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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO RICARDO COTRIM CHACCUR Usucapião Coletiva Urbana e Regularização Fundiária em Favelas Paulistanas Orientador: Professor Doutor José Carlos Francisco SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

RICARDO COTRIM CHACCUR

Usucapião Coletiva Urbana e Regularização Fundiária em Favelas

Paulistanas

Orientador: Professor Doutor José Carlos Francisco

SÃO PAULO

2014

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RICARDO COTRIM CHACCUR

Usucapião coletiva urbana e regularização fundiária nas favelas

paulistanas

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Direito Político e Econômico

da Universidade Presbiteriana Mackenzie,

como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre.

Orientador: Professor Doutor José

Carlos Francisco

SÃO PAULO

2014

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C431u Chaccur, Ricardo Cotrim

Usucapião coletiva urbana e regularização fundiária em favelas paulistanas. / Ricardo Cotrim Chaccur. – 2014.

133 f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.

Orientador: Prof. Dr. José Carlos Francisco

Bibliografia: f. 125-133

1. Usucapião coletiva urbana. 2. Regularização fundiária. 3. Favelas Paulistanas. I. Título

CDDir 342.12324

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RICARDO COTRIM CHACCUR

Usucapião coletiva urbana e regularização fundiária em favelas

paulistanas

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como

requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Político e

Econômico.

Aprovada em __/__/____.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. José Carlos Francisco

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Maria Ligia Coelho Mathias

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. José Levi Mello do Amaral Junior

Universidade São Paulo

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Agradeço

Aos meus amados pais, Ricardo e Stella,

dedico este trabalho, por todos os seus

esforços para que eu me tornasse o

homem e o profissional que sou hoje, por

todos os seus ensinamentos e pelo apoio

incondicional em todos os momentos da

minha vida, principalmente nos mais

difíceis.

A minha namorada, amiga e

companheira, Isabella, pelo apoio nas

madrugadas intermináveis em que escrevi

a minha dissertação.

Ao meu orientador, Professor Doutor José

Carlos Francisco pela paciência,

disponibilidade em me auxiliar e apoio no

momento que mais precisei.

Aos membros da banca, Professores

Doutora Maria Ligia Coelho Mathias e

Doutor Levi Mello do Amaral Junior, pela

colaboração e conselhos.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie,

minha estimada casa, pela oportunidade

de cursar um Mestrado de excelência,

com professores brilhantes.

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RESUMO

A presente dissertação objetiva analisar o instituto da usucapião coletiva

urbana, enquanto instrumento de Política Urbana para promover a regularização

fundiária e urbanização das favelas na cidade de São Paulo.

No Brasil, atualmente, a legislação dispõe de alguns mecanismos para a

efetivação do direito social de moradia, por meio da aquisição da propriedade

imobiliária, com a finalidade de inclusão social dos habitantes que residem em

moradias precárias ou subnormais e, consequentemente, alcance do

desenvolvimento da cidadania.

O direito à moradia é, um direito social e humano, conforme reconhecido pelo

art. 6º, caput, da Constituição Federal de 1988 e pela Agenda Habitat, organizada

pela Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II,

realizada em Instambul, em 1996.

E, ainda, a necessidade de superação do problema fundiário nos

assentamentos irregulares e favelas localizadas em importantes centros urbanos

brasileiros, faz pertinente o presente trabalho, a fim de identificar as causas que

originaram o conflito fundiário no País, os problemas decorrentes dessas áreas e

que refletem na vida dos habitantes urbanos, bem como uma analise de um dos

instrumentos jurídicos de tratamento deste problema.

Palavras-chave: Usucapião coletiva urbana. Regularização fundiária. Favelas

Paulistanas.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the institution of collective urban adverse

possession as an instrument of urban policy to promote land tenure regularization

and urbanization of favelas in São Paulo.

In Brazil, currently, the law provides some mechanisms for the realization of

the right to social housing, through the acquisition of land for the purpose of social

inclusion of people living in poor or substandard dwellings and therefore scope for

developing citizenship.

The right to housing is a social and human right, as recognized by Art. 6,

caput, of the Federal Constitution of 1988 and the Habitat Agenda, organized by the

United Nations Conference on Human Settlements - Habitat II, held in Instambul in

1996.

And yet, the need to overcome the problem of land in slums and squatter

settlements located in major urban centers, makes relevant the present work, in

order to identify the causes that led to the agrarian conflict in the country, the

problems arising from these areas and that reflect on the lives of urban dwellers as

well as an analysis of one of the legal instruments to deal with this problem.

Keywords: Urban collective adverse possession. Land regularization.

Paulistanas slums.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

1.INTRODUÇÃO

2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO À MORADIA E A PROPRIEDADE NAS

CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.

2.1 A diferenciação entre posse e propriedade na legislação pátria

2.2 A propriedade imóvel e a sua função social

2.3 A aquisição da propriedade imóvel como efetivação do direito à moradia e

desenvolvimento da cidadania

2.4 Conclusão do Capítulo

3. A EVOLUÇÃO DO CONFLITO DE TERRAS NO BRASIL E O PROCESSO DE

URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO

3.1 A ocupação do território nacional pela Coroa Portuguesa e a Lei de Terras

3.2 O processo de urbanização no Brasil e em São Paulo na década de 1930

3.3 O desenvolvimento das áreas de favelas na grande São Paulo

3.4 Os problemas decorrentes da ocupação do solo e do processo de

urbanização no Brasil

3.5 Evolução da legislação brasileira em relação as soluções para a ocupação

do solo urbano2.6 Conclusão do Capítulo

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4. A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

IMOBILIÁRIA E DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

4.1 Evolução histórica do instituto na legislação brasileira

4.2 Conceito e requisitos exigidos para a usucapião

4.3 As Modalidades existentes do instituto na legislação brasileira

4.4 A Usucapião Coletiva Urbana.

4.5 Conclusão do Capítulo

5. A USUCAPIAO COLETIVA URBANA COMO INSTRUMENTO DE

IMPLEMENTAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS DE REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO

5.1 A responsabilidade pela proteção e efetivação do pleno exercício do

direito à moradia dos habitantes das cidades que vivem nas áreas urbanas

ocupadas por favelas

5.2 Casos práticos da aplicação da usucapião coletiva urbana nas favelas

paulistanas

5.3 Os elementos complicadores para a execução e as possíveis soluções

para aumentar a eficácia da Usucapião Coletiva Urbana

5.4 Comparação entre o instituto da usucapião coletiva urbana e outros

instrumentos de regularização fundiária existentes na legislação

5.5 Conclusão do Capítulo

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SUMÁRIO ANALÍTICO

APRESENTAÇÃO

1.INTRODUÇÃO........................................................................................................01

2. A EVOLUÇÃO DO DIREITO À MORADIA E A PROPRIEDADE NAS

CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS.............................................................................04

2.1 A diferenciação entre posse e propriedade na legislação pátria...............05

2.2 A propriedade imóvel e a sua função social..............................................09

2.3 A aquisição da propriedade imóvel como efetivação do direito à moradia e

desenvolvimento da cidadania........................................................................11

2.3.1 O Direito à Moradia......................................................................12

2.3.2 A Agenda Habitat.........................................................................15

2.4 Conclusão do Capítulo...............................................................................16

3. A EVOLUÇÃO DO CONFLITO DE TERRAS NO BRASIL E O PROCESSO DE

URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO.......................................................18

3.1 A ocupação do território nacional pela Coroa Portuguesa e a Lei de

Terras,..............................................................................................................19

3.1.1 O início da Colonização no Brasil e o Regime das Sesmarias....19

3.1.2 A Lei de Terras de 1850 e seus efeitos.......................................22

3.2 O processo de urbanização no Brasil e em São Paulo na década de 1930

.........................................................................................................................23

3.2.1 As causas impulsionadoras do êxodo rural no Brasil..................23

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3.2.2 A Urbanização na cidade de São Paulo......................................25

3.3 O desenvolvimento das áreas de favelas na grande São

Paulo................................................................................................................26

3.4 Os problemas decorrentes da ocupação do solo e do processo de

urbanização no Brasil......................................................................................30

3.4.1 O Problema dos Incêndios decorridos das instalações elétricas e

moradias precárias...............................................................................30

3.4.2 O Problema das enchentes e inundações...................................31

3.4.3 O Problema dos escorregamentos e deslizamentos de

encostas...............................................................................................33

3.4.4 O Problema da proliferação de doenças por falta de saneamento

básico...................................................................................................35

3.4.5 O Problema da mobilidade urbana..............................................36

3.4.6 Os problemas da violência urbana e da segregação sócio-

espacial................................................................................................38

3.4.7 Quadros Ilustrativos com o mapa da Região Metropolitana da

Cidade e da cidade de São Paulo........................................................40

3.5 A legislação brasileira em relação as soluções para a ocupação do solo

urbano.............................................................................................................45

3.6 Conclusão do Capítulo .............................................................................47

4. A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

IMOBILIÁRIA E DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA..............................................50

4.1 O instituto da Usucapião na legislação brasileira......................................51

4.2 Conceito e requisitos exigidos para a usucapião......................................53

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4.3 As Modalidades existentes do instituto na legislação

brasileira..........................................................................................................57

4.3.1 Usucapião Extraordinária............................................................58

4.3.2 Usucapião Ordinária....................................................................58

4.3.3 Usucapião Especial Rural............................................................59

4.3.4 Usucapião Familiar......................................................................59

4.3.5 Usucapião Administrativa.............................................................60

4.3.6 Usucapião Especial Urbana.........................................................61

4.4 A Usucapião Coletiva Urbana....................................................................61

4.5 Conclusão do Capítulo...............................................................................64

5. A USUCAPIAO COLETIVA URBANA COMO INSTRUMENTO DE

IMPLEMENTAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS DE REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO.........................66

5.1 A responsabilidade pela proteção e efetivação do pleno exercício do

direito à moradia dos habitantes das cidades que vivem nas áreas urbanas

ocupadas por favelas.......................................................................................66

5.1.1 Urbanização, Urbanificação e Urbanismo....................................67

5.1.2 Políticas Urbanas.........................................................................69

5.1.3 O Papel do Poder Público na regularização fundiária e na

efetivação do direito à moradia.............................................................75

5.2 Casos práticos da aplicação da usucapião coletiva urbana nas favelas

paulistanas.......................................................................................................82

5.2.1 Do Processo da Usucapião Coletiva Urbana...............................83

5.2.1.1 Do Rito............................................................................83

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5.2.1.2 Da Legitimidade para a propositura da Ação.................83

5.2.1.3 Dos Efeitos da Ação.......................................................84

5.2.1.4 Do Direito à Assistência Judiciária Gratuita...................84

5.2.1.5 Organograma do Processo............................................85

5.2.3 As Ações de Usucapião Coletivas Urbanas ajuizadas por

Comunidades na cidade de São Paulo – Casos Práticos....................86

5.2.3.1 O Caso da Favela do Moinho.........................................86

5.2.3.2 O Caso da Favela Americanópolis.................................92

5.2.3.3 O Caso da Favela Jardim Paraná..................................94

5.2.3.4 O Caso da Favela Amadeu............................................97

5.2.3.5 O Caso do Assentamento Irregular do Parque

Florestal...................................................................................104

5.2.3.6 O Caso do Assentamento Irregular do Jardim dos

Álamos......................................................................................106

5.3 Os elementos complicadores para a execução e as possíveis soluções

para aumentar a eficácia da Usucapião Coletiva Urbana..............................107

5.3.1 Principais obstáculos para o sucesso da usucapião coletiva como

instrumento de regularização fundiário...............................................107

5.3.2 Possíveis soluções para tornar o instituto mais eficiente.........108

5.4 Comparação entre o instituto da usucapião coletiva urbana e outros

instrumentos de regularização fundiária existentes na legislação...............110

5.4.1 Bens Imóveis que não podem ser usucapidos..........................111

5.4.2 A Concessão de uso ou concessão de uso especial para fins de

moradia...............................................................................................112

5.4.3 A Demarcação Urbanística e a Legitimação da Posse..............116

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5.5 Conclusão do Capítulo............................................................................119

CONCLUSÃO..........................................................................................................121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................125

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho foi elaborado a partir da linha de pesquisa da “Cidadania

modelando o Estado”, uma vez que pretende expor o instituto da usucapião coletiva

urbana como instrumento jurídico de regularização fundiária nas favelas paulistanas

na perspectiva do direito à moradia.

Dessa forma, inicia-se do entendimento de que a cidadania depende de um

conjunto de elementos, dentre eles a condição digna de vida que passa pelo acesso

a moradia digna que promova segurança, paz e dignidade ao indivíduo.

Para o alcance de tal objetivo, o objeto deste estudo visa expor, brevemente,

sobre as causas que resultaram no problema da ocupação do solo nos centros

urbanos brasileiros, bem como os problemas decorrentes de tal processo e, ainda,

analisar o instituto da usucapião coletiva urbana desde o seu surgimento, há treze

anos, quando entrou em vigor o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001.

Realizado o corte temático, há a vinculação com a linha de pesquisa “A

Cidadania modelando o Estado”, uma vez que é realizada uma reflexão e análise

mais de um dos principais instrumentos de regularização fundiária que, por

consequência, tem o objetivo de atender aos princípios constitucionais e efetivar o

direito à moradia como forma de inclusão social da população de baixa renda que

habita áreas ocupadas de forma irregular e, por conseguinte, é uma das

manifestações do direito de cidadania.

Por fim, esta dissertação é fundamentada pela pesquisa e pela analise

bibliográfica e jurisprudencial, bem como pela pesquisa e exposição de casos

práticos que envolvem a tentativa de regularização de algumas favelas paulistanas

por meio do instituto da usucapião coletiva urbana.

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1. INTRODUÇÃO

O planeta Terra atingiu, recentemente, o número de 7 Bilhões de habitantes

no mundo1 e, com esta marca inédita, a questão de onde abrigaremos todos estes

novos moradores do planeta Terra, esta na agenda de todos os países do Globo

Terrestre.

Diante deste aumento na população mundial, da falta de espaços nas

principais cidades do mundo e no temor da falta de recursos para todos os

residentes deste planeta, num futuro próximo ou, ainda, mesmo que distante, é

notório que o mundo vive uma crise habitacional causado pelas aglomerações

desorganizadas em grandes centros urbanos, principalmente em países em

desenvolvimento, como no caso do Brasil.

Nesta lista de déficit habitacional, encontra-se o Brasil figurando como um

dos países que possui um dos maiores problemas de ocupação do solo2. A falta de

moradia ou de pessoas morando em habitações precárias e sem infraestrutura

alguma é um dos problemas fundamentais que impedem o progresso do País, tendo

em vista que refletem negativamente na economia e na sociedade dos grandes

centros urbanos brasileiros.

Dessa forma, o presente trabalho pretende discorrer, brevemente, sobre a

origem da ocupação do solo por assentamentos irregulares e favelas nos centros

urbanos do País, bem como os problemas decorrentes destas áreas que refletem

por toda a cidade e que resultam num caos urbano.

1 Dados extraídos do artigo: “Lotado, mundo bate a marca de 7 bilhões de habitantes” publicado em

31 de outubro de 2011 pela Reuters no site: http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE79U09G20111031

2 Em recente trabalho divulgado pelo IPEA, aponta que, baseado nos dados que

compreendem o período de 2007 a 2012, o déficit habitacional no Brasil em 2012 é de

aproximadamente 8,53%, na qual representa a falta atual de 5,24 milhões de residências

para abrigar, aproximadamente, 10,5 milhões de pessoas, conforme link:

http://www.infomoney.com.br/blogs/blog-do-rubens-menin/noticia/3089617/novo-estudo-ipea-sobre-

deficit-habitacional. Acesso em 17.06.2014.

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Atualmente, a cidade de São Paulo, considerada centro financeiro da

América Latina, contabiliza mais de 1000 favelas espalhadas pelas cinco zonas

urbanas, mas com uma densidade maior nas regiões mais afastadas do centro da

cidade, isto é, nas regiões mais periféricas.

Entretanto, os problemas decorrentes das áreas de favelas refletem e

irradiam por toda a cidade, causando inúmeros problemas para seus habitantes e

prejudicando a qualidade de vida dos que residem na capital paulista, além, de ser,

estas áreas, polos de segregação socioespacial, o que impossibilita o

desenvolvimento da cidadania na cidade de São Paulo.

Dessa maneira, o presente trabalho é pertinente, tendo em vista que o tema

ocupa, atualmente, a agenda política e de organizações paraestatais que visam o

tratamento da falta de moradia ou de moradias subnormais por meio da

regularização fundiária e urbanização de tais áreas.

Para perseguir este objetivo, a dissertação inicia o seu trabalho explicando de

forma breve sobre a evolução histórica da ocupação das terras no Brasil, desde o

período do seu descobrimento, passando pelos períodos de colonização, instalação

do império e início da República, fazendo uma síntese sobre as normas para a

aquisição da propriedade imóvel para, num momento seguinte, expor o processo de

urbanização brasileiro, explanando, assim, os motivos prováveis que culminaram na

ocupação irregular de áreas periféricas e de risco dos grandes centros urbanos

brasileiros, mais especificamente, o ocorrido na cidade de São Paulo.

Pretende a dissertação, também, apontar, em síntese, alguns dos reflexos

causados pela ocupação irregular periférica na cidade de São Paulo, que resultam

numa exclusão social de parte da população e, consequentemente, no regresso ao

desenvolvimento da cidadania no País.

Nos capítulos subsequentes, pretendeu-se expor os conceitos de propriedade

e de sua função social, bem como do direito à moradia, enquanto direito social e

humano, conforme reconhecimento da Agenda Habitat, que resultou da Conferência

das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, realizada em 1996

na cidade de Instambul.

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3

O trabalho, ainda, possui como objetivo, principal, analisar o instituto da

usucapião coletiva urbana, considerada, por muitos, como um instrumento de

política urbana, capaz de promover a regularização fundiária de parte das áreas

ocupadas por favelas, tendo em vista que só é possível no tratamento das favelas

que ocupam áreas privadas.

Para isso, faz uma breve exposição histórica sobre o instituto, os seus

requisitos e as modalidades previstas em nossa legislação para, no momento

seguinte, iniciar a analise da modalidade da usucapião coletiva urbana, com a

exposição de suas peculiaridades em relação às outras modalidades, os seus

requisitos, os procedimentos e efeitos da ação e, ainda, a exposição de seis casos

práticos da tentativa de utilização do instituto em favelas e assentamento irregulares

paulistanos, em trâmite perante o Poder Judiciário de São Paulo.

Por fim, visa discorrer, brevemente, sobre outros dois instrumentos jurídicos,

existentes em nossa legislação, que podem servir de mecanismos alternativos para

a solução da questão fundiária nas áreas urbanas do País e, consequentemente, da

cidade de São Paulo.

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4

2. O DIREITO À MORADIA, À PROPRIEDADE E À POSSE NA LEGISLAÇÃO

BRASILEIRA

No presente capítulo, pretende-se relacionar a efetividade do direito à

moradia e o alcance da cidadania à aquisição da propriedade, no caso, da

propriedade imóvel.

Para isso, se faz pertinente, iniciar o trabalho, diferenciando, de forma breve,

os conceitos de posse e propriedade, uma vez que ambos os direitos, apesar de

estarem relacionados e possuírem efeitos e conflitos entre eles, observa-se que no

caso particular da usucapião, objeto principal de estudo nesta dissertação, o direito à

posse se sobrepõe ao direito de propriedade, entretanto, isso ocorre, justamente,

porque em nossa legislação, o direito individual do titular da propriedade imobiliária

possui como limitador constitucional e legal, o cumprimento da função social da

propriedade, tendo em vista que o direito absoluto do proprietário na legislação

anterior a Constituição Federal de 1988, sofreu uma alteração no seu paradigma, ao

ascender o direito da coletividade à uma importância maior do que o direito

individualista da propriedade liberal, prevista, anteriormente, no Código Civil de

1916.

Essa limitação imposta ao direito do proprietário visa proteger os interesses

da coletividade e extinguir com as propriedades especulativas e não produtivas,

importando, caso não haja o cumprimento da função social do imóvel, na perda do

mesmo para um possuidor que tenha o animus domini, isto é, a vontade de ser

proprietário do bem e de zelar por ele, seja tornando produtivo ou para fins de

moradia, requisitos que resultam na diminuição dos prazos para a aquisição

prescritiva, conforme previstos no Código Civil de 2002.

Além dessa distinção necessária e importante entre os conceitos de posse e

propriedade, para o desenvolvimento do trabalho, é realizada uma breve exposição

das características e da previsão legal da função social da propriedade.

Por fim, será tratado o direito social à moradia, sua inclusão na legislação

brasileira e sua origem para, em seguida, relacionar a sua efetividade à aquisição da

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5

propriedade imóvel como forma de promover a inclusão social da população de

baixa renda e, consequentemente, desenvolver a cidadania no país.

2.1 A diferenciação entre posse e propriedade na legislação pátria

Atualmente, apesar de tênue, a diferenciação entre posse e propriedade é

notada no modo em que cada uma é tratada em nossa legislação, uma vez que

entre os dois institutos pesem diferenças importantes em relação aos seus efeitos.

Esses dois institutos já tiveram uma relação mais estreita no início da história

do Brasil, quando na fase colonial, especialmente no período em que houve a

vigência do regime das sesmarias, a propriedade só era possível de ser adquirida se

houvesse a posse produtiva do imóvel.

O distanciamento entre a posse e a propriedade se deu com o surgimento da

Lei de Terras que transformou a propriedade imobiliária em mercadoria, afastando a

necessidade da posse da terra ser produtiva para a aquisição da propriedade como

ocorria no regime das sesmarias.

Cláudia Fonseca Tutikian, esclarece que:

A legislação modificou drasticamente a forma de aquisição de imóveis – especialmente em função de que a terra passou a ser considerada mercadoria quando adquiriu valor venal -, passando da exclusiva doação de terras públicas para a compra e venda de terras públicas e privadas, tendo inclusive, sido vetada a aquisição de terras pela posse. Destarte, com esta legislação houve a ruptura jurídica e definitiva, e que vigora até os dias de hoje, da posse e propriedade, estas foram categoricamente “descasadas”3.

Assim, a Lei de Terras causou a separação entre os dois institutos e

permaneceu até a vigência do Código Civil de 1916, uma vez que não estabeleceu a

necessidade do proprietário de um imóvel exercer a posse produtiva ou para fins de

3 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,

Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 175.

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moradia, resultando numa propriedade cuja característica era de absoluta, que

resguardava os direitos individuais do proprietário em detrimento da coletividade,

uma vez que pouco importava qual seria a finalidade com que teria o título de

proprietário do bem, sem se preocupar em ocupar e exercer a posse daquela

propriedade imóvel, podendo, inclusive, ser utilizada de forma especulativa em prol

do mercado imobiliário.

Tutikian explica que:

A Lei de terras vigeu de 1850 a 1916, quando o Código Civil de 1916 foi promulgado. Apesar das diversas mudanças na legislação, na parte da posso e da propriedade, a normatização anterior foi mantida; portanto, no Código Civil de 1916, a questão da posse e da propriedade permanecia nos mesmos moldes: “descasada”. Em razão disto, a legislação do Código Civil de 1916 chancelou a não necessidade do titular da propriedade imobiliária exercer a posse produtiva ou de moradia.4

Assim, a noção individualista e absoluta da propriedade imobiliária foi mantida

pelo Código Civil de 1916 e permanece influenciando até hoje o modelo de

aquisição da propriedade imobiliária em nosso País, bem como os efeitos gerados

pela posse e pela propriedade de um bem imóvel.

Atualmente, observa-se que a posse e a propriedade são protegidas pela

nossa legislação. Entretanto, cada uma delas possui efeitos distintos e que

influenciam o outro de forma a se chocarem quando temos em conflito o direito de

um proprietário e o direito de um possuidor sobre o mesmo bem imóvel.

Neste sentido, Azevedo Júnior explica que:

Existe um choque entre o direito de propriedade e a posse. Esse choque acontece porque, ao mesmo tempo em que a lei protege o direito do proprietário, ela protege, em certas circunstâncias, o direito do possuidor. Nos dias de hoje, o choque fica mais evidente porque a proteção do direito do proprietário já não é tão robusta como foi antigamente. E a proteção do direito do possuidor é cada vez mais forte. Uma diminui e a outra aumentou. Tanto que cada vez mais, a lei

4 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,

Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 176.

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facilita a conversão da posse em propriedade por meio do usucapião.5

O direito de propriedade sofreu limitações desde a entrada em vigor da

Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, do Código Civil de 2002, enquanto

a posse ganhou maior importância em nossa legislação ao tratar da aquisição de

bens imóveis e seus efeitos.

Isto ocorreu porque a propriedade liberal, que privilegiava o direito individual

do proprietário em detrimento da coletividade, no Código Civil de 1916, foi

substituída pela ideia de coletividade e função social pelo legislador da Constituição

e do Código Civil de 2002.

Entretanto, cumpre ressaltar que a posse e a propriedade continuam

separadas, apesar do poder constituinte e do legislador do Código Civil de 2002

terem estabelecido a função social da propriedade como limite ao uso desta, uma

vez que a função social estabelecida por ambos, não deixou claro os requisitos ou

critérios para que uma propriedade imóvel atinja a sua função social, deixando a

cargo da doutrina interpretar.

Tutikian, dissertando sobre o tema, esclarece que:

Apesar de o princípio da função social ter sido recriado na Constituição Federal e no Código Civil vigente com a pretensão de revincular a posse e a propriedade, não conseguiram atingir seu escopo. A tentativa da função social de “recasar” a posse e a propriedade foi infrutífera por duas razões principais: a primeira é que o termo vago da “função social” não definiu essa circunstancia, deixando a conceituação ao intérprete; a segunda é que o restante da legislação, a respeito da posse e da propriedade, permaneceu exatamente nos mesmos moldes da legislação anterior, o que propiciou a manutenção da não ligação dos institutos. Ainda em relação à propriedade imobiliária rural, a Constituição Federal, há alguma construção, especialmente no sentido de exigir que o titular da terra a utilize produtivamente, mas em relação à propriedade imobiliária urbana não há previsão legal. Assim, a posse e a propriedade continuam “descasadas” e somente haverá uma mudança na estrutura quando a função social for devidamente aprimorada ás necessidades – é aqui justamente que se precisa realizar a

5 AZEVEDO JR, José Osório de. Direitos imobiliários da população de baixa renda. São Paulo:

Sarandi, 2011. p. 32.

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autopoiese do subsistema para adaptar e evoluir a expectativa cognitiva desapontada (função social).6

Apesar do exposto, a alteração de paradigma é notada quando se observa os

prazos para a usucapião, pois todos os prazos das modalidades previstas no Código

Civil de 1916 sofreram uma diminuição substancial no Código Civil de 2002,

demonstrando a preocupação do legislador pátrio em proteger a posse dos

indivíduos que utilizam o bem imóvel para moradia, cumprindo, assim, com a função

social da propriedade, em detrimento do direito do proprietário que por algum motivo

não cuidou de sua propriedade.

Cumpre ressalvar que mesmo na modalidade da usucapião em que a lei não

estabelece a necessidade do possuidor morar no imóvel ocupado, como no caso do

caput do artigo 1228 do Código Civil de 20027, que trata da usucapião extraordinária,

houve diminuição do prazo de 20 para 15 anos, mesmo se o possuidor estiver de

má-fé.

Esta proteção dada ao possuidor, em detrimento do direito do proprietário do

bem imóvel, tem como fundamento o objetivo de alcançar a função social da

propriedade toda vez que o proprietário não o fizer, abrindo, assim, a possibilidade

do possuidor que cuida do bem e zela por ele como se fosse seu, de adquirir o bem

em questão.

Sobre os argumentos e fundamentos desta proteção da posse, Azevedo

Junior sustenta que:

6 TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,

Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 176/177. 7José Pedro Lamana Paiva explica que: “A Usucapião Extraordinária é aquisição da propriedade pelo

prolongado exercício da posse. Isto é, independe de justo título e da boa-fé, não necessitando que o requerente faça prova. O único requisito que o autor da ação deve comprovar é a posse; a posse qualificada: com ânimo de dono, mansa, pacífica, ininterrupta e contínua, nos termos do artigo 1.238 do Código Civil. Esse dispositivo legal também traz dois prazos distintos de usucapião. Não em razão da proximidade espacial do proprietário e do possuidor, mas em razão da finalidade da posse. Dessa forma, em regra, o prazo da usucapião extraordinária é de quinze anos. Contudo, esse prazo é reduzido para dez anos, se a posse concretizar o direito à moradia, ou se no imóvel o possuidor realizou obras ou serviços de caráter produtivo (posse-trabalho), consoante o parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil.” PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião extrajudicial e sua viabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: WWW.lamanapaiva.com.br/banco_arquivos/usucapiao.pdf Acesso em: 10.02.2014.

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A lei defende a posse em nome da paz social. Na verdade, o passar do tempo traz alterações na vida social e acaba alterando o próprio direito. O que era justo e compreensível em uma época já não é mais em outra. Por causa dessa nova situação, a lei entendeu de dar direitos ao mero possuidor de uma coisa mesmo sabendo que, antes, ele não tinha direito algum sobre aquela coisa.

Observa-se, assim, que no início da ocupação do solo brasileiro pelos

portugueses, a noção de função social estava presente na Legislação que regulava

esta ocupação na época, uma vez que tornava obrigatória a efetiva ocupação e

cultivo da área doada pela Coroa Portuguesa para que o Capitão não perdesse o

direito sobre a ocupação da terra doada.

Entretanto, esta noção de função social da propriedade, desaparece com a

Lei de Terras, quando esta estabelece que para a aquisição da terra não houvesse

mais a necessidade de cultivar ou ocupar a mesma, instante em que tornou a

propriedade em mercadoria e, portanto, adquirida pela compra mesmo sem intuito

de ocupar ou cultivar o solo, protegendo o direito do proprietário numa época que a

propriedade passou a ter uma característica absoluta.

Atualmente, a função social da propriedade esta presente em nosso

ordenamento jurídico, prevista tanto em nossa Constituição Federal como no Código

Civil de 2002, alterando a noção da propriedade imóvel e os efeitos em relação a

posse e propriedade.

2.2 A propriedade imóvel e a sua função social

A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 5º, inciso XXII, o direito

de propriedade como um direito fundamental e, ainda, dispõe, no inciso XXIII, que a

propriedade deverá atender a sua função social.8

8 Constituição Federal de 1988: Título II: DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: Capítulo

I: Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos: Artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos

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10

Assim, nota-se que a propriedade imóvel privada, individualista e absoluta do

Código Civil de 1916, oriunda de um conceito liberal, na qual os direitos do

proprietário não sofriam limitações, sofreu alterações importantes em nossa

legislação mais recente, uma vez que passou a ser limitado a sua utilização ao

cumprimento de sua função social.

Observa-se que o princípio da função social introduzido pela Constituição

Federal de 1988 e pelo Código Civil de 20029 teve como principal objetivo relativizar

o caráter absoluto e individualista da propriedade imobiliária liberal, com o intuito de

acabar com a propriedade privada especulativa e, ainda, fazer com que a

propriedade cumpra um papel econômico e social em prol do bem-estar coletivo.

Sobre o assunto, José Afonso da Silva explica que:

A função social manifesta-se na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade não pode mais ser tido como um direito individual. A inserção do princípio da função social, sem impedir a existência da instituição, modifica sua natureza.10

Entretanto, nota-se, que tal princípio se mostra bastante vago, uma vez que o

legislador não aponta critérios que definam quando uma propriedade imobiliária

cumpre ou não a sua função social, conforme visto no item anterior, deixando a

interpretação aberta ao intérprete.

Para que a função social seja atingida, a propriedade imobiliária deve ser

explorada, tornando-se produtiva ou servindo de moradia para um indivíduo ou uma

família e, ainda, respeitando o meio-ambiente, evitando a degradação ambiental

decorrente da utilização do bem imóvel, conforme entendimento do Código Civil de

2002.

seguintes: (...) XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.” 9 Parágrafo 1º do artigo 1228 do Código Civil: “o direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.” (grifo nosso). 10

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 273.

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11

Mais importante, ainda, é que a propriedade imóvel privilegie o interesse

social da coletividade, a fim de promover o bem-estar social por meio da

regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por uma população

vulnerável economicamente e socialmente11.

Neste sentido, Dallari e Ferraz explicam que:

A ideia de função social da propriedade envolve a prevalência do interesse social, do bem coletivo e do bem-estar da coletividade, bem como da persecução e consecução da regularização fundiária e a urbanização das áreas ocupadas por populações de baixa renda.12

Assim, a importância da função social da propriedade é que as políticas

públicas devem orbitar em torno dela, a fim de promover a inclusão social dos

moradores excluídos da cidade legal por meio da regularização fundiária e,

posterior, urbanização das áreas de favelas, possibilitando, assim, o

desenvolvimento da cidadania da população vulnerável economicamente e

socialmente.

2.3 A aquisição da propriedade imóvel como efetivação do direito à moradia e

desenvolvimento da cidadania

Desde o início de nossa história, a aquisição de uma propriedade imóvel era

sinal de status ou ascensão social, uma vez que a propriedade, a partir da Lei de

Terras, de 1850, tornou a propriedade em mercadoria, adquirida apenas por meio da

compra do bem imóvel.

Dessa maneira, a distribuição de riqueza, em nosso país, está intimamente

relacionada com o poder aquisitivo de cada indivíduo, se tornando num item de

11

A vulnerabilidade econômica e social se dá pelo fato da população que habita as áreas de favelas

estarem excluídos da cidade legal, notada pela segregação sócio-espacial e, ainda, por não possuírem condições financeiras ou recursos que permitam a aquisição de uma moradia digna. 12

DALLARI, Adilson Abre, FERRAZ, Sérgio. (coord.). Estatuto da Cidade. Comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p.145.

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12

desejo de qualquer cidadão brasileiro e, ainda, mais importante, necessário para que

esteja inserido numa condição digna de vida.

Por esta razão, aqueles que moram em moradias precárias, localizadas em

assentamentos irregulares ou ilegais, em áreas de risco, sem infraestrutura básica

de saneamento, eletricidade e outros serviços públicos básicos, encontram-se às

margens da cidade considerada legal e, portanto, estão inseridos numa massa de

excluídos socialmente.

Diante dessa explanação, é necessário ressaltar que a moradia é um

parâmetro de mensuração da qualidade e padrão de vida de um indivíduo,

considerado como necessidade básica para que seja configurada que determinado

indivíduo possua uma vida digna, conforme entendimento da Agenda Habitat, na

qual trataremos nos subitens a seguir.

2.3.1 O Direito à Moradia

O direito à moradia é um dos direitos sociais previstos no artigo 6º da

Constituição Federal de 1988, inserido de forma expressa por meio da Emenda

Constitucional nº 26/2000 e, teve, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a

sua fonte originária no direito internacional dos direitos humanos, sendo reconhecida

como uma necessidade básica da pessoa humana.

Nelson Saule, explica que:

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito à moradia tem a sua origem no artigo XXV, que dispõe sobre o direito a um padrão de vida adequado da seguinte forma: 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.13

13

SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.90.

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13

Saule, ainda, sobre a origem do direito à moradia em nosso ordenamento

jurídico, explica que a compreensão deste direito e as suas formas de proteção

internacional são decorrentes de um conjunto de normas previstas por diversos

instrumentos internacionais de direitos humanos, na qual se podem citar o Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos

Direitos Civis e Políticos, ambos ratificados pelo Brasil14 por meio dos Decretos 591

de 6 de julho de 1992 e 592 de 6 de julho de 1992, respectivamente.

Nestes Pactos, das quais foram ratificados pelo Brasil, o artigo 11 do Pacto

Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece que: “Os

Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível

de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e

moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de

vida.”15

Saule, afirma que: o artigo 11 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, contém o principal fundamento do reconhecimento do direito à

moradia como um direito humano, do qual gera, para os Estados-partes signatários,

a obrigação legal de promover e proteger esse direito, sendo este o principal

fundamento para o Estado brasileiro ter essa obrigação e responsabilidade.

Nas palavras de Saule Junior:

O tratamento constitucional sobre o direito à moradia deve ser extraído dos princípios constitucionais das normas estabelecidas sobre os direitos fundamentais, sobre a repartição de competências entre as entidades da Federação Brasileira e sobre a política urbana, no que diz respeito à proteção deste direito nas cidades brasileiras.16

Contudo, sendo ou não responsabilidade do Estado brasileiro, depreende-se

que o direito à moradia, também, é meio para garantir outros direitos sociais e

14

Existem outras Convenções e Pactos Internacionais ratificados pelo Brasil e que tratam de direitos

sociais, dos quais o direito à moradia encontra-se protegido, entretanto, o presente trabalho optou por não abordá-los, uma vez que se pretende, apenas, demonstrar a origem do direito à moradia no nosso ordenamento jurídico. 15

Artigo 11 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966. 16 SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.165.

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14

fundamentais ao cidadão, dispostos pela Constituição Pátria, como saúde,

segurança, liberdade de ir e vir, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei, entre outros não citados aqui.

É notório que as moradias precárias que se localizam numa área de favela,

local onde, geralmente, possui o tráfico de drogas controlando a área, além da falta

de saneamento básico e do acesso de um transporte público descente pela falta de

infraestrutura básica, resultam no cerceamento de outros direitos sociais e

fundamentais, como os citados acima.

Isto se deve ao fato de que nas favelas, controladas pelo tráfico, existem o

toque de recolher, o que cerceia o direito de ir e vir do cidadão; a falta de

infraestrutura básica impede o acesso de serviços públicos básicos como o

recolhimento de resíduos sólidos e de agentes de saúde; as ruelas estreitas

impedem o acesso de um ônibus, atrapalhando, inclusive o meio de ida e vinda do

trabalho do cidadão.

Promover a regularização fundiárias e a urbanização dessa áreas é uma

forma de incluir os cidadão residentes dessas moradias precárias na cidade legal, na

qual o cidadão tenha a oportunidade de se desenvolver profissionalmente,

economicamente e socialmente.

Nesse sentido, Tutikian esclarece que:

É importante ressaltar que a legalização da propriedade imobiliária, antes de ser interesse da cidade e condição para o progresso, é uma forma de alavancar a cidadania, de trazer as pessoas que vivem à margem da sociedade para “dentro do sistema”.17

Dessa forma, além de fundamental, o direito à moradia é imprescindível para

a consecução de outros direitos sociais e fundamentais garantidos pela Constituição

Federal de 1988.

17

TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,

Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 204.

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15

3.3.2 A Agenda Habitat

Na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat

II, realizada em Instambul, em 1996, na qual originou a Agenda Habitat, último

documento internacional relevante sobre o direito à moradia e, que reconheceu este

direito como um direito humano, teve como principais temas globais a Adequada

Habitação para Todos e o Desenvolvimento de Assentamentos Humanos

Sustentáveis de um Mundo em Urbanização. 18

Neste sentido, Saule Junior esclarece que:

Resulta desta norma que a moradia, como uma necessidade de toda pessoa humana, é um parâmetro para identificar quando as pessoas vivem com dignidade e têm um padrão de vida adequado. O direito de toda pessoa humana a um padrão de vida adequado somente será plenamente satisfeito com a satisfação do direito a uma moradia adequada.(...) A finalidade do direito à moradia, que pode ser extraído das normas internacionais de direitos humanos, é fruto da combinação dos valores da dignidade da pessoa humana e da vida que resulta na finalidade de toda pessoa ter um padrão de vida digno.O alcance da finalidade do direito à moradia depende do resultado da equação moradia e padrão de vida. Se o resultado for pessoas com moradia adequada igual a pessoas com padrão de vida adequado, a finalidade do direito à moradia estará sendo atingida. (...) O direito à moradia pode ser considerado plenamente satisfeito a partir da existência de três elementos que são: viver com segurança a partir da existência que são: viver com segurança, viver com paz, e viver com

18 A definição da Agenda Habitat sobre a adequada habitação, que deve ser sadia, segura, protegida,

acessível, disponível e incluir serviços, instalações e comodidades básicas e o gozo de liberdade frente a discriminações de moradia e segurança jurídica da posse foi tida como parâmetro. Os elementos integrantes do direito à moradia que devem ser objeto de proteção e garantia na ordem jurídica brasileira são os seguintes: a) Segurança Jurídica da Posse: todas as pessoas devem possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejos forçados, expropriação, deslocamentos e outros tipos de ameaças; b) Disponibilidade de Serviços e Infra-estrutura: acesso ao fornecimento de água potável, fornecimento de energia, serviço de saneamento e tratamento de resíduos, transporte, iluminação pública; c) Custo da Moradia Acessível: adoção de medidas para garantir a proporcionalidade entre os gastos com habitação e a renda das pessoas, criação de subsídios e financiamentos para os grupos sociais de baixa renda, proteção dos inquilinos contra aumentos abusivos de aluguel; d) Habitabilidade: a moradia deve ser habitável, tende condições de saúde, física e salubridade adequadas; e) Acessibilidade: constituir políticas habitacionais contemplando os grupos vulneráveis, como os portadores de deficiência, os grupos sociais empobrecidos, vítimas de desastres naturais ou de violência urbana, conflitos armados; f) Localização: moradia adequada significa estar localizada em lugares que permitam o acesso às opções de emprego, transporte público eficiente, serviços de saúde, escolas, cultura e lazer; g) Adequação Cultural: respeito à produção social do habitat, à diversidade cultural, aos padrões habitacionais oriundios dos usos e costumes das comunidades e grupos sociais.

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16

dignidade. O núcleo básico do direito à moradia é constituído,

portanto, pela segurança, pela paz e pela dignidade.19

A Agenda Habitat, ainda, estabeleceu, um plano global de ação como forma

de orientar os esforços nacionais e internacionais para melhoria nas condições dos

assentamentos humanos, fundamentados em princípios, metas e compromissos,

também estabelecidos pelo documento.

No preâmbulo do documento, reconhece que o acesso à habitação sadia e

segura e aos serviços básicos são essenciais para o bom estado físico, psicológico,

social e o bem-estar econômico dos seres humanos, além de ser fundamental que

hajam ações urgentes voltadas para a parcela de 1 bilhão de pessoas que não

possuem condições dignas de vida.

2.4 Conclusão do Capítulo

Em síntese, nota-se que tanto o direito à posse como o direito à propriedade

são protegidos em nosso ordenamento jurídico. Como visto, houve uma alteração no

paradigma do direito à propriedade diante da função social da mesma como

limitador do direito do proprietário de bem imóvel, cuja concepção, individualista e

absoluta adotada pelo Código Civil de 1916 (que era influenciado pela propriedade

liberal), foi substituída por um entendimento de prevalência do bem-estar social e

dos interesses da coletividade sobre os direitos individuais do proprietário imobiliário.

Esta alteração de paradigma do direito de propriedade encontra-se fundada

nos direitos fundamentais e sociais da Constituição Federal de 1988 que, por

conseguinte, influenciou o dispositivo que trata da propriedade imóvel no Código

Civil de 2002, bem como nas alterações dos prazos para usucapir um bem imóvel.

O direito social à moradia, trazida para a nossa Constituição Federal por meio

da Emenda Constitucional nº 26 de 2000, teve a sua origem na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, na qual reconheceu este direito como necessidade

básica para um ser humano.

19

SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.132/133.

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17

Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vários documentos

originados de Pactos e Convenções Internacionais trataram do direito à moradia,

sendo, posteriormente, ratificados pelo Brasil como, por exemplo, os Pactos

Internacionais de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e dos Direitos Civis e

Políticos.

Como último documento relevante que trata do assunto, tem-se a Agenda

Habitat, que reconhece o direito à moradia como um direito humano e fundamental

para o bom desenvolvimento psicológico, físico e social de um indivíduo, além de

parâmetro para identificação da existência ou não do mínimo existencial para a

dignidade humana.

Dessa maneira, entende-se que o direito à moradia, efetivado pela aquisição

da propriedade imobiliária, por meio de um dos instrumentos de regularização

fundiária, seja uma das formas de desenvolvimento da cidadania, tendo em vista

que o acesso a uma moradia digna, segura e que promova a paz social, resulte na

inclusão social da parcela de habitantes das áreas urbanas que habitam em áreas

impróprias para a moradia e constituição de um lar digno para a sua família.

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18

3. A EVOLUÇÃO DO CONFLITO DE TERRAS NO BRASIL E O PROCESSO DE

URBANIZAÇÃO NA CIDADE DE SÃO PAULO

Nesse capítulo, pretende-se demonstrar a origem do conflito de terras no

Brasil, as causas para a ocupação do solo nos centros urbanos que resultou no

surgimento das áreas de favelas, bem como os problemas decorrentes dessa

favelização, na qual promove uma segregação sócio-espacial de exclusão de parte

significativa da população brasileira, que habita as cidades, impedindo o

desenvolvimento da cidadania2021 no País; bem como uma análise, breve, da relação

dessas áreas com os problemas que serão elencados.

O conflito de terras no Brasil tem sua origem no modelo de ocupação

implantado pela Coroa Portuguesa, desde o início da colonização do solo brasileiro,

por meio da distribuição das terras, após divisão das Capitanias Hereditárias.

Além desse modelo de distribuição e ocupação do solo pela Coroa

Portuguesa, observa-se que alguns eventos, no decorrer da história do país,

colaboraram para o caos urbano e o conflito por terras que temos nas principais

metrópoles brasileiras.

Assim, pode-se citar que: a Lei de Terras, como primeiro diploma legal a

tentar promover a regularização fundiária, diante da falta de fiscalização da Coroa

Portuguesa, que não conseguia controlar se as terras doadas estavam sendo

20 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São

Paulo: Editora Cortez, 1997.p.243, citando Marshall explica que: “A Cidadania não é monolítica; é constituída por diferentes tipos de direitos e instituições; é produto de histórias sociais diferenciadas protagonizadas por grupos sociais diferentes.”

21 Boaventura ainda tratando sobre cidadania expõe que: “Os direitos cívicos correspondem ao

primeiro momento do desenvolvimento da cidadania; são os mais universais em termos da base social que atingem e apóiam-se nas instituições do direito moderno e do sistema judicial que o aplica. Os direitos políticos são os mais tardios e de universalização mais difícil e traduzem-se institucionalmente nos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos sistemas políticos em geral. Por último, os direitos sociais só se desenvolvem no nosso século e, com plenitude, depois da Segunda Guerra Mundial; têm como referência social as classes trabalhadoras e são aplicados através de múltiplas instituições que, no conjunto, constituem o Estado-Providência.” SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Editora Cortez, 1997. p.244

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19

cultivadas e ocupadas, conforme o regime das sesmarias; a Lei Áurea22 que

concedeu a liberdade aos escravos brasileiros, mas que libertos não tinham

oportunidade de sobreviver de forma digna e tão pouca possibilidade de uma

moradia digna, tendo que ocupar cortiços e espaços que não possuíam valor para o

mercado imobiliário da época; o modo como ocorreu o processo de urbanização nas

principais cidades do país a partir da década de 30, quando o país ingressava no

período industrial e entrava em vigor uma legislação trabalhista que não tutelava o

direito dos trabalhadores rurais, atraindo esse contingente de mão de obra para os

centros urbanos de maneira intensa e sem um planejamento do poder público para

suportar a demanda, bem como os altos preços das propriedades imobiliárias

ditadas pelo mercado imobiliário da época, que culminaram na ocupação dessa

massa em espaços periféricos da cidade ou em loteamentos clandestinos, das quais

não interessavam ao mercado imobiliário, bem como outros fatores que será tratado

nesse capítulo.

3.1 A ocupação do território nacional pela Coroa Portuguesa e a Lei de Terras

3.1.1 O início da Colonização no Brasil e o Regime das Sesmarias

A ocupação do solo brasileiro, com o objetivo de colonização teve início em

153023, portanto, trinta anos após o descobrimento do Brasil pela expedição chefiada

por Pedro Ávares Cabral. Neste inicio de colonização e ocupação do solo brasileiro,

os poderes para realizar a ocupação das terras brasileiras se concentrava na figura

do governante e representante direto do rei, denominado, também, de Capitão-mor.

22

Cumpre esclarecer que o entendimento não orbita no sentido de que a liberdade dos escravos só poderia estar condicionada ao direito de propriedade privada para os mesmos, mas a observação se faz necessária a fim de justificar e relacionar os efeitos que a Lei Áurea teve na distribuição e

ocupação do solo brasileiro. 23

TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,

Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011: “O rei Dom João III organizou uma grande expedição, com cinco embarcações com quatrocentos portugueses, providas de equipamentos necessários para iniciar o povoamento, tais como ferramentas, sementes e animais. Esta expedição era chefiada pelo fidalgo Martim Afonso de Souza, que na colônia se transformaria em Capitão-mor, com plenos poderes para organizar e manter a colonização.”

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20

Entretanto, alguns anos após o início da colonização e ocupação do solo

brasileiro, este poder centralizado passa a ser compartilhada e dividida entre os

titulares das capitanias hereditárias24.

A partir deste instante, o território brasileiro passa a ser dividida em quinze

capitanias hereditárias doadas pela Coroa Portuguesa aos Fidalgos de confiança do

Rei, para ocupação e cultivo da terra, forma de expandir o território colonizado,

conforme ilustração abaixo.

MAPA DA DIVISÃO DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS25

É necessário esclarecer que as capitanias tinham como características a

inalienabilidade, indivisibilidade e hereditariedade, o que significava que o titular da

capitania, não poderia subdividi-la, nem mesmo alienar a concessão recebida pela

Coroa portuguesa, sendo apenas transferido o direito de concessão aos seus

sucessores, após o falecimento de seu titular.

24

Segundo Tutikian: “Apesar das capitanias hereditárias serem consideradas a primeira forma de propriedade imobiliária no país, suas características pouco se assemelham com a propriedade atual. A propriedade de capitanias se caracterizava por elementos diversos dos conhecidos atualmente e com o objetivo preciso de garantir a soberania da Coroa sobre a colônia”. TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011 25

MAPA DA DIVISÃO DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Imagem extraída do link:

http://www.estudopratico.com.br/sistema-de-capitanias-hereditarias-do-brasil/. Acesso em 14.06.2014.

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21

Este direito de concessão, observa-se que era apenas o direito à posse26 e

não à propriedade, pois, como já mencionado, as capitanias hereditárias não podiam

ser alienadas, nem subdivididas, mas apenas transmitidas aos sucessores do titular

das capitanias que continuariam a serem os únicos responsáveis perante a Coroa

pela ocupação e exploração das terras brasileiras.

Esta concessão, também, estipulava que o exercício da posse pelo titular da

capitania deveria ser de 20% do território total da capitania, devendo o restante da

área ser concedida para outras pessoas que tivessem o interesse de cultivá-la,

podendo a concessão do direito à posse ser cassada pela Coroa, caso a área

concedida não se tornasse produtiva, surgindo, assim, o regime das Sesmarias27.

O regime das sesmarias possui duas fases, na qual a primeira se caracteriza

pela concessão apenas da posse da terra, uma vez que a propriedade continuava a

ser totalmente da Coroa portuguesa.

Na segunda fase do sistema das sesmarias, a Coroa, visando dirimir os

conflitos oriundos das falhas de fiscalização sobre as áreas concedidas e da falta de

controle sobre as mesmas, uma vez que a própria Coroa Portuguesa desconhecia

quem eram os sesmeiros e se estes estavam cultivando as terras de fato, inicia o

processo de regularização fundiária, transferindo o título de domínio da terra para os

sesmeiros que comprovassem o cumprimento das condições28 de cultivo da terra,

moradia, demarcação da área utilizada e o pagamento do dízimo à Ordem de Cristo.

Segundo Cláudia Tutikian, o surgimento do sistema das Sesmarias foi que

originou os latifúndios de terras no Brasil, cujos efeitos são sentidos até os dias de

hoje e principal causadora da conjuntura desordenada do território nacional. E

26

TUTIKIAN explica que: “O instituto jurídico utilizado na época era uma analogia ao hoje conhecido direito real de usufruto, em que a nua-propriedade era de Portugal e o domínio útil – a potencialidade de cultivo e de moradia das terras – era dos titulares das capitanias.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.90. 27

TUTIKIAN ensina que: “A estrutura das sesmarias, na sua primeira fase, não previa nenhum título

de propriedade. (...) A propriedade destes imóveis, ou melhor, de todo o território brasileiro, continuava a ser de um único proprietário: a Coroa Portuguesa.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.92. 28

TUTIKIAN expõe que: “Foi diante da conjuntura de completo caos nas terras da colônia que Dom Pedro II decidiu expedir a Carta Régia de 1795, dando início à segunda fase das sesmarias, momento que o processo da propriedade principia no país.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.94.

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22

observa, ainda, a autora, que isto ocorreu pelo fato dos territórios das sesmarias

serem muito grande e pela falha de fiscalização da Coroa em averiguar se as terras

concedidas estavam mesmo sendo cultivadas e se não havia mais de uma área

concedida para uma mesma pessoa.29

Como resultado deste processo, da qual das capitanias hereditárias surgem

as sesmarias, temos o surgimento da propriedade imobiliária privada como forma

derivada da propriedade imobiliária pública, sendo o regime das sesmarias a

responsável pela origem embrionária da propriedade privada que conhecemos

atualmente.30

3.1.2 A Lei de Terras de 1850 e seus efeitos

O regime das sesmarias, em sua segunda fase, na qual regulava a aquisição

da propriedade imobiliária, durou até 1822. Após este período, que coincide com o

início do período imperial no Brasil, a normatização sobre o modo de aquisição do

domínio de terras no país só encontrou previsão na Lei de Terras de 1850, portanto,

praticamente trinta anos após o fim do regime das sesmarias.

Durante estes trinta anos em que não houve uma legislação do modo de

aquisição da propriedade imóvel, o que ocorreu foi a ocupação do solo mediante a

posse desordenada e sem fiscalização do Império, culminando num cenário

imobiliário caótico de ocupação do solo brasileiro.

Assim, a Lei de Terras teve como objetivo principal a regularização do caos

fundiário no país31, promovendo a delimitação das terras públicas e privadas, bem

como a regulamentação da titularidade e registro destas propriedades que se deram

29

TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 93. 30

TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 97. 31

TUTIKIAN explica que: “A primeira medida da Lei de Terras foi reconhecer o direito dos sesmeiros e

dos posseiros que estivessem com as terras cultivadas e utilizando para moradia, conforme o artigo 4º da Lei.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.101.

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23

por meio do Registro do Vigário32, estabelecido pelo decreto nº 1.318 de 1854, que

regulava a Lei de Terras.

A Lei de Terras de 1850, apesar de ter papel importante na regularização

fundiária do caos imobiliário presente na época, acabou com o mecanismo de

retomada de terras improdutivas, tornado o caráter da propriedade imóvel, a partir

da sua vigência, absoluto, uma vez que bastava ao proprietário ter o título de

domínio da terra sem a necessidade de torná-la produtiva ou para fins de moradia.

Como consequência deste fato, a Lei de Terras acabou com a primitiva noção

de função social da propriedade imóvel no país, pois os proprietários de terras não

precisavam mais cultivar ou morar nas suas áreas, sob pena de perder o seu direito

à terra no caso de não cumprir com as condições de utilização do solo.

Dessa maneira, cabe ressalvar, para melhor entendimento sobre a alteração

da noção de propriedade imobiliária trazida pela Lei de Terras, que anteriormente a

esta Lei, a terra era cedida gratuitamente com o ônus para o adquirente de torná-la

produtiva, mas com a vigência da Lei de Terras, as terras passam a ser adquiridas

mediante um valor pecuniário, portanto, sem mais a gratuidade e, também, a

contraprestação de ter que cultivá-la33, tendo um resultado bastante danoso para a

expansão territorial e distribuição de terras no Brasil.

3.2 O processo de urbanização no Brasil e em São Paulo na década de 30

3.2.1 As causas impulsionadoras do êxodo rural no Brasil

O processo de urbanização brasileiro inicia-se de forma mais intensa na

década de 1930, com o êxodo rural, migração das áreas rurais para as áreas

urbanas, impulsionada, dentre outros motivos, principalmente pela política de

32

Segundo TUTIKIAN: “Assim se denominava exatamente porque era realizado nas paróquias das localidades, uma vez que a Igreja encontrava-se unida oficialmente ao Estado, pois a separação se deu apenas com a proclamação da República. Os padres, baseados nos documentos e nas informações que os titulares de propriedade lhes forneciam, faziam o cadastro dos imóveis do seu respectivo lugarejo.” TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica, Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p.104. 33

TUTIKIAN, Cláudia Fonseca. Propriedade Imobiliária e o Registro de Imóveis: Perspectiva Histórica,

Econômica, Social e Jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 107.

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24

incentivo à industrialização e pela consolidação das leis trabalhistas que

contemplavam direitos para o trabalhador urbano, mas não o rural, impulsionando os

trabalhadores das áreas rurais a buscarem melhores oportunidades e condições de

vida nas cidades brasileiras34.

Neste processo de migração das áreas rurais para os centros urbanos, teve-

se um aumento repentino da população urbana em relação à população rural, com a

superação da população urbana em relação a rural a partir da década de 1970, mas

com um crescimento bastante acentuado da população urbana desde a década de

40, tendo, ainda, como projeção para 2050, uma população urbana brasileira,

superando a casa dos 230 milhões de habitantes, enquanto que a ONU aponta uma

diminuição contínua da população rural no Brasil, conforme se depreende com o

quadro a seguir:

QUADRO DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA VERSUS RURAL NO

BRASIL ENTRE 1940-200035

34

MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados nº 48, 2003, p. 152. 35 QUADRO DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA VERSUS RURAL NO BRASIL ENTRE

1940-2000 extraída do link: http://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/urbanizacao-do-brasil-consequencias-e-caracteristicas-das-cidades.htm. Acesso em 10.06.2014.

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25

Entretanto, este movimento migratório não incentivado diretamente pelo

governo36, encontrou as cidades brasileiras despreparadas para suportar a demanda

dos novos moradores.

Concomitante a esta falta de planejamento, as elites locais também

dificultaram bastante o acesso desta massa migratória ao centro da cidade,

sobretudo pelo motivo do mercado imobiliário ter nestas regiões como as mais

valorizadas, sobrando, assim, as moradias que se encontravam mais afastadas do

centro urbano.

Diante deste cenário, o contingente migratório do campo para a cidade se viu

impedido de habitar o centro das cidades brasileiras, ocupando, assim, o solo

urbano nas regiões periféricas da cidade, o que resultou nas ocupações de áreas de

mananciais, encostas e outras áreas que, por se encontrarem em uma localização

perigosa, era também, áreas mais desvalorizadas e, assim, passíveis de ocupação

por esta massa sem moradia e sem poder aquisitivo vinda do campo.

3.2.2 A Urbanização na cidade de São Paulo

Na cidade de São Paulo, o processo de urbanização do município paulistano

e na sua região metropolitana se deu, de forma mais significativa, na década de

1950. Porém, foi a parir da década de 1960 que a cidade começa a ter ocupada a

suas regiões mais distantes, saindo para além das fronteiras centrais da cidade e

ocupando áreas periféricas, de várzeas e encostas, onde a terra era desvalorizada

e, por este motivo, não pretendida pelo mercado imobiliário da época.

Estas ocupações crescentes em áreas mais afastadas da cidade, durante as

últimas décadas, trouxeram problemas para a cidade e para a população residente

destas áreas.

Exemplo dos resultados desta ocupação sem planejamento são as

inundações constantes, em épocas de chuvas, das áreas ribeirinhas ocupadas, pela

36

MARICATO ao explicar a intensidade do processo migratório campo-cidade, observa que: “essa

grande massa que se instalou nas cidades, o fez por sua própria conta e risco”. MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados nº 48, 2003, p. 158.

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26

proximidade com os postos de trabalho e dos serviços públicos, às margens dos rios

Tietê, Tamanduateí e Pinheiros37.

Neste contexto, temos o caso da Baixada do Glicério como exemplo histórico

do modelo de ocupação do solo urbano na cidade de São Paulo, seguida pela

ocupação, na década de 1990, das áreas localizadas às margens das represas

Billings e Guarapiranga ao Sul, a encosta da Serra da Cantareira ao Norte e das

várzeas localizadas nos extremos leste e oeste da cidade38.

Dessa forma, nota-se que a falta de planejamento para absorver os novos

habitantes das cidades e, ainda, o mercado imobiliário especulativo que impunha

uma barreira invisível ao acesso desses novos moradores à região mais centralizada

da cidade, causa reflexos até hoje na qualidade de vida da população paulistana.

3.3 O desenvolvimento das áreas de favelas na grande São Paulo

Originada pela forma como se deu o processo de urbanização na cidade de

São Paulo, as favelas39 surgiram na década de 194040, mas foi a partir da década de

197041 que elas se desenvolveram em larga escala às margens da cidade, formando

um cinturão que cresce desorganizadamente, em locais de difícil acesso, sem infra-

estrutura básica e considerados de risco por estarem em áreas de alagamento ou

desmoronamento.

37

FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta de saneamento

inTemas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo: Imprensa Oficial do estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011. p. 225-226. 38

FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta de saneamento inTemas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo: Imprensa Oficial do estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011. p. 226-227. 39

TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas em São Paulo – Censos, Consensos e Contra-sensos. p.

13. < http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/article/viewFile/9294/6898 >. Segundo definição da Secretaria Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano, tanto as definições das pesquisas da Prefeitura Municipal (1973, 1975, 1987 e 1993), como a de 1980 do IPT-Fupam consideram favela “todo o conjunto de unidades domiciliares constituídas de madeira, zinco, lata, papelão ou alvenaria, em geral distribuídas desorganizadamente em terrenos cuja propriedade individual do lote não é legalizada para aqueles que os ocupam”. Acesso em 04.05.2013. 40TASCHNER, Suzana Pasternak. Espaço e População nas Favelas de São Paulo. p. 04.

<.http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/pdf/2002/GT_MA_ST21_pasternak_texto.pdf> Acesso

em 04.05.2013.

41 BÓGUS, Lúcia Maria Machado. Direito à Cidade e Segregação Espacial. p. 50 <

http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v05n02/v05n02_08.pdf> Acesso em 04.05.2013

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27

Este processo de favelização, isto é, do crescimento do número de favelas e

seus habitantes na cidade de São Paulo e Região Metropolitana tem tido um

aumento significativo nas últimas décadas, principalmente em relação ao

crescimento da população do município, demonstrando que o problema cresce de

forma exponencial e preocupante.

Conforme estudo publicado por pesquisadores na Revista Brasileira de

Estudos Urbanos e Regionais, na década passada, sobre a favelização na cidade de

São Paulo e Região Metropolitana, apontaram o seguinte42:

A população favelada de São Paulo tem crescido a taxas

superiores às da população do município, o que equivale a

dizer que sua proporção se elevou na última década. Os dados

de setores subnormais, embora subestimados, apontam para

um importante crescimento da população favelada entre 1991 e

2000, numa taxa de 3,7% ao ano, quatro vezes superior à

média da metrópole. Nossa estimativa indica uma taxa mais

reduzida – 2,97% a.a., mas muito superior à taxa de

crescimento da população total – 0,9% a.a. Esse crescimento

se deu principalmente pela elevação da área total de favelas

(que cresceu 24% na década), mas também pelo aumento da

densidade média das favelas (que subiu de 360 para 380

habitantes por hectare – 6% de aumento). Os dados apontam,

portanto, para um importante processo de favelização no

município de São Paulo na década de 1990.

Atualmente, a Secretaria da Habitação indica que na cidade de São Paulo

existam, aproximadamente, 1643 favelas43, que ocupam uma área de 24 quilômetros

quadrados, distribuídas por todas as cinco regiões da cidade, conforme mapa a

seguir.

42

MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo da Gama e SARAIVA, Camila. Favelas no Município de

São Paulo: Estimativas de População para os anos de 1991, 1996 e 2000. in Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Vol. 5, N1: 2003. 43

Informações obtidas por meio do site: http://www.habisp.inf.br/principal/busca?tipo=favela . Acesso

em 12.06.2014.

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28

MAPA DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO44

No mapa acima, observa-se que a região central possui o menor número de

favelas, enquanto que as regiões mais afastadas possuem um número maior. Ainda,

importa ressaltar que no mesmo mapa, a Secretaria Municipal de Habitação, não

aponta favelas no extremo sul da cidade de São Paulo.

QUADRO COM A DISTRIBUIÇÃO DE FAVELAS POR SUBPREFEITURAS NA

CIDADE DE SÃO PAULO45

44

MAPA DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, com base nos dados de 2011, extraída do

link: http://oscejam.org.br/os/conteudo/relatorio/2012-12/index.php. Acesso em 19.06.2014. 45

QUADRO COM A DISTRIBUIÇÃO DE FAVELAS POR SUBPREFEITURAS NA CIDADE DE SÃO

PAULO, de acordo com a fonte: Atlas de Saúde da Cidade de São Paulo – 2011, extraída do link: http://oscejam.org.br/os/conteudo/relatorio/2012-12/index.php. Acesso em 19.06.2014.

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29

No quadro acima, nota-se que as subprefeituras que se localizam mais

próximas do centro da cidade possuem um número menor de favelas, enquanto as

subprefeituras das áreas mais periféricas da cidade possuem um número bastante

elevado de favelas para administrar.

Como se não bastassem os problemas decorrentes das áreas onde se

localizam as favelas paulistanas, o tipo de construção das casas localizadas nestas

áreas também se mostra como um dos grandes problemas, uma vez que por se

tratarem de moradias irregulares, são geralmente construções feitas sem projetos

aprovados pela prefeitura, com fios e cabos sem a instalação adequada, sem

captação de água e esgoto necessário, tornando-se suscetíveis, em casos de

enchentes, incêndios, desmoronamentos e grandes catástrofes.

Neste movimento migratório de grande parte da população rural para as

cidades brasileiras, invertendo de forma acentuada a relação da população campo-

cidade, bem como a ocupação sem planejamento e sem ajuda do governo destes

novos habitantes, resultou no cenário complexo que temos atualmente nos grandes

centros urbanos brasileiros, cujos problemas oriundos destas ocupações irregulares

e em locais de difícil acesso, trazem inúmeras dificuldades para o desenvolvimento e

bem-estar da sociedade, tornando-se num grande desafio para os seus governantes

a administração do que se pode chamar de caos urbano.

O resultado da falta de moradia e da ocupação irregular ocorrida no processo

de urbanização das cidades brasileiras reflete e ramifica em inúmeros problemas

que se identifica em diversas áreas como a da saúde, educação, transportes, meio-

ambiente, segurança e outros, pois estas áreas ocupadas representam verdadeiros

nichos de desenvolvimentos precários e com uma alta concentração demográfica,

dificultando a solução dos problemas mencionados.

Assim, percebe-se que o problema é grave e a tendência é de piora desta

situação e do processo de favelização no município e região metropolitana de São

Paulo, exigindo medidas que neutralizem esta ameaça à urbanização e

desenvolvimento da cidade e da qualidade de vida dos seus habitantes.

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30

3.4 Os problemas decorrentes da ocupação do solo e do processo de

urbanização no Brasil

É notório que a ocupação irregular das áreas localizadas em mananciais,

encostas e outras áreas que se encontram nas margens mais distantes da região

central da cidade de São Paulo, formando um bolsão de favelas paulistanas, trazem

para a cidade graves problemas de todo tipo de ordem, pois estas áreas

apresentam-se como nichos proliferadores de todo tipo de problema.

José Carlos de Freitas, 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da

Capital de São Paulo, explica que a instalação de loteamentos clandestinos, favelas

ou habitações subnormais às margens de cursos d`água produzem consequências

desastrosas para os seus residentes.46

Dentre os inúmeros problemas resultantes do processo de favelização na

cidade de São Paulo, observa-se que a violência urbana, a mobilidade precária ou

insuficiente, os loteamentos irregulares ou ilegais, a falta de saneamento básico ou

serviços de infra-estrutura elementares e a segregação socioespacial são as mais

fáceis de serem observadas e sentidas pelo restante da população.

Como consequências desses problemas, acima apontados, temos os

incêndios, as enchentes, as proliferações de doenças e os desmoronamentos e

soterramentos, além do dano sofrido ao meio ambiente e a exclusão social.

3.4.1 O Problema dos Incêndios decorridos das instalações elétricas e

moradias precárias

No caso dos incêndios, as causas são na maioria das vezes oriundas das

instalações elétricas clandestinas e precárias utilizadas nestas áreas que, pela

estrutura da ocupação e construção das moradias, não possuem condições para a

46 FREITAS, José Carlos. Ocupações Irregulares – Riscos sociais decorrentes da falta de

saneamento in Temas de Direito Urbanístico 6 – Áreas de Risco. São Paulo: Imprensa Oficial do

estado de São Paulo: Ministério do Estado de São Paulo, 2011.

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instalação de equipamentos adequados para o fornecimento de energia elétrica

regular e seguro.

47

Na figura acima, nota-se uma instalação elétrica ilegal e inadequada, com

grande possibilidade de resultar num curto-circuito e, consequentemente, num

incêndio.

Assim, existem constantemente ocorrências de incêndios, nas áreas de

favelas, causados por curtos circuitos que somados ao tipo de materiais

empregados na construção das moradias, como madeiras, além de botijões de gás

que não são devidamente instalados e protegidos resultam em tragédias, justamente

pelo potencial de proliferação do fogo nestas áreas.

3.4.2 O Problema das enchentes e inundações

As enchentes e inundações48 ocorrem com mais facilidade nas áreas

irregularmente ocupadas, pois é comum a construção de casas apoiadas, com

47 Imagem extraída do link: http://imagem.band.com.br/f_19467.jpg. Acesso em 20.06.2014.

48 Segundo definição extraída do livro: Desastres Naturais: conhecer para prevenir: “Inundações e

enchentes são eventos naturais que ocorrem com periodicidade nos cursos d’água, frequentemente

deflagrados por chuvas fortes e rápidas ou chuvas de longa duração.” TOMINAGA, Lídia Keiko;

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32

partes inclusive sobre os leitos dos córregos ou no caminho destes que, somados,

ainda, ao despejo de lixo nas suas margens, transbordam sempre que o fluxo de

água não comporta o volume de chuva.

49

Na figura acima, observa-se que o loteamento clandestino ocupa área

ribeirinha, correndo o risco de sofrer com as inundações e enchentes decorrentes

das fortes chuvas que ocorrem na capital paulista durante o período de verão.

O acumulo de lixo às margens ribeirinhas, também, colaboram para o

transbordamento do leito dos rios e córregos, onde estão assentados favelas e

loteamentos irregulares e clandestinos, além do dano à fauna e flora que causam

impactos negativos ao meio-ambiente da região.

SANTORO, Jair; AMARAL, Rosangela do (organizadores). Desastres Naturais: Conhecer para

prevenir. São Paulo: Instituto Geológico, 2009. p. 42.

49Imagem extraída do link:

http://www.coepbrasil.org.br/portal/Publico/apresentarConteudo.aspx?CODIGO=C201411495849140&TIPO_ID=1. Acesso em 20.06.2014.

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33

3.4.3 O Problema dos escorregamentos e deslizamentos de encostas

A chuva também é causadora da erosão do solo dos morros e encostas onde

se localizam muitas das moradias precárias, nas quais se assentam as favelas e

que, por muitas vezes, sofrem com os escorregamentos e deslizamentos50 de terra,

causando o soterramento de casas e, consequentemente, resultando em inúmeras

vítimas todos os anos.

Isto se deve ao fato de que as moradias precárias se localizam em áreas de

risco51 e, portanto, áreas que não deveriam ser ocupadas numa situação em que

houvesse moradia regular para todos os cidadãos.

Em janeiro de 2011, a Região Serrana do Rio de Janeiro enfrentou a sua

maior tragédia em decorrência das fortes chuvas que caíram na região, resultando

no deslizamento das encostas onde se localizavam inúmeras moradias, causando,

aproximadamente, 506 vítimas fatais.52

50 Segundo definição extraída do livro: Desastres Naturais: conhecer para prevenir: “Os

escorregamentos, também conhecidos como deslizamentos, são processos de movimentos de massa

envolvendo materiais que recobrem as superfícies das vertentes ou encostas, tais como solos, rochas

e vegetação. Estes processos estão presentes nas regiões montanhosas e serranas em várias partes

do mundo, principalmente naquelas onde predominam climas úmidos. No Brasil, são mais frequentes

nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste.”(...)“Os movimentos de massa consistem em importante

processo natural que atua na dinâmica de vertentes, fazendo parte da evolução geomorfológica em

regiões serranas. Entretanto, o crescimento da ocupação urbana indiscriminada em áreas

desfavoráveis, sem o adequado planejamento do uso do solo e sem a adoção de técnicas adequadas

de estabilização, está disseminando a ocorrência de acidentes associados a estes processos, que

muitas vezes atingem dimensões de desastres (Tominaga, 2007).” (...) “Movimento de massa é o

movimento do solo, rocha e/ou vegetação ao longo da vertente sob a ação direta da gravidade. A

contribuição de outro meio, como água ou gelo se dá pela redução da resistência dos materiais de

vertente e/ou pela indução do comportamento plástico e fluído dos solos.” TOMINAGA, Lídia Keiko;

SANTORO, Jair; AMARAL, Rosangela do (organizadores). Desastres Naturais: Conhecer para

prevenir. São Paulo: Instituto Geológico, 2009. p. 27.

51 Áreas de risco são definidas como: Área imprópria para habitação devido à fragilidade ou instabilidade do terreno causada pela natureza ou pela ação do homem. É preciso observar a região onde construir e, principalmente, solicitar alvará para construção na Administração Regional. Entende-se por moradia em área de risco construções em margens de rios sujeitas a inundações, áreas de encostas ou morros com risco de deslizamento e desmoronamento, ou até mesmo áreas insalubres contaminadas por resíduos tóxicos. Para verificar se o local onde mora é área de risco entre em contato com a Defesa Civil. Conforme link: http://www.seops.df.gov.br/frentes-de-fiscalizacao/2012-08-21-17-01-06/area-de-risco.html. Acesso em 14.06.2014. 52 Segundo o site do G1, “A chuva na Região Serrana do RJ, que provocou 506 mortes, já é considerada

a maior tragédia climática da história país. O número de vítimas ultrapassou o registrado em 1967, na cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo. Naquela tragédia, tida até então como a maior do Brasil, 436 pessoas morreram.”

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34

53

Na figura acima, vemos duas imagens da tragédia climática que ocorreu na

Região Serrana do Rio de Janeiro, causado pelas fortes chuvas, a encosta, que teve

uma ocupação irregular do solo, sofreu o fenômeno de escorregamento e

deslizamento, resultando em centenas de vítimas.

54

: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/chuva-na-regiao-serrana-e-maior-tragedia-climatica-da-historia-do-pais.html. Acesso em 14.06.2014.

53 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/dilma-diz-que-governo-federal-vai-

ajudar-no-resgate-e-reconstrucao-no-rj.html. Acesso em 14.06.2014.

54 http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/chuvas-no-rj/noticia/2011/01/dilma-diz-que-governo-federal-vai-

ajudar-no-resgate-e-reconstrucao-no-rj.html. Acesso em 14.06.2014.

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Nas imagens acima, observa-se os estragos causados pela tragédia

decorrente dos deslizamentos das encostas da Região Serrana do Rio de Janeiro e

o cemitério com inúmeras covas abertas para sepultar as vítimas da tragédia.

3.4.4 O Problema da proliferação de doenças por falta de saneamento básico

Bastante preocupante, ainda, é o problema das epidemias ou proliferações de

todos os tipos de doenças55 causadas pela falta de estrutura de saneamento básico,

entendida aqui não apenas como abastecimento de água e disposição de esgoto,

mas também, o controle de vetores transmissores de doenças; coleta, tratamento e

destinação final dos resíduos sólidos; execução de serviços e obras de drenagem

urbana, a fim de evitar inundações.

A falta de saneamento básico também causa impactos ambientais,

produzindo degradação do meio-ambiente nativo dos municípios, cujas

consequências são sentidas em todas as áreas urbanas.

56

55

“A falta de água potável e de esgoto tratado facilita a transmissão de doenças que, calcula-se,

provocam cerca de 30 mil mortes diariamente no mundo. A maioria delas acontece entre crianças, principalmente as de classes mais pobres, que morrem desidratadas, vítimas de diarréia causadas por micróbios. No Brasil, infelizmente mais de 3 milhões de famílias não recebem água tratada e um número de casas duas vezes e meia maior que esse não tem esgoto. Isso é muito grave. Estima-se que o acesso à água limpa e ao esgoto reduziria em pelo menos um quinto a mortalidade infantil. Inúmeras são as doenças causadas pela contaminação da água como a cólera, diarreia, leptospirose, hepatite, amebíase e outras”, conforme dados colhidos do site http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Agua/Agua9.php. Acesso em 05.05.2013.

56 Extraído do link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ribeirao/ri0108201103.htm. Acesso em

05.05.2013.

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Na figura acima, nota-se o lixo despejado de forma indevida nas margens de

um córrego que passa ao lado de um assentamento irregular, causando danos ao

meio-ambiente e tornando-se um meio propício para a proliferação de vetores de

transmissores de doenças endêmicas.

3.4.5 O Problema da mobilidade urbana

Outro problema que tem sido motivo de muita preocupação e transtorno para

os habitantes de São Paulo é a questão da locomoção de ida e volta de casa para o

trabalho. Trânsitos intermináveis e a falta de um transporte público de qualidade e

que atenda as necessidades da população e o fluxo do contingente diário são

causados por esta falta de planejamento e ocupação periférica, tendo em vista que

os moradores destas áreas são trabalhadores das áreas mais centrais da cidade.

57

Na figura acima, uma das estações da linha vermelha do metrô paulistano

que diariamente enfrenta problemas de superlotação devido ao mau funcionamento

e ao grande contingente que migra todos os dias da parte periférica da cidade, onde

se localizam boa parte dos assentamentos irregulares e favelas para o centro

urbano para trabalhar.

57 Imagem extraída do link: http://www.cnttt.org.br/falhas-prejudicam-circulacao-de-trens-e-metro-em-

sp/. Acesso em 20.06.2014.

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37

Cumula-se a este problema, a proliferação dos transportes clandestinos que

atuam nessas áreas, devido a falta de fiscalização pelo poder público, causando um

perigo constante aos usuários desse tipo de transporte, além da formação de

quadrilhas especializadas ligadas ao tráfico de drogas e ao crime organizado que se

origina nessas regiões.

58

Na figura acima, observa-se uma lotação clandestina com lotação saturada

que atua nas áreas da periferia da cidade de São Paulo sem registro e sem

obediência as normas de segurança que devem ser observadas pelos transportes

públicos, a fim de evitar acidentes e causar perdas de vidas humanas.

Portanto, a distância entre as áreas central e periférica da cidade, cumulada

com o grande deslocamento diário da massa trabalhadora, peregrinando do cinturão

que envolve a cidade para o centro todos os dias, tem sido um desafio para o

sistema de transporte público que notadamente demonstra estar saturado e muito

atrasado em relação ao crescimento da população residente nas partes mais

distantes do centro.

58 Imagem extraída do link: http://tv.estadao.com.br/videos,vans-clandestinas-driblam-fiscalizacao-da-

prefeitura,67809,250,0.htm. Acesso em 20.06.2014

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38

Este problema de locomoção da classe trabalhadora, originado pela falta de

um planejamento urbano harmônico entre habitação e transportes, gera

consequências no desenvolvimento econômico da sociedade, uma vez que há a

possibilidade constante de atrasos ou até mesmo falta de funcionários causados

pelo mau funcionamento dos meios de transporte que acabam por interferir na

produção e funcionamento das empresas, principal engrenagem no sistema

econômico e, consequentemente, no desenvolvimento econômico da cidade.

3.4.6 Os problemas da violência urbana e da segregação sócio-espacial

A segregação socioespacial e a violência estão relacionadas, uma vez que a

segunda decorre da primeira. A violência nas áreas mais periféricas da cidade, onde

se localizam os assentamentos irregulares e as favelas são lugares propícios ao

desenvolvimento do crime organizado e do tráfico de drogas, tendo em vista que a

falta de urbanização dessas áreas, dificulta o acesso ao aparato do poder público.

Cumulado a esta dificuldade de acesso dos serviços públicos, a segregação social

decorrente da falta de uma moradia digna e de condições mínimas de subsistência e

de qualidade de vida, ferem os direitos sociais estabelecidos pela nossa

Constituição Federal, bem como impedem o desenvolvimento da cidadania por

grande parte da população brasileira que habita as regiões urbanas.

59

Na figura acima, ve-se membros do tráfico de drogas em comunidades onde

são controladas pelo crime organizado.

59

Imagem extraída do link: http://i.ytimg.com/vi/6FHgh3YgAac/hqdefault.jpg. Acesso em 16.06.2014.

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39

Nas figuras a seguir, a favela de Paraisópolis ao lado de um condomínio de

luxo, ambas localizadas no Morumbi, bairro nobre da zona sul da cidade d São

Paulo. Exemplo de segregação sócioespacial, de exclusão social, na qual cidadãos

incluidos na cidade legal confrontam com as áreas ocupadas pela população de

baixa renda em assentamentos irregulares, habitantes da cidade ilegal,

marginalizados pela falta de urbanismo e de uma infraestrutura básica para uma

vida digna.

60

61

Dessa forma, a ocupação irregular do solo urbano traz às cidades graves

problemas que refletem nos centros urbanos das principais cidades brasileiras,

irradiando da periferia para os centros urbanos como num sistema nevrálgico que

imobiliza e torna refém os seus habitantes.

Nesta esfera de caos urbano, o problema da falta de moradia começou ha

alguns anos a produzir efeitos também nas áreas centrais da cidade com a

ocupação de prédios da região central pelos variados movimentos que tutelam os

interesses dos sem teto, forçando as autoridades a travarem uma batalha sem fim

60

Imagens obtidas através dos links: http://www.pco.org.br/conoticias/nacional/direita-fascista-

levanta-a-cabeca-e-exige-upp-na-favela-de-paraisopolis-/eijj,b.html. Acesso em 20.06.2014.

61http://www.rijnlandmodel.nl/onderwerpen/inrichting/stedenbouw_megapolen_sao_paulo3.jpg.Acesso

em 20.06.2014.

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40

pela reintegração de posse destes imóveis, ao mesmo tempo em que a

desocupação dos mesmos gera um déficit habitacional relevante.

Para ilustrar, melhor, os problemas decorrentes da ocupação do solo e do

processo de urbanização em São Paulo, seguem, a seguir, alguns mapas que

reforçam a exposição feita acima.

3.4.7 Quadros Ilustrativos com o mapa da Região Metropolitana da Cidade e da

cidade de São Paulo e a relação dos problemas decorrentes das áreas de

favelas.

MAPA DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO COM A CIDADE

DE SÃO PAULO EM DESTAQUE62

Abaixo, o quadro ilustra um recorte feito do mapa da cidade de São Paulo,

com a região central da cidade e o início das regiões norte, sul, leste e oeste da

cidade, nas quais os pontos em amarelo são as favelas. Observa-se que a

distribuição das favelas, pontos em amarelo, possui uma densidade maior nas áreas

periféricas da cidade.

62

MAPA DA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO COM A CIDADE DE SÃO PAULO EM

DESTAQUE, atual, extraída do link: http://www.emsampa.com.br/page3.html.Acesso em 10.06.2014.

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41

MAPA DA SECRETARIA DA HABITAÇÃO COM A LOCALIZAÇÃO DAS

FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO63

Os pontos em verde demonstram as áreas que se aglomeram os cortiços,

prédios antigos abandonados que outrora pertenceram a classe mais privilegiada na

época em que a região central da cidade de São Paulo era mais valorizada pelo

mercado imobiliário.

63

MAPA DA SECRETARIA DA HABITAÇÃO COM A LOCALIZAÇÃO DAS FAVELAS NA CIDADE DE SÃO PAULO, atual, extraída do link: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/cidades-para-pessoas/2012/06/27/a-sehab-reconheceu-as-favelas-fazem-parte-da-cidade/. Acesso em 10.06.2014.

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42

I. Quadro com a relação entre a localização das áreas de favelas com os

cargos profissionais desempenhado por seus moradores64

O próximo quadro trata da localização das moradias em relação ao cargo

profissional. Os pontos em azul claro e escuro compreendem os profissionais que

ocupam cargos de melhor remuneração, enquanto os pontos nas cores laranja e

amarela representam os indivíduos que ocupam cargos de baixa remuneração.

Dessa forma, depreende-se que os indivíduos que possuem uma baixa

remuneração habitam as áreas mais periféricas da cidade, distantes do centro

urbano e localizadas nas áreas onde possui o maior número de favelas.

64

Quadro com a relação entre a localização das áreas de favelas com os cargos profissionais

desempenhado por seus moradores, extraída do link:. http://www.observatoriodasmetropoles.net/. Acesso em 05.05.2013.

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43

II. Quadro com a relação da Localização das moradias da população de

baixa renda e sua deslocação diária para o polo central da cidade de

São Paulo65

O quadro a seguir retrata o deslocamento pendular das regiões mais

periféricas da região metropolitana da cidade para a região central da cidade de São

Paulo.

Observa-se que nas áreas mais periféricas da Região Metropolitana de São

Paulo, onde se localizam uma densidade demográfica acentuada por conta da

ocupação dessas áreas por favelas ou assentamentos irregulares, mais de 505 dos

habitantes dessas áreas migra todos os dias para as áreas mais centrais da cidade

de São Paulo, causando um problema sério de mobilidade para a população

moradora dessas áreas.

Haja vista que os maiores problemas com relação aos transportes públicos

ocorrem na linha vermelha do metrô e CPTM, linhas que servem a zona leste-oeste

65

Quadro com a relação da Localização das moradias da população de baixa renda e sua deslocação

diária para o polo central da cidade de São Paulo, extraída do link:. http://www.observatoriodasmetropoles.net/ Acesso em 05.05.2013.

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da cidade de São Paulo, coincidentemente, onde se encontra, também, o maior

contingente migratório.

Isto ocorre por conta de que a maioria dos moradores dessas áreas

periféricas precisarem se deslocar para trabalhar, tendo em vista a falta de postos

de trabalhos que absorvam essa massa de trabalhadores.

III. Quadro com a Relação da localização das áreas onde estão localizadas

as favelas com o alto índice de homicídios66

O quadro abaixo trata da relação de óbitos por homicídio em cada uma das

regiões da Região Metropolitana de São Paulo, na qual as áreas coloridas em azul

escuro e azul claro possuem índices mais baixos de óbitos por homicídios, enquanto

as regiões coloridas de verde e amarelo possuem índices mais elevados de

homicídios. Assim, observa-se que na região central da cidade e nas áreas mais

próximas do centro da cidade, os índices de óbitos por homicídios é bem menor em

relação aos índices nas áreas mais afastadas do centro da cidade, onde estão

localizadas a maior parte das favelas paulistanas.

66

Quadro com a Relação da localização das áreas onde estão localizadas as favelas com o alto

índice de homicídios, extraída do link: http://www.observatoriodasmetropoles.net/. Acesso em

05.05.2013.

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45

Depreende-se, portanto, que as áreas mais afastadas do centro da cidade de

São Paulo, onde se localizam a maior parte das favelas paulistanas são, também, as

áreas onde se localizam a maior parte da população de baixa renda, o maior índice

de criminalidade.

Diante do exposto, concluí-se que o modo de ocupação do solo desde a

chegada da Coroa Portuguesa ao Brasil, bem como o modo de distribuição das

terras e, posteriormente, o processo de urbanização ocorrido a partir da década de

1930, impulsionado por diversos fatores, resultou numa ocupação do solo urbano

sem planejamento, originando as favelas e gerando inúmeros problemas que

resultam num caos urbano e que exigem não apenas de instrumentos jurídicos, mas

também de políticas públicas a longo prazo e eficientes para frear o crescimento

deste processo e a reversão do mesmo.

3.5 A legislação brasileira em relação as soluções para a ocupação do solo

urbano brasileiro

Solucionar os problemas causados pela ocupação irregular do solo urbano

numa metrópole como no caso da cidade de São Paulo é tarefa árdua e que exigirá

políticas públicas globais e não apenas pontuais.

Afinal, décadas de ocupação irregular e crescimento de moradias precárias

nas áreas periféricas da cidade, produziram, durante décadas, problemas de toda

ordem para a população da cidade, em especial para aqueles que habitam as áreas

onde se localizam as favelas e que, pela falta de estrutura, estão expostos e sujeitos

aos perigos de todos os tipos.

Bógus, em seu texto sobre o direito à cidade e segregação espacial67, explica

que qualquer política pública que vise solucionar especificamente determinado

problema, como no caso da habitação, será apenas paliativa, sendo necessárias

políticas públicas que atuem sobre as condições geradoras do problema, tratando de

67

BÓGUS, Lúcia Maria Machado. Direito à Cidade e Segregação Espacial. p. 50 <

http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v05n02/v05n02_08.pdf> Acesso em 05.05.2013.

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46

forma global a questão, sob pena de não atingirmos o objetivo de diminuição do

déficit habitacional e melhoria na qualidade de vida da população paulistana.

Além disso, a análise realizada por pesquisadores68, conclui que:

Em termos de custo, portanto, a solução dos problemas das favelas do município é plenamente factível. As dificuldades para solucionar o problema, para um governo que decida enfrentar a questão, são de operacionalização de um programa capaz de executar ao mesmo tempo a urbanização de algo como 24 mil unidades em favela e 3,7 mil unidades novas ao ano. Como a favela média teria algo como 150 habitações em São Paulo (considerando o número de 2.000 núcleos da base da prefeitura), tal programa teria que operar em cerca de 160 favelas ao mesmo tempo. Como a maior parte dessas apresenta porte muito pequeno, a construção de tal estratégia é factível, mas pressupõe a construção de capacidades estatais na área, assim como da implantação de um “ritmo fordista” à política. Esse esforço considerável não pode ser enfrentado com estruturas administrativas adaptadas e com improvisação e depende da construção de agências estatais de porte e complexidade razoável e que sejam geridas de forma técnica, criativa e eficiente.

Em relação aos instrumentos jurídicos, temos no Estatuto da Cidade

mecanismos importantes que poderão, se forem bem aplicados pelos Governantes,

servir no combate a favelização e ocupação irregular do solo urbano, e ainda,

promover a regularização fundiária e urbanização das áreas ocupadas de forma

irregular pela população de baixa renda.

Neste sentido, Maricato observa que:

Não se pode negar que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2000 constituem paradigmas inovadores e modernizantes no que diz respeito às relações de poder sobre a base fundiária e imobiliária urbana. O nó da questão reside, como já foi destacado, na aplicação dos novos instrumentos urbanísticos trazidos por essa legislação quando se deseja reestruturar porque o problema é de estrutura, todo o quadro da produção habitacional de modo a conter essa

68

MARQUES, Eduardo; TORRES, Haroldo da Gama e SARAIVA, Camila. Favelas no Município de

São Paulo: Estimativas de População para os anos de 1991, 1996 e 2000. in R.B. Estudos Urbanos e Regionais, Vol. 5, N1: 2003.

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47

determinação da ocupação ilegal e predatória pela falta de alternativas69.

Reforçando a importância do Estatuto da Cidade nas questões urbanísticas,

Odete Medauar comenta que:

O Estatuto da Cidade representa, sem dúvida, um passo marcante em matéria urbanística, que estivera pouco lembrada e tratada no Brasil desde as décadas de 60 e 70 do século XX, época do florescimento de inúmeros estudos, livros, artigos, projetos e mesmo órgãos públicos dedicados aos temas urbanos, seguindo-se um longo período de quase despreocupação, paralelo ao progressivo agravamento da realidade urbana nas cidades.70

Dessa forma, soluções existem, bem como instrumentos jurídicos para a

realização esta árdua tarefa, entretanto, não bastará a implementação de políticas

públicas urbanas que visem intervenções pontuais, pois serão soluções apenas

paliativas, uma vez que o problema continuará existindo e crescendo,

comprometendo o futuro da cidade, que já tem o seu cotidiano comprometido por

anos de ocupação irregular motivada pela falta de alternativa dos cidadãos mais

pobres durante o processo de urbanização.

3.6 Conclusão do Capítulo

Em síntese, o modelo de ocupação do solo brasileiro desde a chegada da

Coroa Portuguesa e o processo de urbanização desenvolvido nas cidades

brasileiras, resultou nos conflitos de terras que vivencia, atualmente, a população

brasileira, seja nas áreas rurais, ocupadas por grandes latifúndios, seja nas áreas

urbanas, onde cortiços e favelas se formam e servem de moradia para a população

de baixa renda, menos favorecida e sem condições de ocupar um local mais

valorizado pelo mercado imobiliário brasileiro.

69

MARICATO, Ermínia. Metrópole, Legislação e Desigualdade In Estudos Avançados nº 48, 2003, p.

162. 70

MEDAUAR, Odete, ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. (Coord.) Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: RT, 2002. P.14.

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Dessa forma, desde o período de colonização, nota-se a necessidade de Leis

para tentar regularizar a propriedade imobiliária no Brasil, sendo que a Lei de Terras

foi o primeiro instrumento jurídico para promover a regularização fundiária.

Depreende-se, portanto, que o problema enfrentado, atualmente, pelos

grandes centros urbanos brasileiros, especialmente, pela cidade de São Paulo, a

mais populosa da Federação, tem a sua origem na evolução histórica da ocupação

de terras desde o período da Colonização, através das sesmarias, passando por um

período pequeno de ausência de legislação que disciplinasse a aquisição das terras

até a chegada da Lei de Terras que regulamentou e promoveu a regularização

fundiária na época, mas que tirou a noção primitiva da função social da propriedade

imóvel, tornando-a de caráter absoluto, o que não coibiu a existência de terras

improdutivas e desocupadas sem que houvesse algum tipo de punição para os seus

proprietários que se encontravam protegidos sob o mento da Lei.

Concomitantemente a este cenário, criado pelo início da nossa história,

tivemos, mais recentemente, um processo de urbanização ocorrido no séc. XX,

motivado pela industrialização e pela consolidação das leis trabalhistas que

tutelavam apenas os direitos dos trabalhadores urbanos, não se estendendo aos

trabalhadores rurais, resultado de alguns elementos inerentes ao momento histórico

pelo qual o País encontrava-se, cuja consequência foi a ocupação irregular do solo

urbano, em áreas precárias, consideradas de risco e, portanto, de baixo custo, uma

vez que desvalorizadas por não interessarem ao mercado imobiliário, originaram-se

nas favelas como são conhecidas hoje.

Desde a redemocratização do País, seguida da promulgação da nossa

Constituição Federal em 1988 e, posteriormente, pelo Estatuto da Cidade em 2001,

além de outras normas que visam disciplinar a ocupação de terras privadas e

publicas nas áreas urbanas brasileiras, observa-se que não é por falta de

instrumentos jurídicos que o problema deixa de ser resolvido, mas, talvez, pela falta

de políticas públicas globais que sejam capazes de tratar a origem do problema

enquanto remedia os seus efeitos mais graves, bem como de boa vontade dos

governantes que privilegiam outras áreas ao invés do problema exposto.

Dessa maneira, faz-se necessário que o tema em pauta esteja mais presente

nas agendas políticas, orçamentárias e dos governantes dessas cidades, a fim de

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iniciar o processo de estancamento e reversão do problema apresentado, de modo a

evitar o crescimento do déficit habitacional e a piora do caos urbano já há muito

tempo experimentado pelas metrópoles brasileiras e que são geradores de

problemas de ordem econômica, social, sustentável, de segurança, de saúde e até

mesmo de educação.

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4. A USUCAPIÃO COMO INSTRUMENTO DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE

IMOBILIÁRIA E DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Nesse capítulo, pretende-se expor o instituto da usucapião, sua origem, sua

previsão legal em nosso ordenamento jurídico como uma das formas de aquisição

da propriedade imóvel, bem como os seus requisitos e as modalidades previstas em

nossa legislação.

A necessidade dessa exposição se faz pela importância que este instituto

secular possui em nosso ordenamento jurídico, como instrumento de aquisição e

legalização da propriedade imobiliária em nosso País e, com a modalidade coletiva,

como instrumento de regularização fundiária, inclusão social e desenvolvimento das

políticas urbanas habitacionais e, consequentemente, da cidadania.

Em nossa legislação, existem três formas de aquisição da propriedade imóvel:

pelo registro do título, pela acessão natural ou artificial e por fim, pela usucapião,

considerada como uma aquisição prescritiva, uma vez que a aquisição da

propriedade por um indivíduo, que possua o bem de acordo com os requisitos

estabelecidos pela lei, se dá com a perda do direito de propriedade do titular

anterior, servindo a sentença declaratória da ação de usucapião como título

aquisitivo para registro na matrícula do imóvel.

A modalidade coletiva, trazida ao nosso ordenamento pelo Estatuto da

Cidade, vem para regulamentar alguns dispositivos constitucionais de 1988, como

os artigos 182 e 183, que tratam das Políticas Urbanas, bem como o direito à

moradia, um dos direitos sociais e, conforme visto, anteriormente, reconhecido como

um direito humano pela Agenda Habitat, na Conferência das Nações Unidas sobre

Assentamentos Humanos – Habitat II, realizada em Instambul, em 1996.

Neste capítulo, será realizada uma breve exposição desta modalidade

coletiva, para no capítulo seguinte serem enfrentados os pontos que geram

discussão acerca deste instrumento.

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4.1 O instituto da Usucapião na legislação brasileira

O instituto da usucapião surgiu a partir do Direito Romano e foi fundamental

para a caracterização de diversos institutos referentes ao Direito Real, seus

princípios e classificações serviram de base para sua instituição no nosso

ordenamento jurídico. Há pesquisas acerca da origem da prescrição aquisitiva ou

usucapião na Grécia ou na Roma Antiga.

Benedito Silvério Ribeiro, em sua obra comenta que a chamada prescrição

aquisitiva originou-se da Grécia e que Platão a mencionou em sua literatura imortal

“A República” 71.

Ainda, Benedito Silvério Ribeiro explica que:

Historicamente a usucapião foi consagrada na Lei das Doze Tábuas que data do ano de 305 da era romana ou da fundação de Roma (urbe condita), correspondendo ao ano de 455 a.C., sendo que esta lei superou o Código de Hamurabi, contendo normas de garantia aos cidadãos e princípios democráticos72.

Nesta época, somente o cidadão romano, a priori, poderia utilizar desta

modalidade, enquanto aos estrangeiros, também chamados de peregrinos, era

vetada os direitos preceituados nos iuscivile.

Entretanto, com a evolução dos direitos, desbravando-se fronteiras,

concedeu-se ao possuidor peregrino, uma espécie de prescrição (praescripto), como

forma de exceção fundada na posse por longo tempo das coisas. Neste caso o

legítimo dono não teria mais acesso à posse se fosse negligente por longo prazo,

mas a exceção de prescrição não implicava perda da propriedade. Assim, os

peregrinos passavam a ter direito ao instituto, bastando que se mantivessem na

posse pelo prazo determinado na lei. Muito embora tivessem a posse do bem e dela

não serem mais privados, não se tornavam proprietários dos bens usucapidos.

71

RIBEIRO, Benedito Silvério. . Tratado de usucapião. 8 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.169. 72

RIBEIRO, Benedito Silvério. . Tratado de usucapião. 8 Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.171.

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Deve-se ressaltar que em 528 d. C., Justiano aboliu a distinção dos institutos

de usucapio e a praescripto, unificando ambas no instituto da usucapião. Assim,

estabeleceu que quem houvesse adquirido a exceção da prescrição da ação, contra

o proprietário, por posse de trinta ou quarenta anos, poderia reivindicar a coisa, se

perdesse a posse, mas desde que rodeada de boa-fé, com quem lhe era

assegurada a aquisição. Destacou-se nesta época, sua dupla face, aquisitiva e

extintiva, sendo a primeira, o modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada

e, a segunda, meio pelo qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do

tempo.

No Brasil, a influência pelos juristas alemães manteve no conceito a

diferenciação entre a prescrição e a usucapião que poderia ser diferente

dependendo da modalidade dos bens, o que foi se alterando ao longo do tempo.

Muito embora haja uma forte ligação entre a prescrição aquisitiva e a

usucapião, nossa legislação optou por abordar a primeira na parte geral do nosso

Código Civil Brasileiro, e a outra no livro do Direito das Coisas.

Nosso legislador se baseou nos ensinamentos de Justiniano quanto aos

princípios do instituto da usucapião, partindo da nossa Constituição Federal de 1988

uma nova perspectiva com relação à propriedade no sentido social para se

relacionar a este novo instituto.

Silvio de Salvo Venosa ensina que: “já que a prescrição aquisitiva é o

instrumento mais eficaz para atribuir moradia ou dinamizar a utilização da terra, ele

deve ser visto sob esse enfoque” 73.

Dessa maneira, em consonância com a nossa Carta Magna de 1988,

nasceram modalidades mais especificas do instituto, das quais se destaca a do

objeto do presente trabalho, que apesar de não estar prevista explicitamente na

Constituição Federal de 1988, teve como fundamento o artigo 182 para basear o

73

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. São Paulo: Altas, 2010, p. 203.

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surgimento na modalidade coletiva urbana que assim como a individual, goza de um

tempo menor de período aquisitivo.

Observa-se que o instituto na nossa legislação tem tido os seus prazos

diminuídos, principalmente quando comparamos os prazos estabelecidos pelo

Código Civil de 1916 com o Código Civil vigente, sob o fundamento de cumprir com

a função social da propriedade.

Assim, com a entrada do atual Código Civil Brasileiro, houve avanços

consideráveis na nossa legislação no tocante a função social da propriedade

imobiliária, uma vez que a redução dos prazos exigidos para a usucapião da

propriedade imóvel encontra respaldo nas mudanças sociais do nosso país,

tornando a propriedade imóvel não mais em um direito individual como prestigiava o

legislador do código civil de 1916, mas também num dever e, consequentemente,

prestigiando os interesses coletivos.

4.2 Conceito e requisitos exigidos para a usucapião

A posse é o principal requisito quando se trata da aquisição da propriedade

imóvel pela usucapião, pois tal posse deve ser revestida do animus domini, ou seja,

da intenção do possuidor de ter e zelar pela propriedade como se fosse sua. Além

do animus de proprietário, o possuidor deverá manter a posse do bem de forma

mansa, pacífica74e contínua75.

74

José Osório define posse mansa e pacífica como aquela que é tranquila, em que não há contestação pelo dono ou por terceiro que alegue ser possuidor da coisa. 75

José Osório explica que posse contínua é aquela que não foi interrompida, portanto, o possuidor perde a posse se abandonar o imóvel, mas não perde se deixar o imóvel por um lapso temporal curto, quando não tiver a intenção de abandonar o bem, uma vez que mesmo com o possuidor distante do imóvel, a posse não perde a característica de continuidade. E esclarece, ainda, que a continuidade da posse pode se dar pela cessão da mesma, seja por sucessão, doação ou alienação, uma vez que é possível, pela nossa legislação, a continuidade da posse de outra pessoa.

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Nesse sentido, Scavone define de forma sucinta a posse ao explicar: “A

posse nada mais é que o exercício de fato, pleno ou não, de um dos poderes

inerentes ao domínio” 76.

José Osório de Azevedo Junior, explica que:

A posse é o poder, a possibilidade, a capacidade que uma pessoa tem de usar uma coisa. Esse poder pode acontecer com direito ou sem direito. Quando nos assuntos jurídicos, fala-se em posse, não se está pensando no direito de ter posse, mas sim na situação concreta da posse. Quando se diz que alguém está ocupando um imóvel, está se pensando em alguém que tem poder físico sobre esse imóvel, alguém que, por exemplo, está morando no imóvel e tem força suficiente para não deixar outra pessoa entrar lá.77

Segundo Benedito Silvério Ribeiro: “Afastando discussões doutrinárias, o

possuidor é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes

inerentes ao domínio ou propriedade” 78.

Em relação aos prazos para o possuidor usucapir a propriedade variam de

acordo com a modalidade da usucapião, podendo ser reduzido sempre que envolver

a utilização da propriedade imóvel para fins de moradia ou produtividade ou, ainda,

quando este tiver o justo título ou boa-fé, premiando, assim, o possuidor que

promover àquele bem a função social, conforme mencionado anteriormente.

Outro fundamento da usucapião está assentado no principio da utilidade

social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem

como se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio.

Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número de pleitos, planta a paz e a tranquilidade na vida social: tem a

76

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário. 3 Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 816-820. 77

AZEVEDO JUNIOR, José Osório de. Direitos imobiliários da população urbana de baixa renda. São

Paulo: Sarandi, 2011. p.32. 78

RIBEIRO, Benedito Silvério, Op. Cit. p. 222.

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aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigos e modernos 79.

Como se preconiza na lição de Clóvis Beviláqua “o fundamento da

usucapião é a posse unidade ao tempo. A posse é o fato objetivo; o tempo a força

que opera a transformação do fato em direito” 80.

No entendimento de Benedito Silvério Ribeiro:

formaram-se duas linhas: a subjetiva e a objetiva. A teoria subjetiva baseada na passividade do proprietário, na presunção de que há o ânimo da renúncia ao direito de propriedade, ao passo que a objetiva fulcra-se na utilidade

social81.

Ainda, Benedito Silvério Ribeiro, afasta a primeira linha, sustentando que a

renúncia independe do fator tempo, sendo manifestação de vontade, pois não

estaria presente a intenção do proprietário em renunciar ao seu direito, uma vez que

presumir o seu desinteresse acarretaria o abandono ou propósito de abandoná-lo e,

assim, feriria o princípio do direito de proprietário como de não usar ou não gozar do

bem, direitos estes inerentes ao domínio.

Para o doutrinador, os direitos reais não se extinguem só pela inércia do

proprietário, mas apenas nas ações que garantam a propriedade e às quais não se

aplica a prescrição extintiva, quando estas sobrevêm a prescrição aquisitiva ou

usucapião.

Desse modo, sustenta que a teoria subjetiva é a que se adapta melhor aos

princípios do direito e termina afirmando que o interesse social é o fundamento

básico da prescrição, tanto extintiva quanto aquisitiva.

79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Direito das Coisas. 5º vol. São Paulo, 2013.

p. 256. 80

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Rio de Janeiro. Ed. Rio, 1976. p.170. 81

RIBEIRO, Benedito Silvério. Op. Cit. p. 1.222.

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Dessa forma, a usucapião não tem por fundamento a punição pela inércia do

proprietário, mas sim o mister de atender aqueles que dão a destinação correta à

propriedade, ou seja, que zelam por ela e cumprem a sua função social.

Para Maria Helena Diniz:

O fundamento desse instituto é garantir a estabilidade e segurança da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas ou contestações a respeito e sanar a ausência de título do possuidor, bem como os vícios intrínsecos do título que esse mesmo possuidor, porventura, tiver 82.

José Carlos de Moraes Salles argumenta que todo bem móvel ou imóvel,

deve ter uma função social, isto é, deve ser usado pelo proprietário de modo a gerar

utilidades:

O proprietário desidioso, que não cuida do que é seu, que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-o como se fosse sua 83.

A ideia de função social da propriedade ressurge84 com a Constituição

Federal de 1988 que traçou uma política de desenvolvimento urbano, considerando

os valores ligados aos interesses coletivos, regulamentados na Lei nº 10.257/2001,

denominado de Estatuto da Cidade.

Rogério Gesta Leal diz que: “a função da propriedade é um principio

informativo do direito que depende de melhor e constante explicação pelo legislador

ordinário. Os limites são indefinidos e permitem interpretações não coincidentes” 85.

82

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 4: Direito das Coisas – 17ª edição atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva: 2002.p.187-188. 83

SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 49. 84

A noção de função social da propriedade na legislação brasileira existiu no início da ocupação do solo brasileiro por meio do Regime das Sesmarias, período em que era necessário ocupar e tornar a terra produtiva, sob pena de perdê-la. Entretanto, cumpre esclarecer que esta noção da época da colonização era muito diferente da noção atual, influenciada pela noção de função social da propriedade surgida na Constituição da República Alemã de Weimar de 1919. 85

LEAL, Rogério Gesta. A função social da propriedade e da cidade no Brasil: aspectos jurídicos e políticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988, p.117.

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Por fim, depreende-se que a usucapião é um instituto que tem como

finalidade principal, mais do que punir o proprietário negligente, mas sim tutelar os

interesses da coletividade ao beneficiar o possuidor que preserva o bem e o faz

cumprir com a sua função social, possibilitando ao imóvel abandonado a legalização

da posse ou a regularização fundiária do imóvel por meio da aquisição da

propriedade imobiliária.

4.3 As modalidades existentes do instituto na legislação brasileira

A legislação pátria, atualmente, prevê várias modalidades da usucapião,

dentre as quais temos: a usucapião extraordinária, a usucapião ordinária, a

usucapião especial urbana, a usucapião especial rural, a usucapião indígena, a

usucapião de bens móveis, a usucapião familiar, a usucapião administrativa e, por

fim, a usucapião coletiva urbana, objeto principal deste trabalho.

Cada modalidade possui requisitos diferenciados, de acordo com a sua

finalidade ou com o resultado pretendido pelo legislador. Entretanto, três são os

pressupostos comuns a todas as espécies: um bem que seja uma Coisa hábil (res

habilis)86, isto é, suscetível de ser usucapida; Posse (possessio) desde que seja

mansa e pacífica87, ou seja, que ela venha sendo exercida pelo possuidor, sem

qualquer oposição88 por parte do proprietário do bem ou de terceiro e; o Tempo, na

qual a posse deve ser exercida por um lapso temporal de modo continuo conforme a

hipótese especifica, sem interrupção ou impugnação e de acordo com o prazo

86

Assim, os bens fora do comércio e os bens públicos não se sujeitam a usucapião. A jurisprudência

consolidou-se neste sentido, conforme se verifica pela Súmula 340 do STF: ”Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. 87

Conforme já explicado no tópico 4.2. 88 A posse deve ainda, ser justa, pois a violência e a clandestinidade, enquanto perdurarem, impedem

a ocorrência da usucapião, ao passo que a precariedade o impossibilita permanentemente. A boa-fé do possuidor também é exigida quando se tratar de usucapião ordinária.

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estabelecido pela legislação para cada uma das modalidades89 existentes em nosso

ordenamento jurídico.

4.3.1 Usucapião Extraordinária

A modalidade extraordinária da usucapião é a que possui os maiores prazos

para que o possuidor adquira o direito de pleitear a aquisição da propriedade imóvel

privada por meio do instituto da usucapião.

Isto se deve ao fato de que esta modalidade, também, não estabelece muitas

condições, isto é, requisitos que devem ser observados pelo possuidor, que apenas

necessita possuir o bem pelo prazo determinado no Código Civil, com posse mansa,

pacífica e contínua, sem necessitar estar ele de boa-fé ou ter justo título da posse.

Dessa maneira, note-se que o artigo 1238 do Código Civil, prevê o prazo de

15 anos, no caput e, o prazo de 10 anos, no parágrafo único, justificada esta

redução do prazo disposto no caput do artigo, uma vez que exige, além dos

requisitos acima mencionados, o intuito de ocupação para moradia própria ou da

família.

4.3.2 Usucapião Ordinária

Na modalidade ordinária, os prazos são reduzidos em relação a modalidade

extraordinária, tratada, anteriormente. Isto ocorre porque na presente modalidade, o

legislador exigiu que o possuidor esteja de boa-fé, comprovada pela existência de

justo título.

Cabe lembrar, de forma resumida, que o justo título é o documento que

deveria possuir eficácia para a transferência da propriedade, mas que por estar

eivado de um vício, não consegue efetuar a transferência esperada.

Assim, os prazos dessa modalidade iniciam-se com 10 anos, no caput do

artigo 1242 do Código Civil, podendo ser reduzido para 05 anos, conforme previsto

89

O maior prazo para a usucapião é de quinze anos para o caput da modalidade extraordinária e, o menor prazo é de cinco anos e compreende muitas das modalidades mais recentes como o caso as usucapião coletiva urbana.

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no parágrafo primeiro do mesmo dispositivo legal, tendo em vista que neste

parágrafo exige o legislador, que além da boa-fé e do justo título, tenha o possuidor

adquirido de forma onerosa o imóvel e se estiver sendo utilizado para fins produtivos

ou de moradia, isto é, quando houver tido investimento de caráter social-econômico.

4.3.3 Usucapião Especial Rural

A modalidade especial rural, também, conhecida como pro labore tem sua

previsão legal fundamentada nos artigos 191 da atual Constituição Federal e no

artigo 1239 do Código Civil de 2002, na qual dispõe que o possuidor que possuir

área rural, não superior a cinquenta hectares, tornando a produtiva ou, ainda,

servindo de moradia própria ou de sua família, adquire a propriedade do imóvel,

desde que não seja proprietário de outro imóvel, urbano ou rural.

Cabe lembrar que, a presente modalidade, surgiu na Constituição Federal de

1934 e foi mantida nas Constituições Federais de 1937 e de 1946, sendo por fim

estabelecida no Estatuto da Terra, pela Lei nº 4.504 de 1964.

Nota-se que nessa modalidade o legislador restringiu a posse sobre a área a

ser usucapida, uma vez que restringe a ocupação de área de até cinquenta

hectares. Restrição que não é feita nas modalidades anteriores, acima expostas.

Entretanto, a modalidade rural representa um avanço na legislação ao tratar

do instituto da usucapião, pois o prazo de cinco anos, sem necessidade de boa-fé ou

justo título, representa uma inovação que vem de acordo com os princípios

constitucionais de função social da propriedade, e do direito à moradia.

4.3.4 Usucapião Familiar

É uma modalidade que visa o atendimento ao artigo 183 da Constituição

federal, instituída em favor de pessoas de baixa renda90 que não possuem imóvel

próprio, urbano ou rural, que ao exercerem posse por dois anos contínuos e sem

oposição, sobre imóvel de até 250 metros quadrados, cuja propriedade divida com o 90

Pessoas de baixa renda deve entender-se como àquelas que possuem renda até dois salários

mínimos, conforme inteligência do parágrafo 4º do artigo 21 da Lei 8212 de 1991.

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ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar e que, ainda, utilize para

moradia sua ou de sua família, adquirem a possibilidade de se tornarem

proprietários do bem, por meio da usucapião.

Esta modalidade, trazida pela Lei nº 12.424 de 2011 e que inseriu ao artigo

1240 do Código Civil de 2002, um desdobramento, que fez surgir o artigo 1240-A, se

assemelha, portanto, a usucapião individual urbana, tendo em vista que ambas

possuem, praticamente, os mesmos requisitos para a aquisição prescritiva do bem

imóvel.

Entretanto, algumas diferenças existem entre as duas modalidades, conforme

apontadas por Carlos Roberto Gonçalves:

Podem ser apontadas, no entanto, as seguintes diferenças entre as duas modalidades: a) na usucapião familiar, ao contrário do que sucede na usucapião especial urbana disciplinada no artigo 1240 do Código Civil, exige-se, além dos requisitos mencionados, que o usucapiente seja coproprietário do imóvel, em comunhão ou condomínio com seu ex-cônjuge ou ex-companheiro; b) exige-se, também, que estes tenham abandonado o lar de forma voluntária e injustificada; c) o tempo necessário para ususcapir é flagrantemente inferior às demais espécies de usucapião, consumando-se a prescrição aquisitiva no prazo de dois anos.91

Dessa forma, esta modalidade é a que possui o prazo menor para a aquisição

pela usucapião, fundada na coexistência de um vínculo matrimonial desfeito, mas

com o intuito de proteger a moradia da família.

4.3.5 Usucapião Administrativa

Criada pela Lei Federal nº 11.977/2009, com a finalidade de promover a

regularização fundiária de interesse social, possibilitando que os beneficiários se

tornem proprietários dos imóveis que ocupem após 5 anos do registro do título de

legitimação da posse emitido pelo Poder Público, convertendo a posse em

91 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro- Direito das Coisas. 5º vol. São Paulo, 2013.

P.274.

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propriedade por meio do registro do título no Cartório de Registro de Imóveis.

Entretanto, essa modalidade ainda recente, não produziu os efeitos desejados.92

4.3.6 Usucapião Especial Urbana

Com requisitos bastante semelhantes à modalidade rural, a usucapião

especial urbana, difere da anterior, apenas em relação à metragem da área, uma

vez que estabelece a metragem máxima da área possuída em 250 metros

quadrados e que esteja localizada em área urbana para fins de moradia.

Esta modalidade encontra a sua previsão legal no artigo 183 da Constituição

Federal de 1988, nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 1240 do Código Civil

de 2002, e, ainda, no artigo 9º do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001.

Nesta modalidade, nota-se que o legislador, também não exige a boa-fé, nem

o justo título, apesar do prazo reduzido de 05 anos para a possibilidade do possuidor

da área usucapir, em razão do dispositivo constitucional e do Estatuto da Cidade,

pois ambos tratam e estabelecem as diretrizes gerais das políticas urbanas, nas

quais a regularização fundiária esta prevista veemente.

Dessa maneira, essa é mais uma modalidade que deixa claro a influência da

função social da propriedade imóvel em nossa legislação.

4.4 A Usucapião Coletiva Urbana

No intuito de efetivar a função social da propriedade e o direito a moradia,

ambas previstas na Constituição Federal, o legislador pátrio adaptou o instituto da

usucapião ao dar uma nova perspectiva para o instituto com o objetivo de promover

a regularização fundiária e, consequentemente, a urbanização de áreas privadas

ocupadas por uma população de baixa renda.

92

Conforme informações extraídas do site oficial dos Cartórios do Estado de São Paulo, link:

www.cartóriosp.com.br/especialidades_detalhes.aspx?id=88. Acesso em 24.09.2014.

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Dessa forma, o legislador, por meio da Lei nº 10.257 de 2001, mais conhecida

como Estatuto da Cidade, inovou ao criar a usucapião coletiva urbana, em seu artigo

10º, na qual permite a usucapião de áreas urbanas com mais de 250 metros

quadrados, ocupadas por população de baixa renda pelo prazo contínuo de cinco

anos, toda vez que for impossível identificar as áreas individuais de cada possuidor

e, ainda, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano

ou rural.

Observa-se que a usucapião coletiva não possui a mesma natureza da

usucapião individual ajuizada em conjunto, como no caso de haver vários pedidos

individuais cumulados em um único processo, uma vez que no caso da coletiva, o

direito à usucapião surge em razão da indivisibilidade93 do objeto da usucapião, que

no caso é representada pela área ocupada e invadida pela população de baixa

renda e, ainda, pelo fato de que esta modalidade coletiva possui em sua essência

mais do que uma mera forma de aquisição de propriedade, característica da

modalidade individual, mas sim uma forma de promover a regularização fundiária

das favelas94 e, assim, alcançar o bem-estar social e o desenvolvimento da

cidadania.

Nelson Saule Junior explica, ainda, sobre a usucapião coletiva que:

O usucapião urbano coletivo é matéria processual e não material. É um instrumento processual que confere eficácia ao direito material do usucapião urbano, que são o direito à moradia e o direito às cidades sustentáveis, potencializa o cumprimento do princípio da função social da propriedade e das funções sociais da cidade.95

Exatamente por esta razão que o legislador estabeleceu que, no caso da

usucapião coletiva, a aquisição da propriedade imóvel ocorrerá por meio da

93

A indivisibilidade do imóvel, objeto da ação de usucapião coletiva, ocorre por conta de não ser possível a individualização precisa ou segura dos imóveis ocupados pelos possuidores dessas áreas, uma vez que o tipo de construção nas áreas de favelas são, na maioria das vezes, sobrepostas umas às outras, impossibilitando uma definição de confrontantes ou a amarração de pontos geodésicos. 94

Segundo a Secretaria de habitação de São Paulo, favelas são espaços habitados precários, com moradias autoconstruídas, formadas a partir da ocupação de terrenos públicos ou particulares. 95

SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 528.

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formação de um condomínio96, distinguindo-se mais uma vez da modalidade

individual, na qual o possuidor, sujeito ativo da usucapião, adquire a propriedade

imobiliária individualmente, sem necessitar dividir qualquer fração que seja da sua

nova propriedade.

Outra característica peculiar desta modalidade coletiva é a possibilidade dada

pelo legislador de representação processual dos possuidores e futuros adquirentes

da parte ideal do condomínio a ser formado, uma vez que o legislador estabeleceu

as associações de moradores97 são partes legítimas98 para propor a ação de

usucapião coletiva, desde que seja autorizada pelos possuidores, representados, de

forma explícita.

Assim, a usucapião coletiva urbana, trazida pelo artigo 10 do Estatuto da

Cidade, é uma modalidade de usucapião bem distinta das demais, sendo

considerada, por boa parte da doutrina, uma nova modalidade do instituto da

usucapião e, por conseguinte, inconstitucional por não ter respeitado a formalidade

necessária para a sua criação.

Entretanto, esta nova modalidade, se assim for entendida, importa para a sua

essência os princípios da Política Urbana, prevista na nossa Constituição Federal99

96

Importante ressaltar que o condomínio em questão, oriundo da sentença que defere o pedido de usucapião coletivo, difere muito da figura do condomínio especial estabelecido pela Lei nº 4.591 de 1964, uma vez que o legislador não dispôs a criação de unidades autônomas, como no condomínio edilício, em que cada uma das unidades imobiliárias é individualizada e possui uma fração ideal da área total do terreno, objeto do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária. Isto ocorre, justamente, pelo fato de que em tais áreas é impossível a identificação específica e individualização de cada um dos imóveis existentes. 97

Observa-se que o artigo 12 do Estatuto da Cidade dispõe sobre a legitimação para a propositura da ação de usucapião especial urbana, sem, contudo restringir tal legitimidade para a modalidade individual ou coletiva, permitindo, assim, o entendimento de que em ambas as modalidades, as associações de moradores sejam parte reconhecidamente legitimadas para a propositura da ação como representantes dos possuidores. 98

O artigo 12 do Estatuto da Cidade dispõe que são partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I) o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II) os possuidores, em estado de composse e; III) como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. 99 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de

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como forma de buscar a efetivação do direito à moradia e a função social da

propriedade, bem como o alcance da cidadania por meio da inclusão social de parte

da população que habita a cidade ilegal100.

Dentre os seus requisitos para a propositura da ação, a posse deverá ser por

cinco anos, contínua e pacífica, de área urbana com mais de 250 metros quadrados,

ocupada por população de baixa renda e desde que os possuidores não sejam

proprietários de imóvel urbano ou rural, pelo prazo contínuo de 5 anos.

Depreende-se, assim, que os requisitos da modalidade individual se

assemelham à coletiva, diferenciando-se em relação a possibilidade de ser

usucapida uma área maior pela coletividade, tendo como fundamento a função

social da propriedade, o interesse social e o cumprimento das diretrizes gerais das

políticas urbanas.

4.5 Conclusão do Capítulo

Em síntese, depreende-se, que este instituto secular da usucapião, possui um

papel de suma importância em nossa legislação, seja como instrumento de

legalização e aquisição das propriedades imóveis, seja como instrumento jurídico de

regularização fundiária, em consonância com as diretrizes gerais previstas nas

políticas urbanas e, ainda, com a finalidade de promover a inclusão social e o

desenvolvimento da cidadania por meio da efetivação do direito à moradia.

ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 100

Cidade ilegal, entende-se aquela que se encontra às margens da sociedade por não possuir infraestrutura básica para o desenvolvimento de uma vida digna.

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Nesta análise sobre o instituto, observa-se a evolução do mesmo na

legislação pátria, influenciada pela função social da propriedade e do direito à

moradia, direitos fundamentais importados dos Tratados Internacionais, da qual o

Brasil é signatário, conforme anteriormente analisado.

Dessa forma, nota-se que as modalidades da usucapião extraordinária e

ordinária, previstas desde a vigência do Código Civil de 1916 (época em que a

propriedade imóvel, ainda, possuía um caráter absoluto e que privilegiava o direito

individual do proprietário imobiliário) tiveram seus prazos reduzidos no novo Código

Civil.

Concomitantemente a essa redução de prazos nas modalidades

conservadoras, surgiram as modalidades especiais, que não exigem a boa-fé, nem o

justo título, ainda que possuam um prazo reduzido para que torne possível aquele

que possui, pleitear a posse do imóvel, ora ocupado.

Essas novas modalidades, surgiram sob o manto dos princípios

constitucionais, influenciados por Tratados Internacionais, ante a preocupação de

diminuir o déficit habitacional e o conflito de Terras no país e, ainda, a possibilidade

de auxiliar na urbanização de áreas que estão localizadas imóveis cujo tratamento

deve ser especializado.

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5. A USUCAPIÃO COLETIVA URBANA COMO INSTRUMENTO DE

IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE REGULARIZAÇÃO

FUNDIÁRIA E INCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO

Neste capítulo, pretende-se desenvolver uma análise do instituto da

usucapião coletiva urbana, as características que a difere das demais modalidades,

os obstáculos a serem enfrentados para sua efetividade, bem como uma exposição

dos procedimentos processuais e, ainda, exposição de seis casos práticos

referentes a processos de usucapião coletivo que estão em andamento no Poder

Judiciário Paulistano de seis comunidades que pleiteiam a aquisição coletiva da área

privada onde estão assentadas.

Ainda, será tratada, sem profundidade, a questão da responsabilidade do

poder público em relação ao direito à moradia, os conceitos de urbanização,

urbanificação e urbanismo, de modo a entender-se a diferença e relação entre estes

conceitos, a fim de compreender qual o papel do Poder Público na regularização

Fundiária e na ocupação do solo das cidades brasileiras.

Por fim, o presente capítulo, pretende expor mais dois instrumentos jurídicos

de regularização fundiária e compará-las ao instituto da usucapião, com a finalidade

de demonstrar que cada instrumento pode ser utilizado no tratamento de uma área,

de acordo com a necessidade e configuração da ocupação.

5.1 A responsabilidade pela proteção e efetivação do pleno exercício do direito

à moradia

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Como visto, anteriormente, o direito à moradia é imprescindível para o

desenvolvimento da cidadania nas cidades brasileiras, uma vez que ainda existe

uma parcela significativa da população urbana vivendo em moradias subnormais ou

precárias, sem acesso ao saneamento básico ou aos serviços públicos

fundamentais.

Com efeito, para que os moradores, que habitam estas áreas excluídas da

cidade legal, sejam incluídos na sociedade por meio do direito à moradia, se faz

necessário que estas áreas sejam tratadas pelos instrumentos jurídicos de

regularização fundiária, previstas em nossa legislação, para que num segundo

momento, ocorra a urbanificação e, consequentemente, possa-se desenvolver o

urbanismo e a cidadania nas cidades brasileiras.

Desse modo, para que seja atingida uma cidadania plena, da qual se

encontre incluídos todos os cidadãos brasileiros, se faz necessária que haja políticas

urbanas eficientes para a erradicação da pobreza, por meio do tratamento do

problema da falta de moradia ou de pessoas que habitam moradias precárias ou

subnormais, bem como da urbanificação destas áreas.

5.1.1 Urbanização, Urbanificação e Urbanismo

Antes de continuar a desenvolver o tema, se faz necessário entender e

distinguir os conceitos de urbanização, urbanificação e urbanismo, tendo em vista

que, apesar de tais conceitos estarem interligados, possuem significados diferentes.

Sobre a urbanização, Carvalho Filho define e expõe que:

Urbanização é o fenômeno social que denuncia o aumento da concentração urbana em proporção superior à que se processa no campo. Não se trata, na verdade, de constatar a concentração humana nos centros populacionais como um fator estático: aqui o fenômeno é efeito, e não causa. Cuida-se, isto sim, de verificar o processo de mutação social, perpetrado pela fuga das áreas rurais para os centros urbanos, e as causas que provocaram essa transformação.101

101

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.

p.09.

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O processo de urbanização no Brasil, conforme visto, anteriormente, teve

como causas propulsoras o processo de industrialização do País cumulado com o

surgimento de uma legislação trabalhista que tutelava apenas os direitos dos

trabalhadores urbanos. Em razão disto, houve um êxodo rural, cuja migração do

campo para as cidades brasileiras ocorreu em um curto espaço de tempo e,

portanto, alterou de forma abrupta a relação da população que vivia nas áreas rurais

e urbanas.

Essa transformação da concentração da população brasileira do campo para

as cidades trouxe sérios problemas para as cidades brasileiras, uma vez que o

processo de urbanização repentino resultou numa ocupação do espaço urbano

desorganizado e em áreas sem infraestrutura alguma para a instalação das

moradias do contingente imigrante oriundo das áreas rurais, pelos motivos expostos

anteriormente.

Em relação a urbanificação, Carvalho Filho explica que:

Diversamente da urbanização, a urbanificação é a aplicação dos princípios e normas urbanísticas que visam eliminar os efeitos danosos da urbanização e proporcionar melhores condições para a ocupação dos espaços habitáveis pela coletividade. Sem a urbanificação, as concentrações humanas ficarão sempre à mercê das consequências gravosas oriundas da desorganização e da ocupação caótica das áreas citadinas.102 103

Assim, entende-se que a urbanificação é o modo de enfrentar e tratar os

problemas originados pela urbanização, concentração da população nas cidades,

com a finalidade de melhorar a condição de vida dos habitantes das áreas urbanas

por meio de uma organização dos espaços e serviços básicos.

Sobre urbanismo, Hely Lopes Meirelles define e explica que:

É o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. (...). Não se compreende urbanismo isolado; não se realiza urbanismo particular; não se

102

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.

p.10/11. 103

José dos Santos Carvalho Filho esclarece que o termo “urbanificação” foi delineado por GASTON

BARDET em sua obra L’Urbanisme.

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faz urbanismo por conta própria; nem há imposições urbanísticas sem norma legal e geral que as determinem.104

Ainda, sobre urbanismo, Carvalho Filho ressalta que:

Um aspecto que se deve acentuar é que o urbanismo reflete um sistema de cooperação entre o Estado e a sociedade. Não adianta que somente o Estado procure a concretização dos fatores de melhoria social, mas ao contrário, é importante que os indivíduos tenham a consciência social de que só com a interação dos interesses público e privado se poderá ter êxito na missão urbanística.105

Depreende-se, assim, que a urbanificação das áreas urbanas, visando a

melhoria dos espaços habitáveis e da qualidade de vida de seus moradores só é

possível mediante o urbanismo exercido pelo Poder Público por meio de políticas

urbanas eficientes e capazes de tratar os problemas surgidos do processo de

urbanização da cidade.

5.1.2 Políticas Urbanas

As políticas urbanas são necessárias para que exista uma organização e

planejamento capaz de promover a melhoria na qualidade de vida dos habitantes

das áreas urbanas, ainda mais, numa época em que a alta densidade populacional

das cidades atinge um ponto em que a disputa por espaços se faz presente no

cotidiano da população moradora ou em trânsito pela cidade.

Para elucidar, entende-se por Políticas Urbanas, segundo Carvalho Filho:

O conjunto de estratégias e ações do Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado, necessárias à constituição, preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades.

104

MEIRELLES, HELY LOPES. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: RT, 1985. p. 377-379. 105

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.

p.06.

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A nossa atual Constituição Federal, dispõe nos artigos 182 e 183106 sobre a

Política Urbana, estabelecendo ao Poder Público Municipal a execução das Políticas

Urbanas, conforme as diretrizes fixadas pelas Leis que as regulamentem, com o

objetivo de desenvolver as funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes e, ainda, estabelece como instrumento fundamental para o alcance

destes objetivos, o Plano Diretor Municipal, para as cidades com mais de 20 mil

habitantes.

Ainda, nestes dispositivos constitucionais, vislumbra os contornos e

fundamentos do que, posteriormente, se tornou, com a entrada em vigor da Lei

10.257 de 2001, conhecida como o Estatuto da Cidade, na modalidade coletiva de

usucapião urbana.

O mencionado estatuto, também, estabelece no seu artigo 2º107 os objetivos

da política urbana, além dos meios para o alcance desses objetivos, entretanto,

106 Art.182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 107 Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I - garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III - cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V - oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI - ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis

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acrescenta aos objetivos do artigo 182 da Constituição Federal Pátria, o objetivo de

regular as funções sociais da propriedade urbana.

Sobre esta dicotomia entre o dispositivo constitucional e o legal, Carvalho

Filho comenta que:

Observando os dispositivos, pode notar-se que não se encontra integral identidade entre eles. Com efeito, o mandamento constitucional refere-se ao objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes da cidade, além do concernente ao desenvolvimento das funções sociais da cidade. O dispositivo legal, a seu turno, repete este último objetivo, mas, em vez da referência ao bem-estar dos habitantes, alude ao objetivo de ordenar as funções sociais da propriedade urbana. (...) O que a lei estampa é o objetivo de regular as funções sociais da propriedade urbana, até porque esta só é efetivamente garantida se atender à função social, como consigna o artigo 52, inciso XXIII, da Constituição Federal. (...) Mais coerente para a definição de objetivos da política urbana é o artigo 2º do Estatuto, porque, tendo-se referido ao desenvolvimento social das cidades, cujo sentido é inegavelmente de expressiva amplitude, aludiu também ao desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana. Em que pese a natureza que

urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; h) a exposição da população a riscos de desastres naturais; (Incluído pela Medida Provisória nº 547, de 2011). h) a exposição da população a riscos de desastres. (Incluído dada pela Lei nº 12.608, de 2012) VII - integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; VIII - adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X - adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI - recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII - proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII - audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV - simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI - isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social. XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais. (Incluído pela Lei nº 12.836, de 2013). (grifo nosso)

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tem junto à ordem constitucional – de direito fundamental – a propriedade não mais representa um direito absoluto e intangível como foi em épocas pretéritas.108

Cumpre-se notar que o artigo 2º do referido estatuto dispõe sobre as diretrizes

gerais109 da política urbana, ou seja, os meios para que os objetivos estabelecidos

pelas políticas urbanas sejam atingidos e, dentre os inúmeros meios dispostos,

estabelece, em seu inciso XIV, a regularização fundiária e urbanização das áreas

ocupadas por população de baixa renda.

Dessa maneira, pode-se interpretar que a regularização fundiária e

urbanização das áreas onde se localizam as favelas paulistanas, seja um dos meios

para o sucesso das Políticas Urbanas a serem executadas pelo poder público

municipal, tendo em vista que o Estatuto da Cidade surge para regulamentar os

artigos 182 e 183 da Constituição Federal.

Para o alcance do desenvolvimento das funções sociais da cidade e a

garantia do bem-estar de seus habitantes, bem como para regular as funções

sociais da propriedade urbana é necessário que haja um conjunto de medidas

estatais que se destinem à organização dos espaços urbanos habitáveis, a fim de

promover o bem-estar e uma melhor condição de vida para o habitante urbano.

Com efeito, o urbanismo se aperfeiçoa com a urbanificação das áreas onde a

urbanização resultou em problemas na qualidade de vida de seus moradores, mas

para que seja possível urbanificar, antes é necessário realizar a regularização

fundiária de tais áreas, sob pena de não atingir a meta estabelecida pela nossa

Constituição Federal.

A regularização fundiária e urbanização das áreas de favelas são diretrizes

relativas ao solo urbano110 e que compõem o rol das diretrizes gerais da política

108

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.

p.19/20. 109

José dos Santos Carvalho Filho entende por diretrizes gerais da política urbana, “o conjunto de

situações urbanísticas de fato e de direito a serem alvejadas pelo Poder Público no intuito de constituir, melhorar, restaurar e preservar a ordem urbanística, de modo a assegurar o bem-estar das comunidades em geral.” CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013. p.19/20. 110

José dos Santos Carvalho Filho classifica as diretrizes gerais das políticas urbanas, subdividindo-

as em cinco grupos: diretrizes governamentais, sociais, econômico-financeiras, relativas ao solo

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urbana estabelecida pelo Estatuto da Cidade, cujo caráter social é notadamente

visível, uma vez que o dispositivo legal visa melhorar a qualidade de vida dos

habitantes por meio da efetivação do direito à moradia.

Dessa maneira, depreendem-se, desse dispositivo, duas medidas: a

regularização fundiária e a urbanização, que será tratada por urbanificação,

conforme exposto, anteriormente, a distinção dos dois vocábulos.

Assim, para que a regularização fundiária seja realizada, a legislação pátria

dispõe de alguns mecanismos jurídicos para que seja atingida esta árdua tarefa com

sucesso, dentre os quais se tem a usucapião coletiva urbana, como um dos mais

promissores instrumentos jurídicos de efetivação do direito à moradia.

Neste sentido, Nelson Saule Junior expõe que:

A aplicação do Usucapião Urbano atende ao princípio das

funções sociais da cidade, confere eficácia ao direito a cidades

sustentáveis e respeita à ordem urbanística. O Usucapião

Urbano, devido à sua finalidade constitucional de assegurar a

proteção jurídica da moradia nas favelas situadas em áreas

urbanas privadas, deve ser compreendido da seguinte forma:

1) Como um instrumento de política urbana que, ao ser

aplicado, viabiliza a função social de uma propriedade urbana

ocupada por população de baixa renda com a sua destinação

para fins de moradia; 2) Como um instrumento de

regularização fundiária que deve fazer parte da política

habitacional executada pelo Poder Público municipal, devendo

ser aplicado de forma conjugada com as Zonas Especiais de

Interesse Social – ZEIS; 3) Como o instrumento de que

reconhece juridicamente o direito à moradia da população de

baixa renda, que ocupa coletivamente uma área urbana

privada classificada como uma favela, preenchendo, em

especial, a a segurança jurídica da posse e; 4) Como um

instrumento que deve ser aplicado no Poder Judiciário para

evitar os despejos e remoções coletivos em áreas urbanas

resultantes das ações possessórias (ações de reintegração de

posse).111

urbano e jurídicas. (grifo nosso). CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013. p.19/20. 111

SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 527 – 528.

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Além dos instrumentos jurídicos de regularização fundiária, cumpre ressaltar

que cabem a União, aos Estados e aos Municípios promover programas de

construção de moradias e a melhoria das condições de habitação e saneamento

básico, conforme artigo 23, inciso IX da nossa Constituição Federal.112

Nelson Saule Junior, ressalta que:

Essa norma é o fundamento da obrigação das entidades federativas implementarem uma política habitacional voltada a atender os grupos sociais marginalizados e excluídos do mercado habitacional, mediante a realização de programas de habitação de interesse social como, por exemplo, o de urbanização e regularização fundiária de loteamentos populares, favelas e demais assentamentos informais ocupados por estes grupos sociais. A Tarefa e o dever de assegurar o cumprimento do direito à moradia estão totalmente associados à competência comum de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos, previstos no inciso X do artigo 23113 da Constituição.114

Ainda, Saule Junior explica que:

A nova lei federal de parcelamento do solo urbano contém várias regras que permitem ao Município estabelecer uma legislação urbana própria para a promoção desta regularização fundiária. (...) Os Municípios têm competência, por meio do plano diretor ou lei municipal específica, para estabelecer a política de regularização de loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares podendo adotar as seguintes medidas: a) Delimitação das áreas com grande concentração de loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, ou de loteamento irregular com elevada densidade populacional, como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS; b) Execução de um plano de urbanização nos loteamentos irregulares delimitados como Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS, contendo normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e de edificações compatíveis com a realidade da ocupação existente, como principal instrumento de regularização do loteamento irregular; c) Definir os instrumentos que devem ser aplicados pelo Município para a

112

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: IX -

promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. (grifo nosso). 113

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: X -

combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos. (grifo nosso). 114

SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p. 512.

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regularização do loteamento, como o usucapião urbano, o direito de superfície e a concessão de direito real de uso; d) Constituir um programa de regularização fundiária com recursos públicos para a execução das obras e implantação da infra estrutura e equipamentos urbanos necessários para a regularização do loteamento; e) Constituir um programa de recuperação de áreas verdes, mediante a aquisição de novas áreas próximas aos loteamentos que não tenham mais áreas disponíveis, em razão da alta densidade de ocupação.115

Coadunando-se com a posição daqueles que vislumbram a usucapião

coletiva urbana como um instrumento eficiente para a regularização fundiária de

áreas de favelas, atendendo, assim, as políticas urbanas estabelecidas pela nossa

Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, Julia Moretti expõe que:

Em relação ao paradigma jurídico para enfrentamento dos conflitos fundiários urbanos, também houve expressiva mudança após o Estatuto da Cidade. As diretrizes gerais da ordem urbanística elencadas no art. 2º do Estatuto da Cidade corroboram uma interpretação dos instrumentos de política urbana a partir de princípios constitucionais, em especial a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, Constituição) e visando a redução de desigualdades, a erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável (art. 3º, Constituição). Em suma, a regulamentação da usucapião coletiva no Estatuto da Cidade destaca a importância desse instituto como instrumento de regularização fundiária para assegurar a moradia e fazer cumprir a função social da propriedade.116

5.1.3 O Papel do Poder Público na regularização fundiária e na efetivação do

direito à moradia

A palavra “Estado” é proveniente do latim “status”, do verbo “stare”, isto é,

manter-se em pé, sustentar-se.117 O Estado é o responsável por formular as políticas

públicas, através das leis elaboradas pelo nosso poder legislativo118.

115

SAULE, Nelson Junior. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. p.526-527. 116

MORETTI, Julia Azevedo. Usucapião Coletiva e Acesso à Justiça - Superação de obstáculos no

caso da Favela da Piscina. In Tema 8 – A proteção do direito à cidade, a ordem urbanística e a sua judiciabilidade. 117

SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo:

Editora Contexto. 3ª edição. 2010. p. 115.

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Fernando Aith119 expõe que:

As políticas públicas de Estado ou de governo, todas, sem exceção, estão sujeitas às regras definidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como todas devem, necessariamente, ter como finalidade o interesse público e a promoção e proteção dos direitos humanos.120

Aith diferencia as Políticas Públicas de Estado das de Governo, entendendo

que as primeiras são aquelas a que se referem a realização exclusiva do Estado,

visando atividades essenciais deste último. Enquanto que as políticas públicas de

governo são aquelas em que o Estado pode delegar ou terceirizar, podendo,

inclusive, sofrer quebra na continuidade dos serviços prestados.121

Dentro desta diferenciação temos que as políticas de Estado, segundo Aith,

são aquelas cujos objetivos estão voltados para a consolidação do Estado

Democrático de Direito e a garantia da soberania nacional e da ordem pública.

Assim, como exemplos de política pública de Estado é a estruturação do Sistema

Único de Saúde e a política de segurança pública, tendo em vista que ao Estado e

somente à ele é dado o direito do uso da força para a manutenção da paz e da

ordem pública.122

Já as políticas públicas de governo, de acordo com Aith, são aquelas políticas

pontuais, dotadas de uma maior flexibilização e especialidade em seus objetivos,

pois visam aumentar a eficácia e a efetividade das ações de promoção e proteção

dos direitos humanos, utilizando-se das estruturas estatais já existentes, bem como

dos mecanismos democráticos, também, já estabelecidos.

118

Fernando Aith explica que o Estado é o sujeito ativo das políticas públicas, titular principal na elaboração, planejamento, execução e financiamento delas, sendo em regra, realizadas por meio de instrumentos normativos, como as leis, decretos, portarias, resoluções, e outros que existem no nosso sistema jurídico. 119 AITH, Fernando. Políticas públicas de Estado e de governo: instrumentos de consolidação do

Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria

Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva,

2006.

120 AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 232).

121 AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 237).

122 AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 236).

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Segundo Aith:

Uma política que busque implementar um Programa de Saúde da Família é uma política de governo, embora inserida no âmbito da consolidação do Sistema Único de Saúde. Isto porque este programa utiliza-se da rede de funcionários e profissionais de saúde já existentes no âmbito do Estado, isto é, utiliza-se da estrutura estatal já existente para ser desenvolvido.123

Em decisão não muito recente de um processo de Reintegração de Posse124,

o Juiz da segunda vara do foro regional de Itaquera, a favor da não desocupação

feita por milhares de famílias em uma propriedade privada sem benfeitoria alguma,

recitou trecho de Dom Quixote, traduzido para o português:

Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as versões do rico. Procura descobrir a verdade que se esconde detrás das promessas e dos brindes do rico, da mesma forma que detrás dos soluços e das lamúrias do pobre. Mas, se por acaso, dobrares a vara da justiça, que pelo menos não seja em conseqüência do peso do suborno, mas sim do da miséria.

Com esta sentença o Juiz monocrático promoveu ou pelo menos tentou

preencher as lacunas existentes nas políticas públicas urbanas de moradia, talvez

porque cansado de julgar conflitos, por pedaços de terra, que não deveriam existir

se as políticas públicas fossem implementadas e eficientes.

Diante da necessidade de cooperação entre Estado e população, a fim de se

ter um planejamento mais eficiente e de acordo com as necessidades dos cidadãos,

parece que uma democracia mais participativa, possa realizar com amais eficiência

um planejamento, nas quais as políticas públicas urbanas possam promover o bem-

estar social e resolver os problemas da falta de moradia digna que aflige parte

significativa da população urbana brasileira.

123

AITH, Fernando (Ob. Cit., p. 236). 124

Sentença exarada no processo 007.95.306109-9 – lauda 5

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78

Assim, uma dos caminhos pode ser aquele vislumbrado pela nossa própria

Constituição, por meio dos instrumentos de participação da população nas

discussões sobre as formulações das políticas públicas125.

Neste sentido, Boaventura acena para esta nova perspectiva ao expor que:

A renovação da teoria democrática assenta, antes de mais, na formulação de critérios democráticos de participação política que não confinem esta ao acto de votar. Implica, pois, uma articulação entre democracia representativa e democracia participativa.126

Assim, o nosso próprio ordenamento jurídico coloca à disposição alguns

instrumentos e mecanismos que possibilitam este diálogo entre o Estado e o Povo

brasileiro, ou melhor, entre a administração pública e a sociedade brasileira.

Marcos Augusto Perez expõe que:

Tanto a regulação das atividades da Administração Federal, quanto a legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios têm notabilizado os institutos de participação. Conselhos, comissões e comitês participativos; audiência pública; consulta pública, o orçamento participativo, o referendo e o plebiscito são importantes referências entre nós de instrumentos concretos para a implementação do diálogo entre a Administração e a sociedade.127

Recentemente, a Procuradoria-Geral de Justiça e a Promotoria de Justiça de

Habitação e Urbanismo da capital de São Paulo convocaram a comunidade que

mora na região central da cidade de São Paulo para debater e discutir sobre o tema

da moradia, como forma preparatória para a audiência pública, visando discutir o

problema da falta de uma política pública urbana eficiente para acomodar todas as

125

Marcos Augusto Perez, no seu artigo: A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das políticas públicas, explica que: “No Brasil, como ocorre também em outros países, o Direito Constitucional e Administrativo consagram o princípio da participação e um grande número de instituttos voltados a sua concretização.” 126

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade.

Capítulo 9 – Subjectividade, cidadnia e emancipação. Editora Cortez. p. 270.

127 PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das

políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

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79

famílias que necessitam de moradia.128 Esta iniciativa do Ministério Público de São

Paulo é prova de que as portas para o diálogo entre a sociedade civil e a

administração pública estão abertas e tentam, através do debate e da discussão

acerca de um determinado assunto, atingir os interesses da coletividade local, bem

como formular e tornar mais eficiente as políticas públicas urbanas que dizem

respeito a falta de moradia.

128

Aviso de 08/03/2012 - nº 118/2012 – PGJ: O Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas

atribuições, tendo em vista o disposto no art. 19, XII, "p" da LC nº 734, de 26 de novembro de 1993 e

nos arts. 61 e 62 do Ato nº 484/06-CPJ, a pedido do Centro de Apoio Operacional das

Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva (Área de Habitação e Urbanismo e Direitos

Humanos), COMUNICA os Membros do Ministério Público e demais interessados que a Promotoria

de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, realizará REUNIÃO PREPARATÓRIA PARA

AUDIÊNCIA PÚBLICA OBJETIVANDO COLETAR SUBSÍDIOS DA COMUNIDADE LOCAL

(REGIÃO CENTRAL) SOBRE DIREITO À MORADIA (art. 6º, CF), no dia 19 de março de 2012, das

14h00 as 18h00, na Sala dos Estudantes do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo (USP), localizada no Largo São Francisco s/nº, Centro, São

Paulo/SP, conforme edital a seguir:EDITAL DE CONVOCAÇÃO DE REUNIÃO PREPARATÓRIA

PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por

iniciativa do 1º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, no uso de suas atribuições

legais, considerando o quanto foi apurado no inquérito civil nº 42/07, que trata de perscrutar o

respeito ao direito constitucional e social de moradia (art. 6º, CF), tendo em vista os relatos de

desalojamentos de famílias de baixa renda das áreas de risco e de proteção ambiental, sem a

correspondente alternativa habitacional; considerando o tratamento que vem sendo dado ao

problema, com o pagamento de verba assistencial ou de locação social, que não resolvem o

problema da habitação; considerando ainda a ausência ou deficiência de políticas públicas integradas

nessa seara pelas três esferas de governo (federal, estadual e municipal);considerando a grande

quantidade de famílias que ainda residem em favelas, cortiços, áreas de proteção ambiental e de

risco, sem expectativa de regularização de suas moradias num contexto de planejamento urbano;

considerando que o Executivo Municipal vem elaborando plano de habitação para a Cidade de São

Paulo, resolve realizar REUNIÕES PREPARATÓRIAS PARA AUDIÊNCIA PÚBLICA NA CAPITAL

(reunião organizada e presidida pelo Ministério Público, aberta a qualquer do povo, nas

regiões norte, sul, leste, oeste e central), iniciando pela região central, designa para dia 19 de

março de 2012, às 14 h, na Sala dos Estudantes do Centro Acadêmico XI de Agosto, da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sita no Largo de São Francisco, s/nº, a

primeira reunião preparatória com a finalidade de obter subsídios da comunidade local sobre o

tema. A primeira reunião preparatória para a audiência pública está programada para durar quatro

horas (até as 18 h). Após a abertura dos trabalhos pelo Promotor que preside as investigações, que

esclarecerá seu objeto por dez minutos, será franqueada a palavra ao público, ocasião, também, em

que todos os presentes poderão ofertar documentos e manifestações por escrito, com tempo de

manifestação oral individual por cinco minutos. Não será aberta discussão do tema em investigação,

tampouco aberto espaço ao direito de resposta. E, para que chegue ao conhecimento de todos, com

a ampla publicidade que a reunião encerra, expediu-se o presente edital na forma da lei. São Paulo,

06 de março de 2012. José Carlos de Freitas - 1ºPromotor de Justiça de Habitação e Urbanismo

da Capital (Grifo nosso).

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80

Esta participação popular visa diminuir o distanciamento entre a sociedade

brasileira e a administração pública, tornando mais eficiente a atuação administrativa

do Estado na formulação e implementação de políticas públicas que sejam voltadas

para as áreas econômica, culturais, na preservação do meio ambiente, na efetivação

do direito a moradia, e muitos outros que visam o bem estar coletivo e o alcance da

justiça social.

Esta aproximação entre o Governo e os Movimentos Sociais favorece o

trabalho da sociedade sobre ela mesma, uma vez que as discussões sobre as

políticas públicas visam melhor servir aos interesses dos grupos sociais aos quais

estes movimentos representam, beneficiando a própria coletividade e atingindo uma

transparência na atuação da administração pública.

Entretanto, algumas críticas são tecidas sobre esta aproximação entre a

sociedade e a administração pública. Marcos Augusto Perez assinala alguns perigos

que podem surgir desta participação e explica que a abertura de diálogo é bastante

positiva para a concretização das políticas públicas, mas que esta participação por si

só não resolve todos os problemas no tocante à efetivação das políticas públicas, ou

ainda, que esta porta de aproximação não corra o risco de ser desvirtuada pelos

atores que protagonizarem tal diálogo129.

Dessa forma, de acordo com Perez podemos enumerar como perigos desta

participação130: a captura pelo governo; a corrupção; a captura pelo mercado; a

deficiência de análise; as falhas de coordenação.

A captura pelo governo, segundo Perez, ocorre através do extremismo do

participacionismo131, isto é, quando termina os limites entre a sociedade e Estado,

fazendo com que a segunda incorpore a primeira, tornando a sociedade um setor do

Estado, representando uma regressão aos princípios democráticos, elem de tornar

129

PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das

políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito

jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 172.

130 PEREZ, Marcos Augusto. A participação da sociedade na formulação, decisão e execução das

políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 172-176. 131

Marcos Augusto Perez apud Giovanni Sartori, A Teoria da democracia revisitada

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os movimentos sociais em ecos da política governamental. Como exemplo podemos

citar o populismo do Estado fascista italiano.

A segunda crítica que se faz a participação é em relação à corrupção, que

não é uma novidade para a sociedade brasileira, haja vista os inúmeros escândalos

que são veiculados constantemente envolvendo membros das casas legislativas do

nosso país e que se apresenta como um dos principais entraves na efetivação das

políticas públicas. Entretanto na democracia participativa, Perez alerta que a

aproximação pode resultar numa corrupção que cause o sacrifício das políticas

públicas em favor dos interesses pessoais. E nos sugere que o modo de evitar que

isto ocorra é por meio da transparência e regulação dos processos participativos.

O terceiro perigo elencado por Perez, é a captura pelo mercado, semelhante

ao que pode ocorrer na corrupção, o perigo na aproximação entre os órgãos

reguladores e os regulados, pode gerar um favorecimento dos grupos envolvidos,

tendo em vista ser o mercado formado por grupos poderosos de interesse. Assim, o

favorecimento destes grupos se daria em detrimento do bem-estar coletivo, não

produzindo o efeito idealizado pela participação da sociedade na formulação das

políticas públicas.

O penúltimo alerta que Perez faz em relação ao processo participativo é a

deficiência de análise, ou seja, o risco de que a aproximação se torne mero jogo

político, transformado em trocas de favores e reivindicações e atendimentos

particulares, afastando a importância do debate para a adoção de medidas

consistentes e efetivas pela administração pública.

Por fim, as falhas de coordenação, é um dos pontos temerários levantados

por Perez, pois a falta de coordenação e articulação entre os entes públicos federal,

estaduais e municipais, tornam as decisões sobre as políticas públicas num campo

de formulações e decisões contraditórias e inconsistentes.

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Neste último caso, a falha de coordenação pode ser evitada mediante uma

transição entre os governos132, bem como o aumento nos investimentos em relação

a informatização dos aparatos da administração pública.

Depreendemos, assim, que somente com o cooperação entre os poderes

públicos e a sociedade, por meio da participação desta última no processo de

formulação das políticas públicas urbanas, será possível alcançar o bem-estar social

e proporcional a inclusão dos indivíduos marginalizados pela falta de acesso a uma

moradia digna.

5.2 Casos práticos da aplicação da usucapião coletiva urbana nas favelas

paulistanas

O objetivo deste tópico é expor algumas experiências práticas do instituto da

usucapião coletiva urbana em comunidades ou favelas da cidade de São Paulo, que

estão em andamento nos Poder Judiciário de São Paulo.

Antes da exposição, cumpre ressaltar que os processos expostos, no

presente trabalho, foram selecionados de forma aleatória, não tendo a pretensão de

levantamento de todos os casos existentes de favelas que tentam, por meio da

usucapião coletiva urbana, a sua regularização fundiária.

Para isso, se faz necessário, antes de serem expostos os casos práticos,

esclarecer o procedimento processual de uma ação que envolva a aquisição da

propriedade imobiliária pela usucapião coletiva urbana.

132

Apesar das diferenças políticas, o presidente do Brasil na ocasião, Fernando Henrique Cardoso, promoveu uma verdadeira demonstração de respeito à democracia ao efetuar a transição da administração do país ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva entre 2002 e 2003.

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5.2.1 Do Processo da Usucapião Coletiva Urbana

5.2.1.1 Do Rito

Primeiramente, de acordo com o artigo 14 do Estatuto da Cidade, o rito

processual a ser observado é o rito sumário, cujo regulamento encontra previsão

legal nos artigos 275 a 281 do Código de Processo Civil.

5.2.1.2 Da Legitimidade para a propositura da Ação

Com efeito, a petição inicial na Ação de usucapião coletiva urbana deve se

atentar a legitimidade para a propositura da ação, uma vez que a lei inova ao

permitir que a Associação de Moradores represente o possuidor ou possuidores da

área que deverá ser usucapida coletivamente.

Nesse sentido, já há entendimento jurisprudencial em relação a legitimidade

da associação de moradores no polo ativo da demanda, conforme ementa a seguir:

USUCAPIÃO COLETIVO - Legitimidade ativa - Opção dos possuidores entre ajuizar a ação em nome próprio, como pessoas naturais, ou constituírem associação com personalidade judiciária para demandar direito material de outrem - Inteligência do disposto no artigo 12, incisos I a III do Estatuto da Cidade - Distinção entre usucapião coletivo e usucapião conjunto de diversos possuidores individuais em litisconsórcio facultativo - Extinção do processo afastada - Recurso provido (TJ/SP, 4ª Câm. Dir. Privado, Ap.nº 371.371.4/9-00, Rel. Francisco Loureiro, j.29/09/2005, v.u. - grifeii) Usucapião Especial Urbano - Ação ajuizada em caráter individual com afinalidade do reconhecimento de domínio exclusivo sobre um cómodo de habitação coletiva -Inadmissibilidade - Situação a viabilizar em tese a ação de usucapião especial urbano coletivo, na qual a legitimidade “ad causam" é deferida a todos os moradores em litisconsórcio necessário ou à associação que os representa - Aplicação das regras dos artigos 9o, 10 e 12 da lei n.10.257/01 (Estatuto da Cidade) –Petição inicial indeferida - Recurso do casal autor desprovido.(TJ/SP, 8ª Câm. Dir. Privado Apelação n° 283.033-4/0 Morato de Andrade, j. 27/08/2003 v.u.)

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Outra ementa, bastante interessante, demonstra a possibilidade de

comprovação da posse coletiva, como modo de garantir o direito social da

população de baixa renda, conforme se depreende a seguir:

Tal instituto (usucapião coletiva) imprime concretude ao direito social à moradia, consagrado no Art. 6º da Constituição Federal, que assegura a todos verdadeiro direito fundamental. O direito fundamental à moradia é uma das vertentes do princípio da dignidade humana, somando-se ao dever incondicional do Estado de proteção à família. Dos fatos expostos e documentos acostados às fls. 2305/2308, verifica-se há suficientes indícios de que os autores, como uma coletividade, ocupam a área por tempo suficiente para usucapi-la” (JF/SP, 17ª Vara Cível, 0006428-31.2008.4.03.6100 antigo 2008.61.00.006428-2, Usucapião, j. 07/04/2008).

5.2.1.3 Dos Efeitos da Ação

Em relação aos efeitos sobre outras ações, o artigo 11 do Estatuto da Cidade,

dispõe que qualquer outra ação petitória ou possessória, cujo objeto seja o imóvel

usucapiendo, deverá ficar sobrestada na pendência da ação de usucapião especial

urbano, ou seja, qualquer outra ação que trate do imóvel, objeto da ação de

usucapião, deverá ficar paralisada, aguardando a decisão final sobre a usucapião do

imóvel.

Entretanto, cumpre ressaltar que o sobrestamento só alcança as ações

ajuizadas após a propositura da ação de usucapião.

5.2.1.4 Do Direito à Assistência Judiciária Gratuita

Quanto a possibilidade de assistência judiciária gratuita, entende-se possível,

uma vez que a usucapião coletiva urbana, possui como objetivo, atender a

população de baixa renda. Em consonância com este fundamento, o artigo 12,

parágrafo 2º do Estatuto da Cidade, assegura os benefícios da justiça e da

assistência judiciária gratuita para o autor da ação de usucapião especial de imóvel

urbano.

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5.2.1.5 Organograma do Processo

De forma a elucidar, segue abaixo um organograma elaborado para facilitar o

entendimento de um processo de usucapião coletiva urbana:

- Legitimidade para propor a ação (art. 12 E.C.) - Efeitos sobre outras ações (art. 11 E.C.) - Requisitos para a propositura da ação(art. 10 E.C.)

- Assistência Judicial gratuita (art. 12 do E.C.)

- Considerações preliminares - Peça Inicial - Vistoria - Localização e situação quanto ao mapa fiscal - Melhoramentos Públicos existentes - Descrição do imóvel - Do terreno -Das benfeitorias - Respostas aos quesitos do juiz - Relatório Fotográfico - Documentos utilizados para análise - Encerramento - Levantamento planimétrico e Memorial Descritivo - Croqui de situação e planilha resumo

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5.2.3 As Ações de Usucapião Coletivas Urbanas ajuizadas por Comunidades

na cidade de São Paulo – Casos Práticos

Neste tópico, serão expostos alguns casos de aplicação do instituto da

usucapião coletiva urbana, com o objetivo de regularização fundiária em favelas

paulistanas.

5.2.3.1 O Caso da Favela do Moinho

133

133 http://www.habisp.inf.br/919d7242-aba3-42d7-aee8-bd70a2886a94/Moinho. Acesso em

10.06.2014.

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87

134

135

Os moradores da favela do Moinho, por meio da Associação da Comunidade

do Moinho, representando cerca de 600 famílias ajuizaram ação de usucapião

coletiva urbana, alegando que ocupam a área pleiteada desde 1986, além de

preencher todos os demais requisitos estabelecidos pela legislação para a

usucapião da área privada onde está assentada a favela, uma vez que utilizam para

134

Fotos da favela do Moinho extraídas dos links, respectivamente:

www.midiaindependente.org/pt/red/2006/09/360139.shtml e http://blogs.estadao.com.br/diego-

zanchetta/haddad-nao-garante-mais-reurbanizacao-na-favela-do-moinho/. Acessos em 10.06.2014.

135 Foto da Favela do Moinho extraída do link: http://blogs.dharma.art.br/2012/04/favela-do-moinho-5-

fotos/. Acesso em 10.06.2014.

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moradia de suas famílias, que são pessoas de baixa renda e não possuem qualquer

outro imóvel.

Na sua inicial alegaram, ainda, que o Brasil é signatário de vários tratados e

convenções internacionais sobre assentamentos humanos e meio ambiente, como

as Agendas 21 e Habitat, originadas das Conferências das Nações Unidas

realizadas, respectivamente, no Rio de Janeiro em 1992 e em Instambul em 1996 e,

portanto, que ambos os documentos integram o ordenamento jurídico pátrio e

estabelecem como princípios fundamentais o desenvolvimento sustentável, a

participação popular e, a mais importante, o direito à moradia, sendo que este último

foi recepcionado pela nossa Constituição Federal, por meio da Emenda

Constitucional n º 26, de 14 de fevereiro de 2000, e foi consagrado ao patamar de

direito e garantia fundamental do cidadão, coadunando-se ao que a nossa

Constituição estabelece quando dispõe que todo bem imóvel, urbano ou rural, deva

cumprir à sua função social.136

Como reforço desta argumentação, importante o trecho extraído da inicial e

transcrito a seguir:

O objeto do Estatuto da Cidade é disciplinar o uso da propriedade urbana, para que esta sirva a ordem pública e interesse social em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como ao equilíbrio ambiental. Através da democratização das decisões que interfiram no desenvolvimento urbano busca-se a integração das diversas esferas governamentais e da sociedade civil, bem como a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização. Há neste diploma legal um incentivo ao planejamento urbano, com destaque para o Plano Diretor. Dessa forma, são determinados os instrumentos jurídicos e políticos da política urbana, entre os quais se encontra a usucapião especial de imóvel urbano, conforme o artigo 4º, inciso V, alínea “j”.

Ainda sobre a questão da segurança jurídica da posse pelos ocupantes das

áreas denominadas de favelas, a patrona137 da ação esclarece que:

136

Argumentos da Inicial da Autora no processo de usucapião coletivo, extraído dos autos, em trâmite

na 17ª Vara Federal de São Paulo, sob o n º 2008.6100006428-2. 137

A presente ação de usucapião coletiva urbana é patrocinada pelo Escritório Modelo da PUC/SP em

convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

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Os grandes centros urbanos brasileiros possuem como regra uma periferia marcada por assentamentos irregulares, ilegais ou clandestinos. Em várias ocupações, denominadas comumente de favelas, já houve ações de melhorias, principalmente sanitárias, embora ainda tímidas. Contudo, um grande problema se apresenta: a segurança jurídica da posse. Os verdadeiros ocupantes, pela sua própria carência econômica, não dispõem de uma assessoria jurídica competente, e mesmo quando chegam ao judiciário, os processos judiciais apresentavam-se morosos e ineficazes na solução dos impedimentos de registro junto aos cartórios.

Entretanto, o Município de São Paulo, por meio do Decreto 47.686 de 14 de

setembro de 2006, que decretou o imóvel em questão de utilidade pública, moveu

ação de desapropriação em face dos proprietários do imóvel, que tramita na 11ª

Vara da Fazenda Pública da Capital Paulista, sob o número 053.07.128715-7 e,

obteve provimento jurisdicional de imissão imediata na posse condicionada ao

depósito do valor referente a indenização.

Por esta razão, em função da desapropriação, estariam as famílias

ameaçadas de serem removidas em breve e, por esta razão pleitearam a

manutenção da posse das famílias que ocupam a área durante a tramitação da ação

de usucapião, bem como a suspensão de qualquer outra ação que tenha como

objeto de discussão o imóvel usucapiendo.

Em 07 de abril de 2008, o Juiz Federal da 17ª Vara Cível Federal da Seção

Judiciária de São Paulo, deferiu o pedido de tutela antecipada, conforme a decisão

abaixo transcrita:

Decido. O Estatuto da Cidade ao regulamentar a usucapião constitucional urbana, estabeleceu o instituto da usucapião coletiva, permitindo às populações de baixa renda, que ocupem área urbana, maior que duzentos metros quadrados para sua moradia, há mais de cinco anos, obtenham o título de propriedade da área que ocupam desde que não possuam outro imóvel. Tal instituto imprime concretude ao direito social à moradia, consagrando no artigo 6º da Constituição Federal, que assegura a todos verdadeiro direito fundamental. O direito fundamental à moradia é uma das vertentes do princípio da dignidade humana, somando-se ao dever incondicional do Estado de proteção à família. Dos fatos expostos e documentos acostados às fls. 2305/2308, verifica-se que há suficientes indícios de que os autores, como uma coletividade, ocupem a área por tempo suficiente para usucapi-la. Ademais, a própria Municipalidade de São Paulo reconhece que desde

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2001, os autores instalaram-se no imóvel usucapiendo, conforme se verifica no documento juntado às fls. 22.48, ou seja, a cópia da petição inicial da ação civil pública nº 2007.61.00.027640-2. Ante a demonstração da efetividade do direito e o fundado receio de lesão grave, com o prematuro despejo dos autores, situação apta a justificar a tutela de urgência, defiro a antecipação de tutela para manter os autores na posse direta até que se torne definitiva a prestação jurisdicional de mérito. Determino o sobrestamento da Ação Civil Pública 2007.61.00.027640-2, ante os termos do artigo 11 da Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade.

Em 20 de junho de 2006, o Juiz proferiu o seguinte despacho:

Despacho Proferido Autos nº 583.53.2008.120781-6 ? controle nº 1819/2008 Tratando-se de ação com pedido de anulação do Decreto Municipal nº 47.686 de 14 de setembro de 2006, que declarou de utilidade pública um imóvel para fins de desapropriação, e havendo informação nos autos que ele serve de fundamento para uma ação de desapropriação já em curso pela 11ª Vara da Fazenda Pública local (fls. 131/134 e 136/138), evidente a necessidade de distribuição por dependência em razão da conexão, já que uma causa se mostra prejudicial em relação à outra (RT 660/140). Nesse sentido, transcrevo recentíssima decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: ?AGRAVO BE INSTRUMENTO - ação de anulação de ato administrativo - tutela antecipada - deferimento da suspensão dos efeitos do decreto expropriatório - hipótese de conexão das causas - prejudicialidade de uma causa (ação de nulidade) em relação à outra (expropriatória) - inadmissibilidade da suspensão - impossibilidade de interrupção do processo expropriatório em razão do interesse público que o preside - art 21 do Decreto-Lei n° 3365/41 - recurso provido? (TJSP ? AI nº 452.411-5/6 ? 8ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Leonel Costa, deram provimento ao recurso, v.u., julgado em 07/06/2006). Assim, encaminhem-se os autos ao Cartório Distribuidor para imediata redistribuição do feito à 11ª Vara da Fazenda Pública local, por dependência ao processo de autos nº 583.53.2007.128715-7, controle nº 1796/2007. Int. São Paulo, d.s. Autos nº 583.53.2008.120781-6 ? controle nº 1819/2008 Tratando-se de ação com pedido de anulação do Decreto Municipal nº 47.686 de 14 de setembro de 2006, que declarou de utilidade pública um imóvel para fins de desapropriação, e havendo informação nos autos que ele serve de fundamento para uma ação de desapropriação já em curso pela 11ª Vara da Fazenda Pública local (fls. 131/134 e 136/138), evidente a necessidade de distribuição por dependência em razão da conexão, já que uma causa se mostra prejudicial em relação à outra (RT 660/140).

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91

5.2.3.2 O Caso da Favela Americanópolis

138

139

138 http://www.habisp.inf.br/9d0bd8cc-7225-4866-949e-9759dc2f1d65/American%C3%B3polis. Acesso

em 10.06.2014.

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92

140

Os moradores da favela de Americanópolis ajuizaram ação de usucapião

coletiva urbana, em 26 de maio de 2010, alegando que ocupam a área pleiteada há

mais de vinte anos, além de preencher todos os demais requisitos estabelecidos

pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a favela, uma

vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas de baixa renda e

não possuem qualquer outro imóvel.

Alegam, ainda, que ao longo dos mais de vinte anos de ocupação, fizeram

com que o imóvel, objeto desta usucapião, cumprisse com a sua função social, uma

vez que serve de moradia para que as familias constituissem o seus lares e os laços

de amizade entre os membros da comunidade.

O processo tramita na 2ª Vara de Regsitros Públicos de São Paulo, sob o

número 0019556-33.2010.8.26.0100 e teve despacho do Douto Juizo, em 27 de

março de 2013, com o seguinte teor:

Relação: 0053/2013 Teor do ato: Vistos. A vinda de certidão de casamento atualizada era necessária para comprovação do estado civil. Adequado, portanto, o pleito do Ministério Público. A parte autora sabe, ou deveria saber, que uma ação envolvendo tantas pessoas, dificilmente terá rápida solução, a despeito do empenho de todos os que atuam nos autos. Ao Ministério Público. Advogados(s): Jacira Angela da Costa

139

http://blogs.estadao.com.br/sp-das-enchentes/category/sem-categoria/page/6/. Acesso em 10.06.2014.

140 Fotos da Favela de Americanópolis extraídas dos links, respectivamente: http://blogs.estadao.com.br/focas-2012/sul/risco-de-cheia-em americanopolis/attachment/americanopolis-2/ e http://blogs.estadao.com.br/focas-2012/sul/risco-de-cheia-em-americanopolis/. Acessos em 10.06.2014.

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Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)

Ainda, em 18 de abril de 2013, O Juiz da 2ª Vara de Registros Públicos

requereu a citação dos titulares dominiais e de seus litisconsortes, conforme

transcrito abaixo:

Relação: 0067/2013 Teor do ato: Vistos. Às citações e cientificações de lei. As citações dos titulares dominiais e de eventuais litisconsortes necessários, caso realizadas pelo correio, deverão ser realizadas por mão própria. Int. Advogados(s): Jacira Angela da Costa Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)

Em 28 de novembro de 2013, O Juiz da 2ª Vara de Registros Públicos

requereu aos autores a indicação de nomes e endereços para novas diligências, se

for o caso, diante da certidão negativa, conforme trecho abaixo transcrito:

Relação: 0238/2013 Teor do ato: Diante da certidão supra (busca negativa junto à DRF), vista a(o) autor(a), que deverá requerer o que de direito, a fim de concluir o ciclo citatório, ficando esclarecido que requerimento de novas diligências deverão especificar nomes e endereços a serem diligenciados. Prazo: 10 dias, sob pena de extinção (art. 267, IV, do CPC). Advogados(s): Jacira Angela da Costa Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)

Por fim, o último andamento do processo, até a presente data, se refere ao

despacho do Juiz solicitando a citação por edital, conforme decisão de 31 de janeiro

de 2014, transcrita abaixo:

Relação: 0023/2014 Teor do ato: 1) A perícia será oportunamente realizada. 2) Defiro a citação por edital. Decorrido o prazo, se necessário, oficie-se à Defensoria Pública para indicação de Curador Especial. 3) Defiro a exclusão das advogadas do item (c), fls. 344, bem como

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anotação para publicação das patronas do item (d) de mesma folha. Advogados(s): Jacira Angela da Costa Montes (OAB 122205/SP), Daniela de Melo Custodio (OAB 221355/SP), Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Karen Cristina Cruz Alves (OAB 258950/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)

5.2.3.3 O Caso da Favela Jardim Paraná

141

141 http://www.habisp.inf.br/ca7935cb-15c3-4e40-956c-858bfa2b2352/Jardim%20Paran%C3%A1.

Acesso em 10.06.2014.

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142

143

Os moradores da favela do Jardim Paraná ajuizaram ação de

usucapião coletiva urbana, em 12 de maio de 2014, em trâmite perante a 2ª Vara de

Registros Públicos de São Paulo, sob o número 1036896-31.2014.8.26.0100,

alegando que ocupam a área pleiteada há mais de cinco anos, além de preencher

todos os demais requisitos estabelecidos pela legislação para a usucapião da área

142

Foto da Favela do Jardim Paraná extraída do link:

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/em+sao+paulo+ate+ceu+fica+em+area+de+risco+de+deslizamento/n1237957746799.html. Acesso em 10.06.2014. 143 Foto da Favela do Jardim Paraná, extraída do link: http://www.cantareira.org/noticias/periferia-

brasilandia-ibge-favelas. Acesso em 10.06.2014.

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privada onde está assentada a favela, uma vez que utilizam para moradia de suas

famílias, que são pessoas de baixa renda e não possuem qualquer outro imóvel.

Ainda, em 05 de junho de 2014, os autores peticionaram requerendo a

inclusão no polo ativo da ação, os nomes de José Cícero Deodato dos Santos e

Sirleide Vilela dos Santos, ambos companheiros e residentes de uma moradia na

favela do jardim Paraná e, ainda, os benefícios da justiça gratuita, nos termos da Lei

1060/50.

Em 16 de junho de 2014, o Juiz deferiu os dois pedidos da petição de 05 de

junho de 2014 e, ainda, fez algumas solicitações aos autores da ação, conforme

transcrição da decisão:

Relação: 0167/2014 Teor do ato: Vistos. Concedo a gratuidade da justiça. Anote-se. Inclua-se, via sistema, no polo ativo José Cícero Deodato dos Santos e Sirleide Vilela dos Santos. A petição inicial deve ser emendada pela parte autora, em petição única, no prazo de até dez (10) dias, nos seguintes termos: 1. Exibir certidão de nascimento ou casamento atualizada de cada autor, para comprovação do estado civil. 2. Apresentar documentos comprobatórios do alegado animus domini relativos a todo o período aquisitivo, tais como demonstrativos de pagamento de IPTU, luz, água, esgoto, etc., além de eventuais gastos com edificação, reforma ou conservação do imóvel (a parte deverá limitar-se a apresentar as duas mais antigas e duas mais recentes); 3. Exibir certidões do Distribuidor Cível (a contar da data do ajuizamento da ação) em nome do(a)(s) autor(a)(s), dos antecessores na posse (se requerida a accessio possessionis) e dos titulares de domínio, para comprovação da inexistência de ações possessórias ou petitórias ajuizadas durante o período aquisitivo. 3.1. Caso constem ações possessórias/petitórias/de despejo, deverão ser apresentadas as respectivas certidões de objeto e pé, ou cópias de peças processuais que demonstrem que permitam identificar o imóvel envolvido nessas demandas. Destaca-se que esta providência é fundamental para o julgamento da ação, pois demonstrará que a posse é mansa e pacífica; Reforça-se a importância de emenda única para fins de economia processual e melhor organização dos atos, ou seja, deve a parte autora recolher todas as informações e documentos mencionados nos tópicos abaixo e juntá-los de uma só vez nos autos. Eventual prorrogação de prazo somente será deferida caso formulado pedido fundamentado, justificando as razões de inviabilidade de cumprimento no prazo legal. Intimem-se. Advogados(s): Manuela de Sousa Roxo (OAB 291289/SP)

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5.2.3.4 O Caso da Favela Amadeu

144

Os moradores da favela do Jardim Paraná ajuizaram ação de usucapião

coletiva urbana, em 22 de agosto de 2001, alegando que ocupam a área pleiteada

há mais de cinco anos, além de preencher todos os demais requisitos estabelecidos

pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a favela, uma

vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas de baixa renda e

não possuem qualquer outro imóvel.

Após várias tentativas de citar os proprietários do imóvel, o Magistrado,

requereu a citação por edital e a nomeação de Curador Especial para representar os

réus. Após a contestação apresentada pelo Curador Especial, o Juiz exarou a

seguinte decisão, em 12 de junho de 2008:

Fls. 851 - Vistos. Completo o ciclo citatório, considero imprescindível a perícia que terá por objeto a conferência da localização e das reais medidas perimetrais do imóvel usucapiendo, para possibilitar a abertura de nova matrícula

144

Imagens obtidas pelo link: http://www.habisp.inf.br/a1020c15-fc66-47dc-b9d2-

c03193111137/Amadeu. Acesso em 10.06.2014.

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com maior segurança, e também terá por objeto a análise dos registros que serão atingidos pelo usucapião e dos títulos dos confrontantes tabulares do imóvel, pois imprescindível sua citação. Em razão disto, determino a produção de prova pericial e nomeio perito(a) Dr(a). JOSÉ ROBERTO BANDOUK. Laudo em 90 dias. Faculto às partes a formulação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos no prazo de cinco dias. Audiência oportunamente. Ressalvo que após a perícia será determinado o necessário para que eventuais titulares dos registros efetivamente atingidos e confinantes sejam citados, caso não estejam incluídos entre as pessoas já citadas. Durante a realização dos trabalhos, o(a) Sr(a). Perito(a) deverá observar as recomendações previstas na ordem de serviço nº 04/2005 deste Juízo, especialmente quanto à dispensa de levantamento topográfico, quando a descrição coincidir com a descrição tabular ou de loteamento aprovado, tudo na tentativa de garantir o menor custo da prova técnica. Assim, se o caso, ficam prejudicados os quesitos relativos ao levantamento topográfico. Quesitos do Juízo: ... Int. Usuc. 600

Em 01 de outubro de 2008, proferiu o seguinte despacho, diante do benefício

de gratuidade que goza os autores da ação:

Fls. 873 - Vistos. Fls. 869 e ss: Tendo em vista que a parte autora é beneficiária da gratuidade e diante da nova Deliberação CSDP nº 92/2008, restabelecendo o pagamento das despesas pela Defensoria Pública, fixo os honorários periciais em R$1.300,00, valor suficiente ao menos para cobrir as despesas necessárias a elaboração do laudo. Oficie-se à Defensoria Pública do Estado para que reserve numerário destinado ao pagamento do laudo, levando em conta o valor da causa, ficando consignado que eventual diferença entre o valor depositado e o valor arbitrado deverá se custeado pela parte, sob pena de fazer com que o vistor trabalhe às suas próprias custas para satisfazer interesse da parte autora. Int. Usuc. 600

Em 06 de abril de 2011, o Juiz proferiu despacho acerca do laudo do Perito e

questionamentos acerca do mesmo:

Relação: 0064/2011 Teor do ato: Desnecessários os esclarecimentos do Perito, que somente trariam maior atraso ao andamento processual e que pouco contribuiriam para o deslinde do feito. Primeiramente, é preciso anotar que o imóvel foi descrito como um todo e não dividido em número de moradias que existem no local, dada a natureza do pedido e às características do imóvel, com áreas de uso comum e coletivo, cujo acesso não é oficializado pela Administração. A questão relativa á moradia sobre o lote 24 por Josevaldo e Maria Célia

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não precisa ser necessariamente esclarecido pelo Perito, pois tal fato pode ser comprovado por outros meios. Já quanto à impugnação de Amélia Cardoso, o laudo indicou ser ela moradora do lote 09, inclusive com foto de sua nora em frente ao imóvel (fl. 937). Como se observa do laudo pericial, o imóvel da contestante encontra-se inserido no imóvel usucapiendo e caso não haja uma conciliação e concordância da contestante Amélia em regularizar a situação dominial nos moldes aqui propostos, toda a configuração do imóvel deverá ser alterada. Assim, designo audiência somente de conciliação para o dia 03 de maio de 2.011, às 15h30 min, com a presença dos Advogados dos autores (dado o número de autores a presença deles não se mostra oportuna, a não ser que um representante seja escolhido) e do Defensor da parte contestante e da contestante. Intimem-se o Defensor Público e a contestante (por carta). int. U-600 Advogados(s): PAULO LEBRE (OAB 162329/SP), ANTONIO CARLOS BRANDAO JUNIOR (OAB 261269/SP), DENISE DE AGUIAR VALLIM (OAB 65455/SP), PATRÍCIA DE MENEZES CARDOSO (OAB 227406/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), JULIA CARA GIOVANNETTI (OAB 234469/SP), CRISTINA KUHN S BELLEM DE LIMA (OAB 107103/SP), LUCIA FATIMA NASCIMENTO PEDRINI (OAB 109487/SP), MARIA DAS GRACAS MELO CAMPOS (OAB 77771/SP), MARIA DAS GRACAS MELO CAMPOS (OAB 77771/SP), SABRINA DURIGON MARQUES (OAB 253024/SP), MARIA DAS GRACAS MELO CAMPOS (OAB 77771/SP), KAREN CRISTINA CRUZ ALVES (OAB 258950/SP), EDISON BALDI JUNIOR (OAB 206673/SP)

Após laudo do perito, manifestação das partes e audiência, o Juiz exarou a

seguinte sentença, abaixo transcrita:

Vistos. Relatório: Buscam os autores, qualificados nos autos, o reconhecimento da aquisição da propriedade do imóvel localizado na Rua Bocuituba, nº 806, nº 820 e nº 822, Vila Ema no 26º Subdistrito de Vila Prudente, com a área aproximada de 3.241,00 m², objeto da matrícula nº 34.075 do 6º RI de São Paulo, de titularidade dominal de CLÓVIS NAGIB TAIAR. Segundo a inicial, os autores exercem posse qualificada há mais de 40 anos. Durante o decurso do tempo, foram realizadas construções e benfeitorias pelos moradores, sendo que a situação consolidada não sofreu oposição dos antigos proprietários Manuel Joaquim Esteves e Francico Martins Neto. Somente após a alienação do imóvel e consequente registro na matrícula, o atual titular do domínio Clóvis Nagib Taiar tentou recuperar a posse do imóvel, tendo a iniciativa ocorrida após o ajuizamento da presente ação. A União manifestou interesse na área em questão, a sob a alegação de que o imóvel está situadao em área pública, inserido em antigos aldeamentos

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indígenas. Por decisão prolatada às fls.314, os autos foram remetidos à Justiça Federal, mas retornou para esta Eg. Vara de Registros Públicos em virtude de sentença definitiva que determinou a exclusão da União da lide. A Municipalidade também ofereceu resistência (fls.218), alegando que o imóvel pretendido não foi devidamente qualificado em seus aspectos objetivos, havendo grande probabilidade de interferência em área publica. Citada, a ré Amélia França Cardoso apresentou contestação às fls. 411. Defende, em apertada síntese, que também reside no imóvel apelidado informalmente de Vilinha, o que impede a aquisição do direito real como pretendido na inicial. Réplica às fls.425, na qual houve reconhecimento de que a contestante reside em parte do terreno que está sob a posse da autora Luzia dos Reis Vieira, mas que a ré não possui direitos sobre o imóvel. Às fls.662 sobreveio contestação apresentada por Ebilina Francisca Eduardo e outros. Sustentam que outros moradores excluídos da ação residem no local e que muitos dos autores qualificados na inicial não se encontram mais na área pretendida. Ao final, pediram a alteração do polo ativo para fins de admitir a inclusão dos contestantes como autores. Acompanha a peça de combate o Memorial Descritivo de todo o imóvel, com individualização dos respectivos lotes. Em seguida, a ré Amélia solicitou sua inclusão no polo ativo (fls.751). Houve audiência de tentativa de conciliação e os contestantes foram admitidos como litisconsortes ativos (fls.1013/1014). Manifestaram concordância com o laudo apresentado, sendo a Municipalidade a única parte que insiste na necessidade de novos esclarecimentos periciais. Foram feitas as citações e cientificações necessárias, conforme planilha em anexo e despacho de fls.851. Foi publicado edital para citação dos terceiros interessados e réus certos não encontrados, apesar das diligências efetuadas pelo juízo. Nomeado curador especial para defesa dos réus certos citados por edital, foi apresentada contestação por negação geral às fls.837. Laudo pericial juntado às fls.917/991, complementado às fls.1028/1030 e fls.1096/1097. Decido. Fundamentação: 2.1: Da impossibilidade de realização do levantamento topográfico. Os autores pretendem adquirir, coletivamente, o domínio de área de tamanho considerável. O laudo pericial realizado, apesar de não possuir estudo de levantamento topográfico, descreveu adequadamente o imóvel (fls.917/991. 1028/1030 e 1096/1097). Em seguida, o Eg. Tribunal de Justiça deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela Municipalidade, determinado a realização do levantamento topográfico para viabilizar a análise de eventual ou possível interferência em área pública. O perito se manifestou para estimar seus honorários em R$ 25.000,00, o que firma a impossibilidade absoluta de complementar o trabalho pericial, uma vez que a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária e o Fundo mantido pela Defensória Pública disponibiliza o valor máximo de R$ 800,00 por processo, sem prejuízo dos descontos tributários. Não há dúvida de que a responsabilidade pelo pagamento da despesa é do Estado, não podendo o juiz impor à parte o ônus processual, ainda que de

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forma parcelada. Tal impasse ou crise de instância não é desconhecido da jurisprudência, o que levou o Desembargador LUIZ AMBRA a proferir corajosa decisão nos autos do agravo de instrumento nº 0003343-53.2013.8.26.0000 interposto contra decisão proferida nesta Eg. Vara de Registros Públicos, onde se destacou que "uma coisa é falar, outra é fazer. Ainda quando a parte assistida não precise custear a perícia, o louvado não pode ser compelido a trabalhar de graça, tendo todo o direito de recusar a nomeação. Assim, na prática, se chegando a um impasse. Até porque, no mais das vezes, terá que colocar dinheiro do bolso para as despesas; no mínimo com transporte, sem contar o tempo deitado fora que poderia utilizar em labor profissionalmente lucrativo". Ao final conclui: "procederá o magistrado como lhe parecer melhor. Ou, querendo, simplesmente aguardará a decisão do presente agravo. Se ninguém aceitar o encargo, que mantenha os autos arquivados em Cartório, até que alguém o faça. Não havendo mais o que fazer, milagres não existem". Sendo assim, conclui-se pela impossibilidade jurídica de realizar o levantamento topográfico, motivo pelo qual se exige sentencimento imediato do feito, com julgamento de mérito, sem afrontar a decisão da Superior Instância. Da prescrição Aquisitiva: Cuida-se de usucapião extraordinária ajuizada em 1988, com fundamento na posse qualificada exercida pelos autores por mais de 20 anos. Assim, exige-se a demonstração de dois requisitos fundamentais: tempo e posse, segundo inteligência do art. 550 do Código Civil revogado, aplicável por força do artigo 2.028 do atual codex. O conceito de usucapião foi registrado por Modestino pela definição: "usucapio est adiectio dominii per continuationem possessionis temporis legis definiti", ou seja, modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei (LENINE NEQUETE, Da Prescrição Aquisitiva - Usucapião, Segunda Edição, Ed. Sulina, Porto Alegre, pg.14). A usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, exigindo, para sua concretização, a posse contínua, sem oposição, durante certo lapso de tempo e com ânimo de dono. Sobre seus fundamentos básicos lembrou NELSON ROSENVALD que: "a posse, unida ao tempo e demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-a em propriedade. A usucapião é a ponte que realiza essa travessia, como uma forma jurídica de solução de tensões derivadas do confronto entre a posse e a propriedade, provocando uma mutação objetiva na relação de ingerência entre o titular e o objeto." ("Direito Reais", 3ª ed., Impetus, 2004, p. 57). A versão trazida pela inicial sobre a posse qualificada não encontra suporte na prova documental o que é suficiente para afastar, desde já, a pretensão dos autores. Na verdade, os autores ingressaram no imóvel sob a permissão ou tolerância dos antigos proprietários e permaneceram nesta condição após a alienação dos direitos em favor do atual titular tabular. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância (artigo 1.208 do Código Civil) e a aquiescência do proprietário impede o reconhecimento da usucapião. O estado de detenção pela tolerância se aproxima

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da posse ilícita viciada pela precariedade e, neste ponto, merece destaque o comentário preciso do artigo 1.200 do Código Civil feito pelo desembargador FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO, com o alerta de que a posse precária é "imprestável para usucapião não porque é injusta, mas porque o precarista não tem animus domini, uma vez que reconhece a supremacia e o melhor direito de terceiro sobre a coisa. Caso, porém, não reconheça ou deixe de reconhecer essa posição e revele isso de modo inequívoco e claro ao titular de domínio, para que este possa reagir e retomar a coisa, nasce, nesse momento, o prazo para usucapião, porque o requisito do inimus domini estará então presente" (in "Código Civil Comentado" - Cezar Peluso (coord), Ed. Manole, 1ª ed., p. 994). A causa petendi articulada na inicial posse com ânimo de dono exercida por todos os moradores - é desprovida de verossimilhança. Apesar do acordo formulado pelas partes e aceito pelo Juízo, observa-se que as contestações apresentadas evidenciam sérias divergências entre os ocupantes do imóvel pretendido. O juiz pode utilizar as máximas de experiência para aceitar as práticas ordinárias comuns como meio de prova idôneo (artigo 335 do CPC), notadamente para aceitar o dinamismo sobre a transmissibilidade dos direitos possessórios ao longo do tempo e fragilidade do cenário existente. Não há certeza de que os possuidores indicados na inicial permaneceram na posse durante a tramitação do feito ou que ainda permanecem no local, com o ânimo de dono. A falta de estabilidade sobre o exercício da posse constou na peça de combate, ocasião em que os contestantes Ebilina Francisca Eduardo e outros alertaram sobre a preterição indevida de outros moradores que não foram incluídos no polo ativo. Com efeito, a ocupação dos autores sobre área conhecida como "Vilinha" é desprovida de ânimo de dono, data vênia. A realização de construções ou a cessão da posse para terceiros não é suficiente para autorizar a perda do direito real. A prescrição aquisitiva não se contenta com qualquer espécie de contato físico com a coisa. O usucapiente precisa possuir o bem com convicção e intenção de se tornar o proprietário (animus domini ou animus rem sibi habendi), não bastando o contato físico sobre a coisa, com a ciência de que ela não lhe pertence e com o reconhecimento inequívoco do direito dominial de outrem, sem prejuízo da obrigação a devolvê-la, caso seja provocado. Também não há como reconhecer a negligência do titular tabular, até porque o próprio Estado encontra sérias dificuldades para viabilizar a desocupação de áreas irregulares ou garantir a reintegração de posse determinada judicialmente. Assim, as provas documentais evidenciam a precariedade do direito, o que não permite alcançar a aquisição do direito real. Sobre o alcance dos aspectos qualitativos, vale lembrar, por oportuno, os ensinamentos de TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO: "para haver posse com efeitos jurídicos, ele deve ser justa, ou seja, não vedada por lei. Em outras palavras, aquela que não é violenta, nem clandestina e nem precária (art. 489 do Código Civil), embora possa se constatar a posse jurídica depois de cessadas a violência, a clandestinidade e

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precariedade" (Usucapião Comum e Especial, Editora Síntese LTDA, Porto Alegre, RS, 4º Edição, pg.42). É certo que o direito à moradia constitui valor constitucional de inegável importância (art. 6º da CF) e sua efetivação depende de atuação do Poder Público, responsável por programas de provisão habitacional, pela elaboração de leis de planejamento inclusivas e pela adoção de mecanismos que facilitem processos de regularização fundiária (direito à legalidade), o que não excluiu a atuação do Poder Judiciário por meio da ação de usucapião, especialmente para superar os obstáculos legais que escapam do âmbito de atuação da autoridade administrativa. Ao enfrentar a polêmica discussão sobre o alcance da eficácia do registro público e seus efeitos sobre o comprador de boa-fé, o consagrado jurista PHILADELPHO AZEVEDO confirmou a natureza residual da prescrição aquisitiva ao lembrar que "o usucapião e a evicção continuarão, tambem, nos seus setores, a prestar bons serviços, fornecendo soluções para as hipóteses, em que as cautelas falharem" (Registro de Imoveis, Valor da Transcrição, Livraria Jacintho Editora, 1942, pg. 90). No entanto, apesar do nobre protagonismo atribuído ao Estado-Juiz, a presente situação fática não permite declarar o domínio em favor dos autores com base na usucapião coletiva, pois a ação foi ajuizada antes da vigência da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e um ano após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Tratando-se de usucapião extraordinária, é indispensável, neste caso, a definição sobre a posse exercida de forma singularizada por cada autor, uma vez que inexiste autorização legislativa capaz de estabelecer uma relação condominial igualitaria, independentemente da fração de terreno efetivamente possuída por cada ocupante individualmente. Até mesmo na usucapião coletiva existe séria preocupação doutrinária, conforme apontado por FRANCISCO LOUREIRO: "a dificuldade em operacionalizar o usucapião coletivo está, exatamente, em admitir a legalização da cidade ilegal, a antítese sempre existente entre as ordens formal e informal, entre a cidade que obedece aos cânones de respeito ao direito de propriedade privada e às regras de urbanismo e a cidade que invade a propriedade privada e ignora a ordem urbanística" (LOUREIRO, Francisco. "Usucapião individual e coletivo no Estatuto da Cidade". In: RTDC: Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 2, n. 9, p. 40). 3. Dispositivo: Do exposto, julgo improcedente o pedido (artigo 269, I do CPC). Condeno os autores ao pagamento das custas, despesas e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade judiciária. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. São Paulo, . Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani JUIZ DE DIREITO U-600 Certifico e dou fé que, nos termos do art. 162, § 4º, do CPC, preparei para remessa ao Diário da Justiça Eletrônico o(s) seguinte(s) ato(s) ordinatório(s): em cumprimento ao Provimento nº 577/97, o valor do preparo, para o caso de eventual interposição de recurso foi calculado em 2% sobre o valor da causa atualizado pela Tabela Prática do TJ/SP e importa em R$8.366,78. Certifico ainda que em cumprimento ao determinado na Lei

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011.608 de 29/12/2003, deve ser recolhido na guia GARE, como preparo, o valor mínimo de 05 (cinco) UFESPs referente ao 1º dia útil do mês do recolhimento, se o valor calculado acima informado for menor do que 05 UFESPs. Certifico ainda que de acordo com o Provimento nº 833/2004, há necessidade do pagamento do valor do porte de remessa de R$29,50 (por volume de autos), a ser pago em guia própria do Banco do Brasil - código 110-4, tendo este processo 06 volume(s). (U-600). Nada mais.

5.2.3.5 O Caso do Assentamento Irregular do Parque Florestal

145

Os moradores do assentamento irregular do Parque Florestal, por meio da

Associação da Comunidade, representando cerca de 68 famílias, cuja renda per

capita não atinge um salário mínimo, ajuizaram ação de usucapião coletiva urbana

em 08 de janeiro de 2014, atualmente, em tramite perante a 2ª Vara de Registros

145 Imagens extraídas do link: http://www.habisp.inf.br/14500d5b-6d11-46e8-8a54-

ea38cc52ff72/Nosso%20Lar%7Cpq.%20Florestal. Acesso em 10.06.2014.

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Públicos, sob o número 1000277-05.2014.8.26.0100/80000, alegando que ocupam

uma área que teve origem num assentamento informal, no início dos anos 80, na

qual pertencia ao espólio de Carlos Shunck e S/M.

Alegam, também, que preenchem todos os demais requisitos estabelecidos

pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a

comunidade, uma vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas

de baixa renda e não possuem qualquer outro imóvel.

Em 25 de maio de 2014, após os autos serem devolvidos pelo Ministério

Público, o Juiz proferiu o seguinte despacho:

Relação: 0145/2014 Teor do ato: Vistos. O imóvel usucapiendo situa-se no Município de Itapecerica da Serra. Logo, tanto a atribuição registral como a competência para o processamento e julgamento da ação é da Comarca de Itapecerica da Serra. Em sendo assim, ante a localização do imóvel cuja declaração de domínio é pleiteada, redistribua-se os autos à Comarca de Itapecerica da Serra, com as cautelas de praxe. Intimem-se. Advogados(s): Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)

Após petição dos autores questionando a competência para julgamento da

lide, o Juiz proferiu o seguinte despacho, em 03 de junho de 2014:

Vistos. Fls. 551/559: Por ora, manifeste-se o 11º Oficial de Registro de Imóveis, esclarecendo, objetivamente, sobre a atribuição registral e localização do imóvel usucapiendo. Após, tornem-me conclusos. Intimem-se.

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5.2.3.6 O Caso do Assentamento Irregular do Jardim dos Álamos

146

Os moradores do assentamento irregular do Jardim dos Álamos, por meio da

Associação da Comunidade, representando cerca de 58 famílias, ajuizaram ação de

usucapião coletiva urbana em 31 de janeiro de 2014, atualmente, em tramite perante

a 1ª Vara de Registros Públicos, sob o número 0045032-68.2013.8.26.0100,

alegando que pagam coletivamente o IPTU do imóvel, desde 1994 e, ainda, que

buscam a regularização fundiária da área em questão para posterior urbanização da

mesma.

Alegam, também, que preenchem todos os demais requisitos estabelecidos

pela legislação para a usucapião da área privada onde está assentada a

comunidade, uma vez que utilizam para moradia de suas famílias, que são pessoas

de baixa renda e não possuem qualquer outro imóvel.

146

Imagens extraídas do link: http://www.habisp.inf.br/87b34b41-2979-45b8-97c9-

92ca4262c3bc/Dos%20Alamos-rep.quadra%2015a-lote1. Acesso em 10.06.2014.

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Após os auto serem encaminhados para manifestação do ministério público, o

Juiz proferiu o seguinte despacho, em 28 de maio de 2014:

Relação: 0117/2014 Teor do ato: Fls. 750vº: Manifeste-se a parte autora acerca da cota ministerial, no prazo de 10 dias. Int. U 837 Advogados(s): Julia Azevedo Moretti (OAB 234468/SP), Rachel de Miranda Taveira (OAB 277808/SP)

5.3 Os elementos complicadores para a execução e as possíveis soluções para

aumentar a eficácia da Usucapião Coletiva Urbana

Neste tópico, pretende-se apontar alguns dos elementos que dificultam a

eficácia da Usucapião Coletivo Urbano, como uma das formas de tratamento do

problema fundiário nos centros urbanos brasileiros, bem como algumas sugestões

que possam tornar mais eficiente a regularização fundiária por meio do instituto da

usucapião coletiva urbana.

5.3.1 Principais obstáculos para o sucesso da usucapião coletiva como

instrumento de regularização fundiário

No município de São Paulo verifica-se que as ações de usucapião coletivas

urbanas ajuizadas com a finalidade de promover a regularização fundiária das áreas

onde se situam as favelas paulistanas e, posteriormente a urbanização das mesmas,

ainda não lograram o êxito pretendido pelo legislador do Estatuto.

Dessa forma, o instituto da usucapião coletiva urbana demonstra ter alguns

obstáculos que a tornam ineficiente no tratamento jurídico do processo de

favelização, não conseguindo atingir o seu objetivo, de regularizar e urbanizar as

áreas privadas onde estão localizadas as favelas paulistanas e, cumprir com o

pretendido pelo legislador do Estatuto.

Inúmeros obstáculos podem ser relacionados para este insucesso prático do

instituto, dentre os quais as omissões e falhas na legislação, como a maneira de

instituição do condomínio formado, a partir da aquisição da propriedade pela

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população habitante da favela, bem como a complexidade de algumas fases

processuais que resultam numa morosidade do procedimento, como a citação de

todos os envolvidos, uma vez que nas áreas de favelas é notório a rotatividade dos

moradores, dificultando a fase citatória do processo.

Em relação a esta dificuldade de efetivação do instituto, Sílvio de Salvo

Venosa explica que apesar da boa intenção do legislador quanto aos interesses da

coletividade, os tribunais terão que lidar com fraudes aos dispositivos deste instituto,

bem como com os costumeiros atravessadores que se valem da massa coletiva para

obter vantagens econômicas individuais.147

Dessa maneira, o instituto parece muito prático e promissor enquanto

instrumento de regularização fundiária, mas traz na sua essência, problemas que

não foram previstos pelo legislador.

5.3.2 Possíveis soluções para tornar o instituto mais eficiente

Primeiramente, nota-se, diante do exposto, anteriormente, que um dos

grandes obstáculos a celeridade do processo que envolve a aquisição coletiva de

uma área por meio da Usucapião Coletiva Urbana, é a dificuldade em citar todas as

partes envolvidas, bem como terceiros interessados ou não, tendo em vista que

alguns dos processos ajuizados há algum tempo, ainda, estão parados na fase

citatória, pelo motivo de não conseguir realizar a citação de todos os envolvidos.

Desse modo, uma solução para este problema seria conseguir simplificar esta

fase do processo para que haja uma maior agilidade no procedimento judicial,

acelerando a regularização fundiária da área usucapida coletivamente para,

posterior, urbanização.

Nesse sentido, Nelson Saule Junior, expõe que:

Para a eficácia da usucapião urbano coletivo cabe à Corregedoria Geral da Justiça instituir um Provimento simplificando o procedimento para o Usucapião Urbano, como o de aceitar, como prova de forma de ocupação, uso e parcelamento do solo, fotos de satélite e dispensar a citação

147 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, v. 5 – 2ª edição. São Paulo: Atlas: 2002.

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dos moradores confrontantes de lotes individuais, que serão beneficiados no usucapião urbano coletivo.148

Outro apontamento que se faz pertinente, seria transferir da esfera judicial a

competência para realizar a verificação e, posteriormente, realizar a declaração da

aquisição da propriedade imóvel pela usucapião para os Cartórios de Registros de

Imóveis, tornando o procedimento extrajudicial nos casos de usucapião.

Contudo, cumpre ressaltar que a abertura da possibilidade de realização do

procedimento via extrajudicial, não excluiria a possibilidade de o feito percorrer a

esfera judiciária, mas apenas abrir uma porta com o objetivo de desafogar o poder

judiciário e imprimir maior celeridade ao procedimento, na qual resultaria, por

conseguinte, numa maior agilidade na regularização das áreas onde se localizam as

favelas paulistanas.

João Pedro Lamana Paiva, ao apontar sobre os problemas que envolvem o

processo de usucapião, expõe que:

O procedimento judicial, regulado pelos artigos 941 a 945 do CPC, hoje é bastante moroso, tendo em vista a necessidade da citação dos confinantes, bem como da intimação dos representantes da Fazenda Pública da União, do Estado (ou do Distrito Federal, ou do Território) e do Município. Além da obrigatoriedade de o autor promover a citação dos confrontantes certos e conhecidos e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados. De tal sorte é possível auferir que, além de demorada, a ação de usucapião também é muito dispendiosa.149

Dessa forma, a solução seria transferir o procedimento da usucapião para a

esfera administrativa, isto é, extrajudicial, seguindo o exemplo de outros

procedimentos como a retificação administrativa do registro de imóveis, fundada na

Lei nº 10.931 de 2004; o procedimento extrajudicial de inventário, da partilha, da

separação e divórcio consensuais, conforme a Lei nº 11.441 de 2007 e, ainda, a

regularização fundiária para as Zonas especiais de interesse social, conforme

disposto na Lei nº 11.481 de 2007.

148

SAULE, Nelson Junior. (ob. cit., p.528). 149

PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial e sua Viabilidade no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. P. 03.

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110

Nesse sentido, Paiva, observa que:

No Brasil pode-se verificar uma tendência à desjudicialização na composição de interesses, quando estes são submetidos à jurisdição voluntária. (...) A reforma do Poder Judiciário, instalada a partir da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, prevê, entre outras providências para desafogar o Poder Judiciário, a descentralização da atividade jurisdicional. A capilaridade dos serviços notariais, cuja abrangência territorial alcança os diversos rincões do país, contribui para este desiderato.150

Para este procedimento extrajudicial, Paiva151 sugere que o Brasil implante

um sistema semelhante ao de Portugal, na qual a instauração do processo de

usucapião poderia tramitar perante o Cartório de Notas para justificação da posse,

concomitantemente ao Cartório de Registro de Imóveis para que fossem realizadas

as intimações e colhimento das assinaturas ou, ainda, que fosse somente realizado

no Cartório de Notas, com a participação do Cartório de Registro de Imóveis,

somente, para efetuar o registro do título aquisitivo, observando a necessidade do

acompanhamento de advogado em todo o tramite extrajudicial.

Dessa forma, o problema da morosidade e da complexidade dos

procedimentos, poderá ser resolvido ou pelo menos dirimidos.

5.4 Comparação entre o instituto da usucapião e os outros instrumentos de

regularização fundiária existentes na legislação brasileira

Neste tópico será desenvolvida, brevemente, uma comparação entre o

instituto da usucapião coletiva urbana e outros dois instrumentos de regularização

fundiária existentes na legislação brasileira, como a Concessão Coletiva de Uso

Especial e a Demarcação Urbanística, que possuem mecanismos capazes de tratar

150

PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial e sua Viabilidade no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. P. 7 e 17. 151

PAIVA, João Pedro Lamana. Usucapião Extrajudicial e sua Viabilidade no Ordenamento Jurídico

Brasileiro. P. 10.

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o problema da ocupação do solo urbano em áreas onde se encontram aglomerações

de moradias subnormais ou precárias, habitada por população de baixa renda.

Dessa forma, o presente tópico não tem o objetivo de fazer uma análise

profunda dos requisitos de cada um dos instrumentos jurídicos que serão

apresentados, mas tão-somente compará-los com o Instituto da Usucapião Coletiva

Urbana, objetivando, apenas, encontrar pontos comuns aos instrumentos, bem como

seus mecanismos peculiares a cada um deles.

5.4.1 Bens Imóveis que não podem ser usucapidos

A Lei nº 10.257/2001, por meio da criação da usucapião coletiva urbana,

trouxe inovação na legislação pátria no tocante a possibilidade de resolver a questão

da regularização fundiária onde se encontram as áreas de favelas e, assim, a

esperança de inclusão social da população de baixa renda que habita estas áreas,

por meio da urbanização das mesmas.

Entretanto, como já analisado, anteriormente, o instituto possui algumas

falhas que impedem uma maior eficiência como idealizado pelo legislador do

Estatuto da Cidade, tendo em vista que o instituto só pode ser utilizado como

remédio no tratamento da favelização em áreas ocupadas que sejam de domínio

privado, além de apresentar problemas em relação aos procedimentos processuais.

Dessa maneira, o presente instituto não contempla, por sua natureza jurídica,

a possibilidade de regularizar as favelas localizadas em áreas públicas, sendo,

portanto, necessário que existam outros instrumentos capazes de tratar

juridicamente estas áreas para posterior urbanização.

Nesse sentido, Azevedo Junior, ensina que:

Da categoria dos bens proibidos de serem adquiridos por usucapião, a mais importante é a dos bens públicos, ou seja, aqueles pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios e suas empresas. A Constituição Federal assim determina e o Código Civil também. Essa proibição decorre da necessidade de proteger os bens do patrimônio público, que é de toda a

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coletividade, evitando que seja apropriado por grileiros e particulares em geral.152

Dessa maneira, tanto o Código Civil, no seu artigo 102153, como o parágrafo

único do artigo 191154 e o parágrafo 3º do artigo 183155, ambos da Constituição

Federal preconizam a impossibilidade de aquisição da propriedade pública pela

usucapião, de forma expressa.

Depreende-se, assim, que o instituto da usucapião pouco pode fazer para

regularizar uma favela cuja área onde está assentada seja pertencente à União,

Estado ou Município.

Além disso, quanto ao processo de usucapião, este tem demonstrado ser

bastante moroso, tendo em vista a diversidade de polos ativos e, as vezes passivos,

bem como problemas na realização do laudo pericial.

Porém, a usucapião não é o único instrumento disponível pelo nosso

ordenamento jurídico com a finalidade de promover a regularização fundiária. A

legislação pátria possui, atualmente, outros instrumentos de regularização fundiária

previstos em diversas leis especiais, como a Concessão Coletiva de Uso Especial e

a Demarcação Urbanística, além da Usucapião Coletiva Urbana.

5.4.2 A Concessão de uso ou concessão de uso especial para fins de moradia

A Concessão de Uso, prevista no artigo 183, parágrafo 1º da Constituição

Federal e, também, no artigo 4º, inciso IV, alínea “h” do Estatuto da Cidade ou,

ainda, a Concessão de Uso Especial para fins de moradia, prevista na MP 2.220 de

2001, no artigo 2º, podem ser utilizados para contornar o problema da ocupação de

áreas públicas por favelas ou assentamentos irregulares.

152

AZEVEDO JR, José Osório de. Direitos imobiliários da população de baixa renda. São Paulo:

Sarandi, 2011. p. 62. 153

Artigo 102 do Código Civil: “Os bens públicos não estão sujeitos à usucapião”. 154

Parágrafo único do Artigo 191 da Constituição Federal: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. 155

Parágrafo 3o do Artigo 183 da Constituição Federal: “Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

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113

A solução para o problema, acima apontado, surge com a Concessão de Uso

especial coletivo para fins de moradia, uma vez que torna possível a transmissão do

direito de uso do imóvel público nos casos em que houver ocupação por população

de baixa renda em áreas com mais de 250 metros quadrados, de imóveis públicos,

pelo período continuo de cinco anos, sem oposição, quando não for possível

identificar os terrenos ocupados pelos possuidores individualmente considerados e,

ainda, desde que o possuidor não seja proprietário ou concessionário de outro

imóvel na área rural ou urbana.

Nelson Saule, ressalta que:

O regime especial dos bens públicos para a aplicação da concessão de uso especial para fins de moradia justifica o reconhecimento do direito à moradia da população moradora em favelas situadas em áreas públicas, independente destas áreas pertencerem à União, aos Estados, ao Distrito Federal ou aos Municípios, justificando portanto um tratamento isonômico aos entes federativos, evitando qualquer questionamento sobre a constitucionalidade deste instrumento de regularização fundiária.156

Ainda, sobre o assunto, Azevedo Junior explica que:

A concessão de uso não se confunde com a usucapião porque, neste caso, o que é transmitido é o uso do imóvel e não a sua propriedade. Mas o título, isto é, o documento da concessão, também pode ser registrado em Cartório de Registro de Imóveis e dá plena garantia jurídica ao morador.157

Conclui-se, portanto, que a concessão de uso especial para fins de moradia,

possui a mesma essência do instituto da usucapião coletiva, uma vez que o objetivo

de ambos os instrumentos jurídicos, sejam de promover a regularização de áreas

onde estão assentadas as populações de baixa renda, ou seja, as áreas onde estão

localizadas as favelas e os assentamentos irregulares, áreas onde há um forte

interesse social de resolver o conflito e a legalização da ocupação.

156

SAULE, Nelson Junior. (ob. cit., p.530). 157

AZEVEDO JR, José Osório de. (ob. cit., p.63).

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114

Mas que pese alguma diferença entre os dois institutos, a usucapião será o

tratamento para as áreas privadas ocupadas por favelas, enquanto a concessão de

uso especial para fins de moradia, a solução para a regularização fundiária em áreas

públicas ocupadas por favelas, observando que na primeira há a aquisição da

propriedade, enquanto que na segunda há apenas a transmissão do direito de usar

o imóvel público. Ambos os direitos são garantidos por meio do registro na Cartório

de Registro de Imóveis.

Exemplificando um caso prático, bastante interessante, sobre o instituto da

Concessão de Uso é o caso da favela de Jurubatuba que por meio da Associação

da Comunidade Campo Grande – Jurubatuba ajuizou ação para tutelar o direito dos

moradores da comunidade ao reconhecimento da concessão de uso especial de

imóvel para fins de moradia contra a Prefeitura Municipal de São Paulo, em trâmite,

atualmente, perante a 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de São Paulo,

ajuizada em 11 de dezembro de 2007 e que, teve em uma das decisões exaradas

pelo Douto Magistrado, em 08 de novembro de 2011, o seguinte teor:

DECISÃO Processo nº:0138205-06.2007.8.26.0053 Classe – Assunto Procedimento Ordinário - Pagamento Requerente:Associação da Comunidade Campo Grande - Jurubatuba Requerido:Prefeitura Municipal de São Paulo Vistos, em saneamento. Objetiva a autora, ASSOCIAÇÃO DA COMUNIDADE CAMPO GRANDE JURUBATUBA, a declaração da existência de relação jurídica que em favor de seus associados garanta a concessão de uso especial de imóvel para fim de moradia, instituto previsto na Medida Provisória de número 2.220/2001, criado a partir do que estatuto da cidade e do artigo 183 da Constituição da República de 1988, que busca garantir o direito à moradia. Ação promovida contra a MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO. Foi concedida a tutela emergencial cautelar, cuja eficácia está mantida, conquanto recurso de agravo de instrumento interposto pela ré, ao qual o Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado negou provimento. Intervém o MINISTÉRIO PÚBLICO. Há a necessidade de se identificar com precisão qual a área acerca da qual pretende a autora obter a concessão de uso especial para fim de moradia, o que confere pertinência à produção de prova pericial de engenharia, cuja produção a autora requereu (cf. folha 802). Também se revela necessário obter informação acerca do registro imobiliário da área. A perícia também poderá colher informação relevante acerca não apenas do tempo de posse, mas das condições em que ela é exercida. A necessidade da produção dessa prova determina o saneamento deste processo. Estão presentes os pressupostos

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115

de existência e validez da relação jurídico-processual. As condições da ação, examinadas "in status assertionis", também estão configuradas. Nesse contexto, não subsiste a alegação da ré quanto à prévia necessidade de exaurimento da via administrativa, diante da prevalência do princípio constitucional que garante o devido processo legal e, em seu bojo, o pleno acesso à tutela jurisdicional. De resto, a resistência da ré, revelada na intenção de retomar a posse do imóvel, só por si demonstra que a pretensão da autora, se formulada pela via administrativa, não encontraria nenhuma guarida pelo Poder Público. A questão da litigância de má-fé, apontada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face da conduta processual da ré, seja examinada e decidida em Sentença. Processo saneado. Identificada a controvérsia fática, necessária para seu desimplificar a produção de prova pericial, nomeio o Doutor CARLOS EDUARDO DEVIENNE FERRAZ, para funcionar como Perito nestes autos. Gratuidade concedida à autora, os honorários periciais serão pagos somente ao final. Laudo em trinta dias. As partes podem indicar assistente técnico e formular quesitos, se no prazo. Concluída a prova pericial, será de se analisar a pertinência de produzir-se prova oral. Informe o MINISTÉRIO PÚBLICO o estágio atual do inquérito civil instaurado acerca da questão. Int. O MINISTÉRIO PÚBLICO, pessoalmente. São Paulo, em 18 de outubro de 2011. VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE JUIZ DE DIREITO Advogados(s): DANIELA DE MELO CUSTODIO (OAB 221355/SP), FLAVIO BARBARULO BORGHERESI (OAB 203037/SP), KAREN CRISTINA CRUZ ALVES (OAB 258950/SP), RACHEL MENDES FREIRE DE OLIVEIRA (OAB 196348/SP)

Em síntese, o último andamento do processo acima, indica que o processo já

teve Laudo Pericial elaborado e entregue pelo perito nomeado, bem como

manifestação das partes acerca do laudo e, por fim, nova devolução dos autos pelo

Perito, portanto, aguardando nova manifestação das partes e prosseguimento do

feito desde o dia 20 de março de 2013.158

Abaixo, observam-se as imagens e dados da Favela, de acordo com a

Secretaria de Habitação de São Paulo:

158

Informações obtidas pelo link:

http://esaj.tjsp.jus.br/cpo/pg/search.do?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=0138205-06.2007&foroNumeroUnificado=0053&dePesquisaNuUnificado=0138205-06.2007.8.26.0053&dePesquisaNuAntigo=. Acesso em 10.06.2014.

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116

159

5.4.3 A Demarcação Urbanística e a Legitimação da Posse

A Demarcação Urbanística e legitimação da posse estão estabelecidas no

artigo 47 da Lei nº 11.977160 de 2009, conhecida, também, como a lei do Programa

Minha Casa Minha Vida e consiste num procedimento administrativo por meio do

qual o Poder Público promove a demarcação de imóveis públicos e privados com a

finalidade de identificar os ocupantes e definir a natureza e prazo de ocupação pelos

possuidores.

159

Imagens obtidas pelo link: http://www.habisp.inf.br/116d6a00-59f4-4779-a33f-

9d0ef05cc924/Jurubatuba. Acesso em 10.06.2014. 160

A lei define a regularização fundiária como: “conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia e ao pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”

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117

Carvalho Filho ressalta que:

A implementação de projetos de regularização fundiária urbana deve sempre observar as diretrizes gerais de política urbana, alinhadas no Estatuto da Cidade. Por conseguinte, as normas da Lei nº 11.977/09 têm caráter suplementar, servindo para regulamentar a matéria, com detalhamento e especificação das respectivas ações.161

Após a demarcação dos imóveis é conferido um título de reconhecimento de

posse do imóvel que foi objeto da demarcação urbanística, constando a identificação

do possuidor, a natureza da sua posse e o prazo de sua posse, na qual se tornará

num título jurídico, podendo, inclusive gerar efeitos para uma futura aquisição da

propriedade por meio da usucapião, conforme entendimento do artigo 60 da Lei

11.977/09 e, ainda, nos termos do artigo 183 da Constituição Federal.

Dessa forma, o possuidor e portador desse título de legitimação da posse,

transcorridos cinco anos de seu registro, poderá requerer ao oficial do Cartório de

Registro de Imóveis competente a conversão do título de posse em registro de

propriedade, desde que apresente certidões do cartório distribuidor que comprovem

a inexistência de ações em andamento que demandem sobre a posse ou

propriedade do imóvel em questão, não ser proprietário de outro imóvel urbano ou

rural, que a utilização do imóvel ocupado seja para fins de moradia própria ou de sua

família e, por fim, de que não teve reconhecido o direito à usucapião de outro imóvel

em áreas urbanas, anteriormente.

Para Carvalho Filho, esse mecanismo administrativo encontra consonância

com a diretriz geral urbanística estabelecida no inciso XIV do artigo 2º do Estatuto da

Cidade e, ainda, explica que:

Ao ser qualificada como de interesse social, essa forma de regularização alcança os assentamentos irregulares, polos desorganizados na ordem urbanística, assim consideradas as ocupações localizadas em parcelamentos informais ou irregulares, dentro de áreas públicas ou privadas, utilizadas, preferencialmente, para fins de moradia por populações de baixa renda. É inegável, portanto, seu caráter social, voltado às

161

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.

p.19/20.

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118

camadas menos favorecidas, que dificilmente teriam capacidade de concretizar a regularização imobiliária.162

No mesmo sentido, Azevedo Junior, esclarece ao discorrer sobre o assunto que:

Tudo isso representa enorme evolução da legislação sobre posse, e vai, certamente, chocar mentalidades tradicionalistas, que vão opor, sem razão, obstáculos à boa aplicação da lei. Pois é claro que o legislador pode dar ao direito possessório o tratamento mais conveniente às necessidades sociais em cada época da história. O mesmo legislador que pôde distinguir a posse direta da posse indireta pode também criar um sistema de registro público da posse, com o que o possuidor ficará muito mais protegido em relação a atos do proprietário, de terceiros e do próprio Estado. No Brasil, criou-se um sistema de proteção ao direito de propriedade tão complexo e distante da realidade social que o legislador, finalmente, veio em socorro dos marginalizados e prestigiou a única situação jurídica de que eles desfrutavam, ou seja, a posse.163

Observa-se que este instrumento de regularização fundiária, pelo menos em

teoria, demonstra ser mais célere do que uma ação de usucapião, tendo em vista a

morosidade processual e a dificuldade na intimação de todos os confrontantes,

como ocorre no caso da usucapião coletiva urbana.

Esta celeridade procedimental se deve ao fato de que no caso da

demarcação urbanística, a aquisição da propriedade pela usucapião é extrajudicial,

pois a competência para analisar e converter o título de posse em propriedade é do

Cartório de Registro de Imóvel da jurisdição do imóvel ocupado pelo possuidor, não

havendo a necessidade de citações, audiências e prazos processuais para

manifestação de terceiros interessados ou até mesmo dos membros do Ministério

Público.

162

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Atlas, 2013.

p.19/20. 163

AZEVEDO JR, José Osório de. (ob. cit., p.67).

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119

5.5 Conclusão do Capítulo

Em síntese, depreende-se que, a usucapião coletiva urbana, como

instrumento de regularização fundiária e efetivação do direito à moradia, tem sido

pleiteado nos tribunais paulistanos na tentativa de inclusão social da população de

baixa renda e desenvolvimento da cidadania nas áreas onde se localizam as favelas

na cidade de São Paulo.

Entretanto, nos casos apresentados, ainda não houve êxito do instituto,

devido, principalmente, a complexidade do procedimento que só pode se dar via

judicial.

Além da usucapião coletiva urbana, a legislação pátria, ainda, possui outros

mecanismos para a promoção da regularização fundiária, tendo em vista que a

usucapião coletiva urbana se restringe apenas ao tratamento da favelização que

ocorre em áreas privadas.

Dessa maneira, a Concessão de Uso Para Fins Especiais de Moradia é uma

alternativa para realizar a regularização dos assentamentos irregulares em áreas

públicas, sejam elas pertencentes à União, ao Estado, ao Distrito Federal ou ao

Município.

A Demarcação Urbanística, introduzida no nosso ordenamento jurídico por

meio da Lei Federal 11.977 de 2009, demonstra ser um instrumento de grande

importância e bastante interessante e inovador, representando uma grande evolução

na legislação brasileira, principalmente, no tocante ao direito do possuidor e, ainda,

ao estabelecer que os seus procedimentos se deem na esfera administrativa,

coadunando com tendência de transferir alguns procedimentos para o âmbito

extrajudicial como forma de tornar mais célere a regularização das áreas onde se

localizam moradias subnormais ou precárias e, consequentemente, realizar a

urbanização e desenvolvimento da cidadania.

Por fim, a usucapião coletiva urbana, traz no seu texto legal uma promissora

forma de efetivar o direito à moradia e o desenvolvimento da cidadania, mas para

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120

tanto será necessário fazer algumas alterações na lei em relação aos

procedimentos, de forma a simplificá-los com fundamento da necessidade de incluir

socialmente a população de baixa renda e alcançar os princípios, direitos

fundamentais e sociais que estão estabelecidos em nossa atual Constituição

Federal.

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121

CONCLUSÃO

O processo de urbanização e desenvolvimento das cidades brasileiras

sempre esteve atrelado a fatores históricos e ao modo de ocupação do solo

brasileiro, desde o período de colonização do nosso país pela Coroa Portuguesa.

O fato é que, o modo de ocupação do solo por meio do regime das sesmarias

e, posteriormente, a tentativa de regularização fundiária por meio da Lei de Terras,

gerou a incrível desigualdade em relação a distribuição de terras em nosso país,

agravada pelo período de industrialização, que resultou no deslocamento repentino

e maciço de trabalhadores rurais para as grandes cidades do país, em busca de

melhores oportunidades de emprego e direitos.

Contudo, essa migração do campo para as cidades, de forma desordenada e

sem um planejamento por parte do poder público municipal, resultou na ocupação

das áreas periféricas ou de áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário local,

fazendo surgir o que conhecemos, atualmente, como favelas.

Os problemas dessas áreas de favelas são a exclusão social e a falta de

cidadania por conta da segregação socioespacial, uma vez que origina o conflito

entre aqueles que vivem nas áreas mais centrais ou mais bem localizadas e

valorizadas pelo mercado imobiliário, conhecida também por cidade legal e, as áreas

de favelas, nas quais se encontram todo o tipo de problemas decorrentes da falta de

infraestrutura básica como saúde, segurança, mobilidade, desastres naturais e

outros problemas que refletem e irradiam para o restante das grandes cidades

brasileiras.

Dessa forma, nota-se que na tentativa de minimizar o problema de ocupação

do solo e da falta de urbanização dessas áreas de favela, o legislador criou

inúmeros instrumentos para a tentativa de regularização fundiária e cumprimento

das diretrizes gerais das Políticas Urbanas estabelecidas na Constituição Federal e

Estatuto da Cidade.

Nesse sentido, verifica-se que a partir da Constituição Federal de 1988, na

qual trouxe inserido em seu texto o princípio da função social da propriedade e,

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122

posteriormente, reconheceu o direito à moradia como um dos direitos sociais,

observa-se que o legislador tem buscado por inúmeros diplomas infraconstitucionais,

promover a cidadania por meio do direito à moradia, uma vez que promover o bem-

estar social da população menos privilegiada por meio de alternativas jurídicas para

o alcance do direito a moradia, é desenvolver e alcançar a cidadania.

Assim, a presente dissertação teve por escopo analisar o instituto da

usucapião coletiva urbana e expor alguns dos processos judiciais que tentam, por

meio do instituto, promover a regularização fundiária de algumas favelas

paulistanas.

Entretanto, a usucapião coletiva urbana não tem demonstrado ser um

mecanismo célere para o alcance da regularização fundiária, tendo em vista que

apresenta alguns obstáculos que a tornam pouco efetivas, até o presente instante,

mas que se sanadas poderá se tornar num grande instrumento jurídico de efetivação

do direito à moradia.

Em análise, apontou-se como um dos obstáculos à sua aplicabilidade, a

dificuldade na fase citatória, tendo em vista a multiplicidade de sujeitos na mesma

demanda, bem como a morosidade típica dos processos que percorrem a via

judicial, haja vista a necessidade de serem intimados os entes públicos, o Ministério

Público, Cartório de Registro de Imóveis e Vizinhos Confrontantes de cada um dos

imóveis para posterior prosseguimento do feito.

A prova pericial, também, dificulta o resultado prático da demanda, uma vez

que o levantamento da área a ser usucapida coletivamente, importa num

detalhamento minucioso da área e um relatório complexo, com quesitos do Juiz,

além das respostas aos quesitos de ambas as partes da lide, tornando, ainda mais,

a via judicial morosa para o alcance do resultado pleiteado.

Algumas alternativas para tornar o instituto foram expostas como a

transferência do procedimento judicial para a esfera extrajudicial, transferindo a

competência do processamento da usucapião para os Cartórios de Registros de

Imóveis, coadunando com o espírito atual do legislador que visa desjudicializar os

procedimentos como ocorreu no caso de inventários, em que a legislação,

atualmente, permite ao inventariante, promover o devido processamento do

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inventário, via Cartório, isto é, extrajudicialmente, em alguns casos especificados

pela lei.

Por fim, após breve comparação do instituto da usucapião coletiva urbana

com a Concessão Coletiva de Uso Especial e a Demarcação Urbanística, outros

dois instrumentos jurídicos das Políticas Urbanas, se observou que os

procedimentos extrajudiciais da Demarcação Urbanística podem ser mais eficientes

no tratamento da favelização, uma vez que permite ao possuidor, após demarcação

urbanística e emissão de título com o reconhecimento da legitimidade da sua posse,

usucapir extrajudicialmente após transcorridos cinco anos da data do seu título de

posse, desde que apresente documentos que comprovem não ser proprietário de

outro imóvel ou de já ter sido beneficiado por aquisição por meio da usucapião e,

ainda, que não haja sobre a sua posse nenhuma lide.

Em relação a Concessão Coletiva de Uso Especial, muito se assemelha aos

procedimentos da usucapião coletiva urbana, diferindo, mais significativamente, em

relação a área, objeto da regularização, uma vez que a usucapião coletiva só é

possível de ser arguida por possuidores que ocupam áreas privadas, enquanto que

a Concessão de Uso Especial, vislumbra o tratamento jurídico nas áreas públicas.

A Demarcação urbanística, por sua vez, parece possuir procedimentos mais

simples, uma vez que valoriza o direito a posse e seu procedimento se dá na esfera

extrajudicial.

A usucapião coletiva urbana tem potencial para se tornar em um instrumento

importante da política urbana, uma vez que transfere a iniciativa de regularização

aos ocupantes das áreas que poderão ser usucapidas, dispensando as costumeiras

intervenções estatais que buscam, na maioria das vezes, a promoção de candidatos

as eleições.

Com a aquisição da propriedade, por meio do instituto, há a possibilidade de

que os beneficiados pela usucapião coletiva adquiram apego ao terreno usucapido,

constituindo um lar para as suas famílias e, assim, invistam em melhorias que

resultem em uma transformação da área de favela, possibilitando a urbanização

destas áreas e o cumprimento da função social da propriedade.

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Dessa maneira, o instituto da usucapião coletiva urbana traz, em seu bojo,

ótimas intenções em resolver o problema de moradia e, consequentemente, de

urbanização das favelas, não restando dúvidas de que se bem aplicado, será um

instrumento importante para a política urbana das cidades brasileiras, porém carrega

também críticas que desde seu surgimento apontam dificuldades que caberão aos

tribunais dirimir, usando do bom senso e da criatividade, ou ainda, de uma

complementação normativa para que as dúvidas e as lacunas apresentadas sejam

dirimidas e o objetivo seja alcançado.

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