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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG POR UMA POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO DO MSTTR: Alguns apontamentos 1 ANTECEDENTES Em seu nascedouro a estratégia da CONTAG foi de realizar formação de base, para a fundação e consolidação das entidades sindicais. Desde então, afina-se com os referenciais da educação popular com influências da ala progressista da Igreja Católica na construção de espaços de resistência operária e camponesa ao regime militar. Depois a CONTAG investiu no mote da conscientização sobre os direitos, atuando na perspectiva de atuar junto às lideranças em legislação trabalhista, agrária, cooperativismo e organização sindical. Nos anos 70/80 surge o debate sobre a necessidade de uma política nacional de formação de lideranças, dirigentes e trabalhadores (as) rurais da base. O referencial desse momento era o de valorização dos sujeitos políticos na transformação da realidade. Os anos 90 foram marcados pela construção do PADRSS, implementação do PDLS, pesquisa CUT-CONTAG e incorporação de gênero e geração (juventude e terceira idade). O momento atual é de aprofundamento do PADRSS, construção de uma estratégia e referencial pedagógico nacional, afirmação da pluralidade de idéias e de resgate da formação, enquanto uma estratégia de aperfeiçoamento da ação sindical, com ênfase nas dimensões propositivas e de lutas. Como conseqüência, o 9° CNTTR deliberou pela construção de uma Escola Nacional, a ENFOC. A demanda pela articulação das políticas e das ações é foco do planejamento estratégico (2005/2009). Por ocasião da elaboração do POA 2007 indicamos ações que possibilitem essa integração. O primeiro Encontro Nacional de Formação da CONTAG (ENAFOR) se desenvolveu a partir desse mote considerando a demanda de reunir subsídios políticos e pedagógicos. O ENAFOR fez um breve balanço da formação do MSTTR e construiu diálogos com outras 1 Organizado por Célia Watanabe e Socorro Silva a partir das contribuições coletivas e das reflexões feitas nos espaços do Coletivo Nacional de Formação e Organização Sindical, reuniões das Coordenações Política e Pedagógica da ENFOC e Oficina Interna da Política Nacional de Formação do MSTTR com a presença de dirigentes e assessorias da CONTAG. 1° Módulo do Curso Regional Centro-Oeste de Formação de Educadores e Educadoras em Concepção e Prática Sindical e em Metodologias – Brasília (DF), 06 a 12 de agosto de 2007 Página 1

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Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

POR UMA POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO DO MSTTR: Alguns apontamentos1

ANTECEDENTESEm seu nascedouro a estratégia da CONTAG foi de realizar formação de base, para a fundação e consolidação das entidades sindicais. Desde então, afina-se com os referenciais da educação popular com influências da ala progressista da Igreja Católica na construção de espaços de resistência operária e camponesa ao regime militar.Depois a CONTAG investiu no mote da conscientização sobre os direitos, atuando na perspectiva de atuar junto às lideranças em legislação trabalhista, agrária, cooperativismo e organização sindical. Nos anos 70/80 surge o debate sobre a necessidade de uma política nacional de formação de lideranças, dirigentes e trabalhadores (as) rurais da base. O referencial desse momento era o de valorização dos sujeitos políticos na transformação da realidade. Os anos 90 foram marcados pela construção do PADRSS, implementação do PDLS, pesquisa CUT-CONTAG e incorporação de gênero e geração (juventude e terceira idade). O momento atual é de aprofundamento do PADRSS, construção de uma estratégia e referencial pedagógico nacional, afirmação da pluralidade de idéias e de resgate da formação, enquanto uma estratégia de aperfeiçoamento da ação sindical, com ênfase nas dimensões propositivas e de lutas. Como conseqüência, o 9° CNTTR deliberou pela construção de uma Escola Nacional, a ENFOC.A demanda pela articulação das políticas e das ações é foco do planejamento estratégico (2005/2009). Por ocasião da elaboração do POA 2007 indicamos ações que possibilitem essa integração.O primeiro Encontro Nacional de Formação da CONTAG (ENAFOR) se desenvolveu a partir desse mote considerando a demanda de reunir subsídios políticos e pedagógicos. O ENAFOR fez um breve balanço da formação do MSTTR e construiu diálogos com outras experiências realizadas por entidades parceiras. Alguns desafios foram evidenciados: Construir uma política nacional que articule as demandas e as lutas do cotidiano com os desafios do contexto mais amplo; Retomar a formação de base e dos dirigentes para atuarem dentro desse contexto e no fortalecimento do PADRSS; Construir um projeto político pedagógico que tenha como centro a formação humana na perspectiva política, social, educacional e profissional; Fortalecer esses espaços nos sindicatos, federações e na CONTAG, inclusive com a construção da ENFOC. Internamente, dirigentes e assessores da CONTAG e das Federações têm discutido a necessidade de articulação entre as diversas iniciativas 1 Organizado por Célia Watanabe e Socorro Silva a partir das contribuições coletivas e das reflexões feitas nos

espaços do Coletivo Nacional de Formação e Organização Sindical, reuniões das Coordenações Política e Pedagógica da ENFOC e Oficina Interna da Política Nacional de Formação do MSTTR com a presença de dirigentes e assessorias da CONTAG.

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desenvolvidas pelas secretarias específicas e pelos estados. Passado o primeiro ciclo de experiências (Curso Nacional em dois módulos), essa reflexão tem se ampliado e redimensionado os espaços e tempos de formação e suas inter-relações. Todos esses momentos têm reforçado a necessidade de se construir uma Política Nacional que possibilite uma interligação entre as linhas de formação que ora desenvolvemos, quais sejam: formação de formadores para concepção e prática sindical; formação das secretarias específicas, que aqui chamamos de formação em áreas temáticas; e a auto-formação presente na intersecção entre as outras duas linhas.Na construção desse processo, foi elaborado o Projeto Político Pedagógico (PPP) encontra em fase de atualização na perspectiva de incorporar as novas reflexões advindas das caminhadas até agora. O PPP, assim como o PADRSS, é referencial para o MSTTR.

PRINCÍPIOS DA FORMAÇÃO (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO):A formação da qual falamos deverá se pautar na articulação permanente entre prática e a teoria, numa perspectiva de retro-alimentar a própria prática. Uma estratégia de ação que articule dimensões fundamentais na ação dos trabalhadores (as) rurais quais sejam: mobilização-proposição – organização- formação.Os saberes técnicos e acadêmicos se conjuga com os saberes do povo, estabelecendo uma relação interativa sem hierarquização de conhecimentos. Essa relação busca a construção de novos saberes transformadores da realidade. Este princípio nos remete a refletir sobre o papel da pesquisa (teórica e pesquisa – ação) nos processos formativos da classe trabalhadora.A formação política para uma ação transformadora da realidade deve ultrapassar os espaços dos processos cognitivos e estimular a construção de alternativas aos problemas identificados no cotidiano. Ao terem acesso ao instrumental teórico e metodológico, as pessoas transformam sua prática política, ao tempo em que se qualificam para atuar de modo a fazer avançar a organização e a luta dos (as) trabalhadores (as) rurais.A Política Nacional de Formação deve ser referenciada e ao mesmo tempo fortalecer permanentemente o PADRSS. Sobre essa questão, o ENAFOR refletiu que:

A formação deve ser continuada, tendo o PADRSS enquanto temática obrigatória, evidenciando a contraposição ao projeto político predominante.

Deve estimular uma leitura critica do universo rural, suas dinâmicas e demandas, questionando os antigos valores e construindo novos, que dêem conta desse novo sujeito/a.

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Nossa ação formativa deve estimular a compreensão dos/as trabalhadores/as sobre os eixos táticos e estratégicos do PADRSS.

Deve contribuir para uma nova postura individual e coletiva, capaz de fortalecer as iniciativas em torno do equilíbrio dos aspectos ambientais, econômicos e sociais.

Deve contribuir para a afirmação de identidades sócio-culturais, difusão de valores éticos, de justiça e solidariedade, superação de preconceitos, incentivo à participação democrática, à construção da autonomia e pela liberdade, ao crescimento da consciência e do respeito das diferenças de gênero, raça e geração.

Essa ação formativa recusa as visões únicas e as verdades pré-estabelecidas. Deve trilhar pela pluralidade de idéias, pela criticidade e pela criatividade. Cumpre aqui um importante papel para a explicitação das diferenças considerando os ‘ritmos e tempos’ da construção coletiva do conhecimento.

O compromisso com a ação concreta de transformação social requer que se avalie permanente e continuamente a prática dos diversos sujeitos e estimule a capacidade de crítica e auto-crítica. Dessa forma, se torna possível re-elaborar a própria prática e, ao mesmo tempo, o processo formativo. Entre os referenciais de avaliação será conveniente incluir: o desempenho dos formandos/as e formadores/as; as várias dimensões abordadas na formação - político-ideológica e pedagógico-metodológica; os resultados e impactos alcançados. Estamos nos referindo a um processo educativo que considere as múltiplas dimensões da subjetividade humana, contemplativas das particularidades dos sujeitos envolvidos. Um processo que trabalhe o acolhimento, a afetividade, e outros aspectos fortalecedores das identidades individuais e coletivas. Uma formação integral que considere o ser humano na sua totalidade e suas relações com o mundo passa necessariamente pela construção de saberes a partir da interdisciplinaridade entre as diversas áreas de conhecimento, tendo como referencia o mundo do trabalho, as relações sociais, a cultura vivida pela população do campo e outras peculiaridades do mundo rural.

ABORDAGEM METODOLÓGICA A metodologia deve estar centrada na construção coletiva de

conhecimentos. É preciso criar estratégias de formação de redes, que considerem os

seguintes aspectos: cada realidade guarda sua própria história; há diferenças sociais, econômicas e culturais que devem ser respeitadas e valorizadas; deve ser feito uso dinâmico e apropriado do que construímos e produzimos nos processos formativos.

A mística é imprescindível, pois é o alimento de nossos sonhos.

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O efeito multiplicador deve ser fomentado como ampla oportunidade de apropriação crítica e criativa de experiências e conhecimentos, na busca de favorecer a repercussão dos processos formativos na vida das pessoas, dos grupos e das instituições.

Os processos formativos devem incorporar e garantir o princípio da solidariedade.

A metodologia da formação deve favorecer a inclusão e o protagonismo dos diversos segmentos da classe trabalhadora, considerando suas especificidades.

Valorizar nos processos formativos a dimensão investigativa, articulando com as dimensões pedagógicas e política.

A ação formativa deve contemplar o Planejamento, o Monitoramento, a Avaliação e a Sistematização (PMAS).

LINHAS DE AÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃOConforme já vimos, a Política Nacional tem duas grandes linhas: formação de educadores para concepção e prática sindical/metodologias; e formação em áreas temáticas. A interseção entre elas gera necessidade de uma terceira linha, a de auto-formação da equipe da CONTAG.

A Formação de educadores tem como público, dirigentes, educadores (as) e assessores (as), envolvidos (as) sensibilizados (as) com a estratégia pedagógica, com perfil de articuladores e aglutinadores de outras lideranças, comprometidos (as) com o efeito multiplicador da estratégia formativa, sendo necessário participar integralmente do itinerário proposto, com disposição para trabalhar coletivamente, que interajam com as demandas do MSTTR. Essas pessoas devem ter disponibilidade para acompanhar os processos formativos na região, no estado, nos municípios/territórios, sobretudo as atividades de formação na ação, como por exemplo, os GES (Grupos de Estudos Sindicais). Essa linha tem como objetivo a formação de redes de educadores e multiplicadores, que considerem os seguintes aspectos: cada realidade guarda sua própria história; há diferenças sociais, econômicas e culturais

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Formação de Educadores

(as) em Concepção e

Prática Sindical e

Metodologia da Formação

Formação em Áreas Temáti

cas

Auto Formaç

ão

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que devem ser respeitadas e valorizadas; deve ser feito uso dinâmico e apropriado do que construímos e produzimos nos processos formativos.Cabe a essa linha oferecer instrumental teórico, pedagógico e metodológico para a ação formativa em outros espaços onde cada educador e educadora irão atuar. A formação de educadores se dará em curso nacional de 2 módulos de 12 dias cada; oficinas nacionais, oficinas regionais e curso regional de 3 módulos de 7 dias cada. No espaço nacional o curso tem caráter de aprofundamento temático com ênfase no desenvolvimento metodológico. Esse conjunto de educadores e educadoras serão co-responsáveis na preparação e coordenação dos cursos regionais, que por sua vez deverão ampliar o contingente de participantes.Quando da descentralização da formação para as regiões, será dada uma especial atenção à dimensão da formação na ação, com a preparação dos GES.A Formação em Áreas Temáticas é aquela que vem sendo feita pelas secretarias da CONTAG. Nessa linha de formação temos uma grande riqueza de conteúdo e metodologias. Alguns programas trabalham aspectos da formação de formadores, na medida em que educandos e educandas são responsáveis pela multiplicação em seus estados e regiões das temáticas ou políticas. No entanto, não tem sido possível articular as diversas iniciativas em uma política de formação do MSTTR. Talvez seja este o maior desafio colocado para essa política, conforme discutimos por ocasião da elaboração do POA 2007.A Auto-formação é uma linha que aparece na intersecção das duas outras linhas, e deverá ser vista nesse esboço de Política Nacional de Formação enquanto geradora de ações voltadas para o público interno da CONTAG. São seminários, oficinas, e outros formatos de atividades formativas para uma maior apropriação técnica, política e temática para que dirigentes e assessores da CONTAG possam construir aportes para o desenvolvimento de sua ação sindical e de formação em todos os demais espaços.

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Projeto Político Pedagógico

Com Quem?LiderançasDirigentesMilitantesEducadores(as)

Projeto Hegemônico

Realidade

Contexto

PADRSS

MissãoPrincípios Práticas

CLASSE

Políticas Agrícolas

Políticas Agrárias

Políticas de Direitos Trabalhistas

Socias Educação Saúde Lazer Previdência Cultura

Meio Ambiente

Mulheres Jovens 3ª Idade Raça Etnia

Temática

Identidade

Formar Sujeitos Políticos Coletivos

Fortalecer a Ação Sindical

MobilizaçãoProposiçãoFormulaçãoReivindicaçãoOrganização

Formação na AçãoFormação Programada

Para quê finalidade?

Ação SindicalPrática

MeioInstituição

Estrutura Sindical Auto – SustentaçãoComunicação

Como?

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O PADRSS, orientador da formação do MSTTR, foi concebido em contraposição ao projeto hegemônico conservador pré-existente e indica princípios e diretrizes para a prática sindical. Em sua implementação deve levar em consideração o contexto sócio-político, econômico e cultual vivenciado. Pautar a formação sindical (de educadores, temática e auto-formação) para a qualificação de sujeitos políticos coletivos e em uma perspectiva de classe, implica em fomentar a transformação social.

Qualquer fenômeno que ocorra no contexto da sociedade tem um tripé que é o objeto, o sujeito e a instituição. O objeto é a ação sindical, que só tem razão de existir, pois do outro lado do tripé está o sujeito, e nas falas e nas escritas tem se evidenciado muito mais o objeto do que o sujeito. Podemos observar que estamos mais preocupados com “o que?” do que com os sujeitos. E na verdade o objeto só tem sentido aliando ao “para quem?” e o “para que?”. A ação sindical esperada é para mudar a realidade e como um eixo orientador para esta mudança, que é o PADRSS, que passa ser o eixo orientador. Aí questionamos se este projeto está sendo de fato o eixo orientador da nossa prática. Nesta prática o sujeito está ficando muito diluído nas falas, que estão cada vez mais ligadas ao objeto. As 03 principais políticas expressam só a dimensão de classe a quem se destina a ação, assim o sujeito fica tão oculto que some ou não fica tão evidenciado. Assim sentiu-se a necessidade de agregar outras temáticas sociais como previdência, educação, saúde, lazer e cultura além de meio ambiente e ainda dimensões de identidade tais como, mulheres, juventude, 3ª idade, raça e etnia. Tudo isso de forma muito fragmentada, classe, temática e identidade. Todos convivendo junto, no entanto não há uma centralidade de foco no sujeito da ação.A estrutura sindical precisa de auto-sustentação e de comunicação, ficando a ação sindical voltada para mobilização, proposição, formulação, reivindicação e organização. Quando fazemos tudo isso, temos formação na ação e temos também formação para fazermos tudo isso que é a formação programada. Nos dois casos não podemos perder a referência que é o eixo orientador, a missão. Assim precisamos ter a intencionalidade, à finalidade de forma explicita dos processos educativos da caminhada, garantido a formação de fato, fortalecendo o nosso PADRSS. Ou seja, no “como?” temos que ter muito claro e evidenciado o “para quê?” e o “para quem?”.

(Socorro Silva)ESPAÇOS FORMATIVOSAs Linhas de formação descritas acima, se realizam em duas dimensões distintas:Formação Programada: acontece por meio de cursos presenciais (Tempo escola) e/ou à distância: seminários, oficinas, etc. A dimensão programada se realiza nos espaços nacional, regional e Estadual enquanto que a formação na ação se realiza nos espaços estadual e municipal/territorial.Formação na Ação: ocorre no cotidiano sindical: na participação em congressos, plenárias, ações e mobilizações de massa, intercâmbios, acompanhamento, sistematização coletiva de experiências, pesquisas, etc. Essa dimensão privilegia ao que chamamos tempo comunidade, embora no tempo escola esteja presente a articulação com a prática e ação sindical.Por fim, para que a política de formação se realize efetivamente, dispomos de algumas ferrramentas/estratégias, a saber:

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Escola Nacional de Formação da CONTAG Projetos específicos de cada Secretaria da CONTAG Ações e espaços das Federações nos estados

O nosso desafio na construção de uma Política Nacional é a articulação e a definição dos papeis de cada um desses espaços e atores sociais. A seguir temos um esquema dos elementos que compõem a Política Nacional de Formação da CONTAG:

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Nacionais

Regionais

Curso de Formação de Educadores

Tempo Escola

Tempo Comunidade

I Módulo 12 dias

II Módulo 12 dias

Oficinas c/ Coordenações Política e Pedagógica ENFOC

Seminários internos Direção e Assessoria da CONTAG

Cursos/Seminários/Oficinas Temáticas

01 dia a cada 02 meses

Formação das áreas / Políticas Temáticas

Espaços

Estaduais

Territorial

Oficinas com rede de educadores (03 dias)

Curso de Formação de Educadores (07 dias)

I Of.II Of.III Of.

I Módulo

II Módulo

III Módulo

PesquisaProjeto Ação

PesquisaProjeto Ação

Grupo de Estudos

Curso de Educadores

Formação de Educadores em concepção e prática sindical e metodologia da formação.

Auto - Formação da Equipe

Tempo comunidadeTempo Escola

Tempo Escola

Tempo comunidade

I Módulo?

II Módulo?

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Gestão democrática, Estado e Sociedade Civil

Marco Aurélio Nogueira

[Texto preparado como roteiro de exposição. Para um melhor desenvolvimento, cf. Marco A. Nogueira, Um Estado para a sociedade civil. Temas éticos e políticos da gestão democrática. São Paulo, Editora Cortez, , 2004. ]

A gestão democrática converteu-se em exigência da realidade contemporânea. Seus temas são amplos e complicados: o Estado, a sociedade civil, a participação, o universo organizacional, a qualificação dos dirigentes e dos gestores. Manifestam-se mesmo quando pensamos além do setor público, ou seja, na vida privada ou no mundo dos negócios.Gestão e governo democrático aproximam-se de muitas maneiras. Todo esforço para governar melhor ou administrar com maior eficácia é inerentemente político. Particularmente no caso da gestão pública (mas não apenas nele), isso supõe uma consideração rigorosa do Estado, visto tanto como aparato quanto como referência ética, tanto como “sociedade política” quanto como “sociedade civil”. Se a questão, enfim, é não apenas “gerenciar” – fazer com que as coisas funcionem da melhor maneira –, mas mudar, transformar e produzir igualdade de forma ampliada e sustentável, então é no conjunto da experiência sócio-cultural, determinada em termos históricos concretos e em termos de história universal, que os olhares devem se concentrar. Os povos podem “tudo”, desde que saibam traduzir em seus próprios termos os dados e as possibilidades da época. Gestão não é um tema “técnico”, passível de ser resolvido por modelos, reformas pontuais, incursões racionalizadoras ou argumentos de autoridade. Por dispor-se a dirigir, a coordenar e a impulsionar a formação ampliada de decisões, a gestão democrática opera em um terreno que não se esgota no administrativo, no manuseio

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de sistemas e recursos, mas se abre para o universo organizacional como um todo. A época é de mudança ininterrupta, insinuante e silenciosa. Impulsionada pelos processos da globalização capitalista, a vida acelerou. Seu ritmo é proporcional à velocidade das inovações tecnológicas, à quantidade de informações, de deslocamentos e de contatos, à “obrigação” que todos têm de viver no mundo, ligados em tudo. É sempre mais difícil estabelecer para onde se deve ou se deseja ir. A decisão – a política e o poder – escapa de nossas mãos. Os governos governam pouco, às vezes nem governam.É um mundo que se torna complexo com grande rapidez. À frenética mobilidade dos capitais, à financeirização e transnacionalização das economias, à segmentação e expansão da oferta de produtos, ao surgimento ininterrupto de novas profissões, correspondem uma inevitável diferenciação social e uma forte fragmentação. Ainda que estejam mais ao alcance das mãos e sejam mais bem conhecidos, os circuitos ativos da vida social não ficaram mais compreensíveis, nem seus frutos são mais aproveitáveis. Temos informações, mas nem sempre sabemos o que fazer com elas. Não sabemos sequer se podemos escolhê-las livremente ou se são elas que nos escolhem.A mudança acelerada e a inovação tecnológica ininterrupta fazem com que tudo se evapore no ar com inédita velocidade, põem em xeque convicções, costumes, hábitos e comportamentos, embaralham as relações entre quantidade e qualidade. A técnica e a tecnologia tornam-se valores em si, impõem um novo padrão produtivo, arrasam os parâmetros do emprego e causam impactos de vastas proporções no mundo das organizações, mexendo com suas hierarquias, seus procedimentos operacionais, suas relações internas.O império do mercado é avassalador. O capital opera como propulsor da transnacionalização. Tudo se submete a ele, ao dinheiro, ao cálculo, aos valores econômicos. Sob seu comando, todas as áreas e regiões do mundo se integram, em condições de flagrante desigualdade, injustiça e heteronomia.

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Não é difícil imaginar os efeitos que isso causa na convivência social, na vida política e na governabilidade mesma das sociedades. Tudo passa a ficar condicionado pela multiplicação e fragmentação dos interesses, pela ampliação frenética das demandas, por graves dificuldades de coordenação e direção, pela incerteza e pela insegurança, pelo enfraquecimento das lealdades e o empobrecimento da convivência.Constrangidas pelas imposições, dinâmicas e tensões da globalização, as organizações assistem hoje a um deslocamento de seu eixo constitutivo. Não há setor que não registre o fato: do econômico e do político ao cultural, passando pelo vasto universo das entidades associativas e de representação de interesses, a vida organizada encontra-se literalmente de pernas para o ar.Junto com o Estado nacional, todos os centros diretivos e organizacionais perdem força e parecem fracassar. O próprio poder modifica sua configuração: desencarna, despersonaliza-se e dilui-se pelas estruturas, transferindo-se para sistemas e circuitos sempre mais “invisíveis”, difíceis de serem reconhecidos, evitados ou combatidos. A política muda de forma: deixa de se identificar com o Estado-aparato e é obrigada a abrir-se para uma sociabilidade explosiva e multifacetada, sendo forçada a rever seu sentido, seus sujeitos e seus marcos institucionais. A sensação é de que se passou a viver num contexto muito fragmentado, sem centros de coordenação e sem sujeitos efetivamente coletivos, capazes de fundar novas formas de comunidade política.O campo das organizações mergulhou numa espécie de estágio de “sofrimento”, um mal-estar que incomoda e se impõe. Nada funciona muito bem nas organizações, nada satisfaz, nada parece ter força suficiente para alterar o rumo das coisas, como se a vida e a história estivessem paradas no tempo. No entanto, tudo se move freneticamente. As dificuldades cotidianas, as fraturas nas subjetividades, o impacto das novidades tecnológicas sucessivas, a escassez real de recursos, o aumento da incerteza e da insegurança bloqueiam a interação dinâmica dos indivíduos, freiam a criatividade e reforçam rotinas improdutivas, em nome da necessidade que se teria de ser pragmático e não perder de

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vista o cálculo e os interesses de curto prazo. Como reação, sobem as taxas de angústia e ansiedade, aumenta a inquietação e tendem a se disseminar atitudes de rebeldia, ceticismo e niilismo, muitas vezes retóricas e quase sempre impotentes para produzir consensos ativos, contra-tendências consistentes ou mudanças efetivas no cotidiano organizacional. As organizações passam a apresentar seguidos déficits de sentido. Perdem o encanto e o poder de sedução. As organizações, assim, “sofrem” por se ressentir da ausência relativa de centros indutores e vetores consistentes de direcionamento. Evoluem meio fora de controle, ou meio artificialmente, como sistemas vazios de densidade comunicativa ou, para falar com Habermas, de “mundos-da-vida” ativos, capazes de produzir consensos interpretativos, solidariedade e formas espontâneas de coordenação. Os centros dirigentes estão formalmente presentes, mas operam de modo pouco efetivo, não se legitimam com facilidade e produzem escassos efeitos organizacionais. Conseguem, digamos assim, disseminar ordens administrativas e comandos de autoridade, mas não criam vínculos ativos de vontade coletiva. Dominam, mas não se mostram capazes de dirigir. É precisamente por isso que as organizações que “sofrem” não são necessariamente organizações mal organizadas ou desprovidas de estruturas administrativas visíveis, presentes e bem-aparelhadas. Elas estão administrativamente estruturadas, mas o aparato administrativo não se mostra solidarizado com as pessoas e só consegue se vincular a elas a partir “de fora”, como mecanismo de coerção, bloqueio ou burocratização.O “sofrimento organizacional” não é mais que um subproduto do mal-estar geral em que se parece viver. Não anuncia a morte nem o caos inevitável, mas convulsiona a vida cotidiana, as consciências individuais e as culturas organizacionais. Para ser enfrentado de modo positivo, requer a assimilação de novos hábitos e procedimentos, uma conversão nos termos mesmos da vida organizada, uma recuperação de certas tradições perdidas e, antes de tudo, a produção em série de recursos humanos inteligentes.

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Não é sinônimo de desordem. Apenas reflete um quadro em que certezas se convertem em apostas, em que a perda de segurança é compensada pelo crescimento das expectativas e das promessas, em que a movimentação vale mais do que a construção, em que se vive sempre com culpa (por não se fazer tudo o que se devia, por não assimilar todas as informações, por perder tempo inutilmente, por não se conseguir relacionamentos elevados), em suma, no qual a obsessão pelo sucesso individual, por vencer na vida, se combina com a exponenciação artificial dos controles. Trata-se de um estado de turbulência e inquietação, no qual qualquer decisão custa muito e produz poucos efeitos.Tudo isso cria inúmeros desafios para a direção e a administração cotidiana. Por serem complexas e viverem em um ambiente igualmente complexo, as organizações atolam-se em demandas e atividades que exigem processos de gestão ágeis e bem articulados. A cultura em que se vive não aceita morosidade, desperdício, excesso de burocracia ou ineficácia. Todos desejam participar e influenciar o tempo todo, e em boa medida podem fazer isso sem muitas restrições ou dificuldades. Mas nem sempre existe disposição para assimilar os tempos mais longos que são inerentes às decisões. É um paradoxo: desejam-se decisões rápidas (porque os problemas se superpõem incessantemente) e ao mesmo deseja-se deliberar a respeito de tudo. O “sofrimento” reflete esse desencontro de expectativas.Nesse quadro de crise e sofrimento organizacional, em que transformações intensas e aceleradas exigem a mudança mas, ao mesmo tempo, tornam tensa e difícil a mudança, passa-se a viver sob o risco constante de que se mude sem rumo, sem projeto, direção ou protagonismo subjetivo. Na verdade, trata-se de um risco inerente a toda fase de mudança intensificada: indivíduos, grupos e organizações, assim como idéias e procedimentos, são arrastados e envolvidos pela onda transformadora, que de certo modo se naturaliza. Declina a capacidade de resistir à mudança ou de negociar os termos da mudança, ainda que se possa manifestar indignação ou se protestar veementemente contra ela.

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A mudança, nesse caso, impõe-se sobre os atores, forçando-os a se adaptar a ela e a desistir de direcioná-la.A interferência ativa nesse quadro de mudanças exacerbadas almeja precisamente submeter a mudança ao controle democrático: decidir coletivamente sobre ela, o que pressupõe capacidade de alcançar entendimento mútuo, organizar a convivência e politizar a vida, trazendo o poder de volta para o espaço da política, com suas instituições, ritmos e valores. Uma interferência desse tipo, portanto, depende da exacerbação de uma racionalidade ético-política, crítica, emancipadora, impulsionada por sujeitos autônomos e deliberantes. A crise das organizações, os problemas de desempenho dos sistemas administrativos e a sensação de que se vive em ambientes pouco produtivos e imersos no “caos estabilizado” estão fazendo com que se generalize a convicção de que precisamos de uma nova idéia de gestão. A gestão (pública e privada) está hoje sob pressão. A gestão democrática se qualifica pela capacidade de compreender os processos sociais de modo crítico e abrangente, pensando a crise e a mudança acelerada. Em decorrência, debruça-se sobre as organizações não como algo dado, mas como um vir-a-ser dialético, dinâmico, contraditório e imune a imposições administrativas, vindas “de cima”. Uma gestão desse tipo opera além do formal e do burocrático e se compromete abertamente com o aprofundamento da participação e da composição dialógica, bases vivas de uma nova e mais avançada estrutura de autoridade.Ela é essencialmente comunicativa. Sua principal “arma” é o diálogo. Assimila as organizações como espaços éticos e políticos que interagem de modo ativo com a vida, são povoados por pessoas, desejos e interesses que precisam ser interiorizados na gestão e não podem ser simplesmente “gerenciados”.Do mesmo modo que na sociedade e no Estado, a principal tarefa dos dirigentes democráticos e dos recursos humanos “inteligentes” no interior das organizações é de natureza ético-política: construir uma nova racionalidade (crítica e comunicativa, em vez de instrumental), dar

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impulso a uma reforma cultural, agir não para maximizar o uso da força, a eficiência a qualquer custo ou as razões administrativas, mas para promover a reposição dos pactos básicos de convivência e a formação de novos alinhamentos políticos e intelectuais.

A possibilidade de dirigir e direcionar a mudança depende de operações que requerem o pleno emprego da negociação e da articulação, que são poderosos recursos democráticos. Participação, representatividade, capacidade de argumentação e eficiência caminham de mãos dadas. Sem elas, não há como avançar nem como reformar a gestão.

A prudência, a tolerância e a cautela tornaram-se bens indispensáveis. Mas a perspectiva da mudança também exige a colocação em curso de um programa abrangente e agressivo de reformas, a partir do qual seja possível compensar as concessões inevitáveis. Governos de esquerda, por mais moderados que sejam e por piores que sejam as circunstâncias em que operam, estão forçados a temperar a flexibilidade, o realismo e a tolerância com a ação firme e a clareza de propósitos próprias de uma lógica democrático-radical. Caso contrário, ficam sem força de propulsão, valores e identidade, arriscando-se a perder precisamente aquilo que é seu maior trunfo: a coerência, a disposição para regular democraticamente a vida, ou seja, a determinação para fazer com que o ético-político e o social prevaleçam sobre a lógica da economia e dos interesses.Os ambientes categoricamente organizacionais e sistêmicos em que vivemos não são apenas lugares de angústia e ansiedade, nos quais se pode sentir aquela “confortável, suave, razoável e democrática” falta de liberdade antevista por Marcuse em O Homem Unidimensional. São também espaços de interesses e desejos exacerbados, que precisam ser compostos e recompostos sem cessar. As organizações nos cercam por onde quer que circulemos. Não conseguem proibir a reprodução ampliada de vários tipos de individualismo – mais deletérios uns, mais cooperativos outros --, mas não podem ser modeladas pelos desejos e interesses individuais ou particulares. “Sofrem” e nos perturbam, mas continuam a ser indispensáveis.

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O maior desafio dos dirigentes democráticos e dos recursos humanos “inteligentes”, dentro e fora das organizações – ou seja, também no Estado e na sociedade --, é dar curso a uma dinâmica de reforma intelectual e moral que tenha potência para criar novas hegemonias. A força, as razões administrativas e a exigência de produtividade não são de modo algum o melhor caminho para se chegar a formas solidárias e democráticas de sociabilidade ou a novos pactos de convivência. Dirigir ficou muito mais importante que dominar.Não pode haver Estado democrático sem cidadania ativa e sem participação, ou seja, sem sociedade organizada. Mas o social não basta a si próprio: na ausência de um Estado, reduz-se a território de caça do mercado e desvincula-se da idéia republicana, ou seja, converte-se em um espaço de interesses autonomizados, mas não de direitos. O melhor terreno para o desencadeamento de dinâmicas de emancipação, de liberdade e de autodeterminação não é o Estado em sentido estrito (ou seja, o mundo do governo, da administração pública ou do poder), mas a sociedade civil, quer dizer, a malha de aparelhos e associações com as quais os interesses sociais se organizam e buscam se afirmar perante os demais, diante do Estado e como Estado. Isso implica, em decorrência, que a sociedade civil não é o outro lado do Estado, mas o coração do Estado: é com base nela e a partir dela que melhores Estados podem ser fundados e que novas plataformas de civilização conseguem ser instituídas.

DEMOCRACIA E SOCIEDADE CIVIL

O terreno próprio para a construção de uma hegemonia democrática radicalizada não é o Estado em sentido estrito (ou seja, o mundo do governo, da administração pública ou do poder), mas a sociedade civil, quer dizer, a malha de aparelhos e associações com as quais os interesses sociais se organizam e buscam se afirmar perante os demais, diante do Estado e como Estado. Isso implica, em decorrência, que a sociedade civil não é o outro lado do Estado, mas o coração do Estado: é com base nela e a partir dela que novos Estados podem ser fundados.

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Na passagem do século XX para o século XXI, o terreno das relações entre Estado e sociedade civil ficou bastante congestionado.

Deveu-se isso, em boa medida, a um triplo esgotamento. Esgotou-se, antes de tudo, o modelo de desenvolvimento que fez a glória do capitalismo no correr dos últimos dois séculos: agressivo, predatório da natureza, impulsionador da produção intensiva de bens de consumo supérfluos, baseado na subordinação da ciência e da tecnologia aos ditames da produção mercantil, cronicamente incapaz de produzir, ao mesmo tempo que progresso técnico e superprodução de bens, padrões superiores de vida coletiva, trabalho e distribuição de renda. Esgotou-se também o modelo neoliberal com que se tentou, dos anos 70 em diante, responder à crise do Estado e repor a centralidade do mercado, a partir de políticas de desregulamentação e de ajustes de clara orientação monetarista. Ainda que o programa neoliberal persista de forma dissimulada nas agendas governamentais que abriram o século XXI, ficou ostensivamente patente a sua inadequação aos ideais de uma “boa sociedade” ou mesmo de uma economia capaz de realizar a essência do capitalismo. Esgotou-se, enfim, por ter alcançado sua plena explicitação, a crise da esquerda, que bem ou mal acompanhou as vicissitudes do neoliberalismo, recebeu o impacto das mudanças estruturais que afetaram as sociedades contemporâneas e sentiu os efeitos da desagregação do sistema socialista do Leste europeu. Deste ponto de vista, o final do século XX foi riquíssimo e pleno de novidades e paradoxos.Na grande maioria dos países e nas diversas posições do espectro político-ideológico, fazem-se sentir os sintomas deste triplo esgotamento. Trata-se de algo ainda impreciso e sem rumo nítido, muito concentrado na retomada de algum protagonismo social-democrata (a “terceira via”) e na tentativa de agregar antigos alinhamentos partidários, comunidades virtuais, organizações civis, movimentos sociais e instituições governamentais. Progressivamente, a movimentação “alternativa” foi ganhando ímpeto e se alastrando por diferentes países, infiltrando-se, como opinião e como incentivo à ação, pelos interstícios da vida

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contemporânea, a ponto de reivindicar a constituição de uma “sociedade civil” a ela vinculada. As sucessivas reuniões do Fórum Social Mundial, as ações ecológicas e ambientalistas, a proliferação de associações e movimentos antiglobalização, o rápido crescimento da cibermilitância, possível graças à ampla difusão da Internet, tudo foi mostrando que homens e mulheres, grupos e classes sociais, ainda que num cenário dramaticamente condicionado pela ação de poderosos conglomerados e organizado sob a forma de um “império”, se agitam e se mexem sem cessar. É no âmbito do projeto democrático que se põe efetivamente a questão da sociedade civil. Fora daí, ela não faz muito sentido, ou, o que dá no mesmo, tem um sentido estreito e limitado. Isso quer dizer que precisamos de uma perspectiva que não só valorize a sociedade civil e celebre o seu crescente protagonismo, mas também colabore para politizá-la, libertando-a das amarras reducionistas e repressivas dos interesses particulares, aproximando-a do universo mais rico e generoso dos interesses gerais, da hegemonia, em uma palavra, do Estado. Sem isso, a sociedade civil se despolitiza: não se dispõe como um espaço de organização de subjetividades, no qual pode ocorrer a elevação política dos interesses econômico-corporativos ou, em outros termos, a “catarse”, a passagem dos interesses do plano “egoístico-passional” para o plano “ético-político”, com a estrutura sendo elaborada em superestrutura na consciência dos homens, como falava Gramsci. Isso, por sua vez, pressupõe a configuração dos grupos sociais como sujeitos de pensamento, vontade e ação, capacitados para se universalizarem, saírem de si, se candidatarem à direção e à dominação. Sem Estado (sem uma ligação com o Estado e sem uma perspectiva de Estado), não há sociedade civil digna de atenção: sem Estado não pode haver hegemonia.Uma situação na qual se aprofundam e se congelam tais oposições entre sociedade civil e Estado não é vazia de conseqüências. Em primeiro lugar, ela aumenta o risco de que se generalize categoricamente a idéia de uma sociedade civil “sem Estado”, isto é, desprovida de formas de mediação, que se representa a si mesmo o tempo todo e portanto nunca se

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representa de fato, na qual os interesses particulares, deixados a si, digladiam uns com os outros por motivos não muito nobres, estabelecendo um espaço de injustiças, opressão e desigualdade. Com isso, ficaria suspensa a resolução do problema de saber quem organiza os desorganizados, “protege” os mais fracos e dirige a sociedade civil, ou seja, quem direciona os interesses para novas formas de equilíbrio, igualdade e compensação. Em suma, nessa imagem “selvagem”, fica-se sem saber que instância reuniria as condições necessárias para “obrigar” os diversos interesses particulares a integrar uma comunidade política que os igualizaria e equilibraria. No limite, portanto, em um cenário no qual Estado e sociedade civil são mundos separados, torna-se bastante improvável a afirmação política da sociedade civil, isto é, a afirmação de novas hegemonias. Em segundo lugar, aumentam também as possibilidades de que se materialize um “Estado sem sociedade civil”, ou seja, um Estado onipotentemente concentrado em seus poderes executivos, vazio de política, racionalmente gerencial, quando muito concebido como defensor de uma democracia minimalista e de uma sociedade civil capacitada para firmar “parcerias” ou atuar em processos de descentralização participativa meramente protocolares.Mas, como sempre, estamos em um campo de alternativas e opções, no qual se entrecruzam subjetividades e estruturas. Não faria sentido isolar o “pessimismo da razão”, carregar nas cores opacas do presente, denunciar o lado mais sombrio do mundo, superdimensionar a crise dos nossos dias, e deixar em plano secundário a sinalização das saídas, sem valorizar que mesmo no “pior” presente há elementos de mudança e renovação. O cenário é inequivocamente complicado, dentro e fora dos territórios nacionais. A reprodução do capitalismo é incompatível com a suavidade. Arrasta consigo organizações, estilos de vida e modos de pensar, abala convicções e verdades, causa um turbilhão de colapsos e exclusões. Excita e deprime ao mesmo tempo. Hoje, a situação é de desmontagem, revisão e adaptação. Navega-se em mares ricos de informação e entretenimento, de prazeres fugazes e conexões facilitadas, mas a

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comunicação é cada vez mais truncada e não leva a plataformas comuns ou projetos coletivos. Na paisagem geral, o que vigora é a fragmentação. Em vez de se concluir, a modernidade se radicalizou.Se o social se fragmentou e se diversificou, se a sociabilidade está mais complexa e o Estado passou a falhar em seu desempenho, é inevitável que se projete uma situação na qual os espaços sociais sejam radicalmente valorizados. Tudo leva a crer que o Estado não terá como voltar a desempenhar os mesmos papéis que desempenhou antes, mas ao mesmo tempo não é razoável imaginar que aqueles que pretendam dirigir o futuro consigam avançar se se puserem fora do Estado ou sem um Estado. Opor ao “excesso de Estado” uma lógica sociólatra baseada na valorização unilateral dos movimentos sociais, das organizações não-governamentais, da “autonomia ética” e da descentralização, é fazer a apologia de uma sociedade civil vazia de conseqüências positivas, que luta mas não está atravessada por lutas e não pode, portanto, se estruturar como um campo de ações dedicadas a organizar novas hegemonias.Diante desse quadro, repõe-se a questão de saber como lidar com a fragmentação que se instalou nas sociedades contemporâneas, como unificar os interesses sem diminuir a diferenciação e as grandes margens de liberdade e individualidade adquiridas ao longo do tempo, como, em suma, unificar e organizar sem burocratizar, tolher e homogeneizar. Nesse sentido, o conceito gramsciano de sociedade civil – por sua natureza eminentemente política e estatal, quer dizer, por sua capacidade de refletir aquele espaço que, na realidade das sociedades complexas, possibilita uma oportunidade de unificação e agregação superior – mostra sua utilidade, na medida em que cria uma espécie de zona-limite da desagregação social. A sociedade civil balizada pelo movimento de “desobediência civil” e pelo associativismo alternativo que hoje preponderam nos ambientes democráticos e de esquerda expressa uma indignação em marcha. Trata-se, antes de tudo, de um campo de resistência. Sua fragmentação é em boa medida inevitável, já que reflete uma situação explosiva,

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multifacetada, complexa, despojada de centros organizacionais. Não há nela, ainda, por isso, sujeitos capazes de se universalizarem, ou seja, de fixarem projetos em condições de converter a resistência em “ataque”, em estratégia de poder. Seu próprio modo de ser inviabiliza sua unificação. Ao mesmo tempo, porém, seu constante e dedicado ativismo facilita e impulsiona a disseminação de éticas alternativas que, pelos interstícios do sistema global, contribuem para o desgaste político ou mesmo a condenação moral de muitas opções governamentais e orientações doutrinárias.Seja como for, aceitando-se como razoável (ainda que discutível) e como normativamente meritória a tese de que o século XXI assistirá à transição do Estado-nação para uma “democracia cosmopolita” e “pós-nacional”, será preciso estabelecer que sujeitos e instituições se encarregarão dessa operação. A nova dialética do global e do local não se acomoda com facilidade na política nacional e só pode se resolver adequadamente num contexto normativo transnacional. Mas não é nada simples estabelecer um modo de agir transnacional e sobretudo uma forma de fazer com que a ação produza resultados e organize os povos do mundo em novas bases. De algum modo, portanto, o avanço da globalização – que conheceu uma fase abertamente dedicada a desregulamentar e a desconstruir o Estado – trará consigo uma nova valorização do institucional, do político e do estatal. Um novo parâmetro de regulação transnacional não virá do esforço de movimentos sociais referenciados por uma idéia “social” de sociedade civil, espontaneamente estruturada e eticamente motivada. Uma eventual “sociedade civil mundial” somente poderá se objetivar com Estados fortes e instituições capacitadas para organizar demandas particulares (individuais, grupais, locais, nacionais) em termos gerais. Avanços para além dos Estados-nação sempre irão requerer a consideração rigorosa das realidades nacionais como centros de vida política e democrática. Em outros termos, a questão das formas de luta não se resolve fora do plano concreto da história. Qualquer postulação utópica, de resto, deve poder precisar seus objetivos a médio

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e a curto prazo, e esses objetivos se situam inevitavelmente nos campos concretos do agir coletivo.A demarcação de um território de lutas que ignore os Estados nacionais realmente existentes, , por exemplo, pode dar margem a um cosmopolitismo abstrato, desprovido de bases materiais e de chances políticas, com o que se desmancharia a possibilidade mesma de uma estratégia anti-sistêmica efetiva. Por trás de cada operação econômica transnacional há bases nacionais que dependem de Estados locais para se viabilizarem. O Estado-nação tradicional está certamente mudando sua forma e tendendo a dar lugar a formas mais locais e regionais de autoridade política. Qualquer que seja sua forma, porém, ele persiste como ponto de referência e “abrigo” dos povos do mundo: uma espécie de “eticidade superior”, uma força educativa e unificadora contra a fragmentação e a atomização social derivadas da objetivação do capitalismo. A política democrática não tem como dispensar o poder do Estado em suas tentativas de controlar os movimentos do capital e submetê-los a algum tipo de vontade política geral. Hoje, no plano concreto da vida, formas virtuais de democracia convivem e interagem com democracias reais, fóruns transnacionais e arranjos institucionais múltiplos. É sugestivo o cenário que se descortinará caso elas venham a prevalecer, promovendo uma descentralização total da tomada de decisões. Mas as redes funcionam em mão dupla: do mesmo modo que viabilizam a defesa dos ecossistemas e uma existência alternativa, são a porta de entrada do terrorismo virtual, da sexualidade descorporificada, dos piratas sem causa, de um mundo sem cidadanias referenciadas. Não cabe, por isso, divinizá-las nem diabolizá-las e sim, ao contrário, observá-las como promessas a serem decifradas. No fundo, é o mesmo problema de sempre: compor soluções a partir da tensão entre o que está dado, instituído e localizado e o que está em ebulição, se instituindo, sendo proclamado ou simplesmente fluindo. Nunca como hoje se reuniram tantas condições para a construção de uma forma justa e inteligente de vida. Esse é o grande produto da fase de radical mundialização do mundo em que nos encontramos: da

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desterritorialização, do avanço tecnológico e científico, das possibilidades de produção material, do salto gigantesco em termos de comunicação e acesso a informações, do surgimento de novos espaços de troca e convivência, do aumento das chances de fundação de uma democracia de novo tipo. O mundo se desprovincianiza a olhos vistos, perde os vínculos estreitos com os territórios, assiste à abertura de verdadeiras fendas nas velhas soberanias, nas velhas estruturas, nas velhas instituições, ou seja, em tudo aquilo com que se viabilizaram tantos horrores e se construiu o progresso passado. O futuro não está claro, mas está bem mais ao alcance da mão.

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VERBETE – SOCIALISMO AUTOGESTIONÁRIO

[Cláudio Nascimento]

[“A autogestão não é uma idéia do século XIX, ela é a filha do século XXI que está

em gérmen”] Pierre Rosanvallon, ‘L’âge de l’autogestion”. 1976

1. CONCEITUAÇÃO

“Socialismo autogestionário”é um termo difícil de se encontrar nos principais

dicionários sobre socialismo e/ou marxismo. Por exemplo, no”Dictionnaire Critique Du

Marxisme” [G. Labica-G. Bensussan. , PUF. 1982] há um verbete sobre”Autogestão”.

No”Dicionário do Pensamento Marxista”[editado por Tom Bottomore. J. Zahar. Editor.

1988], há um verbete sobre”Autogestão”. No livro “Que Lire ? Bibliographie de la

Révolution” [edi paris. 1975], não há nada especifico. Na”Bibliografia sobre Marxismo y

Revolucion” [dédalo ediciones. 1978], apenas livros com titulo sobre autogestão.

Se o termo “socialismo autogestionário” é relativamente novo, pois provem da

experiência yugoslava [1950], Marx, muitas vezes, falou da “Associação dos produtores

livres e iguais” e se declarou favorável as cooperativas de produção, organizadas em escala

nacional. E, mesmo, proclamou o que viria a ser o lema da autogestão: “A emancipação

dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”.

Pretender uma definição acabada do socialismo autogestionário, seria negar o

dinamismo de um conceito que estará sempre inacabado. Mas, é possível uma aproximação,

com base na historia do movimento operário e nas varias experiências de autogestão.

“A autogestão é a construção permanente de um modelo de Socialismo, em que as

diversas alavancas do poder, os centros de decisão, de gestão e controle, e os mecanismos

produtivos sociais, políticos e ideológicos, se encontrem nas mãos dos produtores-cidadãos,

organizados livres e democraticamente, em fomas associativas criadas pelos próprios

produtores-cidadãos, com base no principio de que toda a organização deve ser estruturada

da base para a cúpula e da periferia para o centro, nas quais se implante a vivencia da

democracia direta, a livre eleição e revogação, em qualquer momento das decisões, dos

cargos e dos acordos”. [cf. 1a Conferencia Nacional pelo Socialismo Autogestionário.

Lisboa, Maio de 1978].

Nesta perspectiva, o socialismo só o será verdadeiramente se tiver por base a

autogestão, já que apenas pela via da autogestão será possível a criação de um novo modo de

produção, sob a gestão direta de todos os trabalhadores; uma nova estrutura social

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caracterizada por uma igualdade real e não formal: uma nova cultura que brotará do próprio

povo e não da colonização das inteligências e de modelos culturais que lhe são exteriores;

uma nova concepção de Estado ou forma de Governo que não possa erigir-se em sistema de

dominação.

Isto significa que a autogestão não se limita ao âmbito da unidade de produção, mas

abrange todas as esferas da sociedade. Ou seja, a autogestão global, da produção e de todos

os domínios da vida. O elemento comum todas as experiências historicas é que o poder de

gestão, de decisão e de controle reside nos trabalhadores organizados nos seus órgãos de

base. A revogação de decisões, cargos e acordos em qualquer momento é uma conseqüência

da democracia direta.

Pierre Rosanvallon afirma que”a autogestão antes de ser uma idéia, se constituiu como

uma pratica social e política. A autogestão definiu uma identidade política suficiente para

que possamos falar de corrente autogestionária ou de movimento autogestionário. Esta

identidade se define negativamente frente a uma dupla negação, da social-democracia e do

socialismo burocrático de Estado. . . O socialismo autogestionário se desenvolverá ao propor

uma política e uma economia diferentes dos modelos socialistas tradicionais. É uma obra de

longa duração”[cf. Rosanvallon. L’Age de l’autogestion. Éditions du Seuil. 1976]

Para o principal teórico francês da autogestão, Yvon Bourdet :”A autogestão é uma

transformação radical, não somente econômica, mas política, no sentido que ela destrói a

noção comum de política [como gestão reservada a uma casta de políticos] para criar um

outro sentido da palavra política: isto é, a gestão, sem intermediários e em todos os níveis,

de toda a sociedade por todos os homens”. [cf. Bourdet. Pour l’autogestion. Éditions

anthropos. 1974]

Portanto, a autogestão é vista sob dois ângulos articulados e interdependentes:

Como”conteúdo real do socialismo”, um regime que sucede ao capitalismo através da

revolução social, portanto, um modelo de reorganização da sociedade;

E, como linha de mobilização dos trabalhadores e cidadãos em busca desta vitória, é

uma estratégia revolucionaria.

2] REFERENCIAS HISTÓRICAS [gênese e desenvolvimento]

A “corrente autogestionária socialista”tem uma existência histórica real que é a própria

existência das lutas dos trabalhadores. Por exemplo, E. P. Thompson assinala que”Em

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fevereiro de 1819, os operários ingleses do tabaco, após onze semanas de greve, começaram

a organizar a produção por sua própria conta”.

[cf. The making of the English Working Class. Penguin Books, 1968]. Em 1871,

com a Comuna de Paris, os trabalhadores elaboraram um Programa revolucionário que tinha

como meta a autogestão social. Em 1981, os operários do Solidarnosc, na Polônia,

definiram em seu primeiro Congresso, um Programa intitulado”Uma Republica

Autogestionária”.

Tomamos como referencia Branko Horvart, [cf. ”Socialismo Autogestionário” CECA-

CCS. 1990], que pinça nesta historia da autogestão, 4 ondas longas de acontecimentos que

apontam na perspectiva do socialismo, concebido como uma sociedade autogestionária, e,

acrescendo uma 5a onda, em que incorporamos alguns elementos sobre a sua breve historia

no Brasil.

1] os visionários = Robert Owen e a Gestão Operaria ; Fourier e os Falansterios; Louis Blanc

e as Oficinas Nacionais;Lassale e as Oficinas Autogestionárias; Proudhon e o Mutualismo;

Williams Morris e os pequenos grupos espontâneos; Theodor Hertzka e as Comunas

Autogestionárias;

2] grupos e movimentos sociais= Marxismo; Anarquismo;Sindicalismo, Socialismo

Corporativo;

3] revoluções ou experiências praticas de autogestão= A Comuna de Paris [1871]; a

revolução Russa [1905]; a grande Revolução Socialista de outubro de 1917;a Revolução

Húngara de 1919; a Revolução Alemã de 1919;a Revolução Italiana de 1919;a Revolução

Espanhola de 1936;a Revolução Argelina [1962]a Revolução Húngara de 1956;a Revolução

de 1956 na Polônia; a Revolução Theca de 1968;a Revolução do Solidarnosc, Polônia

1980/1981.

4] novos sistemas de autogestão= diversas experiências de organização na produção

[cogestão, consultas coletivas, delegados sindicais, etc] e, a autogestão na Yugoslavia

[1950]

5] Conferencias e Encontros Mundiais:

A autogestão social e/ou o socialismo autogestionário foram objetos de debates em

Encontros Mundiais, e, de Publicações especificas de grande alcance.

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Três experiências de autogestão marcaram época e suscitaram longos debates e

controvérsias.

Primeiro, A experiência yugoslava de socialismo com base na autogestão social,

iniciada em 1950 despertou enorme interesse. A publicação”Questões Atuais do

Socialismo”, editada em Belgrado, divulgava as idéias da autogestão.

Segundo, a experiencia na Argélia, em 1962 que institui um sistema baseado na

autogestão.

Terceiro, as lutas e praticas autogestionárias do ano de 1968, sobretudo, na França.

O 1o Congresso de Autogestores [Conselhos operários] da Yugoslavia ocorreu em

junho de 1957, em Belgrado. O 2o Congresso da Autogestão Yugoslava ocorreu entre 5 e 8

de maio de 1971, em Saravejo. Participaram 2. 214 delegados da Yugoslavia e 150

convidados estrangeiros[sindicalistas, educadores, etc] de cerca 50 paises, além de 91

jornalistas estrangeiros.

Na Argélia, o 1o Congresso da Autogestão Industrial ocorreu em Argel, em março de

1964.

Na yugoslavia, em 1964, surgiria a Revista”Práxis”, a partir do”Grupo Práxis”,

defensor do socialismo integral de autogestão e de autogoverno. O grupo tinha sua base de

atuação em Dubrovnik,

“Praxis”promoveu de 1977 a 1982, os famosos cursos de verão da Escola de Korçula, com

temáticas relacionadas ao socialismo autogetionario e com a presença de filósofos de vários

paises.

A partir de 1981, surgiu a edição de”Práxis internacional”.

Na França, surgiram iniciativas como os Seminários sobre a Autogestão, a partir de

abril 1970, com sessões quinzenais, em Paris. As primeiras sessões foram para definir a

autogestão e, a fundação de”um centro de documentação sobre a autogestão”.

Estes Encontros e Congressos criaram a necessidade de uma articulação maior, que

pudesse propiciar maiores debates e pesquisas, sobretudo, entre os sociólogos. A

1a”Conferencia Internacional dos Sociólogos sobre a Autogestão e a Participação”, ocorreria

na cidade de Dubrovinik/Yugoslavia, de 13 a 17 de dezembro de 1972. Participaram

sociólogos de 30 paises de vários continentes

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4 Temas foram debatidos em comissões:

O progresso técnico-cientifico e a participação

Democracia industrial, participação e autogestão

O movimento operário [partidos, sindicatos] participação e autogestão

Sistema social [econômico, político, comunal] participação e autogestão

Duas mesas-redondas : uma sobre :”reforma e revolução”e, outra sobre a “experiência

Yugoslava”.

Como encaminhamento, a idéia da “Criação de um Instituto Internacional para o estudo

da participação, o controle operário e a autogestão”. [cf. Autogestion et Socialisme, 41-42,

1978].

Na França, em janeiro de 1973, um pool de varias Revistas organizou, a nível nacional, o

“Colóquio Autogestão”, com o tema “autogestão e revolução socialista”.

A 2a Conferencia Internacional sobre a Participação, o Controle Operário e a

Autogestão, ocorreu sete anos após a primeira. Seria de 7 a 10 de novembro de 1977, em

Paris.

Esta segunda Conferencia surgiu de uma articulação entre o Grupo de Estudos da

Autogestão, de Paris, e os yugoslavos que tinham organizado a primeira Conferencia em

Dubrovnik, sobretudo, do Grupo”Práxis”. Participaram pessoas vindas de 28 paises. [do

Brasil participou uma pessoa]

6 Comissões trabalharam os temas:

Condições políticas da autogestão generalizada

Movimento operário e autogestão

Democratização das empresas

Planificação e autogestão

Autogestão e organização do espaço e das comunidades. Regiões e Minorias

Cultura, necessidades humanas e autogestão. A autogestão da informação e da

formação

Duas mesas-redondas temáticas:

Reivindicação autogestionária nos paises do Leste

Transição para autogestão nos paises industrializados avançados

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Houve uma Assembléia de fundação do Centro Internacional de Coordenação de

Pesquisas sobre a Autogestão [CICRA], com sede em Paris. [cf. Qui a peur de

l’autogestion ?. Cause commune. 1978/1]

No final de 1965, surgiria a idéia de uma revista sobre a Autogestão. A iniciativa vem

de G. Gurvitch e de alguns militantes vindos de “Socialismo ou Barbárie”. Apesar da morte

de Gurvitch, em dezembro 1965, apareceu o primeiro numero dos”cahiers de

l’Autogestion”, em dezembro 1966. A revista fica conhecida como “A Enciclopédia da

Autogestão”. Inicialmente denominada “Autogestion”, e a partir de 1970,”Autogestion et

Socialisme”. O primeiro numero data de dezembro 1966. Até inicio da década de 80, foram

publicados 43 números. Em 1980, adota o nome de”Autogestions”.

No primeiro número está escrito "Os cadernos da AUTOGESTÂO se propõem de

dotar a pesquisa francesa e internacional de um órgão cientifico, exclusivamente consagrado

á historia, aos problemas teóricos e práticos, as perspectivas da autogestão, esta idéia-força

de uma reconstrução socialista da sociedade fundada sobre a democracia operaria”. [1966]

No final de 1993, reaparece com direção de outras pessoas e sob o nome de “Utopie

Critique”, Revista internacional para autogestão. No seu 1o numero lemos,”Neste final de

século, a miséria do projeto emancipador aparece patente”. Mais que antes, o dilema

‘socialismo ou barbarie’ está posto. Se por sua atividade, o movimento social expressou suas

aspirações pela autodeterminação, pelo auto-governo, pela autogestão social generalizada,

estabelece s premissas das transformações necessárias e esclarece o ‘gérmen dos possíveis’,

a utopia mobilizadora deve ser repensada, refundada á luz das revoluções e a sombra das

contra-revoluções que sacudiram o mundo e as certezas.

Pensamos que há que se romper com o capitalismo para lançar os fundamentos de um

socialismo autogestionário. . . ““. [1993]

Na Espanha e Portugal, das transições pos-ditatoriais, sobretudo com a Revolução dos

Cravos, em 1974, surgiram experiências varias sob a marca da autogestão. Na Espanha,

surgiu a Revista”Autogestion y Socialismo”, uma espécie de versão da Revista francesa,

mas centrada nas questões do movimento social espanhol.

Na Argentina e Brasil, na segunda metade dos anos 70, teríamos algumas iniciativas

no campo da autogestão. A Editora El Cid Editor, da Argentina e Venezuela, lançou

a”Collecion Autogestion”, com textos dos teóricos da Yugoslavia, sobretudo, Edvard

Kardelj.

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A Coleção propõe como alternativa ideológica o”socialismo autogestionário”.

A partir das experiências de autogestão, como as empresas geridas pelos próprios

trabalhadores, em 1978 ocorreu a 1a Conferencia Nacional pelo Socialismo Autogestionário,

promovida pela BASE-FUT, em 13 e 14 de Maio 1978. Tinha por objetivo”Ampliar a todos

os trabalhadores o debate sobre o Socialismo Autogestionário, contribuindo assim para

reforçar a união dos diversos grupos que nos planos nacional e internacioanl, se batem por

igual projeto de sociedade”.

Desta Conferencia participaram alguns sindicalistas brasileiros, então exilados na

Europa.

No Uruguai, no inicio dos anos 70, Abraham Guillén publicou dois livros sobre o

tema;”Democracia Directa. Autogestion y Socialismo”, [Editorial Aconcagua, 1970],

e,”Socialismo de Autogestion”[Editorial Aconcagua, 1972] reflexão sobre uma viagem a

experiência yugoslava; No Brasil, em 1962, Leoncio Basbaum, após viagem a Yugoslavia,

publicou livro pioneiro:”No estranho Pais dos Iugoslavos”. Edaglit. 1962]. Em 1969, Paulo

Nogueira Filho, publica seu”Autogestão”[Jose Olimpio Editora], com uma bibliografia

amplíssima, pois tinha vivido na França.

A”expressão brasileira”da autogestão socialista”

A idéia da autogestão esteve presente nos programas do movimento libertário do inicio

do século XIX. No Pós Guerra surgiu o Jornal”Vanguarda Socialista”[1945-1948], dirigido

por Mario Pedrosa, com orientação nas idéias de Rosa Luxemburgo e da tendência norte-

americana dirigida por CLR James e Raya Dunayevskaya, defensora dos Conselhos

Operários. Antecipando mesmo algumas idéias do grupo francês”Socialisme et Barbárie”,

dirigido por Castoriadis e Lefort. Em sua obra “A Opção Imperialista” [Civilização

Brasileira, 1966], Pedrosa faz referencias a textos seus escritos no exílio nos USA, em que

defende a autogestão a partir de analises baseadas em obras sobre “o poder operário”, a

“nova classe operaria”, e “estratégia e revolução”, de sociólogos e economistas franceses

[Serge Mallet, André Gorz, Pierre Belleville].

Na segunda metade da década de 40, Paulo Emilio Sales Gomes, ao voltar do exílio

francês, também fez referencias a autogestão. . Na pisada do grupo francês “Economie et

Humanisme”, do padre Lebret, a partir das experiências “comunitárias” como a

“communauté Boimandau”, nos meios cristãos surgiram algumas experiências chamadas de

“Empresa Comunitária”, como a “Unilabor” [SP].

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Na década de 80, como contraponto a profunda recessão econômica, e principalmente

a um ressurgimento do movimento popular, surgiram experiências denominadas

de”Experiências Comunitárias de Produção”sob o lema da autogestão. Assim, no Relatório

de um Encontro Nacional dessas experiências, lemos que “O ressurgimento do movimento

popular no Brasil a partir dos meados da década de 70, trouxe no seu bojo uma nova

modalidade de organização dos trabalhadores, congregando-os em atividades produtivas, em

unidades de produção geridas pelos mesmos” [Doc. da FASE, 1984]. Uma das experiências

tem como origem”o desafio de uma proposta autogestionária como demonstrativo da

capacidade dos trabalhadores gerirem a produção”.

A partir de 1978, diversos Centros de educação Popular [Ongs], orientam suas

atividades pela perspectiva da autogestão, da autonomia. No RJ, o CEDAC, formado, em

parte, por militantes vindos do exílio, onde tiveram contatos com o sindicalismo

autogestionário da CFDT [cf. Pierre Cours-Salies. La CFDT. Um passe porteur d’avenir. La

Breché. 1988], o PSUF e movimentos defensores da autogestão, tem por eixo de suas

atividades de formação política e sindical, o socialismo autogestionário Em SP, o CAPPS

seguia a mesma orientação pela autogestão e autonomia. O grupo DESVIOS defendia o

autonomismo. A FNT, aprofundava sua perspectiva política pelo socialismo autogestionário.

Os anarquistas retomam suas publicações sobre a Autogestão. Diversos militantes lançaram

correntes autogestionárias no interior do PT: no Rio de janeiro, a tese “Por um PT socialista

e autogestionário” e, em SC, o grupo “Alternativa Socialista”.

A fonte brasileira destas iniciativas estava no caráter de autonomia, na pedagogia

autogestionária, na organização de base, como as “comissões de fabrica” nos movimentos de

oposição sindical, presentes nos movimentos sociais da época de resistência à Ditadura

Militar.

Estas experiências deixaram seus frutos. Em 1988, o PACS articulou com os mineiros

de Criciúma, um Seminário em torno de uma serie de experiências sobre autogestão. No

final da década de 80, em Porto Alegre, militantes de diversos paises da América Latina e

Europa, sobretudo, da Catalunha espanhola, realizaram um primeiro Encontro Internacional

de”autogestão socialista”. Outros dois Encontros destes se seguiram. Nesta mesma época,

no Chile sob os auspícios da política neoliberal, o movimento social fundou as “novas”

organizações econômicas populares, base do que Luiz Rapto chamou de “Economia Popular

de Solidaridad”, e de “Empresas Alternativas”.

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A partir de 1996-97, com o Programa Integrar da CNM-CUT, o debate sobre

cooperativismo, autogestão e economia solidária foi incorporado ao sindicalismo cutista.

Na pisada dos Encontros anteriores dos Encontros sobre Autogestão, realizados no RS, de 3

a 9 agosto de 1998, ocorreu o Encontro Latino Americano de Cultura e Socio-Economia

Solidárias. Em seguida, veio o Encontro em Mendes, [junho 2002], em que se avançou na

construção de uma rede nacional de economia solidária.

Muitas experiências de vários tipos foram se desenvolvendo: Fóruns Autogestionários

no RJ e no RS, Centrais autogestionárias de cooperativismo. , etc.

Quando do 1o Fórum Social Mundial, estas experiências se articularam com outras de

vários paises e fundaram redes globais de economia solidária.

3] ATUALIDADE E IMPORTANCIA DO SOCIALISMO AUTOGESTIONÁRIO

A 3a revolução Industrial em curso tem um caráter amplo: não é apenas uma revolução

tecnológica, uma revolução dos meios de produção e da organização do trabalho, é

igualmente uma revolução cultural e civilizatoria. Sob esse ângulo de analise, as mutações

atuais no mundo do trabalho, as novas possibilidades abertas com essa revolução

tecnológico-cultural, a crise social em todo o mundo capitalista e, a derrota político-cultural

e material do socialismo estatal, abrem novas perspectivas para a reflexão e experimentação

social autogestionárias, sobre as possibilidades de construção da hegemonia do trabalho

sobre o capital, em torno de um projeto socialista que aponte alternativas à crise

civilizatoria. Portanto, um novo modo de vida, uma revolução integral mais profunda e

radical que todas ocorridas até hoje.

O fenômeno da Economia Solidária e Popular, as ocupações de fabrica na crise

Argentina em 2002, as lutas contra a privatização da água, que levaram a formação de uma

Assembléia Popular em Cochabamba/Bolívia, 2001, são exemplos de como a autogestão é

uma constante na historia. .

É sintomático que as experiências emancipatórias recentes, que constituem alternativas

à Globalização neoliberal, como por exemplo, as do campo das “Alternativas de

Produção”e/ou as de”Democratizar a Democracia”, objetos de pesquisas coordenadas por

Boaventura Santos *, mostram a atualidade das questões relacionadas à autogestão da

produção e a autogestão social. A Reinvenção da Emancipação Social necessariamente, e

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assim o vemos nas experiências em curso no mundo, passam pelo campo da autogestão

social. [cf. Boaventura Santos (org). 1. Produzir para Viver. Os caminhos da produção não

capitalista” e, 2. Democratizar a Democracia. Os caminhos da democracia participativa.

Ambos da Civilização Brasileira. 2002]

O Fórum Social Mundial tem sido um vasto campo de oficinas destas experiências de

emancipação, que constituem as forças de uma contra-hegemonia. Por exemplo, está

prevista para o Fórum de 2003, a constituição de uma”Cidade Autogestionária”.

Obras recentes apontam também a perspectiva da autogestão social. Alain Bihr, inclui

como vias de renovação a”autogestão das unidades de produção pelos trabalhadores”. , com

base em um funcionamento democrático que respondas as regras da democracia

autogestora”,

Bihr defende a necessidade da autogestão coletiva do poder em sua visão de um

projeto alternativo emancipatório:”Desde a autogestão das empresas pelos coletivos de

trabalhadores ate a produção das condições materiais e sociais de uma vida cultural

autônoma, passando pelo encargo, por redes associativas, das necessidades coletivas ligadas

a habitação, a saúde, a educação, etc. é o conjunto das atividades coletivas que pode e deve

ser coberto por essa forma de democracia direta e de autogestão”. [cf Alain Bihr. Da Grande

Noite à Alternativa. Editorial Boitempo, 1998]

Uma das obras mais recentes sobre o Socialismo, [cf Toni Andréani. Le Socialisme est

(a) venir”. Syllepse. 2001], centra sua analise na autogestão:

“A democracia será generalizada, não apenas política, mas também ‘econômica’ e

‘social’. É o que entendemos por ‘autogestão’, no sentido mais amplo do termo [na

linguagem operaria dos século XIX, retomada por Marx, falava-se de ‘associação’]. Isto

significa em particular que o eixo do socialismo será a democracia de empresa [ou de

instituição], que remete ao sentido mais limitado da autogestão.

Não é um defesa de uma democracia conselhista de tipo piramidal, inspirado na

Comuna de Paris. Deste sistema, devemos assegurar a idéia de um mandato relativamente

imperativo. ”.

Paul Singer, [cf. ”Uma Utopia Militante. Repensando o Socialismo”. Vozes, 1998],

afirma que O fracasso do ‘socialismo realmente existente’ revelou que o socialismo sem

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aspas terá de ser construído pela livre iniciativa dos trabalhadores em competição e

contraposição ao modo de produção capitalista dentro da mesma formação social. . .

A essência do socialismo, enquanto modo de produção, é a organização democrática

de produção e consumo, em que produtores e consumidores livremente associados repartem

de maneira igualitária os ônus e os ganhos do trabalho e da inversão, os deveres e direitos

enquanto membros de cooperativas de produção e/ou de consumidores(. . . ) A transferência

do controle dos meios de produção aos trabalhadores, para ser autentico, não pode ser

decretado de cima para baixo, mas tem que ser conquistado de baixo para cima, dentro do

capitalismo”. Para Singer, esta conquista implica uma longa e verdadeira revolução cultural.

No campo da cultura socialista encontramos muitos defensores da autogestão social,

em suas diversas matizes: Rosa Luxemburgo, Gramsci, Pannekoek, Max Adler, Otto Bauer,

Karl Landauer, Victor Serge, Serge Mallet, CLR James, Mario Pedrosa, Mariategui, etc.

Experiências como as do movimento social polonês Solidanorsc, do sindicalismo

autogestionário CFDT, as lutas do”outono quente”italiano, etc.

Grupos como”Socialisme et Barbárie”,”Praxis”,”Solidarity”.

Mas, há pensadores que são pouco conhecidos por sua defesa da autogestão: por

exemplo, Lucien Goldmann e Raymond Williams, conhecidos por suas analises no campo

da sociologia da arte e/ou da cultura. Williams e Mariategui, em épocas distintas,

formularam idéias fundamentais para o socialismo autogestionário.

R. Williams: o”Máximo de Autogestão”no capitalismo tardio

A atualidade das idéias de R. Williams [cf. Maria Elisa Cevasco. Para Ler R.

Williams. Paz eTerra. 2001]sobre a autogestão reside em que foram construídas em cima de

uma analise da sociedade capitalista contemporânea: a Inglaterra neoliberal de M. Thachter,

dos anos 80.

A última obra de R. Williams porta o titulo de”Até o Ano 2000”. E, seu ultimo

capitulo, chama-se”Para a Viagem da Esperança”. As duas principais obras que abordam a

questão do socialismo e da revolução são:”A Longa Revolução”[1961] e”Towards

2002”[1983]. Contudo, em 1989 [1 ano após a morte de R. W. ], foi publicada uma

coletânea de textos [cf. “Resources of Hope”, culture, democracy and socialism. Verso,

1989], abarcando a produção política de RW, sobretudo, os textos da década de 80.

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Em”A Longa Revolução”, Williams defendia que o socialismo deveria ser organizado

em torno uma”cultura comum”, que teria a capacidade de unificar as genuínas experiências

comuns do povo. Nesta perspectiva, Ele resgata as tradições da classe operaria inglesa :

desenvolvimento coletivo e solidário, formação de identidade social e sensibilidade

comunitária. Enfatizava a democracia socialista baseada na cidadania consciente e

participativa, em eficientes formas de organização da vida social.

Sua proposta autogestionária tem por eixo que a ação socialista deve ter por horizonte

o principio da”Autogestão Máxima”. , na vida social e comunitária. Neste sentido, aponta

dois eixos para redefinição da democracia socialista:

-Um Governo de esquerda no poder e, a autogestão. Esta ultima significa, então,

democracia do povo, socialismo comunitário e controle operário.

A sociedade contemporânea moderna e complexa, exige como alternativa um tipo de

socialismo, com base em um novo tipo de instituições comunais, cooperativas e coletivas,

em que a plena pratica democrática do debate livre, assembléias livres, candidaturas livres e

decisões democráticas.

O atrativo da autogestão é o seu caráter de democracia direta e global. É um patamar

superior a democracia representativa. O”Maximo de Autogestão”tem por desafio principal a

criação de formas diretas de poder popular em dois níveis:

- No campo industrial e profissional, ao desenvolver formas de democracia interna nos

locais de trabalho, associadas a novas formas do processo democrático na economia, na

educação, na política social e na cultura. Para Williams é fundamental que a autogestão

não se limite aos locais de trabalho;

- E, no campo das Comunicações. Aqui, ao contrario de muitos pensadores que usam o

argumento da complexidade tecnológica contra as possibilidades atuais da autogestão,

Williams aponta varias formas de autogestão nas”Comunicações”, como

desenvolvimento de uma democracia popular ativa.

Segundo Williams, o valor central do socialismo é a idéia de”compartilhar: há duas

formas interligadas: a democracia popular e a propriedade comum. Estas são as duas únicas

maneiras praticas de compartilhar o poder e a riqueza. A articulação entre socialismo e

democracia popular é a chave do futuro, que permitirá uma superação da democracia

representativa. As duas áreas principais são; Trabalho e Comunidade. Em”A Longa

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revolução”, RW aponta como exemplos de uma política socialista, alem da democracia nos

locais de trabalho, mas também nos bairros. como formas de autogestão.

No campo internacional RW defendia a tese ou lei do século XXI, de que,”Como há

muitos povos e culturas, também haverá muitos socialismos”. A base da democracia

socialista é a autentica diversidade e complexidade de cada povo. Enfim, Williams apontava

mais 3 princípios:

- superar a economia de mercado; transformar a produção em novos critérios de

durabilidade, qualidade e, uma economia no uso de recursos não renováveis;e, construir

novos tipos de instituições monetárias.

- O Socialismo Autogestionário Indo-americano

Em Mariategui não se acha, de forma explicita, uma visão do que é o socialismo, a

sociedade socialista. Há uma ausência do tema socialismo na analise da obra do marxista

peruano. Entretanto, após a derrocada do”socialismo estatal”, e no período de comemoração

do seu centenário [1994], novos estudos mostram que a idéia do Amauta sobre o socialismo

faz jus as idéias do ‘socialismo autogestionário’

Em suas varias polemicas, seja com o ideólogo do nacionalismo, Victor Haya dela

Torre, seja com os dirigentes da Comintern, e no livro”Em Defensa del Marxismo",

polemizando com Henry de Man, Mariategui rechaçou 3 vias para sociedade peruana:

1] a democracia liberal

2] o capitalismo de Estado

3] o socialismo de Estado

Qual, portanto, a alternativa socialista traçada por Mariategui ?

A relação”socialismo e democracia”na obra do Amauta, porta conclusões

fundamentais para compreensão da idéia socialista em Mariategui, inclusive, de grande

atualidade para a conjuntura que vivemos, após a derrocada das experiencias do socialismo

estatal no Leste europeu e Rússia, da crise das experiencias do Welfare State e da crise

profunda do sistema neoliberal em curso.

No”projeto socialista"mariateguiano, três instancias se destacam:

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1] A socialização dos meios de produção, implicando a abolição da propriedade privada dos

recursos produtivos e sua substituição pela propriedade social; ou seja, a AUTOGESTÃO

SOCIAL;

2] A socialização do poder político, a participação dos cidadãos livres e iguais na formação

coletiva de uma vontade política e no exercício direto da autoridade, ou seja, A

DEMOCRACIA DIRETA;

3] enfim, a transformação do mundo das relações intersubjetivas, no sentido da afirmação da

solidariedade;ou seja, a REVOLUÇAO CULTURAL do COTIDIANO.

Através da analise dos camponeses indígenas na comunidade e dos operários no

sindicato, Mariategui pensou outro tipo de organização política, em que as funções estatais

não se autonomizariam em relação à sociedade. As organizações da democracia direta

constituiriam a via pela qual o poder iria sendo socializado, deixando de ser uma função

especializada e separada da sociedade. As organizações autônomas dos trabalhadores seriam

os órgãos da democracia direta. A idéia da”CONQUISTA DO ESTADO' significava para

Mariategui, o longo processo pelo qual a experiência associativa dos trabalhadores os levaria

a uma FORMA DE AUTOGOVERNO E DO EXERCICIO DIRETO DO PODER".

A revolução socialista implica para o Amauta, um 'REENCANTAMENTO DO MUNDO'; o

restabelecimento de uma relação harmoniosa dos homens entre si e dos homens com a

natureza, superando as dicotomias do mundo atomizado característico da sociedade moderna.

Mariategui foi buscar esta”estrutura de sentimentos”na cultura dos Incas peruanos; um estilo

particular de vida em que as relações entre os membros da comunidade se regem pela

solidariedade, nas diversas esferas sociais: trabalho, festas;enfim, o”espírito comunista”do

indígena.

“Para tornar possível o exercício da democracia direta, a condição indispensável

deveria ser a erradicação do poder administrativo e do dinheiro;Para Mariategui, a sociedade

socialista se orientaria para a realização de um Maximo de comunicação e um mínimo de

institucionalização".

(cf. ”Mariategui: Il Socialismo Indoamericano”. Casa Editrice Francoangeli. Milano 1996]

O projeto socialista de Mariategui porta”uma radical subversão das relações intersubjetivas".

Mariategui prestou atenção particularmente a toda uma área da vida social descuidada pela

corrente do marxismo oficial da III Internacional. Esta área correspondia ao que ele descreve,

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nos”7 Ensayos", como”Os costumes, os sentimentos, os mitos-os elementos espirituais e

formais destes fenomenos que se designam com os termos de sociedade e de cultura".

AVALIAÇÃO CRITICA

Problemas, polemicas, desafios

Muitas são as criticas à principal e quase única experiência de sistema autogestionário,

a da sociedade Yugoslava. A autogestão Yugoslava teve limitações e possibilidades.

Apesar das suas realizações nunca adquiriu as dimensões da autogestão social generalizada,

limitando-se ao terreno econômico. O Estado, junto com os sindicatos, a Liga dos

Comunistas, favoreciam o desenvolvimento da burocracia de dirigentes e, se contrapunha

aos Conselhos dos Trabalhadores, onde existia a democracia de base e a”autogestão a nivel

local”.

Segundo Bourdet,”O poder central do Estado não foi ‘extinto’ para ser substituído por

uma coordenação horizontal das empresas autogeridas. A Yugoslavia não é um sistema

politicamente autogerido, mas um sistema de cogestão com o Estado”. Para Bourdet, o

poder carismático de Tito, vem do”alto”, por mediação da armada, da policia, da

administração, dos bancos e da LC. Ao contrario, da Argélia e de Portugal, em que a

originalidade da autogestão é que não foi”decretada pelo poder central”, mas foi criada pelos

próprios trabalhadores. [cf. Bourdet. Qui a peur de l’autogestion? ]

Albert Meister analisou a autogestão Yugoslava e tirou algumas conclusões criticas:

“Para transformar a sociedade em três níveis: econômico, político e cultural. Apenas a

revolução econômica, a supressão da propriedade privada dos meios de produção ou de

troca, não é suficiente para segurar a emancipação dos trabalhadores. A economia de ser

gerida democraticamente, o Estado descentralizado, e mudar o modelo de consumo. A

analise da autogestão Yugoslava mostra que estas revoluções devem realizadas em conjunto,

senão o projeto socialista não será levado a termo”. . [cf. Meister. Socialisme et autogestion.

L’Experience Yougoslave]

De um modo geral, a principal critica ao socialismo autogestionário é que tal sistema

seria incompatível com as demandas de eficiência tecnológica em uma Sociedade e um

Estado modernos e complexos. Segundo essa visão, a autogestão somente pode ter êxito em

pequenas unidades de produção ou comunidades simples. Apesar de ser uma idéia

humanista, não tem condições de êxito pro que os cidadãos e trabalhadores não estariam

educados para gerir uma economia moderna. As experiências históricas ocorreram em

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momentos específicos da história, marcados por profunda crise da sociedade, momentos de

revolução.

Dallemagne critica o projeto autogestionário por subordinam a luta contra a

exploração capitalista à luta anti-hierarquica. A partir das experiências do Chile de Allende e

de Portugal, mostram que a classe dominante mantem sua ditadura Assim, contrapõe a

ditadura do proletariado a autogestal, expressão das camadas de trabalhadores assimiladas ao

capitalismo, que lutam mais contra a miséria espiritual, alienação que conta o capital. [cf.

Jean-Luc Dallemagne. Autogestion ou Dictature du proletariat. UGE. 1976]]

Assim, a autogestão se limita a alguns momentos críticos da historia e ao”Grande

Dia”: a autogestão pressupõe uma”revolução política global”e, quaisquer outras experiências

não passariam de”ilhas no capitalismo”.

Mothé, assinalou o paradoxo do socialismo autogestionário : como articular a

autogestão como ideologia com as experiências praticas ? A autogestão é algo que pode

existir apenas com a Revolução, ou, pode existir como experiências ? Como conciliar

a”audácia do projeto autogestionário”com a”pobreza das tentativas de gestão coletiva”? O

imaginário com a realidade concreta ?[cf. Mothé. L’Autogestion goutte a goutte. ]

Yvon Bourdet fala de autogestão generalizada, que não existe em nenhum lugar, para

diferenciar de autogestão parcial, isto é, experiências de cooperativas de produção.

Buscando dar respostas a estas questões, Mothé formulou a idéia da”Autogestão giota

à gota”, dentro de uma visão ampla de”Experimentação”. , baseada na idéia de Rosa

Luxemburgo de queӎ funcionando coletivamente que as massas aprendem a se

autogerir;não há outro meio de lhes inculcar a ciência”. Mothe defende a participaçao dos

trabalhadores em experiencias de funcionamento coletivo nas empresas de autogestão,

mesmo que limitadas.

A experiência coletiva é vista como um instrumento necessário ao funcionamento

autogestionário. Mothe pergunta : se as experiências nas empresas são difíceis, devido ao

poder patronal, porque não experimentar a autogestão em outras instituições controladas

pelos sindicatos: cantinas, organizações de esportes, lazer, centros culturais, etc; nas

prefeituras de esquerda e nos serviços públicos municipais?”Para Mothe, tais mutações

implicam uma mudança na militância: o”militante soldado”e o”militante profeta”deveriam

ser substituídos pelo”militante animador”.

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Esta idéia da”experimentação social”foi defendida por Pierre Rosanvallon: Em ‘

autogestão como uma sociedade de experimentação”, afirma que,”A definição de uma

sociedade autogestionária é uma sociedade que se institui e se constrói por si-mesma. Se a

autogestão ´´e um projeto de sociedade, ela não é um modelo de sociedade a realizar. A

autogestão é um método e uma perspectiva de transformação social”.

“Falar que a autogestão é um movimento, é indicar que ela é produto de experiências,

de vitórias e de derrotas. A construção de uma sociedade autogestionária significa um vasto

processo de experimentações em todos os domínios da vida econômica e da vida social. . O

direito a experimentação é o fundamento da sociedade autogestionária”.

“O direito à experimentação coletiva de novas formas de vida e de trabalho, não pode

se construir”de cima”, a partir de iniciativas do Estado. A autogestão se constrói a partir das

iniciativas da sociedade civil, nas empresas, nos bairros, nas municipalidades. Para

Rosanvallon,”O direito da experimentação deverá ser a primeira tarefa de um governo que

defenda a perspectiva autogestionária”.

Em todos os casos, fica uma questão que é um verdadeiro no gordio: se o socialismo

autogestionário se baseia na associação dos trabalhadores, em todos os níveis, mas também

sobre a satisfação de suas necessidades, individuais e coletivas, no campo do ‘não-trabalho’

[do tempo livre’], como pensar seu”auto-governo”?

Bibliografia temática;

1. Mothé. Daniel – L’Autogestion goutte a goutte. Éditions Du Centurion. Paris. 1980]

2. Massari. Roberto. Teorias de la Autogestion. Editorial Zero. 1977

3. Autogestion et Socialisme, [Revue] Editions Anthropos. [43 numeros de 1966 a 1980]

4. Self-Governing Socialism. A Reader. [2 volumes] IASP. New York. 1975

5. Meister, Albert. Socialisme et Autogestion. L’Experience Yugoslave. Éditions Du

Seuil. Paris. 1964

6. Bourdet, Yvon. Pour l’Autogestion. Édithions Antrhopos. 1974

7. Bourdet, Yvon/ Guillerm, Alain. Clefs de l’autogestion. Seghers. 1977

8. Nascimento, Cláudio. Rosa Luxemburgo e Solidarnosc. Autonomia operaria e

autogestão socialista. CEDAC. Loyola, 1988

9. Bourdet, Yvon. . La Délivrance de Promethée. Pour une theorie politique de

l’autogestion. Ed. Anthropos. 1970

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10. Castoriadis. Le Contenu du Socialisme. Socialisme et Barbárie. UGE. 1979

11. Pelo Socialismo Autogestionário. Edições base. Lisboa. 1979 [Documentação da 1a

Conferencia nacional”Pelo Socialismo Autogestionário”, Porto, 1978]

12. Laks, Monique. Autogestion ouvriére et pouvoir en Algérie. 1962-1965. Edi. Paris. sd.

13. Supek, Rudi (direction). Étatismo et autogestion. bilan critique du socialisme

yougoslave. editions anthropos. Paris. 1973

GEORGES GURVITCH

[a sociologia da autogestão]

Gurvitch participou da constituição de conselhos operários revolucionários em 1917.

No Colóquio realizado em Bruxelas em homenagem a Proudhon, Gurvitch fez seu

depoimento:

“A França, portanto, não é o único pais em que os problemas do sindicalismo

revolucionário foram postos. Penso em particular em um outro pais, de onde sou originário,

a Rússia, e onde estes problemas tomaram forma desde 1905 com a criação dos primeiros

conselhos operários. Eles surgiram uma segunda vez sob o governo provisório de Kerensky,

e uma terceira vez sob o governo soviético e eu posso testemunhar da extraordinária

penetração das idéias de Phoudhon, tanto entre os inteelctuais russos quanto nos sindicatos

operários russos. De minha parte, não foi na França, mas na Rússia, que eu me tornei

proudhoniano, e se eu vim para França, foi para aprofundar meu conhecimento de

Proudhon, Eu porto, portanto, um testemunho pessoal direto: os primeiros soviets russos

foram organizados pelos proudhonianos, proudhonianos que vinham dos elementos de

esquerda do partido socialista revolucionário ou da ala esquerda da social-democracia russa.

Não foi em Marx que eles tomaram a idéia da revolução pelos soviets de base, pois é uma

idéias essencialmente, exclusivamente proudhoniana. Como eu sou um dos organizadores

dos soviets russos de 1917, posso falar com conhecimento de causa. Recordo-me dos

primeiros soviets organizados na fabrica de Poutilov antes da chegada ao poder dos

comunistas e testemunho que os seus organizadores estavam tomados, como aqueles que se

organizaram, das idéias proudhonianas. A um ponto tal, que Lenine não pode evitar esta

influencia. Acreditem-me, Sorel não pode servir de intermediário ! Foi uma influencia

proudhoniana direta que vinha dos distintos meios revolucionários, russos. Em seus

primeiros discursos, Lenine tinha proclamado que uma planificação, que uma revolução

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social não são possíveis que se fundadas em uma representação direta dos operários na base.

E posso mesmo revelar um segredo: que o programa do partido comunista, o segundo

programa absolutamente encontrável – vocês podem procura-lo em toda a Rússia, procurar

em todas as livrarias da França, a menos de tê-lo comprado em maio de 1917, vocês não vão

encontrá-lo – este segundo programa do qual não sei se todos os exemplares foram

queimados ou eliminados, o que posso lhes dizer, é que ele reproduzia como pontos

principais as próprias palavras de Lenine: nenhuma revolução, nenhuma planificação

coletiva não é possível sem uma participação direta dos soviets de base e de seus

representantes. Vocês podem ver que a idéia da autogestão operaria está toda ai. O que não

impediu Trostsky e Stalin, que nesta época eram os amigos, de pressionar Lenine no curso

da guerra contra os ‘guardas brancos’ e de conduzir à suprimir ‘temporariamente’ –eu

conheço muito bem o texto – os conselhos de base, sob pretexto que eles impediam uma

produtividade crescente de armamento. A Rússia, notem bem, ficou neste paradoxo que é

seu campesinato, sempre muito reservado frente ao governo comunista, que se beneficiou da

democracia econômica [kolkhozes, sovkhoses], ao passo que seu proletariado, que domina

oficialmente, não obteve ainda aquilo pelo qual tinha começado a revolução social: a

autogestão operária”.

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PERFIL DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NA REGIÃO CENTRO-OESTE 2

1. SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DA POPULAÇÃO RURAL NA REGIÃO CENTRO-OESTE

A expansão da fronteira agrícola no Centro-Oeste, que teve início na década de 1940, ficou mais conhecida como a “Marcha para o Oeste”, e seu principal objetivo foi atender à demanda de produtos primários, para a região que iniciava o seu processo de industrialização, a região Sudeste. A Marcha para o Oeste, incorporou a região ao processo produtivo nacional como fornecedor de gêneros alimentícios e matérias-primas e, principalmente, como absorvedor dos excedentes populacionais de outras regiões do país.

A nova fronteira agrícola esteve assentada, durante um período, em projetos de colonização privados e estatais, que entraram em crise, tanto por falta de interesse político como por falta de planejamento e investimentos. Os agricultores que viviam nos assentamentos foram gradativamente engolidos pelos latifundiários, expondo a ineficiência dos projetos de colonização.

O fechamento da fronteira se deu no momento em que a frente pioneira3 chegou e promoveu a invasão das terras pelos grandes proprietários e empresários, causando, assim, não só a expropriação econômica do pequeno agricultor, Foram criados programas especiais de estímulo à agricultura nos Cerrados, de apreciável impacto na evolução das frentes comerciais, a incorporação da monocultura da soja, principalmente em grandes propriedades. Ela se tornou um produto de exportação rentável, sendo sua produção especialmente incentivada como forma de ocupar as terras de cerrado no Centro-Oeste.

A partir da introdução da agricultura agroexportadora inicia-se um processo de alteração no uso e na ocupação dos solos no Centro-Oeste, com a implementação das formas técnicas modernas no cultivo de grãos e 2 Material elaborado por Maria do Socorro Silva, Professora da Faculdade de Educação/ UNB3 Ficou conhecida como frente pioneira a chegada dos grandes e médios agricultores que começaram um processo de “pecuarização da lavoura”, ou seja, a atividade pastoril passou a substituir a produção agrícola ver mais em BORGES, B.G. Goiás nos quadros da economia nacional: 1930 – 1960. Goiânia: UFG, 2000. 172 p.

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na criação de gado, apontado como modernização conservadora4. As tradicionais áreas de cerrado, como os extensos chapadões com topografia plana até então pouco utilizados passam a ser intensamente aproveitados, mediante a disponibilidade de capitais (programas governamentais), de recursos técnicos (máquinas), de tecnologia (desenvolvimento de pesquisas científicas) e do apoio na construção de infra-estrutura pelo Estado brasileiro, como forma de viabilizar os interesses do capital privado nacional e transnacional. A sojicultura nas áreas de cerrado assegurava a competitividade necessária no mercado externo e politicamente ‘ocupava’ áreas pouco povoadas e pouco produtivas.

Soma-se a isso as estratégias do Estado para evitar uma reforma agrária, na medida em que, as pressões do movimento social (trabalhadores rurais, sem terras, posseiros, atingidos por barragens, etc.) no Centro-Sul questionava a estrutura fundiária e poderia comprometer a eficácia das ações governamentais para a produção das commodities.

A partir de então, tiveram início grandes transformações, com as políticas nacionais de incentivo à ocupação dessa região pela agricultura modernizada, e com a construção da nova capital, Brasília. Agricultores do Sul e do Nordeste, apoiados por incentivos governamentais, trouxeram para a região uma agricultura modernizada, voltada para o mercado de grãos, principalmente a soja, o algodão e o milho. Os antigos agricultores familiares perderam grande parte de suas terras, quer pela venda, ou devido à migração para a nova capital.

Nas cidades, o crescimento desordenado, a violência urbana e a marginalização social chamava a atenção para os problemas sociais e para a necessidade de políticas sociais amplas no espaço urbano e

4 Com o atributo de conservadora, entende-se a modernização como algo capaz de conservar inalterado o espectro de desigualdades, sobretudo a concentração fundiária, não se associando sequer aos princípios das políticas compensatórias distributivistas, como também, extremamente seletiva, tendo em vista que a apropriação não é realizada por todos, mas apenas por uma minoria.

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principalmente no campo, visando conter o fluxo migratório em direção aos grandes centros urbanos. A opção política em não implementar a reforma agrária, implicava numa necessidade crescente de ampliação da fronteira agrícola (Centro-Oeste e Amazônia) que temporariamente ‘solucionaria’ a questão da terra no Sul e no Sudeste, deslocando os conflitos pela terra para as áreas da frente de expansão.

Os dados do Censo de 1995/96, do IBGE, demonstram um lugar bem inferior na posição da agricultura familiar do Centro-oeste5, entre as regiões brasileiras.

A agricultura familiar representa 66,8% do total de estabelecimentos rurais da região, o último lugar entre as regiões brasileiras.

Estes estabelecimentos ocupam 12,6% do total da área regional, também o último lugar entre as regiões.

São produzidos 16.3 % do valor bruto da produção agropecuária (VBP) na região, representando o menor valor entre as regiões, na safra de 1995/96.

Quanto ao total de financiamentos destinados ao setor, na região, naquele ano agrícola, os agricultores familiares receberam 12,7%, só ficando à frente do Sudeste, entre as regiões brasileiras.

Em relação ao número total de estabelecimentos familiares no Brasil, o Centro-Oeste representa o mais baixo índice, com apenas 3,9%.

Ocupa também a menor porcentagem de área sobre o total da agricultura familiar no Brasil, com 12,7%, e está em último lugar no valor bruto da produção agropecuária total, com 6,2%.

Quanto ao financiamento rural destinado à agricultura familiar, a região ficou com 10%, o penúltimo lugar, apenas acima e o dobro do Norte, entre as regiões brasileiras.

5 Atualmente, os tipos de sistemas produtivos da agricultura familiar na região Centro-oeste são tão variados

quanto nas demais regiões. Geralmente a média das áreas ocupadas é maior que nas outras regiões, como

também acontece na região Norte. Mas, nesta região, apenas as áreas de mata são naturalmente propícias à

agricultura, o que reduz as oportunidades para os agricultores menos capitalizados.

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No que se refere ao capital físico, à desigualdade de oportunidades fica evidenciada ao se comparar o rendimento real médio mensal6 das famílias rurais dessa região com as demais regiões do Brasil.

Tabela 1 – valor do rendimento real médio mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento, responsáveis pelos domicílios particulares permanentes, por situação de domicilio – Brasil e Grandes Regiões – 1991-2000.

Regiões geográficas

Situação do domicílio (R$) Total Urbana Rural 1991 2000 1991 2000 1991 2000

Brasil 542,00

769,00 633,00 854,00 215,00 328,00

Norte 428,00

577,00 534,00 663,00 263,00 335,00

Nordeste 301,00

448,00 396,00 549,00 143,00 186,00

Sudeste 690,00

945,00 741,00 993,00 262,00 428,00

Sul 530,00

796,00 608,00 868,00 283,00 463,00

Centro-Oeste

589,00

856,00 654,00 904,00 295,00 518,00

Fonte: IBGE - Censo Demográfico 1991-2000.

Considerando que esses dados incluem todos os produtores temos um valor de rendimento médio mensal superior ao rural em outras regiões do Brasil, mascarando a situação de miséria em que vivem a maioria da população rural da região.

6 Soma do rendimento mensal de trabalho com o rendimento proveniente de outras fontes.

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Com relação à população residente na área rural e urbana por região, vejamos o que nos mostra o dados do IBGE, conforme tabela 2.

Tabela 2 – População residente segundo a localização do domicílio Brasil e Grandes Regiões – 2003.

Regiões População residenteTotal Urbana Rural

Brasil 173. 966.052 146.679 752 27. 286 300

Norte 12.900.704

9.014.365 3.886.339Nordeste 49. 479.029 35. 048. 953 14.430.076Sudeste 75. 616. 581 69. 473.63 6.142.818Sul 26. 094. 256 21. 432. 476 4.661. 780

Centro-Oeste 12. 368. 577 10. 654.

724 1.713.853Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003.

Uma primeira questão com que nos deparamos é com os dados existentes sobre a população residente na área urbana e rural. A ausência de dados mais detalhados sobre a população rural já evidencia o descaso com que os órgãos de pesquisa tratam os povos do campo, evidenciando que os critérios adotados para definir população rural e urbana, no Brasil, precisam ser repensados por apresentar uma configuração territorial que não corresponde à realidade do país7.

O rural – seja como uma categoria historicamente datada seja como uma realidade em constante transformação – se mantém como categoria definidora das diferenças espaciais e sociais das sociedades modernas. A especificidade do espaço rural seria dada tanto por uma configuração física diferenciada quanto por um modo de vida particular: “de onde se vê e se vive o mundo”8.

As transformações provocadas pela intensificação das trocas, entre universos culturais distintos (grosso modo, os “urbanos” e os “rurais”), não resultam, necessariamente, na descaracterização de um sistema cultural e social, tido como “original” ou “autêntico”, sobretudo, por aqueles que vão à busca de uma autenticidade. Mudanças nos hábitos, na 7 Para aprofundar vide Veiga, Cidades Imaginárias, 2001. 8 Para aprofundamento vide, Wanderley, A ruralidade no Brasil moderno. Por um pacto social pelo desenvolvimento rural, 2001.

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maneira de se relacionar com os outros e com a natureza e na percepção do mundo, se expressam de maneira irregular e diversificada segundo os interesses e a posição social dos atores, o que não implica, necessariamente, uma ruptura decisiva nem no tempo nem no espaço.

Vejamos o que nos mostra a tabela 3 no que se refere a população residente por faixa etária. Tabela 3 – População residente por faixa etária, abrangência geográfica, 2000.AbrangênciaGeográfica

População Total

De 0 a 3 Anos

De 4 a 6 Anos

De 7 a 10 Anos

De 11 a 14 Anos

De 15 a 17 Anos

De 18 a 24 Anos

De 25 e Mais Anos

Brasil 169.799.170

13.020.216

10.121.197

13.143.842

13.980.867

10.702.499

23.378.831

85.451.718

Centro-Oeste 11.636.728 906.721 712.655 914.425 948.264 729.2091.690.512 5.734.942

Mato Grosso do Sul 2.078.001 161.110 130.867 170.180 174.203 130.911 281.732 1.028.998

Mato Grosso 2.504.353 200.501 163.907 212.394 219.079 163.841 359.103 1.185.528Goiás 5.003.228 382.642 299.862 383.019 401.222 307.195 717.718 2.511.570Distrito Federal 2.051.146 162.468 118.019 148.832 153.760 127.262 331.959 1.008.846

Fonte: IBGE, 2000.

A tabela 03 nos mostra que 63% da população residente na região centro-oeste tem

acima de 18 anos, apresentando um perfil geracional de jovens, adultos e idosos na sua

composição.

Os índices de analfabetismo do Brasil, que já são bastante elevados, são ainda mais

preocupantes na área rural. Segundo o Censo Demográfico, 13,6% da população acima

de 15 anos de idade da zona rural é analfabeta, enquanto na zona urbana essa taxa é de

10,3%. É importante ressaltar que a taxa de analfabetismo aqui considerada não inclui

os analfabetos funcionais, ou seja, aquela população com menos do que as quatro séries

do ensino fundamental.

Na região Centro-oeste o índice de analfabetismo é inferior ao do Brasil, 10,8%, tendo

o índice mais alto na população de 50 anos ou mais. Todos os estados, com exceção do

Distrito Federal apresentam índices maiores que o da região.

Tabela 4 - Taxa de analfabetismo por abrangência geográfica, faixa etária localização rural,

2000.

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Abrangência

Geográfica

15 anos ou

mais

De 15 a 19 anos

De 20 a 24 anos

De 25 a 29 anos

De 30 a 39 anos

De 40 a 49 anos

50 anos ou mais

Brasil 13.6 5 6.7 8 10.2 13.9 29.4Centro-Oeste 10.8 2.2 3.5 4.9 7.5 12.2 29.8Mato Grosso do Sul

11.2 2.5 3.8 5.2 7.9 12 28.5

Mato Grosso 12.4 2.7 4.1 5.8 9.4 15.3 34.2Goiás 11.9 2.3 3.7 5.2 7.7 13 33.1Distrito Federal 5.7 1.4 2.2 3.1 4.2 6.7 16.3Fonte: IBGE, 2000.

Do ponto de vista do capital sociocultural, o nível de instrução e o acesso à educação da população residente na zona rural são importantes indicadores da desigualdade social existente entre as zonas urbana e rural. Os dados mostram que a escolaridade média da população de 15 anos ou mais que vive na zona rural corresponde a quase metade da estimada para a população urbana. A região Centro Oeste apresenta um número médio de anos de estudos na área rural superior ao do Brasil e das regiões norte e nordeste (Tabela 5).

Tabela 5 – Número médio de anos de estudos da população de 15 anos ou mais Brasil e Grandes Regiões – 2003.

Regiões Anos de EstudosUrbana Rural

Brasil 7,0 3,4

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Norte 6,4 3,3Nordeste 5,9 3,0Sudeste 7,3 4,1Sul 7,3 4,6Centro-Oeste 7,0 4,1Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003.

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A HISTORIA DAS NOSSAS RAÍZES: ITINERÁRIO DAS LUTAS DOS TRABALHADORES (AS) RURAIS NO BRASIL E O SURGIMENTO DO

SINDICALISMO RURAL

Maria do Socorro Silva9

"Da desparecença dos tempos aprendo as tranças e tramas das novas lições."

Gonzaguinha

PARA INICIO DE CONVERSA

Nos colocamos, nesse momento, diante do desafio de trazer ao debate questões que se inserem nas reflexões em torno do enraizamento histórico do sindicalismo rural no Brasil, ou seja, o processo no qual é gestado a dinâmica do movimento sindical dos trabalhadores(as) rurais (MSTTR), que se traduz, concretamente, num amplo imbricamento de ações. Porém, considerando os limites a que nos propomos discutir o assunto em pauta, nesse texto, restringeremos nossa análise a elencar alguns movimentos ou lutas que contribuíram para esse processo, como se constituiu a estrutura sindical oficial no Brasil.

Os movimentos sociais do campo vem se constituindo ao longo da nossa história, como sujeitos coletivos, onde constroem uma identidade e organizam práticas que visam defender direitos, interesses e projetos. Esse processo se dá através de lutas de resistências, de organização, mobilização que se constroem nos locais de trabalho, na roça e na comunidade. É na teia de constituição dessas lutas que se forjam as condições para a tomada de consciência do que significa ser trabalhador(a) rural.

9 Pedagoga e Psicóloga. Professora da Faculdade de Educação da UnB/UFCG. Doutoranda em Educação da

UFPE.

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Desde a chegada dos colonizadores portugueses que tivemos, em nosso país conflitos e rebeliões populares formados por complexa composição étnica, social e ideológica – índios, caboclos, camponeses, escravos, alfaiates, barqueiros, religiosos, seleiros, etc - com proporções e alcances distintos, ora manifestando-se como amplos movimentos de massa construindo novas formas de organização social, política e econômica, ora manifestando-se como ações específicas e localizadas ou movimentos messiânicos, de confronto com a opressão, a miséria, a dependência, a ausência de direitos, a luta pela posse da terra e por melhores condições de vida e de trabalho nas sociedades Colonial, Monárquica10 e Republicana11

A proclamação da República (1889), juntamente com a Abolição da escravidão (1888), marcam um dos momentos de maior transformação social já vivido pelo país. A chamada Primeira República, que se segue, é o período de delineamento da identidade social e política do trabalhador brasileiro. Evidentemente, havia anteriormente trabalhadores, mas não uma classe trabalhadora. Até então, quem trabalhara no Brasil foram os escravos e a sociedade imperial escravista desmerecera inteiramente o ato de trabalhar.

No século XIX, começamos a ter uma nova configuração, primeiro com a chegada dos primeiros colonos europeus não-portugueses, para o cultivo do café, a partir de 1819, suíços, alemães, italianos, todos agricultores pobres atraídos para o Brasil por promessas de terra, que passaram a ocupar áreas ainda não utilizadas, nas regiões Sul e Sudeste, principalmente sobre a forma de parceria ou colonato, com isso tivemos uma intensificação dos conflitos por terra e pela libertação dos escravos.

Juntamente com o processo de luta contra a escravidão vamos ter a afirmação das leis de locação de serviços que visam regular o trabalho 10 No período Imperial tivemos apenas o nascimento das primeiras organizações operárias. No começo do século XIX já existiam algumas associações de artesãos, mas organizadas sob a forma de irmandades religiosas. As primeiras organizações operárias, sem um caráter essencialmente religioso, foram associações voltadas para a ajuda mútua em situações de doença, acidentes no trabalho, invalidez, etc..

11 A primeira constituição republicana foi a de 1891 - assegura o direito à associação e a reunião deixando em aberto qual seria o tipo de organização, surgiram então às primeiras organizações de socorros mútuos, caixas beneficentes, sociedades de resistência, bolsa de trabalho.

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assalariado, (1830, 1837), os trabalhadores não poderiam romper seus contratos a não ser que pagassem ao patrão quantia correspondente e se não o fizessem estariam sujeitos à prisão com trabalhos forçados até pagar suas dívidas.

Em 1850, o império restringiu o direito de posse da terra por meio da Lei de Terras. Essa Lei significou o casamento do capital com a propriedade de Terra, pois a partir desse momento a terra foi transformada em uma mercadoria a qual somente quem já dispunha dela e de capital pudesse ser proprietários, isso impedia que os ex-escravos, brasileiros pobres, os posseiros e os imigrantes pudessem se tornar proprietários, mas sim constituísse a mão de obra assalariada necessária nos latifúndios, segundo José de Souza Martins, professor da USP: “Enquanto o trabalho era escravo, a terra era livre. Quando o trabalho ficou livre, a terra ficou escrava”.

Nesse mesmo período, milhares de nordestinos, fugindo da seca e da crise econômica dos engenhos de açúcar, foram para o norte, trabalhar na extração dos produtos da floresta, principalmente a borracha e a castanha, que tiveram um grande peso na formação da atual população de agricultores familiares amazônicos.

O resgate do itinerário de algumas dessas lutas que são raízes da organização do campo brasileiro, e do surgimento, do sindicalismo rural brasileiro, podem sinalizar para descobertas importantes na construção de uma sociedade mais justa, e no fortalecimento das organizações no momento atual.

PRIMEIRO MOMENTO: DAS LUTAS PELA LIBERDADE AO SURGIMENTO DO SINDICALISMO RURAL

“O movimento para a liberdade, deve surgir e partir dos próprios oprimidos, e a pedagogia decorrente será " aquela que tem que ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de recuperação de sua humanidade". vê-se que não é suficiente que o oprimido tenha consciência crítica da opressão, mas, que se disponha a transformar essa realidade; trata-se de um trabalho de conscientização e politização.”

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Paulo Freire

1.Lutas e mobilizações pela liberdade

A luta dos trabalhadores (as) rurais brasileiros pela posse da terra, visando garantir melhores condições de trabalho e de vida fazem parte da história do povo brasileiro: lutas de tribos indígenas, movimentos de escravos, revoltas como da Cabanagem e Balaiada, litígios e reações de parcela das populações pobres foram uma constante ao longo da nossa história.

Durante todos esses períodos tivemos ações populares de intervenção na ordem social, práticas reprimidas de participação social e política do povo que colocaram em ebulição os direitos políticos e sociais, antes que a cidadania e a sociedade civil se estabelecessem entre nós, e que tiveram nos camponeses (as) sujeitos protagonistas de várias dessas lutas e mobilizações.

a) Quilombos Nos quilombos refugiavam não só escravos foragidos, como também

índios e pobres livres. Um dos mais importantes quilombos de nossa história foi Palmares foi construído no fim do século XVI e resistiu até o fim do século XVIII, chegou a reunir mais de 20 mil habitantes, localizava-se na Serra da Barriga entre Pernambuco e Alagoas, e era governando por um rei (sendo o mais conhecido Zumbi) e um conselho formado por chefes dos quilombos. O sistema de vida e produção organizado em Palmares pode resistir a economia patriarcal e escravocrata, com uma cultura e economia baseada na policultura, na organização coletiva da produção e na resistência e combate a escravidão.

Durante sua existência foram feitas varias tentativas de destruir Palmares. Por fim, o governo de Pernambuco solicitou a ajuda do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, que preparou uma expedição para derrotar os fugitivos. Também ele falhou nas primeiras tentativas, mas não desistiu. Organizou um exército realmente poderoso e voltou ao ataque. Mesmo assim, a resistência dos quilombolas foi tão grande, tão

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valente, que a luta durou perto de três anos. Os negros tinham uma desvantagem: estavam cercados. Enquanto

os atacantes podiam conseguir reforços e munições de fora, principalmente contando com o interesse do governo, os quilombolas encontravam-se sozinhos e apenas podiam contar com o que possuíam. É claro que, um dia, a munição dos sitiados tinha de se esgotar. Quando isto se deu, muitos negros fugiram para o sertão. Outros se suicidaram ou renderam-se aos atacantes.

b) Missões A luta dos indígenas ao longo da nossa história apresenta raízes de

uma organização camponesa, principalmente por meio das missões, os exemplos mais conhecidos são: a Confederações dos Tamoios, Guerra dos Guaranis e a Guerra dos Bárbaros.

A Confederação dos Tamoios Em 1562, aliaram-se aos franceses tomaram a Baía de Guanabara.

Não fora difícil aos franceses conquistar os tamoios, homens altivos, que há tempos lutavam contra portugueses, que pretendiam escravizá-los. A paz foi conseguida pelos padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega.

Guerra dos GuaranisEm 1750, o Tratado de Madrid determinou novos limites entre os

impérios coloniais de Portugal e Espanha. Na área do estuário do Prata, pelo novo acordo, a Espanha trocava os Sete Povos das Missões, na margem esquerda do rio Uruguai, pela Colônia do Sacramento, dos portugueses. Os governos de Madrid e Lisboa tomaram decisões sem levar em conta os interesses dos jesuítas e guaranis. Em 1752, enviaram comissões para tornar efetivas as mudanças previstas no Tratado.

Os Guaranis se revoltaram e se organizaram para defender suas terras. Mas os portugueses e espanhóis se uniram contra os rebeldes. Em 1754, começou a Guerra Guaranítica, que durou dois anos. Melhor equipado, o exército europeu massacrou os guerreiros guaranis, liderados por Nicolau Ñeenguiru e Sepé Tiaraju. Obrigados a sair, alguns sobreviventes foram para as reduções da margem direita do Uruguai.

A guerra não resolveu as questões de limites, pois, além dos índios,

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os portugueses da Colônia do Sacramento também não estavam satisfeitos com a troca de terras. Portugal e Espanha voltaram atrás, anulando o Tratado de Madrid em 1761. Com isso, os Guaranis continuaram a ocupar a área dos Sete Povos. Mas já não existia o entusiasmo de antes e as mesmas condições de resistência e luta.

Guerra dos Bárbaros Essa guerra durou vinte anos, a partir de 1682, e foi empreendida

pelos cariris. O cenário dessa guerra foi uma extensa área do Nordeste, particularmente nos vales do Rio Açu (atual Piranhas) e Jaguaribe. Todavia, estes bravios guerreiros, apesar das degolas, dos aprisionamentos, cativeiros e reduções em aldeamentos jesuíticos que sofreram ao longo dessa história que lhes fora imposta, resistiram por cerca de mais vinte anos sempre lutando como podiam pela posse de suas terras e na tentativa de vencer as injustas estratégias da dominação colonial.2. Lutas messiânicas – 1888 e a década de 1930 As lutas messiânicas se caracterizam pela existência de uma liderança messiânica. Isso significa que a fé era a ligação entre ele e seus seguidores. Ë por isso que alguns autores chamam as revoltas camponesas do período de lutas messiânicas. Dentre essas podemos destacar:

a) Canudos a terra prometida Os/as trabalhadores (as) rurais e escravos peregrinavam pelo sertão,

atrás do beato Antônio Conselheiro, até se estabelecerem no Arraial do Canudos. Criou-se um povoado em que o trabalho cooperado foi essencial para a preservação da comunidade. Todos tinham direito a terra e desenvolviam a agricultura para auto-consumo, envolvendo todos os membros da família. Na comunidade havia um fundo comum destinado a proteção dos velhos e aos doentes. Chegou a ter cerca de 10 mil habitantes. Entre outubro de 1896 e outubro de 1897, mais de 5 mil soldados do exercito e armamentos pesados de guerra foram envolvidos no ataque ao arraial.

b) Guerra do Contestado

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Em 1912, o governo concedeu uma enorme extensão de terras à empresa norte-americana Brasil Railway Company, no trecho previsto para a construção da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul. Ao final da construção da ferrovia, cerca de 8 mil trabalhadores ficaram desempregados e passaram a perambular pela região a procura de trabalho. Nesse momento surgiu na região de Campos Novos e Curitibanos, em Santa Catarina, um movimento camponês de caráter político-religioso, liderado pelo monge José Maria. Inicialmente ficaram numa área de disputa entre Paraná e Santa Catarina, por isso chamado de Contestado, que chegou a cerca de 20 mil pessoas. Em 1915, os lideres lançaram um manifesto monarquista e declararam a “guerra santa” contra os coronéis, as companhias de terras e as autoridades governamentais. O arraial foi dizimado quando o governo enviou cerca de 07 mil soldados do exercito, até mesmo aviões foram utilizados pra localizar os redutos rebeldes.

c) Guerra do CaldeirãoUma luta de resistência camponesa, contra os latifundiários, que

aconteceu no Ceará, na Chapada do Araripe, no período de 1926-1937, quando foram assassinadas mais de 400 pessoas. O nome Caldeirão refere-se a uma depressão no relevo, onde se encontrava água cristalina durante todo o ano. A área pertencia ao padre Cícero - famoso religioso e político da época - que a entregou ao beato Zé Lourenço e seus seguidores para trabalharem na terra. O Caldeirão ficou auto-suficiente. Sua fama crescia e já influenciava outras cidades, porque tinham uma produção diversificada: agricultura, artesanato, confecção de redes, roupas, calçados, etc. Todas as ferramentas necessárias para o trabalho eram feitas na própria comunidade. Os produtos excedentes eram vendidos em Juazeiro e no Crato. Ninguém se considerava dono de alguma coisa. Todavia, a grande concentração de camponeses naquelas terras chamou a atenção dos fazendeiros, que, temendo o aumento da organização dos trabalhadores e uma possível ocupação de suas terras, iniciaram uma guerra contra os camponeses para destruir Caldeirão. A força militar chega ao sítio e os moradores resistem à destruição, casas

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são incendiadas e pessoas mortas, mais não conseguem vencer a comunidade. Dias depois, retornam usando dessa vez aviões, acontece o segundo bombardeio aéreo sobre civis na história do Brasil. (o primeiro foi em 1912, Contestado), destruindo assim o povoado.

3. As lutas pré-sindicalistas a) As colônias anarquistas A chegada dos imigrantes para trabalhar nas lavouras do café dos

grandes fazendeiros vai trazer mudanças no perfil do campesinato brasileiro. Além de ser explorado com baixa remuneração (a família toda precisava trabalhar para a subsistência), o colono ainda sofria a especulação do fazendeiro, pois era obrigado a comprar o que precisava pelo dobro do preço, nos seus armazéns, desta forma estava sempre devendo ao fazendeiro. Recebiam um preço de terra onde desenvolvia uma cultura de auto-consumo, no entanto, ao chegar à época da colheita, muitos eram expulsos, sofrendo as mais variadas injustiças e perseguições. A exploração imposta faz com que se organizem ainda que de forma clandestina (já que o Ato Adicional de 1834 proibia toda e qualquer associação de ofício): surgem as primeiras associações de socorro mútuo, os mutirões, e a organização de núcleos e colônias que serão precursores do sindicalismo brasileiro.

A formação de núcleos ou colônias, tais como a Colônia Cecília, Colônia Leopoldina, Colônia Nova Itália, organizadas sem propriedade individual, sem lei e sem religião, e onde começaram a funcionar as “Escolas Internacionalistas”, que depois se espalharam por outras áreas de imigração do sul do Brasil.

Além disso, os anarquistas começaram a se organizar nos sindicatos, cuja ação deveria ser voltada para o desenvolvimento da consciência da classe, com repudio a idéia de organizar os trabalhadores em partido político, recusa intransigente ao assistencialismo e mobilização permanente dos trabalhadores para ação direta contra os patrões. Para os libertários a educação ocuparia um papel de destaque, pois era considerado um veículo de conscientização e transformação das

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sociedades, sendo responsável pela formação de novas mentalidades e ideais revolucionários. Articulavam a educação entre si, em três dimensões: a educação político-sindical12, a educação escolar e as práticas culturais de massa.

Em 1907, é aprovada a Lei Adolfo Gordo para expulsar lideranças sindicais estrangeiras (1907/1913- governo Hermes da Fonseca). Esse processo vai ser intensificado em 1917, quando a nível internacional, ocorria a Primeira Guerra Mundial, e os anarquistas e socialistas faziam intensa propaganda anti-militarista, além disso, a situação econômica para os trabalhadores (as) estava insuportável: carestia, desemprego, recessão, reinava fome e miséria, culminando com a Greve Geral, sendo desencadeada um processo de repressão e o uso intensivo da Lei Adolfo Gordo.

b) Posseiros da Rodovia Rio-BahiaA valorização das terras da Região de Governador Valadores - MG

devido à perspectiva da construção da rodovia Rio - Bahia em 1940, ali viviam muitos posseiros, sem perda de tempo, os supostos donos das terras começaram a aparecer de todos os lados e impuseram aos posseiros a condição de derrubar a mata para formação de pasto, eles só podiam plantar para subsistência. A partir de 1955 com a construção das rodovias, começou o processo de expulsão dos posseiros. Eles começaram então a juntar os posseiros para formar uma associação (visto que os sindicatos rurais ainda não eram reconhecidos), essa organização foi até a década de 1964, quando foram presos e torturados pela ditadura militar.

c) Trombas e FormosoEm 1948, a construção da Transbrasiliana e o projeto de colonização

dos governo federal valorizaram as terras da região de Uruaçu, no norte de Goiás. Trabalhadores provenientes do Maranhão e Piauí chegaram ao local liderado por Jose Porfírio e estabeleceram posses numa área de terra devoluta, que estavam sendo griladas, por um grupo de fazendeiros, um juiz e um dono de cartório da região. Eles queriam que os posseiros 12 Desde esse período a necessidade de formação sindical já se fazia presente entre as organizações, já colocavam a educação em suas diferentes dimensões sinalizando para o que chamamos hoje de formação programada (cursos, seminários, oficinas, etc), e a formação na ação que ocorre no cotidiano da organização, nas comunidades, no trabalho, mobilizações, intercâmbios, pesquisas, sistematização coletiva de experiências.

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saíssem das terras, e eles pagariam as benfeitorias feitas, a recusa foi geral. Então os grileiros queimaram as roças e as casas dos camponeses, inclusive acarretando a morte da mulher de José Porfírio. No final da década de 1950, com a contribuição do PCB, toda a região estava organizada na Associação dos Lavradores de Trombas e Formoso, a organização foi se afirmando, até a região se tornar um município e Jose Porfírio foi eleito deputado estadual em 1962. Os posseiros ganharam muita força na região e formaram vários sindicatos, o que foi desmentalado em 1964, com o golpe militar. Depois de viver na clandestinidade, José Porfírio, foi preso em 1972, foi solto no ano seguinte e desapareceu.

c) Influência do Partido comunista formação do Bloco Operário e Camponês (BOC)

A mudança de ênfase no PCB sobre a realidade brasileira, que identifica a realidade brasileira como sendo de um capitalismo agrário semi-feudal, leva o partido a formar o Bloco Operário e Camponês (BOC) em 1927, incorporar a luta contra a política da oligarquia, buscar aliança com a Coluna Prestes e atuar na área rural brasileira.

A análise da sociedade como sendo um país semi-feudal, onde a revolução seria feita por etapas: a primeira, de caráter nacional e democrático, seria anti-imperialista e anti-feudal, para isso teria que fazer alianças entre o operariado e o campesinato; a segunda, de caráter socialista. Essa tese se fundamenta na revolução leninista, pois para Lênin, a etapa primeira representada pela revolução democrático-burguesa é constituída pelo desenvolvimento do capitalismo. Embora esse processo revolucionário deva estar sob a direção política do proletariado, suas tarefas consistem em desenvolver as forças produtivas capitalistas (modernas), a fim de que possam ser eliminadas as antigas formas de produção ainda existentes nessas sociedades atrasadas. Por isso, a estratégia fundamental no operariado não pode basear-se na luta contra o capital, mas sim numa aliança com o campesinato para enfrentar o feudalismo. É esse caráter democrático-burguês que a proposta do BOC

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confere, a partir de 1928, à luta de classes. As divergências com relação a essa aliança, os resultados da

revolução de 1930 e as definições do comunismo internacional levaram a uma re-orientação para a “obreirização”, que consistia em substituir os intelectuais por operários nos cargos e instâncias partidárias e o fim do BOC.

Na verdade essa aliança acabou tendo uma dimensão mais eleitoral de assegurar candidaturas que assegurassem a defesa dos interesses proletários, daí a necessidade de ampliar sua ação e se aproximar de outras organizações progressistas. Daí os acenos a setores da pequena burguesia como forma de romper o bloqueio à ação política que lhe era imposto não só pelas classes dominantes como também pela sua própria fraqueza interna. Com isso entendemos porque o BOC vai centrar sua ação nas questões sociais, sem questionar o sistema social vigente, pleiteando, reformas modernizadoras.

Essa aliança retoma na ação do partido na década de 1960 com a participação na organização das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais.

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Cadernos AEL, n. 7, 1997REDESCOBRINDO A HISTÓRIA: A REPÚBLICA DE

FORMOSO E TROMBAS

PAULO RIBEIRO DA CUNHA13

INTRODUÇÃOO processo de expansão capitalista característico do modelo de

desenvolvimento iniciado a partir da década de 50 trouxe à luz contradições de um cenário que, no campo, apontava para uma situação de miséria face às condições de trabalho existentes e também à concentração fundiária que se constituía em um dos pilares inalterado do sistema político brasileiro. A partir de 1947, com o agravamento da Guerra Fria e com a conseqüente ilegalidade do Partido Comunista, bem como a cassação do registros de seus parlamentares, estava posta uma situação propícia a novas formas de intervenção. Em relação ao PCB, a influência deste cenário apontou para o redirecionamento de uma linha política inicial de conciliação de classes para uma explosiva proposta à esquerda de assalto direto ao poder delineado pelo Manifesto de Agosto de 1950. Foi com esta perspectiva de revolução que setores do Partido, entusiasmados com a vitoriosa revolução chinesa e a possibilidade de implementar uma política a ser transposta naquele processo e norteada por uma concepção teórica revolucionária do campo cercando as cidades, lançaram-se ao reforço dos movimentos sociais. Estavam, também, enriquecidos por outras experiências razoavelmente bem sucedidas (ainda que não totalmente vitoriosas) como a luta de Porecatu, e assim se gestou uma perspectiva de revolução imediata, processo alimentado por uma avaliação que considerava presentes tanto as condições objetivas como as subjetivas (vontade de mudar), necessitando apenas de um pequeno impulso para ser detonado. Na medida em que se percebe, um cenário de conflito iminente, o estado de Goiás propiciou, de 13 Este artigo é uma reflexão a respeito de minha tese de Mestrado intitulada "Aconteceu longe demais: A luta pela terra dos posseiros de Formoso e Trombas e a política revolucionária do PCB no período 1950-1964", PUC/SP, 1994. Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha .

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certa forma, as condições para que este processo fosse desencadeado, sendo um tradicional palco de conflitos rurais extremamente significativos até hoje, como Ipameri, Itauçú, Porangatu, Formoso, entre outros. Contudo, outras mediações estariam presentes neste cenário. Para o governo Federal, Goiás seria um local de despressurização do problema fundiário (como foi o caso de Porecatu, no Paraná) e, na avaliação do PCB, uma possibilidade concreta de intervenção a ser potencializada, na medida em que o estado também era carente de população significativa no campo e tinha por característica maior um aparato institucional extremamente caótico, que, em última instância, possibilitaria novas experiências de intervenção. Decorrente desta primeira perspectiva, podemos apontar um primeiro fator potencializador de conflito na região, característica de políticas ainda hoje presentes, ou seja, a busca de equacionamento do problema fundiário a partir de políticas de colonização, movel de outros conflitos futuros, principalmente na Amazônia a partir da década de 80. Com a política de colonização de Governo Vargas em Goiás, teve início um dos maiores conflitos fundiários da década de 50, ao lado de Porecatu no Paraná, ainda que Formoso e Trombas tivesse a peculiaridade de originar uma singular experiência de organização política até hoje inédita14.

ORIGENS HISTÓRICASA luta na região de Formoso e Trombas teve origem em fins

dos anos 40, a partir da busca de terra por parte de milhares de camponeses que se dirigiram à Colônia Agrícola de Goiás (CANG) atraídos pela propaganda do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo) como também por notícias boca a boca que sinalizavam a promessa de doação de terra e ajuda técnica pelo governo. Mas, em razão da impossibilidade de incorporação do grande fluxo de colonos face ao número de lotes disponíveis, dezenas de posseiros seguiram para o norte onde constava a existência de matas férteis e 14 MEDEIROS, Leonilde. Sérvolo de História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro, Fase, 1989. 84 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

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muita terra devoluta, sendo poucas as fazendas. Nesta fase inicial, os posseiros instalaram-se sem grandes problemas e construíram casas às margens dos vários córregos, que eram abundantes na região. Mas este quadro de aparente tranqüilidade social altera-se a partir de 1950, quando surgem as primeiras tentativas de grilagem das terras pelos fazendeiros, com tentativas de várias ordens para obter o pagamento de arrendamento com a conseqüente ameaça de expulsão dos posseiros da área em crescente valorização. Sebastião Abreu comenta como se desenvolveu este processo na região de Formoso: "Tudo começou no início da década de 50, com um esperto advogado de Goiânia e um ambicioso comerciante de Uruaçu, no meio oeste goiano, ao qual pertencia o município de Amaro Leite, em cujos limites se situavam os "Formoso", "Bonito", e "Santa Teresa", que em conjunto, ocupavam uma área de mais de quinze mil alqueires goianos, ou seja, quase 75.000 hectares. Um rábula a serviço dos grileiros, vasculhando o arquivo público do estado de Goiás, descobriu o que lhe parecia ser o mapa da mina. Era um requerimento de concessão de sesmaria, datado de 1775... De posse da certidão contendo inteiro teor deste requerimento, os grileiros planejaram apossar-se das terras dos três imóveis, onde há mais de cinqüenta anos já haviam se fixado numerosas famílias de posseiros. Para fazer grilagem era necessário estabelecer um elo entre o requerente da sesmaria, Caetano Cardoso de Morais, e os que então se diziam proprietários. Vasculhando nos cartórios, descobriram nos municípios de Pirenópolis uma família de lavradores cujo sobrenome coincidia com o do requerente da sesmaria. Depois de afirmar a alguns surpresos e incrédulos membros dessa família que os mesmos eram donos de terras no longínquo município de Amaro Leite, na qualidade de descendentes de Caetano, fácil foi levar os falsos herdeiros ao cartório da cidade, onde os mesmos lhes passaram as escrituras de cessão de direitos hereditários em troca de algum dinheiro. Em Uruaçu, já na qualidade de cessionários dos 'herdeiros' de Caetano Cardoso de Morais, requerem o inventário deste, a quem atribuíram supostos filhos, netos e bisnetos, até fechar a cadeia sucessória com os falsos herdeiros de Pirenópolis."15

15 ABREU, Sebastião. Trombas: a guerrilha de José Pofírio. Brasília, Ed. Goethe, 1985, p. 73-82. 85 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

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Neste momento tem início um confuso processo de resistência, sendo o mais significativo o capitaneado pelo camponês José Firmino, na região de Formoso, e por José Porfírio, na região de Trombas, que, fundamentalmente, procuraram, nesta fase inicial do processo, a mediação do governo do Estado e até do Governo Federal, objetivando obter o registro das terras por via legal, processo que duraria até 1954. Um dado curioso, mas também um elemento potencializador das lutas futuras, foi presença de muitos camponeses que haviam tido um certo contato com o PCB em épocas anteriores, como também, na região, vários que tinham sido expulsos de outras áreas e que não tinham mais para onde ir; assinale-se também indícios da presença na região de antigos combatentes da Coluna Prestes. Mas ambos fracassaram nestas tentativas de equacionamento por via pacífica e Firmino, após iniciar os primeiros contatos com membros do partido, ficaria pouco tempo em razão da forte repressão que sofreu nesta fase inicial. Através deste cenário é que um núcleo do PCB, sediado na Colônia, decidiu contatar e avaliar a possibilidade daquela área vir a ser um (ou o) foco potencializador da revolução brasileira. Na CANG, o partido já estava estruturado, sendo local de várias reuniões regionais de organização e dinamização partidária, inclusive editando um jornal camponês, o Rança Touco; na ocasião, teve até a assistência de Gregório Bezerra16, enviado do Comitê Central a Goiás. Foi neste período que o comitê zonal decidiu, sob o entusiasmo da linha política do Manifesto de Agosto, enviar à região, para fixar posse, alguns escolados quadros do partido, sendo eles: Geraldo Marques, João Soares e, pouco depois, José Ribeiro e Dirce Machado. Este grupo se constituiria no Núcleo Hegemônico, que procuraria organizar a resistência dos posseiros e criar condições para que esta luta tivesse um caráter de potencialização de uma mobilização mais ampla. Mas também ocorrem naquele momento as tentativas dos grileiros de endurecer na questão do arrendamento, como também procurar, através desta iniciativa, expulsar os posseiros. Aqui teve início a fase mais terrível de violências, fase esta em que Porfírio ainda tentou a mediação do governo,

16 BEZERRA, Gregório. Memórias, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980, p. 86-97.1° Módulo do Curso Regional Centro-Oeste de Formação de Educadores e Educadoras em Concepção e Prática Sindical e em Metodologias – Brasília (DF), 06 a 12 de agosto de 2007

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sem sucesso. Foi uma frase do procurador do estado que operou como senha para a resistência:

"Não há grota na região? Pode haver cadeia para um, dois, mas não para quinhentos."17

É no momento em que o Estado reconhece a impossibilidade de fazer cumprir a lei e propiciar garantias de permanência na terra aos posseiros que o cenário para a luta se configura. Com a presença e atuação dos militantes do PCB na região de Formoso já a mais de um ano e seu encontro com Porfírio em Trombas, região onde tinha prestígio e onde sua roça fora queimada pelos grileiros, inicia-se uma nova fase da resistência. Entretanto, percebe-se uma diferença quanto à forma de intervenção do partido na região, diferenciada de intervenções anteriores. Este Núcleo Hegemônico, formado de quadros camponeses e militantes no partido tinha por característica marcante uma grande experiência e capacidade criativa resultante das atividades partidárias desenvolvidas na CANG. José Ribeiro bem coloca que:

"Agora, a facilidade que teve aqui da gente organizar o povo é porque havia o espírito de revolta do povo aqui. O Povo estava ameaçado, eles sabiam se não tomasse posição não tinha outra saída(...) e principalmente nós trabalhávamos no cabo da enxada, da foice, do machado, fazendo cerca, carpindo roça, colhendo arroz, junto com o povo aqui, ombro a ombro, cada um tirou sua posse, seu pedacinho de terra. Eles viram nós também como camponês igual a eles. Não viemos aqui como corpo estranho aqui. Vocês fazem isso, fazem aquilo. Não, aqui nós viemos prá cá viver a vida aqui, ombro a ombro, comer o feijão com arroz, ás vezes sem sal, as vezes sem manteiga, passar fome junto com eles, viver a vida junto com eles, viver a vida junto com eles aqui e por isso nos ganhamos a confiança deles (...)."18

Estes militantes, ao se fixarem na posse, souberam com habilidade organizar os posseiros a partir de especificidades locais,

17 Depoimento do Procurador do Estado Dr. Everaldo de Souza in Jornal 'O Movimento', São Paulo, 21/08/1978. 86Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

18 Entrevista de José Ribeiro ao autor in CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues da. Op. cit. p. 154. 87 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

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particularmente em sua reivindicação maior, "a luta pela terra" e paulatinamente foram realizando reuniões, superando dificuldades de toda ordem, em especial em relação ao espectro do "comunismo". Geraldo Marques comenta que: "Nós só sabia que qualquer coisa que a gente fizesse tinha de ser coletiva e democrática. Só a participação da maioria é que valia. Então nós começamo a investigá como os posseiro compreendia a luta de classe e apontar os inimigo principal e seus direito. Bom, a aceitação do povo quando a gente dizia que era comunista era difícil.

Mas era engraçado, tudo que o partido propunha, desde organização da resistência, visando o coletivo, a criação da associação dos trabalhadores rurais até a luta armada, a maioria dos camponeses concordava. Só não concordava com o comunismo (...). A região era muito grande e a gente tinha que se deslocá sempre, porque o povo discutia a proposição do partido, concordava, dava de comer a gente, mas não deixava dormir (...) Isso de não deixar dormir dificultava tudo, porque o trabalho não rendia. Eles tratavam a gente bem porque a gente era camponês também, e eu via que eles tinham vontade de participá da luta que nós propúnhamos, porque era justa a reforma agrária, mas o medo não era do programa do partido, era do comunismo, que nem eles sabia o que era (...) Nós ficamos um ano andando de casa em casa, explicando tudo, a gente logo conseguiu muito nego macho, mas não era maioria e o coletivo tava acima de tudo (...)." 19

O encontro deste núcleo com Porfírio representou uma nova fase de articulação na qual a resistência e direcionamento político da luta apontaria para uma nova dimensão de organização, já que significava a possibilidade de quebra de resistência de boa parte dos posseiros em relação aos comunistas, face ao grande prestígio destes na região de Trombas. Algumas fontes pesquisadas apontam o líder como um elemento próximo ao PCB em um período anterior à sua ida à região e em Formoso. Naquele momento, o trabalho em curso já apresentava resultados positivos, com elementos novos e atuantes incorporados decisivamente à

19 Entrevista de Geraldo Marques a Maria Esperança Carneiro in CARNEIRO, Maria Esperança. A Revolta Camponese de Formoso e Trombas, Goiânia, Ed. Ufgo, 1988, p. 129. 88 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

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resistência e, como foi dito, com muitos deles e outros que lá chegavam todos os dias, expulsos de outras terras e até originários das lutas do arrendamento no estado na década de 50.

A REVOLUÇÃO NA ORDEM DO DIAA segunda etapa do movimento é caracterizada pela via

armada. Esta, a rigor, não era contigencial às características da região, mas resultado coerente da linha do "Manifesto de Agosto" e reafirmada politicamente nas teses do IV Congresso. Por esta razão e como conseqüência do momento, a estratégica de implementação e a tática de luta galvanizou o apoio da militância nas várias esferas do partido. Na região, o elemento organizacional instrumentalizado em um primeiro momento, e estendido para o núcleo do PCB como necessário à organização e à dinamização partidária, foi a fundação de uma Associação de Lavradores, viabilizada em 1955. Esta teve imediato e significativo respaldo entre os posseiros, além de nortear, através de uma grande mobilização e apoio de advogados do PCB vindos de Goiânia, a tentativa de garantir a permanência nas posses. Entretanto, o período em questão e mesmo o quadro regional foi o projeto de "Luta Revolucionária", demarcado historicamente a partir da intervenção dos militantes do PCB e da luta armada que perduraria até fins de 1957. Inicialmente, a posição do partido era ganhar tempo, tática necessária à acumulação de forças e ao fortalecimento da organização da luta. Assistentes do Comitê Central começaram a circular na área após a partida de Gregório Bezerra e, paulatinamente, a tese da intervenção revolucionária começou a ganhar forma20 e, para viabilizar este processo, entrou em cena uma rede de apoio e solidariedade à luta de Formoso com a realização de campanhas de captação de recursos para a compra de armas, sendo os vários pontos de apoio do PCB mobilizados de formas variadas. Tais pontos de apoio, com o desenvolvimento da luta e a intensificação da repressão, extrapolaram a esfera estritamente partidária e uniram a classe política de oposição ao governo de Goiás. Com o desenrolar dos acontecimentos,

20 CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues da. Op. cit. cap. III.

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também a imprensa regional e nacional foi despertada e provocada para debater o assunto. A dinamização da luta por toda a região ocorre precipitada por um incidente nas terras do posseiro Nego Carreiro. Na ocasião, o grileiro João Soares (homônimo do quadro do PCB enviado à região) e seus jagunços, juntamente com a polícia, foram cobrar a taxa de arrendamento e expulsar os posseiros do local. Conhecido por sua valentia, Nego Carreiro resiste, tendo como saldo um sargento morto com um tiro na testa e um soldado com uma orelha a menos. A região transforma-se em campo de luta21. Este fato obteve notável repercussão em toda a região e, a partir dele, a liderança dos posseiros adota uma atividade clandestina móvel, alternando o refúgio entre vários locais e procurando organizar política e militarmente os posseiros em toda a região. Piquetes com número reduzido de integrantes e espalhados nas várias entradas da região são formados e nos pontos principais, começa o enfrentamento esporádico entre a polícia e os jagunços. Neste contexto de confronto, a tática de luta inicialmente utilizada, face ao pouco armamento e às escassas munições, consistia em fustigar com alguns tiros o inimigo que se aproximava e recuar para outro ponto determinado, evitando um confronto direto. Percebe-se certa semelhança com as táticas utilizadas por Mao Tse Tung na revolução Chinesa pois eram populares seus ensinamentos entre os posseiros. Várias fontes indicam que houve algum treinamento militar no período (e em períodos posteriores) por parte de assistentes do partido22. Entretanto, a criatividade resultante das precárias condições existentes viabilizou formas de mobilização e intervenção extremamente significativas. Um exemplo foi o estabelecimento de uma rede de comunicações integrada às várias áreas do conflito, com o objetivo de vigiar as entradas de acesso; este aspecto foi fundamental à defesa e ao êxito da luta e teve na participação das mulheres e das crianças seu eixo nuclear. Neste sentido, ocorre um processo de mobilização que se consolida paulatinamente a partir da ação interveniente dos militantes do partido e que também origina uma 21 CARNEIRO, Maria Esperança. A Revolta Camponesa de Formoso e Trombas. Op. cit. 89 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

22 CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues da. Op. cit., cap. III.

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organização com impulsos crescentes, resultantes do aproveitamento do trabalho comunitário tradicional existente entre os camponeses, como os mutirões. Posteriormente, ocorre o estabelecimento dos "Conselhos de Córregos", como decorrência deste trabalho interativo e de uma ação coletiva constante, particularmente no período 1956-1957. Estas mediações, ainda que sujeitas à polêmica em relação à sua data constitutiva, caracterizaram-se como organismos auxiliares com o objetivo principal de facilitar a ação da Associação dos Lavradores e dinamizar as tarefas e atividades em toda a região, como também procurar estabelecer um difícil controle na medida em que eram muitas as vias de acesso23. Ribeiro comenta, sobre a questão, que: "(...) A Associação criou um conselho, que de distância em distância mais ou menos uns 10 Km, 5 Km, 8 Km, criava um conselho com área demarcada. Aquele Conselho atuava dentro daquela região e todos os problemas dali era resolvido por aquele Conselho da Associação, eleito democraticamente pelos próprios posseiros da área. Os conselhos surgiu em 1957, a gente funcionava mesmo depois de 1957 (...) existia (antes de 1957) a Associação só, mas os Conselho não existia não (...)."24

Nesta fase ocorreram vários choques, sendo que o principal confronto armado foi a Batalha de Tataira. Os posseiros, apesar de estarem em pequeno número e acantonados em um piquete, forçaram, na ocasião, o recuo de grande número de soldados, com muitas perdas entre eles. A partir deste momento, espalhou-se a notícia de que os posseiros tinham uma força incalculável, resultando em forte impacto psicológico sobre os habitantes da região, a sociedade civil e o governo. Este foi um período de impasses e tensões, caracterizado por momentos espaçados de trégua, com escaramuças com os jagunços e soldados, e que teve uma duração aproximada de três anos. Em fins de 1957, a partir da aparente vitória dos posseiros, o governo do estado resolveu intervir enviando reforços significativos, que ficaram aquartelados em Porangatu à espera de uma ordem para invadir a área. Em Formoso, o PCB e, principalmente,

23 Idem, ibidem. 90 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas 24 Entrevista de José Ribeiro ao autor in CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues da. Op. cit. p. 173. 91 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

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seu núcleo hegemônico, tinha por resultado um alto grau de mobilização dos posseiros na luta e na conscientização de seu objetivo em permanecer na terra, ainda que o controle efetivo da área fosse precário e muitas as dificuldades. Face ao impasse, alguns fatores entraram em cena e a política de intervenção do governo ficou condicionada aos mesmos e, por esta razão, aumenta a necessidade de cautela e prudência. Inicialmente, um aspecto a considerar foi a determinação dos posseiros em resistir, pautada por um eficiente processo de organização político-militar. Acrescente-se a isso a habilidade com que os membros do PCB procuraram centralizar a resistência na figura carismática de José Porfírio, colocando, para o público externo, a secundaridade da participação do partido. Em correlação a estes aspectos, instala-se em várias cidades do estado de Goiás (particularmente em Goiânia e Anápolis) uma rede de solidariedade, articulada e impulsionada pelo PCB, com forte apoio da opinião pública, fazendo com que o governo recuasse na decisão de intervenção direta. Tanto a imprensa regional como a nacional fizeram reportagens denunciando a violência por parte do governo e sua postura ambígua, exigindo um posicionamento específico com relação ao conflito. Outros fatores importantes foram: o apoio de parlamentares estaduais e federais que se opunham ao PSD, que governava o estado e uma considerável mobilização da sociedade civil, particularmente configurada na atuação de estudantes, intelectuais e profissionais de várias categorias onde o PCB tinha penetração considerável. Estes fatos geraram um grau de apoio e mobilização inéditos até então em Goiás, especialmente relevante no momento em que as eleições se avizinhavam. A Igreja Católica, tradicionalmente conservadora e aliada aos setores mais atrasados da aristocracia rural, permaneceu em prudente silêncio público sinalizando ambigüidade sobre a questão, ainda que ocorresse, por parte de alguns prelados, uma discreta simpatia à causa dos posseiros. Ao que parece, decorrente desta mobilização, instala-se, ao final de 1957, uma comissão parlamentar de inquérito conduzida por parlamentares de oposição e que obtém algum resultado político, uma vez que acontece a retirada das tropas do governo pouco tempo depois. Ainda que seja um

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aspecto pouco explorado, acredito que não se pode descartar a interferência do governo federal na ocasião, interessado em melhorar a imagem do Estado de Goiás, objetivando superar a forte resistência nacional contra a transferência da capital federal para o centro-oeste goiano (cerca de 200 km em linha reta de Formoso) e possibilitar o prosseguimento do projeto da construção de Brasília. O impasse criado pela determinação dos posseiros em resistir, a pressão popular e pública e as eleições que se aproximavam colocavam o governo estadual em situação delicada. Um confronto seria inoportuno e desfavorável. Neste cenário, percebe-se, para o PCB, um momento privilegiado de unidade e empenho, que possibilitou a convergência programática e a ação de todo o partido em uma única tarefa. Abalado que estava com as denúncias do culto a Stalin, tanto a nível regional como nacional, o partido passa, regionalmente, por uma certa rearticulação que teve a participação direta de assistentes do Comitê Central. Por esta razão, o PCB se legitima como um forte instrumento de pressão e como um efetivo canal de negociação em busca de uma solução política para a crise. Ao que parece, foram estes fatores dialeticamente articulados com a mobilização popular e política, conjugada à resistência armada e a atuação do PCB no local e no estado, que forçaram o equacionamento tático da problemática de Formoso25. Entretanto, concretamente, ocorria naquele momento de vitória dos posseiros um esgotamento de suas forças e, neste sentido, o quadro geral se estabiliza, com eventuais atritos entre os jagunços e a polícia no período subseqüente.

EQUACIONAMENTO POLÍTICO E CONSOLIDAÇÃO Esta etapa do movimento de Formoso pode ser situada a partir

do momento em que ocorre um reequacionamento das forças políticas do estado com o início do mandato tampão do governador José Feliciano de 1959-1960 e que teve como política de estado excluir a região de uma integração econômica, ainda que também se abstivesse de intervir 25 CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues da. Op. cit., cap. III. 92 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

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militarmente na área26. O quadro político e social da região estabiliza-se e configura o terceiro momento histórico da luta na região, sendo que nos três anos seguintes ocorre uma fase de "Amadurecimento e Acumulação de Forças". Este período está caracterizado pelo aumento da produção local, pela procura de soluções para os problemas de escoamento da produção e também pela articulação política com o objetivo de atender às necessidades do cotidiano e equacionar questões várias na região. É também uma fase permeada de debates constantes e que, em última instância, transformou a Associação de Lavradores em governo efetivo do território. A estratégia de ação desenvolvida pela Associação (núcleo hegemônico do PCB) consistia no aproveitamento do período de trégua para a articulação de um leque de alianças regionais que tinha por objetivo consolidar conquistas e propiciar condições mínimas de apoio infra-estrutural à região. Inicialmente, o partido viabiliza uma aliança tática com o prefeito do município vizinho de Amaro Leite e teve o retorno positivo da máquina administrativa para o atendimento de algumas demandas locais na região, como estradas e escolas. Pouco depois, ocorre a eleição de dois vereadores -membros do PCB -, representantes de Formoso na câmara municipal, ampliando o leque de forças aliadas (como também potencialmente neutralizáveis) à causa dos posseiros. Ainda que positiva, essa conjugação de esforços não supria as necessidades e carências daquela região e, por esta razão, a Associação também assume, na área, várias tarefas de governo - como resolver pendências entre posseiros, atendimento médico e até religioso - enquanto, paralelamente, procurava aumentar o grau de organização, como também de vigilância. Como bem coloca Abreu:

"O ideal de justiça rápida e barata, tão badalado nos encontros de juristas e todavia, cada vez mais distante, em Formoso era uma realidade. Quando em 1958, o governo do estado se convenceu que não poderia continuar ignorando a existência de Formoso e Trombas, estas duas vilas eram, em todo o estado, as que apresentavam o mais baixo índice de criminalidade. Em quatro anos não ocorrera, em nenhuma das

26 ABREU, Sebastião. Op. cit., 1985, p. 73-82. 93 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

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duas, qualquer homicídio ou lesão corporal de caráter doloso. Apenas alguns casos de furtos foram registrados e as poucas brigas geralmente aconteciam entre rapazes e eram motivadas por disputas amorosas. Afinal, Formoso e Trombas eram Brasil."27 Os mutirões que já eram freqüentes no período resultaram no processo de luta e organização em uma nova forma de ação solidária chamada "traição", ou seja, o apoio a posseiros recém - chegados e àqueles que enfrentavam dificuldades de plantio ou colheita. O caráter organizacional existente unindo a Associação dos Lavradores e os Conselhos de Córregos na primeira fase (1955 à 1957), caracterizado por ser um elo extremamente sólido na unificação da luta, nesta nova fase teve que ser dinamizado e reestruturado para se adaptar à nova situação, atingindo um impulso considerável que perduraria até 1964. Estes vários elementos conjugados e o rígido controle social, político e até militar em toda a região até meados de 1962 deram origem à mítica história da existência da "República ou território livre de Formoso e Trombas". Uma outra fase importante neste rico processo autônomo de governo e participação democrática se seguiu e pode ser delimitada pela eleição de Mauro Borges em 1960, que teve o entusiasmado apoio do núcleo de Formoso (à revelia da direção estadual do PCB). Ele, se eleito, prometia a titulação das posses da região. Neste sentido, um quadro de dificuldades advindas de outra ordem e de enorme complexidade se aproximava28.

IMPASSES E TENSÕES DE UMA NOVA FASEEste período de luta posterior a 60, com outras formas de

organização e intervenção tornou-se bem mais complexo e passou a exigir novas soluções, decorrentes, principalmente, do processo de transformação econômico-social da região: ou seja, o avanço capitalista no campo que tem início na metade dos anos 50 através da CANG é acelerado no começo dos anos 60 com a construção de Brasília e com a integração do meio-oeste e do norte do estado de Goiás. Penso, por esta 27 ABREU, Sebbastião. Op. cit., p. 96.28 CUNHA, Paulo Ribeiro Rodrigues da. Op. cit., cap.IV. 94 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

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razão, que se configura em 1960 até o golpe de 1964 o quarto momento histórico da luta de Formoso: a fase de "refluxos e impasses", que pode ser delimitada a partir da gradual quebra do isolamento da região das conversações sobre sua integração político-institucional na vida do estado e da consequente necessidade de equacionamento do problema fundiário. Paralelamente, vive-se um período de ricos debates no país, ocorrem grandes transformações e o PCB também entra em processo de redefinição. Conjuntamente, ocorre a entrada de outras forças de esquerda como agentes influentes e intervenientes no campo, particularmente em Goiás. No estado, também se verifica uma ampla renovação política, com a eleição de Mauro Borges para o governo, apoiado em um amplo leque de forças políticas que incluía a participação do PCB no governo. Estes fatores refletem uma política de modernização gradual da estrutura do estado, como também de renovação de grande parte do corpo legislativo estadual eleito em 1962. É no desafio deste novo contexto histórico e político que o núcleo hegemônico do PCB e os posseiros de Formoso estão inseridos; este contexto não foi livre de tensões. Neste curto período de um ano em que o partido, em Goiás, foi se redefinindo política e organicamente na luta interna advinda da crise do XX Congresso do PCUS, a correlação de forças orientadas por setores do Comitê Central já apontava para uma nova linha de atuação mais intimamente ligada aos grupos de base camponesa. Um primeiro indicativo desta proposição e redefinição é a eleição de José Ribeiro, de Formoso, como membro suplente do Comitê Central. Ao que parece, naquele momento, as condições de reequacionamento político-partidário estavam maduras, seja pela inserção e presença de muitos quadros dirigentes formados no processo de luta, seja pela experiência acumulada de ação e intervenção partidária nos vários conflitos em Goiás, como Formoso, Itauçú e outros movimentos. Estes elementos já apontavam para a necessidade de elaboração e incorporação de uma nova política, como também para a alteração do quadro dirigente, que tinha um eixo hegemônico urbano fundamentalmente formado por intelectuais. Percebe-se, neste momento, que Formoso veio a ser quantitativa e

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qualitativamente - juntamente com outras lideranças advindas do campo no processo de luta, - o eixo hegemônico que sinalizaria para uma nova composição política dirigente no estado, exemplificada na força e mobilização auferida pelo PCB na região, por ocasião da renúncia de Jânio Quadros, quando centenas de camponeses se mostravam prontos a intervir militarmente no movimento popular a favor da posse de Jango Goulart. Outro indicativo desta redefinição do PCB em Goiás ocorre na conturbada (mas vitoriosa) indicação de José Porfírio como candidato a deputado estadual em 1962, à revelia de alguns núcleos partidários urbanos; o mesmo acabou sendo eleito como o mais votado do estado29. Um outro momento ocorre nas eleições de 1962 em Formoso e Trombas, situação que possibilita ao Partido dinamizar-se internamente e, à Associação e aos Conselhos promoverem uma ampla mobilização e discussão de base com a população. A tarefa fundamental diante do novo quadro político era discutir e apresentar candidatos às eleições e apontar, para a massa camponesa, a importância de conduzir a luta pela terra e, principalmente, sua legalização. Como decorrência desta nova estratégia de intervenção, o núcleo hegemônico tinha como objetivo a emancipação do município, em um cenário diametralmente diferenciado das propostas norteadoras do início da década de 50. Mas o Partido, neste momento, também estava absorvido pela tarefa de receber e assentar os posseiros que chegavam e conduzí-los às novas áreas de posse. Colocava-se um desafio nodal: procurar estabelecer um debate no conselho e na associação sobre o problema organizativo, tendo por objetivo dar continuidade ao processo de conquistas. Geraldo Marques esclarece o trabalho desenvolvido na região e, sobre o tamanho das posses, conta: "Nós tiramos decisão que posse só até 103 alqueire. Quanto mais perto do povoado tivesse a posse, só podia ser de 50 alqueires, quanto mais longe, só podia ser 50 até 103 alqueire. Tinha que todo mundo respeitá a resolução. A Associação mediava tudo isso."30

29 Idem, ibidem.30 Entrevista ao autor. 96 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

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Antônio Granja, membro do Comitê Central e o assistente político que provavelmente melhor conheceu e influenciou nos acontecimentos de Formoso, coloca a respeito da incorporação da reivindicações do campo pelo PCB:

"O motivo da eleição de Ribeiro foi porque com a Declaração de Março de 1958, nós tínhamos que renovar o partido, dentro de outra concepção, que não era a indicação do centro para a periferia e sim daqueles valores que se destacavam aonde quer que seja o território nacional. Por outro lado, a minha pessoa influiu muito porque assistindo Formoso, gostaria que tivesse um quadro de Formoso, nunca tinha dito isso pra eles, um quadro de Formoso no Comitê Central, isso ia ajudar a tarefa né? E o quadro mais político de Formoso se chamava José Ribeiro, ele era o secretário político, era um homem muito inteligente, manhoso (...) não passava por ele assim (...) qualquer tipo de aventuras, ele jogava no seguro (...) no certo."31

O NÓ GÓRDIO DE FORMOSO E TROMBAS A expressão Nó Górdio ilustra os impasses em que se

encontram os movimentos sociais rurais no Brasil. Um dos elementos constitutivos desse Nó Górdio32 um Formoso e Trombas seriam as condições de normalização política, que permitem um razoável grau de desenvolvimento econômico que se reflete no aumento da produção de grãos e no comércio progressivo. Estes fatores apontam para o surgimento e aumento de novas necessidades até então inexistentes ou relegadas a um plano secundário pelos posseiros, preocupados que estavam em um primeiro momento em garantir a posse da terra. Na medida em que as necessidades de incremento da produção se impõem e uma razoável possibilidade de trabalho se verifica pela chegada de muitos posseiros advindos de outras regiões e, particularmente, com um cenário político de relativa estabilidade, ocorre em Formoso o surgimento de uma

31 Entrevista de Antonio Granja ao autor.32 "O Oráculo afirmara que aquele que conseguisse desatar o intricado nó dominaria a Ásia. Alexandre cortou o nó com uma espada, cumprindo ou iludindo o vaticínio". São Paulo, Martins Fontes, 1973, pág. 162. 97 Cadernos AEL, n. 7, 1997Paulo Ribeiro da Cunha

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diferenciação social. Este processo se acentua verticalmente nos anos seguintes ao processo de transformação capitalista em todo o estado de Goiás, quadro que se agrava com as políticas de intervenção de governo e também na medida em que ocorre, paralelamente, o refluxo do PCB e seus militantes na elaboração de estratégias para superar os impasses. Decorrente destas tensões, percebe-se, nas várias esferas partidárias a impossibilidade de incorporar conscientemente os novos posseiros ao processo histórico da luta em uma etapa superior e superar uma velha concepção de posse como propriedade da terra, bem como viabilizar novas relações de trabalho originárias desta nova forma de produção. Isto leva a uma aproximação com políticas nacionais, o que coloca o problema de novas alianças. No período 1962-64 temos vários fatores intervenientes e, ao mesmo tempo, conflitantes no processo de transformação em curso na região. Politicamente, verifica-se o atendimento da principal reivindicação dos posseiros, ou seja, a posse da terra e o início da legalização. O Partido também estaria envolvido em um fecundo debate interno a nível nacional (decorrentes da ruptura do Culto à personalidade de Stalin), com reflexos a nível estadual e local. Entretanto, na região, as razões para a crise foram de outra ordem. Paralelamente aos reflexos sociais e políticos decorrentes do processo de alteração econômica em curso verifica-se a impossibilidade dos novos posseiros se identificarem neste curto período com um passado de luta revolucionária recente e se transformarem em quadros para intervir nas novas condições que o momento exigia. E, como um elemento importante e polêmico a somar-se à crise partidária, resultante da tranqüilidade política e dos bons ventos econômicos - promissores de prosperidade - verifica-se o afastamento de muitos dirigentes da militância partidária. Como esclarece José Ribeiro: "A partir de nós mesmos aqui da direção (...) cada um se preocupou mais com suas coisas pessoais, com sua terra, com seu ganho, fazer um capitalzinho e também se preocupava mais com os Conselhos da associação, porque os conselhos da associação é que dirigia a organização de massa (...)."33

33 Entrevista de José Ribeiro ao autor.

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O desafio da continuidade da luta revolucionária em Formoso estava posto e, de certa forma, permaneceu inconcluso34. Curiosamente, alguns fatores entraram em cena. As tensões latentes acumuladas historicamente entre o núcleo do partido em Formoso e o Comitê Estadual - anteriores às divergências na escolha do candidato a governador, à candidatura de José Porfirio e aos descompassos da atuação deste com a orientação política, além da crise interna do PCB em Formoso - propiciaram uma definição tática e pontual para uma redefinição da questão. Algumas fontes como o jornal "O Movimento" apontam para a tese de que Porfírio estaria para ser expulso do PCB face às divergências, aspecto este que não foi confirmado por nenhuma entrevista ao autor. K. Dibb, primeiro secretário regional do PCB até o golpe, dá a sua versão e é enfático: "Esperar a inexistência de contradições é um absurdo; agora uma coisa é certa, essas contradições em nenhum momento durante o período que eu estive lá, nenhuma contradição bastante séria, contradições internas dentro do Partido levou em nenhum momento a idéia de afastamento do Zé Porfírio, nem do Partido, nem da associação (...)." 35.

Tudo indica que o desafio e a superação da crise partidária no local começaram a ser equacionados a partir do momento em que o Secretariado estadual procurou, sob várias alegações, intervir na destituição de Geraldo Marques (tido como ardoroso stalinista) de todas as suas funções no PCB, o que propiciou, para o núcleo zonal, sua rearticulação ao recusar esta proposição. Por este fator de inabilidade e devido às tensões não resolvidas mas historicamente acumuladas ocorre o reencontro "unitário e dinamizador do núcleo hegemônico" do PCB em Formoso, que se rearticula com a finalidade de se redirecionar politicamente para as tarefas que se impunham e de viabilizar estratégias (ainda que tímidas) de intervenção. Sebastião Gabriel Bailão, prestigioso líder camponês da 'Revolta de Itauçú' e membro da Direção Estadual comenta que: "Lá estava surgindo o seguinte: muitas coisas em vez de serem discutidas com a direção estadual aqui (...) estava vindo decidido 34 Idem. 98 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas35 Entrevista de K. Dibb ao autor. 99 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

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direto (...) de certa maneira no nosso partido também existe hierarquia, né? (...) Nós tínhamos que mudar (...) tinha que substituir, fazer lá (...) tirar uma resolução no Formoso, transmitir o poder central aos conselhos, né? Para se criar uma nova direção para o comitê de zona lá, do partido (...) o momento estava mudando tanto que já estava havendo contradição (...) E nós estávamos achando por bem fazer uma mudança, trazer elementos daqueles conselhos para assumir a responsabilidade como dirigente do Partido, né? E isso é obvio, em tudo quanto é organização (...) na maneira que nasce o novo, esse velho tem substituir (...) esse velho as vezes não está caminhando mais (...), quer dizer que existia elementos do partido lá, da direção que já estavam um pouco desrespeitando um pouco o fundamental da linha política do partido lá (...), nós tinha que intervir, mas infelizmente não foi possível por causa do golpe (...)."36 O processo foi abortado por falta de condições políticas – tendo ficado restrito a algumas esferas do Comitê Estadual - , mas, principalmente, devido aos novos rumos em curso que indicavam a possibilidade de um compromisso e de uma efetiva rearticulação partidária em um fórum privilegiado: o Encontro Camponês de Goiânia, em fins de 1963. Ou seja, era um momento histórico de redefinição, que resultaria na perspectiva de uma nova etapa de atuação partidária com reflexos perceptíveis e amadurecidos em todos os setores do PCB no estado, e mesmo a nível nacional. Entretanto, em Formoso, ainda com os rumores de golpe em curso na virada de 1963-1964, a estratégia do PCB apontava basicamente para três linhas de intervenção face às alterações sócio-econômicas e às tarefas partidárias a serem equacionadas politicamente com urgência. Uma primeira linha: a relação de poder entre a associação, os conselhos e o novo poder legalmente instituído com a emancipação do município de Formoso e a implantação da prefeitura. Havia indícios de ser esta uma questão equacionada com a rearticulação do "zonal" do partido, sendo este o elo dinamizador de todo o processo, pautado em uma certa herança e tradição que resultou em uma interessante simbiose de articulação

36 Entrevista de Sebastião Gabriel Bailão ao autor. 100 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Redescobrindo a História: A República de Formoso e Trombas

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política. Como bem comenta Dirce Machado quando afirma que as eventuais divergências entre o Partido e a associação.

"(...) eram resolvidas de uma maneira mais prática, democrática mesmo, discutindo, trocando idéias até chegar uma conclusão. Às vezes eram esclarecidos até no organismo de massa da Associação e a minoria aceitava a decisão da maioria (...)."37

Um outro ponto a destacar é a relação entre a Associação e o sindicato rural, também com indicativos de controle efetivo político e partidário, sem grandes conflitos aparentes. Entretanto, percebe-se que, devido ao crescente número de trabalhadores assalariados em Formoso, um problema colocava-se no horizonte: já que o sindicato poderia, em um futuro próximo, constituir-se em instrumento de representação e de reivindicação diferenciado (e talvez autônomo e conflituoso) da Associação, deveria ter como associado o posseiro em vias de se tornar pequeno proprietário de terra. E, por fim, o debate e delineamento do projeto de uma cooperativa agrícola de produção e consumo que veio a se constituir no terceiro e maior desafio do PCB em Formoso para equacionar as contradições existentes e superar politicamente, através de uma via considerada revolucionária, as conquistas obtidas até então com a posse da terra e a inserção capitalista da região, projeto abortado com o golpe de 64. Esta cooperativa chegou a funcionar embrionariamente por pouco tempo. Antônio Granja conta, ceticamente: "(...) já não havia a necessidade que havia antes de reunir toda a semana, de você se deslocar da sua casa, ficar oito dias lá em Trombas (...), porque minha propriedade ia se desenvolvendo, precisava de minha presença mais freqüente (...) também dentro da minha casa eu não estava seguro, e lá estava preparando a resistência, preparando a retaguarda. Agora não, cada um vai cuidando de si (...) Agora estou cuidando de fábrica de aguardente, agora eu tenho que cuidar do gado (...) E antes você deixava dias a mulher em casa, né? Ela tomava conta do trabalho na roça, dos porcos, do gado (...) Agora não, precisava da presença do homem (...) Já não tenho tempo pra reunir, e você sabe o que é o campo. O campo você

37 Entrevista de Dirce Machado ao autor. 101 Cadernos AEL, n. 7, 1997 Paulo Ribeiro da Cunha

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montava num burro, ou ia a pé, de manhã pró meio dia chegava em Formoso ou em Trombas (...) não era um negócio assim como na cidade..., você vai perder um dia, dois dias (...) Então eu digo, não havia condições reais para naquela direção ou impedir a desagregação (...)."38

Com o golpe, ocorre um processo de mobilização e de expectativa quanto aos rumos dos acontecimentos também e, reencontro do grupo inicial de 1954, juntamente com outros quadros do Partido formados no processo de luta de Formoso e outros advindos da capital. Definida a situação a favor dos golpistas, um debate interno polariza-se entre Porfírio - que queria resistir ao golpe, ainda que isoladamente e o Partido, que, unitariamente, decide pelo recuo face à gravidade dos fatos. Porfírio é isolado e as armas existentes são escondidas na serra. As lideranças caem na clandestinidade e pouco depois a região é invadida pela polícia. Aqui começa uma nova fase da República Socialista de Trombas a ser escrita, uma história que ainda hoje está na memória do povo.

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38 Entrevista de Antonio Granja ao autor.

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SistematizaçãoJoão Francisco de Souza (O que é Sistematização? CUT 2000)

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SistematizaçãoOscar Jara (O que é Sistematização? CUT 2000)

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