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28 de Maio a 10 de Junho de 2012 | Nº 5 | Ano 1 Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00 Roberto de Almeida lança Peças de Oratória Parlamentar L LE ET TR RA AS S P PÁ ÁG G. . 4 4 Kapossoka Sinfonias do Mar nas mãos dos meninos da Samba D D. .I IN NT TE ER RC CU UL LT TU UR RA AL L P PÁ ÁG G. . 1 18 8 Donna Summer Uma voz de Verão inesquecível L LE ET TR RA AS S | | P PÁ ÁG G. . 8 8 D D. .I IN NT TE ER RC CU UL LT TU UR RA AL L P PÁ ÁG G. . 1 18 8 Cássia do Carmo traduzida para o hebraico Dalton Trevisan Prémio Camões 2012 PÁGs. 12 e 13

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28 de Maio a 10 de Junho de 2012 | Nº 5 | Ano 1 Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00

RobertodeAlmeida lançaPeçasdeOratóriaParlamentarLLEETTRRAASS PPÁÁGG.. 44

Kapossoka Sinfonias do Marnas mãos dos meninos da Samba

DD..IINNTTEERRCCUULLTTUURRAALL PPÁÁGG.. 1188

DonnaSummer Uma voz de Verãoinesquecível

LLEETTRRAASS || PPÁÁGG.. 88 DD..IINNTTEERRCCUULLTTUURRAALL PPÁÁGG.. 1188

Cássiado Carmo traduzidapara o hebraico

Dalton Trevisan Prémio Camões2012

PÁGs. 12 e 13

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28deMaioa10de Junhode 2012 | Cultura2 |ARTE POÉTICA

Os Meninos do HuamboCom2ios feitosde lágrimaspassadasOsmeninosdoHuambo fazemalegriaConstroemsonhoscomosmaisvelhosdemãosdadasEnocéudescobremestrelasdemagia

Comos lábiosdedizernovapoesiaSoletramasestrelas como letrasEvão juntandonocéucomopedrinhasEstrelas letraspara fazernovaspalavrasOsmeninosàvoltada fogueiraVãoaprendercoisasdesonhoedeverdadeVãoaprendercomoseganhaumabandeiraVãosaberoquecustoua liberdade

Comossorrisosmais lindosdoplanaltoFazemcontinhasengraçadasdesomarSomambeijos com2loresecomsuorEsubtraemmanhãcedopor luarDividemachuvamiudinhapelomilhoMultiplicamoventopelomarSoltamaocéuasestrelas jáescritasConstelaçõesquebrilhamsempresemparar

Osmeninosàvoltada fogueiraVãoaprendercoisasdesonhoedeverdadeVãoaprendercomoseganhaumabandeiraVãosaberoquecustoua liberdadePalavras semprenovas, semprenovasPalavrasdeste temposemprenovoPorqueosmeninos inventaramcoisasnovasEaté jádizemqueasestrelas sãodopovo

Assimcontentesàvoltinhada fogueiraJuntampalavrasdeste temposemprenovoPorqueosmeninos inventaramcoisasnovasEaté jádizemqueasestrelas sãodopovo

ManuelRuiMonteiro________________________________________ManuelRuiAlvesMonteiro(Huambo,4deNo-

vembro de 1941), mais conhecido por ManuelRui, é um escritor angolano, autor de poesia,contos, romanceseobrasparaoteatro.Donodeumaobranaqualohomemcomumécelebrado,Manuel Rui é considerado um dos mais impor-tantesescritores $iccionistasangolanos.

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ECO DE ANGOLA|3Cultura | 28 deMaio a10 de Junhode2012

1Omêsde Junhoremete-nos, inexoravelmente,paraoscaminhosda In-fância.Cadaumdenós já foicriançaumdiaeomaiorpovodenósconti-nuaasercriança.Quandomatamosessacriançadentrodenós,morrecomelaoamoreoperdão fundamental.Énesse instantequenasceomonstrodainsensibilidade,comasuacarapaçadeódio, rancor,mágoaetodososoutrosvíciosmortaisquenosafastamdanossaverdadeiraNaturezaHumana.Porquesemprevaleapenaeternizaressacriançadentrodenós, convidamoso leitoraler“APastoraeoLimpa-Chaminés”,doimortalHansChristianAndersen.EstaediçãocelebraoUmdeJunho,Dia InternacionaldaCriança.Adasegundaquinzenavai concentrar-se, commaiorabrangência temática,noDezasseisdeJunho,DiadaCriançaAfricana.Epor serdedicadaàCriança, trazemosaqui avozdaescritora infantil, CássiadoCarmo, cujaobra foi recentemente traduzi-dae lançadaemTel-Avivee tambémaquiecoamossonsmaviososdosviolinosdaorquestra infantilKapossoka,quevieramrevolucionarasvibraçõesmetáli-casdanossamúsica.Recordaréviver, dizoditado, enós revivemosavozdeVerãodeDonnaSum-mer, oolharprofundodeBernardoSasseti, ambos levadospelabarcadeCa-ronte.FazemosecodoPrémioCamões2012,obrasileiroDaltonTrevisanedaQiníssimamúsicaTuaregue,ondulantecomoasareiasdasdunasdoSara.2AeditoraKilombelombe inauguraumanovacolecção “Discursos,En-trevistas&Comunicações”, comacolectâneadediscursosdeRobertodeAlmeida intitulada“PeçoaPalavra-PeçasdeOratóriaParlamentar”,livroque,nodizerdoautor, se justiQicapelanecessidadededocumentarparaahistóriadaquela instituiçãoeparaaposteridade “osinuosocaminhopercor-ridopelonossopaísatéaoalcancedapaz.”Géneropoucocultivadoentrenós,mascuja “importância (…) tevesemprecarácter incisivoerelevante,desdeosprimórdiosda IdadeMédiaatéaosnossosdias, tendoatingidooseuzénitenoEstadonaversãoherdadadoséculoXVIII, apelidado ‘idadeouséculodas lu-zes’”, conformaexplicou,no lançamentooeditor.MariaAlexandreDáskalos,MestreemHistória, apresenta-nosumarecensãoàobra de Arlindo Barbeitos, “Angola-Portugal, Representações de si e de ou-tremouo jogoequívocodas identidades”, (…)umtrabalhode longaduraçãoqueabarcaumperíodocronológicoquecomeçanoséc.XVII evai atémeadosdoséc.XX, cujagrandenovidadeéade,pelaprimeiravez,umangolanoutilizaruminstrumentáriocientíQicoactualparadesconstruiras teseselaboradasso-breosangolanosea realidade social ehistórica angolanadesenvolvidasporconceituadosafricanistasestrangeiros, sendo aprimeiravezquetalacontecenasciênciassociaisda lusofoniaafricana.PatrícioBatsikamaretomaodiálogocomaHistóriadeMbanzaKongo, destafeitaparaabordaraspreocupaçõesdos investigadoresquantoaoperímetroescaváveldacidadecandidataaPatrimóniodaHumanidade.DeMoçambiquetraz-nosnotíciasdaMarrabentaoEduardoQuive.3Com o sal do futuro no olhar, somos neste empreitada aQluentes dograndeRioda InfânciaquealimentaoMardoTempo, sentados comopoetaManuelRuieosseus “meninosàvoltada fogueira”, para “apren-dercoisasdesonhoedeverdade”.

EditorialRiosda Infância

ARTEPOÉTICAOsMeninosdoHuambo |ManuelRui

ECODEANGOLARios da Infância |JoséLuísMendonça

LETRASRoberto deAlmeida lançaPeças deOratória ParlamentarAngola–Portugal, Representações de si e de outremouo jogo equívocodas identidades, deArlindoBarbeitos |MariaAlexandreDáskalosAincompletude disciplinar das literaturas africanas | LuísKandjimboUmamemorável jornada literária | J.A.S. Lopito FeijóoK.Cássia doCarmo traduzida para o hebraico | JoséLuísMendonçaOUniverso Lev'ArteKinda das Letras

ARTESKapossoka: sinfoniasdo fundodomarnasmãosdosmeninosdaSamba| RasKilunjiKyakuKyadaff: um trovador que encantou com “AVoz doVelho” |Mwa-naÁfrica

GRAFITOS NA ALMAEscrevilendo:Amãoeos lugares | FredericoNingiOndeescavar emMbanz’aKongo? | PatrícioBatsikamaRio, tambulamuxima I | ZethoCunhaGonçalves

DIÁLOGO INTERCULTURALDaltonTrevisanPrémioCamões 2012AoBernardoSassettiDonnaSummerAvoz de umVerão que nunca se esqueceAlfredoMargarido: um intelectual comprometido comÁfrica | Rodri-guesVazProfessoraCarmenTindó, encantada pelamagia das letras africanas |Isaquiel CoriMarrabenta ummisterioso património cultural deMoçambique | Eduar-doQuiveTchalé Figueira: a arte da circum-navegação | NunoRebochoAmúsica contemporânea tuaregue –Oeco doSaara tocou omundo |Intagrist ElAnsari

BARRA DO KWANZAAPastora e o Limpa-chaminés | HansChristianAndersen

MEMÓRIASKudilonga:O liceu e as questões de identidade | Ximinya

JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Sumário

ConselhodeAdministraçãoAntónio JoséRibeiro |presidenteAdministradoresExecutivos |CatarinaVieiraDiasCunhaEduardoMinvuFilomenoManaçasSaraFialhoMateusFrancisco João dosSantos JúniorJoséAlbertoDomingosAdministradoresNãoExecutivos |Victor SilvaMateusMorais deBrito Júnior

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal 1312 - LuandaRedacção 333 33 69 |Telefone geral (PBX): 222 333 343

Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

[email protected]

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe | José Luís MendonçaEditor de Letras | Isaquiel CoriEditor de Artes | Francisco PedroAssistente Editorial | Berenice GarciaFotografia | Paulino Damião (Cinquenta)e Arquivo do Jornal de AngolaEdição de Arte e Paginação |Albino Camana e Tomás Cruz

COLABORAM NESTE NÚMERO

Angola - Frederico Ningi, J.A.S. Lopito FeijóoK., Luís Kandjimbo, Maria A. Dáskalos, MatadiMakola, Mwana África, Patrício Batsikama, RasKilunji, Ximinya, Zetho GonçalvesCabo Verde - Nuno RebochoPortugal - Rodrigues VazMoçambique - Eduardo Quive

FONTES DE INFORMAÇÃO:

AGULHA, revista de cultura,São Paulo, Brasil

Correio da UNESCO, Paris, França

AFRICULTURES, Portal e revistade referência das culturas africanas,Les Pilles, França

Publicidade: (+244) 222 337 690 | 222 333 466

CulturaJornalAngolanodeArtes eLetras

Propriedade

Nº 5 | Ano 1 |28 de Maio a 10 de Junho de 2012

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LUÍS DAMIÃO

O autor assinando o autógrafo para o Vice-Presidente da República

4 | LETRAS 28 deMaioa 10de Junho de2012 | Cultura

Roberto de Almeidalança Peças de Oratória ParlamentarRobertodeAlmeida éum in-telectual e escritor compercurso traçado, desde ajuventude, noprimeiro cír-culo da política angolana , que o leva-riamaexercer, de1996a2008, opres-tigiadocargodePresidentedaAssem-bleiaNacional daRepública deAngo-la. A memória da longa permanêncianaCasadasLeis, ondeaindaperpassaa sua aura de Deputado, é trazida, nogénerodaoratória, para o grandepú-blico, nas460páginasdo livro “PeçoaPalavra-Peças deOratória Parlamen-tar”, editado pela Kilombelombe eapresentado no passado dia 23 deMaio, em Luanda, pelo Deputado ejornalista Adelino Marques de Al-meida, num ambiente solene, ondepontificaram as figuras do Vice-Pre-sidente da República, Fernando daPiedade Dias dos Santos, de executi-vos e parlamentares de vária índolee outros convidados.Primeironúmerodanóvel colecção«Discursos, Entrevistas&Comunica-ções»daKilombelombe, “PeçoaPala-vra-Peças de Oratória Parlamentar”justiQica-se, deacordocomoautor, de-vido à necessidade de “documentarpara a história daquela instituição epara a posteridade, “ o sinuoso cami-nhopercorridopelonossopaís até aoalcancedapaz.”DamosapalavraaMa-nuel InáciodosSantosTorres, editor e

coordenador da colecção, para quem“a importância daoratória nodiscur-so, no debate e exploração de ideias,teve sempre carácter incisivo e rele-vante, desde os primórdios da IdadeMédia até aosnossosdias, tendoatin-gido o seu zénite no Estado na versãoherdada do século XVIII, apelidado‘idadeouséculodas luzes’”.ManuelTorres, resumeassimocon-teúdo da obra: “Peço a Palavra. PeçasdeOratóriaParlamentar, passaemre-vista aspectos relevantes da políticainterna, comosãoaReconciliaçãoNa-cional, o papel determinantedospar-lamentos na vida política e social dopaís, o código ético e deontológicoproQissional dosparlamentares, paraalémdeumsemnúmerode interven-çõesde cariz eminentementepolíticonas múltiplas recepções efectuadaspela Assembleia Nacional aos chefesde Estado estrangeiros que duranteesta longa legislatura em apreço sedeslocaram ao nosso país, interven-çõesessasbalanceadasnaperfeiçãoetcum laudaeumgrande sentidodeEs-tadoporpartedoorador.”Atravésdesta “obrapouco comum,na série literária angolana”, diz JoãoMelo, no prefácio que fez ao livro, “osleitores Qicarão comaacertada sensa-çãode teremacompanhadoquasedia-a-diaanossa complexahistória recen-te, desdeosprimeiros sinaisde colap-

so do Protocolo de Lusaka (assinadoem1994)àvésperadaseleições legis-lativas realizadas em Setembro de2008.” No livro também “Qica clara eevidente a ‘visãodomundo’ (umadasdeQiniçõesde ideologia)deRobertodeAlmeida, assim como os seus princí-pios e valores. Desde logo, e em rela-çãoà situação internadonossopaís, oautor mão esconde a sua opção porum modelo de desenvolvimento quecombinepolíticas demercadoe justi-ça social. AQirmaele, logonoprimeirotextoda colectânea, correspondendoa uma intervenção pública datada de1996: ‘[…]aviadocrescimentoeconó-mico-social queapazvemtornarpos-sível só pode ser alcançada quando,para alémda capacidade de produzirriqueza, nos tivermosdotadodacapa-cidade de garantir um grau razoávelde solidariedade entre os vários gru-pos que compõema sociedade ango-lana, de formaquenão se alargue ain-da mais o fosso que os separa.’ O re-cado mantém plena actualidade epertinência até hoje”, considera oprefaciadordaobra.No prefácio, pode ainda ler-se, dapenade JoãoMelo, que “o rigor ideoló-gicodestepolítico e intelectual ango-lanoobrigou-o tambémváriasvezes, euma vez alcançada a paz, a recordarque a reconciliação e harmonizaçãonão implicambranquearos factoshis-

tóricos, sob penadestesúltimosse re-petirem.Domesmomodo, a suavisãosimples e precisa do conceito de de-mocracia está patente em alguns dostextosdapresente colectânea. Assim,comobemsublinhanumdeles,ademo-cracia não elimina os conQlitos, maspressupõeaexistênciaderegras(cons-titucionaise legais)parasolucioná-los.Ouseja,emdemocracia,éproibidoagiràmargemda lei.Outros textos, sobre-tudo proferidos em eventos interna-cionais, reQlectemavisãoprogressistae pan-africanista de Roberto de Al-meida.Mas trata-sedeumpan-africa-nismomoderno,não-étnicoenão-epi-dérmico, namelhor tradiçãodosensi-namentosdeAgostinhoNeto.”A terminara sua recensãocrítica aolivro, João Melo elogia o estilo do au-tor: “RobertodeAlmeidaescreve sim-ples, claroedirecto, oqueparece fácil,mas toda a gente sabe que não é. Dágosto lerestes textos.Os jovens, principalmente devemestudareste livro, nãoapenaspara re-colherem preciosas informações epontosdevista sobre anossahistóriapolíticamais recente,mas tambémpa-ra aprenderem que a linguagem,quandoperdea sua capacidadede co-municação, se tornaumameraopera-ção gratuita e inútil, às vezes até ridí-cula, por mais ‘inovadora’ e ‘criativa’quese julgue. “

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LETRAS |5Cultura | 28deMaio a10de Junho de2012

MMAARRIIAA AALLEEXXAANNDDRREE DDÁÁSSKKAALLOOSS,, MMEESSTTRREE EEMM HHIISSTTÓÓRRIIAA

Angola–Portugal Representações de sie de outrem ou o jogo equívoco das identidadesde Arlindo BarbeitosEsta obra de Arlindo Barbei-tos é uma busca árdua mul-tidisciplinar, histórica, so-ciológica, antropologógica eaté KilosóKica. Uma procura de respos-tas inclusivas e adequadas para a lutadilacerante que opôs irmãos angola-nos durante os últimos trinta anos emguerra civil que foram antecedidos pe-lo combate anticolonial. No prefácio, como diz o autor, váriosintelectuais, sobretudo estrangeiros,tentaram entender as emanações po-líticas anticolonialistas e dar explica-ções várias de natureza histórica ouantropológica da realidade angolanae, assim, compreender a sua génese.Em parte, devido à estreiteza e ao dog-matismo do pensar político-KilosóKicoda potência colonial. Muitos dessesautores inKluenciaram a acção políticae até o ideário dos movimentos de li-bertação ou os seus próprios actores.Por isso, são também responsáveispor movimentos de exclusão e deaceitação menor do outro, quer desminorias ditas raciais ou étnicas...A dissertação de Arlindo Barbeitosé um trabalho de longa duração poisabarca um período cronológico quecomeça no séc. XVII e vai até meadosdo sec. XX. Ela tem o mérito de, pelaprimeira vez, um angolano utilizar uminstrumentário cientíKico actual paradesconstruir as teses elaboradas so-bre os angolanos e a realidade social ehistórica angolana desenvolvidas porconceituados africanistas estrangei-ros. Esta é a grande novidade e consti-tui o grande pilar deste trabalho; re-presenta, porventura, a primeira vezque tal acontece nas ciências sociaisda lusofonia africana. Deste modo, emtermos teóricos, o africano deixa deser objecto passivo do olhar forâneo etorna-se sujeito activo na reconquistado próprio passado. Para issso, ele recorreu às fontesdos seculos XVII e XVIII, nomeada-mente, de Cadornega e de Silva Correa,entre outros, dando enfoque aos “Ki-lhos do país e à complexa relação en-tre forasteiros e nativos. Ao mesmotempo, ele aborda a mestiçagem cul-tural e biológica que será considerada,conforme as diferentes fases da colo-nização. De acordo com esta perspec-tiva, Arlindo Barbeitos estuda a rela-ção dialéctica entre as dimensõesdoutrinárias bioligizantes e essencia-listas do colonizador para consigo

mesmo,. para com o negro e para como mestiço. Ele procura mostrar comoas consquências políticas práticasdessa visão teórica reducionista doshomens assumirão foros cada vezmais contraditórios e opressivos, emparticular desde 1890- Isto, quando opoder de Lisboa muda drasticamentede paradigma ideológico e político fa-ce às colónias e ao trato da metrópolecom elas. Esta alteração, como nos re-vela o dissertador, a pesada marca deOliveira Martins.A Independência do Brasil em 1822e a reorientação das elites portugue-sas para África, inKluenciadas, dentreoutras correntes de pensamento, peloliberalismo britânico, ajudaram, so-bretudo a partir de 1860, a formaruma nova elite intelectual, como achamda geração de 70 do sec. XIX emPortugal. A esse escol,pertenceramEça de Queirós e o já citado OliveiraMartins imbuídos de fervor naciona-lista que via no império, tal como An-tónio Ennes, discípulo do segundo, asalvação da Pátria.No capítulo dedicado ao referido au-todidata Oliveira Martins, o autor proce-de a uma análise inédita dos intelectuaisda modernidade portuguesa que cu-nhou a República e perdurou até ao Es-tado Novo. A esse pensador luso se devea noção de racionalidade impessoal e arespectiva substituição da razão divina,portanto, torna-se em acérrimo defen-sor do progresso e da ténica. Ele defen-de um darwinismo social cruel e duro,que assume a selecção natural como ex-tensiva à sociedade e, nesta senda, pug-na por um racismo de Estado. OliveiraMartins demonstra ser um dos defenso-res da noção orgânica do poder cesaris-ta tão próximo das ditaduras e, por isso,tão cara a Salazar. Ainda no encalço da explicação dasociedade angolana, segue-se o capí-tulo acerca do missionário suiço HeliChatelain e do papel das igrejas cristãsna transformação sociocultural dosindígenas e indica como elas forameKicazes em inculcar nessas gentes re-presentações de si e de outre de ori-gem europeia e alheias às culturas lo-cais. Por exemplo no território do anti-go Reino do Congo os bairos foram di-vididos em grupos católicos e protes-tantes. Esta posrura religiosa do sa-cerdote estrangeiro traz consigo as-pectos determinantes do romantismoeuropeu e dos nacionalismos etnicis-

tas e racistas que ele fomentou peloOcidente e pelo resto do mundo. Porém, adespeito de tudo, tais atitudes e compor-tamentos estranhos estiveram nos pri-mórdios do nacionalismo angolano. HeliChatelain, para facilitar a missão evange-lizadora, contribuiu muito à Kixação doKimbundo e do Umbundu, facto que emsi guarda um elemento muito positivo.Contudo, durante a guerra de libertação eapós ela, o lado particularizante e comu-nitarista regional dessas ideologias fo-rasteiras diKicultaram, entre muitos na-cionalistas angolanos, a compreensãoadequada da situação colonial e da accãocomum que ela implicava. Como prova dessa inKluência frag-mentadora, Arlindo Barbeitos debru-ça-se sobre a passagem do racismo po-pular ao “cientíKico” e demonstra comoe quando se efectua, contra tendênciasproto-nacionalistas angolenses ante-riores, a clivagem entre negros e mes-tiços na sociedade colonial moderna.Aliás, como ele também desvenda, es-sa divisão, está ligada à substituição dodireito matrilinear tradicional pelo di-reito patrilinear assumido pelo cristia-nismo e pela legislação colonial.A tese, em meio a outras conclusões,explica que a história angolana é umahistória de longa duração de violênciacolonial que, não raro teve semelhançasa um fascismo brutal. Mas, não deixa deparecer contraditório que essa violên-cia tenha gerado os próprios Estado eNação angolanos, Por conseguinte, amesma guerra civil contribuíu para oaumento da consciência nacional. EnKim, as identidades angolanas re-Klectem um processo através do qual apermanência de um indivíduo e de umgrupo, no tempo e no espaço, é aassegu-rada, por todo um conjunto de caracte-rísticas sociais e culturais especiKícicasdos indivíduos e dos colectivos moder-nos em que se incluem as representa-ções de si e de outrem.Luanda, 20 de Maio de 2012

Escritor e académico angolano,Arlindo do Carmo Pires Barbeitosnasceu em 1940, em Angola. Estu-dou em Luanda e em Lisboa. Depoisde dez anos emigrado na Europa,regressou em 1971 a Angola, ondefoi professor nas bases do MPLA dafrente leste. Atingido por doença,voltou à Europa e, a partir de 1973,dedicou-se na Alemanha a um dou-toramento em Etnologia, enquantodesempenhava funções de assisten-te no Instituto de Etnologia da Uni-versidade de Berlim Ocidental. Em1974, em Frankfurt, um editor ale-mão, amante da literatura africana,deu a conhecer a sua poesia. Em1975, após a independência, Arlin-do Barbeitos regressou à pátria, on-de veio novamente a ser professoruniversitário. Na sua obra, desta-cam-se os títulos Angola, Angolê,Angolema (1977), Nzoji (1979) e ORio: Estórias de Regresso (1985),que foi o seu primeiro romance.

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6 | LETRAS 28deMaioa10de Junho de2012 | Cultura

A incompletude disciplinardas literaturas africanas

Aincompletudedadisciplina-rizaçãodasLiteraturasAfri-canas manifesta-se atravésda incompatibilidade exis-tenteentreos fundamentosepistemo-lógicosemetodológicosquesustentama sua teorização, crítica e ensino, porum lado, e a especiKicidade do seu ob-jecto de estudo, por outro. Embora asLiteraturas Africanas constituam umcampo que atrai a intervenção de es-pecialistas como resultado da divisãodo trabalho intelectual, noplano insti-tucional e epistémico não é ainda umadisciplinanosentidopleno,namedidaem que é reconhecível um déKice dedisciplinaridade.Paraque tal situaçãodeKicitária seja alterada será necessá-rio alcançar o «nosso objectivo Kinal»que, de acordo com Paulin Hountond-ji, consistenoseguinte:[…] um processo autónomo e auto-

con(iante de produção de conhecimen-to e de capitalização que nos permitaresponder às nossas próprias questõese ir ao encontro das necessidades tantointelectuais como materiais das socie-dades africanas. O primeiro passo nes-se sentido seria talvez formular “pro-blemáticas” originais, conjuntos origi-nais de problemas estribados numa só-lida apropriação do legado intelectualinternacional e profundamente enrai-zados na experiência africana.À luz da sociologia da ciência, aconstituiçãodasdisciplinaspressupõeaexistênciadeumtipodeorganização.Entreos seus indicadores temos: apa-ratodeconceitosecategoriasquecon-Kiguramuma linguagemenormas téc-nicas; a integraçãonocurrículodoen-sino superior; métodos e programasespecíKicos; instituições de carácterassociativo; proKissionalização e con-sensosdacomunidadecientíKicadisci-plinar;publicaçõesdereferênciaeres-pectivos índicesbibliométricos.Ora, se concentramos a nossa aten-çãosobreospaísesafricanosde línguaportuguesa, percebe-sequeoestatutodisciplinar das Literaturas Africanasde Língua Portuguesa há-de ser apa-rentemente consistente, se o subme-termos ao teste de contextualizaçãoepistemológica, partindo do postula-do segundo o qual o conhecimentocientífico é uma construção social

que denuncia as marcas dos sujeitosou grupo de sujeitos que o produzembem como as injunções do tempo e dolugaremqueserealizaasuaprodução.A noção de campo cientíKico pro-posta por Pierre Bordieu tem aquiuma relevância particular, na medidaem que introduz o elemento de conKli-tualidade entre os agentes que o inte-gram, pondo em causa a ideia de ho-mogeneidadequeparece caracterizara comunidade cientíKica ou o segmen-to dos que se dedicam aos Estudos Li-terários Africanos. Os agentes que in-tervêmnocampocientíKicopodemsersujeitos individuais ou disciplinas.Mas as disciplinas organizam-se nu-ma estrutura hierárquica, de tal modoque elas são deKinidas pelas proprie-dades intrínsecas e pela posição que

ocupam no espaço das disciplinas, talcomo Pierre Bourdieu. Por isso, a lutaaparentemente inexistente que os in-vestigadoreseespecialistasAfricanose não-Africanos travam entre si visa aaquisição de um bem escasso: o mo-nopóliododiscursocientíKico sobreasLiteraturas Africanas que vem legiti-mando a existência de uma proKissio-nalização, podendo dizer-se que oexercício da docência, a leitura e a suainterpretação ocupam um modestolugar no sistema de disciplinas e sub-disciplinas, garantindo o exercício deuma actividade proKissional com aqual se auferem rendimentos parauma vida inteira relativamente con-fortável como acontece nos EstadosUnidos da América, segundo o teste-munhode Bernth Lindfors. Essas van-tagensobtêm-se, emgrandeparte doscasos, à custadeuma Klagrante incom-petência de que derivam sentimentosde hostilidade movidos por professo-res não-Africanos contra os seus cole-gas Africanos sustenta Pius NganduNkasama. Se entendermos que a in-ventariação das controvérsias que

ocorrem no campo da teoria da litera-tura e da crítica literária opondo Afri-canos e não-Africanos, sugere a ideiade incomensurabilidade e, por conse-guinte, a adopção de um relativismorígido, torna-senecessáriocompreen-der, em primeiro lugar, o funciona-mentodascomunidadescientíKicas, asrelações, os consensos e os dissensosque se estabelecem no seu seio. Paratal a atenção deve deslocar-se para osprincípios em que assentam as lutaspela imposiçãoehegemoniaA lógica desta e de outras lutas queocorremnocampodosEstudosLiterá-riosAfricanosnãopodesersuKiciente-mente compreendida fora de uma co-munidade e correspondente contex-tualização. Semelhante perspectivapodesuscitaraacusaçãobanalizadora

de relativismo, quando se coloca aquestãodesaberquemsãoosque têmlegitimidadeentreagentes,posiçõesedisciplinasque lutampelahegemonia.A busca do consenso que mobilizaas comunidades disciplinares dos Es-tudos Literários Africanos não é rigo-rosamente o grande objectivo dosagentes que as constituem. Tal se de-ve à existência da já referida desigualdistribuição de recursos no acessoaos espaços de legitimação e con-frontação dos agentes. Compreende-se assim que o potencial de dissensoseja mais forte do que o de consenso,no contexto de uma assimetria epis-témica de tipo vertical que se verifi-ca na relação que os investigadoresAfricanos estabelecem com os seuspares estrangeiros.O consenso epistemológico atra-vessado pelas práticas da generosida-de e pelos factores de legitimação sãoinstrumentosdoexercíciodahegemo-nia. É que se o consenso pode ser en-tendidocomoprodutode«umdiálogosubmetidos às regras da dialéctica»,no dizer de Pierre Bordieu, tais regras

têm uma validade condicionada pelotriunfo da força do melhor argumentoapoiado por um reforço institucional.Deste modo aKigura-se inevitável ava-liar as condições necessárias e suKi-cientesdoconsensoO reconhecimento das assimetriasexistentesnocampodosEstudosAfri-canossuscitaa revisãodassuasregrase convenções enquanto campo cientí-Kico.Faz todosentidoquestionaravali-dade universal dos conceitos, hipóte-sese instrumentosanalíticosoriginá-riosdospaíseshegemónicos, comqueseoperanocampodosEstudosLiterá-rios, sendo indefensável a reivindica-ção da objectividade e da verdade ga-rantidas como pretendem os «realis-tas»,poisestespensamqueoessencialconsisteemafastar-sedequalquerco-

munidade particular, devendo serob-servada a partir de um ponto de vistauniversal, como denuncia o Kilósofonorte-americano Richard Rorty. Poressa razão, as epistemologias ociden-tais suscitam dúvidas sobre a sua eKi-cácia, admitindo sempre a probabili-dade de perspectivas concorrentes,no entender do Kil´sofo austríacoPAUL Feyerabend. Para lá do espaçoterritorial do Ocidente, deve ser reco-nhecida a existência de outros mun-dos e outras tradições, não podendo,por isso, os especialistas não-Africa-nos reivindicar o monopólio ou a uni-versalidade do saber e da ciência as-sente exclusivamente na sua expe-riência. Em comunidades epistémicasque se dedicam aos estudos das Lite-raturas Africanas será, por conse-guinte, legítimo fazer a advocacia dopluralismo teórico e crítico consti-tuindo o relativismo epistémico umprincípio fundamental.Temos de repensar o processo dedisciplinarizaçãodossabereseconhe-cimentos produzidos sobre África,nestedealbardoséculoXXI.

LLUUIISSKKAANNDDJJIIMMBBOO

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LETRAS |7Cultura | 28deMaioa10de Junho de2012

EsteMaioafricano foi, naver-dade, imenso e de uma me-morável jornada literáriapara algunspoucos autoresdosPaisesAfricanosdeLínguaPortu-guesa (em Portugal) com maior inci-dência para Lisboaonde entreAbril eMaio aconteçeu mais uma feira do li-vro no parque Eduardo VII. Registá-mosdentreoutras actividades, lança-mentos de livros, assinatura de autó-grafos,mesas redondas, aulas abertasnaUniversidadedeLisboa, participa-ção em tertúlias e e contactos com opúblicoávidodesaberdenovidades.DepoisdapassagempelaUniversida-dedaBeira-Interior,queaquitivemosjáaoportunidadedereportar,assistimosaolançamentoeassinaturadeautógra-fos –nopavilhãodaCâmara MunicipaldeLisboaabertonafeira–dolivro inti-tuladoJARDINSDEESTAÇÕESdonossojovem e novél confrade Nok Nogueira,pseudónimoartísticodeEmilioMiguelCasemiro, jornalistaeescritorcomcola-boração dispersa pelo Semanário Ac-tualepelasrevistasÁfricaTodayeVida,tendo colaborado também no suple-mento semanal Vida Cultural do JornaldeAngolacomtextospoéticosedeanáli-secríticasobrediversostemas.Nokéau-tordeSÍNAISDESÍLABAS(2004)eTEM-PO AFRICANO (2006), títulos poéticoseditados em Luanda respectivamentepelo Instituto Nacional do Livro e pelaUniãodosEscritoresAngolanos, títulos

que, em boa verda-de, acabaram porpassar despercebi-dos pela (in)exis-tentecríticaliteráriaalémfronteiraseatémesmoentrenós.No seu mais re-cente título, Nokpropõe-nos um in-quieto poemáriocom cinco «esta-ções» semeadas esedimentadasnumúnico«jardim»queao mesmo tempopodemos encon-traremdiversossí-tios, localidades elugares metafori-camente pronun-ciados e referen-ciadosao longodascerca de 70 pági-nas do livro agoraeditado e apresen-tado pela nósSo-mosemPortugal.Emnossoenten-der, estamos dian-te de um poemário com presença epresente assente num passado onde«as cinzasdo tempo levam-nosacata-logarosorriso»ecomumfuturopoéti-camente vissível pois, «no vértiçe dasplanícies (poéticas claro!) reside aideia de sonho e de voo» mas, o quemaischamaanossaatençãoémesmoaconsciênciaautoraldopoetaresumidanesta magistral citação, do Saramagode A JANGADA DE PEDRA, com a qualnos identiRicamospois: «DiRicílimoac-to é o de escrever, responsabilidadedas maiores, basta pensar no exte-

nuante trabalho que será dispor porordem temporal os acontecimentos,primeiroeste, depois aquele, ou, se talmais convémàsnecesidadesdoefeito,osucessodehojepostoantesdoepisó-dio de ontem, e outras não menos ar-riscadas acrobacias, o passado comose tivesse sidoagora, opresente comoumcontínuosemprincípionemRim...».Na feira do livro em Lisboa, houveigualmente oportunidadeparapresen-ciareparticipardeumamesaredonda-que comoquase sempreera rectangu-lareextensa-, realizadanoâmbitodaV

semana cultural da CPLP organizadapeladirecçãodosserviçosculturaisdacomunidadedospovos falantesda lín-gua portuguesa e que tem a frente umconfrade e compenheiro de tarimbaqueéoescritorLuísKamjimbo.Namesao temarolavaemtornodasexpressõesdadiversidadenaHistóriae literaturas de língua portuguesa,com excelente moderação do Profes-sor Pires Laranjeira da Universidadede Coimbra que para tal se deslocoupropositadamenteaLisboa.O lequedeparticipantesassimoexi-giae,aquicitotodosporordemalfabéti-ca, antes que cometa o pecado intelec-tualdoesquecimentodeunsporsomen-tereferenciaroutros.AidaFreudenthal,AlbertoOliveiraPinto,ArmindoSilves-treEspíritoSanto,DinaSalústio,Fernan-doCorreia,IsabelCastroHenriques,JoséLuísHopfferAlmada, JoséLuísTavares,Leopoldo Amado, Lopito Feijóo, LuísCarlosPatraquim,LuísCosta,LuísKand-jimbo, Maria Esther Maciel, Mário deCarvalhoeNokNogueira.EnRim e depois de várias interven-ções foi Luís CarlosPatraquimdeMo-çambique, oPatraca... doescritórionoSolardasGalegas, aquelequeem jeitode conclusão, (denunciando um altograu de nervosismo apesar das tone-ladasdeexperiência acumulada)dei-xouaaplaudidareRlexãosegundoaqualneste nosso cultural mundo de tantos«açougueseaçougueiros»oquereinaeassistimos diariamente não é senãouma intensa «carniça devorática» emrazãodas(in)existentespolíticascultu-rais.Emrazãodaescassacirculaçãodosagentesculturaiseatémesmoemrazãodocomércioeditorial.Odivelas, Maio de 2012

Uma memorável jornada literáriaJJ..AA..SS.. LLOOPPIITTOO

FFEEIIJJÓÓOO KK..

NNOOTTAASS && NNÓÓTTUULLAASS

Feira do Livro de Lisboa

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28deMaioa10de Junho de2012 |Cultura8 |LETRAS

Aobra literária infantil “AsDuas Amigas”, com a qualCássiadoCarmoseestreouno mundo das Letras, a 25de Junhode2009, quandoa autora ti-nha apenas 13 anos, acabade ser edi-tadaemIsrael, emhebraico, conjunta-mente como livrodePaulaRussa, “Jo-nito, Vovó Jujú e o Arco-Íris” tambémdogénero infantil.FoinopassadomêsdeMarçoqueasescritoras rumaram para Tel-Avive,acompanhadas pelo secretário-geraldaUEA,CarmoNetoeaescritoraKan-guimboAnanás, paraoacto formal dolançamento das obras, editadas pela“Lavi P. Enterprises Ltd. - PublishingHouse”, comoapoio incondicional daembaixadadeAngolaemIsrael.O périplo pela terra de Jesus Cristocontou com visitas a lugares históri-cos, desde Jesuralém, ondeCássia pô-de entregar o seu pedido ao deus es-condidonoeternoMurodasLamenta-ções, tocar as pedrasmilenaresdaCi-dadeVelha, até aos conMins da peque-na pátria dos judeus e palestinos, on-de foi aspirar a brisa salgada do MarMorto, tocaraságuascristalinasdorioJordão, pisar na Galileia, percorrer aVia Sacraondecaiuo sanguedosespi-nhos do Cristo e outros recantos nãomenossurpreendentesde Isarel.O acto de lançamento teve lugar nodia 14 de Março, na presença do em-baixador de Angola em Israel, JoséJoão Manuel, dos embaixadores doBrasil e de Portugal, dos tradutores,PierreLavi, queé tambémoproprietá-rio da casa editora e de Miriam Sha-ron, paraalémdeoutros convidadosedadelegaçãoangolana.Com esta viagem, Cássia do Carmoacabouporconhecere fazerumanovaamiga, ela que tanto preza a amizade,umaamiga israelita, da sua idade, LiorEdelmann, tambémescritora infantil,que pronunciou umdiscurso de sau-daçãoàamigaangolana.Esta é a segunda tradução de “AsDuasAmigas”, depoisdaversão ingle-sa, tambémproduzidaemIsrael epos-taàvendaantesdaediçãohebraica.Quetsionada sobreogrande impul-so que motivou a produção de “AsDuasAmigas”, Cássia respondeu, comaquele sorrisonos lábios que faz delauma manhã de alegria, que “foi numsábado à tarde. A ideia era escreveruma história para o concurso ‘Quemme dera ser onda’, eu já tinha criadoumaprimeirahistória sobreumrapazeumpirulito.Masdepois euvi que lhefaltava estrutura para ser completa ecomo eu queria elaborar o tema daamizade, virei-me para uma históriamais profunda, neste caso sobreduasamigas, duasmaninas, por serumare-laçãomais próximadaminhaprópriavivência.Queriaquenão fosse apenas

mais uma história, mas que brotassedelaumaverdadeira liçãodemoral.”As amigas tiveramumproblemadeseparaçãomomentânea.Oqueocasio-nou essa separação foi o facto de a fa-mília de umadelas ter enriquecido. Opai dessa menina conseguiu um em-pregomelhoredepoiselapôdemudarparaumbairromais chique e então, aamigado coraçãopassoupara segun-doplano. Sómais tardeéqueamaninaagora rica se deu conta que a antigaamigaeraapessoamaisverdadeiradetodooseucírculo.Cássia do Carmo explique que “aprincipal liçãodemoral aextrairde ‘AsDuasAmigas’ é a importância da ami-zade. Edepois, podemosvernahistó-ria queodinheiro, por si só, não traz afelicidade. Porque, depois, a meninaqueera ricavoltouàcondiçãoanteriordepessoapobreeveriMicouque, aMinal,eramais feliz indoàs festas lá dobair-ro antigo, dançando Rap e quizomba,falandosobreosassuntosda terra.”Eis Cássia do Carmo, para quem “aamizade verdadeira ultrapassa todasasbarreiras, atémesmoadoracismo.”A autora disse que tem escrito, não

comtanta frequênciacomoantes,por-queagoraestánumaclassemaisavan-çada,mas temandadoaescreverumahistória mais direcionada para os jo-vensda sua idade. “Não tenhopreten-sãode a lançar apúblico, por enquan-to, porque sinto que ainda estámuitoimatura, ainda lhe falta algumacoisa”,acrescentou a autora. “Não queroapresentar uma obra inconclusa, va-zia, apenas para dizer que tenho umsegundo livro lançado, mas que Miqueaquém do primeiro.” Para produziruma segunda obra de qualidade, Cás-sia tem-se empenhado em descobrirnovosautores, desdobra-seemnovasleiturasdeobrasdeescritoresangola-nos,poisestá convictadequeé impor-tante ter o domínio da língua portu-guesaeemprestaràsobrasqueproduzumtoquedeangolanidade,deafricani-dade.,para“vincarmosanossaprópriaidentidade, senão, estaremos só a co-piaroqueosoutros já Mizeram.”Uma grande diMiculdade subsiste,porém. “Aindanão tenhoapreparaçãopara engendrar umaboahistória, umromance. Por isso équedissequenãotenho pressa de escrever, ainda me

sinto imatura. Preciso dedominar al-gumas técnicas de como elaborar umplano da obra, paramelhor deMinir ospersonagens e guardar no papel assuas características, tanto Mísicas co-mo psicológicas. Estou agora a estu-dar essas técnicas, felizmente,”, con-cluiuaautorade “AsDuasAmigas”.

Cássia do Carmo traduzida para o hebraicoJJOOSSÉÉ LLUUÍÍSS MMEENNDDOONNÇÇAA

Com a sua nova amiga Lion

Cássia do Carmo no muro das Lamentações

Com Miriam Sharon, a tradutora

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OLEV’ARTE foi fundadoa20de Ju-lho de 2006. É um movimentocultural de âmbitonacional, semSins económicos. Tem como ob-jectivosprincipais incentivara leitura, a cria-tividadeartística eogostopela literaturanointuitodehumanizar o comportamentodaspessoasatravésdaarte.OLev'Arte temvindoa realizar regularmente uma série de even-tosculturaisondesedestacam:"

POESIAEMVIANAFoiosegundomaioreventolevartea-no e em alguns períodos passou a sermesmo o maior, tendo uma média de200pessoasporevento,porémfoi-nosretirada a possiblidade de realizar oeventonaCasadaJuventudeduranteoanopassado.Noentanto,emJaneirore-começámos as grandes tardes de poe-sia naquelemunicípio de Luanda, quevaiaoar todososúltimosdomingosdecadamês. Igualmenteéumdosprojec-tos criados a Simde levar a arte aos vá-riosmunicípiosdeLuandaenãosó.Para recebermais informações so-bre os nossos eventos ou juntar-se anóscomomembro, contacte-nospelosterminais917051550-927001780.

"POESIANAMULEMBA"Realizadomensalmenteao terceirosábado, no espaço Universidade HipHop (Bairro daMulemba, Petrangol -Luanda), às19horas.Umeventoartís-tico, fruto de umaparceria comos ra-pazesdaUniversidadeHipHop, ondeapoesia se casa comoritmodaguitar-raeosomdobatuque.

"POESIAAOVIVO"Realizadotodasasquintas-feiras,às19 horas, no Kings Club (Vila Alice -Luanda).Onossoeventosemanal,ondea poesia e amúsica nos fazem semprecompanhia, bem ao estilo “microfoneaberto”, passandopelopalcodedecla-madoresconsagradoseestreantes.Vai ao ar neste evento, a rubrica"MesaBicuda comLuejiDharma", umespaçodeentrevistaonde temossem-preuma Sigurapúblicaapartilhar con-noscoosseusprojectosesonhos._

MMAAUURROO YYAANNGGEE

“POESIA À VOLTA DA FOGUEIRA”O nosso maior evento, realizadomensalmente aos segundos sábados,pelas 18 horas, no quintal da Uniãodos Escritores Angolanos. Nele parti-cipam em média 300 pessoas. Umevento multifacetado com poesia aovivo, músicos convidados, venda de li-vros, desSiles de moda, contando sem-pre com a presença Sixa do grupo tea-tral Tata Yetu.

O UniversoLev'Arte

Lev’Arte|LETRAS | 9Cultura | 28 de Maio a 10 de Junho de 2012

AmanhãAmanhã serei eu… …no útero da noite concebendopoemas risonhosErguendo sorrisos fantoches O nato gerador de sonhosO arquitecto das manhãs tímidas emadrugadas com brilhosAmanhã serei eu…...o carteiro destruindo sorrisosmedonhos A quentura das noites friasO berço das formiguinhas e passa-rinhosA aurora no renascer da África dossonhosAmanhã serei eu……desdenhando da tristezaGargalhando gargalhadas comproezaTrilhando sobre poemas utópicos O nobre verso com clarezaAmanhã serei eu…Jojó Mundundi

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Kinda das letras

“ALiteraturasealimentadeLiteratura.

Ninguémpodechegaraescritorsenão foiumgrande leitor”LuandinoVieira

Compostapor69páginas,dividi-daemVendedorAmbulante,MuseudaEscravatura, IlídiaePoesiando, “GentedeMulher”saiusobchanceladaU.E.Anacolecção“GuachesdaVida”aindanoanopassado.SegundoocríticoXoséLoisGarcia,numtrechodaapreciaçãoque fezaobra,“GentedeMulher”éumaespéciedebre-viário, ou livrodehoras, feitoàmedidadascircunstânciaspara leracadadia,me-morizarhistóriase louvoresmúltiplosparacontemplarmoseerigirmosemqualquer tempocíclico, oudemaisquenossirvadecomopretexto.DécioBettencourtMateusnasceunoKuando-Kubango, suldeAngola, ao11deSetembro.LicenciadoemGeoOísicapelaFaculdadedeCiênciasdaUniversidadeAgostinho,oautor jábrindouosamantesdas letras com“AFúriadoMar”, “OsMeusPésDescalços”e “XéCandongueiro”.

Umavoltapelas livrariasdacapital dá contadacrescentevariedadeequalidadedos livros disponíveis. O jornal Cultura, neste espaço que pretendemos regular,apresentaaosseus leitoresas sugestõesparauma leituraenriquecedora.Todososlivrosmencionadosestãoàvendanasprincipais livrariasdeLuanda.“Gente de Mulher”,DécioBettencourtMa-teus, 69págs

“LiçõesdeDireitoProcessualCivil I”, daautoriadeNéliaDanielDias, éumaobradocampodas “leis”publicadapelaU.E.Anacolecção “Praxis”.Amesmatemcincocapítulosdivididosem269páginascujaprimeiraedição, commil exemplarespa-raopúblico, aconteceuemLuanda.SegundoNéliaDias,noprefáciodaobra, este livrovemcobrir lacunasbiblio-gráOicasa respeitodaáreae foi elaboradocombasenasaulas teóricasepráticasnoexercíciodocenteemAngola.NéliaDanielDiasnasceuemLisboanodia25deAbril. “AResponsabilidadeCivildo Juiz”, “AResponsabilidadeCivil Subjec-tiva”e “HipótesesPráticasdeTeoriaGeraldoDireitoCivil” são tambémoutros títu-losdesta juristaedocente.

“LiçõesdeDireitoProcessualCivil I”NéliaDanielDias, 269págs

Olivro“Lex&CalDoutrina”,daauto-riadeLopitoFeijoó,écompostopor60poemasdivididosemDou-trinaLexical,MemorialDoutrinárioeErosDoutrinário.OlivrofoipublicadopelaUniãodosEscritoresAngolanosnacolec-ção“GuachesdaVida”em2011econtém79páginas.SegundoaU.E.A,hámuitoqueLopitoFeijoóvemchamandoaatençãodos leito-resporsuavozpoéticaoriginal.AeditoraaOirmaquebuscandoaharmoniaentreumenraizamentoculturalexpessoeumaartepoéticadepuradaerigorosa,este jo-vemautorchega,emseusmelhoresmo-mentos,à linhada frentedapoesiaangola-nacontemporânea.Nabagagemliteráriade JoãoAndrédaSilvaFeijoó,nascidoemMalanje, ao29deSetembroe formadoemDireitopelaUni-versidadeAgostinhoNeto,brilhamtítulosdeterminanteempoesiacomo“Doutrina”,“Meditando”, “RosaCor-de-Rosa”, “NaIda-dedeCristo”, “OBrilhodoBronze”e“Mar-casdaGuerra”.

“Lex & Cal Doutrina”,LopitoFeijó, 79págs

“VéudoVento”deDavidCapelenguelaéumlivrodepoesias tecidasemsonetosehai-kais, nutridocom165páginasdividasemIºe IIº coreograOia. PublicadopelaU.EAnacolecção “GuachesdaVida”, con-tam-semil exemplaresàdisposiçãodosamantesdas letras cuja1ºediçãoaconte-ceunoanopassadoaquiemLuanda.OprefáciodaobraédeLopitoFeijoóondeopoetacaracterizaoautordeher-deirodamelhorpoéticabrigadistadehátrintaanosnasbrigadasdosuldeAngolaDavidCapelenguelaénaturaldoNami-beeestudao4ºanodeDireitodaUniver-sidadeAgostinhoNeto.OpoetadoNami-beéautorde “Acordanua”, “VozesAmbí-guas”, “RugirdoCrivo”, “OEnigmadaWel-witshia”, “PlantadaSede”econtacomparticipaçõesemantologiasdaBriga Jo-vemdeLiteratura.

“Véu do Vento”, DavidCapelenguela, 165págs.

Ler é desvendaro Mundo

28deMaioa10de Junho de2012 |Cultura10 |LETRAS

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NNo livro pioneiro em Angola sobrea matéria, Sebastião Marquesfaz um esforço, desde já meritó-rio, de teorização do fenómeno do em-preendedorismo, numa perspectiva di-dáctica e ao mesmo tempo de incentivo. Oautor apresenta exemplos concretos desucesso no mundo do empreendedoris-mo e realça a auto-superação e a vontadeexpressa de vencer na vida como factoresdecisivos. Independentemente da impor-tância das condicionantes objectivas, a tó-nica do sucesso é posta no indivíduo e nasua força de vontade. O livro de Sebastião Marques, em últi-ma instância, estimula a auto-estima dosleitores e “intima-os” a fazer recurso àcriatividade e à iniciativa pessoal para asolução dos seus problemas. E do país. Oprefácio é do jurista Francisco Queirós.

Empreendedorismo em Angola – Entre asideias e a acção, Sebastião Marques, ediçãode autor, 108 págs.

Em “-Saltem! O Comboio Não TemTravões-ééé!” de José SamwilaKakweji estão reunidas oito pe-ças em prosa desenvolvidas em 79 pági-nas. O livro foi publicado pela U.E. A na co-lecção “Pitanga” cuja primeira ediçãoaconteceu no passado, em Luanda, comuma tiragem de mil exemplares.José Samwila Kakweji nasceu aos15 deAgosto na Caianda, Alto Zambeze, Provín-cia do Moxico. O autor já publicou “Vixi-mo”, “Viximo II” e “Gira Bola na Selva”.

“-Saltem! O Comboio Não Tem Travões-ééé!”,José Samwila Samueji, 79 págs.

AApropósito dos acontecimentosocorridos em 2004, no Kuando-Kubango, e que ganharam con-tornos nacionais, ligados à crença na feiti-çaria, Chico Adão escreveu este livro, emque levanta e analisa questões como: exis-te ou não aquilo a que se deu ou dá o nomede “feitiço”? Os actos de “feitiçaria” emAngola estão ou não previstos e tipiSica-dos no respectivo Direito Costumeiro?Qual o acolhimento reservado pelo orde-namento jurídico colonial e como é que osassuntos ligados à “feitiçaria” foram trata-dos e equacionados pela justiça de Portu-gal colonial? Por Sim, o autor debruça-se, sobre oacolhimento reservado pelo ordenamen-to jurídico da República de Angola “àsquestões de estrita natureza dos costu-mes ancestrais”.

As origens do fenómeno Kamutukuleni e o direitocostumeiro ancestral angolense aplicável, ChicoAdão, Instituto Piaget, 210 págs.

Com 32 poesias infanto-juvenis em39 páginas, “Sonhando”, da auto-ria de Maria Celestina Fernandes,teve publicação pela U.E.A na colecção“Pitanga”. A obra foi ilustrada por Victori-no Kiala e, na sua primeira edição queaconteceu em Luanda, foram postos aopúblico mil exemplares.“A Borboleta Cor de Ouro”, “Kalimba”, “AÁrvore dos Gingogos”, “ A Rainha Tartaru-ga”, A Filha do Soba”, “ O Presente”, “A Es-trela que Sorri”, “É Preciso Prevenir”, “AsTrês Aventuras no Parque”, “União Arco-íris”, “Colectânea de Contos”, “O Jardim doLivro”, “As Amigas em Kalandula” e “OsDois Amigos” são outros títulos infanto-juvenil da escritora Maria Celestina Fer-nandes.

“Sonhando”, Maria Celestina Fernandes, 39 págs.

TTerceiro romance de Ruy Aleixo,depois de “Os contos de fronteira”e “A morte inglória de Massamba”,este livro reSlecte toda a experiência cos-mopolita do autor e dá testemunho da suamaturidade criativa. O verdadeiro temadeste romance é o Sluir mesmo da memó-ria, a tentativa proustiana de recuperaçãodo tempo perdido. Do tempo perdido mastambém, em todo o caso, vivido…

Depoimentos de um sobrevivente, Ruy Aleixo, edi-ção de autor, 226 págs. LLivro primeiro de Kardo Bestilo,um dos mais entusiastas activis-tas culturais do país, que se temnotabilizado no Levarte, movimento dejovens criadores e amantes das letras,“ControVerso” reúne quase centena emeia de poemas, facto invulgar numaobra inaugural. A intenção óbvia de “pu-blicar tudo” prejudica, de certo modo, aqualidade do poemário. Um trabalhomais rigoroso de depuração e selecçãodaria lugar, certamente, a um livro maisenxuto, com a total visibilidade e desfrutedos poemas mais conseguidos.Mas o leitor que não se inquiete, poisneste poemário vai encontrar algumasjóias de autêntica poesia.

Contro Verso, Kardo Bestilo, Europress, 189 págs.

LETRAS | 11Cultura | 28 de Maio a 10 de Junho de 2012

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12 |ARTES|Música 28deMaioa10 de Junho de2012 | Cultura

Cinquenta crianças viram as suas vi-das transformadaspelamúsica. Sim, amúsica,masnãoonosso Semba,Kila-panga, TchiandaouoaclamadoKudu-ro, que acreditamos terem sidos assuasprimeiras referênciasmusicais.Atransformação veio, sim, pelamúsica“clássica” ou erudita. Aquela músicaque levaaalmaaumestadodeêxtase,como quem submerge até ao chão doOceano e por lá se queda um tempoque perece ume eternidade, ouvindosinfonias que vêm domovimento er-ráticodasmarés.Este projecto iniciou em Outubro de2008, pelasmãosdoDr. PedroFanço-ny, na alturaAdministradordaSambaque apostou na recuperação de umaescolaemcondiçõesprecárias.A recu-peraçãonão JicouapenasnaestruturaJísica, mas também na estrutura hu-mana, as criançasprovenientesdezo-nasde risco ede famílias problemáti-cas. Segundo o mentor do projecto“nadamelhorpara recuperaras crian-ças que amúsica, hoje, em certasma-ternidades amúsica clássica é usada,pelo seu grande poder terapêutico. Amúsica e o desporto socializam e hu-manizam, daí a apostanesta formadeinclusão social”. Hoje, a auto estimadelasestámuitoalta.OprojectoOrquestraSinfonicaKapos-sokaquebrabarreiras eoque ressaltaé o facto de ndengues do mussequeexecutaremumamúsica tida comodeeliteousejadegenteabastada.Duranteosquasequatro anosdopro-jecto, a autoestimanas crianças foi re-cuperada. Kapossoka tem o apoio doPresidentedaRepública, padrinhodogrupo que diariamente disponibilizaas refeições, o BPC e outras institui-ções. O ENAD cedeu-lhes as instala-ções onde a título provisório estão aensaiar, enquantoasobrasda sedees-tãoemcurso.É neste local que encontrámos ascriançasque, naaltura, ensaiavampa-rao III Festival Internacional deMusi-ca Infanto-Juvenil de Iguazu,Repúbli-ca da Argentina que decorreu de 21 a27deMaio.Estiverampresentes cercade700criançasquepartilharamopal-co juntas, executandograndes títulosdamúsica clássica. AÁfrica foi repre-sentada tambémpelaÁfricadoSul.Osestreantesdesta edição foramAngolaeoMéxico.Havia motivação extra, pois iriam àterra do Tango e doMessi. Foi na pre-

sença dos simpáticos e atenciososprofessores Jilipinos que o grupo re-petia eposteriormente fezumasimu-lação de uma actuação. Felizmentenão tocaram apenas clássicos dos“clássicos”, apresentaram tambémclássicos nossos como o Muxima, oCruciJixo, Filhas deÁfrica, dentre ou-tros. Os arranjos destes temas já fo-ram apresentados em galas aqui emAngolae forambemaceites.A disciplina e o êxito escolar são fun-damentais. Há um acompanhamentofora do projecto. Algumas criançasgostariam de ser reconhecidas comoviolinistas, violoncelistas, contrabai-xistas, bemcomofazercarreira forada

música. O projecto Kapossoka será omodelo a ser usado em outras partesdoPaís, umavezqueacriançaépriori-dade do Estado e o bem-estar delasdeveser salvaguardo.Figuras ilustres do nosso meio comoBritoSobrinho,GeneralMbinda,Men-desdeCarvalho, RobertodeAlmeida,Ary, Pérola, Elias Dya Kimuezo e atémesmoestrangeiros já visitarame fa-laramdassuasexperiências.Asportasestão abertas para a interacção comestas crianças, desdequemanifestemeste interessecomantecedência.Esteprojectonãopassoudespercebi-do da cooperação espanhola e o DVD“Umconcertoparaviolino” será lança-

do no dia 9 de Junho. Produzido pelaTus Ojos do realizadorManuel Fuen-tes e tem Maria Manuela dos SantosArmanda,umadasmeninasdoprojec-to, nopapelprincipal, bemcomoa jor-nalistaSanyFujidaRádioNacional.Quanto aos arranjos demúsica ango-lana, pensamrecuperar temasdo fol-clore e para isso contam com o apoiodeumadmiradordoprojecto,ManecoVieiraDias, doKilandukilo.Esta peça Jicará completa comavoz erostos dos kandengues artistas queproporcionaramaumRastaeumfotó-grafo tarimbado, uma agradável ma-nhãdesábado.Bem-haja,OrquestraKapossoka!

RRAASS KKIILLUUNNJJII

Kapossokasinfonias do fundo do marnas mãos dos meninos da Samba

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ARTES |Música |13Cultura | 28 deMaioa 10de Junho de2012Umaorquestraéumagrupamento ins-trumental utilizado sobretudo para aexecuçãodemúsicaerudita.Nãoexis-temdiferençasentreasorquestrassin-fónicaseas Iilarmónicas. Estas termi-nologias denotam a maneira como ésustentadaaorquestra.Antigamente,aorquestrasinfónica levavaestenomepor ser mantida por uma instituiçãopública, eaorquestra Iilarmónica leva-va este nome por ser sustentada ouapoiadaporumainstituiçãoprivada.Existe ainda a orquestra da câmara,queéumconjuntobemmenorecostu-mater,namaioriadoscasos, entreoitoe18músicos.Abaixodisso, o conjuntojápassaaserchamadodesepteto, sex-teto, quinteto e assim por diante. To-das essas formações executam a cha-mada "música de câmara" - no caso,a palavra "câmara" é sinônimo de"sala, quarto ou aposento pequeno".Já as bandas militares, de formaçãovariada atendem às necessidades dacaserna.E é falsa a ideia que apenas as classesmais abastadas têm acesso a músicaclássica/erudita, visto que diversosmúsicos clássicos têmorigensmodes-tas. Exemplo são as óperas bufas deMozart noperíodo clássico, que erampopulares entre as camadasmais co-munsdasociedade.

Uma orquestra sinfónica dispõecincoclassesde instrumentos:• as cordas (violinos, violas, violonce-los, contrabaixos, harpas)• asmadeiras (Ilautas, Ilautins, oboés,corne-inglês, clarinetes, clarinetebai-xo, fagotes, contrafagotes)• os metais (trompetes, trombones,trompas, tubas)• os instrumentos depercussão (tím-panos, triângulo, caixas, bombo, pra-tos, carrilhãosinfónico, etc.)• os instrumentos de teclas (piano,cravo,órgão)Oqueémúsicaclássicaouerdutida?SegundooWikipédia, amúsica clássi-ca oumúsica erudita é o nomedado àprincipal variedadedemúsicaprodu-zida ou enraizada nas tradições damúsica secular e litúrgica ocidental,que abrange um período amplo quevai aproximadamentedoséculo IXatéo presente, e segue cânones preesta-belecidos no decorrer da história damúsica. Asnormas centrais desta tra-dição foram codiIicadas entre 1550 e1900, intervalo de tempo conhecidocomooperíododaprática comum.Segundo oDicionário Grove deMúsi-ca,músicaeruditaémúsicaqueé frutodaerudiçãoenãodaspráticas folclóri-

cas e populares. O termo é aplicado atoda uma variedade de músicas dediferentes culturas, e que é usado pa-ra indicar qualquer música que nãopertença às tradições folclóricas oupopulares.O termo só apareceu originalmenteno início do século XIX, numa tentati-va de se "canonizar" o período que

vai de Bach até Beethoven comoumaera de ouro. Hoje em dia, o termo"clássico" aplica-se aos dois usos:"músicaclássica"nosentidoquealudeà música escrita "modelar," "exem-plar," ouseja, "demaisaltaqualidade",e, stricto sensu, para se referir àmúsi-ca do classicismo, que abrangeo IinaldoséculoXVIII epartedoséculoXIX.

O que é uma orquestra?

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14|ARTES | 28deMaioa10de Junho de2012 | Cultura

O trovador que encantou com “ A Voz do Velho”MwanaÁfricaKiakuKyadaff foiovencedordo1ºFestivalNacionaldeTrova.Oconcorrentedaprovíncia deLuanda,comotema“Avozdovelho”convenceuojurieospresentes.OFestivalNacionaldeTrova,organizadopelaFundaçãoDr.AntónioAgostinhoNeto, emparceriacomaArcaVelhaEntretenimentos, reuniu trovadoresselecio-nadosdas18provinciasdopaís,ondeo jovemKyadaff tevemaiordestaque.O relançar do estilo com grandes talentos vai traze para o país e levar para omundomuitaboaqualidade.A trova, considerada uma composição poética vulgar e ligeiraou ou aindauma quadra popular, cantiga ou uma loa, encontrava-se em extinção no nossopaís.Omovimentode trovadoresquaseque iadesaparecendo.Per&il ehistóriaEduardo Fernandes, jovem de 30 anos, natural de Mbanza Kongo, conta quesua paixão pela música começa através dos pais. Seu pai foi mestre de um agru-pamento musical e sua mãe sempre cantou em grupos corais. Mas não foramelesosúnicos incentivospara o jovemseguiremfrente.Foi dentro de um seminario onde o jovem começou a dar os primeiros passosna música. Foi maestro do coral e isso despertou em sí um interesse maior pelamúsica,principalmentepela trova.O jovem é antigo neste mundo de árduas batalhas em prol do reconhecimen-to dos trovadores. Já participou no Festival da canção da LAC, participou aindanoVariante2009, comorepresentante daprovínciadoZaireeemmuitosoutrosconcursos.Kyaku revela que a sua vitória não começou agora. A letra e a melodia não fo-ram os únicos motivos que Kizeram com que o prémio fosse entregue a ele. Masestavitória foi tambémfrutodemuito trabalhoededicação.O trovadoréautordassuaspróprias letrasemelodias.Asuamaior inspiraçãovemdoquotidianoedaMãe-natureza.Segundoomes-mo,nassuascomposiçõesprocura trazerreKlexõessobreosproplemassociais.“AvozdoVelho”AvozdoVelhoTodosnósouvimosaocairdosolOuvimosavozdomarEnoolhardaesperança avozdoVelhoQuenãosepodecalarEseguimos juntosocaminhoOcaminhodonosso futuroao ladodosnossosvelhosE longede tudoqueé impuroSomosnósquesonhamosoamanhecerSomosnósqueouvimosoquenãosedeveesquecerQuea tempestade jamais cairá sobrenósEque jamais secalará anossavozOdestinovainosajudarsimAcolhermos Kloresno jardimAo ladodosnossosvelhosE longede tudoqueé impuroSomosnósquesonhamosoamanhacerSomosnósqueouvimosoquenãosedeveesquecerQuea tempestade jamais cairá sobrenósEque jamais secalará anossavoz……………O Velho, a quem Kyadaff se refere na letra da sua música, é o fundador da Na-ção Angolana. É a sua voz que não se deve calar para todos os Kilhos desta Ango-la. O Velho que jamais deve ser esquecido. Nem mesmo a tempestade levará asuamemória.“Hoje em dia, vemos pessoas parafraseando os poemas de Neto. Vemos pes-soas fazendo como lema de suas vidas alguns dizeres do Velho. Então esta voz

jamais secalará”- esclareceuoautor.Seusingleesuaobradiscográ&ia“Gosto muito de trova, embora o meu single seje uma mistura de vários esti-los”- conKirmouKyaku.Tem um single no mercado, com uma música muito conhecida que saiu em2009 “Me chamam de pacheco mas eu te faço feliz”, que fez muito sucesso nasrádiosdopaís.Muitas vezes, dada a sonoridade, o seu mais conhecido sucesso dá a impren-sãoaquemescutadequeamúsicasejadomúsicoMatias Damásio.Está a trabalhar para o seu primeiro CD no mercado. Ainda não tem uma dataestipulada.Masgarantequeaindanesteano tudoestará pronto.Teremos no seu CD Kilapanga, Afro Funk e Trova. Será a mistura de uma va-riedadedeestilos,massemfugirdo“radical” queéa trova.Está a trabalhar com pessoas idóneas, e acredita que, com a ajuda de tais mú-sicos, o trabalho serámuitobemfeito.AcreditaotrovadorqueaconKiançaqueaspessoasneledepositaram,depositamevãodepositandonele,decertaformairácontribuirparaumtrabalhoperfeito.Músicosqueo inspiramTem como ídolos e músicos de referência Teta Lando, Gabriel Tchiema, Ir-mãos Kafala e Duo Canhoto. Admira também músicos trovadores da nova gera-ção como Toto, Dodó Miranda, Wiza, Kanda. “ Gosto da voz dele (Teta Lando), dotrabalho dele, os seus discos”. Mas acrescenta que, para além de Teta Lando,também é fã de outros músicos internacionais, principalmente Lokua Kanza.“Qualquer trabalho que seja Trova, eu me revejo nele, embora escute todo o tipodemúsica”- conta.Segundo o músico Gabriel Tchiema, o concurso foi muito bem elaborado e te-ve muita qualidade e muita boa música. “Venceu o melhor, pesem embora todoseles seremmuitobons ”- aKirmou.Gabriel Tchiema é uma das testemunhas da árdua batalha do jovem Kyaku,daí a conKiançaquedepositanomesmo.“Com este festival vamos levar ao mundo e ao nosso país, qualidade real. Con-seguiu-se reunirasmelhoresmúsicasque temosnonossoreportório”- concluiuTchiema.

Kyaku Kyadaff

Maria Eugénia Neto entrega o prémio ao vencedor

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GRAFITOS NA ALMA |15Cultura | 28deMaioa10 de Junho de2012

A mão e os lugaresNa língua de Shakespeare,um «Qlippant», é aqueleque não é sério; é o petu-lante. Aqui entre nós, os“Qlipados” sãos os loucos, os mental-mente desequilibrados. O fulano tá“Qlipado”… está louco. E é imediata-mente tratado com reservas (comoumlouco).Tudo istoésóparadizerquenavidacriativa do meu amigo, os Qlipançosaconteceminesperadamenteemuitasvezes – de repente, ele se camaleoa,quero dizer, ele Qica outra pessoa;aliás, o amigo do meu querido amigotá querendo dizer, que, quando ele es-creve e toda a gente o lê e pensamapressadamente que ele é escritor!…Quando ele Qica apaixonadamenteabraçadoeaclicara suanamoradaco-mo se ela fosse de carne e alma, dizemlogo as más-línguas – as mais ciumen-tas – este gajo não larga a gaja da suanamorada (nesta altura e neste dia,eles estavam se referindo à insepará-vel máquina fotográQica do meu gran-deamigo).E ainda, tudo isto é para dizer queos “Qlips” (a desconstrução) nas foto-graQias do meu amigo é pura brinca-deira da criação. Ele diz sempre aosseusamigos, quandooabordam–epá,porra!... – É assim já que se trabalha! –tás sempre a trabalharde brincar «es-tragando», desconstruindo. Epá tensque parar «mas tá Qixe»!... Um pouco,para relaxar. E assim retrucava já oamigo do meu amigo, embargado nasua voz impercetível. – Porra, quem éque está a trabalhar? Epá, eu não tra-balho, eu brinco de trabalhar!... Epávai tafo ... Vocês os poetas? – Às vezesparecem que sabem falar e outras ve-zes Qicam aí a cantarolar, pá, e um gajonunca sabe se estão à falar ou se estãoabrincar comaspalavras…ou, e sees-tãoagozarcomonossonariz!Ele era sempre assim, o meu amigo,nosseus Qlipançosdiários–porqueelenãosedavaconta,muitasvezes, quan-do é que estava a escrever ou a ler ouquando estava a fotoQlipar o que lia ouo que fotografava… O amigo do teuqueridoamigo, éum“louco “beatdes-tes tempos.Michael Langford, o seu primeiromestre teóricoda fotograQiapoética Qi-losóQica, escreveu assim no seu gran-de livroFotograQiaBásica: “Todagentefaz fotograQia”… E é verdade, e agoramais do que antes, até os telefones ou,sequiserem,os telemóveis, então faci-litaram-nos as coisas – apegando-seainda ao seu mestre Langford, o meu

grande amigo: “toda a gente faz foto-graQias por diversos motivos, como éevidente. A maior parte não passa deregistos ocasionais, recordações deférias, da família ou amizades. Istopreenche umas das funções sociaismais válidas da fotograQia, Qixando oucongelando momentos da nossa pró-priahistóriaparaos revivermosno fu-turo” (…) Durante muito tempo no sé-culoXIX (a fotograQia foi inventadaem

1839) os fotógrafos foram considera-dos como uma ameaça pelos pintores,os quais nunca se cansaram de aQir-mar publicamente que os grosseirosintrometidos eram destituídos dequalquer capacidade artística” (…)Com os Qlips dos clics, graças a Deus,neste nosso tempo da alta tecnolo-gia!... a felicidade é enorme . – Ouviu-se lá no fundo do mar, a voz de um dosamigosdomeugrandequeridoamigo,

que até então, se manteve calado –Graças a Deus, eles já são, também, ar-tistas!...“…Segundo M.L, no seu grande livro“FotograQia Básica” pág. (30) … “Cha-mavam-se a si próprios “fotógrafospictóricos”, fotografavam objetos pin-turescos, muitas vezes através de dis-positivos suavizadores adaptados àsobjetivas e faziam as provas sobre pa-pel comtextura,porprocessosqueeli-minavam quase tudo o que era apeli-dado de «horroroso pormenor» da fo-tograQia. Tudo isto foi a necessidadede se distanciarem de tudo isto e con-quistar a aceitação como artistas, osfotógrafos «sérios» tentaram forçar omeio de expressão a aproximar-se doaspetoe funçõesdapintura.FlipsnosCliques. “O«estilo»dafoto-graQiadevemostrarosnossosprópriosinteresses e atitudes, e as oportunida-des que se nos apresentam. Por exem-plo, interessar-nos-ãomaisaspessoasou objetos e as coisas (ou as mãos e ascoisas; ou a mão e os lugares !?...) quepodemos trabalhar sem estabelecer-mosqualquerrelacionamentocomola-do humano? Agrada-nos fração de se-gundo necessária para a fotograQia domovimento,oupreferiremosaaborda-gem mais demorada, possível com apaisagemouasnaturezasmortas?”É diQícil deQinir o estilo, mas reco-nhecemo-lo quando ele aparece. Asimagenspossuemalgumascaracterís-ticasemquesemisturamamatériadotema com o estado de espírito (o hu-mor, drama, romance, etc.), o trata-mento (de facto ou abstrato), o uso dacomposição, e até as proporções. Atécnica tambémé importante, desde aseleção da objetiva até à forma deapresentação da prova Qinal. Flips nosCliques.

FFRREEDDEERRIICCOO NNIINNGGII

EESSCCRREEVVIILLEENNDDOO

Os flips dos cliques

Entrada de Porto Amboim

A mão não mente

A mão e a mente

Restinga (Lobito)

““MMaass mmaaiiss ddoo qquuee ttuuddoo,, oo eessttiilloo tteemm aavveerr ccoomm uumm ppaarrttiiccuullaarr mmooddoo ddee vveerr””

((MM..LL..))

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28 deMaioa10 de Junho de2012 | Cultura16| GRAFITOS NA ALMA

Onde escavar em Mbanz’a Kongo?Vou basear a minha opiniãono mapa de Edward Maten-ga (2007). Discuti sobre omapa com dois especialis-tas: Jan Vansina e John Thornton. Co-nheçocercade1097 fontesarquivísti-casquevãoservirdeorientadorasnasminhashumildesacepções.O trabalho dos arqueólogos come-çaria aqui pela familiarização do ter-reno. Ilídio de Amaral fez uma exce-lente apreciação sobre isso num arti-go intitulado “Mbanza Kongo, cidadedo Congo, ou São Salvador. Contribui-ção para o conhecimento geográWicode uma aglomeração urbana africanaao sul do Equador, nos séculos XVI eXVII”, in: Garcia de Orta. Série deGeografia, 12, Lisboa, pp.2-40. De-pois, reestruturar o mapa urbanísti-co da cidade que deverá correspon-der às descrições mais féis que exis-tem nos arquivos.Em síntese, partindo desse pressu-posto, conseguimos localizar os doisdos três Ngundu, local onde se enter-ravam os ancestrais e realizava-se oculto aos antepassados: o centro sa-grado estaria no próprio local da Igre-ja Kulumbimbi. Aliás, não foi por aca-so que se terá instalado a catedral nomesmo local (o caso de Jerusalém, po-deráexplicitar isso).Esse Ngundu, de facto, começa umpouco além da tumba de “Ngwa Mpo-lo” e vai até ultrapassar a igreja Ku-lumbimbi. E, como podemos ver, aconstrução da pista do avião terá des-truído várias coisas, mas não todas(Vansina).Ondese localizaa tumbadeNgwa Mpolo se chamava “Ngundu’anza”ouaindaMazinga.Aseguir, emdi-recção norte, começa “Ngundu’a Ma-lemba”, onde deveria se encontrar aresidência de Nsaku Ne Vunda, comoaliás o testemunha a árvore Yala Nku-wu. Isto é, o local de Nsaku Ne Vundu(ou seu representante) continha todooespaçoocupadopelas igrejasbaptis-tas e onde passou a ser a residênciarealnaépocapós-declínio.Ondeescavar?Aprimeiraopçãose-ria nos antigos “centros sagrados”,que a população chama de Ngundu.Porquê nos Ngundu? E, aonde especi-Wicamente?Ngundu temum sentidoantropoló-gico especíWico. Ele localiza “onde fo-ram enterrados” no mínimo nove oudozesoberanos.Antigamente, osKon-go (que eram um conjunto de váriastribos) consideravamseu localdepoisde construir “lukobi lwa bakulu” que,na verdade era um cesto onde se en-contravam restos mortais denove/doze soberanos, restos mine-

rais dos locais de onde eramoriundas as populações e, Winal-mente, plantava-se Nsanda (YalaNkuwu). Esta árvore era plantadaentre os três Ngundu territoriais,em princípio. Só depois de passarnove/doze mbangala (cerca dequatro anos, no calendário romano) éque o local era chamado Ngundu, por-que era a origem de todas populações(Kongo).ONgunduera, regrageral, umgran-de mercado: onde os vassalos iam nãosó pagar tributo mas aproveitar a au-diência para resolver os pendentes.Daí, importa especiWicar que numNgundu há quatro lugares importan-tes. O primeiro é o “cemitério” que àsvezes passava a chamar-se Mazumbu(geralmente são nove/doze cam-pas/diyumbu). O segundo chama-seLumbu. Os Mazumbu não eram habi-tados,masnomeiodelesestavaergui-do o Lumbu: local sagrado que, geral-mente, albergava a corte real (os espí-ritos dos Mazumbu protegiam os ha-bitantes). O terceiro chamava-se Bi-nkangu’a nkita: local, também sagra-do, onde os Bankita (santos, mortosbons) protegiam as sociedades (os vi-vos). Em relação ao croquis que te-mos, este se encontra hoje onde está afonte de água chamada “Santa”. Oquarto lugar sagrado estaria onde ho-je está erguido o ediWício do Governoprovincial. As informações locais ac-tuais sãoumpoucoconfusas.Aoanali-sáq-las, Wicamosasaberqueo local erachamado Kansanda (Nsanda), masdesconhecemos se seria antes da che-gada dos portugueses. Contudo, fariasentido uma vez que encontramos vá-rios tiposdeacácia (nsanda).Háoutrotopónimo antigo, Kinsimbu. A tradu-çãoaindaestáviva: “Bisimbibisimbidintini za Kongo”. Supõe-se que este lo-cal terá sido a sede dos protectoresdas fronteiras, que tinham a bênçãodos santos/mortos (Bisimbi). Curio-samente há um posto de polícia paraquem vai à vala (à direita de quem saidoediWíciodoGovernoprovincial)Até agora, como podemos ver, oslocais centrais onde se pode escavarjá estão ocupados: Kulumbimbi, YalaNkuwu, Ngwa Mpolo e Governo pro-vincial. Será que já não há hipótese deescavação noutros sítios em Mbanz’aKongo?Para começar a responder a essaquestão, importa salientar que, porser uma cidade com mais de um milé-nioda existência, épossível encontrarpresença humana quase em toda par-te. A segunda opção será, talvez, a delocalizar os antigos centros popula-cionais em Mbanz’a Kongo e, sobretu-do, os Mazumbu mais antigos. As po-pulações conhecem as suas histórias,os seus locais míticos e sagrados. Sevoltarmos a dar mais atenção ao cro-quis, veremosaestacãodeMobilequeos arqueólogos pensam ser a maior

reserva arqueológica. Importa salien-tar que o local era chamado “Nkond’aNtotila” e o termo ainda é lembradopor causa do imbondeiro que leva es-senome.Confunde-se tambémuman-tigo “nganda” (corte real) nos arredo-res. Sabemos, dasnossas longasanáli-ses, que lá se encontrava o mercadochamado “Bukonzo’a Ntotila”. Eis oque reza a tradição sobre isso:Nkond’a ntotila: “ku tôtila bântu, kutôtila ba ñkîsi: fez sair, deu origem atoda a gente, e a todas as forças mági-cas” (Troesch,1953).Se assim for, o croquis estaria certopor considerá-lo como reserva ar-queológica. Pela mesma razão, o localé tidocomoumdosmaisantigos terri-tóriosquealbergouacapital.Mas não nos parece suWiciente e eisoporquê: (1) é importantenão sepre-cipitar os trabalhos naquela zona so-mentepara reconhecimento/legaliza-ção de Mbanz’a Kongo como patrimó-niodaHumanidade/UNESCO.Épreci-so que se criem condições de traba-lhos arqueológicos: criar um centrode pesquisa in situ para o efeito, comferramentas, com especialistas a tra-

balhar, comumarevistaquepublicarásumariamente as suas pesquisas, li-nhas de pesquisas e resultados, comtoda a logística para o efeito; (2) pa-rece um intervencionismo adminis-trativo dum só ministério (ministérioda Cultura) quando, na verdade, de-veria ser uma questão interministe-rial: do Ensino Superior, Ciência eTecnologia; do Ambiente, do Territó-rio, etc. Não só os custos para essetrabalho desequilibrariam a normali-dade orçamental dum só ministério(da Cultura, nesse caso), como tam-bém a sua competência laboral nãoteria margem correctiva.A existência da Universidade 11 deNovembro nessa região pode ajudar areestruturar as coisas. O MinCult nãointerromperá os seus trabalhos, pelocontrário. O que, de facto, queremos éver criada uma máquina que propor-cione suWiciências às demandas rela-cionadas com Mbanz’a Kongo. Não fa-ria sentido reconhecer este sítio ar-queológico como Património da Hu-manidade sem portanto criar as con-diçõesparaasuagestãoaníveldeaca-demiaeasuamanutenção.

PPAATTRRÍÍCCIIOO BBAATTSSIIKKAAMMAA

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Cultura | 28 deMaioa10 de Junho de2012 GRAFITOS NA ALMA |17Rio, tambula muxima I

Agentilinsis-tênciado con-vitenão mepermitiu escusa: como angolano e poeta, escreveruma crónica sobre a cidade do Rio de Janeiro, e apaixãode ler.Rio, vocênãosabe.Mashoje, euvouabrirmuximayangue com você. E começo por lhe dizer: muximayangueéomodomaisnatural eamplo−eomaisbe-lo, porque no feminino −, que nós angolanos temosparadizer: omeucoração.Omeucoração, e todososamores, afectos e ternuras que nela, muxima yan-gue, se possam guardar e preservar para a felicida-de − que se constrói, se afaga cariciosamente, e sealimenta a cada instante. Ou para o encantamentodessa arte maior que é estar vivo e cantar − de risoiluminado, e semumarugasequernavoz.“Muxima” − me permita ainda lhe lembrar,embora você o saiba desde há muito − é também otítulo de uma bela canção tradicional, que se trans-formouemnossohinonacional angolense,dosafec-tos e da Ternura. Da dádiva, também – essa alegrialímpidaesoberanaquenos latejanasveias.É ela, em seu bater cantado a vários ritmos, queeu oiço agora, enquanto escrevo. Primeiro, inter-pretada pelo nosso quase mítico N’Gola Ritmos, se-guindo a batuta e a voz sábia de “Liceu” Vieira Dias;depois, na versão que dela fez Waldemar Bastos −nela incorporandoos centoemuitos violinosda Or-questra Sinfónica de Londres −, e cuja voz e inter-pretação se tornamautênticasepoderosíssimases-culturasa insculpir-senapeledoshorizontes sensí-veis do mundo, em perfeita religação do Ser com oCosmos.Eumapaz intensa,umapaz imensa, eboa, emuito doce, serenamente nos invade, se apossa denós, enosdevolveorosto−aquele rosto, queoespe-lhodamanhã tantasvezesnoshavia traído.Medesculpe,meuqueridoRio, esteparêntese tãolongoeassimarrevesado.Masvocê,que tãobemco-nhece os labirintos da alma humana e seus líricosdevaneios, sabe perfeitamente como são as emo-çõesparagenteseTerrascomonós.Vocêsabe.Na verdade, foi num baile de carnaval da minhamais remota infância, numa pequena vila do Sul deAngola, então chamada Vila da Ponte e hoje Kuvan-go,quevocêentrounaminhavida.Vocêmechegou, fatal edeRinitivo, pelavoz (talvezdesaRinada e de sotaque imperfeito) do vocalista deOs Palancas − Donga do Amaral de seu nome −, en-toando estesversos de uma marchinha de carnaval,cuja autoria nunca tive a coragem de averiguar, nãoobstante alguma vez lhe ter olvidado uma nota se-querdamelodia:PassaroCarnavalnoRioOuvira tuavozEdepoismorrer!Aconteceu tudo isso, faz amanhã muito Sol ePoesia. E eu fui crescendo. E você comigo, se ta-tuando em mim no avesso da pele. Justo ali, onde osangue circula íntimo e soberano, me alimentandode sonhos e de vida, de Poesia e braços abertos aosempre imponderável espanto das coisas do mun-do e das pessoas.Você veio chegando sorrateiro e descarado – se-dutor,de irresistível tentação.Você vinha pelos sambas e chorinhos que passa-

vam na rádio; vinha pela mão de brisa batida daBossa Nova; mais tarde, pelas vozes liricamentetransgressorasdoTropicalismoedaMPB;mas tam-bém me chegava pela música um pouco malaica −essa música a que você chama de brega, e da qualtemsempre tantagentequegosta!Você entrava em casa de meus pais pelas revistas“Manchete” e “Cruzeiro”, que eu folheava, guloso in-saciável, mesmo antes de saber ler. Sim, que os li-vros vieram mais tarde − para me não abandonardeles, nuncamais!E havia, também ou sobretudo, o futebol. Que erapela rádio que acontecia para nós, colónia que éra-mosaindadePortugal, e semtelevisão.Não raro, algum clube brasileiro (aqui se diz: ti-me) se deslocava a Angola para disputar algumaspartidas com clubes locais. E para lhe ser muito sin-cero, não gostei mesmo nada que o Botafogo um diagoleasse o meu Mambroa, na cidade do Huambo,por trêsbolasazero.Rio, quero lhe dizer também, que em 1970, mes-mo quando a hora dos relatos era já tarde da noite,eu os ouvi a todos, e rezei a cada partida (como tan-tos angolanos, acredite) à Nossa Senhora da Muxi-ma, “pedindo e rogando”, para que Ela Rizesse “um

feitiçobemfortee seguro”, demodoaqueoBrasil, lánoMéxico, vencesseaCopadoMundo.Evenceu!Eomesmo sucedeu em 1972, quando eu esperava comalguma ansiedade os resultados dos meus examesdo 2.º ano de liceu, e decorria a Mini-Copa ou Taçada Independência, comemorativa dos 150 anos doBrasil como Nação. Taça, que o Brasil naturalmentevenceu.O que foi, para nósangolanosqueonãoéra-mos ainda como Pátria livre e soberana, motivo deimensíssima alegria e farra solidária e condizente,pois fora o antigo colonizador quem o Brasil derro-taranoúltimo jogo, comumpetardocerteiroe fatal,daautoriade Jairzinho.E há o Carnaval, razão primacial da minha paixãoporvocê, agora felizmente jánãoplatónica,masqueo foidurante tantose tantosanos.Rio, você sabe como agora o nosso amor é desca-radamente poligâmico. E tão Riel, aRinal. Tão (qua-se) feliz − fosse o mundo apenas paixão de ler, amorda crónica e da Poesia! Porque você, tatuagem queme respira e maravilha, é, como diz o poeta moçam-bicano Luís Carlos Patraquim, “um escândalo debeleza”! Não posso estar mais de acordo. E, comotestemunha irredutível, assino a ambas as mãospor baixo.

ZZEETTHHOO GGOONNÇÇAALLVVEESS

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18 | DIÁLOGO INTERCULTURAL 28deMaioa10de Junho de2012 | CulturaDaltonTrevisanPrémioCamões2012

Dalton Trevisan, considerado pela crítica como o maior contista brasileirocontemporâneo, recebeu o Premio Camões de 2012 pela importância no géne-rodoconto.A publicação doseu livro "O Vampiroda Curitiba" (1965)valeu-lheoapelidode“VampirodaCuritiba”, porcausadoseu temperamentorecluso.DaltonTrevisannasceuemCuritiba, Paraná, nodia14de junhode1925.For-mou-seemDireitopelaFaculdadedeDireitodoParaná.Exerceuaadvocaciadu-rante sete anos. Liderou em Curitiba o grupo literário que publicava a revistaJoaquim, tornando-seportavozdeváriosescritores. Publicounarevistaos seusprimeiros livros de Ticção "Sonata ao Luar" (1945) e "Sete Anos de Pastor"(1946).Ao longo de muitos anos produziu textos sem publicá-los. A partir de 1954,publicava os seus contos em forma de folhetos, à moda da literatura de cordel,onde registrava o cotidiano notadamente situado na metrópole curitibana. Pu-blicou"GuiaHistóricodeCuritiba"e "CrónicasdaProvínciadeCuritiba".A sua carreira teve início depois de merecer destaque no I Concurso Nacio-nal de Contos do Paraná. Ganhou repercussão nacional a partir de 1959, coma publicação de "Novelas Nada Exemplares", que reuniu quase duas décadasde produção literária. Recebeu pela obra, o Premio Jabuti de Câmara Brasilei-ra do Livro.Dedicado exclusivamente ao conto, só teve um romance publicado "A Pola-quinha" (1985). Em 1996 foi galardioado com o Prémio de Literatura Ministé-rio da Cultura pelo conjunto de sua obra. Em 2003 dividiu com Bernardo deCarvalho o Iº Prémio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, com o livro"Pico na Veia".Publicou também"MortenaPraça" (1964), "CemitériodeElefantes" (1964),"A guerra Conjugal" (1969), "Crimes da Paixão" (1978), "Ah, É" (1994), "O Ma-níaco do Olho Verde" (2008), "Violetas e Pavões" (2009), "Desgracida" (2010),"OAnãoeaNifesta" (2011), entreoutras.DirceResnizekMendesFerreiraeRosanaGonçalves, nasuarecensão “DaltonTrevisan sob uma ótica realista/naturalista”, consideram que “Dalton Trevisan

éumdosautoresquemelhor retratamasociedadebrasileirapormeioda ironiae do sarcasmo, sempre demonstrando a falta de identidade e de coerência dasatitudes humanas. Ele sabe como mascarar suas histórias pela simplicidade,nunca se referindo diretamente à sociedade, mas com as histórias sempre per-tencendoaela. (…)Elenãodescreve temponemespaço, prendendo-seapenasàação.Numapri-meira leitura, suaobradáa impressãodeestardesvinculadade todaequalquercrítica social, porém,umestudomais apuradodemonstra justamenteocontrá-rio. Existe sim um vínculo com a história e com os problemas sociais, mas essacrítica sópodeserdesvendadaapartirdeuma leituramais crítica.

“Oquenãomecontam, euescutoatrásdasportas.Oquenãosei, adivinhoe, comsorte,vocêadivinhasempreoque, cedoou tarde, acabaacontecendo.” DaltonTrevisan

AoBernardoSassettiFoste tuou foiovento?DotopodessaravinaSentisteDeusOueras tu?DonodoDestinoPerdidonopassadoFartodopresenteAcabastecomofuturoOque foi amúsica?Os deuses não têmmorte,Osgénios não têmvida.Luanda,12deMaiode2012FranciscoRebello

Bernardo Sassetti,pianista e compositormorreua11demaiode2012, aos 41 anos deidade,vítimadeaciden-te,enquantotiravafotosjuntoaumafalésia.Ber-nardo Sassetti nasceu a24deJunhode1970,eracasado com a atriz Bea-trizBatarda,dequemti-nhaduasTilhas.umavozdeVerão inesquecívelNinguémesqueceessa vozdeVerão sensualedinâmicaqueteveiníciocom"LovetoLoveYouBaby."Amúsica,comvocaissussurra-dosegemidosorgásmicosdacantoraajudouadeTinira tendênciadodiscodemeadosdosanos70.DonnaSummer,quevendeuapro-ximadamente130milhõesdediscosemtodoomundoeganhoucin-coprémiosGrammyefezsucesso,principalmentenosanos70,commúsicas como "Last Dance," "Hot Stuff", "She Works Hard for theMoney"e"BadGirls",morreunamadrugadadopassadodia17deMaio,aos63anos.Donna Summer nasceu em Boston no dia 31 de dezembro de1948.OseunomeverdadeiroeraLaDonnaAdrianGaineseapren-deuacantarnaigrejanumcoralgospel."Esta manhã, perdemos Donna Summer Sudano, uma mulhercheiade talento, sendoomaiordelesasua fé",dissea famílianumcomunicado."Enquantolamentamosasuamorte,estamosempazcelebrandoasuaextraordináriavidaeoseulegadopermanente."

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Cultura | 28deMaioa10de Junho de2012 DIÁLOGO INTERCULTURAL |19Um intelectual comprometido com ÁfricaSobosubtítulo “UmPensadorLivreeCrítico”estápatentenaBibliotecaNacionaldePortugal, Lisboa,umaexposiçãoevocativadeAlfredoMargarido, ensaísta, poeta, Ziccionista, tradutor, artistaplásticoesociólogo,que faleceu, com82anos, a12deOutubrode2010, emLisboa.Trata-sedeumaexposiçãocomissariadapor IsabelCastroHenriques, comcoordenaçãodeFátimaLopeseManuelaRêgo, constituindoumdocumento importantequeapresentaaopúblicoemgeral eaosestudiosossobrea lusofoniaeas literaturasafricanasdeexpressãoportuguesaemespecialocontributocrí-ticodeumintelectual empenhadoedequalidade, comofoiAlfredoMargarido.Esta exposição em Lisboa descobre entretantooutra das suas ocupações e paixões: a pintura, noseu caso totalmentedominadapelos símbolos afri-canos, não só na cor mas especialmente no aspetoformal, oque fazdele incontestavelmenteumartis-taafricanoemtodooesplendordoconceito.EranaturaldeMoimenta,Vinhais (Portugal), e foiumdosmaiores estudiosos edivulgadoresdas lite-raturas africanasdeexpressãoportuguesa, passe a‘expressão’, dequenãogostava, alertandoparao las-troneo-colonialista patentenanomeação: «Não setrata de escrever em língua portuguesa, mas de semanter Ziel à expressãoportuguesa, oqueseria con-traditóriocomasubstâncianacionaldaescrita».Para alémdoque fez, cuja importância é de real-çar, comosepodededuzir a seguir, omais importan-te foi a sua posição anti-colonial em locais comoeramSãoToméePríncipe eAngola enumaaltura –década de 50 do século passado – emque era com-pletamente tabupôr emquestão apresençaportu-guesa nas colónias, posição que prosseguiu até aoZimda suavida, pois aindahábempouco tempopu-nhaemcausaopróprio termo ‘descolonização’, aZir-mandoque tal termo«quer simplesmentedizerqueforamosportugueses, os colonizadores, que liber-taramosdominados, descolonizando-os [...] Vistasassimas coisas, os portugueses aparecemcomoosúnicos actoresdoprocessopolítico: colonizadoresgraças àsmalhas que o Império tece, mas tambémdescolonizadores, quando se trata de destecer asmesmasmalhas».Efetivamente, como diz Anselmo Peres Alós, «Oestudoda lutapela independência, peloviésdos tex-tos literários, nasnações africanasde línguaportu-guesa, envolve profundas questões teóricas. Entreelas, o problema da diferenciação entre conceitoscomo colonização e colonialismo, e outras catego-riasdeanálisedestasderivadas. Costuma-se trazera lume, por exemplo, os problemas do processo dedescolonizaçãocultural, oque ressalta as cicatrizesprovocadaspelos grilhões do colonialismonasna-ções africanas. A perspetiva da descolonização, deacordo comAlfredoMargarido, aponta justamentepara tal ponto: tanto africanosquantoportuguesesnãoconseguiramaindasedesenvencilharda “gangacolonialista”: “a ‘descolonização’ quer simplesmen-te dizer que foram os portugueses, os colonizado-res, que libertaramosdominados, descolonizando-os.» Vistas assim as coisas, os portugueses apare-cemcomoosúnicos atoresdoprocessopolítico: co-lonizadores graças às malhas que o Império tece,mas tambémdescolonizadores, quando se tratadedestecerasmesmasmalhas, asseverava.AlfredoMargarido foi, antesdemais, umcidadãocoerenteeumintelectual comprometido, arrostan-do Zirmemente commuitas incompreensõesepres-sões. A sua defesa do artista surrealista CruzeiroSeixas, quandoestemontouumacélebreexposiçãonas ruínas deumpalacete do séc. XVII, na zonadosCoqueiros, emLuanda, quecausougrandeescânda-lo, nos idosde1954, valeu-lheaexpulsãodacolónia,

masnadaodemoveudosseuspropósitos.SegundodizPerfectoCuadrado, intelectual gale-goespecialista emsurrealismoportuguês, «Nahis-tóriadoSurrealismoportuguês,AlfredoMargaridoteve direta participação num dos seus episódiosmais interessantes emenos conhecidos, o da expe-riência surrealista emAngola, e sobreesseparticu-lardeixou-nospalavrasde recordação, dehistória ede crítica no seu artigo “Surrealismo in colonia”(Quaderni Portoghesi 3, 1978) onde, falando con-cretamentede “l’interventodei surrealisti edel sur-realismonellaLuandaenell’Angoladegli anni1954-1958 […] il cui fulcro fu la mostra de Artur do Cru-zeiro Seixasnel gennaio1957”, informa: “Il gruppoera formatodaArturManuel doCruzeiroSeixas, Jo-séManuel SoaresGuedes,Manuel Antónioda SilvaJúnior, Maria Manuela Margarido, dal sottoscritto[AlfredoMargarido]edeAcácioBarradas.»Aomesmo tempo, conformesalientaoProf. PiresLaranjeira, «AlfredoMargaridoéautordeumacríti-ca cáusticaànegritude,publicadaemlivropelaCasados Estudantes do Império, CEI, em 1964. Poucopropensoaaceitar, durantedécadas, umanegritudeafricanade línguaportuguesa com importânciade-cisivana fasede transiçãodessas literaturaspara atemática da luta de libertação nacional, AlfredoMargarido não terá sentido qualquer necessidadedeconhecerL'EtudiantNoir. Todavia, comomilitan-tedaCEI, alinhandopelo sectordos africanos revo-lucionários, independentistas, a que correspondeuuma atividade teórica sobre a literatura com basenosprincípiosdomaterialismodialético,Margaridopôde furtar-se aos muitos equívocos da discussãosobre a raça, porque tinha uma visão da literaturacomo atividade decorrente do processo de produ-çãomaterial edas relaçõessociais.»

A obraConsiderado como um dos grandes intelectuaisportuguesesda segundametadedoséculoXX, estu-dou na Escola Superior de Belas-Artes do Porto echegouaexporos seus trabalhosemPortugal antesde ir viver para África, no início dos anos 50, tendotrabalhado primeiro na produção agrícola em SãoToméePríncipe, transferindo-se a seguir paraAn-gola, onde foi responsável pelo Fundo das CasasEconómicas, corporação que pretendia resolver oproblemadehabitaçãodaclassemédiaascendente.Todavia, nos Zinaisde1957, emconsequênciadear-tigosquepublicavanoDiárioPopular, deLisboa, de-nunciando situaçõesdediscriminação racial, a queacrescentouadefesadeCruzeiroSeixas,MargaridorecebeudoGovernador-geraldeAngola,Horácio Jo-séVianaRebelo, umaordemdeexpulsãodo territó-rio, deixando, à pressa, o seu espólio literário nasmãosdo jornalistaAcácioBarradas, falecidoemNo-vembrode2008.Entreasváriaspublicaçõesemquecolaborousaliente-seBoletimdeCaboVerdeeBole-timdaGuiné, este últimoumacuriosa iniciativa doalmirante Sarmento Rodrigues quando ali estevecomoGovernador.Vem a propósito lembrar que Margarido, comoinformouLeonelCosme,nosúltimosanosdasuaes-tada em Angola, seguiu de perto o movimento daspulsações culturais quenaaltura fervilhavam, ten-do sido um frequentador denichos culturais comoeraaSociedadeCultural deAngola, comasua revis-ta “CULTURA”, de certomodoaantepassadadesta, edeuma"tertúlia"que funcionava, nomusseque, nu-macasadecorada "anarco-surrealisticamente" - nodizerdo jornalistaAcácioBarradas -, para cujo alu-guer contribuíra o empresário, de certo modo um

Alfredo Margarido

RROODDRRIIGGUUEESS VVAAZZ

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mecenasdasartes,ManoelVinhas, donodaCuca.Dogrupodinamizador faziamparteAlfredoMargarido,alémde Cruzeiro Seixas, ambos anunciadores, nu-maAngola esteticamente expectante, do surrealis-mona literatura enapintura (queMargarido conti-nuaapraticardiscretamente, àmargemdoseudis-cursocientí[ico, casandoapalavracoma imagem).Apartir de1964 instala-se emParis, onde se for-mouemCiências Sociais e foi investigadordaÉcoledes Hautes Études, ao mesmo tempo que lançava,com um grupo de exilados portugueses, a revistaCadernosdeCircunstância.Alémdosproblemasafricanos, dedicou-se espe-cialmente à sociologiada literatura, tendo-se igual-mente salientado comopoeta, cuja obra apresentaelementos surrealizantes, bem como [iccionista,qualidade emque foi umdos introdutores do nou-veauroman francêsemPortugal.Mas foi como ensaísta e crítico literário que de-senvolveu uma actividademais continuada, tendodeixadodispersopor váriaspublicaçõesumexten-so conjuntodeestudos, designadamente sobreFer-nandoPessoa, umdosautoresquemaiso interessa-ram.Aculturaportuguesadeve-lheainda traduçõesdeobras deNietzsche, Joyce, Faulkner, Steinbeck eKa[ka, entre muitos outros, incluindo Melville, dequemtraduziuogigantescoMobyDick.SegundoManuel Jorge, talvez sejaAlfredoMarga-rido, quenospermita re-situar aproblemática cul-tural angolana, na sua historicidade, quando dizque: «... a Angolanidadeé a substâncianacional an-golana». Porque, como realçou AgostinhoNeto, «aAngolanidadenãoseconstróipela rejeiçãodosubs-tratonegro-africano,nempeladiluiçãonumacultu-ra dominante e, ainda menos, pela aceitação da“pseudo-condição de mestiço cultural”, para reto-marumaexpressãodeMárioPintodeAndrade.É que, a noção de Angolanidade foi obscurecidacomo tempoe, parece, por vezes, imprecisa na suaformulação ou inexata no seu conteúdo, porque éuma noção evolutiva. Aqueles que procuraram es-clarecê-la, não tiveram em conta os fatores da suaevolução.»ALusofoniasegundoAlfredoMargaridoParaAlfredoMargarido, «…a lusofoniaéapenasoresultado da expansão portuguesa e da língua queestaoperação teria espalhadogenerosamentepelomundo fora.Ou seja, seriamenoso resultadodeum

projeto, doque a consequência inesperadadeumamaneira particular de circular pelo mundo. Nesseaspeto, aportugalidadeopõe-se certamenteà luso-fonia: a primeira é o resultado de uma oposiçãoconstante aos espanhóis (…) aopassoquea lusofo-nia seria a consequênciaquasepassivadaexpansãoedabanalizaçãoda língua.»No seu livro A Lusofonia e os Lusófonos: NovosMitosPortugueses, EdiçõesUniversitárias Lusófo-nas, Lisboa, 2000, Alfredo Margarido salienta que«Acriaçãoda lusofonia, quer se trateda língua, querdoespaço, nãopode separar-sedeumacerta cargamessiânica, queprocuraasseguraraosportuguesesinquietosumfuturo senãopromissor, emtodooca-so razões e desrazões para defender a lusofonia. Aindependênciadasnaçõesafricanasobrigouos teó-ricosda colonizaçãoportuguesaamodi[icardema-neira substancial o seuvocabulário. Tal comoseve-ri[icara já no caso francês, que já nos anos1962 co-meçouabanalizar anoçãode “francofonia "...o sen-tido actual...visamanter o espírito colonial, salien-tandoa importânciadocimento linguístico.Respei-tandoumvelhomovimentode submissão cultural,não puderam os portugueses furtar-se ao modelotradicional, tendocriado, após1974, a lusofonia.»Peloque«Hoje, uma fração substancial dos teóri-cos da “portugalidade”, fazem da língua o agentemaise[icazdaunidadedoshomensedos territóriosque forammarcadospelapresençaportuguesa.Nãotendohavidoumagrande re[lexãoanti-colonialistaantes das independências, registou-se a necessi-dade urgente de organizar uma ideologia explica-tiva: os portugueses foramobrigados a renunciarà dominação política e económica, mas procura-ramassegurar o controlo da língua. (…) se a línguanão for capaz de assegurar a perenidade da domi-nação colonial, os portugueses ficarão mais pe-quenos. A exacerbação da “lusofonia” assente nes-se estrume teórico…”Eaconcluir, éperentório: «Omeu intuitoeramui-to simples: quismostrar comonos recusamos, quercomocoletividade,quer como indivíduos, a analisardemaneira sistemática as técnicas utilizadas paratratarmososOutros.Odiscurso “lusófono” atual li-mita-se a procurar dissimular, mas não a eliminar,os traços brutais do passado. O que se procura defacto é recuperar pelomenos uma fração da antigahegemonia portuguesa, demaneira amanter odo-míniocolonial, embora tendorenunciadoàveemên-ciaouàviolênciadequalquerdiscursocolonial».

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Bibliogra ia: No Fundo deste Canal, Lisboa,1960; A Centopeia, Lisboa, 1963; As Portas Au-sentes:Romance, Lisboa, 1963;Poemas comRo-sas, s/l, 1953;PoemasparaumaBailarinaNegra,Porto, 1958;TeixeiradePascoaes, Lisboa, 1961;ONovoRomance (comArtur Portela Filho), Lis-boa, 1962; Negritude e Humanismo, Lisboa,1964; Jean-Paul Sartre, Lisboa, 1965; Marânus:uma Linguagem Poética quase Niilista, Lisboa,1976;AlgunsComentários emTornode JorgedeSena,Paris, 1978;LesAfro-américainset lesAfri-cains dans les Poésies de Langue Portugaise:XVIII-XIX, Paris, 1979;Estudos sobreLiteraturasdasNaçõesAfricanasdeExpressãoPortuguesa,Lisboa, 1980; Les Relations Culturelles du Côtédu Corps: la Nourriture et le Vêtement, Paris,1983;QuelquesProblèmesPoséspar la LectureduRomanNeo-Realiste, Paris, 1984;LaVisiondeL'Autre (Africain et Indien d'Amérique) dans laRenaissancePortugaise, Paris, 1984; LaDif[icileDigestionduNouveauRomanpar la critiquePor-tugaise, Paris, 1984;LesDif[icultésde la Structu-ration des Histoires des Littératures des PaysAfricains de LangueOf[icielle Portugaise, Paris,1985; 33+9LeiturasPlásticasdeFernandoPes-soa, Porto, 1988;ALusofoniaeosLusófonos:No-vos Mitos Portugueses, Edições UniversitáriasLusófonas, Lisboa,2000,

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DIÁLOGOINTERCULTURAL |21Cultura | 28deMaioa10de Junho de2012

Carmen Tindó, professora deLiteraturas Africanas daUniversidade Federal doRiode Janeiro (UFRJ), esteve re-

centemente emLuanda, ondeapresen-tou o novo romance de Manuel Rui,“Travessia por Imagem”, a convite daEditora Kilombelombe, e assistiu aolançamentodo Jornal Cultura. Já de re-gresso aoBrasil, ela respondeu aalgu-mas questões colocadas por este jor-nal, enviadaspor e-mail.

Jornal Cultura - O que nos podedizer do estado actual dos estudosuniversitáriosnoBrasil, emgeral, ena UFRJ, em particular, a respeitoda literatura dos países africanosde línguaportuguesa?Carmen Tindó - Há, na UFRJ e emmuitasoutrasuniversidadesbrasilei-ras, grande interessepelos estudos li-terários e históricos acerca do conti-nente africano, especialmente sobreAngola, Cabo Verde, Moçambique,Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.Creioquepor seremospaísesdeÁfri-ca que têm o português como uma desuas línguas. Lecciono há 19 anos asLiteraturasAfricanasnaUFRJeo inte-resseveio crescendoacadaano, tendoaumentado com a Lei 10.639, criadapeloPresidenteLula, queexigeaobri-gatoriedade do ensino das culturasafricanas e afro-brasileiras em todososníveisdeensinoeemtodoo territó-rio brasileiro. Quando implantei, naUFRJ, o SetordeLiteraturasAfricanasem1993, quasenenhumalunoouvirafalar dessas literaturas. Hoje, só naUFRJ, há mais de 30 teses e disserta-ções sobre as letras africanas, espe-cialmente sobre autores angolanos:Pepetela, LuandinoVieira, PaulaTava-res,Ondjaki,BoaventuraCardoso,Ma-nuel Rui, Uanhenga Xitu, Ruy DuartedeCarvalho, JoãoMelo, JoãoMaimona,Agualusa, Arnaldo Santos, entre ou-tros.Nasdemaisuniversidadesbrasi-leiras, há tambémdiversas tesesedis-sertações, cujosautoresangolanoses-tudados são, quase sempre, os mes-mosqueacabeidemencionar.JC -Queautorese livrosdeAngo-

la e dos países africanos de línguaportuguesa mais têm chamado aatençãodacomunidadeacadémicabrasileira?CT -Namaioria, os editadosnoBra-sil e emPortugal. Sãoosautores ango-lanos que referi na resposta anterior.Tambémsão autoresmoçambicanos,como Mia Couto, Paulina Chiziane,Craveirinha, entreoutros.Os livrosdeMiaCouto,Pepetela,Ondjaki eAgualu-sa sãomuitoprocurados. OsdaPauli-

naChiziane também.Alguns textos jásão clássicos: Luuanda, do LuandinoVieira; os contosde JofreRocha, falan-dodosmusseques; osdeArnaldoSan-tos, focalizando o Kinaxixi; “A mortedo velho Kipacaça”, de BoaventuraCardoso; Quemme dera ser onda, deManuel Rui; Mayombe, de Pepetela emuitasoutrasobras. PaulaTavares te-ve toda a sua poesia publicada, em2011, no Brasil. Antologias poéticastambémsaíram, reunindopoemasdeJosé Craveirinha, Rui KnopPli, LuísCarlosPatraquim.Asobras inteirasdeMia Couto e Pepetela estão sendopu-blicadasnoBrasil. Isso é importantís-simo, pois sãomais lidososescritoreseditadosnoBrasil, emvirtudedeos li-vrossaíremmaisbaratos.JC -Asobrasdeautoresafricanos

de línguaportuguesa,noBrasil, cir-culam apenas nos círculos univer-sitários, por exigência curricular,ou tendemaganhar tambémespa-çosnas livrariasena imprensa?CT - Em geral, a maioria dessasobras referidas só circula nos meiosuniversitários. Na imprensa e nas li-vrarias, costumamaparecer:MiaCou-to, Pepetela, PaulinaChiziane,Ondja-ki, Agualusa. Paula Tavares começa aser veiculada, depois de ter a obrapoética reunidanumaantologiapubli-cada no Brasil pela Editora Pallas. Omesmo ocorre com as antologias dospoetas moçambicanos Craveirinha,KnopPli ePatraquim, editadasemBeloHorizonte.JC - Nasobrasdeautoresangola-

nos, oquemais interessaaos leito-resbrasileiros?CT - A reinvenção de mitos, tradi-çõesea revisitaçãodahistóriaangola-na pela Picção; o papel da mulher an-golana nas sociedades tradicionais enamodernidade; ohumor comocríti-ca social. Obras como JaimeBunda, doPepetela; Filhosdapátria, de JoãoMe-

lo;Quemmedera seronda, doManuelRui, entreoutras, agradammuito, poisapresentam um riso que satiriza as-pectosda sociedadeangolana, algunsdosquais podemser associados ade-terminadas situações ocorridas emcontextossociaisbrasileiros.JC - Temuma ideia, nemque seja

aproximada,dequantas tesesde li-cenciatura (graduação) e doutora-mento, tendocomotemaaliteraturados países africanos de língua por-tuguesa, foramproduzidas,nosúlti-mosanos, nasuniversidadesbrasi-leirase,particularmente,na UFRJ?CT - Como respondi na primeirapergunta, na UFRJ, temos cerca de 30teses e dissertações. A UFF deve tertambémumas30; aUSPdeve termaisde 50; em todo o Brasil deve haver jáumas 200. No portal da CAPES, órgãobrasileiro de fomento e apoio à pes-quisa universitária, as teses e disser-tações de todo oBrasil são digitaliza-dasna íntegraparaseremconsultadaspelo público brasileiro e internacio-nal.Oendereçodessesiteé:http://ca-pes.gov.br/avaliacao/cadastro-de-discentes/teses-e-dissertacoesJC-Particularizando:oquealevou

adedicar-sepro9issionalmenteaoes-tudoeensinodaliteraturaangolana,emparticular,eafricana,emgeral?CT -Eusempregostei de literatura,mas leccionava línguaportuguesae li-teraturabrasileira.Quandosoubequea UFRJ abriria concurso para Profes-sor das Literaturas Africanas, resolviestudar e fazer as provas. Eu tinhamuitos livros, pois, quando fora a Cu-ba, comprara.Umacolega, casadacomumengenheiro português que traba-lhava emLuanda, semprequevoltavade Angola, me trazia variados livros;muitas obras eu tambémtinhaadqui-ridoquandoviajara aLisboa. AutorescomoLuandinoVieira,MiaCouto, Pe-petela, Manuel Rui, Paula Tavares e

BoaventuraCardosomemostraramasmúltiplas possibilidades de diálogoscoma literaturabrasileira.Decidi, en-tão, mergulhar no estudo dessasobras.Aqualidadedessasme fezoptarpor essas letras, cuja magia literáriameencantoueme fezabraçaroensinodas literaturas africanas de línguaportuguesa, naUFRJ, onde leccionohá19anos.JC -Consideraa literaturaangola-

na su9icientemente autónoma eadulta?CT - Embora a literatura angolanaseja ainda recente, considero-a autó-nomaeadulta, umavezque já sepodefalar emumsistema literário angola-no. Sistemanosentidoempregadope-lo crítico brasileiroAntónioCândido,quandoabordaa formaçãoda literatu-rabrasileira.Nas letras angolanas, de-preendem-semovimentos literários,cujas propostas dialogam, algumasvezes se opondo e se ultrapassando,demodoque fundam“gerações”, cujatrajectória delineia o corpo da litera-tura angolana, um corpo sistêmicoque lhedáumestatutodemaioridadee autonomia. Naminha opinião, nadaé suPiciente e dePinitivo. Assim, a lite-ratura angolanaestá aberta amudan-ças, transformações, como as demaisliteraturas. Gostomuito da produçãoliterária angolana. Pensoqueesta, aospoucos, se aPirmará, cadavezmais, noBrasil enomundo.JC - Na sua última estadia em

Luanda, o que mais lhe chamou aatenção?CT -O quemaisme chamou a aten-ção foiverumapreocupaçãocomacul-tura. Parabenizoa iniciativado lança-mentodo“JornalCultura”, quepreten-de retomar alguns aspectos da antigaRevistaCultura, daqual participaramLuandino Vieira e outros. As muitasobrasnacidadedeLuandapodemser,pormuitos, consideradascomoíconesda paz e da reconstrução nacional nasociedadeangolana.Contudo,odesen-volvimento de Angola, ameu ver, temdepriorizar a cultura, as letras, a edu-cação, a saúdeeo transporte. Por isso,ao estar presente ao lançamento do

“Jornal Cultura” e ao ouvir as propos-tasdeste, Piqueimuitobemimpressio-nada, acreditandoqueseráumveículoimportantededesenvolvimentocultu-ral emAngola.Tambémmedespertoua atenção a alegria do povo comemo-rando dez anos de paz; Picou patenteque nenhum angolano deseja maisguerras.Outroaspectoquemesensibi-lizou foi ver a quantidade de amigosque,nestes19anosdeestudodas lite-raturasafricanas, PizemAngola.Carmen Lúcia Tindó R. SeccoédoutoradaemLetraspelaUniversidadeFe-

deral doRiode Janeiro e foi responsável pela im-plantação da disciplina de Literaturas Africa-nas no Departamento de Letras Clássicas damesmauniversidade.

ProfessoraCarmenTindóIISSAAQQUUIIEELL CCOORRII

DOMINGOS CADÊNCIA

Encantada pela magia das letras africanas

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Fusão das expressões culturais:Xingombela, Magikha, Moda xikavalo,Xissaizani, Xiparatwani. Mais tardeincluídos movimentos eróticos como:Dzukutta, Xitlhakula, Guinha e Tsova.Finalmente a ciência tenta chegar aosfactos que podem dismistiJicar o míti-co género musical donominado Mar-rabenta. Há dias, o Instituto de Inves-tigação Sócio-Cultural (ARPAC) levoua cabo um workshop intitulado “Mar-rabenta: origem e evolução”, numa ac-ção que envolveu estudiosos de diver-sas áreas, investigadores culturais,artistas e amantes deste estilo musi-cal, para dar a conhecer uma investi-gação sobre este rítmo acompanhadoduma dança ao seu estilo característi-co. Entretanto, a questão sobre queminventou a marrabenta, constituiu oforte dos debates, girando-se em tor-no de dois principais actores: DilonNdjindji e Fany Mpfumo.Debater Marrabenta, foi o desaJioque o Instituto de Investigação Sócio-Cultural (ARPAC) propós aos artistas,estudiosos e o público em geral, paraparticiparem activamente numa in-vestigação sobre a origem e evoluçãodeste género musical, que até então,mesmo constituindo importante pa-trimónio cultural e até consideradoidentidade moçambicana, no entantonão existem livros abordando especi-Jicamente sobre a mesma.“Este seminário acontece pelo factode em volta da marrabenta, existirem

várias discussões nas quais sedebatepor exemplo, as suas origens, todavia,não está claramente esclarecido oprocesso de sua origem, e os reaispercursores, pelo que, durante as dis-cussões pudemos perceber a confu-são existente sobre a matéria”.“Já se começam a desenhar ideiasque mostram que, mais do que nospreocuparmos com a origem, deve-mos nos preocupar com a sua evolu-ção e disseminação, tanto dentro co-mo fora do país. Isso é interessante,mas do ponto de vista epistemológi-co, não vamos deixar de nos preocu-par com as origens. Mais do que isso, épreciso vender a imagem desta mani-festação cultural a todos níveis”, expli-cou Fernando Dava, director-geral doARPAC.Aquele dirigente, reconhece haverpreocupações que se prendem com oconhecimento da natureza artística-cultural da marrabenta, tanto é que,também há indicações de a marra-benta estar associada à promoção dosnossos valores entanto que, associa-dos à consciência patriótica, o que au-menta a necessidade desta informa-ção ser cientiJicamente elaborada pa-ra que seja preservada e divulgada deforma que as dúvidas em volta disso,sejam no mínimo reduzidas.Com isto, a instituição espera har-monizar em larga medida, o leque deconhecimentos existentes em tornoda marrabenta, mas o interesse ime-diato existente, é de criar campos deinvestigação, principalmente sobrea origem e evolução da marrabenta,

as propriedades estéticas e a relaçãoentre a marrabenta e outros estilosmusicais.“A nossa preocupação como insti-tuição ligada ao Ministério da Cultura,é criar facilidades para que os estudostenham lugar, e que as publicaçõesaconteçam, por isso que, qualquer in-dividuo que tenha estudos sobre amarrabenta ou qualquer manifesta-ção sócio-cultural, e que queira publi-car, o ARPAC está aberto para analisare fazer a publicação. É este o caminhoque nós consideramos de certa ma-neira o mais rápido para que as váriasmanifestações sócio-culturais mo-çambicanas sejam divulgadas”, disse.Para Dava, o estudo sobre a marra-benta, estará pronto até ao próximoano. Por outro lado, o ARPAC está em-penhado na divulgação de informa-ções existentes sobre o assunto, comoé o caso da vida e obra de António Ma-riva ou simplesmente Fany Mpfumo,sendo que o que falta é uma publica-ção acabada sobre a marrabenta noseu todo.Dava garante que dentro de 12 me-ses, será publicada uma obra sobre to-dos os processos que explicam a mar-rabenta, e na mesma altura, será orga-nizado um seminário mais abrangen-te para a divulgação dos resultados dainvestigação.Nesta investigação, o ARPAC pre-tende envolver historiadores, etno-musicólogos, artistas conceituadosdeste estilo musical, e outras fontesque tenham instrumentos que falemda Marrabenta, sendo que, o estudo

completo poderá Jicar pronto nospróximos 12 meses.AorigemeevoluçãodamarrabentaDe acordo com o investigador JoãoVilanculos, acredita-se que, a marra-benta esteja ligada à migração de jo-vens oriundos das zonas rurais dopaís para a então cidade de LourençoMarques, isso nas primeiras décadasdo Século XX.Constituiram factores determina-tes, o início da industrialização pararesponder ao crescimento da presen-ça de colonos, o Jluxo de mão-de-obralocal e fracos investimentos na urba-nização, que contribuíram muito naediJicação de subúrbios pobres.Perante às adversidades encontra-das, as pessoas tiveram que se adap-tar às condições sociais existentes ecriando formas dinâmicas de sobrevi-vência. E sendo assim, Vilanculos ser-ve-se da explicação do pensador La-raia (1996), sustentando que “o Ho-mem é o único ser possuidor da cultu-ra”, o que lhe facilita adaptar-se aomeio e estabelecer relações sociaiscom o outro.Ainda justiJicando este Jio de pen-samento, entende-se que na antigaLourenço Marques, foram estabeleci-das fronteiras simbólicas entre cate-gorias artiJicialmente construídas pa-ra marcar a diferença nos processosde exclusão social.Segundo João Vilanculos, este as-pecto encontra expressão nos novos

EDUARDO QUIVE

Marrabenta um misterioso património cultural de Moçambique

28deMaioa10de Junho de2012 |Cultura

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DIÁLOGOINTERCULTURAL |23Cultura | 28de Maioa10de Junho de2012bairros surgidos, com aglomeradospopulacionais sintentizando um pou-co, toda a diversidade etnolínguísticado país, como os casos dos bairros deMafalala, Chamanculo, Chinhambani-ne, Maxaquene entre outros, que co-mo centros de recepção, neles se de-senvolveu a marrabenta.Quanto à origem do nome, o inves-tigador serviu-se por um lado, pelabase sustentada pelo jornalista e es-critor, Samuel Matusse, cuja referên-cia indica que o nome marrabenta,surge provavelmente da ideia de vi-gor (rebentar) que a dança insere.Por outro lado, o académico Rui La-ranjeira citando Dilon Djindji e Moi-sés Manjate, refere que o nome mar-rabenta tem a ver com dançar até ar-rebentar, acrescentando que nas mú-sicas gravadas na década quarenta,pode-se ouvir expressões como “re-benta Nio, fulan”.Vilanculos cita ainda o músico JoãoDomingos, numa outra versão que re-fere o nome marrabenta, como o queprovém de rebentar de cordas da vio-la, que ocorria frequentemente dadoo vigor com que se executava o estilo.Enquanto que o escritor José Cra-veirinha defendeu em 1969 que, o ter-mo rebentar, sofreu a preNixação tson-

ga “ma”, para “marrabenta”, cuja dan-ça caracteriza-se por uma vivacidadee forma erótica.Sobre a origem do nome, o investi-gador conclui que, “o aspecto comumdeste conceito é arrebentar, em alu-são ao vigor da dança, que passou adesignar este género musical”.Relação entremarrabenta e ou-

trasexpressõesculturaisFalar da marrabenta no seu todo équase que impossível, sem citar ou-tras manifestações culturais, aliás,este constitui ponto de divergênciana opinião pública, suscitando umoutro debate, se a marrabenta é mú-sica ou dança.João Vilanculos recorreu às ideiasde Craveirinha nos artigos, “o folcloremoçambicano e suas tendências” en-tre 1967 e 1999 que refere a marra-benta como resultado da regeneraçãodas várias tradições culturais do Sulde Moçambique, e diz ainda que vá-rios ritmos desta zona quase pos-suem o mesmo compasso.“É neste contexto que se julga que amarrabenta tenha surgido, da fusãode diversas expressões culturais, taiscomo Xingombela, Majhika, Moda xi-

kavalo, Xissaizani, Xiparatwani, in-cluindo outras manifestações artísti-cos culturais”.“Com efeito, a marrabenta incluipara além das danças, movimentoseróticos como dzukuta, xitlhakulaguinha e mais tarde a tsova”, conclui.Aliado a isso a fonte refere que, naszonasrurais, ocantareobaterdaspal-masnosrituaisdasprimícias,nasceri-mónias de lobolo, nas cerimónias denascimento, convívios familiares e dejovens, está subjacenteocompassoeorítmoquecaracterizaamarrabenta.Marrabenta como símbolo da

identidadenacionalMarílio Wane, que de formação éetnomusicólogo, refereu-se dentrevários aspectos que dismistiNicam es-te estilo musical, do facto desta ter si-do uma forma de resistência ao colo-nialismo português e como um sím-bolo de identidade dos moçambica-nos, particularmente, referindo-se oque se passou a chamar Moçambique,como “país da marrabenta”.Deste modo, Marílio Wane, enten-de, de acordo com as suas investiga-ções, que a marrabenta teve maior ên-fase a partir da exclusão social, uma

vez ter havido separação de espaçosde sociabilidade entre brancos e ne-gros, denominados “indígenas” pelapolítica de “assimilação” implemen-tada pelo colonialismo português, naregulamentação do lazer entre per-missões e restrições.Nesse processo, podem destacar-se os movimentos como a AssociaçãoAfricana, Centro Associativo dos Ne-gros e o Brado Africano.Por outro lado, o lazer e consciên-cia patriótica através do desporto,bailes e cinema, este último, muitodifundido através de projecções mó-veis e por outro lado, o papel impor-tante na difusão da música marra-benta à escala nacional, pela RádioMoçambique.A marrabenta como uma expressãocultural de um povo é produto da so-ciedade, da vivência e da convivênciaentre vários grupos étnicos moçambi-canos com inNluências de fora.O Etnomusicólogo, Luka Mukavel,contrariamente à opinião pública so-bre o assunto, é cauteloso ao indicar oprecursor da marrabenta, mas não seisenta.“Tenho ouvido várias vezes que setoma Fany Mpfumo como referência,enNim, tinha que se pegar em um e setornar referência, se calhar haveriaoutros. Mas também concordo com is-so, até porque foi tornado doutor ho-noris causa, isso já é um símbolo”.Por outro lado, justiNicou que ou-tros nomes sonantes deste estilo mu-sical, como Dilon Djindji, não deixamde ser importantes e estão marcadosna história da marrabenta, pois “nãohá nenhuma casa que se construacom um pilar”, aNirmou.Quem ainda opina sobre este as-sunto, é o jovem artista Moreira Chon-guiça, saxofonista, quase que únicoartista jovem que marcou presençano workshop organizado pela ARPAC,para além da presença de um, dos in-tegrantes do Kapa Dech.Chonguiça disse ser preocupante ofuturo da marrabenta, pois se até ho-je, os debates predem-se nos inven-tores deste estilo musical que seaprova existir desde os anos 1930, “oque será daqui a mais vinte anos? Se-rá que sempre que falarmos da mar-rabenta vamos ter sempre que pararnos que inventaram? É isto que mepreocupa, é não avançamos. Paramim o futuro deste estilo musical éque me importa”.Moreira Chonguiça faz uma análi-se comparativa doutros ritmos afri-canos que tem nome em todo mun-do, “se formos a olhar para o kwaito,que é uma variação de ritmos tradi-cionais sul-africanos, é conhecidoem todo o mundo. Mas e nós? Esta-mos preocupados em voltar paratrás e nunca achamos uma resposta,por isso não exportamos. A músicanão pode ser uma coisa parada, massim deve ser dinâmica, sem deixar-mos de firmar a nossa identidade,mas temos que acompanhar a evolu-ção e as novas exigências mundiais”,afirma.

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24 |DIÁLOGOINTERCULTURAL 28de Maioa10de Junho de2012 | CulturaTchalé Figueira a arte da circum-navegação

NUNOREBOCHOTchalé Figueira – nome de referência da cultura cabo-verdiana – é pintor,poeta, escritor. Nasceu em S. Vicente em 1953, atualmente vive em Mindelo,mas é comum encontrá-lo por outras paragens, porque a sua arte apresenta-se,em exposições várias, nos grandes areópagos do mundo, como Lisboa, Dakar,Pontedere, Basileia, Praia, Nantes, Boston, Aveiro, Luanda, Matosinhos – enQim,onde a sua arte de pintar se apresenta. De uma família de artistas plásticos – oseu irmão, Manuel Figueira, é um dos grandes pintores da escola do Mindelo, talcomo sua mulher, Luísa Queirós. Com uma vida aventureira, Tchalé foi mari-nheiro e cozinheiro de bordo, tendo frequentado os melhores ateliers da Euro-pa, como a Kunst schulle, em Basileia. Prémio da Fondation Jean Paul Blachere2008, na Bienal de Dakar (Senegal), Tchalé publicou “Todos os Naufrágios doMundo”, “Onde os Sentimentos se encontram”, “O Azul e a Luz”, “Poemas deamor”, “Solitário”, “Ptolomeu e a sua Viagem de Circum Navegação”, “Contos Ba-sileia”e “AViagem”.- Há na pintura de Tchalé resquícios (ou inQluências) do modo de pintar deseu irmão, que foi brilhante da Escola de Belas Artes em Lisboa? São famosas as“discussões”entreosdos irmãos–atéquepontoelas se reQlectemnasuaarte?TF - …Oquepossodizeréqueele foiquemespoletouaminhapaixão pelapin-tura. Mas não me sinto em termos técnicos inQluenciado por ele. Aliás, somos deduasescolasdiferentes.-Comoéquesedeuasuaaproximaçãoàpinturacontemporâneaeuropeia?TF - Foi quando deixei o mar e emigrei para Suíça em 73 e fui estudar na KunstGewerbeSchulle.- Porquê, partindo do princípio de que estas opções são conscientes, a suaatracção pelo neo-expessionismo e a sua, caminhada posterior rumo ao mini-malismoou, sequiser, rumoao infantilismo?TF - Picasso disse: “Eu não busco, encontro”- A minha pintura é uma mitolo-giapessoal emconstantemutação- Se tivesse que fazer hoje uma perspectiva da pintura cabo-verdiana, como adeQiniria?Que lugarpodeocuparnelaaartedeTchaléFigueira?TF - No seu lugar próprio, não me interessa deQinir posições. A Arte como po-der criativo, tudo vem do interior desconhecido. A retórica é neste caso, paramim, supérQlua- Que pintura é esta, em Cabo Verde, sem galerias, com diQiculdade muita paraadquirirmateriais, semescolas?É justo falardeum“milagre”?TF - Milagre está na criatividade do Artista. No que diz respeito a escolas e ga-lerias, depois de 36 anos de independência, é o vazio total. Em Mindelo já existeuma escola superior de Belas Artes, a MEIA, que há bem pouco tempo nasceu.Auguro tudodomelhoraestaescola.PoemadeTchaléFigueira

Estaéacidadequecheiraamar,Suas iluminadascasasFirmesnotempo,Lojasantigasdeodorbaunilha,OlfactoémemórianaMinhaorigem,MiríadedepeixesArgentinasescamas,Seumercadodepeixe,dasalvacórias

Contosecoitos,Luadepratados trovadores,QuaternáriocompassoMornodasmornas,BarbeariaseespelhosTesourasdoiradas,Chovemcabelosdeoutrosmundos,Floresquebrotamamestiçagem

Violinosemtranse falamComDeus, cidadedepássaros,Asasabertas, luzdemulher,Curvasemontanhas,melaçodecana,Sorrisodecrianças,asseisdatarde,Minhacidade,dedorebeijos,Casasde lata,paláciosemortos,Velhacidade,abeira-mar.

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DIÁLOGO INTERCULTURAL |25Cultura | 28de Maioa10de Junho de2012

A música contemporânea tuaregueINTAGRIST EL ANSARITassili, onovoálbumdabandaTinariwen, foilançadoa28deAgostode2011.Esteálbum,ex-clusivamente acústico, foi gravado em Tassilin'Ajjer, uma zona montanhosa maciça situadanosudestedaArgélia. A tendência, desdea rea-lização sonora ao local escolhidopara a grava-ção,pretendeser (supostamente) "umregressoàs origens" para esta banda, Kigura de proa dachamada“músicacontemporânea tuaregue”.Ora, seráque “retornoàsorigens”nãoquere-rá, naverdade, dizerum“descolamento”destasmesmasorigens?Aquestãoépertinentenoca-soda “música contemporânea tuaregue”, espe-cialmentedepoisda sua criação, dasmudançasque sofreu e das relações que mantém com omundo,ouseja, alémda imensidãodesérticadoSaara.Epara responderaestaquestãoénecessáriorecuarmos na história, na esteira do percursodosTinariwen, Kiguraemblemáticadestemovi-mentoeclético. Vamosentãono trilhodos cria-doresda"músicacontemporânea tuaregue".Contexto e nascimentoO grupo Tinariwen é uma banda compostainicialmenteporvários artistas tuaregues (FeuIntayaden, IbrahimAgAlhabib,Al-HassanTou-hami, Abdallah Ag Al-Housseïni, MohamedAg

Itlal, KedhouAgOssad e outros). O grupo inte-gra mais de uma dezena de membros perma-nentes e participantes pontuais. Tinariwen é,para os tuaregues nativos, o emblema de ummovimentomusical, revolucionário, artístico epoético, deumgéneronovo. Esta corrente sur-giuno iníciodosanos80,nas fronteiras comunsa quatro países: oMali, oNíger, a Argélia e a Lí-bia.Estamúsica contemporânea tuaregueé tam-bém habitualmente designada pelo chamadomovimento Teshumara, que signiKica literal-mente “caminhada”, em línguaTamasheq. Tra-ta-se de uma corrente musical que conta hojecom cerca de uma centena de artistas e de for-maçõesmusicais.As circunstânciasdoaparecimentodoTeshu-mara correspondem aos anos 70 e 80, anos degrandes secasnograndedeserto, especialmen-tenaszonasnórdicasdoMali edoNíger.As con-sequências (crise alimentar e política) destasperturbações ecológicas Kizeram com que umgrandenúmerode jovens tuareguespartissememexílio paraospaíses vizinhos, comoaArgé-lia e a Líbia. Estes jovens partiam em grupo àprocuradeaventura, glóriae fortuna.Viver uma vida de “exilados”Odesenraizamento, o sentimentode terdei-xado os seus para trás e de ter deixado o seu

paísna indiferençadospoderespolíticosdeen-tãosãoosprincipais elementosque forjaramascaracterísticas, osobjectivospoéticoseas iden-tidadesartísticasdomovimentoTeshumara.Dãoassimorigemaumamúsica cuja compo-sição rítmica parece extremamente simples ecuja força se deve sobretudo ao poder de umapoesia cheiadenostalgiaedeumsentimentodedevaneio que emana, por vezes, do repertóriotuaregueclássico.Foi assim que se formou umprimeiro grupoem tornodos actuaismembrosdabandaTina-riwen.Naquelaaltura, estegrupoeraconhecidoporTaghreft InTinariwen (a ediKicaçãodosde-sertos).O primeiro concerto teve lugar emAr-gel, em 1982. Seguiram-se depois outros con-certos e a rápida popularização damúsica dosTinariwen em cidades como Tamanrasset, nograndesul argelino.Ogrupo foi aumentandoao longodo tempoecomosencontros, enquantoeste estilomusicalconquistava cadavezmaisoespíritodos jovenstuaregues, exilados ou autóctones do grandesul argelino e sudeste líbio. Formaram-se ou-trosgrupos.Assistia-seassimaoaparecimento,noSara, deum“movimento cultural e artístico”dedimensões importantes. Estanovavaganãoencontra a origem do seu aparecimento e dasuaexistência, intrinsecamente (comoaKirmamerradamente “os etnólogos, antropólogos,mu-sicólogos, críticos…”), no “desejo de rebelião”,

O ecodoSara tocouomundo

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26 |DIÁLOGO INTERCULTURAL 28de Maioa10de Junho de2012 | Culturapara retomar a sua expressão, em-bora a rebelião emergente (maisdedezanosdepoisda formaçãodoprimeirogrupo) tenhabeneKiciadodeste fenómeno de expressão ar-tística e cultural. Creio que estemovimento emana sobretudo dossentimentos –deexílio, de aventu-ra, de desenraizamento – e de en-controseconfrontos, especialmen-te (e emgrande parte) com “músi-cas clássicas e populares do Ma-grebedoMédioOriente” e, emme-norgrau, comas “músicasdomun-do”. A conjugaçãodestes aconteci-mentos permitiu a eclosão destaexpressão pessoal e artística danossaépocaaquechamamos “mú-sica contemporânea tuaregue”. Oaparecimentodeste tipodemúsicaé,maisumavez,muito anterior, in-dependente e “exterior” à revoltatuaregue dos anos 90, que viria aservir-sedesta correnteartística jáemmarchapara fazer passar a suamensagem.

Sequênciados acontecimentosNo iníciodosanos90,dá-seaRe-volta, a dita “Rebelião Tuaregue”,na sequênciadeumtumultopopu-larepolíticogeralnoMali.Umacri-sepolítica eas rebeliõespopularesde grandes dimensões e sem pre-cedenteperturbamopaísdenorteasul.Cinquenta e um anos depois daindependência doMali, estes dife-rentes tumultos fazempartedasuahistória. Embora tenham sido do-lorosos, trouxeram, a meu ver,transformações importantes a ní-

vel político, económico e social aestepaís.Umabreve resenhadestes acon-tecimentos: de início, no GrandeNorte, nas regiões de Tombouc-tou, Gao eKidal, os rebeldes tuare-gues reclamamaoEstadomalianoum reconhecimento das especifi-cidades da cultura e da identida-de tuaregue, uma melhor distri-buição da riqueza e uma políticade desenvolvimento do norte ári-do, deserto e isolado do resto dopaís num vasto território demaisde 1 240 000 km2.

Quanto ao sul do país, é na ca-pital do Mali, Bamako, que a re-volta dos estudantes ganhamaisexpressão.Se, a sul, esta revolta éduramen-te reprimida de forma sangrentapeloantigo regimepolítico, os con-frontos no norte do país entre oexército doMali e os rebeldes tua-regues fazem mortos entre as po-pulaçõescivis, e levamaoexíliodossobreviventesnospaísesvizinhos:Mauritânia,Argélia eBurkinaFaso.Foi assimque se instalaram cam-posderefugiados tuareguesnestes

países fronteiriços.Estas revoluçõesoriginaram,umpouco mais tarde, o estabeleci-mento dademocracianoMali, aor-ganizaçãodeeleiçõespluripartidá-rias (é omultipartidarismo emer-gentenoMali) e aassinaturadeumpactonacional depazentreoexér-citoeaRebeliãodoNorte, acompa-nhadodeumplanodedesenvolvi-mento das regiões saarianas doMali.Quanto à música do Sara, do"movimento Teshumara " que to-dosapelidavamnaalturade "aGui-tarra " (e, ainda hoje, nos meiostuaregues), ela era, na altura, uni-camente acústica e veiculava amensagemdanova revoltadonor-tedoMali. As Kitas-cassete circula-vam tão depressa como as infor-mações circulam na Internet dosnossosdias.É a partir daqui que os Tinari-wen passam a basear o essencialdas respectivas composiçõesnumamensagem de resistência e de en-corajamento que se destinava aosjovens, incentivando-osa juntar-seàs frentes emguerra contraoexér-cito do Mali. A música dos Tinari-wen e de outros grupos domesmogénero tornou-se a porta-voz darebelião tuaregue.O movimento Teshumara tinhaentão encontrado nesta revolta osentido de um compromisso queinspirava mais o seu repertórioque já tinha estado, no início dosanos90, empleno Klorescimento.Inseridasnumamúsicade ritmonostálgico e cativante, as palavrastinham uma poesia poderosa queseduzia facilmente as raparigas.Estas, por sua vez, desaKiavam osrapazes.Querendoprovarabravu-ra aos olhos das suas belas, e paracair nas graças delas, os rapazes

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DIÁLOGOINTERCULTURAL |27Cultura | 28de Maioa10de Junho de2012respondiam ao apelo dos Movi-mentos de libertação do Azawad” ealistavam-senas Pileiras.PerspectivaseevoluçãoNóséramos jovensA nossa juventude foi passadanos campos de refugiados de "KelTamasheq" (Tuaregues) que se for-maram na Mauritânia, na Argélia eno Burkina Faso, na sequência dosconfrontos entre os rebeldes e asforças armadas malianas no nortedo Mali. Adolescentes, crescemosmoldados pelo espírito desta mú-sica carregada de sentimentalida-de, esperança e nostalgia. A belezados poemas cantados fazia reviverem nós a esperança de voltar umdia, pelo melhor, ao espaço desérti-co da nossa infância. Existia em nósa esperança muito viva de recupe-rar a nossa vida anterior. Vivíamoscom esta sensação que transpare-cia sempre nas canções dos gru-pos: como um sonho e como a pro-curadeumparaísoperdido.Despendíamos muita energia aorganizar soirées musicais noscampos, dedicadas especialmentea esta música, a maior parte das ve-zes por meio de postos de rádio-

cassetes. De vez em quando, vi-nhamgruposdarconcertos.Ainda hoje, guardamos uma cer-ta nostalgia da autenticidade da-quelasprimeirasmúsicas.Em 1992, o regresso da paz aoMali seria garantido pela assinatu-ra de um pacto nacional entre o go-verno maliano e os Rebeldes. Em1995, iniciava-se o regresso dos re-fugiados que se tinham instaladonospaísesvizinhosdoMali.Adivinhava-se uma nova carrei-ra para os Tinariwen: a geração in-termediária de artistas já tinhanascido na esteira dos aconteci-mentos, por vezes nos campos derefugiados ou nos países vizinhos,como aconteceu com Mohamed Is-sa Ag Omar, que nasceu na Mauri-tânia.É em 1992, com "Ténéré", que osTinariwen gravam pela primeiravez em estúdio, em Abidjan. Deze-nas de cassetes terão circulado noSaara antes do aparecimento destaprimeira gravação em estúdio.Uma segunda cassete foi depoisgravada emBamako, em1993.Nestas duas gravações, havia jáuma nova tendência nas sonorida-des. Na realidade, a guitarra eléc-trica, o sintetizador e a máquina

absorviam grande parte da acústi-ca, e a música parecia, ao ouvido,muito menos autêntica: começavaa distanciar-se das suas origens, ouseja, da sonoridade acústica sim-ples que acompanhava um cantopoético poderoso, que vos trans-porta para um qualquer lugar lon-gínquo, inPinitoeprofundo.Seria necessário esperar por2001 e pelo lançamento do álbumRadio Tisdas Sessions, produzidopor Justin Adam, para descobrir osTinariwen. Retomando certas pas-sagens antigas, o álbum aventura-se agora na rota dos blues e dorock. É um álbum muito inPluencia-do pela direcção artística de JustinAdam, guitarrista dos anos 70 eque toca um tipo de música punkcom inPluências diversas, como oblues africano, o reggae, JamesBrown,RobertPlant…É com o álbum Amassakoul, lan-çado em 2004, que os Tinariwendão a conhecer ao mundo a músicacontemporânea tuaregue. O lança-mento deste álbum teve um suces-so enorme, com grandes tournéesna Europa, nos Estados Unidos, noCanadá,naÁsia…Os dois álbuns seguintes (AmanIman, em 2007, e Imidiwan: Com-

panions, em 2009), que conPirmamo sucesso internacional do grupo,já não representam os Tinariwen.O novo álbum Tassili, lançado nofinal de Agosto, representa umregresso às origens mas, no en-tanto, continua “produzido”comum processo mais industrial, me-nos artesanal, menos “roots”,contrariamente ao que deixariasupor o espírito com que o álbumfoi fabricado.Tassili é uma peça de excepção,inscrevendo a banda entre os gran-des nomes das músicas do mundo.Embora se fale, cá e lá, (erronea-mente) de blues e de rock tuare-gue, basta olhar para o itinerário, aformação, as inPluências, a cons-trução, a evolução e, sobretudo, pa-ra o que dizem os próprios artistaspara admitir que é despropositadofalar intrinsecamente de blues oude rock tuaregue. A imprensa e acrítica internacional insistem ecriam o mito: “os homens azuis dodeserto que renunciam à Kalachni-kov em favor da guitarra eléctrica”.Os clichés genéricos dos “senho-res, Homens azuis do deserto ” sãoa prova da ignorância do Ocidenteem relação ao Saara, às respectivasculturas e à respectiva história. E

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28|DIÁLOGO INTERCULTURAL | 28de Maioa10de Junho de2012 |CulturaINTAGRIST EL ANSARITassili, o novo álbum da bandaTinariwen, foi lançado a 28 deAgostode2011.Este álbum, exclu-sivamenteacústico, foi gravadoemTassili n'Ajjer, uma zona monta-nhosa maciça situada no sudesteda Argélia. A tendência, desde arealização sonora ao local escolhi-do para a gravação, pretende ser(supostamente) "um regresso àsorigens"paraestabanda, Liguradeproada chamada “música contem-porânea tuaregue”.Ora, será que “retorno às ori-gens” nãoquererá, na verdade, di-zer um “descolamento” destasmesmas origens?Aquestão éper-tinente no caso da “música con-temporânea tuaregue”, especial-mente depois da sua criação, dasmudanças que sofreu e das rela-çõesquemantémcomomundo, ouseja, além da imensidão desérticadoSaara.Epara responder a esta questãoé necessário recuarmos na histó-ria, na esteira do percurso dos Ti-nariwen, Liguraemblemáticadestemovimento eclético. Vamos entãono trilhodos criadoresda "músicacontemporânea tuaregue".Contexto e nascimentoOgrupoTinariwenéumabandacomposta inicialmente por váriosartistas tuaregues (Feu Intayaden,Ibrahim Ag Alhabib, Al-HassanTouhami, AbdallahAgAl-Housseï-ni, Mohamed Ag Itlal, Kedhou AgOssad e outros). O grupo integramais de uma dezena de membrospermanentes eparticipantespon-tuais. Tinariwen é, para os tuare-gues nativos, o emblema de ummovimentomusical, revolucioná-rio, artísticoepoético, deumgéne-ro novo. Esta corrente surgiu no

início dos anos 80, nas fronteirascomuns a quatro países: o Mali, oNíger, aArgéliaeaLíbia.Esta música contemporâneatuaregueé tambémhabitualmentedesignada pelo chamado movi-mentoTeshumara, que signiLica li-teralmente “caminhada”, em línguaTamasheq. Trata-se de uma cor-rente musical que conta hoje comcercadeumacentenade artistas ede formaçõesmusicais.As circunstâncias do apareci-mento do Teshumara correspon-dem aos anos 70 e 80, anos degrandes secas no grande deserto,especialmentenas zonasnórdicasdo Mali e do Níger. As consequên-cias (crise alimentar e política)destasperturbações ecológicas Li-

zeramcomqueumgrandenúmerode jovens tuareguespartissememexílio para os países vizinhos, co-moaArgélia e aLíbia. Estes jovenspartiam em grupo à procura deaventura, glóriae fortuna.Viver uma vida de “exilados”Odesenraizamento, o sentimen-tode terdeixadoosseuspara trásede terdeixadoo seupaís na indife-rençadospoderes políticos de en-tão são os principais elementosque forjaramas características, osobjectivos poéticos e as identida-des artísticas do movimento Tes-humara.Dão assimorigemaumamúsicacuja composiçãorítmicapareceex-

tremamente simplesecuja força sedeve sobretudo ao poder de umapoesia cheia de nostalgia e de umsentimento de devaneio que ema-na, por vezes, do repertório tuare-gueclássico.Foi assimque se formouumpri-meiro grupo em torno dos actuaismembrosdabandaTinariwen.Na-quela altura, este grupoera conhe-cido por Taghreft In Tinariwen (aediLicaçãodosdesertos).Oprimei-roconcerto teve lugaremArgel, em1982. Seguiram-se depois outrosconcertosea rápidapopularizaçãodamúsica dosTinariwen emcida-des comoTamanrasset, no grandesul argelino.O grupo foi aumentando ao lon-go do tempo e com os encontros,enquanto este estilo musical con-quistava cada vez mais o espíritodos jovens tuaregues, exilados ouautóctonesdogrande sul argelinoe sudeste líbio. Formaram-se ou-tros grupos. Assistia-se assim aoaparecimento, noSara, deum“mo-vimento cultural e artístico” dedi-mensões importantes. Esta novavaganãoencontra aorigemdoseuaparecimento e da sua existência,intrinsecamente (como aLirmamerradamente “os etnólogos, antro-pólogos,musicólogos, críticos…”),no “desejo de rebelião”, para reto-mar a sua expressão, embora a re-belião emergente (mais de dezanos depois da formação do pri-meiro grupo) tenha beneLiciadodeste fenómeno de expressão ar-tística e cultural. Creio que estemovimento emana sobretudo dossentimentos–deexílio, de aventu-ra, de desenraizamento – e de en-controseconfrontos, especialmen-te (e emgrandeparte) com “músi-cas clássicas e populares do Ma-grebedoMédioOriente” e, emme-

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PUBLICIDADE | 29Cultura | 28 de Maio a 10 de Junho de 2012

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30 |BARRA DO KWANZA 28deMaioa 10de Junho de2012 | Cultura

A Pastora e o Limpa-chaminésHHAANNSS CCHHRRIISSTTIIAANN AANNDDEERRSSEENNAlguma vez viram um armário mui-to velho, enegrecido pela idade, to-do esculpido com caules e folhasde trepadeiras?Havia numa sala de estar um armário des-te género que tinha pertencido à trisavó dafamília. Estava coberto, de cima a baixo, comrosas e túlipas esculpidas na madeira, ro-deadas por grinaldas arredondadas; e, porentre tudo isso, apareciam umas cabeci-nhas de veados com as suas hastes.Mas, no meio, havia uma Cigura de um ho-mem — de um tipo bem estranho. Era bastan-te cómico, porque tinha pernas de bode, pe-quenos cornos na testa, uma barba compri-da e um esgar peculiar, que mal podia cha-mar-se sorriso. As crianças da casa chama-vam-lhe Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode. Onome ficava-lhe bem, achavam elas, porser difícil de dizer. Além disso, quemmais, vivo ou esculpido, teria alguma vezmerecido tal título?Seja como for, lá estava ele, com os olhossempre voltados para a mesa por baixo doespelho, porque em cima da mesa estavauma linda pastorinha de loiça. Tinha uns sa-patos dourados e um vestido enfeitado comuma rosa de loiça; tinha ainda um chapéudourado e segurava um cajado de pastora.Oh, era realmente linda!Mesmo a seu lado, estava um pequenolimpa-chaminés, também de loiça. Era todopreto, excepto a cara, que era cor-de-rosa ebranca como a de uma rapariga; na verdade,estava tão limpo e bem arranjado como ou-tra pessoa qualquer, porque era apenas umlimpa-chaminés a Cingir. O artista tambémpodia ter feito dele um príncipe. E lá estavaele, com o seu escadote e o seu belo rosto,que não tinha uma única partícula de fuli-gem. E como o limpa-chaminés e a pastoratinham estado sempre junto um do outro,em cima da mesa, tinham Cicado noivos, oque era a coisa mais natural do mundo. Es-tavam realmente muito bem um para o ou-tro. Ambos eram jovens, ambos eram feitosdo mesmo material, e cada um era tão frágilcomo o outro.Não longe dali havia uma Cigura muito di-ferente, cerca de três vezes maior do queeles. Era um velho chinês, um mandarim,que abanava a cabeça. Também era de loiça,e dizia sempre que era avô da pastora. Nãopodia prová-lo, mas insistia em que era oseu protector, de maneira que o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode lhe pediu a mão delaem casamento, e ele consentiu, acenando.— Aí está um belo marido para ti — disseele à pastora. — É de mogno, tenho quase acerteza, e vais ser a Senhora Brigadeira-Ge-nerala-de-Brigada-Capitoa-Sargenta-Caba-Pernas-de-Bode. Ele é dono de um armáriocheio de pratas e de outras coisas que lá temescondidas.— Não quero viver naquele armário escu-

ro — disse a pastorinha. — Ouvi dizer queele já lá tem onze mulheres de loiça.— E tu serás a décima segunda! — retor-quiu o mandarim — Esta noite, assim que oarmário começar a estalar, vocês vão casar,tão certo como eu ser chinês!E, com isto, acenou com a cabeça e ador-meceu.Mas a pastorinha começou a chorar eolhou para o seu bem-amado limpa-cha-minés.— Acho que tenho de te pedir que partas àaventura comigo — disse ela —, porque nãopodemos Cicar aqui.— Faço o que tu quiseres — respondeu opequeno limpa-chaminés. — Vamos já; te-nho a certeza de ser capaz de ganhar o su-ficiente para te manter com a minha pro-fissão.— Ai, se ao menos pudéssemos descer damesa!... — exclamou ela. — Só serei felizquando partir à aventura!Então ele confortou-a e mostrou-lhe co-

mo devia colocar os pezinhos nos entalhesda perna da mesa. Levou o escadote para aajudar e, por Cim, encontraram-se no chão.Mas, quando olharam para o velho armárioescuro, que agitação! Todos os veados es-culpidos deitavam as cabeças ainda mais defora, espetando os galhos e voltando os pes-coços de um lado para o outro. E o Brigadei-ro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode estava aos pulos e agritar, todo zangado, para o chinês:— Estão a fugir! Estão a fugir!Aquilo assustou os namorados, que se es-conderam rapidamente na gaveta do bancoda janela. Encontraram três ou quatro bara-lhos de cartas — nenhum deles completo —e um pequeno teatro de brincar. Estava emcena uma peça, e todas as rainhas das cartas— ouro, copas, paus e espadas — ocupavama primeira Cila, a abanar-se com as suas túli-pas. Por detrás delas estavam todos os vale-tes com as suas cabeças, uma em cima e ou-

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traembaixo (todasascartasde jogar sãoas-sim). A peça que estavam a ver era sobre umpar de namorados a quem não deixavam ca-sar. E a pastora começou outra vez a chorar,porqueera tal equal ahistóriadela.— Não suporto isto — dizia ela. — Tenhodesairdestagaveta.Mas, quando chegaram ao chão e olharampara cima da mesa, o velho chinês tinhaacordado e estava a abanar o corpo paratrás e para a frente; tinha de andar assim,porque, à excepção da cabeça, era todo feitodeumasópeça.— Vem aí o velho chinês! — gritou a pas-torinha.E estava tão aterrorizada que caiu nosseus joelhosde loiça.— Tenho uma ideia — disse o limpa-cha-minés. — Vamos meter-nos ali dentro dagrande jarra do canto; podemos esconder-nos entre as rosas e a alfazema e atirar-lhesal aosolhosseele seaproximar.— Isso não ajuda nada — respondeu ela.— Além disso, sei que o velho chinês e a jar-ra já estiveram noivos; e Iica sempre algumsentimento quando as pessoas foram ínti-mas. Não, a única coisa a fazer é partir àaventura.— Tens realmente coragem para isso? —perguntou o limpa-chaminés. — Fazes ideiade como é o Mundo? E já pensaste que nãopodemosvoltarparaaqui?—Sim, jápenseinisso—respondeuela.O limpa-chaminésdeitou-lheumolharsé-rioepenetranteedepoisdisse:— O único caminho que conheço é pelachaminé. Tens a certeza que possuis a co-ragem suficiente para ires atrás de mimpelo fogão e pelo túnel escuro? É por aí quese vai para a chaminé, e depois já sei o quefazer. Trepamos tão alto que ninguém nosapanha; e, lá mesmo no cimo, há uma aber-tura por onde podemos sair para a nossaaventura.Econduziu-apelaportado fogão.—Estámuitoescuro—exclamouela.Mas, apesar disso, foi com ele, através dostijolos refractários e do cano da chaminé,ondeestavaescurocomoanoite.— Já chegámos à chaminé — exclamou

ele.—Olha!Que lindaestrelaali porcimadenós!Realmente havia uma verdadeira estrelano céu por cima deles, a iluminá-los com oseu brilho, como se quisesse indicar-lhes ocaminho. Lá continuaram a trepar e a raste-jar, para cima, cada vez mais para cima; foiuma viagem horrível. Mas o pequeno limpa-chaminés ajudava-a sempre, mostrando-lhe os melhores sítios para ela colocar osseus pezinhos de loiça, até que por Iim che-garam ao cimo da chaminé, onde se senta-ram, porque estavam cansados, o que nãoadmira.Lá no alto estava o céu cheio de estrelas;em baixo, Iicava a cidade com todos os seustelhados. Eles podiam ver até bem longe àsua volta, por esse mundo fora. A pobre pas-tora nunca tinha imaginado nada comoaquilo; deitou a sua cabecinha no ombro dolimpa-chaminés e chorou tão amargamentequeoouroda faixadacinturadesbotou.— Isto é de mais — chorava ela. — Nãoaguento. O Mundo é demasiado grande.Oh, quem me dera estar outra vez na me-sa debaixo do espelho! Só serei feliz outravez quando voltar para lá. Vim contigo,mas, se realmente gostas de mim, leva-mepara casa.O limpa-chaminés falou calmamente comela; recordou-lhe o chinês e o Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode, masela continuavaachorar, desesperada, e beijava-o e agarrava-se a ele, até que este acabou por ceder, ape-sardeserumapatetice.Então, tornaram a rastejar pela chaminé,desta vez para baixo — uma tarefa dura eperigosa; esgueiraram-se pelo cano (umadas piores partes da viagem) e, por Iim, che-garam à caverna escura do fogão. Ficaramencostados à porta durante um bocadinho,para ouvirem o que se passava na sala. Tudoparecia bastante calmo, de maneira que es-preitaram — mas, oh!, mesmo no meio dochão estava o chinês! Ao tentar correr atrásdeles, tinha caído da mesa, e agora estavafeito em três pedaços — a parte de trás, aparte da frente e a cabeça, que tinha rebola-do para um canto. O Brigadeiro-General-de-Brigada-Capitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode estava no seu lugar de sempre, ab-sortoempensamentos.— Que horror! — exclamou a pastorinha.—Omeupobreavôestá todopartidoeacul-paénossa.Nuncahei-deesquecer isto!E torciaasmãozinhas.—Podemuitobemserconsertado—aIir-mou o limpa-chaminés. — É fácil. Vá, não Ii-ques tãopreocupada.Depoisdeser coladoede lhe porem um gato no pescoço, Iica comonovo, e ainda vai dizer-te muitas coisasaborrecidas.—Achasquesim?—perguntouela.E treparam para a mesa onde sempre ti-nhamestado.— Bem, fartámo-nos de andar — suspi-rou o limpa-chaminés —, e cá estamos denovo no mesmo sítio. Podíamos ter poupa-doaviagem.—Ai, quemmederaqueomeuavô jáesti-vesse consertado! — disse a pastora. —Achasquevaisermuitocaro?Ochinês foi consertado.A famíliamandou

colarospedaçosepôrumgatonopescoço; Ii-coucomonovo,masjánãoabanavaacabeça.— Estás muito importante desde que tepartiste! — disse-lhe o Brigadeiro-General-de-BrigadaCapitão-Sargento-Cabo-Pernas-de-Bode. — Mas por que é que estás tão or-gulhoso? Responde-me! Posso ou não Iicarcomapastora?O limpa-chaminéseapastoraolharaman-siosamente para o velho chinês, com medoque ele acenasse com a cabeça. Mas ele nãoconseguiae também nãoqueriaadmitirquelhe tinham posto um gato no pescoço. E as-sim os namoradinhos de loiça Iicaram jun-tos e continuaram a amar-se, na maior feli-cidade, até separtirem.

Cultura |28deMaioa10 de Junho de2012 BARRA DO KWANZA |31

0____________________________HansChristianAndersen(Odense,2deAbrilde1805-

Copenhaga, 4 de Agosto de 1875) foi um escritor dina-marquêsdehistórias infantis. Andersennasceuno seiodeumafamíliadinamarquesamuitopobre.Oseupaieraumsapateirodevinteedoisanos, instruídomasdesaúdefraca.Todaa famíliaviviaedormianumúnicoquarto.Opaiadoravaoseu ?ilhoaquemfomentoua imaginaçãoeacriatividade,deixando-oaprendera ler, contando-lhehistóriase,mesmo, fabricando-lheumteatrinhodema-rionetas.Hansapresentavanoseuteatropeçasclássicas,tendochegadoamemorizarmuitaspeçasdeShakespea-re,queencenavacomseusbrinquedos.

EntreoscontosdeAndersen,destacam-se:OAbeto,OPatinhoFeio,ACaixinhadeSurpresas,OsSapatinhosVer-melhos,OPequenoCláudioeoGrandeCláudio,OSoldadi-nhodeChumbo,APequenaSereia,ARoupaNovadoRei,APrincesaeaErvilha,APequenaVendedoradeFósforos,APolegarzinha.

Publicou ainda: O Improvisador (1835), Nada comoum menestrel (1837), Livro de Imagens sem Imagens(1840),Oromancedaminhavida(autobiogra?iaemdoisvolumes,publicadainicialmentenaAlemanhaem1847),masasuamaiorobra foramoscontosde fadas (EventyrogHistorier, ou Histórias e Aventuras) que publicou de1835a1872, onde ohumornórdico se alia aumabono-miasorridente,eondeusasimultaneamenteabasecons-tituída por contos populares e uma ironia dirigida aoscontemporâneos.Recorteempapel feitopor

HansChristianAnderssenFonte:MuseudaCidadedeOdense

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32 |MEMÓRIAS 28deMaio a10de Junhode2012 | Cultura

Ameninabemcomportadado bairrinho pobre obti-vera uma excelente notano seu exame de admis-são aos liceus e foi, semsurpresa, que se matriculou no liceufeminino, consideradoumdosmelho-res liceusdacapital.Nãocabiaemsidecontentepois realizaraoseusonhoeode sua mãe que a mostrava comoexemploaos irmãos,primoserestodamiudagem da sua família numerosa.Em troca, as crianças, postas a nu nassuas fragilidades,manifestavam-lhe, àsocapa, invejasemaldadesdissimula-das,quesóosmiúdosnasuacrueldadeinocente sabem imaginar. Isolada noseu sonho, determinada, a meninaprosseguia sua meta, consciente dossacriCícioserenúnciasaque teriadesesubmeter.Aeducaçãocuidadaeauste-radadapelamãenãoaalertara contraasmas intenções, abusos, injustiças eperversidadesdomundodosadultos.Pouco importava.Nasua ingenuidade,amenina compreenderaque sópodiacontar com as suas próprias forças,pois os adultos não podiam ajudá-laagoraqueela sepreparavaparaentrarnummundodesconhecidonoqualelesnuncahaviampenetrado.Os obstáculos eram imensos. Porum lado, o liceu com as suas realida-des, novidadesedesaCiosonde, priva-da dos seus amiguinhos de infância,enfrentaria novas colegas, novaspro-fessoras, ummeio exclusivamente fe-minino.Poroutro lado, a família, baru-lhenta, turbulenta como sempre, dei-xando-lhepouco tempoeprivacidadeparasededicar inteiramenteaosestu-doscomogostaria.Noquartoquepar-tilhavacomtodasasmeninasda famí-lia, irmãs, primas e aCilhadas da mãe,escondiaoshaveresescolaresquead-quiriraacustoapósvarias insistênciasjuntodamãe -opaihaviadeixadoa fa-mília, para seu grande alívio. Os miú-dos que despachavam os deveres ouque tinhamumexame importante sa-biam que encontrariam na sua pastaos tesourosdequenecessitavam.Pou-co respeitosos dos bens de outrem,usavam-nos e extraviavam-nos, dei-xandoameninaangustiada.Averdadeéqueasuavidaeraritmadapelaactivi-dadeescolarpornãoquererdeixaraosprofessores a mínima ocasião para ahumilharem como faziam frequente-mente comas colegasmais pobres daturma. Só que não se pode antecipar

todososproblemasecontratempos.Éacapacidadequecadaumpossuiparaos ultrapassar, quando não os puderevitar, que determina o seu carácter,sua perseverança e adaptação face àsadversidades. Mas isso a menina nãosabia, na suaânsiadevencer. Por isso,osdesaCiosmartirizavam-naemvezdecontribuíremparaa formaçãoharmo-niosadoseuser. Experiênciasdoloro-sasvividasna turmanãocontribuíampara a aliviaremdesse peso ematuri-dade precoces, insuportáveis paraumameninadeapenas11anos.Aindase lembrava de um triste episódioocorridonumaauladeportuguêscomumacolegamoradoranumbairropo-bre. A professora propusera aos alu-nos uma redacção em que cada umdescrevesseas sensaçõesque ressen-tiaperanteoseupratopreferido.Des-crever sensações já era complicado,abordar a gastronomia da terra pare-cia-lhe simplesmente impossível.Mascomo exprimir sentimentos perantepratosdesconhecidos, sabores ignora-dos? A colega decidiu mentir e esco-lheu, comopratopreferido, “bifes combatas fritas e ovos estrelados” – “foi omeu almoço hojemesmo” - acrescen-taraela.Nessedia, por ironiadodesti-noouazardela, apobrezinhasentiu-semal e vomitou na turma. As colegasmaldosasgritavamexcitadasentre ri-sos “Entãocomestebife combatas fri-taseestásavomitaramarelo,dacordoóleo de palma ?”. Amenina sentira in-vadir-lheumagrandetristezaenãosa-bia sea colegadesmaiarapeloalmoçoque lhe caíra mal ou se pela humilha-çãoquesofrera.Lembrava-se tambémda velha professora de latim e de lín-gua portuguesa, exigente e rigorosa,

que faziaumsermãoàscolegasportu-guesascadavezqueumaalunaangola-na tivesseanotamaisaltada turmaemportuguêsouemlatim.Ameninadobairrinhopobre tiravavárias vezes amelhornotada turmaevia com tristeza seuprazer estragadopela observação discriminatória daprofessora! O paradoxo é que, em vezdeadissiduir tais atitudes incorrectase anti-pedagógicas, reforçavam a suavontade de vencer, infelizmente emdetrimentodoseuequilíbrio emocio-nal. Umdia, apósumalmoçoem famí-lia, uma das suas amigas de infânciajustiCicava junto do pai amá nota quelhederaaprofessoradeportuguês,pe-lo factodeelaserpreta,diziaaamiga.Opai, um homem sábio e ponderado,perguntou-lhe: “E tu, minha Cilha, sa-bendo que a professora te daria uma

nota“depretos”, seráqueestudasteco-mopretaqueés“ ?Ameninadobairri-nhopobrenunca conseguiu entendero que lhe quisera explicar, com essafrase,o tiomaisvelho.Noentanto,per-cebeueconstatou-omais tardeemex-periênciasvividas,queparaseravalia-da a seu justo valor tinha de ser ame-lhor, emtudo, sempreque fossepossí-vel. Retevea liçãoeaplicou-aao longoda vida. Mais tarde, veriCicou que omais importantenãoera ser amelhorde todos–nãoerapossível eavidanãoé uma competição – devia, sim, darsempreomelhorde si, que já éumob-jectivomaisaoseualcance.Apassagempelo liceu foi formadoraapesardas frustrações semconta. En-sinara-lheahumildade, a solidarieda-de, a escolhero campoda justiçames-moquepara tal fossenecessário com-prometer o seu bem-estar e confortoimediatos. Quantas vezes em discus-sõesacesasqueopunhamogrupodasalunasportuguesasaodasangolanas,emminoriano liceudaelite feminina,ela teriapreferido Cicarquietinha,pas-sar despercebida! Porém, aprendeu aganhar coragem, assumir as suas op-çõeseandardecabeça levantada.Nãose metia em confusões, mas tomavaposição - com diCiculdade, diga-se averdade – sempre que estivesse emcausaadignidadedasmeninasdemui-tos bairros pobres comoodela. Ame-nina do bairrinho pobre servia deexemploparaoutrasmeninas

2012 Ano Internacional das Cooperativas | Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos 2003 – 2012 Década da Nações Unidas para a Literacia –Educação para Todos 2005 - 2012 Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável | Segunda Década Internacional

dos Povos Indígenas do Mundo 2005 – 2015 Década Internacional para a acção, “Água para a Vida” 2008 - 2017 Segunda Década das Nações Unidaspara a Erradicação da Pobreza 2010 - 2020 Década das Nações Unidas para os Desertos e a Luta contra a Desertificação.

XXIIMMIINNYYAA

Efemérides

DDEESSEENNHHOO VVAANNDDJJII--LLOOOOKKIINNGG FFOORR ((IIIIII)) DDEE FFRREEDDEERRIICCOO NNIINNGGII

KudilongaO liceu e as questões de identidade