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OS CONTRATOS DE LICENÇA DE USO DE MARCA EA IMUNIDADE OE PIS E DE COFINS SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO TRAOEMARK UCEN5E AGREEMENTS ANO THE PIS AND COFINS IMMUNITY DN REVENUE5 DERIVED FRDM EXPORT TRANSACTIONS RAMON T DMAZELA SANTOS Master Df laws (lLM.1 em internacional na Univtrsidade de Viena, Áustria (Wirtschaftsuniversitãt Wien - WUJ. Mestrando em Direito Tributario pt=la USP. Membro do Acad(mico do Curso de E5pt=cializaç;)Q em Direito Tributário Internacional do IBOl Professor convidado em cursos de pós-graduaçao. Advogado. [email protected] ÁRfA DO DIREITO: Tributário: Civil RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de examinar a incidência de PIS e de Cofins sobre os valores recebidos por sociedade localizada no Brasil, a titulo de remuneração por contratos de licença de uso de malca celebrado com pesso- as juridicas residentes no exterior. Com base em interpretação ampla das regras de imunidade e na constatação de que os direitos de proprie- dade industrial são considerados bens móveis para os efeitos legais, o autor defende que os valores recebidos a titulo de liC(nça de uso de marca conC(dida para uma pessoa jurldica não residente não eslão sujeitos à incidência do PIS e da Cofins. PALAVRAS-CHAVI:: Imunidade - Exportação - (j- cença de Uso de Marca - PIS - Cofins. A8STRACT: This article examines the application of PIS and Cofins on amounts by a company located in Brazil on aceount of remuneration for Irademark agreement entered into with legal entilies domiciled abroad. Based on a broad interpretation of the immunity rules and on lhe fact that industrial property rights are eonsidered movable properties for legal purposes, lhe author argues thal lhe amounts derive<! from trademark agreements signed wilh companies located abroad are not subject to PIS and Cofins. Krrwollos: Immunity - Export - Trademark License Agreement - PIS - Cofins. SUMÁRIO: Introdução - 1. A desoneração das exportações de bens e serviços - 2. O contrato de licença de uso de marca - 3. A caracterização da licença de uso de marca como uma atividade de prestação de serviços - Conclusões - Referências bibliográficas. SNirO'i, Ramon Tomazda. Os contratos de licença de uso de marca ea imunidade de PIS e de Cofins sobre as receitas d«orrentes de exportação. r"buróflae de Finanças Públicos.. '0'01. 127. al10 24 p. 101·121. São !'aulo: Ed. RT, mar.-abr. 2016.

Os Contratos de Licença de Uso de Marca e a Imunidade de PIS e de COFINS sobre as Receitas decorrentes de Exportação

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OS CONTRATOS DE LICENÇA DE USO DE MARCA E A IMUNIDADE OE PISE DE COFINS SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO

TRAOEMARK UCEN5E AGREEMENTS ANO THE PIS AND COFINS IMMUNITY DN REVENUE5

DERIVED FRDM EXPORT TRANSACTIONS

RAMON TDMAZELA SANTOS

Master Df laws (lLM.1 em triDutaç~o internacional na Univtrsidade de Viena, Áustria(Wirtschaftsuniversitãt Wien - WUJ. Mestrando em Direito Tributario pt=la USP.

Membro do Comit~ Acad(mico do Curso de E5pt=cializaç;)Q em Direito Tributário Internacional do IBOlProfessor convidado em cursos de pós-graduaçao. Advogado.

[email protected]

ÁRfA DO DIREITO: Tributário: Civil

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo deexaminar a incidência de PIS e de Cofins sobreos valores recebidos por sociedade localizada noBrasil, a titulo de remuneração por contratos delicença de uso de malca celebrado com pesso­as juridicas residentes no exterior. Com base eminterpretação ampla das regras de imunidade ena constatação de que os direitos de proprie­dade industrial são considerados bens móveispara os efeitos legais, o autor defende que osvalores recebidos a titulo de liC(nça de uso demarca conC(dida para uma pessoa jurldica nãoresidente não eslão sujeitos à incidência do PISe da Cofins.

PALAVRAS-CHAVI:: Imunidade - Exportação - (j­

cença de Uso de Marca - PIS - Cofins.

A8STRACT: This article examines the applicationof PIS and Cofins on amounts re~ived bya company located in Brazil on aceount ofremuneration for Irademark agreement enteredinto with legal entilies domiciled abroad. Basedon a broad interpretation of the immunity rulesand on lhe fact that industrial property rightsare eonsidered movable properties for legalpurposes, lhe author argues thal lhe amountsderive<! from trademark agreements signed wilhcompanies located abroad are not subject to PISand Cofins.

Krrwollos: Immunity - Export - TrademarkLicense Agreement - PIS - Cofins.

SUMÁRIO: Introdução - 1. A desoneração das exportações de bens e serviços - 2. Ocontratode licença de uso de marca - 3. A caracterização da licença de uso de marca como umaatividade de prestação de serviços - Conclusões - Referências bibliográficas.

SNirO'i, Ramon Tomazda. Os contratos de licença de uso de marca e a imunidadede PIS e de Cofins sobre as receitas d«orrentes de exportação.

R~i5ro r"buróflae de Finanças Públicos.. '0'01. 127. al10 24 p. 101·121. São !'aulo: Ed. RT, mar.-abr. 2016.

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103102 RE'IlSTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBUCAS 2016 • RTRIB 127 PRINCiPlOS CONSTITUCIONAIS TRIBUIARIOS

1. A DESONERAÇÃO OAS EXPORTAçõES OE BENS E SERViÇOS

Como se sabe. o art. 149, § 2.°, I. da Cf consagra que as contribuiçõessociais, as contribuições de intervenção no domlnio econOmico e as contri­buições de interesses das categorias profissionais ou econômicas não incidirãosobre as receitas decorrentes de exportaçào. Veja-se:

~Are 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais.de intervenção no domfnio econômico e de interesse das categorias profissio­nais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas,observado o disposto nos arts. 146, m, e 150, I e m, c sem prejulzo do previstono art 195, § 6.°, rclativameme às contribuições a que alude o disposilivo.

§ 2.° As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico deque trata o capue deste artigo:

I - nela incidirao sobre as receitas decorrerlles de exportação."

No plano da lei ordinária, o art. 5.°, I e lI, da Lei 10.637, de 30.12.2002,bem como no art. 6.°, I e 11, da Lei 10.833. de 29.12.2003, estabelecem queo PIS e a Cofins não incidirão sobre as receitas decorrentes das operações de(a) exportação de mercadorias para o exterior; e (b) prestação de serviços para

o presenle: artigo versa sobre a possibilidade de incid ncia do PIS e da Co­rins sobre os valores recebidos por sociedade localizada no Brasil. a Ululo de.....remuneração por contratos de hcellça de uso de marca celebrado com pessoasjurfdicas residentes no exterior.

Para a análise do lema, o presente esLUdo tem inicio com o exame do 4mbilonomlalivo da imunidade outorgada para as receitas de exportação c da isençãoconcedida pelo legislador ordinário para as rcccÍlas decorrentes das operaçOCsde (a) cxpon:lç:lo de mercadorias para o exterior; e. (b) prestaçào de serviçosp.'ua pessoa fi ica ou pessoa jurídica residente no exterior, cujo pagamento rt:­

presente ingresso de dividas. Em seguida, serão examinadas as regras jurrdicasque disciplinam os direitos da propriedade intelectual. a fim de se demonslrarque o COnLTato de licença de: uso de marca t. considerado um bem móvel paraos deitos legais. o que permite o seu enquadramento no art. 149. § 2.°.1. daCf, que confere imunidade b rece.itas de exportaçilo.

Por fim. será demonstrado, ainda quc brevemente, porque o contrato delicença de uso de marca nào pode ser caractcrizado como um serviço prestadop..1ra nào residcllIes, para fins de aplicação das isenções de PIS e de Cofins con­sagradas nas leis ordinárias.

INTROOUÇÃO --•

pessoa física ou pes.'iOa jurldica residente no exterior, cujo pagamenlo repre­sente ingresso de dividas. Veja-se:

"Art. 6.° A Cofins não incidirá sobre as receitas decorrentes das operaç~ de:

I - exportação de mercadorias para o exterior;

H - prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domici·liada no exterior, cujo pagamento represenfe ingresso de divisas" (grifos do autor).

Antes de seguir para a análise do tema do presente arrigo, que versa sobre oenquadramento de receitas obtidas com a cessão de marca, é preciso apresentarbreves considerações gerais a respeito do escopo normativo dos dispositivoslegais adma.

De inicio, cabe destacar que a Conslituição Federal, em seu o ano 149,§ 2.°, I, oULOrga imunidade para as receitas decorrentes de exportação, semmencionar, especificamente. bens, serviços ou direitos. Por outro lado. as leisordinárias mencionadas acima concedem isenção de PIS e Cofins sobre (a)exponação de mercadorias para o exterior e (b) prestação de serviços para pes­soa fisica ou pessoa jurídica residenle no exterior, cujo pagamento representeingresso de divisas.

Percebe·se assim que há uma diferença nos âmbitos normativos da imuni­dade e da ise~ção co~sagrada nas Leis 1O.637nO()2 e 10.83312003, sobretudono que tange à tribUlação das receilas de prestação de serviços. A ConstiluiçãoFederal exige a caracterização de uma exportação de serviços para que as res·pectivas receitas sejam imunes de PIS e Cofins. As leis ordinárias, por outrolado, outorgam isenção para as receitas de qualquer prestação de serviços paranão residente, independentemente da caracterização da exportação, desde queo pagamento represente ingresso de divisas.

Apenas para que fique clara a diferença nos âmbitos nonnativos da imu­nidade c da isenção, pode-se mencionar o caso examinado pela Superinten­dência Regional da Receita Federal na Solução de Consulta 20/2013. na qualuma pessoa flsica não residente fica hospedada em hotel no Brasil, efetuandoo pagamento das suas despesas com um cartào de crédito internacional. Comoa execução e o resultado do serviço ocorrem em território nacional, as receitasobtidas pelo hotel não se enquadram na imunidade, pois não há verdadeira ex­porlação. Porém. por se tratar de serviço prestado à pessoa flsica não residente,cujo pagamento ocasionou o ingresso de divisas, as receitas obLidas com osserviços de hotelaria estão isentas de PIS e Cofins. Veja-se:

"Exportação de serviços. Hotelaria. Pagamento. Para fins de não incidênciade Cofins na prestação de serviços de hotelaria a estrangeiros, considera-secomprovado o ingresso de divisas no pagamento efetuado mediante cartão de

s.o.~ .Ramon TOiN~ Os con\1iJlD5 del~ IX u50 IX marca t a ,muflrd~t

Ck PIS (de Cofitls sobft as ftcCltondmJrftfltoik UIJOf~RnutlJ IffbullJrlO('de~P1ibIlc1Js.wl. 127. ano 24. p. 101-121 SIo Pauto Ed Rr. fl'iJ' ·abl 2016,

'iotIros. Ramor'l r~~la Os rontrat~ lk littl'lÇl dt~ dI." rNrc:il I." a bTluflidad ...dt PIS I." d( Cofl~ sobr... as Imllas dttoirl."lutsdl." ~porlaç~

R~sta r"butóllOl." dC'FinlJrfÇOS Ptib/>C1JS. '0'01, 127 ano 204 p. 101·121 sao Pilulo: [d.. RT. ma/,-alH, 2016.

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104 R~VISTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBliCAS 201 6 • RTRlB 127 PRINCípIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTARIOS 105

crédito il1lernacional emitido no exterior e por meio de cheques de viagem(cravel/cr c1Jeck) , mas nào no pagarrlenlú em moeda estrangeira, uma vez queela pode ser adquirida no Brasil, em instituições financeiras e casas de câmbio."

Assim, a isençào de PIS e eofiM outorgada pelas Leis 10.63712002 e10.833/2003 não pode ser considerada mera regulamentação da imunidadeconsagrada no ano 149, § 2.°, I, da CF, como pode parecer à primeira vista. Aocontrário, trata-se de isenção concedida pelo legislador no uso de sua compe­tência tributária, o qual, seguindo as suas diretrizes de política fiscal, optoupor não exigir a caracterização da exportação de serviços, em razão das di fi­culdade.c; envolvidas na determinação do país em que se verifica o resultado.Por outro lado, para estimular a balança internacional de pagamelllos, exigiu olegislador o ingresso de divisas.

Essa interpretação deflui não apenas da leitura dos textos legais em exame,mas também da interpretação sistemática da Constituição Federal.

De falO, o art. 146, 11, da CF é claro ao estabelecer que compete à lei COm­plemelllar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre asquais se destacam as imunidades tributárias. I Veja-se:

"An. 146. Cabe à lei complementar:

11 - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar."

Ora, as regras de imunidade, por instituírem limilações ao poder de tribu­tar, proíbem a tributação de determinadas materialidades, circunscrevendo oexerclcio da competência legislativa pelos entes federados. Assim, a União fe­deral não poderia, por meio de lei ordinária, restringir o alcance da imunidadeconsagrada na Constituição Federal por meio da exigência de comprovação doefetivo ingresso de dívidas no território nacional.

O are 146, 11, da CF, transcrito acima, é enfático ao estabelecer que competeà lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

L Na dicçào de Paulo de Barros Carvalho: ~O constituinte C..) relacionou o quadro dasimunidades na seçilo destinada às limitações ao poder de tributar, por tratar-se deóbice à atuação do legislador ordinário, impedindo-o de eleger determinadas sima·ções como hipótese de inciMncia de tributos. Logo, cabendo à lei complementar aregulação das chamadas ~limitaçôes ao poder de tributar~, somente essa espécie le­gislativa está autorizada a introduzir normas regulamentadoras das imunidades c..)"(CARVALHO, Paulo de Barros. Imunidades Condicionadas e Suspensão de Imunida­des - Anállse dos Requisitos do Anigo 14 do Código Tributârio Nacional Impostosàs Instituiçôes de Educação sem fins Lucrativos. In: PRETO, Raquc1 EJita Alves (co­ard.). Tribllta,ào Brasileira em Evo1u,dO - ESludos em Homenagem ao Professor AlcidesJorge CosIa. Sào Paulo: IASP, 2015. p. 452.

s,..~~ Ramon TomauJa, Os COrltlatos d~ liCC'nça dc ..ISO d~ m~rca ~ ~ imunidadtde PIS ~ d~ Cofin~ !>OO't a~ rec~ltJs deCOrrtrlln de ~~porlaçao.

Revisto rfibutliria e dtFin(mça~ Publicas vol 127. ano 24. ". 101-121. Silo PlIulo Ed RI, mar,-abr, 2016.

•Ora, sendo a regra de imunidade o exemplo típico de limitação constitucionalao poder de tributar, é evidente que a sua regulamentação apenas poderia serfeila por lei complementar, o que impediria a inclusão do requisito de ingressode divisas por lei ordinária.

Com base em lais anotaçôes, passa-se a examinar o conteúdo de cada umadas regras jurídicas em pauta para verificar o possível enquadramento das re­ceilas decorrentes da cessão de marcas para pessoas jurídicas 110 exterior.

2. OCONTRATO DE LICENÇA DE USO DE MARCA

Os direitos relativos à marca sâo protegidos pelo registro, que assegura aoseu detentor a propriedade do signo distintivo que a identifica, sob o mantodas leis de propriedade industrial (Lei 9.279, de 14.05.1996). Os registros demarca podem ser objelo de comrato de cessào de marca, que implica a trans­ferência da propriedade do seu signo distintivo para terceiros, bem como deCOlltraro de licença de uso de marca, no qual o titular da marca lransfere para oterceiro apenas o seu direito de uso. 1

A remuneração devida em decorrência da outorga da licença de uso enq\ladra­se no conceito geral de royallies previslo no art. 22 da Lei 4.506, de 30.11.1964,que abrange os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição,exploração de direitos relativos a marcas de indústria e comércio. Veja-se:

~An. 22. Serào classificados como royalties os rendimelllos de qualquerespécie dccorremes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como: (VideDec.-lei 2.287/1986)

c) uso ou exploração de invenções, processos e fónnulas de fabricação e demarca.s de indústria e comércio."

Ao examinar o tema, a Superilllendência Regional da Receita Federal(SRRF) da 9.- Região Fiscal, na Solução de Consulta 92, de 23.05.2012, con­siderou que os royallies cobrados pelo licenciamemo ou cessão de direito deuso estão sujeitos à incidência do PIS e da Cofins, diante da impossibilidade doseu enquadramemo como operação de exportaçclo ou como presfação de serviço.spara não residellles. Veja 8 se:

~Exportação. Software. Roya/ties. Não incidência.

A venda de "software de prateleira" para o exterior constitui exportaçãode mercadoria, portanto, amparada pela não incidência de Cofins prevista no

2. MARCONDES, Rafael Marçhetli. A Iribulação dos royallies. São Paulo: Quanier Latin,2012, p. 66.

SANTOS, Ramon Tomal~la. Os contratos tk Iic~nça d~ JSO d~ rnarc~ e a Imunidadede PIS e dt Cofin5 sobr~ a$ receitas decorrentt'i de exportaÇ<ÍO.

R~vjSfo Tributlilio e de finanças Plibliros. vol, 127. ano 24 p 101 121. São Paulo fd RT, m~l·abr 1016.

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106 REVISTA TRIBUlARI" E OE FINANÇAS PU8UCAS 2016. RTRIB 127 PR1NCiplOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS 107

art. 6.°, I, da Lei 10.833/2003. A elabor~ de programas de computador sobencomenda para o exterior constitui serviço que, se prestado à pessoa fisicaou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cujo pagamento represeme

~

ingresso de divisas, estará amparada pera não incidência de Cofins previstaano 6.°, 11, da Lei 10.833/2003.

"Os royalfjfS recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento oucessão de direito de uso de programa de computação, não configuram receitade exportação nem de prestação de serviços, de sorte que não se enquadramnas lrfs hipótese de não incidência de Cofins previstas no art. 6.°, ines. I a 111,da Lei 10.833, de 2003" (grifas do aUlor).

A despeito da interpretação restritiva das autoridades fiscais, a 1.- T. Ordi·nária, da 4" Câmara, da 3.- Seção do Conselho Administrativo de Recursos(CARF), ao examinar um contrato de licenciamento de uso de software, porocasião do julgamento do acórdào 3401-002.835, de 11.12.2014, considerouque a isenÇ>lo de Cofins para receitas de exportação também alcança os valoresrecebidos a tHulo de royallit's, pois nào seria lógico restringir o seu alcance aosbens tangíveis. Veja-se:

"Não tributação dos royallit's de bem exponado. Exponar (ecnologia é ex­ponar produto-serviço. A receita de exponaÇ>lo de tecnologia obtida alravés deroyahies não pode ser inclufda na base de tributação da contribuição" (grifosdo aUlor).

A respeito do julgado acima, cabe esclarecer que os fatos geradores de Co­fins em discussão ocorreram na vigência da Lei 9.718, de 27.11.1998, ocasiãoem que a incidência de Cofins sobre os royalties poderia ser afastada com basena decisão proferida pelo STF no RE 583.235, no qual se declarou a inconSli­tucionalidade do alargamento das bases de cálculo do PIS e da Cofins, com oconsequente reconhecimento de que apenas as receitas decorrentes da vendade mercadorias ou da prestaçào de serviços poderiam ser oneradas por taiscontribuições.

Apesar disso, a turma julgadora acolheu o VOLO proferido pelo conselheirorelator Jean C1cuter Simões Mendonça, dando provimento ao recurso volun­tário interposto pelo contribuinte com base no argumento de que a isenção dePIS e Cofins não alcança apenas a exportação de mercadorias ou produtos, mastambém os negócios jurrdicos envolvendo bens inrangíveis. É o que se podeextrair da seguinte passagem:

"Primeiramente, creio que os I. Legisladores e Ministros não desejaram res­tringir o senrido da isenção da receita de exportação somente ao que pudessese enquadrar perfeita e inequivocamente na defmiçã.o estrita de mercadoria.Por isso, tenho a convicção que a isenção prevista nos ines. 11 do art. 14 da

~ Rimon 'orna~b Os contlitos Ik lilxOÇil ~ IJSO Ik mir~ ~ i ,mU(l,diolkd~ PIS t de: Cofi"~..oort iS =,tas tIeC'Oflrntn de: o::p(If~.

RNI)IO rl,bulol'o ~ tknnonças fVblicas. voI. 127. aroo 24. p. 101-121 ~ Paulo Ed. RI. mil,-ibr. 2016.

•MP 2.158 -35/2001 tem para o vocábulo mercadoria o mais amplo sentido,abarcando produtos ou coisas dos mais diferentes tipos, tangíveis ou i~tan­

gíveis, objeto de comércio, mercancia, transação com inter~e econômico ejurídico. Tambtm me é evidellfe que essa ist'llçdo al~a"ça as receitas de exportCl.çdoadvindas das mais diferentes modalidades dt' negócIO, e não somente clt' vendas.

Nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, no § 1.0 do arL 5.° e no § l.0 doart. 6.° respectivos, os I. Legisladores foram mais explicitas: as rece:i~s ~e: .ex-

rtação de mercadorias nao estão no campo de incidência das conlnbulçoe:s.~turalmente que o vocábulo 'mercadoria', pelos motivos aqui argumen~ados,é amplo, abrangendo os produtos e coisas que, à primei~ ~ista, parecena nãocorresponder à tradicional visão do que é uma mercadona.

A bem de ver, a imepretação adotada pelo Carf no julgado acima encontrasuporte na ideia de que os direitos relativos à licença de uso de marca, n~ qua­lidade de direito pessoal de caráter patrimonial, enquadra-se no conceno d.ebem móvel por equiparação legal, nos lermos do art. 83, m, do CC, a segUir

transcrito:"Art. 83. Consideram·se móveis para os efeitos legais:

(.00)ilI _ os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações" (grifas

do autor).Na mesma linha, a Lei 9.279/1996, que regula os direitos e as obrigações da

propriedade industrial, dispõe que o registro de .marca é co~siderad~ um bemmóvel para os efeitos legais, como se pode venficar da leilura conjunta dos

dispositivos legais abaixo:"Arl. 2.° A proteçdo dos direitos rdativos d propriedade industricll, considera­

do o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do Pais,

efetua-se mediante:

Co)

HI- confeSsc'lO de registro de marca".

Art. 5.° Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direi/os de pro­

priedade industrial" (grifo do autor).Dessa forma, ainda que o acórdão do CARF não lenha examinado o tem.a

sob a perspectiva acima, é possível constatar que, sob o pontO de vista .de dl­reilo privado o direito pessoal de caráler palrimonial detido pela SOCiedadeno Brasil, em 'razão da licença de uso da marca, deve ser considerado um bem

móvel para todos os efeilos legais.

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108 REVISfA TRIBUfARIA E DE FINANÇAS PUBLICAS 2016· RTRIB 127 PRINCíPIOS CONsnruooNAIS TAlaUIARIOS 109

Na qualidade de bem móvel por equiparação legal, a licença de uso de mar­ca concedida para uma pessoa jurídica não residente poderia ser submetida aomesmo regime jurídico da exponaçãe-.1!e um bem móvel, pois o movimentofísico de saída da mercadoria do território nacional seria necessário caso o con.tribuinte no Brasillivesse cedido o uso!e um bem móvel para a parte não resi­dente. Logo, considerando que o direilô pessoal sobre a licença de uso de marcaé equiparada a um bem móvel para todos os efeitos legais, seria possível SUS.

tentar a aplicação das mesmas consequências lribUlárias para as duas situações.

Ê curioso notar que a própria 5RRF da 7.& Região Fiscal, na SolUÇa0 deConsulta 229, de 03.06.2005, ao tratar da cessão de painéis de publicidade,utilizou a equiparação jurídica apontada acima para sustemar a exigência deretenção da CSLL sobre os valores pagos pelas autarquias. submetendo, por­tamo. a cessão de direitos pessoais ao tratamento tributário aplicável ao forne­cimento de bens. Confira-se a ementa da decisão:

"'Ementa: locação de painel. Fornecimento de bens. Os pagamtnlOS efetua­dos por autarquias a pessoas jurídicas pela locaçeio de paint:l de publicideldt:S es­tão sujeitos à incidência, na fonte. da contribuiçào social sobre o lucro liquido- CSLL. por se tratar de retribuição pela cessão de direitos pessoais de caráterpatrimonial, os quais sdo considerados bens móveis parei os eltitos legais, con­sisfindo, portamo, em remuneraçdo pelo fornecimento de bens" (grifas do autor).

Assim. com base no mesmo raciocínio utilizado pela SRRF na Solução deConsulta acima, seria possível sustentar que a licença de uso de marca estásujeita ao mesmo regime jurídico-tributário do fornecimento de bens salvo,nos casos em que a lei tributária disciplinou expressamente o seu tratamenlotribUlário.

Neste pomo, é importante destacar que a exegese exposta acima encontrarespaldo na intepretaçdo IdeológicaJ da imunidade prevista no art. 149, § 2.°, I,da CF, que consagra o princfpio elo destino no ordenamento jurídico brasileiro,para fins de tribulaçào do comércio internacional de bens e serviços.4

3. A respeito da interpretação teleológica, Tercio Sampaio Fcrrazjr. ensina: "em suma,a intepretação teleológica ou axiológica ativa a panicipação do intérprete na confi­guração do sentido. c..) Assim, entende-se, nào importa a norma, ela há de ter, parao hermeneuta, sempre um objetivo que serve para controlar até as consequl!.ncias daprevisão legal c..'- (FERRAZjUNIOR, Tercio Sampaio. InlrodllçaO ao estudo do Direi­to- ItcMica, DuiSl'lo e Dominação. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 254).

4. Nas palavras de Valeir Gassen, professor da Universidade de I3rasllia (UnO): -C .. ) Emtermos de compettncia tributária, como expressa0 da soberania, o oposto ao prind­pio da origem é o principio do destino. Esta opçao, em termos das relaçoes comerciais

!>o\v:<'I\ R.1mon Tomazcli. Os contritos dt hetl'lça dt U50 lk mau:a e i imul'l~dt PIS t de CofLl'I~ sobre i~ rC'C'tllil~ dtCOfftm~ dt txport~.

RM/O 'tlburo"otdtl1noflÇ1)S PtibllCUs' YOl. 127. Õll'lO 24. P 101-121. SJio Põlulo. Ed. RI. mOil' -ibf 2016

De fato, o Poder Constituime, ao conceder imunidade ãs receitas de expor­tação, consagrou o princfpio do deslino para a tributação do éomércio imerna~cional. segundo o qual os bens e serviços devem ser submetidos à incidênciados impostos indiretos apenas no país de consumo. Assim, de acordo com oprincCpio do destino. as exportações devem ser desoneradas, ao passo.que as.importaÇões devem ser submetidas à tributação, a fim de que todos os bens eserviços consumidos no mesmo país fiquem sujeitos à mesma carga tributária,

sem qualquer distinção ou discriminação baseada em sua origem_~

Merece destaque. neste sentido, a liçãO de Luis Eduardo Schoueri:

"Assim, a imunidade ãs exponaçõcs se explica a panir da decisão do cons­tituinte brasileiro _ seguindo tendência universal - de o país adolar. em suas

relações internacionais, o principio do destino na tribulaçào do consumo. (. ..)

Noutras palavras, a imunidade das exportações, juntamente com a possibi­lidade de se tributarem as importações, nada mais faz que instituir, em ãmbito

nacional, o critério do destino. É. assim, imunidade que apenas conforma a

própria compelfncia tributária."/)

Note-se que. no ordenamento jurídico brasileiro. a tributação sobre o con­sumo é integralmente orienlada pelo principio do destino, desde a ConstituiçãoFederal atê as leis complementares e as leis ordinárias que disciplinam o tema.

Veja·se:_ EC 3, de 17.3.1993 - estabelece que a Lei Complementar pode excluir a

incidência do ISS nas operações de exportação de serviços para o exterior (an.

156, § 3.°, 11).

entre os Estados, implica que o Estado de destino dos bens e serviços tem a compe:­lência para fazer com que incidam sobrt eles os tributos a considerar. C..) A imple­mentação do principio do destino estabelece, por um lado, que os bens e serviços queserão destinados ao consumo interno em um estado serão tributados, por outro, queos bens est:rviços destinados 11 exporlação senlo isentos ft (GASSEN, Valeiro Tributtlçt10na orígem e deslino _ tribulos sobre o conSumo e processos de: inlegraçao econômica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 137).

5. Segundo Aliomar Baleeiro, em ohm atualizada por Misabel Machado Derzi: ~A impJe·menlaçào do principio do destino, apenas Iniciada com o IPI, retomava o seu curso,que iria se complelar com a Emenda Constitucional nO 42/2003. Em mercados aindanão integl1l.dos, como t o caso do comércio exterior. a rtgra deverá ser a tributaçãono destino, ou seja, exoneração das exportações e sistemática lributação das impor­tações (. ..Y (BALEEIRO, Aliomar. Diu:ílo Tributdrio Brasileiro. 12. ed. Rio de janeiro:Forense. 2013, p. 293).

6. $CHOUERI, Lufs Eduardo. Viuilo Tribuldrio. São Paulo: Saraiva, 2011, p. '105-406.

SA-~.o:s. RirT\Of\ T~ltlOil Os rontrOiltos dt h«nçOil lk' IJSO dt INrCi e a imul'Ildadedt PIS t dt Cofin~ 5Obr~ as 'C'C'tit.;;~ dtcOf~ntBdc exportaçào.

RM5to r'ibufÓllOtck FiOOJ'l(05 Ptiblirn~ voto 127. ano 2. 11 101·121.~ P:lulo: Ed RI. mal-ab, 20Hi

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110 REVISTA TRIBUTÁRIA E DE FINANÇAS PÚBLICAS 2016 • RTRIB 127 PRINCil'10S CONSTITUCIONAIS TRIBUTARIOS 111

- E~ 33, de 11.12.2001- outorga imunidade de contribuições sociais sobreas recellas decorrentes de expor!IL~o (arr. 149, § 2.°, n,

- EC 42, de 19.12.2003 - prevê a possibilidade de cobrança de PIS e Cofi. d Imna Importação e bens ou serviços.

~

~ LC 116 - lr.ata da P~ssibilid;dede incidência do ISS sobre "o serviço pro­vClllwrc do extenor ou cUJa prestação se tenha illiciado 110 exterior do Pa(s" (aI,§l.0). rI.

- LC 116nOOJ - prevê que não incide ISS sobre as exportações de serviço.

. -:- Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 - estabelecem que o PIS e a Cofins nâomCldem na exportação de bens e na preSlação de serviços para não residentescujo pagamento represente ingresso de divisas. '

- Lei n, 10.865, de 30.4.2004 - incide PIS e Cofins na importação de bense serviços do exterior (arl. ] .0).

?iante di~o, percebe-se que o princfpio do destino deve orientar a interpre­laça0 teleológlca do art. 149, § 2.°, I, da Cf; bem como das leis ordinárias quediSciplinam o assunto. 1

Ora, aplicando o raciocínio acima aos contratos de licença de uso de marcaconstala~se que a tribUlação deve ocorrer no país em que a marca será utiliza~da/consumida pelos contratantes, em linha com o princfpio do destino.

. Ê justameme por isso que, no ãmbito da União Europeia, O contrato delicença de uso de marca celebrado com pane residente no exterior não estásujeito à incidência do VAT (Va/ue Added Tax), justamente em razão da consa­gração do principio elo desthlO.

De fato, o ano 24 da Direliva do VAT6 adota um conceito residual de serviço,que abrange qualquer negócio jurídico que não represente o fornecimento debens (Srlpply oJ services' shall mean any lransaction which does flor constitule a

7. Pa.rn D?uglas Yamashita, o prinCipio do dcstino também serve. pam concretizar Op~ncfplO ~a capacidade conrribuliva. Veja-se; MOrn , justamente porque rcsrringe aIn~utaç'.lo 1II.temacional de mercadorias e serviços exclusivamente ao pafs dc dcslino,cVHando ~Im a dupla Iriblllaçl10 internacional dess.1S mercadorias e serviços. umavez. por trJbulos na cxporraçao c uma segunda vez por lriblllos sobre a subscquemeituporlaçào, o principio do dcstino realiza o principio da cllpacidade contributiva".(YAMASHiTA, Douglas. Direilo Tributllrio - uma visito Sistemática. São Paulo: Alias,2014, p. 210).

8. COllncil Direcrive 2006l112lEC, of 28 Nove.mbcr 2006. Disponível no endereço:Iln rp:l/cur-lex. curopa.eu/LexUriScrvlLex UriServ.do?uri ","OJ: L;2006:347;000 1:0 I 18:e.n:PDFI. Acesso em; 01.03.2016.

S....~TOS, Ramon Tomazela. Os contr3lO5 de licença de U50 de m~rca e a ,mun,dade, ,de PIS e de Cofins 500rc a~ rcceila~ decorrentes de exportaçáo

ReVista Trl/}uróf!U e de Rnunças Púb/lcas. vol. 127. ano 24 p. 101- 12\, ~o Paulo: Ed RI. mar abr 2Q16.

supply of gooeis). Em seguida, o ano 25 (a) da Direliva<lo VAT menciona, emcaráter exemplificativo, que a cessão de uso de bens intangíveis será conside­rada um serviço para fins de incidência do VAT.

Adiante, ao tratar das exponações. o ano 146 da Diretiva do V~T estabeleceque os Estados Membros devem conceder isenção de VAT para as exportaçõesde serviços em geral, o que inclui os contratos de licença de uso de marca (tireS1tpply of servias, including transport aliei ancil/ary trallsactiolls, bUI cxcludinglhe sllpply of services exempled in accordallce wil/i Arlicles 132 afld 135, wherethese are direct/y collllecled wirll llu: cxponatioll ar importalioll of goods coveredby ArUcle 61 and Arricle 157(l)(a»).

Vale esclarecer que não se pretende, com as considerações acima, invocar nor­mas jurídicas existentes no direito comparado para a interpretação do ordenamen~

to jurídico brasileiro sem a observãncia das infindáveis diferenças entre os direitospositivos dos pafses envolvidos.'! Ao comrário, o comentário acima tem o Singeloobjetivo de demonstrar que o principio do destino, que atualmente é adotado pelaampla maioria dos países no comcrcio internacional de bens (materiais e imate­riais) e serviços oferece suporte para a construção jUlidica aventada acima.

Em suma. com essa breve incursão no direito comparado, à luz das regrasdo VAT adotadas na União Europeia, pretende-se evidenciar que o resultadoatingido com a linha de interpretação exposta acima não é apenas uma canse­quência impensada do conceito de bem móvel por equiparação legal existenteno Código Civil, mas sim uma construção jurfdica compatlvel com o IJrincfpiodo destino, consagrado pelo Poder Constituinte.

Por fim, vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, de longa data,interpreta as imunidades tributárias pelo método teleológico e sempre deforma ampla e extensiva, a fim de que não se restrinja indevidamente o seualcance, buscando dar efctividade plena aos valores constitucionais que amesma pretende proteger. lO Dessa forma. a Corte Suprema não hesita emestender as regras de imunidades tributárias para situações quc, embora não

9. Não se pode esquecer, em qualquer rderencia ao direi lo comparado, do preciso alertade Ricardo Mariz de Oliveira: "Como bem sabem todos os juristas, náo é possívelsimplesmente importar preceitos do Direito de outros países, para aplicá.los aqui semuma análise crítica e comparativa das diferenças enlre o regime jurfdico do pais deorigem e o nosso" (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Norma Geral Antielusão. RevistaDirfillJ Tributário Atual, n. 25. São Paulo: ~ia~é~if;~' 2011, p. 133).

10. Como leciona Humberro Ávila: "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem nor­malmente aplicado as normas relalivas à imunidade, de modo tdeológico, no sentido deexaminar os fins subjacenres às noonas constitucionais, de sorre a abranger na imunidade

s,...~'os. Ramon lomazela. 05 mntralos de licença de uso de malca e a imunidadetl~ PIS e de Cofins sobre as lecelta~ decorrentes d~ ~~porta\,ao.

Rewsla Tflbutórtu e de FmunÇfJS PU/}Iicas. vai, 127 .no 24 p, 101-121. São Paulo El!. RI, mar.-abr 2016.

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113112 RfVlSTA TRIBUTARIA ~ DE FINANÇAS PúauCAS 2016. RTRIB 127 PlIlNCjplOS CONSTITUCIONAIS TRIBurAlllos

abrangidas pela literalidade texlUal do enunciado normalivo, estão contem­pladas pela finalidade da regra cxanerativa consagrada na Constituição Fede­ral. Para lanlO, a ampliação do.mcance da regra que limita o poder de tributardeve estar sempre atrelada à maximização da proteção aos valores prestigia­dos pelo Poder Constituinte. 11

.~

Nesta linha. merece dcstaque a declaração de VOIO de lavra do Ministro Gil­mar Ferreira Mendes, em julgamento do Plenário do 5TF, realizado nos autosdo RE 474.132/SC (j. 12.08.2010), na qual se expôs, com prec~o e perlintn·cia, o cnlendimento do 5TF sobre a imponância do método leleológico para ainterpretação das imunidades tributárias. Confira-se:

"C'.) as Jl:gras de imunidade tributdria - embora imediatamence prescrilivas,impondo aos entes federativos um dever de abstençao legislativa - (t'm por

escopo a conse:cuçC2o de deferminadas finalidades ou a preservaçdo de urtos V(l­

/oresconsagrados no (exfo conslituciona/. E somente à luz dessas finalidades evalores. elas devem ser interpretadas.

A regra de imunidade nao se afigura apenas como simples óbice à imposi­çllo de um grava tributário, mas como a exclusão de uma determinada ativida­de, situação ou objeto do ambito da tributação, com vistas ao atendimento deum escopo conslitucional."

I: bem verdade que o próprio Pretória Excelso. em determinados julgados,impOs um limite à interpretação ampla e extensiva das imunidades tributárias,cujo resultado não poderá transpor o valor semantico das prescrições exone­rativas. Assim, a delemlinação do alcance finaIístico da imunidade tributárianão pode desvirtuar o real significado dos conce.itos e institutos previstos naConstituição Federal. Essa corrente exegética, que limita o papel do julgador naintcrpretaç<'lo das imunidades lributárias, foi bem exposla pelo Ministro MarcoAurélio, no julgamento do RE 166.772/RS, cuja ementa segue a seguir transcrita:

os fatos necessários à garantia dos fins públicos referentes às imunidadcs~ (ÁVll.A, Ilum·beno. Sistema Constitucional Tribulálio. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 210).

lI. N:'lo se pode esquecer o alerla de Ricardo Lobo Torres: "A interpretaçllo das imuni­dades fiscais m'lo :apresenta especificidade nem possui métodos diferentes dos (lueprevalecem na intepretaçAo do direito t..ribUlário ou do direito conslitucional, que,por seu turno, se integram no próprio processo herment.utico das manifestações doesplrilo humano. Tem, cOOludo, algumas peculiaridades, pela sua ligação intima coma inteprelação dos direitos da liberdade, posto que, como se viu, a imunidade é aexteriorização ou a forma de validade dos direilos fundamentais diante do podertributârio~ (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro eTribulário. Volume Ill- Os Direitos Humanos e a TribUlaç.lo: Imunidade e Isonomia.3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 106).

Suol . RatnO<llomvela. Os contlatm.óeI~ de~ de mata e li 'm","'d~dedt PIS e de Cofn\ soble~ f~ll~ de'rorrente.de expo!~".

R~'>lo l"bu/Dfloeck' MnO/lfllS Pt.bIoro.l.. vol 127 ~no 24 p. lO}·121. sa.o Paulo Ed. IH rn.lf -atlt 2016,.

"Interpretação - Carga construtiva - Extensão. Se ê certo que toda inter4

prelação traz em si carga construtiva, não menos co~eta exsurge a vinculaçãoà ordem juridico4 constitucional. O fenõmeno ocorre a partir das normas emvigor, variando de acordo com a formaçao profissional e humanística do intér­prete. No exercicio gratificante da arte de interpretar, descabe 'inserir na .regra-dedirei,o o pr6prio jutzo - por mais sensato que seja - sobre a finalidade que ·convi­ria" fosse por ela perseguida' - Celso Antonio Bandeira de Mello - em parecerinêdito. Sendo o Direito uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este àque4

le. Constituição - Alcance politico - Sentido dos vocábulos - Interpretação.O conteúdo polrtico de uma Cons'ituiçdo ndo t conducente ao desprez.o do sentidovernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados inslitutosconsagrados pelo Direito ( ... )."\2

Apenas para ilustrar a aplicação prática do limite a ser observado na in­terpretação das imunidades tributárias, basta lembrar que, no julgamento doRE 474. 13215C, ao examinar o alcance da imunidade conferida às receitas deexponação pelo art. 149, § 2.°, I, da Cf, o Pretória Excelso considerou que, adespeito do claro objetivo do texto constilucional de estimular o desenvolvi­mento da economia nacional, nao seria possível estende.r a desoneração para acontribuição social sobre o lucro Uquido (CSLL), em virtude da discrepânciaentre os conceitos de receita de exportaçao e lucro, ainda que, economicamen­te., o último seja eventualmente obtido a partir dos ingressos originários dereceita de exponaçao. Il

Com base na jurisprude:ncia do 5TF examina acima, pode-se dizer, em ca·mter geral, que a imunidade tributária deverá ser interpretada de forma teleo­lógica, admitindo·se a ampliação e a extensão do escopo normativo da regraexonerativa para que se possa conferir máxima efetividade aos valores consti­tucionais prestigiados pelo Poder Constituinte na norma imunizadora, l~ sem,

12. RE 166772, reI. Min. Marco Aurelio, Tribunal Pleno,j. 12.05.1994, DJ 16.12.1994.

13. Confiro-se o seguinte trecho do voto do então MiniSlro Ayres Britto: "Ora. se é assim- eu espero não estar equivocado -. no art. 1'1-9. as receitas oriundas da r.xportaçllo IU'IoSi confundem com o lucro que venha a ser, eveFl/uahnente. ocasionalmente oblido a partirdos ingressos origindrios clt. receita de r.xporta<:do, mas a se definir mediantc a consi­deração de oUlros elementos. O lucro ê um outro momento. a compreender, claro, oingresso. mas incorporando a exclusão de custos, a exclusão de despesas. E ambas asgrandezas se prestam autonomamente como fato de gerndor de tributo~.

14. Como ensina Roberto Ferraz: -Não faz sen\ldo pretender que a boa interprelaçAo deuma disposiçAo conSlitucional de imumdade seja vista de maneira a dar-lhe pouca ounenhuma eficácia. a depender das circunslãncias. Ora, nenhum dispositivo constitucio-

y.",.... Ramon loma1tla Os (OI1tratm de I'cença de~ de man:.. e iI 'munOlbdede PIS e ck Cnf,~ sobre a\ 'ece,''''' ll~ftn!e1o de e~portaçao.

R~o'flburomJedtFinollÇQSPt.blcn.wl.121"1'102"_p101·121 5.ioPaulo Ed RT.milr·abf 7016

Page 8: Os Contratos de Licença de Uso de Marca e a Imunidade de PIS e de COFINS sobre as Receitas decorrentes de Exportação

114 REVISTA TRIBUIÁRIA E DE FINANÇAS PUBUCAS 2016 • RTRI8 127PRINciPlOS CONS1lTUClONAIS TfllBUTARtOS 115

contudo, desvirtuar o conteúdo semântico dos preceilos, conceitos e institutosprevistos na própria ConstituiçãO Federal.

No caso específico das receilas du_xponação, sabe-se que o inc. I, do § 2.°,do art. 149 da CF foi introduzido pela EC 33 noo Icom O propÓSito de consa·grar o princípio do deslino e, com isso. promover o desenvolvimenlO da eco­nomia nacional por meio da desoneraÇão das operações de exportação. Assim,a situação examinada no presente estudo, relativa ao contrato de licença de usode marca, pode ser enquadrada no escopo nonnativo da regra de imunidadepor meio de interpretação tcleológica do seu alcance.

Além disso, no caso específico ora examinado, não há o desvirtuamento deconceitos utilizados na Constituição Federal, tendo em visla que o arl. 149,§ 2.°, I, da CF, ao consagrar a imunidade, menciona que as contribuições so­ciais '"não incidirão sobre as receitas decorrentes de exponaçAo". Logo, o textoconstilucional não menciona a exponação de mercadorias ou produtos, o quepoderia reslringir o alcance da imunidade. Ao comrãrio, o Poder Constituinteutilizou o termo exportaçãO de fonna abrangente, o que garante a necessáriaamplilUde na concrelização do princípio do destino.

Por tais razões, pode-se assentar que, como os direitos de propriedade in­dustrial são considerados bens móveis para os efeitos legais, a licença de usode marca concedida para uma pessoa jurídica não resideme está submetida aomesmo regime jurfdico da exportação de um bem móvel, o que afasta a inci­dência do PIS e da Cofins sobre as receitas em questão.

Como visto acima, essa conStrução jurídica encontra respaldo na intepreta­ção leleológica da imunidade prevista no art. 149, § 2.°, I, da CF, que consagrao princípio do desLino no ordenamento jurldico brasileiro, para fins de tribu­tação do comércio internacional de bens e serviços.

3. A CARACTERIZAÇÃO OA LICENÇA DE USO DE MARCA COMO UMA ATIVIDADE

DE PRESTAÇÃO DE SERViÇOS

Feitas as considerações gerais acima, é importante demonstrar, ainda quebrevemente, porque o contrato de licença de uso de marca não pode ser ca­racterizado C0l110 um serviço prestado para não resideme, para fins de apli.

nal. especialmente os que eslabelecem imunidade. pode ser vislo dessa maneira; pelocontrário, sua Inlepreta('ão sempre deverá levar à sua plena aplicação· (FERRAZ, Ro­beno. "A N:.1o-cumulatlvidade nas ContribuiÇlks PISIC06ns e as Exportaç~·. ReviSlaDialt.uca de Direho Tributario n° L54. São Paulo: Dialética. 2008. p. 107).

s,..,. Rarnoo Toma«14I Os contratos Ik lictnça ~ lI'óO de marca ~ a ,mu,..<d~

de PiS r de Cor"" '>Obr~.~ rett1!i1~ ôecofl~nl~ Ôl' UjlOflaç.io~)r(l "oWIOII(l ~lkl"'ançm PtibllCf1S- YOl. 127 ano 24. p. 101-121. SJo Piulll: fli RT, nw. -<I"" 2016.

cação das isenções de PIS e de Cofins consagradas nas 4iis. 1O.637nOO2 e10.833/2003.

A dúvida deriva da conslatação de que a LC 116. de 31.07.2003, ao listaros serviços sujeitos à incidência do ISS, menciona expressamenle. em seu item3.02, a cessão de direito de uso de marcas. Veja-se:

"3.02 - Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda-o

A despeilO da posição adotada pelo legislador na LC 11612003, deve-se des­tacar que o conceito de serviço adotado para fins de ISS não é automaticamenteuansponivel para a intepreta~o das leis que tratam do PIS e da Cofins.

Com efeito. o ano 156, 11. da CF, ao tratar da discriminação das compe­tências imposilivas, dispõe que "Compele aos Municípios instituir impostossobre: serviços de qualquer ncllureza (. .. ) definidos em lei complementarR

Assim, o Poder Constituinte outorgou competência ao legislador comple­mentar para definir os serviços que estão sujeitos à incidência do ISS, sendoque o uso da expressão "St:rviços de qualquer natureza", ainda que não autorizeo desvirtuamemo de conceitos utilizados pelo lexto constitucional na atribui­ção de competências, para alcançar atividades que nào caracterizam verdadeiraprestação de serviço, acaba conferindo maior amplitude semântica para a defi­nição dos serviços que estão sujeitos à incidência do ISS.

Por outro lado, com relação ao PIS e à Cofins, a Constiluição Federal men­ciona, em seu art. 149, § 2.°,11, bem como no arl. 195, IV, apenas "imperlaçãode serviços", sem utilizar a expressão "de qualquer naturez.a", tampouco outor­gar competência para a sua definição mediante lei complementar.

Dai decorre que a posição adotada pelo STf no RE 592.905-SC, no qual sedefiniu a possibilidade de inCidência do [55 sobre as operações de arrendamen­to mercantil. em razão da adoção de um conceilo amplo de serviços de qual­quer natureza. não pode ser automaticamente estendido para o PIS e Cofins,pois os pressupostos constitucionais envolvidos são distintos.

Tanto é assim que o próprio voto proferido pelo Min. Eros Grau, relator dopressuposto, menciona a expressão ~de qualquer natureza" como juslificativapara a adoção de uma interpretação ampla do conceito de serviços. desvincu­lada do direilo privado. Veja-se:

"Em síntese, há serviços, para os efeitos do inc. III do art. 156 da Constitui­ção, que por serem de qualquer natureza, lido consubstanciam típicas obrigaçõesde fazer. Raciocínio adverso a este conduziria à afirmação de que haveria ser­viço apenas nas prestações de fazer. nos termos do que define o direito priva­do. Note-se, contudo. que afirmação como tal faz tábula rasa da expressão 'dequalquer natUreza', afirmada no texto da Constituiçãon (grifos do autor).

Sou.- . Ra!TlOl1 Tomau,a Os contratos lk lott<1ÇJ d~ lISO Ik maft:il ~ a ,m.lf'l'~

d~ PIS ~ de Cofi'lS sobr~ as rett'ta~ lkto<f~nlc:s lk ~J'Pllftaç)o.RrvislO lrobull;lIio ~dr" filfOIlÇOS I\ltHtrOS. \IOl 127 oiflO 24 P 101-111. S40 Paulo fd. RI. mal-abr 2'016

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118 REVISTA TI1IBUTÂRIA E DE FINANÇAS PUBLICAS 2016 • RTRIB 127 PRINCiplOS CONSflTUCIONAIS TRIBUTÁRIOS 119

"Ementa: Royalties. Não haverá incidência da Cofins-Importação sobre o valorpago a titulo de royalties, se o contrato discriminar os valores dos Royalties, dosserviços técnicos e da assistência técnjc-il de forma individualizada. Neste casoa contribuição sobre a importação incidirá apenas sobre os valores dos serviço~

~o~e~os c~ntratados. Porém, se o contrato não for suficientemente claro paramdrvlduahzar estes componentes, o ~or total deverá ser considerado refe­rente a serviços e sofrer a incidência da mencionada contribuição. Porém, se ocontrato não for suficientemente claro para individualizar estes componentes,o valor total deverá ser considerado referente a serviços e sofrer a incidência damencionada contribuição» (grifos do autor).

Com base na posição da Cosit, a Superintendência Regional da Receita Fe­deral (SRRF) da 8.a Região Fiscal, ao examinar diversos casos envolvendo osroyalties cobrados em razão de contratos de licença de uso de programa decomputador, considerou que os valores em questão não estão sujeitos à inci­dência de Pis e Cofins na importação, justamente por não caracterizarem umaautêntica prestação de serviços. Como exemplo, confira-se a ementa da Solu­ção de Consulta 133, de 10.06.2011:19

"Ementa: Cofins-importação. Royalties (Contratos de Licença de Uso dePrograma de Computador - Software). Reforma parcialmente a Solução deConsulta SRRF DISIT 8.a RF 46 de 2007, em razão do entendimento adotadona Solução de Divergência Cosit 11 de 2011. Não haverá incidência da Cofins­-Importação sobre o valor pago a titulo de Royalties, se o contrato discriminaro.~ valores dos Royalties, dos serviços técnicos e da assistência técnica de formaindividualizada. Neste caso, a contribuição sobre a importação incidirá apenassobre os valores dos serviços conexos contratados. Porém, se o contrato nãofor suficientemente claro para individualizar estes componentes, o valor totaldeverá ser considerado referente a serviços e sofrer a incidência da mencionadacontribuição." (grifos do autor).

Examinando especificamente os royalties devidos em razão de contrato delicença de uso de marca, a Cosit, no julgamento da Solução de ConsulLa 71,de 10.03.2015, considerou que os valores em questão não caracterizam con­traprestação por serviço prestado, o que afasta a possibilidade de cobrança doPIS e da Cofins incidentes na importação de ervi os. Confira-se a ementa dadecisão:

"Ementa: Royalties. Pagamento a residente ou domiciliado no exterior.Licença de uso de marca ou patente. Serviços vinculados. O pagamento, o

19. No mesmo sentido, vide: Solução de Consulta 132, de 10.06.20] 1, e SolUÇão de Con­sulta 134, de 10.06.2011.

S,~Nros, Ramon Tomazela Os contraros de licença de uso de marca e d imUnidade, . .. de PIS e de Cofins sobre as receitas decorrente5 de exportação

ReVista TflbufOflO ede Finanças Públir:o~. vol. 127 ano 24 p. 101-121 São Paulo' Ed. RI. mar.-abr 2016.

crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domici­liados no exterior, a título de royalLies, por simples licença <1u uso de marca,ou seja, sem que haja prestação de serviços vinculada a essa cessão de direitos,não caracterizam contraprestação por servi o prestado e, portanto, não sofrema incidência da Contribuição para o Pis/Pasep-Importação. Entretanto, s~ o do­cumento que embasa a operação não for suficientemente claro para individua­lizar, em valores, o que corresponde a serviço e o que corresponde a royalties,o valor total da operação será considerado como correspondente a serviços esofrerá a incidência da contribuição.

Ao fundamentar sua decisão, a Cosit afirmou textualmente que "na cessãode direito de u o não se visualiza a presença de obrigação de fazer, que caracte­riza a prestação de serviços, a qual é realizada com emprego de força humanaque presta a realização, transformando materiais e ituações. Ponanto, royal­ties caracterizam-se corno obrigação de dar, e não de fazer, não se caracterizan­do como prestação de serviços."

O mesmo entendimento prevaleceu em diversas Soluções de Consulta pro­feridas pela SRRF da 8.a Região Fiscal, segundo a qual royalties decorrentesde contrato de licença de uso de marca não caracterizam contraprestação porserviço prestado. Apenas para ilustrar, transcreve-se a ementa da Solução deConsulta 121, de 29.05.2013:20

"Ementa: PIS/Pasep-importação. Pagamento a empresa domiciliada no ex­terior. Licença de uso de marca ou patente. Serviços vinculados. O pagamento,o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domi­ciliados no exterior, a titulo de royalties, por simples licença de uso de marca oupatente, isto é, sem a prestação de serviços vinculados a essa cessão, não carac­terizam contraprestação por serviço prestado. Portanto, caso não haja prestação deserviços vinculada à cessão, o valores antes referidos não sofrerão incidência doPIS/Pasep - Importação" (grifos do autor).

A rigor, a interpretação que vem sendo adotada pela Administração Tributá­ria está correta, pois o comrato de licença de uso de marca não caracleriza umaatividade material de prestação de serviços. Em vista disso, a interpretaçãojurídica mais adequada para o caso examinado no presente estudo reside nacaracterização do contrato de licença de uso de marca como um direito pessoalde caráter patrimonial, que deve ser considerado um bem móvel por equipara­çào legal, nos termos do art. 83, lU, do cc.

20. No mesmo sentido, vide: SolUÇão de Consulta 78, de 27.03.2013; Solução de Consul­ta 263, de 20.10.2011; Solução de Consulta 37, de 24.02.2011.

SI\Nros. Ramon Tomazela Os contratos de licença de uso de marca e a imunidadede PIS e de Cofins sobre as receitas decorrentes de exportação.

Revista frtoutáriae de Rnonças PÚbJicas. vaI. 127 ano 24. p 101-121 São Paulo. Ed. RT, mar.-abr. 2016.

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120 REVISTA TRlflU1ARIA E DE FINANÇAS PÚBlICAS 2016. RTRIB 127 PRINCiplOS CONSllTUCtONAIS TRIBUTARIOS 121

CONCLUSÕES

Com base: nas considerações aCID13, pode-se concluir que;

- os direilos de propriedade i;duslrial são considerados bens móveis paraos efeitos legais, conforme prescreve o art. 5.° da Lei 9.279/1996;

~

- na qualidade de bem móverpor equiparação legal, a licença de uso demarca concedida para uma pessoa jurídica nâo residente poderia ser submetidaao mesmo regime jurldico da exportação de um bem móvel;

- o CARF, ao examinar um contrato de licenciamento de uso de software.por ocasião do julgamento do acórdão 3401·002.835. de 11.12.2014, consi­derou que a isenção de Cofins para receiLas de exportação também alcançaos valores recebidos a titulo de royalrit's, pois não seria lógico restringir o seualcance aos bens tangfveis;

- a exegese exposla acima encomra respaldo na interpretação teleológica

da imunidade prevista no ano 149, § 2.°, I, da CF, que consagra o princfpio do

destino no ordenamento jurfdico brasileiro, para fins de tributação do comér·cio internacional de bens e serviços;

- aplicando o principio do destino aos contratos de licença de uso de marca

celebrados pela sociedade residente no Brasil, conslata-se que a tribulação deve

ocorrer no país em que a marca será ulilizada/consumida pelos cOntralantes;

- por fim, o STF, de longa dala, interprela as imunidades tributárias pelo

método leleológico e sempre de fonua ampla e extensiva, a fim de que não serestrinja indevidamente o seu alcance, buscando dar efetividade plena aos va­

lores constitucionais que a mesma pretende proteger.

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PESQUISAS 00 EDITORIAL

Veja também Doutrina• Operações de exportaçào, contribuição social sobre o lucro liquido e imunidade. Co­

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~fos.. Ramon Tomaltla. Os COI'Itratos dt littf\ÇiI d~ UlD d~ ITIiIll"iI t a fmuM13d~

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