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Revista Em Movimento nº 6

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Cidades Sutentáveis, Salário mínimo profissional, Integração da Améria-Latina

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SINDICATOS FILIADOS

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Intervenção qualIfIcada na proposIção de polítIcas públIcas

Com a tradição de refletir sobre os grandes problemas nacionais os temas centrais do 9º Congresso Nacional dos Engenheiros

são: Sociedade, Energia e Meio Ambiente. Não é por outra razão que este grande encontro de 2011 acontece, pela primeira vez, no Norte do País, Porto Velho, Rondônia, região extremamente favorável à produção de energia, com posição estratégica na aproximação com a América Latina.

Estamos falando de um Brasil que tem aproximadamente 50% da matriz energética de fontes de energias renováveis – principalmente biomassa e hidroelétrica; de um país que amplia os investimentos em grandes obras; que trabalha por um projeto de desenvolvimento sustentável comprometido com a integração nacional e internacional; que luta por melhores condições de vida para seu povo. Um país que, na última década, investiu nas alianças com outros países devido ao aumento de transações comerciais, sobretudo, com o advento do pré-sal. Pensar na exploração de riquezas também significa pensar na sustentabilidade deste processo e no papel de cada ator social.

Diante desta conjuntura de desenvolvimento, de estabilidade econômica e do aumento da capacidade

produtiva é imprescindível aprofundar o debate sobre em que sociedade a engenharia está e estará inserida nos próximos anos; como acompanhar a urbanização sem deixar de valorizar o espaço rural; como trazer sustentabilidade e mobilidade urbana às cidades; como promover a internacionalização por meio de integração com países da América Latina e, ainda, como desenvolver as questões específicas da região Norte que interferem no contexto nacional, como a mineração e a energia.

Questões em sua totalidade contempladas na programação do 9º Consenge. A sociedade que queremos é o tema da palestra de abertura do ex-ministro das Cidades Olívio Dutra; a cidade sustentável, integração da América Latina e energia, recursos minerais e desenvolvimento são os temas da teses desenvolvidas, respectivamente por Ermínia Maricato, Valter Pormar e Ildo Sauer para o debate nas bases e encaminhamento de propostas para ações da Fisenge e dos Senges no próximo triênio. Temas que, sem exceção, culminam na construção de um outro modelo de desenvolvimento.

Carlos BittencourtPresidente

>>EDITORIAL<<

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Diretoria ExecutivaPresidente - Carlos Roberto Bittencourt (PR)

Vice-presidente - Vicente de Paulo Alves Lopes Trindade (MG)Diretor Financeiro - Renato dos Santos Andrade (BA)

Secretário-Geral - Clovis Francisco Nascimento Filho (RJ)Relações Sindicais - Fernando Elias Vieira Jogaib (Volta Redonda/RJ)

Diretor Executivo - Raul Otávio da Silva Pereira (MG)Diretor Executivo - Eduardo Medeiros Piazera (SC)

Diretor Executivo - José Ezequiel Ramos (RO)Diretor Executivo - Roberto Luiz de Carvalho Freire (PE)

Diretoria Executiva SuplenteJosé Carlos de Assis (ES)

Jorge Dotti Cesa (SC)Ludmilla Martins Chagas (RO)

Agamenon Rodrigues Eufrásio de Oliveira (RJ)Luiz Antônio Cosenza (RJ)Márcia Ângela Nori (BA)

Ulisses Kaniak (PR)Gilson Luiz Teixeira Néri (SE)

Clayton Paiva (RJ)

Conselho FiscalMarcus Fixel Hoffmann (Volta Redonda/RJ)

Rogério do Nascimento Ramos (ES)Tigernaque Pergentino de Sant’ana (SE)

Conselho Fiscal SuplenteLaurete Martins Alcântara Sato (MG)

Rolf Gustavo Meyer (PR)Mauro de Carvalho Vasconcelos (BA)

Conselho EditorialCarlos Roberto Bittencourt - PR

Clovis Francisco Nascimento Filho - RJ Raul Otávio da Silva Pereira - MG

Em Movimento é uma publicação da FISENGEFederação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.

Av. Rio Branco, 277 - 17º andar Centro - Rio de Janeiro - CEP 20040-009 Tel / Fax: (21) 2533-0836 / 2532-2775 [email protected]

www.fisenge.org.br

Jornalista Responsável: Tania Coelho – Reg. Prof. 16.903Colaboração: Camila Marins, Alexandre Braz, Rosane de Souza, Marcia Ony

Revisão: Rita LuppiProgramação Visual: Ricardo BogéaProdução: Espalhafato ComunicaçãoImpressão: Grafittto - Tiragem: 10.000

© É permitida e estimulada a reprodução desde que citada a fonte.

SumárioTRABALHOSalário mínimo profissional (Lei 4.950-A/66)Pág. 3

SEGURANÇA ALIMENTARAlimentação saudável é um direito de todosPág. 8

CIDADEO que são cidades sustentáveis?Pág. 13

CIDADEPacto pelo desmatamento zeroPág. 17

CAPAO Estado como gerador de conhecimento geológicoPág. 20

VIOLÊNCIA NO CAMPOImpunidade estimula e justifica violênciaPág. 27

INTEGRAÇÃOHistórias políticas da américa latinaPág. 32JUSTIÇAInadiável resgate da memóriaPág. 38

Patrocínio: Patrocínio:

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>> TRABALHO <<

Renato dos Santos AndradeGeólogo formado pela UFBa, Mestre em Administração pelo NPGA/UFBa.

Diretor do Senge/BA e da FISENGE.

Analista Técnico e atual Assessor Parlamentar do Crea/BA. Foi Secretário de Governo da Prefeitura de Jaguaquara/BA; Diretor Adjunto do DENASUS/Ministério da Saúde, Chefe de Gabinete e Superintendente de Planejamento, Programas e Projetos do CoNFEA.

Em fins de 1959, durante o Congresso de Associações

de Engenheiros, Arquitetos e Engenheiros Agrônomos, os profissionais se reuniram para defender os justos interesses da Classe. Em 1º de março de 1960 o CONFEA publicou no Boletim nº 1 as conclusões do conclave que deliberou por encaminhar um Projeto de Lei para regulamentação da ativi-

dade profissional respectiva com as contribuições de todas as associações e escolas inte-ressadas.No capítulo “Disposições sobre salários” as conclusões são as seguintes:“3 – Deverão ser incluídos na Regulamentação Profissional, ou em lei especial, os seguintes dispositivos:

a) O salário inicial do en-genheiro, do arquiteto e do engenheiro agrônomo será de 6 (seis) vezes o salário mínimo em vigor na região;

b) O disposto na alínea pre-cedente aplica-se, igualmen-te às repartições públicas e autárquicas, federais, esta-duais e municipais”

O Patrono dessa causa foi o de-putado Almino Afonso (PTB--AM) que incorporou a defesa dos interesses da categoria pro-

fissional de engenheiros e deci-diu tratar o assunto em Lei Es-pecial tendo em vista a urgência reclamada para a sua solução e as naturais delongas da trami-tação de uma lei que envolvia a completa regulamentação da profissão de tão múltiplos e va-riados aspectos.As justificativas para a apre-sentação do referido Projeto de Lei, dentre outras, são apre-sentadas pelo autor: “verifica--se que a evolução das técnicas de planejar, projetar, calcular, construir, produzir e admi-nistrar está exigindo cada vez mais do técnico uma formação científica mais aprimorada... À hierarquia intelectual devem, como é óbvio, corresponder prioridades na escala de salá-rios... Por outro lado a remune-ração compensadora do exercí-cio profissional constituirá um estímulo para a formação de

SALÁRIO MÍNIMO PROFISSIONAL (LEI 4.950-A/66) UMA CONQUISTA DOS

PROFISSIONAIS DE ENGENHARIA SEMPRE AMEAÇADA

Foto: Ricardo Bogéa

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novos técnicos, reclamados, em quantidade cada vez maior, para a execução do vasto programa de desenvolvimento nacional”.O referido Projeto de Lei foi aprovado pelo Congresso Na-cional em abril de 1966 e veta-do pelo presidente da Repúbli-ca, marechal Humberto Castelo Branco com as justificativas de que: “a) o projeto estabeleceu sa-lário mínimo para diplomados titulares de cargos públicos, constituindo essa disposição uma forma indireta de aumento de vencimentos de servidores públicos sem a indispensável iniciativa do Poder Executivo;

b) Quanto a empresas privadas constituía uma deformação do salário mínimo, destinado, se-gundo o art. 157 da Constitui-ção, a satisfazer as necessida-des normais do trabalhador e de sua família.”

O movimento dos engenheiros foi de tal intensidade que mo-bilizou o Congresso Nacional para rejeitar o veto presidencial e manter a Lei 4.950-A/66, san-cionada pelo presidente do Se-nado, Auro Moura Andrade.O art. 5º da referida Lei estabe-leceu o Salário Mínimo Profis-sional equivalente a seis vezes o maior salário mínimo vigente no país para uma jornada de seis horas diárias de trabalho. O art. 6º definiu adicional de 25% para as horas excedentes, tornando o SMP para oito horas diárias de trabalho equivalente a 8,5 Salá-rios Mínimos.Posteriormente, o art. 7º, inciso XVI da Constituição Federal es-tabeleceu: “remuneração do ser-viço extraordinário superior, no

mínimo, em 50% à do normal”. Com essa disposição o SMP para oito horas diárias de traba-lho foi elevado para nove Salá-rios Mínimos. Esta questão tem sido motivo de muitos questio-namentos na justiça sob alega-ção de que a jornada de trabalho vigente é de 44 horas semanais e que o trabalho excedente às seis horas diárias não se caracteriza trabalho extraordinário, valendo o disposto na Lei 4.950-A/66. A FISENGE defende o SMP para

“as remunerações iniciais dos engenheiros, arquitetos e enge-nheiros agrônomos, qualquer que seja a fonte pagadora, não poderão ser inferiores a seis ve-zes o Salário Mínimo da respec-tiva região”.O referido artigo foi vetado pelo presidente da República e man-tido pelo Congresso Nacional, conforme decisão publicada no DOU de 24 de abril de 1967 e logo em seguida, através da Re-presentação nº. 745, o governo do Distrito Federal questionou a constitucionalidade do artigo 82 da Lei 5.194/66. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente, em parte, a representação para de-clarar inconstitucional o art. 82 da lei 5.194/66 no tocante aos servidores sujeitos ao regime estatutário, não ficando, pois, abrangidos pela declaração de inconstitucionalidade os que têm sua relação de emprego regida pela CLT, quer sejam emprega-dos de empresas privadas, quer sejam servidores da administra-ção pública, direta ou indireta.Com base na decisão relativa ao art. 82 da Lei 5194/66, o gover-no do Distrito Federal apresen-tou a Representação no STF nº. 716 de inconstitucionalidade – Salário Mínimo e remuneração do trabalho noturno de profissio-nais diplomados em engenharia. A nova decisão do STF julgou a representação prejudicada em parte, e procedente para decla-rar-se a inconstitucionalidade da Lei 4.950, de 22/04/1966, em relação aos servidores públicos sujeitos ao regime estatutário. Tal fato levou o Senado Federal a baixar a Resolução nº 12, de 1971 com o seguinte teor:

“O Patrono dessa causa foi

o deputado Almino Afonso

(PTB-AM) que incorporou

a defesa dos interesses

da categoria profissional

de engenheiros e decidiu

tratar o assunto em Lei

Especial tendo em vista a

urgência reclamada para a

sua solução e as naturais

delongas da tramitação

de uma lei que envolvia a

completa regulamentação

da profissão de tão múltiplos

e variados aspectos.

a jornada de oito horas equivalen-te a nove SMP.No mesmo ano de 1966 foi pro-mulgada a Lei 5.194/66 que regu-la o exercício profissional, tendo estabelecido em seu art. 82, em consonância com as deliberações do Congresso de profissionais re-alizado em 1959, que:

>> TRABALHO <<

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“É suspensa, por inconstitucio-nalidade, nos termos da decisão definitiva proferida pelo Supre-mo Tribunal Federal, em 26 de fevereiro de 1969, nos autos da Representação nº 716, do Dis-trito Federal, a execução da Lei nº. 4.950-A, de 22 de abril de 1966, em relação aos servidores públicos sujeitos ao regime es-tatutário.”Tal medida ensejou novas lutas no sentido de se conquistar leis próprias no âmbito dos executi-vos municipais e estaduais que definam em seus planos de car-gos e salários remuneração para os profissionais da engenharia equivalentes aos valores esta-belecidos pela Lei 4.950-A/66. Essas lutas permanecem ainda nos dias atuais.Os Sindicatos de Engenheiros têm lutado permanentemente para a garantia de tais direitos e no bojo dessa luta os enge-nheiros da COHAB/MA, com regime de trabalho regido pela CLT, conquistaram na justiça o direito ao SMP previsto na Lei 4.950-A/66. Tal fato levou o go-verno do Maranhão a apresentar no STF, Arguição de Descum-primento de Preceito Funda-mental – ADPF por considerar que a Constituição Federal de 1988 não contempla o art. 5º da Lei 4.950-A/66 (ADPF nº 171/2009), pedindo os seus efei-tos para as questões já julgadas pela Justiça. Duas outras ADPF tramitam no STF sobre o mes-mo assunto: ADP 53/2004 im-petrada pelo governo do Piauí e ADPF 149/2008 impetrada pelo governo do Pará.Essa manifestação ensejou nova mobilização da categoria em defesa do SMP, motivando vá-

rias entidades, precedidas pela FISENGE, a apresentar ao STF petição de ingresso no feito, na qualidade de “Amicus Curiae”, com vasta argumentação sobre a constitucionalidade da Lei. Decorridos mais de dois anos de análise, a relatora do proces-so, ministra Ellen Gracie, teve a aposentadoria concedida pela presidente Dilma Rousseff no último dia 8 de agosto de 2011, fato que deverá adiar o julga-mento da ADPF em questão, sem prazo, portanto, para uma definição final sobre o assunto.Outras categorias profissio-nais pertencentes ao Sistema CONFEA/CREA não contem-pladas pela referida Lei desen-volveram legítimas ações po-líticas para ampliar para seus profissionais os benefícios da

Lei 4.950-A/66. Assim os téc-nicos de nível médio, através do PLS 227/2005, de autoria do senador Álvaro Dias busca estabelecer piso para a catego-ria equivalente a 66% do valor definido para o profissional de nível superior. Em tramitação na Câmara dos Deputados sob o nº PL 2861/2008, a Comissão de Constituição, Justiça e Ci-dadania (CCJC) aprovou relato com emenda do deputado Os-mar Serraglio pelo estabeleci-mento de piso equivalente a R$ 1.683.00 (hum mil seiscentos e oitenta e três reais). O projeto encontra-se no Plenário da Câ-mara dos Deputados com oito requerimentos para inserção na ordem do dia.Por último, o PL 2827/2008 do deputado Vicentinho (PT-SP)

Foto: Ricardo Bogéa

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propunha a aplicação do dis-posto na Lei 4.950-A/66 aos tecnólogos. O relato do depu-tado Luiz Couto (PT-PB), que acatou substitutivo do deputa-do João Pizzolatti (PP-SC), foi aprovado na CCJC da Câmara dos Deputados e alterou o for-mato original ficando o art. 5º com a seguinte redação: “O sa-lário mínimo regulado por esta Lei será fixado em negociação coletiva de trabalho.’’Ou seja, o relatório desvirtuou o sentido do PL 2827/2008, e ACABA COM O SALÁRIO MÍNIMO PROFISSIONAL já estabelecido em Lei Federal, não leva benefício a ninguém e perde o sentido do referido dis-positivo legal. O Projeto de Lei em questão foi encaminhado ao Senado onde recebeu nova nu-meração (PLC 042/2001).Imediatamente à chegada do PL no Senado a FISENGE entrou em campo se articulando com as demais entidades de Enge-nharia e Arquitetura para ten-tar reverter o quadro existente. Nesse sentido participou, jun-tamente com a FNE, de audiên-cias, no mês de julho de 2011, com o gabinete do senador Ál-varo Dias, relator na Comissão

de Educação e com o senador Jaime Campos, presidente da Comissão de Assuntos Sociais onde o julgamento do PL tem caráter terminativo. O senador Álvaro Dias já apresentou re-latório com voto favorável à rejeição do referido projeto de lei. Nossa luta agora é garantir a aprovação do relatório na Co-missão de Educação e construir manifestação idêntica na Co-missão de Assuntos Sociais.Registre-se ainda que várias

Profissional. Fixação. Múltiplo de salário mínimo.A estipulação do salário profis-sional em múltiplos do salário mínimo não afronta o art. 7º, inciso IV, da Constituição Fe-deral de 1988 (...)”Decorridos 45 anos dessa con-quista permanecem ameaças constantes a um direito elemen-tar, legítimo e constitucional que é o direito a uma remune-ração diferenciada em função da complexidade, responsabi-lidade e benefícios que o exer-cício de tais profissões enseja para a sociedade e para os usu-ários. Mais uma vez estamos em campo na luta intransigente para garantir a manutenção do SMP, essa foi a decisão ratifi-cada pelo Conselho Delibera-tivo da FISENGE, reunido no Rio de Janeiro em 6 de agos-to de 2011, por termos a con-vicção da constitucionalidade da Lei 4.950-A/66, já definida pelo próprio STF e da sua legi-timidade, conforme muito bem já relatou o seu autor, deputado Almino Afonso – PTB/AM em sua propositura inicial. Partici-pação e direitos são conquis-tados com abnegação e luta. NãO PODEMOS PARAR.

decisões da Justiça tenham pro-pugnado pela validade da Lei 4.950-A/66 como a Súmula 379 do TST que concluiu pela sua constitucionalidade com a edi-ção da orientação jurispruden-cial nº 71 que assim prescreve:“71. Ação Rescisória. Salário

Participação e direitos são

conquistados com abnegação e luta.

NãO POdEMOS PARAR.

>> TRABALHO <<

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>>ENTREVISTA<<>>SEGURANÇA ALIMENTAR<<

“Alimentação Adequada e Saudável: direito de todos”,

é o lema da IV Conferência Na-cional de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontecerá entre os dias 7 e 10 de novem-bro, em Salvador, Bahia. Uma importante vitória foi a inclusão

Alimentação saudável é um direito de todos

“Nenhum fator é mais negativo para a situação

de abastecimento alimentar do país do

que a sua estrutura agrária feudal, com um

regime inadequado de propriedade, com relações

de trabalho socialmente superadas e com a não

utilização da riqueza potencial dos solos”,

Josué de Castro, médico,

professor, geógrafo, sociólogo

e político, que fez da luta

contra a fome a sua bandeira.

da alimentação no artigo 6º da Constituição Federal como di-reito social, graças à aprovação da Proposta de Emenda à Cons-tituição (PEC) nº047/2003. De acordo com a representante titular do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nu-tricional (Consea) e professora visitante do Departamento de Nutrição Social da Universida-

Foto: Marcello Casal/ABR

Camila Marins

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de do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Daniela Frozi, o direito humano à alimentação é o direi-to de cada pessoa ter acesso fí-sico e econômico, sem que haja interrupção à alimentação ade-quada ou aos meios de se obter estes alimentos e sem compro-meter os recursos de outros di-reitos fundamentais como a saú-de e a educação. “É o direito não somente de se ver livre da fome, como também de se ver livre de uma alimentação não adequa-da. Não é apenas a regularidade do acesso, mas é a regularidade relacionada à qualidade da ali-mentação, adequação em relação à cultura dos povos e das socie-dades, em relação aos nutrientes, à qualidade físico-química e mi-crobiológica”, explicou. Não basta apenas a alimentação, e sim a garantia de qualidade. E um fenômeno que acontecia em outros países (principalmente nos EUA), começou a afetar o Brasil: o sobrepeso e a obesida-de. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre os anos de 2006 e 2009, os casos de sobrepeso e obesidade aumentaram entre bra-sileiros. O sobrepeso passou de 42,7% em 2006 para 46,6% em 2009. Já a obesidade aumentou de 11,4% para 13,9% em 2009. “Hoje, vivemos o que Josué de Castro chamava de ‘fome ocul-ta’, ou seja, a fome de nutrientes relacionada à qualidade. A socie-dade industrializada está substi-tuindo alimentos saudáveis por alimentos processados e, com isso, aumenta cada vez mais o número de pessoas com doenças crônicas”, disse a professora do Instituto de Nutrição da Univer-sidade do Estado do Rio de Ja-neiro (UERJ), Olívia Schneider.

A fome na sociedade das contradições

A luta contra a fome é históri-ca e permanente. O número de domicílios brasileiros que se encontrava em algum grau de insegurança alimentar caiu de 34,9% para 30,2% entre 2004 e 2009, segundo dados da Pes-quisa Nacional por Amostra de

ção de commodities (produtos básicos) e enfrenta as contra-dições de uma população com insegurança alimentar e nutri-cional. Daniela Frozi esclare-ce que a economia brasileira não é inclusiva e a produção de alimentos está voltada para os mercados externos, que alimen-tam uma economia de poucos e para poucos. “Avançamos no enfrentamento à pobreza e à po-breza extrema e o novo governo ainda promete fazer de forma mais ativa a busca de popula-ções extremamente pobres para assistir com a distribuição de renda. No entanto, caso o Brasil persista no atual perfil econô-mico de crescimento e de pro-dução de alimentos, que produz uma situação de grave desigual-dade no campo e nas cidades, não iremos de fato resolver a raiz do problema da insegurança alimentar e da fome”, concluiu. Por outro lado, os avanços são claros, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimen-tação Escolar, entre outras ini-ciativas do governo. Este quadro se desdobra em outro importante avanço: o aumento da produção da agricultura familiar, já que cerca de 70% dos alimentos ad-vém dos agricultores familiares. “É essencial valorizar os produ-tos regionais (vindos de quilom-bos, assentamentos de reforma agrária, povos tradicionais) sem utilização de agrotóxicos, por meio da agroecologia. Também destaco que a luta pela reforma agrária, contra a terceirização da merenda escolar, contra a pri-vatização dos bens da natureza e contra a utilização de agrotó-xicos são essenciais na consoli-

“Art. 6º: são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança,

a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados”. Constituição Federal

Domicílios (PNAD) de 2009. O documento também registrou que 69,8% dos 58,6 milhões do-micílios particulares no Brasil estavam em situação de segu-rança alimentar. Eram 40,9 mi-lhões de residências com 126,2 milhões de pessoas, o equiva-lente a 65,8% dos moradores em domicílios particulares do país. Os números são animado-res, mas ainda há uma grande parcela da população que passa fome e apresenta riscos de inse-gurança alimentar e nutricional, mesmo o Brasil sendo um dos maiores produtores de alimen-tos no mundo.Hoje, o país é um dos maiores líderes do mercado de exporta-

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dação de um modelo mais jus-to de produção de alimentos”, afirmou a representante do Fó-rum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar, Maria Emília Lisboa.Outra questão a ser enfrentada é o monocultivo, que afeta di-retamente a soberania alimen-tar do país. “No Brasil cresce a concepção do agronegócio, mas, em contrapartida, também aumenta a concepção de uma agricultura agroecológica com a diversificação da produção. Inclusive, existe o Plano Nacio-nal de Agroecologia, que tem o Ministério de Meio Ambiente à frente, com o objetivo de reali-zar a transição agroecológica, ou seja, um método que estabe-lece o equilíbrio com a nature-za”, esclareceu Maria Emília.

O poder da publicidade

No início deste ano, a Organi-zação Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma recomendação na qual propõe a diminuição da propaganda em alimentos não

saudáveis às crianças. Um fato que causou desconforto foi a parceria do Ministério da Saúde com o Mc Donald’s, que entrou no programa “Amigos da Saú-de”, já que a maior parte do seu cardápio contém alimentos nada saudáveis e ainda incorporam à venda brinquedos infantis. A recomendação da OMS vai no sentido contrário, com o objetivo de diminuir a frequ-ência das propagandas e seu poder de persuasão. No Bra-

sil, ainda não existe regulação específica da publicidade re-lacionada à alimentação, mas, segundo Olívia, a falta de regu-lação é enorme e permite que os famosos brinquedos estejam associados ao consumo de ali-mentos não saudáveis. “Direito à informação é fundamental e nada melhor do que campanhas educativas e didáticas, embora já existam, mesmo muito tími-das”, pontuou.

Os estados e municípios têm debatido políticas para a garan-tia de uma alimentação saudá-vel no processo de mobilização para a IV Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nu-tricional. Segundo a pesquisa-dora Daniela Frozi é necessá-rio pressionar o poder público para que sejam elaboradas leis orgânicas de segurança alimen-tar e nutricional, além de criar e implantar políticas e planos locais. “Ainda há uma com-preensão de que é preciso par-ticipar e defender a informação e a formação em prol de uma conscientização do direito hu-mano à alimentação para todos os povos, as comunidades e as

sociedades no Brasil. A parti-cipação social é fundamental para avançar na direção da con-cretização do direito humano à alimentação”, informou.“A Conferência é um espaço para responsabilizar os gover-nos e comprometê-los com o diagnóstico e mapeamento da insegurança alimentar e nutri-cional nos respectivos estados e municípios. Como daremos um salto de qualidade, como o país está delineando, se não sabemos de fato quem, quan-tos e como vivem em insegu-rança alimentar e nutricional? Alimentação de qualidade é di-reito e não benesse”, concluiu Olívia Schneider.

Mobilização para a Conferência

Foto: ASCOM/MDA

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>>ENTREVISTA<<>>SEGURANÇA ALIMENTAR<<

Os perigos dos agrotóxicos

“Cada brasileiro consome em média 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Até quando vamos engolir isso?”. Este questionamento é o slogan da Campa-nha Permanente contra o Uso de Agro-tóxicos e pela Vida, lançada em abril deste ano por movimentos sociais, pesquisadores e organizações. De acordo com dados da Agência Nacio-nal de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil, pelo segundo ano consecutivo, é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Mesmo com este dado pre-ocupante, há uma movimentação para ampliar as atribuições dos técnicos de nível médio para a emissão de recei-tuário agronômico para a compra de agrotóxicos, de acordo com o decre-to nº 4.560/02, de 30 de dezembro de 2002, sancionado por Fernando Henri-que Cardoso em seu penúltimo dia de governo. De acordo com o presidente da Fisenge, Carlos Roberto Bitten-court este é um fato alarmante. “Preci-samos levar em conta conhecimentos técnicos, critérios e responsabilidade social, já que o risco de contaminação é alto, gerando impactos ambientais e sociais”, destacou. A emissão de receituário acontece quando uma cultura agrícola é atacada por doenças ou pragas. “Nem sempre o uso do agrotóxico é o ideal, aliás é o que se deve evitar. Primeiro, é reali-zada uma avaliação técnica seguida de recomendações de manejo da cultura, pois a prescrição indiscriminada traz sérios danos à saúde do agricultor e do consumidor, bem como ao meio am-biente. Águas subterrâneas, por exem-plo, podem ser contaminadas”, expli-cou o diretor da executivo da Fisenge, Eduardo Piazera.

A produção da agricultura familiar, a luta pela reforma agrária, contra a terceirização da merenda escolar, contra a privatização dos bens da natureza e contra a utilização de agrotóxicos são ações essenciais na consolidação de um modelo mais justo de produção de alimentos

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Do ponto de vista do sanea-mento ambiental, a cidade

sustentável é aquela em que a totalidade da sua população é atendida com água potável, de acordo com o que preconiza a Portaria 518 do Ministério da Saúde, que estabelece respon-sabilidades e procedimentos relativos ao controle e vigilân-cia da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade; que os esgotos produzidos devem ser coleta-dos, transportados, tratados e corretamente destinados a um corpo hídrico; que os resíduos

sólidos devem ser integralmente coletados de forma adequada e seletivamente separados, sendo os inorgânicos reciclados e reu-tilizados nos mais variados des-tinos e os orgânicos transforma-dos em energia e composto a ser utilizado na agricultura, não ge-rando nenhum tipo de excedente.No que se refere à área de dre-nagem, a cidade sustentável é aquela em que a população não está completamente submetida às dramáticas consequências das enchentes e inundações, se-ria dotada de conceitos de edu-cação ambiental, permitindo o

O que são cidades sustentáveis?

Clovis NascimentoClovis Nascimento é Engenheiro

Civil e Sanitarista, pós-graduado em Políticas Públicas e Governo, ex–pre-

sidente e atual diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de

Janeiro (Senge-RJ) e secretário geral da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Foi Subse-

cretário de Estado de Saneamento e Recursos Hídricos do Rio de Janeiro; Diretor Nacional de Água e Esgotos

da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades;

Diretor do Dieese/escritório do Rio de Janeiro e presidente nacional da

Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes). Iniciou carreira profissional na Companhia de

Saneamento do Rio de Janeiro (Cedae), onde ocupou diversos cargos, dentre

os quais se destacam os de Diretor Administrativo; Superintendente de

Programas Especiais; Superintendente de Recursos Humanos, e assistente do

presidente e do vice-presidente. Atual-mente é gerente geral da Universidade

Corporativa da Cedae. Foi coordenador do Projeto Pensar o Brasil Construir o

Futuro da Nação do CONFEA.

No Brasil, 95% da população brasileira da área urbana é atendida com água potável. Considerando a totalidade da po-pulação, o índice de atendimento cai para 81,2%. São 37 mi-lhões e 600 mil habitantes sem acesso à rede pública de água potável, o que corresponde, aproximadamente, a dez países do tamanho do Uruguai com habitantes sem água potável.

>>CIDADE<<

Foto: Ricardo Bogéa

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manejo correto dos resíduos só-lidos. Nas cidades sustentáveis não vemos habitações em área de risco, e em caso de desastres e outros imprevistos de gran-des proporções há um plano de contingenciamento, com rotas de fuga previamente definidas e amplamente divulgadas para co-nhecimento da população.Quanto ao controle de vetores, teríamos a transformação do nosso país em uma área comple-tamente salubre, onde estariam erradicados os transmissores da dengue, da malária, do tifo, da febre amarela, da leptospirose, da desinteria, da esquistosso-mose e de tantas outras doen-ças as quais ainda vitimam os brasileiros.Sem sombra de dúvida, no que-sito saneamento ambiental, as cidades brasileiras estão muito longe de serem consideradas sustentáveis.O crescimento urbano desorde-nado ocorrido no Brasil a partir dos anos 70 foi desastroso para a qualidade de vida da popula-ção e se configura no exemplo mais concreto de como crescer e se desenvolver de forma insus-tentável, com reflexos diretos na área de saneamento ambiental e em várias outras.Em 1970, a população era de aproximadamente 90 milhões de habitantes bem distribuídos no território brasileiro, com a predominância de moradores na área rural. Com a necessidade de empre-go e de melhores oportunida-des, ocorreu um grande êxodo para as cidades e hoje, 40 anos depois, a população brasileira mais que dobrou, ou seja, che-gamos à marca de 200 milhões

de habitantes, e o mais grave é que 80% desse contingente ha-bitam atualmente a área urbana do nosso país.De acordo com os dados obtidos no Sistema Nacional de Infor-mações de Saneamento (SNIS), 95% da população brasileira da área urbana é atendida com água potável, ou seja, nessa área ainda temos cerca de 5% de brasileiros sem atendimento e que habitam os bolsões de pobreza, as fave-las e as áreas periféricas das ci-dades. Considerando a totalidade da população, o índice de atendi-mento cai para 81,2%. Portanto,

Considerando, ainda, que onde não há água não há vida, não podemos conviver com esse nível de atendimento ao povo brasileiro e teremos que buscar obstinadamente a universaliza-ção desse importante e essencial serviço. Na área de esgotamento sanitá-rio a situação é desesperadora, pois coletamos 52% dos esgotos produzidos na área urbana e tra-tamos apenas 65%. Significa di-zer que 96 milhões de brasileiros não são atendidos com sistema de esgotamento sanitário.Com base na totalidade dos es-gotos gerados pela população brasileira, o índice de tratamen-to é de apenas 35%, ou seja, 65% dos esgotos produzidos, sem tratamento, contribuem, de maneira decisiva, para a polui-ção dos rios e mares transfor-mando-se em um dos principais veículos de transmissão de do-enças, ampliando a proliferação de vetores e de reservatórios de doenças infecto-contagiosas.Os resíduos sólidos também contribuem para a poluição de corpos hídricos pelo chorume percolado atingindo os lençóis subterrâneos de água.Os indicadores de coleta de lixo são da ordem de 90% na área urbana e o grande proble-ma está na destinação final do lixo, bem como na dificuldade do seu aproveitamento para ge-ração de energia e composto or-gânico. Atualmente ainda con-vivemos com elevado número de lixões a céu aberto, respon-sáveis pela proliferação de ve-tores e de poluentes.Não menos caótica é a área de drenagem. As soluções ainda preconizadas pela maioria das

>>CIDADE<<

temos no Brasil 18,8%, ou seja, 37 milhões e 600 mil habitantes sem acesso à rede pública de água potável, o que corresponde, apro-ximadamente, a dez países do ta-manho do Uruguai com habitan-tes sem água potável.

Não menos caótica é

a área de drenagem.

As soluções ainda

preconizadas pela

maioria das prefeituras

mais agravam o

problema da drenagem

das águas pluviais do

que resolvem. São elas:

impermeabilizar os solos

e canalizar os rios.

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prefeituras mais agravam o pro-blema da drenagem das águas pluviais do que resolvem. São elas: impermeabilizar os solos e canalizar os rios. Outra questão da maior impor-tância e que não é levada mui-to a sério pelas prefeituras é a elaboração do Plano Diretor das cidades. De acordo com a legis-lação do Estatuto das Cidades, passou a ser obrigatória a defi-nição e apresentação do Plano Diretor da Cidade, e o que se viu foram planos feitos apenas para atender à lei, sem corres-pondência com os problemas daquela cidade específica.As consequências de tudo isso são as milhares de vidas cei-fadas a cada ano, em diferen-

tes locais do país, em face das grandes enchentes, que provo-cam deslizamentos de terra e desmoronamentos de casas e prédios construídos em áreas de risco, matando e desabri-gando pessoas, provocando um verdadeiro caos na vida co-tidiana de toda a cidade e em muitos casos com a omissão e/ou conivência das prefeituras.É verdade que o poder públi-co, a cada desastre, se mobili-za para resolver os problemas de forma pontual e rápida, mas geralmente as soluções ficam pelo caminho e os desabriga-dos entregues à própria sorte.Há que se ter ações mais pere-nes, ações que não fiquem a re-boque dos acontecimentos.

Há que se buscar soluções in-tegradas entre União, estados e municípios que possam mini-mizar e apontar saídas.Em que pese todo esse quadro, há que se registrar que após um longo período de estagnação, a partir de 2003 muitos avan-ços ocorreram: foi promulgada a Lei Federal de Saneamento Básico nº 11.445, foram reto-mados os investimentos públi-cos no Setor; com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) esses investimentos se multiplicaram, com prioridade para as regiões mais pobres do Brasil e saiu da agenda a priva-tização do Setor de Saneamen-to brasileiro.Por fim, a visão integrada das soluções é requisito fundamen-tal. Os desdobramentos dos pro-blemas que normalmente ocor-rem têm interferência em toda a cadeia do saneamento ambien-tal. Um planejamento integrado dessas ações, além de ser um imperativo, é um corolário que deve ser respeitado.

A legislação do Estatuto das Cidades trouxe a obrigatoriedade do Plano Diretor da Cidade. o que se viu foram planos feitos apenas para atender à lei. As consequências são milhares de vidas ceifadas em face de grandes enchentes que provocam deslizamentos de terra e desmoronamentos de casas e prédios construídos em áreas de risco.

Foto: J.R.Ripper

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Cem mil habitantes, taxa de analfabetismo zero, todas

as crianças na escola, desmata-mento sob controle e mais de 65% de cobertura florestal, dez milhões de árvores plantadas anualmente, ruas limpas, pra-ças e parques distribuídos pela cidade, previsão de eliminação de déficit habitacional até final de 2012 e saneamento universa-lizado em 2015, tudo com con-tas públicas equilibradas e eco-nomia em expansão. Este, por incrível que pareça, é o cenário atual em Paragominas, localiza-do no centro do arco do desma-tamento no estado do Pará.

Paragominas (que tem área equivalente ao estado de Ser-gipe) foi, entre os anos 80 e início dos anos 90, o maior pólo de produção madeireira do Brasil e um dos municípios com maior taxa de desmata-mento para implantação de pe-cuária extensiva. Em 2008 foi incluído na recém-criada lista dos municípios que mais con-tribuíam para o desmatamento na Amazônia, o que restringia crédito rural e uma série de ou-tras condicionantes. A reação do município foi montar um pacto pelo desmatamento zero assinado pela prefeitura, a Câ-

Pacto pelo desmatamento zero

Tasso Azevedo

Tasso Azevedo é engenheiro florestal. Foi diretor geral do

Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e diretor executivo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e

Agrícola (IMAFLORA). Com forte envolvimento com a posição que o Brasil levou, em 2009, à COP-15, em Copenhague, Tasso atua como consultor nas áreas de florestas e

clima e vem estimulando o uso das redes sociais da web em benefício do monitoramento voluntário das

florestas brasileiras, com o objetivo de gerar conhecimento coletivo e

efetiva proteção.

>>CIDADE<<

Localizado no centro do arco do desmatamento no estado do Pará, a cidade de Paragominas já foi um dos municípios com maior taxa de desmatamento. Hoje é referência em sustentabilidade.

Foto: Divulgação Prefeitura de Paragominas

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mara de vereadores, os sindica-tos patronais e de trabalhadores e diversas organizações da so-ciedade civil. Este pacto incluía um objetivo claro: não só retirar o município da lista dos princi-pais desmatadores, mas trans-formá-lo em uma referência em sustentabilidade.O processo de Paragominas tem influenciado dezenas de municí-pios na Amazônia no chamado Programa Municípios Verdes.Três fatores-chaves são impor-tantes condicionantes de sucesso nestas iniciativas: a liderança po-sitiva dos prefeitos aliada à par-ticipação organizada e pró-ativa das lideranças (indivíduos e or-ganizações) da sociedade civil; o trabalho conjunto de governo, empresários e ONGs; e a im-plantação de sistemas de metas e monitoramento de progresso com objetivos e transparência.Na transição brasileira para uma sociedade em bases sus-tentáveis, a gestão dos municí-

pios tem um papel crucial dada a grande quantidade de atribui-ções e responsabilidades que receberam com a constituição de 1988. Portanto, a decisão de quem irá gerir os municípios e sob que plano de ação é crucial.É neste contexto que é lançada no Brasil a Plataforma Cidades Sustentáveis que tem dois ob-jetos centrais: disseminar boas práticas de gestão municipal para sustentabilidade e promo-ver o compromisso dos prefei-tos e Câmara de vereadores com metas para gestão municipal.A Plataforma é inspirada no processo de Aalborg (nome de uma cidade dinamarquesa), que envolve compromisso de mais de 600 cidades europeias com um sistema de promoção de “cidades e vilas inclusivas, prósperas, criativas e susten-táveis, que proporcionam uma boa qualidade de vida a todos os cidadãos e permitem a sua participação em todos os as-

pectos relativos à vida urbana”.Essencialmente, a Plataforma Cidades Sustentáveis tem como base um conjunto de compro-missos em 12 áreas como, por exemplo, gestão de recursos na-turais, mobilidade urbana, eco-nomia sustentável, saúde, pla-nejamento urbano e educação. Para cada um dos compromissos existe pelo menos um indicador objetivo para monitorá-lo (ex. área verde por habitante; taxa de analfabetismo; concentração de poluentes).Para aderir à Plataforma, os pre-feitos têm que assinar termo de compromisso de apresentar em 90 dias as metas para cada um dos indicadores da Plataforma e reportar periodicamente sobre a evolução em relação a cada uma das metas.A Plataforma foi elaborada pela Rede Social Brasileira por Ci-dades Justas e Sustentáveis e o Movimento Nossa São Paulo e segue a estratégia proposta no Projeto de Lei de iniciativa po-pular, no Congresso Nacional, de tornar obrigatório para to-dos os prefeitos, governadores e presidente da República a publi-cação no início do mandato das metas para cada um dos temas--chaves de políticas públicas.As eleições de 2012 serão uma excelente oportunidade para o eleitor fortalecer a agenda de sustentabilidade, escolhendo can-didatos que assumam o compro-misso com os objetivos e metas para promoção de cidades susten-táveis e possibilitem multiplicar o exemplo de Paragominas. Esta, certamente, é uma das novas for-mas de fazer política.

>>CIDADE<<

Artigo publicado originalmente em o Globo, em 17.08.2011

Agosto de 2011. Paragominas acaba de aprovar seu Código Ambiental Municipal e criar um conselho formado pela administração pública e representantes da sociedade civil para dar continuidade ao principal projeto dos moradores: viver num município verde, de onde todos os produtos sairão, no futuro, com selo de certificação ambiental.

>>CIDADE<<

Foto: Divulgação Prefeitura de Paragominas

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>>CAPA<<

O Estado como gerador de conhecimento

geológicoSobre conquistas e desafios, o depoimento de Manoel Barretto emociona e esclarece à sociedade o papel do Serviço Geológico Brasileiro na geração de riquezas e empregos e no crescimento sustentado do país. o geólogo Manoel Barretto, ex-sindicalista cassado, está hoje à frente de um programa que representou a retomada dos levantamentos geológicos e geofísicos básicos e resgatou o papel do Estado como gerador de conhecimento geológico. Passando pelos desastres naturais, Programa de Aceleração

do Crescimento (PAC) e o Pré-Sal, em todos crescem de importância os levantamentos geológicos e aerogeofísicos, as parcerias com as universidades e os estados, os estudos de áreas de concentração mineral e os levantamentos geológicos e geofísicos no fundo oceânico que vêm sendo realizados na área hoje sob sua supervisão. Com a palavra Manoel Barretto.

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Manoel Barretto

é geólogo, presidente da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais

(CPRM) e vice-presidente do Conselho de Administração da

empresa. Formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBa),

especializou-se em Geologia Econômica pela Universidade

Federal de Ouro Preto (UFOP) e é mestrando em Geologia Econômica

da UFBa. Foi professor do Instituto de Geociências da UFBa; exerceu atividades profissionais no

Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); na Companhia

Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), onde desde 2009 é membro do

Conselho Fiscal, e em empresas de mineração. Pelo Convênio

Canadá-Brasil realizou estágio nas Províncias Minerais de Ontário e Quebec, Canadá, com ênfase em

depósitos auríferos. Exerceu, ainda, as funções de vice-presidente da

Federação Interestadual do Sindicato de Engenheiros (Fisenge), diretor da Associação Baiana de Geólogos e do

Sindicato de Engenheiros da Bahia.

“Em 2003, com a posse do presidente Lula, fomos con-

vidados a participar do governo com a proposta de mudar o qua-dro de inoperância que existia no setor mineral brasileiro. Para melhor entendimento é impor-tante situar a estrutura do Minis-tério de Minas e Energia, com suas secretarias voltadas para cada área especifica, como as de Petróleo, Gás Natural e Com-bustíveis Renováveis, Energia e a Secretaria de Geologia, Mi-neração e Transformação Mine-ral. Na época, era a Secretaria de Minas e Metalurgia. Quando mudamos o nome da Secreta-ria para Geologia, Mineração e Transformação Mineral estáva-mos, na prática, reafirmando os princípios que o novo governo trazia para o setor. Ligados à Secretaria (que é o órgão onde são estabelecidas as políticas do governo na área) existe, ainda, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que é o órgão gestor dos bens minerais brasileiros, responsável pela produção mi-neral. Qualquer empresa com projeto de exploração nesta área deve solicitar a este órgão o di-reito de explorar este bem mi-neral. A Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM)

é o Serviço Geológico do Bra-sil, responsável pela geração e difusão do conhecimento ge-ológico e hidrológico do país. Nossa função é a de dotar o país das informações necessárias para que existam investimentos na exploração mineral e para que detenha o conhecimento de suas potencialidades em águas subterrâneas, conheça os riscos geológicos e a geodiversidade, sempre tendo como base os co-nhecimentos geológicos que ge-ramos.

Situação de atraso e falta de projetos

Existiam duas propostas de go-verno. Em uma o governo tinha interesse em uma intervenção direta na economia e, na outra, ao contrário, não havia o míni-mo interesse. Por exemplo, a CPRM tem como função e tra-balho mais importante fazer os mapeamentos geológicos siste-máticos do país, mas quando as-sumimos havia 20 anos que isso não era executado. O chamado mapeamento básico sistemático tinha deixado de ser sistemáti-co. Os levantamentos aerogeofí-sicos também estavam parados. Montamos três programas na-cionais e transformamos a se-cretaria. Fizemos concurso, contratamos gente e moderni-zamos o DNPM, também há 20 anos sem concurso público. Re-

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formulamos o plano de carreira e demos um aumento de salário substancial aos funcionários. Na CPRM fizemos um progra-ma novo – Geologia do Brasil – com a retomada do mapeamento geológico básico sistemático e do levantamento aerogeofísi-co básico em todo o território nacional. Também realizamos concurso público e implantamos o PCCS com enquadramento que representou um importante incremento salarial. Além disso, os trabalhadores tiveram, em to-dos os anos, no acordo coletivo de trabalho, ganho real no rea-juste salarial. De 2004 a 2011 investimos um total de 165,4 milhões de dóla-res em um programa de aeroge-ofísica como nunca havia sido feito no setor. Na geologia, es-pecificamente, o investimento foi de 100,7 milhões de dólares. Boa parte das mais importantes minas brasileiras são frutos de mapeamentos gerados na dé-cada de 70, o grande momento da história dos levantamentos geológicos no Brasil. Foi nessa época que a CPRM foi criada, quando se deu início ao mapea-mento sistemático no país. Com dados novos, as empresas pas-saram a utilizar essas informa-ções e por meio delas chegaram

a uma série de ocorrências mi-nerais que, no futuro, vieram a se transformar em minas. Vá-rias de nossas minas existen-tes hoje decor-rem desses tra-balhos. Carajás foi uma ação da

Vale do Rio Doce (na época, es-tatal), identificada num trabalho de pesquisa mineral da própria Vale. Uma série de depósitos minerais em todo o Brasil foi descoberta em função dos traba-lhos realizados pela CPRM.

Primeiro passo: gerar novas informações

Gerados nos anos 70 até meados dos anos 80, os portfólios de informações estavam se exau-rindo. Daí para frente não se produziu mais quase nada. Não existiam novas informações para gerar dados que chegas-sem a novos depósitos minerais.

Foi nisso que o governo pensou quando criou o programa Geolo-gia do Brasil. Previu justamente a retomada dos mapeamentos geológicos e dos levantamen-tos aerogeofísicos objetivando a geração de novas informações para subsidiar as empresas e estimulá-las a investir em pes-quisa mineral e, também, para que o próprio governo pudesse utilizar estas informações para a geração de dados de geodi-versidade, águas subterrâneas e todos os demais dados que este mapeamento gera. De certa forma, esse trabalho tem fomentado as empresas a inves-tirem em pesquisa mineral. Evi-dentemente que a situação das commodities minerais favoreceu um crescimento dos investimen-tos no setor nos últimos anos, mas, sem dúvida, o trabalho que estamos fazendo é de fundamen-tal importância para que aconteça este crescimento. Em oito anos temos muita infor-mação gerada e eventualmen-te podemos até identificar um depósito mineral, porém, não é esse o nosso objetivo. O objeti-vo é o mapeamento geológico.

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É definir a geologia de uma de-terminada região e a partir des-sas informações trabalhar para que sejam feitas as descobertas de possíveis depósitos minerais.O DNPM trabalha com a produ-ção e a CPRM com a geração da informação. O nosso trabalho faz parte do Programa de Ace-leração do Crescimento (PAC), porque os trabalhos geológicos são de infraestrutura do país. Um levantamento geológico é tão importante quanto a estra-da que leva o progresso. Essa é a visão do governo, que tem o PAC como uma ação estru-turante. Nesta visão também o trabalho da CPRM é conside-rado como ação estruturante do governo. Não é por outra razão que os mapeamentos geológicos da CPRM estão incluídos no PAC e que os recursos aumen-taram substancialmente e mais que triplicaram nesse período com um trabalho que se desen-volveu no país como um todo, mas sempre privilegiando a re-gião Norte, por ser uma região de menos conhecimento e, ao mesmo tempo, uma área poten-cialmente importante.

Questões nacionais e políticas públicas

A mineração tem uma atrativi-dade muito grande por ter uma história fortemente ligada às questões nacionais. A campanha “O Petróleo é Nosso”, a história da Vale são tratadas como ques-tões nacionais. E mais: as in-formações que são geradas pelo nosso trabalho são fundamentais para a definição das políticas públicas. Por exemplo: somos um país agrícola, extremamente

dependente de potássio e fosfa-to e é da maior importância que o país saiba a sua potencialida-de de desenvolver esses bens minerais. O Serviço Geológico tem que dar respostas para essas questões e exatamente por isso estamos desenvolvendo o pro-jeto Fosfato Brasil que visa dar um panorama sobre o potencial brasileiro para este bem mineral.A Copa do Mundo se aproxi-ma, com um imenso programa de construção civil. São proje-tos que envolvem algo que não se dá muito valor: os materiais

de construção civil (brita, areia, arenoso, argila, rochas orna-mentais), que para o país tem uma importância imensa. O programa Minha Casa Minha Vida prevê a construção de um milhão de casas. Isso requer um conhecimento muito gran-de, porque essas obras, em sua grande maioria, são em torno das metrópoles, regiões com maior demanda de material de construção civil. Em função destas demandas temos projetos temáticos nesta área. O gover-no precisa ter informações sufi-

>>CAPA<<

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cientes para implantar e propor políticas públicas. O mesmo acontece no enfrenta-mento dos riscos geológicos. No estado do Rio tivemos no início do ano os desmoronamentos e mortes na região serrana. O tra-balho do Serviço Geológico não vai impedir que o acidente ocor-ra, mas vai impedir que as mor-tes aconteçam. É um trabalho da geologia com a engenharia que chamamos de engenharia geológica. O país tem uma rede hidrometeorológica – da Agên-cia Nacional de Águas (ANA) – para levantar a capacidade, a potencialidade e disponibilida-de hídrica, o controle das águas superficiais e o planejamento energético do país. A rede tem mais de 5 mil estações distribu-ídas em todo o território nacio-nal. Operamos 80% dela. Vamos a campo, levantamos os dados de qualidade da água, o material em suspensão, medimos os da-dos de precipitação. De posse destes dados trabalha-mos para evitar que ocorram os desastres. Existem em funcio-namento há algum tempo, três projetos chamados Alerta de Cheias, em Manaus, no Panta-nal mato-grossense, e no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. E estão sendo implantados mais cinco (dois na Amazônia e um no Piauí). Este Alerta de Cheias nos permite avisar, com 75 dias de antecedência, que vai ocorrer uma cheia e neste momento da-mos um índice de probabilida-de. A partir daí vamos ratifican-do este alerta, ou descartando, e aumentando ou diminuindo, o índice de probabilidade. Quan-do chegamos a quinze dias do acontecimento temos condições

de avisar com 95% de probabi-lidade. Ano passado alertamos a população de Manaus sobre a possibilidade de ocorrer uma cheia que seria a maior dos últi-mos 50 anos na cidade e foi o que aconteceu. É um serviço muito preciso para grandes eventos.

Prevenção de Desastres Naturais

A catástrofe que aconteceu este ano no estado do Rio foi ímpar em termos de intensidade. Nos-so controle só é possível em algumas regiões, como citei o caso de Manaus. Quando apare-ce na televisão que no Pantanal os fazendeiros tiraram o gado por causa da previsão de cheias, é uma ação fruto dos nossos alertas. No Rio tem a Geo-Rio, que é municipal, e o governo federal está montando um Cen-tro de Prevenção de Desastres

Naturais, que será associado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com a parti-cipação de vários atores, inclu-sive a CPRM. Não basta a ação de um órgão. São necessários meteorologis-tas, radares, satélites, volume de água dos rios e uma série de informações que quem tem é o INPE. Nesse centro de pre-venção a função da CPRM é caracterizar as áreas de riscos. Já temos um levantamento do país, com várias áreas que terão que ser estudadas. Estudamos e apontamos soluções. Cabe a nós a responsabilidade de in-formar, por exemplo, em casos de áreas de risco, se a popula-ção tem que sair. Atuamos na região serrana do estado do Rio com 12 geólogos depois do acidente. Fizemos todo o mapeamento da região juntamente com o Serviço Ge-

Foto: Adriana Medeiros

“o trabalho do Serviço Geológico não vai impedir que o acidente ocorra, mas vai impedir que as mortes aconteçam. É um trabalho da geologia com a engenharia”.

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ológico do Rio de Janeiro. Ao sobrevoar a região é possível identificar claramente áreas que não tinham construções e que desmoronaram. Claro que a pre-sença humana facilita a ação da natureza, porque quebra o ecos-sistema, mas não é só essa a cau-sa de desmoronamentos. Eles ocorrem até em mata virgem porque se trata de uma situação geológica. O solo que encharca, a água percola no solo e, ao en-contrar a rocha fresca, não passa daí até que em determinado mo-mento é quebrada a estabilidade e há o desmoronamento.O Centro de Prevenção de De-sastres se propõe a montar o sis-tema de prevenção e alerta nas áreas de maior risco. Em algu-mas áreas não é possível tirar a população, que terá que convi-ver com essa ameaça e utilizar o sistema de prevenção de catás-trofes. São estabelecidos alguns procedimentos que permitem que a própria população possa ajudar. Um treinamento é feito com as lideranças locais em par-ceria com as prefeituras. O governo, com o novo Marco Regulatório do Petróleo, criou um fundo exatamente para que o Pré-sal não seja um capítulo de nossa história política como foi o ouro no Império. Que fique para a população e tra-ga soluções para uma série de problemas do país, que traga condições de que estes proble-mas sejam resolvidos. Essa é a proposta do governo. Este é o legado do Pré-sal que quere-mos para que estes recursos se-jam aplicados na educação, na saúde e no desenvolvimento do país e que não sejam diluídos. Está aí uma grande preocupa-ção da sociedade.

Tecnologia nacional

O setor de mineração tem for-tes investimentos em tecnolo-gia, parte nacional e a grande maioria importada. Embora as universidades hoje desenvol-vam trabalhos com o objetivo de consolidar a empresa brasi-leira, o quadro real é do espaço ocupado por empresas estran-geiras e tecnologias importadas, especialmente na área de mine-ração. Por se tratar de indústria de base, grandes empresas bra-sileiras atuam no setor. Na área de geologia praticamen-te toda a tecnologia empregada é importada.

Espaço para a construção

Há uma clara mudança no Bra-sil e minha história confirma o que digo. Fui sindicalista, vice--presidente da Fisenge e diretor da Associação Baiana de Ge-ólogos e do Sindicato de En-genheiros da Bahia, cassado e perseguido durante a ditadura

militar. O governo Lula permi-tiu que técnicos e sindicalistas fossem reconduzidos aos seus devidos lugares na administra-ção pública. Para mim isso tem um simbolismo muito forte por-que fui funcionário da CPRM, e após ser cassado pelo regime militar, volto em 2003 como diretor de geologia da empresa e agora mais recentemente fui convidado pela presidente Dil-ma para assumir a presidência. Na bagagem trago a minha atu-ação como sindicalista que me deu um imenso enriquecimen-to no relacionamento com as pessoas, com os trabalhadores, com os sindicatos. Na posição que tenho hoje procuro sempre ter a visão de quando eu era do sindicato, meus anseios, meus sonhos. Em alguns momentos é lógico que existe a contradi-ção, mas é preciso respeitar as relações de trabalho que se es-tabelecem na construção de um projeto que pensa o desenvolvi-mento do país e a qualidade de vida de seu povo.

>>CAPA<<

Foto: Adriana Medeiros

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Herdeiro da Pampa Pobre, canção de Gaúcho da Fron-

teira e Vaine Darde, sucesso com o grupo musical Engenhei-ros do Hawaii, traz um verso que poderia bem retratar parte da situação dos trabalhadores rurais brasileiros, em especial os que de alguma forma estão engajados na luta por um peda-ço de chão e lutam pela reforma agrária: “herdei um campo onde o patrão é rei, tendo poderes so-bre o pão e as águas, onde es-

quecido vive o peão, sem leis, de pés descalços, cabresteando mágoas”. Nascido em 1984, o Movimen-to dos Trabalhadores Sem-Ter-ra (MST), segmento de maior representatividade dos movi-mentos sociais brasileiros, con-quistou espaço, notoriedade, parceiros e a posição de inimigo número um dos grandes pro-prietários de terra. Há mais de 15 anos viveu, em Eldorado dos Carajás, no Pará, um dos seu mais violentos capítulos quando dezenove militantes foram mor-tos por policiais militares. Ou-

tros setenta, aproximadamente, ficaram feridos. Uma verdadeira carnificina.Carajás trouxe novamente a opi-nião pública para o debate sobre a questão fundiária no Brasil e recolocou o tema da violência no campo na agenda dos gover-nos, o que não acontecia deste o golpe de 1964. Prova disso foi a reativação de um ministério para cuidar do setor, batizado por Fernando Henrique Cardoso de Ministério do Desenvolvi-mento Agrário. Nada mudou.No “aniversário” da matança em Carajás, em abril último, o pre-sidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), Plí-nio de Arruda Sampaio, afirmou que o massacre não foi uma no-vidade, não foi o primeiro, nem o último. “Ele representa o pa-drão normal com que a burguesia

>>VIOLÊNCIA NO CAMPO<<

IMPUNIDADE ESTIMULA E JUSTIFICA VIOLÊNCIA

Após 15 anos do massacre de Eldorado dos Carajás crimes continuam e a justiça não se faz presente

Alexandre Braz

Foto: J.R.Ripper

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trata a questão da terra. Como o padrão é da violência, repres-são, acidentes acontecem. Esse padrão provoca, cria e gera as situações de conflito e de mas-sacre de camponeses”, afirmou.

Crimes em 2011

Os assassinatos se sucedem ano a ano. Em 2011, a insegu-rança cresceu no estado para-ense com força total. Entre os meses de maio e junho, cerca de cinco agricultores foram assassinados entre eles, os lí-deres extrativistas José Clau-dio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva e Erenilto Silveira dos Santos, suposta testemunha. Apenas dois meses após o as-sassinato de José Claudio e sua esposa, o juiz Murilo Lemos Simão, da Comarca de Mara-bá, decretou a prisão preventi-va de José Rodrigues Moreira, suspeito de ser o mandante do crime, Lindonjonson Silva Ro-cha e Alberto Lopes do Nasci-mento, que teriam sido os auto-res dos disparos. O mesmo juiz negou por duas vezes o pedido de prisão preventiva dos acu-sados sob alegação de falta de provas. Com isso, os acusados fugiram e ninguém foi preso. Marido e esposa foram mortos por impedirem que terrenos do assentamento agroextrativista do Instituto Nacional de Co-lonização e Reforma Agrária (Incra) de Praialta-Piranheira, fossem adquiridos por Morei-ra. A venda dos terrenos é ile-gal e o casal havia denunciado as irregularidades. José Cláudio e Maria foram as-sassinados em uma emboscada

em Nova Ipixuna (481 km de Belém), em 24 de maio. Dias após, Eremilton Pereira dos Santos, 25 anos, foi encontrado morto no mesmo assentamen-to. No início de julho, o lavra-dor João Vieira dos Santos, 33 anos, foi morto a tiros em uma estrada de Eldorado dos Cara-jás (627 km de Belém). O quin-to camponês foi Obede Loyola Souza, 31 anos, assassinado em

Marabá, quando deveriam es-tar em Nova Ipixuna. Apesar da insegurança que os cerca, as famílias dos camponeses pros-seguem a sua luta. Em Vista Alegre do Abunã, em Rondônia, Adelino Ramos foi assassinado. Segundo a Comis-são Pastoral da Terra (CPT), tinha denunciado a ação ilegal de madeireiros.

Agosto, mais uma morte

Dia 25 de agosto mais um tra-balhador rural foi assassinado com a mesma impunidade que marca a história de crimes em série no estado do Pará. A ví-tima foi Valdemar Barbosa de Oliveira, 54 anos. Em sua bi-cicleta foi morto a tiros, em Marabá, por dois pistoleiros. É a sexta vítima desde maio des-te ano e a polícia ainda não se manifestou sobre a autoria do crime. O agricultor já havia re-gistrado boletim de ocorrência na Polícia Civil, informando que vinha sendo ameaçado de morte desde o início do ano.Valdemar era do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do muni-cípio de Marabá, e coordenou por muitos anos as famílias ocupantes da fazenda Estrela da Manhã, na mesma cidade. O agricultor residia em ocupação no bairro Nova Marabá, que ajudou a ocupar. Coordenava, ainda, as famílias que ocupa-vam a fazenda Califórnia no município de Jacundá. Como a terra não foi desapropriada para a reforma agrária, as fa-mílias foram despejadas pela Polícia Militar do estado e se organizavam para tentar reocu-par as terras.

Seis mortes entre maio e agosto de 2011

no estado do Pará. Nenhuma prisão foi efetuada e os casos continuam impunes,

até o momento. Entre 1996 e 2009, das 521

mortes registradas neste período em todo o país, 213 (40,9%), ocorreram no estado, com apenas

quatro condenações por todos estes crimes. A falta de justiça é tão

explícita que em 37 casos não houve sequer instauração de inquérito

para investigação das mortes.

Pacajá (521 km de Belém) no dia 9 de julho.Após os crimes no sudeste do estado, o Ministério da Justiça enviou tropas da Força Nacio-nal de Segurança e da Polícia Federal para conter a violência. Mas de acordo com parentes das vítimas as tropas estão em

>>VIOLÊNCIA NO CAMPO<<

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EM MOVIMENTO | 29

Os movimentos da região e a CPT se mobilizam conscientes das razões que levam ao recru-descimento da violência: a rea-lização, no mesmo período, de ocupações na região por parte das mobilizações das Jornadas do MST em todo país. As ocu-pações causaram conflitos en-tre agricultores e fazendeiros e fizeram crescer a violência dos pistoleiros e da polícia nos des-pejo das famílias.

Números confirmam

Nos últimos 20 anos, segun-do levantamento divulgado na reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública do Brasil, em Belém, estado do Pará, para cada famí-lia assentada no estado, ocorreu 237 crimes no campo. Outra pesquisa listada pela Federação

dos Trabalhadores na Agricul-tura (Fetagri) revela que dos 588 crimes mais recentes, 40% tiveram como motivo a briga pela posse da terra. De acordo com dados da CPT, entre 1996 e 2009, o Pará foi o campeão no número de mor-tes resultantes de conflitos pela terra. Das 521 mortes registra-das neste período em todo o país, 213 (40,9%), ocorreram no estado. Havendo apenas quatro condenações por todos estes crimes. A falta de justiça é tão explícita que em 37 casos não houve sequer instauração de inquérito para investigação das mortes. As informações são do procurador do Tribunal Regional Federal da 1º Região José Marques Teixeira, que participa de audiência pública sobre violência no campo na Comissão de Direitos Huma-

nos e Participação Legislativa do Senado.O Pará também é detentor de outro recorde negativo, causa-dor de um impacto direto da violência no campo: é o estado brasileiro com a maior quan-tidade de terras griladas, pro-priedades obtidas de modo irre-gular, por meio da falsificação de documentos cartoriais.

Segurança para quase todos

Apesar da gravidade dos fatos e dos vários assassinatos co-metidos, a segurança para estes brasileiros parece depender dos fatores do acaso. Ainda no mês de maio, a CPT, esteve reuni-da, em Brasília, com a ministra da Secretaria de Direitos Hu-manos, Maria do Rosário que afirmou na ocasião que o go-

Foto: J.R.Ripper

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30 | EM MOVIMENTO

verno não dispõe de condições que possam garantir segurança a todos os ameaçados de morte que constam na lista CPT. “Seria errôneo e uma ilusão di-zer que temos condições para atender a esta lista. Vamos ana-lisar a listagem da CPT e fazer uma avaliação. O que quero dizer é que é errôneo garantir escolta para os 1.855 (número total da lista da CPT). Não po-deria prometer ao Brasil oito ou nove policiais para cada um desses ameaçados”, afirmou a ministra. Do total de 1.855 nomes de camponeses ameaçados, 207 foram ameaçados mais de uma vez; 42 foram assassinados e 37 foram vítimas da tentativa de morte. As lideranças da CPT presentes cobraram do governo agilidade na reforma agrária e punição para os mandantes desses crimes.Diante deste quadro, o secre-tário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, disse que a segurança aos tra-balhadores não necessariamen-te se dará através de escolta: “O propósito não é só punir os homicídios, mas também as ameaças. Faremos uma análi-se mais detalhada da relação e vamos destacar quais casos necessitam da vigilância pre-sencial, se a ameaça de fato é consistente ou não, se o amea-çado está no centro do conflito. É preciso levar em conta fato-res pessoais e circunstanciais”, afirmou Barreto, que esteve presente à reunião.

O massacre – Eldorado dos Carajás

O jornalista e escritor Eric Nepomuceno, lançou em 2007, uma das obras mais emble-máticas sobre o fatídico 17 de abril de 1996. O Massacre – Eldorado do Carajás: uma his-tória de impunidade (Editora Planeta), trata-do muitas vezes como conflito pela impren-sa, entre policiais militares e manifestantes do MST, o autor que foi ver de perto e inves-tigou a fundo as questões do problema diz logo no inicio do livro: “Ninguém deveria sequer se atrever a usar palavras como ‘con-fronto’, ‘incidente’ ou ‘choque’ para descre-ver o que aconteceu na Curva do S. Aquilo foi uma carnificina brutal, um massacre que permanece impune”, afirma.Em seu livro, Eric mostra o sofrimento da vítimas e o descaso que se materializa na fal-ta de justiça. Foram 154 policiais denuncia-dos pelo Ministério Público e ninguém está preso. Apenas dois foram condenados à pena máxima por homicídio doloso: o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira. Ambos aguardam em liberdade o fim do processo por força de um habeas corpus concedido pelo ministro Cezar Peluso, do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2005.O promotor Marco Aurélio Nascimento, re-presentante do Ministério Público que atuou no caso, deu ênfase ao fato de as decisões em primeira instância não serem cumpridas per-mitindo que os acusados prolonguem o pro-cesso sempre recorrendo das decisões. “No Brasil há uma infinidade de recursos. Os pro-cessos nunca se encerram”, afirmou. (A.B.).

>>VIOLÊNCIA NO CAMPO<<

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EM MOVIMENTO | 31

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32 | EM MOVIMENTO

Foi no período de 1958/1960 que conheci Salvador Al-

lende quando estávamos na

Universidade Austral do Chile, em Valdívia, uma cidade muito linda, com muitos rios. È uma das mais jovens universidades federais do país, com cerca de cinqüenta anos. O Chile era um país muito institucionalizado, a constituição era um símbolo. Todos os chilenos, de esquerda, direita, centro, estavam orgu-lhosos dela. A cada seis anos mudava o go-verno. Allende por quatro vezes foi candidato. Da primeira vez muito jovem, sem nenhuma pos-sibilidade. Foi avançando com a história. Nunca, sob qualquer hipótese, disse que havia perdi-do uma eleição. Dizia que ha-víamos avançado nas eleições.

Candidato sempre pelo partido socialista e comunista teve 4% na primeira participação e na seguinte alcançou 12%.No Chile, a diferença entre o partido comunista e o partido so-cialista estava na origem. A ori-gem do partido comunista foi a revolução soviética. A partir daí foi fundado o partido comunis-ta, com a assessoria da URSS. Enquanto o partido comunista tem origem soviética, o Socia-lista é latino-americano. São essas as referências. O partido socialista acha que o socialismo tem que ser latino-americano e os comunistas dizem que tem que ser de acordo com a URSS. Uma conquista muito impor-

HISTÓRIAS POLÍTICAS DA AMÉRICA LATINA

Pedro Hidalgo

Pedro Hidalgo é Engenheiro Agrônomo, ex Ministro da Reforma

Agrária do Chile no Governo Salvador Allende, pesquisador

vinculado do Centro Interamericano de Desenvolvimento e Pesquisa

Ambiental e Territorial(CIDIAT) da Venezuela, Consultor Internacional na área de Gestão de

Bacias Hidrográficas, idealizador dos Consórcios Ambientais Iberê (Região

de Chapecó) Quiriri (Planalto Norte Catarinense) e do Consórcio Lambari (Região do Alto Uruguai

Catarinense).

>>INTEGRAÇÃO<<

Foto: Claudionor Santana

Page 35: Revista Em Movimento nº 6

EM MOVIMENTO | 33

tante foi a criação da Frente de Ação Popular, composta do Par-tido Comunista, Partido Socia-lista e a Social Democracia, que tinha uma filosofia de centro, mas não de centro-direita, e sim de centro-esquerda. Cem por cento classe média, sem o apoio rural. Eram intelectuais. Fernan-do Henrique Cardoso chegou a ir ao Chile na Social Democra-cia quando esteve exilado. Esta frente ganhou a primeira eleição em 1938, com Pedro Aguirre Cerda. Este presidente socialde-mocrata historicamente é uma pessoa chave no desenvolvi-mento político do Chile: provo-cou grandes mudanças e iniciou o processo de industrialização no país que tinha 80% de anal-fabetos. Ele dizia: “governar é educar”. Foi este presidente que começou a falar sobre grandes transformações no Chile.

No poder há 150 anos

Os conservadores não gostaram nada dessa história, porque es-tavam governando há 150 anos. O Chile era um país democrá-tico: tínhamos naquela época apenas dois partidos liberais, de extrema-direita e um outro mais conservador ainda e eles se al-ternavam no poder. Pedro Aguirre Cerda.não tinha grandes conhecimentos sobre a América Latina, mas ele é tão importante como Allende ou até mais, pois lutou contra uma di-reita de 150 anos. O segundo nome de peso foi o presidente social democrata

Gabriel Gonzáles Villela, eleito com o apoio dos partidos Comu-nista e Socialista. Nessa época, Salvador Allende era um jovem deputado e Gonzáles Villela não foi nada bem na presidência. E se afastou dos partidos comu-nista e socialista, e também da democracia cristã.

vernando e Allende comunista de esquerda. Era surpreendente termos essas três candidaturas. Os chilenos se perguntavam: como é possível?É bom lembrar que o Chile era o único país que tinha partidos com ideologias políticas. Eram partidos socialistas e comunis-tas. A Democracia cristã tinha grande importância na Alema-nha, Itália. E tinha a direita, conservadora e liberal. O país era politizado porque ha-via uma juventude comunista, uma juventude socialista, uma juventude democrata-cristã e uma juventude conservadora. Os jovens de acordo com sua tradição familiar estavam nes-ses três grandes segmentos. Eu estava na juventude socialista. Eu tinha estudado o socialismo. Eu acreditava.

Sem repressão, três grandes líderes se

enfrentam

Sem repressão, eleição legal com três grandes líderes, gran-des mesmo. Um deles, Radomi-ro Tomic teria um latifúndio de um milhão de hectares, o maior da América Latina. Ele era dono de todo o papel que era impres-so no Chile. Era uma peça cha-ve. Salvador Allende era um jovem candidato. E os EUA es-tavam muito preocupados com essa eleição.O Chile era diferente na Amé-rica Latina. Éramos uma refe-rência democrática. Historica-mente democrática. Revolução Cubana, Revolução Bolivaria-na, Revolução na Nicarágua, Revoluções na América Central, na América do Sul. Revoluções

“governar é educar”

É bom lembrar que o Chile era o único país

que tinha partidos com ideologias políticas. Eram

partidos socialistas e comunistas. A

Democracia cristã tinha grande

importância na Alemanha, Itália. E tinha a direita,

conservadora e liberal.

Em 1970 Salvador Allende é o candidato da esquerda. A Frente com essa divisão acabou e foi criada uma nova com o nome de União Popular ou Unidade Po-pular. Tínhamos ainda um candi-dato de centro Radomiro Tomic e um candidato de direita, Jor-ge Alessandri, o representante de toda a direita conservadora. Valdomiro representava a De-mocracia Cristã que estava go-

Foto: Claudionor Santana

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34 | EM MOVIMENTO

armadas, guerras, contra o im-perialismo. E o Chile vivendo uma transformação democrá-tica que os EUA não podiam controlar o processo. O governo de Nixon, 15 dias antes das eleições, realizou a última pesquisa. Foi uma pes-quisa histórica, que dava a vi-tória a Jorge Alessandri, com 36%; Tomic 34% e Allende 30%. Como este era o resul-tado Nixon e Kissinger apro-varam as eleições. “Não tem problema, vamos fazer elei-ções democráticas, vamos dei-xar”. Terceiro lugar Allende, segundo Radomiro, primeiro Alessandri... Estava garantida a vitória da extrema-direita, seguida do centro-direita e da esquerda. Hoje seria empate técnico, naquela época não. Chile tem uma tradição de elei-ções muito grande. Começa às 8h da manhã até às 4 da tarde. Às 21 horas todo o país sabia quem era o presidente eleito. Não ha-via computador, havia uma tradi-ção na apuração das eleições. E o que aconteceu naquele dia qua-tro de setembro de 1970: às 20h Salvador |Allende é eleito com 36%, Tomic com 34% e Ales-sandri fica em terceiro com 30%.

Ainda se acreditava em pesquisas

Eu não encontrava com Allen-de há uma semana e pensava: “já perdemos a eleição”. A campanha se encerrou de ma-neira muito ruim, com um car-taz com um militar soviético pegando o filho de uma mulher chilena... diziam eles que isso é o que aconteceria se ganhasse Salvador Allende.

Naquela noite nós não enten-demos nada. Naquela época no Chile ainda se acreditava nas pesquisas. As pesquisas eram exatas. Mas o fato é que tive-mos uma postura muito inte-ligente em todo o país. Eu me lembro quando entrevistaram a minha família: Você pra quem vai votar? Pra direita. E você? Na direita. Tudo bem, pronto. Pedro, João, José? Na direita. Ótimo. Essa foi uma pesquisa real, mas na hora de votar Pe-dro votou na esquerda, José votou na esquerda, João, es-querda. Porque se a pesquisa dá esse resultado, não teríamos eleição. Nixon não aprovaria a eleição. Era golpe imediato. Já tínhamos golpes no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, America Central... Guatemala. O Chile era uma ilha no con-tinente. Por isso aconteceu. E como nosso resultado foi de-mocrático no outro dia os EUA reconheceram as eleições e a vitória de Allende. Foi incrível!

Tínhamos um governo socialis-ta-comunista.

O que o governo Allende entendia como integração

Este governo não plantou a integração porque não havia qualquer possibilidade de nos integrarmos com os governos militares. Apresentamos a Or-ganização dos Estados Ame-ricanos (OEA) um projeto de integração: a Associação Lati-no-Americana de Livre Comér-cio (ALALC). Queríamos uma integração política. Os EUA não gostaram porque era uma

Selo Chileno com Salvador Allende

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EM MOVIMENTO | 35

associação latino-americana. Até hoje os norte-americanos não gostam deste termo latino--americano. Eles gostam do con-ceito OEA, (Estados America-nos), onde entra EUA, Canadá. E todos nós sabemos que a OEA é uma brincadeira dos EUA. Uma Associação, integração de livre comércio, integrar para levar nossos produtos para os EUA, Europa e Ásia, era de-mias. EUA não gostaram e em contraposição a essa política fi-zeram a Aliança para o Progres-so e o Banco Interamericano de Desenvolvimento para dar es-molas aos países. Essas foram as duas primeiras políticas de integração norte-americanas. BID e Aliança para o Progres-so. Era assim que eles queriam integrar a América latina com os EUA, com eles...Jogaram para dividir e criaram o Mercado Comum Centro--Americano, com apenas oito países. Eram eles: Panamá, Costa Rica, Honduras, Guate-mala, El Salvador e Nicarágua. Mercado Comum Centro Ame-ricano, não de Livre Comércio.Mercosul: só o sul. Mercado Comum das Antilhas: só das ilhas do mar do Caribe. Essa foi a política de divisão. Dividir para governar. A Aliança para o Progresso apoiava tudo isso. Se um país queria dinheiro, o cré-dito do BID tinha que ser dentro do Mercado Comum Centro--Americano. Isso não deu certo até os dias de hoje. Desenvol-vimento zero em todos os paí-ses, inclusive Brasil. Na nossa visão não é desenvolvimento o que vive o Brasil, é crescimento econômico. Desenvolvimento é uma coisa, crescimento é ou-

tra. Brasil tem dez milhões de quilômetros quadrados, 200 mi-lhões de pessoas. Os países desenvolvidos não têm crise de habitação e aqui ela é enorme, Então, não é de-senvolvimento. A renda de um país desenvolvido não é como a renda do Brasil. O analfabe-tismo. A população negra, total-mente “marginal”. Que desen-volvimento é esse? Crescimento

todos os países. Cada país ele-ge os candidatos ao Parlamento Europeu, da União Européia. Essa é a verdadeira integra-ção. Aqui eles não vão permitir nunca. Imagine um parlamento latino-americano? De jeito ne-nhum! Este parlamento é au-tônomo em relação aos EUA. Eles têm uma moeda única, Euro mais forte que o dólar. Esta é a verdadeira integração. Integração social: um passapor-te comum. O passaporte é úni-co. Quando nós latinos vamos ter isso aqui?. Nós continuamos a ser o quintal dos EUA, des-de o México até o Chile. Fazer essa integração social, econô-mica e política sem considerar-mos os EUA? De jeito nenhum. Os norte-americanos para irem a qualquer país têm que tirar o seu visto, seu passaporte, com-prar dólar que é o melhor. Eu me pergunto quando a Amé-rica Latina vai chegar a esse tipo de integração? Nós latino--americanos temos mais rique-zas que a União Européia. É incrível! O cobre é estratégico. Nós temos a maior produção do mundo hoje. A maior produção de estanho do mundo, Bolívia, Chile, Peru, Equador. São dois elementos chave: estanho para guerra nuclear e cobre para guerra no Oriente Médio. Além disso, temos 26% da água do mundo. Temos a Amazônia, a maior reserva de biodiversida-de do mundo. Temos por exem-plo, fertilizantes para produzir alimentos, os únicos que pro-duzem salitre são Bolívia, Chi-le e Peru. Fertilizante natural. Temos muitas riquezas. A inte-gração significa ficar com mui-to poder. É perigosa. Por isso

>>INTEGRAÇÃO<<

Hoje quem decide o modelo de

integração são os EUA. Eles apoiaram

a política de cada um desses países.

sim. São Paulo é um país com-pleto. Minas Gerais, Rio Gran-de do Sul, são três países. Hoje quem decide o modelo de integração são os EUA. Eles apoiaram a política de cada um desses países. Comandam a in-tegração e dizem sempre não para a integração política e a integração econômica. A inte-gração latino-americana é uma brincadeira para os EUA.

A União Européia vive a integração política

Compare com a Europa. Pri-meiro, o Mercado Comum Eu-ropeu. Hoje, União Européia. É uma integração política porque aqui os EUA, a primeira potên-cia do mundo, ficou fora. Um parlamento europeu, eleito por

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36 | EM MOVIMENTO

existe essa gama de mercados para dividir.

O Brasil era a esperança da América Latina

A partir da segunda década deste século surgem três novos atores que não estavam nesse jogo: Ín-dia, China e Japão. Não estão no mercado europeu, nem nos EUA, e muito menos da América Latina e, juntos, representam 40% da po-pulação mundial. É possível que em 2021 a China seja o país mais potente do mundo, a Índia pode ser o segundo e os EUA o tercei-ro. É um novo marco.

E na América Latina há um quadro político sem ideologias. Não há ideologia política nem econômica. O que há é a afir-mação das individualidades. O personagem de um país cons-titui o governo. Peru, Bolívia, Equador, são projetos persona-listas. Chile virou uma direita. A Colômbia é liderada por um conservador. Sempre estão de-pendentes dos EUA. E no Brasil não é diferente. No Chile se fala assim: o Brasil an-tes de Lula e depois de Lula. Antes, com forte concentração econômica, havia um sindicato fortíssimo, um partido forte de

organização dos trabalhadores e a luta contra o sistema político. Lembro-me, quando Collor de Melo foi eleito. Tudo isso antes de Lula. O Brasil era a esperan-ça da América Latina.Chávez não tem uma ideologia política e social contra o capi-talismo. O primeiro cliente de petróleo da Venezuela são os EUA. Ele quer ser uma espécie de líder latino-americano, mas não tem condições. Morei na Venezuela durante vinte anos e conheço a Venezuela. A Améri-ca Latina não se conhece. Chá-vez está à frente do país desde 1997. Qual o seu partido? Qual a ideologia política de Chávez? Para onde ele caminha? Cada vez estão mais pobres, os seus negros cada vez mais são marginalizados. O terceiro país mais rico do mundo é a Vene-zuela. Ela tem uma faixa pe-trolífera, no rio Orinoco, com cerca de 250 quilômetros de pe-tróleo, que ainda não está sendo

Na América Latina há um quadro político sem ideologias. Não há ideologia política nem econômica. O que há é a afirmação das individualidades.

Pedro Hildalgo e o presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro, Olímpio dos Santos, em debate sobre a integração da América Latina para aprovação de propostas a serem apresentadas no 9º Consenge. Na foto seguinte, com o diretor do Senge-RJ, Stelberto Soares.

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EM MOVIMENTO | 37

explorado. Hoje, essa riqueza é a pior arma que eles têm.

Não acredito na integração da América Latina

Como político chileno que sou não tenho trabalhado pela in-tegração. Veja Chile e Bolívia. Vivem um conflito de mais de cem anos. A saída da Bolívia para o mar não se resolve. A Bolívia tem uma acusação in-ternacional, contra o Chile e exige a saída ao mar. Veja Chile e Peru: Peru tem uma acusação internacional e centenária por seus limites no Pacífico. Cento e vinte anos. Que integração pode haver. Veja Peru e Equador, Co-lômbia e Venezuela, Venezuela e Países do Mar do Caribe todos esses conflitos são por limites, são históricos. Como integrar com problemas tão graves?

Os EUA compram cobre do Peru, do Chile e da Bolívia. Só compram a matéria prima e levam para industrializar lá. Não tem nesses países nenhu-ma empresa, uma sequer, para industrializar o Cobre. Estamos falando de três potências que produzem a maior quantidade de cobre do mundo, mas a ma-téria-prima vai apenas para os EUA. Eles a industrializam e vendem para países pequenos. É um metal estratégico, bélico, que os EUA precisam porque não têm petróleo. E o que fa-zem os EUA? Guardam as suas reservas e usam o petróleo da Venezuela. A integração da Ve-nezuela com estes países andi-nos produtores de cobre para vender petróleo e cobre para a Índia e China não é possível hoje. Mas é um caminho. Vejam pelo que passa a União Européia. A Grécia caiu eco-

nomicamente e cerca de vinte países estão tentando levantá--la, porque se, a Grécia caí na depressão econômica, os ou-tros também caem. Com todos os problemas estão integrados como um só país.. Não acredito hoje na integra-ção da América Latina.. Ama-nhã pode mudar. Mas com os países sem ideologia vivendo conflitos que a intervenção americana respalda não acre-dito. Perdemos o rumo com o fim da união soviética. Toda a es-querda alternativa se perdeu quando caiu o Muro de Ber-lim. A religião católica na mi-nha época era diferente. No Brasil tinha a Teologia da Li-bertação, que acabou. As por-tas foram se fechando, a in-tegração da América Latina é perigosa. Não é que seja bom ou ruim. É perigoso.

>>INTEGRAÇÃO<<

Foto: Claudionor Santana

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38 | EM MOVIMENTO

Com trechos do filme “Três Irmãos de Sangue”, ganha-

dor do V Cine Fest Petrobras Brasil, em Nova Iorque, foi lan-çado o Coletivo Memória, Ver-dade e Justiça, no auditório da OAB/RJ, em 15 de agosto. O filme, da diretora Angela Patri-cia Reiniger, conta a história de vida dos irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário, cujas trajetórias se confundem com todos os atos políticos, sociais e culturais do Brasil que aconteceram na se-gunda metade do século passado. Nada mais natural, portanto, que a trilha sonora do evento fosse do tecladista Marcos Sou-za, produtor do filme premiado e filho de Chico Mário. O artis-ta, que se disse abençoado por pertencer àquela família, fez questão de executar uma com-

posição de seu pai em home-nagem ao irmão Henfil, com o sugestivo título de “Ressurrei-ção”. Henfil realmente continua vivo. No filme, o cartunista faz uma profecia, como se já sou-besse o que viria pela frente em todas as sociedades ocidentais: “A sociedade do excesso é mui-

talecer a instalação da Comis-são da Verdade; lutar pela aber-tura dos arquivos da ditadura militar e exigir acesso irrestrito aos documentos produzidos nos anos de 1964 a 1988. “Diversos grupos e organizações da socie-dade civil de variadas matizes e origens resolveram se unir com o objetivo maior de lutar para que a versão verdadeira da história não seja mais excluída das páginas oficiais”, disse Ana Bursztyn, representante do Co-mitê/RJ, na cerimônia que lan-çou oficialmente as atividades do coletivo. Presente à cerimônia, o de-putado federal Chico Alencar lembrou que a correlação de forças no Congresso Nacional hoje é desfavorável a qualquer apuração da verdade, portanto, é preciso que haja pressão da sociedade civil para que sejam reveladas as mãos ainda sujas

Inadiável resgate da memória

Rosane de Souza

A sociedade do excesso é muito ruim e infeliz, porque você

não tem nada para conquistar.

to ruim e infeliz, porque você não tem nada para conquistar”. Comitês em prol da reconstru-ção da história recente do Bra-sil, semelhantes ao inaugurado no Rio, serão lançados em todo o Brasil com o objetivo de for-

>>JUSTIÇA<<

Foto: Francisco Teixeira/OAB-RJ

Page 41: Revista Em Movimento nº 6

EM MOVIMENTO | 39

do sangue da tortura: “Não que-remos uma Comissão de meia verdade, mas a de memória in-tegral”, disse o parlamentar.

Afago em torturadores

Ao abrir a cerimônia de instala-ção do Coletivo Memória, Ver-dade e Justiça, o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, reafir-mou o compromisso da entidade com todos os itens expressos no manifesto do grupo, tais como o resgate da história de resistência à ditadura, a abertura do acervo documental do período, a insta-lação de uma comissão da ver-dade autônoma e independente e cumprimento integral, pelo Bra-sil, da sentença da OEA no caso da guerrilha do Araguaia.”Os torturadores foram afagados pela decisão do Supremo Tribunal Federal(STF) de incluí-los na Leis de Anistia. Porém, se não punirmos os torturadores de on-tem estaremos premiando os de hoje”, assinalou. A advogada Nadine Borges, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que representou a ministra Ma-ria do Rosário na solenidade, se afirmou como parte de uma geração que não “viveu isso”, mas que aprendeu rápido a li-ção do passado. “O que sei hoje é suficiente para provar que as torturas nas penitenciárias e o maltrato da população de rua comprovam as inúmeras dívidas do estado brasileiro com a so-ciedade”. Por isso, ela acredita que o Brasil deve cumprir, pelo menos, as partes mais importan-tes da sentença da OEA que o condenou pela tortura de mili-tantes da Guerrilha do Araguaia.

Museu da Casa da Morte

O centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis encaminhou ao prefeito do município, Paulo Mustrangi, moção de desapropriação da Casa da Morte, localizada na cidade, para posterior construção no local do Centro de Memória e Justiça. Naquela casa funcionou, durante muitos anos, um dos piores porões montado pelo regime ditatorial para torturar opositores do regime. Para fortalecer as pressões pela desapropriação do imóvel, o CDDH de Petrópolis encampou a idéia de criação do museu e está realizando um abaixo assinado on line em sua defesa; Para assinar, basta acessar o site www.cddh.org.br ou o blog www.ceavcddh.blogspot,com

Já o deputado federal Antonio Carlos Biscaia informou sobre a iniciativa em curso de trans-formar o antigo Dops da Rua da Relação, no Rio de Janeiro, em Museu da Reparação e da Me-mória. Para Maurice Politi, do Núcleo de Preservação da Memória Política de São Paulo, revelar a verdade do que se passou é, antes de tudo, uma exigência da consciência, conforme aler-ta em livro o sociólogo francês Laurent Olivier. “A verdade não é questão de passado, mas de futuro”, enfatizou. Mais do que

ninguém, o deputado estadual Marcelo Freixo sabe o quanto o passado mal contado assombra a vida de inúmeras gerações. “A verdade é essencial como ins-trumento político e pedagógico de construção de um modelo de segurança pública, porque não é natural a política de extermí-nio, principalmente de jovens negros e pobres, assim como a transformação de batalhões da polícia em quartéis”, afirmou Freixo, acrescentando que tudo isso é um retrato fiel da lógica do terror imposto pelos agentes de segurança da ditadura.

Foto: Francisco Teixeira/OAB-RJ

Marcos Souza executa composição de seu pai, Chico Mário, em homenagem ao irmão Henfil, com o sugestivo título de “Ressurreição”.

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O COLETIVO RJ iniciou seus trabalhos em junho de 2011 quando pessoas, grupos e or-ganizações da sociedade civil se uniram para discutir e pro-mover atividades relacionadas ao reconhecimento do direito à Memória, à Verdade e à Justiça (...) Por conhecer a importância da reparação integral aos homens e mulheres que foram presos, tor-turados, banidos, exilados e aos que tiveram familiares executa-dos e desaparecidos pela repres-são militar, entendemos que esta é uma causa do presente, que diz respeito, sobretudo, a toda a so-ciedade brasileira. Demanda, por isso, uma resposta efetiva, demo-crática e participativa, e exige das autoridades competentes respon-sabilidade na formulação de polí-ticas públicas. Não podemos perder de vista que ainda ocorrem no país prisões ar-bitrárias, tortura sistemática, se-qüestros, execuções e desapare-cimentos forçados, que vitimam a população em geral, e que são práticas inaceitáveis, inadmissí-veis em um Estado Democrático de Direito. Torna-se, então, ur-gente e necessário que as políticas públicas incluam, em suas pautas, os Direitos Humanos, para que estes deixem de ser mero acessó-rio retórico às políticas de segu-rança pública.

Para reduzir os danos sociais, é preciso que se esclareça definiti-vamente o que aconteceu no pe-ríodo da ditadura militar, se reco-nheçam publicamente os crimes cometidos por agentes do Estado e colaboradores, se identifiquem e se responsabilizem individual-mente seus autores. É neste sentido que valorizamos a proposta de instalação da pri-meira Comissão da Verdade no Brasil, entendendo que esse ins-trumento poderá ser de importân-cia fundamental no processo de conquista do direito à Memória, à Verdade e à Justiça e no fortaleci-mento da democracia (...) Uma Comissão da Verdade deve ser independente e autônoma e buscar garantir um proces-so transparente e participativo. Pretende--se, desta forma, asse-gurar que seus resultados sejam bem documentados, esclarece-dores sobre o ocorrido no perío-do e diretos na identificação das responsabilidades pelos crimes de Estado. Mais ainda, seu rela-tório final deve ser amplamente difundido no país e formalmen-te encaminhado às autoridades competentes(...)É preciso que se tenha acesso irrestrito a toda e qualquer do-cumentação referente à ultima ditadura, e é essencial que o país cumpra seus compromissos

internacionais de respeito aos Direitos Humanos. Concebendo a Memória, a Ver-dade e a Justiça como dimensões esclarecedoras e reparatórias, interdependentes e complemen-tares, o COLETIVO RJ luta:

Por uma Comissão da Verdade autônoma e

independente;

Pela abertura de todos os acervos documentais

produzidos naquele período e contra qualquer instrumento que promova o ‘sigilo eterno’;

Pelo cumprimento integral da sentença da Corte

Interamericana de Direitos Humanos no caso da

Guerrilha do Araguaia; Pelo resgate da Memória e da Verdade sobre a história da

resistência à ditadura 1964-88.

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2011

Coletivorj mailing list

[email protected]

http://rededemocratica.org/mailman/listinfo/coletivorj_rededemocratica.org

MANIFESTO VERDADE, MEMÓRIA E JUSTIÇA(Reprodução parcial)

>>JUSTIÇA<<

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SEU VOTO FARÁ A DIFERENÇA NAS ELEIÇÕES DE 8 DE NOVEMBRO.

Você tem direito de participar das eleições do Sistema Confea/Crea e Mútua e ajudar a escolher os profi ssionais que vão te representar.

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