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Negociao InterpessoalComo os fatores interpessoais afetam o resultado
dos processos de negociao humana.
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INTRODUO
A prpria individualidade das pessoas pressupe por princpio interesses diferentes em termos
de conjunto. Ou seja, os interesses humanos so to amplos, diversificados e numerosos que o
conjunto de interesses de uma pessoa, num determinado momento, tem probabilidade quase zero
de ser igual ao de outra. So tantas as combinaes de interesses que quase impossvel uma
pessoa ter uma mesma combinao de interesses que outra, principalmente se imaginarmos estas
duas pessoas se encontrando. Uma mesma combinao de interesses entre duas pessoas , portan-
to, terica. Pode at existir, s que as pessoas podero estar a quilmetros de distncia. Se, alm
disso, imaginarmos uma coincidncia de momento (pessoas com mesma combinao de interesses
se encontrando num mesmo momento), a probabilidade torna-se menor ainda. Um conjunto de
interesses no algo esttico. Pelo contrrio, algo em constante mutao, principalmente se
levarmos em conta os aspectos sutis e refinados dos interesses humanos.
Na medida em que os interesses humanos diferem, as relaes das pessoas de uma Sociedade
dependem sempre de alguma forma de transigncia, acordo, negociao para haver equilbrio de
interesses. Tal equilbrio, definido como uma negociao de sucesso, ocorre quando as partes
conseguem, de alguma forma, conciliar seus interesses de forma satisfatria a ambas.
Esse tipo de negociao, que dessa forma representa uma posio de equilbrio, pressupe duas
condies bsicas. A primeira a liberdade. Uma negociao s ocorre quando as pessoas sentem-
se livres para relacionar-se com as outras. A segunda o envolvimento, a no-alienao. Uma
pessoa alienada, no-envolvida, nem se d ao trabalho de negociar: meramente deixa acontecer.
Em negociao, a liberdade tambm est relacionada questo do poder, na medida em que inte-
resses diferentes podem ser forados a se acomodarem por uso de poder e o exerccio de auto-
ridade externa.
A questo da alienao, por outro lado, envolve inmeras outras: motivao, percepo de poder
prprio, percepo de seus prprios direitos, negao de uma realidade (a da diferena de interes-
ses) e negao da importncia da ao que conduza conciliao (mesmo que parcial ou tempor-
ria) de interesses e muitos outros.
Em nosso paper, faremos alguns comentrios sobre fatores relacionados questo maior da liber-
dade e da alienao. Entretanto, em funo da amplitude e importncia desses temas que mere-
ceriam trabalhos especficos, principalmente se relacionados problemtica das negociaes pol-
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ticas evitaremos nos estender demasiadamente para termos condio de privilegiar outros tpi-
cos mais diretamente relacionados ao tema deste trabalho.
Neste sentido, desenvolvemos o trabalho imaginando uma sociedade livre e ativa, onde o processo
de negociao se encontra presente em praticamente todos os tipos de relaes entre pessoas e
nas mais diversas situaes:
entre pais e filhos
entre patres e empregados
entre colegas, pares, amigos, companheiros
entre partidos polticos
entre governantes de diferentes pases
entre setores de uma sociedade
entre quem produz e quem consome
entre quem tem e quem no tem (recursos, know-how etc.)
etc.
A conciliao de interesses pode ocorrer na forma de negociaes sobre aspectos materiais (nvel
de remunerao, preo, recursos materiais, limites territoriais, etc.), bem como sobre aspectos
mais abstratos e subjetivos (grau de liberdade para os filhos, condies de trabalho, acesso a infor-
maes, grau de participao nas decises etc.).
Neste quadro, o processo de negociao interpessoal representa um papel importante, de grande
impacto potencial para a Sociedade. Na medida em que mais negociaes em nossa Sociedade
vierem a ocorrer (sucesso das negociaes), ou seja, na medida em que os interesses das pessoas
venham a ser efetivamente conciliados, com satisfao para as partes envolvidas, teremos mais
harmonia e cooperao, com benefcios maiores para todos. nesse sentido que NEGOCIAO
representa um tema que merece estudos mais profundos.
O tema negociao interpessoal pressupe estudos de carter fortemente interdisciplinar. Neste
trabalho, utilizamos conhecimentos e experincia da Amana no campo de administrao geral
(management), especialmente aqueles relacionados a planejamento, estratgia, processo decisrio,
cultura organizacional, liderana, poder, motivao e comunicao. O campo da psicologia social
extremamente relevante para este paper, no s pela influncia deste nas prprias disciplinas do
campo de management (forte influncia da psicologia no estudo da administrao), como princi-
palmente pela relevncia do mesmo para uma melhor compreenso do processo e da dinmica da
negociao humana.
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Na primeira parte do trabalho, procuramos mostrar a dinmica de uma negociao desde a fase
de planejamento at a negociao propriamente dita com o objetivo de dar uma viso geral dos
fatores que podem afetar os resultados de uma negociao.
Na segunda parte, elaboramos um pouco mais profundamente sobre reas que a nosso ver
mais significativamente podem afetar a eficcia das negociaes: planejamento/estratgia/ processo
decisrio.
Na terceira parte, procuramos fazer uma concluso geral, resumindo em algumas poucas propos-
tas bsicas o que deveramos estar fazendo para que mais acordos, conciliaes de interesses e
cooperao venham a ocorrer entre as pessoas, entre instituies e entre segmentos de nossa
Sociedade.
O presente trabalho procura valorizar o que efetivamente ocorre na vida real, fonte das mais
legtimas aprendizagens humanas. Alm disso, para dar um foco mais claro e objetivo s contribui-
es potenciais do projeto, escolheu-se o processo de educao e formao de pessoas como
tema de fundo da anlise. Durante todo o paper, as seguintes questes estaro em pauta:
em que aspectos precisamos educar, formar, treinar melhor visando a ter mais pessoas conse-
guindo negociar mais construtiva e eficazmente?
por que as pessoas falham nesses aspectos especficos (objetos de anlise durante o trabalho)?
Por que nosso processo educacional no cuida do desenvolvimento dessas habilidades e capa-
cidades (detectadas como relevantes ao processo de negociao)?
Dentro desse raciocnio, podemos tambm dizer que, ao longo do trabalho, uma dvida maior se
contrape a cada comentrio, em cada anlise: No estariam os processos de educao e forma-
o de pessoas, hoje em vigor, formando contranegociadores, ou seja, pessoas propensas a impasses,
competio, represlias e isolamento, ao invs de prepar-las para acordos, negociaes nutrientes,
cooperao, ajudas desinteressadas e convivncia com apoio e suporte mtuos?.
PARTE 1: FATORES QUE AFETAM O PROCESSODE NEGOCIAO (O CASO LONG)
Nesta primeira parte do trabalho, descreveremos uma negociao real, a partir do planejamento
at a fase de negociao propriamente dita. Ela se baseia em um tipo de simulao j realizada
muitas e muitas vezes com executivos de grandes organizaes. Tomaremos aqui o exemplo de
uma delas. Os executivos foram divididos em dois grupos de oito pessoas: o primeiro grupo repre-
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sentando os advogados de uma empresa os Laboratrios Long; o segundo grupo representando
os advogados de uma pessoa fsica Paulo Setbal, que alega ter ficado semi-invlido em conseq-
ncia de um acidente causado pelos efeitos colaterais de um remdio produzido pela Long. Cada
grupo teve um tempo para se planejar isoladamente. Em seguida, os dois grupos encontraram-se
em uma outra sala para a negociao propriamente dita. Tanto as reunies de planejamento como
as da negociao propriamente dita foram gravadas em videoteipe. Grande parte de cada uma das
reunies est aqui reproduzida, com pequenas mudanas, eliminaes de trechos repetitivos e
suprfluos. Nomes fictcios foram usados visando a manter em sigilo a identidade das pessoas e da
empresa.
O relato sobre o caso Long est entremeado com comentrios e observaes (destacados em
itlico) que julgamos pertinentes para estimular o leitor a refletir sobre questes subjacentes ao
que acontece na realidade. O objetivo desta parte trazer tona aspectos relevantes da dinmica
de uma negociao, dentro do contexto de uma situao prxima do real (na medida em que os
participantes no atuaram com script definindo o comportamento a demonstrar na reunio e
estiveram soltos para atuar naturalmente). Alguns desses aspectos relevantes apontados nessa
parte sero expandidos na Parte 2 do trabalho. Outros merecem uma ateno um pouco maior da
prpria Parte 1, nos intervalos dos relatos. Outros s so citados para registro, com o objetivo
de apontar a presena do fator e sua influncia na dinmica e, possivelmente, nos resultados da
negociao.
1.1. PLANEJAMENTO DOS ADVOGADOS DA LONG
Sala de reunies de um grande escritrio de advocacia. Oito pessoas presentes. Todos advogados
com um mesmo nmero de anos na casa. So pares: no h um lder formal no grupo. Os scios
principais do escritrio no esto presentes, mas recomendaram mxima ateno ao caso.
Dentro de pouco tempo, ainda naquele dia, eles recebero a visita de um grupo de advogados que,
em nome de um tal Paulo Setbal, vem tratar de um problema que envolve o maior cliente do
escritrio: o Laboratrio Long, multinacional da indstria farmacutica, uma das maiores operando
no pas.
De acordo com a ligao telefnica recebida naquela manh de um dos principais diretores da
Long, os advogados de Paulo Setbal querem conversar para tentar fazer um acordo com a empre-
sa. Caso no cheguem a tal acordo, iro levar o caso Justia imediatamente.
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Um memorando interno foi produzido a partir do telefonema. o material que os oito advogados
esto lendo silenciosamente nestes primeiros momentos da reunio.
Esta a integra do memorando:
Paulo Setbal, 35 anos, fazia um tratamento longo com um antibitico para bronquite crnica o LONGICILINA dos Laboratrios LONG. H seis meses, a LONG descontinuou a produodo LONGICILINA e lanou em seu lugar um antibitico semelhante o LONGEX. O fato deque o LONGEX substitua o LONGICILINA foi amplamente divulgado nos 3 meses prvios aoseu lanamento.
Paulo Setbal passou a tomar o novo antibitico depois de saber da substituio do remdioque tomava h 2 anos. Seu mdico havia aprovado a substituio.
Um ms aps o incio do tratamento, Paulo comeou a sentir problemas ocasionais de viso(turvamento forte por fraes de segundo).
Trs meses atrs, Paulo viajava noite quando sentiu tontura e perda de viso (um pouco maisprolongadas) e como conseqncia sofreu um srio acidente.
O auto, Astra ano 2002 (sem seguro), ficou completamente destrudo e Paulo teve que ficar 40dias no hospital. A recuperao ser somente parcial: Paulo teve um problema srio na modireita (e ele destro) e no poder mais us-la to bem quanto antes. Ele ter que aprender ausar a esquerda. Isso vai afet-lo no trabalho (Paulo, arquiteto, desenhista de perspectivas, aut-nomo, retirava em mdia $25.000 por ms).
H 30 dias, foi divulgado pela imprensa que o antibitico LONGEX causava tontura/cegueiratemporria e que o Laboratrio LONG havia retirado o remdio de circulao. O Ministrio daSade que tinha anteriormente aprovado o LONGEX est investigando o caso. Vrios pro-cessos contra a LONG esto em andamento. Dois acordos j foram feitos entre a LONG equeixosos. Um deles por $700.000 (a pessoa ficou completamente invlida) e o outro por $25.000(um jogador do Corinthians que vai ter que ficar 6 meses parado).
O objetivo chegar a um acordo com os advogados do Sr. Paulo Setbal. Se esse acordo no forconseguido, o processo vai correr pelas vias legais (isso no convm LONG, tanto pelo riscode a indenizao ser muito grande e pela criao do precedente, como pela publicidade, queprejudicar ainda mais a imagem da LONG provocando novos processos e at afetando a vendade outros produtos).
Na medida em que os advogados tomam contato com o problema, atravs do memorando,manifestam, de variadas formas, o que se passa em suas mentes:
Jorge, um encorpado senhor de meia-idade, sorri com freqncia durante a leitura, como se
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estivesse se divertindo com os pormenores da situao. Luiz Antonio, provavelmente o mais jovem do grupo, pouco mais de 30 anos, faz comentrios
jocosos: O cara destro um infeliz mesmo!. Alguns dos advogados reagem aos comentrios de Luiz Antonio e riem juntos. Outros, aparen-
temente absortos na leitura, permanecem silenciosos e impassveis, como se no estivessemouvindo os comentrios.
Gilberto, um dos mais agitados do grupo (seus no-verbais durante a leitura so reveladoresnesse sentido) termina de ler rapidamente, olha para os companheiros e, no obstante o fatode a maioria ainda no ter terminado de ler, comenta em voz alta e com ar estranhamentetriunfal: Est claro!. E sorri, passando uma mensagem que um misto de est no papo! comvai ser divertido, pessoal. Vamos l!.
Lcia, a nica mulher do grupo, termina a leitura quase ao mesmo momento que Gilberto econfirma o comentrio: Sem dvida E complementa: No temos o que discutir. pagar epronto!.
Dois ou trs dos outros advogados reagem s observaes de Gilberto e Lcia: Mas, a questo
quanto ao valor!; O xis do problema chegar aos nmeros.
Paulo, aparentemente o mais idoso do grupo, comenta, com voz pausada e devagar, num tom de
algum que pensa em voz alta: Por que no vamos Justia? A indenizao poderia vir a ser mais
amena. Num acordo, talvez paguemos muito mais!.
Poucos minutos se passaram. Mas j possvel identificarmos alguns fatores que podero estar afetando o
processo de acordo, a negociao que ter lugar (ou no) entre os advogados da Long e os de Setbal.
Jorge e Luiz Antonio com uma aparente postura de divertimento face situao e de ausncia de
considerao positiva em relao pessoa do envolvido, podero afetar o tom da reunio e conduzir as
discusses para uma trilha inadequada. Se vierem a ser ativos durante a negociao propriamente dita,
podero, por comportamentos que mesmo sutilmente (consciente ou inconscientemente) reflitam essa
postura de desconsiderao para com Setbal, despertar defensividade nos advogados que o representam.
Uma vez despertada essa defensividade, normalmente as probabilidades para um acordo diminuem razo-
avelmente.
O que sempre impressiona nesses casos a crena de muitas pessoas de que conseguem esconder essa
postura/atitude (de desconsiderao para com o outro) quando esto face a face com o outro lado. De fato,
muitos realmente conseguem faz-lo com maestria. Atores quase perfeitos. Quase porque de alguma
forma, certamente no-racional, no-objetiva, no-consciente, o outro lado capta a atitude por trs do
comportamento. O interessante aparentemente que essa prpria captao no vem de imediato ao
plano consciente. Ela simplesmente gera emoes fortes. De repente, a temperatura da negociao
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comea a subir, provocando o surgimento de barreiras ao processo de negociao. Da mesma forma que
essas pessoas acham impossvel que o outro saiba qual a sua postura interior, tambm no conseguem
ver a causa da subida da temperatura. freqente a surpresa quanto reao do outro. O que
freqentemente se ouve so verbalizaes do tipo no entendo sua forma agressiva de Nessa
mesma linha, interessante notar a relutncia das pessoas como Jorge em aceitar sua prpria atitude.
como se passassem a acreditar honestamente de que no estavam com tal postura. Aparentemente,
uma demonstrao do tipo no dei a mnima demonstrao desta atitude, portanto, no estou tendo tal
atitude.
interessante refletir sobre o mecanismo da ironia, do sarcasmo, das agulhadas. Quanto h de conscin-
cia do processo por parte do prprio autor das observaes irnicas e dos no-verbais que refletem tais
sentimentos (ser que fazem deliberadamente? Ser que sentem que esto sendo irnicas?).
Tambm impressiona a arte do misturar ironia e sarcasmo com humor que certas pessoas desenvolvem a
nveis elevadssimos.
No grupo de advogados da Long, Gilberto parece achar este tipo de arte algo importante a ser dominado
na profisso. E este o outro ponto que merece ser analisado numa outra parte deste trabalho: as
qualificaes percebidas como sendo importantes para a profisso e as eventuais distores causadas por
isso. Gilberto parece ser um bom exemplo disso. Faz comentrios irnicos e at muito grosseiros com um
amplo sorriso cobrindo toda sua expresso. Ser que isso impacta mais negativamente ainda no outro
lado?
Por outro lado, a postura de ausncia de considerao positiva alm de causar defensividade no outro
provoca tambm barreiras ao prprio entendimento de que o outro lado diz e captao de sutilezas/
pormenores da situao. Leva tambm atravs da subestimao do outro a avaliaes incorretas/inade-
quadas que resultam em estratgias erradas.
A rapidez com que Gilberto chega ao veredicto de tudo est to claro, aps uma rpida leitura do
memorando, indica outra rea-problema que afeta consideravelmente a qualidade do processo de negoci-
ao: a superficialidade do diagnstico da situao e a superficialidade do planejamento.
Ao final desta primeira parte, mostraremos os elementos presentes no caso da Long com grande quantida-
de de pormenores no s em termos de diagnstico da situao como em termos de planejamento
para que se possa avaliar o nvel de superficialidade a que nos referimos.
O importante, em termos de reflexo quanto a esse aspecto, tentar analisar o porqu desta tendncia
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superficialidade.
Seria uma caracterstica cultural do brasileiro? O clebre jeitinho no se fundamentaria na f de que
na hora H a gente d um jeito? Da a questo, para que perder tempo planejando?
Seria um problema de habilidade no-desenvolvida? Nossas escolas no ensinam a planejar. Nem
mesmo as escolas de administrao do a devida ateno ao desenvolvimento da habilidade de
planejar, mostrando o como, fazendo praticar, dando feedback refinado etc. No mximo passam
conceitos que so encostados num canto da cabea, provavelmente sob a etiqueta de teorias no-
aplicveis. o mesmo que explicar a uma pessoa como funciona um automvel e esperar que ela
guie um sem nunca ter tido aulas prticas
Seria um problema de hardware? De circuitos pouco elaborados que acabam simplificando tudo?
Uma mquina fotogrfica em preto e branco que transforma as centenas de cores de uma paisagem
em meras dezenas de tons cinza?
Seria algo de cunho emocional? Uma excessiva ansiedade que o impele fazeo atravs da qual vai
conseguir aliviar sua tenso?
Seria a cultura especfica de certas organizaes que impele as pessoas ao rpida, a resultados de
curto prazo, a corridas contra o relgio? Uma cultura na qual o fazer altamente valorizado e o
planejar lucubrao perigosa; portanto, algo a ser olhado com desconfiana?
Seria um tipo de resistncia psicolgica em lidar com o complexo, com o ambguo, com mudanas
contingenciais, com o emaranhado de causaes, com decises inter-relacionadas, com as incertezas,
com o risco inerente a tudo isso?
Seria simplesmente uma postura de mnimo esforo/preguia crnica gerada por um processo educa-
cional em que trabalhar penalidade; e ociosidade e o no precisar fazer nada prmio?
Seria reflexo de processos educacionais excessivamente relaxados que no desenvolvem pessoas em-
penhadas naquilo que fazem (e que se contentam com meros mais ou menos)?
Outro aspecto interessante a registrar, ainda sobre estes primeiros minutos da reunio dos advogados da
Long, que tanto Gilberto como Lcia chegam rapidamente a uma concluso. S que a concluses diferen-
tes.
Gilberto veste rapidamente o papel de fiel e ferrenho defensor dos interesses da Long. E chega conclu-
so de que ser fcil ganhar do oponente. Sua postura de competio, quase uma guerra. Seu objetivo
derrotar o outro. No interessa quem seja e qual a causa.
Lcia analisa a situao e realisticamente a avalia luz de seus prprios valores, sua prpria tica, sob o
seu prisma de justia/do certo/do errado. Primeiro, antes de qualquer coisa, deseja saber o que justo, o
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que certo E sua avaliao to rpida quanto a de Gilberto. To superficial quanto a dele tambm?
Cabe tambm registrar a diferena entre juzos de valor (como aquele feito por Lcia) e diagnsticos do
tipo ser fcil derrotar o oponente.
Lcia teria simplesmente sentido ser justo indenizar Setbal j a partir de uma primeira leitura do texto?
Esse sentimento seria resultado de algo global/gestltico, no-racional? Em sendo esse o caso, seria vlido
classificar o que ocorreu como algo superficial? Aparentemente, nesta questo, tanto no caso de Gilberto
como no de Lcia, h margem para se discutir o assunto.
Mesmo a questo da superficialidade do diagnstico e do planejamento deve ser cotejada em relao
capacidade humana de intuir, de trabalhar informaes e conhecimentos de maneira no propriamente
lgica (no sentido de processos racionalmente encadeados).
Em termos de negociao, o feeling que impele a ao de certas pessoas decididamente tem um peso
significativo nos resultados e merece uma ateno especial. A questo complexa aqui : Qual o tipo de
ateno? O que possvel fazer?.
A questo lado direito, lado esquerdo do crebro nos traz alguma luz a este aspecto, mas aparentemente
no suficiente. Existe ainda um campo extenso a explorar, principalmente em termos de intuies com-
pletamente desvinculadas de informaes/conhecimentos. Trata-se de um campo explorvel to-somente
em conjunto com o estudo do esprito, da alma, do mistrio da prpria vida.
Ainda neste trecho em anlise, interessante notar o que ocorre a partir do comentrio de Lcia ( pagar,
e pronto!): alguns participantes da reunio aparentemente questionam Lcia, mas na realidade somente
o fazem quanto a um detalhe menor. Aparentemente, de forma involuntria, comungam com Lcia quanto
colocao maior, a de que no h dvidas quanto responsabilidade da Long e que ser necessrio
indenizar. Parece involuntria porque um debate profundo/elaborado/consciente colocaria em xeque
primeiramente, antes de qualquer coisa, a prpria afirmao maior.
Sensibilidade para processos de deciso em grupo e individuais parece representar outro fator de grande
significado em se tratando de negociao. Voltaremos vrias vezes a este assunto, no transcorrer deste
trabalho, na tentativa de, a partir do observado na negociao Long/Setbal, elaborar sobre os vrios
prismas atravs dos quais podemos radiografar este processo de grande relevncia ao resultado de
negociaes interpessoais/intergrupais.
Neste momento, o aspecto particular de processo decisrio a destacar o risco envolvido na tendncia de
as pessoas iniciarem o debate para deciso no meio do caminho, sem questionar o que j foi percorrido
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(sem questionamento da base: ou seja, assumindo como intocveis certas decises embutidas no proces-
so).
Vale tambm comentar que este aspecto aqui abordado est freqentemente presente em processos
manipulativos de deciso. A tendncia a que nos referimos usada por pessoas que desejam conduzir o
processo visando a chegar onde querem.
Nesse sentido, o comentrio de Paulo (Ir Justia, ao invs do acordo, no seria melhor?) uma excelente
forma de comear o debate do zero. Independentemente da possibilidade (de deixar ir Justia), o proces-
so de questionamento da base normalmente traz superfcie inmeros dados e raciocnios de grande valor,
tanto no processo de planejamento da negociao como na hora da negociao propriamente dita.
O comear da base depende muito de disciplina e de mtodo. Pode ser aprendido/transformado em hbito
com excelentes resultados. Entretanto, h dois tipos de obstculos a considerar.
O primeiro ainda o nvel de abstrao/inteligncia/sofisticao do hardware e software da pessoa.
Certos processos so muito complexos; no fcil chegar base e reconstituio dos caminhos lgicos.
O processo torna-se ainda mais complexo quando h fatores subjetivos/afetivos/polticos envolvidos.
preciso que a pessoa, alm de seu potencial intelectual, tenha refinada sensibilidade para lidar com fatores
no-lgicos/racionais.
O segundo tipo de obstculo ocorre quando, no obstante o desejo de comear pela base, outros fatores
impedem a pessoa de faz-lo. No caso de Pedro, o fator impeditivo tomar a forma de ao do grupo, como
poder ser visto logo a seguir.
A reflexo em voz alta de Paulo Por que no vamos Justia? cortada por um No convm! de
Virglio, que havia permanecido em silncio at ento. Isso no nos interessa. completa, sem ao
menos levantar os olhos do papel no qual fazia algumas anotaes.
Numa frao de segundo, Jos Luiz, que estivera lendo o memorando com bastante ateno, completa
a seqncia de observaes de Virglio: Isso eles no sabem. Eles no sabem que no nos interessa ir
Justia. No sabem que estamos com medo. E isso um trunfo nosso!.
Virglio prossegue: Podem estar forando um acordo porque eles no querem ir Justia.
Durante alguns minutos, vrios advogados falam ao mesmo tempo em conversas cruzadas/paralelas.
Algum prope comear discutindo a estratgia da negociao e todos concordam prontamente com
isso. Mas, logo a seguir, Gilberto coloca para o grupo: Ento, quanto a gente proporia? $350.000?
A reunio j est aquecida. A participao intensa; todos muito envolvidos. Outros fatores que potencial-
mente afetaro os resultados da negociao podem ser identificados claramente.
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A tentativa de Paulo de questionar a base (Por que no deixar ir Justia?) frustrada bruscamente por
uma avaliao instantnea (No convm! Isso no nos interessa!)
A colocao de Paulo poderia ter originado um debate rico foi relevante ao processo de negociao e aos
seus resultados. Entretanto, o comentrio de uma nica pessoa foi suficiente para barr-la.
Se observarmos com cuidado o comentrio de Virglio, veremos que se trata de uma avaliao simples,
pessoal, no fundamentada. Ele no chega a explicar por que no convm ir Justia.
Por que Paulo no volta carga, buscando junto a Virglio maiores informaes?
Seria efeito dos no-verbais de Vrgilio (tom de voz, baixa considerao, nem sequer levantar os olhos
para fazer a observao) passando uma mensagem do tipo: Seu burro! Larga mo de falar bestei-
ra!?
Seria receio de virar o chato do grupo, atravs de insistncias que venham a segurar/retardar o
grupo?
Estaria ele esperando apoio de outras pessoas do grupo sua proposio (ausncia de apoio signifi-
cando endosso ao corte?)
Seria condicionamento autoridade (forma autoritria de Virglio intervir)?
O comentrio de Jos Luiz, segundo o qual os advogados de Setbal no saberiam que Long no
interessaria ir Justia representa, por outro lado, uma suposio sem qualquer fundamentao: nada d
suporte mesma. Entretanto, ningum contesta.
Suposies como essa de Jos Luiz e julgamentos sucintos, sem explicaes, como o de Paulo ocorrem com
freqncia em processo de negociao. Seja em reunies de planejamento como esta, ou nas negociaes
propriamente ditas. Parece extremamente importante que tais colocaes sejam questionadas: seja pelo
prprio membro da equipe, seja pelo oponente. Ser que as pessoas deixam passar por convenincia?
Para no truncar o processo? Para no virar o estraga prazeres/ o amargodo grupo? Ou a resistncia
normal ao confronto? Ou ento simples alienao/no-interesse/falta de envolvimento (tanto faz).
Nessa mesma linha de anlise, por que ningum se ope interrupo do processo decidido pelo grupo,
feita por Gilberto (prope nmero, quando a deciso seria de discutir primeiro a estratgia)? Por que
ningum insiste em fazer a reunio voltar ao caminho estabelecido? Ser por que existe algum tipo de
ilegitimidade em atuar sobre o processo? Um tipo de receita que diz que somente o lder que pode/
deve atuar sobre processos? Ou seria mera inrcia, falta de envolvimento, o evitar ser chato etc.?
Virglio coloca com vigor: Espere a! Nossa estratgia de pagar o menos possvel!(Questo
da clareza do objetivo da negociao)
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Paulo intervm: Vamos ter que operar numa faixa; mnimo para mximo. Mas uma negociao
no depende s da situao. Vai depender de quem vai negociar, do outro lado, das partes
envolvidas (Importncia da pessoa que vai negociar, suas caractersticas, sua personalidade; im-
portncia de compreenso emptica do outro)
Lcia interrompe: Ns nem conseguimos ver direito o problema e j estamos querendo ana-
lisar as pessoas que estaro negociando. Vamos primeiro discutir quanto justo pagar. Depois,
negociamos. Primeiro a integridade profissional (Questo da tica, do senso de justia, do que
certo e errado independentemente dos interesses envolvidos)
Lcia j fala forando espao, j que h mais trs ou quatro comeando a fazer outras coloca-
es. H, no meio do rudo todo, comentrios de apoio a Lcia (No hora de analisar
pessoas) (Questo de processo da reunio, dinmica de apoios, suportes versus contras sistem-
ticos; agendas ocultas etc.)
Virglio aponta o memorando e comea a ler dados ali mencionados: idade de 35 anos,
arquiteto, autnomo, $25.000 por ms (Cara dura em prosseguir contra a mar, ignorando
comentrios e pessoas; forando a barra para levar o grupo a discutir o que quer)
A citao desses dados acende o grupo todo. H meno de inmeros outros itens:
quanto vale um Astra? Isso devido a ele 40 dias de hospital 2 anos para treinar a mo
esquerda (Forte tendncia das pessoas a ficarem com dados objetivos; ficam mais confortveis do
que tratando de dados subjetivos; menos pessoas parecem estar confortveis com ambigidade)
Lcia eleva a voz acima da dos outros e diz: Tenho uma proposta. O Setbal tem 35 anos.
Supondo que ele teria vida til profissional at 65, so 30 anos. s multiplicar $25.000 pelo
nmero de meses referente a 30 anos. Como h probabilidade de recuperao da mo esquer-
da, vamos colocar uma perda de 40% at o final da vida (Percepo dos objetivos da negocia-
o parece estar em torno da questo MANTER IMAGEM EMPRESA JUSTA)
Jos Luiz retruca, cortando Lcia: 40% muito pesado. Tem que se pensar no tempo que ele
levaria para treinar a mo esquerda (Questo do entendimento das colocaes; tendncia de as
pessoas no checarem entendimento)
Paulo apia: temos que pensar s no tempo de treinamento da mo esquerda. Nada de
vida toda (Considerao no-positiva no tom e na forma de interveno. Especfico em relao
Lcia)
Gilberto completa: Ele no est totalmente invlido. Pode aprender a usar a mo esquerda.
Pode mudar de profisso. Virar vendedor de (Racionalidade alta com foco nos prprios interes-
ses. Lgica centrada s no lado de c, sem considerar o outro)
O comentrio de Gilberto parece irritar Lcia: Pera a! Isso interferir na vida da pessoa!
(tica, respeito ao limite do outro)
Gilberto responde prontamente falando de capital para iniciar o negcio, que a deciso da
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pessoa etc. O argumento fraco, mas Lcia no volta ao ponto. (Questo do ceder a argumentos
por convenincia, por cansao)
Vrios outros advogados comeam novamente a colocar valor aos dados do problema: valor
do Astra, valor da diria do hospital. Parecem ficar mais vontade. Muitos participaram. (Dados
objetivos versus subjetivos. Disperso, falta de objetividade, no-conscincia dos objetivos maiores)
Nesse perodo h muitas estimativas: acho que ele treina a mo esquerda em 24 meses.
Isso multiplicado pelo salrio (Suposies, premissas, estimativas, legitimadas por nmeros, cl-
culos etc.)
Lcia volta a colocar sua proposta 30 anos de vida til, 40% bruscamente interrompi-
da por Paulo: Voc advogada de quem, hein? Da Long ou do Setbal? (Questo do trabalhar
conflitos e nvel de agressividade no grupo)
Lcia balbucia algo como: Estamos tentando ver que condies interrompida de novo
por Paulo: Voc est querendo dar indenizao por 30 anos, Lcia! O que isso? (Uso de
autoridade, poder, intimidao)
Virglio volta a trazer tona, cortando Paulo, a questo de uma indenizao suficiente para
Setbal comear outro negcio. (Recorrncia dos dados. Tempo de recesso para pensar das pessoas:
no insistem, mas continuam a trabalhar internamente durante algum tempo. Voltam questo mais
tarde. Ponto a questionar: envolvimento no debate durante o recesso para trabalhar determinado
ponto)
Lcia retruca: Pessoal! Estamos interferindo na vida do cara! (Tom de lamentao e forma de
colocao j no de participao e influncia, mas de simples queixa)
Paulo volta forte: Cuidado com essa nossa deciso! A gente no sabe o que vem por a!
Aparecem mais 10, 30 caras como o Setbal A gente vai fechar a Long?! Seu no-verbal
forte: corpo virado, torcido em direo Lcia, volume de voz alterado, expresso forte no
rosto. (Argumentos extremados, hipteses distantes para destruio de posio)
Lcia evita o olhar de Paulo, olha para o grupo, no responde.
Neste ponto, h inmeras evidncias quanto ao impacto das posturas de cada pessoa em relao s outras
e das habilidades em ouvir, em expressar-se com clareza com a preocupao de se fazer entender pelos
outros etc.
O impacto das habilidades interpessoais na qualidade dos processos de negociao bastante grande. Na
medida em que temos a oportunidade de presenciar processos como o que estamos descrevendo, nos
quais surpreendentemente freqente o nmero de interrupes da fala do outro, vrias pessoas falando
ao mesmo tempo, resistncia a ouvir o outro, tendncia a falar demais, ansiedade em colocar seu prprio
ponto de vista, baixa ateno fala do outro, postura passiva no ouvir, falta de persistncia em ir at o fim
ao no concordar, ao no entender -, comportamentos de no considerao pela pessoa do outro,
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comportamentos que despertam defensividade (ironia, sarcasmo, postura crtica, avaliativa, agressividade
nas colocaes), nos questionamos do porqu disso e do porqu da aparente baixa ateno dada ao
desenvolvimento de habilidades interpessoais em nossa sociedade. Seria uma questo de nvel de educa-
o, de grau de civilidade alcanada? Seria um problema ligado ao trao cultural?
Aparentemente, em nossa sociedade, as habilidades interpessoais no ocupam posio de destaque, no
representam uma rea prioritria. Valoriza-se, por exemplo, mais o acmulo de conhecimentos do que o
desenvolvimento de habilidades interpessoais. Os nossos programas formais de educao no contemplam
espao/energia/ateno para o desenvolvimento dessas habilidades, embora sejam bsicas, inclusive como
meio para otimizar a aprendizagem e desenvolvimento geral. Por que essa lacuna existe? Quais as causas
disto? Ser por que parecem ser coisas to naturais como respirar e andar? Ser por que aparenta ser
uma sofisticao suprflua (em comparao a outras coisas mais concretas, de uso mais importante)? Ser
mera falta de sensibilidade para o assunto das pessoas que teriam condies de mudar esta condio?
Ser que estamos armadilhados num crculo vicioso (maioria das pessoas achando que no algo neces-
srio por se sentirem plenamente habilitadas)?
Uma coisa bastante evidente: na medida em que mais pessoas tiverem habilidades interpessoais desen-
volvidas a um nvel adequado, haver melhores condies para acordos e negociaes mais freqentes
(menos impasses, menos desacordos e rupturas).
Nossa observao de inmeras situaes de negociao nestes anos todos de vivncia/experincia concre-
ta nos indica algumas reas que devem merecer ateno no processo de desenvolvimento de habilidades
interpessoais: capacidade de expressar com clareza o que pensa; capacidade de expressar empaticamente
o que deseja, isto , expressar-se usando o quadro de referncia visando a assegurar a melhor qualidade de
compreenso possvel (pelo outro); capacidade de fazer perguntas de forma refinada (forma adequada
situao); habilidade de dosar sua participao evitando falar demais; objetividade na expresso, evitando
disperso/prolixidade;capacidade de assegurar correspondncia adequada entre inteno e efeito; preci-
so das colocaes; didtica nas colocaes; capacidade de expressar/trabalhar emoes; habilidade de
lidar com o prprio processo de relacionamento; habilidade de ouvir proativamente (no somente de forma
passiva); habilidade de ouvir empaticamente (usando o referencial do outro, acompanhando o raciocnio
do outro); habilidade de observar/captar pormenores da dinmica interpessoal; habilidades de captar no-
verbais, emoes; postura que estabelea relaes de confiana, ausncia de defensividade/autenticidade/
de considerao positiva/de respeito/construtiva.
A reunio prossegue num clima de alto envolvimento, voz elevada, agressividade nas colocaes.
A descrio do processo abaixo serve tambm para ilustrar os problemas freqentemente verificados no
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planejamento, na definio de estratgias e na tomada de deciso, outra rea que afeta sobremaneira os
resultados das negociaes e que analisada de forma mais detalhada na Parte 2 deste trabalho.
Lcia, quase sem ao em funo da forma agressiva de Paulo intervir, olha silenciosamente
para o grupo, como a pedir ajuda. Ningum se manifesta. Em relao ao ritmo dos debates de
at ento, o silncio absoluto mesmo de poucos segundos parece ser constrangedor para
todos. (Postura em relao a agresses; questo do apoio do grupo, envolvimento, comprar a briga
versus intromisso; constrangimento face ao silncio como elemento cultural)
Jos Luiz quebra o silncio: Bem Vamos fazer os clculos, s para termos uma idia. 144 x
25 $3.600.000 Viji! (Estratgia de aliviar clima de tenso e constrangimento trazendo baila
assunto menos ameaador, mais simples, mais objetivo?)
Lcia volta questo: Pagamos esse valor, a empresa reconhece o erro publicamente, capitaliza
em cima para ficar com uma imagem de empresa justa e (Persistncia em voltar discusso
mesmo aps agresso aps breve silncio sem trabalhar a agresso propriamente dita. Ignorar
a agresso e prosseguir como estratgia?)
Gilberto interrompe, elevando a voz: Mas no sabemos se o antibitico realmente causa pro-
blemas! Pelo menos at que a anlise do Ministrio (Questo de debater sobre a letra da lei
em contraposio ao esprito da mesma. Qual a opinio pessoal de Gilberto, independentemente de
provas?)
Lcia insiste: Ns estamos fugindo de novo do assunto! A gente precisa primeiro definir quan-
to seria justo Isso tudo que vocs esto tentando colocar mero argumento No pode-
mos acreditar nisso, de que o remdio no teve nada a ver com o acidente (Questo dos
padres pessoais de Lcia quanto ao que vem a ser justo; postura dela sobre integridade pessoal;
questo de integridade pessoal em contraposio aos valores da empresa: possveis conflitos de inte-
resse)
Paulo olha fixamente para Lcia, levanta a mo e diz: $3.600.000?! De jeito nenhum!
(Parmetros prprios para definir o que seja aceitvel ou no aceitvel; a questo de julgar pelo
nmero final sem sequer explorar o que est por trs do nmero)
Lcia ainda tenta prosseguir: Gente Vamos assumir (Forma de intervir no processo do grupo:
tom de lamentao em contraposio a aes mais construtivas, mesmo que mais duras, formais,
srias)
Jos Luiz dirige-se ao grupo: Ento, pessoal: qual seria o valor devido? (Tentativa de trazer uma
maior objetividade discusso, mas ainda sobre nmeros e no sobre a base, as razes, os fundamen-
tos)
Paulo coloca sua posio rapidamente: Eu acho uns 6 meses de salrio, no mximo Uns
$150.000, mais as despesas (Palpite, sem justificativas; simples opinio baseada em senso
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pessoal de o que parece justo ou quase um nmero qualquer trazido tona por uma certa preguia
em entrar mais fundo nos debates?)
Gilberto, interessado na forma como o nmero ser colocado aos advogados de Setbal,
intervm: Pessoal Eu s tenho uma preocupao aqui. Vamos estabelecer um mximo para
a negociao. E um mnimo para comear. Se a gente emplacar esse primeiro nmero, nem
chegamos ao teto mximo (Prossegue ainda a preocupao com nmeros e, agora, sobre mano-
bras para pagar o mnimo possvel, objetivo de alguns dos advogados do grupo)
Lcia persistente; no concorda com Gilberto: Eu acho que a gente tem que ver o problema
pelo lado do prejudicado Eu acho que o devido (Questo de persistir na mesma aborda-
gem de argumentao com possibilidade de ficar maante. Valeria a pena mudar abordagem? Funci-
onaria entrar mais neutramente sobre o que est atrs dos nmeros?)
Gilberto interrompe, j com a voz alterada: Olha, voc advogada da empresa. Tem que esque-
cer o problema do cara! (Estaria a irritao de Gilberto, em relao Lcia, ligada sua expecta-
tiva quanto atitude e comportamento de um advogado exemplar?; questo de empatia com o
oponente; questo de encarar negociao como GUERRA e no como possvel forma de conciliar
interesses)
Lcia no se conforma com a colocao de Gilberto: No posso esquecer, desconsiderar a
pessoa. Afinal (Forma de intervir muito voltada para o lado pessoal ao invs de canalizada para o
contexto da negociao? Alternativa mais impactante no seria a de destacar a necessidade de consi-
derar a forma e os argumentos dos advogados de Setbal na negociao?)
Paulo interrompe, voltando sua argumentao anterior: Se amanh aparecem mais dez pes-
soas querendo ganhar $700.000 cada um! (Argumentaes baseadas em suposies extremadas
levando a polmicas fortes, contra-argumentaes igualmente extremadas, elevao do nvel de emo-
o)
Jos Luiz retorna forte: No tem que pagar, no! Como advogados, somos obrigados a defen-
der o criminoso! Mesmo que a gente saiba que o cara matou temos que dizer que o cara
no matou! (Questo da percepo de papis; questo da supresso do julgamento prprio, do
senso de crtica para incorporar sem questionamento um papel definido, conforme seu entendi-
mento do mesmo)
O comentrio de Jos Luiz impacta Lcia, que s consegue dizer: Que horror! Parece que
Lcia no est acreditando no que est vendo e ouvindo. (Questo do efeito de exclamaes
avaliativas no outro: a impresso que deixa de pessoa meio infantil?; isto, em contraposio a um
posicionamento mais claro em relao s colocaes do outro)
Gilberto apia Jos Luiz: verdade! isso a! Poxa, ou a gente assume o papel de advogado,
ou (Ou de qu? de ser humano que pensa e julga, independentemente do que os papis sociais
descrevem, ou melhor, a caricatura dos papis pressupe?)
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A reunio fica tumultuada, volta-se a falar de nmeros e dados objetivos (carro, seguro, diria de
hospital etc.). Vrios minutos de discusso sobre nmeros, porm, sem entrar no mrito dos mes-
mos.
Tanto o nvel de participao (mais pessoas intervm) como o de envolvimento (voz alta, entusias-
mo, mais vibrao) parecem se elevar quando o grupo passa a tratar de nmeros e dados objetivos.
Jos Luiz, em determinado instante, volta questo como se tivesse descoberto algo novo:
Acho que a gente tem que entrar na negociao com um objetivo claro: no pagar nada! Afinal,
no existem provas! (Nvel de aspirao alto, desejo de chegar ao mximo. Resta saber quo
realista o desejo; questo da diferena entre um desejar muito e a frrea determinao de
chegar)
Gilberto pondera: acho que eles tm muito a perder se a coisa for parar na Justia. Ser
um processo lento, muito moroso. Eu acredito que eles vo querer negociar (Empatia
conveniente, ainda centrada no que se deseja deste lado de c; e quanto quilo que a Long vai perder
se o caso for para a Justia?)
Paulo parece entusiasmado com a idia de nada pagar! isso a O remdio, afinal, foi apro-
vado pelo Ministrio da Sade. A imprensa que est difamando o remdio No h provas
de que o remdio cause tonteiras e tudo o mais (Objetivo da negociao est claro? Objetivo
deste planejamento est claro? No deveria se especular sobre qual ser a reao dos advogados de
Setbal quanto a essas questes e se preparar adequadamente? Por que as pessoas passam a fazer
planos e estabelecer objetivos sem considerar o outro?)
Novo tumulto. Novo pingue-pongue de nmero e dados objetivos (valor da fisioterapia, salrio
multiplicado pelo numero de meses)
Jos Luiz arrisca: Sabe eu acho que eles vo pedir uns $900.000 (Palpite com base em
que fatores? Esses $900.000 sero fundamentados pelo outro em qu, especificamente?)
Gilberto contesta: Acho que no Se eles souberem dos outros acordos, sero menos ambi-
ciosos. Afinal, pagamos $700.000 para invalidez permanente. Acho que eles vo pedir uns
$350.000, a metade (Suposies ainda muito convenientes para o seu prprio lado; questo do
entrar no papel distorcendo a viso do outro)
Lcia no concorda com Gilberto: Acho que eles vo querer muito mais do que os prprios
700. Vai ser acima de 1 milho (Maior grau de empatia com o outro levando a suposies bem
diferentes e, possivelmente, mais prximas da realidade)
Paulo ignora os comentrios e interrompe, dirigindo-se a Gilberto: Com quanto voc preten-
de comear? Com zero? (Questo da interrupo brusca de uma discusso: baixa considerao
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pelo outro? Tcnica deliberada para mudar o curso dos debates? Questo da no-insistncia por quem
interrompido no querer ser chato? No desejar confronto?)
Lcia se exalta. Parece pessoalmente ofendida: Eu nunca comearia com zero! Acho absurdo!
Ridculo! Uma verdadeira ofensa! (Ainda a empatia com o outro levando a sentir o que o outro
sentiria ao ouvir a posio de zero? Questo da tcnica de comear por uma posio extrema para
depois ir cedendo gradualmente: uma armadilha da qual possa ser difcil escapar sem perder a
pose?)
Gilberto retruca, em voz alta: uma negociao! Acho que a gente no tem nada a perder com
isso! zero, mesmo! (Questo de extremismos na argumentao levando a afirmaes superficiais,
no-fundamentadas; questo da credibilidade a ser afetada pelas posies extremadas)
Paulo apia: Pagar qualquer coisa admitir culpa. E ainda vamos levar fama de pssimos advo-
gados! Vamos ser difamados na praa (Questo dos conflitos de interesses: interesses dos
advogados podendo interferir no processo de defesa dos interesses do cliente; questo da imagem
pblica, status, aparncia, em contraposio integridade, ao verdadeiro, ao autntico)
Gilberto abre uma concesso: O ideal zero. Mas topo pagar uns $115.000! (Ainda uma
discusso superficial que no entra nos mritos dos nmeros colocados mesa)
Lcia ainda insiste: Pois eu acho que menos de 350.000 ridculo! (Questo do entrar no jogo
do outro de forma quase inconsciente, levando os debates a um pingue-pongue incuo de meros
nmeros sem qualificaes)
Paulo, visivelmente aborrecido, olha para Lcia e dispara: Temos que ir por votao! Poxa! Voc
discorda de tudo!! (Questo da escolha de processo geral e amplamente aceito de resoluo de
diferenas de opinio no grupo; questo de no-questionamento da prpria aplicabilidade e validade
do processo no momento e na situao)
A votao rpida. Logo aps o comentrio de Paulo. Gilberto diz 115. Os outros repetem
115 um a um. Sem exceo. S Lcia nada diz. (Questo do no-questionamento da prpria
forma de votao a qual foi decidida por uma s pessoa)
Gilberto fecha a votao dirigindo-se para Lcia: Fechado! Voto vencido! Pronto! Agora, deixa
de ser chata! O tom de pseudobrincadeira, mas a mensagem est dada. (Tcnica da
brincadeira para passar mensagens sem ser ostensivamente agressivo)
Lcia, retorna, no mesmo tom: Vocs ainda vo se arrepender Vo todos pra cadeia! (Mes-
mo tom, mesma tcnica, para passar o recado sem romper os limites agressividade socialmente
aceita)
Risadas tensas. Alguns segundos de silncio, como se o grupo tivesse chegado ao final da reunio.
Jos Luiz parece querer reunir o que foi conversado: Deixe-me entender o que vocs decidi-
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ram, ento A gente comea com zero. Mas a meta 115 (Questo da necessidade de
monitorar o processo da reunio em termos da forma e o processo decisrio em termos da legitimao
e confirmao do que o grupo est decidindo)
Carlos, que estivera praticamente calado at aqui interrompe: S um minutinho. Vamos tentar
definir quem que fala (Ainda a preocupao com o processo, desta vez quanto negociao
propriamente dita, quando do encontro com os advogados do outro lado)
O grupo parece no ouvir Carlos. H vrios comentrios entrecortados, ainda sobre meta a definir
etc. (Questo da forte tendncia das pessoas dedicarem toda sua energia e ateno a questes de conte-
do; tendncia de considerar as questes de processo como itens no-importantes, secundrios)
Carlos insiste: 2 minutinhos Eu recomendaria que quando eles falarem do carro, um de
ns defenda. S um. Se o assunto for indenizao, fala um outro. E assim por diante. Vamos
tentar fazer com que eles pensem que estamos superorganizados: um especialista para cada
assunto (Questo do aparente mais importante que a prpria realidade: impresso de
superespecializao e possvel impacto no outro mais relevante do que a prpria organizao do
grupo na busca de uma eficcia verdadeiramente maior, e no somente aparente)
Gilberto ignora o comentrio de Carlos e coloca: A gente no pode perder controle do
assunto. Somos da parte patronal. Somos a empresa. Devemos estar seguros, atuar com calma.
Eles vo entrar emocionalmente; vo apelar! (Mais uma vez a questo da percepo dos papis,
os preconceitos. Mais uma vez, a importncia da aparncia. Mais uma vez, a suposio que subestima
o outro e uma empatia muito superficial)
Paulo complementa: isso a Vo fazer um jogo duro de palavras. Cuidado! Vo apelar para
aspectos sociais! (Suposies calcadas em frmulas pr-concebidas: classe patronal constituda de
pessoas maduras, seguras, razoveis, racionais; o outro lado constitudo de pessoas emocionais,
apelativas, no-racionais, no-razoveis)
Gilberto volta-se para Lcia e recomenda, em tom professoral: No que voc achar que o
advogado de l tiver razo controle-se e fique calada! No seja uma espi deles em nossa
prpria casa! (Uso de presso e poder do grupo em atitude de baixa considerao positiva; suposi-
o de que uma posio imposta poder ser mantida ou defendida na hora da negociao em si)
Paulo refora, dirigindo-se Lcia: No seja to condescendente como voc est sendo aqui
Tem que ser durona! (Ainda os conselhos e recomendaes ao invs de procurar trabalhar positiva
e construtivamente as opinies divergentes no grupo)
Lcia, acuada, ironiza: Poxa agradeo esse tremendo apoio! (Questo de recuo, ao invs de
persistir procurando trabalhar o que est na base das divergncias)
Gilberto refora sua posio: Temos que partir para o exagero, para podermos atingir nossos
objetivos. Vamos ameaar que essa negociao vai levar uns 10 anos. Nesses 10 anos, o cara fica
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sem dinheiro e (Ainda a questo de pedir 10 para conseguir 5; ainda a subestimao do outro;
ainda a postura de guerra, presso, imposio, ameaa, ao invs de uma busca construtiva de conci-
liao de interesses)
Carlos retorna timidamente: Um momentinho. Se a gente sentir que est perdendo a gente
pede tempo, se rene fora e (Ainda a preocupao com o processo da reunio de negociao
que ter lugar; mais uma vez a rejeio pelo grupo)
O grupo ignora Carlos. Ele interrompido por um dos membros do grupo, outros fazem comen-
trios diversos
A reunio j est terminada. Vrios participantes esto se levantando. Na sada da sala, Lcia ainda
insiste: Quero deixar meu protesto Estou decepcionada com a desumanidade e falta de
profissionalismo de vocs Vocs esto simplesmente defendendo o emprego de vocs
Gilberto olha Lcia sorrindo e diz: No toa que voc ainda uma advogada jnior!
(risadas).
Carlos levanta os braos e ainda insiste: S um minutinho S para organizar Quando um
estiver falando, o outro no entra no meio. Seno S um de ns deve falar
O comentrio de Carlos cai, de novo, no vazio. O grupo j est se retirando
1.2. PLANEJAMENTO DOS ADVOGADOS DE SETBAL
Dentro de poucas horas, um grupo de advogados estar visitando os representantes dos Laborat-
rios Long. Eles defendem Paulo Setbal, arquiteto de 35 anos que est semi-invlido em conseqn-
cia de um acidente causado pelos efeitos colaterais de um remdio da Long.
Reunidos, eles planejam como conduzir o processo de negociao com os advogados da Long.
claramente, na Justia, a Long vai perder. A gente j parte do princpio que a Long firmou dois
acordos. Ficamos numa situao favorvel desde j (Percepo, avaliao do poder inerente situ-
ao. Questo dos riscos de uma superestimao. Questo das suposies e das inferncias)
O clima de tranqilidade. Aparentemente, os advogados de Setbal esto conscientes da fora de
barganha que possuem.
Marco, que desde o incio assume a liderana da reunio, prossegue: a Long tem interesse
em firmar acordo, tanto que ela firmou com duas pessoas. Quer dizer intuitivamente, a
gente at v porque a Long est firmando acordos. Porque ela no vai querer ver o nome da
companhia destrudo imagem escndalo Ningum vai querer comprar os produtos
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dela. O fato que ela j firmou acordos criou precedentes (Tentativa de empatia com
outro; inferncias ainda distorcidas pelos prprios interesses)
Ivan interrompe: Ns temos que considerar o quanto ele ganhava por ms, e adicionar uma
boa taxa de lucro. Vamos ver quanto tempo se vive com ela (indenizao). Porque o parmetro
mximo $700.000 o que ficou invlido total (Questo do RACIOCNIO/reasonig nas
anlises de dados, no processo de formao de opinies, argumentos, como fator de grande relevncia
nas negociaes. Neste caso, excessivamente simplificado, conduz concluso errada)
Marco no concorda: No. Mximo, no (Questo da clareza das expresses, da didtica das
colocaes. Questo das interrupes da fala do outro como forte barreira ao processo de dilogo, de
ouvir)
Ivan ainda insiste: Mximo de acordo (Dificuldade de entender o outro na medida em que
mantenha o mesmo processo de raciocnio, mesmo prisma de anlise)
Marco: se ele era pedreiro, de repente (Ainda a questo de explicaes por borbotes e
a questo das interrupes, que ir continuar)
Ivan: No digo, o mximo de acordo que a empresa topou
Marco: no h informao sobre a pessoa que ficou totalmente invlida
Ivan: Mas temos a informao do limite mximo que a companhia pagou para um invlido
Marco: Isso no quer dizer o mximo (para todos os casos). Pode no ser um arquiteto, um
trabalhador de nvel inferior e muito menos
Marta acha que est perdendo tempo: Acho importante primeiro decidir nossa meta
(Questo de processo decisrio. Discute-se primeiro para depois definir a meta? Ou estabelece-se a
meta para depois definir a estratgia? Est-se falando de meta nmero ou o objetivo maior?)
Marco: A meta conseguir o mximo possvel! (Aparentemente, Marco interpreta mais para o
lado do objetivo maior. Neste caso, a questo a da superficialidade de definio, que pode vir a
comprometer fortemente a negociao que ter lugar)
As questes do processo decisrio, do planejamento e mesmo da definio de objetivos sero
objeto de ateno, de forma detalhada, na Parte 2 deste trabalho. Neste caso, o objetivo definido
como sendo conseguir o mximo possvel trar problemas para a negociao.
Pela nossa experincia, os aspectos implcitos na maioria dos casos so fatores-chave da negociao
acabam afetando o planejamento e a prpria negociao, exatamente pela no-alocao de energia
suficiente aos mesmos (muitas vezes, pelo simples fato de serem bvios demais, naturais demais). No
caso dos advogados de Setbal, o fator-chave FAZER O ACORDO, bvio demais, no foi explicitado, nem
debatido. Fazer o acordo pelo valor mximo possvel j seria um objetivo um pouco mais elaborado se a
primeira parte da frase receber a nfase devida. A nfase apropriada leva a uma atitude de busca de
entendimento, conciliao de interesses, de evitar o impasse (que levaria o caso aos Tribunais). Sem uma
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conscincia clara dessa primeira fase do objetivo, todo o esforo poder ser canalizado na procura do valor
mximo de forma absoluta, podendo gerar impasse.
Oswaldo, aparentemente, est preocupado em organizar o grupo: O negcio o seguinte: ns
temos que organizar como que ns vamos trabalhar l, na hora da discusso, porque
(quem vai falar?) seno, todo mundo vai falar, poxa (Preocupao pelo processo da negociao)
Marta pergunta: Vai ter porta-voz?
Ivan arrisca: Vai ter (no outro lado) um cara s falando. Talvez, direcionando em cima de
algum (do nosso grupo) que seja (Suposio sobre a ao do outro; alto risco dessas suposi-
es)
Marco opina: Acho que tem que ter um porta-voz. O resto do pessoal fica como apoio.
Marta: Eu acho que nossa estratgia deveria ser a de tentar evitar que os advogados do lado de
l
Neste ponto, h vrias pessoas falando ao mesmo tempo. Os comentrios giram em torno do
possvel comportamento dos advogados da Long. (Questo do interesse em tentar prever o movimento
do outro; da importncia de ter informaes sobre o outro (como so, como pensam etc.); da importncia
de se conhecer melhor a natureza humana)
Marta insiste: Temos que definir uma estratgia (Preocupao pelas coisas maiores, mais bsi-
cas, antes de ir aos detalhes; senso de prioridade)
Marco retoma o comando: isso que ns devemos abordar nesta reunio: o enfoque: por
onde vamos trabalhar. Estamos imaginando que eles vo trabalhar a idia de que Setbal sabia
que dava tontura e, apesar disso Qual vai ser o ponto de defesa que vamos usar? Temos que
ter isso claro: de que o problema da empresa. Tinha um remdio totalmente inseguro, no
suficientemente testado, e o colocou no mercado (Questo de empatia com o outro; procurar
saber como o outro ir agir para poder a partir da planejar as estratgias defensivas)
Peter, que estivera observando, calado, o desenrolar da reunio, entra no processo de simula-
o: A, eles vo dizer que o Ministrio aprovou o remdio. E que o mdico idem
A aprovao do Ministrio da Sade no significa que h iseno de responsabilidade! retruca
Marta, j entrando no papel de defensora dos interesses de Setbal.
Marco elabora um pouco mais sobre a questo levantada por Peter: O Ministrio da Sade
certamente aprova, ou desaprova, um remdio em funo de uma percepo da idoneidade do
laboratrio que apresenta determinados resultados. Se esses resultados estiverem falseados
por alguma razo, as aprovaes estaro tambm, n? o caso dessa vitamina a que o Pel fez
propaganda. Ela esteve aprovada com base nas informaes fornecidas pelo laboratrio. Algu-
mas entidades da rea mdica fizeram outra anlise do remdio e comprovaram que a compo-
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sio do remdio no era a mesma que estava na frmula aprovada pelo Ministrio da Sade.
Todos parecem concordar com a argumentao de Marco. Os no-verbais so de apoio s idias colocadas.
Marta complementa os comentrios: O Setbal no sabia que era o remdio que causava tonteiras. H 3
meses ele viajava noite. S h 3 dias que foi divulgado pela imprensa que o antibitico causava tonteira.
Ento, na poca em que ele sofreu o acidente, ele no tinha a informao de que aquela tonteira era
ocasionada pelo remdio que ele tinha substitudo. Ele no sabia
Ivan, aparentemente impaciente quer, parece, partir logo para um debate sobre nmeros: O
que a gente quer? Uma indenizao esttica, uma indenizao que reponha o salrio dele, o
Astra 2002 que ele ficou sem
Oswaldo completa: 40 dias, que ficou no hospital
Ivan, porm, quer uma resposta especfica: Sim, mas o que a gente quer
Oswaldo responde, achando bvio: Um carro novo, uma penso porque o Setbal no vai
conseguir trabalhar com a mo esquerda
Marco entra firme: No! Eu acho que o problema tem 3 pontos: 1o a gente se cobrir das
eventuais acusaes que eles vo fazer (que o cara tava dirigindo com tonteira etc.), 2o a
gente armar o ataque contra o laboratrio, 3o a indenizao
Marta tenta resumir: Ento o que a gente quer (a indenizao do laboratrio) corresponde a
uma soma de remuneraes, um Astra novo
Ivan tenta emendar: Para conseguir isso, ns temos que nos defender e
Marco complementa enfaticamente: E temos que saber como que vamos atacar o laborat-
rio! No s defendendo que ns vamos conseguir
Ivan continua: Ataca o laboratrio, depois a gente passa para
Marco procura fechar: Primeiro voc tem que falar sobre a reputao do laboratrio. O labo-
ratrio no vai se expor, entrar na Justia. Acho que esse o ponto bsico
Marco volta a enfatizar: O objetivo nico forar acordo!
Ivan parafraseia: Forar acordo
Marta pondera, como se estivesse pensando alto: Acordo O que vai ser negociado no
acordo?
Marco procura explicar a Marta: Forar acordo envolve, do ponto de vista monetrio, 3 ques-
tes: uma o carro, outra a despesa de hospital e a terceira o prejuzo na execuo do
trabalho
A reunio parece transcorrer tranqila e a forma produtiva. Levantam-se vrias hipteses quanto
aos fatores que podero vir a ser levantados pelos advogados do outro lado. Quase em um forma-
to de simulao, contra-argumentos so trabalhados pelo grupo.
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Um aspecto relevante a notar, neste ponto, a postura geral do grupo: a de forar acordo. Conscientes do
poder de barganha que a situao parece conferir a Setbal, seus advogados pretendem usar esse poder
com toda a carga possvel. Como poder ser visto mais adiante, essa postura (de forar acordo em
contraposio a uma atitude mais construtiva de procurar acordo, uma conciliao de interesses) dos
advogados ter efeito marcante na negociao propriamente dita, e nos seus resultados.
Esta postura quase autocrtica dos representantes de Setbal, mais uma vez, ilustra a forte tendncia de
as pessoas entrarem nas negociaes excessivamente centradas em suas prprias posies, em seus
prprios pontos fortes, em suas prprias argumentaes, em seus prprios direitos. Poucos negociadores
conseguem disciplinar-se no sentido de efetivamente procurar conhecer melhor os pontos fortes, direitos e
vantagens do outro lado.
Seria uma questo relacionada maior/menor sensibilidade em relao ao outro? Seria uma tendncia ao
egocentrismo definido pela nossa sociedade e pelo nosso processo de educao e formao? Seria resulta-
do de um conjunto de valores impregnados em nossa sociedade que conduz a uma supervalorizao de si
e uma subestimao do outro (tanto em termos de poder, direitos etc. como em termos de adequao e
legitimidade de intenes)? Seria simplesmente uma tendncia ao acomodamento, de fazer as coisas
superficialmente, de ficar na anlise do mais imediato (o seu prprio lado), no chegando anlise do mais
distante, do mais difcil (o outro)? Seria um certo tipo de receio de enxergar-se mais cruamente em
comparao, inclusive, ao outro? Seria ainda uma crena de poder lidar com o que poder vir do outro (na
hora da negociao) de forma criativa, engenhosa, com um jeitinho? Seria a crena de que sempre ser
possvel conduzir a negociao dentro dos nossos termos (ou seja, ns no comando da situao) e que,
portanto, haver campo de manobra (mesmo porque a sensao de as rdeas estarem com o outro
nada confortvel numa negociao)? Seria a postura desenvolvida em nossa sociedade de extrema cautela
para no sermos manipulados pelos outros (e virarmos trouxas) que faz com que os advogados procu-
rem forar o acordo (evitando, assim, entrar no jogo do outro, nos termos do outro)?
Marta est fazendo os clculos no papel: Realmente, ele tem 35 anos, vamos dizer que ele se
aposenta com 60/65. Se aposentar com 65, ele tem 30 anos pela frente. Ento: 25 X 30 =
$750.000, que mais ou menos
Oswaldo corrige rapidamente: Vezes 12. Falta multiplicar por 12. Nove milhes. Voc est
pedindo um absurdo, Marta (Mais uma vez, uma pequena armadilha de raciocnio que
desarmada por um companheiro)
Marco no acha o valor absurdo: S uma paradinha nas contas. Ns estamos com uma dvida
no grupo. Acho muito importante a concepo de invalidez. para efeito de justia. No
invalidez para o trabalho. em funo da profisso que voc exerce. Se o sujeito um pianista
e perde uma mo, ele considerado invlido para aquele seu trabalho. A voc v que o valor
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da Marta no to fora da realidade . Acho, inclusive, que (O conceito vlido e interessante.
Igualmente importante, porm, trabalhar a possvel relao do outro a esse conceito de invalidez.
Aqui, mais uma vez, a importncia de considerar o outro)
Ivan parece preocupado com um possvel impasse: S tem um detalhe: se a gente forar muito,
no vai ter acordo (Neste momento, aparece a primeira preocupao com um possvel impasse.
interessante aqui notar que poucas pessoas parecem estar conscientes de que um impasse significa
no-negociao, um no acordo. A tendncia de grande preocupao em no ser explorado, no
deixar que o outro tire vantagem ou mesmo, no inverso, em extrair tudo que puder do outro
desfoca naturalmente a inadequao do impasse)
Marco esteve fazendo contas: Vocs concordam com uma indenizao de 5 milhes?
Vrios comentrios de apoio: Pelo menos repe o salrio do Setbal (Apoio frgil, uma vez
que o nmero no foi fundamentado)
Marco parece descobrir um ponto importante: Pera a. Quem paga os custos do julgamento
quem perde Mas quem paga o advogado? Do valor que o advogado conseguir, 20% dele.
Certo?
Marta apia: isso a. Ento tem que incluir 20%. Seno, o Setbal no vai ter os 5 milhes para
aplicar, para ter o rendimento de $25.000 por ms.
Ivan pondera: $6.000.000 t bom, ento
Vrios comentrios apiam um nmero um pouco maior: $6.600.000!
Oswaldo parece preocupado com o outro lado: Qual a estimativa que vocs fizeram da meta
da Long?
Ivan tem uma outra questo: Pera a. Um dado que ns no temos aqui o tamanho do
Laboratrio Long!
Marta encerra a questo prontamente: multinacional! 6 milhes no nada para eles!
Oswaldo insiste: Mas o que vocs acham sobre o que a Long vai estar a fim de pagar?
Marta pondera pensativamente: Pelo jeito, eles no vo considerar o Setbal invlido. No vo
ter esta considerao. Eles vo querer pagar em torno de 100 a 300 mil
Ivan especula: Eu acho que eles vo at 500
Marco, que parece achar essa questo suprflua, interrompe com outra questo: Com quanto
ns vamos comear a discusso? Com 10 milhes?
A meta definida pelos advogados do Setbal (6 a 6,6 milhes) parece alta, se considerarmos que eles
prprios acham que a Long estar a fim de pagar algo por volta de 100, 300 ou 500 mil. Alm disso, os
nmeros pretendidos pelos representantes do Setbal esto fundamentados numa questo polmica: per-
der a mo direita significa, no caso de Setbal, invalidez parcial ou permanente?
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Como julgarmos se a meta de 6 milhes alta, excessivamente alta ou apropriada? Onde est a linha
divisria entre desejo/sonho (uma vontade, relativamente frgil, ao nvel de um seria muito bom se),
ambio excessiva, desmedida e uma aspirao alta (porm factvel, nas circunstncias)?
Esta uma questo muito importante no processo de negociao. Meras vontades (seria bom) nada
significam em negociao, no tm fora propulsiva. A forte determinao de se atingir uma meta repre-
senta um fator de grande impacto nos resultados de uma negociao. A determinao do nvel da meta,
porm, define a diferena entre o buscar um excelente negcio, o melhor e o buscar o mximo. Na
primeira postura procura-se o melhor acordo. Na segunda, a conquista de tudo o que o oponente tiver.
Na primeira, h alguma possibilidade de impasse, mas normalmente bastante alto o nmero de excelen-
tes negcios. Na segunda, h uma probabilidade bem maior de impasses (no negcios), inclusive com o
comprometimento de negcios futuros (pessoas evitando negociar com quem procura arrancar tudo do
outro).
As pessoas que tm alta necessidade de realizao, conforme as Teorias de McClelland, definem metas
altas, porm factveis. Correm riscos (de impasse, inclusive), porm, de forma calculada.
Por sinal, as Teorias de McClelland nos ajudam a ver o processo de negociao interpessoal luz da
motivao. Decididamente, a proporo/predominncia das trs formas de necessidade (de realizao,
afiliao e poder) definidas por McClelland nos ajudam a entender muitos dos comportamentos e atitudes
das pessoas em situaes de negociao interpesssoal.
A necessidade de realizao est intimamente ligada a resultados, desempenhos, metas elevadas e, por-
tanto, ao fator nvel de aspirao, de grande relevncia no processo de negociao interpessoal. As carac-
tersticas mais fortemente associadas s pessoas com forte necessidade de realizao seriam as seguintes:
Necessidade de realizar, conseguir coisas/resultados
Necessidade de excelncia no que faz
Necessidade de superar padres de desempenho
Quer sempre ser responsvel pelo que consegue
Gosta de assumir riscos de forma calculada
Quer sempre feedback imediato/rpido e de forma concreta (sobre como est se saindo)
Tende a planejar melhor, inclusive a longo prazo
Valoriza resultados/output
Normalmente otimista
Orientado a trabalhar duro
Gosta de trabalhos desafiadores
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Paciente, sabe esperar para alcanar mais
A necessidade de filiao que define a forma de se relacionar com os outros tem tambm significativa
relevncia no processo de negociao. Na medida em que essa necessidade for muito baixa, haver ten-
dncia maior a impasses causados por fatores outros que no os objetivos (preo, condies, prazo, por
exemplo): o outro pode ficar negativamente predisposto a fazer negcio pelo fato de ser uma pessoa
extremamente fria, pouco humana (principalmente se o outro tiver uma necessidade de afiliao alta).
Na medida em que essa necessidade for alta, poder haver casos em que os resultados da negociao
sejam comprometidos (necessidade de ter relao positiva, ser gostado, ser aceito, afetar busca do melhor,
evitar barganha necessria etc). As caractersticas mais fortemente relacionadas a esta necessidade seri-
am:
Necessidade de ser gostado pelas pessoas
Necessidade de ter relaes positivas/agradveis com outros
Necessidade de ser aceito pelos outros
Envolvimento pessoal com outros
Procura minimizar confrontos e conflitos
Evita ser franco demais
Receia romper relacionamentos
Preocupa-se pelas pessoas
A necessidade de poder, mais relacionada influncia sobre os outros, tm relevncia nas negociaes, na
medida em que ela est ligada questo de comando, iniciativa, liderana do processo (de negociao). Na
medida em que esta necessidade seja muito baixa, poder haver uma tendncia a uma certa passividade
na negociao (o outro tendendo a dominar as aes). Na medida em que seja muito alta, haver tendn-
cia a um maior nmero de impasses (principalmente se o outro tambm tiver essa necessidade em nveis
significativos): o outro no querendo fazer negcio (mesmo em condies razoveis) pelo fato de no
aceitar presso, no gostar de ser dirigido. As caractersticas associadas necessidade de poder seriam:
Necessidade de influenciar pessoas
Necessidade de fazer-se notar
Necessidade de impressionar outras pessoas
Necessidade de conquistar reputao/posio
Necessidade de ter controle das situaes
Desperta emoes fortes nos outros; tanto positivas como negativas
Muito se poderia dizer a respeito das teorias de motivao de McClelland em funo da sua relevncia ao
processo de relacionamento interpessoal e tambm ao processo de negociao. Entretanto, considerando a
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abordagem deste trabalho, ficaremos restritos ao exposto mais para registrar sua relevncia ao texto
escolhido e referncia ao processo de se definir metas e objetivos no processo de negociao (por sua
vez relacionado ao nvel de aspirao das pessoas)
Ivan parece achar muito alto: Acho que devemos comear com $6.600.000
Marco incisivo: No. Essa a nossa meta. Precisamos dar uma folga, para poder ceder depois.
Com quanto comeamos?
Marta est cautelosa: Bem a gente tem que ter uma razo para pedir 10. Seno, a gente
vai
Marco parece mais tranqilo: aquela conta que voc fez
Oswaldo arrisca: A gente comea com $9 milhes!
Peter tem dvidas: mais o adicional do hospital?
Marco conduz o raciocnio e os nmeros para onde quer: Mais o adicional do hospital
chegamos aos 10 milhes (As despesas de hospital estariam bem abaixo de 1 milho, a diferena
entre os 10 que Marco deseja colocar na mesa logo de incio e os 9 que Oswaldo tinha arriscado.
Entretanto, ningum contesta. outro jogo, aparentemente. Todos sabem que Marco deseja comear
com 10 milhes e est conduzindo tudo nesse sentido Mas, todos parecem no se importar)
Marta insiste na questo do embasamento dos nmeros: Complementao: precisamos ter em
conta que ns precisaremos usar (para pedir este valor alto) uma questo muito importante: a
nossa conceituao de invalidez. Ns vamos argumentar que o sujeito ficou invlido para o
trabalho para o qual ele foi preparado e que tem 35 anos de idade
Marco concorda: Alm disso o mercado de trabalho muito difcil a partir dessa idade. At
para os que so experientes. Para aqueles que vo comear uma nova carreira ento!
Oswaldo, ainda preocupado com o processo da negociao: Quem vai falar? Como que vai
ser a discusso?
Marta parece decidida e fala pelo grupo: O Marco fala. Ser nosso porta-voz. (Processo decisrio.
Uma pessoa decide. Os outros no se opem. A inrcia acaba decidindo. Vide processo decisrio, na
Parte 2 deste paper)
Marco assume o papel de porta-voz de bom grado e mostra firmeza: Meu ponto o seguinte:
ns temos que explorar muito a questo de que no s vamos Justia, como tambm desen-
cadear uma campanha publicitria contra o remdio que est em questo e, alm disso
Marta ainda parece preocupada com a possibilidade de impasse: Eu acho que a gente deve ir
conforme o desenrolar da coisa. No vamos entrar de sola
Peter apia: Vamos ouvir o outro lado primeiro (Marco est com postura de quem vai
guerra. Alguns advogados colegas parecem perceber isso. Alm disso, tambm esto preocupados com
a meta alta e o prprio lance inicial, quase 70% acima da meta. No obstante a preocupao com
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um possvel impasse, no agem para mudar o que ser implantado. Fora, carisma de Marco?)
Marco comea a dar mostras de uma certa preocupao com um possvel impasse: E a nossa
meta? inflexvel? Esse um detalhe. Vamos fixar em $6.600.000? Abaixo disso no tem acor-
do?
Vrios advogados se manifestam: No. Acordo acordo!
Marco insiste: Nossa meta essa. Mas, no se aceita nada abaixo dela?
Marta pondera: Eu acho que devemos aceitar o Marco prossegue: Qual o mnimo dos
mnimos?
Ivan, mais uma vez arrisca um nmero: 5 milhes!
No h mais tempo hbil para elaborar sobre o mnimo dos mnimos. J hora de todos se
encaminharem para o escritrio dos advogados da Long. O grupo se levanta. Todos parecem con-
fiantes e certos de um bom resultado para o cliente Setbal.
1.3. A NEGOCIACO PROPRIAMENTE DITA(o encontro entre os advogados da Long e os de Setbal)
Sala de conferncias do escritrio dos advogados da Long. O grupo de representantes da Long j
est instalado em um dos lados da longa mesa de reunies, esperando os oponentes os advo-
gados que representam os interesses de Paulo Setbal. Estes chegam pontualmente no horrio
combinado. So introduzidos imediatamente sala de conferncias e so instalados ao longo da
mesa, do lado oposto quele ocupado pelos advogados da Long. (Questo da disposio fsica, layout
da sala, que pode predispor em maior ou menor grau as posies de antagonismo ou de colaborao/
acordo)
Os primeiros instantes so formais e frios. Vrios dos advogados presentes parecem estar um
pouco desconfortveis e constrangidos. (Questo de quebra-gelo; preocupao em planejar formas
de criar um clima mais caloroso e menos constrangedor no incio das negociaes; a importncia dos
primeiros momentos, que podem definir o tom da negociao toda)
Na condio de visitantes, os advogados de Setbal parecem sentir necessidade de comear a
falar. Marco toma a iniciativa de entrar no assunto, embora de forma um pouco hesitante: (Questo
do planejamento da colocao inicial; estratgia quanto a quem deve comear: ns ou os outros)
Marco: Bem ns viemos, numa primeira reunio, para tratar do caso do nosso cliente, Paulo
Setbal, vtima de um acidente causado por um remdio produzido por vocs. Sabemos que estamos
falando de um processo de negociao, de acordo, que no nico de modo que vocs esto
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sabendo, com antecedncia, do que se trata conhecem bastante do assunto a respeito do qual
viemos tratar (Quando no planejado, a colocao inicial reflete postura que predominou nas reunies
de preparao. Colocao de abertura de Marco est em linha com sua atitude no planejamento.
evidente, em suas palavras, o tom de cobrana, a certeza quanto culpa do laboratrio, inclusive em
funo das outras indenizaes j pagas. Uma atitude defensiva se instala imediatamente junto aos advo-
gados da Long. As probabilidades para um acordo comeam a diminuir j na primeira frase da negocia-
o!)
Marco interrompido por Gilberto, da Long, de forma autoritria e agressiva: De onde o Sr. tirou
essa informao? (O troco dado de imediato. A sensibilidade dos advogados da Long j estava desper-
tada, em funo da prpria situao. Com um tipo de abertura como a de Marco A prpria pergunta
pura reao emocional, como poder ser visto pela prpria resposta de Marco)
Marco responde, calmamente: Dos jornais A informao foi divulgada pela imprensa h 30 dias
a respeito de outros problemas ocorridos com o consumo do remdio de vocs
Jos Luiz, da Long, intervm falando de forma pausada e formal: Foi deciso de nossa empresa tirar
o remdio de circulao. Por precauo, to somente. No foi em funo dos efeitos colaterais de
nossa medicao (Defensividade instalada nos advogados da Long j faz efeito; advogado Jos Luiz
justifica retirada do remdio da praa sem necessidade: o assunto no havia sido trazido baila; no seria
o ponto melhor a trazer tona neste momento)
Marco retruca: Mas bom lembrar que o Ministrio da Sade est investigando est em esfera
federal (A carga contra a Long continua, uma aps outra. A temperatura deve estar subindo rapida-
mente no lado da Long. Marco ou outros advogados de Setbal estariam percebendo isso? Estariam
conseguindo avaliar o peso disso para o processo de negociao? Saberiam o que fazer para corrigir o
rumo e as tendncias?)
Jos Luiz insiste: Mas esse um procedimento normal O Ministrio da Sade tambm cumpre
o seu papel ao reinvestigar o remdio. Afinal, este remdio foi aprovado previamente por eles
mesmos (O argumento bom. Mas a Long continua na defesa, tendo que explicar muito e se colocan-
do em posio vulnervel)
Marco procura fazer com que o rumo das discusses flua para onde quer: Um momento, por favor.
Estivemos em contato com a famlia de uma pessoa que ficou totalmente invlida, como conseq-
ncia do remdio. Ela j recebeu uma indenizao da Long. Sabemos tambm de um jogador do
Corinthians que tambm recebeu indenizao Temos o depoimento dele, por escrito, de que
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recebeu uma indenizao de vocs Temos, inclusive, cpia dessa declarao e do recibo do
pagamento efetuado pela Long (A carga continua muito forte. Mencionar as cpias dos documentos
soa at indelicado, uma vez que era desnecessrio no contexto, ainda mais nos primeiros momentos)
Vrios advogados da Long tentam interromper Marco. O clima estabelecido j de forte competi-
o e defensividade.
Marco insiste, eleva o tom, o volume de voz e continua: E vai mais um esclarecimento adicional
sobre a questo da investigao de o remdio ter sido aprovado pelo Ministrio da Sade. Vocs
sabem melhor do que ns que o Ministrio da Sade aprova um remdio com base num laudo
elaborado pela prpria empresa, em confiana idoneidade da empresa. No momento em que essa
idoneidade colocada em xeque, em funo do fato de as anlises mostrarem que ou a frmula
no correta ou ela no foi bem testada, a ento que se entra com o processo (do Ministrio da
Sade). Esses exames no so feitos, para cada remdio, pelo Ministrio da Sade. O que obviamen-
te no teria nem cabimento. O Ministrio da Sade normalmente aprova a partir de uma anlise
feita pelo laboratrio. como aquele outro laboratrio que faz uma vitamina famosa: apresentou
uma frmula e ela foi aprovada pelo Ministrio da Sade. Mas a algum mostrou que o produto
estava com uma frmula diferente Evidentemente o remdio foi retirado do mercado No
caso da Long, vocs fizeram 2 acordos com pessoas prejudicadas Acho que ns poderamos sair
da base de que vocs esto representando uma empresa que tem um problema Ns temos uma
vtima de um remdio fabricado pela empresa de vocs E que est invlido para o trabalho. Ns
pretendemos sair desta base para (Questo ainda do estar excessivamente centrado em si mesmo,
sem levar em conta o outro; os argumentos so bons, mas continuam a elevar a temperatura do outro
lado; Marco aparentemente no chega a avaliar o efeito negativo desta subida de temperatura nos resul-
tados da negociao para o prprio Setbal: Falta de sensibilidade? Deficincia da estratgia? Objetivos
no muito claros?)
Paulo interrompe em voz igualmente alta: O Sr. est insinuando alguma coisa Quero lhe dizer
que o Ministrio da Sade realiza testes em lanamentos. No caso especfico, o Ministrio realizou
este teste. E comprovou que a frmula est OK. Quero dizer que qualquer desconfiana que o Sr.
queira levantar sobre a idoneidade dos nossos tcnicos, dos nossos qumicos Isso no est em
jogo nesta discusso. Isso est sendo julgado pelo Ministrio da Sade!
A temperatura est alta em funo da forma agressiva de os representantes de Setbal atuarem. Os
advogados da Long entram no padro de discusso estabelecido pelos oponentes e passam a se
defender. (Questo do conversar sobre o processo da reunio e sobre os sentimentos que esto sendo
despertados pelo outro. A importncia da capacidade do negociador em abstrair-se momentaneamente da
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discusso para trabalhar o clima, a dinmica do que est ocorrendo, as emoes, as reaes de um e de
outro)
Marco continua no mesmo tom: A aprovao do Ministrio da Sade no isenta a empresa de
qualquer responsabilidade. Ns tomamos a liberdade de fazer pesquisas com mdicos que estavam
aplicando o antibitico. Os efeitos colaterais foram efetivamente comprovados em pessoas que
estavam
Gilberto, muito srio, interrompe Marco: Mas o mdico do Sr. Setbal recomendou a ele tomar o
remdio!
Marco parece irritado com a forma de Gilberto colocar seu comentrio: Isso no isenta o labora-
trio de responsabilidades!
Gilberto retruca com firmeza: Como no isenta tambm a responsabilidade do mdico na reco-
mendao de um remdio
Marco tenta voltar questo: No isenta, mas
Neste ponto, Ivan interrompe Marco para vir em seu socorro: Ora, vocs no colocaram na bula
os efeitos colaterais, essas tonteiras Como o mdico poderia saber?
Gilberto olha para Ivan, hesita um pouco, mas insiste: Mas o mdico precisa saber que certos
componentes
Marco aparentemente percebe a hesitao de Gilberto: O mdico nada tem a ver com o proble-
ma. responsabilidade do laboratrio!
(H um certo tumulto na sala. Vrias pessoas falando ao mesmo tempo)
Marco prossegue: Ns tambm temos informaes de que o remdio que os Srs. lanaram no
Brasil no est venda nos pases desenvolvidos Uma clara demonstrao de que os pases do 3o
mundo esto sendo usados como cobaia para os remdios!
Aparentemente, os advogados da Long esto surpresos com a agressividade dos representantes de
Setbal. Paulo responde, falando devagar e baixo: Isso natural em todas as indstrias. Existem
produtos fabricados em certos pases e no em outros Alm disso, temos comprovado, tambm,
que centenas de pessoas tomaram esse remdio e no tiveram problemas com efeitos colaterais
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Marco interrompe. Continua falando alto: Isso no muda a questo de que o nosso cliente quase
morreu quase morreu por causa do remdio!
Novamente, um princpio de tumulto na sala. Vozes alteradas, gestos agressivos, expresses carre-
gadas, vrias pessoas falando ao mesmo tempo.
Virglio, da Long, tenta implantar o que foi combinado na fas
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