exigibilidades, e indenizações pagas a clientes por não cumprimento da legislação; 2) Risco tributário - risco de perdas devido a criação ou nova interpretação da incidência de tributos. Exemplos: criação de impostos novos sobre ativos e/ou produtos, e recolhimento de novas contribuições sobre receitas, não mais sobre lucros; 3) Risco de contrato - risco de perdas decorrentes de julgamentos desfavoráveis por contratos omissos, mal redigidos ou sem o devido

220 Na presente pesquisa, as denominações “risco legal” e “risco jurídico” estão sendo utilizadas como sinônimos. 221 “Risco de crédito se relaciona a riscos de perdas financeiras sofridas quando uma contraparte em um contrato de crédito não cumpre com seus compromissos. As perdas serão computadas em razão de compromissos não recebidos, sejam estes compromissos assumidos com particulares, empresas ou mesmo com o setor público” (GONÇALVES, 2002, p. 114).

159

amparo legal. Exemplos: pessoa sem poder para assinar contratos representando a instituição, não execução pronta de garantias, requerendo o acionamento do jurídico, e responsabilidades cobertas nos contratos de terceirização colocadas de forma pouco objetiva (BASTOS; DUARTE JÚNIOR; JORDÃO et al, 1999, p. 15-16).

Alguns anos depois, Gonçalves (2002, p. 114-115) manifestou entendimento

no sentido de que os riscos legais e o gerenciamento desses riscos deveriam ser

definidos a partir da realidade local e da realidade de cada uma das organizações

(ou seja, os riscos devem ser avaliados no caso concreto, e são estes riscos

concretos que indicam as melhores estratégias de gestão de riscos).

Quanto à definição do risco legal, Gonçalves criticou as definições de risco

legal que tratam deste apenas como a impossibilidade de efetivação de um contrato

ou direito, e o definiu da seguinte forma:

o risco legal poderá ser definido como o risco de perdas inesperadas surgidas de deficiências no gerenciamento de informações e procedimentos vinculados à necessidade de a empresa obter uma situação fática, relacionada a terceiros, vinculada a seu planejamento diretivo. A ausência de tal eficiência implica o não-exercício de um direito e a perda de valor patrimonial. Tais perdas devem ser devidamente conhecidas, controladas e contrapostas a um resultado futuro (GONÇALVES, 2005, p. 92).

O autor esclarece que as perdas legais decorrentes da aplicação de leis e

regulamentos, bem como da execução de contratos (vinculados à atividade da

empresa), são apenas as maneiras como o resultado negativo se manifesta, e

somente indiretamente dizem respeito à causa de tais perdas. Por isso, revendo

posicionamento anterior222, ele subdividiu os riscos legais em: risco de

conformidade, risco de imagem, risco concorrencial, risco contratual, risco do

terceiro setor, risco normativo, risco internacional e risco societário. Essa subdivisão

refere-se aos inter-relacionamentos que as empresas mantêm com seus

stakeholders, o que possibilita medir os riscos (e gerenciá-los) em função da falta de

eficiência nesses relacionamentos (GONÇALVES, 2005, p. 93).

Mais recentemente, o risco legal também é tratado pelo Banco Central do

Brasil, que na Resolução nº 3.380, de 29/06/2006, dispõe sobre a implementação de 222 Em artigo anterior, Gonçalves (2002, p. 115) subdividiu os riscos legais em cinco atividades particulares que representariam riscos reais e passíveis de controle: risco contratual, risco contencioso, risco de regulamentação, risco de conformidade e risco tributário. De acordo com entendimento mais recente do autor, essa divisão teria sentido quando o objetivo é adotar critérios para mensuração das perdas relacionadas aos riscos legais, entretanto, não se presta à sistematização desses riscos, que deve referir-se aos inter-relacionamentos que as empresas mantêm com seus stakeholders (GONÇALVES, 2005, p. 93).

160

estrutura de gerenciamento do risco operacional223 em instituições autorizadas a

funcionar pelo BACEN, estabelecendo diretrizes e requisitos mínimos224. O risco

legal é tratado como espécie de risco operacional:

Artigo 2º. Para os efeitos desta resolução, define- se como risco operacional a possibilidade de ocorrência de perdas resultantes de falha, deficiência ou inadequação de processos inte rnos, pessoas e sistemas, ou de eventos externos. § 1º. A definição de que trata o caput inclui o risco legal associado à inadequação ou deficiência em contratos firmados pe la instituição, bem como a sanções em razão de descumprimento de di spositivos legais e as indenizações por danos a terceiros deco rrentes das atividades desenvolvidas pela instituição . § 2º. Entre os eventos de risco operacional, incluem-se: I - fraudes internas; II - fraudes externas; III - demandas trabalhistas e segurança deficiente do local de trabalho; IV - práticas inadequadas relativas a clientes, produtos e serviços; V - danos a ativos físicos próprios ou em uso pela instituição; VI - aqueles que acarretem a interrupção das atividades da instituição; VII - falhas em sistemas de tecnologia da informação; VIII - falhas na execução, cumprimento de prazos e gerenciamento das atividades na instituição (BRASIL, 2006b, grifo nosso).

Pode-se concluir que os riscos legais ou riscos jurídicos das empresas estão

relacionados a perdas decorrentes de ineficiência na proteção de ativos da

companhia, ineficiência de profissionais na elaboração de instrumentos contratuais,

desconformidades operacionais da empresa, mudanças de normas legais e

regulamentares, incertezas na interpretação e aplicação de leis pelo Poder

Judiciário, entre outros.

Assim, os advogados precisam compreender a complexidade das atividades

empresariais submetidas à sua análise, e prever o máximo possível das

conseqüências das suas orientações para os clientes, considerando o contexto legal

e judicial em que está inserida a empresa (em relação às políticas e cultura

organizacional desta), a fim de buscar alternativas que tragam resultados mais

eficientes, e sem custos de transação.

Quando as empresas não consideram todos os efeitos jurídicos das condutas

praticadas, elas assumem diversos custos de transação, que são aqueles em que se 223 “Risco operacional surge da ineficiência de sistemas ou controles, erros humanos, falhas de gerenciamento, perdas de patrimônio, etc. O risco operacional pode surgir de problemas com empregados desmotivados ou desqualificados, riscos de sistemas, ineficiência da organização e da administração, falta de acesso a informações internas ou de mercado” (GONÇALVES, 2002, p. 114). 224 A determinação do BACEN deixa clara a aplicação de princípios de segurança e integridade, ou seja, os procedimentos estabelecidos visam prevenir grandes perdas inesperadas (como as decorrentes de falência de instituições financeiras) e o conseqüente risco sistêmico potencial que esse fato gera para o sistema financeiro como um todo (GONÇALVES, 2005, p. 92).

161

incorre e que, de alguma forma, oneram a operação econômica (a transação),

“mesmo quando não representados por dispêndios financeiros feitos pelos agentes,

mas que decorrem do conjunto de medidas tomadas para realizar uma transação”

(SZTAJN, 2004, p. 09).

Portanto, os custos de transação225 compreendem “cuidados e o tempo

despendido entre o início da busca pelo bem, a decisão de efetuar a operação ou

transação – na linguagem dos economistas – e o cumprimento de todas as

obrigações pelas partes contratantes” (SZTAJN, 2004, p. 09).

Muitas decisões judiciais, que garantem indenizações, provocam mudanças na alocação de recursos, mudanças essas que não ocorreriam se as operações, realizadas agora em mercados, não impusessem custos de transação. Pior, as indenizações impostas judicialmente, quando possível, passam a integrar o processo produtivo e são transferidas para a sociedade, o que é uma externalidade resultante de decisão judicial (SZTAJN, 2004, p. 10).

Assim, impõe-se a conscientização das empresas de que o investimento

realizado com o objetivo de prevenir (precaução e prevenção) riscos legais, importa

em efetivo benefício para o próprio empreendimento. Nesse sentido, a auditoria

jurídica mostra-se como um instrumento para possibilitar o amplo conhecimento e

controle das perdas decorrentes desses riscos legais.

As tentativas de definição do risco legal demonstram a tendência atual de

gerir os riscos legais (e não apenas os danos) relacionados às atividades

empresariais. Entretanto, devido à grande complexidade das relações das

empresas, existe uma grande quantidade de riscos legais a que elas estão expostas

(embora haja exemplificações no trabalho, o presente estudo não pretende tratar de

forma exaustiva o tema).

225 São exemplos de custos de transação, segundo Sztajn (2004, p. 09): 1) a segurança do cumprimento das obrigações pela outra parte contratante (adimplemento), e por isso engloba as garantias do negócio e abrange, inclusive, “o trabalho com a redação de instrumentos contratuais que reflitam todas essas tratativas, que desenhem com clareza os direitos, deveres e obrigações das partes”; 2) “qualquer movimento posterior à operação que uma das partes deva fazer para a completa satisfação de seu crédito. Medidas judiciais, quando se as consideram inevitáveis para a satisfação da pretensão, por conta do recurso ao Judiciário, do tempo e esforços despendidos, entram no cômputo e, portanto, na estratégia de qualquer agente econômico, como fonte de custos de transação”; 3) também as “incertezas criam, representam custos de transação. Quanto maiores forem tais incertezas no que diz respeito ao bom resultado da operação (transação) visada pelos agentes, maiores serão os custos de transação que as partes a ela – incerteza ou insegurança – imputarão. Daí sua importância na análise de cada operação, de cada contrato, de cada alteração da lei”.

162

4.2.1.1 Algumas espécies de riscos jurídicos empresariais

Verifica-se que, em termos gerais, os riscos legais estão relacionados às

perdas inesperadas e às deficiências no gerenciamento de informações e

procedimentos da empresa, que resultam na impossibilidade do exercício de um

direito e na perda de valor patrimonial.

Partindo do pressuposto de que a auditoria jurídica está relacionada ao

levantamento das desconformidades jurídicas da empresa, propõe-se a seguinte

ordenação exemplificativa226 de riscos jurídicos:

a) riscos de irregularidades de constituição ou de alterações

contratuais/estatutárias das sociedades empresárias;

b) riscos de alterações legislativas e de mudanças de interpretação de

normas pelo Poder Judiciário, referentes às atividades da empresa,

incidência de tributos e formas de contabilização (inclui as incertezas na

interpretação e aplicação de leis pelo Poder Judiciário);

c) riscos de inadequação de contratos (omissos ou mal redigidos) e de

ineficiência na proteção de ativos da empresa;

d) riscos decorrentes de perdas de prazos no âmbito judicial ou

administrativo (revelia), inconsistência e não padronização de

argumentações (risco contencioso);

e) riscos de sanções pelo descumprimento de legislação e riscos de

indenizações por danos a terceiros decorrentes das atividades

desenvolvidas - desconformidades operacionais da empresa (riscos de

conformidade).

Quanto aos riscos de irregularidade de constituição ou de alterações

contratuais/estatutárias das sociedades empresárias (e também das atas das

assembléias de acionistas/sócios, da reunião de sócios, da diretoria, do conselho de

administração e do conselho fiscal (se houver), e acordos de acionistas (e aditivos),

226 O presente estudo não possui a pretensão de relacionar todos os possíveis riscos jurídicos a que estão expostas as empresas.

163

entre outros documentos societários), os mesmos podem gerar a nulidade de atos

societários e de transações comerciais, e responsabilidade civil, dentre outras

conseqüências. Por isso a importância da elaboração adequada dos atos

societários.

Os riscos de alteração legislativa e de mudança de interpretação de normas

pelo Poder Judiciário, referentes às atividades da empresa, incidência de tributos e

formas de contabilização, podem ser considerados riscos de regulamentação, que

se referem à possibilidade de surgimento de novas leis ou regulamentos que afetem

o funcionamento, lucratividade ou organização das empresas (GONÇALVES, 2002,

p. 115).

Também pode ser considerado o risco tributário, que é “o risco de perdas

devido a criação ou nova interpretação da incidência de tributos”. Neste caso, o

gerenciamento de tributos que incidem sobre as atividades operacionais e

comerciais da empresa, bem como a utilização do planejamento tributário, podem

auxiliar na adoção de medidas legais redutoras de custos (GONÇALVES, 2002, p.

115-116).

E ainda, o risco causado pela insegurança quanto ao Poder Judiciário. Alguns

fatores que compreendem esse risco são: a alteração constante da legislação

(instabilidade legislativa), a demora nas decisões judiciais, as orientações não

uniformes na interpretação das leis pelos diferentes tribunais (em especial, nos

Tribunais Superiores), e as dificuldades da execução judicial de contratos.

O risco de inadequação de contratos (ausência de técnica jurídica na

elaboração de contratos) e de ineficiência na proteção de ativos da empresa

(contratos sem garantias suficientes para execução de eventuais prejuízos

causados) pode ser denominado de risco contratual, o qual expõe a empresa a uma

contraparte, podendo causar prejuízos financeiros. O ideal é que, além das

cláusulas contratuais estarem em consonância com as disposições legais, conste no

contrato um acordo de soluções para os riscos previsíveis quando estas (soluções)

não forem estabelecidas em lei.

Ainda, considerando que produtos e serviços são vendidos através de

contratos, em muitas situações é recomendável que haja uma padronização do

contrato (embora isso nem sempre seja possível nem aconselhável, conforme o

ramo de atividade e o negócio realizado). Mas, se for possível, geralmente essa

padronização tem o intuito de evitar riscos.

164

Esclarece ainda Gonçalves (2005, p. 94):

Toda vez que o custo de uma contratação com um fornecedor é maior que o que foi estrategicamente estipulado, a perda deve ser avaliada e, não estando dentro dos riscos contratuais aceitos pela empresa, os métodos e princípios de contratação devem ser reavaliados (GONÇALVES, 2005, p. 94).

Quanto aos riscos decorrentes de perdas de prazos no âmbito judicial ou

administrativo (revelia), inconsistência e não padronização de argumentações,

refere-se ao denominado risco contencioso, que pode ser compreendido como

aquele que “diz respeito a perdas decorrentes de insucesso em processos judiciais,

ou mesmo, ausência de defesa jurídica de interesses legitimamente adquiridos pela

instituição”227.

Os riscos institucionais decorrentes de sanção (por exemplo, multas) pelo

descumprimento de disposições legais e regulamentares relacionadas ao

funcionamento da empresa/negócio/atividade, são conhecidos como riscos de

conformidade, e podem acarretar perdas financeiras e imateriais228.

Geralmente os riscos de conformidade se referem aos processos internos

inadequados – questões operacionais -, e seu controle é feito com o

estabelecimento de rotinas operacionais, observação das normativas internas e

externas, e pela averiguação da conformidade da atuação dos funcionários com

estas normas (GONÇALVES, 2002, p. 115-116).

Veja-se a definição mais recente de Gonçalves (2005, p. 94) para os riscos de

conformidade:

Está relacionado ao gerenciamento das rotinas da organização, com vistas à consecução de suas atividades e diretrizes para com o exterior. Assim, cabe ao risco de conformidade verificar se a manifestação fática da empresa é condizente com as determinações de seus órgãos estratégicos. Seu gerenciamento deve levar a um sistema eficiente de normas internas que propicie a eficiência na execução de suas atividades operacionais voltadas a agentes externos (GONÇALVES, 2005, p. 94).

227 É em razão da existência desse tipo de risco que se recomenda que seja realizado, além da auditoria jurídica interna, um controle externo através da auditoria jurídica externa, uma vez que é princípio de auditoria que o auditor (funcionário) não deve avaliar as suas próprias atividades na empresa. 228 “Risco de imagem está relacionado a perdas decorrentes de causas imateriais, sobretudo no que diz respeito a reputação da empresa. Logo, poderíamos definir como o risco de redução do valor atribuído à imagem da empresa. Ocasionalmente, esta queda de valor pode ocorrer em razão de ações localizadas ilegais ou irresponsáveis” (GONÇALVES, 2002, p. 116).

165

Os riscos institucionais decorrentes de sanções por órgãos reguladores e

indenizações por danos (morais, materiais e estéticos) a terceiros, devido à violação

da legislação vigente, são denominados de riscos de regulamentação229.

(GONÇALVES, 2002, p. 115).

Os riscos de conformidade e de regulamentação são amplos, e podem estar

relacionados, entre outros, com:

a) demandas tributárias em razão do não cumprimento das obrigações

tributárias (principais e acessórias);

b) demandas trabalhistas230 em razão do não cumprimento da legislação do

trabalho e segurança deficiente do local de trabalho;

c) demandas decorrentes das relações de consumo em razão de práticas

inadequadas relativas a clientes, produtos e serviços231;

d) a responsabilização objetiva e solidária pelo dano ambiental, que é

considerado imprescritível e persiste mesmo nos casos de autorização da

atividade pelo órgão ambiental competente232;

229 Conforme exposto anteriormente, estes riscos também se referem à possibilidade de surgimento de novas leis ou regulamentos que afetem o funcionamento, lucratividade ou organização das empresas. 230 Os riscos de demandas trabalhistas decorrem de perdas derivadas de atuação incompatível com a legislação ou acordos trabalhistas, e descumprimento de normas de segurança do trabalho, além do pagamento de indenizações por danos pessoais (em conseqüência de discriminação, assédio sexual e moral, por exemplo). Esses riscos podem ser minimizados através da análise das questões mais freqüentes de condenações judiciais ou autuações dos órgãos de fiscalização do trabalho, e adoção de medidas de correção, além da prática de orientações jurídicas prévias ao setor de recursos humanos (por exemplo, sobre o preenchimento correto e o controle de cartões ponto, casos em que efetivamente cabe demissão por justa causa, proibição de desvio de função, exigência e fiscalização da efetiva utilização dos equipamentos de proteção individual (EPIs) pelos funcionários). Gonçalves (2002, p. 119-120) também trata do risco de qualificação, que é aquele que decorre de perdas pelo fato de empregados desempenharem tarefas sem qualificação profissional apropriada à função. 231 Neste caso, salienta-se o risco de produtos e serviços decorrente da possibilidade de responsabilização (objetiva e solidária na cadeia de fornecedores) pelo fato do produto ou serviço (artigos 12 a 14 do Código de Defesa do Consumidor) e pelos vícios de produtos ou serviços prestados (artigos 18 a 20 do Código de Defesa do Consumidor). Tudo isso pode influenciar no risco de imagem da empresa, conforme explica Gonçalves (2005, p. 94), pois, o excesso de reclamações de consumidores em serviços de atendimento ao cliente, em órgãos administrativos ou no Poder Judiciário, faz com que a marca perca seu valor perante o mercado consumidor. Nesse sentido, afirma o autor: “O controle de risco de imagem deve levar não somente à manutenção do valor da marca, como à redução de perdas em processos judiciais e administrativos com consumidores”. 232 Em decisão proferida dia 15/05/2007, no Recurso Especial n.º 647.493/SC, os ministros do Superior Tribunal de Justiça confirmaram decisão que determinou a recuperação de dano ambiental continuado causado por atividade mineradora (extração de carvão mineral) na região sul do Estado de Santa Catarina desde aproximadamente 1972. Foi mantida a condenação das mineradoras, no intuito de reconhecer sua obrigação de reconstituir todo o meio ambiente degradado de forma solidária, mas, se possível, conforme a contribuição de

166

e) elaboração deficiente de contratos ou cláusulas contratuais, em desacordo

com a lei (pressupostos legais de validade);

f) terceirização de serviços sem controle das atividades do contratado (o que

pode acarretar responsabilidade solidária no âmbito civil, ambiental,

tributário e trabalhista, por exemplo);

g) falhas em sistemas de tecnologia da informação (de divulgação de

informações e segurança)233;

h) falhas na execução de obrigações e cumprimento de prazos contratuais, e

no gerenciamento das atividades234;

cada uma para os danos causados (art. 1.518 do Código Civil/1916 e art. 942 do Código Civil/2002). Assim, cada mineradora foi responsabilizada pela reparação ambiental da extensão de terras que poluiu, direta ou indiretamente. Quanto à União Federal, foi admitida sua responsabilidade solidária pela reparação do dano ambiental, com fundamento na responsabilidade subjetiva do Estado por omissão (o Estado por qualquer motivo não tinha condições de fiscalizar ou não fiscalizou, e isso resultou na possibilidade de ocorrência do dano ambiental, que tinha a obrigação legal de evitar, conforme disposto no Decreto-Lei n.º 227/1967, na Lei n.º 7.805/1989, e no artigo 225 da Constituição Federal Brasileira), e com fundamento na aplicação dos princípios do “usuário-pagador” (no sentido de redistribuir os custos da preservação ambiental àqueles que foram beneficiados pela utilização do carvão mineral) e da eqüidade (que justificaria a diluição de custos da reparação do dano ao meio ambiente entre toda a sociedade, através da União Federal), tendo em vista o número indeterminado de pessoas que consumiu produtos que, direta ou indiretamente utilizaram o carvão mineral no seu processo produtivo (e quando se condena o Estado a reparar o dano, o dinheiro utilizado para pagamento terá como origem a arrecadação tributária). Entretanto, mesmo admitindo-se a responsabilidade solidária da União Federal com as empresas mineradoras, foi ressalvado o seu dever de pleitear o ressarcimento total das quantias despendidas com os custos da recuperação ambiental (se esta for feita pelo Estado), tendo em vista que as empresas responsáveis diretas pelos danos ambientais é que deverão arcar integralmente com os custos da recuperação ambiental, por uma “questão de justiça”, já que apenas elas é que se beneficiaram diretamente do evento danoso. Também foi reconhecida a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica com relação às mineradoras, para que seus sócios administradores respondam pela reparação ambiental em regime de responsabilidade subsidiária, apesar da previsão legal de, em casos de danos ambientais, a responsabilidade ser solidária com suas administradas nos termos do art. 3º, parágrafo único, e art. 4º, § 1º, da Lei n.º 9.605/1998 e art. 3º, IV, da Lei n.º 6.938/1981, associado ao art. 14, § 1º, da mesma lei (no caso foi aplicado o benefício do art. 897 do Código de Processo Civil Brasileiro, conforme o Decreto-Lei n.º 1.608/1939, que prevê que a responsabilidade dos sócios deve ser subsidiária). Essa decisão que manteve a responsabilidade das empresas de efetivamente indenizarem os danos ambientais causados (mesmo os danos ambientais decorrentes de atividades no passado, mesmo considerando que essas atividades foram realizadas sob autorização do Estado através do licenciamento ambiental), deve-se também à percepção do risco ambiental como perda financeira para as empresas que não incorporarem efetivamente melhores métodos de gestão de riscos ambientais. 233 Estes tipos de falhas podem referir-se ao risco de presteza e confiabilidade, decorrente de “perdas pelo fato de informações não poderem ser recebidas, processadas, armazenadas e transmitidas em tempo hábil e de forma confiável”. 234 Com relação às falhas no gerenciamento de atividades, podem acarretar risco de equipamentos (que são riscos de perdas causadas por falhas em equipamento, que podem gerar danos a terceiros e culminar na responsabilidade da empresa), e riscos de erro não intencional, que são aqueles que decorrem de equívoco, omissão, distração ou negligência de funcionários (GONÇALVES, 2002, p. 119-120).

167

i) utilização indevida (sem a respectiva licença de uso) de programas de

computador (softwares), e falta de controle quanto ao acesso de

funcionários à internet e a programas ilegalmente obtidos e utilizados em

computadores na empresa.

A fim de corroborar a exemplificação de riscos jurídicos proposta acima,

verifica-se que muitos dos riscos descritos estão relacionados aos vinte e nove

riscos destruidores de valor das maiores empresas do mundo, identificados no

estudo realizado em 2005, pela Deloitte Touche Tohmatsu235:

Riscos estratégicos 1 Quedas da demanda Deficiência em administrar quedas na

demanda devido a eventos específicos relacionados à empresa ou ao setor em que ela atua.

2 Problemas com clientes e inadimplência

Deficiência em administrar perdas decorrentes de problemas com clientes importantes, envolvendo diminuição da demanda ou interrupção de pagamento.

3 Problemas com fusões e aquisições

Deficiência na avaliação ou na fusão de duas empresas.

4 Pressões por preço Deficiência em sustentar as margens em condições competitivas com a concorrência.

5 Competição sobre produtos e serviços

Ineficiência ao introduzir inovações em produtos e serviços ao mercado consumidor.

6 Problemas com produtos e serviços

Deficiência no controle de qualidade do produto produzido ou do serviço oferecido.

7 Regulamentação Deficiência no planejamento das ações relacionadas ao cumprimento de regulamentações.

8 Pesquisa e Desenvolvimento Deficiência no aproveitamento das pesquisas para a elaboração de produtos bem-sucedidos.

Riscos operacionais 9 Descontrole dos custos

operacionais Deficiência nos controles internos e no registro das informações financeiras,

Além de danos a terceiros, a falta de controle pode gerar fraudes internas, que são perdas derivadas de algum tipo de atuação com objetivo de fraude ou apropriação indevida de bens, que muitas vezes ocorrem devido à falta ou falhas no controle dos negócios praticados por prepostos, proporcionando o desvio de resultados. Com relação às fraudes externas, a falta de controle pode ocasionar, por exemplo, o recebimento de pagamentos através de cheques roubados e falsificados, que devido à outra falha operacional são enviados para desconto bancário e geram a inscrição indevida do nome de terceiros em cadastros restritivos de crédito, causando um dano moral indenizável, além da perda do produto/serviço prestado. 235 Conforme exposto no capítulo anterior, a Deloitte Touche Tohmatsu adota a classificação dos riscos em quatro categorias: estratégicos, operacionais, financeiros e externos.

168

acarretando a incapacidade de identificar a elevação de custos que impactam nas operações da empresa.

10 Controles de operação fracos Deficiência nos controles operacionais, de Recursos Humanos ou de outras funções.

11 Problemas de contabilidade Fraude ou manipulação da informação contábil.

12 Problemas de capacidade Capacidade de produção ou de serviços inadequada ou em demasia para responder à demanda.

13 Problemas de logística Deficiência na administração da logística, acarretando atrasos, estoques elevados ou falta de estoques.

14 Problemas com funcionários Equipe insuficiente ou fraudes promovidas por funcionários.

15 Inconformidade com normas Deficiência no cumprimento de normas, regras e regulamentos gerais do setor de atuação da empresa e problemas com desvio de conduta.

16 Elevação de custos Deficiência na realização do orçamento e no controle dos custos da empresa, como insumos.

Riscos financeiros 17 Taxas elevadas de

endividamento e juros Nos EUA, o nível de endividamento é o fator mais importante nesse aspecto, gerando deficiência no controle dos empréstimos. No Brasil, o problema está relacionado às taxas de juros, que podem desestimular investimentos produtivos por parte das empresas, que optam, por vezes, pela lucratividade oferecida pelos investimentos financeiros.

18 Estratégias financeiras fracas Uso inadequado de opções, derivativos e outras práticas de administração de riscos financeiros para preservar o valor.

19 Perdas de ativos Níveis insuficientes de investimento, que conduzem a perdas nos ativos da empresa.

20 Perdas no ágio e nas amortizações

Práticas contábeis incorretas para demonstrar o ágio (diferença entre o valor da empresa e o seu valor de mercado) e a amortização.

Riscos externos 21 Crises no setor de atuação da

empresa Problemas diversos relacionados à oferta de produtos e serviços pela empresa, pelas demandas do mercado, por regulamentações setoriais e outros eventos. No Brasil, esse tipo de risco está normalmente associado à especificidade da conjuntura de preços praticados em alguns mercados, como o de commodities.

22 Problemas econômicos no país-sede

Deficiência para lidar com problemas econômicos do país em que a empresa atua, como crises monetárias.

23 Problemas econômicos em outros países

Deficiência para lidar com riscos econômicos em países nos quais a empresa mantém subsidiárias.

169

24 Problemas políticos Deficiência na antecipação a mudanças nas políticas governamentais.

25 Vulnerabilidades legais Deficiência na antecipação ou solução de questões.

26 Perda de sócios Perda inesperada de sócios na empresa. 27 Terrorismo Deficiência na antecipação e na

administração das conseqüências de atos terroristas.

28 Perdas com fornecedores Dificuldades surgidas a partir de compromissos firmados com fornecedores que entraram em falência.

29 Catástrofes naturais Perdas geradas por eventos meteorológicos e naturais em geral.

Quadro 2 – Riscos empresariais Fonte: Deloitte Touche Tohmatsu (2005, p. 04-06)

Esses riscos identificados pela Deloitte Touche Tohmatsu (2005, p. 04-06)

podem ser relacionados a riscos jurídicos, exemplificativamente, da seguinte forma:

a) problemas com inadimplência (item 2) devem-se também aos riscos

contratuais de inadequação de contratos e de ineficiência na proteção de

ativos da empresa, e estão relacionados aos riscos de demora nas

decisões judiciais e dificuldades da execução judicial de contratos

(ineficiência do Poder Judiciário);

b) problemas com fusões e aquisições (item 3) muitas vezes estão

associados ao levantamento inadequado dos riscos jurídicos envolvidos e

dos passivos judiciais e administrativos das empresas;

c) problemas de deficiência no controle de qualidade do produto produzido

ou do serviço oferecido (item 6) geram risco de demandas decorrentes das

relações de consumo e responsabilização da empresa;

d) as deficiência no planejamento das ações relacionadas ao cumprimento

de regulamentações (item 7), muitas vezes decorrem da falta de

orientação jurídica para setores estratégicos e de decisão na empresa, e

podem causar riscos de conformidade e riscos de regulamentação;

e) deficiência nos controles internos e no registro das informações

financeiras (item 9), é problema de governança corporativa, que podem

ocasionar riscos tributários, riscos de conformidade, riscos de

regulamentação, entre outros;

f) deficiência nos controles operacionais, em especial com relação aos

Recursos Humanos (item 10), pode gerar risco de demandas trabalhistas;

170

g) problemas com fraude interna ou manipulação da informação contábil

(item 11), pode gerar, além de perdas financeiras para a empresa, riscos

tributários (pelo descumprimento de obrigações acessórias);

h) problemas com a capacidade de produção ou de serviços inadequada ou

em demasia para responder à demanda (item 12), pode trazer riscos

contratuais e demandas de responsabilidade civil no caso de

descumprimento de contrato;

i) deficiência na administração da logística, acarretando atrasos, estoques

elevados ou falta de estoques (item 13), pode trazer riscos contratuais, em

especial risco de indenização de perdas e danos no caso de

descumprimento de contrato;

j) os problemas com funcionários (descrito no item 14), pode acarretar, no

caso de insuficiência de equipe, em desvio de função e demandas

trabalhistas, e ainda, as fraudes promovidas por funcionários podem gerar,

além de perdas financeiras para a empresa, demandas judiciais de

responsabilidade, no caso de danos a terceiros;

k) a deficiência no cumprimento de normas, regras e regulamentos gerais do

setor de atuação da empresa (item 15), pode acarretar riscos de

conformidade e de regulamentação;

l) os problemas referentes à vulnerabilidades legais (item 25), estão

relacionados, entre outros, à deficiência na previsão/antecipação dos

riscos jurídicos e das respectivas soluções de precaução ou de correção,

seja pela falta de informações corretas, ou ainda, devido aos riscos de

alteração legislativa e de mudança de interpretação de normas pelo Poder

Judiciário;

m) perdas com fornecedores (item 28), podem estar relacionadas ao não

cumprimento de compromissos firmados por fornecedores, que podem

decorrer de riscos contratuais (deficiência de análise prévia de contratos e

de garantias).

A intrínseca relação dos riscos jurídicos com os demais riscos a que estão

expostas as empresas, demonstra a sua importância e a efetiva necessidade do seu

gerenciamento.

171

4.2.2 Gestão de riscos jurídicos empresariais

A gestão de riscos jurídicos está relacionada à obtenção de informações

adequadas sobre as situações de risco, possibilitando a melhoria das decisões

gerenciais.

Gonçalves (2005, p. 89) define a gestão de riscos da seguinte forma:

gerenciar riscos é detectar, medir e controlar as incertezas, trazendo-as para uma perspectiva atual, atribuindo valor para estas incertezas e, por fim, encontrando modos de otimizar os controles e diminuir suas possibilidades de incidência.

Para o autor, para que as empresas tenham sucesso na gestão de riscos

jurídicos236, elas devem medir e controlar os riscos, e também incorporar de uma

maneira pró-ativa todos os outros aspectos necessários para uma estrutura de

gerenciamento de riscos, que seriam: criar um ambiente empresarial adequado,

elaborar métodos de formação de bancos de dados de perdas legais, mensurar as

perdas legais, avaliar os retornos esperados e elaborar planos estratégicos de

controle de riscos (GONÇALVES, 2005, p. 92-96).

Para criar um ambiente empresarial adequado, o autor orienta a incrementar

a formação dos advogados da empresa com relação ao pensamento financeiro, e a

formar uma cultura interna preparada para incorporar as mudanças necessárias à

implementação do gerenciamento de riscos jurídicos.

Com relação à formação de “bancos de dados de perdas legais”, orienta-se

que este seja adequado e possibilite um “espaço amostral seguro” dessas perdas. É

nesse ponto que se ressalta a aplicação da auditoria jurídica, pois para um efetivo

gerenciamento dos riscos jurídicos é necessário sua apuração, sua mensuração e a

indicação da periodicidade com que as perdas ocorrem:

Assim, é fundamental a inserção de instrumentos de coleta de eventos relacionados a perdas, para que a amostra possa ser formada. Tal prática só pode ser obtida através do conhecimento profundo das atividades empresariais e os pontos adequados de captura. Podemos, de qualquer

236 “Para assegurar que medidas apropriadas de gestão de riscos sejam difundidas em todas as unidades de negócios, é necessário que se tenham claramente definidos os seguintes princípios de gestão: objetividade, consistência, relevância, transparência, abrangência e plenitude” (GONÇALVES, 2005, p. 98).

172

forma, observar que a prática de due diligence periódica na empresa, voltada à captura de riscos, seria um passo importa nte nesse sentido. Sabemos que nenhum comprador faz investimento relevante em uma empresa sem antes fazer uma diligência de todos os seus passivos legais. O investidor considera que somente com o montante desse passivo em mente pode avaliar se o valor que está investindo dará o retorno que espera. Ora, se esse raciocínio vale para o novo investidor , porque não é válido para o investidor que já está na empresa? Os riscos legais são facilmente capturáveis, pois sempre se manifestam em relações com stakeholders e, portanto, são sempre exteriorizados e documentados. A elaboração de bancos de dados efetivos para cada tipo de risco legal permitirá que se passe para a f ase de sua redução e controle. Por fim, é válido observar que a realização de uma correlação entre as perdas em relações jurídicas que chegam ao Judiciário e as que são contratualmente resolvidas também terá importante função quando da avaliação de formas de reduzir riscos (GONÇALVES, 2005, p. 96, grifo nosso).

Depois de incrementar a formação do corpo jurídico, formar um banco de

dados, e aferir o volume e o valor das perdas legais em determinado período de

tempo (mensuração), Gonçalves (2005, p. 96) orienta a calcular a volatilidade destas

perdas237 e avaliar os retornos esperados, para, ao final, a partir de todas essas

informações, elaborar planos estratégicos de controle dos riscos jurídicos (que

deverão ser analisados em consonância com os outros riscos empresariais a que a

empresa está exposta).

Verifica-se que as fases da gestão de riscos jurídicos238 propostas por

Gonçalves (2005, p. 92-96), seguem a lógica das fases ou etapas da gestão de

237 Existem escalas e métodos para medir numericamente os riscos e calcular a volatilidade das perdas, entretanto, devido à sua complexidade, não serão objeto do presente estudo. 238 Com relação à gestão de riscos jurídicos, abrangidos pela gestão dos riscos operacionais na interpretação do BACEN, verifica-se que a Resolução nº 3.380/2006 (BACEN) estabelece as seguintes exigências: “Art. 3º. A estrutura de gerenciamento do risco operacional deve prever: I - identificação, avaliação, monitoramento, controle e mitigação do risco operacional; II - documentação e armazenamento de informações referentes às perdas associadas ao risco operacional; III - elaboração, com periodicidade mínima anual, de relatórios que permitam a identificação e correção tempestiva das deficiências de controle e de gerenciamento do risco operacional; IV - realização, com periodicidade mínima anual, de testes de avaliação dos sistemas de controle de riscos operacionais implementados; V - elaboração e disseminação da política de gerenciamento de risco operacional ao pessoal da instituição, em seus diversos níveis, estabelecendo papéis e responsabilidades, bem como as dos prestadores de serviços terceirizados; VI - existência de plano de contingência contendo as estratégias a serem adotadas para assegurar condições de continuidade das atividades e para limitar graves perdas decorrentes de risco operacional; VII – implementação, manutenção e divulgação de processo estruturado de comunicação e informação.

173

riscos empresariais tratada no capítulo três (3.2.4.1) por Dias Filho, Martin e Santos

(2004, p. 13): identificação, classificação e avaliação dos riscos, e estimativa dos

possíveis impactos (essas fases geram informações que contribuem para a

elaboração de um mapa geral de controle dos riscos da empresa).

Assim, da mesma forma, depois de avaliados e mensurados os riscos

jurídicos, é possível definir qual o tratamento a ser aplicado e como os riscos

deverão ser monitorados e informados às diversas partes interessadas.

Quanto às técnicas específicas de gestão de risco, no capítulo três (3.2.4.2)

foram descritas a diversificação, imunização, compartilhamento, neutralização,

transferência e retenção (DIAS FILHO; MARTIN; SANTOS, 2004, p. 15).

Entretanto, na gestão de riscos jurídicos, não se tratará da diversificação

(distribuir o risco entre um número amplo de ativos, reduzindo o risco geral de

perdas) e da neutralização (realização de operações financeiras que gerem

resultados para compensar os prejuízos sofridos), e ainda, as possibilidades de

aceitação da técnica da retenção (aceitação de que as perdas ligadas aos riscos

serão absorvidas total ou parcialmente pelo próprio patrimônio da empresa) ficam

bastante reduzidas, pois, em geral, poderão implicar em condutas em desacordo

com a lei.

Assim, de acordo com as técnicas indicadas por Dias Filho, Martin e Santos

(2004, p. 15), poderiam ser consideradas, com limitações, a imunização (formular

atividades e controles para prevenir, detectar ou conter eventos adversos ou limitar

suas perdas), o compartilhamento (distribuir, quando possível juridicamente, uma

§ 1º. A política de gerenciamento do risco operacional deve ser aprovada e revisada, no mínimo anualmente, pela diretoria das instituições de que trata o art. 1º e pelo conselho de administração, se houver. § 2º. Os relatórios mencionados no inciso III devem ser submetidos à diretoria das instituições de que trata o art. 1º e ao conselho de administração, se houver, que devem manifestar-se expressamente acerca das ações a serem implementadas para correção tempestiva das deficiências apontadas. § 3º. Eventuais deficiências devem compor os relatórios de avaliação da qualidade e adequação do sistema de controles internos, inclusive sistemas de processamento eletrônico de dados e de gerenciamento de riscos e de descumprimento de dispositivos legais e regulamentares, que tenham, ou possam vir a ter impactos relevantes nas demonstrações contábeis ou nas operações da entidade auditada, elaborados pela auditoria independente, conforme disposto na regulamentação vigente. Art. 4º. A descrição da estrutura de gerenciamento do risco operacional deve ser evidenciada em relatório de acesso público, com periodicidade mínima anual. § 1º. O conselho de administração ou, na sua inexistência, a diretoria da instituição deve fazer constar do relatório descrito no caput sua responsabilidade pelas informações divulgadas. § 2º. As instituições mencionadas no art. 1º devem publicar, em conjunto com as demonstrações contábeis semestrais, resumo da descrição de sua estrutura de gerenciamento do risco operacional, indicando a localização do relatório citado no caput”.

174

parte do risco para outra pessoa física ou jurídica239), e a transferência (distribuir

todo o risco para uma terceira pessoa através de um contrato240).

Gonçalves (2005, p. 97) entende que no tratamento dos riscos jurídicos,

poderá optar-se por reduzi-los (o que coincide com a imunização), ou realizar

provisão de reservas matemáticas suficientes para suportar as possíveis perdas

futuras deles decorrentes241, ou ainda, preparar-se estrategicamente para realizar as

perdas no futuro.

Com relação à redução dos riscos legais (que pode ser considerada uma das

melhores formas de tratamento dos riscos), explica o autor:

verificada a necessidade de redução dos riscos legais, será necessário desenvolver rotinas empresariais adequadas à redução das volatilidades e amplitude de riscos detectados. Para cada tipo de risco legal, diversas atividades podem ser realizadas. No entanto, se temos bancos de dados das maiores causas de perdas legais na empresa, as atividades devem ser focadas nessas perdas (GONÇALVES, 2005, p. 97).

Trzaskowki (2005, p. 03), por sua vez, entende que fora de relações

contratuais, evitar o risco através da conformidade das atividades da empresa,

muitas vezes é o único caminho para não infringir a lei. Nesse sentido, o autor

considera que o tratamento de redução dos riscos também implica em sua aceitação

e, portanto, em infração à lei.

Trzaskowki (2005, p. 05-06)242 considera que a gestão de riscos jurídicos é

multidisciplinar (envolve a teoria da administração, a teoria econômica e o Direito) e

pode ser considerada a partir de três perspectivas: a) a primeira é a de organização,

que trata da elaboração prática e da implementação de estratégias de administração

239 Lembre-se que a terceirização, exemplo de compartilhamento, muitas vezes é desconsiderada juridicamente (no direito do trabalho, por exemplo), não sendo efetivamente a melhor solução para o tratamento de riscos. 240 Com relação à transferência de riscos jurídicos, geralmente isso é feito através de contrato de seguro, entretanto, a seguradora assumirá o ônus financeiro até um determinado limite (quantia segurada), por isso, a transferência de todo o risco, principalmente nos casos de valores consideráveis, muitas vezes não será possível na prática (nesse caso poderá se falar em compartilhamento, mesmo tratando-se de seguro). 241 No caso de riscos jurídicos decorrentes de processos judiciais, o ideal é que efetivamente seja realizada a provisão financeira de valores, possibilitando, inclusive, que acordos sejam firmados para o encerramento de demandas. 242 “Legal risk management can be considered from three perspectives or layers. The first layer is the organization layer, which deals with the practical elaboration and implementation (management) of legal risk management strategies (e.g. compliance programs). The second layer concerns the economical rationale behind decision taking. The third layer is invoked as a base for assessing legal risk and elaborating alternative legal strategies. These layers involve organization theory, economic theory and legal theory. It is difficult for all researchers to involve all aspects and legal risk management thus calls for multidisciplinary cooperation in research” (TRZASKOWKI, 2005, p. 05-06).

175

de riscos legais; b) a segunda é a preocupação sobre a utilização da razão

econômica e financeira na tomada de decisões, o que deve ser utilizado com cautela

a fim de assegurar o cumprimento das leis; e c) a terceira perspectiva, refere-se à

avaliação do risco legal e a elaboração de estratégias legais alternativas.

Com relação à utilização da razão econômica e financeira na tomada de

decisões, ressalta-se que a gestão do risco legal apenas como análise de “custo-

benefício”243 é incompatível com o sistema jurídico, pois não é possível na maioria

das vezes essa oportunidade de escolha (cita-se como exemplo a impossibilidade

de uma empresa optar por pagar ou não um tributo, pois juridicamente, o que existe

é a obrigação ao pagamento, sob pena de sanção), e não é possível “em tese” tirar

proveito de uma ilegalidade porque é a opção mais lucrativa (cita-se como exemplo

o fato de não pagar tributos com o objetivo de reduzir os custos de produção e

vender os produtos a preços mais baixos que a concorrência) (TRZASKOWKI, 2005,

p. 04).

Explica Trzaskowki (2005, p. 04) que uma questão importante a ponderar

quanto aos riscos jurídicos é o caráter punitivo e coercitivo da lei, e que, portanto,

entre os extremos de aceitar ou evitar o risco, se aceitar é ilegal e evitar é

impossível, a mitigação do risco seria a melhor solução para a administração do

risco legal.

Portanto, para tomar a decisão mais coerente e acertada no caso concreto,

exige-se dos gestores o conhecimento da lei (da sua interpretação e aplicação pelos

Tribunais Superiores), entretanto, “conformidade legal pode custar caro”

(TRZASKOWKI, 2005, p. 03). E é por isso que, embora a melhor opção para as

empresas seja contratar serviços jurídicos (interno ou externo) para assegurar que

todas as decisões tomadas e todos os procedimentos adotados estão em

conformidade com as exigências legais (o que ressalta a importância da auditoria

jurídica), o mais comum nas empresas de menor estrutura é buscar orientação

jurídica apenas depois de já instaurados os conflitos ou de ajuizadas as demandas.

Tudo isso justifica a necessidade de uma postura jurídica pró-ativa e

preventiva com relação à identificação (utilizando-se da auditoria jurídica) e

243 A análise de custo benefício pode ser compreendida, conforme Trzaskowki (2005, p. 04), como o processo de valorar os custos totais estimados em relação aos benefícios decorrentes de uma ou mais ações, para escolher a opção mais lucrativa. Portanto, essa análise pura e simplesmente aplicada à administração do risco legal acarreta o descumprimento das leis se essa opção for mais lucrativa do que sua obediência.

176

tratamento dos riscos jurídicos, o que inclui a mitigação de riscos por meio de novas

regulamentações e o desenvolvimento de procedimentos internos na empresa, além

da interação do departamento jurídico com as diversas áreas da organização e

rotinas de trabalho, a fim de traçar estratégias para minimizar demandas e riscos

jurídicos, e evitar processos judiciais.

As empresas que conseguem conviver e gerenciar os riscos legais e sua

volatilidade têm maior tendência a prosperar.

4.3 AUDITORIA JURÍDICA: UMA NOVA PERSPECTIVA PARA O DIREITO E PARA

AS EMPRESAS BRASILEIRAS

4.3.1 Auditoria jurídica empresarial: definição, ob jetivos, finalidades, processo,

limites e aplicações

Sales (2002, p. 25), define auditoria empresarial como:

um procedimento de avaliação das práticas e operações das empresas, a fim de verificar sua conformidade (compliance) com as normas técnicas, legais e/ou políticas, e se oferecem riscos potenciais às finanças da empresa, ao meio ambiente e à saúde pública.

Conforme Roso (2001, p. 44), a auditoria jurídica pode ser entendida como

um trabalho a ser desempenhado pelo advogado, destinada a avaliar não só os

processos na esfera judicial, arbitral e administrativa, bem como contratos que

ensejam riscos e a sintonia com as diferentes políticas da empresa, ou seja, todas

as atividades concretas que lhe sejam apresentadas no âmbito jurídico, com a

finalidade de emitir um parecer apontando os riscos existentes e potenciais, e

também as desconformidades legais, e indicando soluções a serem adotadas pela

empresa, observando princípios éticos. Assim define o autor:

A Auditoria Jurídica é trabalho que pode ser desempenhado unicamente por advogado no regular exercício da profissão mediante contratação prévia e escrita, dentro de comprometimentos conferidos por lei, destinada a operar a revisão de processo de qualquer natureza ou proceder a avaliação de uma ou plúrimas situações concretas que lhes são apresentadas, no âmbito da advocacia, para emitir, concluído o trabalho, nas duas hipóteses, com

177

observância dos princípios éticos e legais, parecer vinculante (Roso, 2001, p. 44).

A auditoria jurídica nem sempre foi bem aceita no meio jurídico, sob o

fundamento de que, sendo o advogado livre e responsável na orientação e

condução técnica das causas que patrocina, qualquer interferência estaria ferindo os

deveres de solidariedade e confraternidade que unem a classe na escolha dos

meios jurídicos e na condução de seu trabalho profissional.

Inicialmente a auditoria jurídica empresarial era mais utilizada para detectar

fraudes e nos processos de fusão, aquisição e/ou incorporação societária.

Atualmente, ela passa a assumir grande importância em relação às atividades das

empresas sob um novo enfoque, de caráter mais preventivo, e tem seu conteúdo

alargado para tornar-se também ferramenta de auxílio à gestão empresarial,

contribuindo especialmente para a gestão de riscos. É sob esse novo enfoque que a

auditoria jurídica é tratada no presente estudo.

No dia 23 de setembro de 2006, o Tribunal de Ética e Disciplina I, da Secção

de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, pronunciou-se favorável à prática

da auditoria jurídica, definindo-a como:

o exercício profissional consistente em lavratura de parecer ou realização de um juízo de legalidade, licitude, juridicidade, subsunção ao direito, de determinadas práticas administrativas ou empresariais (fatos jurídicos, atos jurídicos, atos-fatos e negócios jurídicos), a identificação das normas jurídicas aplicáveis à determinada atividade pública ou empresarial, ou ainda, análise e apreciação do risco de determinadas demandas judiciais, em curso ou por ajuizar, para que o cliente (no caso a empresa auditada) tenha a exata dimensão da conformidade de suas práticas empresariais com o direito posto.

Considerando-se essa nova dimensão da auditoria jurídica, Satriano (2003, p.

167-168) explica que ela é uma ferramenta que possibilita um controle prévio, para

que se possa aferir se os objetivos pretendidos serão alcançados (ou o estão sendo)

pela atividade. Nesse sentido, a auditoria jurídica é definida como uma ferramenta

“que permite ‘materializar el control’ sobre una determinada actividad y conforme

ciertas pautas y objetivos, permitiendo realizar verificaciones a efectos de ser

informadas”.

Assim, o objetivo geral da auditoria jurídica empresarial será verificar se

determinadas atividades cumprem ou não com as determinações legais e

regulamentares que lhe são aplicáveis (controle de conformidade - validade, licitude

178

e eficácia), quais as conseqüências da desconformidade, e as possíveis medidas

corretivas e preventivas.

Considerando-se que o objetivo é evitar desconformidades, desponta também

a importância da auditoria jurídica prévia, que poderá ser feita antes de iniciarem as

atividades de uma empresa, com o objetivo de indicar preventivamente quais as

normas e regulamentos a serem obedecidos, e quais serão as conseqüências em

caso de eventual descumprimento.

Considerando que as empresas de médio e grande porte se submetem à

controles internos e externos no mínimo anualmente, onde são procedidos exames

minuciosos de suas posições financeiras por empresas de auditoria, constata-se o

caráter multidisciplinar da auditoria, inclusive da auditoria jurídica. Considerando-se

todos os tipos de riscos jurídicos analisados anteriormente, que alcançam todos os

setores da empresa, verifica-se que seu objeto não são apenas os processos

judiciais de interesse da empresa, mas todas as relações jurídicas de forma ampla,

que poderão no futuro representar lucros ou perdas.

Por isso, na auditoria jurídica empresarial será feita uma análise do patrimônio

da organização (ativos, passivos e bens), do seu sistema operacional (em especial

dos segmentos produtivos e suas relações com os riscos jurídicos), e de todos os

processos (em curso ou potenciais) nas esferas administrativa, judicial e arbitral

(principalmente aqueles com expressivo volume de demandas, que demonstram

riscos de conformidade), a fim de realizar o levantamento, detecção e análise de

ativos e passivos, conhecidos ou ocultos, bem como todas as demais contingências

de natureza legal.

Nesse levantamento, que deve ter um caráter amplo (considerando sua

multidisciplinaridade), será realizado diagnóstico da situação legal das empresas,

com enfoque na formatação societária, financeira, comercial, regulatória,

operacional, trabalhista, tributária e ambiental, incluindo, ainda, a análise da

regularidade dos direitos que compõem o acervo da empresa auditada (direitos

imobiliários, autorais e de propriedade intelectual, minerários, entre outros), bem

como a quantificação e estimativa de riscos jurídicos (projeção financeira a partir da

análise da conformidade/desconformidade dos procedimentos adotados, e dos

possíveis resultados favoráveis ou desfavoráveis das demandas).

A partir desse entendimento, verifica-se que a auditoria jurídica tem como

uma de suas finalidades identificar as desconformidades jurídicas e informá-las aos

179

gestores, avaliar ativos e passivos e indicar medidas de mitigação dos riscos

jurídicos, de modo a garantir a adequada segurança jurídica dos negócios da

empresa.

Com relação à importância e finalidade da auditoria jurídica, ressalta-se o

entendimento de Abraham quando trata da auditoria trabalhista, o qual pode ser

considerado também para os demais tipos de auditoria:

Podemos concluir que as atividades que envolvem a auditoria na área trabalhista são, sobretudo, de natureza preventiva, por estabelecerem um conjunto de medidas para certificar o estrito cumprimento de todas obrigações legais trabalhistas e evitar demandas judiciais ou infrações de natureza administrativa. Porém, mais do que reduzir os riscos de autuações da fiscalização do trabalho ou minimizar reclamações na Justiça Trabalhista, a sua função principal é cognitiva, vale dizer, conhecer e informar à direção da empresa sobre a efetiva situação perante os seus empregados e em relação à legislação vigente, mormente se estiver em andamento, ou na iminência de ocorrer, uma operação de aquisição ou associação empresarial, cujos dados são de extrema relevância para uma tomada de decisão negocial (ABRAHAM, 2008, p. 122).

Considerando-se todos esses aspectos, na contratação da auditoria jurídica

devem-se estabelecer as regras de sua realização, especialmente o compromisso

de confidencialidade, regras de acesso às informações, local de realização, entre

outros, que deverão estar descritos de forma suficiente no plano de trabalho.

Quanto ao contrato para a realização da auditoria jurídica, Satriano (2003, p.

173-176) classifica-o como uma prestação de serviços profissionais, e orienta,

conforme a definição de auditoria jurídica de Roso (2001, p. 44), que seja firmado

contrato escrito (classificado como atípico, bilateral, consensual, de trato sucessivo e

comutativo), que uma das partes seja advogado no exercício regular da profissão

(inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil), e que, ao final, seja emitido parecer

com caráter vinculativo ao profissional, que deve observar os princípios éticos e

legais. Nesse ponto, esclarece o autor que esse caráter vinculante não implica a

observância obrigatória das orientações (medidas corretivas e preventivas) pelo

auditado/contratante dos serviços, o que é de grande importância com relação à

implementação dos resultados.

Satriano (2003, p. 176) também indica as fases preliminares a serem

seguidas para a auditoria jurídica: análise preliminar do objeto a ser auditado, a fim

de se estabelecer um plano de trabalho ou plano/programa de auditoria, que será

formalizado como objeto da prestação de serviços através da celebração de um

contrato. Essa fase, portanto, corresponde ao planejamento da auditoria.

180

Com relação à análise do objeto da auditoria, esclarece:

Então, o profissional deverá para cada hipótese de trabalho, ‘analisar o objeto da auditoria’ e, a partir dele, estabelecer um plano de trabalho. Esta tarefa prévia implica no denominado ‘reconhecimento de campo’ que compreende, entre outras tarefas, e de acordo com o objeto de que trata: I) na realização de entrevistas com os funcionários que permitam fazer uma composição sobre o ‘que será encontrado’; II) na verificação do ‘grau de dificuldade aparente’ para obter a informação necessária para realizar a auditoria conforme o objeto planejado; III) na verificação preliminar dos documentos (livros societários, poderes outorgados àqueles que atuam como mandatários e possam comprometer a empresa, etc) e das situações de fato (presença dos diretores da empresa no país; permanência na empresa de empregados que tenham participado dos principais negócios da companhia, etc) que se entenda necessárias para realizar sua tarefa (SATRIANO, 2003, p. 177, tradução livre da autora)244.

Conforme estabelecido na NBR ISO 19.001 (2002), no plano ou programa de

auditoria devem ser estabelecidos previamente os objetivos, abrangência,

responsabilidades, recursos e procedimentos a serem utilizados.

O plano de auditoria pode conter:

a) os objetivos da auditoria - exemplo:

a1) identificar os riscos jurídicos relacionados às políticas aplicadas aos

funcionários, procedimentos adotados pelo departamento de recursos

humanos, contratos que envolvam terceirização de serviços,

pareceres e orientações referentes a incidentes que envolvam

funcionários, processos administrativos e judiciais do direito do

trabalho e acordos firmados;

a2) fazer o levantamento estimativo do passivo trabalhista245 (onde é

preciso separar o passivo judicial do administrativo, e fazer a

estimativa fundamentada de êxito em processos); e

244 “Por tanto, el profesional deberá ante cada hipótesis de trabajo ‘analizar el objeto de la auditoría’ y, a partir de ello, plantear um ‘plan de trabajo’. Esta tarea previa implica el denominado ‘reconocimiento del campo’ que compreende, entre otras tareas, y de acuerdo al objeto que se trate: I) realización de entrevistas com él personal del cliente que le permitam hacerse uma composición de lugar sobre ‘qué va a encontrar’; II) la verificación del ‘grado de dificultad aparente’ para obtener la información necesaria para realizar la auditoría conforme el objeto planteado; III) la verificación liminar del estado de los documentos (libros societarios, poderes que acrediten la personería de quienes operam como mandatários y hayan comprometido a la empresa, etc) y las situaciones de hecho (presencia de los directores de la sociedad em el país; permanencia em la empresa de aquellos empleados jerárquicos qye hayan participado em los principales negócios de la compañia, etc) que él entiende como básicos para realiar su tarea” (SATRIANO, 2003, p. 177). 245 Abraham (2008, p. 108), identifica o passivo trabalhista da seguinte forma: “a) relativo ao descumprimento das obrigações regulares trabalhistas pelo empregador e b) pelas demandas judiciais originárias de reclamações trabalhistas dos empregados, que, além de gerar despesas extraordinárias, desnecessárias e muitas vezes vultosas, ainda podem afetar a imagem da empresa

181

a 3) fazer o levantamento dos custos judiciais dos processos com pouca

chance ou sem chance de êxito;

b) os critérios de auditoria e qualquer documento de referência – no exemplo

dado, é preciso indicar as normas jurídicas e decisões judiciais

relacionadas à interpretação dada pelos Tribunais Superiores à situações

criticas analisadas na auditoria (que serão o fundamento da análise de

conformidade), e quais são os documentos que precisam ser auditados246,

como por exemplo: folha de salários, controle de entrega de EPIs aos

funcionários, arquivos das guias de recolhimento de taxas e contribuições,

recibos de pagamento, livros de registro de empregados e respectivos

documentos de admissão, livro de registro de fiscalização e inspeção do

trabalho, das comunicações e circulares internas, quadro de horário de

trabalho, cartões ponto, prontuários de ocorrências médicas,

comunicações de acidentes de trabalho, acordos e convenções coletivas

de trabalho, contratos que envolvam a terceirização de serviços, pareceres

e orientações relacionadas a incidentes que envolvam relacionamento da

empresa com seus funcionários, cópia integral dos processos

administrativos e judiciais referentes ao direito do trabalho, os acordos

firmados com empregados em juízo ou fora dele, controle de custas

relacionadas aos processos, etc.;

c) o escopo da auditoria – identificar as unidades organizacionais e

funcionais, e os processos a serem auditados, ou seja, trata-se de

delimitar os objetivos específicos da auditoria:

c1) analisar a conformidade das políticas relacionadas aos funcionários,

e procedimentos adotados pelo departamento de recursos humanos

(em especial, o cumprimento das obrigações trabalhistas e a guarda

de documentos), verificando sua conformidade com as

determinações legais;

c2) analisar contratos que envolvam a terceirização de serviços; perante a coletividade, prejudicando, ao fim, a tomada de decisão sobre o interesse negocial em relação à empresa em questão”. 246 Com relação à obrigação do auditor de solicitar todos os documentos necessários para a realização da auditoria (para que os objetivos estabelecidos possam ser alcançados), Satriano (2003, p.178-179) afirma que “el alcance de esta obligación es que sean requeridos en tiempo y forma por parte del auditor, todos aquellos documentos que sean necesarios, según la auditoría que se trate, para lograr el objetivo previsto, estando a cargo de la sociedad auditada o de terceros (organismos de contralor, etc.) la entrega de los mismos al auditor”.

182

c3) analisar pareceres e orientações relacionadas a incidentes que

envolvam relacionamento da empresa com seus funcionários;

c4) analisar processos administrativos relacionados às infrações do

direito do trabalho (em especial autuações das Delegacias Regionais

do Trabalho);

c5) analisar os processos judiciais relacionados ao direito do trabalho

(em especial as reclamatórias trabalhistas e pedidos indenizatórios

de acidente de trabalho), a fim de analisar as estratégias jurídicas

adotadas;

c6) analisar os acordos firmados com empregados em juízo ou fora dele,

sua regularidade, controle e cumprimento;

c7) analisar o custo judicial efetivo de manutenção de processos sem

chances de êxito, ou com até 50% (cinqüenta por cento) de chances

de êxito (custas processuais, honorários advocatícios, honorários

periciais e de assistentes técnicos, despesas com viagens, xerox,

contratação de advogados correspondentes, entre outros);

d) indicar as datas e locais onde as atividades de auditoria serão realizadas,

bem como o tempo previsto de duração das atividades, inclusive reuniões

com a diretoria e com a equipe da auditoria;

e) deve-se estabelecer previamente as funções e responsabilidades de cada

um dos membros da equipe da auditoria, e dos representantes e das

pessoas acompanhantes indicadas pelo auditado/cliente da auditoria);

f) indicar o idioma de trabalho e do relatório da auditoria, se ele for diferente

do idioma do auditor e/ou do auditado;

g) indicar os arranjos de logística (viagem, instalações no local, etc.) e

recursos necessários para a realização da auditoria; e

h) identificar de forma objetiva e suficiente os assuntos relacionados a

confidencialidade.

Da mesma forma que o plano de auditoria jurídica trabalhista acima

apresentado, podem ser estabelecidos planos para a verificação de outras áreas

críticas da empresa, como direito tributário, responsabilidade civil e direito ambiental,

entre outras.

183

Depois de estabelecido o plano ou programa de auditoria, é preciso

implementá-lo, procedendo aos registros necessários e apropriados para que, ao

final, possa ser emitido o parecer conclusivo (a partir de uma análise crítica

fundamentada) com indicação das desconformidades e orientações corretivas e

preventivas de riscos jurídicos.

Ressalta-se que as medidas devem se concentrar em corrigir o problema, e

não apenas os sintomas, por isso, as orientações corretivas ou preventivas de riscos

jurídicos poderão indicar mudanças nas políticas da empresa, mudança de cláusulas

em contratos que envolvam terceirização de serviços, orientações de controle

operacional (diretamente relacionados com riscos jurídicos), mudança de estratégias

processuais, orientação para tentativa de acordo em processo com poucas chances

ou sem chances de êxito, entre outras medidas.

O auxílio para implementação das orientações pode ser feito pela mesma

equipe da auditoria, o que significa incluir também um acompanhamento para a

análise dos resultados (que consiste na realização de auditorias periódicas).

Esse processo de auditoria jurídica pode ser interno247 ou externo. A

vantagem da auditoria interna é que o auditor-funcionário248 geralmente tem um

conhecimento mais aprofundado das atividades e dos riscos operacionais da

empresa, e maior liberdade e acesso a informações. Por outro lado, uma das

desvantagens é que a auditoria interna não deve analisar questões que envolvam

atividades realizadas pelos próprios auditores na empresa, já que pode ser

considerado suspeito qualquer resultado quando o profissional tem que indicar os

próprios erros ou falhas, ou de seus superiores hierárquicos na empresa.

Já na auditoria externa, pelo contrário, não existe relação de subordinação

dos auditores com qualquer funcionário da empresa, nem existe, a princípio,

suspeição com relação aos resultados obtidos, como pode ocorrer na auditoria

interna. Entretanto, é comum a limitação de informações aos auditores externos

pelas empresas auditadas, seja por seu caráter extremamente confidencial (o que

247 A auditoria interna pode ser compreendida como “órgão de controle interno da empresa, responsável por verificar a adequação e efetividade dos controles, bem como avaliá-los sob a ótica de risco com a finalidade de otimizar o processo de gestão”. Por isso a auditoria interna é considerada muito importante no gerenciamento de riscos corporativos (COSO, 2007, p. 92). 248 Geralmente as grandes e médias empresas contratam internamente “advogados generalistas”, que gerenciam as demandas jurídicas internas e os processos judiciais e administrativos terceirizados. Nem sempre a organização possui advogados internos especialistas nas áreas do Direito que tem maior reflexo nas suas atividades. Nesses casos, recomenda-se que seja feita também a auditoria externa.

184

pode ocorrer também na auditoria interna), ou devido à falta de documentos ou

informações necessários por culpa da empresa auditada (em razão do

desconhecimento da necessidade de prestar determinadas informações) ou dos

próprios auditores (em razão do seu desconhecimento da parte operacional da

empresa249), o que pode comprometer o resultado do relatório conclusivo

apresentado.

Portanto, o ideal que as auditorias jurídicas, interna e externa, sejam

complementares (e não exclusivas), pois podem contribuir mutuamente para a

apresentação dos resultados. Ainda, os auditores internos podem contribuir com a

auditoria externa na implementação das orientações indicadas por esta, e no

acompanhamento dos resultados, por isso, o ideal é o trabalho conjunto.

Tendo em vista o processo de auditoria acima descrito (em linhas gerais),

verifica-se que ele pode ser aplicado a diversas áreas da empresa auditada.

É possível que sejam feitas auditorias jurídicas de direito societário, de

contratos, de litígios administrativos e judiciais, trabalhista, tributária, ambiental,

entre outras.

Tendo em vista o processo de auditoria acima descrito (em linhas gerais),

verifica-se que ele pode ser aplicado a diversas áreas da empresa auditada.

É possível que sejam feitas auditorias jurídicas de direito societário, de

contratos, de litígios administrativos e judiciais, trabalhista, tributária, ambiental,

entre outras.

Edmundo Nejm e Sérgio Varella Bruna250, definem a auditoria societária da

seguinte forma:

avaliação dos atos constitutivos da empresa e do seu estado perante os órgãos de registro do comércio, a fim de que possam ser identificados eventuais entraves à operação em andamento, bem como a análise de seus livros societários, com vistas à verificação da regularidade dos atos neles registrados. No tocante às empresas de capital aberto, devem também ser verificados: os registros na Comissão de Valores Mobiliários e Bolsa de Valores; a emissão de títulos pela empresa auditada; as ofertas públicas eventualmente realizadas; a conduta da companhia quanto à observância dos direitos minoritários (SADDI et al, 2002, p. 216, apud ASSUMPÇÃO et al, 2008, p. 26).

249 Nesse caso, pode ocorrer que o auditor não saiba da existência do documento e não o solicite à empresa auditada, o que pode comprometer os resultados do trabalho. Por isso a importância de o advogado auditor ser especialista e grande conhecedor da área jurídica objeto de análise. 250 SADDI, Jairo et al. Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002.

185

Já a auditoria jurídica de contratos é aquela que analisa os modelos padrão

de contratos (se houver), a rotina de avaliação de fornecedores (se houver), as

garantias prestadas, a contratação de seguros, as possíveis penalidades por

rescisão, entre outros aspectos contratuais. Pode-se propor no parecer conclusivo

que a empresa passe a fazer um controle prévio de contratos, a fim de evitar

demandas e riscos, caso não seja ainda adotado esse procedimento pela

organização.

A auditoria jurídica de litígios administrativos e judiciais é aquela que analisa

os conflitos nos quais a empresa está envolvida, separando-os por áreas, a fim de

verificar se existe alguma ordem liminar judicial com cominação de multa pelo

descumprimento, a existência de processos com causas muito repetitivas (que

podem identificar alguma desconformidade operacional), as garantias prestadas

judicialmente, a probabilidade de êxito ou perda nas demandas. Também pode ser

feita uma análise estimativa de valor das perdas decorrentes de decisões judiciais, a

fim de que sejam realizadas provisões financeiras.

Nos processos administrativos poderão ser verificadas quais as causas de

lavratura de autos de infração (que podem indicar desconformidades operacionais),

e quais processos não têm chance de êxito (para nesses casos, orientar o

pagamento das penalidades e/ou multas).

No contencioso cível, é possível verificar através de auditoria jurídica a

quantidade de ações em que a empresa figura no pólo ativo e passivo, seus maiores

devedores e credores (e os respectivos valores atualizados dos débitos e créditos),

quantos processos estão em fase de conhecimento (primeira e segunda instância) e

os que estão em fase de execução (de título judicial ou extrajudicial), os processos

que não tem chance de êxito (com indicação de tentativa de acordo), as ações em

que a empresa é terceira interessada, quais ações envolvem danos morais,

materiais e estéticos (e suas causas), as ações em que há depósito judicial, caução,

carta fiança ou outro tipo de garantia (a fim de verificar e controlar quais bens da

empresa encontram-se onerados).

A auditoria jurídica trabalhista verifica o cumprimento das obrigações da

empresa referentes às relações de trabalho, a fim de reduzir os riscos.

Nas demandas específicas do direito do trabalho, há que ser verificado as

principais causas do ajuizamento das demandas, a fim de constatar irregularidades

(por exemplo, no preenchimento de cartões ponto, trabalho extraordinário além das

186

dez horas diárias, falta de fiscalização da utilização de equipamentos de proteção

individual de trabalho pelos trabalhadores, entre outros) e propor soluções de

conformidade. Também podem ser verificadas as principais causas de acidentes de

trabalho, e os processos de responsabilidade por terceirização, a fim de indicar

alterações nos contratos e fiscalização dos terceirizados.

Também pode ser analisado o reconhecimento e aplicação de convenções e

acordos coletivos de trabalho, a contratação de seguros contra acidentes de

trabalho, a regularidade da escrituração das obrigações trabalhistas em geral, e

proceder ao levantamento das autuações da fiscalização do trabalho, dos acordos

firmados (e seu cumprimento), das reclamatórias trabalhistas no Poder Judiciário, e

dos efeitos dos contratos de terceirização.

A auditoria jurídica tributária, por sua vez, verifica o cumprimento pela

empresa das suas obrigações tributárias principais e instrumentárias (acessórias),

como contribuinte ou responsável. Assim, exemplificativamente, pode-se analisar os

tributos incidentes sobre as atividades, faturamento e receitas da empresa e o seu

controle de pagamento (inclusive o cumprimento dos parcelamentos tributários, se

houver), identificar os benefícios fiscais (como isenções) e/ou tratamentos

específicos a que está sujeita, analisar a existência de créditos tributários e as

possíveis formas de sua recuperação ou aproveitamento, a regularidade da

escrituração contábil relacionada aos tributos, entre outros. Também é importante

averiguar condutas relacionadas ao direito tributário criminal, verificar todos os

contratos da empresa e a incidência dos tributos sobre suas atividades (e o seu

cumprimento), e o cumprimento das obrigações tributárias pelos seus

contratados/contratantes (que possam gerar responsabilidade ou sucessão). Todos

os procedimentos devem considerar os tributos a que está sujeita a empresa no

âmbito municipal, estadual e federal.

É possível também realizar auditoria jurídica em websites, uma vez que a

veiculação ou divulgação de informação incompleta ou incorreta na internet, ou de

conteúdo restrito, ou ainda, de publicidade enganosa251 sobre produtos ou serviços,

251 De acordo com Coelho (2005, p. 309), “publicidade é a ação econômica que visa a motivar o consumo de produtos ou serviços, através da veiculação de mensagens persuasivas por diversos meios. Não se confunde com a propaganda, cujos objetivos não são mercantis”. O doutrinador entende que haverá publicidade enganosa quando o anúncio veicular mensagem falsa como verdadeira e o consumidor não tiver condições de perceber essa falsidade, em razão da própria mensagem ou por sua experiência de vida (COELHO, 2005. p. 325). O Código de Defesa do Consumidor define publicidade enganosa da seguinte forma:

187

pode configurar infração ao Código de Defesa do Consumidor. Assim, esse tipo de

auditoria irá analisar a adaptação do site à legislação brasileira aplicável, a fim de

prevenir possíveis infrações legais, conflitos e demandas judiciais.

Com relação à auditoria jurídica ambiental, Abraham (2008, p. 259-260)

explica que ela consiste em:

levantar o ‘passivo ambiental’ eventualmente existente, seja de ordem meramente administrativa, junto aos órgãos fiscalizadores e reguladores, seja judicialmente, caso já haja alguma demanda civil de natureza indenizatória ou mesmo penal contra os administradores ou contra a própria pessoa jurídica responsável252.

Portanto, na auditoria jurídica ambiental será necessário verificar, a partir da

análise operacional da empresa, quais os possíveis riscos ambientais que suas

atividades podem ocasionar, quais normas legais e regulamentares devem ser

obedecidas, e também, se a empresa está sujeita ao licenciamento ambiental e se

ele está sendo realizado com regularidade (e perante quais órgãos – lembre-se que

a tutela do meio ambiente é de responsabilidade dos Municípios, Estados e União

Federal). Ainda, com relação às licenças ambientais, é necessário verificar se estão

sendo cumpridas as condicionantes impostas pelo órgão ambiental.

Também poderão ser analisados os processos administrativos e judiciais

relacionados ao meio ambiente, com ênfase em inquéritos civis e procedimentos

investigatórios promovidos pelo Ministério Público (Estadual e Federal), ações civis

públicas das quais seja parte a empresa, e o cumprimento de termos de ajustamento

de conduta relacionados a questões ambientais, entre outros.

Pode-se concluir, a partir da leitura da abrangência das auditorias jurídicas

acima relatadas exemplificativamente253, a complexidade do trabalho a ser realizado

e a sua importância para a gestão das empresas.

“Art. 37. (...) §1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços” (BRASIL, 1990). 252 No Direito Ambiental a responsabilidade pode (e deve) ser apurada nas esferas civil, criminal e administrativa, sendo que a responsabilidade pelo dano ambiental é imprescritível. 253 Importante salientar que as análises e verificações indicadas no presente estudo, de procedimentos, atividades e processos para as auditorias jurídicas, são de caráter meramente exemplificativo, devendo-se identificar no caso concreto todas as questões que devem fazer parte do plano de auditoria, com o objetivo de apurar efetivamente e da forma mais ampla possível, os riscos jurídicos à que a empresa está submetida.

188

Os limites específicos da auditoria jurídica empresarial estão configurados na

implementação das orientações da auditoria. Pois a decisão sobre adotar medidas

corretivas das desconformidades encontradas não é do auditor, mas da diretoria da

empresa ou daqueles encarregados da tomada de decisão.

As informações que a auditoria proporciona para a gestão empresarial podem

não ser utilizadas adequadamente, ou podem até ser distorcidas internamente, o

que demonstra a necessidade de implementação conjunta de medidas de

governança corporativa.

A auditoria jurídica é considerada uma ferramenta de gestão empresarial, e

como toda ferramenta, ela deve ser utilizada corretamente por aqueles que têm

poderes de decisão.

4.3.1.1 Diferenciação entre a auditoria jurídica empresarial e a legal due diligence

Quando a auditoria jurídica está relacionada às operações de incorporação,

fusão e outras de reorganização societária, ela recebe o nome de legal due

diligence254.

A legal due diligence, de maneira simplificada, pode ser definida como um

processo de auditoria juridica que as empresas fazem antes de operações

societárias, para certificarem-se dos riscos do negócio.

Abraham (2008, p. 13-14), explica que a expressão “due diligence” significa “o

‘devido cuidado’ que deve ser empregado na condução de negócios jurídicos,

especialmente os de caráter empresarial”255.

Nesse sentido, ela pode ser assim definida:

254 Satriano (2003, p. 170-171) entende que a auditoria jurídica é diferente dos procedimentos de due diligence, pois esta é aplicada a fusões e aquisições (mergers & acquisitions), referindo-se a uma revisão feita a pedido do pretenso comprador de uma empresa ou de seus ativos, destinada à investigar e valorar o negócio/ativos/passivos, e para certificar-se de que a compra não implica em riscos desnecessários para seus acionistas. 255 De acordo com Abraham (2008, p. 14), “costuma-se relacionar a origem da Due Diligence, nos Estados Unidos, com a promulgação do Securities Exchange Act de 1933 (SEC), que criou a agência reguladora daquele mercado de capitais (similar à nossa Comissão de Valores Mobiliários) (...). Porém, podemos, também, remeter a origem desta prática ao Direito Romano, quando o cidadão à época estabelecia um ‘zeloso’ método próprio para administrar seu patrimônio, denominado de ‘diligentia quam suis rebus’”.

189

O processo da legal due diligence (auditoria legal) é um procedimento detalhado e rigoroso de investigação, exame e coleta de informações que deve seguir um roteiro racional e sistematizado para atingir os seus melhores objetivos. Destarte, se for estabelecida uma ordem (crono) lógica neste processo dentre os ramos jurídicos, poder-se-ia afirmar que o Direito Societário seria, em conjunto com a parte geral do Direito Civil (pessoas e capacidade, negócios jurídicos), a primeira etapa do trabalho – a pedra angular (ASSUMPÇÃO et al, 2008, p. 25).

No Black’s Law Dictionary, a due diligence é definida como aquele cuidado

razoável e normalmente exercido por uma pessoa que busca satisfazer uma

exigência legal ou cumprir uma obrigação – também tida como razoável (GARNER,

1999, p. 468, apud GUILHERME, 2005, p. 32-33)256.

Guilherme (2005, p. 34) define a due diligence como um procedimento para

avaliação de um negócio (empresa), a fim de que se possa negociar sua compra e

venda ou realizar operações societárias, constituindo, portanto, em razão de seu

propósito específico, uma espécie do gênero auditoria jurídica257.

Gomes, Caldeira e Neves (2007), explicam a finalidade da legal due diligence,

no sentido de que, através dela se busca:

obter uma ‘radiografia’ da sociedade de forma a prepará-la para operações de fusão ou aquisição [...], transferência de ativos, reestruturação societária para sucessão familiar, elaboração de prospecto para oferta pública de ações [...]; reestruturação de departamento jurídico; adoção de práticas de governança corporativa; project finance, entre outras operações empresariais.

Por isso, seu procedimento material é muito semelhante àquele descrito no

item 4.3.1, embora o seu procedimento formal tenha algumas especificidades.

Explica Abraham (2008, p. 15):

Em regra, um procedimento de ‘due diligence’ legal compreende: a) estudo completo de todas as atividades operacionais e não operacionais da empresa; b) diagnóstico legal da situação cível, societária, comercial, contratual e do consumidor, tributária, previdenciária, trabalhista, ambiental, de propriedade intelectual, regulatória e dos demais ramos do direito com os quais a empresa interage; c) levantamento de passivo judicial (contencioso processual e administrativo) e; d) emissão de relatório de pontos críticos e

256 Due diligence - “the diligence reasonably expected from, and ordinarily exercised by, a person who seeks to satisfy a legal requirement or to discharge the obligation – also termed reasonable diligence” (GARNER, Bryan A. Black’s Law Dictionary. 7. ed. St. Paul: West Group, 1999, p. 468). 257 “Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos existem as recomendações sobre due diligence e legal opinions emanadas da Associação dos Advogados Americanos (ABA – American Bar Association), assim como normas e recomendações para regular o comportamento ético dos profissionais e das empresas de auditoria emitidas: pela New York Stock Exchange e pela American Stock Exchange” (GUILHERME, 2005, p. 35).

190

recomendações jurídicas, com enfoque para os riscos legais de natureza administrativa, financeira e, inclusive, penal.

Pode-se, concluir, então, a partir da compreensão do que consiste, dos

objetivos, procedimentos e finalidades da auditoria jurídica (e também da legal due

diligence), que ela não pode ser desconsiderada pelos operadores do Direito, mas,

pelo contrário, deve ser utilizada como uma ferramenta a serviço da implementação

do cumprimento das leis e aplicação dos princípios do Direito.

Os debates sobre a auditoria jurídica têm aumentado em razão dos esforços

de alguns juristas em regulamentar essa atividade, e fixar parâmetros a serem

seguidos pelos auditores (advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil).

4.3.1.2 Comentários sobre o Projeto de Lei n.º 6.854/2006

No Brasil, as atividades dos advogados estão regulamentadas pela Lei n.º

8.906, de 04 de julho de 1994, na qual a auditoria jurídica ainda não é reconhecida

como instituto jurídico. Abraham (2008, p. 15) comenta sobre o assunto, quando

trata da legal due diligence:

este procedimento não é formalmente reconhecido pelo Direito brasileiro como um instituto jurídico ou uma figura legal típica, mas tão somente como uma metodologia de prospecção de dados e informações empresariais com enfoque jurídico, especialmente para a identificação de riscos aos empreendedores.

Atualmente, a auditoria jurídica tem sido identificada como uma espécie do

gênero “assessoria jurídica”258, a fim de estabelecer que se trata de atividade

258 Nesse ponto vale ressaltar uma diferenciação importante entre consultoria e assessoria jurídica, e a auditoria jurídica. Na atividade de consultoria, o advogado recebe uma consulta do cliente e responde a esse questionamento através de um parecer, indicando quais as soluções jurídicas possíveis e suas implicações. Na assessoria jurídica, verifica-se uma atuação mais concreta do advogado para a realização de um ato jurídico, como a elaboração de um contrato ou de uma transação extrajudicial, e o acompanhamento do cliente a um cartório para efetuar alguma prática de registro público. Portanto, a consultoria e a assessoria jurídica são realizadas de forma restrita e pontual para a resolução de uma situação específica. Já na auditoria jurídica, a abrangência da análise da atividade empresarial tende a ser muito maior, porque o intuito da auditoria é identificar desconformidades do negócio e indicar soluções corretivas e preventivas. Assim, o grau de dificuldade e o tempo estimado para realizar o serviço é muito maior do que para responder uma consultoria ou fazer uma assessoria (o que não retira a importância e a validade dessas práticas profissionais).

191

privativa de advogado, conforme verifica-se da decisão do Tribunal de Ética e

Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, citada por Roso (2007):

E-3.369/06 – EMENTA nº 2 – Auditoria juridica – Regulamentação expressa – Desnecessidade – Espécie do gênero asses soria jurídica – Orientação a pessoas jurídicas de direito público o u privado acerca das conseqüências para o mundo do direito de determ inados fatos jurídicos, atos fatos, atos jurídicos em sentido es trito, atos jurídicos como atos de hierarquia e a respeito da existência jurídica, validade e eficácia de negócios jurídicos – Lavratura de parec eres a respeito da conformidade ou não de práticas empresariais com o direito vigente – Atos privativos de advogado, que pode atuar isolada mente ou por meio de sociedades de advogados . A auditoria jurídica, isto é, o exercício profissional consistente em lavratura de parecer ou realização de um juízo de legalidade, licitude, juridicidade, subsunção ao direito, de determinadas práticas administrativas ou empresariais (fatos jurídicos, atos jurídicos, atos-fatos e negócios jurídicos), a identificação das normas jurídicas aplicáveis à determinada atividade pública ou empresarial, ou ainda análise e apreciação do risco de determinadas demandas judiciais, em curso ou por ajuizar, para que o cliente (no caso a empresa auditada) tenha a exata dimensão da conformidade de suas práticas empresariais com o direito posto, é ato privativo de advogado. A auditoria jurídica, por tratar-se de espécie do gênero consultoria/assessoria jurídica, é atividade privativa de advogados ou sociedades de advogados, independentemente da ausência de contemplação expressa no art. 1º do EAOAB e da ausência de regulamentação pelo Conselho Federal da OAB259 (Grifos nossos).

E ainda:

E-3.369/06 – EMENTA Nº 3 – AUDITORIA JURÍDICA – Contratação dos serviços por empresa controlada pela União – Licitação ou procedimento de dispensa ou inexigibilidade que deve restringir seu universo aos advogados e sociedades de advogados – atividade multidisciplinar da sociedade de advogados fora do âmbito da ciência do Direito – Vedação ética e legal da sociedade de advogados prestar serviços que não os jurídicos, ainda que no âmbito da auditoria jurídica – Contratação de outros profissionais – Responsabilidade do órgão licitante e não da sociedade de advogados – ANÁLISE DE PROCESSOS JUDICIAIS, SOB OS CUIDADOS DE OUTRO COLEGA – DEVER DO AUDITOR JURÍDICO DE EMITIR PARECE R A RESPEITO DOS RISCOS DA CAUSA, SEM CENSURAR OU FISCA LIZAR O TRABALHO DE OUTRO COLEGA - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 3º, 4º, 13, IN FINE, 22, 44 E 45 DO CED E 31, 32, 33 E 34-IX DA LEI Nº 8.906/94 – RESPEITO AO SIGILO PROFISSIONA L. Empresa controlada pela União que pretenda contratar serviços de auditoria jurídica deverá promover licitação ou procedimentos de dispensa ou inexigibilidade voltados tão-somente a advogados e sociedades de advogados. A sociedade de advogados, no entanto, não poderá prestar serviços pertinentes a outros ramos que não a advocacia. A sociedade de advogados somente pode ser multidisciplinar no que toca aos vários ramos da ciência do direito e não de forma a abranger serviços não jurídicos e/ou que cabem privativamente a outras profissões regulamentadas, na forma do

259 SÃO PAULO. Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Parecer e ementa nº 1 do Relator. Dr. Benedito Édison Trama, com voto declarado convergente, e ementas nºs. 2 e 3 do Revisor Dr. Fábio de Souza Ramacciotti. Presidente Dr. João Teixeira Grande. V.U., em 21/9/2006.

192

art. 16 do EAOAB. Na análise de processos judiciais, sob os cuidados de outro colega, o auditor jurídico não deve agir como censor ou fiscal, mas apenas emitir juízo atinente aos riscos da causa. Necessária observância dos arts. 3º, 4º, 13, in fine, 22, 44 e 45 do CED e 31, 32, 33 e 34-IX da Lei nº 8.906/94, respeitado sempre o sigilo profissional. Precedentes do TED-I: processo nº E-3.324/2006 (ROSO, 2007, grifos nossos)260.

A fim de estabelecer a limitação de que a auditoria jurídica é atividade

privativa dos advogados, e, portanto, só pode ser realizada por aqueles que estejam

regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil individualmente, ou como

sócios de sociedade de advogados (quando esta exercer somente auditoria jurídica),

e finalizar qualquer controvérsia sobre a questão, o Deputado Raul Jungmann

propôs o Projeto de Lei n.º 6.854/2005, para alteração do artigo 1º, inciso II261 da Lei

n.º 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados

do Brasil (OAB).

O projeto de lei justifica a necessidade de incluir a auditoria jurídica entre as

atividades privativas dos advogados, da seguinte forma:

2. [...] A auditoria jurídica exercida por advogados é atividade hodierna, que deve não só ser estimulada, como exercitada por profissionais qualificados e ter chancela da OAB, que precisa regulamentá-la. Ela contribuirá para o aperfeiçoamento das instituições democráticas a partir do momento em que o advogado deixar de ser mero espectador, para ser ator da reforma social, uma vez que será responsável pelo que afirmar no seu relatório. 3. É fato notório que, sobretudo a nova Economia, provocou uma verdadeira revolução na prática da advocacia empresarial, passando pela necessária especialização e exigindo controle maior da conduta dos administradores, tendo em conta que o advogado auditor é defensor do Estado Democrático de Direito e ele só sobreviverá se for respeitada e exercitada a cidadania e resguardada a moralidade pública. Nesta perspectiva, abrem-se novos desafios e caminhos, com a atuação do auditor jurídico em variados segmentos. 4. Nos últimos anos, a advocacia vem passando por várias e tormentosas transformações, advindas das regras surgidas da globalização através das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e pelo inegável desenvolvimento das telecomunicações, sobretudo pela Internet, como elemento catalisador de negócios e de expansão de mercados. Portanto, é no recôndito da sua atuação, que o advogado vai se mirar nas regras deontológicas262 da profissão e fazer delas norte de seu viver, que é reflexo da elevada função pública que exerce.

260 SÃO PAULO. Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Parecer e ementa nº 1 do Relator. Dr. Benedito Édison Trama, com voto declarado convergente, e ementas nºs. 2 e 3 do Revisor Dr. Fábio de Souza Ramacciotti. Presidente Dr. João Teixeira Grande. V.U., em 21/9/2006. 261 Propõe-se que o artigo 1º, inciso II da Lei nº 8.906/94 passa a ter a seguinte redação: “Art. 1º - São atividades privativas de advocacia: [...] II - as atividades de consultoria, assessoria, direção e auditoria jurídicas” (BRASIL, 2007) 262 De acordo com Nalini (2001, p. 185), “deontologia é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o complexo de princípios e regras que disciplinam particulares comportamentos do

193

5. No campo da auditoria fiscal, onde a especialização é marcante, pela gama de conhecimentos interdisciplinares a serem aplicados, a função do auditor jurídico adquire mais dimensão, pois não só contribui para o aprimoramento das instituições democráticas, do Direito e das leis, como também vai indicar, com o combate sistemático, por via de detectação, os ilícitos cambiais e financeiros, evidenciados nas décadas de 80 e 90.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, ao analisar o Projeto

de Lei nº. 6.854/06, emitiu parecer favorável, no sentido de que o mesmo é viável,

oportuno e conveniente, e não apresenta vícios de natureza constitucional ou de

juridicidade. Foi indicado apenas que sejam acrescidos alguns parágrafos (quarto ao

sexto263) ao artigo 1º da Lei nº. 8.906/94, conforme a melhor técnica legislativa.

Verifica-se, portanto, que a auditoria jurídica constitui-se em um novo

mercado de trabalho para os advogados, entretanto, é preciso que a

regulamentação a ser estabelecida pela Ordem dos Advogados do Brasil considere

a multi e interdisciplinaridade dessa atividade, e a sua importância como instrumento

de prevenção de riscos jurídicos, na medida em que fornece informações para a

gestão empresarial (a fim de que as limitações impostas não retirem a

funcionalidade dessa prática para as empresas).

4.3.2 Breves considerações sobre a responsabilidade do auditor jurídico

Os posicionamentos encontrados sobre a responsabilidade do advogado (e

da sociedade de advogados264) nas auditorias jurídicas, são no sentido de que o

integrante de uma determinada profissão. Deontologia Forense designa o conjunto das normas éticas e comportamentais a serem observadas pelo profissional jurídico”. 263 Foi sugerida a seguinte redação aos parágrafos a serem acrescentados ao artigo 1º da Lei nº 8.906/94: “§ 4º. A auditoria jurídica só poderá ser exercida por advogado regularmente inscrito na OAB individualmente ou como sócio de sociedade de advogados quando esta exercer somente auditoria jurídica. § 5º. É obrigatória a previsão do exercício da auditoria jurídica no contrato social da sociedade de advogados, bem como em sua razão social e, em se tratando de prática individual, a atividade deverá constar da carteira do advogado. § 6º. O Conselho Federal da OAB disciplinará o exercício da auditoria jurídica por advogado individual ou por sociedade de advogados no prazo de cento e oitenta dias a partir da promulgação desta lei” (BRASIL, 2007). 264 “Já na sociedade de advogados, além da responsabilidade da própria associação em relação aos danos que venham a sofrer seus clientes, fruto de ação ou omissão no exercício da auditoria jurídica, são também seus sócios responsáveis, ainda que de forma subsidiária, mas sem limite de comprometimento de seu patrimônio pessoal e, em acréscimo, sem prejuízo da responsabilidade

194

auditor responde contratualmente, em relação ao cliente (em razão da transgressão

de uma obrigação e de um dever de conduta assumidos no contrato de prestação de

serviços de auditoria), e extracontratualmente, perante terceiros prejudicados (com

relação às informações constantes no parecer da auditoria que estejam em

desacordo com o dever genérico de abster-se de um comportamento lesivo frente ao

público em geral).

Guilherme (2005, p. 140) explica que os serviços advocatícios não estão

sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor265, entretanto, o advogado deverá ser

responsabilizado pelos erros de fato e de direito que cometer no desempenho do

mandato ou contrato, que prejudiquem o cliente e terceiros:

Este profissional será responsabilizado: (i) pelos erros de fato que cometeu no desempenho da função advocatícia; (ii) pelos pareceres, desde que contrários à lei, à jurisprudência e à doutrina, não somente pelo fato de ter erros de digitação ou por ser um parecer com conselho absurdo, mas pelo fato de estar errado ou por ter agido imprudentemente, pois o advogado deverá pesar as conseqüências ou os danos causados pela inexatidão do parecer dado; (iii) pela omissão de dados, conselhos no parecer emitido, fazendo com que a empresa perca direito ou obtenha resultado desfavorável ou prejudicial quando poderia ter-lhe fornecido dados que a permitissem enveredar por um caminho vitorioso; (iv) pelo dano causado a terceiro, embora excepcionalmente. Será responsabilizado pelos atos que danificarem terceiros, mesmo que não seja objeto do contrato entre cliente e auditor jurídico. Portanto, o advogado deverá indenizar prontamente o prejuízo que vier a causar por negligência, erro irrecusável ou dolo.

Além da questão da responsabilidade, é preciso ressaltar a importância dos

princípios éticos na condução da vida profissional do advogado. Nesse sentido,

Roso (2007) cita o parecer nº. 1.145 do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos

Advogados do Brasil de São Paulo, proferido em setembro de 1994:

E - 1.145 - Ementa - Advogado - auditor jurídico - Inexistência de tal figura, enquanto verdadeiro "censor", com autonomia para fiscalizar atitudes e trabalhos profissionais de outro colega constituído - Sendo o advogado livre

disciplinar em que possa incorrer agente lesionador ou sócio responsável” (GUILHERME, 2005, p. 205-206). 265 O advogado está sujeito à disciplina do Estatuto da OAB, que determina em seu artigo 31, parágrafo primeiro, que o profissional deve manter independência no exercício da profissão, sendo, em conformidade com o artigo 32 da mesma lei, “responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa” (BRASIL, 1994). Veja-se a ementa da decisão recente do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº. 757.867/RS, relatado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros: “Processual – Ação de arbitramento de honorários – Prestação de serviços advocatícios – Código de Defesa do Consumidor – Não aplicação – Cláusula abusiva – Pacta sunt servanda. - Não incide o CDC nos contratos de prestação de serviços advocatícios. Portanto, não se pode considerar, simplesmente, abusiva a cláusula contratual que prevê honorários advocatícios em percentual superior ao usual. Prevalece a regra do pacta sunt servanda” (Brasil, 2006c).

195

e responsável na orientação e condução técnica de causa, tal interferência fere os deveres de solidariedade e confraternidade que unem a classe na escolha dos meios jurídicos e na condução de seu trabalho profissional. O advogado nunca deve permitir que haja tutela direta ou indireta do cliente, de terceiro ou do magistrado. O advogado não deve se pronunciar sobre causa que saiba entregue ao patrocínio de outro advogado, sem conhecer os fundamentos da opinião, ou atitude do mesmo advogado e na presença dele, ou com seu prévio e expresso consentimento (CEP, Seção 11, letra "c"). Inteligência do art. 133 da CF, arts. 6°, 7°, inc. I, e 18 da Lei n.° 8.906/94 e art. 87, inc. XIV, letra "a" da revogada Lei n.° 4.215/63 266.

Assim, se houver auditoria que alcança a área ou departamento jurídico de

empresa, deve o advogado auditor, pessoa física ou jurídica, sem perder sua

independência técnica, prestar as informações solicitadas (acautelando-se quanto às

de caráter sigiloso) e respeitar a independência profissional do advogado auditado,

não emitindo juízo de valor quanto aos trabalhos jurídicos em si, e restringindo sua

atividade à coleta de dados e informações necessários e relevantes para a auditoria.

Roso, ao abordar a questão ética do advogado auditor, destaca:

O advogado, quando exerce auditoria, na verdade, deve fazer valer os altos desígnios de seu mister, de modo que o Direito possa servir à democracia e seu destino, na busca da felicidade pessoal. No exercício da auditoria, não pode haver tolerâncias nas regras éticas. Nem mesmo se deve aceitar qualquer leniência. O imperativo ético do exercício profissional deve prevalecer. E as regras que regem a profissão não resultaram de uma criação espontânea, mas sim foram sedimentadas através dos séculos (ROSO, 2001, p. 89).

Conclui-se, portanto, de acordo com os ensinamentos de Nalini (2003, p.63-

64), que a ética do auditor jurídico deve ser holística, incorporando a ética

profissional do auditor jurídico, a ética da solidariedade (consciência da

interdependência e de que ninguém vive sozinho), a ética da responsabilidade

(exteriorização do consequencialismo, ou seja, o profissional deve avaliar as

conseqüências concretas de sua decisão ou manifestação), e a ética do diálogo

(concepção de que ninguém vive sozinho e da necessidade premente de

comunicação).

266 SÃO PAULO. Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo. Parecer n.º 1.145, constante do vol. 111, p. 232, dos "Julgados do Tribunal de Ética e Disciplina - OAB/SP", proferido pelo Relator Dr. José Urbano Prates, e pelo Revisor, Dr. Benedito Édison Trama.

196

4.3.3 A auditoria jurídica e seu caráter de prevenç ão e interdisciplinaridade

versus o tradicionalismo jurídico

A auditoria jurídica como um novo mercado de trabalho para os advogados é

um dos fatores que contribui para uma mudança de paradigma na atuação do direito

empresarial.

A ascensão da auditoria jurídica como fonte de informações (de caráter

interdisciplinar) para a gestão empresarial decorre, dentre outros fatores, do novo

contexto social fruto da evolução tecnológica, da complexidade assumida pelos

riscos, dos efeitos da globalização e das novas relações de trabalho.

Pode ser considerada bastante recente essa nova preocupação de gerir

riscos jurídicos ao invés de gerir danos nas empresas, e por isso, torna-se

ultrapassado o ensino jurídico e a atuação do profissional do direito que considera

apenas a análise de condutas que já aconteceram (passado), verificando o direito

aplicável e dizendo então as conseqüências jurídicas da conduta (conclusão).

Essa análise voltada para o passado não se coaduna com a necessidade das

atividades empresariais e com as novas características dos danos na sociedade de

risco (os danos podem assumir uma proporção tão ampliada que não seja possível

sua recuperação, sendo a prevenção a única forma aceitável de tratamento do

risco).

Considerando-se que as atividades produtivas e econômicas estão cada vez

mais complexas, assim como os riscos e os eventuais danos delas decorrentes, é

necessária a adoção de uma atitude pró-ativa a fim de evitar que estes aconteçam,

ou, quando isso for impossível, minimizar ao máximo as chances de que eles

ocorram (prevenção). Por isso, torna-se cada vez mais comum a auditoria jurídica

nas empresas (que tentam obter o máximo de informações possíveis e precaver-se

antes de realizar negócios e tomar decisões).

A partir do cenário descrito, é importante salientar o rompimento com a visão

estritamente jurídica das condutas, o que significa dizer que, atualmente, o

profissional precisa ter conhecimento de outras ciências e outras atividades que não

somente a jurídica. No âmbito do direito empresarial, isto não é diferente.

O profissional que atua na defesa dos interesses das empresas precisa ter

noções de contabilidade, economia, administração, e tem que estar disposto a

197

entender sobre a atividade operacional da empresa. Trata-se da

interdisciplinaridade, que exige do profissional uma visão geral do negócio para que

ele possa atuar bem e, como conseqüência, a empresa também.

Essa nova concepção rompe com o tradicionalismo jurídico e implica em

planejar o futuro e prevenir riscos. E esse planejamento do futuro nas empresas

deve ser feito considerando-se as implicações jurídicas das decisões a serem

tomadas, sendo a auditoria jurídica uma ferramenta de gestão que contribui para a

identificação dos problemas e também, das possíveis soluções.

Sobre esse assunto, explica Guilherme (2005, p. 69):

Desloca-se o enfoque da advocacia do ambiente forense para o organizacional, assumindo o profissional relevante papel, tanto na preservação de litígios, como em sua solução por procedimentos alternativos, quando desencadeados. De outra parte, em lugar da especialização excessiva, enfatiza-se para a prática da auditoria, uma formação generalista – já que a sua própria abrangência exige visão ampla do fenômeno jurídico – e interdisciplinar267 (indispensável para a aferição dos aspectos de fato relevantes para a elaboração do parecer do auditor). Em um outro plano, a função do auditor jurídico exige a admissibilidade de sociedades multidisciplinares, a demandarem adequada regulação pela Ordem dos Advogados.

Assim, não basta mais o método tradicionalista de encarar o Direito, a partir

de uma atuação reativa - após a ocorrência do fato -, quando só é possível verificar

as responsabilidades e as medidas possíveis para recuperação dos danos268. Da

mesma forma, a simples utilização de instrumentos de repressão de condutas não é

suficiente para a resolução dos problemas atuais da sociedade de risco, e dos riscos

jurídicos empresariais.

Diante de todas essas considerações, torna-se extremamente relevante o

papel assumido pelos advogados, que de acordo com o artigo 2º269 da Lei nº

267 Com relação à interdisciplinaridade, enfatiza o autor, repetindo os ensinamentos de Lídia Reis de Almeida Prado, que se trata de reconhecer “o homem enquanto ser social (que vive em uma sociedade tecnologicamente desenvolvida), dotado de afetividade (que se relaciona com sua realidade interna) e com outros seres do meio em que vive. Possibilita, assim, a superação de um tipo de saber feito de especializações formais, o saber em migalhas, o saber sem sabor, que provoca a perda da visão da totalidade, que será muito importante para o trabalho do auditor jurídico” (PRADO, 2003, apud GUILHERME, 2005, p. 70). (PRADO, Lídia Reis de Almeida. O juiz e a emoção . Campinas: Millennium, 2003). 268 “Embora existam diversos estudos mostrando as vantagens para as empresas de incorporar abordagens proativas no campo socioambiental [...], a maior parte das organizações continua a optar por uma estratégia reativa em seu dia-a-dia” (DEMAJOROVIC, 2003, p. 53). 269 “Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da justiça. § 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. § 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

198

8.906/94, assumem um compromisso com a sociedade, o que configura o exercício

da advocacia como um serviço indispensável à administração da justiça, e lhe atribui

uma função social270. Portanto, considera-se que:

[...] o artigo 2º, parágrafo 2º, do EOAB, em sua parte final, caracteriza os atos de advocacia – bem como a busca de solução favorável a seu cliente – num múnus público, isto é, em uma obrigação, um encargo jurídico definido pelas necessidades do interesse da sociedade e do Estado. Reconhece-se, portanto, que o advogado, embora movido por seus in teresses privados próprios, atua referenciado pelos interess es maiores da sociedade , entre os quais está o de manter sua parcialidade, ou seja, de não se arvorar em julgador da causa, mas manter coerência com o dever de representante de um dos pontos de vista. A determinação da função social do advogado assume, consoante o próprio Estatuto, um caráter positivo por ser uma ordem para fazer algo, apontando um programa para realizar, que é cumprido no exercício da profissão, para o benefício de toda a sociedade. Certamente que a função social do advogado, acompanhada da liberdade no exercício da profissão, consiste em um desafio que supera e se sobrepõe às tendências limitativas e restritivas de interpretação do direito, objetivando assegurar justiça à coletividade. A justiça, intento de todos os operadores do direito, dentre os quais os advogados, é revelada desde os princípios de vida em comunidade, inscritos na Constituição, como os direitos fundamentais da pessoa humana, individual ou coletivamente considerados, incluindo os documentos internacionais subscritos pela nação brasileira. Estabelecendo o alvo de toda a sociedade e de um Estado democrático, posto que a mesma manifesta o equilíbrio entre as relações humanas, a justiça não pode prescindir do papel do advogado, devido sua importância para a consumação do justo. Assim, oferecendo interpretações mais oportunas à obtenção de uma vida adequada à democracia, vida justa e digna, conforme ao Estado Democrático de Direito, o advogado é capaz de indicar os caminhos para a obtenção da eficiência de um sistema normativo, ajustando-o à realidade em seu trabalho. Demonstrando que as normas estão em constante mutação, verifica-se a importante função social dos aplicadores do direito exercida também pelos advogados, acomodando as leis à realidade e requerendo a humanidade dos julgamentos (GUILHERME, 2005, p. 60-61, grifo nosso).

Assim, considerando-se a função social do advogado no exercício da

auditoria jurídica, verifica-se a sua obrigação de atuar no sentido de evitar as

conseqüências negativas das desconformidades da atividade empresarial, com

benefícios não só para a empresa auditada, mas para toda a sociedade.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta Lei” (BRASIL, 1994). 270 “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;” (BRASIL, 1994).

199

4.4 SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL: BENEFÍCIOS DA AUDITORIA

JURÍDICA PARA A GESTÃO DE RISCOS NAS EMPRESAS

A partir da concepção da sustentabilidade empresarial, pode-se considerar

que os recursos naturais e econômicos, e os ativos humanos e sociais, são um

“capital” para a empresa. Sendo assim, toda vez que ela age na tentativa de

preservar esse “capital”, estará agindo para sua própria preservação e viabilidade no

futuro, e contribuindo para o bem-estar de todos.

A sustentabilidade empresarial, como fator de preservação da empresa, não

pode ser equacionada por meio de uma única ação corporativa, e está diretamente

ligada à necessidade de gerir bem os riscos da atividade, inclusive os riscos

jurídicos, exigindo uma atuação pró-ativa das empresas.

A sustentabilidade também exige a integração do público interno, melhores

condições de trabalho (o que se relaciona, por exemplo, com as normas de

segurança do trabalho, que têm como objetivo evitar acidentes, e com a proibição de

trabalho infantil, escravo ou desumano), e ainda, que sejam considerados os

interesses da comunidade na qual está inserida a empresa (é necessário o apoio e

aceitação desta comunidade), e os interesses dos consumidores dos seus produtos

ou serviços (gestão de stakeholders), na tomada de decisões.

A sustentabilidade pode ser incorporada às estratégias empresariais através

da auditoria jurídica de negócios, possibilitando a redução dos riscos internos e

externos, minimizando prejuízos aos clientes, empregados e comunidades (e como

conseqüência, diminuição dos prejuízos da própria empresa), e colaborando para a

manutenção das licenças da atividade e para a rápida identificação de riscos

iminentes e falhas gerenciais pendentes, entre outros benefícios.

Cumpre salientar que, geralmente, quem toma as decisões nas empresas não

conhece todas as normas legais aplicáveis a cada caso concreto. A auditoria pode

auxiliar proporcionando informações importantes sobre o desempenho global do

empreendimento, apontando como deve ser a atuação da empresa em

conformidade com a lei, identificando oportunidades, e indicando medidas corretivas

e preventivas de riscos jurídicos a que está sujeita a organização.

200

Entendendo a auditoria empresarial como um procedimento de avaliação das

práticas e operações das empresas (consideradas de forma ampla), a fim de

verificar sua conformidade (compliance) com as obrigações legais, regulamentos

específicos do setor da atividade empresarial, diretivas internas da organização, e se

oferecem riscos potenciais às finanças internas, ao meio ambiente e à saúde pública

(SALES, 2002. p. 25), é possível compreender seu caráter de instrumento de gestão

empresarial.

Assim, a grande contribuição da auditoria jurídica para a sustentabilidade das

empresas está no fato dela fornecer informações gerenciais através do apontamento

das desconformidades (conhecimento do problema) e da indicação de soluções

(corretivas ou preventivas), a partir das quais é possível gerenciar os riscos jurídicos.

Verifica-se, portanto, que as conclusões do parecer da auditoria podem

influenciar (lembre-se que não é obrigatório que as empresas adotem as orientações

da auditoria) diretamente na tomada de decisões gerenciais, e assim, contribuir para

a sustentabilidade empresarial.

Esse mapeamento dos riscos jurídicos é uma ferramenta bastante útil para a

administração de potenciais contingências ou dos resultados relacionados aos riscos

jurídicos da empresa, permitindo um processo de conformidade e uma melhor

administração de resultados.

Toda a vez que, na tomada de decisão, a empresa considera as eventuais

conseqüências jurídicas de sua conduta no caso concreto (conclusões de auditoria),

verificando quais são os requisitos legais para sua conduta e as conseqüências do

não cumprimento desses requisitos, ela pode gerenciar de forma prudente e

consciente os riscos jurídicos.

Ao analisar as decisões econômicas a serem tomadas com fundamento nos

resultados auditados, exemplifica Roso:

a) decidir quando comprar, manter ou vender um investimento acionário; b) avaliar a direção da empresa e a prestação de contas pela Administração; c) avaliar a capacidade da empresa pagar e proporcionar outros benefícios a seus empregados; d) avaliar a segurança dos recursos financeiros emprestados à empresa; e) determinar as políticas fiscais; f) determinar lucros distribuíveis e dividendos; g) preparar e usar estatísticas da renda nacional; h) regulamentar as atividades das empresas (ROSO, 2001, p. 38).

Considerando o poder de influência da auditoria jurídica na gestão de riscos,

verifica-se sua importância tanto na implantação do negócio, quanto durante o

201

efetivo exercício da atividade econômica (para a sua perpetuidade). Veja-se o

entendimento de Gonçalves:

Empresas são feitas para durar. Atividades de controle de riscos visam, sobretudo, à perpetuação da empresa. Assim, sempre que falamos em controle de riscos, antes de pensarmos em aumento de rentabilidade, estamos pensando em perpetuação. Fato é que, no longo prazo, empresas morrem e empresas são criadas. Se alongarmos nosso campo de visão, iremos encontrar somente as empresas que praticam algum tipo de atividade prudencial. O grande volume dessas empresas no mercado torna suas práticas as próprias práticas mercadológicas e contratuais de seu segmento. Daí a visão evolutiva da questão do risco. Se concordarmos que as melhores práticas de controle de riscos são, ou virão a ser no futuro, as práticas consagradas pelos mercados, em seus mais diversos segmentos, devemos estudar esse fenômeno com atenção, de forma a inserir o pensamento jurídico neste contexto (GONÇALVES, 2005, p. 91).

Lembre-se, conforme foi dito anteriormente, que o conceito de

sustentabilidade ampliada exige uma mudança nas noções de eficácia e de

racionalidade econômica, e obriga a considerar outras dimensões (culturais, éticas e

morais) no desenvolvimento das atividades pela empresa, uma vez que estas não se

desenvolvem sustentavelmente se a natureza estiver comprometida (degradada), e

a sociedade extremamente empobrecida. Lembre-se também, que devem ser

considerados aspectos econômicos, sociais e ambientais na administração dos

riscos e na tomada de decisões, como imperativos estratégicos a fim de alcançar a

sustentabilidade empresarial (COMISSÃO DE POLÍTICAS DE

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21 NACIONAL, 2004, p. 24).

Para a efetividade da gestão de riscos empresariais no intuito de alcançar a

sustentabilidade empresarial, verifica-se a necessidade:

a) de reconhecimento do caráter de interdependência das empresas e de

toda a sociedade com relação ao meio ambiente e a importância da sua

preservação; e

b) de fortalecimento da governança corporativa, da responsabilidade social

empresarial, e da integração de instrumentos econômicos, ambientais e

sociais na tomada de decisões.

Assim, no processo de tomada de decisões deve-se reconhecer e internalizar

os custos ambientais e sociais, visando também a adoção de medidas em

202

consonância com o princípio do poluidor-pagador, de práticas de gestão ambiental e

ecoeficiência, e a utilização de medidas que beneficiem os empregados (condições

dignas, inclusão social e adoção de políticas de segurança do trabalho,

principalmente).

No que tange à questão ambiental, tendo em vista que os danos ambientais

muitas vezes são de difícil ou impossível reparação, a grande vantagem da auditoria

está na precaução e prevenção de riscos, pois age principalmente nas causas dos

problemas.

Entretanto, deve-se compreender que a auditoria jurídica é condição

necessária, mas não suficiente, para a prevenção e controle dos riscos ambientais.

Ela deve ser seguida pela implementação dos planos de ação, para assegurar-se a

melhoria do desempenho da atividade no âmbito econômico, social e ambiental.

Contudo, verifica-se que a auditoria jurídica é importante na gestão de riscos

do negócio, estando pautada no princípio da prevenção, possibilitando que medidas

para minimizar, controlar ou excluir riscos sejam tomadas, tudo isso sem cessar as

atividades da empresa. Dessa forma, torna-se instrumento indispensável à

concretização do princípio da prevenção, e à proteção do meio ambiente e da

sociedade na qual a empresa está inserida, pois oferece às companhias e à

coletividade, informações confiáveis para cessar, prevenir e corrigir de forma

contínua danos causados por suas atividades (SALES, 2002, p. 30).

A utilização da auditoria jurídica como elemento da gestão de riscos jurídicos

é uma resposta à necessidade de desenvolvimento de novas formas de evitar que

as atividades das empresas (ou sob sua responsabilidade) causem danos

complexos e mais riscos para a sociedade. Portanto, a auditoria jurídica é uma

forma de contribuir para a sustentabilidade, e ainda, fazer com que os advogados

realizem a função social da advocacia, prevista no Estatuto da Ordem dos

Advogados do Brasil.

Lembre-se, por fim, que já existe também prestação de serviços e consultoria

para orientar as empresas na implantação da Agenda 21 Empresarial, de acordo

com o perfil da organização contratante, com foco na gestão

ambiental/ecoeficiência, e na melhoria da qualidade de vida no ambiente de

trabalho, visando contribuir para o desenvolvimento sustentável. O objetivo é o

desenvolvimento de um plano que estimule compromissos organizacionais

(individuais e coletivos) para se ter uma empresa melhor, em um mundo melhor,

203

com relações interpessoais sadias, satisfação com a atividade laboral (a melhoria do

ambiente de trabalho interfere na produtividade), redução de faltas e falhas,

convergência com a missão da organização, equilíbrio ambiental e ecoeficiência, e

orientação para o cumprimento da legislação.

4.5 AUDITORIA JURÍDICA EMPRESARIAL E DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Embora seja comum nas médias e grandes empresas, a auditoria jurídica não

é muito debatida pelos juristas, e ainda, poucos tratam do tema relacionando-o como

fator de influência na tomada de decisões e prevenção de riscos dos negócios.

Os riscos são inerentes à atividade empresarial, mas existe um “limite social”

(e jurídico) para os riscos criados271, quando eles se transformam em danos e

afetam direitos de terceiros (intervindo na dignidade da pessoa humana). Por isso a

importância de substituir o tratamento dos sintomas (a partir da gestão dos danos)

por uma efetiva eliminação das causas, gerindo os riscos para evitar que danos

aconteçam, causando prejuízos também para as próprias empresas.

A adoção de boas práticas de gestão e os interesses de todos aqueles que

forem afetados pelas atividades empresariais, devem ser incorporadas ao processo

de tomada de decisões. Por isso, a prevenção de riscos e a sua administração

consolidam-se como funções primordiais para as empresas, devendo as decisões

destas ser pautadas em critérios de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável,

o que interfere diretamente no sistema jurídico, exigindo atitudes pró-ativas e

preventivas (ao invés de reativas) que aos poucos estão sendo incorporadas aos

ordenamentos jurídicos e ao exercício da advocacia:

Quando a empresa gerencia bem os seus riscos jurídicos, com o auxílio da

auditoria jurídica, e evita que danos aconteçam e causem prejuízos a terceiros e à

própria organização, ela não contribui apenas para sua sustentabilidade, mas

também, para o desenvolvimento sustentável, processo de transformação no qual a

271 O risco é inerente às atividades de produção e prestação de serviços, assim, considera-se que quando as empresas realizam suas atividades, elas provocam a possibilidade de ocorrência de novos danos, que podem, inclusive, não ser perceptíveis inicialmente, em razão da sua complexidade.

204

exploração dos recursos, a direção os investimentos, a orientação do

desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o

potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações

humanas272.

Lembre-se que a exigência do desenvolvimento sustentável (conceito

construído politicamente), com os seus três enfoques principais – econômico, social

e ambiental -, interfere diretamente na atividade econômica, e, aplicado à teoria da

empresa, exige a sustentabilidade empresarial.

A internalização dos critérios de sustentabilidade e desenvolvimento

sustentável nas decisões das empresas, geralmente inicia a partir da sua intenção

de compliance das atividades (a intenção é única e exclusivamente prevenir

responsabilidades). Assim, são tomadas providências a fim de verificar as

desconformidades que geram riscos financeiros.

Ocorre que, em razão da complexidade da legislação e da insegurança das

decisões judiciais, verifica-se, então, a necessidade de integração de aspectos

sociais (principalmente aqueles relacionados aos consumidores e empregados) e

ambientais (preservação do meio ambiente) à função gerencial de controle das

atividades da empresa, em especial, com relação ao processo produtivo

(intimamente ligada aos riscos operacionais).

A partir da complexidade dos riscos aos quais a empresa verifica estar

submetida (tomada de consciência), implementa-se então a gestão de riscos, para o

que torna-se necessária também a análise dos riscos jurídicos.

Para que possa ser feito um mapa dos riscos jurídicos, apontando os custos

(sociais, ambientais e financeiros) em que a empresa está incorrendo em razão das

suas práticas, torna-se necessária a auditoria jurídica.

Será a partir da análise das conclusões de auditoria e das indicações de

medidas corretivas e preventivas que poderá ser feito um equilíbrio de interesses

para a tomada de decisões nas empresas.

Todo esse processo é comentado por La Rovere, quando trata

especificamente da questão ambiental:

Paralelamente aos novos conceitos e teorias de gestão empresarial, como a teoria da qualidade total e a certificação de empresas em sistemas da

272 O presente conceito de desenvolvimento sustentável está fundamentado nas páginas 38-39 do presente trabalho.

205

qualidade, surgiu a idéia de gestão ou gerenciamento ambiental de uma organização. Seja pelo aumento da pressão do mercado, como pelo aumento da consciência do setor produtivo de sua responsabilidade pela preservação e proteção ao meio ambiente, saúde e segurança do homem, as estratégias empresariais começaram a incorporar este conceito de gestão ambiental (LA ROVERE, 2001, p. 04).

A auditoria jurídica, assim, configura-se como uma medida preventiva e

permite que as empresas, sem cessar suas atividades, busquem alternativas

racionais para solucionar os problemas econômicos e socioambientais.

Assim, como fator que pode influenciar a tomada de decisões pelas

empresas, a auditoria jurídica tem um papel relevante na promoção do

desenvolvimento sustentável, e deve ser compreendida como eficiente instrumento

de proteção do meio ambiente, do direito dos trabalhadores, e de todos aqueles que

podem ser afetados pelas atividades da empresa.

Tudo isso ressalta a importância do trabalho desenvolvido pelo advogado

auditor (considerada a sua função social), pois cabe a ele indicar as

desconformidades e avaliar os custos jurídicos das decisões já implementadas e a

implementar.

É preciso que neste trabalho seja indicado de forma abrangente às empresas

o custo jurídico e suas conseqüências no curto, médio e longo prazo (aquilo que for

possível aferir quando da elaboração do parecer).

Isso significa, por exemplo, indicar os custos dos passivos ambientais (multas,

custos de processos e da recuperação do dano, além de possibilidades de

conseqüências no âmbito criminal), os custos dos passivos trabalhistas (em

especial, com relação às reclamatórias trabalhistas e indenização por acidentes de

trabalho, cujos riscos podem ser, ao menos, reduzidos, com a adoção de diversas

medidas preventivas), os custos de passivos relacionados aos fornecedores (custo

dos processos decorrentes do descumprimento de contratos e da assunção de

responsabilidade solidária, conforme as determinações legais), os custos de

passivos referentes às relações de consumo (custo dos processos ajuizados pelos

consumidores, indenizações pagas devido à inadequação de produtos ou serviços, e

que acarretam diversas outras perdas, como por exemplo, “desgaste” da marca),

etc.

É comum que, quando o responsável pelo processo decisório nas empresas

consegue visualizar a diferença dos custos de implementação de medidas

206

preventivas e corretivas, em comparação com os custos das medidas reativas (após

o dano já ter ocorrido), ele opta pela prevenção (geralmente os custos para prevenir

são menores do que os custos estimados para reparar os danos).

Ainda, considerando que existe também uma melhora na imagem da empresa

perante funcionários, instituições financeiras, empresas contratantes, administração

pública e a comunidade na qual está situada, não resta dúvida de que é melhor gerir

riscos (ao invés dos danos).

Também é preciso salientar que a gestão de riscos significa controle das

atividades pela empresa. Não é diferente com relação à gestão de riscos jurídicos.

Já existem empresas, além das instituições financeiras273, que exigem a

comprovação da gestão de riscos jurídicos pelos contratados, o que se verifica a

partir da exigência de apresentação de:

a) certidões de regularidade perante órgãos públicos (como certidões da

Junta Comercial e certidões negativas de débitos de tributos);

b) organograma e descrição da organização do setor ou departamento

jurídico interno (se houver), e sua correlação com os demais setores da

empresa;

c) informações sobre a contratação de advogados terceirizados e

correspondentes;

d) informações relacionadas à contratação de pareceres jurídicos e

assessorias jurídicas (pode-se exigir a comprovação efetiva dessas

contratações, com a apresentação dos contratos firmados e vigentes);

273 Com relação às Finanças, têm sido verificados os efeitos produzidos pelo Direito, ou seja, passou-se a examinar os custos e benefícios de cada sistema legal, com o intuito, também, de proteger os investidores. Nesse sentido, Gonçalves (2005, p. 91) explica que a partir da década de noventa, quando passaram a ser concedidos grandes empréstimos para empresas privadas em países emergentes, aumentou a preocupação com a infra-estrutura legal (compreendida, em especial, com relação à preparação, interpretação e execução de contratos – para facilitar a recuperação de créditos -, e com relação à regulação e supervisão das instituições e do mercado, o que gerou a preocupação em aperfeiçoar leis e ordenamentos jurídicos, a fim de reduzir custos de transação): “Os componentes da infra-estrutura legal dos países que mais interessam aos investidores estrangeiros são as leis comerciais, os advogados, os tribunais, os reguladores de mercado. Nesse aspecto, os advogados desempenham importantes funções, como alertar seus clientes sobre os efeitos que as leis mais relevantes terão sobre seus negócios e escrever de forma clara e com embasamento legal os contratos. Sem um corpo de advogados éticos e com um amplo conhecimento técnico das leis de direito privado, as transações comerciais têm seu custo incrementado. [...] Nesse mesmo sentido, a presença de um Poder Judiciário competente, eficiente, não-tendencioso e que não seja corrupto é outro elemento essencial para promover a redução dos entraves à obtenção do capital internacional. Podemos dizer o mesmo com relação à solidez das instituições públicas” (Gonçalves, 2005, p. 91).

207

e) descrição das políticas adotadas pela empresa na administração e

contingenciamento de processos (administrativos e judiciais), em todas as

esferas do direito (cível, administrativa, tributária, ambiental, trabalhista,

entre outras);

f) descrição da metodologia de análise prévia de contratos (se houver);

g) descrição do controle de pagamento de tributos e da metodologia dos

planejamentos tributários;

h) relatórios de processos jurídicos (e cálculo de índices de demandas da

empresa por setor274); e

i) controle de licenças ambientais (se necessário) e informações sobre o

processo de gestão ambiental (se houver).

Esses são alguns exemplos de informações que podem ser, e já estão sendo

exigidas por algumas empresas, para a contratação de terceiros. Isso demonstra

que a empresa contratante realiza uma gestão de riscos jurídicos e que está se

precavendo com relação aos contratados, terceirizados ou fornecedores, a fim de

evitar riscos decorrentes, por exemplo, de responsabilidades solidárias e/ou

subsidiárias.

Assim, para exemplificar novamente, não será contratada empresa que tenha

um alto índice de demandas trabalhistas, se em razão do contrato a ser firmado, a

contratante assume responsabilidade solidária nas obrigações decorrentes de

relações de trabalho, mesmo que o valor proposto seja inferior ao das concorrentes.

Verifica-se, portanto, que a gestão de riscos jurídicos já está sendo exigida

pelo próprio mercado para a manutenção da competitividade, e está começando a

ser incorporada na gestão de riscos das empresas, pois pode representar perdas

financeiras. Também é importante ressaltar o reflexo dessa exigência na cadeia

produtiva, o que significa dizer que a exigência afeta não só grandes empresas, mas

também as de porte médio e microempresas.

Todo esse movimento que inicia no setor empresarial reflete, na realidade,

uma mudança de valores trazida pela repercussão das externalidades negativas das

274 É possível, por exemplo, calcular o índice de demandas trabalhistas de uma empresa em um determinado período de tempo, dividindo-se o número de processos ajuizados em face da empresa no período considerado, pelo número de funcionários registrados. Com essa informação, é possível concluir como a empresa gerencia efetivamente os seus riscos de demandas trabalhistas, e se as políticas descritas com relação aos seus funcionários, estão em consonância com os dados apresentados.

208

atividades econômicas no meio ambiente e na sociedade (trabalhadores,

consumidores, etc.), que juridicamente se traduziu em normas mais rígidas275 de

responsabilidade e, como conseqüência, na necessidade de incorporação de

medidas que tenham como efeito a sustentabilidade empresarial e o

desenvolvimento sustentável. Tudo isso requer uma mudança de atitudes das

empresas, dos administradores, diretores, sócios, acionistas, ou quaisquer pessoas

com poderes de decisão.

Essas mudanças beneficiam, ao final, não apenas as empresas, mas a

sociedade em geral.

Com relação ao interesse das empresas na preservação da qualidade do

meio-ambiente, o que pode ser implementado através de auditoria ambiental, La

Rovere (2001, p. 05; 07) explica:

a proteção do meio ambiente passa a ser uma qualidade desejada do produto e a certificação ambiental torna-se a garantia da qualidade desse produto para este consumidor que compartilha de preocupações com o meio ambiente. [...] não basta um produto com qualidade assegurada, mas passa a ser necessário que ele seja ambientalmente sadio. A qualidade ambiental passa a englobar a confiabilidade do produto e um meio ambiente saudável.

Portanto, a sociedade está passando a exigir mais do que um produto ou

serviço de qualidade, é preciso que ele seja produzido/prestado sem emprego de

mão-de-obra infantil, sem caráter exploratório da mão-de-obra, numa empresa que

mantém um ambiente sadio e seguro de trabalho, que paga seus tributos, que

respeita e preserva o meio-ambiente, bem como seus concorrentes e consumidores.

As empresas são cada vez mais exigidas com relação ao cumprimento da

legislação, em especial a trabalhista, tributária e do consumidor, que ensejam

aplicação de sanções reparatórias (custos punitivos), existindo também previsão de

responsabilidade pessoal daqueles relacionados ao descumprimento das normas, e

grande pressão social (pressão dos sindicatos, de grupos de consumidores

organizados e do PROCON, por exemplo). As empresas que não respeitam os seus

clientes ou consumidores e os direitos dos seus empregados são cobradas pela

própria sociedade. Nesse sentido, mas considerando-se as intervenções do homem

275 Alterou-se a concepção do Direito, que de protetor de direitos individuais (direito de propriedade como absoluto), passou a deter uma função ativa para, intervindo na realidade, promover a melhoria das condições de vida de forma mais abrangente, em favor da coletividade.

209

no meio ambiente, Carvalho cita os desafios à área empresarial apontados por

Dennis C. Kinlaw:

Kinlaw lista as pressões a responder. Dentre estas, a observância à lei, propondo o enquadramento das atividades empresárias às normas traçadas pelo Estado para a preservação ambiental; os custos punitivos, advindo da aplicação de multas ou de condenações reparatórias; a culpabilidade pessoal e a possibilidade de prisão dos responsáveis pelos erros da empresa na área ambiental; a efetiva participação controladora das organizações ativistas ambientais, a exemplo do Greenpeace; a cidadania despertada, com o crescimento de heróis e de causas locais e a aceitação social de movimentos como o “Not in my back yard” (Não no meu quintal); o advento de códigos internacionais pró-desempenho ambiental; o crescente número de investidores ambientalmente conscientes; o refinamento da preferência do consumidor e outras pressões importantes (KINLAW276, 1997, p. 48, 50, 52, 54, 55, 63, 65 e 67, apud CARVALHO, 1999, p. 31).

E ainda:

As empresas eficientes estão na dianteira do movimento rumo ao desenvolvimento sustentável. As organizações que estão na liderança de uma nova geração de oportunidades criada pela transição rumo ao desenvolvimento sustentável serão as mais bem sucedidas em termos de lucro e interesses de seus acionistas. As organizações defensivas, que continuam enfrentando as batalhas de ontem, ficarão à margem e serão tragadas pela contramaré da onda do futuro (KINLAW, 1997, introdução, p. XX, apud CARVALHO, 1999, p. 31).

Lembre-se também que a atual Constituição Federal Brasileira não garante a

propriedade em si mesma, mas como instrumento de proteção de valores

fundamentais da pessoa humana, ou seja, existem direitos anteriores e superiores

às leis positivas, e a propriedade foi concebida como um instrumento de garantia da

liberdade individual, e para tanto deve ser utilizada, inclusive, com respeito ao meio

ambiente.

Portanto, a propriedade empresarial/propriedade acionária traz ínsita também

a função de servir como instrumento de realização da igualdade social e da

solidariedade coletiva (o que fundamenta a sua função social).

Por isso, é necessária a incorporação da racionalidade dos fatores sociais e

ambientais do desenvolvimento sustentável nos custos das empresas, e nesse

ponto, identificam-se dois problemas bem definidos: os custos de implantação de

sistemas de gestão de riscos (e mesmo que os custos não sejam tão altos eles

diminuem o lucro), e a barreira cultural desenvolvimentista da não contabilização do

276 KINLAW, Dennis C. Empresa competitiva e ecológica : desempenho sustentado na era ambiental. trad. Lenke Peres Alves de Araújo São Paulo: Makron Books, 1997.

210

meio ambiente (utilização de recursos naturais) e das externalidades negativas

sociais e ambientais como custo da atividade econômico. Ocorre que, para o

administrador, o objetivo das empresas é o lucro, e mesmo que não se possam

desconsiderar valores morais e éticos, o que se têm certo a equilibrar é risco versus

custo (e muitas vezes, quando o custo é muito alto, assumem-se os riscos)277.

O desenvolvimento sustentável significa hoje uma “mudança de atitude”, e

esta precisa ser incorporada por todos os setores que se inter-relacionam com o

setor empresarial, inclusive, pelos prestadores de serviços jurídicos, que necessitam

finalmente incorporar o caráter de prevenção em suas atividades – e a realização da

auditoria jurídica para a prevenção de riscos jurídicos é uma forma de dar uma

resposta desses profissionais às exigências da sociedade.

277 Por isso a gestão de riscos, com todos os métodos a ela relacionados, em especial a auditoria jurídica, como meio de prevenir danos, é uma prática que começa a ser adotada pelas grandes empresas, mas que tende a se difundir, não obstante os custos que gera, por toda a cadeia da produção de produtos e prestação de serviços.

211

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como escopo examinar a utilização da auditoria

jurídica como um fator de promoção do desenvolvimento sustentável nas empresas,

tendo em vista o gerenciamento de riscos jurídicos (tomada de decisão), a gestão de

stakeholders e a sustentabilidade da atividade empresarial.

As empresas são um dos elementos que integra da sociedade, e, portanto,

são co-responsáveis pelo desenvolvimento social e ambiental, devendo, além do

desenvolvimento econômico e o respeito à legislação vigente, preocupar-se com as

implicações de suas relações com os diferentes agentes da sociedade

(stakeholders), e os impactos de suas atividades no meio ambiente, devendo,

portanto, compatibilizar o desenvolvimento econômico e financeiro com a gestão

ambiental.

A gestão empresarial pode ser compreendida, a partir dos ensinamentos de

Peter Drucker, como a atuação no sentido de planejar objetivos e metas, organizar e

formar a estrutura organizacional, ajustar a equipe de trabalho, e mensurar os

resultados obtidos.

Considerando as funções das empresas no plano interno e externo,

preceituadas por Gevaerd Filho, verifica-se a importância da gestão empresarial

para que a atividade produtiva se realize, se torne viável (sustentabilidade

empresarial) e cumpra sua função social, promovendo o desenvolvimento

sustentável.

Dentro da gestão das empresas destaca-se a gestão de riscos. Riscos

configuram-se na possibilidade de algo não dar certo, entretanto, no âmbito

administrativo, os riscos não são considerados apenas no seu aspecto negativo,

representam também oportunidades.

Assim, a gestão de riscos consiste em previamente identifica-los, qualificá-los,

quantifica-los, a fim de que possam ser monitorados e administrados (controlados),

ou seja, para que as decisões possam ser tomadas considerando de forma

consciente os riscos em que se incorre, prevenindo-os ou minimizando-os.

Existem diversos tipos de riscos empresariais (por isso a gestão de riscos é

interdisciplinar), entre eles, o risco jurídico. O risco jurídico decorre, entre outros

212

fatores, de uma desconformidade das atividades da empresa com as determinações

legais, que podem acarretar-lhe sanção.

Os riscos jurídicos das empresas estão relacionados a perdas decorrentes de

ineficiência na proteção de ativos da companhia, ineficiência de profissionais na

elaboração de instrumentos contratuais, desconformidades operacionais da

empresa, mudanças de normas legais e regulamentares, incertezas na interpretação

e aplicação de leis pelo Poder Judiciário, entre outros.

Assim, a gestão desse tipo de risco nas empresas também consiste em

identificar, qualificar e quantificar os riscos, a fim de que eles possam ser

controlados e considerados na tomada de decisões gerenciais, e é exatamente para

auxiliar nesse processo que realiza-se a auditoria jurídica.

Na auditoria jurídica será feita uma análise do patrimônio da empresa (ativos,

passivos e bens), do seu sistema operacional (em especial os segmentos produtivos

e suas relações com os riscos jurídicos), e de todos os processos (em curso ou

potenciais) nas esferas administrativa, judicial e arbitral (em especial, aqueles com

expressivo volume de demandas, que demonstram riscos de conformidade), a fim de

realizar o levantamento, detecção e análise de ativos e passivos, conhecidos ou

ocultos, bem como de todas as demais contingências de natureza legal.

Essa auditoria tem assumido um caráter amplo, pois alcança todos os setores

da empresa, não se podendo deixar de auditar a área jurídica de forma ampla e,

conseqüentemente, não apenas os processos judiciais de interesse da empresa,

mas também contratos, políticas de cunho trabalhista, tributário, societário,

ambiental, entre outras áreas e especialidades, pois em determinado momento, irão

ser traduzidos em lucros ou perdas.

Entendendo a auditoria empresarial como um procedimento interdisciplinar de

avaliação das práticas e operações das empresas, a fim de verificar sua

conformidade (compliance) com as normas técnicas, legais e/ou políticas, e se

oferecem riscos potenciais às finanças da empresa, ao meio ambiente e à saúde

pública, é possível compreender sua importância para a gestão empresarial e, como

conseqüência, para o desenvolvimento sustentável.

A partir do apontamento das desconformidades (conhecimento do problema)

e da indicação de soluções pela auditoria jurídica, cabe então à empresa utilizar

essas informações no gerenciamento dos riscos do negócio. Por isso a auditoria

pode ser considerada como um instrumento de gestão que atua diretamente na

213

relação entre a economia, direito e meio ambiente, ferramenta que auxilia a empresa

a conhecer seu desempenho em termos de conformidade com a lei e adequar-se às

normas e legislação aplicáveis.

Cumpre salientar que geralmente quem toma as decisões nas empresas não

conhece todas as normas legais aplicáveis a cada caso concreto, e a auditoria pode

auxiliar proporcionando informações importantes sobre o desempenho global do

empreendimento, apontando como deve ser a atuação da empresa em

conformidade com a lei, identificando oportunidades e indicando medidas

preventivas de riscos jurídicos a que está sujeita a empresa.

Toda a vez que, na tomada de decisão, a empresa considera as

conseqüências jurídicas de sua conduta no caso concreto (orientações jurídicas da

auditoria), verificando quais são os requisitos legais para sua conduta e as

conseqüências do não cumprimento desses requisitos, ela pode gerenciar o risco

jurídico. Assim, a auditoria jurídica é importante tanto na gestão de riscos da

implantação do negócio quanto para a gestão de riscos após a implantação do

negócio (com o efetivo desenvolvimento da atividade econômica).

A auditoria jurídica, medida pró-ativa e interdisciplinar, representa uma

mudança de paradigma com relação aos métodos tradicionalistas do direito, de

caráter eminentemente reativo e exclusivamente jurídico.

A auditoria jurídica também não pode ser comparada com as atividades de

consultoria e assessoria jurídica, pois estas são realizadas de forma restrita e

pontual para a resolução de uma situação específica. Já na auditoria, a abrangência

da análise da atividade empresarial tende a ser muito maior, porque o intuito desta é

identificar desconformidades do negócio e indicar soluções corretivas e preventivas.

Assim, o grau de dificuldade e o tempo estimado para realizar o serviço é muito

maior do que para responder uma consultoria ou fazer uma assessoria (o que não

retira a importância e a validade dessas práticas profissionais).

Por isso, ao final da presente pesquisa, pode-se concluir que a auditoria

jurídica empresarial, novo mercado de trabalho para os advogados, constitui-se em

um instrumento que auxilia a gestão empresarial e influencia na tomada de decisões

e prevenção de riscos do negócio, proporcionando informações importantes sobre o

desempenho global do empreendimento, apontando como deve ser sua atuação em

conformidade com a lei, identificando oportunidades e indicando medidas corretivas

e preventiva de riscos jurídicos, contribuindo para a sustentabilidade empresarial.

214

Lembre-se que o desenvolvimento sustentável está pautado na

sustentabilidade econômica, social e ambiental, existindo, portanto, uma relação

direta entre economia, sociedade e meio ambiente, e essa relação deve ser

incorporada na compreensão do desenvolvimento (sustentável) das empresas.

Portanto, a auditoria jurídica pode contribuir para que as empresas assumam

o seu papel de co-responsáveis pelo desenvolvimento econômico, social e

ambiental, apontando alternativas racionais para solucionar os problemas

socioambientais, e, assim, contribuir para a sustentabilidade empresarial e para o

desenvolvimento sustentável.

215

REFERÊNCIAS

ABRAHAM, Marcus (org.). Manual de auditoria jurídica – legal due diligence : uma visão multidisciplinar no direito empresarial brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2008. ANDION, Maria Carolina; FAVA, Rubens. Planejamento estratégico. Curitiba: AFESBJ, 2002, p. 27-38. ANTUNES, Paulo de Bessa. Auditorias ambientais: competências legislativas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 137, jan./mar. 1998. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_137/r137-10.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2007. ARRUDA, Maria Cecília Coutinho de; WHITAKER, Maria do Carmo; RAMOS, José Maria Rodriguez. Fundamentos de ética empresarial e econômica. São Paulo: Atlas, 2001. AYALA, Patryck de Araújo; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco . 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. BECK, Ulrich Beck. La sociedad del riesgo : Hacia uma nueva modernidad. Madri: Paidós, 1998. BERNSTEIN, Peter L. Desafio aos deuses: a fascinante história do risco. trad. de Ivo Korytowski. São Paulo: Campus, 1997. BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto. Responsabilidade social das empresas : práticas sociais e regulação jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. BANCO DO BRASIL. Agenda 21. 2007. Disponível em: <http://www.bb.com.br/docs/pub/sitesp/sustentabilidade/dwn/Agenda21.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2007. BASTOS, Norton Torres de; DUARTE JÚNIOR, Antônio Marcos; JORDÃO, Manoel Rodrigues; PINHEIRO, Fernando Antonio Perrone. Gerenciamento de Riscos Corporativos: classificação, definições e exemplos. Resenha BM&F n. 134. Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: <http://www.risktech.com.br/PDFs/RISCODEF.pdf>. Acesso em 22/12/2007.

216

BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO. Índice de sustentabilidade empresarial . 2007. Disponível em: <http://www.bovespa.com.br/Principal.asp>. Acesso em: 05/11/2007. BRANDÃO, Jorge. Gerenciamento de riscos da CEMIG - apresentação para o fórum de debates sobre gestão de riscos. 2006. Disponível em: <www.ibgc.org.br/imagens/StConteudoArquivos/Forum_03_Jorge_Brandao.pdf>. Acesso em: 07/08/2007. BRASIL. Lei n.º 8.906, de 04 de julho de 1994 : dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Publicado em 05 jul. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 6.854/2005 : altera o artigo 1º da Lei n.º 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Disponível: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 19/12/2007. BRASIL. Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976 : dispõe sobre as sociedades por ações. Publicado em 17 dez. 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981 : dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Publicado em 02 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1 988. Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 : dispõe sobre a proteção do consumidor, e dá outras providências. Publicado em 12 set. 1990, e retificado no DOU de 10 jan. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 10/01/2008.

217

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº. 22.164/SP , Tribunal Pleno, DF, 30 dez. 1995. Publicado em 17 nov. 1995. BRASIL. Decreto de 26 de fevereiro de 1997 : cria a comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda XXI Nacional, e dá outras providências. Publicado em 27 fev. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dnn/Anterior%20a%202000/1997/Dnn5178.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 : dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Publicado em: 13 fev. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 : institui o Código Civil. Publicado em 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR ISO 19011: diretrizes para auditorias de sistema de gestão da qualidade e/ou ambiental. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2002b. BRASIL. Decreto de 03 de fevereiro de 2004 : cria, no âmbito da Câmara de Políticas dos Recursos Naturais, do Conselho de Governo, a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Brasileira, e dá outras providências. Publicado em 04 fev. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Dnn/Dnn10114.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Lei nº. 10.933, de 11 de agosto de 2004 : dispõe sobre o Plano Plurianual para o período 2004/2007. Publicada em 12 ago. 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.933.htm>. Acesso em: 10/01/2008. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540-1 – Medida Cautelar , Tribunal Pleno, DF, 1º set. 2005. Publicado em 03 fev. 2006a. BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução n.º 3.380, de 29 de junho de 2006 . 2006b. Disponível em: < http://www.bcb.gov.br>. Acesso em: 10/01/2008.

218

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.867/RS , Terceira Turma, 21 set. 2006. Publicado em 09 out. 2006c. BRÜSEKE, Franz Josef. Risco social, risco ambiental, risco individual. Revista Ambiente & Sociedade, Campinas, ano 1, n. 1, p. 117-133, 2. semestre de 1997. CALABRETTA, Stefano. Clube de Roma: os limites do desenvolvimento. In: DE MASI, Domenico (org.). A sociedade pós-industrial . 3. ed. São Paulo: SENAC, 2000, p. 369-379. CAMARGO, Ana Luiza de Brasil. Desenvolvimento sustentável: dimensões e desafios. 2. ed. Campinas: Papirus, 2005. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. CARVALHO, Ivan Lira de. A empresa e o meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 13, p. 29-43, jan./mar. 1999. CARVALHOSA, Modesto; LATORRACA, Nilton. Comentários à lei de sociedades anônimas . vol. III. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 227-246. CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das S/A . São Paulo: Saraiva, 2002. COCURULLO, Antonio; VANCA, Paulo Michael. A importância da gestão de riscos nos processos de auditoria . 2002. Disponível em: <http://www.anefac.com.br/imagens/Folder_Gerenciamento_Risco.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2007. ____________. Gestão de riscos fortalecendo a governança corporat iva . 2003. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/imagens/StConteudoArquivos/Governanca_Comite_e_Riscos-final.pdf>. Acesso em: 07/08/2007. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. I, 9 ed. ver, e atual., São Paulo: Saraiva, 2005.

219

COMISSÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA AGENDA 21 NACIONAL. Agenda 21 Brasileira : Ações prioritárias. 2. ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/acoes2edicao.pdf>. Acesso em: 02/11/2007. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Recomendações da Comissão de Valores Mobiliários sobre governança corporativa . 2002. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/cartilha/cartilha.doc>. Acesso em 10 jan. 2007. COMISSÃO EUROPÉIA. Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução . 2000. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc=COMfinal&an_doc=2000&nu_doc=1>. Acesso em 13/11/2007. COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS. Nosso futuro comum . 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION. Gerenciamento de riscos na empresa – estrutura inte grada : sumário executivo. 2007. Disponível em: <http://www.coso.org/Publications/erm/COSO_ERM_ExecutiveSummary_Portuguese.pdf>. Acesso em: 19/08/2007. COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1995. ____________. Direitos e deveres fundamentais em Matéria de Propriedade. Revista do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), v. 1, n. 3, p. 92-99, Brasília, 1997. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Declaração de Princípios da Indústria para o Desenvolvimento Sustentável . 1998. Disponível em: <http://www.fiec.org.br/meioambiente/declaracao_cni.asp>. Acesso em 02/10/2007. CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Agenda 21 Global . Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1992. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=575>. Acesso em: 02/11/2007.

220

CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Visão estratégica empresarial . vol. I, 2002. Disponível em: <http://www.cebds.org.br/cebds/pub-rse-links.asp>. Acesso em: 07/09/2007a. __________. O CEBDS. 2007. Disponível em: <http://www.cebds.org.br/cebds/cebds-missao.asp>. Acesso em 02/10/2007b. __________. Ecoeficiência . 2007. Disponível: <http://www.cebds.org.br/cebds/eco-rbe-ecoeficiencia.asp>. Acesso em: 11/11/2007c. CORDEIRO, José Vicente B. de Mello; RIBEIRO, Renato Vieira. Gestão da empresa. In: Coleção Gestão Empresarial . Curitiba: AFESBJ, 2002, p. 1-14. CÚPULA MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável . Brasília: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/joanesburgo.doc>. Acesso em: 02/11/2007a. __________. Plano de implementação da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável . Brasília: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/planojoanesburgo.doc>. Acesso em: 02/11/2007b. D’ADDARIO, Jeferson. ISMS RTM 3380. São Paulo: Daryus Strategic Risk Consulting, 2007. Disponível em: <http://www.rtm.net.br/3380ISMS_v3.pdf>. Acesso em: 07/08/2007. DELOITTE TOUCHE TOHMATSU. Estudo da Deloitte identifica os 29 “destruidores de valor” das maiores empresas do mun do . 18 nov. 2005. Disponível em: <http://www.deloitte.com/dtt/cda/doc/content/Deloitte%20Pesquisa%20Destruidores%20de%20Valor.pdf>. Acesso em 15/11/2007. __________. Estudo global aponta preocupação crescente com os r iscos não financeiros . 4 mai. 2007. Disponível em: <http://www.deloitte.com/dtt/cda/doc/content/in_the_dark%281%29.pdf>. Acesso em 15/11/2007. DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de risco e responsabilidade socioambiental : perspectivas para a educação corporativa. São Paulo: SENAC, 2003.

221

DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. In: DE MASI, Domenico (org.). A sociedade pós-industrial . 3. ed. São Paulo: SENAC, 2000, p 11-97. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico . São Paulo: Max Limonad, 1997. DIAS, Reinaldo. Gestão ambiental: responsabilidade social e sustentabilidade. São Paulo: Atlas, 2006. DIAS FILHO, José Maria; MARTIN, Nilton Cano; SANTOS, Lílian Regina dos. Governança empresarial, riscos e controles internos: a emergência de um novo modelo de controladoria. Revista Contabilidade & Finanças . n. 34, p. 7-22, São Paulo: USP, jan./abr. 2004. DOW JONES SUSTAINABILITY INDEXES. Corporate sustainability . 2007. Disponível em: <http://www.sustainability-index.com/07_htmle/sustainability/corpsustainability.html>. Acesso em 01/10/2007. DRUCKER, Peter Ferdinand. Introdução à administração . trad. Carlos A. Malferrari. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1998. __________. O melhor de Peter Drucker : a administração. trad. Arlette Simille Marques. São Paulo: Nobel, 2001. DUARTE JÚNIOR, Antônio Marcos. Risco: definições, tipos, medição e recomendações para seu gerenciamento. Resenha BM&F n. 114. Rio de Janeiro, 1996. Disponível em: <http://www.risktech.com.br/PDFs/RISCO.pdf>. Acesso em 22/12/2007. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo aurélio século XXI : o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FERREIRA, Roberto do Nascimento. Responsabilidade social, governança corporativa e valor das empresas. Revista de Administração da UFLA , Lavras, v. 6. n. 1, jan/jun 2004. FERREIRA, Ademir Antonio; REIS, Ana Carla Fonseca; PEREIRA, Maria Isabel. Gestão empresarial - de Taylor aos nossos dias : evolução e tendências da moderna administração de empresas. São Paulo: Thomson, 1997.

222

FOLADORI, Guillermo. Limites do desenvolvimento sustentável . Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2001. GARNER, Bryan A. Black’s law dictionary . 7. ed. St. Paul: West Group, 1999. GEVAERD FILHO, Jair Lima. Direito societário: teoria e prática da função. Vol. II. Curitiba: Gênesis, 2001. GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. __________. As conseqüências da modernidade. trad. Raul Fiker. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991. GOMES, Fernando de Melo; CALDEIRA, Ana Paula Terra; NEVES, Sandra. Due Diligence garante ponderação de riscos antes de ope ração. 2007. Disponível em:< http://www.bovespa.com.br/Principal.asp>. Acesso em: 12/12/2007. GONÇALVES, Almir Rogério. Uma análise jurídica do estudo e gerenciamento dos riscos envolvidos na atividade financeira e seu tratamento atual no Brasil. Revista de Direito Mercantil industrial, econômico e financ eiro , v. 128, p. 102-121, São Paulo: Malheiros, out./dez. 2002. __________. O Direito, o mercado, o contrato, os riscos legais e a certeza jurídica. Revista de Direito Mercantil industrial, econômico e financeiro , v. 139, p. 76-108, São Paulo: Malheiros, jul./set. 2005. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 01-34. GRUPO IBOPE. Sustentabilidade : Hoje ou amanhã? Fórum IBOPE, 2007. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=6&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=caldb&comp=pesquisa_leitura&docid=67498F86FD6D381C8325734C00727C3C>. Acesso em 20/09/2007. GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Responsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados nas auditorias jurídicas . São Paulo: Quartier Latin, 2005.

223

HART, Stuart L.; MILSTEIN, Mark B. Creating sustainable value. Academy os Management Executive , v. 17, n. 2, p. 56-69, mai. de 2003. Disponível em: <http://e4sw.org/papers/Hart_Milstein.pdf>. Acesso em 07/07/2007. HORNBY, Albert Sydney. Oxford advanced learner's dictionary . 6. ed. Nova Iorque: Oxford University Press, 2003. INSTITUTO BRASIL PNUMA. O PNUMA. 2007. Disponível em: <http://www.brasilpnuma.org.br/opnuma/oqueeopnuma.htm>. Acesso em 07/09/2007. INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNÇA CORPORATIVA. O código brasileiro das melhores práticas de governança corporativa . São Paulo: IBGC, 2004. Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/ibConteudo.asp?IDArea=864&IDp=3>. Acesso em: 13/01/2007a. __________. Guia de orientação para gerenciamento de riscos cor porativos. Disponível no site: <http://www.ibgc.org.br>. Acesso em: 16/01/2007b. __________. Governança corporativa . Disponível em: <http://www.ibgc.org.br/ibConteudo.asp?IDArea=2>. Acesso em: 13/01/2007c. INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE. The business charter for sustainable development. 2007. Disponível em: <http://www.iccwbo.org/policy/environment/id1309/index.html >. Acesso em 20/09/2007. INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. Sobre o Instituto Ethos . 2007. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3334&Alias=Ethos&Lang=pt-BR>. Acesso em: 02/11/2007a. __________. Critérios essenciais de responsabilidade social emp resarial e seus mecanismos de indução no Brasil . 2006. Disponível em: < http://www.uniethos.org.br/_Uniethos/Documents/criterios_essenciais_web.pdf>. Acesso em: 26/08/2007b. JUSTEN FILHO, Marçal. Empresa, ordem econômica e Constituição. Revista de Direito Administrativo , Rio de Janeiro. n. 212. p. 109-133, abr./jun. 1998.

224

LA ROVERE, Emilio Lèbre. Manual de auditoria ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. LODI, João Bosco. Governança corporativa : o governo das empresas e o conselho de administração. Rio de Janeiro: Campus, 2000. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. MACHADO FILHO, Cláudio Antonio Pinheiro. Responsabilidade social e governança - o debate e as implicações : responsabilidade social, instituições, governança e reputação. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Carta da Terra. 2000. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=5225>. Acesso em: 02/11/2007a. __________. Agenda 21 . 2007. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=597>. Acesso em: 02/11/2007b. __________. Agenda 21 Brasileira . 2007. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=1413>. Acesso em: 02/11/2007c. __________. Programa Agenda 21 – PPA 2004/2007 . 2007. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=1239>. Acesso em: 02/11/2007d. __________. Agenda 21 Local . 2007. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=1081>. Acesso em 02/11/2007e.

225

MINTZBERG, Henry. Managerial Correctness – entrevista concedida a A. J. Vogl. In: The Conference Board Review Magazine , jul/ago 2004. Disponível em: <http://www.conference-board.org/articles/atb_article.cfm?id=266>. Acesso em 12/10/2007. NADER, Paulo. Curso de direito civil : contratos. vol. 3. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 663-685. NALINI, José Renato. Ética geral e profissional . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. __________. A ética na auditoria ambiental. In: ROSO, Jayme Vita (org.). Auditoria jurídica: apontamentos para o moderno exercício da advocacia. São Paulo: STS, 2003, p. 55-64. ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Os Princípios da OECD sobre o governo das sociedades . 2004. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/1/42/33931148.pdf>. Acesso em: 15/11/2007. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano . Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1972. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc>. Acesso em: 02/11/2007a. __________. Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvim ento . Brasília: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576>. Acesso em: 02/11/2007b. PIERRI, Naína. El processo histórico e teórico que conduce a la propuesta del desarrollo sustentable. In: PIERRI, Naína; FOLADORI, Guillermo (org.) ¿Sustentabilidad? Desacuerdos sobre el Desarrollo Su stentable . Montevidéu: Trabajo y Capital, 2001, p. 27-80. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio . 2000. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/odm/>.Acesso em 07/09/2007.

226

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial . ed. atualizada por Rubens Edmundo Requião. vol. 1, 25. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 49-60; 365-383. ROSO, Jayme Vita (org.). Auditoria jurídica : apontamentos para o moderno exercício da advocacia. São Paulo: STS, 2003. __________. Auditoria jurídica para a sociedade democrática . São Paulo: Escolas Profissionais Salesianas, 2001. __________. Auditoria jurídica : seu reconhecimento explícito. 2007. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=34618>. Acesso em: 10/09/2007. SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável . 4 ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. SALES, Rodrigo. Auditoria ambiental: aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2001. SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário . 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. SAVITZ, Andrew W. A empresa sustentável: o verdadeiro sucesso é lucro com responsabilidade social e ambiental. trad. Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional . 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. SOUZA, Thelma de Mesquita Garcia e. Governança corporativa e o conflito de interesses nas sociedades anônimas . São Paulo: Atlas, 2005. SZTERLING, Fernando. A função social da empresa no direito societário . São Paulo, 2003. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de São Paulo.

227

SZTJAN, Rachel. Externalidades e custos de transação: a redistribuição de direitos no novo Código Civil. Revista de Direito Mercantil industrial, econômico e financeiro , v. 133, p. 7-31, São Paulo: Malheiros, jan./mar. 2004. THE EQUATOR PRINCIPLES. Bancos adotam princípios de responsabilidade social. Valor econômico , 05 de jun. 2003. Disponível em: <http://www.equator-principles.com/faq.shtml>. Acesso em: 11/11/2007. TRZASKOWSKI, Jan. Legal risk management : some reflections. Artigo publicado dez/2005. Disponível em: <http://www.legalriskmanagement.com/PUBLICATIONS/2005_LRM.pdf>. Acesso em 15/09/2007. UNIÃO EUROPÉIA. Tratado sobre a União Européia – alterado pelo Tratado de Amsterdã, 24 dez. 2002. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/12002M/pdf/12002M_PT.pdf>. Acesso em 13/11/2007. UNITED NATIONS. Global Compact . 1999. Disponível em: <http://www.unglobalcompact.org/AboutTheGC/index.html>. Acesso em: 01/10/2007. UNITED STATES. Sarbanes-Oxley Financial and Accounting Disclosure Information. Sarbanes-Oxley Act of 2002 . Disponível em: <http://www.sarbanes-oxley.com/section.php?level=1&pub_id=Sarbanes-Oxley>. Acesso em 07/12/2007. VANCA, Paulo. Gestão de riscos de perda de sustentabilidade. Centro de Estudos em Sustentabilidade – CES / FGV SP – 8º Fórum Empresarial. 2004. Disponível em: <http://www.ces.fgvsp.br/arquivos/apres_pwc_paulo_vanca.pdf>. Acesso em: 10/08/2007. VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável : o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : responsabilidade civil. vol. 4. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. About the WBCSD. 2007. Disponível em: <http://www.wbcsd.org/templates/TemplateWBCSD5/layout.asp?type=p&MenuId=MTQ5MQ&doOpen=1&ClickMenu=LeftMenu>. Acesso em 01/10/2007.

228

__________. A statement of intent for doing business with the w orld . 2006. Disponível em: <http://www.wbcsd.org/DocRoot/A5VWpGTcM2mSkbMNM3CH/Statement%20of%20Intent%20FINAL%20-%20with%20signatures.pdf>. Acesso em 12/11/2007.