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A sociedade começou a ser vista como um problema a ser compreendido e explicado na segunda metade do século XVIII, quando o franco-suíço Jean-Jacques Rousseau escreveu se u Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755 - veja a seção Textos complementares no fim do capítulo). Por essa época, a Inglaterra começava a ingressar na Revolução Industrial, que agravaria os problemas sociais entrevistos e denunciados por Rousseau. Logo depois, a Revolução Francesa (1789) abalaria a estabilidade europeia, revelando o caráter histórico - ou seja, transitório e não eter- no - das sociedades. Foi nesse contexto de crise que nasceu a Sociologia, disciplina voltada para o estudo das relações sociais. N este capítulo abordaremos algumas ideias dos fundadores da Sociologia e os fundamentos da nova ciência.

Príncipios de Sociologia

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A sociedade com eçou a ser vista como um problema a

s er c omp re en did o e explicado na segunda metade do século

XVIII, quando o franco-suíço Jean-Jacques R ousseau escreveu

se u Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdadeentre os homens (1755 - veja a seção Textos complementaresno fim do capítulo). Por essa época, a In gla te rr a c ome ça va aingressar na R evolução Industrial, que agravaria os problem as

soc ia is ent re vi st os e denunciados por Rousseau. Logo depois,

a Rev olu çã o F ra nc es a (1789) abalaria a e sta b il id ade eu rope ia ,

revelando o caráter h istórico - ou seja , transitório e n ão eter-no - das sociedades. Foi nesse contexto de crise que nasceu aS oc io lo gia , d is cip lin a v olta da p ar a o e stu do d as r ela çõ es s oc ia is.

N este capítu lo abordarem os algum as ideias dos fundadores da

Sociologia e os fundam entos da nova ciência.

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C A P Í T U L O 2 P rin cíp io s d e S oc io logia

. , ., " - •~• ••

Observe e responda:

1. o que estão fazendo as pessoas que aparecem na foto?

2. Vocêjá presenciou alguma manifestação como essa? Onde e quando? O que pretendiam as

pessoas que se manifestavam?

3. Pode-se dizer que a foto registra algum tipo de ação social? Por quê?

26

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I Osprimeiros sociólogos

C A P Í T U L O 2 P rin cí pio s d e S oc io lo gia

Nascido dez anos depois da Revolução France-

sa, Augusto Comte (1798-1857) é tradicionalmen-

te considerado o pai da Sociologia. Foi ele quem

pela primeira vez usou essa palavra, em 1839, em

seu Cu rs o d e F ilo so fia Pos itiv a.

Comte afirmava que a sociedade deveria ser

considerada como um organismo vivo, cujas partes

desempenham funções específicas que contribuem

para manter o equilíbrio do todo. Ele atribuía parti-

cular importância à noção de consenso, ou seja, àsideias e crenças comuns, partilhadas por todas as

pessoas de determinada sociedade, que seriam as

responsáveis por manter a ordem nessa sociedade.

Com seu "método positivo" de conhecimento,

Comte procurou formular as leis gerais que regem

a sociedade. Mas foi com Émile Durkheim (1858-

-1917) que a Sociologia passou a ser considerada

uma ciência.

Durkheim formulou os primeiros conceitos

da nova ciência e demonstrou que os fatos sociaistêm características próprias, devendo por isso ser

estudados por meio de métodos diferentes dos

empregados pelas outras ciências.

Durkheim e os fatos sociaisDurkheim pretendia fazer da Sociologia uma

ciência tão racional e objetiva quanto a Física ou a

Biologia. Mas, como fazer isso, se a Sociologia lida

com seres humanos que mudam a todo momento,

que têm sentimentos, emoções, ideias e vontade

própria, ao contrário dos fenômenos físicos oubiológicos?

Durkheim tentou resolver esse complexo pro-

blema postulando como princípio fundamental da

Sociologia que os fatos sociais devem ser consi-

derados como coisas, assim como uma reação quí-

mica é uma "coisa" para um químico, isto é, algo

objetivo, capaz de ser estudado, analisado, com-

preendido e explicado racionalmente.

Osfatos sociais seriam, assim, coisas externas

e objetivas, que não dependem da consciência in-dividual das pessoas para existir. Os fatos sociais,

dizia Durkheim, são "maneiras coletivas de agir ou

de pensar" que podem ser reconhecidas pelo fato

de exercerem uma "influência coercitiva sobre as

consciências particulares". Ou seja, os fatos sociais

têm existência própria e são capazes de obrigar

("influência coercitiva") as pessoas a se compor-

tar desta ou daquela maneira.

Evidentemente, nem sempre essa coerção pode

ser percebida como tal. Em muitos casos, simples-

mente nos comportamos como achamos que deve-

mos nos comportar. Entretanto, por trás dessa apa-rente liberdade irrestrita existem hábitos, costumes

coletivos, ou mesmo regras, que nós aceitamos como

válidas e nos induzem a assumir certas atitudes. Ve-

jamos como isso ocorre.

o p od er co ercitiv o d os fa to s socia isUm exemplo simples pode nos ajudar a enten-

der esse conceito. Se um aluno chegasse à esco-

la vestido com roupa de praia, certamente ficaria

numa situação desconfortável: os colegas ririamdele, o professor lhe daria uma bronca e prova-

velmente o diretor o mandaria de volta para casa

para pôr uma roupa adequada.

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C A PÍT U LO 2 P rin cíp io s d e S o cio lo gi a

Existe um modo de se vestir que é comum,

que todos seguem (nesse caso, os alunos da es-cola). Isso não é estabelecido pelo indivíduo.

Quando ele entrou no grupo, já existia tal norma

e, quando ele sair, a norma provavelmente per-

manecerá. Quer a pessoa goste ou não, ver-se-á

obrigada a seguir o costume geral. Se não o se-

guir, sofrerá uma punição (que pode ir, conforme

o caso, da ridicularização e do isolamento até

uma sanção penal). Omodo de se vestir é um fato

social. São fatos sociais também a língua, o siste-

ma monetário, a religião, as leis e uma infinidade

de outros fenômenos do mesmo tipo.

De acordo com Durkheim, os fatos sociais

são o modo de pensar, sentir e agir de um grupo

social. Embora eles sejam exteriores às pessoas,

I A contribu ição de M ax W eber

Enquanto Durkheim trabalhava na França,

na Alemanha destacou-se Max Weber (1864--1920), que defendia outro tipo de abordagem no

estudo da sociedade. Para Weber, os métodos de

investigação da Sociologia não deveriam seguir

o caminho aberto pelas Ciências Naturais, como

queria Durkheim. Isso porque os fatos humanos

têm também uma dimensão subjetiva - formada

pela consciência e pelas intenções das pessoas

-, o que não ocorre com os fenômenos da na-

tureza. Essa dimensão subjetiva, dizia ele, pode

e deve ser compreendida e interpretada pela

Sociologia.

Na concepção de Weber, a Sociologia é uma

disciplina interpretativa e não apenas descriti-

va. Para ele, não basta descrever as atitudes e

relações estabelecidas entre os indivíduos em so-

ciedade, mas é necessário também considerar e

interpretar o sentido que as pessoas atribuem às

suas próprias atitudes.

Esse método interpretativo só pode ser apli-

cado ao comportamento humano e é ele que mar-

ca, segundo Weber, a diferença entre as CiênciasSociais e as Ciências da Natureza (veja o boxe da

p. 29).

28

são introjetados pelo indivíduo e exercem sobre

ele um poder coercitivo. (Procure o termo intro-jeção no Dicionário Básico de Sociologia, no fim

do livro.)

Resumindo, podemos dizer que, segundo

Durkheim, os fatos sociais têm as seguintes ca-

racterísticas:

• generalidade - o fato social é comum a todos

os membros de um grupo ou à sua grande

maioria;

• exterioridade - o fato social é externo ao in-

divíduo, existe independentemente de sua

vontade;

• coercitividade - os indivíduos se sentem

pressionados a seguir o comportamento esta-

belecido.

Na seção a seguir abordaremos um dos con-

ceitos básicos da Soc io lo gia Compreens iva de MaxWeber: o de ação social. Quanto à contribuição de

Karl Marx, aspectos dela serão estudados nos ca-

pítulos 5, 6 e 7.

o conceito de ação sociaLWeber definia a Sociologia como "uma ciência

voltada para a compreensão interpretativa da ação

social e, por essa via, para sua explicação causal

no seu transcurso e nos seus efeitos". Desse modo,

o pensador alemão introduziu um novo ponto de

partida para a Sociologia, um novo conceito socio-

lógico, diverso da noção de fato social tal como foi

proposta por Durkheim. Esse ponto de partida é a

a çã o s oc ia l dos indivíduos.

Por ação social Weber entendia uma moda-

lidade de conduta dotada de sentido e voltada

para a ação de outras pessoas. Nem toda espécie

de ação, dizia ele, constitui uma ação social. Por

exemplo, não há contato social no fato de duas

pessoas se cruzarem em uma rua. Nesse tipo de

encontro casual não há propriamente ação social.Haveria apenas no caso de essas pessoas se cum-

primentarem, ou de conversarem, ou de entrarem

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C A P Í TU LO 2 P ri nc íp io s d e S o ci ol og ia

W eb er estava preocu pado com refutar a id eia de

uma determinação das diversas esferas da vida social

pel a econôm ica r . .] . Ao fazer isso, desenvolveu um a

c on ce pç ão q ue d esemp en ha p ap el d e ex trema im po rtâ n-

cia no seu esquem a analítico: a de que, no processo que

percorrem, as diversas esferas da existência - a eco-

nô mica, a religiosa, a jurídica, a artística e assim por

diante - são autô nomas entre si, no sentido de que se

articulam em cada momento e ao longo do tempo con-

forme à s ua ló gic a in te rn a e sp ec ífic a r . .] .Assim, não é possível encontrar a explicação do

d ese nv olv im en to d e uma d ela s em te rm os d o d ese nv olv i-

m en to d e q ua lq ue r o utr a. O máximo que se pode fazer é

buscar as afin ida des e a s tensões no m odo com o a orien -

tação da conduta de vida (ou seja, da a çã o cotidiana

d e a ge nte s in div id ua is ) se d á em e sfe ra s d ifer en tes . P or

es sa v ia p od e-se en co ntra r, ou não, uma conqruência

entre o s sen ti do s que o s homens imprimem à sua ação em

d ifer en tes e sfe ra s d a s ua e xistê nc ia e e xp or e ssa s d esc o-

b erta s a um tr atame nto ca usa l.

WEBER E O JlESPÍRITO DO CAPITALISMOJl

ax Weber aplicou sua Sociologia Com-

preensiva em diversos textos históricos.

Um dos mais célebres é A é ti ca pro te stan te e o espírito

do capitalismo. Nesse livro ele chamou a atenção

para a relação entre uma ética que valorizava o

trabalho árduo e o espírito de poupança, a ética

calvinista, ou puritana - um ramo da religião

protestante -, e o espírito racional da burguesia

dos séculos XVI e XVII. Em seu estudo, Weber

procurou destacar que as diferentes esferas da

vida social têm vida própria (autônoma), mas

se interinfIuenciam de forma constante.

N o e stu do so br e a " étic a p ro te stante e o espírito

d o capitalism o" , W eber procura va dem onstra r a exis-

tê nc ia d e uma ín tim a a fin id ad e e ntre a id eia p ro te sta nte

d e " vocação" e a co ntenção do im pulso irracional para

o lucro através da atividade m etódica e racional, em

b usca do ê xito eco nô mico rep resentado p ela em presa.

P or e ss a v ia , a pr es en ta va-se a ideia de que um determi-

nado tiPo d e orientação da condu ta na esfera religiosa

- a é ti ca pro te st an te - p od er ia se r e nc ar ad o c om o uma

ca usa do d esenvolvim en to da cond uta racional em m ol-

des cap it al is ta s na esf era econôm ica. r . .]L evantar a ideia d e que a ética protestante possa

s er e nc ar ada c omo um componente c au sa l s ig nific ativ o

para o desen vo lvim ento do ca pitalism o m oderno (en-

tendido com o tipo de orientação da ação econô mica)

im plica sustentar que, na hipótese da sua ausência, o

capitalismo não existiria na forma como o conhece-

mos. A contrapanida lóg ica disso é a hipótese d e que,

sem pre q ue a ética religiosa de so ciedades historica-

m en te d adas te nh a c ar ac te rís tic as s ig nific ativ amen te

diversas da protestante, isso deveria representar um

obstáculo ao desenvolvimento de uma orientação da

co nduta eco nô mica análoga à cap it al is ta rac ional.

N o ca so e uro peu v er ific av a-s e uma a fin id ad e in te rn a

entre a orientação da conduta nas esferas religiosa e

econômica, na medida em que ambas ensejavam um

domínio racional sobre o s im pulsos irraciona is e

sobre o mundo, mas também pode haver uma tensão

entre os sentidos da s ações nessas d uas esferas da exis-

tência. r . .]

Adaptado de: COHN, Gabriel. Weber, 7. ed. São Paulo:

Ática, 1999, p. 23-5, Coleção Grandes Cientistas Sociais.

Osnegodantes de tecidos, te la d o p in to r h ola nd êsR emb ra nd t v an R ijn (1 60 6-1669). V estidasso br ia me nte, a s p esso as r ep re se nta da s n a te lae nc ar nam o " esp ír ito d o c ap ita lism o" n os te rm o s

d e Webe r: f ru ga lid ad e, e sp ír ito d e p ou pa nç a, tr ab alh od ur o e sistem átic o, e tc .

29

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C A P ÍT U L O 2 P rin cíp io s d e S ociologia

em conflito, ou ainda no caso de ambas pratica-

rem qualquer ato com significado próprio voltadopara uma terceira pessoa. São ações sociais, por

exemplo, um jogo de futebol, o contato amoroso

entre duas pessoas, uma greve de trabalhadores,

uma aula, um ato religioso, etc.

Um desdobramento do conceito de ação

social é o de re la çã o s oc ia l. Ele diz respeito a

ações de diversas pessoas, ou agentes, dotadas de

sentidos mutuamente relacionados. Nesse caso,

a conduta dos agentes se orienta para sentidos

compartilhados por todos. Por exemplo, as ações

praticadas por pessoas no interior de uma famí-

lia constituem uma relação social, pois há um

significado coletivo compartilhado por todos os

membros da família. Esse significado orienta aação de cada pessoa dessa família levando-a a

cultivar certos valores aceitos por todos, como o

respeito pelos pais, o afeto comum, o usufruto

de bens como a casa onde moram, de seus uten-

sílios, etc.

A explicação sociológica em Weber - afirmam

Maria Ligia Barbosa e Tania Quintaneiro em U m to-

que de clássicos - busca compreender e interpretar

o sentido, o desenvolvimento e os efeitos da ação

social. Compreender uma ação social é captar e

interpretar sua conexão de sentido, que será mais

ou menos evidente para o sociólogo.

PROBLEMAS DA SOCIED ADE CONTEMPORÂNEA

o decorrer do século XX, com o desen-

volvimento da sociedade industrial e,

logo depois, da sociedade pós-industrial, que

se tornou cada vez mais complexa, a Sociolo-

gia ganhou novo impulso, passando a estudar

e a explicar problemas com os quais até então

não havia se defrontado.

Assim, temas como exclusão social, de-

sagregação familiar, disseminação das drogas,

violência urbana, cidadania, minorias, glo-

balização (veja o capítulo 3), crise ambiental

(veja o boxe da p. 31) e outros representam

desafios para os quais a Sociologia vem pro-

curando respostas. Estas exigem uma análisecientífica da vida em sociedade que permita

entender o presente e projetar o futuro. Nes-

se contexto, uma das preocupações da Socio-

logia contemporânea tem sido identificar os

agentes sociais capazes de provocar mudan-

ças importantes na sociedade.

Por outro lado, os conhecimentos da

Sociologia já não estão restritos aos sociólo-

gos. De certo modo, muitas pessoas passaram

a utilizá-Ios, embora nem sempre de forma

consciente e rigorosa. Isso ocorre porque al-

guns procedimentos e técnicas de pesquisa

30

social passaram a ser de domínio público.

Pesquisas de opinião (ou de mercado),

por exemplo, são utilizadas no lançamento

de novos produtos, como automóveis ou

apartamentos; na definição da plataforma

política de um candidato a cargo público; no

levantamento das taxas de popularidade de

um governador ou presidente; e assim por

diante. É por meio da pesquisa que o em-

presário, ao lançar seu produto, pode ficar

sabendo quais e quantos serão seus compra-

dores; o político, por sua vez, irá defender

pontos de vista que antecipadamente sabe

que interessam aos eleitores.Entretanto, o sociólogo não pode per-

der de vista a noção de relatividade dos fe-

nômenos sociais e as formas pelas quais esses

fenômenos ocorrem. A relatividade do fenô-

meno social pode ser percebida em diversas

situações. Consideremos, por exemplo, o

desemprego. Ele pode aumentar, caso sejam

introduzidas novidades tecnológicas que

afetem o mercado de trabalho, como novas

máquinas. Mas pode diminuir, mesmo com a

nova tecnologia, se a economia do país esti-

ver em expansão.

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C A P Í T UL O 2 P ri nc í p io s d e S ocio logia

Vocêjá ouviu falar do "efeito estufa"?Também conhecido como aquecimento glo-bal, o efeito estufa é o aumento exageradoda temperatura do planeta como resulta-do da emissão de certos gases, entre osquais o gás carbônico (C0

2), o metano e

o óxido nitroso. Esses gases retêm o calordo Sol na atmosfera, impedindo que ele sedisperse pelo espaço. Funcionam, assim,

como as paredes de vidro de uma estufa,que deixam entrar a luz e o calor do sol,mas dificultam sua dispersão. O CO

2sozi-

nho é responsável por 49% desse aque-cimento. Ele é produzido sobretudo pelaqueima de combustíveis fósseis (petróleoe carvão mineral) realizada por fábricas eveículos automotores (automóveis, cami-

nhões, etc.).O processo de aquecimento da atmos-

fera se tornou acelerado a partir de mea-dos do século XVIII, quando teve início,na Inglaterra, a Revolução Industrial (vejao capítulo 1). Com ela começou também autilização em grande escala do carvão mi-neral como fonte de energia para alimen-tar as fábricas. No século XIX, a SegundaRevolução Industrial introduziu o petróleo

como outra grande fonte de energia.Essadependência em relação ao petróleo

e ao carvão tem caracterizado a industria-lização não só dos países capitalistas, mastambém a dos países socialistas e continuaaté hoje. Em fevereiro de 2007, um grupode trabalho da O rg an iz aç ão d as N aç õe s U ni-

das (ONU)formado por 2 500 cientistas di-vulgou um estudo intitulado Painel In tergo-

v ern am en ta l d e M u da nç as C lim átic as (IPCC,

sigla da expressão em inglês). Segundo odocumento, o aquecimento da atmosfera e

as mudanças climáticas provocadas por eleatingiram hoje proporções alarmantes. Vejaa seguir alguns efeitos dessas mudanças cli-máticas provocadas pelo efeito estufa.

Em 2006, a calota gelada do Pala Norteestava 60 400 km2 (área equivalente a duasvezes o estado de Alagoas) menor do queera em anos anteriores. Segundo algumasprevisões, o gelo do Ártico terá desapare-cido totalmente até 2040. Os cientistas doIPCCcalculam que centenas de milhões depessoas terão sua vida afetada em brevepelo derretimento das calotas polares e daneve do cume das montanhas. Esse derreti-mento pode elevar o nível do mar em cercade 1,3 metro até 2080, provocando inun-dações em cidades costeiras como o Recife

e o Rio de Janeiro. Na foz do rio Ganges, nooceano Índico, uma ilha habitada por 10mil pessoas já desapareceu como resultadoda elevação do nível das águas do mar.

Vamos pensar?

Procure debater este tema com seus alunos.Sepossível, sugira que façamuma pesquisaemjornais, revistas, livrose internet e

discuta com eles o resultado em sala de aula.Peçaque respondamàs seguintes questões:

1. Emque consiste o efeito estufa equais serão as suas consequênciasnos próximos anos, segundo o IPCC?

2. Quais são os cinco países que maislançam gases de efeito estufa naatmosfera?

3. Oque o Brasil vem fazendo para

promover formas de energia limpa?

31

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CAPÍTU L O 2 P rin cíp io s d e Sociologia

3 A objetividade na análise sociológica

Uma importante característica da observação

científica é a objetividade. Diz-se que uma pessoa é

objetiva quando ela é capaz de considerar um fenô-

meno sem ideias preconcebidas, sem que se deixe

levar por razões pessoais e subjetivas. A objetivi-

dade consiste, portanto, em uma atitude de neu-

tralidade do cientista em relação ao fenômeno ou

objeto estudado. Também pode ser definida como

a possibilidade de o cientista obter resultados sem

que seus sentimentos pessoais estejam envolvidos.O problema, nesse caso, consiste em saber se

o sociólogo pode manter realmente uma posição

de neutralidade em relação aos fenômenos sociais

que observa. De fato, a objetividade é mais difí-

cil de conseguir nas Ciências Sociais do que nas

Ciências Exatas. Em Matemática, a soma de dois

mais dois é igual a quatro, seja ela feita por um

católico, um muçulmano ou um ateu. Em contra-

partida, no estudo de si mesmos e da sociedade,

os seres humanos podem se deixar influenciar porseus sentimentos, por ideias preconcebidas, pelas

crenças que adotam, pelos valores que aceitam e

pelos interesses do grupo social a que pertencem.

Além disso, os cientistas sociais têm também

maior dificuldade de submeter suas teses à expe-

rimentação. De fato, é muito difícil isolar grandes

grupos de pessoas e induzi-los a mudanças para ve-

rificar seus resultados, como se faz, por exemplo,

em Biologia ou em experiências de laboratório.

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D urkheim e M arx

As dificuldades enfrentadas pela Sociologiaem relação a essa exigência de objetividade nun-

ca foram plenamente resolvidas. Para Durkheim,

a objetividade científica só pode ser atingida em

Sociologia caso o sociólogo não se envolva com os

fatos estudados. Para isso, é preciso considerá-los

corno coisas externas. Essa é a condição para que

o sujeito do conhecimento (o sociólogo) se separe

do objeto do conhecimento (os fatos sociais).

Para Karl Marx, entretanto, essa separação é

impossível, pois o cientista social está envolvido

pelos fatos sociais desde que nasce. Mais ainda, osociólogo, corno todo ser humano, é produto das

relações sociais que o ligam a determinados grupos

da sociedade. Na concepção marxista, a sociedade

moderna está dividida em classes, corno a burgue-

sia e o proletariado, que lutam incessantemente

entre si. Assim, a luta de classes, as greves e as

revoluções são resultado da divisão da sociedade

em grupos antagônicos. Marx chegou mesmo a

afirmar que a história da humanidade é a história

da luta de classes.Durkheim tinha urna opinião diametralmen-

te oposta: ele considerava que essas manifesta-

ções eram sintomas de urna espécie de "doença"da sociedade, que chamou de "anemia", Em seu

entender, a ano mia seria caracterizada pela per-

da de regras ou de normas corretas de conduta

social. Na base desse fenômeno haveria, portan-

to, um desregramento das relações entre o indi-

viduo e a sociedade. Urna das manifestações da

ano mia seria o "antaqonismo entre o trabalho e

o capital", ou seja, a luta de classes na sociedadeindustrial.

Assim, enquanto Durkheim era um defensor

da ordem social, das ideias de Marx surgiu urna

Soc io lo gia c rític a, mais interessada nas mudan-

ças e rupturas no interior da sociedade do que na

preservação da ordem estabelecida. Para Marx e

seus seguidores, o cientista social não deveria per-

manecer neutro diante dos conflitos sociais, mas

assumir a defesa dos interesses do proletariado,

classe que para eles seria a portadora das trans-formações sociais necessárias para o advento do

socialismo (veja os capítulos 5, 6 e 7).

C A P Í T U L O 2 P rin cíp io s d e S o ci olo gia

A objetividade em M ax W eber

Max Weber discordava tanto de Durkheimquanto de Marx. Do primeiro, rejeitava a ideia de

fato social considerado corno coisa externa às pes-

soas. Do segundo, opunha-se à ideia de compro-

misso com urna classe social.

Para Weber, é necessário separar o conhecimen-

to científico, resultado de urna investigação crite-

riosa, dos julgamentos morais, ou juízos de valor.

Segundo ele, a ciência social não deve opinar se o

fenômeno estudado é bom ou mau. Cabe ao cientis-

ta assumir urna posição de neutralidade: enquanto

fizer ciência, o sociólogo deve deixar de lado suaspreferências políticas e escolhas ideológicas e consi-

derar as ações e processos sociais com base em urna

posição de absoluta isenção e imparcialidade.

Apesar dessas dificuldades e discordâncias, a

Sociologia é perfeitamente capaz de analisar os

fatos sociais com objetividade. É essa possibilida-

de que faz dela urna ciência.

Oprimeiro passo para entender a Sociologia - as-

sim corno qualquer outra ciência - é o conhecimento

de seus conceitos básicos. Eles definem os fenôme-nos que fazem parte de seu campo de estudo e dife-

renciam a Sociologia das outras Ciências Sociais, pois

cada urna delas tem seu próprio corpo de conceitos.

Cornociência, a Sociologia tern um duplo valor: pode

aumentar o conhecimento que o ser humano tem de

si mesmo e da sua sociedade, e pode contribuir para

a solução de problemas que os atingem.

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C A P ÍT U L O 2 Princípios de Soc iologia

,...---.-_ivros sugeridos -------------------,

• QUINTANEIRO,Tânia; BARBOSA,M. de Oliveira; OLNElRA, Márcia. Um to qu e d e c lá ss ic os . 2. ed. Belo Horizonte: EditoraUFMG,2002.

• MENDRAS,Henri. O qu e é Sociologia? São Paulo: Manole, 2004.

• SANTOS,Milton. Por uma o utr a g lo ba liz aç ão. 13. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

• DUPAS, Gilberto. Econ omia g lo ba l e excl u são social . 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

...----: Filmes sugeridos• Lo ng e d o p araí so, de Todd Haynes, 2003. Mulher branca descobre que o marido é homossexual, apaixona-se por negro, mas

renuncia a esse amor diante da pressão dos habitantes conservadores da cidade onde mora, nos EUA.

• N or ma R ae , de Martin Ritt, 1979. Em 1978, operários têxteis nos EUAse organizam para lutar por melhores condiçõesde vida e de trabalho.

• M eu nom e é Jo e, de Ken Loach, 1998. Desempregado alcoólatra se envolve com assistente social e juntos enfrentam

traficantes de drogas.

• A s in va sõ es bárbaras, de Denys Arcand, 2004. Enquanto narra a lenta morte de um homem, o filme faz uma critica àsinstituições dos países ricos.

• Segunda-feira ao so l, de Fernando Leon de Aranoa, 2003. Sobre grupo de trabalhadores desempregados na Espanhacontemporânea.

• Tiros em Columbine, de Michael Moore, 2002. No Colorado. EUA, dois estudantes matam-doze colegas e um professor.

Documentário.

• U ma verdad e i nc on ve ni en te , de Davis Guggenheim, 2006. Documentário apresentado por Al Gore, ex-vice-presidente

dos EUA, sobre o efeito estufa e a ameaça ambiental.

Para complementar o estudo do capítulo, assista a um ou mais dos filmes indicados e reflita

sobre as seguintes questões:

• Que relações podem ser estabelecidas entre o enredo do filme e os conceitos estudados neste capítulo?

• Há referências, no filme, à noção de fato social? Quais são elas e como aparecem no filme?

• Há referências ao conceito de ação social? Sob que formas se manifesta a ação social nesse filme?

• Há referências à noção de ano mia? Quaís são elas e como aparecem no filme?

Questões propostas

1. Cite exemplos de dois fatos sociais que não sejam os apresentados no capítulo, explicando

suas características.

2. Explique uma das contribuições de Durkheim para a análise dos fatos sociais e sua

conceituação de Sociologia.

3. Explique o conceito de ação social em Max Weber.

4. Quais são as diferenças entre Durkheim e Weber em relação ao método em Sociologia?5. Qual é a diferença entre Marx e Weber a respeito da neutralidade do cientista social?

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C A P Í T U L O 2 P r in c íp io s d e S o ci ol og ia

TEXTO 1

A desigualdade segundo Rousseau

o século XV III foi m arcado na Europa ocidental pe lo Iluminismo , movimento que se o punha ao absolutismo

dos r eis e ao misticismo re ligio so , valorizan do a ciê ncia e as "luz es d a ra zão" contra a ign orância e o obscurantismo.

Um dos ma iore s pe nsadore s des se per íodo fo i o suíç o lean-Iaccue s Rousseau ( i 7 i 2- i 784), qu e viveu boa pa rte d e

sua vida na F ranç a. Seu pensamen to teve forte inf luê ncia entre alg un s líd eres da Revolução Francesa (i 789).

N o tex to que v ocê vai le ragora, esc rito em i 755, Rousseau analisa as or ig en s d as d esigu aldades exis tente s na

soc ied ad e d e s ua ép oca . O bs erve que ele s e r efe re a um " es ta do natu ral" en tre os sere s h um an os a ntes da formação da

socie dad e. E ssa ide ia d e um e stado d e n atu re za era c om um e ntre os pens ador es d a é po ca. S eg un do eles , a soci edade

t er ia surgido quando, p or r az õe s d e s eg ur an ça, para pro tege r-se dos riscos que corriam diante da natureza hostil,

a s p es so as s e r eu nir am e d ec id ir am con stituir-se em um Estado com gove rn o pró prio . Para Rousseau, essemomento

es tá relacionado com o nas cim en to d a p ro pr ie da de p riv ad a e das d es ig ua ld ad es s ociais.

Eu concebo na espécie humana dois ti-

pos de desigualdade: uma, que chamo natural

ou física, porque foi estabeleci da pela nature-

za, e que consiste na diferença das idades, da

saúde, das forças corporais e das qualidades

do espírito ou da alma; outra, a que se pode

chamar de desigualdade moral ou política, pois

que depende de uma espécie de convenção efoi estabelecida, ou ao menos autorizada, pelo

consentimento dos homens. Consiste esta nos

diferentes privilégios desfrutados por alguns

em prejuízo dos demais, como o de serem mais

ricos, mais respeitados, mais poderosos que es-

tes, ou mesmo mais obedecidos.

Não há por que perguntar qual é a fonte

da desigualdade natural, já que a resposta se

encontra enunciada na simples definição do

termo. Ainda menos se pode procurar qualquerligação essencial entre as duas desigualdades,

porque seria indagar, em outros termos, se os

que dirigem valem necessariamente mais que

aqueles que obedecem, e se a força do corpo

ou do espírito, a sabedoria ou a virtude, são

sempre encontradas nos mesmos indivíduos naproporção do poder ou da riqueza [...].

O primeiro que, cercando um terreno,

se lembrou de dizer: "Isto me pertence", e

encontrou criaturas suficientemente simples

para acreditar, foi o verdadeiro fundador dasociedade civil. Quantos crimes, guerras, as-

sassinatos, misérias e horrores teria poupado

ao gênero humano aquele que, retirando as

estacas ou entulhando o fosso, tivesse gritado

aos seus semelhantes: "Guardai-vos de escutar

esse impostor! Estais perdidos se vos esque-

ceis de que os frutos a todos pertencem e de

que terra não é de ninguém!".IPorém, é por demais evidente que, àquela

altura, as coisas já tinham chegado a ponto de

não poderem mais durar como duravam: por-

que essa ideia de propriedade, dependendo de

um sem-número de ideias anteriores, que não

puderam nascer senão sucessivamente, não se

formou de repente no espírito humano. Foi

preciso conseguir muitos progressos, adquirir

muita indústria e muitas luzes, transmiti-Ios e

aumentá-Ios, antes de se chegar ao fim do esta-

do natural. Retomemos, pois, as coisas de mais

longe e tratemos de reunir sob um único ponto

de vista essa lenta sucessão de acontecimentos

e conhecimento na sua ordem mais natural.

O primeiro sentimento do homem foi

o da sua existência; o primeiro cuidado, o da

sua conservação. Os produtos da terra lhe

forneciam todos os auxílios necessários;' o

instinto o levou a servir-se deles. A fome e

outros apetites fizeram-no experimentar, al-

ternadamente, diversas maneiras de existir, e

houve um apetite que o convidou a perpetuara própria espécie [...].

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C A P Í T U L O 2 P ri nc íp io s d e S o ci olo g ia

1---": Pense e responda --------------------11. Em que consistem as duas desigualdades entre os seres humanos para Rousseau?

2. Segundo Rousseau, como viviam os seres humanos antes de surgirem as desigualdades

sociais?

3. De que forma-teve início, de acordo com Rousseau, o processo que instalou as

desigualdades sociais entre os seres humanos?

Tal foi a condição do homem no co-meço; tal foi a vida de um animal, de início

limitado às puras sensações, que aproveitava

apenas os dons que a Natureza lhe oferecia,

longe de sonhar em extrair-lhe algo. Todavia,

cedo se apresentaram dificuldades e foi pre-

ciso aprender a vencê-Ias: a altura das árvo-

res que o impedia de alcançar-lhe os frutos, a

concorrência dos animais que deles buscavam

nutrir-se, a ferocidade dos que pretendiam sua

própria vida. Tudo isso o obrigava a exercitar

o corpo; foi necessário fazer-se ágil, rápido nacorrida, vigoroso no combate. [... ]

Contudo, é preciso assinalar que, uma vez

começada a sociedade, as relações já estabele-

cidas entre os homens exigiam deles qualidades

diferentes das que eles possuíam de sua consti-

tuição primitiva; que, começando a moralida-

de a introduzir-se nas ações humanas, e sendo

cada qual, antes das leis, o único juiz e vingador

das ofensas recebidas, a bondade conveniente

ao estado natural puro não mais convinha ànascente sociedade; que se fazia preciso que as

punições se tornassem mais severas, à medida

que as oportunidades de ofender aumentavam

de frequência, e que, devido ao terror da vin-

gança, se fazia necessário o freio das leis.

Assim, embora os homens tivessem se

tornado menos tolerantes e a piedade natural

tivesse sofrido alguma alteração, esse período

do desenvolvimento das faculdades huma-

nas, sustentando um justo meio-termo entre

a indolência do estado primitivo e a petulan-te atividade de nosso amor-próprio, deve ter

sido a época mais feliz e mais durável.

Quanto mais nisto se pensa, mais se reco-

nhece que esse estado era menos sujeito às re-

36

voluções, o melhor para o homem, do qual nãodeve ter ele saído senão em virtude de algum

acaso funesto que, para o bem comum, jamais

devia ter ocorrido. O exemplo dos selvagens,

quase todos encontrados nesse ponto, parece

confirmar que o gênero humano estava feito

para nele permanecer sempre, que tal estado é

a verdadeira juventude do mundo, e que todos

os progressos posteriores foram, na aparência,

passos na direção do aperfeiçoamento do indi-

víduo, mas, na realidade, no sentido da degra-

dação da espécie humana.Enquanto os homens se contentaram

com suas cabanas rústicas, enquanto se limita-

ram a costurar as vestes de pele com espinhos,

a adornar-se de penas e conchas marinhas, a

pintar o corpo com tintas de diversas cores, a

aperfeiçoar e embelezar os arcos e as flechas, a

talhar, com a ajuda de pedras cortantes, algu-

mas canoas de pescadores ou alguns grossei-

ros instrumentos musicais [ ...], viveram livres,

sãos, bons e felizes, tanto quanto o podiamser por sua natureza, e continuaram a desfru-

tar entre si de um comércio independente.

Mas, desde o instante em que um ho-

mem teve precisão da ajuda de outrem, desde

que percebeu ser conveniente para um só ter

alimentos para dois, a igualdade desapare-

ceu, introduziu-se a propriedade, o trabalho

tornou-se necessário e as vastas florestas se

mudaram em campos risonhos que passaram

a ser regados com o suor dos homens, e nos

quais logo se viu a escravidão e se viu a misé-ria germinar e crescer com as colheitas.

Adaptado de: ROUSSEAU, jean-jacques. Discurso sobre a

origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens.

In. ROUSSEAU. O contra to socia l e outros escritos.

São Paulo: Cultrix, 1965. p. 46.7.

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C A P Í T U L O 2 P ri nc íp io s d e S o ci ol og ia

TEXTO 2

o conceito de consciência coletiva

Segundo D urkheim, " pa ra q ue ex ista o fato social é preciso que pelos m enos vár io s i nd iv íd uo s t en ham m is tu ra do

suas ações, e qu e d es sa c ombi na ção tenha surgido um produto novo ". E sse produto novo, constituído po r formas

coletivas de agir e pensar, se m anifes ta como uma realidade externa às pessoas. El e é dotado de vida própria, não

depend e de um indivíduo ou outro . N o texto a seguir, D urkheim abo rda um a da s expr essões de ssa realidade externa:

a "c onsciência coletiva ".

o conjunto de crenças e de sentimentos

comuns à média dos membros de uma mes-

ma sociedade forma um sistema determinado

que tem sua vida própria; pode-se chamá-Io

de consciência colet iva ou comum. Sem dúvida, ela

não tem por base um único órgão; ela é, por

definição, dífusa em toda a extensão da socie-

dade; mas não tem menos caracteres específi-

cos que a tornem uma realidade distinta.

Com efeito, ela não depende das condi-

ções particulares em que se encontram os indi-

víduos; estes passam [ou seja, nascem, vivem e

morrem); ela permanece. É a mesma no Nortee no Sul, nas grandes e nas pequenas cidades,

nas mais diferentes profissões. Da mesma for-

ma, não muda a cada geração mas, ao contrário,

enlaça umas às outras as gerações sucessivas.

Ela é portanto uma coisa inteiramente di-

ferente das consciências particulares, ainda que

não se realize senão nos indivíduos. Ela forma

o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas

propriedades, suas condições de existência, seu

modo de desenvolvimento, tal como os tipos

individuais, ainda que de uma outra maneira.Assim sendo, tem o direito de ser designada por

um termo especial. Aquele que empregamos aci-

ma não está isento por certo de ambiguidades.

Como os termos coletivo e so cia l são mui-

tas vezes confundidos um com o outro, somos

levados a crer que a consciência coletiva é toda

a consciência social, ou seja, estende-se tanto

quanto a vida psíquica da sociedade. Entretanto,

sobretudo nas sociedades superiores, só ocupa

uma parte muito restrita. As funções judiciárias,governamentais, científicas, industriais, em

uma palavra, todas as funções especiais são de

ordem psíquica, posto que constituem sistemas

de representação e de ações: entretanto estão

evidentemente fora da consciência comum.

Para evitar a confusão que se tem come-

tido, talvez fosse melhor criar uma expressão

técnica que designasse especialmente o con-

junto de similitudes sociais. Não obstante,

como o emprego de um termo novo, quan-

do não é absolutamente necessário, tem seus

inconvenientes, reservamos a expressão mais

usada de consciência coletiva ou comum, mas

relembrando sempre o sentido restrito emque a empregamos. [... ]

Existe uma coesão social cuja causa

está numa certa conformidade de todas as

consciências particulares a um tipo comum

a todas elas, que não é senão o tipo psíqui-

co da sociedade. Nessas condições, não so-

mente todos os membros do grupo são indivi-

dualmente atraídos uns pelos outros porque

se assemelham, mas são ligados também pela

condição de existência desse tipo coletivo, ou

seja, a sociedade que eles formam mediantesua reunião. Os cidadãos não apenas se que-

rem e se procuram entre si de preferência aos

estrangeiros, mas também amam sua pátria.

Eles querem-na como a si mesmos, esforçam-

se para que ela sobreviva e prospere [...].

Inversamente, a sociedade toma provi-

dência para que eles apresentem todas essas

semelhanças fundamentais porque isso é uma

condição de sua coesão.Adaptado de DURKHEIM, Émile. In. RODRIGUES,

José Albertino. Durkheilll. 9. ed. São Paulo: Ática, 2005.p. 74-5. Coleção Grandes Cientistas Sociais.

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C A P Í T U L O 2 Princ ípio s d e S oc io lo gia

r - - - " - _ Pense e responda --------------------i1. Que relação pode ser estabelecida entre os conceitos de fato social e de consciência

coletiva formulados por Durkheim?

2. O que Durkheim quer dizer ao falar de coe sã o soci al ? Quais são as condições que

possibilitam essa coesão?

TEXTO 3

Weber e a ação social

Nem toda espécie de contato entre

os homens é de caráter social, mas somente

uma ação, com sentido próprio, dirigida para

a ação de outros. Um choque de dois ciclis-

tas, por exemplo, é um simples evento, como

um fenômeno natural. Haveria ação social na

tentativa dos ciclistas se desviarem, ou na bri-

ga ou considerações amistosas subsequentes

ao choque.

A ação social não é idêntica: a) nem a

uma ação homogênea de muitos, b) nem a

toda ação de alguém influenciada pela con-

duta de outros.

a) Exemplo de ação homogênea: quando na

rua, no início de uma chuva, muitas pes-

soas abrem seus guarda-chuvas, a ação de

cada um não está orientada pela ação dos

demais, mas a ação de todos, de um modo

homogêneo, está impelida pela necessidade

de se defender da chuva [nesse caso, não há

ação social].b) É conhecido que a ação do indivíduo é

fortemente influenciada pela simples cir-

cunstância de estar no interior de uma" " d ( Iassa e pessoas por exemp o, em um

estádio de futebol). trata-se, pois, de uma

ação condicionada pela massa. Esse mes-

mo tipo de ação pode se dar também num

indivíduo por influência de uma massa

dispersa (por intermédio da imprensa, por

exemplo), percebida por esse indivíduo

como proveniente da ação de muitos. [...]

Nesses casos, um determinado aconte-

cimento ou uma conduta humana pode pro-

vocar certas reações - alegria, raiva, entu-

siasmo, desespero, etc. - que não se dariam

no indivíduo isolado. Uma ação desse tipo,

determinada pelo simples fato de ser uma si-

tuação de massa, sem que exista uma relação

dotada de significado entre o indivíduo e a

massa, não se pode considerar como ação so-

cial na acepção do termo aqui adotada.

Tipos de ação social

A ação social, como toda ação, pode ser:

1 . raciona l com r ela ção afins: é a ação determi-

nada por expectativas no comportamen-

to tanto de objetos do mundo exterior

como de outras pessoas, e utilizando

essas expectativas como "condições" ou

"meios" para alcançar fins próprios ra-

cionalmente avaliados e perseguidos [a

ação racional com relação a fins é aque-la na qual uma pessoa planeja o que vai

fazer para alcançar certos objetivos; por

exemplo, alunos que estudam para passarde ano];

2. ra cio nal co m rel aç ão a valore s: é a ação deter-

minada pela crença consciente em valores

éticos, estéticos, religiosos ou de qual-

quer outra natureza, independentemente

de que ela venha a ter êxito [a ação ra-

cional com relação a valores não mede as

consequências, mas tem por base certos

L- ~~

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C A P Í T U L O 2 P ri nc íp io s d e S o ci ol og ia

princípios. Por exemplo, alguém que dátudo o que tem a uma instituição de cari-

dade' sem se preocupar com o fato de que,

agindo assim, possa cair na pobreza];

3. afetiva: é a ação determinada por afetos e

estados sentimentais [a ação afetiva en-

volve emoções, como na família, ou na

relação entre a multidão e um ídolo, seja

ele um cantor de rock ou um líder reli-gioso];

4. tradicional: é a ação determinada por um

costume arraigado [a ação tradicional sebaseia nos costumes e hábitos seguidos

pelo grupo social; isso ocorre em situações

nas quais a pessoa age de determinada for-

ma porque seus pais ou avós agiam da mes-

ma maneira].

A ação orientada racionalmente com

relação a valores e a ação afetiva têm em co-

mum o fato de que o sentido da ação não re-

side no resultado, mas na própria ação. Age

afetivamente quem satisfaz sua necessidadeatual de vingança, de prazer ou de entrega,

de beatitude contemplativa ou de dar vazão a

suas paixões do momento.

Age de modo estritamente racional

com relação a valores quem, sem considerar

as consequências previsíveis, se comporta

segundo suas convicções sobre o que o de-

ver, a dignidade, a beleza, a sabedoria reli-giosa, a piedade ou a importância de uma

"causa" parece lhe ordenar.

Age racionalmente com relação a fins

aquele que orienta sua ação conforme o fim,

avalia racionalmente os meios relativamente aos

fins, os fins com relação às consequências impli-

cadas e os diferentes fins possíveis entre si.

A orientação racional com relação a va-

lores pode estar em relação muito diversa no

que diz respeito à ação racional com relação a

fins. [Para uma pessoa que age racionalmenteem relação a fins, a ação racional em relação

a valores] é sempre irracional, acentuando-se

esse caráter à medida que o valor que a move

se eleve à significação de absoluto, porque

quanto mais confere caráter absoluto ao valor

próprio da ação, tanto menos reflete sobre as

suas consequências.

Raras vezes a ação, especialmente a so-

cial, está exclusivamente orientada por uma

ou outra dessas modalidades [ou seja, na vidareal, aspectos de um tipo de ação se misturam

com aspectos de outras ações; Weber afirma-

va que, na vida social, essas ações nunca ocor-

rem de forma pura].Adaptado de: WEBER, Max. Ação social e relação social.

In. FORACCHI, Marialice e MARTINS, José de Souza

(orgs.). Socio logia e sociedade. Rio de Janeiro: Livros

Técnicos e Científicos, 1977. p. 139-42.

1--...•Pense e responda

1. Cite dois exemplos de cada um dos tipos de ação social analisados no texto e que não sejam

citados por Weber.

2. Quais são as diferenças entre a ação racional em relação a fins e a ação racional em relação a

valores?

3e A ação de um místico religioso, corno por exemplo Antônio Conselheiro, que atuou no sertão

da Bahia reunindo milhares de sertanejos e provocando a Guerra de Canudos contra tropas

do Exército (1896-1897), pertence mais à categoria de ação racional em relação a fins, ou às

de ação afetiva, ação racional em relação a valores e ação tradicional?

4. E a ação dos políticos no Brasil atual, corno você a classificaria nos termos de Weber?

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