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    Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia. Aspectos sociais das desigualdades na Bahia. Salvador:SEI, 2008. 268 p. il. (Srie estudos e pesquisas, 78). ISBN 978-85-85976-63-7

    1. Desigualdade social Bahia. I. Ttulo. II. Srie.

    CDU 364.144 (813.8)

    Ficha Tcnica

    Coordenao Editorial

    Cludia Monteiro Fernandes

    Equipe de ElaboraoCludia Monteiro FernandesDaniela Franco CerqueiraFlvia Santana RodriguesIara Normando TudeLaumar Neves de SouzaLus Andr de Aguiar AlvesPatricia Chame DiasMarcelo Santana

    Reviso de LinguagemVera Brito

    NormalizaoCoordenao de Biblioteca e Documentao (COBI)

    Produo Editorial e GrficaCoordenao de Disseminao de Informaes (CODIN)Mrcia Santos

    Editoria de Arte e de Estilo Elisabete Cristina BarrettoProduo Mariana OliveiraProjeto Grfico Elisabete Barretto, Julio VilelaEditorao Ramon Brando

    Av. Luiz Viana Filho, 435, 2 andar - CAB CEP 41750-002 Salvador - Bahia

    Tel.: (71) 3315-4822 / 3115-4707 Fax: (71) 3116-1781

    www.sei.ba.gov.br - [email protected]

    Governo da Bahia

    Governo do Estado da BahiaJaques Wagner

    Secretaria do PlanejamentoRonald de Arantes Lobato

    Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da BahiaJos Geraldo dos Reis Santos

    Diretoria de PesquisasJos Ribeiro Soares Guimares

    Coordenao de Pesquisas SociaisLaumar Neves de Souza

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    APRESENTAO

    A aceitao do capitalismo e da ideologia (neo)liberal como os paradigmas dominantes da

    modernidade contribuiu para que se tornasse senso comum a idia da necessidade da reduo

    do Estado que, convergente com essa nova lgica, deixaria de ser o principal provedor dobem-estar social. A vida econmica das naes passaria, desse modo, a ser regida, predomi-

    nantemente, pelos mecanismos de mercado. Nesse contexto, se acentuaram os problemas

    ocasionados pela desigualdade e pela pobreza, ainda que tenham sido considerados como

    algo de inadivel enfrentamento. De fato, as conquistas cientcas, o desenvolvimento de

    tecnologias, o avano na produo e difuso das informaes que se zeram presentes nas

    ltimas dcadas no conseguiram minimizar a questo das intensas disparidades nas condies

    de vida dos povos de diferentes naes. O que se evidenciou foi que o aumento da riqueza

    dos pases no foi acompanhado por polticas de melhor distribuio de renda.

    No incio da dcada de 2000, sobretudo nos pases ditos em desenvolvimento, o cenrio foi de

    diminuio, e mesmo supresso, dos direitos sociais, do aumento da concentrao de renda,

    do desemprego e da excluso social, situaes que contriburam para expor o acirramento das

    desigualdades sociais que, por isso, voltaram a ser objeto de debates acadmicos, constituindo-

    se em foco de programas de governos e de projetos de organismos internacionais.

    Sendo assim, fundamental que os governos conheam as condies de vida dos seus cida-

    dos, entendendo seus determinantes histricos e conjunturais, de modo a atuar com maior

    ecincia no sentido de minimizar os problemas gerados pelas extremas desigualdades sociais.

    Foi com o intuito de participar das discusses em curso e de contribuir para o planejamento

    governamental no estado da Bahia, que a Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da

    Bahia - SEI realizou este estudo cujo propsito central foi, com base nas informaes da PesquisaNacional por Amostra de Domiclios, do Instituto Brasileiro de Geograa e Estatstica - IBGE, de

    2003, identicar os nveis de desigualdade no estado, principalmente aqueles evidenciados

    no mercado de trabalho, vericando como as diferentes situaes espaciais, sociais e pessoais

    podem afetar o acesso a bens socialmente valorizados. Trabalhou-se, igualmente, no sentido

    de apresentar o perl dos segmentos sociais de maior e menor renda na Bahia, no que diz

    respeito forma de insero no mercado de trabalho, ao rendimento, ao nvel educacional e

    tipo de organizao familiar, quando possvel, em cada um dos trs espaos enfocados: Bahia,

    Regio Metropolitana de Salvador, Bahia No-Metropolitana.

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    Pretendeu-se, portanto, ir um pouco alm do debate conceitual e metodolgico sobre a pobreza

    e os desequilbrios socioeconmicos, construindo um retrato da desigualdade que no casse

    restrito simples enumerao e caracterizao dos pobres e excludos, trazendo-se luz as

    contradies da sociedade baiana, contradies essas criadas h muito e que se mantiveram

    e se acentuaram com o passar do tempo. Desta forma, espera-se contribuir com elementos

    para a elaborao de polticas pblicas mais ecientes e sustentveis no longo prazo, que

    possibilitem uma maior eqidade nas condies de vida da sociedade baiana.

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    SUMRIO

    07 CONSIDERAES INTRODUTRIAS E ELEMENTOS METODOLGICOS PARA ADISCUSSO DAS DESIGUALDADES NA BAHIA

    Patricia Chame Dias, Cludia Monteiro Fernandes

    08 RENDA, DESIGUALDADE E POBREZA

    13 A RESPEITO DA ESPACIALIZAO13 Critrios para delimitao de reas urbanas e rurais14 Validade da persistncia da dicotomia urbano-rural

    15 REFERNCIAS

    17 A DISTRIBUIO DE RENDA NO ESTADO DA BAHIA:ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE AS REAS ANALISADAS

    Lus Andr de Aguiar Alves

    18 A DESIGUALDADE DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA, POR ESPAOS E ESTRATO DE RENDA

    20 A ORIGEM DOS RENDIMENTOS DAS FAMLIAS BAIANAS E A DISTRIBUIO DOSRENDIMENTOS DO TRABALHO

    24 A DISTRIBUIO DOS RENDIMENTOS DO TRABALHO

    31 CONSIDERAES FINAIS

    32 REFERNCIAS

    33 TRAOS DAS FAMLIAS BAIANAS SEGUNDO A PERSPECTIVA DA DESIGUALDADE DERENDIMENTO

    Laumar Neves de Souza, Lus Andr de Aguiar Alves, Cludia Monteiro Fernandes

    36 TRANSFORMAES DA FAMLIA BRASILEIRA38 O novo padro sociodemogrco40 Os novos valores culturais41 Os fatores de ordem econmica

    44 COMO SO AS FAMLIAS BAIANAS DE MENOR E DE MAIOR RENDIMENTO?

    54 CONSIDERAES FINAIS

    55 REFERNCIAS

    59 DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS E DESIGUALDADES EDUCACIONAIS Marcelo Santana, Iara Normando Tude

    60 DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS E ACESSO EDUCAO FORMAL

    64 DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS E SITUAO EDUCACIONAL DA POPULAO

    67 CONSIDERAES FINAIS

    67 REFERNCIAS

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    69 O MERCADO DE TRABALHO DA BAHIA SEGUNDO A TICA DA DESIGUALDADE DE

    RENDIMENTOS

    Flvia Santana Rodrigues

    70 O CONTEXTO GERAL DA REESTRUTURAO PRODUTIVA E O MERCADO DE TRABALHO

    DA BAHIA SEGUNDO ALGUNS ATRIBUTOS DAS PESSOAS EM IDADE ATIVA COM

    RENDIMENTOS

    74 A CONFIGURAO DO MERCADO DE TRABALHO DOS GRUPOS DOS 10% DE MAIOR E

    DOS 50% DE MENOR RENDA FAMILIAR PER CAPITA

    87 CONCLUSES

    89 REFERNCIAS

    91 ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O PERFIL SETORIAL E OCUPACIONAL DOS GRUPOS

    DE RENDA

    Daniela Franco Cerqueira

    92 OS GRUPOS DE RENDA NOS GRANDES SETORES DE ATIVIDADE

    92 Agropecuria

    96 Indstria

    103 Servios

    111 CONSIDERAES FINAIS

    112 REFERNCIAS

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    CONSIDERAES INTRODUTRIAS E ELEMENTOS METODOLGICOSPARA A DISCUSSO DAS DESIGUALDADES NA BAHIA

    Patricia Chame Dias*

    Cludia Monteiro Fernandes**

    Nos ltimos anos, as polticas pblicas de Estado tm buscado alternativas visando a minimizar as

    histricas e acentuadas desigualdades sociais vigentes no Brasil. No entanto, tal como alerta Ivo

    (2003), as aes dos governos no parecem ser calcadas na tentativa de promover uma melhoria dascondies de vida do cidado. Seu objetivo fundamental tem sido o de garantir uma estabilidade

    social mnima, atenuando as tenses e as incertezas sociais inerentes s novas polticas econmicas

    liberais a m de permitir, ou facilitar, a continuao da acumulao capitalista. Para essa autora,

    na medida em que se reestruturou o modelo de responsabilidade social com o Estado se desin-

    cumbindo de mediar, estruturar e garantir os direitos sociais , a conduo da questo social vem

    sendo desassociada da institucionalidade da proteo social. Criou-se uma clara separao entre

    proteo e assistncia, esta ltima sendo tratada como algo desvinculado dos direitos sociais.

    O combate pobreza, tarefa que os governos na contemporaneidade assumem como fundamental,

    vem sendo colocado em substituio efetivao de polticas sociais fundamentadas nos direitos

    universais. Pautando-se nessa lgica, o novo modelo de justia social passa ao largo das causasestruturais da pobreza, fortalece-se a vertente da focalizao das aes, com alvos claramente

    delineados e limitado investimento nanceiro, situao que reete o carter pontual que passaram

    a ter as novas polticas sociais.

    No Brasil, tanto no discurso poltico quanto em alguns setores da Academia, durante muito tem-

    po defendeu-se a idia de se investir esforos no crescimento econmico, pois, a partir da viria

    a soluo para os problemas associados desigualdade de acesso aos direitos sociais e para a

    reduo da pobreza. Os direitos a uma distribuio de renda e condies de vida menos desiguais

    cavam, assim, adiados em nome de um futuro que se divulgava prspero No entanto, no nal

    do sculo XX, o que se evidenciou foi o agravamento da desigualdade nas condies de vida desua populao, provocando a retomada do debate sobre a pobreza que, ento, foi fortemente

    inuenciado pelas novas polticas liberais.

    interessante observar que as desigualdades se intensicaram num momento em que o Brasil

    experimentava o processo de redemocratizao, iniciado no nal dos anos 70 e que culminou com

    a Constituio de 1988, a chamada Constituio Cidad, que gerou uma expectativa de ampliao

    de acesso aos direitos sociais.

    * Mestra em Geografia pela UFBA. Especialista em Polticas Pblicas e Gesto Governamental. Trabalha na [email protected]

    ** Economista. Mestra em Cincias Sociais pela UFBA. claudiamf@uol. com.br

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    ASPECTOSSOCIAISDASDESIGUALDADESNABAHIA

    RENDA, DESIGUALDADE E POBREZA

    Em 2003, conforme dados do Banco Mundial, o Brasil possua um PIB de 492.338 milhesde dlares, o que o colocava na 15 posio no rankingmundial da produo de riquezas.

    Tomando-se como base o poder de compra de cada moeda nacional, o PIB brasileiro se elevou

    para 1.371.655 milhes de dlares PPP (purchasing power parity) e o pas passou a ocupar a

    9 colocao. Do ponto de vista da renda per capita, ocupa uma posio bem mais modesta

    (95, sob o primeiro critrio e 86, sob o segundo). Ainda assim, mais de 60% dos pases do

    mundo tinham renda per capita inferior brasileira no referido ano. Em outros termos, no

    cenrio mundial, tomando-se como referncia tais indicadores, o Brasil apresentava-se numa

    posio relativamente confortvel. Todavia, comparando-se com a situao desse pas com a

    existente em outros com renda per capita semelhante, evidenciava-se que aqui a pobreza era

    signicativamente superior mdia mundial. Com efeito, em 1999, cerca de 30% da populaoera considerada pobre, enquanto que em pases com renda per capita similar brasileira, essa

    proporo cava em torno de 10%. Essa diferena do Brasil em relao s demais naes pode

    ser atribuda ao amplo grau de concentrao dos recursos nesse pas (BARROS; HENRIQUES;

    MENDONA, 2001).

    Para discutir essa situao, relevante vericar o estudo de Rocha (2003) onde os pases foram

    organizados em trs grupos, tomando como base o nvel de pobreza. De acordo com essa

    autora, fariam parte do primeiro grupo pases onde a existncia da pobreza absoluta seria

    inevitvel, dada a insignicncia da renda nacional de cada um deles. Nesses casos, mesmo

    que a renda fosse distribuda da forma mais igualitria possvel, ainda assim, a pobreza per-sistiria. Caberia aduzir que, paradoxalmente, exatamente em pases como esses, de escasso

    desenvolvimento econmico, que a distribuio de renda , em geral, a mais concentrada e,

    por conseguinte, onde a pobreza se manifesta da maneira mais abominvel.

    Pertenceriam a um segundo grupo os pases ditos desenvolvidos, cuja renda per capita ele-

    vada e a desigualdade de rendimentos compensada por transferncias de renda via governo

    e por acesso a servios pblicos de boa qualidade. Nesse caso, portanto, a noo de pobreza

    tem um carter necessariamente relativo, baseando-se na renda mdia ou mediana de cada

    contexto social. Vale acrescentar que o assalariamento, nesse grupo de pases, a forma am-

    plamente dominante de insero no mercado de trabalho e que, em geral, o mnimo salarial

    tem a capacidade de suprir de maneira satisfatria as necessidades bsicas de quem trabalha.

    Ademais, os rendimentos do trabalho no apresentam grandes disparidades entre si.

    Haveria, nalmente, um terceiro grupo de pases situado em uma posio intermediria, isto

    , pases que j ostentam uma renda per capita que, em tese, seria suciente para garantir

    condies de vida minimamente decentes para todos, mas que permanecem com largas par-

    celas de sua populao vivendo em situao de pobreza absoluta. Para os integrantes desse

    grupo, portanto, a persistncia da misria estaria associada, principalmente, desigualdade

    na distribuio da renda.

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    O Brasil enquadra-se nessa ltima caracterizao: mesmo detendo um acmulo de riqueza

    signicativo, a pobreza permanece incidindo sobre uma larga parcela da sua populao

    reetindo sua histrica forma de distribuio (ou melhor, concentrao) de renda. SegundoOsrio e Medeiros (2003), conforme os critrios utilizados para denir uma linha de pobreza1,pode-se dizer que entre um tero e metade dos moradores do pas vive em torno dessa linha.Dada a riqueza aqui gerada, a situao evidencia a extrema desigualdade da distribuio derenda no Brasil como a principal causa da elevada proporo de pessoas que vivem em po-breza absoluta. Essa injusta distribuio de renda, associada desigual distribuio de infra-estruturas e servios pblicos, incide na produo de intensas disparidades nas condies devida da populao brasileira.

    Centrando-se as reexes na questo da distribuio da renda, observa-se que, conforme Ferreira

    (2000), na dcada de 1990, o ndice de Gini2do Brasil cou em torno de 0,59, enquanto que na

    Amrica Latina era de 0,50, na frica de 0,47 e nas regies mais igualitrias, como nos pases

    ricos, esse ndice no ultrapassou 0,34. Barros, Henriques e Mendona (2001) observaram que

    os nveis de pobreza atribudos populao brasileira eram bem superiores aos constatados

    em um conjunto de naes com renda per capita prxima do Brasil. Acrescentaram que a

    anlise atenta do perodo 1977/99 revela, de forma contundente [...] a inacreditvel estabilidade

    da intensa desigualdade de renda que acompanha a sociedade brasileira ao longo de todos

    esses anos (BARROS; HENRIQUES; MENDONA, 2001, p. 17).

    Com base nesses e em outros dados levantados, tais autores argumentaram que alm (ou mais

    do que) de estimular o crescimento econmico, faz-se necessrio que no Brasil sejam empre-

    endidas polticas que diminuam a desigualdade. Em outros termos, com uma poltica de distri-buio de renda efetiva seriam alcanados resultados mais rpidos e satisfatrios no que tange

    reduo da pobreza do que os que vm sendo obtidos em anos de crescimento econmico,

    j que [...] a pobreza reage com maior sensibilidade aos esforos de aumento de eqidade do

    que aos de aumento do crescimento [econmico] (BARROS, HENRIQUES, MENDONA, 2001, p.

    20). Acrescente-se que, tal como se demonstra no Relatrio de Desenvolvimento Humano da

    ONU (dados de 1999), a razo entre a renda mdia dos 20% mais ricos da populao brasileira

    e os 20% mais pobres era maior do que 30, o que colocava o Brasil como um dos campees

    mundiais da desigualdade, sendo superado apenas pela frica do Sul e por mais alguns pe-

    quenos pases do continente africano.

    Esses dados e anlises contribuem para reforar a proposio de Furtado (1981), que concebeque a pobreza no Brasil que no necessariamente um pas pobre e, sim, desigual po-deria ser minimizada pela reduo na participao da renda nacional dos 10% mais ricos aomesmo nvel que esse segmento detm nos pases cujo estgio de desenvolvimento similarao nacional.

    1Osrio e Medeiros (2003), embora discutindo a pertinncia ou no do uso de uma linha de pobreza, para o estudocitado optaram por adotar como lin ha de pobreza o valor de salrio-mni mo de renda domiciliar per capita no msde janeiro de 2002, que equivalia a R$ 90,00.2O ndice de Gini, que utilizado para verificar a desigualdade de uma distribuio, varia de 0 (zero) a 1 (um), sendo

    o 0 a igualdade perfeita e 1 a extrema concentrao ou mxima desigualdade.

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    formar, a mdio prazo, no estado mais pobre do Brasil (OSRIO; MEDEIROS,

    2003, p. 257).

    Analisando a distribuio de rendimento entre a populao em idade ativa (PIA), Guimares

    (2003) vericou que, em 1992, os 50% mais pobres da Bahia se apropriavam de 14,5% do

    rendimento do estado, enquanto que o 1% mais rico se apropriava de 15,0% desse total. No

    ano de 1999, esses valores passaram a ser de 16,8% e 15,2%, respectivamente. Observou que,

    ainda que se pudesse dizer que tenha havido uma pequena diminuio da desigualdade para

    o estado, cerca de 6,5 milhes de pessoas detinham, em 1999, uma parcela do rendimento

    total praticamente igual quela que era apropriada por cerca de 130 mil pessoas. Na Regio

    Metropolitana de Salvador (RMS), a concentrao de renda, diferentemente do vericado para

    a totalidade baiana, ampliou-se: para os 50% mais pobres, a participao no rendimento total

    declinou de 14,0% para 12,4%; j para os 10% mais ricos, identicou-se um aumento de 13,8%para 14,1% na participao na massa de rendimento.

    Prosseguindo em suas anlises, Guimares (2003) constatou tambm elevados nveis de desi-

    gualdade na distribuio dos rendimentos em termos de renda familiar per capita. Na Bahia,

    em 1999, a renda oscilou em torno de 6,3 salrios mnimos no grupo formado pelos 10% mais

    ricos, enquanto que entre os 10% mais pobres a renda familiar per capita equivalia a 0,15%

    do salrio mnimo. Comparando-se esses resultados com os de outros estados nordestinos,

    mais uma vez, os dados da totalidade estadual e da RMS apontam para situaes distintas.

    Considerando-se a Bahia, o nvel da desigualdade da renda familiar encontrava-se entre os

    menores do Nordeste e abaixo da mdia nacional. Na RMS, encontrou-se o maior diferencial

    de renda dentre as outras oito regies metropolitanas estudadas pela PNAD nessa, a renda

    mdia familiar per capita das pessoas que se encontravam no grupo dos 10% mais pobres

    era de 0,15 salrio mnimo, enquanto que a dos 10% mais ricos era de 12,5 salrios mnimos.

    Analisando esses dados, concluiu que, entre 1992 e 1999, o

    [] estado apresentou uma ligeira melhoria da desigualdade de renda

    marcado, sobretudo, por uma maior participao dos mais pobres na renda

    vis visuma ligeira reduo da participao dos mais ricos.

    Por outro lado, na RMS, a contrao dos rendimentos que j era elevada

    foi ainda mais acirrada em decorrncia da reduzida expanso da renda dos

    mais pobres em detrimento de um crescimento mais do que proporcional

    da renda dos mais abastados. Esse processo leva a crer que, provavelmen-

    te, a melhoria na distribuio de renda do interior do estado tenha sido at

    mais expressiva, uma vez que as tendncias da RMS inuenciam de forma

    signicativa as mdias estaduais (GUIMARES, 2003).

    Os trabalhos de Osrio e Medeiros (2003) e de Guimares (2003) apresentam resultados e

    concluses similares. Entretanto, o estudo desenvolvido por esse ltimo autor revelou a exis-

    tncia de peculiaridades na dinmica da pobreza e da distribuio renda na RMS em relao s

    demais reas do estado, apontando para a necessidade de tratar desses dois recortes espaciais

    a Bahia e sua regio metropolitana nos estudos que tratem de desigualdades. Com isso,

    os fenmenos relacionados distribuio dos rendimentos ocorridos no ncleo central da

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    economia da Bahia (Salvador e seu entorno) ganhariam visibilidade, permitindo identicar as

    convergncias e divergncias desses processos em relao evidenciados para a totalidade do

    estado. Ademais, esse enfoque tambm possibilitaria identicar a situao de outro espao,

    que se pode chamar, a Bahia No-Metropolitana.

    Acrescente-se que as reexes sobre as desigualdades sociais nesse estado no podem ser

    feitas sem que se atente para as condies sob as quais a Bahia passou a integrar de forma mais

    articulada o processo de expanso do capitalismo do pas. Aps um perodo de estagnao

    econmica observada no comeo do sculo XX, interesses das elites locais associada a aesdo Governo Federal zeram com que, a partir dos anos 50, a Bahia reassumisse importncia nocenrio econmico nacional. A descoberta do petrleo, a implantao da Renaria LandulfoAlves (em 1955), do Centro Industrial de Aratu (em 1962) e do Complexo Petroqumico de

    Camaari (em 1978) ilustram bem essa fase da economia calcada na industrializao.Deve-se destacar que, tal como armaram Faria (1980) e Carvalho e Souza (1980), dentre ou-tros autores, a instalao dessas estruturas decorreu de interesses e decises extra-regionais,desarticuladas e desarticulando os setores produtivos locais, e se conguraram como umaextenso do parque industrial do Sudeste, das grandes empresas internacionais que j estavamfuncionando naquela regio. Pode-se dizer que a industrializao baiana, baseada na produode bens intermedirios, tratou-se de [...] um modelo de complementaridade com a estruturaindustrial do Centro-Sul, e por essa via a integrao da Bahia economia nacional se fez maiscompleta e mais rpida (OLIVEIRA, 1987, p. 50). Sendo assim, no processo de re-integrao nova ordem produtiva do pas, a Bahia assumiu uma posio inferior em relao aos estados

    do Sudeste tambm se abrindo a eles como mercado para seus produtos e como fornecedorade mo-de-obra que comandavam a economia e a poltica nacional.

    No mbito interno, do mesmo modo, evidenciou-se uma hierarquizao dos diversos espaosbaianos (diversidade evidenciada em termos histricos, polticos, econmicos, sociais e ambien-tais). A dita modernizao da economia do estado e a elevao dos indicadores econmicostiveram como sede principal Salvador e seu entorno. Em outras palavras, alm de no se arti-cular com os setores produtivos anteriormente existentes, a industrializao foi espacialmenteconcentrada, fortalecendo a centralidade da rea metropolitana em relao totalidade doestado. Sendo assim, se de fato a pobreza e a desigualdade existiam muito, com o adventoda industrializao, a forma e os processos que a estabeleceram favoreceram a permannciada maior concentrao social e espacial da renda, da populao, dos investimentos pblicose privados e da instalao de equipamentos de infra-estrutura na RMS.

    Considerando-se a persistncia dos desequilbrios na distribuio de renda, seus diferenciaisespaciais e as especicidades do desenvolvimento econmico do estado, ao se propor estudarquestes referentes s desigualdades sociais na Bahia, optou-se por, ao invs de denir umalinha de pobreza, tratar das especicidades das populaes que esto situadas nos extre-mos sociais. Em outras palavras, as anlises se pautaram na comparao dos dados do grupoformado pelos 50% da populao com menores rendimentoscom os do grupo dos 10%com maiores rendimentos.Tal opo teve por objetivo trazer luz as distncias existentesentre esses dois grupos sociais. Alm disso, evidenciou-se relevante observar o perl de cadaum desses grupos de acordo com os espaos onde residiam, denidos a partir de anlises

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    realizadas em estudos anteriores: o conjunto estadual, a RMS e a Bahia No-Metropolitana.Assim, no se pretendeu dimensionar apenas o tamanho da pobreza, mas, principalmente,

    contribuir para a construo de polticas pblicas voltadas ao enfrentamento das questesque produzem e perpetuam as desigualdades, levantando-se aspectos daqueles grupos comos maiores e com os menores rendimentos da Bahia em 2003.

    Parte-se, assim, do pressuposto de que as desigualdades sociais so fenmenos que no so

    especcos da Bahia, tendo sido gerados, ao longo dos sculos, em decorrncia de seus pro-

    cessos internos, mas, principalmente, por conta de dinmicas ocorridas nas escalas nacionais

    e internacionais. Nesse sentido, no basta identicar a quantidade de pessoas que vivem de

    forma precria; evidencia-se a necessidade de elaborar um panorama sobre as desigualda-

    des na Bahia, buscando tratar de algumas das mltiplas variveis que essa situao envolve.

    Para tanto, neste estudo, tendo como base de dados a Pesquisa Nacional por Amostra deDomiclio, a PNAD, de 2003, selecionaram-se os segmentos sociais por estrato de renda (os

    50% com menor renda e os 10% de maior renda), e tomando-se como referncia o rendimento

    familiar per capita, a proposta principal deste trabalho se consiste em identicar os nveis de

    desigualdade para o conjunto estadual, para o espao Metropolitano e para o espao No-

    Metropolitano, demonstrando como as diferentes situaes espaciais, sociais e pessoais

    podem afetar o acesso a bens socialmente valorizados.Procurou-se, igualmente, vericar o

    perl da populao, no que diz respeito a caractersticas do domiclio, do emprego, dos ren-

    dimentos, da educao e a forma de organizao familiar para os dois grupos selecionados,

    em cada um dos trs espaos enfocados.

    A RESPEITO DA ESPACIALIZAO

    Para a operacionalizao deste trabalho, conforme mencionado anteriormente, foram ado-

    tados trs recortes espaciais: o estado; a Regio Metropolitana de Salvador (RMS) e a Bahia

    No-Metropolitana. Optou-se, com isso, por no utilizar a espacializao mais comum a esse

    tipo de anlise, que toma como base as desigualdades entre as reas urbana e rural. Alm de

    considerar os resultados dos estudos anteriormente realizados a exemplo de Gimares (2003),

    essa opo metodolgica decorreu (1) do objetivo deste estudo e (2) das discusses sobre a

    validade de se trabalhar com essas duas categorias espaciais acima postas. Com relao a essas

    discusses, simplicadamente, pode-se armar que se pautam em dois grupos de argumentosapresentados a seguir.

    Critrios para delimitao de reas urbanas e rurais

    No Brasil, ocialmente, toda sede municipal e distrital considerada rea urbana. Esse critrio

    respeitado pelo IBGE em suas pesquisas. Para o Censo Demogrco de 2000 foi estabelecida

    uma nova categoria de urbana denominada rea urbana isolada3. As reas rurais correspondem

    3 O IBGE considera rea urbana isolada o setor urbano situado em reas definidas por lei municipal e separadas da

    sede municipal ou distrital por rea rural ou por um outro limite legal.

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    quelas diferentes desses contextos os povoados; aglomerados do tipo expanso urbana;

    ncleo de um determinado aglomerado rural isolado e outros que no se enquadrem em

    nenhuma das categorias anteriores. Ressalve-se, contudo, que como apontou Veiga (2002), a

    denio legal do que ou no urbano decorre da ao das cmaras municipais que podem

    independente de qualquer caracterstica social, econmica ou de organizao espacial que

    uma rea possua estabelecer novos distritos e seus ncleos bem como expandir o permetro

    urbano j existente.

    A delimitao do urbano, portanto, vincula-se a decises de cunho poltico-administrativo e

    varia, com certa intensidade ao longo do tempo. Na Bahia, aps 1996, a rea e a populao

    urbana se ampliaram signicativamente por efetivos processos de urbanizao, mas, alm

    disso, ocorreu a emancipao de dois novos municpios4(o que implicou na criao de sedes/

    novas reas urbanas) e em 62% das suas unidades municipais ocorreu expanso do permetrourbano que avanou sobre o rural por conta de decretos municipais. Se por um lado essas

    leis podem ter expressado no nvel legal processos que j estavam ocorrendo (incorporando

    reas que efetivamente haviam passado por alterao de formas de organizao e produo,

    deixando de apresentar um perl associado ao mundo rural), por outro, podem ter convertido

    em rea urbana espaos cujas caractersticas e densidades de pessoas estejam eminentemente

    vinculadas ou se baseiem em atividades associadas agropecuria.

    No que tange ao escopo deste trabalho, importa destacar que a constante alterao dos

    permetros urbano e rural inviabiliza anlises comparativas ao longo do tempo para ambas

    as reas. Do mesmo modo, ainda que se faa um estudo para um determinado perodo, oconjunto urbano e o conjunto rural baiano envolvem realidades com uma grande variao de

    tipologias, o que sugere que esse no se constitui num recorte espacial dedigno no sentido

    de revelar especicidades em relao a diferentes aspectos da vida social, tal como a questo

    das desigualdades.

    Validade da persistncia da dicotomia urbano-rural

    Autores como Singer (1975), Santos (1994), Spsito (1999), e Souza (2003) verificaram

    que, a partir da Revoluo Industrial e da dinmica dos processos scio-espaciais

    dela decorrentes , sobretudo a partir do perodo tcnico-cientfico-informacional, os

    espaos seguiram novas lgicas de articulao. Com isso, o que tradicionalmente era

    considerado urbano ou rural, com sistemas de valores e modos de produo singulares

    e mais ou menos independentes, passaram a ser submetidos a processos bastante co-

    muns. Especificamente, a ideologia urbana no ficou mais circunscrita aos limites fsicos

    da cidade, espalhando-se, inclusive, por reas onde as atividades ligadas produo

    primria predominavam. Desse modo, esses estudiosos argumentaram que a dicotomia

    urbano-rural no faz mais sentido, na medida em que existe uma articulao entre os

    moradores dessas reas, decorrente dos fluxos de pessoas, mercadorias, informaes,

    4

    Barrocas e Lus Eduardo Magalhes (ambos criados em 2000).

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    OLIVEIRA, Francisco. O elo perdido: classe e identidade de classe. So Paulo: Brasiliense, 1987.

    OSRIO, Rafael Guerreiro; MEDEIROS, Marcelo. Concentrao de renda e pobreza na Bahia: 1981-1999.In: SUPERINTENDNCIA DE ESTUDOS ECONMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Pobreza e desigualdades sociais.

    Salvador: SEI, 2003. p. 249-266. (Srie estudos e pesquisas, 63).

    ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: anal, de que se trata?. Rio de Janeiro: FGV, 2003.

    SANTOS, Milton.A urbanizao brasileira. 2. ed. So Paulo: Hucitec, 1994. (Estudos urbanos, 5).

    SINGER, Paul. Economia poltica da urbanizao. 2. ed. So Paulo: Brasiliense, 1975.

    SOUZA, Marcelo Lopes de.ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

    SPSITO, Maria Encarnao Beltro. A urbanizao da sociedade: reexes para um debate sobre as

    novas formas espaciais. In: DAMIANI, Ana Lusa; CARLOS, Ana Fani Alessandri; SEABRA, Odette Carvalho.(Org.). O espao no m do sculo: a nova raridade. So Paulo: Contexto, 1999. p. 83-99.

    VEIGA, Jos Eli da. Cidades imaginrias: o Brasil menos urbano do que se calcula. Campinas, SP: Autores

    Associados, 2002. 304 p.

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    A DISTRIBUIO DE RENDA NO ESTADO DA BAHIA:ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE AS REAS ANALISADAS

    Lus Andr de Aguiar Alves*

    Distribuio de renda sempre um assunto controverso, principalmente no Brasil que um dos

    pases que detm uma das maiores, se no a maior, concentrao de renda no mundo. Deve-se

    salientar que, na maioria dos casos, as estimativas de concentrao de renda levam em conside-rao a distribuio pessoal da renda auferida atravs de pesquisas domiciliares. Por outro lado,

    a distribuio funcional da renda, que estima a diviso da renda entre salrios e lucros, sequer

    mencionada. No Brasil, desde o incio da dcada de 1970, a distribuio pessoal da renda sempre

    se apresentou muito elevada. J no caso da distribuio funcional, a concentrao se acentuou

    principalmente a partir da dcada de 1990.

    Na Bahia, o quadro da distribuio de renda no poderia ser diferente. Porm, o estado possui al-

    guns agravantes que tornam, principalmente, a distribuio pessoal da renda mais desigual. Fatores

    como a grande concentrao de atividades econmicas no entorno e na Regio Metropolitana de

    Salvador (RMS); uma base industrial predominantemente intensiva de capital (indstria qumica e

    petroqumica) com baixo emprego de mo-de-obra1; cidades, na sua grande maioria, de pequeno

    porte populacional sem condies de abrigar atividades econmicas mais complexas; uma grande

    populao rural atrelada a atividades agrcolas de baixssima produtividade; altos ndices de de-

    semprego e de informalidade no trabalho. Esses so alguns dos fatores que, provavelmente, con-

    tribuem para que a distribuio pessoal da renda no estado apresente indicadores to elevados.

    Neste artigo, a anlise da desigualdade dos rendimentos, em primeiro momento, segue as linhas

    denidas para este trabalho; analisando as desigualdades por espaos (Estado, Metropolitano e

    No-Metropolitano) e por estratos de rendimento (50% de menor rendimento e 10% de maior

    rendimento) levando-se sempre em considerao o rendimento familiar per capita. Em segundo

    momento, a anlise ser baseada na formao dos rendimentos, ou seja, rendimentos oriundosdo trabalho, aposentadorias, penses, aluguis etc. Neste caso, a anlise leva em considerao

    os espaos, e apenas para o estado sero considerados os estratos de rendimentos. Por m, a

    ltima parte vai analisar os rendimentos do trabalho por espao e por algumas caractersticas

    das pessoas ocupadas.

    * Mestre em Economia pela UFBA. Especialista em Polticas e Gesto Governamental. Trabalha na [email protected] que essa caracterstica aumenta no s a distribuio pessoal da renda, por empregar poucas pessoas pagandoaltos salrios, como tambm faz aumentar a concentrao funcional da renda, pois atrela aos poucos empregoscriados ao uso intensivo de capital, garantindo uma maior produtividade do trabalho e, conseqentemente, uma

    menor participao dos salrios no produto gerado.

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    ASPECTOSSOCIAISDASDESIGUALDADESNABAHIA

    A DESIGUALDADE DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA, POR ESPAOS E ESTRATO DE RENDA

    Como foi citado anteriormente, o estado da Bahia possui uma distribuio de renda bastanteconcentrada, sendo que essa concentrao mais acentuada em relao aos ndices apre-

    sentados pelo pas devido s caractersticas socioeconmicas e geoclimticas do estado.

    Dividindo o estado da Bahia em espao Metropolitano e No-Metropolitano cam expl-

    citas as diferenas existentes, em termos de rendimento familiar per capita, entre as duas

    reas. A Tabela 1 mostra que existe um diferencial signicativo de rendimento familiar per

    capita mdio da RMS em relao ao espao No-Metropolitano. Neste caso, o rendimento

    mdio familiar per capita na RMS supera em cerca de 98% a mdia observada no espao

    No-Metropolitano.

    Tabela 1

    Rendimento mdio familiar per capita, por espao e estrato de rendimento, Bahia, 2003

    EspaoRendimento mdio familiar per capita em R$ Relao

    10% / 50%50% 10% Total

    Estado 57,17 1.020,30 210,30 17,85

    Metropolitano 84,31 1.696,79 339,27 20,13

    No-Metropolitano 51,88 768,41 171,60 14,81

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Observando a mesma relao anterior, considerando os estratos de renda, verica-se que

    entre os 50% de menor rendimento, o rendimento mdio familiar per capita da RMS, R$ 84,31,

    supera em 62,5% a mdia do espao No-Metropolitano, R$ 51,88. Em relao ao segmento

    dos 10% de maior rendimento, a diferena entre as mdias do rendimento familiar per capita

    cerca de 121,8%.

    As relaes entre as mdias por estrato de rendimentos tambm se mostram bastantes

    desiguais, sendo inferior a 15 vezes no espao No-Metropolitano. Por sua vez, na RMS

    essa relao um pouco maior que 20. As mdias de rendimento familiar per capita para a

    populao total dos espaos se mostraram muito baixas, sendo superior ao salrio mnimo

    vigente em setembro de 2003 (R$ 240,00) apenas no espao Metropolitano. Dessa forma, a

    tabela aponta que a desigualdade no estado mais signicativa devido ao grande diferencial

    de salrios existentes entre os 10% de maior rendimento residentes na RMS em relao ao

    restante do estado.

    A Tabela 2 mostra os valores monetrios extremos do rendimento familiar per capita por

    espao e estrato do rendimento. Observa-se que, em relao aos 50% de menor rendimento,

    independente de espao, os valores mximos encontrados por espao so baixos. Tal estru-

    tura de rendimentos coloca esse percentual da populao extremamente dependente dos

    servios pblicos.

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    A DISTRIBUIODERENDANOESTADODABAHIA:ALGUMASCONSIDERAESSOBREASREASANALISADAS

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    Tabela 2

    Limites mximos do menor rendimento e limites mnimos do maior rendimento por espao,Bahia, 2003

    EspaoLimite do rendimento familiar per capita em R$

    Rendimento mximo 50% Rendimento mnimo10%

    Estado 106,00 407,00

    Metropolitano 160,00 725,00

    No-Metropolitano 96,00 330,00

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Em relao aos 10% de maior rendimento familiar per capita, os valores mnimos para o seg-

    mento, independente de espao, apresentam valores superiores a um salrio mnimo familiarper capita. Em se tratando de uma pequena elite da populao dos espaos em estudo,

    pode-se concluir que, at para uma boa parte das pessoas que se encontram dentro deste

    seleto grupo, os rendimentos familiares podem ser considerados modestos.

    A Tabela 3 ajuda a entender melhor os dados apresentados anteriormente, indicando que

    em mdia, na Bahia, os 10% de maior rendimento apropriam-se de 48,5% dos rendimentos,

    enquanto os 50% de menor rendimento cam apenas com 13,6%.

    Tabela 3

    Proporo dos rendimentos apropriados por segmento de renda familiar per capita e porespao, Bahia 2003

    EspaoProporo dos rendimentos em relao ao total de rendimentos (%)

    50% 10%

    Estado 13,59 48,53

    Metropolitano 12,42 50,02

    No-Metropolitano 15,12 44,78

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Observando-se por subespao (Metropolitano e No-Metropolitano), as mudanas nas pro-

    pores so mais signicativas no espao No-Metropolitano. Contudo, deve-se ressaltar ocarter adverso dos comportamentos. Enquanto na RMS observado um comportamento

    regressivo, a proporo dos rendimentos das pessoas com maior rendimento aumenta. No

    espao No-Metropolitano o comportamento progressivo maior proporo das pessoas

    com menor rendimento e reduo na proporo dos rendimentos das pessoas com maior

    rendimento.

    Por m, a Tabela 4 mostra os valores do ndice de Gini total e por segmento de renda de

    acordo com o espao. Observa-se que os formatos das distribuies so bastante seme-

    lhantes. Em relao ao total, o ndice de Gini de 0,608 na RMS e de 0,555 no espao No-

    Metropolitano. Apesar de a desigualdade ser menor no espao No-Metropolitano, isso no

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    ASPECTOSSOCIAISDASDESIGUALDADESNABAHIA

    signica melhores condies de vida, visto que os rendimentos freqentemente observados

    nessa rea so bastante modestos. Ademais, os ndices encontrados para as duas reas,

    apesar de apresentarem caractersticas bastante diferenciadas, so consideravelmente

    elevados, indicando que a concentrao de renda do estado no muito inuenciada por

    questes regionais.

    Tabela 4

    ndice de Gini por espao e segmento de rendimento familiar per capita, Bahia, 2003

    Espaondice de Gini

    Total 50% 10%

    Estado 0,589 0,260 0,388

    Metropolitano 0,608 0,266 0,328

    No-Metropolitano 0,555 0,252 0,380

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    No tocante aos 50% de menor rendimento familiar per capita, os ndices no apontam grandes

    diferenas entre os espaos observados. Entre os 10% de maior rendimento familiar per capita,

    a desigualdade mostra-se substancialmente menor na RMS, com o ndice de Gini em torno de

    0,328, enquanto, nos demais espaos, apresenta este ndice igual ou acima de 0,380.

    A ORIGEM DOS RENDIMENTOS DAS FAMLIAS BAIANAS E A DISTRIBUIO DOSRENDIMENTOS DO TRABALHO

    Aprofundamento da anlise sobre a distribuio dos rendimentos no estado da Bahia requer

    o exame de novas variveis. A m de dimensionar melhor os diferenciais de rendimentos que

    envolvem a RMS e o espao No-Metropolitano se faz necessrio discutir a origem dos rendi-

    mentos nestas duas regies. Para uma melhor compreenso, ser feita uma anlise com base

    na origem dos rendimentos por espao e estraticao por renda familiar per capita, sendo

    que esta ltima compreender apenas os dados para o total do estado.

    A Tabela 05 mostra a fonte dos rendimentos das pessoas, segundo o espao Metropolitano e

    No-Metropolitano. Comparando-se as mdias dos rendimentos por fonte, constata-se que

    as mdias observadas na RMS so substancialmente superiores s observadas no espao No-

    Metropolitano, sendo a nica exceo os rendimentos provenientes de fundos de penso.

    Contudo, para este segmento a amostra muito pequena, no sendo signicativa.

    Apesar das disparidades existentes nos rendimentos mdios, as distribuies relativas dos

    rendimentos em relao s fontes so bastante similares. Na RMS o conjunto dos rendimentos

    do trabalho, aposentadorias e penses pagas pelo INSS representam 94,6% dos rendimentos

    declarados na pesquisa, enquanto no espao No-Metropolitano esse conjunto de fontes de

    rendimento responsvel por 95,4%.

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    benefcios com uma antecipao de cinco anos de idade em relao aos trabalhadores urbanos.

    Alm disso, o estado da Bahia a unidade da federao que possui a maior populao rural

    em termos absolutos, com um grande contingente de populao empregada em atividades

    agrcolas, o que implica em uma grande concesso de benefcios por idade (ALVES, 2004).

    O fato de as aposentadorias rurais por idade serem sempre xadas em um salrio mnimo faz

    com que a mdia das aposentadorias e penses no espao No-Metropolitano convirja para

    uma mdia em torno do salrio mnimo vigente. Na RMS as aposentadorias so geralmente

    concedidas com base no tempo de servio. Nestes casos, os benefcios so maiores, pois para

    sua concesso so consideradas as contribuies do trabalhador, o que faz os valores dos bene-

    fcios concedidos aumentarem, sendo em mdia, bem superior ao valor do salrio mnimo.

    Na observao dos outros rendimentos (aluguis, doaes, fundo de penso, juros) preciso

    salientar que estes so mal estimados pela PNAD (ALVES, 2003a), que encontra diculdades

    para estimar os rendimentos oriundos do patrimnio. Apesar disso, os dados apontam para

    uma mdia maior desses rendimentos na RMS, em relao ao espao No-Metropolitano, o

    que tem certa consistncia, visto que rendimentos maiores permitem uma acumulao maior

    de patrimnio.

    A distribuio dos rendimentos por fonte e estrato de rendimento familiar per capita observada

    na Tabela 6. Entre os 10% de maior rendimento familiar per capita, os rendimentos do traba-

    lho correspondem a 77,2% do total dos rendimentos recebidos, seguidos de aposentadorias

    e penses do INSS, com 14,8% e 3,2%, respectivamente. Com exceo dos aluguis, que tm

    participao de 1,7%, as demais fontes de rendimentos possuem participao menor que 1,0%.O esperado para este segmento seria uma participao mais signicativa dos rendimentos com

    origem no patrimnio. No entanto, percebe-se que, por uma questo comportamental, ou de

    segurana, as pessoas mais ricas, ou com maior patrimnio, costumam omitir informaes a

    respeito do seu patrimnio e dos seus investimentos, o que leva a uma subestimao desses

    rendimentos no segmento. Com exceo dos rendimentos oriundos dos juros com um valor

    mdio de R$ 229,61, todos os rendimentos superam a mdia de R$ 600,00 por ms.

    Entre os 50% de menor rendimento familiar per capita, os valores mdios dos rendimentos

    encontrados so muito baixos em relao ao salrio mnimo. Como exceo, os rendimentos

    oriundos de aposentadorias e penses pagas pelo INSS que, pela Constituio Federal de 1988,obedecem ao limite mnimo de um salrio mnimo. Por essa razo, os rendimentos oriundos

    das transferncias do INSS so os que possuem os maiores valores mdios.

    Os rendimentos oriundos do trabalho so responsveis por cerca de 80,3% dos totais dos

    rendimentos. Esse comportamento est dentro do esperado, visto que os baixos rendimentos

    dos salrios impedem a formao de poupana e de capital por boa parte desses indivduos.

    O baixo percentual de participao das aposentadorias e penses pagas pelo INSS (8,07%

    e 2,04% respectivamente) reexo dos baixos rendimentos, principalmente do trabalho,

    praticados no estado. Isso faz que uma simples aposentadoria ou penso, na maioria das

    vezes, com valor de um salrio mnimo, permita aos indivduos que as recebem e a seus

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    familiares, considerando a metodologia adotada no trabalho, freqentar os estratos de

    rendimento familiar per capita superiores aos valores observados como limite para os 50%

    de menor rendimento familiar per capita.

    Tabela 6

    Pessoas com rendimentos, total de rendimentos, e mdia dos rendimentos, por fonte dorendimento e estrato de rendimento familiar per capita, Bahia, 2003

    Fontes derendimentos

    PopulaoTotal dos rendimentos Mdia dos

    rendimentos (R$)R$ %

    10% de maior rendimento

    Todos os trabalhos 734.406 996.292.476 77,21 1.356,60

    Aposentadorias INSS 193.518 191.243.875 14,82 988,25Penso INSS 60.749 41.795.793 3,24 688,01

    Fundo de penso 4.545 7.894.436 0,61 1.736,95

    Outro tipo de penso 17.088 11.280.530 0,87 660,14

    Abono de permanncia

    Aluguis 35.164 21.688.676 1,68 616,79

    Doaes 15.430 9.461.480 0,73 613,19

    Juros 47.008 10.793.279 0,84 229,61

    Total 1.290.450.545 100,00

    50% de menor rendimento

    Todos os trabalhos 2.415.766 290.574.282 80,36 120,28

    Aposentadorias INSS 119.421 29.186.870 8,07 244,40

    Penso INSS 43.698 10.281.503 2,84 235,29

    Fundo de penso 207 25.875 0,01 125,00

    Outro tipo de penso 36.898 4.082.384 1,13 110,64

    Abono de permanncia

    Aluguis 8.897 976.600 0,27 109,77

    Doaes 99.147 7.576.141 2,10 76,41

    Juros 657.658 18.907.118 5,23 28,75

    Total 361.610.773 100,00

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Entre os 50% de menor rendimento familiar per capita a proporo dos rendimentos

    oriundos do patrimnio muito baixa. Os rendimentos dos salrios e das transferncias

    do INSS representam 91,3% do total de rendimentos, sendo o restante dividido entre

    doao, aluguis, rendimento de fundo de penso, outros tipos de penso, abono de

    permanncia e juros. As doaes tm uma importncia maior e representam 2,1% dos

    totais de rendimentos, com uma mdia de R$ 76,41. Porm, significativas so a proporo

    dos rendimentos dos juros 5,23% e a quantidade de pessoas que possuem esse tipo de

    rendimento, cerca de 657 mil.

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    Ainda que, em mdia, sejam baixos, os rendimentos dos juros R$ 28,75 atestam a existncia

    de poupana nanceira em um segmento da populao que possui parcos rendimentos mone-

    trios. Uma melhor observao dos dados a respeito deste quesito mostra que boa parte desses

    poupadores jovem, geralmente entre 15 e 20 anos. surpreendente que, para este grupo de

    pessoas, que devido a sua situao material e nanceira, a preferncia intertemporal est, na

    maioria das vezes, associada ao presente, o que praticamente inviabiliza a formao de poupana

    ou realizao de investimento, exista uma poupana signicativa. Este fato pode ser creditado

    manuteno de um falso status social, pois a existncia da poupana pode denotar certo tipo

    de riqueza, o que se contrape situao de pobreza to comum a este estrato social.

    A DISTRIBUIO DOS RENDIMENTOS DO TRABALHO

    Aps observar que, independente da segmentao realizada na populao do estado, o ren-

    dimento do trabalho possui um peso signicativo, sempre acima dos 70%, na formao total

    dos rendimentos das famlias baianas. Faz-se necessrio, portanto, um estudo para saber como

    esses rendimentos se distribuem entre a populao ocupada. Neste caso, o estudo segmen-

    tado por estrato de renda no ser realizado, devido amostra restrita que teria o segmento

    dos 10% de maior rendimento familiar per capita. Para melhor observar a distribuio dos

    rendimentos do trabalho, a amostra ser dividida regionalmente em Regio Metropolitana

    de Salvador e espao No-Metropolitano. A populao ocupada ser segmentada por alguns

    atributos individuais, tais como: educao, idade, sexo e horas de trabalho semanal.

    O Grco 1 mostra o comportamento dos rendimentos do trabalho por nvel de escolaridadena RMS. Nota-se que existe uma inuncia muito grande por parte do salrio mnimo na dis-

    tribuio dos rendimentos.

    A inuncia do salrio mnimo visvel, principalmente, entre as pessoas com baixa escolari-

    dade, sem instruo e ensino fundamental incompleto e as pessoas de ensino fundamental

    completo. Para estes segmentos, a freqncia na classe de um a dois salrios mnimos ultrapassa

    os 45%, sendo que entre as pessoas de ensino fundamental completo a proporo superior a

    55%. Em relao s pessoas com ensino mdio completo a inuncia do salrio mnimo existe,

    mas atenuada devido presena bastante signicativa de trabalhadores, com esse nvel de

    escolaridade, ganhando acima de trs salrios mnimos.

    As pessoas com nvel superior formam a nica categoria que foge ao vis criado na distribuio

    por conta do salrio mnimo, sendo que a freqncia de trabalhadores crescente medida que

    o rendimento aumenta. Cerca de 35% das pessoas de nvel superior possuem rendimentos do

    trabalho acima de dez salrios mnimos. O nmero de pessoas de nvel superior que ganham

    menos de um salrio mnimo praticamente desprezvel. Porm, a crescente oferta de vagas

    no ensino superior tem ampliado a oferta de trabalho de pessoas com esse nvel de qualica-

    o. Isso pode levar, em um futuro bem prximo, a um aumento da varincia na distribuio

    dos rendimentos desse segmento, fazendo com que a distribuio dos rendimentos passe a

    ser mais inuenciada pelo salrio mnimo.

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    Grco 1

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e escolaridade, RMS, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Observa-se, tambm, que na RMS, o aumento da escolaridade afasta substancialmente a

    possibilidade dos indivduos receberem remuneraes abaixo de um salrio mnimo. Isso de-

    monstra a existncia de um mercado de trabalho formal, onde a escolaridade e, possivelmente,

    a experincia possui uma grande inuncia na determinao dos rendimentos individuais. Taisatributos constrem um mercado de trabalho mais perfeito com o acesso mais democratizado,

    desde que os indivduos apresentem as credenciais exigidas para o cargo. Alm disso, essas

    caractersticas permitem uma maior eccia das polticas pblicas de emprego e renda.

    O Grco 2 mostra a freqncia dos trabalhadores por classe de rendimento e escolaridade

    para rea No-Metropolitana. Observa-se que, em uma rea onde grande a informalidade

    e existe certa predominncia do emprego agrcola, o salrio mnimo, ainda assim, consegue

    ter um poder de inuenciar a distribuio dos rendimentos, principalmente naqueles seg-

    mentos de melhor escolaridade (pessoas ensino fundamental completo, pessoas com nvel

    mdio completo e pessoas com o nvel superior), embora sua inuncia seja um pouco maismodesta que a observada na RMS.

    As pessoas com nvel superior ainda possuem um comportamento diferenciado, frente as

    demais categorias, apesar do grande nmero de trabalhadores que ganham abaixo de um

    salrio mnimo- realidade ainda desprezvel para quem tem curso superior. No entanto, j se

    pode notar uma maior inuncia do salrio mnimo na distribuio da freqncia das pessoas

    com curso superior, fato que no observado na RMS.

    Deve-se salientar que em um mercado de trabalho predominantemente informal, como o mer-

    cado de trabalho No-Metropolitano, as polticas de melhoria do rendimento, necessariamente,

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    ASPECTOSSOCIAISDASDESIGUALDADESNABAHIA

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    tm que passar pelo aumento da produtividade do trabalho, principalmente do trabalho ligado

    agricultura (ALVES, 2003b).

    Grco 2

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e escolaridade, RMS, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Em virtude das imperfeies do mercado, o problema se agrava ainda mais nos pequenos

    municpios, onde a experincia e a educao somados a outros critrios mais objetivos que per-

    mitiriam polticas pblicas mais ecientes, na maioria das vezes, do lugar s relaes de poder

    existentes na sociedade quando se trata de recrutar o trabalhador no mercado de trabalho.

    A distribuio dos rendimentos do trabalho por classes de rendimento e por gnero, para a

    Regio Metropolitana de Salvador observada no Grco 3. Nele se constata que as mulheres

    so mais freqentes que os homens na faixa de rendimentos abaixo de um salrio mnimo.

    Na faixa de um a dois salrios mnimos, ambos possuem a mesma freqncia. Nos segmentos

    de renda superior a dois salrios mnimos, os homens possuem uma freqncia ligeiramentemaior. Esse comportamento aponta para uma discriminao por gnero dentro do mercado

    de trabalho Metropolitano, onde as mulheres recebem menores salrios.

    Mas uma vez observa-se a grande inuncia que o salrio mnimo possui na distribuio de

    freqncia dos rendimentos do trabalho, visto que na distribuio por sexo a classe de ren-

    dimentos de um a dois salrios mnimos, concentra a maior freqncia para ambos os sexos

    com 44% dos ocupados. interessante notar que, para valores acima de dois salrios mni-

    mos, as freqncias de trabalhadores, por faixa de rendimentos, so todas inferiores a 15%.

    Demonstrando que, mesmo na RMS, os salrios so muito achatados e poucos trabalhadores

    conseguem de fato galgar maiores salrios.

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    Grco 3

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e sexo, RMS, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    No mercado de trabalho No-Metropolitano (Grco 4), o salrio mnimo tambm possui um

    grande poder na determinao da distribuio dos rendimentos do trabalho, visto que, mais

    uma vez, as maiores freqncias, independente de sexo, se encontram na faixa de rendimen-

    tos de um a dois salrios mnimos (cerca de 38% para os homens e 34% para as mulheres).

    Salienta-se tambm a grande proporo de homens e mulheres com rendimentos inferiores

    a um salrio mnimo, sendo, que neste caso, as mulheres possuem uma freqncia maior que

    a freqncia dos homens, apenas nos menores rendimentos, ou seja, entre as pessoas que

    recebem menos de salrio mnimo.

    A freqncia nas classes de maior rendimento menor que os baixos valores encontrados na

    RMS, tendo valores sempre inferiores a 10%. O Grco demonstra claramente que, mesmo

    em um mercado de trabalho predominantemente informal, onde boa parte dos requisitos

    legais no so, sequer, observados, a discriminao por gnero contundente, obrigando

    s mulheres a submeter-se, na maioria das vezes, s menores remuneraes do mercado

    de trabalho3.

    3 preciso esclarecer que a legislao trabalhista brasileira protege, em muitos casos a mulher, principalmente noque diz respeito maternidade. Devido a isso, seria esperado que em mercados de trabalho mais formalizados,o preconceito contra o gnero feminino fosse observado com maior intensidade. No entanto, na Bahia aconteceo contrrio. justamente em um mercado de trabalho onde a informalidade a regra que as mulheres so maisdiscriminadas.

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    Grco 4

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e sexo, Espao No-Metropolitano, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Os Grcos 5 e 6 mostram a freqncia do rendimento do trabalho por horas de trabalho

    semanal, para a RMS e o espao No-Metropolitano. Observa-se que, conforme a jornada de

    trabalho semanal aumenta, o comportamento da distribuio dos rendimentos bastante

    similar em ambos os espaos, apesar das grandes diferenas estruturais entre os dois merca-

    dos de trabalho.

    Para as pessoas que possuem uma jornada superior a quinze horas de trabalho semanais

    a inuncia do salrio mnimo bastante acentuada tanto na RMS quanto no espao No-

    Metropolitano. Para as pessoas que possuem a maior jornada de trabalho (acima de 45 horas

    semanais), a freqncia dos rendimentos, apesar da jornada de trabalho maior, praticamente

    no se diferencia muito das demais, principalmente, nas classes de rendimento mais elevadas.

    Esse comportamento vale para as duas escalas, o que demonstra que no estado da Bahia o

    aumento da jornada de trabalho, muitas vezes, no acompanhado de ganhos signicativos

    no rendimento.

    Para as pessoas que possuem jornada inferior a quatorze horas semanais, os efeitos do sal-

    rio mnimo na distribuio so observados, embora suavemente, apenas na RMS. Nos dois

    espaos analisados esses segmentos de trabalhadores mostram a sua freqncia de forma

    decrescente, geralmente so pessoas que possuem os rendimentos do trabalho, na maioria

    das vezes, inferior a um salrio mnimo e cuja relao de trabalho predominantemente

    informal.

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    Grco 5

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento por grupo de horas trabalhadassemanal, RMS, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Grco 6

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e por grupo de horas trabalhadassemanal, Espao No-Metropolitano, 2003

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    at 1/4 SM 1/4 a 1/2 SM 1/2 a 1 SM 1 a 2 SM 2 a 3 SM 3 a 5 SM 5 a 10 Sm Mais de 10

    %

    At 14 horas 15 a 39 horas 40 a 44 horas 45 a 48 horas 49 horas ou mais

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

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    O Grco 7 mostra a freqncia dos trabalhadores por classe de rendimento do trabalho,

    segundo a cor ou raa para a RMS. Pode-se observar que, apesar da populao metropolitana

    ser majoritariamente negra, existe uma grande discriminao em referncia a este segmento.

    Para que no existisse preconceito no mercado de trabalho o ideal seria que as distribuies

    de propores fossem idnticas. No entanto, o que se observa na realidade uma freqncia

    muita elevada dos negros nos segmentos com menores rendimentos, enquanto nos segmentos

    com maiores rendimentos, os brancos so mais freqentes.

    Grco 7

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e por raa ou cor, RMS, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    Nos segmentos com maiores rendimentos, a participao dos negros muito reduzi-

    da, a ponto de apenas cerca de 2% dos negros da RMS ganharem acima de 10 salrios

    mnimos.

    O comportamento da freqncia dos rendimentos dos brancos se mostra sempre crescente

    para aqueles que ganham acima de dois salrios mnimos Ou seja, a partir desse segmento,quanto maior o rendimento, maior a proporo dos trabalhadores brancos.

    No espao No-Metropolitano (Grco 8) a discriminao no mercado de trabalho tambm

    est presente, embora em menor intensidade. Por se tratar de uma rea com grande quan-

    tidade de pessoas ocupadas na agricultura, as diferenas nos rendimentos entre negros e

    brancos tendem a ser menores, visto que neste setor de atividade a discriminao por cor

    e raa no so to freqentes. Porm, mesmo assim, nota-se que as propores dos negros

    so maiores nos segmentos abaixo de um salrio mnimo e so menores entre as maiores

    faixas de rendimento.

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    A DISTRIBUIODERENDANOESTADODABAHIA:ALGUMASCONSIDERAESSOBREASREASANALISADAS

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    Grco 8

    Proporo dos trabalhadores por classe de rendimento e por raa ou cor,Espao No-Metropolitano, 2003

    Fonte: IBGE. Microdados da PNAD de 2003. Elaborada pela Coordenao de Pesquisas Sociais (Copes) / SEI.

    CONSIDERAES FINAIS

    A anlise dos dados permite armar que no estado da Bahia os rendimentos dependem subs-

    tancialmente do trabalho. Assim, o trabalho possui uma grande inuncia na determinao dorendimento familiar per capita e no bem-estar das famlias. Apesar da centralidade do trabalho

    para a formao da renda, o bem-estar da famlia baiana ca bastante comprometido devido

    aos baixos rendimentos pagos a boa parte das pessoas ocupadas.

    O mercado de trabalho no estado possui algumas imperfeies que prejudicam, e muito, os

    rendimentos das famlias. Por exemplo, existe um grande contingente de pessoas que esto

    trabalhando na informalidade, principalmente, na rea No-Metropolitana. Um grande nmero

    de trabalhadores ganha menos de um salrio mnimo e poucos conseguem ganhar acima de

    trs. Os rendimentos mdios do trabalho so muito baixos, principalmente entre as famlias

    de 50% menor rendimento familiar per capita, onde o rendimento mdio do trabalho ca emtorno de salrio mnimo.

    Analisando os atributos dos trabalhadores em relao aos rendimentos, pode-se observar que

    apenas dois atributos: escolaridade, somente as pessoas de nvel superior, e a cor, somente as

    pessoas brancas, foram capazes de fugir do vis provocado na distribuio dos rendimentos

    do trabalho pelo salrio mnimo e mesmo assim, esse comportamento cou restrito a RMS.

    A combinao de baixos rendimentos do trabalho, informalidade, e uma diferenciao dos

    rendimentos bastante baseada na educao e na cor, implica em um aumento da desigualdade.

    As discrepncias regionais, embora grandes em termos de rendimento, no so to signicantes

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    TRAOS DAS FAMLIAS BAIANAS SEGUNDO APERSPECTIVA DA DESIGUALDADE DE RENDIMENTO

    Laumar Neves de Souza*

    Lus Andr de Aguiar Alves**

    Cludia Monteiro Fernandes***

    Nos ltimos anos a temtica da pobreza emergiu com fora na agenda das polticas pblicas

    e, concomitantemente, na pauta de estudos acadmicos das mais variadas procedncias.

    Em que pese tal fenmeno no ser especicamente brasileiro, indubitvel que o processode redemocratizao, aqui iniciado no nal dos anos 70 e coroado com a Constituio de

    1988 trouxe tona, como questo de inadivel enfrentamento, a problemtica da pobreza.

    E isso, no apenas pelo fato de serem precarssimas as condies de vida de largas parcelas

    da populao, mas, tambm, pelo fato de tal precariedade decorrer em grande medida da

    imensa desigualdade social aqui reinante.

    Fica cada vez mais evidente que a permanncia de tal situao problematiza, de maneira

    inquestionvel, a possibilidade de se construir uma democracia estvel em nosso pas.

    Contudo, tanto a desigualdade quanto a pobreza pareceram imunes aos efeitos que a

    democratizao da vida trouxe sociedade brasileira. Em verdade, ambas se mantiveram

    solidamente estabelecidas entre ns e, mesmo hoje nos raros momentos de crescimento da

    economia, assim como no passado, tm-se mantido em patamares elevados. Na maioria das

    vezes, ao contrrio, o que se v o avano dos graus de concentrao da renda e da riqueza

    e, paralelamente, a expanso da pobreza em direo a estratos da populao pertencentes

    chamada classe mdia1.

    Essa realidade o que evidencia boa parte dos estudos que tm como temtica central a

    discusso da pobreza e das desigualdades sociais produzidos no Brasil e em outras partes

    do mundo. De maneira geral, tais trabalhos procuram concentrar-se naqueles aspectos

    concernentes classicao e mensurao da pobreza e, num sentido mais amplo, na

    exposio e anlise de dados relativos distribuio dos rendimentos no pas, bem comonos determinantes desse tipo de distribuio. Alm disso, importante mencionar que em

    * Doutor em Cincias Sociais pela UFBA. Pesquisador da SEI. [email protected]

    ** Mestre em Economia pela UFBA. Especialista em Polticas e Gesto Governamental. Trabalha na [email protected]

    *** Economista. Mestra em Cincias Sociais pela UFBA. [email protected]

    1Na Bahia o quadro no diferente. Mesmo com o aumento da renda ocorrido aps a implementao do Plano Real que fez a proporo de pobres diminuir de 62,7% em 1992 para 49,7% em 2001 quase a metade da populao eraconstituda por pessoas detentoras de nveis de rendimento insuficiente para o atendimento de suas necessidadesbsicas (ROCHA, 2003). Essa pequena melhora, todavia, no se refletiu numa melhora equivalente nos indicadores dedesigualdade: enquanto em 1992 os 50% mais pobres se apropriavam de 14,5% do rendimento total e o 1% mais rico

    de 15,0%, em 1999 esses valores passam a ser de 16,8% e 15,2%, respectivamente (GUIMARES, 2003).

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    ASPECTOSSOCIAISDASDESIGUALDADESNABAHIA

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    referncia quanticao do nmero de pessoas pobres, tais estudos tm tomado como

    base de anlise, na maioria das vezes, linhas de pobreza genericamente estabelecidas para

    o pas em seu conjunto.

    Muito embora esses estudos sejam importantes, no se pode esquecer que eles so alvo de

    duras crticas. Uma delas reside precisamente no fato de que na construo dessas linhas de

    pobreza no sejam contempladas as especicidades inerentes a cada estado, nem muito

    menos de seus respectivos subespaos. Uma segunda crtica respalda-se no argumento de

    que a pobreza no um conceito denido de forma consensual2, tendo em vista que um

    problema de natureza bastante complexa e multidimensional3. Uma terceira centra-se, fun-

    damentalmente, no fato de que a insistncia na questo da determinao do contingente

    de pobres s contribui para criar um clima de polarizao entre as instituies de pesquisa e

    os pesquisadores, o que colabora para dissimular, cada vez mais, a discusso em relao pobreza no pas.

    Como muito bem evidencia Guimares (2002), a medio espria domina o centro da questo

    e a discusso passa a ser limitada por um inaceitvel reducionismo se o pas possui x ou

    y milhes de pobres e/ou indigentes e, se, de um ano para o outro, quando da divulgao

    da PNAD, aumentou ou diminuiu o estoque de pobres. Ainda segundo esse autor, alm da

    xao obsessiva na quanticao dos pobres, as metodologias de mensurao da pobreza

    merecem ser questionadas por no levarem em considerao alguns elementos a exemplo da

    renda per capita (composio familiar); perspectiva de gnero (famlias sob responsabilidade

    feminina); recorte racial; zona de residncia (urbana ou rural); e desigualdades regionais desuma importncia para se determinar ou no a condio de pobreza de muitas pessoas.

    Em funo de todas essas crticas disparadas s anlises que se utilizam da metodologia da

    denio de linhas de pobreza, julgou-se oportuno, neste trabalho, recorrer ao expediente de

    trabalhar com o indicador Renda Familiar per capita4 tambm conhecido como Renda Mdia

    Familiar Total como critrio para identicao das famlias pertencentes aos segmentos de

    50% de menor rendimento e 10% de maior rendimento, tendo em vista que o seu objetivo

    maior a apresentao de algumas caractersticas bsicas como, por exemplo, padro de

    organizao (arranjos familiares), tamanho e perl dos responsveis (sexo, idade, escolaridade

    e cor/raa) das famlias pertencentes a esses dois estratos de rendimento.

    2 S para se ter uma idia, pode-se identificar na literatura, pelo menos, 11 significados distintos para pobreza:necessidade; padro de vida; insuficincia de recursos; carncia de segurana bsica; falta de titularidades; privaomltipla; excluso; desigualdade; classe; dependncia e padecimento inaceitvel.3Ao apresentar as coisas dessa forma, evidentemente, no se est querendo sugerir que os adeptos da metodologiaque define a pobreza como insuficincia de renda e a medem a partir de uma linha de pobreza, desconheam esseseu carter multifacetado.4 Chega-se a esse indicador atravs da diviso da Renda Familiar Total pelo nmero de membros da famlia. Dessemodo, ele corresponde, portanto, parcela individual de renda familiar alocada para consumo de cada um de seusmembros. fato reconhecidamente aceito por todos que o nvel de bem-estar de cada pessoa tomada isoladamenteno funo exclusiva das suas respectivas rendas individuais. Ao invs disso, depende, fortemente, sobretudoem pases como o Brasil e em estados como a Bahia, do resultado da repartio intrafamiliar de renda de todos os

    integrantes de cada grupo familiar.

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    TRAOSDASFAMLIASBAIANASSEGUNDOAPERSPECTIVADADESIGUALDADEDERENDIMENTO

    Assumir essa perspectiva de desigualdade comparando a realidade das famlias de menor e

    maior rendimento absolutamente fundamental no contexto da sociedade brasileira, haja

    vista que ela um dos seus problemas mais cruciais e que melhor retratam a sua situao em

    todos os tempos. Certamente, no caso brasileiro, o aspecto da desigualdade mais visvel e

    problemtico, dado que fundamental para o equacionamento de outros tipos de desigual-

    dade, aquele relacionado ao acesso renda. Em que pese ser o capitalismo um sistema eco-

    nmico que considera natural a existncia da desigualdade, a forma como ele se manifestou

    e se desenvolveu no Brasil acentuou, por demais, essa sua caracterstica. Tal constatao ca

    evidente, por exemplo, quando se analisam as bases de sustentao da industrializao da

    economia nacional.

    A se v claramente que a lgica perseguida, em muitos momentos, no contemplava a ques-

    to de fomentar uma mais igualitria distribuio de renda no pas, de modo a permitir que amaioria da populao tivesse acesso s benesses materiais proporcionadas pela industrializao.

    Como cou celebremente conhecido na literatura, a idia era fazer o bolo crescer para s depois

    reparti-lo, ou seja, deviam-se criar mecanismos que possibilitassem o aumento da produo

    material e da riqueza para posteriormente dividi-la, o que, contudo, no aconteceu.

    O rebatimento dessa questo no plano dos estados federados, evidentemente, como seria

    razovel supor, no se deu de forma homognea. Os estados da regio Sudeste, decerto, foram

    os maiores beneciados pelo processo de industrializao, na medida em que concentraram

    a maioria dos investimentos produtivos tornando-se, por conseguinte, o centro dinmico

    da economia nacional. No entanto, vale pontuar que os estados que compem essa regiono caram imunes aos efeitos colaterais desse processo de industrializao, posto que ali

    tambm se viu avanar, com uma velocidade impressionante, os focos de pobreza e de desi-

    gualdades sociais.

    Sendo essa a realidade, o que se poderia esperar da Bahia um estado situado, por assim dizer,

    na periferia da periferia do sistema capitalista nacional5. Autores como Osrio e Medeiros (2003,

    p. 264), em artigo onde investigavam as questes da concentrao de renda e da pobreza na

    Bahia no perodo 1981-1999, concluram que mantendo-se a tendncia atual, a Bahia pode se

    transformar, em um futuro prximo, no estado mais pobre do Brasil. Partindo dessa consta-

    tao, e tomando por suposto que s se pode transformar aquilo que se conhece, oportuno

    lanar mo de iniciativas que procurem revelar alguns traos das famlias baianas pertencentes

    aos dois estratos de renda analisados neste trabalho 50% de menor rendimento e 10% de

    maior rendimento.

    S atravs desse caminho possvel contribuir para fundamentar, de forma consistente, as

    iniciativas de interveno por parte do poder pblico e da sociedade civil que visem superar

    5 A bem da verdade, algumas iniciativas, em momentos especficos, foram tomadas com vistas a tentar atenuar asdisparidades regionais, sem, contudo, lograr grandes xitos. Valendo-se de tais iniciativas e enfrentando todas asadversidades, impostas pelo processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, o estado da Bahia conseguiu, aduras penas, ocupar um lugar de relativo destaque no plano nacional em termos da produo riqueza material, hoje

    detendo o 6 maior PIB do pas.

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    ASPECTOSSOCIAISDASDESIGUALDADESNABAHIA

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    o problema da pobreza e das desigualdades sociais na Bahia, garantindo sociedade condi-

    es de vida socialmente mais justas. Como todos reconhecem, essa uma das tarefas que

    a sociedade baiana deve priorizar. No entanto, ela no alcanada facilmente, sem maiores

    percalos, posto que como bem arma Rocha (2003) transitar entre, por um lado, o obje-

    tivo tico e humanista consensual (que a reduo da pobreza e das desigualdades sociais)

    e, por outro, as iniciativas concretas de uma poltica pblica necessria para atingi-lo tarefa

    das mais complexas, na medida em que envolve os mais variados conitos e interesses dos

    diferentes atores sociais.

    Como forma de dar conta da elaborao deste trabalho, resolveu-se por estrutur-lo, alm

    dessa introduo, em mais duas partes. Na primeira, so discutidas, de forma resumida, as

    principais modicaes por que passa a famlia na contemporaneidade. Ao tratar disso,

    procura-se identicar os fatores responsveis pelo detonamento das mudanas que ocor-rem no seio da instituio familiar. Concluda essa etapa, passa-se segunda parte, onde so

    descritas e interpretadas algumas informaes relativas s famlias baianas pertencentes aos

    estratos de renda de 50% de menor rendimento e 10% de maior rendimento. Por m, a ttulo

    de consideraes nais, so esboadas algumas reexes sobre os principais achados que

    foram retirados das informaes tabuladas.

    TRANSFORMAES DA FAMLIA BRASILEIRA

    No espectro de transformaes por que a sociedade brasileira vem passando nas ltimas

    dcadas, certamente aquelas processadas no mbito da famlia se revestem de uma impor-tncia fundamental, posto que derivam de mltiplos fatores de natureza sociodemogrca,

    cultural e econmica. Isso , inequivocamente, um fato atestado por todas as leituras con-

    temporneas que procuram desvendar essa gama de transformaes que se realizam no

    interior da famlia.

    Por certo, no atual formato de famlia, as relaes hierarquizadas, que predominavam no pas-

    sado, cederam lugar a relaes mais igualitrias. Sendo assim, nessa sua nova congurao,

    essa instituio trava uma luta intestina que cheia de entraves, de idas e vindas onde

    procura romper com os valores tradicionais e patriarcais, e passa a valorizar as opes e a

    vida pessoal de seus integrantes, assim como tudo o que ocorre no campo do privado e dosubjetivo (CIOFFI, 1998).

    Essa luta, segundo o ponto de vista defendido por alguns estudiosos, a exemplo de Giddens

    (1993), parece ser a grande questo estrutural da famlia moderna. De acordo com os argu-

    mentos levantados por esse autor, ocorre nessa instituio como em nenhuma outra poca

    e cada vez mais claramente a tentativa de armao da individualidade, movimento que

    leva ao rompimento dos valores impostos pela tradio, ocasionando, por conseguinte, uma

    verdadeira transformao da intimidade. Todavia, isso no signica, tal como evidencia Sarti

    (1996), uma completa ruptura e abandono das obrigaes e das responsabilidades caracte-

    rsticas dos vnculos familiares.

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    Diante desse contexto, no se pode enveredar, contudo, por um caminho interpretativo que

    entenda essas profundas mudanas que ocorrem na famlia como sendo o resultado de uma

    espcie de padro evolutivo, onde ela passa de um estgio, por assim dizer, inferior, para outro

    mais avanado. Desse modo, o mais correto, ao tentar compreend-la ter em mente que

    na contemporaneidade tal instituio capaz de, ao mesmo tempo, abarcar relaes ditas

    modernas e outras vistas como tradicionais.

    A visualizao desses dois tipos de relao depende de para que setor da sociedade se esteja

    observando. Quando se voltam os olhos, por exemplo, para os setores mdios da populao,

    do ponto de vista do rendimento, facilmente se constatam situaes que conguram a presen-

    a dessa nova famlia que a mdia e a indstria cultural insistem em tornar modelo para toda

    a sociedade. Entretanto, quando se apontam as lentes de anlise para os segmentos menos

    abastados, se verica a presena de valores familiares tidos como tradicionais. Sarti (1996),por exemplo, em estudo onde investiga os valores das famlias pobres, conclui que nesses

    segmentos so de extrema importncia as redes de parentesco e vizinhana na congurao

    da dinmica familiar, sendo as relaes que se estabelecem entre pas e lhos marcadas pelo

    crivo da hierarquia e os papis desempenhados por homens e mulheres, a um s tempo,

    diferentes e complementares.

    Delineado esse cenrio, bom que se esclarea que as aludidas transformaes que ocorrem

    no plano da famlia no so fenmenos restritos e exclusivos famlia brasileira. As famlias,

    em outras partes do mundo, tambm enfrentam situaes semelhantes quelas por que passa

    a famlia no Brasil. E como no poderia deixar de ser, a percepo desse fato acaba criando

    uma espcie de unanimidade quanto ao reconhecimento de que essa instituio passa por

    uma redenio global.

    Com efeito, desde muito tempo, vrios esforos tm sido encampados no sentido de captar e

    compreender de que forma os fatores sociodemogrcos, culturais e econmicos, efetivamente,

    estariam inuenciando as relaes que se estabelecem no interior das famlias. Isso tem dado

    margem ao surgimento de pontos de vista bastante diversos, no que diz respeito ao que se

    constata no presente e ao que se vislumbra para o futuro da famlia em todas as sociedades,

    ou seja, as interpretaes que surgem no so consensuais, no sentido de apontarem para as

    mesmas concluses.

    Isso se deve ao fato de que, tal como aponta Teruya (2000, p. 1),

    [] a famlia tem sido abordada sob diferentes enfoques e denies, e suscita-

    do muitas discusses em torno do seu referencial terico e mtodos de anlise.

    As vrias tendncias sobre a famlia coexistem e se alimentam reciprocamente

    atravs de dilogos ora amistosos, ora antagnicos, posicionando os pesquisa-

    dores em debates que confrontam teoria/empiria, anlises econmicas/anli-

    ses culturais, estudos diacrnicos/estudos sincrnicos e abordagens quantita-

    tivas/abordagens qualitativas.

    Em termos didticos, pode-se dizer que existem duas interpretaes, diametralmente opos-

    tas, sobre a famlia contempornea. Uma primeira pertence ao grupo de estudiosos que, ao

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    realizarem suas anlises, adotam uma viso pessimista em relao famlia, chegando mesmo

    a pr em dvida a sua centralidade e, por conseguinte, negam-lhe um futuro. Na perspectiva

    dessas pessoas, na maioria das vezes, as mudanas processadas na famlia esto associadas

    idia de perdas em geral.

    A rigor, observa-se que os partidrios dessa percepo negativa em relao famlia, como

    forma de validar e reforar sua posio, no se furtam a recorrer aos elementos que apontam

    para uma degradao das condies de vida, bem como para as estatsticas recentes que

    indicam aumento da violncia, do trco de crianas, do nmero de menores abandonados

    e dos crimes passionais, etc. E, como se isso j no bastasse, apiam-se tambm nas iniciati-

    vas da mdia televisiva que, a todo instante, faz questo de mostrar o amplo leque de estilos

    alternativos de vida, os quais so muito diferentes do padro familiar tradicional (GOLDANI,

    1993).

    Outros estudiosos, porm, rejeitam essa postura catastrca e ponderam que a alardeada

    desestruturao no passa de um mito. Suas interpretaes se apiam na anlise de alguns

    acontecimentos que numa lgica simplista que utilizada, extensamente, pelo grupo

    anterior parecem indicar a fragilizao dos laos familiares, mas que quando submetidos

    observao mais cuidadosa indicam, exatamente, a congurao de uma situao contrria

    a essa, ou seja, de fortalecimento desses laos.

    Traado esse sinttico quadro que procurou dar conta de algumas questes presentes nas

    discusses sobre famlia na contemporaneidade, preciso que agora se caminhe na direo

    de indicar, claramente, de que forma os referidos fatores de ordem sociodemogrca, culturale econmica esto contribuindo para alterar as feies dessa instituio secular na sociedade

    brasileira.

    O novo padro sociodemogrco

    Do ponto de vista sociodemogrco, as mudanas que vm se processando, j h algum tempo,

    e que permitem que se fale em um novo padro de famlia no Brasil, se referem, sobretudo, s

    quedas das taxas de mortalidade e fecundidade fenmenos resultantes principalmente dos

    avanos alcanados no campo da medicina, mais precisamente a descoberta dos antibiticos,

    que fez ceder a mortalidade e a paulatina difuso dos mtodos contraceptivos, fato que fez caira natalidade. Deve-se fazer referncia ao fato de que contribuiu tambm para a congurao

    desse cenrio a propagao da esterilizao feminina, no decurso dos anos 1980.

    Em termos mais precisos, observa-se um expressivo aumento da esperana de vida ao nascer

    da populao indicador mais utilizado para medir a longevidade que passou de 41,5 anos

    na dcada de 1940, para 68,5 anos no ano 2000. Quanto fecundidade, a queda foi impres-

    sionante: de 6,2 lhos por mulher, em 1960, para 2,3 lhos, em 2000.

    Os dados mais recentes para o estado da Bahia conrmam esse movimento, delineado tanto

    pela taxas de mortalidade quanto pelas taxas de fecundidade. No obstante, os nveis de

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    mortalidade da populao baiana ainda se encontram num patamar bastante superior ao

    que medido para o Brasil como um todo, posto que aqui se apurou em 2000 uma esperana

    de vida, ao nascer, de 64,5 anos, cerca de 4 anos abaixo da mdia nacional, fato que denota

    o longo percurso que a sociedade baiana ter que percorrer para alcanar o padro que se

    verica em outros recantos do pas, especialmente nos estados pertencentes s regies Sul e

    Sudeste (IPEA; FUNDAO JOO PINHEIRO; PNUD, 2002).

    No que se refere fecundidade, na Bahia, no ano 2000, o nmero mdio de lhos por mulher

    foi de 2,5. Este valor ligeiramente superior ao que foi registrado como sendo a mdia nacional

    (2,3), nmero fortemente inuenciado pelos resultados encontrados para os estados do Sul e

    Sudeste (IPEA; FUNDAO JOO PINHEIRO; PNUD, 2002).

    A sntese desse movimento que se operou no plano nacional e local, em termos de contrao

    dos nveis de mortalidade e fecundidade, a reduo da taxa de crescimento demogrco.

    Isso o que atestam, por exemplo, Oliveira e Berqu (1990). Segundo tais autoras, no perodo

    que compreende as dcadas de 1940 e 1980, o cenrio demogrco brasileiro apresenta taxas

    de crescimento variveis, com perodos em que ocorre crescimento populacional acelerado e

    outros em que ele se arrefece.

    S para se ter uma idia mais precisa desse fenmeno, no intervalo de 1950 a 1960 tal cresci-

    mento de 3% ao ano, ao passo que no perodo imediatamente anterior, ou seja, de 1940 a

    1950, tinha sido de 2,4% ao ano. Nos anos 60 esse crescimento situou-se na faixa de 2,9% ao ano,

    e na dcada seguinte caiu ainda mais, situando-se em 2,5% ao ano (OLIVEIRA; BERQU, 1990).

    Nas duas ltimas dcadas, percebe-se que o movimento de queda registrado na dcada de1970, em comparao com a dcada anterior, se conrma e se torna mais intenso. Sendo assim,

    durante os anos 1980, foi medida uma taxa de crescimento populacional anual que se situou no

    patamar de 1,9%, ao passo que nos anos 1990 apurou-se uma taxa ainda mais baixa, de 1,6%.

    Fornecido o panorama de alguns dos principais indicadores demogrcos no Brasil, resta saber

    de que modo eles se relacionam com as mudanas que se operam no interior das famlias.

    Perseguindo esse intento, cabe assinalar que, no tocante questo da reduo da mortalidade

    que se traduz num aumento da esperana de vida ao nascer a relao bvia, posto que

    na medida em que os indivduos passam a ter uma vida mais longa, necessariamente, acabam

    por passar mais tempo como membros de uma ou mais famlias, exercendo o papel de pai,me, lho, esposo e/ou esposa, avs, etc. Portanto, essa maior longevidade acaba sendo uma

    das responsveis principais por haver, nos dias de hoje, uma espcie de superposio desses

    papis, bem como pela possibilidade efetiva que diferentes geraes passaram a ter de con-

    viverem conjuntamente. (GOLDANI, 1989 apud GOLDANI, 1993, p. 71).

    A reduo das taxas de fecundidade, por sua vez, se relaciona com as mudanas que se operam

    no interior do grupo familiar, na medida em que ela provoca certa modicao na condio dos

    indivduos dentro das suas respectivas famlias. Isso bastante