171
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA DEPARTAMENTO DE FÍSICA TEÓRICA E EXPERIMENTAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA Tese de Doutorado Teoria e Aplicações do Gás Relativístico Reduzido na Cosmologia Por Gival Pordeus da Silva Neto Natal Março de 2020

TeoriaeAplicaçõesdoGásRelativísticoReduzidonaCosmologia · 2020. 7. 26. · Neto, Gival Pordeus da Silva. Teoria e Aplicações do Gás Relativístico Reduzido na Cosmologia

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEDONORTECENTRODE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

    DEPARTAMENTODE FÍSICA TEÓRICA E EXPERIMENTALPROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA

    Tese de Doutorado

    Teoria e Aplicações do Gás Relativístico Reduzido na Cosmologia

    Por

    Gival Pordeus da Silva Neto

    NatalMarço de 2020

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEDONORTECENTRODE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

    DEPARTAMENTODE FÍSICA TEÓRICA E EXPERIMENTALPROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA

    Teoria e Aplicações do Gás Relativístico Reduzido na Cosmologia

    Gival Pordeus da Silva Neto

    Orientador: Prof. Dr. Léo GouvêaMedeirosCoorientador: Prof. Dr. Ronaldo Carlotto Batista

    Tese apresentada ao Programa de Pós-graduaçãoem Física do Departamento de Física Teórica eExperimental da Universidade Federal do RioGrande do Norte como requisito parcial paraobtenção do título deDoutor em Física.

    NatalMarço de 2020

  • Neto, Gival Pordeus da Silva. Teoria e Aplicações do Gás Relativístico Reduzido naCosmologia / Gival Pordeus da Silva Neto. - 2020. 170f.: il.

    Tese (Doutorado)-Universidade Federal do Rio Grande do Norte,Centro de Ciências Exatas e da Terra, Programa de Pós-Graduaçãoem Física, Natal, 2020. Orientador: Dr. Léo Gouvêa Medeiros. Coorientador: Dr. Ronaldo Carlotto Batista.

    1. Gás Relativístico - Tese. 2. Perturbações Cosmológicas -Tese. 3. Matéria Escura Morna - Tese. I. Medeiros, Léo Gouvêa.II. Batista, Ronaldo Carlotto. III. Título.

    RN/UF/BCZM CDU 53

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

    Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

    Elaborado por Raimundo Muniz de Oliveira - CRB-15/429

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDEDONORTECENTRODE CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA

    DEPARTAMENTODE FÍSICA TEÓRICA E EXPERIMENTALPROGRAMADE PÓS-GRADUAÇÃO EM FÍSICA

    A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a tese:Teoria e Aplicações do Gás Relativístico Reduzido na Cosmologia

    Elaborada por:

    Gival Pordeus da Silva Neto

    Como requisito parcial para obtenção do título de

    DOUTOR EM FÍSICA

    Comissão Examinadora

    —————————————————Prof. Dr. Luciano Casarini

    Examinador externo - UFS

    —————————————————Prof. Dr. Francisco de Assis de Brito

    Examinador externo - UFCG

    —————————————————Prof. Dr. Rodrigo F. Lira de Holanda

    Examinador interno - DFTE/UFRN

    —————————————————Prof. Dr. Raimundo Silva Jr.

    Examinador interno - DFTE/UFRN

    —————————————————Prof. Dr. Léo GouvêaMedeiros

    Examinador interno (Presidente) - ECT/UFRN

    NatalMarço de 2020

  • À meu avô Constantino Vieira da Costa e ao

    colega Matheus Ferreira Venâncio de Araújo

    (in memoriam).

  • Agradecimentos

    Agradeçoa todosquecontribuíramdiretoou indiretamenteparaminha formação,desde o ensino fundamental à pós-graduação. Em especial, sou muitíssimo grato aosprofessores LéoGouvêaMedeiros (orientador) e Ronaldo Carlotto Batista (coorientador) pelaorientação e dedicação. Agradeço também, ao professor Rodrigo F. Lira de Holanda por suacontribuição naminha formação, bem como a todos os professores e funcionários da UFRN.

    Sou profundamente grato a meus pais, Raimundo Martins e Maria do Socorro,meus maiores exemplos de superação, dedicação e honestidade. Também, de uma formamuito especial, agradeço a minha esposa Esther, que durante esse trajeto esteve a meu lado,me apoiando com compreensão e carinho, obrigado pelo seu amor e paciência. Além desses,sou muito grato aos meus irmãos Jebson e Rosiéle, assim como aos meus demais familiares,pelo amor, carinho, amizade e por sempre estarem torcendo pormim.

    Agradeço aos amigos da sala Jayme Tiomno (William, Neto, Pierre, Cristóvão,Francys, Tibério Azevedo, Benjamim e Fabrizio) e Mário Schenbergem (Gesiel, Ted e Rafael),bem como a Arthur, Arcênio, Simony, Rilavia, Hebertt, Jefferson, P.H. e Tiberio Magno, pelosmomentos de descontração, amizade, incentivo e troca de informações.

    Porfim, agradeçoaoapoiofinanceiroparcialdaCoordenaçãodeAperfeiçoamentode Pessoal de Nível Superior (CAPES), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico (CNPq-Brasil nº: 141165/2017-0) e ao Governo do Estado da Paraíba. Melhor,agradeço a todos(as) os(as) brasileiros(as) que, por meio do pagamento de seus impostos,contribuíram paraminha formação. Espero um dia poder retribuí-los.

  • Resumo

    OGás Relativístico Reduzido (RRG) é uma versão simplificada do gás relativísticoideal, onde se supõe que todas as partículas tenham omesmomódulo demomento. Emboraesta seja uma situação muito idealizada, o modelo resultante preserva a fenomenologia dadistribuição de Maxwell-Boltzmann e, em algumas situações, pode ser descrito como umfluido perfeito, sem introduzir grandes erros. A descrição via fluido perfeito do modeloRRG já era usada para estudar o movimento térmico da matéria escura, neutrinos massivoe interação de bárions e fótons antes da recombinação, mostrando-se em boa concordânciacom trabalhos anteriores baseados no sistema completo de equações deEinstein-Boltzmann.Para entender esses resultados e construir uma estrutura mais geral e formal para o RRG,desenvolvemos umadescrição teórica de perturbações cosmológicas de primeira ordemparao mesmo, baseada em uma função de distribuição que codifica a suposição simplificadorade que todas as partículas possuem o mesmo módulo de momento. A partir dessa funçãoderivamos o conjunto completo de equações de Einstein-Boltzmannpara o RRGe estudamosquantidades alémda aproximação de fluido perfeito. Derivamos uma expressão analítica querelaciona o parâmetro de movimento térmico à massa da partícula e também verificamosexplicitamente que os limites não-relativísticos e ultra-relativísticos são recuperados. Alémdisso, usando o RRG para descrever matéria escura morna (WDM), mostramos que parapartículas com m ∼ keV, a aproximação de fluido perfeito é válida em escalas com k . 10h/Mpc durante a maior parte da evolução do universo. Nós também determinamos ascondições iniciais para RRG no universo primordial e estudamos a evolução do potencialem ummodelo de brinquedo composto apenas por RRG. Por fim, estudamos de forma semi-analítica a evolução sub-horizonte do contraste de densidade da WDM em ummodelo comWDM, radiação eΛ, onde aWDM é descrita pelo RRG.

    Palavras Chaves: Gás Relativístico, Perturbações Cosmológicas, Matéria EscuraMorna.

  • Abstract

    The Reduced Relativistic Gas (RRG) is a simplified version of the ideal relativisticgas, where it is assumed that all particles have the same momentum magnitude. Althoughthis is a very idealized situation, the resulting model preserves the phenomenology of theMaxwell-Boltzmann distribution and, in some situations, can be described as a perfect fluid,without introducing large errors. The perfect fluid description of RRG model was alreadyused to study the warmness of darkmatter, massive neutrinos and interaction of baryons andphotons before recombination, showing very good agreement with previous works based onthe full Einstein-Boltzmann system of equations. In order to understand these results andconstruct amore general and formal framework for RRG,we develop a theoretical descriptionof first-order cosmological perturbations of RRG, based on a distribution function whichencodes the simplifying assumption that all particles have the samemomentummagnitude.From this function, we derive the full set of Einstein-Boltzmann equations for RRG and studyquantities beyond the perfect fluid approximation. We derive an analytical expression thatrelates the parameter of warmness to the mass of the particle and we also explicitly verifythat the non-relativistic and ultra-relativistic limits are recovered. Furthermore, using RRG todescribe warm darkmatter (WDM), we show that for particles withm ∼ keV, the perfect fluidapproximation is valid on scales with k < 10h/Mpc, for most of the universe evolution. Wealso determined the initial conditions for RRG in the early universe and studied the evolutionof the potential in a toy model composed only by RRG. Finally, we study in a semi-analyticalway the sub-horizon evolution of the density contrast of the WDM in a model with WDM,radiation, andΛ, where theWDM is described by the RRG.

    Keywords: Relativistic Gas, Cosmological Perturbations, WarmDarkMatter.

  • Sumário

    1 Introdução 11

    2 Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 16

    2.1 Princípio cosmológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.2 Métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker . . . . . . . . . . . . . . . . 182.3 O redshift cosmológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192.4 Distâncias e a lei de Hubble-Lemaître . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

    2.4.1 Distância de diâmetro angular e de luminosidade . . . . . . . . . . . . . 222.5 Idade do universo e o tempo retrospectivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.6 Dinâmica cósmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

    2.6.1 Equação de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242.6.2 Tensor energia-momento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262.6.3 Componentes do fluido cósmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292.6.4 Equações de Friedmann-Lemaître . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312.6.5 Modelo cosmológico padrão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    2.7 Soluções das equações de Friedmann-Lemaître . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 352.7.1 Soluções com uma única componente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362.7.2 Soluções com duas componente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    2.8 Função de distribuição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392.8.1 Tensor energia-momento via função de distribuição . . . . . . . . . . . . 412.8.2 Função de distribuição de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

    2.9 Equação de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 432.9.1 Oscilador harmônico não-relativístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 442.9.2 Equação de Boltzmann na Cosmologia relativística . . . . . . . . . . . . . 45

  • 3 Universo inomogêneo, anisotrópico e dinâmico 48

    3.1 Perturbações em um espaço-tempo de FLRW . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483.1.1 Perturbação damétrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 493.1.2 Perturbação do tensor energia-momento . . . . . . . . . . . . . . . . . . 503.1.3 Perturbação do tensor de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

    3.2 Decomposição escalar-vetorial-tensorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 553.3 Equação de Einstein para as perturbações escalares . . . . . . . . . . . . . . . . 57

    3.3.1 A equação relativística de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 593.3.2 A equação para as velocidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 593.3.3 A equação para as perturbações de pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . 603.3.4 A equação para o stress anisotrópico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    3.4 Equação de conservação para as perturbações escalares . . . . . . . . . . . . . . 613.4.1 Equação de continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 613.4.2 Equação de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

    3.5 Equação de Boltzmann para as perturbações escalares . . . . . . . . . . . . . . . 633.5.1 Função de distribuição perturbada para fótons e neutrinos . . . . . . . . 663.5.2 Tensor energia-momento via função de distribuição . . . . . . . . . . . . 663.5.3 Equações hierárquicas de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    4 Condições iniciais e a evolução das inomogeneidades 73

    4.1 Prelúdio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 734.2 Condições iniciais adiabáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

    4.2.1 Resumo das condições inicias: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 784.3 Evolução das inomogeneidades damatéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

    4.3.1 Perturbações de larga escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 804.3.2 Perturbações de pequena escala . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

    4.4 Espectro de potência damatéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

    5 Fundamentos teóricos do gás relativístico reduzido 98

    5.1 Introdução e justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 985.2 EoS do RRG e sua função de distribuição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

    5.2.1 EoS do RRG via dinâmica relativística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1015.2.2 Construindo a função de distribuição do RRG . . . . . . . . . . . . . . . . 103

    5.3 RRG versus estatística deMaxwell-Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1045.3.1 Background . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1045.3.2 Nível linear de Perturbação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

  • 5.4 RRG no contexto cosmológico de background . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1075.4.1 Soluções da equação de Friedmann com o RRG . . . . . . . . . . . . . . . 109

    5.5 A relação entre amassa e o parâmetro b . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1125.6 As equações dinâmicas perturbadas do RRG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

    5.6.1 Função de distribuição e tensor energia-momento do RRG . . . . . . . . 1165.6.2 Equações de Einstein e de conservação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1225.6.3 Equação de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123

    6 Aplicações do gás relativístico reduzido na cosmologia 127

    6.1 Evolução do Potencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1276.2 RRG na aproximaçãomorna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1296.3 Condições iniciais adiabáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1326.4 Evolução de pequena escala do RRG comoWDM . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

    6.4.1 Prelúdio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1346.4.2 Cruzando o horizonte em um era dominada por radiação . . . . . . . . . 1356.4.3 Evolução sub-horizonte: uma equação deMészáros mais geral . . . . . 137

    7 Comentários finais e perspectivas 143

    Referências Bibliográficas 146

    Apêndices 154

    A O gauge e suas transformações 155

    A.1 Transformações de gauge . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155A.1.1 Transformações das perturbações escalares e seus invariantes de gauge . 157A.1.2 Transformações das perturbações vetoriais e tensoriais . . . . . . . . . . 159

    A.2 Fixando o gauge . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159A.2.1 Gauge Poisson e o gauge newtoniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159A.2.2 Gauge síncrono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160A.2.3 Transformações entre os dois gauges . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161

    B Dedução das equações hierárquicas de Boltzmann 162

    B.1 Equações hierárquicas dos neutrinos semmassa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162B.2 Equações hierárquicas dos fótons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

    C Perturbações adiabáticas incluindo o RRG 168

  • Capítulo1Introdução

    “O conhecimento é finito, o desconhecido é infinito;intelectualmente estamos em uma ilha no meio de umilimitado oceano de inexplicabilidade. Nossa tarefa, a cadageração é reclamar um poucomais de terra.”

    T. H. HUXLEY

    Pensadores de diferentes épocas sempre se preocuparam em saber de ondeviemos, como fomos criados e como surgiu o universo. Assim, a Cosmologia sempre esteveentre as preocupações centrais da humanidade. Hoje, podemos defini-la como sendo aciência que estuda a origem, estrutura e a evolução do universo. Seu principal objetivo éentender como o universo se formou, porque possui as características que observamos hoje,e saber qual será seu destino final.

    O surgimento da Cosmologia moderna se deu a partir do desenvolvimento dateoria da Relatividade Geral (RG) publicada por Einstein em 19151. Essa teoria afirma quea estrutura geométrica do espaço-tempo se altera na presença de matéria-energia, efeitosgravitacionais se propagam com a velocidade da luz, e entre outras coisas, que a curvaturado espaço-tempo desempenha um papel semelhante o da força gravitacional na teoria daGravitação de Newton. Para aplicar a RG na descrição do universo, Einstein considerou ouniverso constituído dematéria comuma geometria finita e curvada positivamente, tambémsupôs (corretamente) que o universo é homogêneo em grandes escalas. Além disso, poracreditar (incorretamente) que o universo era estático, ele acrescentou ao seu modelo umnovo componente (atualmente conhecido como constante cosmológica e denotada por Λ)cuja gravidade repulsiva poderia equilibrar a gravidade atrativa da matéria. A partir dessaspremissas, Einstein construiu oquehoje é considerado comooprimeiromodelo cosmológico1Para saber mais sobre a história da Cosmologia, seus maiores avanços e algumas questões ainda em aberto, veja[WAGA, 2005].

    11

  • Capítulo 1. Introdução 12

    relativístico [EINSTEIN, 1917; SOARES, 2012].Logo após o modelo de Einstein, Friedman [1922], Friedmann [1924] e Lemaître

    [1927]2 introduziram modelos cosmológicos dinâmicos (em expansão ou em contração)baseados na RG. Porém, a concepção de um universo estático só foi abandonada no início dadécada de 1930, principalmente após os trabalhos do astrônomo americano Edwin P. Hubble[HUBBLE, 1929; HUBBLE; HUMASON, 1931], onde foi possível concluir que há um aumentosistemático da velocidade de recessão (afastamento) das galáxias com a distância. Diantedisso, a constante cosmológica introduzida por Einstein parecia desnecessária.

    Ainda na década de 1930, ao analisar a dinâmica do aglomerado de Coma, Zwicky[1933] obteve uma razão demassa-luminosidademuito alta, ou seja, amassa dinâmica desseaglomerado é muito maior que a massa luminosa, indicando assim, que a maior parte damatéria é não luminosa. Atualmente existem muitas observações de diferentes naturezas ede diferentes fontes a diferentes escalas de distância que apontam para a existência dessenovo componente que não emite e nem interage de forma significativa com a radiaçãoeletromagnética, o qual denominamos por matéria escura (DM - do inglês Dark Matter)[BERGSTRÖM, 2000].

    Uma outra descoberta que ajudou a consolidar e enriquecer a Cosmologia foia descoberta e interpretação da Radiação Cósmica de Fundo (CMB - do inglês CosmicMicrowave Background) em 1965 [PENZIAS; WILSON, 1965; DICKE et al., 1965]. Esse fóssilremanescente do início do universo, predito por G. Gamow e colaboradores na década dequarenta [ALPHER; BETHE; GAMOW, 1948; ALPHER; HERMAN, 1948a; ALPHER; HERMAN,1948b; GAMOW, 1948], é uma forte evidência que onossouniverso se originoudeumagrandeexpansão inicial do espaço-tempo, que de forma genérica é chamado de Big Bang 3.

    No final dos anos 80 e início dos anos 90, estudos de aglomerados de galáxiasem grande escala, estimaram um parâmetro de baixa densidade da matéria Ωm = �m/�cri =0.15−0.4. Conciliar esse resultado comaprevisãopadrãoda cosmologia inflacionária [GUTH,1981] de umuniverso espacialmente plano (Ωtot = 1), exigiu introduzir umnovo componentede energia com um parâmetro de densidade igual a 1 − Ωm [EFSTATHIOU; SUTHERLAND;MADDOX, 1990]. Evidências indiretas como essas começaram a se acumular em favor da"volta" de uma constante cosmológica. Esse cenário ganhou força com a descoberta emonitoramento das supernovas do tipo Ia (SNe Ia). A análise da emissão desse tipo desupernova levouàconclusãodeque, aocontráriodoquese imaginava, nossouniversoestáemum estágio de expansão acelerada, consistente com um universo plano com ΩΛ ≈ 0.7 [RIESS2Se preferir versões em inglês, veja [FRIEDMAN, 1999; FRIEDMANN, 1999; LEMAÎTRE, 2013].3Neste processo de expansão, que teve inicio a cerca de 13 bilhões de anos atrás, o universo passou pordiversas fases em que ocorreu o predomínio de diferentes tipos de componentes (partículas) do fluido cósmicoconhecidas [SOUZA, 2004]

    G. Pordeus da Silva

  • Capítulo 1. Introdução 13

    et al., 1998; PERLMUTTER et al., 1999].Fundamentado nessas e em outras descobertas e evidências, o modelo

    cosmológico atual mais simples e que melhor se ajusta aos dados observacionais é o modeloΛCDM, também conhecido como modelo Padrão ou modelo de Concordância Cósmica.Esse por sua vez, considera o universo dominado por energia escura (na forma de umaconstante cosmológica Λ, mecanismo causador da expansão acelerada do universo) e pormatéria escura fria (CDM - do inglês Cold Dark Matter). Apesar de fornecer um ótimo ajustecomas observações omesmopossui problemas e questões emaberto, sendooprincipal delesentender anaturezadas componentes escuras, que juntas constitui cercade 95%doconteúdodematéria-energia do universo.

    Graças aos avanços tecnológicos e científico das últimas décadas, vivemos na erada cosmologia de precisão, onde observações astronômicas de alta qualidade são usuais.Dada essa nova realidade, além dos dois problemas fundamentais já citados, vem sendorelatadasmuitas discrepâncias observacionais comrespeito aomodeloΛCDM.Umadasmaisconhecidas é a tensão entre as medições a partir de observáveis locais (SNe Ia e Cefeidas,ver [RIESS et al., 2016]) e globais (dados da CMB, ver [ADE et al., 2016]) da constante deHubble (H0), que nos últimos anos tem se intensificado bastante e atualmente é superior a3.4� [FREEDMAN, 2017; PORDEUS DA SILVA; CAVALCANTI, 2018]. Assim como a do H0, hátambém uma tensão de origem desconhecidas na determinação do parâmetro �8 [BATTYE;CHARNOCK; MOSS, 2015; MACAULAY; WEHUS; ERIKSEN, 2013]. O que não está claro ése essas anomalias estão relacionadas a erros sistemáticos desconhecidos, se são efeitosestatísticos ou indícios de nova físicas. De qualquer modo, tais problemas tem motivadopesquisas de teorias alternativas e/ou extensões aomodeloΛCDM, bemcomo a teoria da RG.

    O modelo ΛCDM também apresenta problemas na descrição de estruturasde pequena escalas, entre as discrepâncias observadas estão as chamadas de Core/Cusp,Diversity, Missing Satellites e Too-Big-To-Fail Problem (veja [POPOLO; DELLIOU, 2017;BULLOCK;BOYLAN-KOLCHIN, 2017;WEINBERG et al., 2015] para umadescriçãodetalhada).Esses problemas fizeram emergir a possibilidade da hipótese CDM falhar em pequenasescalas, e essa intrigante possibilidade tem instigado vários estudos no sentido de rever nossacompreensão da natureza da DM. Uma extensão imediata da hipótese CDM, apontada comouma solução potencial a alguns desses problemas de pequena escala, é a matéria escuramorna (WDM-do inglêsWarmDarkMatter), ou seja, a suposição de que as partículas deDMserem mornas ao invés de frias [LOVELL et al., 2012; LOVELL et al., 2014; HORIUCHI et al.,2016]. Outra alternativa a hipótese da CDM sem colisão é amatéria escura auto-interagente4

    4Esse modelo considera uma forte auto-interação entre as partícula de DM nas densas regiões centrais dos halosde galáxias e aglomerados [WEINBERG et al., 2015].

    G. Pordeus da Silva

  • Capítulo 1. Introdução 14

    (SIDM - do inglês Self-Interacting Dark Matter), também cotada como solução potencial aalguns dos problemas de pequena escala [TULIN; YU, 2018; SPERGEL; STEINHARDT, 2000;ROCHA et al., 2013; PETER et al., 2013; ZAVALA; VOGELSBERGER; WALKER, 2013; ELBERT etal., 2015].

    A descrição clássica apropriada para as partículas de WDM é a de um gásrelativístico ideal de partículas massivas, dada pela estatística Maxwell-Boltzmann. Noentanto, apesar de sua simplicidade, as equações resultantes a partir dessa descrição nãopodem ser resolvidas analiticamente no contexto cosmológico, tanto no background quandoem primeira ordem de perturbação. Porém, se supormos que todas as partículas do gásrelativístico têm a mesma energia cinética, ou equivalentemente, o mesmo módulo para omomento, obtemos uma aproximação simplificada à distribuição de Maxwell-Boltzmann,que por sua vez vem mostrando ser bastante eficiente em descrever as características geraisda WDM, e também uma ferramenta útil para as teorias com algum tipo de nova física[HIPÓLITO-RICALDI et al., 2018; FABRIS; SHAPIRO; VELASQUEZ-TORIBIO, 2012; FABRISet al., 2014; REIS; SHAPIRO, 2018; FABRIS; SHAPIRO; SOBREIRA, 2009]. Esse modeloaproximado de gás relativístico ideal é chamado de gás relativístico reduzido (RRG - doinglês Reduced Relativistic Gas), e foi introduzido pela primeira vez por Sakharov [1966]em aplicações no estudo da CMB. Como veremos (ver Seção 5.3), o RRG é uma excelenteaproximação a descrição padrão dado pela estatística de Maxwell-Boltzmann, quandoanalisamos o gás relativístico próximo ao seu limite ultra-relativístico e não-relativístico.

    Em 2005, o RRG foi reavivado por Berredo-Peixoto, Shapiro e Sobreira [2005], queobtiveramexplicitamente a sua equaçãode estado (EoS) e a dependência da suadensidadedeenergia com o fator de escala, bem como soluções analíticas para o background em cenárioscosmológicos com radiação e constante cosmológica. Além dessas, soluções analíticas parao background plano e não plano na presença de outras duas ou três componentes (constantecosmológica, matéria ultra relativística e não relativística) foram encontradas por Medeiros[2012]. Entre as aplicações do RRG, estão a descrição da interação bárion-fóton antes darecombinação [FABRIS et al., 2014], a de neutrinos massivos [SLEPIAN; PORTILLO, 2018] eestudos de matéria relativística em universos anisotrópicos [REIS; SHAPIRO, 2018]. Alémdessas, destaca-se o seu uso na descrição independente de modelo da WDM [HIPÓLITO-RICALDI et al., 2018], onde foi encontrado que a função de transferência para o modelo RRGreproduzo cálculo completodeEinstein-Boltzmannpara relíquias térmicas com1%precisão.

    Dadas essas interessantes aplicações do modelo RRG na cosmologia, é valiosoestudarmos esse modelo em um arcabouço teórico mais geral. De fato, ao estudar oRRG além da descrição de fluido perfeito, podemos ter uma melhor compreensão de suas

    G. Pordeus da Silva

  • Capítulo 1. Introdução 15

    aproximações e a implementação de novos efeitos, como a introdução de termos dissipativose de colisão. Pensando nisso, nesta tese (i) apresentamos uma fundamentação teórica maisgeral para o RRG, que vai além da aproximação de fluido perfeito, e (ii) trabalhamos emalgumas aplicações desse modelo no contexto cosmológico de perturbações. Quanto aoprimeira ponto (i), começamos construindo uma função de distribuição para o RRG quecodificaa suposição simplificadoradeque todas as suaspartículaspossuemomesmomodulode momento, desta derivamos o conjunto de equações acopladas de Einstein-Boltzmanne verificamos explicitamente que os seus limites não-relativístico e ultra-relativístico sãorecuperados. Além disso, a partir poucas suposições derivamos uma expressão analíticaque relaciona o parâmetro de movimento térmico do RRG com a massa da partícula etambémestimamos o quanto essemodelo se desvia da descrição padrão dado pela estatísticade Maxwell-Boltzmann [PORDEUS DA SILVA; BATISTA; MEDEIROS, 2019]. Na segundaparte do nosso trabalho, (ii) estudamos a evolução do potencial Φ(k , t ) em um modelo deuniverso hipotético onde o RRG descreve de forma aproximada e unificada a radiação e aCDM, determinamos as condições iniciais para as quantidades do RRG no universo inicial,estudamos o RRG como uma descrição alternativa para aWDM e identificamos as condiçõesem que as quantidades além da aproximação de fluido perfeito podem ser negligenciadas[PORDEUS DA SILVA; BATISTA; MEDEIROS, 2019]. Por fim, motivados por sua simples EoS,procuramos soluções semi-analíticas para as perturbações sub-horizonte do contraste dedensidade em um modelo com WDM, radiação e constante cosmológica, onde a WDM émodelada pelo RRG. Nesse parte do estudo, obtivemos uma equação diferencial análoga adeMészáros paraWDM, bem como sua solução em termos de funções hipergeométricas.

    Esta tese está dividida em sete capítulos. No Capítulo 2, realizamos um estudosobre a cosmologia moderna baseada na métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker. Neste ponto, entre outras coisas, deduzimos as equações de Friedmann-Lemaître,apresentamos algumas de suas soluções, realizamos um estudo introdutório de funções dedistribuição e da equação de Boltzmann. No Capítulo 3, dissertamos sobre perturbaçõeslineares em cosmologia relativística. Nesse contexto, deduzimos o conjunto completo deequações acopladas de Boltzmann-Einstein, que descrevem a evolução das perturbaçõesescalares. Já no Capítulo 4, determinamos as condições iniciais para todas as perturbaçõesescalares e obtemos soluções que descrevem como evolui as inomogeneidades da matéria.No Capítulo 5, abordamos como tema central o arcabouço teórico do RRG com um enfoqueespecial no cotexto cosmológico. Já, no Capítulo 6, descrevemos algumas aplicações doRRG no contexto cosmológicos perturbado. Por fim, no Capítulo 7, apresentamos nossoscomentários finais e algumas perspectivas futuras.

    G. Pordeus da Silva

  • Capítulo2Universo homogêneo, isotrópico edinâmico

    “Nenhuma grande descoberta foi feita jamais semumpalpiteousado.”

    ISAAC NEWTON.

    Neste capítulo, nosso objetivo é fornecer uma introdução teórica à estruturamatemática e física dos modelos cosmológicos modernos que se baseiam na teoria daRG e no Princípio Cosmológico. Portanto, começamos definindo o Princípio Cosmológicoe apresentado algumas propriedades geométricas e dinâmicas de um espaço-tempo deFriedmann-Lemaître-Robertson-Walker. Em seguida, deduzimos a equação de Friedmann-Lemaître, estudamosalgumasdesuas soluçõese introduzimosomodelocosmológicopadrão.Por fim, realizamos um estudo introdutório sobre função de distribuição e equação deBoltzmann no contexto cosmológico.

    2.1 Princípio cosmológico

    A teoria da RG é fundamental para construirmos um modelo cosmológico, poisé a teoria gravitacional que melhor lida com os paradoxos associados a um espaço que seestende ao infinito, e a que melhor explica as observações. Tal teoria fornece uma descriçãogeométrica do espaço-tempo muito difícil de resolver para uma distribuição arbitrária dematéria-energia. Daí, a fim de progredir acerca de uma teoria científica do universo,argumentos de simetria1 são considerados tendo em vista sua simplificação.

    Para aplicar sua teoria na descrição do universo, Einstein fez uso de um princípiosimplificador chamado Princípio Cosmológico, que consiste na hipótese de que em escala1Hoje, esses argumentos são amparados em observações

    16

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 17

    suficientemente grande (300/h Mpc, ver Ref. [WU; LAHAV; REES, 1999])2 o universo éespacialmente homogêneo e isotrópico. Homogeneidade é a afirmação de que o universoparece o mesmo em cada ponto, enquanto isotropia afirma que o universo parece o mesmoem todas as direções.

    Sabemos que o universo local é não homogêneo e não isotrópico. No entanto,se formos observar mais e mais distante, em escalas superiores as das maiores estruturasvisíveis, chamadas de superaglomerados de galáxias, que possuem diâmetros da ordem de10 a 30 Mpc, a distribuição de galáxias parece ser rigorosamente homogênea e isotrópica,fundamentando observacionalmente o Princípio Cosmológico [SOUZA, 2004]. Dadosreferentes a radiogaláxias, aglomerados de galáxias, quasares e CMB, fornecem fortesevidencias para o Princípio Cosmológico em grandes escalas [WU; LAHAV; REES, 1999;SCRIMGEOUR et al., 2012; COLES; LUCCHIN, 2002], por exemplo, flutuações na temperaturada CMB (ver Figura 2.1) indicam que o nível de anisotropia do universo em grandes escalas éde cerca de umaparte em105. Portanto, aceitamos oPrincípioCosmológico porque concordacom as observações.

    Figura 2.1: Anisotropias da temperatura daCMBobservadapelo Planck [Fev. 2015]. A imagemrevela flutuações de temperatura (mostradas como diferenças de cor) da ordem de 10−5, quecorrespondem a regiões de densidades ligeiramente diferentes, que são as sementes de todasas estruturas futuras (extraída da PLANCK IMAGE GALLERY).

    2NaCosmologia,medida de distância normalmente é expressa emmegaparsec (Mpc), 1Mpc' 3.26×106 anos luz' 3.08 × 1022m.

    G. Pordeus da Silva 2.1. Princípio cosmológico

    https://www.cosmos.esa.int/web/planck/picture-gallery

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 18

    2.2 Métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker

    Para um sistema de coordenadas arbitrário x �, a forma geral do elemento de linhainvariante é

    ds2 =3∑

    µ,�gµ�dx

    µdx � ≡ gµ�dx µdx �, (2.1)

    onde, gµ� é o tensor métrico do espaço-tempo. Na relatividade especial, o espaço-tempo éplano e estático, assim, sua métrica é gµ� = diag(−1,+1,+1,+1), usualmente conhecida comométrica deMinkowski. Por outro lado, emRG umamétrica não plana depende dos pontos doespaço-tempo, ou seja, gµ� = gµ�(t , x i ). Essa dependência é determinada pela distribuição dematéria-energia nouniverso [BAUMANN, 2018]. Espaçoshomogêneos e isotrópicospossuemomaior grupode simetria possível, restringindo fortemente a geometria admissível para essesespaços [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006].

    A métrica mais geral que descreve um universo em expansão e que satisfazestas restrições impostas pelo Princípio Cosmológico, é a conhecida métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW). O seu elemento de linha expresso em coordenadasesféricas comóveis possui a seguinte forma [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006;WEINBERG, 2008]:

    ds2 = gµ�dxµdx � = −dt 2 + a2(t )

    [dr 2

    1 − kr 2 + r2d�2 + r 2sin2�d�2

    ], (2.2)

    onde x µ = (x0 = t , x1 = r , x2 = �, x3 = �). Essa métrica é caracterizada por duas quantidades:o fator de escala a(t ) e a constante k , que determina se o universo é espacialmente plano(k = 0), esférico (k = 1) ou hiperbólico (k = −1) [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006;WEINBERG, 2008]. A Figura 2.2 ilustra superfícies bidimensionais com k = 1, 0 e−1, que podepossibilitar alguma intuição das análogas tridimensionais.

    Uma forma conveniente de se expressar amétrica de FLRWé obtida introduzindouma nova coordenada radial �, definida pela relação

    r = Sk (�) =

    1√|k |sin

    (√|k | �

    )se k > 0 ,

    � se k = 0 ,1√|k |sinh

    (√|k | �

    )se k < 0 .

    (2.3)

    Feito isso, a métrica (2.2) toma a seguinte forma [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006]

    ds2 = −dt 2 + a2(t )[d�2 + Sk (�)2

    (d�2 + sin2�d�2

    )]. (2.4)

    G. Pordeus da Silva 2.2. Métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 19

    Linhas inicialmente

    paralelas Linhas

    inicialmente paralelas

    Linhas inicialmente

    paralelas

    𝛾 + 𝛽 + 𝛼 > 180° 𝛾 + 𝛽 + 𝛼 < 180° 𝛾 + 𝛽 + 𝛼 = 180°

    𝑏

    𝛽

    𝛾 𝛼

    𝛽 𝛾 𝛼

    𝐶 = 2𝜋𝑏 𝐶 < 2𝜋𝑏

    𝑏

    𝑘 = +1 𝑘 = 0 𝑘 = −1

    𝐶 > 2𝜋𝑏

    𝛽 𝛼

    𝛾 𝑏

    Figura 2.2: Três superfícies bidimensionais: a esférica tem k = 1, a plana tem k = 0 e a emforma de sela tem k = −1. Em superfícies curvas (k , 0) a soma dos ângulos de um triângulonão é igual a 180 ◦, a circunferência de um círculo não é igual a 2� vezes o raio e as geodésicasque se iniciam paralelas, não permanecem paralelas (extraída da Ref. [PORDEUS DA SILVA,2018]).

    Também é útil introduzir uma nova coordenada de tempo chamada de tempo conforme �,essa se relaciona com o tempo cósmico t pela relação

    d� =dt

    a(t ) . (2.5)

    Em termos do tempo conforme, a métrica (2.4) torna-se

    ds2 = a2(�)[−d�2 + d�2 + Sk (�)2

    (d�2 + sin2�d�2

    )]. (2.6)

    Note que na forma apresentada, torna-se mais fácil estudarmos algumas de suaspropriedades, visto que essa métrica possui um cone de luz radial idêntico ao da métricadeMinkowski, além disso, para k = 0 ela é amétrica deMinkowski multiplicada por um fatorconforme.

    2.3 O redshift cosmológico

    O redshift (desvio para o vermelho) é o deslocamento das linhas espectrais devidoo aumento no comprimento de onda da radiação3. Esse fenômeno pode ser produzidopor duas causas distinta, (i) devido ao efeito do campo gravitacional sobre a radiação,pois ao deixar um campo gravitacional forte, os fótons sofrem uma perda de energia, eportanto, o comprimento de onda se desvia para o vermelho, razão a qual é chamado deredshift gravitacional; e (ii) devido ao movimento relativo entre a fonte e o observador,que pode ser devido ao efeito Doppler (advindo do movimento peculiar) ou devido aomovimento de recessão produzido pela expansão do universo, ou ainda uma combinação de3Seja ou não a radiação visível, redshift significa um aumento no comprimento de onda, o que equivale a umadiminuição da frequência e energia dos fótons.

    G. Pordeus da Silva 2.3. O redshift cosmológico

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 20

    ambos. Quantitativamente o redshift de uma linha espectral é definido da seguinte forma:z ≡ (�0 − �) /�, onde �0 é o comprimento de onda medido ao atingir o observador e � ocomprimento de onda emitido, ou seja, o medido na fonte.

    O redshift de interesse neste trabalho é o redshift cosmológico. Esse é umaconsequênciadaexpansãodouniverso, quecausaumalongamentonocomprimentodeondados fótonsenquantoesses estãoemtrânsitoentreopontodeemissãoeodeobservação, comoilustra a Figura 2.3. Esse alongamento ocorre de formaprogressiva e varia proporcionalmenteao fator de escala, � ∝ a . Logo, têm-se �0/� = a0/a(t ), que junto coma definição de z , permiteobter uma importante relação entre o redshift cosmológico e o fator de escala4:

    1 + z = a0a(t ) , (2.7)

    onde a(t ) e a0 são os valores do fator de escala no momento da emissão t e da observação t0,respectivamente. Emumuniverso emexpansão, têm-se a0 > a(t ), resultando emum z > 0, ouseja, um redshift. Caso contrário, em um universo em contração, têm-se a0 < a(t ) resultandoem um z < 0, ou seja, um blueshift.

    A B

    A

    B

    Momento da emissão:

    𝑎 𝑡 = 𝑎(𝑡𝑒)

    Momento da observação: 𝑎 𝑡 = 𝑎(𝑡0)

    Figura 2.3: Uma visão esquemática do alongamento do comprimento de onda dos fótonsenquanto os mesmos se propagam da galáxia A à B (extraída da Ref. [PORDEUS DA SILVA,2018]).

    2.4 Distâncias e a lei de Hubble-Lemaître

    Sem perda de generalidade, devido a homogeneidade e isotropia, consideremosum observador na origem de um sistema de coordenadas de FLRW, observando uma galáxia4Esta relação é obtida formalmente na Ref. [LAMBOURNE, 2010, Seç. 8.4.1]

    G. Pordeus da Silva 2.4. Distâncias e a lei de Hubble-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 21

    distante em uma direção fixa, especificada por valores particulares de � e �, e em umacoordenada radial r . Dado que o espaço-tempo de FLRW admite uma foliação global 3+1,com as folhas dadas por t = constante, a distância própria dp(t ) entre o observador e agaláxia é o comprimento geodésico espacial entre eles na hipersuperfície de tempo constantet [LAMBOURNE, 2010; RYDEN, 2016] . Portanto, da métrica (2.2) e (2.4), obtemos que adistânciaprópria entre oobservador e a galáxianomomento t , ao longodeumcaminho radiald� = 0 e d� = 0, será

    dp(t ) =∫

    Sds = a(t )

    ∫ r0

    dr ′√1 − kr ′2

    = a(t )∫ �0

    d�′ (2.8)

    ou seja,

    dp(t ) = a(t )� , onde: � = S−1k (r ) =

    1√|k |sin−1

    (√|k |r

    )se k > 0

    r se k = 01√|k |sinh−1

    (√|k |r

    )se k < 0

    . (2.9)

    A coordenada radial comóvel � é frequentemente chamada de distância de coordenada oudistância comóvel.

    Por outro lado, a velocidade própria vp é dada por

    vp(t ) =d[dp(t )]

    dt= a

    d�

    dt+1a

    da

    dtdp, (2.10)

    ou seja, a distância própria de uma fonte podemudar com o tempo devido dois fatores:

    • omovimento peculiar dessa fonte, quantificado pela velocidade peculiar própria vpec,

    vpec ≡ ad�

    dt, (2.11)

    • e devido a expansão do universo, quantificada pela conhecida lei de Hubble-Lemaître,

    vr(t ) ≡ H (t )dp , (2.12)

    aqui vr é a velocidade radial (recessão) da fonte e

    H (t ) ≡ 1a

    da

    dt≡ Ûa

    a, (2.13)

    é a função de Hubble, cujo valor avaliado no tempo presente (t0) para o nosso universo

    G. Pordeus da Silva 2.4. Distâncias e a lei de Hubble-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 22

    é conhecido como constante de Hubble,

    H0 ≡ h · 100 km · s−1 ·Mpc−1, (2.14)

    onde, h é o parâmetro de Hubble adimensional.

    2.4.1 Distância de diâmetro angular e de luminosidade

    A distância própria a um objeto astronômico distante não pode ser medida deforma direta, uma vez que tais objetos são observados através da luz que emitem, assim nãose pode fazer medições ao longo de uma superfície de tempo constante, pois a luz leva umtempo finito para viajar até nós. No entanto, pode-se definir operacionalmente outros tiposde distâncias, como a distância de diâmetro angular e de luminosidade que, a princípio, sãodiretamentemensuráveis [COLES; LUCCHIN, 2002].

    Como ilustrado na Figura 2.4, considere uma fonte emissora E com umacoordenada comóvel fixa � em relação a um observador O. Assumindo, por simplicidade,que os eixos espaciais são orientados de modo que � = constante, podemos obter a partir damétrica FLRW (2.4), que a distância própria entre as duas extremidades do objeto (diâmetropróprio transversal) nomomento da emissão te é

    l =

    ∫S

    ds = a(te)Sk (�)∫ �+∆��

    d� = a(te)Sk (�)∆�. (2.15)

    A distância de diâmetro angular dA, é definida de modo que o diâmetro angular∆�, é dado pela relação habitual da geometria euclidiana, ou seja, ∆� = l/d , e assim dA ≡ l/∆�.Portanto, comparando essa com a Eq. (2.15), obtemos:

    dA(te) = a(te)Sk (�) . (2.16)

    Ainda tendo emmente a Figura 2.4, considere que o observador O, na origem deumsistemade coordenadas de FLRW, observa umsinal de luz radial (d� = d� = 0) emitido poruma galáxia distante nas coordenadas (te, �, �, �). Como o sinal de luz viaja ao longo de umageodésica nula, ou seja, ds2 = 0, obtemos damétrica (2.4) que:

    dt

    a(t ) = ±d� ⇒ � =∫ �0

    d�′ = −∫ te

    t0

    dt

    a(t ) , (2.17)

    onde escolhemos o sinal negativo, vista que o raio de luz viaja em direção a origem das

    G. Pordeus da Silva 2.4. Distâncias e a lei de Hubble-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 23

    (a) Geometria associada com a definição da dA (b) Especificação das coordenadas

    Figura 2.4: Geometria associada com a definição da distância de diâmetro angular dA, comuma dimensão espacial suprimida (extraída da Ref. [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY,2006]).

    coordenadas. Por outro lado, usando a Eq. (2.7) e (2.13), podemosmostrar que

    dt

    a=

    dt

    da

    da

    a=

    da

    H (t )a2 = −1

    a0

    dz

    H (z ) , (2.18)

    e assim, da relação (2.17) temos a seguinte expressão para a coordenada comóvel �,

    � = −∫ a(te)

    a0

    da

    a2H (t ) =1

    a0

    ∫ ze0

    dz

    H (z ) . (2.19)

    Portanto, podemos expressar a distância de diâmetro angular como

    dA(ze) =

    a0(1+ze)√|k |sin

    (√|k |

    a0

    ∫ ze0

    dzH (z )

    )se k > 0 ,

    1(1+ze)

    ∫ ze0

    dzH (z ) se k = 0 ,

    a0(1+ze)√|k |sinh

    (√|k |

    a0

    ∫ ze0

    dzH (z )

    )se k < 0 ,

    (2.20)

    onde, comoveremos, k = −Ωk ,0a20H 20 (ver Eq. (2.62)) e a evoluçãodoparâmetrodeHubble como z ,H (z ), depende do conteúdo dematéria-energia do universo (ver Eq. (2.67)).

    A distância de luminosidade dL, assim como a de diâmetros angular, é construídade maneira a preservar uma propriedade geométrica do espaço euclidiano5, sua expressãodifere de dA por um fator de (1 + z )2, ou seja,6

    dL(ze) = (1 + ze)2dA(ze) , (2.21)5Nesse caso, é definida demodo a preservar a lei euclidiana do inverso do quadrado para a diminuição da energiaradiativa (luz) com a distância, ou seja, l = L/A = L/(4�d2L).6Para uma dedução detalhada, veja as Refs. [WEINBERG, 2008; HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006].

    G. Pordeus da Silva 2.4. Distâncias e a lei de Hubble-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 24

    essa equação é conhecida como relação de dualidade de distância, ela obedece ao Teoremada Reciprocidade [ELLIS, 2007] e é independente da cosmologia adotada.

    2.5 Idade do universo e o tempo retrospectivo

    Fazendo uso da Eq. (2.18) e da relação a/a0 = 1/(1 + z ), podemos obter umaexpressão que represente a idade do universo em um z qualquer, ou seja,

    t (z ) =∫ t0

    dt ′ = −∫ z∞

    a

    a0

    dz ′

    H (z ′) =∫ ∞

    z

    dz ′

    (1 + z ′)H (z ′) , (2.22)

    aqui consideramos o cenário Bib-bang, onde tinicial ' 0 corresponde a um a ' 0, ouequivalentemente, um z = ∞. Por outro lado, a idade total do universo t0, é obtida tomandoz = 0 na equação anterior,

    t0 =

    ∫ ∞0

    dz ′

    (1 + z ′)H (z ′) . (2.23)

    A relação de tempo retrospectivo é definida como a diferença entre a idade douniverso hoje (t0) e sua idade quando um raio de luz foi emitido em um particular redshift(t (z )). Assim, subtraindo a Eq. (2.22) da Eq. (2.23), têm-se a relação tempo retrospectivo,

    tL(z ) = t0 − t (z ) =∫ z0

    dz ′

    (1 + z ′)H (z ′) . (2.24)

    2.6 Dinâmica cósmica

    A dinâmica da geometria do espaço-tempo é caracterizada inteiramente pelofator de escala a(t ). Como sabemos, na teoria da RG a geometria e a matéria-energia sãorelacionadas pela equação de campo gravitacional de Einstein, ou simplesmente, equação deEinstein. Assim, para determinar a função a(t ), devemos resolver a equação do Einstein napresença damatéria-energia contida nesse espaço-tempo.

    2.6.1 Equação de Einstein

    Na presença de uma constante cosmológica diferente de zero, a equação deEinstein é dada por [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006]

    Gµ� + Λgµ� = Rµ� −12 gµ�R + Λgµ� = 8�GTµ� , (2.25)

    G. Pordeus da Silva 2.5. Idade do universo e o tempo retrospectivo

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 25

    ondeGµ� é o tensor de Einstein, que contém as propriedades geométricas do espaço-tempo,Tµ� o tensor de energia-momento, que representa a distribuição da matéria-energia, G aconstante Gravitacional, Λ a constante cosmológica, R o escalar de curvatura de Ricci e porfim, Rµ� é o tensor de Ricci, dado pela expressão

    R� � = ∂�Γ�� � − ∂�Γ��� + Γ

    � �Γ

    � − Γ

    ��Γ

    � , (2.26)

    onde Γµ�� é a conexãométrica, definida em termos damétrica da seguinte forma:

    õ�� =

    12 g

    µ �(∂�g �� + ∂�g �� − ∂�g��) . (2.27)

    Note que, uma vez definida a métrica, é possível obter toda a parte geométricada equação de campo de Einstein. De fato, usando a métrica FLRW Eq. (2.2), obtemos asseguintes conexões não nulas:

    Γ0i j = H gi j Γi0j = Γ

    i0j = H �

    ij Γ

    233 = − cos(�) sin(�)

    Γ111 =kr

    1−kr 2 Γ122 = −r

    (1 − kr 2

    )Γ133 = −r

    (1 − kr 2

    )sin2(�)

    Γ221 = Γ221 =

    1r Γ

    332 = cot(�) Γ331 = Γ313 =

    1r

    (2.28)

    Dessas, obtemos os seguintes termos para o tensor de Ricci:

    R00 = −3 Üaa

    , Ri0 = R0j = 0 , Ri j = gi j(2H 2 + Üa

    a+ 2 k

    a2

    ), (2.29)

    e, como o escalar de Ricci é dado pela contração R = R �� = g��R��, temos:

    R = 6( Üa

    a+H 2 +

    k

    a2

    ). (2.30)

    Finalmente, substituindo as Eq.s (2.29) e (2.30) na equação de Einstein (2.25),obtemos:

    H 2 +k

    a2− Λ3 =

    8�G3 T00 , (2.31)

    0 = 8�GT0j = 8�GTi0 (2.32)

    egi j

    (H 2 + 2 Üa

    a+

    k

    a2− Λ

    )= −8�GTi j . (2.33)

    Para estudarmos a dinâmica cósmica baseado nessas equações, precisamos de antemãodeterminar o tensor energia-momento e suas componentes.

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 26

    2.6.2 Tensor energia-momento

    O tensor de energia-momento na forma tensorial mais geral, medido porum observador que se move com quadrivelocidade u �, pode ser expresso como [ELLIS;MAARTENS; MACCALLUM, 2012; MAARTENS, 1996]

    Tµ� = (� + P + �)uµu� + (P + �) gµ� + uµq� + u�qµ + �µ� , (2.34)

    sujeito aos vínculos

    q �u� = 0 , ���u � = 0 , ��� = ��� e � �� = 0 , (2.35)

    onde:

    • � é a densidade de energia (a densidade de massa de repouso mais a energia internatotal, energia química, etc.);

    • P é a pressão isotrópica;

    • q� é a densidade do momento (devido a processos como difusão e condução de calor),que (devido à equivalência de massa e energia) é também o fluxo de energia relativo auµ ;

    • � é a pressão viscosa volumétrica;

    • ��µ é o tensor de stress anisotrópico devido a efeitos como viscosidade, fluxo livre oucamposmagnéticos7;

    • u � é a quadrivelocidade comóvel, definida comou µ ≡ dx µ/d�, onde � é o tempo próprioque por definição é ds2 = −d�2, de modo que,

    (u µ)2 = −(

    dx µ

    ds

    )2= −

    (dx µ

    dt

    dt

    ds

    )2=

    (dx µ

    dt

    )2 ( 11 − gi j dx

    i

    dtdx j

    dt

    ). (2.36)

    Assim, no referencial do cento de massa de repouso do fluido, onde o momento totalmedido emrelação a esse referencial é zero, temosdx i/dt = 0 e, portanto,u µ = (1, 0, 0, 0).Isso implica que u� = g�µu µ = (−1, 0, 0, 0) e u µuµ = −1. É importante destacar queessa última relação é completamente geral e independem do sistema de coordenadase do sistema gravitacional (cosmologia, BuracosNegros, etc) estudado. Isso é fácil de ser

    7A pressão viscosa volumétrica �, é o traço de ��µ , ou seja, � �� = �. Mas como colocamos � em evidência juntocom a pressão P , impomos que ��µ é de traço nulo.

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 27

    demonstrado, basta ver que

    ds2 = gµ�dxµdx � = gµ�

    dx µ

    d�

    dx �

    d�d�2 ⇒ u µuµ =

    ds2

    d�2= −1 . (2.37)

    Note que, da Eq. (2.35) temos que q �u � = 0 ⇒ q0 = 0 e que ���u � = 0 ⇒ ��0 =�0� = 0. O princípio Cosmológico manifestado na métrica de FLRW gµ�, também impõemfortes vínculos ao tensor energia-momento, pois das Eq.s (2.31), (2.32) e (2.33) podemosconcluir que T0i = g0i = 0, Ti j = gi j = 0 para todo i , j e, portanto, Tµ� ∝ gµ�. Assim,da Eq. (2.34) temos que qi = T0i/u0 = 0 e que �i j = Ti j = 0 para todo i , j . Além disso,devido a homogeneidade e isotropia T00 e Ti i só podem depender do tempo t . Portanto, otensor energia-momentomais geral consistente com amétrica de FLRW, é umfluido perfeitocom viscosidade volumar.

    No entanto, a pressão viscosa volumétrica �, assim como a densidade domomentoq�, está relacionadaaprocessosdissipativos (vermaisdetalhesnaRef. [MAARTENS,1996]), por essa razão vamos negligencia-lo daqui em diante. Dito isso, oTµ� resultante é

    Tµ� = (� + P )uµu� + P gµ� , (2.38)

    onde esse tensor energia-momento é característico de umfluido perfeito. Emgeral, a física deum fluido perfeito é determinado pela Eq. (2.38) e por uma equação de estado (EoS) do tipoP = P (S, �), ondeS é a entropia. Apesar da formadefluidoperfeito, o tensor energia-momento(2.38) é compatível comprocessos irreversíveis8, o que implica que esse tipodeprocessopodeocorrer em um universo de FLRW [ELLIS; MAARTENS; MACCALLUM, 2012]. Um processo éreversível9 quando sua EoS é função apenas da pressão P = P (�) (EoS barotrópica).

    Para encontramos o a(t ), necessitamos de uma outra equação além das duas jáapresentadas, Eq. (2.31) e (2.33), pois temos três incógnitas �, P e a . Na cosmologia, é habitualusarmos uma EoS linear barotrópica do tipo

    P = w � , com w = constante , (2.39)

    onde w é o parâmetro da EoS. Considerando essa nova equação, fechamos o sistema com 3equações independentes.

    Oparâmetrow tambémestá relacionadoà velocidadedo somadiabáticodofluido8Isto é, que ocorre com alteração na entropia (∆S > 0).9Isto é, que ocorre sem alteração na entropia (isentrópico)

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 28

    [COLES; LUCCHIN, 2002]c2s =

    (∂P

    ∂�

    )s

    , (2.40)

    onde s denota derivação a entropia constante. Em um fluido onde w = constante, cs =√

    w .Note que o caso w > 1 é fisicamente impossível, pois implicaria que cs > 1 (aqui c ≡ 1 é avelocidade da luz). Se w < 0, então a Eq. (2.40) não está mais relacionada à velocidade dosom. Existem, no entanto, situações fisicamente importantes nas quais a matéria-energia secomporta como um fluido comw < 0, como veremosmais adiante.

    Conservação do tensor energia-momento

    Como expressamos anteriormente, já temos um sistema fechado de equaçõespara determinar a(t ). No entanto, podemos derivar uma outra equação importante (que éfrequentemente útil no encurtamento de cálculos) usando o fato da conservação do tensorenergia-momento exigir que

    ∇µT µ� = 0 . (2.41)

    Note que ao desenvolvermos u�(∇µT µ�) usando o T µ� dado pela Eq. (2.38), bem como o fatode que ∇µ g µ� = 0 e que ∇µ(u �u�) = 0⇒ u�∇µu � = 0, obtemos a componente paralela au�, queé na verdade a equações de continuidade, ou seja,

    ∇µ (�u µ) + P∇µu µ = 0 . (2.42)

    Por outro lado, a parte ortogonal, que é a equações de movimento do fluido, obtemossubtraindo da total ∇µT µ�, a parte paralela u µu �(∇µT µ �), isto é,

    ∇µT µ� + u �u �(∇µT µ �) = 0 ⇒ (� + P )u µ∇µu � = − (g µ� + u µu �) ∇µP . (2.43)

    Essa última equação é zero em ambos os lados, uma vez queu µ∇µu � = 0 (equaçãoda geodésica) e (g µ� + u µu �) ∇µP = 0, pois g 00 = −u0u0 e∇i P = 0, uma vez que P é uma funçãoapenas de t . Isso implica que por não haver um gradiente de pressão, as partículas fluidas(galáxias) seguem geodésicas [HOBSON; EFSTATHIOU; LASENBY, 2006]. Por outro lado, seusarmos o fato de que � = �(t ), u µ = (1, 0, 0, 0) e que ∇µu � = ∂µu � + Γ��µu�, a equação decontinuidade Eq. (2.42) pode ser escrita como

    Û� + 3H (� + P ) = 0 . (2.44)

    Essa equação também pode ser obtida a partir da primeira lei da termodinâmica dU = −P dV

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 29

    (processo adiabático dQ = 0), ondeU = �V eV ∝ a3.Porfim,podemos resolver analiticamenteaEq. (2.44)usandoaEq. (2.39), feito isso

    obtemos:� = �0

    (a

    a0

    )−3(1+w ), (2.45)

    onde �0 ≡ �(a = a0)éadensidadedeenergiamedidahoje. Assumindoqueascomponentesdofluidocósmiconão interagementre si, essa equaçãopode ser aplicadade forma independentepara cada um deles.

    2.6.3 Componentes do fluido cósmico

    Ouniversoépreenchidocomumamisturadediferentescomponentesdematéria-energia. É útil classificar as diferentes componentes por sua contribuição para a pressão, oumelhor, pelo valor doparâmetrow da suaEoS. As principais componentes presentes nofluidocósmico são:

    • Matéria não-relativística (NR): o termo matéria não-relativística ou simplesmentematéria (m) é usado para qualquer componente cuja a pressão seja desprezível frentea densidade de energia, ou seja, P � �. Esse é o caso de um gás não-relativístico departículas (poeira) onde a densidade de energia é dominada pela sua massa. Nessecaso, o parâmetro da EoS (tipo poeira) é: wm ' 0, logo, da Eq. (2.45) obtemos �m =�m,0 (a/a0)−3, ou seja, a densidade de energia é diluída somente devido o aumento dovolume causado pela expansão,V ∝ a3.

    – Matéria bariônica (b): matéria comum, constituída de elétrons, prótons enêutrons. Tecnicamente é incorreto, pois os elétrons são léptons. No entanto,os núcleos são muito mais pesados que os elétrons, logo a maior parte da massados átomos advém dos bárions.

    – Matéria escura (DM): matéria não bariônica, fracamente interagente com aradiação eletromagnética (não visível), geralmente considerada uma nova espéciede partícula pesada, mas o que realmente é, ainda não se sabe. Quando nosreferirmos a CDMusaremos o subscrito "c".

    • Matéria ultra-relativística (UR): o termo ultra-relativístico ou, de forma genérica,radiação (r ), é usado aqui para denotar qualquer componente cuja a EoS é Pr = �r /3.10

    Esse é o caso de um gás de partículas relativísticas, para as quais a densidade de energiaé dominada pela energia cinética (ou seja, o momento é muito maior do que a massa).

    10Essa EoS é obtida diretamente da mecânica estatística relativística no limite onde as massa das partículas sãodesprezíveis.

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 30

    Neste caso, como wr = 1/3, obtemos da Eq. (2.45) que �r = �r ,0 (a/a0)−4, onde o fatorextra de a−1, quando comparado ao caso não-relativístico, vem do redshift que essacomponente sofre, pois E ∝ 1/� ∝ 1/a .

    – Fótons (): partícula de spin 1, um bóson, sem massa, e que transporta umquantum do campo eletromagnético. Sendo sem massa, eles são sempre ultra-relativísticos. No passado distante da história do universo, os fótons dominarama dinâmica de expansão e hoje esses são detectados na forma de uma radiaçãocósmica de fundo (CMB).

    – Neutrinos (�): partícula eletricamente neutra, praticamente desprovida de massa,de spin igual a 1/2 que interage somente através da interação fraca e da gravitação.Durante a maior parte da história do universo, os neutrinos se comportaramcomo matéria ultra-relativística. Apenas recentemente suas pequenas massas setornaram relevantes, requerendo assim, um tratamento mais refinado (partículasrelativísticas).

    • Energia escura (Λ): resultados da análise da CMB, indicam fortemente que o universoé plano, ou seja, sua densidade total é muito próxima da crítica. Por outro lado, osdados das análises das SNe Ia, indicam que o universo se encontra atualmente em umafase de expansão acelerada, sugerindo que ele não é predominantemente compostopor matéria NR (bariônica e escura). Assim, a combinação desses e de outros dadosevidenciam que a componente escura é uma mistura de dois constituintes, matériaescura e um misterioso componente de pressão negativa chamado de energia escura,responsável pela expansão acelerada do universo. Sua modelagem mais simples éatravés da constante cosmológica (Λ), onde sua pressão é expressa como

    PΛ = −�Λ = −Λ

    8�G . (2.46)

    É comum e prático mover este termo para o lado direito da Eq. (2.25) e tratá-lo comouma contribuição para o tensor energia-momento, demodo que

    T (Λ)µ� =Λ

    8�G gµ� = �Λgµ� . (2.47)

    Aqui consideramos que cada um desses componentes é modelado como umfluido perfeito não interagente, exceto pela gravitação. Desse modo, o tensor energia-

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 31

    momento de um fluido demúltiplos componentes é dado simplesmente por

    Tµ� =∑

    l

    (Tµ�

    )l =

    ∑l

    [(�l + Pl )uµu� + Pl gµ�

    ](2.48)

    =

    (∑l

    �l +∑

    l

    Pl

    )uµu� +

    ∑l

    Pl gµ� (2.49)

    Assim, o fluidomulticomponente pode ser modelado como um único fluido perfeito com

    � =∑

    l

    �l e P =∑

    l

    Pl . (2.50)

    2.6.4 Equações de Friedmann-Lemaître

    Usando o tensor energia-momento de um fluido perfeito Eq. (2.38) na Eq. (2.31),obtemos

    H 2 =8�G3

    (� +

    Λ

    8�G

    )− k

    a2. (2.51)

    Já substituindo a Eq. (2.38), juntamente com a equação anterior, na Eq. (2.33), temos

    Üaa= −4�G3

    [(� +

    Λ

    8�G

    )+ 3

    (P − Λ8�G

    )]. (2.52)

    Essas duas equações, juntamente com a EoS de cada componente, governam a dinâmica douniverso, determinando a evolução temporal do fator de escala a(t ), e são conhecidas comoas equações de Friedmann-Lemaître.

    Escrevendo as Eqs. (2.51) e (2.52) usando o tempo conforme introduzido naEq. (2.5), obtemos

    H2 = 8�G3 a2(� +

    Λ

    8�G

    )− k , (2.53)

    ea ′′

    a=4�G3 a

    2[(� +

    Λ

    8�G

    )− 3

    (P − Λ8�G

    )]− k , (2.54)

    onde a "′" denota a derivada com relação ao tempo conforme � eH é parâmetro de Hubbleconforme, definido como

    H ≡ a′

    a= aH . (2.55)

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 32

    Parâmetros cosmológicos

    Ao assumirmos

    �tot =

    (� +

    Λ

    8�G

    )=

    ∑l

    �l , (2.56)

    sendo l = {r ,m,Λ} = {, c ,b , �,Λ}, podemos obter da Eq. (2.51) que:

    k

    a2H 2=

    (8�G3H 2

    �tot − 1). (2.57)

    Nota-se dessa expressão que o universo é espacialmente plano (ou seja, k = 0) somente se adensidade total �tot for igual a uma densidade crítica �cri, dada por:

    �crit =3H 28�G , (2.58)

    cujo valor atual em termos de h é:

    �0,crit =3H 208�G = 1.88 × 10

    −29 h2gramascm3

    (2.59)

    = 2.8 × 1011 h2 M�Mpc3

    . (2.60)

    É conveniente definirmos parâmetros adimensionais de densidade da seguinteforma:

    Ωl ≡�l�crit

    =8�G3H 2

    �l . (2.61)

    Além disso, é também prática comum definir o parâmetro adimensional de densidade decurvatura como

    Ωk ≡ −k

    a2H 2= Ωk ,0

    H 20H 2

    (a

    a0

    )−2. (2.62)

    Assim, podemos escrever aEq. (2.57) em termosdosparâmetros adimensionais dedensidade,ou seja,

    Ωk = 1 −Ωtot ⇒ Ωk +Ωr +Ωm +ΩΛ = 1 , (2.63)

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 33

    onde concluirmos que:

    Ωtot = 1 ⇒ Ωk = 0 ⇔ plano (k = 0)Ωtot > 1 ⇒ Ωk < 0 ⇔ esférico (k = 1)Ωtot < 1 ⇒ Ωk > 0 ⇔ hiperbólico (k = −1) .

    (2.64)

    Por outro lado, substituindo as Eqs. (2.45) e (2.59) na Eq. (2.61), obtemos:

    Ωl = Ω0,lH 20H 2

    (a

    a0

    )−3(1+!l ). (2.65)

    Fazendouso dessa equação juntamente comas informações da Subseção 2.6.3 e da Eq. (2.63),obtemos que:

    E (Ω0,l , a) ≡H

    H0=

    √Ω0,k

    (a

    a0

    )−2+Ω0,r

    (a

    a0

    )−4+Ω0,m

    (a

    a0

    )−3+ΩΛ , (2.66)

    ou

    E (Ω0,l , z ) =√Ω0,k (1 + z )2 +Ω0,r (1 + z )4 +Ω0,m (1 + z )3 +ΩΛ , (2.67)

    onde, E (Ω0,l , a) é a função de Hubble adimensional.Geralmente, o estudo da aceleração do universo é realizado através da definição

    do parâmetro de desaceleração q ,

    q ≡ −a ÜaÛa2 = −a2

    Ûa2Üa

    a= − 1

    H 2· Üa

    a, (2.68)

    onde, usando a Eq. (2.52) e alguns dos parâmetros já apresentados, podemosmostrar que:

    q =12

    ∑l

    Ωl (1 + 3!l ) =Ωm

    2 +Ωr −ΩΛ. (2.69)

    Parao tempopresente t = t0, torna-se: q0 = Ω0,m/2+Ω0,r −ΩΛ. Sendoassim, a taxade expansãodo universo é constante se q0 = 0, desacelerada se q0 > 0, e acelerada se q0 < 0.

    2.6.5 Modelo cosmológico padrão

    O modelo cosmológico padrão ΛCDM, é composto de CDM, bárions, radiação(fótons e neutrinos sem massa) e energia escura (na forma de constante cosmológicaΛ). Como mostra a Figura 2.5, observações sugerem fortemente que o universo atual éespacialmente plano ou muito próximo disso. Por exemplo, testes com dados do Planck

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 34

    emcombinação comBAO11mostramque |Ω0,k | < 0.005 em95%de confiança estatística [ADEet al., 2016]. Portanto, como os efeitos da curvatura espacial sãomais insignificantes ainda nopassado (visto que a curvatura é ∝ a−2, enquanto que a �m ∝ a−3 e �r ∝ a−4), omodeloΛCDMconsidera de fato o universo espacialmente plano, demodo que tenhamos

    H (Ω0,l , z ) = H0√Ω0,r (1 + z )4 +Ω0,m (1 + z )3 + (1 −Ω0,r −Ω0,m) . (2.70)

    Figura 2.5: Restrições no plano Ω0,m–ΩΛ com dados do Planck e BAO. Os contornosvermelhos restringem firmemente a curvatura espacial do nosso universo, mostrando sermuito compatível com uma curvatura plana, indicada pela linha tracejada cinza (extraída daRef. [ADE et al., 2016]).

    Quanto aos demais parâmetros, Aghanim et al. [2018] estimaramusandoos dadosextraídos da CMB pelo satélite Planck em combinação comBAO os seguintes valores em 68%de confiança estatística:

    Ω0,m = 0.3111 ± 0.0056 , ΩΛ = 0.6889 ± 0.0056 e H0 = 67.66 ± 0.42km/sMpc , (2.71)

    sendo queΩ0,m = Ω0,b +Ω0,c , cuja estimativa dissociada éΩ0,bh2 = 0.02242±0.00014 eΩ0,c h2 =0.11933 ± 0.00091. Quanto a radiação, temos que 12

    Ω0,r = Ω0, +Ω0,� = Ω0,

    [1 + 78N

    eff�

    (411

    ) 43]' 9.116 × 10−5 , (2.72)

    11Sigla do inglês que significa Baryon Acoustic Oscillations.12Essa relação, Eq. (2.72), é derivada em detalhes na Ref. [PIATTELLA, 2018, Cap. 3].

    G. Pordeus da Silva 2.6. Dinâmica cósmica

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 35

    uma vez que, o número efetivo de neutrinos cosmológicos é N eff� = 3.0395 [MANGANO et al.,2002] eΩ0, ' 2.469 × 10−5 h−2 paraTCMB = 2.725 K [KOMATSU et al., 2011].

    Legenda:Ωr (a)Ωm (a)ΩΛ(a)

    10-6 10-5 10-4 0.001 0.010 0.100 10.0

    0.2

    0.4

    0.6

    0.8

    1.0

    a/a0

    Ω l(a)=ρ

    l(a)/ρ

    cri(a) Era da Radiação Era da Matéria Era

    daΛ(a) Evolução dos parâmetros de densidadesΩl (a)

    Legenda:q(a)

    10-6 10-5 10-4 0.001 0.010 0.100 1-1.0-0.50.0

    0.5

    1.0

    a/a0

    q(a)

    Era da Radiação Era da Matéria

    EradaΛ

    Desacel.: q > 0

    Acel.:q<0

    (b) Evolução do parâmetro de desaceleração q(a)

    Figura 2.6: Evolução dos parâmetros adimensionais de densidades (Eq. (2.65)) e dedesaceleração (Eq. (2.69)) com o fator de escala, usando os valores dos parâmetrosapresentados na Eq. (2.71) e (2.72). As linhas verticais tracejadas roxas em a/a0 = 2.931 ×10−4, 0.767 e 1, indicam a era de equivalência entre matéria e radiação, matéria e constantecosmológica e o tempo presente, respectivamente.

    Portanto, concluímos que hoje 69% da matéria-energia do nosso universo éproveniente da constante cosmológica, 26% de CDM, 4.9% de matéria bariônica e menos de0.1% na forma de radiação. Isso implica que, nosso universo encontra-se em uma fase deexpansão acelerada (q0 = −0.532) e com uma idade total de t0 ' 13.78 G anos. Além disso,como bem mostra a Figura 2.6, em um passado distante (a/a0 � 2.931 × 10−4) a dinâmicado nosso universo foi completamente dominada pela componente de radiação, portantoencontrava-se em uma fase de expansão desacelerada (q ' 1). Logo depois (2.931 × 10−4 �a/a0 � 0.767), sua dinâmica é predominantemente dominada pela matéria, assim continuaem uma fase de expansão desacelerada (q ' 1/2). Só mais recentemente a/a0 > 0.767 suadinâmica é dominada pela constante cosmológica e o nosso universo sai de uma fase deexpansão desacelerada para uma acelerada (q ' −1).

    2.7 Soluções das equações de Friedmann-Lemaître

    As equações de Friedmann-Lemaître podem ser resolvidas exatamente paramuitoscasosdistintos. Nesta seção, encontraremossoluçõesparaumuniversoespacialmenteplano k = 0, ou seja,

    H 2 =8�G3 �tot . (2.73)

    G. Pordeus da Silva 2.7. Soluções das equações de Friedmann-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 36

    2.7.1 Soluções com uma única componente

    Durante a maior parte de sua história, o nosso universo foi dominado por umaúnica componente (primeiro radiação, depois matéria e depois constante cosmológica; verFigura (2.6)). Para um universo de uma única componente �l , a Eq. (2.73) se reduz a( Ûa

    a

    )2=8�G3 �l = H

    20Ω0,l

    (a

    a0

    )−3(1+wl ). (2.74)

    Integrando essa equação, lembrandoquenesse casoΩ0,l = 1, obtemos adependência do fatorde escala com o tempo cósmico t .

    Universo dominado pormatéria

    Para um universo dematéria (wl = 0), temos da Eq. (2.74) que

    a(t ) = a0(

    t

    t0,m

    )2/3, onde: t0,m =

    23H0

    . (2.75)

    Usando essa relação, podemosmostrar ainda que

    �m = �0,m

    (t

    t0,m

    )−2=

    16�Gt 2

    e que a(�) ∝ �2 , (2.76)

    onde � é o tempo conforme d� = dt /a(t ).

    Universo dominado por radiação

    Para um universo de radiação (wl = 1/3), temos da Eq. (2.74) que

    a(t ) = a0(

    t

    t0,r

    )1/2, onde: t0,r =

    12H0

    . (2.77)

    Usando essa relação, podemosmostrar ainda que

    �r = �0,r

    (t

    t0,r

    )−2=

    332�Gt 2

    e que a(�) ∝ � . (2.78)

    Universo dominado por constante cosmológica

    Para um universo somente com constante cosmológica (wl = −1), temos daEq. (2.74) que

    a(t ) = a0e H0(t−t0,Λ) = a0e√Λ3 (t−t0,Λ) e a(�) ∝ −�−1 , (2.79)

    note que nesse caso não há singularidade big-bang em um tempo finito no passado.

    G. Pordeus da Silva 2.7. Soluções das equações de Friedmann-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 37

    Na Tabela 2.1, apresentamos de forma resumida as soluções para um universoplano durante a era dominada pela matéria, radiação e constante cosmológica.

    Tabela 2.1: Soluções da Friedmann-Lemaître para um universo espacialmente planoconstituído de uma única componente.

    Componente wl ≡ Pl/�l �l (a) a(t ) a(�)

    Matéria 0 �m,0(

    aa0

    )−3a0

    (t

    t0,m

    )2/3∝ �2

    Radiação 1/3 �r ,0(

    aa0

    )−4a0

    (t

    t0,r

    )1/2∝ �

    Energia escura (Λ) −1 �Λ a0e H0(t−t0,Λ) ∝ −�−1

    2.7.2 Soluções com duas componente

    Universo dominado por radiação +matéria

    Como pode ser observado na Fig. 2.6(a), a mistura de radiação mais matériaditou a dinâmica do universo por um grande período de tempo, só mais recentementeessas componentes perderam o seu protagonismo. A matéria e a radiação foram igualmenteimportantes em aeq = Ωr ,0/Ωm,0 = 2.931 × 10−4. Será útil ter uma solução exata descrevendo aera da transição.

    Consideremos, portanto, umuniverso espacialmente plano preenchido comumamistura dematéria e radiação,

    �tot = �r + �m =�eq

    2

    [(a

    aeq

    )−3+

    (a

    aeq

    )−4]. (2.80)

    Para resolver a evolução do fator de escala, é conveniente mudar para o tempo conforme,deste modo as equações de Friedmann Eq. (2.53) e (2.54) são(

    a ′

    a

    )2=8�G3 a

    2 (�m + �r ) , (2.81)

    ea ′′

    a=4�G3 a

    2�m . (2.82)

    Note que, �ma3 = constante = (�eq/2)a3eq, assim, podemos escrever a Eq. (2.82) como

    a ′′ =4�G3

    �eq

    2 a3eq . (2.83)

    G. Pordeus da Silva 2.7. Soluções das equações de Friedmann-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 38

    Integrando essa equação, obtemos como solução

    a(�) = �G3 �eqa3eq�

    2 +C1� +C2 , (2.84)

    onde, impondo a(� = 0) = 0, fixamosC2 = 0. Daí, substituindo aEq. (2.80) e (2.84) naEq. (2.81)e em seguida tomando � = 0, fixamos

    C1 =

    (4�G3 �eqa

    4eq

    )1/2. (2.85)

    Logo, podemos escrever a Eq. (2.84) como segue

    a(�) = aeq

    [(�

    �?

    )2+ 2

    (�

    �?

    )], (2.86)

    onde�? ≡

    (�G

    3 �eqa2eq

    )−1/2=

    �eq√2 − 1

    . (2.87)

    Observe quepara � � �eq, recuperamos o comportamento típico de umdomínio de radiação,ondea ∝ �, enquantoquepara � � �eq, recuperamosocomportamento típicodeumdomíniodematéria, a ∝ �2.

    Universo dominado pormatéria + constante cosmológica

    A dinâmica do universo recente, é muito bem descrita por uma misturada componente de matéria e constante cosmológica (ver Fig. 2.6(a)). Nesse cenário,considerandoΩΛ > 0 podemos expressar a Eq. (2.73) como

    t (a) = 1H0

    √Ω0,m

    ∫ a/a00

    √xdx√

    1 + ΩΛΩ0,m

    x3=

    2/3H0√ΩΛ

    ∫ √ ΩΛΩ0,m

    (a

    a0

    )30

    du√1 + u2

    , (2.88)

    cuja solução é

    t (a) = 2/3H0√ΩΛ

    sinh−1√ΩΛ

    Ω0,m

    (a

    a0

    )3 (2.89)=

    2/3H0√ΩΛ

    ln√ΩΛ

    Ω0,m

    (a

    a0

    )3+

    √1 + ΩΛΩ0,m

    (a

    a0

    )3 . (2.90)

    G. Pordeus da Silva 2.7. Soluções das equações de Friedmann-Lemaître

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 39

    Invertendo para a(t ), obtemos

    a(t ) = a0(Ωo,m

    ΩΛ

    )1/3 [sinh

    (3H0√ΩΛ

    2 t)]2/3

    . (2.91)

    Observe que para t � 2/(3H0√ΩΛ), recuperamos o comportamento típico de um domínio

    de matéria, onde a(t ) ≈(3H0√Ω0,m2 t

    )3/2, enquanto que para t � 2/(3H0

    √ΩΛ), recuperamos o

    comportamento típico de um domínio da constante cosmológica, a(t ) ≈ a0(Ωo,m4ΩΛ

    )1/3e H0√ΩΛt .

    2.8 Função de distribuição

    Como sabemos, o estado macroscópico de um sistema é descrito por poucasvariáveis, conhecidas como varáveis de estado, são elas a energia, pressão, temperatura, etc.Por outro lado, o exato estadomicroscópicodeumsistema tridimensional, é determinadopor6N variáveis, são elas as coordenadas emomentos canônicos

    q = (q1,q2, · · · ,q3N ) e p = (p1, p2, · · · , p3N ) , (2.92)

    onde N representa o número de partículas do sistema. Daí, tendo em vista que para cadaestadomacroscópicoháumnúmeroenormedeestadosmicroscópicoscorrespondentes, poispara cada ponto no espaço de fase termodinâmico há um número enorme de possibilidadesno espaço de fase microscópico, se faz necessário um tratamento estatístico do sistema paratornar precisa a correspondência entre esses dois estado [ALDROVANDI, 2006].

    Como sabemos, o princípio da incerteza da mecânica quântica impõe um limitepara o volumemínimo de uma célula no espaço de fase, esse volume é dado porV = (2�~)3,onde ~ é a constante de Planck reduzida13. Nesse contexto, amedida do volume do espaço defase é

    d3N qd3N p

    V3N = Π3Ni=1

    dqi dpiV3N =

    dq1dq2 · · ·dq3N dp1dp2 · · ·dp3NV3N . (2.93)

    Podemos caracterizar a tendência de um determinado sistema estar em uma sub-região doespaço de fase, definindo uma função dinâmica F (t ,q , p) tal que

    F (t ,q , p)d3N qd3N p

    V3N , (2.94)

    seja aprobabilidadedo sistemaestar no instante t emumacélula de volume d3N qd3N pV3N em torno

    de (q , p) no espaço de fase [ALDROVANDI, 2006]. Essa função é conhecida como função de13Na Ref. [PIATTELLA, 2018, Subseção 3.3.1], o autor apresenta o cálculo do volumeV dessa célula fundamental.

    G. Pordeus da Silva 2.8. Função de distribuição

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 40

    distribuição (ou densidade) do espaço de fase.Ao considerar um sistema deN partículas não interagentes, ou que as interações,

    se existirem, são de curto alcance (atuando somente durante as colisões), podemos escrevera função de distribuição deN partículas F , como

    F (t , ®q1, ®q2, · · · , ®qN , ®p1, ®p2, · · · , ®pN ) = f1(t , ®q1, ®p1) · f2(t , ®q2, ®p2) · · · · · fN (t , ®qN , ®pN )

    = f1(t , ®q1, ®p1)N , (2.95)

    onde ®p1 = (p1, p2, p3), ®p2 = (p4, p5, p6), · · · , ®pN = (p3N−2, p3N−1, p3N ) e ®q1 = (q1,q2,q3),®q2 = (q4,q5,q6), · · · , ®qN = (q3N−2,q3N−1,q3N ) são, respectivamente, os vetores vulgares deposição emomento das N partículas no espaço de fase. Na prática, isso implica que podemospassar a trabalhar coma função de distribuição de uma única partícula, que por economia denotação, chamaremos de f (t , ®q , ®p). Por ser comumente interpretada como uma densidade deprobabilidade, essa função deve satisfazer

    f (t , ®q , ®p) ≥ 0 e∫

    d3qd3p

    (2�~)3f (t , ®q , ®p) = 1 . (2.96)

    Se uma grandeza macroscópica B(®x , t

    )tiver uma análoga microscópica

    b( ®q , ®p; ®x , t ), então B(®x , t ) será amédia de b( ®q , ®p; ®x , t ) [ALDROVANDI, 2006],

    B(®x , t

    )=

    〈b

    (®x , t

    )〉=

    ∫d3qd3p

    (2�~)3b

    ( ®q , ®p; ®x , t ) f (t , ®q , ®p ) . (2.97)Essa expressão dá o valor macroscópico observável de toda função dinâmica microscópica.A toda funçãomicroscópica b

    ( ®q , ®p; ®x , t ) há uma correspondemacroscópica B (®x , t ) dada pelaEq. (2.97). Por outro lado, o inversa não verdade, pois existem funções macroscópicas quesão coletivas por natureza (entropia, temperatura, etc), ou seja, são características globais dosistema, logo, essas não tem análogas microscópicas [ALDROVANDI, 2006].

    Portanto, a função f (t , ®q , ®p) é um elemento de ligação entre o microscópicoe o macroscópico. Ela contêm a dinâmica microscópica que caracteriza o ensemble[ALDROVANDI, 2006]. Assim sendo, a partir dessa função, podemos obter quantidadesmacroscópicas como a densidade numérica de partículas n

    (t , ®x

    ), densidade de energia

    �(t , ®x

    )e pressão P

    (t , ®x

    ). Por exemplo, se o vetor ®q representa as 3 coordenadas cartesianas

    da partícula, a densidade microscópica no ponto ®x será �3( ®q − ®x ) , logo, a densidade

    macroscópica é

    n(t , ®x

    )=

    ∫d3qd3p

    (2�~)3�3

    ( ®q − ®x ) f (t , ®q , ®p ) = ∫ d3p(2�~)3

    f(t , ®x , ®p

    ). (2.98)

    G. Pordeus da Silva 2.8. Função de distribuição

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 41

    Ao levarmos em conta a degenerescência de possíveis graus de liberdade interno da partículags (por exemplo, spin, isospin, etc), a densidade numérica de partículas torna-se:

    n(t , ®x

    )= gs

    ∫d3p

    (2�~)3f

    (t , ®x , ®p

    ). (2.99)

    Já a densidade de energia, é obtida a partir da seguinte integração:

    �(t , ®x

    )= gs

    ∫d3p

    (2�~)3E (p)f

    (t , ®x , ®p

    ), (2.100)

    onde, E (p) ≡√

    p2 +m2 é a energia de uma partícula de massa m e commódulo de momentopróprio (ou físico) p. A pressão por sua vez, é dada pela integração

    P(t , ®x

    )= gs

    ∫d3p

    (2�~)3p2

    3E (p) f (t , ®x , ®p) . (2.101)

    Note que para os fótons, onde E (p) = p, obtemos combinando as Eqs. (2.100) e (2.101) oresultado conhecido para a EoS de um componente UR, isto é P = �/3 .

    2.8.1 Tensor energia-momento via função de distribuição

    EmRG,umaexpressão geral parao tensor energia-momento emtermosda funçãode distribuição, é dada por [DODELSON, 2003; PIATTELLA, 2018]:

    T µ � = gs

    ∫dP1dP2dP3

    (2�~)31√

    −det[g��

    ] P µP�P 0 f (t , ®x , ®p) , (2.102)onde det

    [g��

    ]é o determinante da métrica e P � o quadrimomento comóvel, definido como

    P � ≡ dx �/d�, onde � é um parâmetro afim. Para uma partícula de massa m, temos � = �/m,onde � é o tempo próprio. O momento comóvel P i pode ser expresso como P i = C p̂ i , ondeC é uma constante e p̂ i = p̂i é o vetor direção unitário do momento comóvel e próprio, quesatisfaz �i j p̂ j p̂ i = 1.

    Por outro lado, sendo amagnitude domomento próprio definido por

    p ≡√

    gi j P i P j , (2.103)

    da equação de dispersão

    P2 = gµ�P µP � = g00P 0P 0 + gi j P i P j = −E 2 + p2 = −m2 , (2.104)

    G. Pordeus da Silva 2.8. Função de distribuição

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 42

    a energia é− E 2 = g00P 0P 0 ⇒ E =

    √−g00P 0 = P 0. (2.105)

    Considerando, por simplicidade, a métrica FLRW com k = 0, da Eqs. (2.103) obtemos

    p ≡√

    a2�i jC p̂ iC p̂ i = aC ⇒

    p i ≡ pp̂ i = aC p̂ i = aP i ⇒

    P i =p

    ap̂ i =

    p i

    aou Pj = g j µP � = a2�j i P i = ap�j i p̂ i = app̂ j = ap j . (2.106)

    Dito isso, podemos reescrever a Eq. (2.102) em termos domomento próprio p, emvez do quadrimomento comóvel P �. Assim, considerando essas relações e nossamétrica comk = 0, temos que

    dP1dP2dP3 = a3dp1dp2dp3 = a

    3d3p , (2.107)√−det

    [g��

    ]= a3 e P

    µP�P 0

    =P µP�

    E, (2.108)

    logo, podemos reescrever oT µ � como

    T µ � = gs

    ∫d3p

    (2�~)3P µP�

    Ef (t , ®x , ®p) , (2.109)

    demodo que,

    • para � = µ = 0:

    T 00 = −gs∫

    d3p

    (2�~)3E f (t , ®x , ®p) = −�

    (t , ®x

    ), (2.110)

    • para µ = 0 e � = i :

    T 0i = a gs

    ∫d3p

    (2�~)3pp̂i f (t , ®x , ®p) , (2.111)

    • para µ = j e � = i :

    T j i = gs

    ∫d3p

    (2�~)3p2

    Ep̂ j p̂i f (t , ®x , ®p) . (2.112)

    A pressão é obtida ao tomamos o traço espacial e dividimos por 3 a última equação, ouseja,

    P(t , ®x

    )=�i jT j i

    3 = gs∫

    d3p

    (2�~)3p2

    3E f (t , ®x , ®p) . (2.113)

    Em um universo homogêneo e isotrópico, a função de distribuição f de seuscomponentes não pode depender das coordenadas espaciais ®x e tampouco da direção domomento p̂ i . No entanto, pode depender do módulo p, ou equivalentemente, da energia

    G. Pordeus da Silva 2.8. Função de distribuição

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 43

    E . A razão disso, é que para esse tipo de espaço-tempo, o T 00 e �i jT j i/3 não dependem dascoordenadas espaciais e nem angulares, como discutimos na Subseção 2.6.2. No caso emque f = f (t , p), é possível mostrar a partir da Eq. (2.111) e (2.112) que T 0i = T i 0 = T i j = 0para todo i , j , conduzindo a um tensor energia-momento típico de fluido perfeito. A seguir,apresentaremos funções de distribuição que no equilíbrio (∂f /∂t = 0) são consistentes comum universo homogêneo e isotrópico.

    2.8.2 Função de distribuição de equilíbrio

    Um sistema de partículas está em equilíbrio térmico quando as partículastrocarem energia e momento com eficiência. Isso leva a um estado de máxima entropia, emque as funções de distribuição são dadas pelas distribuições de Fermi-Dirac e Bose-Einstein14

    [BAUMANN, 2018]

    feq (p) =1

    eE−µ

    T + 1(férminos) e feq (p) =

    1e

    E−µT − 1

    (bósons). (2.114)

    onde T é a temperatura e µ o potencial químico. Em altas energias (E − µ � T ), quandoo número provável de partículas por estado é muito menor que um, ambas as funções dedistribuição se aproximam da distribuição clássica deMaxwell-Boltzmann

    feq (p) '1

    eE−µ

    T

    (Maxwell-Boltzmann), (2.115)

    isso é alcançado quando têm-se baixa concentração de partículas e/ou altas temperaturas.

    2.9 Equação de Boltzmann

    A equação de Boltzmann é uma equação cinética que rege a dinâmica da funçãode distribuição no espaço de fase, em sua forma diferencial, ela é dada por

    df (t , ®x , ®p)dt

    = C [f (t , ®x , ®p)] . (2.116)

    O lado direito C [f (t , ®x , ®p)] contém todos os termos de colisões possíveis, que em geral, sãofunções complicadas das funções de distribuição dos vários componentes [DODELSON,2003]. Na ausência de colisões, essa equação torna-se:

    df (t , ®x , ®p)dt

    = 0 . (2.117)

    14Como cada espécie de partícula possui seus valores de m, µ, T , bem como sua própria função de distribuição,cada uma delas terá sua própria n, � e P .

    G. Pordeus da Silva 2.9. Equação de Boltzmann

  • Capítulo 2. Universo homogêneo, isotrópico e dinâmico 44

    Isso implica que o número de partículas em um elemento de volume do espaço de fase nãomuda com o tempo, comomostra, por exemplo, a Eq. (2.134).

    2.9.1 Oscilador harmônico não-relativístico

    Nesta subseção, apresentamos um exemplo simplificado da equação deBoltzmann, extraído da Ref. [DODELSON, 2003, 4.1]: o oscilador harmônico não-relativísticounidimensional. Como indica o autor, mesmo com uma á