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A PERSISTÊNCIA DA ANEMIA NO BRASIL CENTRAL: O CASO DAS CRIANÇAS INDÍGENAS XAVANTE Aline A. Ferreira 1 ; Luana D. Nascimento¹; Renata M. Lima²; Mayara E. Borges²; James R. Welch³; Carlos E. A. Coimbra Jr.³ Introdução Dentre os países latino-americanos, a população indígena é um dos grupos mais desfavorecidos e acometidos pela anemia. Esse cenário é comumente às condições de vida precárias e altas taxas de mortalidade e morbidade que apresentam, quando comparados aos não indígenas 1 . No Brasil, segundo o I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado em 2008-2009, mais da metade (51,4%) das crianças indígenas < 5 anos apresentavam anemia 2 . Objetivo O presente estudo tem como objetivo comparar o perfil de anemia de crianças indígenas Xavante de duas aldeias do Brasil Central ao longo de 49 anos. População e Métodos Os Xavante constituem uma numerosa etnia indígena, com cerca de quinze mil pessoas na época da pesquisa e habitando nove terras indígenas demarcadas, localizadas na região nordeste de Mato Grosso, Brasil (Figura 1). Ainda que não seja a mais populosa, a Terra Indígena Xavante Pimentel Barbosa é a maior em dimensão territorial e a que apresenta as mais elevadas taxas de fecundidade, o que se traduz na maior proporção de jovens <15 anos na população 3 . Os Xavante apresentam um histórico de anemia que acompanha o quadro do restante da população indígena do país, porém com particularidades que diferem entre si devido a localização, território, diferenças socioeconômicas, entre outros. Foi realizado um inquérito populacional e coletados dados de demografia e anemia de todas as crianças Xavante < 10 anos em 2011 nas aldeias Xavante de Pimentel Barbosa e Etênhiritipá, visando o universo da população. O diagnóstico da anemia foi realizado pela concentração de hemoglobina (aparelho Hemocue Hb 201 +), empregando-se os pontos de corte propostos pela Organização Mundial de Saúde4. Os dados foram comparados a inquéritos anteriores realizados por outros pesquisadores na mesma comunidade nos anos de 1995 e 19625. Foi utilizado o software estatístico R 3.0.1 para o cálculo do qui-quadrado para análise das diferenças das proporções de anemia entre sexo, grupos de idade e ao longo do tempo (significância = 5%). Fotos: Aline A. Ferreira Fotos: Aline A. Ferreira Figura 2: Fotos das aldeias indígenas Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa. Mato Grosso, Brasil, 2011 Figura 1: Localização das Terras Indígenas Xavante e foto aérea da Terra Indígena Pimentel Barbosa. Mato Grosso, Brasil. Fonte: Google Maps® 1. Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (INJC/UFRJ); 2. Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (IESC/UFRJ); 3. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ). Rio de Janeiro, Brasil Contato: [email protected] Fonte: Grafismo vermelho 2 da mostra fotográfica individual Cristina Flória " Pio Uptabi - a mulher Xavante" Fotos: Aline A. Ferreira

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A PERSISTÊNCIA DA ANEMIA NO BRASIL CENTRAL: O CASO DAS

CRIANÇAS INDÍGENAS XAVANTE

Aline A. Ferreira1; Luana D. Nascimento¹; Renata M. Lima²; Mayara E. Borges²; James R. Welch³; Carlos E. A. Coimbra Jr.³

Introdução

Dentre os países latino-americanos, a população indígena é um dos grupos mais

desfavorecidos e acometidos pela anemia. Esse cenário é comumente às condições de vida precárias e altas taxas de mortalidade e morbidade que apresentam, quando comparados aos não indígenas1.

No Brasil, segundo o I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado em 2008-2009, mais da metade (51,4%) das crianças indígenas < 5 anos apresentavam anemia2.

Objetivo

O presente estudo tem como objetivo comparar o perfil de anemia de crianças indígenas

Xavante de duas aldeias do Brasil Central ao longo de 49 anos.

População e Métodos

Os Xavante constituem uma numerosa etnia indígena, com cerca de quinze mil pessoas na

época da pesquisa e habitando nove terras indígenas demarcadas, localizadas na região nordeste de Mato Grosso, Brasil (Figura 1). Ainda que não seja a mais populosa, a Terra Indígena Xavante Pimentel Barbosa é a maior em dimensão territorial e a que apresenta as mais elevadas taxas de fecundidade, o que se traduz na maior proporção de jovens <15 anos na população3.

Os Xavante apresentam um histórico de anemia que acompanha o quadro do restante da população indígena do país, porém com particularidades que diferem entre si devido a localização, território, diferenças socioeconômicas, entre outros.

Foi realizado um inquérito populacional e coletados dados de demografia e anemia de todas as crianças Xavante < 10 anos em 2011 nas aldeias Xavante de Pimentel Barbosa e Etênhiritipá, visando o universo da população. O diagnóstico da anemia foi realizado pela concentração de hemoglobina (aparelho Hemocue Hb 201 +), empregando-se os pontos de corte propostos pela Organização Mundial de Saúde4. Os dados foram comparados a inquéritos anteriores realizados por outros pesquisadores na mesma comunidade nos anos de 1995 e 19625. Foi utilizado o software estatístico R 3.0.1 para o cálculo do qui-quadrado para análise das diferenças das proporções de anemia entre sexo, grupos de idade e ao longo do tempo (significância = 5%).

Fotos: Aline A. Ferreira

Fotos: Aline A. Ferreira

Figura 2: Fotos das aldeias indígenas Xavante, Terra Indígena Pimentel Barbosa. Mato Grosso, Brasil, 2011

Figura 1: Localização das Terras Indígenas Xavante e foto aérea da Terra Indígena Pimentel Barbosa. Mato Grosso, Brasil.

Fonte: Google Maps®

1. Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro (INJC/UFRJ); 2. Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (IESC/UFRJ); 3. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ). Rio de Janeiro, Brasil

Contato: [email protected]

Fonte: Grafismo vermelho 2 da mostra fotográfica individual Cristina Flória " Pio Uptabi - a mulher Xavante"

Fotos: Aline A. Ferreira

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Considerações Finais

A anemia constitui importante desafio de saúde nas crianças indígenas, observando-se

prevalências bastante superiores àquelas do restante da população brasileira na mesma faixa etária.

A persistência de elevados níveis de anemia nas crianças Xavante, sinaliza a disparidade no perfil de saúde entre indígenas e a população brasileira não-indígena. Esse cenário mantém-se ao longo do tempo, sugerindo que os programas de suplementação de ferro e demais políticas públicas atuais para o combate à anemia atingem de forma desigual a população. Conforme evidenciou o I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, mais da metade das crianças (51,3%) investigadas não receberam nenhum tipo de suplementação nos três meses que antecederam à pesquisa2.

Referências

1. Khambalia AZ, Aimone AM, Zlotkin SH. Burden of anemia among indigenous populations. Nutr Rev. 2011;69(12):693–719. 2. Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PC, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of

Indigenous People’s Health and Nutrition. Nutr J. 2013;12(69):1–22. 3. Welch, J. R. et al. Na primeira margem do rio: território e ecologia do povo Xavante de Wedezé. 2013 4. WHO. Iron Deficiency Anaemia Assessment, Prevention, and Control - A guide for programme managers [Internet]. WHO/NHD/01.3.; 2001

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Figura 3: Prevalência de anemia em crianças indígenas Xavante < 10 anos, desde a década de 1960. Terra Indígena Pimentel Barbosa, 2011. Mato Grosso, Brasil.

Figura 4: Prevalência de anemia em crianças indígenas Xavante < 10 anos, de acordo com sexo, desde a década de 1960. Terra Indígena Pimentel Barbosa, 2011. Mato Grosso, Brasil.

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Figura 5: Prevalência de anemia em crianças indígenas Xavante < 5 anos, nos anos 1995 e 2011, de acordo com Inquérito Nacional com crianças não-indígenas realizado em 2006 (PNDS). Terra Indígena Pimentel Barbosa, 2011. Mato Grosso, Brasil.

A prevalência global de anemia não diferiu significativamente ao longo de 49 anos (51,2% vs. 66,7%, respectivamente, p = 0,321), reduzindo pouco ao longo de quase 50 anos (Figura 3).

As crianças < 2 anos, foram o grupo etário que apresentaram a maior prevalência de anemia em 2011 (66,7%, ambos os sexos). Não há registro de anemia para esse grupo etário nos anos anteriores.

As meninas apresentaram a maior proporção quando comparadas aos meninos (Figura 4). Porém essas diferenças não foram significativas em nenhum dos anos (p > 0,05).

Quando se compara o último Inquérito populacional do Brasil que aferiu a anemia em crianças < 5 anos, mas não incluiu o segmento populacional indígena, percebe-se uma diferença expressiva nos valores percentuais de anêmicos (Figura 5).

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(2006)

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Meninos 48,9 50,6 20,4

Investigações mais profundas são necessárias, permitindo a identificação de fatores associados a esse cenário e, assim, a melhoria das condições de saneamento e de nutrição para indígenas no Brasil, diminuindo as desigualdades nos indicadores de saúde.

Apoio: CNPq e PAPES/FIOCRUZ

Fonte: Grafismo vermelho 2 da mostra fotográfica individual Cristina Flória " Pio Uptabi - a mulher Xavante"

Fotos: Aline A. Ferreira Fotos: Aline A. Ferreira