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A ENGENHARIA NA VIDA DE BRASILINO PATRIOTA DA SILVA “o cotidiano de um brasileiro em meio a tantas e tantas interfaces, amigáveis ou não, com as necessárias e empolgantes tecnologias dos tempos em que vivemos” Engenheiro eletricista Edison Flavio Macedo Brasília, 17 de dezembro de 2013

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A ENGENHARIA NA VIDA DE BRASILINO PATRIOTA DA SILVA

“o cotidiano de um brasileiro em meio a tantas e tantas interfaces,amigáveis ou não, com as necessárias e empolgantes tecnologias

dos tempos em que vivemos”

Engenheiro eletricista Edison Flavio Macedo

Brasília, 17 de dezembro de 2013

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EXPEDIENTE

M141e Macedo, Edison Flávio

A Engenharia na Vida de Brasilino Patriota da Silva: o cotidiano de um brasileiro em meio a tantas e tantas interfaces, amigáveis ou não, com as necessárias e empolgantes tecnologias dos tempos em que vivemos / Edison Flávio Macedo. – Brasília, DF: O CONFEA, 2013.

16 p. ; 210x297 mm

1. Literatura - Contos I. Título

CDD 869

Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) SEPN 508 –Bloco A CEP: 70.740-541 Brasília-DFTelefone Geral: (61) 2105-3700 e GCO (61) 2105-3739

Presidente: Eng. civ. José Tadeu da Silva

Vice-Presidente: Eng. mec. Júlio Fialkoski

A Engenharia na Vida de Brasilino Patriota da Silva

Realização: Gerência de Comunicação do Confea – GCO Autor: Edison Flavio MacedoDiagramação e projeto gráfico: Silvia Girardi Capa: Silvia Girardi Revisão: Lidiane Barbosa

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UMA PRELIMINAR

Muitas lideranças do Sistema Confea/Crea tém incluído em seus pronunciamentos recorrentes alusões à importância da engenharia na socioeconomia brasileira.

Dizem eles que os serviços e produtos oferecidos pelos integrantes dessa profissão são representati-vos de perto de 70% do Produto Interno Bruto Brasileiro. E, geralmente, complementam a informação indicando uma forma muito simples de comprová-la: “Basta olhar em torno e ver que a engenharia está entranhada em nossa vida. Na verdade poucas coisas não dependem dos serviços, produtos e sistemas por ela criados, e a maioria deles completamente ao nosso alcance!”.

Foi daí que surgiu a motivação para esta “estorinha”, que sem rigorismos matemáticos ou figuras de linguagem, pretende apresentar o cotidiano de um brasileiro em meio a tantas e tantas interfaces, ami-gáveis ou não com as necessárias e empolgantes tecnologias dos tempos em que vivemos.

E ao constatar a intensidade disso, e das relações daí decorrentes, deixar “no ar” algumas indagações aos eventuais leitores:

- por que os governantes, apegados a um extemporâneo bacharelismo ainda desconhecem o po-tencial da engenharia brasileira como fator e agente do desenvolvimento nacional?

- por que, na área pública, essa engenharia é tratada de maneira marginal, na contramão das realidades e necessidades do mundo globalizado em que vivemos?

- por que os governantes relutam em aceitar as profissões da engenharia como “carreiras es-tratégicas de Estado” e, como tais, estruturá-las adequadamente e remunerá-las condignamente para o exercício dos papéis que o desenvolvimento sustentável da nação lhes reservou?

Por quês, por quês, por quês. É preciso que essas mesmas lideranças, que apregoam o primado da engenharia, venham a público para respondê-los.

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Brasilino era, podemos assim chamá-lo, “um brasileiro padrão médio”. Morava na periferia de uma cidade grande. Possuía um carro já com três anos de uso e dava aulas de História no principal co-légio da cidade. Brasilino era um entusiasta da matéria que lecionava, sempre dizia que somente o

conhecimento da história poderia valer-nos para que não cometêssemos os mesmos erros do passado. Errar é humano, dizia ele, mas por certo nunca será demais pedir um pouco de originalidade.

Ultimamente Brasilino – um homem voltado aos desafios de seu tempo - mostrava-se muito interessado na “história da tecnologia”. Por isso, vamos acompanhá-lo no périplo de um dia incomum – quando ele teve sua atenção excepcionalmente voltada para esse tema - e registrar as suas “interfaces e respecti-vas reações” com os serviços, sistemas, métodos e produtos de engenharia por ele “percebidos”.

Ainda estava escuro quando Brasilino despertou, acendeu a luz e, como sempre faz, desligou o Split de seu quarto por meio do comando remoto colocado sobre seu criado mudo, e abriu a janela. Respirou fundo e saudou o novo dia. Ah, lembrou-se ele, espreguiçando-se e agora recebendo na

face aquela brisa morna do verão, nada como as maravilhas da tecnologia moderna, e pensou mais: “A humanidade sempre tentou amenizar o calor utilizando abanadores, ventiladores, gelo e outras tentati-vas pouco eficientes. Mas em 1902 o engenheiro americano Willis Carrier, criou um processo mecânico para condicionar o ar passando a ser possível, com razoável custo/benefício, controlar a temperatura em ambientes fechados”.

Mesmo na simplicidade de sua moradia, quando foi à cozinha preparar o seu café deparou-se com uma parafernália de equipamentos. Lá estavam o fogão, o micro-ondas, a geladeira, havia também um multi-processador, e na área de serviço uma lavadora e uma secadora. Brasilino, registre-se, aproveitara as promoções do comércio decorrentes da redução do IPI para os chamados eletrodomésticos da “linha branca”. Maravilhas da tecnologia, a seu serviço pelo acionamento de um simples comando (às vezes não tão simples assim, reconheçamos!).

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Tais engenhos, agora à sua disposição, na realidade são produtos finais de um longo processo de aperfeiçoamento conduzido pelos engenheiros (mesmo que estes, ao longo da história, não fossem “diplomados”, mas apenas “vocacionados”. Thomas Alva Edison, por exemplo). Todos eles conecta-

dos numa “rede elétrica” de abrangência nacional, disponível onde se deseje para possibilitar a cada um desses equipamentos a energia necessária para a realização de suas funções precípuas: fornecer luz, calor, frio, movimento, imagem, radiações, etc.

Quantos engenheiros idealizaram, projetaram, construíram, operam e mantêm essa “rede” prodigiosa que penetra em todos os meandros de nossa socioeconomia e que, de maneira tão impactante, condicio-na nossos “hábitos e costumes”?

Vendo-a de trás para a frente podemos dizer que ela vai da tomada de energia de nossa casa (escritório, loja, fábrica, academia, escola, hospital, ...) ao medidor da concessionária (cada vez mais inteligente, o medidor, ressalte-se), do medidor à rede de distribuição secundária e ao transformador que a alimen-ta, desse transformador à rede de distribuição primária e à subestação urbana de onde deriva, dessa subestação às linhas de transmissão de um sistema cada vez mais interligado que percorre distâncias maiores até as inúmeras usinas (hidroelétricas, térmicas, nucleares ou eólicas). E ao longo desse com-plexo e monitorado périplo um prodigioso fato se nos apresenta: a tecnologia à nosso serviço cada vez mais permite acessar e controlar o funcionamento dessa “rede”: todas as vezes que desligamos, por exemplo, nosso aparelho de ar condicionado, estamos enviando uma mensagem direta a essas usinas para que reduzam a velocidade de seus geradores na exata proporção da redução da intensidade de nossa demanda.

Com esses pensamentos em mente Brasilino dirigiu-se à cozinha para preparar o seu café. Ligou uma das bocas do fogão e, como num passe de mágica diriam os mais antigos, surgiu a chama azulada do chamado “gás de cozinha”, o GLP – gás liquefeito de petróleo – incolor, inodoro e altamente

inflamável. Obtido, indiretamente nas refinarias, pelo fracionamento do petróleo, ou, diretamente, nas unidades de processamento do gás natural. Dessas fontes ele é canalizado, ou transportado em botijões, até as residências, o comércio, os postos de serviços e a indústria, onde serve como combustível para o funcionamento dos veículos ou é transformado em calor para a utlização nas mais diversas atividades. Inclusive para esquentar a água do café do Brasilino, uma atividade simples que, entretanto, utiliza um energético que é oferecido por uma sofisticada estrutura tecnológica de produção, armazenamento, transporte e distribuição, e é considerado um dos mais importantes insumos atualmente demandados.

Foram duas xícaras degustadas enquanto decodificava aquela ponta de iceberg chamada de “gás de cozinha”. Levantou-se e foi à pia para lavar as louças utilizadas. Abriu a torneira e, no primeiro jato do precioso líquido, viu-se novamente em ”transe de perquirição tecnológica”. Lembrou-se dos tempos de seus avós, quando precisavam “ir à fonte” para abastecer diariamente suas “pequenas cisternas e grandes moringas”, quando os sanitários eram fora de casa e os banhos eram de “canequinhas” em “banheiras improvisadas”, não raro nos rios mais próximos. E hoje? A água corrente, que já chega tra-

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tada e, uma vez usada, retorna para novo tratamento. Efetivamente, após a utilização humana, nas suas diferentes formas de utilização – doméstica, comercial, industrial ou agrícola – as águas apresentarão características diferentes e são, genericamente, designadas de esgotos, ou águas servidas. E como nos informa a Wikipédia: “As águas residuais podem ser transportadas por tubulações diretamente aos rios, lagos, lagunas ou mares ou levados às estações de tratamento, e depois de tratadas, devolvidas aos cursos d’água. O esgoto não tratado pode prejudicar o meio ambiente e a saúde das pessoas. Os agentes patogênicos podem causar doenças como a cólera, a difteria, o tifo, a hepatite e muitas outras. A solução é um sistema adequado de saneamento básico que pode ou não incluir uma Estação de Tratamento de Águas Residuais, conforme o caso a ser estudado”. E foi aí que Brasilino situou um dos principais fatores do avanço da longevidade humana no século XX: o saneamento básico, que elevou a expectativa de vida de 37 a 70 anos. Praticamente uma nova vida a ser desfrutada.

Então, por analogia ao que vimos na “rede elétrica”, bastará abrir uma torneira em nossa casa para que acessemos, de imediato, um produto tão necessário à higiene, à segurança, à saúde, enfim ... à vida. E por detrás dessa trivial manobra existe uma complexa infraestrutura tecnológica e todo um trabalho de logística faz-se presente. Aberto o registro, imediatamente o valioso fluido, com sua pressão até então contida num impressionante sistema de registros, dutos e reservatórios, e com sua qualidade referen-ciada a padrões nacionais e internacionais, passa a percorrer extensos caminhos desde os mananciais de abastecimento, passando pelas estações de tratamento, pelas adutoras até jorrar cristalina em nossas torneiras e vasos sanitários. E a conceber, planejar, projetar, construir e operar essa “rede” estão sempre os engenheiros, embora que à frente dos órgãos responsáveis – as empresas de águas e saneamento - apareçam os “políticos de plantão”, que geralmente creditam a si próprios os resultados gerenciais e políticos dos “serviços”, mas debitam aos chamados “técnicos” os problemas estruturais e operacionais que eventualmente ocorrem.

As reflexões de Brasilino foram interrompidas pelo tilintar de um telefone (foi o fixo ou o celular?). Atendeu. Era um funcionário da empresa fazendo um teste na linha. Mas poderia ter sido seu filho que estudava em outro Estado. Ou algum telemarketing oferecendo-lhe algum novo produto ou pro-

curando entrevistá-lo. Ou, quem sabe, a secretária do diretor de sua Escola (especializada na prepara-ção de jovens vocacionados às profissões da área tecnológica) perguntando-lhe se já havia acessado a “caixa de mensagens” de seu email naquela manhã. Naquele momento Brasilino percebeu um novo tipo de envolvimento com as “oportunidades de seu tempo”. Sentiu-se conectado ao mundo. Pensou logo na sucessão incrível, e agora acelerada, de sua interface com a modernização dos meios de comunica-ção. Ele mesmo, que recentemente completou sessenta anos, testemunhou a escalada e a diversificação, ao mesmo tempo psicossocial e científico-tecnológica, dos vários tipos de mídias. No início era apenas o jornal, privilégio de poucos. Depois veio o rádio, cujas potentes ondas perpassaram praticamente todos os segmentos da sociedade. Avassaladoramente a televisão chegou para ficar, a ponto de trans-formar-se no eletrodoméstico mais desejado. Mas o fenômeno mais característicos destes tempos foi, sem dúvida, o advento e a exponencial progressão da internet. Ela revolucionou hábitos e costumes e inscreveu Brasilino nesse importante clube denominado “aldeia global”. E dos vários profissionais a

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serviço da sociedade quais seriam os mais vocacionados e capacitados para enfrentar os “desafios e oportunidades” que se apresentam a essas mídias? Quer seja mantendo-as em condições operacionais sempre adequadas ou desenvolvendo-as muitas vezes além da imaginação?

Antes de sair da cozinha, Brasilino viu, colada na porta da geladeira, uma lista de compras para o super-mercado: frutas, verduras e outros produtos do campo. Mas o que ele sentiu ali, ao manuseá-la naquela manhã de inusitada compulsão tecnológica, foi uma agradável sensação relacionada ao progresso de nosso setor agropecuário. É verdade, pensou ele, hoje estamos entre os maiores produtores mundiais de algumas importantes commodities agrícolas. E mais, estamos conseguindo agregar crescente valor a algumas delas. Veja a laranja e outras frutas, por exemplo, somos hoje um dos grandes exportadores do suco industrializado. Da cana, hoje aproveitamos todos os seus produtos e subprodutos. Nossa sa-fra agrícola tem batido recordes a cada ano, tendo chegado a 162,1 milhões de toneladas em 2012, com perspectiva de crescimento de 10% em 2013. A balança de pagamentos penhoradamente agradece. E tudo isso por quê? Pelo trabalho dos engenheiros agrônomos, desde as pesquisas da Embrapa até as melhorias técnicas introduzidas, como se diz, “da colheita (lavoura?) ao porto, ou ao prato”. Também o trabalho dos engenheiros de alimentos merece destaque, vez que eles são cada vez mais solicitados tanto pela expansão da agroindústria, em particular, como na industrialização de alimentos, no geral, que engloba as fases do desenvolvimento, da fabricação, da conservação, do armazenamento, do transporte e da comercialização.

Como hoje estava 30 minutos adiantado, Brasilino pensou em assistir pelo menos uma parte das no-tícias da manhã. Pegou o controle de sua televisão “full HD e 3D”, uma maravilha moderna cada vez a preços mais acessíveis. Percorreu com sensação de poder alguns dos 135 canais disponibilizados

por seu provedor, sendo 32 desses em High Definition. Saiu de casa sabendo que estava nevando em Nova Iorque; que uma sonda espacial russa estava chegando aos confins do universo; que a cotação da soja na Bolsa de Chicago sofrera pequena elevação; que os cronogramas da construção dos estádios da Copa 2014 estavam adiantados, a maior parte, ou recuperando seus atrasos; que o Conselho Monetário Nacional havia reduzido em mais 5% as taxas de juros; que uma empresa de televendas estava oferecen-do tablets a preços altamente convidativos; que o boletim meteorológico prometia “chuvas e trovoadas” no fim do dia. Considerou-se um privilegiado por poder lidar com tal diversidade de informações, mas, muitas vezes se perguntava sobre a real utilidade disso. A não ser a de mostrar-se sempre atualizado em suas relações profissionais.

Sorriu para si mesmo, pegou a chave do carro e foi para a garagem.

Embora com três anos de uso, seu carro ainda estava “inteiraço”, mercê das atenções que lhe eram diligentemente dispensadas: revisões programadas, direção cuidadosa, check-up eletrônico e um curriculum de “zero multas”. Assim que tomou assento, um automatismo biotecnológico fez-se

presente, e como num passe de mágica e poucas ações, foi acionada a partida, ligado o rádio, regulada a temperatura do ar condicionado e ativado o GPS. Apesar de conhecer muito o trajeto a ser percorrido

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entre a sua casa e o local de trabalho, Brasilino acostumara-se a seguir as indicações daquela enge-nhoca, uma das recentes e úteis maravilhas do mundo atual. E graças a ela, todo fim de semana ele faz fantásticas viagens virtuais. É verdade, acessando o Google Earth ele marca trajetórias desde a sua casa aos mais exóticos recantos do planeta. E quando reflete sobre a tecnologia envolvida, desde o sim-ples toque na tela “touch screem” de seu desktop até o efeito zoom aplicado aos sítios procurados, fica impressionado com os recursos que lhe são disponibilizados a custos tão razoáveis.

Ao chegar na Escola, eis que outra inovação tecnológica se apresentou: o ponto biométrico, um peque-no artefato eletrônico que registra as impressões digitais dos empregados e, nos vários momentos da prefixada jornada diária de trabalho, as compara com as originais armazenadas. Virou rotina. Somente os “veteranos” ainda se lembram de coisa distinta, tal como o relógio ponto mecânico e, para os “ju-rássicos”, o “ponto assinado”. Mas, pensou ele, nestes novos tempos, em muitas áreas de trabalho, até mesmo esse ponto biométrico já está superado. O que interessa controlar não é mais a presença física do “trabalhador”, mas sim a realização do trabalho contratado “no prazo certo, de acordo com as espe-cificações fornecidas e na qualidade desejada”.

Em seguida dirigiu-se à sala de aula onde a primeira turma do dia lhe aguardava. Assim que entrou, na sequência dos “devaneios tecnológicos” a que se propusera naquela manhã, lembrou-se que na sua época de aluno a primeira coisa a ser feita pelo professor era a “chamada oral”. Hoje, no seu

colégio, os alunos já registram suas presenças com cartões magnéticos. E o professor, pouco uso faz do “quadro negro”, vez que a maioria das salas é dotada de “estações de trabalho informatizadas” (pro-jetor, notebook e telão) e “lousa eletrônica”. Isso, entretanto, se de um lado facilita a apresentação das matérias, de outro exige um esforço maior por parte dos mestres, como a realização de pesquisas mais abrangentes e a aplicação de adequadas metodologias de ensino-aprendizado. Nesse momento lembrou-se do que lhe dissera, ha alguns dias, um colega professor: “nossa maior compulsão é a ‘obrigação de saber’, pois hoje nossos alunos não apenas procuram na internet as respostas às questões acadêmicas que lhes são propostas mas também, e aí deveremos estar sempre preparados, as indagações que nos farão sobre os conteúdos avançados do que lecionamos ”. E foi pensando nisso que Brasilino decidiu-se sobre a lição que apresentaria naquele dia: falaria sobre a proto-história da moderna ciência e tec-nologia, ou seja, sobre as invenções precursoras, aquelas que mudaram a história do mundo, também denominadas de “as Seis Máquinas Fundamentais”: o plano inclinado, a cunha e a alavanca (que incluem movimento linear) e a roda, a roldana e o parafuso (que incluem movimento circular). Todas, de forma simples ou conjugada, desenvolvendo ações e produzindo efeitos principalmente de ordem mecânica. Essas invenções elementares, que ainda estão presentes em quase toda a maquinaria atual, de há muito começaram a ceder espaço para outras e notáveis invenções que as potencializam, mercê da incorpora-ção de novos elementos que utilizam novos princípios e produzem novos efeitos, tais como: térmicos, pneumáticos, eletroeletrônicos, magnéticos, físicos nucleares, e outros mais que a evolução científica e tecnológica e, especialmente, as tecnologias de informática têm disponibilizado. Mas a memória das Seis Máquinas Fundamentais deve ser resgatada, para servir aos alunos como as referências iniciais do intenso e diversificado processo de inovações ora em curso.

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Manuel Matias, aluno aplicado, aguardou o término do exercício-aula apresentado e foi logo perguntando: Professor, posso falar?

- Claro Matias, fale!

- É que, enquanto transcorriam suas explicações, que acompanhei com grande interesse, e usando meu “tablet”, acessei o site da Kahn Academy e lá encontrei inúmeros “vídeos-aula” sobre as tais de “má-quinas fundamentais” e os papéis que elas passaram a desempenhar, como “elementos construtivos estruturantes”, no desenvolvimento tecnológico ao longo da história.

- Muito bem Matias, e já que você avançou tanto em tão pouco tempo vou lhe encomendar um “trabalho de casa”: selecionar algumas dessas “aulas” e apresentá-las em um seminário que faremos na próxima semana. Bernardo e Antônia deverão cuidar da segunda parte da pesquisa: esclarecendo de que forma o gênio humano passou a servir-se dessas invenções para facilitar o seu trabalho e catapultar a produção.

Há tempo que Brasilino não se entusiasmava tanto, e foi com o ânimo exaltado que ele, após ter concluído as aulas da manhã, recolheu-se à sala que compartilhava com Jorgito Flores, um compe-tente engenheiro civil e recém contratado para lecionar a disciplina “Introdução à Engenharia”.

Na parede estavam expostos cinco fotos-painéis de obras de engenharia, que na forma de slides eram apresentadas aos alunos na exposição “power point”. As imagens apresentadas foram escolhidas para mostrar a importância da profissão de engenheiro e, certamente, para despertar vocações. Eram pré-dios, pontes, viadutos, túneis e o estádio de futebol. Com essas fotos, Jorgito quis motivar a turma com empreendimentos para eles mais visíveis, com os quais eles diariamente cruzavam ao se movimentarem na “trama urbana” da cidade. Depois de referir-se às obras, ele discorria sobre elas, sobre as dificulda-des de suas concepções, sobre os problemas superados para executá-las, sobre o relevante papel que passavam a desempenhar uma vez entregues ao uso e sobre os cuidados que requeriam para continua-rem sólidas e seguras. Jorgito dizia que eles deveriam orgulhar-se delas, que transformavam a cidade, “a cidade de todos nós”, em algo dinâmico em permanente interação com cada um.

- O que houve Brasilino, você parece ter escutado o “canto das sereias”?, disse Jorgito ao ver o amigo tão bem disposto.

- Acontece que hoje levantei com uma compulsão: perceber e registrar as relações, diretas e/ou indiretas, de um cidadão comum diante das imensas possibilidades tecnológicas do meio em que vive. Assim, ao longo deste dia, cada vez que uma dessas relações está sendo percebida, estou sendo tomado por um estranho desejo de comemorá-la. E esse sentimento é tão forte que me aflora à face, como você percebeu no exato momento em que vislumbrei os teus painéis. Eles são uma prova eloquente de como essas “possibilidades” têm servido ao homem moderno.

- Elogiável a tua intenção, de registrar essas relações. Na verdade, já nos acostumamos de tal forma

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com essa parafernália de inventos, ferramentas, mecanismos e sistemas que a maior parte dela passa desapercebida em nosso dia-a-dia. Porém, quando as notamos, nem sempre estabelecemos com elas uma relação amigável. Por quê? Porque sua aplicação pode estar fora dos limites dos padrões es-tabelecidos de sustentabilidade ecológica e social, por exemplo.

- Por exemplo? Então exemplifique, pediu Brasilino já meio incomodado ao imaginar que a tecnologia nem sempre “é do bem”. - Vou exemplificar com os empreendimentos apresentados nos painéis desta sala. Um prédio, até por sua relativa singeleza, deve ter sempre um projeto de qualidade e ser referenciado a uma determinada loca-lização: solo, subsolo, orientação, insolação, ventilação e outras condições mais. Veja você, como muitas vezes acontece, devido aos interesses menores que às vezes acompanham a especulação imobiliária, nem sempre esses pré-requisitos são atendidos, em flagrante prejuízo à utilização e à habitabilidade dessas construções. E o que é pior, justamente nos conjuntos habitacionais mais modestos é que as distorções mais graves se evidenciam: construções em regiões inundáveis, em encostas perigosas, com urbanização deplorável, projetos incompletos, materiais fora das especificações, preços exorbitantes e, muitas vezes, execuções temerárias. Pode?

- Poder não pode, mas eles estão aí. E essas falhas revelam-se a todos quando as condições atmosfé-ricas mais rigorosas as põem à prova. Mas, reconheçamos, nesses casos não é a tecnologia que é má, são seus aplicadores que são ineptos ou mal intencionados. Por isso é que os engenheiros – tanto por dever de ofício como por compromisso ético-cidadão - devem ter sempre presente, quando qualquer tecnologia for aplicada, os “interesses sociais e humanos nela envolvidos”. Aliás, foi justamente isso que fez o legislador de 1966 quando aprovou a Lei 5.194/66, e nela insculpiu o art. 1º que diz:

“As profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo são caracterizadas pelas reali-zações de interesse social e humano que importem na realização dos seguintes empreendimentos:

a) aproveitamento e utilização de recursos naturais;

b) meios de locomoção e comunicações;

c) edificações, serviços e equipamentos urbanos, rurais e regionais, nos seus aspectos técni-cos e artísticos;

d) instalações e meios de acesso a costas, cursos, e massas de água e extensões terrestres;

e) desenvolvimento industrial e agropecuário.”

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- É verdade, serão a qualificação profissional, o comprometimento ético e a responsabilidade so-cial do engenheiro que o posicionarão, previamente, sobre os efeitos da tecnologia que lhe cabe aplicar. Talvez mal comparando, nesse caso a tecnologia é como uma arma nas mãos de um agente da lei, em defesa da ordem, ou nas de um malfeitor, ao delinquir. Pode servir tanto ao “bem” como ao “mal”. E, com os devidos reparos, poderemos estender esse exemplo às demais obras de engenharia, ou seja, às pontes, aos viadutos, aos túneis e a estádio de futebol. Na realidade, Jorgito continuava a argumentar, hoje estamos de tal forma “imersos” num ambiente impregnado de tecnologias que as mesmas ficaram completamente banalizadas diante de nossa observação, e nós deixamos de assumir diante delas um posicionamento mais crítico, sempre necessário. Até que ponto isso é bom, é o que pergunto a você que, além de historiador, está se mostrando um verdadeiro sociólogo da tecnologia? E abrindo um livro que estava sobre a sua mesa, leu o seguinte trecho de autoria do Engº Hermez Ferraz:

Nossa responsabilidade social exige que não cometamos a ingenuidade de alimentar a espe-rança de que outros, sociólogos, políticos, psicólogos venham corrigir os erros decorrentes da tecnologia triunfante, mas cega e imprevidente. Não é essa esperança que nos norteia, mas sim o exercício decidido de uma engenharia humana, voltada para os problemas da organização de uma sociedade capaz de proporcionar justiça social, ou seja, de uma sociedade verdadeira-mente humana.

- Pois é, Jorgito, é aí que “a porca torce o rabo”. Se fôssemos apenas teorizar essa questão, inevitavel-mente cairíamos na discussão filosófica e sociológica do “valor” e da “utilidade” das tecnologias, e após uma ampla pesquisa poderíamos invocar os autores das várias teorias sobre a aplicabilidade dessas expressões. Mas não é o nosso caso, na verdade queremos conhecer o seu sentido prático, a influência crescente que as realidades que elas representam ou procuram transmitir passaram a exercer na vida dos cidadãos comuns. E como essas realidades têm conseguido se internalizar na consciência dos mesmos, a ponto de representar importantes estímulos ao progresso individual e coletivo.

Durou algum tempo ainda essa discussão, e só não mais perdurou porque “tocou a sirene” avisando o término do expediente daquele dia. Eles se despediram prometendo continuar de onde pararam, e que cada um se esforçaria para trazer outras contribuições para o melhor esclarecimento de “tão

importantes questões”.

Cada um tomou seu rumo, mas a nós interessou continuar acompanhando a trajetória de Brasilino, que assumiu o seu “possante” em estado de euforia, tais foram as emoções que o dia estava lhe proporcio-nando. Ele que se propusera a “inventariar” a verdadeira invasão tecnológica na vida diária dos “homens comuns” sentia que “o mundo conspirava a seu favor”, pois a tecnologia se lhe apresentava, a todo momento, em suas mais multicoloridas roupagens, qualquer que fosse a direção e o sentido de sua observação.

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Com a fera mecânica domesticada e ao seu dispor, saiu rodando. Desta vez, porém, notou que seus sen-tidos mostravam-se mais aguçados que em outros dias: sentiu um leve tremor vindo do subsolo, ouviu o som atenuado de uma aeronave que, perto dali, decolava e viu passar a seu lado, vagarosamente, os veículos que enfrentavam um tráfego cada vez congestionado nas horas de rush. E a primeira ideia que lhe ocorreu naquele momento foi a de aproveitar o tempo que durava o seu penoso périplo diário de “retorno ao lar” para, pelo menos, tentar decodificar aqueles sinais captados. O “leve tremor”, intuiu ele, foi causado pela passagem do metrô, o mais recente equipamento urbano colocado à disposição de sua cidade, que promete atender, no médio prazo, com a expansão de suas linhas, a grande demanda de transporte coletivo da população. Na realidade um metrô é um complexo de diversificadas e sofisticadas tecnologias, sem o qual a mobilidade nas cidades sofrerá uma progres-siva deterioração de seus indicadores. E no planejamento, no projeto, na execução e na operação desse complexo atuaram e atuam engenheiros de várias especializações, todos eles comprometidos com as rigorosas normas que regulamentam esse tipo de empreendimento bem como com as exigências da con-tínua qualificação profissional requeridas nessa área. E não são desprezíveis as influências de caráter psicossocial que essa modalidade de transporte exerce junto à população, de certa maneira nivelando as classes na dinâmica diária da mobilidade urbana.

O que “ouviu” o deixou sobremaneira preocupado. É que, embora as aeronaves modernas, que operam de forma cada vez mais intensa, procurem controlar cada vez mais o nível sonoro de seus motores, este é ainda um fator de muita perturbação da tranquilidade dos que moram nas proximidades dos aeropor-tos. Assim, aeronaves, aerovias, terminais de carga e de passageiros, controle de trafego aéreo, infra-estruturas de todas as ordens, sistemas de segurança e informações, prevenção e combate a incêndios e demais operações compõem um outro complexo cujas tecnologias são igualmente diversificadas e sofisticadas, e que, permanentemente, desafiam a capacidade e a criatividade dos engenheiros. Alguém tem alguma dúvida disso?

Mas foi o que ele “viu” naquele momento que lhe causou as maiores apreensões. Viu-se aprisionado na trama urbana, sem poder movimentar-se em nenhuma direção, literalmente preso numa das muitas armadilhas que o trânsito indisciplinado espalhara por diversos pontos da cidade. Aí lembrou-se, entre imprecações e resignações, de um artigo que havia lido nos últimos dias sobre “A engenharia de trafe-go, como último recurso?”. Na ocasião, Brasilino tinha dado pouca importância à matéria, pois para ele a engenharia de tráfego sempre fora, ou deveria ter sido, o primeiro recurso a ser cogitado pelo admi-nistrador municipal no gerenciamento eficaz da mobilidade urbana. E como isso não tinha acontecido em sua cidade, ela era agora apresentada agora como o último recurso, verdadeira “tábua de salvação”. É a velha história, quando a engenharia não é acionada no início, por incúria dos responsáveis, geralmente com soluções mais racionais e custos mais reduzidos, ela, invariavelmente, é convocada nos momentos de “crise”, em que as soluções são mais complexas e os custos alentados. É quando os apadrinhados leigos cedem lugar aos profissionais especializados (não raro como “bodes expiatórios”), pelo menos até que as coisas se normalizem. Quem ainda não assistiu a esse filme?

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Bela reflexão, pensou! E complementou, é pena que ela tenha acontecido na mente individual e não tenha sido o resultado de um exercício coletivo de concidadãos. Tal resultado seria o mínimo a se exigir em se tratando de questões tão caracteristicamente relacionadas aos interesses urbanos

e republicanos.

Brasilino, que era dado a reflexões filosóficas, lembrou-se naquele momento de uma das lições de Ortega y Gasset sobre a diferença existente entre “as ideias quando consideradas no plano individual e no plano coletivo”. No primeiro caso os indivíduos dominam as ideias e fazem delas os instrumentos de seus interesses. No segundo caso é a ideia que domina os indivíduos, que passam a perseguir os obje-tivos para os quais elas apontam. Bela teoria, pensou ainda! Na prática, entretanto, principalmente nas sociedades terceiro-mundistas, muitas vezes os interesses individuais, ou de grupos, prevalecem diante dos interesses coletivos, que mais cedo ou mais tardem pagam o preço dessa “distorção socioeco-nômica”. E tal situação fica clara quando é feito um estudo retrospectivo com o mínimo de seriedade técnica e consistência metodológica sobre os principais atos e fatos relacionados ao desenvolvimento sustentável de nossas cidades.

Fechou o sinal. Aquela cor vermelha que apareceu no semáforo produziu um duplo efeito: acionou ime-diatamente os “mecanismos inconscientes” do motorista, que freou o carro e, simultaneamente, deu um “break” nas reflexões de Brasilino. Afinal, no trânsito caótico de nossas cidades toda a atenção

é pouca!

Abriu o sinal, e um leve sorriso foi esboçado. Eis que, à cor verde associamos um certo grau de liberda-de. Aceleramos e experimentamos aquela agradável sensação de movimento. E os neurônios também se colocaram em marcha, mas agora pautados por um diferente “insight”: quão árdua tem sido a tarefa dos “engenheiros” para manter os complexos que criaram e quão difícil tem sido a adaptação do homem co-mum a esses novos sistemas e engenhocas? E o que dizer sobre os resultados disso? Uma progressiva liberação das sujeições históricas ou uma inconsciente submissão a condicionamentos não percebidos?

Era demais! Brasilino precisa ordenar melhor aquele intenso fluxo de ideias que perpassavam seus neurônios, para que eles não imitassem o congestionamento dos veículos motores ao seu redor! Era demais! Amanhã, provavelmente, um jornal da cidade de São Paulo estamparia em sua manchete: “deze-nas de quilômetros de congestionamento”, pensou Brasilino. E o pior: tudo indica que esta situação irá agravar-se cada vez mais. Afinal, a política do governo federal cumula de benefícios fiscais a indústria automobilística, ao mesmo tempo em que pouca atenção dá ao transporte coletivo. Mas não apenas de “soluções estruturais“ depende a melhoria geral da mobilidade urbana, também à engenharia de tráfego está reservado um papel relevante. Pelo menos, ao que se sabe, é o que acontece em algumas cidades, tanto no Brasil como no exterior.

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Engenharia de tráfego, o que sabemos dela? Existem engenheiros de tráfego? Onde são formados? E a pergunta que não quer calar, pode existir engenharia de tráfego sem engenheiros de tráfego? Pos-suem essa expertise aqueles profissionais que trabalham nas poucas “Companhias de Engenharia de

Tráfego” no Brasil? E será que essas, privilegiadamente, conseguiram se livrar daquele poderoso virús, conhecido popularmente como “QI” (Quem Indica)?

Perguntas e mais perguntas sacudiam a tranquilidade de Brasilino naquele congestionamento, mas o melhor vinha sempre na sequência: sua memória privilegiada, que desta vez lhe valeu recordando a definição de engenharia de tráfego que o colega Jorgito Flores havia lhe passado. Segundo Jorgito: “EngEnharia dE TráfEgo é o sETor da EngEnharia quE TraTa do planEjamEnTo E do dEsEnho gEoméTrico das ruas, das EsTradas dE rodagEm, das opEraçõEs dE TráfEgo, dE TErminais, dos TErrEnos adjacEnTEs, E Também da inTEgração com ouTros modos dE Trans-porTE, Tudo visando proporcionar a movimEnTação sEgura, EficiEnTE E convEniEnTE das pEssoas E das mErcadorias”. E TEm mais, Essa é uma imporTanTE árEa dE aplicação dos procEssos dE “planEjamEnTo E dEsEnvolvimEnTo Em EngEnharia”, ou seja, quando as demandas urbanas precisam ser previstas e equacionadas com cada vez maior antecedência. A an-títese disso é o que se observa atualmente: processos eleitoreiros e improvisações oportunísticas, imediatistas e pouco eficazes, mas, sempre, altamente consumidoras de recursos públicos (de todas as ordens).

Eis mais uma das áreas de aplicação da engenharia que, geralmente, passa ao largo das cogitações dos dirigentes municipais, mesmo nas cidades de maior porte, e que, nem de perto perturba o sono dos edis. Por isso aqueles que vivem nas cidades estão pagando um preço tão alto.

Mas ao pensar nessas “autoridades municipais”, que também transitam pela trama urbana, e também nela ficam “aprisionados”, uma preocupação a mais instalou-se na cabeça de Brasilino: será que vai chover? O céu estava encoberto por nuvens plúmbeas, e o som de uma trovoada ao longe já podia ser escutado. Era o pior que poderia acontecer naquele horário, pensou, pois nem uma boa engenharia de tráfego ajudaria se uma chuva mais forte caísse. Eis que a infraestrutura urbana revelaria outra de suas grandes deficiências: o deficiente escoamento das águas pluviais, com o rápido alagamento de grandes áreas e, aí sim, a paralização total do tráfego. O que ele precisaria agora era de uma boa previsão meteorológica. E lembrou-se que os meteorologistas, cada vez mais qualificados, também integravam o sistema profissional dos engenheiros (A meteorologia é uma das ciências que estudam a atmosfera terrestre, que tem como foco o estudo dos processos atmosféricos e a previsão do tempo. Estuda os fenômenos que ocorrem na atmosfera e as interações entre seus estados dinâmicos, físico e químico, com a superfície terrestre subjacente).

E por que pensou nos edis? Porque esses representantes municipais, como se sabe, ou melhor, não se sabe porque, dão muito pouca atenção às obras que são diretamente afetadas pela ação das intempé-ries, como o permanente desassoriamento dos rios urbanos, o adequado dimensionamento e implanta-ção de novas galerias de águas pluviais, a manutenção das “bocas de lobo” e bueiros, a construção de

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Brasilino olhou para os lados. Tudo bem. Acionou o comando de seu portão eletrônico. Entrou na gara-gem, que alívio, e finalizou seu insight automobilístico do dia: “amanhã continuarei a listar as demais áreas (afinal, após considerar uns vinte títulos profissionais, ele estava ainda muito longe dos mais

de 300 existentes, relacionados na Resolução 473/2002, do Confea – atualizada em 2012).

Mas isso é OUTRA ESTÓRIA.

“piscinões”, etc. Mas, pasmem, a falta dessas obras de infraestrutura e de saneamento básico é o que, com maior frequência, mais penaliza as populações carentes, e muitas vezes com prejuízos totais. E nesses casos somente uma providência atenua a persistente falta de uma previdente engenharia pública: a solidariedade da população, acompanhada pelas tímidas ações da Defesa Civil.

Brasilino demorou quase uma hora para chegar a seu bairro. Deu tempo para revisitar as principais reflexões do dia e planejar as do dia seguinte. Eis que, motivado por alguns comentários apresenta-dos na rádio que ouvia, pelos out-doors cujas mensagens captava e de algumas interrelações que

não parava de construir em sua mente foi mapeando algumas áreas da engenharia que ainda não tinham sido consideradas naquele dia, mas que, com toda a certeza, exerciam expressivas influências sobre nossas vidas e contribuíam para agigantar o percentual do PIB sob a direta ou indireta responsa-bilidade dos engenheiros.

Dai surgiu, mais do que uma listagem, uma pré-reflexão que poderia ir muito longe se não tivesse pa-rado em frente ao portão de sua casa. Mas deu tempo ainda de anotar os seguintes lembretes: “Para amanhã, pesquisar as influências das seguintes áreas: engenharia de pesca (operando num dos mais extensos e piscosos litorais), a engenharia ambiental (à serviço de nossa extraordinária biodiversida-de), a engenharia biomédica (despontando promissoramente como importante suporte tecnológico à saúde), a engenharia de produção (otimizando as dimensões do sistema produtivo nas mais diferentes organizações e ocupando-se das atividades de projetar processos, viabilizar estratégias, planejar a pro-dução, produzir e distribuir produtos), a engenharia mecatrônica (formando profissionais habilitados a trabalhar nas interfaces da mecânica com a eletrônica, softwares e controles), a engenharia do petróleo (bastaria citar o Pré-sal para caracterizar a crescente demanda de profissionais nessa área). E tem mais: geólogos, geógrafos, florestais ...

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Ah, em tempo, o professor Brasilino ficou de tal forma satisfeito com o “trabalho de casa“ enco-mendado a Matias, Bernardo e Antônia, e apresentado em seminário, que decidiu transformar as próximas aulas em “outros seminários” pautados para a discussão de alguns dos mais importantes

temas da “tecnologia em favor da sociedade”. Assim, e lembrando-se dos estudos que há tempos fizera sobre a Agenda 21 Brasileira, constituiu mais quatro grupos atribuindo-lhes o desenvolvimento dos se-guintes temas (sempre precedidos pela interrogação “como discutir?”):

- a matriz energética;- a malha de transportes;- o saneamento básico; e- o desenvolvimento sustentável.

Não será difícil adivinhar quão proveitosas foram essas apresentações e a visão geral da infraestrutura brasileira que, a partir dali, se instalou.

Engenheiro Eletricista Edison Flavio Macedo