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05 MATEMÁTICA Matemática e Suas Tecnologias Professor Alexmay Soares CARTAS, AMIGOS SECRETOS E PERMUTAÇÕES CAÓTICAS Todo fim de ano nos deparamos com férias, presentes, Papai Noel e amigo secreto. O texto a seguir visa explorar um pouco da matemática que se esconde por trás desta brincadeira. Mais especificamente, vamos calcular a surpreendente probabilidade de que a brincadeira do amigo secreto funcione corretamente. O amigo secreto Se você ainda não participou de um amigo secreto, a brincadeira funciona mais ou menos assim: Digamos um grupo com n pessoas, cada uma dessas n pessoas escreve seu nome em um pedaço de papel e o deposita em algum recipiente. Após embaralhar todos estes pedacinhos de papel, cada pessoa retira um desses papéis que contém o nome de alguma das n pessoas. A pessoa que retirou o papel não pode contar o nome de quem tirou. Sendo assim, combina-se um dia e, nesta data, cada pessoa tem que dar um presente para a outra pessoa retirada no papel. Mas nem tudo são flores, e se alguém tira o papel com seu próprio nome? Neste caso, o ritual teria que ser feito novamente, até que nenhuma pessoa tire seu próprio nome. O nosso objetivo é mostrar como calcular a probabilidade de que ninguém retire seu próprio nome nessa brincadeira. A probabilidade de alguma determinada pessoa tirar o seu próprio nome é fácil, é 1/n. Mas qual seria a probabilidade de pelo menos uma pessoa tirar seu próprio nome? Ou ainda, qual seria a probabilidade de ninguém tirar seu próprio nome? Esta probabilidade está longe de ser algo trivial. As cartas A solução do problema acima está relacionada a outro problema, mais antigo e mais famoso que entrou para história como: “O problema das cartas mal endereçadas”. Esse problema foi originalmente proposto por Nicolaus Bernoulli (1687-1759), sobrinho dos eminentes matemáticos Jacob (1654-1705) e Johann (1667-1748), da prestigiosa família Bernoulli, que mais produziu matemáticos em toda história. A contribuição de Nicolaus para o estudo e desenvolvimento da matemática pode ser aferida na numerosa correspondência (mais de 560 cartas!) que trocou com vários colegas, dentre os quais Leonhard Euler (1707-1783). Ao longo de sua prolífera vida, Euler foi um grande “resolvedor” de problemas matemáticos. Alguns desses problemas abriram novos campos de pesquisa matemática, como o problema formulado no começo do artigo. Talvez Euler se interessou pelo problema das cartas mal endereçadas por se tratar de uma questão curiosa e desafiadora da teoria das permutações, atualmente conhecida como permutação caótica ou desarranjo. Permutações Caóticas Uma permutação de elementos é dita caótica se, ao permutarmos esses elementos, nenhum deles continuar em suas posições originais. Por exemplo: no caso de duas cartas e dois envelopes, podemos estabelecer que a “posição original” seria cada carta em seu envelope correto. Assim, uma permutação caótica ocorreria quando nenhuma carta estivesse no envelope correto. Acompanhe a ilustração a seguir no caso de duas cartas. C 1 C 2 E 1 E 2 Percebe-se facilmente que, no caso de dois elementos, há apenas uma permutação caótica. E no caso de três cartas? Neste caso, há 2 permutações caóticas. De fato, sejam as cartas C 1 , C 2 e C 3 e os respectivos envelopes E 1 , E 2 e E 3 . Os únicos desarranjos possíveis são: (C 1 , E 2 ), (C 2 , E 3 ), (C 3 , E 1 ) e (C 1 , E 3 ), (C 2 , E 1 ), (C 3 , E 2 ) Com essa interpretação, o problema das cartas mal endereçadas toma a seguinte formulação, mais moderna e mais geral: “Qual o número de permutações caóticas de n elementos?” A resposta a essa pergunta foi dada pelo próprio Euler que resolveu esse problema usando ideias originais e simples, apenas com algumas manipulações algébricas. O valor obtido por Euler para quantidade de desarranjos de n elementos é: D(n) = n! 1 1 1! + 1 2! 1 3! + 1 4! 1 5! + ...+ ( 1) n! para n 1. n - - - - Assim, para finalizar, vamos dar a resposta do problema do início deste artigo. “Em uma brincadeira de ‘amigo oculto’, na qual n pessoas escrevem seu nome em um pedaço de papel e o depositam em um recipiente, de onde cada um retira aleatoriamente um dos pedaços de papel, qual a probabilidade de ninguém pegar seu próprio nome? Em outras palavras, o problema equivale a: “Se um conjunto ordenado de n itens é permutado aleatoriamente, qual a probabilidade que nenhum deles volte à sua posição original?” Nicolaus Bernoulli Leonhard Euler

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nº 05MATEMÁTICA

Matemática e Suas Tecnologias

Professor Alexmay Soares

CARTAS, AMIGOS SECRETOS EPERMUTAÇÕES CAÓTICAS

Todo fim de ano nos deparamos com férias, presentes, Papai Noel e amigo secreto. O texto a seguir visa explorar um pouco da matemática que se esconde por trás desta brincadeira. Mais especificamente, vamos calcular a surpreendente probabilidade de que a brincadeira do amigo secreto funcione corretamente.

O amigo secreto

Se você ainda não participou de um amigo secreto, a brincadeira funciona mais ou menos assim:

Digamos um grupo com n pessoas, cada uma dessas n pessoas escreve seu nome em um pedaço de papel e o deposita em algum recipiente. Após embaralhar todos estes pedacinhos de papel, cada pessoa retira um desses papéis que contém o nome de alguma das n pessoas. A pessoa que retirou o papel não pode contar o nome de quem tirou. Sendo assim, combina-se um dia e, nesta data, cada pessoa tem que dar um presente para a outra pessoa retirada no papel.

Mas nem tudo são flores, e se alguém tira o papel com seu próprio nome? Neste caso, o ritual teria que ser feito novamente, até que nenhuma pessoa tire seu próprio nome.

O nosso objetivo é mostrar como calcular a probabilidade de que ninguém retire seu próprio nome nessa brincadeira.

A probabilidade de alguma determinada pessoa tirar o seu próprio nome é fácil, é 1/n. Mas qual seria a probabilidade de pelo menos uma pessoa tirar seu próprio nome? Ou ainda, qual seria a probabilidade de ninguém tirar seu próprio nome? Esta probabilidade está longe de ser algo trivial.

As cartas

A solução do problema acima está relacionada a outro problema, mais antigo e mais famoso que entrou para história como:

“O problema das cartas mal endereçadas”. Esse problema foi originalmente proposto por Nicolaus Bernoulli (1687-1759), sobrinho dos eminentes matemáticos Jacob (1654-1705) e Johann (1667-1748), da prestigiosa família Bernoulli, que mais produziu matemáticos em toda história. A contribuição de Nicolaus para o estudo e desenvolvimento da matemática pode ser aferida na numerosa correspondência (mais de 560 cartas!) que trocou com vários colegas, dentre os quais Leonhard Euler (1707-1783).

Ao longo de sua prolífera vida, Euler foi um grande “resolvedor” de problemas matemáticos. Alguns desses problemas abriram novos campos de pesquisa matemática, como o problema formulado no começo do artigo.

Talvez Euler se interessou pelo problema das cartas mal endereçadas por se tratar de uma questão curiosa e desafiadora da teoria das permutações, atualmente conhecida como permutação caótica ou desarranjo.

Permutações Caóticas

Uma permutação de elementos é dita caótica se, ao permutarmos esses elementos, nenhum deles continuar em suas posições originais.

Por exemplo: no caso de duas cartas e dois envelopes, podemos estabelecer que a “posição original” seria cada carta em seu envelope correto. Assim, uma permutação caótica ocorreria quando nenhuma carta estivesse no envelope correto. Acompanhe a ilustração a seguir no caso de duas cartas.

C1 C2

E1 E2

Percebe-se facilmente que, no caso de dois elementos, há apenas uma permutação caótica. E no caso de três cartas? Neste caso, há 2 permutações caóticas.

De fato, sejam as cartas C1, C2 e C3 e os respectivos envelopes E1, E2 e E3. Os únicos desarranjos possíveis são:

(C1, E2), (C2, E3), (C3, E1)

e

(C1, E3), (C2, E1), (C3, E2)

Com essa interpretação, o problema das cartas mal endereçadas toma a seguinte formulação, mais moderna e mais geral:

“Qual o número de permutações caóticas de n elementos?”

A resposta a essa pergunta foi dada pelo próprio Euler que resolveu esse problema usando ideias originais e simples, apenas com algumas manipulações algébricas. O valor obtido por Euler para quantidade de desarranjos de n elementos é:

D(n) = n! 1 11!

+ 12!

13!

+ 14!

15!

+ ...+ ( 1)n!

para n 1.n

− − −−

Assim, para finalizar, vamos dar a resposta do problema do início deste artigo.

“Em uma brincadeira de ‘amigo oculto’, na qual n pessoas escrevem seu nome em um pedaço de papel e o depositam em um recipiente, de onde cada um retira aleatoriamente um dos pedaços de papel, qual a probabilidade de ninguém pegar seu próprio nome?

Em outras palavras, o problema equivale a:“Se um conjunto ordenado de n itens é permutado aleatoriamente,

qual a probabilidade que nenhum deles volte à sua posição original?”

Nicolaus Bernoulli

Leonhard Euler

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Como o número total de maneiras dos n itens a serem permutados sem que nenhum volte à sua posição de origem é Dn e o número total de permutações dos n itens é n!, temos que a probabilidade de ninguém retirar seu próprio nome é dada por:

P Dn!

12!

13!

+ 14!

15!

+ ...+ ( 1) 1n!n

n n= = − − − .

Por exemplo, se a brincadeira for realizada com um grupo de 5 amigos, então haverá 5! = 120 maneiras de as 5 pessoas tirarem o nome do recipiente, destas 120 maneiras teremos

D(5) 5! 1 11!

+ 12!

13!

+ 14!

15!

44= − − −

= desarranjos, isto é, 44 formas

de ninguém retirar seu próprio nome. Assim, a probabilidade de a

brincadeira funcionar será 44

12036,7%≈ .

A seguir teremos algumas questões em que se aplicam as permutações caóticas.

Exercícios

1. (Enem) Em um concurso de televisão apresentam-se ao participante 3 fichas voltadas para baixo, estando representada em cada uma delas as letras T, V e E. As fichas encontram-se alinhadas em uma ordem qualquer. O participante deve ordenar as fichas ao seu gosto, mantendo as letras voltadas para baixo, tentando obter a sigla TVE. Ao desvirá-las, para cada letra que esteja na posição correta ganhará um prêmio de R$ 200,00.

A probabilidade de o participante não ganhar qualquer prêmio é igual aA) 0 B) 1/3C) 1/4 D) 1/2E) 1/6

2. (Enem) Em um concurso realizado em uma lanchonete, apresentavam-se ao consumidor quatro cartas voltadas para baixo, em ordem aleatória, diferenciadas pelos algarismos 0, 1, 2 e 5. O consumidor selecionava uma nova ordem ainda com as cartas voltadas para baixo. Ao desvirá-las, verificava-se quais delas continham o algarismo na posição correta dos algarismos do número 12,50 que era o valor, em reais, do trio-promoção. Para cada algarismo na posição acertada, ganhava-se R$ 1,00 de desconto. Por exemplo, se a segunda carta da sequência escolhida pelo consumidor fosse 2 e a terceira 5, ele ganharia R$ 2,00 de desconto.

Qual é a probabilidade de um consumidor não ganhar qualquer desconto?

A) 124

B) 38

C) 13

D) 14

E) 12

3. Quatro pessoas aguardam atendimento em uma clínica médica. Todas deverão ser consultadas por dois médicos diferentes. O atendimento de ambos os médicos está marcado para iniciar às 14:00 h e terminar às 15:00 h. Os médicos deverão gastar, em cada atendimento, exatos 15 minutos. De quantas formas poderiam ser organizadas os horários das duas consultas?A) 576B) 288C) 216D) 72E) 24

4. Cinco carros entram em uma rotatória ao mesmo tempo, vindos de direções diferentes, conforme mostrado na figura ao lado. Cada carro dá menos de uma volta inteira na rotatória; além disso, não há dois carros que saem da rotatória na mesma direção. De quantas maneiras diferentes os cinco carros podem sair da rotatória?A) 24B) 44C) 60D) 81E) 120

5. Em uma gincana de escola apresentam-se a uma equipe 5 fichas voltadas para baixo, estando representada em cada uma delas as letras B, R, I, T e O. As fichas encontram-se alinhadas em uma ordem qualquer. A equipe deve ordenar as fichas ao seu gosto, mantendo as letras voltadas para baixo, tentando obter a palavra BRITO. Ao desvirá-las, para cada letra que esteja na posição correta ganhará 40 pontos.

A probabilidade de a equipe ganhar exatamente 40 pontos éA) 0B) 26,3%C) 36,7%D) 37,5%E) 43,8%

FB no Enem – Nº 4 – Professor: Alexandre Werneck1 2 3 4 5C E C A E

078576/14 – Duílio-07/02/14 – Rev.: RR