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Rotinas do Pré-Natal Caso Clínico: Paciente de 28 anos, G2P0A1, com gravidez de 7 semanas, comparece à consulta de pré-natal. Queixa-se apenas de náuseas e vômitos ocasionais. Nega fatores relevantes na história pessoal e familiar. Na história ginecológica relata ciclos regulares de 28/4 dias. Na história obstétrica há relato de abortamento espontâneo, de gravidez de 8 semanas, há 6 meses e sem necessidade de curetagem. Exame físico sem alterações, compatível com gestação inicial. Baseado no caso descrito acima, pergunta-se: 1) Quais seriam as orientações relativas ao tratamento e prevenção das náuseas e vômitos apresentados pela paciente? a) Iniciar o uso de antieméticos, para controlar o quadro clínico. b) Orientar a paciente a suspender a alimentação até a melhora do quadro. c) Orientar a paciente a comer pequenas quantidades, de 3 em 3 horas, evitando alimentos gordurosos e aumentando a ingestão de líquidos. d) Realizar a prevenção medicamentosa com administração de ácido fólico. 2) Devido à história de abortamento na gestação anterior, quais exames deveriam ser solicitados? a) Estudo genético do casal. b) Pesquisa de trombofilias congênitas e adquiridas. c) Pesquisa de infecções congênitas. d) Não é necessário pedir qualquer exame no momento.

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Rotinas do Pré-Natal

Caso Clínico:

Paciente de 28 anos, G2P0A1, com gravidez de 7 semanas, comparece à consulta de

pré-natal. Queixa-se apenas de náuseas e vômitos ocasionais. Nega fatores

relevantes na história pessoal e familiar. Na história ginecológica relata ciclos

regulares de 28/4 dias. Na história obstétrica há relato de abortamento espontâneo, de

gravidez de 8 semanas, há 6 meses e sem necessidade de curetagem.

Exame físico sem alterações, compatível com gestação inicial.

Baseado no caso descrito acima, pergunta-se:

1) Quais seriam as orientações relativas ao tratamento e prevenção das

náuseas e vômitos apresentados pela paciente?

a) Iniciar o uso de antieméticos, para controlar o quadro clínico.

b) Orientar a paciente a suspender a alimentação até a melhora do quadro.

c) Orientar a paciente a comer pequenas quantidades, de 3 em 3 horas,

evitando alimentos gordurosos e aumentando a ingestão de líquidos.

d) Realizar a prevenção medicamentosa com administração de ácido fólico.

2) Devido à história de abortamento na gestação anterior, quais exames

deveriam ser solicitados?

a) Estudo genético do casal.

b) Pesquisa de trombofilias congênitas e adquiridas.

c) Pesquisa de infecções congênitas.

d) Não é necessário pedir qualquer exame no momento.

Respostas:

Pergunta 1: C

As náuseas e vômitos estão entre as queixas mais comuns na gravidez, atingindo 50%

a 80% das gestantes.1 Geralmente iniciam-se entre 4 e 6 semanas, com pico entre 8 e

12 semanas e resolução até 16 semanas.

A abordagem inicial deve ser feita por meio de medidas dietéticas como:

Intervalo curto entre as refeições (2 a 3 horas)

Ingestão de, pelo menos, 2 litros de água por dia

Escolha de alimentos leves e pouco condimentados

Não misturar sólidos com líquidos durante a refeição

Realizar o desjejum com carboidratos simples (ex: biscoito de água e sal)

As medicações antieméticas devem ser reservadas para casos mais graves, ou na

falha da abordagem dietética.

O ácido fólico, utilizado na prevenção de defeitos de fechamento do tubo neural, não

tem efeito na redução da ocorrência de náuseas e vômitos.

Pergunta 2: D

O abortamento ocorre em até 20% das gestações clinicamente reconhecidas. Cerca

de 70% dos abortamentos precoces, em gestações com menos de 10 semanas, são

de origem genética.2

O estudo genético do casal, a pesquisa de trombofilias e pesquisa de infecções

congênitas fazem parte da investigação do abortamento de repetição, mas só devem

ser realizados a partir da terceira perda consecutiva, ou quinta alternada, o que ocorre

em aproximadamente 1% dos casais.

Rotinas de Pré-Natal

Índice:

1. Época e número de consultas

2. Exame Físico

3. Exames complementares

3.1 Tipagem Sanguínea

3.2 Hemograma

3.3 VDRL

3.4 HBsAg

3.5 Anti-HIV

3.6 Sorologia para toxoplasmose

3.7 Rastreamento do Diabetes Gestacional

3.8 Urina Rotina e Urocultura

3.9 Cultura para Estreptococos Beta hemolítico

4. Ultrassonografia

5. Sinais de alerta

Rotinas do Pré-Natal

A realização de consultas médicas prévias ao parto, com o objetivo de melhorar a

saúde das gestantes e diminuir a mortalidade materna e neonatal, foi proposta nas

primeiras décadas do século XX e rapidamente se tornou uma das práticas de saúde

mais difundidas em todo mundo.

No entanto, muitas das práticas adotadas rotineiramente carecem de fundamentação

cientifica. A presente revisão tem por objetivo abordar de forma prática, as principais

intervenções que devem ser realizadas em um pré-natal de risco habitual.

1. Época e número de consultas

A primeira consulta deve ser realizada o mais precocemente possível. Idealmente a

paciente deveria procurar o médico antes mesmo da gravidez, para a realização de

aconselhamento pré-concepcional, quando devem ser abordadas práticas preventivas

como a prescrição do ácido fólico e de imunizações, orientações sobre nutrição e

hábitos saudáveis de vida, bem como tratamento de doenças prévias.

O Ministério da Saúde recomenda que sejam realizadas pelo menos seis consultas em

um pré-natal sem intercorrências, sendo uma no primeiro trimestre, duas no segundo e

três no terceiro trimestre.3

Outros protocolos, como o publicado pelo National Institute for Health and Clinical

Excellence (NICE), no Reino Unido, recomenda a realização de sete consultas para

multíparas e 10 para nulíparas.4

A prática mais comum na maioria dos serviços consiste em realizar consultas a cada

quatro a cinco semanas até 34 semanas de gestação, quinzenais até 38 e semanais

até o final da gestação.

Não existe alta do pré-natal, as consultas devem ser realizadas até que a paciente

entre em trabalho de parto. Se a gravidez atingir 41 semanas, a paciente deverá ser

encaminhada para a maternidade, uma vez que estudos mostram que a mortalidade

fetal aumenta após essa idade gestacional, mesmo em gestações sem intercorrências.

2. Exame Físico

Na primeira consulta deverá ser realizado o exame clínico completo, com exame das

mamas, exame ginecológico, e coleta de citologia se a última tiver sido realizada há

mais de um ano.

Nas consultas subsequentes, o exame poderá ser mais objetivo, contemplando pelo

menos a medida do peso, pressão arterial, altura uterina (acima de 12 semanas),

ausculta fetal (acima de 12 semanas), realização da palpação abdominal – manobras

de Leopold (acima de 28 semanas) e pesquisa de edema. O exame de toque vaginal

rotineiro não traz benefícios em pacientes assintomáticas.4 Este pode ser realizado em

consultas alternadas até 30 semanas e em todas as consultas a partir dessa data.

3. Exames complementares

Os exames solicitados no pré-natal de risco habitual têm por objetivo identificar

condições, passíveis de intervenção, que possam melhorar o prognóstico materno e

fetal.

O quadro 1 lista os exames básicos a serem pedidos na rotina de pré-natal.

QUADRO 1. Roteiro para solicitação de exames no pré-natal de risco habitual.

Período Exame

1ª Consulta

ou

1º Trimestre

Grupo Sanguíneo e Fator Rh

Coombs Indireto (se Rh negativo)

Hemograma

Glicemia de jejum

VDRL

HbSAg

Anti-HIV

Toxoplasmose IgG e IgM

Urina rotina e Urocultura

2º Trimestre

(entre 24 e 28 semanas)

Teste de tolerância à glicose com 75g de dextrosol

Toxoplasmose IgG e IgM (se susceptível)

Coombs Indireto (se Rh negativo)

3º Trimestre

(entre 34 e 38 semanas)

Hemograma

VDRL

Anti-HIV

HbSAg

Urina rotina e Urocultura

Toxoplasmose IgG e IgM (se susceptível)

Coombs Indireto (se Rh negativo)

Cultura para estreptococos β hemolítico

3.1 Tipagem Sanguínea

O objetivo da pesquisa do antígeno D do grupo Rh é prevenir a aloimunização

materna. Aproximadamente 13% dos casais são incompatíveis quanto ao fator Rh

(mãe RhD negativo e pai RhD positivo).

Nos casais incompatíveis faz-se necessária a solicitação do teste de Coombs indireto,

para pesquisar a presença de anticorpos contra as hemácias. Caso o teste de Coombs

seja negativo, ele deverá ser repetido no segundo trimestre (24 a 28 semanas) e ao

final da gestação. Se o teste de Coombs for positivo em qualquer momento da

gestação, a paciente deverá ser encaminhada para o acompanhamento especializado.

Após o parto, naquelas mulheres RhD negativo, com Coombs indireto negativo, que

derem a luz uma criança RhD positivo, deverá ser realizada a aplicação da

imunoglobulina anti-RhD para prevenir a sensibilização materna. A eficácia da

imunoglobulina anti-RhD em prevenir a aloimunização é da ordem de 98%.

É boa prática, a aplicação da imunoglobulina anti-RhD nas pacientes Rh negativo, com

marido Rh positivo e Coombs indireto negativo, também durante a gestação, com 28

semanas. Tal rotina diminui a taxa de sensibilização pós-parto para 2% nas mulheres

que receberam a imunoglobulina apenas após o parto, e 0,2% naquelas que

receberam com 28 semanas e no pós-parto. 5, 6

FLUXOGRAMA 1. Pesquisa do fator RhD no Pré-Natal

Gestante Rh (D) negativo

Coombs Indireto Positivo? Sim Acompanhamento

Especializado

Não

Pai Rh(D) negativo Acompanhamento

habitual

Habitual

Pai Rh(D) Positivo ou

desconhecido

desconhecido

Coombs Indireto

com 28 semanas

Positivo Acompanhamento

Especializado

Negativo

Profilaxia antenatal Disponível? Sim Aplicar Imunoglobulina anti Rh(D) com 28

semanas e após o parto se RN Rh(D) positivo.

(Após a aplicação de imunoglobulina, o Coombs

ficará fracamente positivo).

Não

Aplicar Imunoglobulina Rh(D) após o

parto se RN Rh(D) positivo e Coombs

negativo

3.2 Hemograma

A anemia é doença muito prevalente entre as gestantes, atingindo em média 42% das

grávidas em todo mundo, com prevalência maior em países subdesenvolvidos. Na

América Latina a prevalência estimada é de 31% das gestantes.7 Na maioria dos

casos, a deficiência de ferro é o principal fator etiológico que corresponde até 95% das

anemias leves e por isso, diante de uma grávida com anemia leve, pode-se realizar o

tratamento de prova, sem necessidade de continuar a propedêutica.

A suplementação de ferro em gestantes sem anemia é um assunto mais controverso,

pois apesar de os estudos mostrarem que tal prática é efetiva em manter a

hemoglobina acima de 10mg/dL, não se evidenciou melhora nas taxas de mortalidade

materna e fetal. Além disso, a suplementação de ferro está associada a efeitos

colaterais, principalmente no trato gastrointestinal. Por isso, diversos autores sugerem

que a suplementação de ferro em gestantes não anêmicas possa ser feita de forma

intermitente (1 ou 2 vezes por semana) ao invés de diária. Dessa forma, o efeito

benéfico da reposição do ferro é mantido, com diminuição dos efeitos colaterais.8

FLUXOGRAMA 2. Avaliação da hemoglobina materna, prevenção e tratamento da

anemia

Hemoglobina

≥ 13,5mg/dL 11 - 13,5mg/dL 9 - 11mg/dL < 9mg/dL

Observar Profilaxia Tratar como

anemia

ferropriva

Investigar

outras causas

de anemia 30 a 60mg de

Fe elemento ao

dia ou

semanalmente

120 a 240mg de

Fe elemento ao

dia

3.3 VDRL

Estima-se que no Brasil ocorram 900.000 casos novos de sífilis por ano e que 4% das

gestantes atendidas na rede pública sejam acometidas. Até 40% dos recém-nascidos

de mães com sífilis vão apresentar acometimento grave. Daí a importância da

pesquisa da sífilis congênita através do teste de VDRL que deve ser realizado na

primeira consulta de pré-natal e no 3º trimestre. Em pacientes com titulação baixa (<

1:8) é necessária a confirmação do diagnóstico com um teste treponêmico específico

como o FTA-ABS. Se a titulação for mais alta (≥ 1:8), não há necessidade da

confirmação.9

O tratamento deve ser realizado com penicilina benzatina 2.400.000 UI em 3 doses,

com intervalo de uma semana. Após o tratamento, o acompanhamento deve ser

realizado com VDRL mensal por 6 meses e trimestralmente após essa data até sua

negativação. Se houver queda de 2 ou mais títulos após o tratamento, considera-se

que esse tenha sido efetivo.

FLUXOGRAMA 3. Rastreamento e tratamento da sífilis na gravidez

VDRL

< 1:8 ≥ 1:8 Negativo

Repetir no 3º

trimestre e após o

parto

FTA-ABS penicilina benzatina

2.400.00 UI, 3 doses

Negativo Positivo

VDRL Falso Positivo

Investigar doenças autoimunes

3.4 HBsAg

A hepatite B tem altas taxas de transmissão vertical. Até 90% dos filhos de mulheres

com infecção ativa pelo vírus da hepatite B serão portadores crônicos do vírus.

Destes, 25% morrerão por complicações da doença hepática cirrose e carcinoma

hepático.9

Não existe prevenção da transmissão vertical durante a gravidez, mas a identificação

das mães portadoras permite que os recém-nascidos recebam a vacina e a

imunoglobulina após o parto, o que diminui a soroconversão em até 95%. A

amamentação e a via do parto não influenciam as taxas de transmissão.

3.5 Anti-HIV

A prevalência do vírus HIV entre as gestantes no Brasil é de 0,42%, segundo pesquisa

publicada em 2004. 10 As taxas de transmissão vertical do vírus são da ordem de 25%

se não for feito nenhum tratamento. Com a adoção do tratamento antirretroviral

durante o pré-natal e parto, acompanhados da suspensão da amamentação e da

profilaxia para o RN, as taxas de transmissão são reduzidas cerca de 1%.

O exame deve ser realizado na primeira consulta de pré-natal e no terceiro trimestre.

Caso o exame seja positivo, a paciente deve ser encaminhada o mais rápido possível

para tratamento especializado.

3.6 Sorologia para toxoplasmose

A toxoplasmose é uma doença muito prevalente, com as taxas de sorologia positiva

variando de 43 a 84% no Brasil.10 A incidência na gravidez é estimada entre 0,2% a

1%. A taxa de transmissão vertical aumenta com a época da primo infecção materna,

sendo de 15% no primeiro trimestre, 30% no segundo e 60% no terceiro. Já o risco de

complicações fetais diminui se a transmissão vertical ocorrer em idades gestacionais

mais avançadas.

A pesquisa da infecção materna é feita através da pesquisa dos anticorpos IgG e IgM.

A interpretação dos testes é sumarizada no quadro 2.

QUADRO 2. Interpretação da sorologia para Toxoplasmose

IgG IgM Interpretação Conduta

Negativo Negativo Susceptível Orientações sobre MHD.

Repetir a sorologia trimestralmente.

Positivo Negativo Imune Abandonar o acompanhamento.

Negativo Positivo Infecção aguda

ou Falso positivo

do IgM

Pesquisar sintomas e possível contato

Iniciar profilaxia da transmissão

vertical.

Repetir a sorologia em 3 semanas.

Positivo Positivo Infecção aguda

ou IgM residual

Iniciar profilaxia da transmissão

vertical.

Solicitar teste de avidez de IgG.

MHD: medidas higieno-dietéticas

A paciente susceptível não deve ser negligenciada. Além da repetição trimestral dos

testes, ela deve ser lembrada em todas as consultas da importância da prevenção

através das medidas higieno-dietéticas que são:

Não comer carne crua ou mal-passada;

Não comer ovo cru;

Higienizar bem verduras e legumes se for ingeri-los crus;

Evitar contato com terra (jardinagem, etc), ou usar luvas e lavar bem as mãos

após a manipulação.

Uma observação interessante é que como não existe toxoplasmose em peixes, a

ingestão de carne de peixe crua, como ocorre nas comidas japonesas, não é proscrita

para as gestantes susceptíveis.

Sempre que o IgM for positivo há suspeita de infecção aguda. Nesse caso a profilaxia

da transmissão vertical deve ser iniciada com a espiramicina, 1g de 8 em 8 horas, o

mais rapidamente possível, pois a infecção fetal ocorre na maioria das vezes no início

da infecção materna.

Simultaneamente, inicia-se a propedêutica complementar para confirmar ou afastar a

infecção aguda. No caso apenas de IgM positivo, deve-se repetir a sorologia em 3

semanas. O IgG surge na circulação materna duas semanas após o surgimento do

IgM e portanto, no caso de infecção aguda, ambos os anticorpos estarão positivos no

segundo exame. Na possibilidade de apenas o IgM permanecer positivo, ou se ambos

estiverem negativos, trata-se de um falso positivo do IgM e a profilaxia poderá ser

suspensa.

Quando ambos os exames se mostram positivos, além da infecção aguda, tem-se que

pensar também na condição conhecida como IgM residual, situação onde o referido

anticorpo permanece positivo por longos períodos, mesmo após a infecção aguda (até

2 anos).

Para afastar a possibilidade de IgM residual, deve-se solicitar o teste de avidez de IgG,

que se superior a 50%, indicará que a infecção ocorreu há mais de 16 semanas. Se

for inferior a 30%, a infecção provavelmente ocorreu em tempo inferior a 16 semanas.

Utilizando o teste de avidez realizado no primeiro trimestre e o cálculo da idade

gestacional, pode-se inferir se a infecção ocorreu durante a gestação ou se foi prévia à

gestação e a profilaxia pode ser suspensa.

Nos casos de infecção aguda confirmada, a paciente deve ser encaminhada a serviço

de referência para acompanhamento e verificação da necessidade de tratamento fetal.

3.7 Rastreamento do Diabetes Gestacional

O diabetes gestacional acomete cerca de 8% das grávidas, podendo chegar até a

18%, dependendo do teste de rastreamento utilizado.11,12

A busca pelo diagnóstico do diabetes gestacional é de fundamental importância, pois,

além de se tratar de doença muito prevalente, quando não tratada, está associada a

altas taxas de complicações maternas e perinatais.

Diversos protocolos já foram pesquisados para o rastreamento dessa doença. Nessa

revisão utilizaremos o preconizado pelo Ministério da Saúde (MS) que é baseado no

da Organização Mundial da Saúde (OMS), por ser o mais disseminado no nosso meio.

Pelo protocolo do MS o rastreamento deve ser feito em duas etapas, na primeira

consulta de pré-natal (glicemia de jejum) e entre 24 e 28 semanas (glicemia pós

dextrosol). O achado de exames alterados deve ser seguido de orientações dietéticas

para a mãe e do seu pronto encaminhamento para serviço de referência. O fluxograma

4 ilustra os passos do rastreamento do diabetes mellitus gestacional (DMG).

FLUXOGRAMA 4. Rastreamento do Diabetes Gestacional (protocolo adaptado do

Ministério da Saúde)

O estudo HAPO (Hyperglicemia and Adverse Pregnancy Outcome), foi um grande

estudo multicêntrico que mostrou que mesmo em pacientes que não se enquadravam

no diagnóstico tradicional do DMG, mas que apresentavam hiperglicemia na gravidez,

houve maior ocorrência de resultados adversos.12

A desvantagem do protocolo adotado nesse estudo é que ele classifica um maior

número de mulheres como sendo diabéticas (17,8%), Por outro lado, essas pacientes

com hiperglicemia gestacional se beneficiariam de acompanhamento mais rigoroso

com obstetra e endocrinologista e de controle dietético maior. Acreditamos que o

protocolo adotado pelo MS ainda é o mais adequado para o nosso meio.

Glicemia de Jejum

(1ª consulta)

< 90 90 - 109 ≥ 110

Glicemia 2h pós

75g de Dextrosol

(24 – 28 semanas)

Glicemia 2h pós

75g de Dextrosol

(Imediatamente)

Repetir Glicemia de

Jejum

< 140 = Normal ≥ 140 = DMG < 140 ≥ 140 = DMG

< 110 ≥ 110 = DMG

3.8 Urina Rotina e Urocultura

O principal objetivo de avaliar a urina da grávida é identificar as pacientes portadoras

de bacteriúria assintomática. Fora do período gestacional, habitualmente não se trata

a bacteriúria assintomática; mas durante a gestação, pelas modificações fisiológicas

impostas pela gravidez, as portadoras de bacteriúria assintomática têm alto risco de

desenvolver uma infecção sintomática não complicada ou até mesmo uma pielonefrite.

Além disso, o tratamento da bacteriúria assintomática mostrou-se efetivo na redução

das taxas de parto pré-termo e baixo peso ao nascer.13

O achado de mais de 100.000 unidades formadoras de colônia por ml na urocultura é

indicativo de bacteriúria assintomática e deve ser tratado. As drogas de escolha são:

ampicilina, amoxacilina, cefalosporinas e nitrofurantoína.

Após o tratamento deve ser realizada urocultura de controle e uroculturas mensais até

o final da gestação devido ao alto risco de recorrência. Lembramos que em caso de

ocorrência de três ou mais episódios de infecção não complicada na gestação, ou a

partir do segundo episódio de pielonefrite, é necessário manter a quimioprofilaxia

diária até o final da gravidez. Tal quimioprofilaxia pode ser realizada com a

nitrofurantoína, 100mg, 1 comprimido ao dia.

3.9 Cultura para Estreptococos Beta hemolítico

A infecção pelos estreptococos do grupo B é causa importante de sepse neonatal

precoce, acometendo 5 a 6 recém-nascidos a cada 1.000 nascidos vivos, com taxas

de mortalidade de 5% para nascidos a termo e de até 25% para pré-termo. 13

Estima-se que 10 a 30% das mulheres apresentem colonização assintomática por

estreptococos do grupo B. Os filhos destas têm risco 25 vezes maior de desenvolver a

sepse neonatal precoce.

Em função desse risco aumentado, o Center for Diseases Control (CDC), órgão

responsável pelo monitoramento e controle de doenças infecciosas nos EUA,

recomenda desde 1996, o rastreamento da colonização por estreptococos do grupo B

na gestação.

Esse rastreamento é feito com a coleta de swabs do introito vaginal e do reto, com

semeadura do material em meio de cultura específico. Pacientes com rastreamento

positivo devem receber a profilaxia na hora do parto. A profilaxia deve ser feita com a

penicilina cristalina, 5.000.000 UI EV, iniciada pelo menos 4 horas antes do parto. Se o

parto não ocorrer nas próximas 4 horas, doses de repique devem ser realizadas, com

a penicilina cristalina EV 2.500.000 UI.

Em situações onde a prevalência da colonização pelos estreptococos do grupo B é

baixa, ou quando o rastreamento não está disponível, a profilaxia da sepse neonatal

pode ser realizada levando em considerações os fatores de risco descritos no quadro

3.

QUADRO 3. Indicações para a profilaxia intraparto da sepse neonatal precoce

pelo estreptococos do grupo B

É importante lembrar que no caso de cesariana eletiva, fora do trabalho de parto e

com membranas íntegras, não é necessário realizar a profilaxia, mesmo que a cultura

seja positiva.

4. Ultrassonografia

A ultrassonografia foi um dos maiores avanços no acompanhamento obstétrico nas

últimas décadas. Seu uso, no entanto, deve ser parcimonioso, pois a realização

excessiva de exames encarece a assistência pré-natal e não traz benefícios nem para

a mãe nem para o feto.

A ultrassonografia deve ser realizada em períodos específicos para melhorar a

detecção de determinadas condições, como o risco de cromossomopatias ou do parto

pré-termo. O quadro 4 indica os melhores momentos para a realização de exames

ultrassonográficos na gestação.

QUADRO 4. Períodos e objetivos da ultrassonografia na gestação

Período Exame Objetivo

7 a 9

semanas

US obstétrica endovaginal Verificar a viabilidade embrionária;

Afastar gravidez ectópica

Diagnosticar gravidez gemelar e avaliar

corionicidade

Datação da gravidez

12 a 14

semanas

US obstétrica para TN Avaliar risco de cromossomopatias

20 a 24

semanas

US morfológica

US endovaginal

Avaliar a morfologia fetal

Medir o colo uterino para avaliar o risco

de parto pré-termo

32 a 36

semanas

US obstétrica Avaliar crescimento fetal e vitalidade

US: Ultrassonografia; TN: Translucência nucal

Em uma gestação de evolução normal, os exames mencionados acima são mais do

que suficientes para assegurar o bem estar fetal. Na vigência de intercorrências

maternas ou fetais, outros exames podem e devem ser realizados, seguindo a

necessidade de cada caso.

5. Sinais de alerta

Envolver as mães no cuidado com a evolução da gestação é fundamental. Além das

orientações sobre alimentação, vacinação e hábitos de vida (entre outras), as

pacientes devem ser orientadas sobre alguns sinais de alerta que devem motivar uma

consulta com seu obstetra (Quadro 5)

QUADRO 5. Principais sinais de alerta na gestação

Sinal Observação

Sangramento vaginal Anormal em qualquer época da gravidez

Cefaléia Esses sintomas, principalmente no final da gravidez,

podem sugerir pré-eclâmpsia. Escotomas visuais

Epigastralgia

Edema excessivo

Contrações regulares Sintomas indicativos de início do trabalho de parto

Perda de líquido

Diminuição da movimentação

fetal

Pode indicar sofrimento fetal

Febre Pode indicar infecção

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