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2012.1 CIÊNCIA DAS FINANÇAS CURSO DE DIREITO FACULDADE DE RONDÔNIA - FARO

Apostila Ciência das Finanças - 2012.1

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2012.1

CIÊNCIA DAS FINANÇASCURSO DE DIREITO

F A C U L D A D E D E R O N D Ô N I A - F A R O

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9CAPÍTULO I − CIÊNCIA DAS FINANÇAS 101. DEFINIÇÃO 102. SUBSÍDIO AO DIREITO TRIBUTÁRIO E AO DIREITO FINANCEIRO 103. ENFOQUES NORMATIVO E POSITIVO DAS FINANÇAS PÚBLICAS 11CAPÍTULO II − SOCIEDADE 121. DEFINIÇÃO 122. ORGANIZAÇÃO SOCIAL 12CAPÍTULO III − O ESTADO 151. DEFINIÇÃO 152. SURGIMENTO DO ESTADO 163. EVOLUÇÃO DO ESTADO 164. AS FUNÇÕES DO ESTADO 175. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 186. JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO 197. NECESSIDADES DA SOCIEDADE 198. ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO 21

8.1 CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE FINANCEIRA.....................................................................21

8.2 FINS DA ATIVIDADE FINANCEIRA..........................................................................................22

9. EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA 22

9.1 CRESCIMENTO DAS DESPESAS PÚBLICAS..............................................................................23

9.2 TEORIA DAS FINANÇAS PÚBLICAS.........................................................................................26

CAPÍTULO IV − ECONOMIA 281. CONCEITOS DE ECONOMIA 282. MICROECONOMIA 28

2.1 DEFINIÇÃO............................................................................................................................28

2.2 TEORIA ELEMENTAR DO FUNCIONAMENTO DO MERCADO.................................................29

2.3 INTERFERÊNCIA DO GOVERNO NO EQUILÍBRIO DE MERCADO.............................................32

2.4 ESTRUTURAS DE MERCADO..................................................................................................34

2.4.1 Concorrência pura ou perfeita......................................................................................35

2.4.2 Monopólio....................................................................................................................35

2.4.3 Oligopólio.....................................................................................................................35

2.4.4 Concorrência monopolística.........................................................................................35

2.4.5 Estruturas do mercado de fatores de produção...........................................................35

2.5 A AÇÃO GOVERNAMENTAL E OS ABUSOS DO PODER ECONÔMICO NOS MERCADOS..........36

3. MACROECONOMIA 37

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3.1 DEFINIÇÃO............................................................................................................................37

3.2 OBJETIVOS DA POLÍTICA MACROECONÔMICA......................................................................37

3.2.1 Alto nível de emprego...................................................................................................37

3.2.2 Estabilidade de preços..................................................................................................38

3.2.3 Distribuição eqüitativa de renda...................................................................................39

3.2.4 Crescimento econômico...............................................................................................39

3.2.5 Dilemas de política econômica: inter-relações e conflitos de objetivos.......................39

4. INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA 40

4.1 POLÍTICA FISCAL....................................................................................................................40

4.2 POLÍTICA MONETÁRIA..........................................................................................................41

4.3 POLÍTICAS CAMBIAL E COMERCIAL.......................................................................................42

4.4 POLÍTICA DE RENDAS............................................................................................................42

5. ESTRUTURA DE ANÁLISE MACROECONÔMICA 43

5.1 ESTRUTURA DA MACROECONOMIA: OS TIPOS DE MERCADOS............................................43

5.1.1 Mercado de bens e serviços.........................................................................................43

5.1.2 Mercado de trabalho....................................................................................................43

5.1.3 Mercado monetário......................................................................................................44

5.1.4 Mercado de títulos........................................................................................................44

5.1.5 Mercado de divisas.......................................................................................................45

6. A CONTABILIDADE NACIONAL OU CONTABILIDADE SOCIAL 45

6.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................46

6.2 SISTEMAS DE CONTABILIDADE SOCIAL.................................................................................46

6.2.1 Sistema de contas nacionais.........................................................................................46

6.2.2 Matriz de relações intersetoriais (ou matriz insumo-produto ou matriz de Leontief). .46

6.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DAS CONTAS NACIONAIS....................................................................47

6.4 ECONOMIA A DOIS SETORES: FAMÍLIAS E EMPRESAS..........................................................47

6.4.1 O fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da renda...........48

6.5 ECONOMIA A TRÊS SETORES: AGREGADOS RELATIVOS AO SETOR PÚBLICO........................51

6.5.1 Receita fiscal do governo..............................................................................................51

6.5.2 Gastos do governo........................................................................................................51

6.5.3 Superávit ou déficit público..........................................................................................52

6.5.4 Renda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercado.............52

6.5.5 Renda pessoal disponível..............................................................................................53

6.5.6 Carga tributária bruta e líquida.....................................................................................53

6.6 ECONOMIA A QUATRO SETORES: AGREGADOS RELATIVOS AO SETOR EXTERNO................54

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6.6.1 Exportações e importações...........................................................................................54

6.6.2 Produto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exterior................54

6.7 O PIB COMO MEDIDA DO BEM-ESTAR..................................................................................54

6.7.1 PIB em dólares..............................................................................................................55

7 ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO - IDH......................................................................55

7.1 NOVAS MEDIDAS PARA UMA REALIDADE EVOLUTIVA......................................................56

7.2 MUDANÇAS METODOLÓGICAS.........................................................................................56

7.3 OS NOVOS NÚMEROS DO BRASIL.....................................................................................60

8 A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL....................................................................................64

8.1. GASTOS SOCIAIS NO BRASIL..............................................................................................65

8.1.1 Modelo concentrador...................................................................................................65

CAPÍTULO V − RECEITAS PÚBLICAS 671. CONCEITO 672. DEFINIÇÃO 673. RECEITA E INGRESSO 684. A RECEITA PÚBLICA NO ÂMBITO DA TEORIA GERAL DOS INGRESSOS PÚBLICOS 695. CONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICAS 696. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS 707. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DA LEI (LEI Nº 4320/64) 728. ESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICA 73CAPÍTULO VI − DÍVIDA PÚBLICA 751. DEFINIÇÃO 752. DIFERENÇA ENTRE DÍVIDA PÚBLICA INTERNA E DÍVIDA PÚBLICA EXTERNA 753. LIMITE ACEITÁVEL DA DÍVIDA 774. EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA 775. OS CREDORES DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA 796. DESTINAÇÃO DOS RECURSOS CAPTADOS POR MEIO DO ENDIVIDAMENTO 807. GASTOS COM O SERVIÇO DA DÍVIDA EM RELAÇÃO AOS GASTOS COM SAÚDE E EDUCAÇÃO

808. RELAÇÃO ENTRE TAXA DE JUROS E DÍVIDA PÚBLICA 819. FORMAS DE EXTINÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA 8110. ENTENDENDO OS CONCEITOS DE DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL 8211. SITUAÇÃO DO BRASIL EM RELAÇÃO À DÍVIDA PÚBLICA 86

11.1 DÍVIDA MOBILIÁRIA FEDERAL – INTERNA.............................................................................86

11.1.1 Dívida líquida do setor público.....................................................................................86

11.2 DÍVIDA EXTERNA...................................................................................................................87

CAPÍTULO VII − AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CRÉDITO 881. FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL – FMI 88

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1.1 HISTÓRICO............................................................................................................................88

1.2 ORGANIZAÇÃO......................................................................................................................88

1.3 FUNÇÕES..............................................................................................................................88

1.4 ESTRUTURA FINANCEIRA......................................................................................................88

2. BANCO MUNDIAL – BIRD 89

2.1 HISTÓRICO............................................................................................................................89

2.2 ORGANIZAÇÃO......................................................................................................................89

2.3 FUNÇÕES..............................................................................................................................90

2.4 ESTRUTURA FINANCEIRA......................................................................................................90

3. INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION - IFC 904. INTERNATIONAL DEVELOPMENT ASSOCIATION - IDA 915. BANCOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO 91

5.1 HISTÓRICO............................................................................................................................91

5.2 FUNÇÕES E ESTRUTURA........................................................................................................92

5.2.1 Funções.............................................................................................................................92

5.2.2 Estrutura financeira..........................................................................................................92

CAPÍTULO VIII − DESPESAS PÚBLICAS 931. CONCEITO 932. CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS943. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DA LEI (LEI Nº 4320/64) 954. PROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICA 97

4.1 ESTÁGIOS DA DESPESA, SEGUNDO A LEI...............................................................................97

4.2 ESTÁGIOS DA DESPESA, SEGUNDO A REALIDADE.................................................................97

5. RESTOS A PAGAR OU RESÍDUOS PASSIVOS 1016. DESPESAS PROCESSADAS E NÃO PROCESSADAS 101

6.1 DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES..............................................................................101

CAPÍTULO IX − ORÇAMENTO PÚBLICO 1031. DEFINIÇÃO 1032. CONCEITO 1043. ESPÉCIES DE ORÇAMENTO 104

3.1 ORÇAMENTO CLÁSSICO OU TRADICIONAL..........................................................................104

3.2 ORÇAMENTO DE DESEMPENHO OU POR REALIZAÇÕES.....................................................104

3.3 ORÇAMENTO- PROGRAMA.................................................................................................104

3.4 ORÇAMENTO DE BASE ZERO OU POR ESTRATÉGIA.............................................................105

3.5 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO.............................................................................................105

4. PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS - CONCEITO............................................................................105

5. ORÇAMENTO-PROGRAMA 107

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5.1 RECURSOS PARA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO-PROGRAMA..............................................108

5.2 ESTIMATIVA DA RECEITA....................................................................................................108

6. O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASIL 109

6.1 ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO (OGU)...............................................................................110

6.2 A ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO.......................................................................................110

6.3 PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO...................................................................112

6.4 PROCESSO DE EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO.......................................................................120

6.5 RESUMO DAS FASES DO ORÇAMENTO...............................................................................121

6.6 PERÍODOS DE ATIVIDADES DO ORÇAMENTO PÚBLICO.......................................................122

6.7 CRÉDITOS ADICIONAIS........................................................................................................122

6.8 ALTERAÇÕES DO ORÇAMENTO DURANTE SUA EXECUÇÃO.................................................124

6.9 PREVISÃO E RESULTADO ORÇAMENTÁRIOS.......................................................................125

CAPÍTULO X − FISCALIZAÇÃO E CONTROLE 1271. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL 127

1.1 ORIGENS E EXPERIÊNCIAS ANTERIORES..............................................................................127

1.2 OBJETIVOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL..............................................................128

1.3 EQUILÍBRIO DAS CONTAS PÚBLICAS...................................................................................129

1.3.1 Receita Corrente Líquida - RCL....................................................................................129

1.3.2 Planejamento..............................................................................................................131

2. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS – LDO NA LRF 131

2.1 ANEXO DE METAS FISCAIS DA LDO.....................................................................................131

2.2 ANEXO DE RISCOS FISCAIS DA LDO.....................................................................................132

3. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL – LOA NA LRF 132

3.1 EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E CUMPRIMENTO DE METAS.................................................133

4. RECEITA PÚBLICA NA LRF 133

4.1 PREVISÃO E ARRECADAÇÃO DA RECEITA............................................................................133

4.2 RENÚNCIA DE RECEITA.......................................................................................................134

5. DESPESA PÚBLICA NA LRF 134

5.1 DESPESAS COM PESSOAL....................................................................................................135

5.2 DESPESAS COM A SEGURIDADE SOCIAL..............................................................................138

5.3 TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS........................................................................................138

6. DESTINAÇÃO DE RECURSOS PARA O SETOR PRIVADO NA LRF 1387. DÍVIDA E ENDIVIDAMENTO PÚBLICO NA LRF 139

7.1 A LRF E A DÍVIDA PÚBLICA..................................................................................................139

7.2 LIMITES DE ENDIVIDAMENTO DE ACORDO COM A LRF......................................................140

7.3 A REGRA DE OURO..............................................................................................................142

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7.4 RECONDUÇÃO DA DÍVIDA AOS LIMITES..............................................................................142

7.5 CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO.......................................................................143

7.6 ANTECIPAÇÕES DE RECEITAS ORÇAMENTÁRIAS – ARO......................................................143

7.7 GARANTIA E CONTRAGARANTIA.........................................................................................144

7.8 RESTOS A PAGAR................................................................................................................144

8. TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO 145

8.1 TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO FISCAL..................................................................................145

8.2 RELATÓRIO RESUMIDO DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA - RREO........................................146

8.3 RELATÓRIO DE GESTÃO FISCAL - RGF..................................................................................146

8.4 FISCALIZAÇÃO DA GESTÃO FISCAL......................................................................................147

9. SANÇÕES PARA DESCUMPRIMENTO DA LRF 148

9.1 SANÇÕES INSTITUCIONAIS..................................................................................................148

9.2 SANÇÕES PESSOAIS.............................................................................................................148

CAPÍTULO XI − O PAPEL DO CONTROLE 1491. O CONTROLE EXTERNO NO MUNDO 1492. O CONTROLE NO BRASIL 150

2.1 CONTROLE PARTICULAR.....................................................................................................151

2.2 O CONTROLE INTERNO.......................................................................................................151

2.3 O CONTROLE EXTERNO.......................................................................................................152

3. ÓRGÃOS DE CONTROLE NO BRASIL 154

3.1 O ALCANCE DO CONTROLE JUDICIAL..................................................................................154

3.2 O CONTROLE EXTERNO COMO FERRAMENTA DE APRIMORAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA..........................................................................................................................................154

3.3 AS POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DO TCU....................................................................156

3.4 OS TRIBUNAIS DE CONTAS NOS ESTADOS E NOS MUNICÍPIOS...........................................157

CAPÍTULO XII − GLOBALIZAÇÃO 1591. DEFINIÇÃO 1592. HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO 1593. IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO 1604. COMUNICAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO 1605. GLOBALIZAÇÃO E QUALIDADE DE VIDA 1616. EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NA INDÚSTRIA E SERVIÇOS 1627. TEORIAS DA GLOBALIZAÇÃO 1638. ANTIGLOBALIZAÇÃO 1659. A GLOBALIZAÇÃO 165BIBLIOGRAFIA 168

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INTRODUÇÃO

Ao longo dos meus anos de docência, ministrando aulas de Ciência das Finanças, sempre busquei uma bibliografia que tratasse dos assuntos concernentes ao conteúdo programático da disciplina em pauta. Tais assuntos são variados e são tratados por autores das mais diversas áreas do conhecimento. Resolvi por elaborar um material de apoio que abrangesse num só volume todos os temas a serem abordados ao longo de um semestre e que ao mesmo tempo servisse como fonte de consulta a outras pessoas que fossem prestar concursos em áreas afins.

Portanto, embora o material de apoio ora apresentado destine-se a atender as necessidades dos acadêmicos do curso de direito no que diz respeito à disciplina Ciência das Finanças, também serve como fonte de consulta a quem deseja prestar concursos públicos em áreas que exijam do concursando tais conhecimentos.

A Ciência das Finanças, embora trate do mesmo objeto de estudo do Direito Financeiro, qual seja, a Atividade Financeira do Estado, o seu enfoque é dado na parte teórica ou especulativa, diferentemente do Direito Financeiro que enfoca a parte prática.

Com o intuito de dar um melhor embasamento ao acadêmico, optou-se por dividir a presente apostila em duas partes. Na primeira parte que engloba do Capítulo I até o Capítulo IV tratar-se-á de assuntos relacionados à base de sustenção do entendimento da disciplina de Ciência das Finanças, quais sejam: Sociedade, Estado e Economia todos tratados de forma apenas conceitual sem ter a pretensão de maiores aprofundamentos. A segunda parte que versa especificamente sobre Ciência das Finanças será tratada nos demais capítulos.

Na primeira parte no capítulo I, abordar-se-á o tema Ciência das Finanças e Direito Financeiro, mostrando as diferenças conceituais e de objeto. Nos capítulos II e III os temas a serem abordados são aqueles concernentes aos conceitos sobre a área de conhecimento atendida pela Sociologia enfocando, de forma resumida, os seguintes assuntos: Sociedade, Estado e Economia, enquanto que no capítulo IV os assuntos a serem abordados serão aqueles relativos à Economia subdividindo-os em Microeconomia e Macroeconomia.

Na segunda parte, nos capítulos V, e VI tratar-se-á das Receitas Públicas e da Dívida Pública. O capítulo VII que trata das Organizações Internacionais de Crédito foi introduzido nesta última edição, solicitado pelo professor Sebastião Getúlio Brito, dada a sua importância para que o operador de Direito venha a preencher uma lacuna no seu conhecimento sobre os organismos financeiros. Os capítulos VIII, IX, X e XI tratam das Despesas Públicas, Orçamento Público, Fiscalização e Controle e o Papel do Controle, enquanto no capítulo XII será tratado do tema Globalização.

Este não é um assunto que se esgota por si mesmo e portanto, deverá sofrer mudanças sempre que se achar necessário, entendendo que tudo é muito dinâmico e em assim sendo o que nos resta é está sempre predisposo às mudanças, inclusive a aprender a desaprender, uma vez que o que é verdade incontestável hoje pode ser uma grande mentira no futuro.

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CAPÍTULO I − CIÊNCIA DAS FINANÇAS

1. DEFINIÇÃO

Ciência das Finanças, Finanças Públicas ou Economia do Setor Público são sinônimos e constitui um ramo da Ciência Econômica cujo objeto de estudo é a Política Fiscal ou Política Orçamentária num Estado de Economia Mista1.

A Ciência das Finanças estuda os efeitos da política fiscal, que inclui a tributação, os gastos públicos e a dívida pública, nas atividades econômicas, bem como, os processos políticos pelos quais estas políticas são definidas.

Alguns autores, entretanto, apontam, com muita propriedade, que a Economia do Setor Público é mais ampla que a Ciência das Finanças, uma vez que seu objeto de estudo abrange a Política Econômica em geral (e não somente a Política Fiscal), na qual incluem-se, também, a Política Monetária e a Política Cambial. Outros apontam a "Ciência das Finanças" como um conjunto de conhecimentos sociológicos, políticos, econômicos e administrativos que versam sobre o fenômeno financeiro do Estado. Nada obstante, restringiremos o foco da análise ao aspecto econômico.

Alerta-se, em tempo, que a expressão "Finanças Públicas" também pode ser usada para designar a "Atividade Financeira do Estado", tal como ocorre, por exemplo, no inciso I do art. 163 da Constituição Federal.2

Esclarece-se, por oportuno, que a Atividade Financeira do Estado é uma atividade instrumental que compreende a arrecadação, a gestão e o dispêndio de dinheiros públicos com vistas ao atendimento das necessidades públicas.

Como exemplos de algumas questões abordadas em Finanças Públicas, pode-se citar:

a) As justificativas econômicas da existência do Estado e os motivos pelos quais o Estado se engaja em algumas atividades econômicas e não em outras;

b) Os efeitos da incidência de determinado tributo sobre os preços;

c) Sobre quem recaem os efeitos da incidência tributária e quem, de fato, paga o Tributo; e

d) As características desejáveis de sistema tributário.

2. SUBSÍDIO AO DIREITO TRIBUTÁRIO E AO DIREITO FINANCEIRO

A Ciência das Finanças tem importante papel na elaboração e interpretação do Direito Financeiro (que regula a atividade financeira estatal, excluindo questões relacionadas aos Tributos) e do Direito Tributário (que regula a relação jurídico-tributária, entre o Fisco e o Sujeito Passivo da Obrigação Tributária).

1 Aliomar Baleeiro (Cf. Uma introdução à ciência das finanças, 14a. ed., Forense, Rio de Janeiro, 1995, p. 6) define Ciência das Finanças como "a disciplina que, pela investigação dos fatos, procura explicar os fenômenos ligados à obtenção e dispêndio do dinheiro necessário ao funcionamento dos serviços a cargo do Estado, ou de outras pessoas de Direito Público, assim como os efeitos outros resultantes dessa atividade governamental".2 "CAPÍTULO II -DAS FINANÇAS PÚBLICAS - Seção I - NORMAS GERAIS - Art. 163. Lei complementar disporá sobre: I - finanças públicas;"

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A este propósito, Aliomar Baleeiro3 salienta que "(...) os homens do Estado, os legisladores e funcionários se inspiram nas observações e lições dos economistas e financistas para que a elaboração e a execução das normas jurídicas financeiras atinjam os fins da política legislativa de Estado. E como, na época atual, já ninguém contesta que a atividade financeira não pode ser neutra, os juízes buscam nos fins das leis a bússola para interpretação do Direito Tributário".

Regis Fernandes de Oliveira4, neste sentido, esclarece que: "A ciência das finanças é, antes de tudo, informativa. Fornece dados ao político para que ele decida. Procura os fenômenos econômicos, por exemplo, que possam servir de incidência para alguma norma tributária, fornecendo meios arrecadatórios ao Estado; estuda as reais necessidades da sociedade, os meios disponíveis para o atendimento dos interesses públicos, sob os mais variados aspectos, e municia os agentes públicos para que possam decidir sobre os mais variados temas, inclusive de política fiscal".

3. ENFOQUES NORMATIVO E POSITIVO DAS FINANÇAS PÚBLICAS

A Ciência das Finanças pode abordar o fenômeno financeiro sob dois enfoques: o enfoque positivo (positive economics) e o enfoque normativo (normative economics).

Joseph E. Stiglitz5 menciona que o enfoque positivo é adotado "quando os economistas descrevem a economia e constroem modelos para predizer os impactos e efeitos na economia de diferentes políticas". Uma afirmação positiva é aquela que diz o "o que é", "o que tem sido" ou "o que será". Por exemplo, quando se discute qual o aumento de preços de um produto resultante do aumento da alíquota de um tributo específico.

Quando os economistas estão ocupados em avaliar diferentes políticas, sopesando os seus benefícios e custos, ou quando estão ocupados em avaliar diferentes situações, encontram-se diante do enfoque normativo. Trata-se da discussão do que é bom ou ruim, do que deve ou do que não deve ser feito, do ideal, do justo e do injusto. Ademais, a abordagem normativa faz uso dos conhecimentos da abordagem positiva.

Sob esta abordagem, poder-se-á discutir:

a) Qual o sistema tributário ideal;b) O governo deve ou não intervir diretamente num setor da economia; ouc) Deve-se instituir o Imposto de Grandes Fortunas?

Pelos questionamentos acima, pode-se observar que esta abordagem está mais sujeita às divergências de opiniões, uma vez que envolve julgamentos de valor.

Torna-se bastante difícil isolar os efeitos de alterações nas variáveis econômicas devido ao fato de que o conhecimento econômico é imperfeito (e sempre é imperfeito, porque não há um conhecimento absoluto de como a economia opera), duas pessoas podem divergir sobre as conseqüências de cursos disponíveis de ação. Isto pode gerar conflitos sobre aspectos econômicos positivos.

Julgamentos de valor, por sua vez, também causam diferenças de opinião. Duas pessoas agora podem divergir porque uma é socialista e outra liberal, conservadora, anarquista ou o que seja. Elas podem concordar quando aos resultados de uma política econômica, mas devido a suas posições ideológicas, desejam diferentes resultados.

3 op. cit., p. 33.4 Cf. Curso de Direito Financeiro, RT, São Paulo, 2006, p. 77.5 Cf. Economics of the public sector, 3a. ed., New York, WW Norton & Company, 2000, p.19.

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Estas divergências são chamadas de normativas, porque decorrem de julgamentos sobre "o que deveria ser".

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CAPÍTULO II − SOCIEDADE

1. DEFINIÇÃO

A sociologia define sociedade como sendo um conjunto de seres humanos que têm em comum propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade.

Portanto, uma sociedade é um grupo de indivíduos que formam um sistema semi-aberto, no qual a maior parte das interações é feita com outros indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. Assim, o significado geral de sociedade refere-se simplesmente a um grupo de pessoas vivendo juntas numa comunidade organizada.

A origem da palavra sociedade vem do latim societas, uma "associação amistosa com outros". Societas é derivado de socius, que significa "companheiro", e assim o significado de sociedade é intimamente relacionado àquilo que é social. Está implícito no significado de sociedade que seus membros compartilham interesse ou preocupação mútuas sobre um objetivo comum. Como tal, sociedade é muitas vezes usado como sinônimo para o coletivo de cidadãos de um país governados por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico.

Pessoas de várias nações unidas por tradições, crenças ou valores políticos e culturais comuns, em certas ocasiões também são chamadas de sociedades (por exemplo, Judaico-Cristã, Oriental, Ocidental etc.). Quando usado nesse contexto, o termo age como meio de comparar duas ou mais "sociedades" cujos membros representativos representam visões de mundo alternativas, competidoras e conflitantes.

No modelo de evolução unilinear todas as culturas progridem através de um conjunto de fases, enquanto que no modelo de evolução multilinear histórias culturais distintas são enfatizadas.

Atualmente a grande maioria dos estudiosos do assunto, tais como arqueólogos e antropólogos culturais, abordam a sociedade objetivavando fornecer modelos para a evolução da humanidade como um todo, argumentando que sociedades diferentes estão em etapas diferentes do desenvolvimento social.

Quaisquer que sejam os fundamentos em que os cientistas sociais se baseiam, todos estão de acordo em que a sociedade sofreu um processo gradual de transformação ao longo do tempo.

2. ORGANIZAÇÃO SOCIAL

A unidade estrutural do grupo ou da sociedade traduz-se no conjunto das diferentes maneiras de co-adaptação e coordenação das atividades individuais e sociais, isto é, na organização social. Sistema de relações entre os membros de um grupo ou entre os grupos de uma sociedade, a organização social implica sempre direitos e deveres reciprocamente aceitos. Seu princípio básico é o da coordenação social, isto é, da harmonia social, que equivale ao papel que cada membro exerce em cooperação com os demais integrantes do grupo.

Em cada sociedade há uma hierarquia de valores materiais e não-materiais que diferem segundo os grupos e de acordo com a importância que se atribui a cada um dos elementos que integram sua cultura. Assim, observam-se na organização social as diversas formas de casamento, os tipos de parentesco, a estrutura da família, as formas de governo, as relações comerciais e de trabalho e muitas outras.

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A organização social depende basicamente da conservação das funções sociais e da divisão social do trabalho. A conservação das funções sociais refere-se à permanência e à continuidade da vida social: a sociedade deve manter íntegras suas instituições, ao longo das gerações que se sucedem, embora adote modificações naturais introduzidas de modo gradual pelos novos integrantes. A divisão social do trabalho garante que todas as funções necessárias ao funcionamento da sociedade sejam preenchidas.

Isolado de seus semelhantes, o ser humano é incapaz de desenvolver suas potencialidades intelectuais e torna-se selvagem como um animal da floresta. Esse fenômeno foi observado na prática em crianças que sobreviveram por anos em meios naturais, afastados do convívio social.

Sociedade é o agrupamento de indivíduos entre os quais se estabelecem relações econômicas, políticas e culturais. Numa sociedade existe unidade de língua e cultura e seus membros obedecem a leis, costumes e tradições comuns, unidos por objetivos que interessam ao conjunto, ou às classes que nele predominam.

Em sentido estrito, confunde-se com a comunidade política que vive num estado nacional e seus limites são as fronteiras políticas e geográficas do estado. A idéia de sociedade pressupõe um contexto de relações humanas no qual ocorre a interdependência entre todos e cada um de seus componentes, que subsiste tanto pelo caráter unitário das funções que cada membro desempenha como pela interiorização das normas de comportamento e valores culturais dominantes em cada comunidade.

Toda a humanidade pode ser considerada como uma única sociedade, mas em sentido sociológico fala-se de sociedade como um sistema funcional abstrato, sem identificação com um país ou cultura determinados, ou então de forma plural no tempo (sociedade antiga, medieval, moderna etc.) e no espaço (sociedade americana, mexicana, japonesa, brasileira etc.).

No interior das sociedades se observa a formação de grupos de pessoas cujos interesses coincidem em certa medida, como as famílias, os clãs, as comunidades e as associações. Desses conjuntos, que geralmente mantêm estrutura própria, os mais significativos são as comunidades e as associações. A comunidade é uma sociedade geograficamente localizada, de estrutura definida, cujos membros têm um modo de vida comum.

Pode constituir-se em dimensão geograficamente reduzida, como um povoado, ou estender-se por um país de extensão continental. A associação tem características específicas e delimitadas: é um agrupamento organizado de indivíduos que visam à consecução de objetivos comuns.

Entre os modelos modernos de associação estão os partidos políticos e os sindicatos, que têm a finalidade de defender interesses específicos de determinadas classes sociais e de categorias profissionais. Outro exemplo de associação é o estado, que tem a função básica de preservar a segurança e o bem-estar dos grupos sociais que vivem sob seu domínio. O estado, no entanto, só forma uma sociedade perfeita quando não lhe faltam os elementos essenciais de uma sociedade natural: unidade de língua e cultura, história e tradição comuns. Diferentes nações muitas vezes formam um estado, mas nem todas as nações têm existência como estado.

O tipo mais primitivo de organização social que se conhece é a ordem comunal ou tribal, em que os indivíduos viveram juntos para garantir a sobrevivência de todos. Esses agrupamentos dedicavam-se à busca nômade de alimentos e instalavam-se de forma provisória em cavernas e acampamentos. À medida que se esgotavam as reservas naturais ou as condições climáticas assim o exigissem, mudavam-se para outros sítios mais favoráveis ao grupo.

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A descoberta e uso do fogo fez surgir uma verdadeira revolução tecnológica permitindo o aperfeiçoamento dos utensílios e sua transformação em armas para a caça quando, junto à extração de alimentos vegetais, era a fonte de alimentação.

A domesticação de animais marcou uma etapa importante da evolução da sociedade primitiva: o momento da transição de um estado nômade para uma forma de vida sedentária, em locais geográficos permanentes.

Surgiram as tribos, agrupamentos de indivíduos ligados por laços de parentesco. Mas a permanência em espaço circunscrito limitou o acesso às fontes alimentares, basicamente caça, pesca e coleta de frutos e raízes silvestres.

A necessidade de ampliar os estoques alimentares levou à atividade agrícola e mais uma etapa foi alcançada com a conversão do pastoreio e da agricultura nas principais fontes de subsistência. Surgiram os primeiros proprietários da terra, dominadores da economia tribal.

A sociedade escravista surgiu quando a propriedade sobre os objetos e a terra ampliou-se para a posse de seres humanos, os prisioneiros de guerra. Seu fundamento econômico reside na possibilidade de cada indivíduo ser capaz de produzir mais do que o necessário para a própria sobrevivência, ou seja, um excedente, passível de ser apropriado por outrem. O processo de acumulação de riqueza acentuou-se e algumas famílias tornaram-se mais ricas com o uso da mão-de-obra escrava, barata e abundante.

O modelo de sociedade escravocrata entrou em decadência porque o o trabalhador escravizado não reunia condições técnicas para executar as funções mais complexas que progressivamente lhe foram sendo exigidas. O progresso das técnicas produtivas e a necessidade de maior produtividade impuseram uma revolução nas relações de produção: o trabalho livre, com retribuição de certa forma proporcional ao esforço despendido, que se implantou com o sistema feudal.

Com uma hierarquia rígida, o feudalismo baseou-se fundamentalmente na existência de três classes:

a nobreza e o clero, estes formavam a classe dominante e se encontravam no topo da pirâmide social;

os artesãos e comerciantes formavam um segmento intermediário; e os servos que eram, em sua maioria, descendentes dos antigos escravos ou

camponeses arruinados se concentravam na base da pirâmide social.

A posição dentro da hierarquia social era determinada pelos costumes e leis, que davam à classe dominante enormes privilégios políticos, econômicos e sociais.

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CAPÍTULO III − O ESTADO

1. DEFINIÇÃO

O Estado pode ser definido de diversas maneiras. Uma delas sustenta que o Estado é um conjunto de instituições encarregadas do monopólio do uso da violência. Outra sustenta que o Estado é uma organização, embora possa ser mais propriamente caracterizado como um conjunto organizacional, já que agrega diversas organizações.

Avançando um pouco mais, pode-se definir o Estado como uma estrutura política e organizacional formada pelos seguintes elementos ou partes:

poder político soberano, um povo, que se organiza de modo a formar a sociedade; um território, ou seja, uma base física sobre a qual se estende a jurisdição do poder

soberano. um governo, através do qual se manifesta o poder soberano do Estado

O Poder Político Soberano significa o poder mais alto que existe dentro do território com relação ao seu povo, e frente a outros Estados. Expressa-se como ordenamento jurídico impositivo, ou seja, o conjunto das normas e leis que se exercem imperativamente e extroversamente.

Isto quer dizer que todas as demais organizações existentes na sociedade - igrejas, sindicatos, empresas, universidades, partidos políticos, etc - possuem normas que se limitam a regulá-las internamente. O Estado é a única organização cujo poder regulatório ultrapassa os seus próprios limites organizacionais e se estende sobre a sociedade como um todo - sendo, por isso, chamado de “poder extroverso”.

Além disso, e em virtude disso, o Estado é a única organização dotada de soberania. Ou seja, internamente o seu poder se superpõe a todos os poderes sociais, que lhe ficam sujeitos de forma mediata ou imediata; e externamente o seu poder é independente do poder de outros Estados.

O Território – que inclui o espaço terrestre, aéreo e aquático - é um outro importante elemento do Estado. Mesmo o território desabitado - onde não têm lugar interações sociais - é parte do Estado, que sobre ele exerce poder soberano, controlando seus recursos. Por outro lado, ainda que haja sociedade, ou até mesmo nação, quando não há território controlado pelo poder soberano, não há Estado.

O Povo, por sua vez, é o conjunto de cidadãos que se subordinam ao mesmo poder soberano e possuem direitos iguais perante a lei.

O Governo, por sua vez, é o núcleo decisório do Estado, formado por membros da elite política, e encarregado da gestão da coisa pública. Enquanto o Estado é permanente, o governo é transitório porque, ao menos nas democracias, os que ocupam os cargos governamentais devem, por princípio, ser substituídos periodicamente de acordo com as preferências da sociedade.

O Estado é uma estrutura política e organizacional que se sobrepõe à sociedade, ao mesmo tempo que dela faz parte. A sociedade, por sua vez, é a fonte real de poder do Estado, na medida em que estabelece os limites e as condições para o exercício desse poder pelos governantes. Isto significa que o o Estado é parte da sociedade.

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2. SURGIMENTO DO ESTADO

A história da humanidade não se inicia com a escrita, mas com o surgimento da agricultura, que propiciou a passagem de uma vida nômade para a ocupação de uma área em caráter permanente.

O cerne do surgimento do Estado remonta a antigüidade, não o Estado como é conhecido atualmente, mas o Estado como resultado da reunião de indivíduos com a finalidade de se organizar para melhor superar as dificuldades de sobrevivência frente às adversidades da natureza. Essa reunião, que ocorreu de forma natural, logo foi crescendo, tornando-se mais complexa, sendo, então, necessário para manutenção da ordem e a coesão do grupo, o surgimento de uma figura central, dotada de qualidades que garantissem a sobrevivência do grupo e inspirassem segurança; assim surge o chefe, ou outra figura que representasse um indivíduo pertencente ao grupo que por suas características superiores como força, habilidades com armas e coragem, passou a ser o responsável pela manutenção dessa comunidade, utilizando-se da força para exercer o poder sobre os demais componentes.

3. EVOLUÇÃO DO ESTADO

O Estado, nos dias atuais, é a organização formada pela união de três elementos básicos: o povo, o território e o poder. Essa organização, que nos seus primórdios, teve início com apenas um dos elementos do conceito atual de Estado, o povo, formado pelos indivíduos que viviam no grupo, foi tornando-se mais complexa a partir do momento em que esses indivíduos começaram a cultivar e dominar algumas técnicas agrícolas de produção, propiciando, assim, um aumento da produtividade e a conservação do solo. Essa evolução das técnicas de produção foi um marco no processo de transição da vida nômade para a fixação do homem em um determinado espaço geográfico, possibilitando o surgimento do território, o segundo elemento do conceito atual de Estado.

A fixação do homem em uma determinada região, teve papel fundamental na criação de condições para o surgimento das primeiras leis. Essas leis não eram escritas e tinham como fundamento o respeito às normas de caracter basicamente moral, criadas e passadas de geração para geração através dos mais velhos da comunidade.

É nesse contexto que pode ser dito que o Estado surge de forma natural, como conseqüência da reunião de indivíduos que viviam de forma errante e vivendo do que era adquirido da natureza, num modo de produção primitivo, que não conhecia a propriedade privada, pois tudo que era adquirido pertencia a todos.

Num segundo momento, com a evolução do domínio das técnicas agrícolas e um maior controle da produção, foram surgindo as condições favoráveis que possibilitaram a ocupação de um determinado espaço geográfico e, sendo assim, o homem passou da condição de nômade para se tornar sedentário, criando meios para o surgimento do processo de divisão e apropriação das terras, quando o cultivo foi sendo descentralizado, com isso propiciando a formação de um excedente que no início foi sendo trocado com indivíduos do mesmo grupo e mais tarde com indivíduos de outras áreas Era o período do escambo.

Com o surgimento da moeda, o excedente passou a ser vendido. Quando o homem começou a perceber que poderia trocar e vender o que produziu a mais, passou a implementar as técnicas de produção, de forma cada vez mais eficientes, para possibilitar a geração do excedente para ser trocado. A partir daí verifica-se o início do processo de apropriação dos meios de produção.

Essa organização em sociedade, que era rudimentar em seus primórdios, mas essencial à sobrevivência do grupo, logo passou a conhecer os problemas surgidos dessa agregação e aqueles

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que eram os mais fortes, que exerciam a liderança do grupo, criaram mecanismos para controlar e reprimir os problemas que colocassem em risco a existência da comunidade.

Foi assim que surgiram as primeiras leis de forma mais elaborada, pois regras sempre existiram, independente do grau de evolução de uma sociedade, como forma de manter o estatus quo da organização. Essas leis foram criadas lentamente e com base nos conhecimentos e experiências dos mais velhos do grupo. Mas, logo se percebeu que as mudanças e as situações novas passaram a aparecer numa velocidade cada vez maior, não sendo administrada pelas formas convencionais, surgindo assim a necessidade de se criar um conselho para deliberar sobre a vida da comunidade.

É nesse contexto que aqueles que exerciam a liderança do grupo passaram a criar leis que os beneficiariam e manteriam o estatus quo vigente com a legitimação do uso da força como forma justificada de manter a coesão social em nome do bem comum do grupo. Nesse momento, pode ser percebido que já se tem o Estado como é conhecido hoje, uma organização baseada na união de três elementos básicos: os indivíduos, que formam o povo, o espaço geográfico delimitado, que representa o território, e o poder exercido por uma minoria sobre uma maioria de forma legitimado, que é o poder organizado.

Nessa perspectiva é que o Estado surge como conseqüência do poder exercido por um determinado grupo de pessoas ou, como pregam os marxistas, uma determinada classe social que detém os meios de produção e que se utilizam do poder emanado do Estado de forma legitimada para exercer a dominação e sufocar qualquer revolta que atente contra a mudança na forma de produção vigente em determinada época, utilizando-se do direito como forma de criar leis para manter e justificar a ordem social.

Através da organização institucional Estado essa classe dominante passou a exercer o controle da sociedade e manutenção das condições favoráveis à ordem econômica em vigor, através das leis, com o uso da repressão e da violência, de maneira exclusiva e legítima, em nome da manutenção da ordem.

4. AS FUNÇÕES DO ESTADO

Existem pelo menos duas hipóteses sobre como e para que finalidade se constituiu e se manteve esta complexa estrutura organizacional que é o Estado.

A primeira hipótese afirma que o Estado surgiu de um processo histórico de crescente complexificação da sociedade e da sua divisão em classes, destinando-se a assegurar o sistema de classes vigente.

A outra hipótese sustenta que o Estado surge de um contrato entre os homens, pelo qual estes renunciam a uma parte da sua liberdade - especialmente a parte que se refere ao uso privado da violência. Os homens fazem isso a fim de poder contar com uma autoridade que, monopolizando o uso da força, possa manter a ordem, garantir os direitos de propriedade e assegurar a execução dos contratos.

O que deve ficar bem definido é que em quaisquer das hipóteses aceita, a primeira função do Estado é a manutenção da ordem e da segurança interna e a garantia da defesa externa. É por esse motivo que um dos componentes fundamentais do Estado é o aparato de segurança pública constituído por uma força policial e militar pública e por esse motivo, freqüentemente, o Estado é definido como a instituição que exerce o monopólio legítimo do uso da força ou da coerção organizada.

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Entretanto, a própria função de manutenção da ordem exige mais do que o controle dos meios para o exercício da violência. A menos que se admita a hipótese do poder arbitrário, a manutenção da ordem pelo Estado tais como: a resolução de conflitos, a aplicação da justiça, a imposição de sanções, exige regras estabelecidas. Assim, uma outra função do Estado é a de regulamentação jurídica.

Desta maneira, a partir das suas relações com a sociedade, o Estado estabelece o ordenamento jurídico das interações coletivas. Por outro lado, já que suas atividades, por definição, não são auto-sustentáveis, a segunda função do Estado é estabelecer e cobrar tributos dos que vivem sob seu domínio e administrar os recursos obtidos dessa forma.

É por esses motivos que um outro componente fundamental do Estado é o quadro administrativo ou administração pública, que tem como atribuição decidir, instituir e aplicar as normas necessárias à coesão social e à gestão da coisa pública.

Essas são funções clássicas do Estado, presentes mesmo nas concepções do Estado mínimo, originalmente características do capitalismo competitivo, quando predominava aquilo que hoje é definido como Estado Liberal.

Todavia, com variações entre os diferentes países, o Estado “mínimo” - que se restringia a assegurar as condições de funcionamento do mercado. Assim é que já nos séculos XVIII e XIX, na maior parte dos países ocidentais o Estado desempenhava funções de proteção à economia interna, mediante políticas claramente protecionistas e a concepção do Estado mínimo, na verdade, se resumia às funções sociais.

5. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Administração pública é, em sentido prático ou subjetivo, o conjunto de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas (tais como as autarquias locais) que asseguram a satisfação das necessidades coletivas variadas, tais como a segurança, a cultura, a saúde e o bem estar das populações.

A administração pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para assegurar os interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a Lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.

A Administração Pública tem como principal objetivo o interesse público, seguindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A administração pública é conceituada com base em dois aspectos: objetivo (também chamado material ou funcional) e subjetivo (também chamado formal ou orgânico).

Em sentido objetivo é a atividade administrativa executada pelo Estado, por seus órgãos e agente, com base em sua função administrativa. É a gestão dos interesses públicos, por meio de prestação de serviços públicos. É a administração da coisa pública (res publica).

Já no sentido subjetivo é o conjunto de agentes, órgãos e entidades designados para executar atividades administrativas.

Assim, administração pública em sentido material é administrar os interesses da coletividade e em sentido formal é o conjunto de entidade, órgãos e agentes que executam a função administrativa do Estado. As atividades estritamente administrativas devem ser exercidas pelo próprio Estado ou por seus agentes.

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6. JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO

O poder do governo sempre precisou de crenças ou doutrinas que o justificassem, tanto para legitimar o comando quanto para legitimar a obediência.

Em princípio, o poder do governo era em nome e sob a influência dos Deuses, contanto assim, com uma justificação natural, aceitável pela simples crença religiosa. Mas, havia necessidade de uma firme justificação doutrinária do poder que foi se tornando cada vez mais imperiosa, até apresentar-se como problema crucial da ciência política.

As teorias que procuram justificar o Estado tem o mesmo valor especulativo daquelas que explicam o direito na sua gênese. Refletem o pensamento político dominante nas diversas fases da evolução humana e procuram explicar a derivação do Estado:

a. sobrenatural (estado divino);b. da Lei ou da razão (Estado humano); ec. da história ou da evolução (Estado Social).

Essas diversas doutrinas assinalam a marcha da evolução estatal no tempo da antigüidade remota à atualidade, ou seja, a partir do Estado fundado no direito divino, entendido como expressão sobrenatural da vontade de Deus, ao Estado moderno, entendido como expressão concreto do vontade coletiva.

A justificação doutrinária do poder é uma das mais difíceis na teoria política, porque produz conflitos ideológicos que acabam sempre por solapar os alicerces da paz universal.

As atribuições mais antigas quanto ao poder do Estado são as chamadas teorias teológico-religiosos, que se dividem em: direito sobrenatural e direito providencial.

Outra justificação do Estado é quanto às teorias racionalistas, que justificam o Estado como sendo de origem convencional, como produto da razão humana. Elas partem de um estudo das comunidades primitivas, em estado de natureza e através de uma concepção metafísica do direito natural, chegando à conclusão de que a sociedade civil nasceu de uma acordo utilitário e consciente entre os indivíduos.

Essas teorias foram corporificadas e ganharam maior evidência com a Reforma Religiosa, fazendo côro com a filosofia de Descartes, delineada em Discursos sobre o método, filosofia esta que ensinou o raciocínio sistemático que conduz a dúvida completa, e a partir daí, o racionalismo religioso passou a orientar as ciências do Direito e do Estado.

O motivo pelo qual se explanou, de forma bastante sucinta, todas as teorias procurando justificar a existência do Estado não têm outros motivos se não o de demonstrar que sua existência se dá em função das necessidades da sociedade.

7. NECESSIDADES DA SOCIEDADE

As necessidades dos homens são objetos de estudo da Economia, quando ele, através de ações econômicas, procura obter os bens e serviços necessários para sua sobrevivência.

A necessidade “gera imposições ou predeterminações, a que não se pode fugir, sendo superior à vontade humana”6.

Durante toda sua vida os homens têm diversas necessidades, que podem ser divididas em primárias, secundárias e coletivas.

6PLACIDO e SILVA. Vocabulário Jurídico. 15.Rio de Janeiro: Forense, 1998.p.552.

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As necessidades primárias são as necessidades básicas dos homens, que são descritas e estudadas por vários autores, mas podem ser resumidas em: alimentação, vestuário, habitação, transporte, higiene.

As necessidades secundárias vão além das primárias, e numa sociedade de consumo como é a sociedade capitalista atual, elas podem até serem consideradas mais importantes, mas sempre terão origem nas necessidades primárias. Tais necessidades são os hábitos que são adquiridos ao longo da vida de tal maneira que sua falta é sentida sempre que não seja possível obtê-los, como o fumo, o hábito de tomar refrigerante, mascar chicletes, etc.

As necessidades coletivas são as que interessam no presente estudo, e são aquelas que ultrapassam as possibilidades de um indivíduo ou grupo de indivíduos, para que sejam satisfeitas, pela exigência de um grande volume de recursos.

Kiyoshi Harada (2002,p 25)7 assim conceitua a necessidade coletiva como sendo “um ideal que promove o bem-estar e conduz a um modelo de sociedade, que permite o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, ao mesmo tempo em que estimula a compreensão e a prática de valores espirituais”.

A satisfação destas necessidades coletivas é a finalidade do Estado, que desenvolve várias atividades, cada qual com o objetivo de atender uma determinada necessidade coletiva.

As necessidades coletivas também podem ser divididas em necessidades gerais e necessidades especiais.

a. As necessidades gerais são aquelas que são consumidas globalmente por grande parte da população, como o serviço policial.

b. As necessidades especiais são consumidas individualmente pelo cidadão, como água que se consome nas residências e que são pagas mensalmente de acordo com o consumo.

O Estado satisfaz as necessidades coletivas dos indivíduos através dos serviços públicos gerais e especiais, que satisfazem as necessidades gerais e especiais respectivamente.

Para atender a estas necessidades o Estado precisa de recursos, daí a atividade financeira do Estado que visa a busca de dinheiro para a realização das necessidades públicas coletivas.

Ocorre que tais necessidades coletivas são das mais diversas possíveis e aumentam na mesma proporção do crescimento do Estado moderno. Tais como a construção de aeroportos, hospitais, pontes, avenidas, defesa interna e externa, manutenção dos serviços de transporte, etc. Cabe ao poder político a escolha dessas necessidades coletivas, e a inserção delas no ordenamento jurídico–legal como necessidade pública.

Assim, a necessidade pública é diferente da necessidade coletiva, uma vez que a primeira apesar do mesmo interesse geral da segunda, é decorrente de uma norma jurídica, sob o regime do direito público, respeitando o princípio da estrita legalidade, em contraposição aos interesses particulares, satisfeitos pelo regime de direito privado, ou seja, a necessidade pública é uma necessidade coletiva que foi escolhida pelo poder público como prioritária, sendo inserida no ordenamento jurídico e disciplinada a níveis constitucional e legal.

8. ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO

7HARADA. Kiyoshi .Direito Financeiro e Tributário.11.ed.São Paulo: Atlas, 2003.p.25

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Para que o Estado possa atender as necessidades da sociedade este se vale daquilo que se chamou de Atividade Financeira do Estado.

O Estado intervém em quase todas as atividades humanas, crescendo de importância o estudo das necessidades públicas. Desde o início, o ente estatal dirigiu suas atividades para suprir as chamadas necessidades públicas.

O conceito de necessidade pública e de bem comum varia muito conforme o tempo, o estágio de desenvolvimento e especialmente a vontade do governante que está no poder. É aquela necessidade que o Estado vai satisfazer, ou seja, aquela que prioritariamente vai atender. Um ideal de promover o bem estar, o desenvolvimento das potencialidades e a noção do que seja bem comum constituem finalidade do Estado. Assim, exerce uma atividade política, jurídica, de segurança, etc., da mesma forma o homem mantém inúmeras atividades sociais, de lazer, culturais. Entre estas atividades sãi exercidas funções comuns, que é a Atividade Financeira, ou seja, a procura de meios para satisfazer as necessidades públicas.

Entende-se por Atividade Financeira do Estado o conjunto de atos voltados para a obtenção, gestão e aplicação de recursos pecuniários nos fins perseguidos pelo Poder Público. Caracteriza-se pelo instrumental necessário à obtenção de recursos, visando à viabilização do atendimento e à satisfação das necessidades públicas.

Pode-se arrolar, entre outras, as seguintes responsabilidade estatais cujo atendimento demanda recursos pecuniários: manutenção da ordem, solução de litígios, prestação de serviços públicos, fiscalização de atividades e realização de ações sociais nos campos da saúde e educação. Entre as atividades que o Estado desenvolve, tutelando necessidades públicas, algumas são essenciais (segurança pública, prestação jurisdicional, etc.) outras complementares, protegendo itens secundários, exercidas através de concessionárias.

Mas, de uma forma ou de outra e seja qual for o conceito de necessidade pública do momento, é fato que para prestar os seus serviços o Estado necessita de recursos financeiros. Consta que, de início, os recursos utilizados eram do próprio ente estatal, mas com o aumento das necessidades foi necessário avançar no patrimônio particular, cobrando tributos e tarifas ou confiscando bens.

Além de suas duas atividades, a jurídica e a social, o Estado, sob a ótica tributária, desempenha a atividade-meio, que consiste na obtenção, na gestão e no dispêndio de recursos, e a atividade-fim, que consiste na busca da satisfação das próprias necessidades e das necessidades da coletividade.

A Atividade Financeira do Estado consiste na obtenção de recursos (receitas), bem como em sua gestão e aplicação (despesas), de forma a garantir o funcionamento do aparelho estatal e a realização de suas metas, visando à satisfação das necessidades da coletividade. É eminentemente política visando determinar qual objetivo vai ser perseguido prioritariamente pelo Estado, de acordo com o seu Orçamento Público, uma vez que o Estado não pode atingir todas simultaneamente.

8.1 CARACTERÍSTICAS DA ATIVIDADE FINANCEIRA

Os fins a serem alcançados pelo Poder Público estão indicados ou institucionalizados em inúmeros diplomas legais ou instrumentos jurídicos. Pode-se encontrá-los já na Constituição e em incontáveis leis infraconstitucionais. Neste campo, a lei orçamentária assume papel de extremo relevo. Afinal, a chamada "lei de meios" cumpre a missão básica de definir com razoável nível de precisão em quais atividades os recursos públicos serão aplicados a cada ano, ou seja, foi necessário o desenvolvimento pelo Estado da atividade financeira, buscando dinheiro para atender às

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necessidades públicas. Há que se destacar a instrumentalidade da atividade financeira do Estado. A obtenção de recursos e a realização de despesas não constituem um fim em si mesmo.

O Estado deve legitimar-se pelas políticas e objetivos que implementa ou que quer realizar, entretanto, apesar de instrumental, a atividade financeira não é neutra a valores e princípios jurídicos. A justiça perfaz, também, pela fiscalidade e pela redistribuição de rendas. E os objetivos intervencionistas e regulatórios instrumentalizam-se através do fenômeno da extrafiscalidade, o que desloca o móvel da ação estatal do significado fiscal-arrecadatório imediato para outro valor, eventualmente tido como mais importante (exemplo: a oneração tributária em determinado segmento econômico, no campo da extrafiscalidade, é entabulada com vistas à inibição de seu crescimento).

8.2 FINS DA ATIVIDADE FINANCEIRA

O fim da atividade financeira é a realização dos serviços públicos e o atendimento das necessidades públicas, ou seja, as necessidades coletivas encampadas pelo poder político, insertas no ordenamento jurídico (constituição e leis). Tudo aquilo que incumbe ao Estado prestar, em decorrência de uma decisão política, inserida em norma jurídica, é necessidade pública.

Diferentemente das necessidades coletivas, as públicas são as que envolvem aquilo que incumbe ao Estado prestar, em decorrência de uma norma jurídica. Ou seja, há a necessidade de uma decisão política anterior, que juridiciza determinado interesse geral, atribuindo deveres ao Estado que, assim, legitima-se perante a sociedade. A prestação dos serviços públicos e o exercício do poder de polícia, além das hipóteses de intervenção no domínio econômico, são exemplos de atribuições estatais que se mantêm, realizam-se e são potencializadas, segundo o crescimento da atividade financeira do Estado. Mas a idéia de concepção de Estado que se possui também dimensionará a eleição de necessidades de interesse geral.

9. EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA

O pensamento liberal sempre supôs um Estado Mínimo de tal forma que sua atuação se restringisse àquelas atividades nas quais a iniciativa privada não tivesse nenhum interesse em participar. Este pensamento que teve sua origem com Johon Loock e posteriromente seus seguidores, pregava que o Estado era um péssimo gerente e que por isso mesmo não deveria intervir na economia, uma vez que esta, através de um mecanismo próprio, não entraria em colapso.

Na visão clássica do pensamento econômico, oriunda do século XIX, o Estado deveria interferir minimamente e somente em setores considerados estratégicos como segurança nacional (bem público) ou, ainda, que não fossem atendidos adequadamente pela iniciativa privada, como saúde e educação (bens semipúblicos).

Este modelo de intervenção ficou conhecido como Estado Mínimo. Esta ideia tem raízes no pensamento de Adam Smith que, ao escrever a Riqueza das Nações (1779), apregoa o liberalismo econômico e a filosofia do laissez-faire, nos quais a iniciativa privada e o individualismo na busca pelo lucro seriam suficientes para mover a economia e promover o bem-estar de todos. E, para combater os eventuais excessos do capitalismo selvagem, Smith também desenvolveu a ideia da Mão Invisível, que seria uma espécie de mecanismo natural que entraria em ação frente aos extremos cometidos pelo mercado, mantendo-o em equilíbrio.

Para os clássicos a intervenção mínima do Estado, que deveria ter um papel muito mais regulador, justificaria um mínimo de tributação para atender a um orçamento público reduzido.

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Esta tributação deveria se dar, preferencialmente, de forma indireta a fim de não comprometer a riqueza gerada pela sociedade e que seria a principal fonte de recursos para novos investimentos e, desta forma, fomentar o crescimento da economia. Neste modelo, essencialmente, não existe planejamento macroeconômico.

Entretanto, tal pensamento veio abaixo com a crise de 1929, chamada de Grande Depressão, quando todos os países industrilizados do Ocidente entraram numa crise nunca visto até então. Os países de economia planificada não poderiam sofrer tais consequencias dado o seu próprio modelo de produção.

O que vale salientar é que mesmo contra o pensamento de alguns teóricos, economistas da época, o modelo clássico funcionou relativamente bem até 1929 quando a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, motivada pelo excesso de oferta de bens, chacoalhou os mercados e deixou desconcertados os economistas e os governos que, posteriormente, assistiram atônicos ao desequilíbrio total da atividade econômica, com forte queda na produção de bens e crescente número de desempregos, mergulhando os Estados Unidos, e depois o mundo, em uma profunda recessão. Este período ficou conhecido como a Grande Depressão.

A partir deste momento, era impossível que a Mão Invisível continuasse a regular os mercados visto que nem a oferta agregada (a produção das empresas) nem a demanda agregada (agora a crescente massa de desempregados) conseguiam se adequar a nova realidade econômica.

É neste contexto de turbulência na economia mundial que surge o Lord John Maynard Keynes sugerindo propondo a inversão da lei de Say que a demanda é que dita a oferta, e que para que isso acontecesse efetivamente o Estado deveria sim intervir na economia se utilizando de instrumentos de política fiscal e também atuando de forma direta como produtor de insumos e empregos e como consumidor, absorvendo boa parte da produção gerada pela iniciativa privada. Esta esta intervenção deveria se dar através do aumento dos investimentos do Estado como um ente produtivo, ou seja, tinha que gastar almejando com isso o aumento na taxa de emprego, acarretando um aumento no consumo e com isto elevação no nível de arrecadação de impostos, criando assim um círculo virtuoso da economia.

Como se pode imaginar, a maior intervenção do Estado gerou um necessário aumento no nível de tributação com o propósito de financiar o agora robusto e frequentemente deficitário orçamento público.

Recentemente, a crise mundial iniciada em setembro de 2008, muito semelhante à de 1928, chamou a atenção para um tema até então abordado somente nos meios acadêmicos ou estudado de forma não-reflexiva por candidatos de concursos públicos: a intervenção do Estado na economia com o propósito de garantir o bem-estar social e o crescimento econômico.

9.1 CRESCIMENTO DAS DESPESAS PÚBLICAS

Algumas generalizações sobre o comportamento dinâmico do tamanho do Estado e o seu consequente aumento nas despesas públicas têm sido formuladas. Entre essas se destacam as contribuições de Adolph Wagner8 e de Peacock e Wiseman9 quanto ao estabelecimento de hipóteses teóricas que expliquem o processo de evolução do setor público. Em ambos os casos, enfatiza-se o problema da identificação dos determinantes da expansão de gastos do governo baseado na análise

8 A contribuição de Wagner é resumida por BIRD, Richard. The growth of government spending in Canada. Canadian Tax Papers. Toronto: Canadian Tax Foundation, 1970. v. 51.9 PEACOCK, Alan T., WISEMAN, Jack. The growth of public expenditure in the United Kirigdom. Princeton : Princeton University Press, 1970.

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empírica de dados disponíveis, processo esse que vem-se expandindo substancialmente com base em estudos econométricos.

A contribuição de Adolph Wagner ao estudo do crescimento das despesas públicas é sintetizada na chamada “Lei de Wagner”, que estabelece a seguinte proposição: “À medida que cresce o nível de renda em países industrializados, o setor público cresce sempre a taxas mais elevadas, de tal forma que a participação relativa do governo na economia cresce com o próprio ritmo de crescimento econômico do país.” As razões apontadas para a formulação de tal hipótese são de três tipos, conforme observa Richard Bird.10

I. A primeira é relacionada ao crescimento das funções administrativas e de segurança que acompanham o processo de industrialização, inclusive o próprio crescimento do número de bens públicos em decorrência de maior complexidade da vida urbana.

II. A segunda é devida ao crescimento das necessidades relacionadas à promoção de bem-estar social (Educação e Saúde), cuja demanda deveria aumentar com o crescimento econômico do país.

III. A terceira razão é em face do desenvolvimento de condições para a criação dos monopólios, em virtude de modificações tecnológicas e da crescente necessidade de vultosos investimentos para a expansão de alguns setores industriais, cujos efeitos teriam que ser reduzidos por meio de maior intervenção direta ou indireta do governo no processo produtivo.

Embora a “Lei de Wagner” não tenha sido estabelecida com base em verificações empíricas de preferências individuais por bens públicos durante o processo de crescimento, sua argumentação aproxima-se de tentativas recentes de explicar o comportamento da evolução das despesas públicas baseado nos estudos econométricos da demanda dos diferentes componentes da atividade exercida pelo governo.

Em praticamente todos os estudos formulados, a renda per capita, a população, a densidade demográfica e o grau de urbanização, entre outras de menor importância, são destacados como variáveis importantes na análise e determinação do crescimento dos gastos nas diferentes funções exercidas pelo governo. À medida que outros fatores — principalmente demográficos — evoluem juntamente com o próprio crescimento da renda, a demanda global de bens produzidos pelo governo apresenta-se, normalmente, com elasticidade-renda superior à unidade, o que comprova, em parte, a proposição estabelecida anteriormente.

É necessário enfatizar, todavia, que a hipótese formulada se refere ao crescimento dinâmico da participação do governo em um mesmo país e não pode evidentemente ser comprovada com base em comparações internacionais que utilizem a relação despesas governo/PIB em um ponto do tempo para diferentes países11.

Peacock e Wiseman, por outro lado, abordam o problema de crescimento das despesas públicas por um ângulo completamente diferente. Para eles, o crescimento dos gastos totais do governo em determinado país é muito mais uma função das possibilidades de obtenção de recursos do que da expansão dos fatores que explicam o crescimento da demanda de serviços produzidos pelo governo. Isto é, o crescimento das atividades do governo é limitado pelas possibilidades de expansão da oferta, e estas, por seu turno, limitadas pelas possibilidades de incremento na tributação.

Os indivíduos, segundo Peacock e Wiseman, teriam, assim, comportamento diferente quanto à demanda de bens produzidos pelo governo e quanto à disposição de contribuir com os

10 BIRD, Richard. Op. cit. p. 70.11 Esse ponto também foi notado por BIRD, Op. cit. p. 76.

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recursos necessários à produção desses mesmos bens. Em períodos normais, a resistência à elevação da carga tributária seria suficiente para impedir um crescimento dos gastos, a despeito da pressão exercida pelo crescimento da demanda. Esta, por sua vez, se faria sentir quando grandes perturbações de natureza política ou socioeconômica — tais como as grandes guerras mundiais — contribuíssem para aliviar a mencionada resistência ao incremento na tributação.

O incremento na tributação elevaria imediatamente o total de gastos aos novos níveis permitidos pela elevaçãona disponibilidade de recursos. Esse efeito de fatores exógenos sobre o comportamento dos gastos foi chamado de “efeito translação”, reconhecido pelos autores como o principal fator a explicar o processo evolutivo das despesas governamentais com base na análise empírica da experiência da Grã-Bretanha, sendo assim uma outra variável não desprezível do aumento dos gastos públicos.

O caso da inflação é típico e interessa de perto à experiência brasileira e de outros países em processo de desenvolvimento. À medida que os indivíduos sofram de ilusão monetária, o limite à expansão dos gastos imposto pela resistência a aumentos na carga tributária pode ser superado utilizando a inflação como um substituto para aumento dos tributos. Nesse caso, a expansão dos gastos é financiada com a emissão de papel-moeda, pelo mecanismo normalmente chamado de “poupança forçada”.

Como o processo só funciona enquanto persistir a ilusão monetária, e como esta tende a desaparecer à medida que perdura a inflação, o efeito sobre o nível relativo das despesas do governo no produto é transitório, assumindo, assim, as características do “efeito-translação” citado.

Além do “efeito-translação”, Peacock e Wiseman identificam outro efeito importante no processo de crescimento dos gastos do setor público: o “efeito-concentração”. Este se refere à tendência à progressiva concentração das decisões em níveis mais elevados de governo, concomitantemente com a própria expansão da participação do governo na economia.

Essa centralização das decisões — que não significa necessariamente centralização dos gastos — tem sido grandemente observada em países de organização federal de governo, nos quais o mecanismo decisório é progressivamente centralizado nas mãos do Governo Federal, ao mesmo tempo em que a execução direta é atribuída aos governos locais.

As razões principais para a ocorrência do fenômeno mencionado estão basicamente associadas ao objetivo simultâneo de centralização das decisões para compatibilizar os problemas de política fiscal com a formulação geral de política econômica, e de descentralização das atividades executivas para aumentar a eficiência da atuação do governo.

Para a análise secular do crescimento das despesas públicas, as contribuições teóricas mencionadas parecem complementar-se na tentativa de generalização de princípios que explicam o processo de crescimento das atividades do setor público.

De um lado, a análise de Wagner enfatiza a renda per capita como principal variável a explicar a expansão da demanda de bens produzidos pelo governo. De outro, Peacock e Wiseman estabelecem que o crescimento do setor público, em que pese o crescimento da demanda, estaria limitado pelas possibilidades de expansão da oferta, a qual, por sua vez, é limitada pela possibilidade de crescimento da tributação.

Isso significa que, embora em longo prazo a participação das despesas do governo na Renda Nacional cresça, o processo de crescimento não deve apresentar-se harmônico, mas obedecer a um padrão alternado de períodos de relativa estabilidade com outros de rápido crescimento. Apenas a título de ilustração, será mostrado no gráfico I.

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Gráfico I - Participação da despesa total do setor público brasileiro no PIB — 1948 - 1994.

Fontes: FGV e IBGE.

9.2 TEORIA DAS FINANÇAS PÚBLICAS

Embora muito tem-se ouvido dizer sobre redução de gastos governamentais e redução do "tamanho" do Estado, a sua participação na economia é de extrema importância, e inúmeras são as funções desempenhadas. Fica difícil decidir onde serão feitos os cortes: se na saúde, educação, defesa, policiamento, justiça ou, enfim, no investimento econômico-social. Estes são gastos públicos que são feitos em algumas áreas onde a iniciativa privada também está presente, entretanto,ficam algumas lacunas a serem preenchidas pelo Estado. A estas lacunas, não preenchidas pela iniciativa privada, chamou-se de falhas de mercado.

As falhas de mercado são fenômenos que impedem que a economia alcance o ótimo de Pareto, ou seja, o estágio de welfare economics, ou Estado de bem-estar social através do livre mercado, sem interferência do governo.

As falhas de mercado podem ser classificadas em:

a. existência dos bens públicos: bens que são consumidos por diversas pessoas ao mesmo tempo (ex. rua). Os bens públicos são de consumo indivisível e não excludente. Assim, uma pessoa adquirindo um bem público não tira o direito de outra adquirí-lo também;

b. existência de monopólios naturais: monopólios que tendem a surgir devido ao ganho de escala que o setor oferece (ex. água, elergia). O governo acaba sendo obrigado a assumir a produção ou criar agências que impeçam a exploração dos consumidores;

c. as externalidades: uma fábrica pode poluir um rio e ao mesmo tempo gerar empregos. Assim, a poluição é uma externalidade negativa porque causa danos ao meio ambiente e a geração de empregos é uma externalidade positiva por aumentar o bem estar e diminuir a criminalidade. O governo deverá agir no sentido de inibir atividades que causem externalidades negativas e incentivar atividades causadoras de externalidades positivas; e

d. desenvolvimento, emprego e estabilidade: principalmente em economias em desenvolvimento a ação governamental é muito importante no sentido de gerar

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crescimento econômico através de bancos de desenvolvimento, criar postos de trabalho e da buscar a estabilidade econômica.

Para que o Estado venha a sanar as falhas de mercado, se faz necessário que se lance mão do que se chama de funções do governo. Um governo possui funções alocativas, distributivas e estabilizadoras.

a. função alocativa: relaciona-se à alocação de recursos por parte do governo a fim de oferecer bens públicos (ex. rodovias, segurança), bens semi-públicos ou meritórios (ex. educação e saúde), desenvolvimento (ex. construção de usinas), etc.;

b. função distributiva: é a redistribuição de rendas realizada através das transferências, dos impostos e dos subsídios governamentais. Um bom exemplo é a destinação de parte dos recursos provenientes de tributação ao serviço público de saúde, serviço o qual é mais utilizado por indivíduos de menor renda.

c. função estabilizadora: é a aplicação das diversas políticas econômicas a fim de promover o emprego, o desenvolvimento e a estabilidade, diante da incapacidade do mercado em assegurar o atingimento de tais objetivos.

Verifica-se assim, com muita clareza, a importância do Estado intervencionista. Os ideólogos do liberalismo têm ojeriza ao Estado, no entanto, no primeiro sintoma de uma crise seja esta financeira ou econômica, logo o Estado é responsabilizado e chamado para que tal situação seja normalizada.

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CAPÍTULO IV − ECONOMIA

Para que o Estado possa cumprir com o seu papel junto à sociedade que é a de atender as necessidades desta, se faz necessário que aquele busque recursos. O Estado sendo um ente que não produz riquezas terá que, inevitalvelmente, buscá-los junto a esta mesma sociedade. Será esta portanto, quem irá suprir o Estado de recursos para que este possa fazer sua distribuição, através de suas políticas públicas, para a sua população.

Estes recursos normalmente serão buscados junto à sociedade em forma de tributos e é o Direito Financeiro que trata justamente do regramento jurídico da atividade financeira do Estado. Diz-se que o Estado exercita apenas atividade financeira, como tal entendido o conjunto de atos que o Estado pratica na obtenção, na gestão e na aplicação dos recursos financeiros de que necessita para atingir os seus fins.

Em função de que Estado busca os recursos, necessários à execução de suas atividades junto a seu povo, e que o objeto de estudo aqui pretendido diz respeito à finanças públicas, é que passa-se a estudar a Economia como ciência que estuda a produção e distribuição de recursos escassos.

1. CONCEITOS DE ECONOMIA

A economia pode ser definida assim: o estudo de como as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos, que poderiam ter utilizações alternativas, para produzir bens variados. Assim pode-se dizer que Economia é uma ciência social que estuda os processos de produção, distribuição, comercialização e consumo de bens e serviços. Os economistas estudam a forma dos indivíduos, os diferentes coletivos, as empresas de negócios e os governos alcançarem seus objetivos no campo econômico. Seu estudo pode ser dividido em dois grandes campos: a microeconomia, teoria dos preços, e a macroeconomia.

Microeconomia- estuda o comportamento de cada “molécula econômica” do sistema, por meio de preços e quantidades relativas. Para exemplificar, pode-se citar a análise do funcionamento de empresas.

Macroeconomia- analisa o comportamento da economia como um todo, por meio de preços e quantidades absolutos. Faz parte dela os movimentos globais nos preços, na produção ou no emprego.

2. MICROECONOMIA

Visto que a disciplina a ser vista nesta apostila é a Ciência das Finanças cujo objeto de estudo é a Política Fiscal ou Política Orçamentária num Estado de Economia Mista, acredita-se, se fazer necessário os conceitos básicos de Microeconomia uma vez que é este ramo da Ciência Econômica que trata do comportamento entre consumidores e produtores. Sendo estes os atores da sociedade os que pagam tributos ao Estado, nada mais conveniente do que se fazer uma abordagem ainda que de modo bastante sucinto.

2.1 DEFINIÇÃO

Microeconomia é o ramo da ciência econômica voltado ao estudo do comportamento das unidades de consumo (indivíduos e famílias); ao estudo das empresas e ao estudo da produção de preços dos diversos bens, serviços e fatores produtivos. Portanto, a microeconomia, ou teoria dos

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preços, analisa a formação de preços no mercado, ou seja, como a empresa e o consumidor interagem e decidem qual o preço e a quantidade de determinado bem ou serviço em mercados específicos.

A teoria microeconômica não deve ser confundida com economia de empresas, pois tem enfoque distinto. A microeconomia estuda o funcionamento da oferta e da demanda na formação do preço no mercado, isto é, o preço obtido pela interação do conjunto de consumidores com o conjunto de produtores que fabricam um dado bem ou serviço.

Os agentes da demanda — os consumidores — são aqueles que se dirigem ao mercado com o intuito de adquirir um conjunto de bens ou serviços que lhes maximize sua função utilidade. No Direito, utilizou-se a conceituação econômica para se definir consumidor: pessoa natural ou jurídica que no mercado adquire bens ou contrata serviços como destinatário final, visando atender a uma necessidade própria.

A conceituação de empresa, entretanto, possui duas visões: a econômica e a jurídica. Do ponto de vista econômico, empresa é a combinação realizada pelo empresário dos fatores de produção: capital, trabalho, terra e tecnologia, de tal modo organizados para se obter o maior volume possível de produção ou de serviços ao menor custo, enquanto que a doutrina jurídica, reconhece-se o estabelecimento como uma universalidade de direito, incluindo-se na atividade econômica um complexo de relações jurídicas entre o empresário e a empresa. 12 O empresário é, assim, o sujeito da atividade econômica, e o objeto é constituído pelo estabelecimento, que é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos utilizados no processo de produção. A empresa, nesse contexto, é o complexo de relações jurídicas que unem o sujeito ao objeto da atividade econômica.13

2.2 TEORIA ELEMENTAR DO FUNCIONAMENTO DO MERCADO

2.2.1 Demanda (Procura)

A demanda ou procura de um bem é simplesmente a quantidade deste bem que os consumidores desejam adquirir a determinado preço, em determinado período de tempo.

É importante notar, nesse ponto, que a demanda é um desejo de consumir, e não sua realização. Demanda é o desejo de comprar. A teoria da demanda é derivada da hipótese sobre a escolha do consumidor entre diversos bens que seu orçamento permite adquirir. Essa procura individual seria determinada pelo preço do bem; o preço de outros bens; a renda do consumidor e seu gosto ou preferência.

A quantidade demandada ou procurada de um bem varia inversamente em relação ao seu preço. Em outras palavras, quanto mais caro está o bem, menos ele é demandado. Quanto mais barato está o bem, mais ele é demandado. Esta é a milenar lei da demanda, e qualquer ser humano, gozando de suas faculdades mentais, quando vai ao mercado fazer compras aplica esta lei, ainda que implicitamente.

Quase todas as mercadorias obedecem à lei da demanda decrescente, segundo a qual a quantidade demandada diminui quando o preço aumenta. Isto se deve ao fato de os indivíduos estarem, geralmente, mais dispostos a comprar quando os preços estão mais baixos. Para que estas afirmativas fiquem mais claras, pede-se seja dada maior atenção ao exemplo hipotético de um mercado consumidor de um determinado produto, descrito no gráfico II.

Gráfico II – Curva de demanda

12 No Brasil, a lei reconhece o estabelecimento como uma universalidade de fato e não de direito.13 É de se notar que, no Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, em vez de serem utilizados termos como “industrial”, “comerciante”, “banqueiro” etc, ou genericamente “empresário”, preferiu-se “fornecedor”.

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Exceção à lei da demanda: existe um tipo de bem que não obedece à lei da demanda: é o bem de Gifen. Para este bem, aumentos de preço geram aumentos de quantidade demandada e reduções de preço geram redução de quantidade demandada.

Como exemplo deste tipo de bem, tem-se os bens de luxo, como jóias e carros esportivos, que geralmente têm seu consumo relacionado ao status e poder aquisitivo do possuidor, que quer mostrar aos demais que tem uma renda privilegiada. Desta forma, quanto mais caros estes bens, maior a procura.

Fatores que afetam a demanda

A demanda de um bem depende de uma série de outros fatores que vão além simplesmente do preço deste bem:

a. Renda do consumidor: na maioria das vezes, o aumento de renda provoca o aumento da demanda.

b. Preços de outros bens: se o consumidor deseja adquirir arroz, ele também verificará o preço do feijão, já que o consumo destes bens é associado. O mesmo ocorre com o preço do DVD e do aparelho de DVD.

Quando o consumo de um bem é associado ao consumo de outro bem, se diz que estes bens são complementares. De forma oposta, quando o consumo de um bem substitui ou exclui o consumo de outro bem, se diz que estes bens são substitutos ou sucedâneos. É o que acontece, neste último caso, com a manteiga e a margarina, refrigerante e suco, carne bovina e carne de frango, etc.

A demanda de um bem, portanto, depende não só dos vários fatores ditos anteriormente, mas, sobretudo, da ação conjunta deles. Para que os economistas consigam analisar a influência de uma variável na demanda, utiliza-se a suposição de que todas as outras variáveis permanecem constantes. No jargão econômico é utilizado o termo coeteris paribus, que quer dizer: todo o restante permanecendo constante.

Por exemplo, ao se afirmar que o aumento da renda, coeteris paribus, aumenta a demanda de um bem, se está afirmando que se deve considerar isoladamente o aumento de renda na demanda. Esta observação é muito importante para questões de concursos públicos.

2.2.2 Oferta

A oferta de um bem é simplesmente a quantidade deste bem que os produtores desejam vender a determinado preço, em determinado período de tempo. Dentro desta idéia, surge o conceito fundamental de curva de oferta de um bem. Ela informa, graficamente, a quantidade que os vendedores desejam vender à medida que muda o preço unitário.

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Os vendedores possuem uma atitude diferente dos compradores, frente aos preços altos. Se estes desalentam os consumidores, estimulam os vendedores a produzirem e venderem mais, portanto, quanto maior o preço maior a quantidade ofertada.

A função oferta mostra a relação existente entre a quantidade de um bem que os produtores desejam vender e o preço desse bem, mantendo-se o restante constante.

Desta forma, há uma relação diretamente proporcional entre os preços e as quantidades ofertadas. Assim, o gráfico da curva de oferta terá inclinação para cima, ascendente, crescente ou positiva. A lei da oferta pode ser representada pelo gráfico III.

Fatores que influenciam a oferta

Similarmente à demanda, a oferta é influenciada por vários fatores além do preço:

a. Custos de produção: quanto maiores os custos de produção, menor o estímulo para ofertar o bem ao mesmo nível de preços. Quanto menores os custos de produção, maior será o estímulo para ofertar o bem. Como exemplo de custos de produção, podemos apresentar os tributos, salários dos empregados, taxas de juros, preço das matérias-primas, etc.

b. Tecnologia: o aumento de tecnologia estimula o aumento da oferta, tendo em vista que o desenvolvimento da tecnologia, geralmente, implica reduções do custo de produção e aumento da produtividade.

c. Preços de outros bens: se os preços de outros bens (que usam o mesmo método de produção) subirem enquanto o preço do bem X não se altera, obviamente, os produtores procurarão ofertar aquele bem que possui o maior preço e lhe trará maiores lucros.

Gráfico III – Curva de oferta

2.2.3 Equilíbrio de Mercado

É importante destacar que qualquer resultado do mercado de bens, seja no preço ou na quantidade de equilíbrio, é fruto da interação entre as forças de demanda e oferta. Parafraseando o economista Alfred Marshall, um dos pioneiros no estudo da demanda e oferta: “é necessário tanto a demanda como a oferta para determinar resultados econômicos, da mesma forma como são necessárias as duas lâminas de uma tesoura para cortar um tecido.”

O equilíbrio da oferta e da procura num mercado concorrencial é atingido com um preço que faz igualar as forças da oferta e procura. O preço de equilíbrio é aquele com o qual a quantidade procurada é precisamente igual à quantidade oferecida. Vale salientar que se este ponto existi, será por pouco tempo pois logo as forças produtivas não ficarão mais satisfeitas e um novo ponto de

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equilíbrio será buscado. Para ilustrar hipoteticamente tal situação, as tabela e gráfico IV vêm demonstar o ponto de equilíbrio de mercado.

Pois bem, dadas duas curvas, uma de demanda e outra de oferta, o preço e a quantidade de equilíbrio estarão exatamente no ponto onde a demanda iguala a oferta, conforme ilustrado no gráfico IV.

Gráfico IV – Curva de equilíbrio de mercado

Na intersecção das curvas de oferta e demanda (ponto E), ter-se-á o preço e a quantidade de equilíbrio, isto é, o preço e a quantidade que atendem às aspirações dos consumidores e dos produtores simultaneamente.

2.3 INTERFERÊNCIA DO GOVERNO NO EQUILÍBRIO DE MERCADO

O governo intervém na formação de preços de mercado quando fixa impostos, dá subsídios, estabelece os critérios de reajuste do salário mínimo, fixa preços mínimos para produtos agrícolas, decreta tabelamentos ou, ainda, congela preços e salários.

a. Estabelecimento de impostos

Embora seja tratado na parte de Macroeconomia o papel do governo por meio dos instrumentos da política tributária, é interessante observar o enfoque microeconômico da tributação, que ressalta a questão da incidência do tributo. Sabe-se que quem recolhe a totalidade do tributo é a empresa, mas isso não quer dizer que é ela quem efetivamente o paga. Assim, saber sobre quem recai efetivamente o ônus do tributo é uma questão da maior importância na análise dos mercados.

Os tributos podem ser classificados em impostos, taxas ou contribuições de melhoria, sendo que os impostos dividem-se em:

i. impostos indiretos: impostos incidentes sobre o consumo ou sobre as vendas. Exemplos: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI);

ii. impostos diretos: impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio. Exemplos: Imposto de Renda (IR) e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

Entre os impostos indiretos destacar-se-ão:

♦ imposto específico: o valor do imposto é fixo, independentemente do valor da unidade vendida. Exemplo: para cada carro vendido, recolhe-se, a título de imposto, R$ 5.000 ao governo (esse valor é fixo e independe do valor do automóvel);

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♦ imposto ad valorem: é um percentual (alíquota) aplicado sobre o valor da venda. Exemplo: supondo a alíquota do IPI sobre automóveis de 10%, se o valor do automóvel for de R$ 50.000, o valor do IPI será de R$ 5.000; se seu valor aumentar para R$ 60.000, o valor do IPI será de R$ 6.000. Assim, como se pode notar, a alíquota permanece inalterada em 10%, enquanto o valor do imposto varia com o preço do automóvel.

No Brasil, há poucos impostos específicos, sendo a quase totalidade dos impostos incidentes sobre o consumo do gênero ad valorem.

No ato do recolhimento, um aumento de impostos representa um aumento de custos de produção para a empresa. Se ela quiser continuar vendendo as mesmas quantidades anteriores, terá de elevar o preço de seu produto, ou seja, procurará repassar o imposto para o consumidor. Caso contrário terá de reduzir seu volume de produção. A proporção do imposto paga por produtores e consumidores é a chamada incidência tributária, que mostra sobre quem recai efetivamente o ônus do imposto.

O produtor procurará repassar a totalidade do imposto ao consumidor. Entretanto, a margem de manobra de repassá-lo dependerá do grau de sensibilidade desse a alterações do preço do bem. E essa sensibilidade (ou elasticidade) dependerá do tipo de mercado. Quanto mais competitivo ou concorrencial o mercado, maior a parcela do imposto paga pelos produtores, pois eles não poderão aumentar o preço do produto para nele embutir o tributo. O mesmo ocorrerá se os consumidores dispuserem de vários substitutos para esse bem.

Por outro lado, quanto mais concentrado o mercado — ou seja, com poucas empresas —, maior o grau de transferência do posto para os consumidores finais, que contribuirão com maior parcela do imposto.

Há uma diferença entre o conceito jurídico e o conceito econômico de incidência. Do ponto de vista legal, a incidência refere-se a quem recolhe o imposto aos cofres públicos; do ponto de vista econômico, diz respeito a quem arca efetivamente com o ônus. Normalmente os impostos indiretos são recolhidos pelas empresas, mas elas repassam parte do imposto, aumentando o preço do produto e, assim, onerando o consumidor final.

b. Política de preços mínimos na agricultura

Trata-se de uma política que visa dar uma garantia de preços ao produtor agrícola, com propósito de protegê-lo das flutuações dos preços no mercado, ou seja, ajudá-lo diante de ma possível queda acentuada de preços e conseqüentemente da renda agrícola.

O governo, antes do início do plantio, garante um preço que ele pagará após a colheita do produto. Se, por ocasião da colheita, os preços de mercado forem superiores aos preços mínimos, o agricultor preferirá vendê-la no mercado.

Contudo, se os preços mínimos forem superiores aos preços de mercado, o produtor preferirá vender sua produção para o governo ao preço anteriormente fixado. Nesse caso, com o preço mínimo acima do preço de equilíbrio de mercado, haverá um excedente de produto adquirido pelo governo, que será utilizado como estoque regulador em momentos subseqüentes. Pode ser apresentado graficamente como no gráfico V.

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Gráfico V - Fixação do preço mínimo

Nesse caso, o governo pode adotar dois tipos alternativos de políticas:

comprar o excedente (Q0−Q’0) ao preço mínimo Pmin (política de compras); pagar subsídio no preço (política de subsídios): o governo deixa os

produtores colocarem no mercado toda a produção Q0, o que provocará grande queda no preço pago pelos consumidores (Pcons) Os produtores receberão Pmin e o governo bancará a diferença (Pmin−Pcons). Evidentemente, que o governo optará pela política menos onerosa.

c. Tabelamento

Refere-se à intervenção do governo no sistema de preços de mercado visando coibir abusos por parte dos vendedores, controlar preços de bens de primeira necessidade ou, então, refrear o processo inflacionário, como foi adotado no Brasil (Planos Cruzado, Bresser), quando se aplicou o congelamento de preços e salários.

2.4 ESTRUTURAS DE MERCADO

Foi visto anteriormente quais variáveis afetam a oferta e demanda de bens e serviços, e como são determinados os preços, supondo que, sem interferências, o mercado automaticamente encontra seu equilíbrio. Implicitamente, estava sendo suposta uma estrutura específica de mercado, qual seja a de concorrência perfeita. Discutir-se-á neste item mais detidamente essa e outras formas de mercado.

As várias formas ou estruturas de mercado dependem fundamentalmente de três características:

a) número de empresas que compõem esse mercado;

b) tipo do produto (se as firmas fabricam produtos idênticos ou diferenciados); e

c) se existem ou não barreiras ao acesso de novas empresas nesse mercado.

A maior parte dos modelos existentes pressupõe que as empresas maximizam o lucro total, o que, como foi visto no final do capítulo anterior, corresponde ao nível de produção no qual a receita marginal se iguala ao custo marginal. Essa é a hipótese da teoria tradicional ou marginalista.

Especificamente para o caso de estruturas oligopolistas de mercado, veremos que existe uma teoria alternativa, que pressupõe que a empresa maximiza o mark-up, que é a margem entre a receita e os custos diretos (ou variáveis) de produção.

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2.4.1 Concorrência pura ou perfeita

A concorrência pura ou concorrência perfeita é um tipo de mercado em que há grande número de vendedores (empresas), de tal sorte que uma empresa, isoladamente, não afeta a oferta do mercado nem, conseqüentemente, o preço de equilíbrio. O grande número de empresas nesse mercado faz com que elas sejam apenas tomadoras de preços, ou pricetakers.

Deve-se salientar que, na realidade, não existe o mercado tipicamente de concorrência perfeita, sendo talvez o mercado de produtos hortifrutigranjeiros o exemplo mais próximo a esse modelo.

2.4.2 Monopólio

O mercado monopolista caracteriza-se por apresentar condições diametralmente opostas às da concorrência perfeita. Nele existe um único empresário (empresa) dominando inteiramente a oferta, de um lado, e todos os consumidores, de outro. Não há, portanto, concorrência, nem produto substituto ou concorrente. Nesse caso, ou os consumidores se submetem às condições impostas pelo vendedor, ou simplesmente deixarão de consumir o produto.

2.4.3 Oligopólio

O oligopólio é um tipo de estrutura normalmente caracterizada por um pequeno número de empresas que dominam a oferta de mercado. Ele pode ser definido como um mercado em que há pequeno número de empresas, como a indústria automobilística, ou então em que há grande número de empresas, mas poucas dominam o mercado, como na indústria de bebidas.

O setor produtivo brasileiro é altamente oligopolizado, sendo possível encontrar inúmeros exemplos: montadoras de veículos, setor de cosméticos, indústria de papel, indústria de bebidas, indústria química, indústria farmacêutica, dentre outras.

2.4.4 Concorrência monopolística

A concorrência monopolística é uma estrutura de mercado intermediária entre a concorrência perfeita e o monopólio, mas que não se confunde com o oligopólio, pelas seguintes características:

♦ número relativamente grande de empresas com certo poder concorrencial, porém com segmentos de mercados e produtos diferenciados, seja por características físicas, embalagem, seja pela prestação de serviços complementares (pós-venda);

♦ margem de manobra para fixação dos preços não muito ampla, uma vez que existem produtos substitutos no mercado.

Essas características acabam dando um pequeno poder monopolista sobre o preço do produto, embora o mercado seja competitivo (daí o nome concorrência monopolística, que é aparentemente contraditório).

Como em concorrência perfeita, não há barreiras ao acesso de empresas no mercado. Assim, lucros extraordinários em curto prazo atrairão novas empresas, e, em longo prazo, só existirão lucros normais.

2.4.5 Estruturas do mercado de fatores de produção

Até aqui foram identificadas as estruturas de mercados de bens e serviços. O mercado de fatores de produção — mão-de-obra, capital, terra e tecnologia — também apresenta diferentes

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estruturas. Como o mercado de fatores depende da demanda de insumos pelos setores produtores de bens e serviços, ou seja, deriva do mercado do produto, a demanda por esses fatores é chamada de demanda derivada. Por exemplo, como a demanda de autopeças deriva da demanda de automóveis, se houver redução da demanda de automóveis, cairá também a demanda por autopeças.

As estruturas no mercado de fatores são resumidas a seguir.

a. Concorrência perfeita no mercado de fatores

A concorrência perfeita no mercado de fatores corresponde ao mercado cuja oferta do fator de produção (por exemplo, mão-de-obra não especializada) é abundante, o que torna o preço desse fator constante. Os ofertantes ou fornecedores, como são em grande número, não têm condições de obter preços mais elevados por seus serviços.

b. Monopólio no mercado de fatores

Quando há um monopolista na venda de insumos.

c. Oligopólio no mercado de fatores

Ocorre quando poucas empresas produzem um determinado insumo (oligopólio na venda do insumo).

d. Monopsônio (monopólio na compra de insumos)

O monopsônio ou monopólio na compra de insumos compreende uma forma de mercado na qual há somente um comprador para muitos vendedores dos serviços dos insumos. E o caso da empresa que se instala em determinada cidade do interior e, por ser a única, torna-se demandante exclusiva da mão-de-obra local e das cidades próximas, tendo para si a totalidade da oferta de mão-de-obra.

e. Oligopsônio (oligopólio na compra de insumos)

O oligopsônio ou oligopólio na compra de insumos é o mercado em que há poucos compradores negociando com muitos vendedores. Por exemplo: a indústria de laticínios, pois em cada cidade existem dois ou três laticínios que adquirem a maior parte do leite dos inúmeros produtores rurais locais. A indústria automobilística, além de oligopolista no mercado de bens e serviços, também é oligopsonista na compra de autopeças.

f. Monopólio bilateral

O monopólio bilateral ocorre quando um monopsonista, na compra do fator de produção, defronta com um monopolista na venda desse fator. Por exemplo, só a empresa A compra um tipo de aço que é produzido apenas pela siderúrgica B. A empresa A é monopsonista, porque só ela compra esse tipo de aço, e a siderúrgica B é monopolista, porque só ela vende esse tipo de aço.

Nesses casos, a determinação dos preços de mercado dependerá não só de fatores econômicos, mas do poder de barganha de ambos: o monopsonista tentando pagar o preço mais baixo (usando a força de ser o único comprador), e o monopolista tentando vender a um preço mais elevado (usando o poder de ser o único fornecedor).

2.5 A AÇÃO GOVERNAMENTAL E OS ABUSOS DO PODER ECONÔMICO NOS MERCADOS

O Brasil possui, desde os anos 1960, extensa legislação que procura coibir os abusos do poder econômico em defesa da concorrência e da proteção aos consumidores.

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Dentro do chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, o Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE), a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) são os órgãos que tem por objetivo julgar os excessos administrativos relativos a abusos do poder econômico, bem como analisar fusões de empresas que podem criar situações de monopólio ou maior domínio de mercado.

Quando se prova que a limitação da concorrência não propicia ganhos aos consumidores em termos de menores preços ou produtos tecnologicamente mais avançados, o Cade pode determinar que o negócio seja desfeito.

3. MACROECONOMIA

Uma vez que o Estado arrecada os tributos, na maioria das vezes de forma coercitiva, junto à sociedade e que estes recursos são escassos, se faz necessário que o emprego destes seja feito da maneira mais racional e eficaz possível, com vistas a atender o maior número possível das necessidades de pessoas da sociedade. Para que tal ocorra se faz necessário o comprometimento da administração pública com um de seus princípios básicos, qual sejá, a eficiência.

Para que os gastos sejam feitos de maneira eficiente e eficaz, torna-se inprescindível o uso de um controle de gestão que contenha indicadores que venham a medir a qualidade de vida da sociedade. Estes indicadores, criados e medidos pelo Estado, são objeto de estudo da macroeconomia e são definidos como os grandes agregados econômicos. É sobre estes indicadores que passar-se-á ao detalhamento.

3.1 DEFINIÇÃO

A Macroeconomia estuda o comportamento do sistema econômico por um reduzido número de fatores, através de indicadores próprios chamados de grandes agregados, como a produção ou produto total de uma economia, o nível de emprego e poupança, o investimento, o consumo, o nível geral dos preços. Seus principais objetivos estão no rápido crescimento do produto e do consumo, no aumento da oferta de empregos, na inflação reduzida e no comércio internacional vantajoso.

3.2 OBJETIVOS DA POLÍTICA MACROECONÔMICA

São os seguintes os objetivos da política macroeconômica:

a. alto nível de emprego;b. estabilidade de preços;c. distribuição de renda socialmente justa;d. crescimento econômico.

As questões relativas ao emprego e à inflação são consideradas conjunturais, de curto prazo, a preocupação central das chamadas políticas de estabilização. As questões relativas ao crescimento econômico e à distribuição de renda envolvem aspectos também estruturais, que são predominantemente de longo prazo.

3.2.1 Alto nível de emprego

Pode-se dizer que as discussões sobre desemprego, a partir dos anos 1930, permitiram um aprofundamento da análise macroeconômica. E o livro de John Maynard Keynes, Teoria geral do emprego, dos juros e da moeda, de 1936, forneceu aos governantes os instrumentos necessários para que a economia recuperasse seu nível de emprego potencial ao longo do tempo.

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Deve-se salientar que antes da crise mundial dos anos 30 do século XX, o desemprego não preocupava a maioria dos governantes, pelo menos nos países capitalistas. Isso porque predominava o pensamento liberal, que acreditava que os mercados, sem interferência do Estado, conduziriam a economia ao pleno emprego de seus recursos, ou a seu produto potencial: milhões de consumidores e milhares de empresas, como que guiados por uma “mão invisível” determinariam os preços e a produção de equilíbrio, e, desse modo, não haveria problemas de desempenho.

A não interferência do governo levou à quebra da Bolsa de Nova York em 1929, e uma crise de desemprego atingiu todos os países do mundo ocidental nos anos seguintes. Com a contribuição de Keynes, contudo, fincaram-se as bases da moderna teoria macroeconômica, e da intervenção do Estado na economia de mercado. Na verdade, Keynes praticamente inaugurou a seguinte discussão macroeconômica, que perdura até hoje: qual deve ser o grau de intervenção do Estado na economia e em que medida ele deve ser produtor de bens ou serviços.

A corrente dos economistas liberais (hoje neoliberais) prega que, na economia, o governo deva cuidar apenas da política monetária e deixar a produção de bens e serviços para o setor privado, enquanto outras correntes apregoam maior grau de atuação do Estado na atividade econômica (keynesianos, desenvolvimentistas, socialistas, etc.).

3.2.2 Estabilidade de preços

Define-se inflação como o aumento contínuo e generalizado no nível geral de preços. Esta torna-se um problema para toda a sociedade porque acarreta distorções, principalmente sobre a distribuição da renda, sobre as expectativas dos agentes econômicos e sobre o balanço de pagamentos.

- Demonstrativo de perda de poder aquisitivo

Meses(R$)

Salário Nominal

Inflação(R$)

Salário Real

Perda Aquisitiva (R$)no mês até o mês

Jan 1.500,00 6% 1.410,00 90,00 90,00Fev 1.500,00 6% 1.325,40 84,60 174,60Mar 1.500,00 6% 1.245,88 79,52 254,12Abr 1.500,00 6% 1.171,12 74,75 328,88Mai 1.500,00 6% 1.100,86 70,27 399,14Jun 1.500,00 6% 1.034,80 66,05 465,20Jul 1.500,00 6% 972,72 62,09 527,28

Ago 1.500,00 6% 914,35 58,36 585,65Set 1.500,00 6% 859,49 54,86 640,51Out 1.500,00 6% 807,92 51,57 692,08Nov 1.500,00 6% 759,45 48,48 740,55Dez 1.500,00 6% 713,88 45,57 786,12

Costuma-se aceitar que um pouco de inflação faça parte dos ajustes de uma sociedade dinâmica, em crescimento. Efetivamente, a experiência histórica mostra que existem algumas condições inflacionárias que são inerentes ao próprio processo de crescimento econômico. As tentativas dos países em via de desenvolvimento de alcançar estágios mais avançados de crescimento econômico dificilmente se realizam sem que também ocorram, concomitantemente, elevações no nível geral de preços.

Mesmo em países mais desenvolvidos, o controle da inflação também é uma preocupação sempre presente, dado que, quanto maior o nível de atividade econômica, a utilização dos recursos produtivos tende a atingir sua capacidade máxima, gerando tensões inflacionárias.

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3.2.3 Distribuição eqüitativa de renda

A economia brasileira cresceu razoavelmente entre o fim dos anos 1960 e a maior parte da década de 1970. Apesar disso, verificou-se uma disparidade muito acentuada de nível de renda, tanto entre diferentes grupos socioeconômicos como entre as regiões brasileiras. Tal situação fere, evidentemente, o sentido de eqüidade ou justiça social.

No Brasil, os críticos do “milagre econômico” argumentam que a concentração de renda no país piorou entre os anos 1967 e 1973 devido a uma política deliberada do governo de primeiro crescer para depois distribuir (a chamada teoria do bolo).

A posição oficial era de que certo aumento na concentração de renda seria inerente ao próprio desenvolvimento capitalista, dadas as transformações estruturais que ocorrem nesse processo: êxodo rural, com trabalhadores de baixa qualificação, aumento da proporção de jovens, entre outros.

Em países que tiveram um crescimento bastante rápido, principalmente após a 2 guerra mundial, como Brasil, Chile, México, Coréia do Sul, gerou-se um aumento abrupto da demanda por mão-de-obra qualificada, que, por ser escassa, obtém ganhos extras relativamente aos trabalhadores menos qualificados (que também tiveram ganhos nesse processo, mas menores que os mais qualificados). Assim, a falta de qualificação da mão-de-obra teria sido o principal determinante da piora distributiva nesses países.

Deve ser observado que, embora tenha ocorrido no Brasil uma concentração de renda naquele período, o padrão de vida de toda a população melhorou, o que é aparentemente contraditório. O que ocorreu é que a renda média por habitante (renda per capita) de todas as classes aumentou, mas a renda das classes mais ricas aumentou proporcionalmente mais que a renda das classes mais pobres. A renda dos pobres aumentou, melhorou seu padrão de vida no período, mas a participação deles na renda do país diminuiu.

3.2.4 Crescimento econômico

Se existe desemprego e capacidade ociosa, pode-se aumentar o produto nacional por meio de políticas econômicas que estimulem a atividade produtiva. No entanto, feito isso, há um limite à quantidade que se pode produzir com a tecnologia e os recursos disponíveis.

Aumentar o produto além desse limite exigirá:

i. ou um aumento nos recursos disponíveis;ii. ou um avanço tecnológico, ou seja, melhoria tecnológica, novas maneiras de

organizar a produção, qualificação da mão-de-obra.

Quando se fala em crescimento econômico, está se referindo ao crescimento da renda nacional per capita, ou seja, em colocar à disposição da coletividade uma quantidade de mercadorias e serviços que supere o crescimento populacional. A renda per capita é considerada um razoável indicador o mais operacional para se aferir a melhoria do padrão de vida da população, embora apresente falhas (os países árabes têm as maiores rendas per capita no mundo, mas não o melhor padrão de vida em relação a outros países com renda per capita elevada).

3.2.5 Dilemas de política econômica: inter-relações e conflitos de objetivos

O crescimento econômico pode facilitar a solução de problemas relativos à pobreza, pois os conflitos sociais sobre a divisão do bolo produtivo podem ser abrandados quando ele aumenta. Nesse sentido, poder-se-ia aumentar a renda dos pobres sem diminuir a dos ricos.

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Entretanto, no Brasil e em outros países em desenvolvimento, as metas de crescimento e eqüidade distributiva têm-se mostrado conflitantes, fundamentalmente devido ao fator educacional, com a maioria da mão-de-obra com baixa qualificação e, portanto, com baixos rendimentos.

Outro conflito gerado por políticas econômicas pode ser observado entre as metas de redução de desemprego e a estabilidade de preços. É fato que, quando o desemprego diminui e a economia aproxima-se da plena utilização de recursos, passam a ocorrer pressões por aumentos de preços, principalmente nos setores fornecedores de insumos básicos (aço, embalagens, matérias-primas), o que explica o freqüente controle do crescimento do consumo pelas autoridades para não provocar inflação.

Por outro lado, observa-se que, numa situação recessiva (desemprego elevado), as taxas de inflação tendem a ceder, uma vez que as empresas estarão mais voltadas a desovar seus estoques acumulados e os sindicatos de trabalhadores não estarão tão preocupados em obter salários mais elevados, mas sim com a manutenção do emprego.

Essa tendência a uma relação inversa entre inflação e desemprego é denominada na literatura econômica trade-off entre inflação e desemprego, que é um reflexo de uma tendência cíclica da economia, alternando períodos de maior prosperidade com outros mais recessivos.

Decidir qual o objetivo prioritário é tarefa que pertence mais ao âmbito do poder político. Cabe aos economistas apresentar os custos e os benefícios de cada alternativa de política econômica, mas a decisão final sobre qual caminho percorrer pertence aos políticos.

4. INSTRUMENTOS DE POLÍTICA MACROECONÔMICA

A política macroeconômica envolve a atuação do governo sobre a capacidade produtiva (oferta agregada) e as despesas planejadas (demanda agregada), com o objetivo de permitir que a economia opere a pleno emprego, com baixas taxas de inflação, com distribuição de renda justa, e cresça de forma contínua e sustentável.

Os principais instrumentos para atingir tais objetivos são as políticas fiscal, monetária, cambial e comercial, e de rendas.

4.1 POLÍTICA FISCAL

A política fiscal refere-se a todos os instrumentos de que o governo dispõe para arrecadar tributos (política tributária) e controlar suas despesas (política de gastos). A política tributária, além influir sobre o nível de tributação, é utilizada, por meio da manipulação da estrutura e alíquotas de impostos, para estimular (ou inibir) os gastos de consumo do setor privado.

Se o objetivo da política econômica for reduzir a taxa de inflação, as medidas fiscais normalmente adotadas são: a diminuição de gastos públicos e/ou o aumento da carga tributária (o que inibe o consumo). Logo, essas medidas visam diminuir os gastos da coletividade.

Se o objetivo for maior crescimento e emprego, os instrumentos fiscais são os mesmos, mas em sentido inverso, para elevar a demanda agregada.

Para uma política que vise melhorar a distribuição de renda, esses instrumentos devem ser utilizados de forma seletiva, em benefício dos grupos menos favorecidos. Por exemplo, impostos progressivos, gastos do governo em regiões mais atrasadas etc.

O uso da política fiscal como instrumento eficaz de intervenção na economia surgiu na década de 1930, por intermédio das idéias de John Maynard Keynes, que deram origem ao

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Keynesianismo ou ao modelo keynesiano. Segundo este modelo, uma política fiscal expansionista gera aumentos de renda em proporções muito superiores ao que foi gasto pelo governo.

Por exemplo, se o governo decide gastar R$ 10 bilhões em obras ou em programas de transferência de renda (o Bolsa Família por exemplo), o impacto sobre a renda agregada da economia será muito maior que os R$ 10 bilhões injetados pelo governo na economia.

Supondo hipoteticamente que o governo decidiu fazer estradas com esse dinheiro. Ao decidir fazer estradas, ele terá que pagar as empreiteiras, que terão que pagar aos seus funcionários os salários e também ao Estado os tributos; estes funcionários, por sua vez, aumentarão o consumo de alimentos, roupas e outros bens. O dinheiro então chegará às mãos dos donos das lojas de roupas, mercados e outros estabelecimentos comerciais nos quais os empregados das empreiteiras terão gasto o seu salário, que, em última instância, originou-se do gasto público. Os donos destes estabelecimentos pagarão aos seus funcionários os salários e ao Estado os tributos. Estes funcionários comprarão mais em outros estabelecimentos, e assim por diante.

Como se vê, estabelece-se um círculo vicioso de aumento e circulação da renda. Assim, há um multiplicador dos gastos do governo, também chamado de multiplicador keynesiano.

Esse multiplicador demonstra de forma numérica (o que não é o foco deste estudo) como ocorre essa multiplicação dos gastos. O mesmo fenômeno ocorre quando há redução de tributos e, conseqüentemente, maior renda disponível para as pessoas, no entanto, neste caso, o efeito multiplicador é menos intenso que na situação em que os gastos públicos são aumentados.

A política fiscal também pode interferir na distribuição de renda. Alguns exemplos, apenas para elucidar: transferências de renda (Bolsa Família), impostos progressivos e políticas assistenciais como o seguro-desemprego.

Em relação a estes instrumentos, também são chamados de estabilizadores automáticos, pois quando a renda e o emprego da economia diminuem, o seguro-desemprego funciona como um impulso, para que a economia volte a ter renda circulando, evitando, assim, que haja mais redução nos níveis de emprego.

A grande restrição à intervenção pública por meio da política fiscal é a questão do déficit público e da dívida pública, bem como as formas de financiamento para contorná-los.

Toda política tributária deve obedecer a um princípio constitucional, chamado princípio da anterioridade (antes conhecido como princípio da anualidade), segundo o qual a implementação de uma medida só pode ocorrer a partir do ano seguinte ao de sua aprovação pelo Congresso Nacional. Como consta do art. 150, inciso III, b, da Constituição Federal de 1988, é vedado às autoridades públicas cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

4.2 POLÍTICA MONETÁRIA

A política monetária refere-se à atuação do governo sobre a quantidade de moeda e títulos públicos existentes na economia. Os instrumentos disponíveis para tal são:

1. emissões de moeda;2. reservas compulsórias (percentual sobre

os depósitos que os bancos comerciais devem colocar à disposição do Banco Central);

3. open market (compra e venda de títulos públicos);

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4. redescontos (empréstimos do Banco Central aos bancos comerciais);

5. regulamentação sobre crédito e taxa de juros.

Assim, por exemplo, se o objetivo for o controle da inflação, a medida apropriada de política monetária seria diminuir o estoque monetário da economia (aumento da taxa de juros, aumento das reservas compulsórias, ou venda de títulos no open market. Se a meta for o crescimento econômico, seria o inverso: redução da taxa de juros e da taxa de compulsório, compra de títulos no open market.

As Políticas Monetária e Fiscal representam meios alternativos diferentes para as mesmas finalidades. A política econômica deve ser executada por meio de uma combinação adequada de instrumentos fiscais e monetários.

Pode-se dizer que a política fiscal tem mais eficácia quando o objetivo é uma melhoria na distribuição de renda, tanto na taxação às rendas mais altas como pelo aumento dos gastos do governo com destinação a setores menos favorecidos. A política monetária é mais difusa no tocante à questão distributiva.

Uma vantagem freqüentemente apontada da política monetária sobre a fiscal é que a primeira pode ser implementada logo após sua aprovação, dado que depende apenas de decisões diretas as autoridades monetárias, enquanto o processo de implementação de políticas fiscais é muito lento, pois depende de votação no Congresso, e deve obedecer ao princípio da anterioridade, aumentando a defasagem entre a tomada de decisão e a implementação das medidas fiscais.

4.3 POLÍTICAS CAMBIAL E COMERCIAL

São políticas que atuam sobre as variáveis relacionadas ao setor externo da economia.

A política cambial refere-se à atuação do governo sobre a taxa de câmbio. As autoridades monetárias podem fixar a taxa de câmbio (regime de taxas fixas de câmbio) ou permitir que ela seja flexível e determinada pelo mercado de divisas (regime de taxas flutuantes de câmbio).

A política comercial diz respeito aos instrumentos de incentivos às exportações e/ou ao estímulo e desestímulo às importações, ou seja, refere-se a estímulos fiscais (crédito-prêmio do ICMS, IPI etc.) e creditícios (taxas de juros subsidiadas) às exportações e ao controle das importações (via tarifas e barreiras quantitativas sobre importações).

No Brasil, as decisões de política cambial são de alçada do Conselho Monetário Nacional, enquanto a política comercial é comandada pelos Ministros do Planejamento, da Indústria e Comércio e Agricultura, com apoio do Ministério das Relações Exteriores.

4.4 POLÍTICA DE RENDAS

A política de rendas refere-se à intervenção direta do Estado na formação de renda (salários, aluguéis), com o controle e congelamento de preços.

Alguns tipos de controle exercidos pelas autoridades econômicas podem ser considerados dentro do âmbito das políticas monetária, fiscal ou cambial, por exemplo, o controle das taxas de juros e da taxa de câmbio. Entretanto, os controles sobre preços e salários situam-se em categoria própria de política econômica. A característica especial é que, nesses controles, os preços são congelados e os agentes econômicos não podem responder às influências econômicas normais do mercado. Normalmente esses controles são utilizados como política de combate à inflação.

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No Brasil, a fixação da política salarial, o salário mínimo, a atuação do Conselho Interministerial de Preços (CIP), depois da Secretaria Especial de Abastecimento e Preços (SEAP), e os congelamentos de preços e salários nos planos econômicos (Cruzado, Bresser, Verão e Collor) situaram-se no contexto de políticas antiinflacionárias.

5. ESTRUTURA DE ANÁLISE MACROECONÔMICA

5.1 ESTRUTURA DA MACROECONOMIA: OS TIPOS DE MERCADOS

a. Parte real da economia (produtiva)b. Parte monetária da economia (especulativa)a. As variáveis ou agregados macroeconômicos são determinados pelo encontro da

oferta e da demanda em cada um desses mercados.A seguir será apresentado um esboço da estrutura básica do modelo macroeconômico. Nos próximos capítulos, essa estrutura, bem como as variáveis macroeconômicas determinadas, será discutida com mais detalhes.5.1.1 Mercado de bens e serviçosA idéia básica seria a de se idealizar a economia como se ela teoricamente produzisse apenas um único bem, que seria obtido pela agregação dos diversos bens produzidos. Esse mercado determina o nível de produção agregada, bem como o nível geral de preços.A determinação do nível geral de preços e do nível agregado de produção está condicionada pela evolução do nível de demanda e oferta agregadas de bens e serviços. A demanda agregada depende fundamentalmente da evolução da demanda dos quatro grandes setores ou agentes macroeconômicos:consumidores;

♦ empresas;

♦ governo;

♦ setor externo.

Por outro lado, a oferta ou produção agregada depende da evolução do nível de emprego e da capacidade instalada na economia.

A condição de equilíbrio do mercado é dada por:

Oferta agregada de bens e serviços = Demanda agregada de bens e serviços

As variáveis determinadas nesse mercado são as seguintes:

♦ nível de renda e produto nacional;

♦ nível de preços;

♦ consumo agregado;

♦ poupança agregada;

♦ investimentos agregados;

♦ exportações totais;

♦ importações totais.

5.1.2 Mercado de trabalho

Assim como no mercado de bens e serviços não se levam em conta os diferentes tipos de bens produzidos pela economia, nesse mercado não se distinguem os diferentes tipos de trabalho.

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Admite-se a existência de um único tipo de mão-de-obra, independentemente de características como grau de qualificação, escolaridade, sexo etc. Esse mercado determina a taxa de salários e o nível geral de emprego.

A demanda ou procura de mão-de-obra depende de dois fatores básicos: da taxa de salário real (ou custo efetivo da mão-de-obra para as empresas) e do nível de produção desejado pelas empresas. A oferta de mão-de-obra depende do salário real (custo efetivo da cesta básica de consumo para os trabalhadores) e da evolução da população economicamente ativa.

A condição de equilíbrio nesse mercado é dada por:

Oferta de mão-de-obra = Demanda de mão-de-obra

As variáveis determinadas são:

♦ nível de emprego;

♦ taxa de salários monetários.

Em conjunto com o mercado de bens e serviços, que determina a taxa de inflação, o mercado de trabalho determina também o salário real, isto é, o salário monetário, descontada a inflação.

5.1.3 Mercado monetário

Dado que todas as transações da economia são efetuadas com a utilização de moeda, admite-se também a existência de um mercado monetário. Nesse mercado, supõe-se a existência de uma demanda de moeda (em função da necessidade de transações dos agentes econômicos, ou seja, da necessidade de liquidez) e de uma oferta de moeda, determinada pelo Banco Central 14 e pela atuação dos bancos comerciais. A demanda e a oferta de moeda determinam a taxa de juros.

A condição de equilíbrio é dada por:

Oferta de moeda = Demanda de moeda

As variáveis determinadas nesse mercado são:

♦ taxa de juros;♦ estoque de moeda (meios de

pagamentos).

5.1.4 Mercado de títulos

O mercado de títulos é incluído no modelo macroeconômico básico para que seja analisado o papel de agentes econômicos superavitários e deficitários, e como interagem. Os agentes econômicos superavitários, que possuem um nível de gastos inferior a seu volume de renda, podem efetuar empréstimos para os agentes econômicos deficitários (aqueles que possuem nível de gastos superior a seu nível de renda).

De maneira semelhante aos mercados de bens e serviços e ao mercado de trabalho, não se considera a existência de diferentes tipos de títulos; ao contrário, supõe-se que exista um título-padrão. Normalmente utiliza-se o título público federal como exemplo.

A condição de equilíbrio nesse mercado é dada por:

14 No Brasil, as principais normas e decisões de política monetária são feitas pelo conselho Monetário Nacional (CMN). Como o Banco Central é o órgão executor dessas políticas, implicitamente estamos também nos referindo ao CMN.

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Oferta de títulos = Demanda de títulos

e a variável determinada nesse mercado é o preço dos títulos.

Normalmente os mercados monetário e de títulos são analisados conjuntamente, que podem genericamente ser chamados de mercado financeiro, dada sua grande interdependência. Na verdade, a taxa de juros é determinada por esses dois mercados.

5.1.5 Mercado de divisas

Como a economia mantém transações com o resto do mundo, existem mercados de divisas ou de moeda estrangeira. A oferta de divisas depende das exportações e da entrada de capitais financeiros, enquanto a demanda de divisas é determinada pelo volume de importações e saída de capital financeiro.

Assim, a condição de equilíbrio nesse mercado é dada por:

Oferta de divisas = Demanda de divisas

sendo que a variável determinante nesse mercado é a taxa de câmbio.

O Banco Central pode interferir no mercado de divisas fixando antecipadamente a taxa de câmbio (regime de taxas de câmbio fixas) ou deixando a taxa flutuar (regime de taxas de câmbio flutuantes ou flexíveis), mas praticamente determinando a taxa de equilíbrio, pois ele atua tanto na compra como na venda de divisas (o que é chamado de ”flutuação suja” ou dirty floating).

Na análise macroeconômica, os gastos do governo e a oferta de moeda são exógenos, isto é, não são determinados nesses mercados, mas sim de forma autônoma pelas autoridades. Diz-se que são variáveis determinadas institucionalmente, já que dependem do tipo de política econômica adotado pelas autoridades.

Por exemplo, se a meta for a estabilização da taxa de inflação, deve ocorrer uma diminuição tanto nos gastos do governo como na oferta de moeda; se o objetivo for desenvolvimentista, devem ser adotadas políticas de expansão monetária e de gastos públicos. Elas vão condicionar o comportamento de todos os demais agregados, mas não são determinadas por eles.

O mercado de capitais físicos está embutido no mercado de bens e serviços por meio dos investimentos (gastos com a formação de capital) e da poupança (financiamento da formação de capital). O mercado de capitais financeiros é estudado com o mercado monetário e de títulos.

6. A CONTABILIDADE NACIONAL OU CONTABILIDADE SOCIAL

Contabilidade Nacional ou Contabilidade Social é a técnica que tem como objetivo principal representar e quantificar a atividade econômica de um país, durante determinado período de tempo. É através desta que o Estado, verificando o desempenho dos indicadores, atua no sentido de corrigir as imperfeições do mercado com a consequente busca na melhoria do padrão de vida da sociedade.

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6.1 INTRODUÇÃO

Como foi visto anteriormente, a teoria macroeconômica estuda a determinação e o comportamento dos agregados econômicos nacionais. A parte relativa à medição desses agregados é denominada contabilidade social, que é o registro contábil da atividade produtiva de um país ao longo de um dado período de tempo. A análise do comportamento dos agregados econômicos constitui a teoria macroeconômica propriamente dita, cujo foco é a evolução desses agregados e como atuar sobre eles por meio dos instrumentos de política econômica.

A contabilidade nacional também chamada de contabilidade social procura definir e medir os principais agregados a partir de valores já realizados ou efetivados (ou ex post, a posteriori, depois de ocorridos). Já a Macroeconomia antecipa ou prevê o que pode ocorrer, e trabalha com valores teóricos, previstos, planejados (ou ex ante, a priori, antes de ocorrerem). Assim, quando se fala, por exemplo, em poupança agregada na contabilidade social, referi-se à poupança realizada (ex post); na teoria macroeconômica é poupança planejada ou desejada (ex ante).

6.2 SISTEMAS DE CONTABILIDADE SOCIAL

Os agregados macroeconômicos, que serão definidos neste capítulo, são determinadas a partir de um sistema contábil que trata o país como se ele fosse uma grande empresa que produz um produto único, o produto nacional bruto, que é o agregado de tudo o que é produzido nessa economia.

Existem dois sistemas principais de contabilidade social, adotados na quase totalidade dos países: o sistema de contas nacionais e a matriz de relações intersetoriais. A Organização das Nações Unidas (ONU) apresenta modelos e manuais desses sistemas, que orientam os institutos de pesquisas na medição dos agregados nacionais.

6.2.1 Sistema de contas nacionais

Assim como na contabilidade privada, o sistema de contas nacionais utiliza o método tradicional das partidas dobradas, discriminando as transações dos grandes agentes (setores) macroeconômicos: famílias, empresas, governo e setor externo, cada um representado por uma conta específica. Nesse sistema, medem-se apenas as transações com bens e serviços finais, e não as transações com insumos ou matérias-primas, utilizados na produção dos bens finais.

6.2.2 Matriz de relações intersetoriais (ou matriz insumo-produto ou matriz de Leontief)

Diferentemente do sistema de contas nacionais, a matriz de Leontief inclui as transações intermediárias, permitindo analisar também relações econômicas entre os vários setores de atividade (o que cada setor gasta e o que vende para outros setores).

Essa matriz fornece informações mais completas, por incluir também as transações intersetoriais. Entretanto, ela exige dados mais detalhados, que só são obtidos nos censos econômicos, elaborados normalmente com intervalos de cinco anos.

Assim, por questões operacionais, o sistema de contas nacionais é o mais adotado no mundo todo, permitindo obter mais rapidamente estimativas anuais dos agregados macroeconômicos. Os conceitos apresentados neste capítulo baseiam-se nesse sistema15.

15 Para mais informações sobre a estrutura contábil do sistema de contas nacionais e da matriz insumo-produto, ver PAULANI, L.; BRAGA, M. B., A nova contabilidade social São Paulo: Saraiva, 2006.

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6.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DAS CONTAS NACIONAIS

Alguns princípios básicos devem ser observados no levantamento e medição dos agregados macroeconômicos, a saber:

a. consideram-se apenas as transações com bens e serviços finais, não sendo computadas as transações com bens e serviços intermediários (matérias-primas, componentes). Os custos de produção referem-se, então, apenas à remuneração aos fatores de produção (salários, juros, aluguéis e lucros), não sendo considerados os custos de matérias-primas e demais produtos intermediários16

b. mede-se apenas a produção corrente do próprio período. Assim, não é levado em conta o valor de transações com bens produzidos em períodos anteriores (automóveis, máquinas, imóveis usados, por exemplo). Entretanto, como as atividades econômicas compõem-se também do setor de serviços, a atividade comercial é um serviço corrente. Então, considera-se a remuneração do vendedor (mesmo que de um produto de segunda mão) como parte do produto corrente, mas não o valor do objeto de transação (o produto em si);

c. as transações referem-se a um fluxo, ou seja, são definidas ao longo de certo período de tempo. Normalmente, considera-se o ano, embora existam também estimativas trimestrais, como no Brasil, mas que são amostras parciais;

d. a moeda é neutra, no sentido de ser considerada apenas como unidade de medida, ou seja, um padrão para permitir a agregação de bens e serviços fisicamente diferentes, e instrumento de troca;

e. não são considerados os valores das transações puramente financeiras, dado que essas não representam diretamente acréscimos do produto real da economia. Esses agregados (depósitos e empréstimos bancários, transações na Bolsa de Valores) são considerados transferências financeiras entre aplicadores e tomadores17. Nessa mesma linha de raciocínio, as taxas de juros e a taxa de câmbio também não são apresentadas no sistema de contabilidade social. Ou seja, a contabilidade social preocupa-se apenas em mensurar os agregados reais, que representam diretamente alterações da renda e da riqueza.

6.4 ECONOMIA A DOIS SETORES: FAMÍLIAS E EMPRESAS

Seguindo a metodologia tradicionalmente adotada na teoria macroeconômica, partiremos inicialmente de algumas hipóteses simplificadoras. Primeiro, serão considerados apenas dois agentes: empresas e famílias (economia a dois setores). A seguir serão introduzidas as variáveis relativas do setor público (economia a três setores), e, finalmente, agrega-se o setor externo (economia a quatro setores).

16 Tudo que é vendido diretamente a famílias, governo e setor externo é considerado bem ou serviço final. Assim, também são considerados bens finais a reposição de peças, exportações de matérias-primas, bem como os estoques de matérias-primas e componentes que não chegaram a ser utilizados na elaboração de outros produtos.17 Deve ficar claro que não são computados os montantes dessas transações financeiras como parte da formação do produto e da renda nacionais. Entretanto, a remuneração dos corretores da Bolsa de valores, os salários e os lucros gerados pelas atividades financeiras são computados, já que representam geração de renda oriunda da atividade de prestação de serviços pelo setor financeiro da economia.

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6.4.1 O fluxo circular de renda: análise da ótica do produto, da despesa e da renda

A análise macroeconômica trata da formação e distribuição do produto e da renda gerados pela atividade econômica a partir de um fluxo contínuo que se estabelece entre os chamados agentes macroeconômicos: famílias, empresas, governo e setor externo. Esse fluxo (fluxo circular de renda) precisa ser periodicamente quantificado, para se avaliar o desempenho da economia no período.

O resultado da atividade econômica do país pode ser medido de três óticas: pelo lado da produção e venda de bens e serviços finais na economia (ótica do produto e ótica da despesa), e também pela renda gerada no processo de produção (ótica da renda), que vem a ser a remuneração dos fatores de produção (salários, juros, aluguéis e lucros). As análises das óticas do produto e da despesa são medidas no mercado de bens e serviços, enquanto a da renda é medida no mercado de fatores de produção.

Para que se entenda melhor os conceitos dos agregados macroeconômicos, se supõe uma economia em que só existam três empresas. A empresa A produz trigo, sendo que o total de sua produção é vendido para a empresa B, que produz a farinha de trigo. O total de farinha de trigo produzido pela empresa B é vendido para a empresa C, que produz o pão e vende aos consumidores finais. Supondo que os balancetes das três empresas sejam os seguintes:

Tabela IV - Empresa A produção de trigo

Tabela V - Empresa B produção de farinha de trigo

Tabela VI - Empresa C produção de pães (em $)

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Considerando, inicialmente, apenas o balancete da empresa A. Do lado esquerdo da Tabela IV encontram-se relacionadas as despesas necessárias para a produção de $140 de trigo. Por simplificação, e supondo que só existam as três empresas citadas, o setor trigo não tem despesas com a compra de matérias-primas. Assim, a despesa da empresa A ($140) é apenas o que ela gasta com o pagamento ou remuneração dos fatores de produção:

♦ salário, que é a remuneração do trabalho: = $ 80;♦ juros, que remuneram o capital: = $ 30;♦ aluguel da terra: = $ 20;♦ lucro: = $

10.

O lucro é interpretado nas contas nacionais como a remuneração da capacidade empresarial, ou gerencial, obtida da diferença entre a receita da venda ($ 140) e o pagamento dos demais fatores (80 + 30 + 20 = $ 130). Como já foi mostrado na parte de microeconomia, há uma diferença entre a interpretação econômica e a contábil, pois, para os economistas, o lucro é uma parcela dos custos de produção das empresas, que remuneram seus proprietários e acionistas. Na visão contábil, é apenas a diferença entre as receitas e as despesas, e não é interpretado como custo.

Consolidando as informações das três empresas, introduzir-se-á os conceitos de produto nacional, despesa nacional e renda nacional, e mostrar que, embora sejam conceitos diferentes, levarão ao mesmo resultado numérico18.

6.4.1.1 Produto Nacional

Produto Nacional (PN) é o valor de todos os bens e serviços finais, medidos a preços de mercado, produzidos num dado período de tempo.

No exemplo anterior, o produto nacional é determinado apenas pela venda de pães, que é o único bem final correspondendo a $ 390. Então, nesse modelo básico, a economia só produz bens de consumo (C), e: PN = C

6.4.1.2 Despesa Nacional

Despesa nacional (DN) é o gasto dos agentes econômicos com o produto nacional. Revela quais são os setores compradores do produto nacional.

No exemplo anterior, bastante simplificado, a despesa nacional é composta apenas pelos gastos das famílias com bens de consumo (C), isto é: DN = C que é igual à compra de pão, $ 390. Ou seja, é um valor idêntico ao produto nacional, mas medido pela ótica de quem compra (ótica

18 Considerando apenas a empresa A, as vendas de trigo representam o produto final, ou consumo final. Quando se consideram as três empresas, o trigo é um produto intermediário, e o pão passa a ser o produto final. Na prática, o trigo pode ser também um bem final, desde que vendido diretamente ao consumidor, para uso final.

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da despesa), enquanto o produto nacional é medido da ótica de quem produz e vende (ótica da produção).

6.4.1.3 Renda Nacional

Renda nacional (RN) é a soma dos rendimentos pagos aos fatores de produção no período:

RN = Salários + Juros + Aluguéis + Lucros RN = w +j + a +l

Se somar-se todos os pagamentos de salários, juros, aluguéis e lucros das três empresas do exemplo anterior chegar-se-ía novamente ao valor de $ 390.

Observe, finalmente, a identidade básica das contas nacionais:

Produto nacional = Despesa nacional = Renda nacional

PN = DN = RN

No exemplo, consolidando-se as três empresas, tem-se que:

PN=DN=RN= $390

Isso ocorre porque, como os bens intermediários acabam se anulando (venda de empresa), tudo o que a empresa recebe (PN = DN)19 ela gasta na remuneração aos fatores de produção (RN), que inclui o lucro dos empresários, igualando o fluxo do produto e o fluxo dos rendimentos.

Essas são as três óticas de medição do resultado da atividade econômica de um país num dado período. Em termos operacionais, entretanto, a forma mais prática utilizada pelos estatísticos é a do valor adicionado, que veremos a seguir.

6.4.1.4 Valor Adicionado

Valor adicionado (ou valor agregado) é o valor que se adiciona ao produto em cada estágio de produção, ou seja, é a renda adicionada por cada setor produtivo. Somando o valor adicionado em cada estágio de produção, chegar-se-á ao produto final da economia. Na Tabela VII, o valor adicionado é calculado por diferença (valor das vendas menos os custos dos bens intermediários). Na Tabela VIII, o valor adicionado é calculado diretamente pelo somatório da remuneração dos fatores de produção, alocados nos três estágios da produção do pão (trigo, farinha de trigo e pão), o que dá, evidentemente, o mesmo resultado.

Tabela VII – Valor adicionado

19 Como nesse modelo básico não há ainda formação de estoques, tudo que as empresas produzem (PN), vendem (DN).

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Tabela VIII – Valor adicionado

Como dificilmente se dispõe de informações tão detalhadas como as da Tabela VIII (no Brasil, há dados de salários apenas em anos de Censo), em termos práticos o valor adicionado é medido por diferença, como na Tabela VII, ou seja:

Valor adicionado = Valor bruto da produção (receita de vendas) − Compra de bens e serviços intermediários

A vantagem é que o valor adicionado pode ser obtido a partir de notas fiscais, já que todas essas transações são realizadas entre empresas (vendas de bens finais e intermediários) e cópias dessas notas são enviadas aos órgãos de arrecadação. De outra forma, para obter Penda nacional, seria necessário medi-la somando todas as declarações de imposto de renda do país, que é menos seguro do que a obtida por notas fiscais.

6.5 ECONOMIA A TRÊS SETORES: AGREGADOS RELATIVOS AO SETOR PÚBLICO

Agora adicionar-se-á ao modelo anterior, que continha apenas famílias e empresas, o setor público.

O setor público é considerado em suas três esferas: União, Estados e Municípios. Com sua inclusão, se introduzirá os conceitos de receita fiscal e gastos públicos.

6.5.1 Receita fiscal do governo

A receita ou arrecadação fiscal do governo constitui-se das seguintes receitas:

a. impostos indiretos: incidem sobre transações com bens e serviços. Por exemplo: IPI, ICMS;

b. impostos diretos: incidem sobre as pessoas físicas e jurídicas. Por exemplo: imposto de renda;

c. contribuições à previdência social (de empregados e empregadores);

d. outras receitas: taxas, multas, pedágios, aluguéis.

6.5.2 Gastos do governo

Nas contas nacionais, são considerados três tipos de gastos do governo:

a. gastos dos ministérios e autarquias, cujas receitas provêm de dotações orçamentárias. Como os serviços do governo (justiça, educação, planejamento) não têm preço de venda de mercado, o produto gerado pelo governo é medido por suas despesas correntes ou de custeio (salários, compras

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de materiais para a manutenção da máquina administrativa) e despesas de capital (aquisição de equipamentos, construção de estradas, hospitais, escolas, prisões);

b. gastos das empresas públicas e sociedades de economia mista: como suas receitas advêm da venda de bens e serviços no mercado, atuando como empresas privadas, elas são consideradas, nas contas nacionais, dentro do setor de produção, junto com empresas privadas, e não como governo. Por exemplo: Petrobras, USP, Eletrobrás;

c. gastos com transferências e subsídios: são considerados nas contas nacionais como transferências (normalmente, donativos, pensões e subsídios), não são computados como parte da renda nacional, pois representam apenas uma transferência financeira do setor público ao setor privado, não ocorrendo qualquer aumento da produção corrente. Por exemplo: aposentadorias e bolsas de estudo, que não são fatores de produção do período corrente.

6.5.3 Superávit ou déficit público

Se o total da arrecadação superar o total dos gastos públicos nas várias esferas de governo, tem-se um superávit das contas públicas, caso contrário, tem-se um déficit (também chamado de necessidades de financiamento do setor público).

Excluindo-se os juros da dívida pública, interna e externa, tem-se o conceito de superávit ou déficit primário ou fiscal. Quando são incluídos os juros nominais sobre a dívida, tem-se o conceito de superávit ou déficit total ou nominal. Se forem considerados apenas os juros reais (excluindo a taxa de inflação e a variação cambial), tem-se o conceito de superávit ou déficit operacional.

Nos acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional (FMI, o conceito relevante é o fiscal ou primário). Para o FMI, um país que apresenta superávit primário, mesmo que apresente déficit nominal ou total, está com suas contas relativamente equilibradas e revela condições de honrar seus compromissos futuros, ganhando mais credibilidade para negociar sua dívida externa, com juros menores e prazos maiores20.

6.5.4 Renda nacional, o custo de fatores e produto nacional a preços de mercado

O preço de mercado de um produto normalmente está acima do valor remunerado aos fatores de produção utilizados. Isso porque em seu preço estão incorporados os impostos indiretos cobrados pelo governo (ICMS, IPI e outros.). Além disso, quando o produto é essencial para a população, o governo, em alguns casos, subsidia o preço do produto, fazendo com que o preço pelo qual o produto é vendido seja inferior a seu custo de produção. Por exemplo, o governo concede subsídios ao produtor de trigo para que esse tenha condição de vendê-lo abaixo do custo de produção, sem sofrer prejuízo, pois o diferencial entre o preço de mercado e o preço do produto é coberto pelo governo.

Com isso, torna-se necessário distinguir os conceitos de custo de fatores e preços de mercado. Custo de fatores é o que a empresa paga aos fatores de produção, salários, juros, aluguéis e lucros, enquanto preço de mercado, que é o preço final pago na venda, adiciona ao custo de fatores de produção os impostos indiretos (ICMS e IPI) e subtrai os subsídios.

20 É interessante ressaltar que o conceito de déficit ou superávit representa um fluxo, expresso ao longo de terminado período de tempo (ano, trimestre, mês), enquanto o conceito de dívida pública é o saldo (estoque) acumulado até determinado instante do tempo.

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Assim, partindo, por exemplo, da RNL (ou PNL) a custo de fatores para se chegar ao PNL a preços de mercado, tem-se21:

PNL a preços de mercado = RNL a custo de fatores + Impostos indiretos − Subsídios

ou:

PNLpm = RNLcf + Impostos indiretos − Subsídios

Evidentemente, a mesma diferença vale em termos brutos, não só líquidos: se se parte, por exemplo, da RNBcf em vez da RNLcf, chega-se ao PNBpm, ao se somarem impostos indiretos e subtraírem os subsídios.

Apenas os impostos indiretos, e não os diretos são relevantes nessa diferenciação. Isso porque os impostos diretos não representam uma diferença entre o custo de fatores para a empresa e o preço final de mercado, já que não são as empresas que pagam, mas os proprietários dos fatores de produção. Ou seja, incidirá sobre salários, juros, aluguéis e lucros. Não é custo para a empresa, mas para os proprietários dos fatores de produção.

6.5.5 Renda pessoal disponível

Esse conceito procura medir quanto da renda gerada no processo econômico fica em poder das famílias. Partindo da renda nacional líquida a custo de fatores, que é a soma dos salários, juros, aluguéis e lucros e já descontada a depreciação, é preciso deduzir os lucros retidos (não distribuídos) pelas empresas para reinvestimentos, pois, apesar de essa parcela da renda se encontrar de posse das empresas, não é transferida de imediato às famílias. Devem-se deduzir ainda os impostos diretos e as contribuições previdenciárias pagas pelas famílias e empresas ao governo. Finalmente, tem-se de deduzir as demais receitas correntes do governo e adicionara transferências correntes do governo às famílias, como aposentadorias, bolsas de estudo.

Tem-se, então:

Renda pessoal disponível = Renda Nacional Líquida(cf)− Lucros retidos− Impostos diretos− Contribuições previdenciárias− Outras receitas correntes do governo+ Transferências do governo às famílias

Ou seja, a renda pessoal disponível mede quanto “sobra” para as famílias decidirem na compra de bens e serviços ou, então, poupar.

6.5.6 Carga tributária bruta e líquida

A carga tributária bruta é o total da arrecadação fiscal do governo (impostos diretos e indiretos e outras receitas do governo, como taxas, multas e aluguéis), No entanto, parte desses tributos retorna ao setor privado na forma de transferências e subsídios.

21 Por convenção, costuma-se associar aos preços de mercado o produto; e ao custo de fatores, a renda. Assim, quando passamos de custo de fatores para preços de mercado, também passamos do conceito de renda para o de produto. Contudo, muitos textos consideram isso uma convenção de pouca importância. Ë comum encontrarmos na literatura os conceitos de renda nacional a preços de mercado e produto nacional a custo de fatores.

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Ao se deduzirem da carga tributária bruta os subsídios e as transferências do setor privado, chega-se à carga tributária líquida.

Carga tributária líquida = Carga tributária bruta− Transferências e subsídios do governo ao setor privado

6.6 ECONOMIA A QUATRO SETORES: AGREGADOS RELATIVOS AO SETOR EXTERNO

Finalmente, o esquema da contabilidade social fica completo quando se considera a economia “aberta” ao exterior. Com isso, definem-se os conceitos de exportação, importação e renda líquida do exterior, e introduz-se uma diferença entre produto interno e produto nacional.

6.6.1 Exportações e importações

As exportações representam as compras pelos estrangeiros, de mercadorias e produtos pelas empresas de capital nacional enquanto as importações representam as despesas que os brasileiros fazem com produtos estrangeiros.

6.6.2 Produto interno bruto, produto nacional bruto e renda líquida do exterior

O Produto Interno Bruto (PIB) é o somatório de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território nacional num dado período, valorizados a preço de mercado, sem se levar em consideração se os fatores de produção são de propriedade de residentes ou de não-residentes.

Entretanto, para produzir o PIB, utiliza-se dos fatores de produção que pertencem a não-residentes, cuja remuneração é remetida a seus proprietários no exterior, na forma de juros, lucros e royalties. Os juros representam o pagamento pela utilização do capital monetário externo (isto é, da dívida externa); as remessas de lucros são a remuneração pelo capital físico de propriedade das empresas estrangeiras instaladas no país; e os royalties representam o pagamento pela utilização da tecnologia estrangeira. Também existem residentes que possuem fatores de produção fora do país e recebem, portanto, renda do exterior (extração de petróleo pela Petrobrás, grandes construtoras brasileiras no exterior etc.).

Somando-se ao PIB a renda recebida do exterior e subtraindo a renda enviada ao exterior tem-se o Produto Nacional Bruto (PNB), que é a renda que efetivamente pertence aos residentes do país.

Tem-se então:

PNB = PIB + Renda recebida do exterior — Renda enviada ao exterior

A diferença entre a renda recebida e a renda enviada ao exterior é chamada de renda líquida do exterior (RLE). Tem-se então:

PNB=PIB +RLE

No Brasil, como a renda enviada supera a renda recebida, a diferença é chamada de renda líquida enviada ao exterior. Então, o PIB é maior que o PNB, o que significa que os brasileiros utilizam mais os serviços dos fatores de produção estrangeiros do que os estrangeiros utilizam os brasileiros.

6.7 O PIB COMO MEDIDA DO BEM-ESTAR

Muitos economistas argumentam que o PIB não mede adequadamente o bem-estar da coletividade, isto é, não reflete as condições econômicas e sociais de um país. Ou seja:

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a. não registra a economia informal;22

b. não considera os custos sociais derivados do crescimento econômico, tais como poluição, congestionamentos, piora do meio ambiente etc.;

c. não considera diferenças na distribuição de renda entre os vários grupos da sociedade.

6.7.1 PIB em dólares

Para comparações internacionais, utiliza-se o PIB em dólares, mas não os dólares correntes, que são muito afetados pela política cambial de cada país.

Por exemplo, em janeiro de 1999, o PIB brasileiro era de aproximadamente R$ 900 bilhões, que equivalia a cerca de US$ 750 bilhões (o dólar era cotado a R$ 1,20). Houve um aumento da taxa de câmbio para R$ 1,80, o que reduziu o PIB do Brasil para US$ 500 bilhões.

Embora tenha caído o poder de compra dos brasileiros na compra de produtos importados, isso não significou que o Brasil ficou 50% mais pobre (a renda interna, salários, lucros, aluguéis não caíram em 50%).

Para sanar esse problema, a ONU criou, para comparações internacionais, o conceito de dólar PPP — purchasing powerparity, ou paridade do poder de compra, que toma como valor de referência os preços dos produtos dos Estados Unidos, assim:

ou seja, tomam-se as quantidades produzidas em cada país, mas não a preços desses produtos do país em dólares (dólar corrente), mas aos preços dos Estados Unidos.

Como o próprio nome diz, esse procedimento supõe que o dólar tenha o mesmo poder de compra em todos os países. Para esse cálculo, considera-se uma cesta de produtos homogênea, consumida em todos os países.

7 ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO - IDH

Dentro da discussão da adequação ou não do PIB como medida de bem-estar, é interessante observar que a Organização das Nações Unidas – ONU calcula periodicamente um índice denominado de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que, além de ser um indicador econômico (PIB per capita), inclui dois indicadores sociais: um índice de expectativa de vida e um índice de educação.

Vale ressaltar que este indicador, em 2010, após 20 anos de utilização por todos os países membros da ONU, sofreu algumas mudanças no sentido de adequar sua proposição aos anseios da sociedade.

Em 1990, o entendimento público do desenvolvimento conduzido pelo visionário Mahbub ul Haq, teve um profundo impacto sobre a forma como os formuladores de políticas, os funcionários públicos e os meios de comunicação, bem como os economistas e outros cientistas sociais, vêm o progresso social. Em vez de se concentrar somente nuns poucos indicadores de progresso econômico

22 A economia informal é a desobediência civil às atividades formais de mercado, como a sonegação fiscal, o não registro de empregados, o “caixa 2” etc., e não se refere a atividades ilegais (quando essas são incluídas, tem-se a chamada economia subterrânea ou economia submersa).

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tradicionais (como o produto interno bruto per capita), o registo do “desenvolvimento humano” propõe uma análise sistemática de um manancial de informação acerca do modo como vivem os seres humanos em cada sociedade e de quais as liberdades substantivas de que desfrutam.

O desenvolvimento humano é uma expansão das liberdades reais dos povos que lhes permita viver uma vida à qual dão valor e possuir motivos para lhe dar valor.

Com uma notável perspicácia, Mahbub viu a possibilidade de orientar essas iniciativas no sentido do desenvolvimento de uma perspectiva alternativa de grande amplitude que fosse, ao mesmo tempo, prática e inclusiva. Os Relatórios de Desenvolvimento Humano abriram espaço para uma grande variedade de informação e análises relacionadas com diversos aspectos da vida humana.

O mundo avançou desde 1990, tendo conseguido muitos ganhos (na alfabetização, por exemplo), mas a abordagem do desenvolvimento humano está motivacionalmente empenhada em concentrar-se no que permanece por fazer – o que exige mais atenções no mundo contemporâneo – da pobreza e da privação à desigualdade e à insegurança. Continuam a surgir novas tabelas no fluxo regular de Relatórios de Desenvolvimento Humano e têm sido concebidos novos índices para complementar o IDH e enriquecer a sua avaliação.

Vinte anos após o aparecimento do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano, há muito para celebrar em relação ao que já foi alcançado. Mas também se tem muito a melhorar a avaliação das adversidades antigas e de reconhecer – e reagir a – novas ameaças à liberdade e ao bem-estar humanos. Esse compromisso permanente é, de fato, uma parte da ampla visão de Mahbub ul Haq. A necessidade desse compromisso não diminuiu ao longo do tempo.

7.1 NOVAS MEDIDAS PARA UMA REALIDADE EVOLUTIVA

Para se obter o quadro completo da evolução do desenvolvimento humano, deve-se ir além das dimensões do IDH. O significativo progresso agregado na saúde, na educação e na renda é qualificado por uma desigualdade elevada e persistente, padrões de produção insustentáveis e pela incapacitação de grandes grupos de pessoas no mundo inteiro.A seguir, de modo bastante sucinto, serão analisadas as implicações desta perspectiva mais ampla na mensuração do desenvolvimento humano e na elaboração de políticas e estratégias de desenvolvimento.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2010 - RDH 2.010 - marca 20 anos de aniversário do primeiro RDH, que inaugurou a perspectiva do ‘Desenvolvimento Humano’ assim como de seu índice principal, o IDH. Tal enfoque prega a expansão das liberdades substantivas e das escolhas das pessoas (ter a liberdade de ser saudável, ser educado, poder ter um padrão de vida decente, entre outros) como sua principal meta. Defende também princípios plurais como equidade, sustentabilidade, respeito por direitos humanos e justiça social.

7.2 MUDANÇAS METODOLÓGICAS

A principal novidade do RDH 2010 é a introdução de um ‘novo IDH’ (Índice de Desenvolvimento Humano). Esse ‘novo IDH’ mantém a estrutura do IDH de sempre, que aqui é chamado de ‘velho IDH’, mas muda em três pontos:

i. Novas variáveis

ii. Nova ‘normalização’

iii. Novo procedimento de agregação

a. Novas variáveis

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A estrutura do IDH composta pelas dimensões saúde, conhecimento (educação) e padrão de vida decente (renda) foi mantida. Na saúde, a variável utilizada ‘expectativa de vida ao nascer’ (dada em anos) permaneceu a mesma.

No entanto, na educação, as principais variáveis utilizadas foram substituídas. No ‘velho IDH’ eram utilizadas as variáveis ‘alfabetização’ e ‘matrícula combinada’ (isto é, matrículas no primário, ensino médio e terciário, dada como percentual). Mas essas variáveis discriminavam pouco os resultados dos países nesta área, ou seja, os países já não se diferenciavam muito em relação ao valor desses parâmetros. Muitos já lograram, nesses vinte anos, uma redução significativa de suas taxas de analfabetismo e um aumento substancial de suas taxas de matrícula, como é o caso do Brasil. Além disso, a variável ‘alfabetização’ é de algum modo simplista, pois classifica as pessoas em ‘alfabetizadas’ e ‘analfabetas’ (há somente duas opções, por isso ela é chamada de variável ‘binária’), deixando de lado avanços nos anos adicionais de escolaridade que as pessoas possam ter. Do mesmo modo, sabe-se que a variável ‘matrícula combinada’ pouco diz sobre a qualidade dos sistemas educacionais dos países. Por essas razões resolveu-se fazer as seguintes substituições de variáveis na dimensão educação, conforme quadro II.

Quadro II – Comparações entre IDH ‘velho’ e IDH ‘novo’Variável no ‘velho IDH’

Variável no ‘novo IDH’ O que significa? Por que é melhor?

Alfabetização Anos Médios de Estudo

É o número médio de anos de educação recebidos pelas pessoas que tem 25 anos ou mais

discrimina melhor a educação da população do que simplesmente o analfabetismo

é uma variável mais sensível ao progresso

Matrícula combinada - em %- (primário, médio e terciário)

Anos Esperados de Escolaridade

É o número de anos de escolaridade que uma criança na idade de entrar na escola espera receber

leva em consideração taxas de matrícula em relação à idade das crianças

trata de elementos qualitativos do ensino

Outra substituição importante foi na variável renda, que antes era medida pelo Produto Interno Bruto (PIB) per capita (em PPC, isto é, Paridade de Poder de Compra, para levar em consideração que, mesmo em dólar (US$), os preços das mercadorias nos países são diferentes, por isso realiza-se esse ajuste aos PIBs per capita em dólares).

No novo relatório, utiliza-se a RNB (Renda Nacional Bruta) per capita, também medida em PPC. Num mundo cada vez mais globalizado, aumenta a diferença entre a produção doméstica, isto é, dentro das fronteiras de um país, e a renda que fica com seus residentes (seus cidadãos). Esta medida é relevante porque uma parte da renda produzida é enviada para o exterior, assim como outra parte é recebida de seus cidadãos que estão vivendo fora. O conceito de renda nacional reflete com mais precisão os recursos que as pessoas em determinado país dispõem para viver.

Essas três mudanças de variáveis configuram o que chamamos do ‘novo IDH’, como pode ser visto na figura I.

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7.2.1 Nova normalização

Uma das características importantes do IDH desde a sua origem é que ele é um índice composto, significando que o IDH é um índice que combina diferentes dimensões (ou multidimensional) que são incomensuráveis (isto é, que não são redutíveis umas às outras, e que de fato são dadas em unidades diferentes, tais como número de anos, ou percentual (%) de pessoas alfabetizadas, ou valores monetários em dólares (US$). Para que valores diferentes possam ser combinados eles são primeiramente normalizados, ou seja, colocar todos os valores em uma escala comum para que eles possam ser vistos de modo comparativo.

Primeiro, o IDH normaliza as variáveis através da definição de máximos e mínimos para cada dimensão, tomando emprestado um termo técnico muito usado em Administração que é o benchmarking – indicador com melhor desempenho de cada país avaliado – conforme mostrado no quadro II. para o ‘novo IDH’.

Quadro III – Parâmetros para nova normalização

Dimensão País Máximo observado MínimoExpectativa de vida Japão, 2010 83.2 20

Anos médios de escolaridade EUA, 2000 13.2 0

Anos esperados de escolaridade Australia, 2002 20.6 0

Índice de Educação combinado Nova Zelândia, 2010 0.951 0

Renda pc PPC $ Emirados Árabes, 1980 108.211

163Zimbabue

Após definidos os valores máximos e mínimos, os subíndices para cada dimensão são calculados da seguinte forma:

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Figura I - O novo IDH

Índice da dimensão =

No ‘velho IDH’ essa normalização era feita com os valores máximos e mínimos pré-definidos, que eram chamados de ‘postos fixos’. No caso da renda, eram utilizados os valores de US$ 40.000 e US$ 100, respectivamente (onde o valor de US$ 40.000 era considerado o máximo e todos os países com renda per capita superior tinham esse valor atribuído a eles como um teto).

O argumento para o uso dos postos fixos era a comparabilidade anual entre os IDHs. No entanto, tem ficado evidente que, com a atualização dos valores das bases de dados utilizadas quase todos os anos, é necessário recalcular retrospectivamente os valores dos IDHs, diminuindo, portanto, a importância de se ter postos fixos. Com isso, a escolha dos postos se torna menos arbitrária ao se utilizar sempre valores observáveis, principalmente no caso dos máximos. No caso dos mínimos essa escolha é orientada por considerações mais conceituais (por exemplo? Ou como o que?).

7.2.2 Novo procedimento de agregação

No ‘velho IDH’, depois de normalizadas, as variáveis eram agregadas através do uso de uma média aritmética simples. Para três (3) dimensões (saúde, conhecimento e padrão de vida), isso consistia simplesmente em se somar o valor do IDH (já normalizado) de cada dimensão e dividi-lo por três.

No entanto, esse procedimento tinha uma grande limitação: qualquer avanço em uma dimensão podia ser facilmente contrabalançado por um avanço em outra dimensão. Assim, alguns países com fracos avanços sociais podiam subir no IDH apenas por melhorias no desempenho de suas economias. Para minimizar tal efeito, o uso da média aritmética foi substituído pelo uso da média geométrica.

A vantagem desse novo procedimento de agregaçãoé que com a média geométrica, não há mais uma substitutibilidade perfeita entre as dimensões como havia anteriormente com a média aritmética. Nesse novo procedimento, o desempenho de um país é mais claramente refletido por progressos harmônicos nas três dimensões.

Não dá mais para elevar do mesmo o IDH de um país com realizações em apenas uma das dimensões. Outra maneira de dizer isso é que o uso da média geométrica respeita mais as diferenças intrínsecas que existem em cada uma das dimensões.

7.2.3 Três novas medidas multidimensionais

Entre as inovações mais notáveis após 20 anos de IDH, encontra-se a introdução de três medidas multidimensionais de desigualdade e de pobreza, na família de medidas RDH:

a. O IDH ajustado à desigualdade (IDHAD), estimado para 139 países, capta as perdas no desenvolvimento humano devidas às desigualdades na saúde, na educação e no rendimento.

As perdas nas três dimensões variam nos diferentes países, desde 1% na educação (República Checa) até 68% na renda (Namíbia) e tendem a ser maiores nos países com um baixo IDH.

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b. O Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), estimado para 138 países, revela disparidades de gênero na saúde reprodutiva, na capacitação e na participação no mercado de trabalho. As perdas nestes resultados devido a desigualdades de gênero, conforme expressas pelo IDG, variam dos 17% aos 85%, com as perdas maiores concentradas nos Estados Árabes e no sul da Ásia.23

c. O Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) identifica as privações sobrepostas que as famílias sofrem na saúde, na educação e nos padrões de vida. Estima-se que 33% da população de 104 países em desenvolvimento – ou cerca de 1,75 mil milhões de pessoas – vivam em pobreza multidimensional. Mais de 50% vive no sul da Ásia, embora as taxas sejam superiores na África Subsariana, com uma variação significativa nas regiões, grupos e populações indígenas.

O IDH é um resumo agregado do progresso na saúde, na educação e na renda, sendo regularmente efetuadas melhorias nos respectivos indicadores e especificações funcionais.

7.3 OS NOVOS NÚMEROS DO BRASIL

Dentro da perspectiva do ‘novo IDH’, os principais números do Brasil para o ano de 2010 foram os seguintes:

Índice de esperança de vida

Índice de escolaridade esperado

Índice de média de anos de escolaridade

Índice de rendimento

Índice de educação 0.634

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO 0.699

Os resultados de cada uma das dimensões, de forma isolada, bem como do Índice de Desenvolvimento Humano são ilustrados na figura II.

Figura II – Os números do IDH Brasileiro 2010

23 Uma vez que os aspectos do bem-estar e da desigualdade medidos pelo IDG diferem daqueles medidos pelo IDHAD, a perda associada no progresso pode ser superior à perda no desenvolvimento humano captada pelo IDHAD.

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O novo IDH para o Brasil é calculado desde 2000, a partir de quando os novos números de educação estão disponíveis, e mostram a seguinte evolução geral e por dimensões, figuras III e IV:

Figura III – A evolução do Brasil no novo IDH

Figura IV – Tendências nas variáveis do novo IDH

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O resultado da evolução geral do IDH Brasileiro é inequívoco, mostrando uma tendência de crescimento sustentado ao longo dos anos. No último ano o aumento foi maior, indicando o crescimento de 0.8% no novo IDH (2009-2010) e uma subida de quatro (4) posições no novo ranking de 169 países. Conforme a figura IV, nota-se que esse crescimento tem sido mais influenciado pelos ‘anos médios de escolaridade’ seguido da ‘expectativa de vida’ e da ‘renda nacional bruta’. Os resultados para os ‘anos esperados de escolaridade’ são menos certos, mas não chegam a indicar uma tendência de baixa no IDH para a educação como pode ser visto na figura V.

Figura V – IDH Educação

7.3.1 Anos esperados de escolaridade

Anos esperados de escolaridade ou ‘expectativa de vida escolar’ é uma medida de desempenho de um sistema educacional que leva em consideração os anos de estudo que se espera que uma criança que entra na escola tenha pela frente. Essa medida é obtida através da soma das taxas de matrícula específicas por idade para a educação primária, secundária (ensino médio) e

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terciária (ou pós-ensino médio). Ao ser calculada para cada nível de educação ela dá uma idéia de eficiência e qualidade do sistema de ensino.

Segundo recomendação do próprio RDH 2010, essa estatística deve ser interpretada de acordo com outros índices complementares como o percentual (%) de reprovações. De fato, de acordo com o EFA Global Monitoring Report 2010, a taxa de repetição para todas as faixas de educação para o Brasil encontra-se em 18,7% (dados de 2007).

Já a expectativa de vida, propriamente dita, para o Brasil, pode ser vista na figura VI. A fonte dos dados utilizados é World Population Prospects: 1950-2050: The 2008 Revision, que trabalha com projeções e dados revisados indicando também uma tendência positiva para a expectativa de vida no país. Os dados são estimados para 2010.

No Brasil, a expectativa de vida escolar é de 13.8 anos (13,5 para os meninos e 14,1 para as meninas). Esses dados se encontram no relatório acima citado e também são de 2007.

Por fim, cabe mencionar também os dados da evolução da renda nacional bruta. A RNB é uma medida mais próxima do conceito de ‘padrão de vida’, que depende de uma medida de renda disponível mais concreta do que a oferecida anteriormente pelo produto interno bruto. Essa medida capta melhor a idéia de um padrão ou cesta de consumo de bens usufruídos pela população de determinado país (ver figura VII).

Os dados a seguir foram gerados pelo Banco Mundial (World Development Indicators database). As estimativas da RNB são baseadas em correções de preços feitas pelo ‘Programa de Comparação Internacional’ de 2005 que cobriu 146 países e áreas.

7.3.2 As mudanças metodológicas

As mudanças metodológicas empreendidas tiveram uma conseqüência muito importante: elas mudaram a escala, ou seja a régua, utilizada para medir os países na métrica do IDH. Isso não quer dizer que o IDH dos países caiu, mas sim que com a mudança de variáveis (3 das 4 variáveis utilizadas para a elaboração do IDH foram substituídas) a magnitude das variáveis utilizadas mudou, implicando um rebaixamento da escala utilizada pelo IDH.

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Figura VI – Evolução da Expectativa de vida no Brasil

Figura VII – Evolução da renda nacional

Isso explica porque o IDH 2010 para o Brasil, de 0,699 não pode ser comparado ao IDH de 2009 de 0,813. Estritamente falando é um erro compará-los. Para isso as séries do ‘novo IDH’ foram recalculadas e encontram-se disponíveis na tabela 2 do Relatório. O ‘novo IDH’ é calculado para 169 países.

Cabe notar a nova classificação dos países baseadas em quartis nas categorias muito alto, alto, médio e baixo desenvolvimento humano. A classificação não obedece mais um parâmetro especificado como antes na escala do IDH, mas um número relativo de países. A exceção fica com o grupo de países de ‘alto desenvolvimento’, que conta com um país extra.

8 A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASIL

O Brasil possui grande parcela da população incapaz de atender às suas necessidades básicas e a distribuição de renda é uma das mais desiguais do mundo24; o Coeficiente de Gini25 do Brasil em 2001 era de 0,594, melhor apenas que a Guatemala, Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia. A concentração de renda permaneceu praticamente inalterada durante as últimas quatro décadas, com seus índices oscilando dentre as 10 últimas posições do mundo, dando os primeiros sinais de melhora somente a partir de 2001. Nos últimos anos, o país tem conseguido aliar o crescimento econômico com a redução da desigualdade.

Estatísticas mostram26 que a partir do último trimestre de 2002 a distribuição de renda no Brasil começou melhorar lentamente. Em 2004, ocorreu o primeiro avanço significativo para a redução da desigualdade econômica no país: a taxa de crescimento da renda per capita para os mais pobres foi de 14,1%, enquanto a renda per capita média cresceu 3,6% no mesmo período. Isto demonstra que a renda per capita dos mais pobres cresceu acima da média do país.

Contribuiu para essa melhora no quadro de distribuição de renda no país27 um programa de transferência direta de renda, chamado, no governo Lula, de Bolsa família. Existe uma tendência que haja uma melhora no longo-prazo, pois o programa é atrelado diretamente à frequência escolar dos filhos das famílias beneficiadas, o que afeta de forma mais significativa a renda familiar de longo-prazo.

Um estudo do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - demonstrou que a desigualdade entre os rendimentos dos trabalhadores brasileiros (população economicamente ativa) caiu quase 7% entre o quarto trimestre de 2002 e o primeiro de 2008. Nesse período, o coeficiente de Gini na renda do trabalho, ou o intervalo entre a média dos 10% mais pobres da população e a média dos 10% mais ricos, caiu de 0,543 para 0,505. Mesmo se verificando alguma tendência de melhoria neste indicador ainda há muito o que ser feito, pois para que um país deixe o incômodo lugar de “primitivo, esse índice precisa estar abaixo de 0,45".

No Brasil, a alta concentração de renda no topo da pirâmide dificulta a sua medição através dos índices mais comuns como o P90/P10. Isso por causa da anormalidade da distribuição: a metade pobre da população brasileira ganha em soma quase o mesmo valor (12,5% da renda nacional) que os 1% mais ricos (13.3%).28

24 Desigualdade de renda no Brasil é uma das maiores do mundo. Agência Lusa, in Jornal da Mídia, 07/09/2005 - 16:1125 Índice que mede a concentração de rendae que varia entre 0 e 1, ou seja, da menor concentração à maior concentração.26 BILLI, Marcelo. Desde 2001, crescimento favorece pobres. São Paulo: Folha Online, Dinheiro, Folha de S. Paulo, 24/12/200627 Bolsa Família: Elogios, também, do Banco Mundial28 SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando; e RENAUT, Michel; organizadores. op. cit., p.XXVIII

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8.1. GASTOS SOCIAIS NO BRASIL

Uma característica peculiar do Brasil seria o fato da alta carga tributária não estar associada a uma baixa desigualdade de renda. Países como Reino Unido e Espanha, que possuem cargas tributárias semelhantes à brasileira, têm uma desigualdade de renda consideravelmente menor.

Observa-se também, e talvez como fator causal do primeiro problema, que o Brasil não tem sido eficaz em utilizar o sistema tributário e de gasto social para reduzir substancialmente sua alta desigualdade de renda, ou seja, não estaria ocorrendo uma efetiva transferência de renda das camadas mais ricas para as mais pobres; na realidade ocorre exatamente o oposto.

Em 2002, os gastos com aposentadorias e pensões representaram 73% das despesas com transferências monetárias realizadas pelo governo, havendo um perfil regressivo na distribuição, pois a maior parte é apropriada pelas camadas mais favorecidas. Já os programas sociais de transferência simples de renda, com o objetivo de garantir uma renda mínima às famílias mais pobres, representaram apenas 1,5% do total das transferências governamentais.29

Quanto aos gastos com educação, grande parte do orçamento se direciona ao ensino superior, havendo poucos recursos para os demais níveis da educação, o que leva a distorções sociais relevantes. Calcula-se que cerca de 46% dos recursos do Governo Central para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população. De todo modo, na última década, o acesso ao ensino fundamental no Brasil melhorou e ajudou a reduzir a desigualdade educacional.

No quesito educação o Brasil está longe nao de solucionar tal problema, mas pelo menos de reduzir as disparidades aumentadas nas últimas cinco décadas.

Se a falta de educação é tida como fator preponderante para uma maior distribuição de renda, não há que se esperar melhorias pelo menos em médio prazo visto que este é um investimento que demanda pelos menos vinte anos para que seus efeitos sejam sentidos e ainda não se tem notícia de que exista algum governante decidido a adotar uma política social com investimentos maciços na educação tanto em quantidade como e principalmente em qualidade.

A atual qualidade do ensino no Brasil é caótica desde o ensino fundamental até o ingresso destes alunos nos cursos superiores. Esta baixa qualidade no ensino leva o país, inexoravelmente, a uma desigualdade social e econômica muito grande, criando o paradoxo do emprego segundo o qual “há vagas de emprego para trabalhor qualificado e ao mesmo tempo se tem uma taxa elevada de desempregados ou com sub-emprego”.

8.1.1 Modelo concentrador

O modelo de tributação no Brasil é altamente 'concentrador de renda'. Isso porque o Estado cobra impostos de todos, inclusive - e até principalmente - dos muito pobres ("tributação indireta regressiva", que incide sobre os bens de consumo popular e da classe média, que são fortemente tributados)30.

A carga tributária bruta é constituída por tributos diretos – que incidem sobre a renda e o patrimônio – e por tributos indiretos – que incidem sobre o consumo. É sabido que a tributação indireta têm características regressivas, isto é, incidem mais sobre os mais pobres, enquanto que a tributação direta possui efeitos mais progressivos, incidindo mais sobre os mais ricos.

No Brasil o peso da tributação indireta é muito maior do que o da tributação direta, tornando regressivo o efeito final do nosso sistema tributário. Ademais, o grau de progressividade da

29 Ministério da Fazenda – Gasto Social do Governo Central, 2001-2002, Brasília, 2003.30 POCHMAN, Márcio.Desigualdade e Justiça Tributária. Brasília: IPEA, 15 de maio de 2008, p.3.

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tributação direta ainda é baixo no Brasil. O décimo mais pobre sofre uma carga total equivalente a 32,8% da sua renda, enquanto o décimo mais rico, apenas 22,7%. Isso provoca a perpetuação do efeito 'concentrador de renda', inaceitável num país com acentuada desigualdade de renda como o Brasil.

Dados estatísticos oficiais de distribuição de renda no topo da pirâmide de renda no Brasil como um todo não estão disponíveis, mas um estudo, com fins mercadológicos, feito pela consultoria Escopo Geomarketing, cruzando dados do IBGE para a cidade de São Paulo, revela que os paulistanos gastam 4 bilhões de reais por ano em produtos de alto luxo. O cruzamento de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que um pequeno grupo de 24.700 paulistanos, que representam 0,24% da população da cidade de São Paulo, residem em domicílios cujo rendimento familiar médio mensal está acima de 50.000 reais. Desses, 7.880 têm renda disponível de 1 milhão de reais por ano, e, no topo deste grupo, noventa domicílios paulistanos têm renda de 1 milhão de reais por mês.31 A figura VIII ilustra bem este fato.

Figura VIII – Um retrato da distribuição de renda no topo da pirâmide: a cidade de São Paulo

31 Clase AAA, Veja São Paulo, Edição Especial Luxo, Vitrines de Ouro, maio 2005

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CAPÍTULO V − RECEITAS PÚBLICAS

1. CONCEITO

As despesas públicas têm, obviamente, de ser satisfeitas por receitas. Uma noção meramente introdutória já indica que receita é todo ingresso de dinheiro nos cofres de uma pessoa de direito público.

A primeira observação que deve ser feita sobre a receita é que ela assume formas muito variadas no Estado Moderno. Já se foi o tempo em que o Estado atuava como qualquer pessoa, isto é, valia-se dos recursos que pudesse obter pela exploração de seu patrimônio.

Fundamentalmente, o que se passou é que o Estado veio, cada vez de forma mais acentuada, se valendo da sua força coercitiva para impor aos particulares o pagamento de quantias em dinheiro, independentemente de contraprestação de sua parte.

2. DEFINIÇÃO

Antes de se ater com mais detalhes na classificação das receitas, tanto do ponto vista doutrinário como do ponto de vista legal, cumpre defini-las melhor.

Receita Pública é o montante total em dinheiro recolhido pelo Tesouro Nacional, incorporado ao patrimônio do Estado, que serve para custear as despesas públicas e as necessidades de investimentos públicos.

Pode-se ainda definir, observando a pequena nuance “de forma definitiva” entre uma definição e outra, como sendo:

Receitas Públicas são os recursos, ou melhor, dizendo, o dinheiro que ingressa nos cofres públicos de maneira definitiva com a finalidade de satisfazer as despesas públicas.

Antonio L. de Sousa Franco conceitua: “As receitas públicas podem ser assim genericamente definidas como qualquer recurso obtido durante um dado período financeiro, mediante o qual o sujeito público pode satisfazer as despesas públicas que estão a seu cargo.”

Sainz de Bujanda é mais sintético e define receita pública como: “As somas de dinheiro que recebem o Estado e os demais entes públicos para cobrir com elas seus gastos”.

Aliomar Baleeiro conceitua receita pública como: “A entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”.

Quando se fala em receitas públicas, o qualificativo “públicas”, na verdade, faz referência à natureza do ente que as recebe e não à qualidade em si da receita. Daí porque ser lícito afirmar que são receitas públicas as que são recebidas por uma pessoa pública e, ao contrário, são privadas as receitas auferidas por uma pessoa jurídica de direito privado.

Quanto ao objeto das receitas, na sua concepção moderna é unicamente no dinheiro e se expressa, pois, em moeda.

Os bens in natura e os serviços pessoais, por exemplo, adquiridos mediante expropriação ou mediante liberalidades intervivos ou causa mortis, incluindo serviços pessoais, como o militar, embora integrando o patrimônio do Estado, não se constituem em receitas, nem são, portanto, objeto do Direito Financeiro, mas de outras disciplinas (Direito civil, político, administrativo).

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A obtenção dos recursos decorre, primordialmente, da execução das receitas públicas. Kiyoshi Harada32 define receita pública como sendo o ingresso de dinheiro aos cofres do Estado para atendimento de suas finalidades.

3. RECEITA E INGRESSO

Denomina-se de ingresso ou entrada todo e qualquer dinheiro que entra nos cofres públicos, não importando a que título tenha sido. Contudo, não se deve confundir ingresso com receita, isso porque nem todo ingresso pode ser considerado como receita. Não se pode negar que existem ingressos que devem ser devolvidos, ou seja, só permanecem provisoriamente nos cofres públicos.

Trata-se, na verdade, de quantias em dinheiro que entram nos cofres públicos somente por um determinado período de tempo. Exemplos de ingresso são: a fiança, a caução e o empréstimo compulsório. É sabido que estas quantias não permanecem definitivamente nos cofres públicos, eis que o seu destino é de retornar para o seu proprietário.

Já as receitas caracterizam-se por serem ingressos definitivos de dinheiro nos cofres públicos, ou seja, trata-se daqueles ingressos que têm como finalidade permanecerem definitivamente nos cofres públicos. As receitas podem advir do poder constritivo que o Estado exerce sobre o particular através da cobrança de impostos, taxas, contribuições de melhoria ou multas.

Sob o ponto de vista doutrinário, muito se discute sobre o conceito de receitas públicas. Alguns autores afirmam que todo e qualquer ingresso de recursos nos cofres do Estado são Receitas Públicas, outros dizem que aquelas de caráter devolutivo, tais como depósitos, cauções etc. não as são, visto que não são definitivas, isto é, elas ingressam nos cofres públicos, na maioria das vezes de forma temporária.

Alguns autores consideram que os ingressos de disponibilidades aos cofres públicos, que possuem caráter devolutivo, são receitas públicas. Desse entendimento, surgiu o conceito de receita extra-orçamentária. No entanto, recentes normas expedidas pela Secretaria do Tesouro Nacional possuem entendimento contrário.

Diante do exposto fica claro que o critério diferenciador entre receita e ingresso não é outro senão o da permanência nos cofres públicos.

Examinando o referido conceito, observa-se que a entrada de dinheiro nos cofres públicos somente será considerada receita pública se atendidos os seguintes requisitos:

integrar-se de modo permanente no patrimônio do Estado, pelo que as entradas com natureza transitória, como as decorrentes de fiança, não constituem receita pública;

não estar sujeita esta integração a quaisquer condições de devolução, pelo que os ingressos provenientes de empréstimos não constituem receita pública;

em decorrência da aludida integração, o patrimônio público deve ser acrescido de um elemento novo, e desse modo a venda de um bem não se inclui na noção de receita pública, eis que determinará uma baixa patrimonial correspondente à saída do bem.

Asim é que diante de tudo o que foi dito até então, pode-se definir Receitas Públicas como sendo: todo dinheiro que entra nos cofres públicos, que venha a integrar-se de modo permanente no patrimônio do Estado fazendo com que este seja acrescido de um novo

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elemento, com vistas a atender uma despesa pública que objetiva atender uma necessidade pública.

Para dar prosseguimento ao estudo das receitas públicas é necessário analisar seus principais conceitos doutrinários e os conceitos advindos de atos legais e normativos.

4. A RECEITA PÚBLICA NO ÂMBITO DA TEORIA GERAL DOS INGRESSOS PÚBLICOS

A receita pública no período clássico tinha como única finalidade possibilitar ao Estado cobrir as despesas públicas por ele efetuadas com as denominadas atividades básicas, fundamentais, essenciais, que não podiam ser delegadas ao particular, como as de justiça, diplomacia, política, dividindo-se eqüitativamente, entre os particulares esta carga pública de fornecimento ao Estado dos aludidos recursos.

No período moderno, a receita não visa apenas proporcionar meios ao Estado para a satisfação das necessidades públicas, como também é torna-se um dos instrumentos de que ele se serve para intervir na economia em geral. Isto ocorre, por exemplo, quando o Estado utiliza o tributo com fins extrafiscais para proteger a indústria nacional contra a invasão de importados.

Observa-se que no período moderno das finanças públicas a atividade financeira do Estado tornou-se mais robusta, em razão principalmente de sua postura intervencionista, resuntando consequentemente num crescimento das despesas públicas, tendo os recursos patrimoniais do Estado se revelado insuficientes para atende-las.

A doutrina pode mostrar a evolução histórica da receita pública, identificando a existência de cinco padrões, cuja utilização presume-se sucessiva, que seriam as receitas públicas:

Parasitária: no mundo antigo, obtida através da extorsão, pilhagem e exploração do inimigo vencido;

Dominial: no período medieval, decorrente da exploração dos próprios bens do Estado, tais como imóveis, indústrias etc;

Regaliana: proveniente da exploração dos direitos regalianos, privilégios, reconhecidos aos reis e príncipes de explorar determinados serviços ou conceder esse direito a terceiros mediante pagamento ao Estado de uma determinada contribuição (regalia);

Tributária: obtida através, da coação aos cidadãos ao pagamento de tributos que passam a funcionar como principal fonte de receita pública, e;

Social: consistente na utilização do tributo, também, com finalidade extrafiscal, vale ressaltar, voltado a exercer influência sobre determinado campo econômico, social ou político.

5. CONCEITOS E ASPECTOS LEGAIS DAS RECEITAS PÚBLICAS

O Estado, na busca do bem comum, lança mão de suas funções econômicas: a alocativa, que corresponde ao ajustamento na alocação de recursos, em face das imperfeições inerentes ao mercado aberto, a distributiva, que corresponde a ajustamentos na distribuição da renda e da riqueza e a estabilizadora, que visa a estabilização econômica através de ações que normalizem a distribuição da renda e da riqueza na sociedade. Para a consecução dessas funções, o Estado utiliza a sua atividade financeira como principal instrumento.

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A obtenção dos recursos decorre, primordialmente, da execução das receitas públicas. Kiyoshi Harada33 define receita pública como sendo o ingresso de dinheiro aos cofres do Estado para atendimento de suas finalidades.

Durante o processo de elaboração orçamentária, no caso brasileiro, o Poder Executivo parte do montante da receita estimada pelos órgãos competentes para, com base neste montante, fixar as despesas públicas. Desse fato, depreende-se a importância da receita pública para a consecução da atividade financeira do Estado.

Antes de se estudar como a as Receitas Públicas são classificadas, faz-se necessário definir-se aqueles recursos financeiros, partes integrantes das receitas. Isto é o que será mostrado a seguir.

a. Tributo

É toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. São espécies de tributo: o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria. (artigo 3.° da L.F. n.° 5.172/66).

1. Imposto

É o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. É pago coativamente, independentemente de uma contraprestação imediata e direta do Estado. (artigo 16 da L.F. n.° 5.172/66).

2. Taxa

É o tributo que tem como fato gerador o exercício do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Do exposto verifica-se que a taxa, ao contrário do imposto, corresponde, em princípio, a uma contraprestação, imediata e direta do Estado. (artigo 77 da L.F. n.° 5.172/66).

3. Contribuição de melhoria

É o tributo destinado a fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. (artigo 81 da L.F. n.° 5.172/66).

6. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS

Do ponto de vista doutrinário no que diz respeito à classificação as Receitas Públicas podem ser assim discriminadas:

a. Quanto à regularidade

Ordinárias – São aquelas que ingressam com regularidade no erário, constituindo-se, assim, fonte regular e permanente de recursos financeiros destinados à consecução da atividade financeira do Estado. Ex.: receita tributária, de contribuições etc.

Extraordinárias – São as que ingressam em caráter excepcional e temporário. Ex.: empréstimo compulsório e o imposto extraordinário (art. 148, II e art.154, II da Carta Magna).

b. Quanto à origem

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Originária – É a receita auferida quando o Estado está na mesma condição do particular, não havendo coercitividade na sua exigência. É a receita pública efetiva oriunda das rendas produzidas pelos ativos do Poder Público, pela cessão remunerada de bens e valores (aluguéis e ganhos em aplicações financeiras), ou aplicação em atividades econômicas (produção, comércio ou serviços). É uma classificação da Receita Corrente.

As Receitas Originárias também são denominadas como Receitas de Economia Privada ou de Direito Privado. Ex: Receitas Patrimoniais, Receitas Agropecuárias, Receitas Comerciais, Receitas de Serviço, etc.

Derivada – É a receita que deriva da prevalência do Estado sobre o particular, caracterizando-se por sua exigência coercitiva e compulsoriedade. É a receita pública efetiva, obtida pelo Estado, em função de sua soberania, por meio de Tributos, Penalidades, Indenizações e Restituições. É uma classificação da Receita Corrente. As Receitas Derivadas são formadas por Receitas Correntes, segundo a classificação da Receita Pública por Categoria Econômica. Ex: Receita Tributária, Receita de Contribuições, etc.

c. Quanto à previsão orçamentária

Orçamentária – É a receita prevista ou não no orçamento e que não possui caráter devolutivo. Ex.: receita tributária, receita de serviços, receita patrimonial.

De acordo com o art. 57 da Lei 4.320/64, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 3º desta lei serão classificadas como receita orçamentária, sob as rubricas próprias, todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não previstas no Orçamento.

Segundo o art. 3º: A Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lei.

Parágrafo único: Não se consideram para os fins deste artigo as operações de crédito por antecipação da receita, as emissões de papel-moeda e outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros.

Extra-orcamentária – É a receita não prevista no orçamento, ingressando em caráter temporário na disponibilidade do Estado para posterior devolução.

O Manual de Receitas Públicas, aprovado pela Portaria STN nº. 340/2006, não considera este tipo de ingresso de disponibilidade como receita pública, entretanto, os concursos públicos utilizam a notação receita extra-orcamentária.

d. Quanto à efetividade

Efetiva – São ingressos orçamentários (receitas públicas) em que a entrada de disponibilidades de recursos não foi precedida de registro de reconhecimento do direito e não geram obrigações correspondentes e, por isto, alteram a situação líquida patrimonial (aumentam) do ente.

São receitas que no momento do seu reconhecimento passam a compor o patrimônio da Entidade Pública como elemento novo e positivo (ex.: receita tributária) e que não se originou de uma diminuição do ativo ou de um aumento correspondente no passivo. Trata-se de um fato contábil modificativo aumentativo.

Não-efetiva – São ingressos orçamentários (receitas públicas) que foram precedidos de registro do reconhecimento do direito ou que geram obrigações correspondentes, e, por isso, não alteram a situação líquida patrimonial.

São as receitas que no momento do seu recebimento ocasionam um aumento correspondente no passivo, através do reconhecimento de uma obrigação (ex.: operação de crédito)

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ou uma diminuição do ativo, através da baixa de um bem ou direito (ex.: recebimento da Dívida Ativa, receita de alienação de bens). Este aumento do passivo ou diminuição do ativo chama-se mutação passiva.

7. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DA LEI (LEI Nº 4320/64)

A Lei Nº 4.320/64, que dispõe sobre as normas gerais de Direito Financeiro, em seu art. 11 classifica a Receita Orçamentária em duas grandes categorias econômicas, quais sejam: as receitas orçamentárias e as extra-orçamentárias.

a) Receita Orçamentária

Receitas orçamentárias – São aquelas que fazem parte do orçamento público estabelecidas na Lei Orçamentária Anual – LOA e são divididas em:

1. - Receitas Correntes — destinadas a cobrir as depesas orçamentárias que visam a manutenção das atividades governamentais. Estas se sudividem em:

Receita Tributária — É a proveniente de impostos, taxas e contribuições de melhorias;

Receita de Contribuições34 — É a proveniente das seguintes contribuições sociais (previdência social, saúde e assistência social), de intervenção domínio econômico (tarifas de telecomunicações) e de interesse das categorias profissionais ou econômicas(órgãos representativos de categorias de profissionais), como instrumentos de intervenção nas respectivas áreas;

i. Contribuições Sociais – destinadas ao custeio da seguridade social, que compreende a previdência social, a saúde e a assistência social;

ii. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – derivam da contraprestação à atuação estatal exercida em favor de determinado grupo ou coletividade.

iii. Contribuições de Interesse das Categorias Profissionais ou Econômicas – destinadas ao fornecimento de recursos aos órgãos representativos de categorias profissionais legalmente regulamentadas ou a órgãos de defesa de interesse dos empregadores ou empregados.

Receita Patrimonial — São rendas obtidas pelo Estado quando este aplica recursos em inversões financeiras, ou as rendas provenientes de bens de propriedade do Estado, tais como aluguéis;

Receita Agropecuária — É a proveniente da exploração de atividades agropecuárias de origem vegetal ou animal;

Receita de Serviços — É a proveniente de atividades caracterizadas pelas prestações de serviços financeiros, transporte, saúde, comunicação, portuário, armazenagem, de inspeção e fiscalização, judiciário, processamento de dados, vendas de mercadorias e produtos inerentes a atividades da entidade entre outros;

34 Podem ser: Contribuições Sociais (Ex.: COFINS, Salário Educação, Contribuições sobre Receitas de Concursos de Prognósticos, Contribuições Previdenciárias para o RPPS e RGPS, Contribuições para os Serviços Sociais Autônomos – SESI, SESC, SENAI etc, PIS/PASEP, CSLL etc) e Contribuições Econômicas (Cota-parte do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, Contribuição sobre a Receita das Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações, Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, PIN, PROTERRA, CIDE-Combustíveis etc).

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Receita Industrial — É a resultante da ação direta do Estado em atividades comerciais, industriais ou agropecuárias;

Transferências Correntes — São recursos financeiros recebidos de outras entidades públicas ou privadas e que se destinam a cobrir despesas correntes;

Outras Receitas Correntes — São aquelas provenientes de multas, cobrança da dívida ativa, indenizações e outra receitas de classificação específica.

2 - Receitas de Capital — São provenientes de operações de crédito, alienações de bens, amortizações de empréstimos concedidos, transferências de capital e outras receitas de capitais;

Operações de Crédito — São oriundas da constituição de dívidas (empréstimos e financiamentos);

Alienação de Bens — São provenientes da venda de bens móveis e imóveis e de alienação de direitos;

Amortização de Empréstimos Concedidos — É o retorno de valores anteriormente emprestados a outras entidades de direito público;

Transferência de Capital — São recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, destinados à aquisição de bens;

Outras Receitas de Capital — Classificação genérica para receitas não especificadas na lei; também classifica-se aqui o superávit do orçamento corrente (diferença entre receitas e despesas correntes), embora este não constitua item orçamentário.

b) Receita Extra-Orçamentária

Receitas extra-orçamentárias — São aquelas que não fazem parte do orçamento público.

Como exemplo tem-se as cauções, fianças, depósitos para garantia, consignações em folha de pagamento, retenções na fonte, salários não reclamados, operações de crédito em curto prazo e outras operações assemelhadas.

Sua arrecadação não depende de autorização legislativa e sua realização não se vincula à execução do orçamento.

Tais receitas também não constituem renda para o Estado, uma vez que este é apenas depositário de tais valores. Contudo tais receitas somam-se às disponibilidades financeiras do Estado, porém têm em contrapartida um passivo exigível que será resgatado quando da realização da correspondente despesa extra-orcamentária.

Em casos especiais, a receita extra-orcamentária pode converter-se em receita orçamentária. é o caso de quando alguém perde, em favor do Estado, o valor de uma caução por inadimplência ou quando perde o valor depositado em garantia. O mesmo acontece quando os restos a pagar têm sua prescrição administrativa decorrida.

É importante frisar que cauções, fianças, e depósitos efetuados em títulos e assemelhados quando em moeda estrangeira são registrados em contas de compensação, não sendo, portanto considerados receitas extra-orçamentárias.

8. ESTÁGIOS DA RECEITA PÚBLICA

Estágio da receita orçamentária é cada passo identificado que evidencia o comportamento da receita e facilita o conhecimento e a gestão dos ingressos de recursos.

Os estágios da receita orçamentária são os seguintes:

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a) Previsão – estimativa de arrecadação da receita, constante da Lei Orçamentária Anual – LOA, compreendido em fases distintas:

1. A primeira fase consiste na organização e no estabelecimento da metodologia de elaboração da estimativa;

2. A segunda fase consiste no lançamento, que é tratado pela Lei nº 4.320/64 nos seus artigos 51 e 53, é o assentamento dos débitos futuros dos contribuintes de impostos diretos, cotas ou contribuições prefixadas ou decorrentes de outras fontes de recursos, efetuados pelos órgãos competentes que verificam a procedência do crédito a natureza da pessoa do contribuinte quer seja física ou jurídica e o valor correspondente à respectiva estimativa. O lançamento é a legalização da receita pela sua instituição e a respectiva inclusão no orçamento.

b) Arrecadação – entrega, realizada pelos contribuintes ou devedores aos agentes arrecadadores ou bancos autorizados pelo ente, dos recursos devidos ao Tesouro. A arrecadação ocorre somente uma vez, vindo em seguida o recolhimento. Quando um ente arrecada para outro ente, cumpre-lhe apenas entregar-lhe os recursos pela transferência dos recursos, não sendo considerada arrecadação, quando do recebimento pelo ente beneficiário.

c) Recolhimento – transferência dos valores arrecadados à conta específica do Tesouro, responsável pela administração e controle da arrecadação e programação financeira, observando o Princípio da Unidade de Caixa representado pelo controle centralizado dos recursos arrecadados em cada ente.

É importante observar que nenhum agente arrecadador pode utilizar o produto da arrecadação para realizar pagamentos. Os pagamentos devem ser feitos com recursos específicos para este fim.

Resíduos ativos ou restos a arrecadar

Os créditos não lançados e não arrecadados até o último dia do exercício financeiro a que pertencem constituirão receita no exercício em que forem arrecadados.

Já os créditos lançados e não arrecadados são, no Brasil, incorporados ao patrimônio, no ativo permanente, como componente da dívida ativa.

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CAPÍTULO VI − DÍVIDA PÚBLICA

1. DEFINIÇÃO

Dívida governamental ou dívida pública é o termo usado para descrever o endividamento de qualquer divisão administrativa, desde uma vila até um país. A dívida de um governo de um dado país também é chamada por vezes de dívida nacional.

Assim é que pode-se definir dívida pública como sendo quanto o governo deve para entidades e para a sociedade. O governo toma dinheiro emprestado para financiar parte dos seus gastos que não são cobertos com a arrecadação de impostos, ou para a manutenção da economia, objetivando controlar o nível de atividade, o crédito ou o consumo das famílias ou para captar moeda forte no exterior.

A dívida pública pode ser categorizada como sendo:

a. dívida interna - quando o governo deve dinheiro a entidades do próprio país; oub. dívida externa – se se deve dinheiro para entidades de outros países que não o

devedor.

Os principais credores do setor público são, normalmente, bancos públicos e privados que operam no país, investidores privados, instituições financeiras internacionais e governos de outros países.

O Estado lança mão do mecanismo de contrair uma dívida visamdo:

financiar parte de seus gastos que não são cobertos com a arrecadação de impostos; ou

alcançar alguns objetivos de gestão econômica, tais como controlar o nível de atividade, o crédito e o consumo ou, ainda, para captar dólares no exterior.

Na busca de financiar seus gastos o Estado tem três formas de financiar seus gastos, quais sejam:

arrecadar impostos; emitir moeda; ou vender títulos (papéis) da dívida pública com promessa de resgate futuro acrescido

de juros.

Muitos governos se utilizam, ainda, do expediente de atrasar o pagamento de dívidas com fornecedores e de negociar seu pagamento com deságio (desconto sobre o valor da dívida).

A emissão de moeda é uma forma utilizada freqüentemente pelos governos para financiar parte de seus gastos. Mas deve ser usada com cautela, uma vez que pode se transformar em inflação, caso a economia esteja operando próxima ao pleno emprego dos fatores de produção e se essa emissão de moeda não guardar alguma relação com o crescimento da oferta de bens e serviços (por meio de utilização de capacidade ociosa, novos investimentos, importação).

2. DIFERENÇA ENTRE DÍVIDA PÚBLICA INTERNA E DÍVIDA PÚBLICA EXTERNA

Existem diferenças significativas entre uma dívida pública interna e dívida pública externa, isto porque não é igual o ônus que uma e outra acarretam.

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Enquanto os encargos da dívida interna são geralmente satisfeitos em moeda nacional, os encargos da dívida externa são satisfeitos, ou em ouro, ou em moeda que goze de confiança internacional, e que por não ser, e quase sempre não é, a moeda do país devedor.

Compreende-se: os credores estrangeiros querem premunir-se contra as variações desfavoráveis dos câmbios e, portanto, exigem o pagamento dos juros e a amortização ou reembolso em moeda que lhes mereça confiança. Daí resultam estas conseqüências:

I. A dívida externa não assegura ao Estado devedor o benefício da desvalorização da moeda, ou pelo menos não lho assegura no mesmo grau que se se tratasse de dívida interna sem garantia contra a desvalorização;

II. A dívida externa, ao contrário do que sucede com a dívida interna, pode provocar ou agravar o déficit da balança de pagamentos, colocando eventualmente o país devedor em situação difícil para solver os seus compromissos internacionais.

Outra diferença é esta de ordem política: sendo interna a dívida, o Estado deve, na generalidade dos casos, aos seus cidadãos; mas, sendo externa, o Estado deve a cidadãos de outros países. Ora, o Estado goza de soberania perante aqueles, e não perante estes. E estes — os credores estrangeiros —muitas vezes associam-se, constituindo grupos, que têm força, e, ainda quando não se associam, os seus interesses são defendi dos pelos Governos dos respectivos países.

Daí que, através dos empréstimos externos, se possa exercer pressão sobre os Estados devedores; daí que, também os Estados devedores se vejam freqüentemente inibidos de efetuar, em relação aos empréstimos externos, certas operações que às vezes realizam, sendo internos: nomeadamente, a redução forçada do capital ou do juro.

Outra classificação da dívida de aceitação bastante generalizada é a de considerá-la como dívida fundada ou flutuante.

A dívida fundada é a resultante dos empréstimos temporários a médio e em longo prazo, compreendidos também os empréstimos perpétuos. O termo “fundada” decorre de uma circunstância histórica. Na Inglaterra, outrora, quando se emitiam empréstimos desta natureza, simultaneamente era instituído um fundo para fazer face aos ônus advindos da operação: aí compreendidos os juros e o resgate do principal. Quando a dívida fundada provém de empréstimos perpétuos, recebe o nome de dívida consolidada.

Dívida flutuante é a decorrente dos empréstimos em curto prazo. De fato, o tesouro pode sentir necessidade, e isso se dá muito freqüentemente, de fazer corresponder os ingressos públicos ao momento em que deverá ocorrer a despesa. Acontece, entretanto, que isto nem sempre possível, porque o sistema arrecadador tem a sua cronologia própria, que não corresponde, necessariamente, àquela do desembolso. A diferença pode ser pequena, dois, três meses, mas, para que não ocorra a insolvência do Poder Público, cumpre antecipar as receitas, e isto é feito por intermédio dessas operações creditícias que dão lugar à chamada dívida flutuante. Ela flutua no sentido de que oscila muito rapidamente.

Normalmente exige-se que a operação transcorra dentro do exercício financeiro, de modo a não haver saldo devedor a ser transferido para exercícios futuros. E uma dívida, portanto, precaríssima e que contabilmente está lastreada na previsão existente da arrecadação. Pode dar lugar à emissão de títulos representativos desse débito, por vezes chamados bilhetes do tesouro, como pode ser lastreada em abertura de crédito em conta corrente levada a efeito por instituições financeiras.

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3. LIMITE ACEITÁVEL DA DÍVIDA

Os credores da dívida pública preocupam-se com a capacidade que, segundo estimam, o Estado tem para arcar com seus compromissos. Uma das formas de se avaliar o risco da dívida pública é compará-la com o Produto Interno Bruto (PIB), que é o total de bens e serviços produzidos no país num determinado ano. É a chamada relação dívida/PIB.

Essa avaliação, porém, não se restringe à comparação dos valores da dívida e do PIB. Há uma avaliação global da economia do país analisado. Por isso, é possível que países desenvolvidos (como Japão, Itália e EUA, para ficar em apenas três) venham tendo uma elevada relação dívida/PIB sem que, contudo, sejam considerados insolventes. Tudo depende da capacidade que o país revele de saldar seus compromissos nos prazos em que foram contraídos e da credibilidade de que o país goze entre os investidores.

A relação dívida/PIB é limitada quanto à capacidade de indicar a solvência de um país, por não levar em conta a taxa de juros, os prazos da dívida e outros indicadores de solvência, tais como o comportamento da arrecadação.

No entanto, para um país como o Brasil, uma relação dívida/PIB próxima de 50%, como a que existe hoje, é considerada alta. Principalmente porque o perfil da dívida é muito concentrado no curto prazo.

4. EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA

O Brasil tem o hábito de contrair empréstimos desde o seu nascimento como país independente. Já nos séculos XVI e XVII registram-se casos de empréstimos celebrados por governadores e vereanças da Colônia, entretanto, como colônia não se podia falar numa dívida pública própria do país, dado o seu papel de não soberano.

Após sua independência, já em 1824, é firmado em Londres o primeiro contrato de dívida externa, em condições extremamente onerosas para o Brasil. Durante o século XIX as operações vão suceder-se a cada aperto do tesouro. A destinação do dinheiro obtido era voltada ao financiamento de guerras, como as de Rosas, Lopez, repressão a revoluções, crises e déficits crônicos.

A transformação do Brasil de Império para República não melhora em nada a situação, pelo contrário, agrava-se. Entre outras razões, porque os estados e alguns municípios também se envolvem no processo de endividamento. Quando se leva em conta a posição do comércio externo, altamente baseado na exportação de produtos de caráter colonial, muito sensíveis a oscilações de preços, é fácil imaginar-se que dificuldades muito sérias iriam surgir no balanço de pagamento da União. Tudo isso faz com que haja necessidade de recorrer-se ao funding-loan. Após a Revolução de 1930 ocorre até mesmo a suspensão do pagamento da dívida externa, cujo resgate só é retornado após a celebração de um terceiro funding-loan.

Segue-se um período de abalo do crédito brasileiro, o que faz com que o País seja forçado a deixar de recorrer ao mercado externo. A Segunda Guerra Mundial vai favorecer o Brasil do ponto de vista das suas finanças internacionais. O esforço de guerra dos países beligerantes impede a importação de muitos produtos, cujo racionamento acaba por se impor — gasolina, trigo etc. De outra parte crescem as exportações. Os benefícios para o país são claros, até pelo estímulo que causam ao desenvolvimento do incipiente parque industrial brasileiro. A verdade é que o país sai do conflito com uma folgada posição financeira da qual o governo não tira proveito que era de se esperar para o desenvolvimento do país.

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O País vê-se forçado a ingressar no processo de endividamento exacerbado a partir da Revolução de 1964, que escolheu um modelo desenvolvimentista fortemente alicerçado na obtenção de empréstimos externos. As crises do petróleo da década de 1970 vão levar ao paradoxismo este processo. A necessidade de adquirir um produto com preço muitas vezes superior ao vigente antes da crise, assim como a elevação da taxa de juros, que, a partir de certo momento, é adotada pelos países credores, como forma de compensar as suas dificuldades advindas da mesma escassez, e os altos preços do petróleo foram, para os países endividados, um duro golpe.

As conseqüências críticas da situação vão-se fazer sentir na década de 1980, em que dois fenômenos salientes merecem registro. De um lado, a exaustão financeira do Estado, que o leva a situações de moratória, quer formalmente declarada, quer vigorante por mera força da suspensão dos pagamentos. De outra parte, surgem planos propostos por autoridades ou organismos com papel estratégico no processo de endividamento.

Os dois planos que ganharam mais repercussão são os provindos da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos e que ganharam o nome dos seus respectivos ocupantes à época da edição. Assim, em Seul, no ano de 1985, nasce o Plano Backer, cujas linhas mestras são as seguintes:

♦ a adoção, pelos principais países devedores, de medidas de grande alcance estrutural e macroeconômico, financiadas por instituições internacionais de caráter financeiro com a finalidade de promover o crescimento e o ajuste da balança de pagamentos, assim como a redução da inflação.

♦ uma atuação continuada do Fundo Monetário Internacional — FMI, em conjugação com a oferta de créditos mais seletivos pelas instituições de desenvolvimento de caráter multilateral, ambas as medidas com vistas à adoção, pelos principais países devedores, de políticas orientadas para um mercado em desenvolvimento. E, em terceiro lugar, um aumento dos empréstimos pelos bancos privados em apoio aos programas de ajuste.

Observe-se, todavia, que não obstante o fato de alguns desses ambiciosos objetivos terem conseguido algum tipo de implementação — mercê tanto de esforços dos países devedores quanto da formulação de propostas de caráter econômico por parte dos países credores —, sem se deixar de referir a uma tímida flexibilização do lado de alguns bancos privados, no fundo, a situação da maior parte dos países devedores continuou a agravar-se, o que fez desencadear o Plano Brady.

No caso brasileiro, esse agravamento deu origem a uma série de mudanças na política econômica governamental pela adoção tanto de medidas específicas quanto de diretrizes básicas.

A primeira mudança refere-se ao relacionamento entre o País e seus maiores credores, isto é, os bancos comerciais privados, verificando-se momentos de grande desarmonia até um quase total acordo.

A situação não foi diferente quanto ao relacionamento entre o Brasil e o FMI, no qual os posicionamentos variaram desde um potencial rompimento até um “estudo de acordos”.

Medida de grande controvérsia na história do endividamento brasileiro foi, também, a decretação da moratória, em fevereiro de 1987.

Por outro lado, teve grande repercussão o bem-sucedido programa de conversão da dívida em capital de risco. É certo que ele não teve até o momento uma execução continuada que lhe permitisse alcançar volumes substanciais da dívida. De qualquer sorte, não há como negar- se o seu sucesso, já que foi observado mercê da sua implementação um decréscimo do principal da dívida, fato novo desde há muitos anos para cá.

Nesse exame no conjunto das medidas adotadas não pode deixar de ser mencionada a chamada securitização da dívida. “Por securitização entende-se o processo de troca de títulos

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representativos da dívida por novos títulos com um menor valor de face. Esse processo é viabilizado — via de regra — pelo oferecimento de garantias aos compradores de títulos novos”. Não que ela tenha até o momento tido alcance prático, mas o fato de ter sido retomada no plano posterior dá mostras de sua consistência.

Dá-se o nome de “Plano Brady” ao pronunciamento feito pelo Secretário do Tesouro dos Estados Unidos acerca da política do Presidente George Bush para a questão da dívida externa do Terceiro Mundo. Três são as principais propostas embutidas no plano.

A primeira delas consiste numa incitação à reversão da tendência de fuga do capital dos países devedores, para o que esses países deverão tomar medidas adequadas. Transcrevamos um trecho do plano:

Em primeiro lugar, as nações devedoras devem concentrar sua particular atenção na adoção de políticas que fomentem novos fluxos de investimentos, fortaleçam a economia doméstica e promovam o repatriamento do capital em fuga. Isso requer uma ressonante política de crescimento que fomente a confiança nos investidores, tanto domésticos quanto estrangeiros.

A segunda traduziu-se numa proposta da redução da dívida, ponto no qual realmente foi o Plano Brady bastante inovador, visto que o anterior contemplava tão-somente um refinanciamento da dívida com um aumento efetivo de seu principal. Chegou a dirigir-se especialmente aos bancos credores, nestes termos:

É preciso que os bancos comerciais trabalhem juntamente com as nações devedoras, a fim de oferecer uma variedade mais ampla de opções para o apoio financeiro, que incluam maiores esforços na busca da redução tanto da dívida quanto do serviço da dívida, e no sentido de proporcionar novos empréstimos.

E finalmente, o Secretário Brady tratou de traçar as tarefas que incumbiriam tanto ao FMI quanto ao Banco Mundial, a saber:

♦ Orientar as instituições financeiras internacionais — através de um trabalho de assessoramento e apoio — no sentido da viabilização de financiamentos novos; e

♦ Apoiar e incentivar os esforços dos bancos comerciais e países credores no sentido de redução do principal e do serviço da dívida.

Foi sob tal inspiração que o Brasil, último dos grandes devedores a regularizar suas relações com os bancos, concluiu em abril de 1994 um acordo de redução da dívida externa segundo as regras do Plano Brady. O acordo de renegociação da dívida externa com os bancos Privados consistiu, basicamente, na securitização da dívida, ou seja, na substituição dos títulos antigos por novos, com vencimento final no ano 2024.

Quando completado, o acordo deverá reduzir em cerca de US$ 7 bilhões a conta de US$ 35 bilhões de débitos renegociados e estenderá os pagamentos de juros e do principal da dívida restante ao longo dos próximos 30 anos, a taxas fixas.

O ministro da Fazenda de então ressaltou a importância histórica do ato, dizendo ter a convicção de que o Brasil aceitava ali o caminho do futuro.

5. OS CREDORES DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA

Inicialmente e, em maior grau, os bancos que atuam no mercado financeiro brasileiro e que têm suas carteiras compostas em boa medida por títulos públicos. São também credores os investidores, de modo geral, tais como os detentores de aplicações em fundos de investimento, caso em que os bancos funcionam como intermediários.

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Portanto, tanto empresas quanto pessoas físicas que têm aplicações financeiras ancoradas em títulos da dívida pública são credoras do Estado. São ainda credores os organismos financeiros internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Também bancos estrangeiros e fundos de pensão, nacionais e internacionais, são detentores de títulos da dívida pública brasileira.

6. DESTINAÇÃO DOS RECURSOS CAPTADOS POR MEIO DO ENDIVIDAMENTO

É muito comum a idéia de que os recursos captados pelo Estado tenham sido dragados pelos esquemas de corrupção. Não é bem assim. Grande parte desses recursos é aplicada em obras públicas e na própria rolagem da dívida, ou seja, é dinheiro pedido por empréstimo para pagar os títulos em vencimento ou mesmo os juros. Isso não quer dizer que todo o gasto efetuado seja justificável. O Brasil é pródigo em obras inacabadas ou superfaturadas, mazelas que absorvem recursos que poderiam ser aplicados para outros fins.

Nos anos seguintes à implantação do Plano Real, parte dos recursos obtidos com empréstimos externos foi destinada à sustentação de déficits na Balança Comercial. Ou seja, naquele período, em última instância, os empréstimos serviram para cobrir o consumo de bens importados.

O Orçamento da União, assim como dos estados e dos municípios, é dividido em receitas e despesas. E as receitas e despesas se subdividem em operacionais e financeiras. Quando as despesas operacionais superam as receitas operacionais, surge o déficit primário. O contrário é o superávit primário.

O déficit total inclui, além do resultado operacional, os gastos com juros, amortizações e a correção da dívida pública. É também chamado de déficit nominal.

Quando o país já tem um comprometimento elevado com a dívida pública, os organismos internacionais (como o FMI) exigem que todo o setor público (União - incluindo a Previdência -, estados, municípios e estatais) gere superávits primários elevados, para fazer face aos compromissos da dívida pública.

O déficit nominal ou total corresponde à necessidade de financiamento do setor público.

Note-se que, embora o esforço fiscal tenha sido muito grande em 2005, ele ainda foi insuficiente para cobrir os gastos com juros.

7. GASTOS COM O SERVIÇO DA DÍVIDA EM RELAÇÃO AOS GASTOS COM SAÚDE E EDUCAÇÃO

Quando se analisa a proposta para 2006, nota-se que o valor global do Orçamento efetivo da União, descontado o montante referente à mera rolagem da dívida, é de R$ 842,1 bilhões. Excetuando-se o valor correspondente ao Orçamento das Estatais (R$ 41,7 bilhões), o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social fica no total em R$ 800,4 bilhões.

A proposta orçamentária para 2006 ainda depende de aprovação pelo Congresso Nacional, mas a intenção de distribuição das despesas do governo está definida como mostra a Tabela 5.

Como se vê, a proposta orçamentária para 2006 prevê um gasto com juros e encargos da dívida pública 4,5 vezes o gasto com Saúde e 10,4 vezes o gasto com Educação. Pela proposta, os encargos da dívida consumirão 22,4% de todo o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União. Cabe lembrar que Estados e Municípios também participam dos gastos com Educação e Saúde.

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8. RELAÇÃO ENTRE TAXA DE JUROS E DÍVIDA PÚBLICA

A taxa de juros tem sido utilizada pelo governo como instrumento de combate à inflação. A idéia é que com juros altos, há um desestímulo ao consumo que acabaria acarretando num ritmo menor de elevação dos preços. O problema é que, ao se elevarem os juros básicos da economia (a chamada taxa Selic), ocorre impacto imediato e expressivo sobre a dívida pública, boa parte dela indexada a esta taxa.

Outro efeito é que, ao reduzirem a atividade econômica, as altas taxas de juros acabam tendo uma conseqüência indesejável de redução da arrecadação de impostos, agravando, ao final, o problema do déficit público. As altas taxas de juros têm um efeito triplamente negativo: aumentam os gastos (financeiros) do governo; reduzem o crescimento do PIB; e reduzem a arrecadação de impostos.

9. FORMAS DE EXTINÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA

Sendo a dívida pública, hoje, fundamentalmente composta de obrigações a prazo e não-perpétuas, cumpre estudarem-se as formas pelas quais pode dar-se a satisfação do credor ou a extinção do débito.

a. Amortização

A primeira delas é a mais natural, por ser a forma mais consentânea com a natureza do vínculo obrigacional. É o pagamento na data do vencimento. Dá-se a esta operação o nome de “amortização”, que significa a diminuição do principal da dívida pública no montante reembolsado ao credor. Mas nem sempre o Poder Público tem condições ou vê interesse no resgate da dívida em dinheiro. Pode, então, o Poder Público valer-se de uma alteração da dívida, de sorte a alterar-lhe o conteúdo, principalmente no que diz respeito ao prazo de vencimento. E importante notar que essas alterações hão de dar-se enquanto estiver vigente o empréstimo público.

b. Conversão

A essa modalidade dá-se o nome de “conversão da dívida”. Pode ser voluntária — quando os novos termos contratuais são atingidos mediante o respeito à vontade dos credores, que, se recusarem os termos da proposta, poderão permanecer na situação em que se encontravam. Forçada — quando o Estado se vale de sua prerrogativa de, por meio de lei, alterar a relação de mútuo. Neste caso, não se toma em consideração a possível recusa dos prestamistas; daí o seu elo compulsório ou, como se disse, forçado.

E, finalmente, pode ser facultativa. Esta se dá quando se coloca o credor diante da possibilidade de optar pelo recebimento do seu crédito ao par, isto é, pelo valor nominal, ou, então, preferir receber, em troca dos títulos que possua, outros, submetidos a cláusulas também novas e diversas.

A questão que pode ser posta é de saber-se até que ponto o Estado pode exercer este poder de conversão no sentido de criar situações mais gravosas para o prestamista. A resposta é muito fácil no caso da conversão voluntária. Ela é sempre válida e legítima, visto que resulta do acordo livre das partes. No que diz respeito à conversão forçada, a matéria é bem mais intrincada. Não é possível uma resposta generalizadora Será sempre necessário examinar-se o alcance das alterações introduzidas e a virtualidade que elas tenham de lesar o patrimônio do subscritor dos

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títulos públicos. Se se tratar de diminuição dos juros ou do capital, torna-se isso impossível, por configurar-se autêntico confisco, lesando o princípio da propriedade (art. 50, XXII, da CF 88).

Entretanto, pode-se imaginar hipótese em que a alteração não respeite à expressão econômica do crédito, mas procure, tão-somente, urna dilação de prazo por motivos de interesse coletivo plenamente configurado. Ressalvado, pois, o direito à indenização, quer-nos parecer que deva prevalecer aqui a regra do predomínio do interesse público sobre o individual. Aquele que empresta ao Poder Público o faz sabedor da existência de certas garantias, como, por exemplo, a impossibilidade de falência do Poder Público, mas, por outro lado, não poderá desconhecer que os Poderes Públicos têm privilégios e prerrogativas que visam o melhor asseguramento dos interesses da comunidade.

c. Repúdio

Dentro de uma ordem jurídica em funcionamento regular é inadmissível o repúdio da dívida. Entende-se por repúdio a rejeição ou, se preferirmos a auto-desoneração das obrigações decorrentes de um empréstimo, por razões de conveniência ou de validade jurídica. Sousa Franco observa muito bem tratar-se de uma declaração política ou administrativa. Não pode ser jurisdicional porque, nesta hipótese, haveria uma anulação e não um repúdio.

No campo externo, no passado, o repúdio foi invocado por governos revolucionários que não se consideravam sucessores dos governos anteriores. Segundo eles, haveria, na verdade, a extinção de um Estado com a criação de outro. Foi o que se deu com o acesso ao Poder pelo governo soviético, para quem os governos burgueses poderiam suceder-se entre si, mas um governo proletário nunca podia suceder a um governo burguês.

10. ENTENDENDO OS CONCEITOS DE DÍVIDA PÚBLICA NO BRASIL

O setor público abrange a administração direta, as autarquias e as fundações das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e suas respectivas empresas estatais, o Banco Central e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

O conceito de setor público, para fins de apuração dos indicadores de dívida pública, considera as instituições públicas não financeiras, bem como os fundos públicos que não possuem características de intermediários financeiros, isto é, aqueles cujas fontes de recursos advêm de contribuições fiscais ou parafiscais, além da empresa Itaipu Binacional.

As estatísticas de dívida pública podem ser apresentadas sob diversas abrangências no âmbito do setor público, já que este engloba as três esferas de governo, suas respectivas empresas estatais, o Banco Central e o INSS.

Além da definição mais ampla de setor público, os outros conceitos utilizados no país são os de governo central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central), governo federal (Tesouro Nacional e INSS), governo geral (governos federal, estadual e municipal), governos regionais (governos estaduais e municipais) e empresas estatais (empresas estatais federais, estaduais e municipais).

Portanto, a dívida é uma obrigação de determinada entidade com terceiros, gerada pela diferença entre despesas e receitas dessa entidade. Em outras palavras, só há dívida quando há déficit (despesas maiores que receitas), embora muitas vezes ocorra defasagem entre a realização do déficit e a contabilização da dívida.

O conceito de dívida pública, assim como os demais conceitos fiscais, pode ser representado de diferentes modos, sendo as mais comuns a dívida bruta (que considera apenas os passivos do governo) e a dívida líquida (que desconta dos passivos os ativos que o governo possui).

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Os demais conceitos e definições sobre dívida pública são todos originados da dívida bruta, os quais serão mostrados a seguir.

Dívida Pública: Compromissos de entidade pública decorrentes de operações de créditos, com o objetivo de atender às necessidades dos serviços públicos, em virtude de orçamentos deficitários, caso em que o governo emite promissórias, bônus rotativos, etc., a curto prazo, ou para a realização de empreendimentos de vulto, em que se justifica a emissão de um empréstimo a longo prazo, por meio de obrigações e apólices.

Os empréstimos que caracterizam a dívida pública são de curto ou longo prazo. A dívida pública pode ser proveniente de outras fontes, tais como: depósitos (fianças, cauções, cofre de órgãos, etc.), e de resíduos passivos (restos a pagar).

A dívida pública classifica-se em

consolidada ou fundada (interna ou externa); e flutuante ou não consolidada.a. Dívida Fundada Pública: Compromissos de exigibilidade superior a doze meses,

contraídos para atender a desequilíbrio orçamentário ou a financiamento de obras e serviços públicos. A Dívida Fundada Pública se subdivide em:

Dívida Pública Interna: Compromissos assumidos por entidade pública dentro do país, portanto, em moeda nacional.

Dívida Pública Externa: Compromissos assumidos por entidade pública gerando a obrigação de pagamento do principal e acessórios.

b. Dívida Flutuante Pública: A contraída pelo Tesouro Nacional, por um breve e determinado período de tempo, quer como administrador de terceiros, confiados à sua guarda, quer para atender às momentâneas necessidades de caixa.

Segundo a Lei nº 4.320/64, a dívida flutuante compreende os restos a pagar, excluídos os serviços de dívida, os serviços de dívida a pagar, os depósitos e os débitos de tesouraria.

Dívida Pública Federal (DPF) Refere-se a todas as dívidas (contratual e mobiliária, interna e externa) assumidas pela esfera federal.

Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi) – É a dívida pública representada por títulos de emissão do Tesouro Nacional no mercado doméstico.

A Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi) é relevante não somente pelo seu tamanho, mas também pela sua importância na rolagem da dívida pública. Esta rolagem é feita em leilões regulares e eventuais, constituindo um mercado aberto que já experimenta um grau avançado de consolidação do ponto de vista institucional.

As regras e os calendários de rolagem da dívida pública são flexíveis e alterados conforme as circunstâncias. Tem sido comum a realização de um leilão semanal, regular, para rolagem das LTN e LFT, que são os títulos federais com remuneração respectivamente prefixada e ligada à taxa Selic. A rolagem dos títulos atrelados à taxa de câmbio é geralmente feita quando vencem os lotes emitidos anteriormente, algumas vezes por mês, incluindo a oferta de swaps cambiais. Uma vez por mês é realizado um leilão de títulos ligados a índice de preço, a NTN-C.

Três aspectos são relevantes para a análise da DPMFi: a composição por indexadores; a estrutura de vencimentos; e os detentores dos títulos. Estes dois aspectos são analisados em seguida.

a) Composição por indexadores

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Os títulos que compõem a DPMFi são denominados em reais e ofertados no mercado interno. Os títulos indexados à variação da taxa de câmbio do dólar norte-americano, como a NBC-E e a NTN-D, são também denominados e liquidados em reais.

A parcela da DPMFi representada por títulos prefixados cresceu a partir de 1994 com a estabilidade que foi propiciada pelo Plano Real, tendo superado 60% em 1996. Sucessivas crises que ocorreram desde então reduziram a disposição dos tomadores de títulos em aceitar taxas de juros prefixadas. Para evitar estas taxas mais elevadas, o Banco Central realizou um movimento de substituição dos títulos prefixados por pós-fixados. Na posição de agosto de 2002, os títulos prefixados já haviam declinado a menos de 8% do total.

A parcela pós-fixada tem forte concentração nos títulos indexados à taxa de juros Selic. No fim de 1994 a participação deste tipo de indexador era de 16%, tendo chegado a 45,4% em agosto de 2002. Esta é uma situação indesejável do ponto de vista da política monetária. Os movimentos da política monetária são acompanhados de efeitos inversos sobre a despesa financeira do setor público, o que compromete parcialmente os objetivos da política.

A participação dos títulos indexados à variação cambial tem apresentado crescimento significativo nos últimos anos, que foi intensificado pelo impacto da própria depreciação da taxa de câmbio sobre o estoque já emitido. Esta participação, que era de 8,3% no fim de 1994, chegou a 35% em agosto de 2002.

Dada a volatilidade da taxa de câmbio associada ao regime de câmbio flutuante, esta exposição cambial também reduz os graus de liberdade da política econômica.

A estratégia de gestão de passivos adotada pelo Tesouro Nacional incluiu também, nos últimos anos, o aumento da participação dos títulos indexados a índices de preços. Apesar das desvantagens típicas de um título pós-fixado, neste caso o mercado aceitou prazos mais longos, sendo que algumas emissões foram feitas com vencimento em 30 anos. A participação atual é da ordem de 10%. Assim, o aumento da participação destes títulos tem sido considerado positivo.

A reversão do aumento recente da participação dos títulos pós-fixados na composição da DPMFi pode ser considerada um desafio a ser enfrentado pela política econômica nos próximos anos. Entretanto, embora a gestão adequada dos passivos contribua para a melhoria da composição, esta depende muito mais da estabilidade macroeconômica que dos esforços dos gestores da dívida pública.

Em outras palavras, a composição da dívida mobiliária parece ser muito mais uma conseqüência que uma causa da estabilidade econômica e financeira, embora seja possível uma causalidade nos dois sentidos.

b) Estrutura de vencimentos

A análise da estrutura dos vencimentos da dívida pública permite avaliar o seu grau de vulnerabilidade frente a instabilidades macroeconômicas transitórias. Para essa avaliação, é relevante a distinção entre o prazo médio e a duração da dívida.

O prazo médio dos títulos que compõem a dívida não é uma boa medida da sua estrutura de vencimentos quando existem pagamentos que são feitos antes do vencimento. O conceito de duração5 pondera os prazos médios pelos pagamentos intermediários e, portanto, constitui medida mais acurada da sensibilidade da dívida em relação a mudanças na política monetária.

c) Detentores da DPMFi

Em alguns países, investidores estrangeiros detêm títulos da própria dívida mobiliária interna. Como exemplo, antes da moratória russa, investidores de vários países haviam comprado

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títulos da dívida interna russa. Esta situação não ocorre no Brasil, onde praticamente 100% da dívida interna é detida por residentes.

Em outras palavras, a dívida interna é rolada no mercado doméstico, junto aos residentes do país. Os seus detentores são principalmente instituições financeiras, que mantêm 37% da dívida mobiliária federal em sua carteira própria, e os fundos de investimento, que detêm 32,7% da dívida. Os bancos custodiam títulos 5 Conceito normalmente usado em inglês, como duration para empresas, que respondem por 8% da dívida, e para pessoas físicas, estas últimas com uma participação próxima de 1%.

Uma parcela representativa de 19% corresponde a títulos chamados vinculados a algumas finalidades específicas que incluem depósitos compulsórios no Banco Central, cauções e depósitos judiciais.

Dívida Pública Federal Externa (DPFe): É a dívida captada no mercado internacional. Pode ser denominada em moeda estrangeira (dólares, euros, ienes, etc) ou moeda local (reais). Pode ser dividida em

mobiliária; e contratual.a. Dívida Pública Mobiliária: É a dívida pública representada por títulos públicos

emitidos pelo Tesouro Nacional b. Dívida Pública Contratual: Dívida do Governo Federal baseada em contratos de

empréstimo ou financiamentos com organismos multilaterais, agências governamentais ou credores privados. A Dívida Contratual pode ser externa e interna, em moeda nacional e estrangeira.

Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) A DLSP é definida como o balanceamento entre as dívidas e os créditos do setor público não-financeiro e do Banco Central.

Os saldos são apurados pelo critério de competência, ou seja, a apropriação de encargos é contabilizada na forma pro rata, independente da ocorrência de liberações ou reembolsos no período. Eventuais registros contábeis que não utilizam esse critério são corrigidos para manter a homogeneidade da apuração. A Dívida Líquida do Setor Público é utilizada como base para o cálculo do déficit público "abaixo da linha".

Os saldos da dívida externa brasileira são primeiramente convertidos para dólar americano, e posteriormente convertidos para reais pela cotação de venda do dólar dos Estados Unidos no mercado de câmbio de taxas livres.

Diferentemente de outros países, o conceito de dívida líquida utilizado no Brasil considera os ativos e passivos financeiros do Banco Central, incluindo, dessa forma, a base monetária como componente da dívida, principalmente, pelo fato de constituir forma de financiamento.

A dívida pública externa, especialmente sua parte mobiliária, tem sido contratada sob condições mais favoráveis que as da dívida mobiliária interna. A dívida mobiliária interna, incluídos os títulos de oferta não-competitiva, possui prazo médio de 36,76 meses, enquanto a parcela mobiliária da dívida externa tem prazo médio de 73,73 meses.

A vantagem de prazos e custos em favor da dívida pública externa não deve ser tomada como um argumento em favor do incremento deste estoque em detrimento da dívida interna. Deve ser levado em consideração que o mercado interno de dívida pública encontra-se institucionalizado e é formado por um grande número de atores com razoável conhecimento sobre a economia brasileira, o que facilita a colocação regular de grandes volumes de dívida.

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O mesmo não acontece com a dívida brasileira no mercado internacional de capitais, que não dispõe do mesmo número de agentes com acompanhamento permanente da economia brasileira. As colocações brasileiras no mercado primário em países desenvolvidos ocorre na forma de emissões de grande volume, em geral precedidos por esforços de promoção (road shows). Estas emissões só costumam ocorrer durante “janelas de oportunidade”, ou seja, curtos períodos favoráveis para a colocação de dívida de países emergentes.

Em função destas características, a colocação regular de grandes volumes de dívida enfrentaria dificuldades no mercado externo e provavelmente não poderia se dar de forma contínua, comprometendo a capacidade de rolagem da dívida.

Em conseqüência, uma maior concentração da dívida pública no mercado local, ainda que sujeita a condições de custo, prazo e indexação menos favoráveis, permite reduzir o risco associado à sua rolagem contínua.

Neste sentido, o declínio da participação do endividamento externo que tem ocorrido desde o início dos anos noventa deve ser visto como um movimento positivo para a redução da vulnerabilidade macroeconômica e financeira do país.

11. SITUAÇÃO DO BRASIL EM RELAÇÃO À DÍVIDA PÚBLICA

11.1 DÍVIDA MOBILIÁRIA FEDERAL – INTERNA

A dívida mobiliária federal fora do Banco Central, avaliada pela posição de carteira, atingiu R$1.398,4 bilhões, 44,4% do PIB, ao final de 2009, comparativamente a R$1.264,8 bilhões, 40,9% do PIB, em 2008. A elevação de 3,5 p.p. do PIB refletiu a ocorrência de resgates líquidos totais de R$0,9 bilhão, a incorporação de juros de R$137,9 bilhões e o efeito contracionista de R$3,4 bilhões decorrente da apreciação do real frente ao dólar.

11.1.1 Dívida líquida do setor público

A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) atingiu R$1.345,3 bilhões em 2009, 42,8% do PIB, ante 38,4% em 2008, representando o primeiro aumento na relação anual DLSP/PIB desde 2002. É importante enfatizar que a evolução da taxa de câmbio tem-se constituído em variável relevante para a trajetória do nível de endividamento. Nesse sentido, a depreciação cambial de 32% observada em 2008 exerceu contribuição de 2,6 p.p. do PIB para a redução anual do endividamento líquido, enquanto a apreciação de 25,5% assinalada em 2009 exerceu impacto de 2,5 p.p. do PIB para o aumento da relação DLSP/PIB. Nesse ano, devem ser destacadas, adicionalmente, as contribuições respectivas de 5,4 p.p. e 0,3 p.p. inerentes à apropriação dos juros nominais e ao ajuste de paridade da cesta de moedas que compõem a dívida externa líquida, parcialmente neutralizadas pelos efeitos associados ao superávit primário, ao crescimento do PIB e às privatizações, que atingiram, na ordem, de 2,1 p.p., 1,7 p.p. e 0,1 p.p. do PIB.

A evolução da composição da DLSP em 2009 refletiu, em especial, a redução da parcela credora vinculada ao câmbio, em função da apreciação cambial assinalada no ano, e o aumento da parcela credora vinculada à TJLP, em linha com o crescimento dos ativos do Governo Federal junto ao BNDES, em função da concessão de crédito a esta instituição, pela União, mediante colocação de títulos públicos em sua carteira.

Destaque-se também o crescimento anual de 3,8 p.p., para 62%, da dívida vinculada à taxa Selic.

A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), representada pelos débitos do Governo Federal, da Previdência Social e dos governos regionais, totalizou R$1.973,4 bilhões em 2009, representando

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62,8% do PIB. O aumento anual de 5 p.p. do PIB refletiu, em grande parte, o impacto da incorporação de juros nominais e das emissões líquidas de dívida, neutralizado, em parte, pelo efeito do crescimento do PIB nominal e pela apreciação cambial.

11.2 DÍVIDA EXTERNA

A dívida externa total atingiu US$198,2 bilhões ao final de 2009, recuando US$146 milhões em relação a dezembro do ano anterior. A dívida de médio e longo prazos aumentou US$5,3 bilhões, para US$167,2 bilhões, enquanto a de curto prazo somou US$31 bilhões, reduzindo-se US$5,5 bilhões. O estoque de empréstimos intercompanhias cresceu US$14,8 bilhões, para US$79,4 bilhões, dos quais US$70,6 bilhões de médio e longo prazos.

A composição da dívida externa de médio e longo prazos, em dezembro de 2009, revelava que 36,1% do total referiam-se a créditos relativos a empréstimos em moeda; 26,9% a bônus; e 34,4% a financiamentos de comércio. O estoque de empréstimos em moeda registrou relativa estabilidade no ano, reflexo de redução de US$1,2 bilhão em notes e de elevação de US$1,2 bilhão em empréstimos diretos. O estoque dos financiamentos externos para o comércio exterior declinou US$1,5 bilhão. O estoque de bônus da dívida externa aumentou US$2,3 bilhões, ressaltando-se que, desse total, 97,4% referiram-se a bônus do setor público.

A redução da dívida de curto prazo esteve associada, em especial, ao recuo de US$6,3 bilhões observado nas operações de bancos comerciais.

Em dezembro de 2009, 88,9% da dívida externa total eram relativos à dívida externa registrada, dos quais 48,2% de responsabilidade do setor privado, sendo US$85 bilhões em dívidas de médio e longo prazos e US$7,7 bilhões em passivos de curto prazo. O endividamento de médio e longo prazos concentrava-se nas modalidades notes, 47,2% do total; e bancos, 35,9%.

A dívida externa total, estimada para o mês de novembro em US$247 bilhões, reduziu-se US$6,3 bilhões em relação à posição estimada de outubro, e US$671 milhões em relação à dívida apurada de setembro de 2010. A dívida externa de médio e longo prazos totalizou US$192 bilhões, com acréscimo de US$2,1 bilhões em relação à posição de setembro, enquanto a dívida de curto prazo, estimada em US$55,6 bilhões, apresentou redução de US$2,8 bilhões.

Em comparação à posição de setembro, os principais fluxos que afetaram o estoque da dívida externa de longo prazo foram ingressos líquidos de empréstimos em moeda, US$1,7 bilhão; de organismos internacionais, US$301 milhões; de Buyers e Suppliers, US$561 milhões; e de agências governamentais, US$290 milhões. A estimativa da variação por paridade resultou em queda de US$775 milhões.

Quanto à dívida externa de curto prazo, a redução observada deveu-se à queda de US$5,7 bilhões nas obrigações em moedas estrangeiras dos bancos comerciais, parcialmente compensada pela elevação de US$3 bilhões verificada no saldo dos empréstimos em moeda.

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CAPÍTULO VII − AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE CRÉDITO

Com o processo de globalização, faz-se oportuno conhecer, de forma resumida, fatos sobre algumas instituições internacionais que repassam recursos na forma de crédito aos países.

1. FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL – FMI

1.1 HISTÓRICO

As discussões sobre sua criação iniciam-se com a depressão econômica do início dos anos 30. As negociações finais ocorreram em Bretton Woods, em 1944.

O início de suas operações ocorreu em maio de 1946, com 39 países-membros e sede em Washington. Atualmente, tem 180 países-membros, incluindo quase toda a comunidade mundial, sendo Cuba e Coréia do Norte as principais exceções.

1.2 ORGANIZAÇÃO

É formalmente gerenciado por um Board of Governors, um de cada país-membro, representado, normalmente, pelo Ministro das Finanças ou Presidente do Banco Central.

As decisões do dia-a-dia são tomadas por um Executive Board formado por 24 diretores executivos nomeados pelo Board of Governors.

As decisões do FMI são tomadas pelo voto ponderado, em função do número de quotas de contribuição ao fundo feita por cada país. Embora nos atos mais simples as decisões sejam por consenso, com 18% dos votos os Estados Unidos têm o direito de veto nas decisões mais importantes.

1.3 FUNÇÕES

A principal função do FMI é supervisionar o sistema monetário internacional e, como conseqüência, as políticas monetárias e cambiais dos países-membros, recomendando alternativas e concedendo créditos nos casos de desequilíbrio temporário do balanço de pagamentos.

Seu objetivo final é garantir um sistema monetário internacional ordenado, estável, previsível e livre, criando as bases para o crescimento balanceado do comércio internacional e da economia dos países-membros.

1.4 ESTRUTURA FINANCEIRA

O tamanho do Fundo é igual à soma da subscrição de seus membros. Estas subscrições, as quotas, refletem a importância do membro na economia mundial e são, em princípio, revistas a cada cinco anos e são denominadas em Special Drawing Rights - SDR

Os SDR são ativos de liquidez internacional, criados pelo FMI, que circulam entre os bancos centrais em circuito fechado.

Um país-membro pode utilizar seus SDR trocando-os por uma moeda forte (geralmente o dólar) com outro país-membro, através do FMI.

O SDR é uma cesta de moedas formada por quantidades fixas de dólar (40%), yen (17%), euro (32%) e libra (11%). O valor do SDR (em 01/11/95 era de 0,67 dólar) é, por esta razão,

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determinado pelo movimento da taxa de câmbio entre estas moedas. A taxa de juros é a média ponderada das taxas de juros dos países das moedas.

Todas as transações financeiras do FMI são denominadas em SDR. Entre os principais tipos de financiamento concedidos pelo FMI, pode-se citar:

O Acordo de Stand-by - É a operação básica de financiamento de curto prazo. Os empréstimos devem ser pagos em dois anos e três meses até cinco anos. O valor máximo concedido é, em geral, de 300% da cota do país no FMI. O seu custo é a taxa básica do FMI acrescida de 1 a 2% ao ano; e

A Supplemental Reserve Facility (Facilidade de Reserva Suplementar) - SRF — É o empréstimo de emergência do FMI. Pode ser comparado a um cheque especial do Fundo, sendo uma modalidade de custo mais alto, mas para o qual não há limites formais em relação à cota do país. Deve ser pago entre dois e três anos. Os juros variam de 3 a 5% acima da taxa básica do FMI.

Em tese, o país-membro que fica inadimplente com o FMI não pode mais se utilizar de recursos adicionais até o fim da inadimplência. Após 15 meses, ele pode ser declarado em estado de "não-cooperação"; após 18 meses teria os direitos a voto e representação suspensos, e em 24 meses seria expulso do Fundo.

2. BANCO MUNDIAL – BIRD

2.1 HISTÓRICO

Junto com o estabelecimento do FMI em Bretton Woods, em 1944, foi decidida a criação de um banco que se concentrasse em financiar a reconstrução das economias européias pós-guerra. Este banco foi chamado de International Bank for Reconstruction and Development - BIRD.

Como o Plano Marshall garantiu um fluxo de capitais constante para aquele fim, sem o envolvimento do BIRD, este passou a ter suas operações gradualmente direcionadas para os países em desenvolvimento.

O BIRD passou a ser conhecido como World Bank – Banco Mundial - e, neste termo, inclui suas instituições irmãs, mais tarde criadas, com funções específicas: a International Finance Corporation — IFC e a International Development Association - IDA.

Todas têm o mesmo objetivo principal de promover o progresso social e econômico dos países em desenvolvimento, pelo aumento da produtividade econômica, para o que não só fornecem créditos e empréstimos, mas, também, consultoria técnica e econômica aos setores público e privado, com recursos próprios ou estimulando o fluxo de capital privado para estes países. A sede destas instituições é em Washington.

2.2 ORGANIZAÇÃO

Os países que quiserem pertencer ao Banco Mundial devem inicialmente ingressar no FMI. A estrutura gerencial é fortemente similar à do FMI, embora o staff seja três vezes maior.

A influência do Tesouro americano na política do Banco Mundial é muito forte, o que representa um problema no relacionamento com a Comunidade Européia.

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2.3 FUNÇÕES

As facilidades de crédito do Banco Mundial - conhecidas como créditos do Banco Mundial, em oposição aos créditos do IDA - pretendem financiar projetos de alta qualidade ou programas que dêem uma contribuição direta ao desenvolvimento econômico, mas que não atraem o capital privado em condições satisfatórias.

Todos os empréstimos do Banco Mundial são feitos, apenas, de governo para governo ou instituições garantidas pelo governo. Tal fato o caracteriza como uma instituição, proeminentemente, intergovernamental. Ao mesmo tempo, e esta é a diferença em relação ao FMI, o capital privado é a fonte mais importante de financiamento para os empréstimos do Banco Mundial.

O Banco Mundial ajuda os países em desenvolvimento no estabelecimento de programas de investimento e formulação de projetos específicos e tem um importante papel de conselheiro político, particularmente nos países em dificuldade pelo tamanho de sua dívida externa.

Em 1988, foi criada a Multilateral Investment Guarantee Agency - MIGA -, com o objetivo de promover o investimento direto nos países em desenvolvimento. Por esta razão, ela fornece garantias de proteção ao investimento estrangeiro privado direto, nos países em desenvolvimento, contra riscos não comerciais (principalmente riscos políticos, tais como nacionalização e restrições ao câmbio). A MIGA complementa as atividades do Banco Mundial.

Em 1991, foi criada a Global Environment Facilities - GEF -, com o objetivo de viabilizar projetos que garantam a proteção da biodiversidade, reduzam os efeitos da camada de ozônio e aumentem a qualidade da água. Estes projetos são, normalmente, incluídos nos programas do WB, criando um "selo verde" para os projetos do banco.

2.4 ESTRUTURA FINANCEIRA

Cada país-membro faz uma contribuição de capital ao Banco Mundial, aumentada a inter-valos regulares, parte sendo integralizada de imediato (6%) e o restante sendo chamado quando necessário. O volume emprestado não pode ser superior ao total do capital mais reservas.

Atualmente, a contribuição dos países-membros tem um papel secundário no fi-nanciamento dos empréstimos aos membros. Os recursos obtidos no mercado financeiro internacional como funding já representam 85% do total emprestado, particularmente na forma de emissão de títulos de médio e longo prazos e na colocação privada de papéis junto a governos, bancos centrais e bancos comerciais.

3. INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION - IFC

Foi criado em 1956 com o objetivo de promover o empreendimento privado nos países em desenvolvimento e suplementar as atividades do Banco Mundial que estavam mais voltadas para os empreendimentos governamentais.

Promovendo o investimento privado, o IFC estimula o crescimento econômico naqueles países. O IFC concede empréstimos e, paralelamente, adquire uma participação direta minoritária no capital da empresa que está sendo financiada, sem exigir nenhuma garantia do governo do país da empresa.

A participação da IFC aumenta o status da empresa e estimula a confiança dos demais provedores de capital, atuando, desta forma, como catalisador na obtenção de capital para a empresa.

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O IFC tem criado um sem-número de fundos de investimento no qual mantém uma participação e que são usados para adquirir participações em empresas. Estes fundos também ajudam a desenvolver as bolsas de valores nos países mais desenvolvidos.

Entre as prioridades do IFC nos países em desenvolvimento, estão: o desenvolvimento dos mercados de capitais domésticos, a reestruturação e privatização das participações estatais e o desenvolvimento das pequenas e médias empresas.

4. INTERNATIONAL DEVELOPMENT ASSOCIATION - IDA

Ao final de 1950, verificou-se que as condições de empréstimo do Banco Mundial estavam além da capacidade econômica dos países em desenvolvimento mais pobres.

Para atender a estes países, em 1960 foi criado a IDA, com o objetivo de fornecer empréstimos de longo prazo de até 40 anos, a fundo perdido e uma carência de dez anos, embora com uma pequena taxa de administração.

A IDA não tem capital, mas recebe donativos para financiar os empréstimos como parte da cooperação para o desenvolvimento dos países industrializados, além de receber parte da renda líquida do BIRD. O IDA tem, aproximadamente, 160 países-membros. O quadro IX faz uma comparação entre o FMI e o BIRD.

Quadro BBB – Comparativo entre FMI e BIRD

CaracterísticaFMI WB

Instituição Monetária Instituição de Desenvolvimento

FunçõesEstabilização do Sistema Monetário e Financiar Déficits Temporários do

Balanço de Pagamentos

Promover e Financiar o Desenvolvimento Econômico

Horizonte Curto Prazo Longo Prazo

Fonte de Financiamento

Reservas Oficiais e Recursos dos Países-Membros

Empréstimos no Mercado Internacional de Capitais

Beneficiário Todos os Membros Países em Desenvolvimento

Prazo de Amortização

Três a cinco anos (em alguns casos 10 anos)

15 a 20 anos (40 anos no IDA)

Staff 2.300 pessoas 6.400 pessoas

5. BANCOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO

5.1 HISTÓRICO

À medida que se desenvolviam as atividades do BIRD, foi-se percebendo a necessidade de instituições financeiras de caráter mais regional. Assim, foram criados:

Banco Inter-Americano de Desenvolvimento – criado em 1959.

Banco Africano de Desenvolvimento - criado em 1963.

Banco Asiático de Desenvolvimento – criado em 1966.

Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento – criado em 1990.

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O objetivo destes bancos é suplementar às atividades do WB pelo reforço das economias dos membros mais fracos e pela promoção da integração econômica na região, através do crédito e da assistência técnica.

5.2 FUNÇÕES E ESTRUTURA

Suas estruturas financeiras e organizacionais estão baseadas nas mesmas do BIRD.

5.2.1 Funções

Assistência na preparação e coordenação dos planos de desenvolvimento.

Assistência técnica no desenho e na implementação de projetos específicos de desenvolvimento.

Concessão de empréstimos de longo prazo aos projetos de desenvolvimento.

Promoção dos investimentos público e privado.

Cooperação com outras organizações internacionais.

Pesquisa de recursos e de suporte gerencial para a região.

5.2.2 Estrutura financeira

Os países-membros subscrevem o capital do banco, que é aumentado periodicamente. Nestes bancos, deve ser feita uma distinção entre recursos ordinários e fundos especiais: os recursos ordinários são aqueles obtidos no mercado internacional de capitais, cobertos pelo capital garantido pelos membros. Os fundos especiais são formados pelas contribuições de parte dos membros ou de outros países e permitem a estes bancos oferecerem financiamentos com taxas subsidiadas aos países mais pobres.

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CAPÍTULO VIII − DESPESAS PÚBLICAS

1. CONCEITO

Antes de qualquer coisa, a despesa é, sem dúvida, uma aplicação, ou seja, uma perda de substância econômica do Poder Público feita com o propósito de saldar uma obrigação de pagar.

O acerto deverá ser em dinheiro, que é a forma usual pela qual se dá o resgate dos compromissos obrigacionais. O dinheiro é da essência das próprias despesas. Se houve o resgate da dívida por outros meios, já não se trata de despesa.

Aliomar Baleeiro define despesa pública como sendo a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo.

É inegável que, historicamente, houve outras modalidades de o Estado saldar obrigações, ora valia-se da concessão de honrarias, títulos, ora da faculdade de exigir pagamento direto do público, a requisição de hospedagem, de forragem para cavalos, feitas pelos reis em vilegiatura, o recebimento pelos juízes, no Brasil Colonial, de emolumentos e salários diretamente das partes. Todos esses são exemplos de uma realidade já caduca que o Estado de Direito não permitiu perdurar.

Diante de tantas definições, todas versando sobre o mesmo tema, é que elaborou-se uma definição que venha a atender tudo aquilo que de fato caracteriza despesas públicas.

Despesa pública é o conjunto de dispêndios realizados pelos entes públicos para custear os serviços públicos (despesas correntes) ou para a realização de investimentos (despesas de capital) prestados à sociedade, objetivando devolver a esta o bônus proveniente do sacrifício da arrecadação dos tributos.

As despesas públicas devem ser autorizadas pelo Poder legislativo, através do ato administrativo chamado orçamento público. Exceção são as chamadas despesas extra-orçamentárias.

As despesas públicas devem obedecer aos seguintes requisitos:

utilidade (atender a um número significativo de pessoas) legitimidade (deve atender uma necessidade pública real) discussão pública (deve ser discutida e aprovada pelos representantes da

sociedadePoder Legislativo e pelo Tribunal de Contas) possibilidade contributiva (possibilidade da população atender à carga tributária

decorrente da despesa) oportunidade; hierarquia de gastos; e deve ser estipulada em lei

Portanto, sintetizando a definição: despesa pública é todo pagamento efetuado a qualquer título pelos agentes pagadores.

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2. CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DOUTRINÁRIOS

A exemplo do que ocorre com as receitas públicas as despesas públicas também obedecem uma certa classificaçao, tanto do ponto de vista doutrinário como do ponto vista legal.

A doutrina classifica as despesas da seguinte forma:

a. Quanto à utilização Despesa-compra – São aquelas utilizadas para adquirir bens e serviços; e Despesa-transferência – São aquelas que o Estado repassa recurso ou concede

subsídios ou subvenções.b. Quanto à duração Despesa ordinária – São as despesas comuns do orçamento, para atender as

atividades rotineiras do Estado (ex. pagamento de funcionários); Despesa extraordinária – São situações não previstas no orçamento, utilizadas para

atender necessidades urgentes, inesperadas e inadiáveis do Estado (exemplo: calamidade pública);

Despesa especial – São aquelas que podem ocorrer, mas o Estado não sabe quando (exemplo:. desapropriação).

c. Quanto à natureza Despesa federal – É aquela proveniente do orçamento da União; Despesa estadual – É aquela que provém do orçamento de estado-membro; Despesa municipal – É a proveniente do orçamento do município.d. Quanto à extensão

Despesa interna – É aquela realizada dentro do território do ente que fez o orçamento;

Despesa externa – É aquela realizada fora do território do ente que fez o orçamento.

e. Quanto à titularidade Despesas Próprias – No universo das despesas pessoais, vislumbra-se que uma

parcela delas corresponde a compras de bens e serviços destinados a atender necessidades pessoais. Assim ocorre quando, por exemplo, se adquire um par de sapatos. Só se compra pela necessidade de se calçar melhor.

Entretanto, o que interessa quando se analisa a situação da aquisição do par de sapatos é a ocorrência de um benefício pessoal. Esta é a marca característica dessa parcela destes gastos. Assim, diante de uma despesa própria, há sempre uma contraprestação direta em bens ou serviços, realizada logo após se incorrer nos gastos. Assim, a contraprestação se realizou no par de sapatos.

Concluindo, pode-se afirmar que ao incorrer numa despesa própria incorre-se também num gasto pessoal, destinado a melhorar o padrão de vida e/ou incrementar o bem-estar pessoal.

Despesas com Transferências – A mesma afirmação não se pode fazer, todavia, quando se realiza despesas com transferências. Isto porque, ao se realizar esta modalidade de despesa, não se desfruta de nenhuma contraprestação direta em bens e serviços.

É o que ocorre, por exemplo, quando se paga um sorvete para outra pessoa. Realiza-se a despesa, mas não se desfruta do sorvete adquirido. Não é a pessoa da despesa que irá consumi-lo, mas um terceiro. Esta modalidade de despesa destina-se a atender necessidades de uma terceira pessoa

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3. CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS PÚBLICAS SOB OS ASPECTOS DA LEI (LEI Nº 4320/64)

No Brasil dividem-se as despesas públicas em despesa orçamentária e despesa extra-orcamentária.

A Lei nº. 4.320/64 que estabelece as normas gerais dobre Direito Financeiro em seu art. 12 classifica as despesas públicas nas seguintes categorias econômicas: despesas correntes e despesas de capital

A divisão dos gastos públicos em despesas correntes e de capital presta-se especialmente a mensurar estas conseqüências de índole econômica advindas da atuação do governo. Isto porque, de um lado, as despesas correntes darão uma idéia do tamanho do consumo governamental, enquanto as despesas de capital podem fornecer subsídios valiosos quanto à magnitude da poupança pública.35

a) Despesa Orçamentária

A despesa orçamentária é aquela que depende de autorização legislativa para ser realizada e que não pode ser efetivada sem a existência de crédito orçamentário que a corresponda suficientemente e se subdivide em:

1 - Despesas correntes

Serão consideradas como despesas correntes todas aquelas despesas do governo que se realizam de forma contínua, uma vez que estão ligadas à sua manutenção. São permanentes, daí o seu nome: Despesas Correntes.

Portanto, pode-se dizer que as Despesas Correntes compreendem o universo dos gastos do governo imprescindíveis à sua sobrevivência e/ou à prestação dos serviços públicos.

As Despesas Correntes que são subdividas em:

♦ Despesas de custeio: são as dotações para manutenção de serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis.

♦ Transferências correntes: são aquelas dotações para despesas às quais não corresponda contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender à manifestação de outras entidades de direito público ou privado.

2 - Despesas de capital

Quanto às despesas de capital, elas assumem um papel singular no rol das despesas públicas. Sua característica principal é a descontinuidade, tendo uma data para se iniciarem e serem concluídas, diversamente do que ocorre com as despesas correntes, cuja conclusão é fato, em regra, impossível de se cogitar36.

É difícil imaginar que uma dada instituição pública venha deixar de gerar despesas com energia elétrica (despesa corrente), a menos que esta instituição seja extinta. Entretanto, é perfeitamente plausível a idéia de que o término da construção de uma escola (despesa de capital) esteja previsto para ocorrer em uma data no futuro. Assim, concluída a escola, também estará realizada a despesa de capital correspondente.

35 A chamada poupança governamental corresponde à diferença positiva entre suas receitas correntes e o rol dos dispêndios correntes. Esta diferença positiva é chamada de superávit corrente e será aplicada em despesas de capital.36 O termo “impossível de se cogitar” deverá ser tomado no sentido de improbabilidade.

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Outra característica das despesas de capital é que através delas o Poder Público expande os serviços públicos prestados, ao contrário das despesas correntes, por intermédio das quais o Estado mantém os serviços anteriormente criados.

Ao construir um hospital o Poder Público está disponibilizando, em última análise, mais leitos hospitalares à população em geral. Amplia-se, portanto, o rol de pessoas atendidas pelos serviços hospitalares. O mesmo ocorrerá quando a Administração Pública resolve construir uma nova rodovia: mais quilometragens são postas à disposição dos transportadores. Em decorrência, mais rapidamente circularão as riquezas no País, com possibilidade até de redução nos preços dos produtos, já que os custos poderão ser menores.

As Despesas de Capital que se subdividem em:

Investimentos: constituem-se nas dotações para o planejamento e a execução de obras, inclusive as destinadas à aquisição de imóveis considerados necessários à realização destas últimas, bem como para os programas especiais de trabalho, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente e constituição ou aumento do capital de empresas que não sejam de caráter comercial ou financeiro.

Inversões financeiras: são as dotações destinadas a:

a) aquisição de imóveis, ou de bens de capital já em utilização;

b) aquisição de títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer espécie, já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital;

c) constituição ou aumento do capital de entidades ou empresas que visem a objetivos comerciais ou financeiros, inclusive operações bancárias ou de seguros.

Transferências de capital: entendem-se as dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação direta em bens ou serviços, constituindo essas transferências auxílios ou contribuições, segundo derivem diretamente da Lei de Orçamento ou de lei especialmente anterior, bem como as dotações para amortização da dívida pública.

Consideram-se subvenções, para os efeitos da Lei n. 4.320/64, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:

i. subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;

ii. subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.

b) Despesas Extra-Orcamentárias

Constituem despesas extra-orcamentárias os pagamentos que não dependem de autorização legislativa, ou seja, não integram o orçamento público. Se resumem na devolução de valores arrecadados sob título de receitas extra-orçamentárias.

São exemplos de despesas extra-orçamentárias: devoluções de cauções, fianças, salários e vencimentos não reclamados, pagamentos de restos a pagar, restituições a pagar e consignações em folha de pagamento. São classificadas nas mesmas fichas individuais em que foram registradas as receitas extra-orçamentárias.

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4. PROCESSAMENTO DA DESPESA PÚBLICA

Entende-se por processamento da despesa pública o conjunto de atividades desempenhadas por órgãos de despesa na aquisição de bens e serviços.

Por atividades desempenhadas por órgão de despesa deve-se entender não apenas aquelas exercidas pelos caixas pagadores mas também, num sentido bem mais amplo, tudo quanto for feito para que serviços e bens sejam colocados à disposição dos dirigentes públicos.

São responsáveis pelo atingimento desse objetivo, em princípio, todos os órgãos que requisitam recursos materiais e humanos para cumprirem os projetos e as atividades previamente incluídos no orçamento-programa; em seguida, os órgãos programadores da despesa, os encarregados da programação financeira, os autorizadores de despesas, as comissões de licitação, as comissões de compra, os responsáveis pela inspeção dos bens adquiridos, o serviço de suprimento de fundos, os agentes pagadores, os serviços contábeis, a tomada de contas, o controle interno, a auditoria etc.

A matéria relativa à despesa pública, da mesma maneira que a receita pública envolve dois períodos distintos de atividades: um período que será denominado fixação da despesa, durante o qual se desenvolve um complexo de atividades específicas destinadas à elaboração da proposta orçamentária e da segunda fase, denominada de realização da despesa, que será detalhado a seguir.

As atividades desenvolvidas em cada um dos períodos têm características próprias e não se confundem, embora muitas operações realizadas no segundo período constituam excelentes subsídios aos trabalhos da fixação da despesa.

4.1 ESTÁGIOS DA DESPESA, SEGUNDO A LEI

Os procedimentos adotados na realização da despesa pública são classificados em grupos que reúnem operações da mesma natureza. Cada um desses grupos denomina-se estágio. Tanto o período fixação da despesa como o período realização da despesa são constituídos, portanto, de estágios. Estudar-se-á aqui apenas, e detalhadamente, os estágios da realização da despesa.

O Regulamento de Contabilidade Pública diz que toda a despesa percorre três estágios: empenho, liquidação e pagamento.

4.2 ESTÁGIOS DA DESPESA, SEGUNDO A REALIDADE

Se for examinado cuidadosamente o percurso da despesa pública, em conformidade com as disposições legais e regulamentares que disciplinam o processamento da despesa orçamentária, será obrigatório a admissão de que três outros estágios, de considerável importância, devem ser estudados: o suprimento que antecede o estágio pagamento; a programação da despesa e a licitação que antecedem, nessa ordem, o estágio empenho.

Os três estágios anteriormente referidos, percorridos obrigatoriamente pela despesa, não costumam ser mencionados pelos autores. Certamente por se aterem eles ao mandamento legal que fixa como estágios da despesa, apenas o empenho, a liquidação e o pagamento. Mas aqueles que convivem com os problemas mais íntimos do processamento da despesa pública sabem da existência do estágio suprimento antecedendo o do pagamento. É que ao estágio empenho se antepõem os estágios programação da despesa e licitação.

Em alguns casos o estágio licitação é dispensado, mas esse fato constitui exceção e não regra; não deixa de ser um momento da despesa. Da mesma forma já foi visto que nem todas as

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receitas passam pelo estágio lançamento e nem por isso ele deixa de ser um importante momento da receita.

Assim, fica entendido que a despesa pública percorre seis estágios: programação da despesa, licitação, empenho, liquidação, suprimento e pagamento.

Cada um dos estágios subdivide-se em conjuntos de operações menores as quais serão denominadas de fases da despesa, quais sejam:

1. Programação da despesa2. Licitação3. Empenho4. Liquidação5. Suprimento6. Pagamento

1. Programação da despesa

A programação da despesa é o primeiro estágio da despesa pública. Após a publicação da lei orçamentária, o Poder Executivo, através de decreto, traçará um programa de utilização dos créditos orçamentários aprovados para o exercício (arts. 47 a 50 CF).

Essa programação visa disciplinar os gastos à mesma medida que se realizam as receitas. Se não houvesse a programação da despesa, as dependências poderiam utilizar, logo nos primeiros meses do ano, todos os recursos orçamentários, gerando problemas de insuficiência de caixa, uma vez que a receita se realiza ao longo dos doze meses do exercício financeiro.

Este estágio divide-se nas seguintes fases:

a) cronograma de desencaixes fixos;

b) projeção do comportamento da receita;

c) decreto executivo normativo.

2. Licitação

O segundo estágio, licitação, só terá início depois de decretada a programação da despesa, com a fixação das cotas trimestrais.

Em conformidade com o artigo 244 do Regulamento de Contabilidade Pública, nenhuma aquisição de material, contratação de serviços ou de obras far-se-á sem prévia licitação.

Licitação é o procedimento administrativo que tem por objetivo verificar, entre vários fornecedores habilitados, quem oferece condições mais vantajosas. A Lei n.° 8.666, de 21 de junho de 1993, em seu artigo 22, estabelece modalidades de licitação: a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso e o leilão.

A concorrência e a tomada de preços desdobram-se nas seguintes fases:

a) preparação;

b) edital

c) encerramento;

d) julgamento;

e) adjudicação; e

f) contrato.

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O convite tem apenas as seguintes fases:

a) preparação;

b) expedição dos convites;

c) análise das cotações; e

d) adjudicação.

3. Empenho

O empenho, terceiro estágio da despesa, é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Poder Público obrigação de pagamento. É o empenho que gera a obrigação de pagar.

Empenhar uma despesa consiste em emitir um documento denominado NOTA DE EMPENHO. Divide-se este estágio nas fases:

a) autorização;

b) emissão;

c) assinatura;

d) controle interno; e

e) contabilização.

4. Liquidação

A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Essa verificação tem por fim apurar a origem e o objeto do pagamento, a importância exata e a quem se deve pagar para extinguir a obrigação.

A liquidação da despesa, por fornecimentos feitos ou serviços prestados, terá por base o contrato, o ajuste ou acordo respectivo, a nota de empenho e os comprovantes de entrega do material ou da prestação efetiva do serviço.

São fases deste estágio:

a) recebimento da mercadoria ou do serviço;

b) inspeção e liberação;

c) laudo de medição;

d) atestado de prestação de serviços;

e) requisição do pagamento;

f) controle interno;

g) autorização de pagamento; e

h) cheque.

5. Suprimento

Suprimento é o estágio da despesa em que o Tesouro Público entrega aos agentes pagadores os meios de pagamento para liquidação dos compromissos financeiros marcados para determinado dia ou período. Compõe-se de uma única fase: entrega de meios de pagamento aos agentes pagadores.

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6. Pagamento

O pagamento é o último estágio da despesa. O credor comparece perante o agente pagador, identifica-se, recebe seu crédito e dá a competente quitação; essa atividade constitui a última operação do processamento da despesa.

São fases do estágio pagamento:

a) liquidação da obrigação;

b) quitação do credor;

c) contabilização.

Agentes pagadores

Agentes pagadores são as tesourarias, as pagadorias, as exatorias, as caixas e outros órgãos públicos. Não há agentes pagadores privados. -

Da mesma forma que na arrecadação, onde o contribuinte não tem acesso direto ao Tesouro, pois são atendidos pelos agentes arrecadadores, no processamento da despesa também não há contato direto entre o Tesouro e os credores; eles são atendidos sempre pelos agentes pagadores.

O Tesouro Público supre os agentes pagadores com dinheiro ou com créditos bancários em contas especiais e por eles movimentadas. Seja em dinheiro, seja por limite de saque bancário em conta especial, são meios de pagamento colocados à disposição dos agentes pagadores pelo Tesouro. É o suprimento de fundos.

A seguir será apresentado nos quadros VI e VII o comparativo dos estágios da receita e da despesa, bem como uma demonstração gráfica do fluxo de caixa, assinalando, nos momentos oportunos, a realização dos estágios financeiros da receita e da despesa.

QuadroVI. - Comparativo dos estágios da receita e da despesa

Note-se que esses estágios, recolhimento e suprimento, são os que materializam o princípio de unidade de tesouraria, segundo o qual o produto bruto da arrecadação é encaminhado a

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um cofre comum de onde são retirados os recursos para pagamento das despesas. O terceiro gráfico mostra os estágios e as correspondentes fases da despesa pública.

Quadro VII - Comparativo dos fluxos de caixa entre os estágios da receita e da despesa

5. RESTOS A PAGAR OU RESÍDUOS PASSIVOS

A despesa orçamentária empenhada, mas não paga até o último dia do ano financeiro, é apropriada ao exercício em contrapartida com a conta financeira resíduos passivos ou restos a pagar. As duas denominações se equivalem. Entretanto, restos a pagar tem sido a mais utilizada na prática.

São considerados restos a pagar as despesas empenhadas, mas não pagas até 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas.

6. DESPESAS PROCESSADAS E NÃO PROCESSADAS

Por despesas processadas entende-se aquelas despesas que completaram o estágio “liquidação”, pelo menos até a fase “g autorização de pagamento.

Já as despesas não processadas são as que não concluíram o estágio “liquidação”, mesmo que nele já tenham ingressado.

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6.1 DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES

O orçamento pode consignar dotação especial para o processamento de despesas relativas a exercícios encerrados, constantes do Anexo n°4 da Lei Federal n.° 4.320/64.

A intitulação dessa rubrica orçamentária transmite a idéia de que todas e quaisquer despesas de exercícios anteriores possam ser processadas à conta do orçamento vigente. Esse entendimento tem levado muitos administradores, menos assessorados, a procederem assim sistematicamente.

Esse crédito foi criado com a finalidade de eliminar, ou pelo menos de reduzir, a abertura de créditos especiais destinados a atender pagamentos de despesas que, por razões diversas, não puderam ser pagas em exercícios anteriores; entretanto, sua aplicação tem restrições disciplinadas pela legislação financeira em vigor.

A Lei n° 4.320/64 estabelece que as despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento correspondente consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os restos a pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível a ordem cronológica.

O artigo 37 foi regulamentado pelo Decreto Federal n° 62.115, de 12 de janeiro de 1968. Pelo regulamento mencionado podem correr à conta dos elementos acima mencionados dívidas classificadas nas seguintes categorias:

I — despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria;

II — despesas de restos a pagar, com prescrição interrompida, desde que o crédito respectivo tenha sido convertido em renda; e

III — compromissos reconhecidos pela autoridade competente, ainda que não tenha sido prevista a dotação orçamentária própria ou não tenha esta deixada saldo no exercício respectivo, mas que pudessem ser atendidos em face da legislação vigente.

Em conformidade com o art. 2° desse decreto, são competentes para reconhecer dívidas de exercícios anteriores os chefes das repartições, exceto as compreendidas no inciso III, que deverão ser reconhecidas pelo Ministro de Estado, dirigente de órgão subordinado à Presidência da República ou autoridade a quem estes delegarem competência.

Outras despesas de exercícios anteriores que não se enquadram nas disposições do regulamento federal devem ser atendidas mediante abertura de crédito especial sem prejuízo de, concomitantemente, instaurar-se processo para apuração de responsabilidade.

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CAPÍTULO IX − ORÇAMENTO PÚBLICO

1. DEFINIÇÃO

Ainda não se chegou a uma definição de orçamento que fosse livre de crítica e aceita pacificamente pela maioria dos autores. Divergem as opiniões e, assim, a questão continua aberta à discussão.

Há, sobre a matéria, três teorias. A primeira, tendo à frente o economista alemão Hoennel, que declara ser o orçamento sempre uma lei. A segunda, comandada pelo constitucionalista francês Léon Duguit, sustenta que o orçamento é, em algumas de suas partes, um simples ato administrativo, às vezes simplesmente contábil e, em outras partes, ele é lei. A terceira teoria, mais difundida, liderada pelo financista Gaston Jèze, entende que o orçamento possui apenas a aparência de lei, mas sua substância não é a de uma lei.

Atualmente, o orçamento não é essencialmente uma lei, mas um programa de trabalho do Poder Executivo. Programa que contém planos de custeio dos serviços públicos, planos de investimentos, de inversões e, ainda, planos de obtenção de recursos. A execução desse programa de trabalho exige autorização prévia do órgão de representação popular; e a forma material desse órgão expressar sua autorização é a lei.

Por isso entende-se que o orçamento é um programa de custeios, investimentos, inversões, transferências e receitas, proposto pelo Poder Executivo para um período financeiro, e aprovado pelo Poder Legislativo.

Em outras palavras: orçamento público é um planejamento de aplicação dos recursos esperados, em programas de custeios, investimentos, inversões e transferências durante um período financeiro.

Analisando o aspecto econômico, pode-se dizer que o orçamento é, na sua mais exata expressão, o quadro geral da economia pública de um país. Olhando-se o orçamento de forma mais detida, vê-se a vida do Estado e, pelas aplicações das cifras em determinadas atividades, se conhecem os detalhes de seu processo, de sua cultura e de sua civilização”. Apesar de todas as divergências existentes na doutrina, hoje é posição dominante, conforme já decidiu reiteradas vezes o próprio STF, considerar o orçamento como uma lei formal, que apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, não criando direitos subjetivos nem modificando as leis tributárias e financeiras.

Sendo uma lei formal, a simples previsão de despesa na lei orçamentária anual não cria direito subjetivo, não sendo possível se exigir, por via judicial, que uma despesa específica prevista no orçamento seja realizada.

Pode-se então dar as seguintes características para a lei orçamentária:

♦ É uma lei formal – formalmente o orçamento é uma lei, mas, conforme vimos acima, em vários casos ela não obriga o Poder Público, que pode, por exemplo, deixar de realizar uma despesa autorizada pelo legislativo. Dizemos assim que o orçamento é uma lei formal, pois diversas vezes deixa de possuir uma característica essencial das leis: a coercibilidade.

♦ É uma lei temporária – a lei orçamentária tem vigência limitada (um ano).♦ É uma lei ordinária – todas as leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) são leis ordinárias.

Os créditos suplementares e especiais também são aprovados como leis ordinárias.♦ É uma lei especial – possui processo legislativo diferenciado e trata de matéria

específica.

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2. CONCEITO

Tradicionalmente o orçamento é compreendido como uma peça que contém apenas a previsão das receitas e a fixação das despesas para determinado período, sem preocupação com planos governamentais de desenvolvimento, tratando-se assim de mera peça contábil - financeira. Tal conceito não pode mais ser admitido, pois, conforme vimos no módulo anterior, a intervenção estatal na vida da sociedade aumentou de forma acentuada e com isso o planejamento das ações do Estado é imprescindível.

Hoje, o orçamento é utilizado como instrumento de planejamento da ação governamental, possuindo um aspecto dinâmico, ao contrário do orçamento tradicional já superado, que possuía caráter eminentemente estático.

Para Aliomar Baleeiro, o orçamento público “é o ato pelo qual o Poder Executivo prevê e o Poder Legislativo autoriza, por certo período de tempo, a execução das despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei”.

3. ESPÉCIES DE ORÇAMENTO

3.1 ORÇAMENTO CLÁSSICO OU TRADICIONAL

O orçamento tradicional ou clássico era aquele onde constavam apenas a fixação da despesa e a previsão da receita, sem nenhuma espécie de planejamento das ações do governo. Era peça meramente contábil – financeira, um documento de previsão de receita e de autorização de despesas.

Neste tipo de orçamento não havia preocupação com a realização dos programas de trabalho do governo, preocupando-se apenas com as necessidades dos órgão públicos para realização das suas tarefas, sem se questionar sobre objetivos e metas.

3.2 ORÇAMENTO DE DESEMPENHO OU POR REALIZAÇÕES

Uma evolução do orçamento clássico foi o chamado orçamento de desempenho ou por realizações. Neste tipo de orçamento, o gestor começa a se preocupar com o resultado dos gasto e não apenas com o gasto em si, ou seja, preocupa-se agora em saber “as coisas que o governo faz e não as coisas que o governo compra”. Apesar de ser um passo importante, o orçamento de desempenho ainda se encontra desvinculado de uma planejamento central das ações do governo.

3.3 ORÇAMENTO- PROGRAMA

O orçamento - programa foi introduzido no Brasil através da Lei 4320/64 e do decreto – lei 200/67. O orçamento – programa pode ser entendido como um plano de trabalho, um instrumento de planejamento da ação do governo, através da identificação dos seus programas de trabalho, projetos e atividades, além dos estabelecimento de objetivos e metas a serem implementados, bem como a previsão dos custos relacionados.

A Constituição Federal de 1988 implantou definitivamente o orçamento - programa no Brasil, ao estabelecer a normatização da matéria orçamentária através do PPA, da LDO e da LOA, ficando evidente o extremo zelo do constituinte para com o planejamento das ações do governo.

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3.4 ORÇAMENTO DE BASE ZERO OU POR ESTRATÉGIA

Técnica utilizada para a confecção do orçamento – programa, consiste basicamente em uma análise crítica de todos os recursos solicitados pelos órgãos governamentais. Neste tipo de abordagem, na fase de elaboração da proposta orçamentária, haverá um questionamento acerca das reais necessidades de cada área, não havendo compromisso com qualquer montante inicial de dotação.

Os órgão governamentais deverão justificar anualmente, na fase de elaboração da sua proposta orçamentária, a totalidade de seus gastos, sem utilizar o ano anterior como valor inicial mínimo.

3.5 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

Orçamento Participativo (OP) é um mecanismo governamental de democracia participativa que permite aos cidadãos influenciar ou decidir sobre os orçamentos públicos, geralmente o orçamento de investimentos de prefeituras municipais, através de processos da participação da comunidade.

Esses processos costumam contar com assembléias abertas e periódicas e etapas de negociação direta com o governo. No Orçamento Participativo retira-se poder de uma elite burocrática repassando-o diretamente para a sociedade. Com isso a sociedade civil passa a ocupar espaços que antes lhe eram "furtados"37.

Muitas prefeituras adotaram a participação popular, como é o caso de Saint-Denis (França), Rosário (Argentina), Montevidéu (Uruguai), Barcelona (Espanha), Toronto (Canadá), Bruxelas (Bélgica), Belém (Pará), Santo André (SP), Aracaju (Sergipe), Blumenau (SC) , Recife (PE), Olinda (PE), Belo Horizonte (MG) Atibaia (SP) e Guarulhos (SP).

Com diferentes metodologias em cada município em que o Orçamento Participativo é executado, suas assembléias costumam ser realizadas em sub-regiões municipais, bairros ou distritos, em discussões temáticas e/ou territoriais, elegendo também delegados que representarão um tema ou território nas negociações com o governo.

Esses delegados formam um Conselho anual que além de dialogar diretamente com os representantes da prefeitura sobre a viabilidade de executar as obras aprovadas nas assembléias, também irão propor reformas nas regras de funcionamento do programa e definirão as prioridades para os investimentos, de acordo com critérios técnicos de carência de serviço público em cada área do município.

4. PRINCÍPIOS ORÇAMENTÁRIOS - CONCEITO

O orçamento público surgiu para atuar como instrumento de controle das atividades financeiras do Governo. Através da autorização prévia, pode o órgão de representação popular exercer sua ação fiscalizadora sobre a arrecadação e a aplicação realizadas pelo Poder Executivo. Entretanto, para real eficácia desse controle, faz-se mister que a constituição orgânica do orçamento se vincule a determinadas regras ou princípios orçamentários.

Em torno dessa necessidade movimentaram-se os autores clássicos, oferecendo um rol de regras a serem observadas, tanto na elaboração e apresentação do orçamento, como na sua votação pelo Congresso. Estas regras são denominadas de princípios orçamentários.

Princípios orçamentários são premissas, linhas norteadoras a serem observadas na concepção e execução da lei orçamentária.37 MAHFUS, Júlio César. A construção da cidadania em busca da hegemonia social. Jus Navigandi, novembro de 2000.

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Divergem os escritores na fixação dos princípios e, em conseqüência, torna-se extensa a relação que apresentam. Entre os princípios mais salientados pelos tratadistas, destacam-se os seguintes: anualidade, autorização prévia, clareza, especificação, exatidão, exclusividade, natureza contábil, não afetação das receitas, orçamento bruto, periodicidade, precedência da despesa sobre a receita, publicidade, sinceridade, unidade de caixa, unidade orçamentária, universalidade etc.

Segundo alguns doutrinadores, os princípios orçamentários não têm caráter absoluto ou dogmático, tendo divergências sobre estrutura e conceitos. Entretanto, no contexto atual, serão abordados, a seguir, aqueles aceitos pela maioria dos doutrinadores.

1. Princípio da legalidade

Todas as leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) são encaminhadas pelo Poder Executivo para discussão e aprovação pelo Poder Legislativo.

2. Princípio da anualidade

O orçamento deve ter vigência limitada a um exercício financeiro. Esse princípio está consagrado na legislação brasileira por meio da Constituição Federal (art. 165, inciso III) e Lei nº 4.320/64 (arts. 2º e 34).

3. Princípio da unidade

O orçamento deve ser uno, ou seja, deve haver somente um orçamento para um exercício financeiro, com todas as receitas e despesas. Esse princípio está consagrado na legislação brasileira por meio da Constituição Federal (art. 165, §5º) e Lei nº 4.320/64 (art. 2º).

4. Princípio da universalidade

O orçamento deve conter todas as receitas e despesas referentes aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta. Esse princípio está consagrado na legislação brasileira por meio da Constituição Federal (art. 165, §5º) e Lei nº 4.320/64 (art. 2º).

5. Princípio da exclusividade

A lei orçamentária não poderá conter matéria estranha à previsão das receitas e à fixação das despesas. Exceção se dá para as autorizações de créditos suplementares e operações de crédito, inclusive ARO (antecipação de receita orçamentária). Esse princípio está consagrado na legislação brasileira por meio da Constituição Federal (art. 165, §8º) e Lei nº 4.320/64 (art. 7º).

6. Princípio da especificação

Veda as autorizações de despesas globais. As receitas e despesas devem ser discriminadas, demonstrando a origem e a aplicação dos recursos. O §4º do art. 5º da Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF estabelece a vedação de consignação de crédito orçamentário com finalidade imprecisa, exigindo a especificação da despesa. As exceções a esse princípio orçamentário são os programas especiais de trabalho e a reserva de contingência (art. 5º, III da LRF).

7. Princípio da publicidade

Esse princípio zela pela garantia da transparência e total acesso a qualquer interessado às informações necessárias ao exercício da fiscalização sobre a utilização dos recursos arrecadados dos contribuintes. Deve ser divulgado por meio de veículos oficiais de comunicação para conhecimento público e para gerar eficácia de sua validade enquanto ato oficial de autorização de arrecadação de receitas e execução de despesas.

8. Princípio do equilíbrio

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Esse princípio visa assegurar que as despesas não serão superiores à previsão das receitas.

Contabilmente o orçamento está sempre equilibrado, pois se as receitas esperadas forem inferiores às despesas fixadas, e o governo resolver não cortar gastos, a diferença deve ser coberta por operações de crédito que, por lei, devem também constar do orçamento.

9. Princípio do orçamento bruto

Esse princípio estabelece que todas as receitas e despesas devem constar do orçamento em seus valores brutos, sem qualquer tipo de dedução, de forma a permitir efetivo controle financeiro do orçamento e universalidade. Esse princípio está consagrado na legislação brasileira por meio da Lei nº 4.320/64 (art. 6º).

10. Princípio da não-afetação (não-vinculação) das receitas

Esse princípio dispõe que nenhuma receita de impostos poderá ser reservada ou comprometida para atender a certos e determinados gastos (CF/88, art. 167, IV). Pretende-se, com isso, evitar que as vinculações reduzam o grau de liberdade do planejamento. As exceções estão dispostas nos arts. 158, 159, 198 e 212 da CF/88. Quando as receitas de impostos são vinculadas a despesas específicas, diz-se, em geral, que essas despesas são obrigatórias.

11. Princípio da programação

Esse princípio dispõe que o orçamento deve ter o conteúdo e a forma de programação.

12. Princípio da clareza

Esse princípio dispõe que o orçamento deve ser expresso de forma clara, ordenada e completa, embora diga respeito ao caráter formal, tem grande importância para tornar o orçamento um instrumento eficiente de governo e administração.

5. ORÇAMENTO-PROGRAMA

Foi visto que o orçamento tradicional era a peça na qual a administração analisava em primeiro lugar os recursos disponíveis: e em seguida, definia a distribuição desses recursos na manutenção da rede de serviços públicos existentes. Não passava, em verdade, de um simples programa administrativo. Não criava, não ampliava, não mostrava, previamente, se havia objetivos a serem atingidos dentro do exercício financeiro.

O orçamento tradicional era elaborado pelos órgãos de contabilidade sem participação efetiva da alta administração. Os autores costumavam definir o orçamento como um simples ato contendo a aprovação prévia das receitas e das despesas públicas, Alguns tratadistas, mais argutos, já admitiam, nas suas definições de orçamento, a idéia de planejamento, embora de fato eles não o fossem. Preocupava-se o orçamento comum com os meios38 e não com os fins das funções governamentais.

O orçamento-programa, por sua vez, põe em destaque as metas, os objetivos e as intenções do Governo. Consolida um grupo de programas que o Governo se propõe a realizar durante um período Os planos são expressos em unidades mensuráveis e seus custos definidos. É um programa de trabalho e constitui, portanto, um instrumento de planejamento.

Enquanto o orçamento tradicional mostrava o que se pretendia gastar ou comprar, o orçamento-programa realça o que se pretende realizar. Ë um programa de trabalho definindo objetivos a serem alcançados, seus custos e as fontes dos recursos. O orçamento comum restringe os

38 Origem provável da expressão “lei de meios”.

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gastos e as compras ao montante da receita estimada, enquanto o orçamento-programa não limita as metas governamentais aos recursos orçamentários previstos.

O orçamento-programa constitui modalidade de orçamento na qual a previsão dos recursos financeiros e sua destinação decorrem da elaboração de um plano completo. Distingue-se do orçamento comum porque este parte da previsão de recursos para a execução de atividades instituídas, enquanto no orçamento-programa a previsão de recursos é a etapa final do planejamento.

A elaboração do orçamento-programa abrange quatro etapas:

1. Planejamento: é a definição dos objetivos a atingir;

2. Programação: é a definição das atividades necessárias à consecução dos objetivos;

3. Projeto: é a estimação dos recursos de trabalho necessários à realização das atividades;

4. Orçamentação: é a estimação dos recursos financeiros para pagar a utilização dos recursos de trabalho e prever as fontes dos recursos.

5.1 RECURSOS PARA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO-PROGRAMA

Elaborado o planejamento, faz-se necessário definir as fontes de recursos financeiros que deverão sustentar e assegurar o desenvolvimento do plano de ação e o atingimento dos objetivos do Governo. As primeiras e principais fontes de recursos são as receitas próprias, provenientes dos tributos.

A fim de que o volume dos recursos próprios do Governo possa atingir, ano a ano, pico mais alto de arrecadação será indispensável ficar atento às distorções do Código Tributário e corrigi-las sempre em tempo hábil. É importante rever anualmente as Plantas de Valores, os ajustamentos das alíquotas e das tarifas; intensificar e atualizar os meios legais e administrativos de cobrança amigável e judicial dos tributos não recolhidos.

Outra fonte de recursos é a contribuição de melhoria que permite recuperar o custo de certas obras que beneficiam indiretamente determinados grupos de contribuintes.

O financiamento de obras de infra-estrutura física, tributáveis, que garantem o retorno do capital aplicado, a curto e a médios prazos, constitui também legítima fonte de recursos para levar a bom termo as metas governamentais.

Finalmente, os empréstimos a curto, a médio e a longos prazos são recursos hábeis e legais. Podem ser obtidos por meio de operações financeiras ou emissão de títulos da dívida pública.

5.2 ESTIMATIVA DA RECEITA

O cálculo da receita a ser arrecadada no exercício seguinte constitui um trabalho relevante e de responsabilidade, pois a receita orçamentária representa uma importante fonte de recursos para a realização dos programas de trabalho — atividades e projetos — traçados pelo chefe do Poder Executivo.

A tarefa não é fácil. Os procedimentos adotados na estimação da receita evoluíram, mas ainda não existem normas concretas e definitivas que conduzam a uma avaliação exata da receita.

O método de tomar por base a receita arrecadada no penúltimo exercício já foi há muito abandonado. Outro procedimento adotado durante algum tempo foi o de tomar como base a média das arrecadações dos últimos três anos. Outros métodos menos técnicos já foram esquecidos.

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A estimativa da receita não é uma ciência, nem pode ser tratada como profecia. Muitos são os fatores que envolvem a análise e a mensuração da receita futura. A tarefa é árida e os resultados são considerados sempre em nível de aproximação. O problema agrava-se nos países de moeda instável.

A oscilação dos preços, o crescimento vegetativo, o aumento demográfico, o incremento dos centros de produção, a política tributária, a revisão da Planta de Valores, as alterações de alíquotas, a eficácia na cobrança dos contribuintes faltosos e a intensificação da fiscalização são, entre outros, alguns fatores de influência direta na estimativa da receita.

O órgão central de orçamento, auxiliado pelo cadastro fiscal, pela contabilidade, pela administração tributária e por outros órgãos da administração, envolvidos no processo arrecadatório, terá condições de definir, numa primeira aproximação, o montante da receita a ser arrecadada no exercício seguinte. Em seguida, a análise cuidadosa de cada um dos fatores de influência determinará, mediante sucessivas aproximações, o montante provável da arrecadação.

A comissão, ou órgão centralizador do orçamento, deve catalogar, de forma sistemática e permanente, informações que auxiliarão no trabalho de estimar as receitas. O técnico orçamentista precisa ser dotado de suficiente experiência e sensibilidade para pesar bem cada um dos fatores que modificam o valor da receita prevista.

Um dos procedimentos mais corretos na avaliação da receita global é dividi-la em seus diversos componentes, isto é, analisar e mensurar, separadamente, uma por uma, as fontes de arrecadação. Cada uma delas tem a sua peculiaridade.

A seção central de orçamento deve conhecer profundamente as características de cada espécie de tributo. Às vezes, a alíquota de determinado tributo é aumentada sem o objetivo de se obter um aumento na arrecadação.

Assim, em diversas etapas aproximatórias obtém-se uma estimativa de receita fiel ao princípio orçamentário da sinceridade.

6. O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO PÚBLICO NO BRASIL

O processo orçamentário brasileiro obedece aos ditames estabelecidos na Constituição nos artigos 165 a 169, das disposições gerais que norteiam o referido processo. Em particular, o artigo 165 confere ao Poder Executivo a obrigatoriedade de estabelecer o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) que é o próprio orçamento.

Com a estabilização econômica, o orçamento se reveste da maior importância, na medida em que os valores expressos em termos reais tendem a não ficar defasados, como ocorria no período inflacionário. Em conseqüência, passa a espelhar, com maior nitidez, a alocação dos recursos, favorecendo o acompanhamento e a avaliação das ações governamentais, principalmente pelo contribuinte e seus representantes, colaborando assim, para a construção de um estado moderno, voltado para os interesses da sociedade.

Esta nova realidade demanda a necessidade de se difundir amplamente o conteúdo do orçamento, que expressa o esforço do governo para atender à programação requerida pela sociedade, a qual é financiada com as contribuições de todos os cidadãos por meio do pagamento de seus tributos, contribuições sociais e tarifas de serviços públicos.

O orçamento público é uma lei que, entre outros aspectos, exprime em termos financeiros a alocação dos recursos públicos.

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Trata-se de um instrumento de planejamento que espelha as decisões políticas, estabelecendo as ações prioritárias para o atendimento das demandas da sociedade, em face da escassez de recursos. Apresenta múltiplas funções - de planejamento, contábil, financeira e de controle. As despesas, para serem realizadas, têm que estar autorizadas na lei orçamentária anual refletindo a co-responsabilidade entre os poderes, caracterizando-se por configurar quatro fases distintas quais sejam:

a. A elaboração da proposta, feita no âmbito do Poder Executivo;

b. A apreciação e votação pelo Legislativo - no caso do governo federal, o Congresso Nacional;

c. A sua execução; e

d. O controle, consubstanciado no acompanhamento e avaliação da execução.

6.1 ORÇAMENTO GERAL DA UNIÃO (OGU)

O Orçamento Geral da União (OGU) prevê todos os recursos e fixa todas as despesas do Governo Federal, referentes aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

As despesas fixadas no orçamento são cobertas com o produto da arrecadação dos impostos, taxas e contribuições federais bem como pelas operações de crédito que nada mais são do que o endividamento do Tesouro Nacional junto ao mercado financeiro interno e externo.

No tocante às receitas, estas são estimadas pelo governo, não refletindo com exatidão aquilo que foi previsto arrecadar. Por isso mesmo, elas podem ser maiores ou menores do que foi inicialmente previsto.

Com base na receita prevista, são fixadas as despesas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Depois que o Orçamento é aprovado pelo Congresso, o governo passa a gastar o que foi autorizado.

Se a receita do ano for superior à previsão inicial, o governo encaminha ao Congresso um projeto de lei pedindo autorização para incorporar e executar o excesso de arrecadação, definindo as novas despesas que serão custeadas pelos novos recursos. Se, ao contrário, a receita cair, o governo fica impossibilitado de executar o orçamento na sua totalidade, o que exigirá corte nas despesas programadas.

6.2 A ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO

Historicamente, o processo de elaboração do orçamento brasileiro tem alternado situações em que o Congresso efetivamente participa e define onde e como os recursos públicos são distribuídos e outras nas quais ele tem pouca ou nenhuma influência direta. Atualmente, mesmo quando os parlamentares têm um papel efetivo, este se limita essencialmente à proposição de emendas ao projeto de lei orçamentária que visam direcionar para suas bases eleitorais programas e projetos de interesse local.

A Constituição de 1988 gerou um novo conjunto de normas complexas para regulamentar o processo decisório do orçamento federal. O principal objetivo dessas inovações foi criar um sofisticado sistema hierárquico de coordenação e planejamento para um período de quatro anos, ampliando, assim, o ciclo orçamentário para além da formulação do projeto de lei anual.

Foram criados três instrumentos institucionais responsáveis pela regulamentação (Plano Plurianual – PPA), planejamento (Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO) e distribuição dos recursos

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federais (Lei Orçamentária Anual – LOA). Pela Constituição, esta tríade se liga hierarquicamente em diferentes etapas.

O Orçamento é elaborado pelos três poderes da República e consolidado pelo Poder Executivo. Quando de sua elaboração não se pode fixar despesas em valores superiores aos recursos disponíveis, ou seja, ele precisa ser equilibrado.

Essa limitação obriga o governo a definir prioridades na aplicação dos recursos estimados. As metas para a elaboração da proposta orçamentária são definidas pelo Plano Plurianual (PPA) e priorizadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

1. Plano Plurianual - PPA

O projeto do Plano Plurianual precisa ser elaborado pelo governo e encaminhado ao Congresso, para ser discutido e votado, até o dia 31 de agosto do primeiro ano do mandato de cada presidente, como determina a Constituição. Depois de aprovado, o PPA é válido para os quatro anos seguintes. O PPA estabelece as diretrizes, objetivos e metas, de forma regionalizada, da administração pública federal.

A finalidade do PPA, em termos orçamentários, é a de estabelecer objetivos e metas que comprometam o Poder Executivo e o Poder Legislativo a dar continuidade aos programas na distribuição dos recursos.

O PPA precisa ser aprovado pelo Congresso até o final do primeiro ano do mandato do presidente eleito. O controle e a fiscalização da execução do PPA são realizados pelo sistema de controle interno do Poder Executivo e pelo Tribunal de Contas da União. O acompanhamento e a avaliação são feitos pelo Ministério do Planejamento e Orçamento.

2. Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO

As metas e diretrizes definidas pelo PPA e pela LDO são utilizadas pelo Executivo para elaborar o Projeto de Lei Orçamentária - PLO. Este projeto de orçamento estima o total das receitas e fixa as despesas para o exercício fiscal subseqüente, ou seja, a proposta detalha programas e atividades específicas que devem estar de acordo com os dois instrumentos mencionados.

O projeto da LDO é elaborado pelo Poder Executivo, sob a direção do Ministério do Planejamento e Orçamento e a coordenação da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), e precisa ser encaminhado ao Congresso até o dia 15 de abril de cada ano. O projeto da LDO tem como base o PPA e deve ser apreciado pelo Congresso Nacional até 30 de junho de cada exercício. Depois de aprovado, o projeto é sancionado pelo Presidente da República.

Com base na LDO, a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) elabora a proposta orçamentária para o ano seguinte, com a participação dos Ministérios (órgãos setoriais) e as unidades orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário.

3. Lei Orçamentária Anual - LOA

O Executivo é responsável pela coordenação e elaboração da Proposta de Orçamento Anual - POA, mais especificamente, pela Secretaria de Orçamento Federal - SOF, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a participação dos demais Ministérios (órgãos setoriais) e as unidades orçamentárias dos Poderes Legislativo e Judiciário a coordenação e detalhamento da POA.

A Secretaria de Orçamento Federal - SOF estima o total de receitas e despesas de cada ministério (pessoal, contribuições previdenciárias, dívidas etc.), do Legislativo e do Judiciário. Na seqüência, define os parâmetros para todas as demais despesas, inclusive operacionais e de

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investimentos, além de especificar os limites de despesas para cada programa que cada um dos órgãos públicos se propõe a desenvolver.

Após considerar esses limites orçamentários, cada ministério e órgão público devolve seu projeto à SOF, que fica com a responsabilidade de consolidar tudo em uma proposta única, o PLO, que é então encaminhado ao Congresso.

É importante notar que é nessa etapa que alguns parlamentares, especialmente os de maior prestígio e poder político, recorrem às suas redes políticas dentro dos ministérios e órgãos federais para incluir projetos de seu interesse na proposta que o Executivo deve enviar ao Congresso Nacional.

Esses parlamentares “furam a fila” num estágio importante das negociações no Congresso, fazendo constar seus pedidos já no projeto enviado pelo presidente da República. É nessa fase que se dão as negociações mais ardilosas dentro do Poder Executivo, com cada parte buscando alargar seu quinhão do orçamento e o Tesouro procurando conter as reivindicações de todos.

Mas o jogo orçamentário não acaba depois que o PLOA é aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República. Mesmo esgotadas essas etapas, ainda é possível modificar o projeto mediante créditos adicionais que abrem a possibilidade de introduzir novas emendas com potencial de redistribuir recursos.

Esse mecanismo institucional torna o processo orçamentário quase interminável, convertendo-o em um jogo seqüencial em que Executivo e Congresso interagem em mais de uma ocasião. O Executivo participa desse jogo em uma posição mais favorável, pois se utiliza da assimetria de informações e de mecanismos institucionais que lhe outorgam consideráveis poderes discricionários.

Por determinação constitucional o presidente da República está obrigado a enviar para o Congresso o PLOA até 30 de agosto e o prazo que este tem para emendar e aprovar o projeto se estende até 15 de dezembro. O exame da proposta é realizado pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização - CMPOF, sendo em seguida apreciado pelas duas Casas do Congresso. O PLOA, posteriormente, é devolvido ao Executivo para sanção, com ou sem vetos.

Depois de sancionado pelo presidente da República, o PLOA transforma-se em lei, denominada de Lei Orçamentária Anual (LOA).

A Lei Orçamentária Anual é composta de três orçamentos diferentes:

a. Orçamento Fiscal

O orçamento fiscal abrange impostos e as despesas de toda a administração pública, incluindo os três Poderes e as fundações mantidas pelo Estado.

b. Orçamento de Seguridade Social:

O orçamento da seguridade social corresponde à ação do governo em três setores: saúde, previdência e assistência social.

c. Orçamento de Investimentos das Estatais.

O orçamento de investimentos das estatais é responsável pelo montante total das receitas de capital (de origem não fiscal) a ser investido pelos órgãos públicos.

6.3 PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO

O processo orçamentário compreende as fases de elaboração e execução das leis orçamentárias – PPA, LDO e LOA. Cada uma dessas leis tem ritos próprios de elaboração, aprovação e

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implementação pelos Poderes Legislativo e Executivo. Entender esses ritos é o primeiro passo para a participação da sociedade no processo decisório, fortalecendo, assim, o exercício do controle social na aplicação dos recursos públicos.

a. Plano Plurianual - PPA

O plano plurianual – PPA é instrumento de planejamento de médio prazo, que estabelece as diretrizes, objetivos e metas do governo para os projetos e programas de longa duração, para um período de quatro anos. Nenhuma obra de grande vulto ou cuja execução ultrapasse um exercício financeiro pode ser iniciada sem prévia inclusão no plano plurianual.

Para a elaboração e execução do PPA são obedecidas as seguintes fases:

a. Projeto de Lei

O projeto de PPA (PPPA) é elaborado pela Secretaria de Investimentos e Planejamento Estratégico (SPI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, que possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto da lei e diversos anexos, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso Nacional até 31 de agosto do primeiro ano de mandato presidencial, devendo vigorar por quatro anos.

Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto inicia a tramitação legislativa, observadas as normas constantes da Resolução nº. 01, de 2006 – CN. O projeto de lei é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO.

b. Parecer Preliminar

O parlamentar designado para ser o relator do projeto de plano plurianual (PPPA) deve, primeiramente, elaborar Relatório Preliminar sobre o projeto, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse parecer estabelece regras e parâmetros a serem observados quando da análise e apreciação do projeto, tais como: i) condições para o remanejamento e cancelamento de valores financeiros constantes do projeto; ii) critérios para alocação de eventuais recursos adicionais decorrentes da reestimativa das receitas; e iii) orientações sobre apresentação e apreciação de emendas.

Em complemento à análise inicial, a CMO pode realizar audiências públicas regionais para debater o projeto.

Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamentares, Comissões Permanentes da Câmara e do Senado e Bancadas Estaduais.

c. Emendas

Após aprovado o parecer preliminar, abre-se prazo para a apresentação de emendas ao projeto de plano plurianual, com vistas a inserir, suprimir, substituir ou modificar dispositivos constantes do projeto.

Ao projeto podem ser apresentadas até dez emendas por parlamentar, até cinco emendas por Comissão Permanente da Câmara e do Senado e até cinco emendas por Bancada Estadual.

As emendas são apresentadas perante a CMO, que sobre elas emite parecer conclusivo e final, o qual somente poderá ser modificado mediante a aprovação de destaque no Plenário do Congresso Nacional.

d. Relatório

O relator deve analisar o projeto de plano plurianual e as emendas apresentadas, tendo como orientação as regras estabelecidas no Parecer Preliminar, e formalizar, em relatório, as razões

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pelas quais acolhe ou rejeita as emendas. Deve também justificar quaisquer outras alterações que tenham sido introduzidas no texto do projeto de lei. O produto final desse trabalho, contendo as alterações propostas ao texto do PPPA, decorrentes das emendas acolhidas pelo relator e das por ele apresentadas, constitui a proposta de substitutivo.

O relatório e a proposta de substitutivo são discutidos e votados no Plenário da CMO, sendo necessário para aprová-los a manifestação favorável da maioria dos membros de cada uma das Casas, que integram a CMO.

O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

e. Autógrafos e Leis

Após aprovado, o parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.

O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

Para a execução do PPA foi criado um comitê denominado de Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária

O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária é composto por cinco a dez membros, designados entre os membros titulares ou suplentes da CMO, em até cinco dias após a instalação dessa Comissão. Além dos membros escolhidos pelo Presidente da CMO, integrarão o Comitê os Relatores Setoriais e o Relator-Geral do projeto de lei orçamentária anual.

O Comitê tem por atribuições:

a. acompanhar, avaliar e fiscalizar a execução orçamentária e financeira, inclusive os decretos de contingenciamento, o cumprimento das metas fixadas na lei de diretrizes orçamentárias e o desempenho dos programas governamentais;

b. analisar a consistência fiscal dos projetos de lei do plano plurianual e da lei orçamentária anual, em conjunto com o Comitê de Avaliação da Receita;

c. apreciar os Relatórios de Gestão Fiscal previstos no art. 54 da Lei de Responsabilidade Fiscal;

d. analisar as informações encaminhadas pelo Tribunal de Contas da União acerca da execução orçamentária e financeira e do cumprimento das metas fixadas na lei de diretrizes orçamentárias;

e. analisar as demais informações encaminhadas pelo Tribunal de Contas da União, exceto as relativas a obras e serviços com indícios de irregularidades e as relativas à receita.

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Os relatórios produzidos pelo Comitê serão encaminhados para conhecimento e deliberação pela CMO. No caso do projeto de lei orçamentária anual, o Relatório do Comitê sobre a consistência fiscal do projeto será parte integrante do Parecer Preliminar.

O Comitê realizará, bimestralmente, reuniões de avaliação de seus relatórios com representantes dos Ministérios do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Fazenda para discutir a evolução e as projeções das metas fiscais, dos grandes itens de despesa, em especial as projeções das despesas obrigatórias e de funcionamento dos órgãos e entidades para o exercício corrente e os dois seguintes, bem como outras matérias de competência do Comitê.

Também bimestralmente, o Comitê realizará encontros técnicos com representantes de outros Ministérios para discutir a avaliação dos programas de sua responsabilidade, os critérios de aplicação de recursos, os critérios e efeitos da limitação de empenho, a respectiva execução orçamentária, inclusive das ações que foram objeto de emendas parlamentares, as projeções de necessidades de recursos para os exercícios seguintes, bem como outras matérias de competência do Comitê.

b. Lei das Diretrizes Orçamentárias - LDO

A lei de diretrizes orçamentárias - LDO define as metas e prioridades do governo para o ano seguinte, orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre alterações na legislação tributária e estabelece a política das agências de desenvolvimento (Banco do Nordeste, Banco do Brasil, BNDES, Banco da Amazônia, etc.). Também fixa limites para os orçamentos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público e dispõe sobre os gastos com pessoal. A Lei de Responsabilidade Fiscal remeteu à LDO diversos outros temas, como política fiscal, contingenciamento dos gastos, transferências de recursos para entidades públicas e privadas e política monetária.

Para a elaboração da LDO são obedecidas as seguintes fases:

1. Projeto de Lei

O projeto de LDO (PLDO) é elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República, que possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto da lei e diversos anexos, o projeto de lei deve ser encaminhado ao Congresso Nacional até 15 de abril de cada ano.

Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto inicia a tramitação legislativa, observadas as normas constantes da Resolução nº. 01, de 2006 – CN. O projeto de lei é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO.

2. Parecer Preliminar

O parlamentar designado para ser o relator do projeto de diretrizes orçamentárias (PLDO) deve, primeiramente, elaborar Relatório Preliminar sobre o projeto, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse parecer estabelece regras e parâmetros a serem observados quando da análise e apreciação do projeto, tais como: i) condições para o cancelamento de metas constantes do projeto; ii) critérios para o acolhimento de emendas; e iii) disposições sobre apresentação e apreciação de emendas individuais e coletivas.

Além disso, o parecer preliminar avalia os cenários econômico-fiscal e social, bem como os parâmetros macroeconômicos utilizados na elaboração do projeto e as informações constantes de seus anexos, com o objetivo de promover análises prévias ao conteúdo apresentado. Como complemento à análise inicial, a CMO realiza audiência pública com o Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, antes da apresentação do Relatório Preliminar.

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Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamentares e pelas Comissões Permanentes da Câmara e do Senado.

3. Emendas

Após aprovado o parecer preliminar, abre-se prazo para a apresentação de emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias, com vistas a inserir, suprimir, substituir ou modificar dispositivos constantes do projeto.

Cada parlamentar, Comissão Permanente do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e Bancada Estadual do Congresso Nacional pode apresentar até cinco emendas ao anexo de metas e prioridades. Não se incluem nesse limite as emendas ao texto do projeto de lei. Para essa finalidade, as emendas são ilimitadas.

As emendas são apresentadas perante a CMO, que sobre elas emite parecer conclusivo e final, que somente poderá ser modificado mediante a aprovação de destaque no Plenário do Congresso Nacional.

4. Relatório

O relator deve analisar o projeto de diretrizes orçamentárias e as emendas apresentadas, tendo como orientação as regras estabelecidas no Parecer Preliminar, e formalizar, em relatório, as razões pelas quais acolhe ou rejeita as emendas. Deve também justificar quaisquer outras alterações que tenham sido introduzidas no texto do projeto de lei. O produto final desse trabalho, contendo as alterações propostas ao texto do PLDO, decorrentes das emendas acolhidas pelo relator e das por ele apresentadas, constitui a proposta de substitutivo. O relatório e a proposta de substitutivo são discutidos e votados no Plenário da CMO, sendo necessário para aprová-los a manifestação favorável da maioria dos membros de cada uma das Casas, que integram a CMO.

A Constituição Federal não estabelece prazo final para a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias. No entanto, determina que o Congresso Nacional não tenha direito a recesso a partir de 17 de julho enquanto o PLDO não for aprovado.

O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

5. Autógrafos e Leis

Após aprovado, o parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.

O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

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c. Lei Orçamentária Anual - LOA

Na lei orçamentária anual (LOA) estão estimadas as receitas que serão arrecadadas durante o ano e definidas as despesas que o governo espera realizar com esses recursos, conforme aprovado pelo Legislativo. A LOA contém três orçamentos, previstos na Constituição Federal: o orçamento fiscal, o orçamento da seguridade social (previdência, assistência e saúde) e o orçamento de investimentos das empresas estatais.

Para a elaboração e execução da LOA são obedecidas as seguintes fases:

1. Projeto de Lei

O projeto de lei orçamentária é elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e encaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. O Executivo possui exclusividade na iniciativa das leis orçamentárias. Composto pelo texto da lei, quadros orçamentários consolidados e anexos dos Orçamentos Fiscal, da Seguridade Social e de Investimento das Empresas Estatais, o projeto de lei deve ser encaminhado para apreciação do Congresso Nacional até 31 de agosto de cada ano.

Recebido pelo Congresso Nacional, o projeto é publicado e encaminhado à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – CMO. A Resolução nº. 01, de 2006 – CN regula a tramitação legislativa do orçamento.

Para conhecer o conteúdo do projeto e promover o debate inicial sobre a matéria, a CMO realiza audiências públicas com Ministros ou representantes dos órgãos de Planejamento, Orçamento e Fazenda do Executivo e com representantes das diversas áreas que compõem o orçamento. Nessa oportunidade os parlamentares começam a avaliar a proposta apresentada e têm a possibilidade de ouvir tanto as autoridades governamentais como a sociedade.

2. Relatório de Receita

Cabe ao relator da receita, com o auxílio do Comitê de Avaliação da Receita, avaliar, inicialmente, a receita prevista pelo Executivo no projeto de lei orçamentária. O objetivo é verificar se o montante estimado da receita está de acordo com os parâmetros econômicos previstos para o ano seguinte. Caso encontre algum erro ou omissão, é facultado ao Legislativo reavaliar a receita e propor nova estimativa.

O relator da receita apresenta suas conclusões no Relatório da Receita. Esse documento deve conter, entre outros assuntos, o exame da conjuntura macroeconômica e do impacto do endividamento sobre as finanças públicas, a análise da evolução da arrecadação das receitas nos últimos exercícios e da sua estimativa no projeto, o demonstrativo das receitas reestimadas e os pareceres às emendas apresentadas. O Relatório da Receita deve ser aprovado pela CMO.

O relator da receita pode propor atualização do Relatório da Receita aprovado pela CMO, no caso de alterações nos parâmetros utilizados para a projeção ou na legislação tributária ocorridas durante a tramitação do projeto no Congresso. O prazo máximo para propor alterações é de até dez dias após a votação do último relatório setorial.

3. Parecer Preliminar

O parlamentar designado para ser o relator-geral do projeto de lei orçamentária deve elaborar Relatório Preliminar sobre a matéria, o qual, aprovado pela CMO, passa a denominar-se Parecer Preliminar. Esse parecer estabelece os parâmetros e critérios a serem obedecidos na apresentação de emendas e na elaboração do relatório pelo relator-geral e pelos relatores setoriais.

O Relatório Preliminar é composto de duas partes. A primeira parte – geral – apresenta análise das metas fiscais, exame da compatibilidade com o plano plurianual, a lei de diretrizes

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orçamentárias e a lei de responsabilidade fiscal, avaliação das despesas por área temática, incluindo a execução recente, entre outros temas. A segunda parte – especial – contém as regras para a atuação dos relatores setoriais e geral e as orientações específicas referentes à apresentação e apreciação de emendas, inclusive as de relator. Define, também, a composição da Reserva de Recursos a ser utilizada para o atendimento das emendas apresentadas.

Ao relatório preliminar podem ser apresentadas emendas por parlamentares e pelas Comissões Permanentes das duas Casas do Congresso Nacional.

4. Emendas

As emendas à despesa são classificadas como de remanejamento, de apropriação ou de cancelamento.

Emenda de remanejamento é a que propõe acréscimo ou inclusão de dotações e, simultaneamente, como fonte exclusiva de recursos, a anulação equivalente de dotações constantes do projeto, exceto as da Reserva de Contingência. Com isso, somente poderá ser aprovada com a anulação das dotações indicadas na própria emenda, observada a compatibilidade das fontes de recursos.

Emenda de apropriação é a que propõe acréscimo ou inclusão de dotações e, simultaneamente, como fonte de recursos, a anulação equivalente de valores da Reserva de Recursos ou outras dotações definidas no Parecer Preliminar.

Emenda de Cancelamento é a que propõe, exclusivamente, a redução de dotações constantes do projeto.

A emenda ao projeto que propõe acréscimo ou inclusão de dotações somente será aprovada se: i) estiver compatível com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; ii) indicar os recursos necessários; iii) não for constituída de várias ações que devam ser objeto de emendas distintas; e iv) não contrariar as normas regimentais sobre a matéria. Não serão aprovadas emendas em valor superior ao solicitado, ressalvados os casos de remanejamento entre emendas individuais, respeitado o limite global.

As bancadas estaduais no Congresso Nacional e as comissões permanentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados podem apresentar emendas ao projeto nas matérias diretamente ligadas às suas áreas de atuação.

Cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas individuais, no valor total definido pelo Parecer Preliminar.

Os relatores somente podem apresentar emendas para corrigir erros e omissões de ordem técnica e legal, recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas e atender às especificações do Parecer Preliminar.

5. Ciclos setoriais

O projeto de lei orçamentária anual é divido em 10 áreas temáticas, com o objetivo de dar atenção às particularidades dos diversos temas que permeiam a proposta, como educação, saúde, transporte, agricultura, entre outros. Para cada área temática é designado um relator setorial, que deve avaliar o projeto encaminhado, analisar as emendas apresentadas e elaborar relatório setorial com as suas conclusões e pareceres.

Os Relatores Setoriais devem debater o projeto nas Comissões Permanentes, antes de apresentar o relatório, podendo ser convidados, na oportunidade, representantes da sociedade civil.

Na elaboração dos relatórios setoriais, serão observados, estritamente, os limites e critérios fixados no Parecer Preliminar. O Relator deve verificar a compatibilidade do projeto com o PPA, a

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LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a execução orçamentária recente e os efeitos dos créditos adicionais dos últimos quatro meses. Os critérios utilizados para a distribuição dos recursos e as medidas adotadas quanto às obras e serviços com indícios de irregularidades graves apontadas pelo TCU também devem constar do relatório.

Os relatórios setoriais são discutidos e votados individualmente na CMO.

6. Ciclo Geral

Após a aprovação dos relatórios setoriais, é tarefa do Relator Geral compilar as decisões setoriais em um único documento, chamado Relatório Geral, que será submetido à CMO. O papel do relator geral é verificar a constitucionalidade e legalidade das alocações de recursos e zelar pelo equilíbrio regional da distribuição realizada.

No relatório geral, assim como nos setoriais, são analisados a compatibilidade do projeto com o PPA, a LDO e a Lei de Responsabilidade Fiscal, a execução orçamentária recente e os efeitos dos créditos adicionais dos últimos quatro meses. Os critérios utilizados pelo relator na distribuição dos recursos e as medidas adotadas quanto às obras e serviços com indícios de irregularidades graves apontadas pelo TCU também devem constar do relatório.

Integram, ainda, o Relatório Geral os relatórios dos Comitês Permanentes e daqueles constituídos para assessorar o relator geral.

As emendas ao texto e as de cancelamento são analisadas exclusivamente pelo relator geral, que sobre elas emite parecer.

A apreciação do Relatório Geral, na CMO, somente terá início após a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de plano plurianual ou de projeto de lei que o revise.

O Relatório Geral é lido, discutido e votado no plenário da CMO. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres propostos pelo Relator.

O relatório aprovado em definitivo pela Comissão constitui o parecer da CMO, o qual será encaminhado à Secretaria-Geral da Mesa do Congresso Nacional, para ser submetido à deliberação das duas Casas, em sessão conjunta.

7. Autógrafos e Leis

O parecer da CMO é submetido à discussão e votação no Plenário do Congresso Nacional. Os Congressistas podem solicitar destaque para a votação em separado de emendas, com o objetivo de modificar os pareceres aprovados na CMO. Esse requerimento deve ser assinado por um décimo dos congressistas e apresentado à Mesa do Congresso Nacional até o dia anterior ao estabelecido para discussão da matéria no Plenário do Congresso Nacional.

Concluída a votação, a matéria é devolvida à CMO para a redação final. Recebe o nome de Autógrafo o texto do projeto ou do substitutivo aprovado definitivamente em sua redação final assinado pelo Presidente do Congresso, que será enviado à Casa Civil da Presidência da República para sanção.

O Presidente da República pode vetar o autógrafo, total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Nesse caso, comunicará ao Presidente do Senado os motivos do veto. A parte não vetada é publicada no Diário Oficial da União como lei. O veto deve ser apreciado pelo Congresso Nacional.

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6.4 PROCESSO DE EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO

1. Execução da Despesa Fiscal e Seguridade

A execução do orçamento fiscal e orçamento da seguridade social é realizada em três estágios: empenho, liquidação e pagamento.

A partir das dotações autorizadas na lei orçamentária (dotação inicial mais/menos créditos adicionais) o gestor irá iniciar a execução das despesas por meio do empenho, que é a reserva de recursos para uma determinada despesa.

Empenhada a despesa, é feita a aquisição do bem ou contratação do serviço objeto da dotação orçamentária. Uma vez entregue o bem ou prestado o serviço, processa-se a liquidação da despesa, que consiste na verificação do direito adquirido pelo credor junto ao Estado, pela comparação entre o que foi contratado e o que foi efetivamente entregue ou realizado.

Após a liquidação da despesa, é feito o pagamento ao credor pela autoridade competente, por meio da emissão de ordem bancária ou outro instrumento financeiro. Finaliza-se, assim, a realização da despesa.

As despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro, são inscritas em restos a pagar, o que permite que sua realização continue a ocorrer normalmente no curso do exercício seguinte.

As despesas são apresentadas na lei orçamentária sob diversas classificações, principalmente as classificações funcional, programática, institucional e por natureza.

2. Execução de Despesa - Estatais

O Orçamento de Investimentos das Estatais abrange a programação de investimentos das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto.

Sob a coordenação do Departamento de Coordenação e Controle de Empresas Estatais (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão), esse orçamento é formulado com metodologia diferente da usada nos orçamentos fiscal e da seguridade social, já que as empresas estatais se submetem a um regime jurídico diferenciado daquele que vige para os órgãos públicos.

Não existem normas bem definidas sobre a elaboração, execução e prestação de contas do orçamento de investimentos das estatais, por ainda não ter sido editada a lei complementar sobre a matéria prevista no art. 165, § 9º da Constituição Federal.

3. Programação Financeira e Contingenciamento

A programação orçamentária e financeira da lei orçamentária foi instituída, inicialmente, como forma de controlar os fluxos de caixa do governo às necessidades de pagamento.

A partir da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF e da obrigatoriedade de se cumprir as metas fiscais fixadas na lei de diretrizes orçamentárias - LDO, essa prática passou a ser regulada e acompanhada bimestralmente. O Executivo encaminhará à Comissão Mista de Orçamento - CMO relatório bimestral de acompanhamento da execução da receita e da despesa, mesmo nos no caso de não haver alteração nos limites de empenho e pagamento fixados anteriormente. Até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, o Executivo deverá, ainda, demonstrar e avaliar o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em audiência pública na CMO.

Segundo a LRF, se verificado, ao final de um bimestre, que a realização de receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais da LDO, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos

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montantes necessários, limitação de empenho e movimentação financeira das dotações disponíveis (contingenciamento de dotações), segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

No caso de restabelecimento da receita prevista inicialmente, ainda que parcial, haverá recomposição das dotações cujos empenhos foram limitados de forma proporcional às reduções efetivadas.

O contingenciamento das dotações não incidirá sobre as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, como pessoal, transferências a estados e municípios, sentenças judiciais, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e sobre aquelas protegidas pela lei de diretrizes orçamentárias.

4. Execução da Receita

As receitas são estimadas no orçamento. O valor constante em cada item da receita orçamentária constitui-se em mera previsão, podendo, como resultado da execução, ficar aquém ou ultrapassar o valor estimado. A inexistência de determinado item – rubrica – na lei orçamentária não inibe que a receita correspondente seja arrecadada.

São consideradas do exercício as receitas nele arrecadadas.

São consideradas receitas orçamentárias todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operação de crédito, ainda que não previstas no orçamento. São exemplos de receitas os tributos, contribuições, rendas patrimoniais e de serviços, operações de crédito etc.

6.5 RESUMO DAS FASES DO ORÇAMENTO

1ª Etapa: Entre os meses de janeiro e maio, na Secretaria de Orçamento Federal - SOF, é desenvolvida a análise da série histórica da execução dos últimos exercícios, para definição dos limites de gastos por unidade orçamentária da União.

2ª Etapa: No mês de junho, os órgãos setoriais apresentam uma proposição detalhada relativa às suas programações em:

Atividades - envolvendo o montante de recursos necessários para assegurar a manutenção da execução das ações atualmente desenvolvidas para a prestação de serviços à comunidade;

Despesas Obrigatórias - relativas a despesas com pessoal, serviço da dívida, benefícios previdenciários.

3ª Etapa: Com a estimativa da Receita a ser arrecadada e o montante de gastos projetados para o exercício na 2ª Etapa, define um limite adicional e o remete aos órgãos para complementar a sua programação orçamentária, compreendendo:

a. Expansão de atividades - os valores necessários para expansão dos serviços;

b. Projetos - gastos requeridos para aumento da capacidade física de atendimento ou inserção de uma ação nova nas atribuições dos órgãos.

4ª Etapa: Formaliza o documento final elaborando todos os demonstrativos exigidos pela Lei Federal no 4.320/64 e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.

5ª Etapa: No Congresso, deputados e senadores discutem a proposta que o Executivo preparou, fazem as mudanças que consideram necessárias e votam o projeto.

Até a Constituição de 1988, o Congresso apenas homologava o orçamento tal qual ele vinha do Executivo, porém a partir de 1988, deputados e senadores adquiriram o direito de emendar o orçamento, o que significa que os parlamentares podem propor alterações em programas e projetos

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apresentados pelo Poder Executivo, desde que sejam compatíveis com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

A Constituição determina que o Congresso deve votar o Orçamento até o encerramento da sessão legislativa de cada ano. Depois da aprovação pelo Legislativo, o projeto é enviado ao Presidente da República para ser sancionado. Após a sanção, transforma-se em lei.

6ª Etapa: Utilizando-se do Sistema Integrado de Dados Orçamentários (SIDOR), a Secretaria de Orçamento Federal acompanha e avalia a execução orçamentária, procedendo a alterações, através de créditos adicionais, quando necessário. A Secretaria do Tesouro Nacional registra no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) a execução orçamentária realizada pelos órgãos da administração pública.

6.6 PERÍODOS DE ATIVIDADES DO ORÇAMENTO PÚBLICO

A elaboração do orçamento obedece às diretrizes conceituais dos princípios orçamentários. O orçamento é elaborado para o período de um ano. As despesas são rigorosamente discriminadas, conforme dispõem os princípios orçamentários da anualidade e da especificação. Os mais importantes princípios orçamentários discutidos doutrinariamente pela Ciência das Finanças estão consagrados na legislação financeira: anualidade, especificação, exclusividade, unidade e universalidade. Alguns outros princípios são observados tradicionalmente: clareza, exatidão, publicidade etc.

Tanto a receita — recursos financeiros — como a despesa — aplicações — têm três períodos de atividades extremamente importantes:

a. período de estimação da receita e da fixação da despesa (proposta orçamentária);b. período de realização da receita e da despesa (execução orçamentária); ec. período de confrontações das receitas estimadas com as realizadas e das despesas

fixadas com as realizadas; os resultados deste período servirão de base à elaboração da proposta orçamentária do ano seguinte, realimentando, portanto, as atividades mencionadas na letra “a”.

6.7 CRÉDITOS ADICIONAIS

Durante a execução orçamentária, o Poder Executivo pode solicitar ao Legislativo, e este conceder novos créditos orçamentários. Eles serão adicionados aos créditos que integram o orçamento em vigor. Por essa razão, denominam-se créditos adicionais. Os créditos adicionais aumentam a despesa pública do exercício, já fixada no orçamento.

A fim de não prejudicar o equilíbrio do orçamento em execução, a lei determina que cada solicitação de crédito adicional seja acompanhada da indicação de recursos hábeis.

São considerados recursos hábeis: 1 — o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior; II — os provenientes de excesso de arrecadação; III — os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em lei; IV — o produto de operações de crédito autorizadas, em forma que, juridicamente, possibilite ao Poder Executivo realizá-las (art. 43).

Sem a indicação de um ou mais recursos hábeis o Poder Legislativo não concederá o crédito solicitado. E o valor do crédito adicional deverá ser expresso, pois não serão concedidos créditos ilimitados (art. 41) e artigo 167, V, VI e VII, da Constituição de 1988.

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Os créditos adicionais, segundo suas finalidades, classificam-se em:

1. Créditos suplementares;

2. Créditos especiais; e

3. Créditos extraordinários.

1. Créditos suplementares

Os créditos suplementares destinam-se a reforçar dotação já existente no orçamento em vigor. Sua vigência acompanha a da dotação suplementada, ou seja, expira em 31 de dezembro. São autorizados, por lei e abertos por decreto.

A finalidade dessa processualística é a de permitir ao chefe do Poder Executivo a abertura dos créditos suplementares até o limite concedido, aos poucos, na medida exata de suas necessidades. Esse é o espírito da Lei.

Entretanto, na prática não tem se observado tais procedimentos. São publicados concomitantemente, até no mesmo dia, Lei e Decreto, este abrindo desde logo a totalidade do crédito autorizado. A Lei diz:: Fica o Poder Executivo autorizado a abrir.., enquanto o Decreto é assim redigido: De acordo com a Lei n.° ... fica aberto um crédito...

A lei que autoriza a abertura de um crédito adicional e uma só, mas pode existir mais de um decreto abrindo, parceladamente, o crédito autorizado.

A fim de evitar freqüentes pedidos de suplementações, cuja tramitação normal pelo Legislativo exige algum tempo, atrasando os cronogramas físicos e financeiros, e para dar um certo dinamismo à execução orçamentária, a legislação financeira permite que a própria Lei Orçamentária autorize o Poder Executivo a reajustar as dotações orçamentárias suplementando e reduzindo dentro de um limite percentual estabelecido (art. 70, I, da Lei n.° 4.320/64 e art. 165, § 8°, da Constituição de 1988).

2. Créditos especiais

Os créditos especiais destinam-se a amparar programas novos que não figuram no orçamento. Geralmente a autorização para abertura de um crédito especial consta da própria lei que autoriza a inclusão no orçamento de um novo programa. O termo final de sua vigência é igual ao do orçamento, mas se for aberto dentro dos últimos quatro meses do ano, sua vigência poderá estender-se até o final do exercício seguinte. Também são autorizados por lei e abertos por decreto e exigem indicação de recursos (art. 167, § 2.°, da Constituição de 1988).

3. Créditos extraordinários

A terceira modalidade de crédito adicional é a de créditos extraordinários. Destinam-se a atender despesas imprevisíveis e urgentes como as decorrentes de guerra, subversão interna ou calamidade publica39. São abertos por Decreto do Poder Executivo independentemente de prévia autorização legislativa. Aberto um crédito extraordinário, o chefe do Poder Executivo informará imediatamente ao Legislativo, justificando as causas determinantes do ato (art. 44). A vigência do crédito extraordinário expira no final do exercício, exceto se for aberto nos últimos quatro meses do ano; neste caso sua vigência poderá estender-se até 31 de dezembro do exercício seguinte, ou terminar antes, se cessarem as causas que determinaram sua abertura.

39 Na República Argentina, além das causas aqui enumeradas, o Poder Executivo pode abrir créditos extraordinários para atendimento de gastos com o cumprimento de leis eleitorais e sentenças judiciais transitadas em julgado (Virginio Valsang, in Finanzas Publicas).

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6.8 ALTERAÇÕES DO ORÇAMENTO DURANTE SUA EXECUÇÃO40

Aprovado por lei, o orçamento público não pode ser alterado senão por outra lei. No tocante à receita são incomuns as alterações orçamentárias. Elas se fazem presentes nos créditos orçamentários. Ocorrem com freqüência casos de dotações que se esgotam antes do término do exercício financeiro.

A insuficiência de dotações deve-se à falta de previsão adequada e mostra, sobretudo, ausência de planejamento. Era acontecimento comum e até considerado normal à época dos orçamentos tradicionais de receita e despesa.

O orçamento-programa, se elaborado com toda a técnica que sua filosofia sugere, não deveria sofrer durante o exercício financeiro qualquer alteração.

Há, sim, alterações estratégicas geradas por correção de desvios no planejamento global. Elas são aceitáveis, previstas e necessárias.

Não há que se criticar também as alterações destinadas a reajustamentos de custos de programas em razão de oscilações de preços que atingiram limites imprevisíveis à época da orçamentação dos custos. Mas para estes casos, o próprio orçamento pode dispor de uma reserva de contingência. Estas alterações são aceitáveis sempre que não alterem os programas, projetos e atividades perfeitamente definidos.

O que não se pode admitir, por exemplo, é reduzir a dotação “A” para suplementar a dotação “B”. Depois, reduzir a dotação “C” para suplementar a “A”. Mais tarde elimina-se um projeto para restabelecer a dotação “C”. E estas transposições de dotações prosseguem desregradamente pelo exercício inteiro. É um procedimento que demonstra claramente a total ausência de planejamento na elaboração do orçamento-programa.

O orçamento-programa está institucionalizado no Brasil. Mas as alterações orçamentárias ainda constituem matéria abundante nas publicações oficiais. Se a União, os Estados e os Municípios mais ricos, dotados de poderosa infra-estrutura de planejamento, engrossam os Diários Oficiais com alterações orçamentárias, não se pode condenar os Municípios de orçamentos modestos pela falta de planejamento.

Os orçamentos das prefeituras modestas possuem, por força da lei, as características extrínsecas de orçamento-programa. Mas seu conteúdo é fictício, nada está programado. A execução orçamentária desenvolve-se ao sabor das necessidades emergentes. Os orçamentos aparentam planejamento por força dos modelos oficiais padronizados, os quais as Prefeituras são obrigadas a preencher.

Na verdade, a execução orçamentária segue, ainda, nas pequenas Prefeituras, os mesmos procedimentos adotados antigamente na execução do orça mento ortodoxo. A prova desse fato está na fartura de suplementações e reduções desenfreadas de créditos orçamentários, desfigurando totalmente o orçamento original.

A Lei poderia bloquear esse procedimento impondo a proibição de suplementar uma dotação já reduzida. Isso obrigaria as prefeituras a calcularem melhor suas dotações e, principalmente, ter mais cuidado nas reduções.

Se um orçamento equilibrado — despesa igual à receita — teve sua receita estimada com o necessário cuidado, observando o princípio da sinceridade, procurando sempre adotar o critério de usar um pequeno índice de subestimação de cada fonte de receita, é óbvio que, pelo menos

40 O Decreto-lei n.° 1.875, de 15-07-81, introduziu o orçamento simplificado para os municípios com menos de 50.000 habitantes.

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teoricamente, ingressarão nos cofres públicos recursos suficientes para cumprir todas as aplicações programadas.

Qualquer suplementação de dotação aumentará a despesa sem um correspondente aumento de receita. Esse fato provoca desequilíbrio no orçamento, fazendo prever uma execução deficitária. É para evitar esse perigo que a Lei exige que as suplementações sejam compensadas por recursos adequados já descritos e comentados a seguir.

a. Superávit financeiro. Este recurso, se houver, constitui um dos mais legítimos recursos para amparar o aumento das despesas no orçamento em vigor. Superávit financeiro significa dinheiro em caixa, disponível, proveniente de receita realizada a maior que a despesa, em exercícios anteriores. O recurso é bom até o limite do superávit.

b. Os provenientes do excesso de arrecadação. Também são recursos legítimos se adotados honestamente. O excesso de arrecadação, já foi visto, é a diferença positiva entre a arrecadação prevista e a realizada. Calcula-se o excesso de arrecadação do exercício com base nos excessos apurados mês a mês. Obviamente, quanto maior o número de meses tomados por base, mais aproximado será o resultado final. Assim, somente se pode pensar em excesso de arrecadação, como recurso para suplementações, pelo menos teoricamente, a partir do segundo semestre. Em tese, não se pode aceitar como bom o cálculo de excesso de arrecadação do exercício, com base nos primeiros dois ou três meses do ano.

c. Os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias. O recurso é legítimo, mas não se pode compreender, pelo menos teoricamente, como o administrador pode anular parcialmente determinado programa em favor de outro. Se houve planejamento global, existe, certamente, uma escala de prioridades para os projetos e atividades.

d. Operações de créditos. Este é um recurso pernicioso pois aumenta a despesa correspondente à dotação suplementada e, ainda, aumenta a despesa da operação de crédito, além de endividar o patrimônio público. Somente se justifica a adoção deste recurso em aplicações que proporcionem retorno de capital ou se se tratar de casos urgentes e inadiáveis e que possam resultar sérios prejuízos à população ou ao patrimônio público; há também que considerar o caso de calamidade pública. Nesta última hipótese nem há que se cogitar sobre vantagens ou desvantagens.

Por outro lado é de se lembrar que as operações de créditos poderão ser realizadas aos poucos, à medida que os recursos financeiros se fizerem realmente necessários. Esse procedimento é salutar para minimizar os efeitos perniciosos dos custos das operações de créditos, principalmente quando as aplicações não prevêem retorno de capital.

6.9 PREVISÃO E RESULTADO ORÇAMENTÁRIOS

Os Orçamentos, visto não terem necessariamente suas Receitas iguais às suas Despesas correspondentes, podem se apresentar nas seguintes condições:

1. Equilibrado;

2. Deficitário; e

3. Superavitário

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Considera-se equilibrado o orçamento em que o total da receita prevista coincide com o total da despesa fixada; deficitário, o orçamento em que a receita orçada é inferior à despesa autorizada; e orçamento superavitário aquele em que a receita estimada supera o total da despesa.

Assim, segundo a natureza da diferença entre as somas da receita e da despesa, ou inexistindo diferença, diz-se que há um déficit previsto, um superávit previsto, ou um orçamento equilibrado. Trata-se de uma situação prevista na ocasião em que a lei orçamentária é sancionada.

Entretanto, no final do exercício, o resultado financeiro alcançado, após a execução orçamentária, poderá coincidir ou não com a previsão da peça orçamentária original. No quadro seguinte mostramos as possibilidades de resultados finais, após a execução orçamentária, partindo da previsão inicial. O quadro VIII sintetiza tudo o que foi dito

Quadro VIII - Previsão e resultado orçamentários

PREVISÃO INICIAL PROGNÓSTICOS

PROGNÓSTICOSa) Equilíbriob) Superávitc) Déficit

SUPERÁVIT PREVISTO

a) Superávit maior que o previstob) Superávit igual ao previstoc) Superávit menor que o previstod) Equilíbrioe) Déficit

DÉFICIT PREVISTO

a) Déficit maior que o previstob) Déficit igual ao previstoc) Déficit menor que o previstod) Equilíbrioe) Superávit

Os fatores que modificam a situação prevista, responsáveis, portanto pelos resultados finais diferentes, podem ser classificados em dois grupos:

1. Fatores negativos; e

2. Fatores positivos.

Como fatores negativos arrolados: queda da arrecadação, ausência de economia orçamentária, abertura de créditos adicionais com recursos provenientes de operações de crédito.

Como fatores positivos: excesso de arrecadação, economia e ausência de créditos adicionais sustentados por operações de créditos.

Assim, a soma algébrica do resultado previsto no início do exercício, com os fatores positivos e negativos, será igual ao resultado financeiro do exercício.

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CAPÍTULO X − FISCALIZAÇÃO E CONTROLE

1. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

A Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar n º 101/2000, visa a regulamentar a Constituição Federal, na parte da tributação e do orçamento que estabelece as normas gerais de finanças públicas a serem observadas pelos três níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal.

Em particular, a LRF vem atender o que prescreve o artigo 163 da CF de 1988, cuja redação é a seguinte:

“Lei complementar disporá sobre:

I - finanças públicas;

II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo poder público;

III - concessão de garantias pelas entidades públicas;

IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública;

V - fiscalização das instituições financeiras;

VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

VII- compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional.”

A LRF não substitui nem revoga a Lei nº 4.320/64, que normatiza as finanças públicas no país, atendendo também ao artigo 169 da CF, que determina o estabelecimento de limites para as despesas com pessoal ativo e inativo da União a partir de Lei Complementar.

A LRF atende ainda à prescrição do artigo 165 da Constituição, mais precisamente, o inciso II do parágrafo 9º. De acordo com este dispositivo:

“...Cabe à Lei Complementar estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de Fundos”.

Finalmente, a partir do seu artigo 68, a LRF vem atender à prescrição do artigo 250 da Constituição de 1988 que assim determina:

“Com o objetivo de assegurar recursos para o pagamento dos benefícios concedidos pelo regime geral de previdência social, em adição aos recursos de sua arrecadação, a União poderá constituir fundo integrado por bens, direitos e ativos de qualquer natureza, mediante lei, que disporá sobre a natureza e administração desse fundo.”

1.1 ORIGENS E EXPERIÊNCIAS ANTERIORES

No que diz respeito a experiências de outros países, a LRF incorpora alguns princípios e normas, conforme analisaremos a seguir. Os modelos que foram tomados como referencial para a elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal são:

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a. O Fundo Monetário Internacional, organismo do qual o Brasil é Estado-membro, e que tem editado e difundido algumas normas de gestão pública em diversos países;

b. A Nova Zelândia, através do Fiscal Responsibility Act, de 1994;

c. A Comunidade Econômica Européia, a partir do Tratado de Maastricht; e,

d. Os Estados Unidos, cujas normas de disciplina e controle de gastos do governo central levaram à edição do Budget Enforcement Act, aliado ao princípio de “accountability”.

Estes exemplos, embora tomados como referência para a elaboração da versão brasileira da Lei de Responsabilidade Fiscal, não foram os únicos parâmetros utilizados, já que não existe um manual ótimo de finanças públicas que possa ser utilizado indiferentemente por qualquer nação.

1.2 OBJETIVOS DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

O principal objetivo da Lei de Responsabilidade Fiscal consiste em estabelecer “normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”, estabelecendo os seguintes postulados:

a. Ação planejada e transparente;

b. Prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas; e

c. Garantia de equilíbrio nas contas, via cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, com limites e condições para a renúncia de receita e a geração de despesas com pessoal, seguridade, dívida, operações de crédito, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar;

Ação planejada

Ação planejada nada mais é do que aquela baseada em planos previamente traçados, sujeitos à apreciação e aprovação da instância legislativa, garantindo-lhes a necessária legitimidade, característica do regime democrático de governo.

Os instrumentos preconizados pela LRF para o planejamento do gasto público são os mesmos já adotados na Constituição Federal: o Plano Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária Anual - LOA.

O que a LRF busca é apenas, é a vinculação entre as atividades de planejamento e de execução do gasto público.

Por sua vez, a transparência será alcançada através do conhecimento e da participação da sociedade, assim como na ampla publicidade que deve cercar todos os atos e fatos ligados à arrecadação de receitas e à realização de despesas pelo poder público.

Para esse fim diversos mecanismos estão sendo instituídos pela LRF, dentre eles:

a. A participação popular na discussão e elaboração dos planos e orçamentos já referidos (artigo 48, parágrafo único);

b. A disponibilidade das contas dos administradores, durante todo o exercício, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade;

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c. A emissão de relatórios periódicos de gestão fiscal e de execução orçamentária, igualmente de acesso público e ampla divulgação.

A prevenção de riscos

A prevenção de riscos, da mesma forma que a correção de desvios, deve estar presente em todo processo de planejamento confiável. Em primeiro lugar, a LRF preconiza a adoção de mecanismos para neutralizar o impacto de situações contingentes, tais como ações judiciais e outros eventos não corriqueiros.

Correções de desvios

Já as correções de desvios requerem a adoção de providências com vistas à eliminação dos fatores que lhes tenham dado causa.

Em termos práticos, se a despesa de pessoal em determinado período exceder os limites previstos na lei, medidas serão tomadas para que esse item de gasto volte a situar-se nos respectivos parâmetros, através da extinção de gratificações e cargos comissionados, além da demissão de servidores públicos, nos termos já previstos na Constituição Federal.

1.3 EQUILÍBRIO DAS CONTAS PÚBLICAS

Diferente do equilíbrio orçamentário, este já previsto na Lei 4.320/64, a Lei de Responsabilidade Fiscal traz uma nova noção de equilíbrio para as contas públicas: aquele que prescinde de operações de crédito e, portanto, sem aumento da dívida pública.

A Lei Complementar n° 101 de 2000 - LRF, não revoga a Lei nº 4.320/64, os objetivos das duas normas são distintos: enquanto a Lei nº 4320/64 estabelece as normas gerais para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços, a LRF estabelece normas de finanças públicas voltadas para a gestão fiscal.

Por outro lado, a Constituição Federal deu à Lei nº 4.320/64 o status de Lei Complementar. Mas, existindo algum dispositivo conflitante entre as duas normas jurídicas, prevalece a vontade da Lei mais recente.

Finalmente, a LRF atribui à contabilidade pública novas funções no controle orçamentário e financeiro, garantindo-lhe um caráter mais gerencial. Com a LRF, as informações contábeis passarão a interessar não apenas à administração pública e aos seus gestores. A sociedade passa a tornar-se participante do processo de acompanhamento e fiscalização das contas públicas, mediante os instrumentos que a LRF incorpora para esta finalidade.

1.3.1 Receita Corrente Líquida - RCL

O conceito mais importante na operacionalização da LRF é o que diz respeito ao atendimento dos limites legais: a Receita Corrente Líquida - RCL.

De acordo com os dispositivos legais anteriores, o total das despesas com pessoal não poderia ultrapassar o percentual de 60% da RCL.

A definição de despesa total com pessoal, no primeiro caso, correspondia às despesas totais com pessoal ativo e inativo da administração direta e indireta, inclusive fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, pagas com receitas correntes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Lei Complementar nº 96/99 ampliou o conceito de despesas com pessoal, além de especificar os itens que deveriam compor o montante desses gastos (adicionais, gratificações, horas extras, etc.). Além disso, essa norma retirava do cômputo das despesas com pessoal os gastos

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relativos às demissões incentivadas (PDV’s). Havia o cuidado também no sentido de evitar a dupla contagem das receitas correntes, o que representa um desvio em relação à real participação da folha de pessoal nas receitas públicas.

Analisando com cuidado a definição de RCL, de acordo com a LRF, observou-se que o legislador público continuou preocupado em identificar aquelas receitas disponíveis à União, aos Estados e Municípios para a realização de despesas com pessoal, gastos com serviços de terceiros, pagamento de dívidas, etc.

Para tanto, a partir da Receita Corrente total, chega-se à RCL estadual, por exemplo, extraindo-se as transferências constitucionais41, a contribuição de servidores para o custeio de sistema de previdência e assistência, as compensações referentes à Lei nº 9.796/99, (a chamada “Lei Hauly”)42. Além disso, serão computados, no cálculo da RCL dos Estados, os valores pagos e recebidos em função da Lei Complementar nº 87 (Lei Kandir), assim como os valores pagos e recebidos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF.

Neste caso, valores pagos e recebidos devem ser entendidos como saldos da Lei Kandir e saldos do FUNDEF. Desta forma, se o saldo for negativo (valores pagos superiores aos valores recebidos), este resultado diminuirá o valor final da RCL. No caso dos Municípios, a RCL corresponde à Receita Corrente total, subtraídas as contribuições ao regime próprio de previdência e assistência social (quando houver), além das compensações relativas à Lei Hauly. Observe-se que, como os Municípios não realizam transferências constitucionais a outros entes, sua RCL poderá corresponder simplesmente à sua Receita Corrente total43.

A receita corrente líquida será apurada somando-se as receitas arrecadadas no mês em referência e nos onze anteriores, excluídas as duplicidades. Isto significa que a verificação da RCL deve ser para o período de um ano, não necessariamente o ano civil, e a sua apuração começará no mesmo mês em que se estiver calculando a RCL.

O quadro IX a seguir apresenta uma forma simplificada para o cálculo da RCL, apresentada no Balanço Geral do Estado da Bahia para 2000.

Quadro IX - Exemplo de Cálculo da Receita Corrente Líquida Estadual

DISCRIMINAÇÃO VALORES EM R$

1. Receita Corrente 6.837.768.455

(+) Receita Corrente da Adm. Direta 6.010.634.199

(+) Receita Corrente da Adm. Indireta (fontes 40 e 90) 827.134.256

2. Deduções 1.345.285.980

(-) Transferências Constitucionais aos Municípios 1.007.990.865

(-) Contribuições a fundo – FUNPREV (art. 2º,Inv. IV, "c") 124.775.120

(-) Compensação Financeira (§ 9º, art. 201,CF) 2.494.768

(-) Perdas para o FUNDEF (saldo negativo) 210.025.227

3. Receita Corrente Líquida - RCL (1 - 2) 5.492.482.475

41 No caso, 25% do ICMS, 50% do IPVA e 25% do IPI exportação.42 Compensação financeira da União aos Estados e Municípios pela contribuição que os servidores fizeram ao INSS43 Isto quando não houver compensações da Lei Hauly ou outras receitas previdenciárias, utilizadas no pagamento de aposentadorias e pensões.

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Existe ainda, uma importante especificidade em relação ao cálculo da RCL, no que diz respeito ao seu período de apuração. Como visto anteriormente, a verificação da RCL deve ser para o período de um ano, mas não necessariamente o ano civil.

1.3.2 Planejamento

A Constituição de 1988, no tocante ao planejamento na administração pública, teve a clara preocupação de institucionalizar a integração entre os processos de planejamento e orçamento 44, ao tornar compulsória a elaboração dos três instrumentos básicos para esse fim, quais sejam: o Plano Plurianual - PPA, o Orçamento Anual, e a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO.

A LRF procura aperfeiçoar a sistemática traçada pela norma constitucional, atribuindo novas e importantes funções ao Orçamento e à LDO.

No que concerne ao PPA é a sua condição como documento de mais alta hierarquia no sistema de planejamento de qualquer ente público, razão pela qual todos os demais planos e programas devem subordinar-se às diretrizes, objetivos e metas nele estabelecidos.

2. LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS – LDO NA LRF

A LDO, na sua concepção original, tinha como função básica orientar a elaboração dos orçamentos anuais, além de estabelecer as prioridades e metas da administração, no exercício financeiro subseqüente. Nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, a LDO recebe novas e importantes funções, sendo as mais importantes:

a. Dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas;

b. Estabelecer critérios e formas de limitação de empenho, na ocorrência de arrecadação da receita inferior ao esperado, de modo a comprometer as metas de resultado primário e nominal previstas para o exercício;

c. Dispor sobre o controle de custos e avaliação dos resultados dos programas financiados pelo orçamento;

d. Disciplinar as transferências de recursos a entidades públicas e privadas;

e. Quantificar o resultado primário a ser obtido com vistas à redução do montante da dívida e das despesas com juros;

f. Estabelecer limitações à expansão de despesas obrigatórias de caráter continuado.

De acordo com a doutrina, a LDO deverá estabelecer os parâmetros necessários à alocação dos recursos no orçamento anual, de forma a garantir a realização das metas e objetivos contemplados no PPA.

2.1 ANEXO DE METAS FISCAIS DA LDO

A Lei de Responsabilidade Fiscal veio fortalecer a LDO, especialmente a partir do Anexo de Metas Fiscais, onde serão estabelecidas metas anuais em valores correntes e constantes para um período de três anos. Essas metas correspondem às previsões para receitas e despesas, resultado nominal e resultado primário, além do montante da dívida pública para três anos, isto é, o exercício a que se referir a LDO e os dois seguintes.

44 Art. 165, Caput, e § 1º ao 8º

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Portanto, além do estabelecimento de Metas Fiscais relativas às receitas, despesas, resultados primário e nominal, montante da dívida pública, o Anexo de Metas Fiscais deverá:

a. avaliar o cumprimento das metas do exercício anterior;

b. comparar as metas anuais com as fixadas nos três exercícios anteriores (consistência com as premissas e objetivos da política econômica nacional);

c. Demonstrar a evolução do patrimônio líquido, nos últimos três exercícios (venda de ativos: demonstrar origem e aplicação dos recursos);

d. Avaliar a situação financeira e atuarial dos regimes de previdência, fundos e programas de natureza atuarial; e

e. Demonstrativo da estimativa e da compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias

Tendo em vista o cumprimento das metas contidas no Anexo de Metas Fiscais, o artigo 9º determina que o acompanhamento do desempenho das receitas ocorra a cada bimestre.

2.2 ANEXO DE RISCOS FISCAIS DA LDO

O Anexo de Riscos Fiscais, outra inovação da LRF, a constar da LDO, destaca aqueles fatos que poderão impactar nos resultados fiscais estabelecidos para o exercício. Um bom exemplo disso são as sentenças judiciais, que podem a qualquer momento gerar uma despesa inesperada, se não houver uma reserva para este tipo de contingência. O reconhecimento de uma despesa potencial corresponderá a um novo elemento a ser avaliado nas metas propostas no Anexo de Metas Fiscais.

3. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL – LOA NA LRF

Da mesma forma que na LDO, várias alterações estão sendo introduzidas, pela LRF, na sistemática de elaboração do orçamento anual. Dentre as principais, destacam-se:

I. O demonstrativo da compatibilidade da programação do orçamento com as metas da LDO previstas no respectivo Anexo de Metas Fiscais.

II. A previsão da reserva de contingência, em percentual da RCL, destinada ao pagamento de restos a pagar e passivos contingentes, além de outros imprevistos fiscais;

III. A LOA deverá apresentar as despesas relativas à dívida pública, mobiliária ou contratual e respectivas receitas, sendo o refinanciamento da dívida (e suas receitas) demonstrado de forma separada, tanto na LOA como nas leis de créditos adicionais.

A Lei Orçamentária Anual, prevista no artigo 165, parágrafo 5º da Constituição Federal, constitui o mais importante instrumento de gerenciamento orçamentário e financeiro da Administração Pública, cuja principal finalidade é administrar o equilíbrio entre receitas e despesas públicas. Conforme o artigo 35 do ADCT, o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado ao Legislativo até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro (final de agosto) e devolvido para a sanção até o encerramento da sessão legislativa (até meados de dezembro). Estes prazos, em geral, também são observados pelos Estados e Municípios.

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De acordo com o artigo 5º da LRF, a LOA demonstrará que está compatível e adequada ao Anexo de Metas Fiscais, analisado na sessão anterior, tendo ainda, por acompanhamento, o demonstrativo de efeitos sobre as receitas e as despesas decorrentes de anistias, isenções, subsídios, etc. Neste caso, a LOA, sendo orientada pela LDO, deve manter os objetivos definidos nesta. É o que se observa, ainda, na reserva de contingência, que a LDO deverá prever para o atendimento às despesas previstas no Anexo de Riscos Fiscais.

A dívida pública terá um tratamento especial na LOA, de acordo com o artigo 5º. O serviço da dívida (encargos mais amortizações), previsto contratualmente, e as receitas para esse fim devem estar destacadas na Lei.

3.1 EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E CUMPRIMENTO DE METAS

A LRF dispõe que: “Até trinta dias após a publicação dos orçamentos o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso.”

Por sua vez, o parágrafo único deste artigo 8º determina a vinculação de recursos à finalidade específica e em caráter exclusivo, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

O cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre (elencadas no Anexo de Metas Fiscais) passa a ser demonstrado, pelo Chefe do Executivo, em audiência pública perante a Comissão de Orçamento da Câmara de Vereadores, Assembléias Legislativas e, no caso da União, na Comissão Mista do Congresso Nacional, até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro.

Finalmente, na execução da LOA, os pagamentos de sentenças judiciais deverão identificar os respectivos beneficiados, de forma a evidenciar a ordem cronológica da sua ocorrência.

4. RECEITA PÚBLICA NA LRF

A Carta Magna aumentou significativamente a participação dos Estados e dos Municípios na repartição do “bolo fiscal”, em detrimento da União. Isso ocorreu em virtude do aumento das transferências de recursos através dos fundos de participação (FPE e FPM). Além disso, não foram repassados aos governos estaduais e municipais as obrigações e os encargos pertinentes, na proporção do incremento das transferências.

Este fato não trazia estímulo para a arrecadação de impostos que, em alguns casos, representavam percentual pouco significativo das receitas correntes totais.

Portanto, a LRF visa a resgatar a importância das receitas próprias na realização de projetos e manutenção da máquina pública, em nível local. Estados e Municípios possuem legislação tributária própria e devem explorar com eficiência o seu potencial de arrecadação, desvinculando-se cada vez mais da dependência do Governo Federal.

A determinação para a cobrança de tributos deve ser vista como um estímulo ao administrador para o desenvolvimento do sistema tributário próprio. Na verdade, nos termos da LRF e, nos termos da Lei 10.028 (Lei de Crimes Fiscais), cobrar imposto, mais do que um direito da administração pública, passa a ser uma obrigação.

4.1 PREVISÃO E ARRECADAÇÃO DA RECEITA

A instituição, previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos é ressaltada pelo texto da LRF como requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal. O descumprimento dessa

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norma terá como conseqüência a imediata suspensão das transferências voluntárias ao ente público que se mostrar negligente nessa questão.

Para a sua previsão, além de observar as normas técnicas e legais e a respectiva metodologia de cálculo, as estimativas da receita devem estar acompanhadas de demonstrativo da sua evolução, nos três anos anteriores e nos dois seguintes àquele a que se referirem. Permanece também o mandamento constitucional que somente admite reestimativa de receita, pelo Poder Legislativo, nos casos de erro ou omissão, de ordem técnica ou legal.

A LRF prevê, ainda, que o Poder Executivo deverá informar aos demais Poderes e ao Ministério Público os estudos e as estimativas das receitas, pelo menos trinta dias antes de esgotar-se o prazo de envio das respectivas propostas orçamentárias.

A LRF determina que o Poder Executivo deverá, até trinta dias após a publicação do orçamento anual, efetuar o desdobramento das receitas em metas bimestrais de arrecadação, informando quais medidas serão adotadas para o combate a sonegação, a cobrança da dívida ativa e os créditos executáveis pela via administrativa. Ressalte-se a importância dessa medida, uma vez que tais metas bimestrais de receita servirão de parâmetro para a limitação de empenho e movimentação financeira.

4.2 RENÚNCIA DE RECEITA

Conceito: deixar de cobrar ou reduzir a carga tributária, seja por via direta ou indireta.

Exemplos :

Anistia: é a dispensa de pagamento de multa (e juros de mora);

Remissão: perdão do pagamento do principal e da sanção;

Crédito presumido: compensação por tributo não pago em virtude de incentivo;

Isenção em caráter não geral: é uma forma de exclusão do crédito tributário;

Subsídio: redução de carga tributária para certas atividades ou mesmo pagamento em espécie para fortalecer a atividade; e

Benefício financeiro: operação financeira custeada pelo Estado ao contribuinte, no valor equivalente ao imposto.

A concessão indiscriminada dos chamados “incentivos fiscais” é prática danosa às finanças de qualquer ente público, e deve estar sujeita a regras disciplinadoras. A partir da vigência da LRF, tais iniciativas deverão atender, não só ao que dispuser a LDO, mas ainda aos seguintes requisitos:

Estimar o impacto orçamentário financeiro no exercício inicial de sua vigência e nos dois seguintes;

Demonstrar que a renúncia delas decorrente foi considerada ao se estimar a receita do orçamento e que não afetará as metas de resultados fiscais previstas na LDO;

Prever medidas de compensação nos três exercícios já referidos, podendo ser através de: elevação de alíquota, ampliação da base de cálculo ou novos tributos ou contribuições, sendo que nos dois últimos casos o benefício só entrará em vigor após a ocorrência do aumento da receita. Estas medidas deverão observar ainda, o princípio da anterioridade, nos termos do Código Tributário Nacional.

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Estão isentos das restrições anteriormente menciondas apenas os cancelamentos de débitos em valor inferior aos seus custos de cobrança.

5. DESPESA PÚBLICA NA LRF

A regra básica da LRF é que para todo e qualquer aumento de despesa pode ser assim traduzida: toda e qualquer despesa que não esteja acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos três primeiros exercícios de sua vigência, da sua adequação orçamentária e financeira com a LOA, o PPA e a LDO e, no caso de despesa obrigatória de caráter continuado, de suas medidas compensatórias45, é considerada: não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público.

Essa norma, de acordo com o artigo 16 da LRF, é condição prévia, não só para a aquisição de bens, serviços e obras, como também para a desapropriação de imóveis urbanos, que, de acordo com a Constituição, deverá ser paga em dinheiro.

A novidade aqui está no conceito de despesa obrigatória de caráter continuado que nos termos do art. 17, é a despesa corrente:

derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo;

geradora de obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

Algumas ações governamentais objetivas poderão esclarecer um pouco mais este conceito:

em nível municipal, por exemplo, o pagamento de “bolsa-escola” para famílias carentes que comprovem a freqüência dos filhos em idade escolar na rede pública de ensino;

projeto para criação de Territórios Federais na Região Amazônica, aprovado no Plenário do Senado Federal em 2000.

Como se vê, as despesas geradas a partir dessas ações, atendem aos requisitos propostos: gerarão despesas correntes, derivadas de lei e execução por período superior a dois exercícios financeiros.

Diante do que estabelece a nova lei, para a questão do aumento nas despesas, duas alternativas são dadas, ambas de grande ônus político: aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa. Some-se ainda a restrição do art. 17 que, sem deixar margem para criatividade, define o aumento permanente de receita como o “proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.” De nada valerão, pelo menos para esse fim, iniciativas do tipo “combate à sonegação”, “bolão fiscal” e outras medidas do gênero. E, para que não haja a menor chance de alguma brecha ou artifício legal, a lei equipara a aumento de despesa a prorrogação daquela já criada por prazo determinado.

Não é de estranhar, portanto, que este seja um dos pontos que mais tem suscitado críticas por parte dos governantes nos diversos níveis da Federação, diante das barreiras que são impostas a aumentos de despesa, sem a correspondente fonte de recursos. No entanto, o princípio que embasa tal conduta não é outro que o de “gastar apenas o que se arrecada”.

5.1 DESPESAS COM PESSOAL

Os gastos com a folha de pagamento de pessoal representam o principal item de despesas

45 Aumento permanente de receita e/ou redução permanente de despesa.

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de todo o setor público brasileiro. Entre 1996 e 2000, o conjunto dos Estados brasileiros gastou, em média, 67% de suas receitas líquidas (receitas disponíveis) com pagamento de pessoal.

Isto significa que restam 30% para a realização dos serviços públicos básicos, como educação, saneamento, saúde e segurança, sem considerar a manutenção de estradas e vias urbanas, a preservação do patrimônio público etc. Além disso, o crescimento populacional demanda um programa de investimentos crescentes por parte dos governos.

A definição desses limites busca simplesmente permitir que o administrador público cumpra o papel que a sociedade lhe atribuiu: proporcionar bem-estar à população, a partir dos recursos que lhe são entregues na forma de impostos.

Certamente que o aumento da participação da folha de pagamento nas receitas de Estados e Municípios deveu-se, como já foi visto, à estabilidade econômica e à queda nos índices inflacionários. Além disso, a despesa com pessoal apresenta um componente vegetativo importante, responsável pelo crescimento deste tipo de despesa de forma continuada.

Por conseguinte, a limitação dos gastos com pessoal em percentual da RCL está de acordo com o princípio de equilíbrio da Lei Fiscal, segundo o qual as despesas devem observar preferencialmente o montante das receitas próprias arrecadadas.

Limites com pessoal

De acordo com a LRF, entende-se como despesas de pessoal:

1. Somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos;

2. Despesas com inativos e pensionistas;

3. Mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias;

4. Vencimentos e vantagens, fixas e variáveis;

5. Subsídios, proventos de aposentadoria;

6. Reformas e pensões;

7. Adicionais de qualquer natureza;

8. Gratificações, horas extras e vantagens pessoais;

9. Encargos sociais; e

10. Contribuições recolhidas pelo Ente às entidades de previdência.

A apuração dos gastos com pessoal será feita com base em um período de 12 meses. Neste caso, os limites a serem apresentados no Relatório de Gestão Fiscal (RGF) do primeiro e do segundo quadrimestre somarão despesas com pessoal relativas a dois exercícios financeiros, já que a contagem retroage 11 meses. Somente o RGF referente ao último quadrimestre do ano apresentará as despesas de pessoal verificadas na unicidade do exercício financeiro.

A LRF determina dois limites distintos para os gastos com pessoal no setor público:

50% da RCL para a União; e

60% da RCL para Estados e Municípios.

Cabe ressaltar que, após a publicação da LRF, fica revogada qualquer outra legislação que verse sobre estes limites.

Na esfera federal, o limite será de 50% da RCL, assim dividido:

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40,9% para o Executivo;

6% para o Judiciário;

2,5% para o Legislativo; e

0,6% para o Ministério Público.

Na esfera estadual, o limite de 60% será repartido da seguinte forma:

49% para o Executivo.

6% para o Judiciário;

3% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Estado; e

2% para o Ministério Público.

Na esfera municipal, o limite de 60% será assim repartido:

54% para o Executivo; e

6% para o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Município, quando houver.

Nos Poderes Legislativo e Judiciário, os limites serão repartidos entre os seus diversos órgãos, na proporção das despesas que vinham sendo realizadas em exercícios anteriores.

Um exemplo: supondo que nos três exercícios financeiros anteriores à publicação da LRF (1997, 1998 e 1999), dentro do Poder Judiciário, a média das despesas com pessoal tenha sido dividida entre o órgão A e o órgão B na proporção de 40% e 60%, respectivamente. A partir de maio de 2000, com a limitação dos gastos com pessoal sendo igual a 6% da RCL para o Poder Judiciário, isto significa que o órgão A terá um limite de 2,4% da RCL para as despesas com pessoal, enquanto que, para o órgão B, este limite será igual a 3,6%.

Nos estados onde houver Tribunal de Contas dos Municípios, o limite para os gastos com pessoal do Legislativo será igual a 3,4% da RCL, enquanto que o Executivo perderá este percentual a maior do seu limite (0,4%), que passará então para 48,6% da RCL.

Finalmente, resta relacionar aquelas despesas que não serão computadas para o atendimento dos limites definidos nesta seção:

As despesas com indenização por demissão de servidores ou empregados;

As despesas relativas ao incentivo à demissão voluntária, o chamado PDV.

Não faria sentido decisão diferente, já que, por ocasião do afastamento, o servidor recebe valores superiores àqueles que receberia se continuasse na ativa. Em outras palavras, o PDV, em geral utilizado pontualmente e dirigido ao conjunto dos servidores, aumentará a despesa com pessoal no mês em que estiver sendo executado. Sua contagem no limite de pessoal desestimularia programas dessa natureza;

As despesas com pessoal verificadas em decorrência de convocação extraordinária do Congresso Nacional;

As despesas decorrentes de decisão judicial (em geral classificadas na rubrica "Sentenças Judiciais"), e da competência de período anterior ao da apuração das despesas com pessoal (somando-se o mês de referência com os onze

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meses anteriores), de acordo com o § 2° do artigo 18;

As despesas com pessoal do Estado do Amapá, Roraima e do Distrito Federal, custeadas pela União. Parece lógico que, se estas despesas não são pagas com as receitas destes Estados, não há porque serem somadas aos limites (60%);

As despesas com inativos custeadas com recursos de fundos próprios.

Atente-se para o fato de que as receitas originárias das contribuições a fundos não compõem o cálculo da RCL, o que torna nula esta operação do ponto de vista contábil.

5.2 DESPESAS COM A SEGURIDADE SOCIAL

Embora este assunto tenha merecido apenas um breve artigo, nem por isso a LRF é menos severa em relação aos aumentos de gastos com a seguridade social.

De modo idêntico aos demais aumentos de despesa, a criação, majoração ou extensão de qualquer benefício que integre a seguridade social requer, além da indicação de sua fonte de custeio total, o cumprimento do art. 17, que versa sobre a despesa obrigatória de caráter continuado. Apenas para relembrar, aquele dispositivo obriga à demonstração da origem dos recursos que custearão qualquer aumento na despesa, assim como à comprovação de que não serão afetadas as metas de resultados fiscais previstas na LDO, a partir de mecanismos de compensação.

5.3 TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS

Neste item a LRF estabelece as condições para a realização das transferências voluntárias de recursos entre os entes da Federação, mais ou menos na linha de procedimento que já era adotada pelo governo federal ao longo da última década. As transferências voluntárias compreendem a entrega de recursos correntes e de capital, de um ente para outro, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, com exceção daqueles que decorram de determinação constitucional, legal ou dos destinados ao SUS.

Dentre as exigências legais para a realização de transferências voluntárias, destacam-se:

Cumprimento das disposições da LDO sobre a matéria;

Existência de dotação específica na lei orçamentária;

Não serem destinadas a pagamento de pessoal ativo, inativo e pensionistas dos Estados, DF e Municípios;

O beneficiário deverá comprovar, previamente ao recebimento dos recursos, que se acha em dia com o pagamento de tributos, empréstimos e financiamentos devidos ao ente transferidor, que inexistem pendências quanto à prestação de contas de recursos já recebidos, que obedece aos limites constitucionais para gastos com educação e saúde, além daqueles relativos à dívida, despesas com pessoal e restos a pagar;

Existência de contrapartida no orçamento do ente beneficiário.

Como regra geral, os recursos recebidos não poderão ser utilizados em finalidade diversa daquela que for pactuada no instrumento utilizado para formalizar a transferência.

Cumpre ressaltar que aquelas transferências voluntárias constantes do artigo 25 (exceções no caso de suspensão - educação, saúde e assistência social) correspondem a dois terços do total de transferências voluntárias repassadas anualmente.

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6. DESTINAÇÃO DE RECURSOS PARA O SETOR PRIVADO NA LRF

A LRF estabelece a regra básica para toda e qualquer destinação de recursos públicos ao setor privado: a sua autorização por lei específica. E, como requisitos adicionais, é exigida a observância das disposições da LDO, além da sua previsão na lei orçamentária ou em crédito adicional.

Equiparam-se a transferências e sujeitam-se às mesmas normas as concessões de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, prorrogação e composição de dívidas, concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.

Sempre que o ente beneficiário de uma operação de crédito não estiver sob controle direto do ente transferidor dos recursos, os encargos financeiros da operação, as comissões e outras despesas não poderão ser inferiores ao que dispuser a lei ou ao seu custo de captação.

Por sua vez, a LRF proíbe taxativamente o socorro às instituições do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Tal proibição tem como objetivo primordial evitar, de uma vez por todas, a repetição de programas nos moldes do PROER, feito para socorrer instituições integrantes do SFN. Para tanto, o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo já antevê a solução para eventuais situações de insolvência, mediante a criação de fundos e outras formas legais que dêem cobertura a essas instituições.

7. DÍVIDA E ENDIVIDAMENTO PÚBLICO NA LRF

A dívida líquida do setor público brasileiro cresceu significativamente entre os anos de 1994 e 2000. E este endividamento desproporcional e crescente arquitetou-se a partir do aumento nas despesas públicas, sem a contrapartida do incremento das receitas próprias, principalmente nos Estados e Municípios.

Por definição, existem dois mecanismos fundamentais utilizados para a cobertura do déficit público: os recursos próprios, que provém nas receitas de impostos e transferências; e os recursos de terceiros, que significam endividar-se.

A dívida consolidada do Governo Federal em dezembro de 2000 atingiu o montante de R$ 830 bilhões (cerca de 78% do PIB calculado para o período). Deste total, R$ 555 bilhões correspondiam à Dívida Mobiliária do Tesouro Nacional.

7.1 A LRF E A DÍVIDA PÚBLICA

A Resolução do Senado Federal n° 43, de 21/12/2001, define os termos relacionados à dívida pública consolidada, dívida pública mobiliária, operações de crédito e empresa estatal dependente.

Considera-se dívida pública consolidada o montante total apurado, sem duplicidade:

Das obrigações financeiras do ente da Federação, inclusive as decorrentes de emissão de títulos, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados;

Das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude da realização de operações de crédito para amortização em prazo superior a doze meses ou que, embora de prazo inferior a doze meses, tenham constado como receitas no orçamento;

Dos precatórios judiciais emitidos a partir de cinco de maio de 2000

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e não pagos durante a execução do orçamento em que tenham sido incluídos;

Pelo disposto no parágrafo primeiro do art. 29 da LRF, a assunção, o reconhecimento e a confissão de dívidas pelo ente público são equiparados às operações de crédito, devendo, ainda, observar os termos dos arts. 15 e 16, que condicionam os aumentos de despesa à:

Estimativa de impacto orçamentário-financeiro nos três primeiros exercícios de sua vigência;

Adequação orçamentária e financeira com o PPA, a LDO e a LOA.

Além disso, a dívida pública consolidada não inclui as obrigações entre cada ente público e seus respectivos fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes ou entre estes. Já a dívida pública mobiliária é representada por títulos emitidos pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Operações de crédito correspondem a compromissos assumidos com credores situados no país ou no exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros

Equiparam-se a operações de crédito o recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da legislação, a assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de títulos de crédito e a assunção de obrigação, sem autorização orçamentária, com fornecedores para pagamento a posteriori de bens e serviços

Quanto à dívida consolidada líquida, corresponde à dívida pública consolidada deduzidas as disponibilidades de caixa, as aplicações financeiras e os demais haveres financeiros, considerando-se ainda as obrigações a pagar que deverão ser deduzidas das disponibilidades financeiras.

Empresa estatal dependente, de acordo com a Resolução n° 43/01, é empresa controlada pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo Município que tenha, no exercício anterior, recebido recursos financeiros de seu controlador, destinados ao pagamento de despesas com pessoal, de custeio em geral ou de capital, excluídos, neste último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária, e tenha, no exercício corrente, autorização orçamentária para recebimento de recursos financeiros com idêntica finalidade.

7.2 LIMITES DE ENDIVIDAMENTO DE ACORDO COM A LRF

Diz o artigo 30 da Lei de responsabilidade Fiscal:

Art. 30. No prazo de noventa dias após a publicação desta Lei Complementar, o Presidente da República submeterá ao:

I - Senado Federal: proposta de limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios, cumprindo o que estabelece o inciso VI do art. 52 da Constituição, bem como de limites e condições relativos aos incisos VII, VIII e IX do mesmo artigo;

II - Congresso Nacional: projeto de lei que estabeleça limites para o montante da dívida mobiliária federal a que se refere o inciso XIV do art. 48 da Constituição, acompanhado da demonstração de sua adequação aos limites fixados para a dívida consolidada da União, atendido o disposto no inciso I do § 1 ° deste artigo.

O Senado Federal editou em dezembro de 2001 as Resoluções nOS 40 e 43 versando sobre

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limites globais para o montante da dívida pública consolidada e da dívida pública mobiliária do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e sobre limites e condições para contratação de operações de crédito e concessão de garantias, respectivamente.

Síntese da Resolução n° 40 do Senado Federal:

1. a dívida consolidada líquida dos Estados e do Distrito Federal terá por limite dois vezes a sua RCL, calculada na forma do art. 2°, § 3°, da LRF (receita de 12 meses);

2. a dívida consolidada líquida dos Municípios terá um limite igual a 1,2 vezes (ou 120%) a RCL, calculada na forma do art. 2°, § 3°, da LRF (receita de 12 meses);

3. a observação desses limites valerá a partir de dezembro de 2001, sendo que os entes que estavam acima dos limites legais (Estados acima de dois vezes a RCL e Municípios acima de 1,2 vezes) nessa data, e apenas eles, terão um prazo de 15 anos para retorno ao limite dentro de uma trajetória decrescente, na proporção de 1/15 avos por ano;

4. os entes que em dezembro de 2001 estavam dentro do limite legal e ultrapassarem os limites após dezembro de 2001 não terão 15 anos, mas dois quadrimestres para ajustarem-se, conforme disposto no artigo 31.

Conforme relatórios fiscais publicados em dezembro de 2001 (e republicações posteriores), existiam no Brasil seis estados com excesso de endividamento quando da publicação da Resolução n° 40: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Esses Estados terão até o exercício de 2016 para chegarem a uma relação Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida igual a 2, reduzindo o excesso dentro de uma proporção de 1/15 avos ao ano.

Além desses estados, cerca de 20 municípios estavam, em dezembro de 2001, acima de 1,2 para a relação Dívida Consolidada Líquida/Receita Corrente Líquida, entre eles os Municípios de São Paulo e Maceió.

Síntese da Resolução n° 43:

1. a contratação de operações de crédito para Estados e Municípios, dentro de um exercício financeiro, deverá observar o limite de 16% da RCL;

2. o comprometimento anual com o serviço da dívida (encargos mais amortizações) não poderá ultrapassar a 11,5% da RCL. Ressalte-se que, para aqueles contratos em andamento (cujo pagamento de dívidas superem os limites da Resolução nO 43), valerão as regras contratuais;

3. o saldo global das garantias concedidas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios será o equivalente a 22% da RCL, podendo chegar a 32% da RCL, nas condições previstas na Resolução na 43;

4. O saldo devedor das operações de crédito por antecipação de receita orçamentária (AROs) não poderá ultrapassar, no exercício em que estiver sendo apurada, a 7% da RCL.

As novas regras para contratação de operações de crédito estão dispostas no Manual de Instrução de Pleitos (MIP), editado pelo Ministério da Fazenda, que substituiu o Banco Central nas análises dos pleitos para a contratação de operações de crédito estaduais e municipais.

No que se refere aos limites e condições para endividamento do governo federal, o projeto encaminhado ao Congresso Nacional determinava um limite de endividamento (Dívida Consolidada Líquida) igual a 3,5 vezes (ou 350%) a RCL anual do governo federal. Já a dívida mobiliária teria um

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limite diferenciado, equivalente a 6,5 vezes a RCL.

Ressalte-se que a Resolução na 43/01 revogou a Resolução na 78/98. Enquanto não forem editadas as novas resoluções que tratarão do endividamento do governo federal, devem ser observadas as regras dispostas na Resolução na 96/89.

Finalmente, a Resolução no 20 do Senado Federal, de 7 de novembro de 2003, alterou dispositivos da LRF e da Resolução SF na 40/01, a saber:

o prazo para reenquadramento aos limites da dívida consolidada, conforme previsto inicialmente no artigo 31 da LRF passa de 3 para 4 quadrimestres;

de 10 de janeiro de 2003 a 30 de abril de 2005 fica suspensa a obrigatoriedade de cumprimento dos limites e condições estabelecidos nos artigos 30 e 40 da Resolução SF na 40/01;

em 10 de maio de 2005, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão estar ajustados aos limites fixados ou à trajetória da dívida.

7.3 A REGRA DE OURO

Segundo o artigo 167, inciso III, da Constituição Federal de 1988:

"É vedada a realização de operações de crédito que excedam as despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta."

Esse comando traz a chamada "regra de ouro", que pretende coibir o financiamento, via operação de crédito, de despesas correntes. É matéria orçamentária, ou seja, o limite das operações de crédito é o montante das despesas de capital previsto na lei orçamentária anual. Ressalte-se que, a partir da LRF, passou a ser também matéria financeira.

Em outras palavras, apenas em situações excepcionais, quando houver decisão de maioria absoluta das duas casas legislativas em nível federal, será possível contratar operações de crédito para a cobertura de despesas correntes.

O cumprimento do limite a que se refere o inciso lV do art. 167 da Constituição deverá ser comprovado mediante apuração das operações de crédito e das despesas de capital conforme os critérios definidos no art. 32, § 3°, da LRF, que determina, in verbis:

"§ 3° Para fins do disposto no inciso V do § 1°, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas, observado o seguinte:

I - não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;

“II - se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de capital”.

O Supremo Tribunal Federal (STF), a partir do dia 9 de maio de 2002, tornou sem efeito alguns dispositivos da LRF, como, por exemplo, o § 2° do artigo 12. Diz a citada norma:

"O montante previsto para as receitas de operações de crédito não poderá ser superior ao das despesas de capital constantes do projeto de lei orçamentária."

Percebe-se que no texto da LRF não havia, de fato, a ressalva constitucional. Certamente

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que, desde a publicação da LRF, tudo o que se refere à "regra de ouro" tem por referência a Constituição Federal, contra a qual nenhuma lei pode prevalecer. A decisão do STF, portanto, em nosso entendimento, não traz prejuízos à responsabilidade fiscal dos entes públicos.

7.4 RECONDUÇÃO DA DÍVIDA AOS LIMITES

A LRF estabelece prazos e condições rígidos para os entes que ultrapassarem os respectivos limites de endividamento. Se verificada a ultrapassagem dos seus limites ao final de um quadrimestre, a eles deverão retomar nos três quadrimestres seguintes, eliminando pelo menos 25% já no primeiro período.

Durante o tempo em que estiverem acima dos limites, os entes estarão sujeitos às seguintes sanções institucionais:

proibição de realizar operação de crédito, inclusive ARO, excetuado o refinanciamento da dívida mobiliária;

obrigatoriedade de obtenção de superávit primário para redução do excesso, inclusive através de limitação de empenho;

proibição de recebimento de transferências voluntárias, caso não eliminado o excesso no prazo previsto e enquanto durar o mesmo.

Essas regras aplicam-se tanto para os casos de excedente nos limites da dívida mobiliária como das operações de crédito internas e externas. A relação dos entes que ultrapassarem esses limites será divulgada mensalmente pelo Ministério da Fazenda (art. 31, § 1° ao 5°).

7.5 CONTRATAÇÃO DE OPERAÇÃO DE CRÉDITO

Toda e qualquer operação de crédito pleiteada, por ente da Federação, inclusive empresas controladas, estará sujeita à verificação do cumprimento dos respectivos limites de endividamento, pelo Ministério da Fazenda, nos termos do art. 32 da LRF.

De acordo com o parágrafo 1º do art. 33, qualquer operação que contrariar as disposições da LRF será considerada nula, devendo ser cancelada, devolvendo-se o principal, sem o pagamento de juros e encargos financeiros. Enquanto não efetuada a devolução, o ente não poderá receber transferências voluntárias, obter garantia ou contratar operações de crédito (art. 23, § 3º). Para tanto, a instituição credora deverá certificar-se de que o beneficiário da operação atende às exigências da lei.

Além disso, toda e qualquer operação de crédito realizada por ente da Federação será registrada pelo Ministério da Fazenda, garantido o acesso público a essas informações.

7.6 ANTECIPAÇÕES DE RECEITAS ORÇAMENTÁRIAS – ARO

De uso bastante difundido, esse tipo de operação está agora mais restrito, devendo restringir-se unicamente ao atendimento de insuficiência de caixa durante o exercício e, ainda, atender a todas as normas relativas às operações de crédito constantes do art. 32.

As operações de ARO’s somente poderão ser realizadas a partir do décimo dia do início do exercício, devendo ser saldadas, com os respectivos juros e encargos, até 10 de dezembro de cada ano. Quanto aos encargos, estão limitados à taxa de juros da operação, que deverá ser prefixada ou indexada à taxa básica financeira estipulada pelo governo.

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Além disso, não poderão ser realizadas no último ano do mandato do Chefe do Poder Executivo, nem tampouco se operações anteriores da mesma natureza não estiverem totalmente saldadas.

Todas as operações de ARO’s serão feitas através de abertura de crédito na instituição financeira que for vencedora de processo licitatório promovido pelo Banco Central, que fará também o seu acompanhamento e controle, aplicando as sanções cabíveis em caso de inobservância de limites, pela instituição credora.

As ARO’s não estão incluídas no saldo devedor que comporá o limite de endividamento dos entes públicos. Trata-se de dívida flutuante, de curto prazo, devendo ser paga dentro do exercício em que for contratada.

7.7 GARANTIA E CONTRAGARANTIA

A concessão de quaisquer garantias em operações de crédito está sujeita às normas do art. 32, que dispõe sobre os limites e condições das operações de crédito. Como pré-condição, qualquer garantia exige que o seu beneficiário ofereça contragarantia, em valor igualou superior à garantia a ser recebida, e, adicionalmente, a plena adimplência para com o ente garantidor.

Na concessão de garantias pela União aos Estados e Municípios, estes poderão vincular as suas receitas tributárias próprias, além das transferências constitucionais.

De acordo com o § 6° do artigo 40 da LRF, não está proibida a concessão de garantia por:

I empresa controlada a subsidiária ou controlada sua, nem a prestação de contragarantia nas mesmas condições;

II instituição financeira a empresa nacional, nos termos da lei.

Para a LRF empresa controlada é a sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação. Esse conceito estabelece diferença entre empresa controlada e empresa dependente. Nesse caso, o Banco do Brasil é uma empresa controlada pelo governo federal, enquanto que o SERPRO configura exemplo de empresa dependente.

Portanto, o Banco do Brasil e outras empresas controladas pelo Poder Público poderão prestar garantias às suas subsidiárias, o que não será possível para as empresas dependentes. Da mesma forma, o Banco do Brasil poderá prestar garantias à empresa nacional, por exemplo, na abertura de carta de crédito para operações de importação e exportação.

Por último, toda dívida de ente público que tiver sido honrada em conseqüência de garantia prestada implica a suspensão de novos créditos até a completa liquidação da dívida em causa.

7.8 RESTOS A PAGAR

Pelo disposto na LRF, nenhuma despesa poderá ser contraída nos dois últimos quadrimestres do mandato de qualquer titular de Poder ou órgão, sem adequada e suficiente disponibilidade de recursos para o seu atendimento, dentro do exercício financeiro ou, em caso de valores a serem pagos no exercício seguinte, sem que existam recursos em caixa para tal finalidade.

No cálculo das disponibilidades, deverão ser abatidos todos os encargos e demais compromissos a vencer até o final do exercício.

A rubrica Restos a Pagar, na sua origem, destinava-se a compatibilizar o término do exercício financeiro com a continuidade da Administração Pública. Isto porque nem todos os pagamentos de despesas coincidem com o término do exercício, e é natural que algumas despesas

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que pertencem a um exercício restem a pagar no exercício seguinte.

Com o passar do tempo, os Restos a Pagar foram sendo mal utilizados como instrumento de rolagem de dívidas. A má utilização decorria, em grande medida, de deficiências do processo orçamentário como instrumento de planejamento. O orçamento, eivado por superestimativa de receitas e/ou subestimativa de despesas, embutia autorização para assunção de compromissos que não eram acompanhados por efetiva arrecadação de receitas.

A falta de sincronia entre orçamento e execução financeira e a ausência de medidas corretivas ocasionavam uma sobra de pagamentos que não podiam ser atendidos no mesmo exercício e, por isso, eram transferidos para o exercício seguinte sob a forma de Restos a Pagar. O orçamento do exercício seguinte, por sua vez, freqüentemente não contemplava espaço para os Restos a Pagar que, para serem atendidos, ocasionavam deslocamento de outras despesas. Estas seriam também transferidas sob a forma de Restos a Pagar para o terceiro exercício, configurando-se, então, a rolagem extra-orcamentária de dívidas.

A situação agravava quando a série de planejamentos deficientes fazia com que os problemas se acumulassem, dando origem a uma trajetória crescente de Restos a Pagar; e, ainda mais, em último ano de mandato, quando a pressão pela acomodação de despesas também aumentava, elevando o volume de Restos a Pagar a tal magnitude que, muitas vezes, o sucessor era forçado a consumir um ou mais anos de seu mandato apenas para saldar tais dívidas.

Após a LRF, esse tipo de rolagem de dívidas fica vedado no último ano de mandato. O art. 42 foi concebido com o espírito de, por um lado, evitar que, em último ano de mandato, sejam irresponsavelmente contraídas novas despesas que não possam ser pagas no mesmo exercício, sob pressão do próprio pleito. Por outro lado, o fim do mandato serviria também como ponto de corte para equacionamento de todos os estoques. Em outras palavras, eventuais dívidas poderiam ser roladas ao longo de um mesmo mandato, mas jamais transferidas para o sucessor. A regra obriga o governante a "deixar a casa arrumada para o sucessor".

Posteriormente, a Lei n° 10.028, de 19 de outubro de 2000, denominada Lei de Crimes Fiscais, caracterizou como crime, punido com reclusão de um a quatro anos, ordenar ou autorizar a assunção de obrigação em desacordo com a determinação do referido art. 42.

Várias dúvidas têm surgido quanto à interpretação desse dispositivo, tornando-se necessários alguns esclarecimentos. Vamos utilizar como referência o ano de 2000, que foi último ano de mandato.

8. TRANSPARÊNCIA, CONTROLE E FISCALIZAÇÃO

Este capítulo reúne todos os comandos normativos necessários à confecção e à divulgação de relatórios e demonstrativos ligados às atividades de condução das finanças públicas, estabelecendo regras e procedimentos de fiscalização, controle e avaliação do grau de sucesso obtido na administração das finanças públicas, particularmente sob o prisma das normas previstas na LRF.

8.1 TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO FISCAL

Neste item, verifica-se a existência de dois blocos normativos distintos: um de caráter geral, dedicado à explicitação dos instrumentos de transparência na gestão fiscal; outro, específico, voltado às contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo.

Para efeito da LRF, consideram-se instrumentos de transparência:

Os planos, os orçamentos e a lei de diretrizes orçamentárias;

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As prestações de contas e o respectivo parecer prévio;

Relatório Resumido da Execução Orçamentária e a sua versão simplificada;

Relatório de Gestão Fiscal e a sua versão simplificada.

A transparência da gestão pública exige também o incentivo à participação popular e pela realização de audiências públicas, tanto durante a elaboração como no curso da discussão dos planos, da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos.

Por sua vez, as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo devem estar à disposição do público, no âmbito tanto do respectivo Poder Legislativo como do órgão técnico responsável por sua elaboração. Tratando-se da União, as contas devem ser acompanhadas por demonstrativos, confeccionados pelo Tesouro Nacional e pelas agências financeiras oficiais de fomento, especificando as aplicações efetuadas com recursos oriundos dos orçamentos fiscal e da seguridade social, assim como o impacto fiscal das operações realizadas pelas agências de fomento.

8.2 RELATÓRIO RESUMIDO DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA - RREO

O Relatório Resumido da Execução Orçamentária é composto de duas peças básicas e de alguns demonstrativos de suporte. As peças básicas são o balanço orçamentário, cuja função é especificar, por categoria econômica, as receitas e as despesas, e o demonstrativo de execução das receitas (por categoria econômica e fonte) e das despesas (por categoria econômica, grupo de natureza, função e subfunção).

Nessas peças, devem os valores referentes ao refinanciamento da dívida mobiliária ser destacados dentre as demais receitas de operações de crédito. Já os demonstrativos de suporte visam evidenciar a receita corrente líquida, as receitas e despesas previdenciárias, os resultados primário e nominal, as despesas com juros e os valores inscritos em restos a pagar. Tratando-se do Relatório de último bimestre de cada exercício, exige-se a demonstração das projeções atuariais dos regimes de previdência social, da variação patrimonial e da conformidade do montante das operações de crédito com aquele das despesas de capital, nos termos previstos no inciso III do art. 167 da Constituição.

As limitações impostas ao empenho de dotações devem ser justificadas, assim como relacionadas às medidas destinadas à elevação da arrecadação, no caso de frustração na previsão de receitas. O quadro a seguir apresenta um modelo do Relatório Resumido de Execução Orçamentária – RREO publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Todos os Municípios brasileiros (inclusive aqueles que possuírem menos de 50 mil habitantes) deverão apresentar o RREO a cada bimestre, sob risco de punições fiscais e penais.

8.3 RELATÓRIO DE GESTÃO FISCAL - RGF

Do ponto de vista do regime de finanças públicas implantado com a LRF, o Relatório de Gestão Fiscal ocupa posição central no que diz respeito ao acompanhamento das atividades financeiras do Estado. Cada um dos Poderes, além do Ministério Público, deve emitir o seu próprio Relatório de Gestão Fiscal, abrangendo todas as variáveis imprescindíveis à consecução das metas fiscais e à observância dos limites fixados para despesas e dívida. Constam, portanto, do Relatório:

As informações necessárias à verificação da conformidade, com os limites de que trata a LRF, das despesas com pessoal, das dívidas consolidada e mobiliária, da concessão de garantias, das operações de crédito e das despesas com juros;

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Elenco de medidas adotadas com vistas à adequação das variáveis fiscais aos seus respectivos limites; tratando-se do último quadrimestre, demonstração do montante das disponibilidades ao final do exercício financeiro e das despesas inscritas em restos a pagar.

O Relatório de Gestão Fiscal, conforme determina a LRF conterá demonstrativos com informações relativas à despesa total com pessoal, dívida consolidada, concessão de garantias e contragarantias, bem como operações de crédito, devendo, no último quadrimestre, ser acrescido de demonstrativos referentes ao montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de dezembro, das inscrições em Restos a Pagar e da despesa com serviços de terceiros.

A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o relatório deverá ser publicado e disponibilizado ao acesso público, inclusive em meios eletrônicos, até trinta dias após o encerramento do período a que corresponder.

Prazo que, para o primeiro quadrimestre, se encerra em 30 de maio, para o segundo quadrimestre, se encerra em 30 de setembro e, para o terceiro quadrimestre, se encerra em 30 de janeiro do ano subseqüente ao de referência.

É facultado aos municípios com população inferior a cinqüenta mil habitantes optar por divulgar, semestralmente, o Relatório de Gestão Fiscal. A divulgação do relatório com os seus demonstrativos deverá ser realizada em até trinta dias após o encerramento do semestre. Prazo que, para o primeiro semestre, se encerra em 30 de julho e, para o segundo semestre, se encerra em 30 de janeiro do ano subseqüente ao de referência.

A não divulgação do referido relatório, nos prazos e condições estabelecidos em lei, é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa, sendo o pagamento da multa de sua responsabilidade pessoal.

Além disso, o ente da Federação estará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.

O Relatório de Gestão Fiscal conterá demonstrativos comparativos com os limites de que trata a LRF, dos seguintes montantes:

a. despesa total com pessoal, evidenciando as despesas com ativos, inativos e pensionistas;

b. dívida consolidada;

c. concessão de garantias e contragarantias; e

d. operações de crédito.

e. demonstrativo dos limites

Além disso, o referido relatório indicará as medidas corretivas adotadas ou a adotar, se ultrapassado qualquer dos limites.

8.4 FISCALIZAÇÃO DA GESTÃO FISCAL

A responsabilidade pela fiscalização quanto ao cumprimento das normas de gestão fiscal é atribuída ao Poder Legislativo, este com o auxílio do Tribunal de Contas, e aos sistemas de controle interno de cada Poder e do Ministério Público. Ênfase especial deve ser atribuída, na fiscalização, a alguns aspectos específicos:

Verificação do cumprimento das metas previstas na lei de diretrizes;

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Observância dos limites e das condições para a realização de operações de crédito e a inscrição de despesas em restos a pagar;

Adoção de medidas para a adequação das despesas com pessoal e das dívidas mobiliária e consolidada aos respectivos limites;

Observância das normas atinentes à destinação dos recursos oriundos da alienação de ativos;

Respeito aos limites aplicáveis aos gastos do Poder Legislativo municipal, caso existam tais limites.

Cabe ainda aos Tribunais de Contas, além de verificar o cumprimento dos limites relativos às despesas com pessoal, alertar Poderes e órgãos:

Sobre a possibilidade de extrapolação do limite referencial para as despesas com juros;

Quando às despesas com pessoal e os montantes das dívidas consolidada e mobiliária, das operações de crédito e das garantias concedidas ultrapassarem 90 por cento dos limites a elas aplicáveis;

Que as despesas com inativos e pensionistas se encontram acima do limite correspondente (Lei 9.717);

Sobre fatos que comprometam os custos ou os resultados de programas, assim como indícios de irregularidades na gestão.

Ao Tribunal de Contas da União foi dada a especial incumbência de acompanhar a legalidade das operações com títulos públicos, realizadas entre a União, por intermédio do Tesouro Nacional, e o Banco Central do Brasil.

9. SANÇÕES PARA DESCUMPRIMENTO DA LRF

9.1 SANÇÕES INSTITUCIONAIS

As sanções institucionais correspondem à interrupção de transferências voluntárias (e a sua contratação) realizadas pelo Governo Federal, ao impedimento de contratação de operações de crédito e a impossibilidade para a obtenção de garantias da União para a contratação de operações de crédito externo.

Com relação ao controle das operações de crédito, o Banco Central é a instituição que vinha acompanhando a dívida pública brasileira, inclusive o volume de contratações de operações de crédito de Estados e Municípios. A partir da Resolução n° 43, de 21 de dezembro de 2001, este papel passa a ser realizado pelo Ministério da Fazenda.

9.2 SANÇÕES PESSOAIS

Paralelamente às sanções institucionais, descritas no próprio texto da LRF, o descumprimento da LRF poderá representar para o administrador público a aplicação de penalidades penais e administrativas, de acordo com a Lei nº 10.028, de 10-10-2000, a chamada Lei de Crimes. Cumpre ressaltar que a Lei 10.028 alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7-12-1940 (Código Penal), a Lei nº 1.079, de 10-04-1950 (define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de

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julgamento) e o Decreto-Lei nº 201, de 27-02-1967 (dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e vereadores, e dá outras providências).

A sanção penal, nos termos da Lei de Crimes, recairá sobre aquele administrador público que não seguir as regras gerais da LRF, desde a confecção das leis orçamentárias nos termos da LRF (artigo 4º), até a publicação de todos os relatórios exigidos, passando pela observação dos limites para contratação de pessoal, serviços terceirizados e endividamento.

As sanções pessoais recairão diretamente sobre o agente administrativo, importando na cassação de mandato, multa de 30% dos vencimentos anuais, inabilitação para o exercício da função pública e detenção, que poderá variar entre 6 meses e 4 anos.

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CAPÍTULO XI − O PAPEL DO CONTROLE

Atuando sobre os próprios órgãos estatais, o controle desempenha importante papel nas relações entre Estado e sociedade, contribuindo para a garantia do regime democrático. À medida que uma sociedade se organiza, surgem necessidades que devem ser preenchidas sem que os direitos e liberdades individuais sejam comprometidos.

O Estado relaciona-se permanentemente com a sociedade. Dessas relações surgem as funções que lhe são próprias, exercidas por meio dos seus órgãos – instituições burocráticas que prestam serviços públicos, ligados a uma das funções fundamentais: executiva, legislativa ou jurídica. O conjunto de órgãos constitui, formalmente, a administração pública.

1. O CONTROLE EXTERNO NO MUNDO

Muitos países atribuem os seus controles externos a órgãos singulares, como as auditorias-gerais ou controladorias da Austrália, Áustria, Canadá, China, Colômbia, EUA, Israel, Nova Zelândia, Peru, Reino Unido e Venezuela. Esses órgãos são dirigidos por um auditor-geral ou controlador, ao qual compete definir os rumos da organização, bem como responder publicamente pelos trabalhos realizados.

Em outros países, como Alemanha, Bélgica, Brasil, Espanha, França, Grécia, Itália, Japão, Portugal e Uruguai, os dispêndios públicos são controlados por intermédio das cortes de contas. Nessas cortes, as principais decisões são tomadas por um colegiado de ministros ou conselheiros. Assim, embora geralmente os colegiados contem com um presidente46, a responsabilidade pela compatibilização entre meios e fins, bem como pelos trabalhos realizados, é exercida de modo difuso por todos com direito a voto.

Nos órgãos singulares, as recomendações resultantes das fiscalizações têm caráter unipessoal, subscritas pelo auditor-geral ou controlador. Nas cortes de contas, no entanto, em vez de recomendações, prevalecem as determinações, respaldadas em deliberações do colegiado.

As auditorias-gerais ou controladorias e as cortes de contas surgiram na Europa, mas influenciaram a organização de quase todos os Estados nacionais. As primeiras predominam nos países de tradição anglo-saxônica, enquanto as últimas são mais comuns naqueles influenciados pela Europa continental.

As cortes surgiram com a preocupação do controle da legalidade da gestão financeira do setor público. Esse controle pressupõe que o exato cumprimento da lei é uma condição necessária para a correta aplicação dos recursos públicos, ou seja: verificar se o gestor agiu conforme a legislação, se seus atos estavam respaldados nas normas aplicáveis, foi a primeira atribuição das cortes de contas.

O controle gerencial, por sua vez, é a principal marca das auditorias-gerais ou controladorias. Essa modalidade de controle prioriza a análise dos atos administrativos em relação tanto aos seus custos, como aos resultados almejados e alcançados.

46 No TCU, a presidência é ocupada pelos ministros segundo o sistema de rodízio. O mandato é de um ano, renovável uma única vez por igual período. A existência de um presidente, porém, não impede que os demais ministros requeiram trabalhos à área técnica da corte de contas da União. Conseqüentemente, o órgão precisa lidar não apenas com a curta duração do mandato de seus presidentes, o que dificulta o planejamento de longo prazo das atividades, como também com as demandas específicas dos vários ministros.

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Em relação ao status jurídico e à efetividade de suas decisões, as Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) diferem de país para país. Algumas têm natureza administrativa, ou seja, as suas decisões podem ser revistas pelo Poder Judiciário. Outras, porém, possuem natureza jurisdicional, ou seja, as suas decisões são definitivas em relação ao seu objeto.

Ademais, o controle externo das finanças públicas tanto pode ser anterior à realização da despesa (i.e., o controle prévio, no qual os atos sujeitos a controle podem ser vetados antes de serem efetivados), como pode ser posterior (i.e., o controle a posteriori).47

A maior presença do Estado no campo econômico e a ampliação dos serviços públicos oferecidos à população levaram as cortes de contas a buscar formas de controle que ultrapassassem a mera verificação dos aspectos formais dos atos administrativos, permitindo a incorporação de técnicas de controle gerencial, abrangendo questões acerca da eficiência, da eficácia e da efetividade das ações governamentais.

Coerentemente com esses desdobramentos, as mais destacadas tendências internacionais na área de controle, como apurado pela pesquisa “Tendências de Controle da Gestão Pública” 48, realizada pelo TCU em 1999 e 2000, são (cf. TCU, B, 2000, p. 6):

a. O monitoramento sistemático pelas EFS do cumprimento de suas decisões ou recomendações;

b. A ampla publicidade das ações de controle;

c. A divulgação das boas práticas administrativas;

d. A crescente importância das auditorias de desempenho;

e. A utilização de especialistas e consultores externos para o planejamento de trabalhos mais complexos.

No caso do Brasil, as tendências em favor do controle gerencial foram assimiladas pela Constituição Federal de 1988. Efetivamente, as cortes de contas brasileiras tiveram as suas competências substancialmente ampliadas, passando a englobar a apreciação contábil, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como o exame da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos das administrações direta e indireta. Adicionalmente, além das despesas, também as receitas passaram a ser objeto de fiscalização. Já os débitos e multas imputados passaram a ter eficácia de títulos executivos.

Ademais, impera uma relação de duplo grau de “accountability”, uma vez que prestam contas (cf. TCU, F, 1999, p. 14):

a. O Presidente, em nível macro, sobre as ações do governo constantes do Orçamento Geral da União;

b. Os ordenadores de despesa, em nível micro, pelos atos praticados na administração dos respectivos órgãos e entidades.

2. O CONTROLE NO BRASIL

O Estado submete-se, então, à ordem e à eficiência administrativas, e à eficácia dos seus atos. Esses princípios criam mecanismos ou sistemas de controle das atividades estatais, defendendo tanto a própria administração pública, como os direitos e garantias coletivos.

47 Predomina, no Brasil, a fiscalização a posteriori de natureza administrativa.48 Cf.: TCU, A, 1999; TCU, B, 2000; TCU, C, 2000; TCU, E, 1999; TCU, F, 1999; TCU, G, 2000; e TCU, H,

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A Carta Magna prevê três tipos de controle: o particular, o interno e o externo.

a. O controle particular que torna acessível ao povo a possibilidade de denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União;

b. O controle interno, realizado pelos próprios órgãos do aparelho estatal; e

c. O controle externo, realizado pelo Poder Legislativo, que conta com o auxílio da corte de contas.

2.1 CONTROLE PARTICULAR

A respeito do controle particular veio expresso, pela vez primeira, no § 2º do art. 74 da Constituição Federal de 1988, facultando a qualquer cidadão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante as Cortes de Contas. De certa forma, essa faculdade já estava implícita no consagrado direito de petição. Até hoje não se tomou conhecimento de alguém que, sem ser detentor de mandato eletivo, já tivesse exercitado essa prerrogativa.

De fato, qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, proceder a essas denúncias. É mais um instrumento colocado no arsenal dos direitos políticos do cidadão. Conforme o tipo de medida a ser impugnada, pode tornar-se mais conveniente e mais prático a simples denúncia ao Tribunal de Contas, que, no exercício das suas atribuições, poderá introduzir as impugnações e sanções que a hipótese comportar, evitando-se, destarte, o caminho mais tortuoso de uma ação popular. A expressão “na forma da lei” não deve induzir a ninguém a idéia de que o preceito por ora é inócuo, já que a referida lei não se encontra ainda editada.

2.2 O CONTROLE INTERNO

A história do controle interno na Administração Pública Federal tem seu marco inicial na Lei nº. 4.320, de 17 de março de 1964, que introduziu as expressões controle interno e controle externo e definiu as competências para o exercício daquelas atividades. Ao Poder Executivo incumbiu-se o controle interno, enquanto o externo foi atribuído ao Poder Legislativo.

A lei definiu em primeiro lugar a universalidade do controle, ou seja, sua abrangência sobre todos os atos da Administração, sem exceção, quer se trate da receita quer da despesa. Em seguida, fez o controle recair sobre cada agente da Administração, individualmente, desde que responsável por bens e valores públicos. A grande inovação apareceu ao estabelecer a verificação do cumprimento do programa de trabalho, expresso em termos físico-financeiros. Pela primeira vez, pensava-se em controle de resultados na Administração Pública, além do controle meramente legal.

No que toca particularmente à fiscalização e controle, a Constituição de 1988 representou um avanço, em virtude da criação de sistemas de controle interno nos Poderes Legislativo e Judiciário e da determinação de que, juntamente com o do Poder Executivo, esses sistemas fossem mantidos de forma integrada.

O controle interno encontra fundamento no art. 74 da Constituição Federal, o qual determina que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem manter, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

a. Avaliar o cumprimento de metas do plano plurianual e a execução dos orçamentos públicos;

b. Comprovar a legalidade e avaliar os resultados, sob os aspectos de eficiência e eficácia, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial dos órgãos e entidades da administração;

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c. Exercer o controle das operações de crédito;

d. Apoiar o controle externo.

O órgão central e os órgãos setoriais medem a eficiência do administrador e da organização que dirige com o sentido de saber se prestaram, efetivamente, os serviços que lhes compete. E, quando não se produzem resultados satisfatórios, é por meio desses órgãos que se identificam as razões e procuram-se os meios para correção.

Até recentemente o sistema de controle interno era centralizado vinculado ao Ministério da Fazenda. Os Decretos da Presidência da República nº 4.113, de 5 de fevereiro de 2002, e 4.177, de 28 de março de 2002, porém, alteraram este quadro profundamente: o primeiro decreto transferiu a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) para a estrutura da Casa Civil da Presidência da República; o último, para a Corregedoria-Geral da União.

Ao subordinar a função de controle ao trabalho de correição, verifica-se que o Brasil se distanciou da experiência internacional. Ao proceder dessa forma, a contribuição do órgão de controle interno para o aprimoramento da administração pública pode estar sendo debilitada em decorrência da subordinação da atividade consultiva, essencial para o aprimoramento das práticas gerenciais, às atividades puramente coercitivas – não tão abrangentes e menos tempestivas em razão da busca da segurança jurídica.

O controle interno, por sua vez, que se assenta no princípio da hierarquia, claudica sempre que as irregularidades tenham origem nos altos escalões governamentais, como é de praxe.

2.3 O CONTROLE EXTERNO

O controle externo é exercido pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União, conforme artigos 70 a 73 da Constituição Federal.

O controle externo é “por excelência, um controle político de legalidade contábil e financeira” (Meirelles, 1989, p. 602), destinando-se a comprovar:

a. A probidade dos atos da administração;

b. A regularidade dos gastos públicos e do emprego de bens, valores e dinheiros públicos;

c. A fiel execução do orçamento.

Esse controle abrange a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

Os parlamentares não são necessariamente versados em matérias de direito, economia, contabilidade, administração, finanças públicas etc., pelo que, contam com o auxílio do TCU, cuja competência vem definida no art. 71 da Constituição Federal.. Compete ao Tribunal de Contas, dentre outras atribuições, apreciar as contas anuais do Presidente da República, realizar inspeções e auditorias nas unidades administrativas dos três Poderes, representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados etc.

A atuação do Tribunal de Contas, nem sempre atinge o resultado desejado. Seu desempenho é passível de várias críticas, quer pela forma de investidura de seus membros, quer pela morosidade de sua atuação, quer pelo caráter não vinculativo de seus pareceres.

É verdade que a questão da investidura dos Ministros do TCU sofreu um avanço na Constituição de 1988 (§§ 1º e 2º do art. 73), que eliminou o critério de livre indicação pelo Presidente da República, contribuindo para eliminar a elevada dose de suspeição que contaminava a

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legitimidade do julgamento das contas prestadas pelo governante. Entretanto, os seus membros continuam sendo recrutados, sem o desejável concurso público específico ou genérico, através de um critério que não elimina de todo o subjetivismo de quem os nomeia.

É sabida a morosidade de atuação do Tribunal de Contas, deixando de detectar as irregularidades praticadas a tempo de viabilizar a reposição dos danos causados ao erário público. Com o passar do tempo tudo cai no esquecimento, segundo a máxima "o tempo apaga os vícios". Às vezes, uma irregularidade posterior de maior grandeza tem o condão de minimizar a anterior, ou de fazê-la cair no esquecimento, propiciando a formação de um clima para implantação de um círculo vicioso.

Com a eliminação do controle prévio, que estava na Constituição de 1946 (art. 77, §§ 1º e 2º), o qual, tornava obrigatório o registro do contrato para ulterior realização da despesa, para tornar eficiente a atuação do Tribunal só restaria a otimização de seu controle concomitante, isto é, aquele exercido no curso da realização da despesa, possibilitando a sua sustação sempre que detectada qualquer irregularidade. Ocorre que, na maioria das vezes, a atuação do Tribunal está voltada para o controle posterior e assim mesmo com muito atraso.

Em nível estadual, no estado de São Paulo, por exemplo, existem contas de governantes da década de setenta que ainda não foram apreciadas.

Outra ineficiência do TCU é a que diz respeito ao parecer meramente opinativo. Limita-se a julgar as contas e não as pessoas. Embora atualmente, o Tribunal de Contas tem o poder de proferir decisão imputando débito ou multa ao responsável pela ilegalidade de despesas ou irregularidade de contas, à qual a Constituição confere eficácia de título executivo (§ 3º do art. 71).

Sua atuação serve, também, para dar embasamento aos processos de responsabilização a serem aplicados pelas instâncias próprias. Porém, se formos pesquisar o percentual de recuperação de despesas consideradas ilegais pelo TCU verificar-se-á que os malbaratadores de verbas públicas ficam, em sua maioria, impunes sob todos os aspectos. E isso porque a eficácia de suas decisões fica, na maioria das vezes, na dependência de atuação de outros órgãos do Executivo ou do Legislativo.

Apesar de investidos das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (§ 3º do art. 73 da CF) os membros do TCU estão longe de exercer uma função judicante, prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário que, em tese, poderá invalidar qualquer decisão da Corte de Contas, mesmo aquela em que a Constituição confere eficácia de título executivo.

A rejeição de contas pelo Tribunal de Contas pode não implicar sua rejeição pelo Congresso Nacional. Assim, o pronunciamento de técnicos, obtido com a mobilização de imensos recursos materiais e pessoais, pode ser ignorado por leigos, que detêm o poder decisório sobre a matéria, de forma monopolizada.

Diante da fragilidade técnica do Tribunal de Contas, talvez, a solução seria a de integrá-lo ao Poder Judiciário como uma Corte especializada, tomando-se o cuidado necessário na escolha do critério de sua composição por exigir, não só, conhecimentos técnicos especializados, como também, grande sensibilidade política, sob pena de criar impasses político-institucionais a todo o momento.

3. ÓRGÃOS DE CONTROLE NO BRASIL

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No Brasil, há o TCU, 27 tribunais de contas dos estados, incluindo o Tribunal de Contas do Distrito Federal, e 6 tribunais de contas dos municípios, mais os tribunais de contas específicos para as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Os órgãos em questão constam da seção que trata da fiscalização contábil, financeira e orçamentária do capítulo sobre o Poder Legislativo tanto da Constituição Federal de 1988, como das constituições estaduais e do Distrito Federal. A Constituição Federal, em particular, ampliou as funções desempenhadas pelas cortes de contas, acrescentando os critérios de legitimidade, economicidade e razoabilidade aos de legalidade e regularidade.

Observa-se, no entanto, que o controle externo ainda é realizado de modo parcial, com ênfase nos aspectos formais de legalidade dos atos e de regularidade da despesa. Assim, é preciso que sejam adotadas medidas para a sua plena execução, pois a sociedade não pode reconhecer a necessidade de um controle acerca do qual se tem idéia oposta, ou seja, “por omissão de fiscalização, verifica-se e registra-se, tão somente, o descontrole”. (Oliveira, 1995, p. 76.)

Como, no caso brasileiro, o sistema de fiscalização e controle externo está a cargo das cortes de contas, que constituem órgãos autônomos e de atuação independente, embora vinculados aos Poderes Legislativos municipais, estaduais, distrital e federal, os registros de inoperância do controle atingem mais de perto essas instituições.

3.1 O ALCANCE DO CONTROLE JUDICIAL

A administração pública também está sujeita ao controle judicial – distinto dos controles interno e externo, mas inerente ao estado de direito. Esse controle é exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário por meio da função jurisdicional, visando a defender os administrados e manter a administração dentro das normas legais vigentes.

O seu objeto são os atos administrativos praticados pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo próprio Judiciário. Trata-se, portanto, de um controle da legalidade dos atos administrativos, abrangendo o exame de sua conformidade com a legislação, bem como os elementos fáticos e princípios gerais que o legitimaram.

Na perspectiva do sistema de controle externo, o que, em tese, não seria permitido ao Poder Judiciário é o controle do mérito administrativo, ou seja, da conveniência, oportunidade e justiça dos atos de gestão.

O mérito administrativo, relacionado a questões políticas e elementos técnicos, foge ao âmbito do Poder Judiciário, cuja missão é a de aferir a conformação do ato com a lei escrita, ou, na sua falta, com os princípios gerais do Direito.

Atualmente, observa-se que quanto mais as cortes de contas, a começar pelo TCU, insistem na natureza jurisdicional de suas decisões, mais esses órgãos têm-se exposto a contestações perante o Poder Judiciário, o qual, cioso das suas próprias prerrogativas, têm imposto seguidas restrições às competências dessas cortes.

3.2 O CONTROLE EXTERNO COMO FERRAMENTA DE APRIMORAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O controle é parte integrante e essencial de qualquer processo de produção de bens e serviços. A sua principal função deve ser a busca de melhores resultados por parte das organizações que integra.

Para poder contribuir de forma efetiva para o êxito dos empreendimentos, o controle precisa atuar concomitantemente às diversas etapas do processo de produção, detectando desvios e

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anomalias em tempo compatível com a introdução oportuna dos aperfeiçoamentos e correções que se fizerem necessários.

A questão da oportunidade é crucial: o controle somente pode ser caracterizado como tal quando contribui tempestivamente para a consecução dos objetivos da organização. Pronunciar-se após a consumação do dano, limitando-se a identificar os responsáveis, é uma disfunção em termos da atuação esperada do controle.

Afinal, nem todo ato de má gestão constitui um ato ilícito, que requer, em prol da segurança jurídica, prolongadas demonstrações de responsabilidade. Pelo contrário, todo empreendimento, mesmo aqueles patrocinados pelo poder público, envolve riscos.

A minimização dos efeitos nocivos das decisões que se mostrarem equivocadas exige a pronta ação do sistema de controle, entendido como um insumo do processo de tomada de decisão. Esse entendimento pode ser assim resumido: a incompetência administrativa, no mais das vezes, não constitui ilicitude. A aferição de responsabilidades, de natureza eminentemente jurídica, deveria ser a exceção e não a regra.

A ocorrência de disfunções no desenrolar de quaisquer atividades é humana e inerente ao ato de fazer. Muitas podem ser debitadas às falhas de planejamento, associadas ou não a diagnósticos inconsistentes, às dificuldades inesperadas de execução, ao despreparo dos agentes, à subestimação dos obstáculos a serem transpostos ou mesmo à superveniência de eventos imprevisíveis e/ou incontornáveis.

A observação de disfunções deveria promover a interação entre gestores e controladores, para que os primeiros fossem alertados e auxiliados na identificação e, quando possível, superação das causas, bem como estimulados a introduzir correções e aperfeiçoamentos voltados para a obtenção dos melhores resultados.

Na prática, contudo, as ações de controle exibem inúmeras deficiências. O acompanhamento físico da execução dos projetos públicos, p. ex., é limitado. As prestações de contas, por sua vez, são analisadas à luz dos papéis apresentados, com ênfase nos aspectos formais. Já os trabalhos técnicos são, com freqüência, produzidos sob bases frágeis, pobres em evidências, carentes de validação técnica específica.

Ainda assim, na sua atuação rotineira, o controle, por vezes, depara-se com disfunções que não se enquadram nas situações descritas acima. Em vez da falha eventual, provocada pela imperícia, observam-se danos intencionais, desvios de recursos ou obtenções de vantagens indevidas – práticas ilícitas em prejuízo do interesse público. Esses casos extrapolam os limites da ação normal do controle. Uma vez constatados, compete ao controle promover a execução própria e, paralelamente, acionar e cooperar com as instâncias competentes para a determinação das responsabilidades e para a instrução dos processos pertinentes.

Nesse contexto, portanto, a atuação do controle é essencialmente coadjuvante, auxiliar daqueles que detém a competência e os meios para a investigação e a instrução dos processos criminais (i.e., o Poder Judiciário e o Ministério Público).

O que não pode ocorrer é a substituição da premissa de que o controle é um instrumento gerencial por outra na qual o controle tem como finalidade apurar denúncias e crimes contra o patrimônio. Ao priorizar as exceções, o controle deixa de ter como foco principal a melhoria dos métodos e processos administrativos.

Não se trata de desvalorizar o papel da função judicante das cortes de contas. Entende-se somente que, no contexto brasileiro, é primordial reforçar o papel dessas cortes como instrumentos de controle gerencial, dando-lhe maior capacidade técnica e operacional. Assim, enquanto o colegiado integrado pelos ministros continuaria exercendo a função acima citada, atendo-se aos

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casos que demandassem pronunciamentos por maiorias qualificadas, a unidade técnica adquiriria um mandato próprio para controlar o conjunto de atos de gestão.

Para que a proposta acima possa ser melhor compreendida, impõe-se um exame das potencialidades e limitações do TCU.

3.3 AS POTENCIALIDADES E LIMITAÇÕES DO TCU

Para que os rumos de uma organização sejam planejados estrategicamente, os ambientes interno e externo devem ser analisados cuidadosamente, identificando-se oportunidades e ameaças. As primeiras representam vantagens a serem exploradas; as últimas, desafios a serem enfrentados ou obstáculos a serem contornados.

Em relação ao ambiente externo, o contexto no qual se insere o TCU não pode ser caracterizado como turbulento ou como sujeito a forte concorrência. Considerando-se, porém, as mudanças por que tem passado a administração pública (p. ex., aumento na quantidade de concessões de serviços públicos, expectativas de maior transparência nos gastos e de melhor avaliação da gestão pública e pressões políticas em favor da mudança do modelo de controle externo), percebe-se que o TCU não está inteiramente seguro, devendo dar respostas claras acerca da contribuição de suas ações para o bem-estar da coletividade.

Efetivamente, a interação com o ambiente externo é fundamental para que o TCU possa cumprir com eficácia a sua missão institucional, sendo primordial que as expectativas das partes interessadas no controle externo, especialmente o Congresso Nacional e a sociedade civil, sejam identificadas corretamente.

Na já mencionada pesquisa conduzida pelo TCU, foram identificadas várias oportunidades para a atuação da corte de contas da União, merecendo destaque (cf. TCU, H, 2000, p. 11):

a. A crescente demanda por serviços públicos, cuja prestação por empresas concessionárias requer acompanhamento;

b. As expectativas de que o TCU desenvolva ações que possam orientar e prevenir erros; e

c. As demandas por avaliações dos resultados das ações públicas.

Por seu turno, o TCU também entende que deve estar atento a várias restrições, em especial:

a. A inconstância na estrutura da administração pública, principalmente do sistema de controle interno;

b. A concorrência com o Ministério Público da União e com outras entidades de auditoria;

c. A demanda superior à capacidade de atendimento;d. O desgaste da imagem institucional;e. A profusão normativa.

Já no que se refere ao ambiente intra-institucional, o TCU entende que possui prerrogativas que podem auxiliar na melhora do desempenho do controle externo, destacando-se (cf. TCU, H, 2000, p. 11):49

a. O poder sancionador;

49 Naturalmente, aspectos julgados positivos no presente contexto jurídico-administrativo brasileiro, como as duas primeiras prerrogativas, podem representar, como exposto adiante, formidáveis obstáculos ao desenvolvimento do controle de natureza gerencial.

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b. O processo decisório compartilhado;c. A autonomia e independência institucionais;d. O assessoramento técnico ao Congresso Nacional; ee. O poder normativo referente às matérias de sua competência.

Por outro lado, a própria corte de contas da União reconhece que vários aspectos internos precisam ser aprimorados, para que o desempenho do controle externo não continue sendo prejudicado:

a. Predomínio do controle reativo;b. Planejamento estratégico pouco efetivo;c. Reduzida especialização em áreas temáticas;d. Reduzida cobertura de recursos fiscalizados;e. Poder sancionador pouco reconhecido pela sociedade;f. Ausência de critérios de seletividade na execução da atividade de controle;g. Ausência de indicadores de desempenho que favoreçam a tempestividade, a eficácia

e a efetividade do controle externo;h. Política de recursos humanos e estrutura organizacional pouco flexíveis para atender

às constantes mudanças do ambiente externo.

As limitações em questão estão particularmente presentes no modo como os recursos internos são alocados, na extensão dos ritos processuais e na generalização dos procedimentos recursais.

3.4 OS TRIBUNAIS DE CONTAS NOS ESTADOS E NOS MUNICÍPIOS

Os Tribunais de Contas existem nos estados e no Distrito Federal. O art. 75 da Constituição da República manda aplicar a estas Cortes de Contas as mesmas normas estabelecidas para o Tribunal de Contas da União. Dispõe o mencionado dispositivo, in verbis: “As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.”

São idênticas, pois, a organização, a composição e a fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal de um lado, e o Tribunal de Contas da União, de outro. As Constituições estaduais dispõem sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete conselheiros. Há que se consignar, entretanto, uma diferença no Tribunal de Contas da União, que tem nove ministros.

A situação é um tanto mais confusa com relação a estas Cortes no campo municipal. A sua disciplina vem prevista no art. 31, § 40, que dispõe no sentido de ser proibida a criação de Tribunais, Conselhos ou Órgãos de Contas Municipais. Acontece, entretanto, que o caput do art. 75 faz referência a Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Na verdade, o art. 31, § 1°, também se refere a Tribunal de Contas do Município, assim como aos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, acrescentada a cláusula onde houver.

Consagrou-se, pois, a situação estabelecida, ou seja, onde eles já existem são mantidos e constitucionalizados; onde eles não existem, não podem ser criados. Há, portanto, estados que têm um Tribunal de Contas com o nome de Conselho de Contas Municipais, voltado, exclusivamente, à fiscalização dos Municípios. Esses Conselhos são, pois, mantidos. De outra parte, há apenas dois Municípios (o de São Paulo e o do Rio de Janeiro) que têm Tribunais de Contas próprios, ou seja,

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municipais. Ficam também mantidos e constitucionalizados em consonância com o disposto no caput do art. 75 da Lei Maior.

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CAPÍTULO XII − GLOBALIZAÇÃO

1. DEFINIÇÃO

A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural, política, que teria sido impulsionado pelo barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e início do século XXI. É um fenômeno gerado pela necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global que permita maiores mercados para os países centrais (ditos desenvolvidos) cujos mercados internos já estão saturados.

O processo de Globalização diz respeito à forma como os países interagem e aproximam pessoas, ou seja, interliga o mundo, levando em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Com isso, gerando a fase da expansão capitalista, onde é possível realizar transações financeiras, expandir seu negócio até então restrito ao seu mercado de atuação para mercados distantes e emergentes, sem necessariamente um investimento alto de capital financeiro, pois a comunicação no mundo globalizado permite tal expansão, porém, obtêm-se como consequência o aumento acirrado da concorrência.

2. HISTÓRIA DA GLOBALIZAÇÃO

A globalização é um fenômeno capitalista e complexo que começou na era dos descobrimentos e que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Mas o seu conteúdo passou despercebido por muito tempo, e hoje muitos economistas analisam a globalização como resultado do pós Segunda Guerra Mundial, ou como resultado da Revolução Tecnológica.

Sua origem pode ser traçada do período mercantilista iniciado aproximadamente no século XV e durando até o século XVIII, com a queda dos custos de transporte marítimo, e aumento da complexidade das relações políticas europeias durante o período. Este período viu grande aumento no fluxo de força de trabalho entre os países e continentes, particularmente nas novas colônias europeias.

Já em meio à Segunda Guerra Mundial surgiu, em 1941, um dos primeiros sintomas da globalização das comunicações: o pacote cultural-ideológico dos Estados Unidos incluía várias edições diárias de O Repórter Esso , uma síntese noticiosa de cinco minutos rigidamente cronometrados, a primeira de caráter global, transmitido em 14 países do continente americano por 59 estações de rádio, constituindo-se na mais ampla rede radiofônica mundial.50

É tido como início da globalização moderna o fim da Segunda Guerra mundial, e a vontade de impedir que uma monstruosidade como ela ocorresse novamente no futuro, sendo que as nações vitoriosas da guerra e as devastadas potências do eixo chegaram a conclusão que era de suma importância para o futuro da humanidade a criação de mecanismos diplomáticos e comerciais para aproximar cada vez mais as nações uma das outras. Deste consenso nasceu as Nações Unidas, e começou a surgir o conceito de bloco econômico pouco após isso com a fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço - CECA.

A necessidade de expandir seus mercados levou as nações a aos poucos começarem a se abrir para produtos de outros países, marcando o crescimento da ideologia econômica do liberalismo.

50 O Repórter Esso e a Globalização

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Atualmente os grandes beneficiários da globalização são os grandes países emergentes, especialmente o BRIC, com grandes economias de exportação, grande mercado interno e cada vez maior presença mundial.51 Antes do BRIC, outros países fizeram uso da globalização e economias voltadas a exportação para obter rápido crescimento e chegar ao primeiro mundo, como os tigres asiáticos na década de 1980 e Japão na década de 1970.52

Enquanto Paul Singer vê a expansão comercial e marítima europeia como um caminho pelo qual o capitalismo se desenvolveu assim como a globalização, Maria da Conceição Tavares aposta o seu surgimento na acentuação do mercado financeiro, com o surgimento de novos produtos financeiros.

3. IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO

A globalização afeta todas as áreas da sociedade, principalmente comunicação, comércio internacional e liberdade de movimentação, com diferente intensidade dependendo do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta, entretanto, a característica mais notável da globalização é a presença de marcas mundiais. A figura IX ilustra bem esta afirmativa.

Figura IX – Um retrato da globalização

4. COMUNICAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO

A globalização das comunicações tem sua face mais visível na internet, a rede mundial de computadores, possível graças a acordos e protocolos entre diferentes entidades privadas da área de telecomunicações e governos no mundo. Isto permitiu um fluxo de troca de ideias e informações sem critérios na história da humanidade. Se antes uma pessoa estava limitada a imprensa local, agora ela mesma pode se tornar parte da imprensa e observar as tendências do mundo inteiro, tendo apenas como fator de limitação a barreira linguística.

Outra característica da globalização das comunicações é o aumento da universalização do acesso a meios de comunicação, graças ao barateamento dos aparelhos, principalmente celulares e os de infraestrutura para as operadoras, com aumento da cobertura e incremento geral da qualidade graças a inovação tecnológica. Hoje uma inovação criada no Japão pode aparecer no mercado português ou brasileiro em poucos dias e virar sucesso de mercado. Um exemplo da universalização

51 G8: a desatualizada elite econômica do planeta52 Globalisation and the Asia-Pacific Revival.

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do acesso a informação pode ser o próprio Brasil, hoje com 42 milhões de telefones instalados, 53 e um aumento ainda maior de número de telefone celular em relação a década de 1980, ultrapassando a barreira de 100 milhões de aparelhos em 2002.

Redes de televisão e imprensa multimédia em geral também sofreram um grande impacto da globalização. Um país com imprensa livre hoje em dia pode ter acesso, alguma vezes por televisão por assinatura ou satélite, a emissoras do mundo inteiro, desde NHK do Japão até Cartoon Network americana.

Pode-se dizer que este incremento no acesso à comunicação em massa acionado pela globalização tem impactado até mesmo nas estruturas de poder estabelecidas, com forte conotação a democracia, ajudando pessoas antes alienadas a um pequeno grupo de radiodifusão de informação a terem acesso a informação de todo o mundo, mostrando a elas como o mundo é e se comporta54

Mas infelizmente este mesmo livre fluxo de informações é tido como uma ameaça para determinados governos ou entidades religiosas com poderes na sociedade, que tem gasto enorme quantidade de recursos para limitar o tipo de informação que seus cidadãos tem acesso.

Na China, onde a internet tem registrado crescimento espetacular, já contando com 136 milhões de usuários55 graças à evolução, iniciada em 1978, de uma economia centralmente planejada para uma nova economia socialista de mercado,56 é outro exemplo de nação notória por tentar limitar a visualização de certos conteúdos considerados "sensíveis" pelo governo, como do Protesto na Praça Tiananmem em 1989, além disso em torno de 923 sites de noticias ao redor do mundo estão bloqueados, incluindo CNN e BBC, sites de governos como Taiwan também são proibidos o acesso e sites de defesa da independência do Tibete. O número de pessoas presas na China por "ação subversiva" por ter publicado conteúdos críticos ao governo é estimado em mais de 40 ao ano. A própria Wikipédia já sofreu diversos bloqueios por parte do governo chinês57.

No Irã, Arábia Saudita e outros países islâmicos com grande influência da religião nas esferas governamentais, a internet sofre uma enorme pressão do Estado, que tenta implementar diversas vezes barreiras e dificuldades para o acesso a rede mundial, como bloqueio de sites de redes de relacionamentos sociais como Orkut e MySpace, bloqueio de sites de noticias como CNN e BBC e acesso a conteúdo erótico também é proibido.

5. GLOBALIZAÇÃO E QUALIDADE DE VIDA

O acesso instantâneo de tecnologias, principalmente novos medicamentos, novos equipamentos cirúrgicos e técnicas, aumento na produção de alimentos e barateamento no custo dos mesmos, tem causado nas últimas décadas um aumento generalizado da longevidade dos países emergentes e desenvolvidos. De 1981 a 2001, o número de pessoas vivendo com menos de US$1 por dia caiu de 1,5 bilhão de pessoas para 1,1 bilhão, sendo a maior queda da pobreza registrada exatamente nos países mais liberais e abertos a globalização.58

Na China, após a flexibilização de sua economia comunista centralmente planejada para uma nova economia socialista de mercado, e uma relativa abertura de alguns de seus mercados, a porcentagem de pessoas vivendo com menos de US$2 caiu 50,1%, contra um aumento de 2,2% na

53 Universalização da telefonia54 A comunicação de massa como condição para a democracia55 China pode ultrapassar EUA em usuários de internet56 a b Economic system, fonte: China.org.cn57 Internet na China58 How Have the Worlds Poorest Fared Since the Early 1980s

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África sub-saariana. Na América Latina, houve redução de 22% das pessoas vivendo em pobreza extrema de 1981 até 2002.59

Embora alguns estudos sugiram que atualmente a distribuição de renda ou está estável ou está melhorando, sendo que as nações com maior melhora são as que possuem alta liberdade econômica pelo Índice de Liberdade Econômica,60 outros estudos mais recentes da ONU indicam que "a 'globalização' e 'liberalização', como motores do crescimento econômico e o desenvolvimento dos países, não reduziram as desigualdades e a pobreza nas últimas décadas".61

Para o prêmio nobel em economia Stiglitz, a globalização, que poderia ser uma força propulsora de desenvolvimento e da redução das desigualdades internacionais, está sendo corrompida por um comportamento hipócrita que não contribui para a construção de uma ordem econômica mais justa e para um mundo com menos conflitos. Esta é, em síntese, a tese defendida em seu livro A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais.62

Críticos argumentam que a globalização fracassou em alguns países, exatamente por motivos opostos aos defendidos por Stiglitz: Porque foi refreada por uma influência indesejada dos governos nas taxas de juros e na reforma tributária.

6. EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NA INDÚSTRIA E SERVIÇOS

Os efeitos no mercado de trabalho da globalização são evidentes, com a criação da modalidade de outsourcing de empregos para países com mão-de-obra mais baratas para execução de serviços que não é necessário alta qualificação, com a produção distribuída entre vários países, seja para criação de um único produto, onde cada empresa cria uma parte, seja para criação do mesmo produto em vários países para redução de custos e ganhar vantagem competitivas no acesso de mercados regionais.

O ponto mais evidente é o que o colunista David Brooks definiu como "Era Cognitiva", onde a capacidade de uma pessoa em processar informações ficou mais importante que sua capacidade de trabalhar como operário em uma empresa graças a automação, também conhecida como Era da Informação, uma transição da exausta era industrial para a era pós-industrial.63

Nicholas A. Ashford, acadêmico do MIT, conclui que a globalização aumenta o ritmo das mudanças disruptivas nos meios de produção, tendendo a um aumento de tecnologias limpas e sustentáveis, apesar que isto irá requerer uma mudança de atitude por parte dos governos se este quiser continuar relevante mundialmente, com aumento da qualidade da educação, agir como evangelista do uso de novas tecnologias e investir em pesquisa e desenvolvimento de ciências revolucionárias ou novas como nanotecnologia ou fusão nuclear.

O acadêmico, nota porém, que a globalização por si só não traz estes benefícios sem um governo pró-ativo nestes questões, exemplificando o cada vez mais globalizado mercados EUA, com aumento das disparidades de salários cada vez maior, e os Países Baixos, integrante da UE, que se

59 Índices de pobreza do Banco Mundial60 Global Inequality Fades as the Global Economy Grows61 Globalização não reduz desigualdade e pobreza no mundo, diz ONU. Agência Efe. In: Mundo, Folha online, 10/02/2007 às 08h5062 PRADO, Luiz Carlos Delorme. A política econômica deles, e a nossa.... uma resenha de A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais. Rio de Janeiro: Revista de Economia Contemporânea, vol.11 no.3, Sept./Dec. 200763 The Cognitive Age

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foca no comércio dentro da própria UE em vez de mundialmente, e as disparidades estão em redução.64

7. TEORIAS DA GLOBALIZAÇÃO

A globalização, por ser um fenômeno espontâneo decorrente da evolução do mercado capitalista não direcionado por uma única entidade ou pessoa, possui várias linhas teóricas que tentam explicar sua origem e seu impacto no mundo atual.

A rigor, as sociedades do mundo estão em processo de globalização desde o início da História, acelerado pela época dos Descobrimentos. Mas o processo histórico a que se denomina Globalização é bem mais recente, datando (dependendo da conceituação e da interpretação) do colapso do bloco socialista e o consequente fim da Guerra Fria (entre 1989 e 1991), do refluxo capitalista com a estagnação econômica da URSS (a partir de 1975) ou ainda do próprio fim da Segunda Guerra Mundial.

No geral a globalização é vista por alguns cientistas políticos como o movimento sob o qual se constrói o processo de ampliação da hegemonia econômica, política e cultural ocidental sobre as demais nações. Ou ainda que a globalização é a reinvenção do processo expansionista americano no período pós guerra-fria (esta reinvenção tardaria quase 10 anos para ganhar forma) com a imposição (forçosa ou não) dos modelos políticos (democracia), ideológico (liberalismo, hedonismo e individualismo) e econômico (abertura de mercados e livre competição).

Vale ressaltar que este projeto não é uma criação exclusiva do Estado norte-americano e que tampouco atende exclusivamente aos interesses deste, mas também é um projeto das empresas, em especial das grandes empresas transnacionais, e governos do mundo inteiro. Nesta ponta surge a inter-relação entre a Globalização e o Consenso de Washington.

O pensador italiano Antonio Negri defende, em seu livro "Império", que a nova realidade sócio-política do mundo é definida por uma forma de organização diferente da hierarquia vertical ou das estruturas de poder "arborizadas" (ou seja, partindo de um tronco único para diversas ramificações ou galhos cada vez menores). Para Negri, esta nova dominação (que ele batiza de "Império") é constituída por redes assimétricas, e as relações de poder se dão mais por via cultural e econômica do que uso coercitivo de força. Negri entende que entidades organizadas como redes (tais como corporações, ONGs e até grupos terroristas) têm mais poder e mobilidade (portanto, mais chances de sobrevivência no novo ambiente) do que instituições paradigmáticas da modernidade (como o Estado, partidos e empresas tradicionais).

Em A Identidade cultural na Pós-Modernidade, Stuart Hall (2003) busca avaliar o processo de deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades modernas, assim como o descentramento dos quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural. Tais mudanças teriam sido ocasionadas, na contemporaneidade, principalmente, pelo processo de globalização. A globalização alteraria as noções de tempo e de espaço, desalojaria o sistema social e as estruturas por muito tempo consideradas como fixas e possibilitaria o surgimento de uma pluralização dos centros de exercício do poder. Quanto ao descentramento dos sistemas de referências, Hall considera seus efeitos nas identidades modernas, enfatizando as identidades nacionais, observando o que gerou, quais as formas e quais as consequências da crise dos paradigmas do final do século XX.

Em seu artigo "Jihad vs. McWorld", Benjamin Barber expõe sua visão dualista para a organização geopolítica global num futuro próximo. Os dois caminhos que ele enxerga — não apenas como possíveis, mas também prováveis — são o do McMundo e o da Jihad. Mesmo que se utilizando

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de um termo específico da religião islâmica (cujo significado, segundo ele, é genericamente "luta", geralmente a "luta da alma contra o mal", e por extensão "guerra santa"), Barber não vê como exclusivamente muçulmana a tendência antiglobalização e pró-tribalista, ou pró-comunitária. Ele classifica nesta corrente inúmeros movimentos de luta contra a ação globalizante, inclusive ocidentais, como os zapatistas e outras guerrilhas latino-americanas.

Está claro que a democracia, como regime de governo particular do modo de produção da sociedade industrial, não se aplica mais à realidade contemporânea. Nem se aplicará tampouco a quaisquer dos futuros econômicos pretendidos pelas duas tendências apontadas por Barber: ou o pré-industrialismo tribalista ou o pós-industrialismo globalizado. Os modos de produção de ambos exigem outros tipos de organização política cujas demandas o sistema democrático não é capaz de atender.

Para Conversi, os acadêmicos ainda não chegaram a um acordo sobre o real significado do termo globalização, para o qual ainda não há uma definição coerente e universal: alguns autores se concentram nos aspectos econômicos, outros nos efeitos políticos e legislativos, e assim por diante. Para Conversi, a 'globalização cultural' é, possivelmente, sua forma mais visível e efetiva enquanto "ela caminha na sua trajetória letal de destruição global, removendo todas as seguranças e barreiras tradicionais em seu caminho. É também a forma de globalização que pode ser mais facilmente identificada com uma dominação pelos Estados Unidos. Conversi vê uma correlação entre a globalização cultural e seu conceito gêmeo de 'segurança cultural', tal como desenvolvido por Jean Tardiff, e outros.

Conversi propõe a análise da 'globalização cultural' em três linhas principais:

a. a primeira se concentra nos efeitos políticos da alterações sócio-culturais, que se identificam com a 'insegurança social';

b. a segunda, paradoxalmente chamada de 'falha de comunicação', tem como seu argumento principal o fato de que a 'ordem mundial' atual tem uma estrutura vertical, na realidade piramidal, onde os diversos grupos sociais têm cada vez menos oportunidades de se intercomunicar, ou interagir de maneira relevante e consoante suas tradições; de acordo com essa teoria não estaria havendo uma 'globalização' propriamente dita, mas, ao contrário, estariam sendo construídas ligações-ponte, e estaria ocorrendo uma erosão do entendimento, sob a fachada de uma homogenização global causando o colapso da comunicação interétnica e internacional, em consequência direta de uma 'americanização' superficial.

c. a terceira linha de análise se concentra numa forma mais real e concreta de globalização: a importância crescente da diáspora na política internacional e no nascimento do que se chamou de 'nacionalismo de e-mail" - uma expressão criada por Benedict Anderson (1992). "A expansão da Internet propiciou a criação de redes etnopolíticas que só podem ser limitadas pelas fronteiras nacionais às custas de violações de direitos humanos".

O cientista político Samuel P. Huntington, ideólogo do neoconservadorismo norte-americano, enxerga a globalização como processo de expansão da cultura ocidental e do sistema capitalista sobre os demais modos de vida e de produção do mundo, que conduziria inevitavelmente a um "choque de civilizações".

8. ANTIGLOBALIZAÇÃO

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Apesar das contradições há um certo consenso a respeito das características da globalização que envolve o aumento dos riscos globais de transações financeiras, perda de parte da soberania dos Estados com a ênfase das organizações supra-governamentais, aumento do volume e velocidade como os recursos vêm sendo transacionados pelo mundo, através do desenvolvimento tecnológico etc.

Além das discussões que envolvem a definição do conceito, há controvérsias em relação aos resultados da globalização.[18] Tanto se pode encontrar pessoas que se posicionam a favor como contra (movimentos antiglobalização).

A globalização é um fenômeno moderno que surgiu com a evolução dos novos meios de comunicação cada vez mais rápidos e mais eficazes. Há, no entanto, aspectos tanto positivos quanto negativos na globalização. No que concerne aos aspectos negativos há que se realçar a facilidade com que tudo circula não havendo grande controle como se pode facilmente depreender pelos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos da América. Esta globalização serve para os mais fracos se equipararem aos mais fortes pois tudo se consegue adquirir através desta grande autoestrada informacional do mundo que é a Internet. Outro dos aspectos negativos é a grande instabilidade econômica que se cria no mundo, pois qualquer fenômeno que acontece num determinado país atinge rapidamente outros países criando-se contágios que tal como as epidemias se alastram a todos os pontos do globo como se de um único ponto se tratasse. Os países cada vez estão mais dependentes uns dos outros e já não há possibilidade de se isolarem ou remeterem-se no seu ninho pois ninguém é imune a estes contágios positivos ou negativos.

Como aspectos positivos, tem-se, sem sombra de dúvida, a facilidade com que as inovações se propagam entre países e continentes, o acesso fácil e rápido à informação e aos bens. Com a ressalva de que para as classes menos favorecidas economicamente, especialmente nos países em desenvolvimento, esse acesso não é "fácil" (porque seu custo é elevado) e não será rápido.

9. A GLOBALIZAÇÃO

A globalização consiste numa temática que transcende ao enfoque meramente econômico e está na pauta das discussões modernas mundiais, mormente pela sua direta e indireta influência no quotidiano da vida de qualquer cidadão do globo.

Portanto, torna-se indispensável que o operador do Direito tome a análise jusfilosófica do tema, pois a globalização já começa a agir incisivamente na inserção do contexto da norma jurídica.

Não é pretensão deste apostila levantar estudo sobre as questões mais profundas, no entanto, apenas no intuito de aguçar o estudo mais aprofundado, destaca-se uma coisa ou outra acerca do que realmente vem a ser a Globalização e sua influência no Direito, amparando-se nas constatações de André-Jean Arnaud.

O jusfilósofo francês Arnaud salienta que a globalização começou a ser debatida na década de 1980, pelos anglo-saxões. Todavia, afirma ele que na França o assunto atende pela denominação de mundialização, que para o jusfilósofo melhor traduz as concepções francesas do tema, bem como, representa com maior propriedade o que se entende por globalização, pois, segundo o entendimento do jurista francês: "quando os autores de ficção científica falam de guerra dos mundos, é sem dúvida da 'mundialização' de que estão falando, da relação entre o planeta terra e outras galáxias, e não da 'globalização' que somente diz respeito ao planeta azul"

Salienta, ainda, o jusfilósofo francês Arnaud que a história do Ocidente mediterrâneo e da "cristandade medieval está cheia de tendências imperialistas com pretensões 'mundiais' muito afastadas daquilo que se entende, hoje em dia, por 'globalização'.

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A par do entendimento acima, e por se ter como pacífico o emprego da palavra global, esta pode, segundo Arnaud, "significar planetário sem esta conotação imperialista que o termo assumiu com a utilização que dele foi feita pelos Estados centrais, em detrimento dos países menos favorecidos", assim, o autor mantém o termo globalização em seu estudo.

Nesta senda, também salutar destacar a conceituação de globalização do especialista Carlos Juan Moneta, que ministra que "o conceito de globalização refere-se aos processos considerados como um conjunto inter-relacionado, de crescente interação e interdependência, originados entre as distintas unidades constitutivas do novo sistema mundial em formação." Neste sentido, Arnaud sustenta as seguintes teses:

a. que o próprio direito está também implicado diretamente pelo processo de globalização;

b. que a globalização adquiriu hoje em dia um valor de paradigma;c. que os juristas podem encontrar no paradigma da globalização uma nova maneira de

colocar problemas considerados sem solução, e até mesmo de superar a crise permanente na qual o Direito se encontra mergulhado.

Arnaud aprofunda, e afirma que é possível "falar especificamente de globalização quando um certo número de condições são preenchidas", quais sejam:

a. uma mudança nos modelos de produção;b. o desenvolvimento de mercados de capitais ligados fora do âmbito das nações;c. uma expansão crescente das multinacionais;d. aumento de acordos comerciais entre nações através de blocos econômicos

regionais;e. ajuste estrutural passando pela privatização e pela redução do papel do Estado;f. a hegemonia dos conceitos neoliberais em matéria de relações econômicas;g. generalização global na defesa dos direitos humanos; eh. criação de ONGs supranacionais.

Verifica-se, pois, que a globalização rompe com as fronteiras transnacionais, causando conseqüências às informações; aos serviços; ao trânsito de mercadorias, capitais e pessoas. As afetações que surgem nestes aspectos, produzem efeitos no direito de contratar, no direito do trabalho, no direito financeiro, no direito do consumidor, etc. Tais mutações, segundo Arnaud, levam a seguinte indagação: "o que será a profissão de advogado daqui a cinqüenta anos?"

Não há como alguém, em lúcida consciência, nos dias atuais, afirmar que não sente de alguma forma as influências da globalização. Não se trata só dos aspectos econômicos, mas outros diariamente ligados ao nosso quotidiano, veja-se, por exemplo, a informação. Há duas décadas o mundo era enorme, vasto, quase inimaginável. Hoje, o mundo apequenou-se pela informação on-line, não existe mais a expressão do outro lado do mundo, estão todos do outro lado na tela do computador, do telefone, na televisão.

Sendo o Direito o esteio da pacificação social, e o advogado seu instrumetalizador, imagine-se quão profunda será os efeitos da globalização em sua atividade. Arnaud mesmo conjectura uma resposta a indagação acima, afirmando que: "o escritório de advocacia vai se tornar – se ele ainda não o é –, um dos locais em que os operadores do direito virão sistematicamente projetar suas ações antes mesmo de empreendê-las, e de solucionar amigavelmente os assuntos contenciosos entre partes cada vez mais dispostas a transigir, e cada vez menos dispostas a transitar pelas vias 'normais' judiciárias ou administrativas das soluções dos conflitos".

Diz o jusfilósofo francês que, ainda que neste contexto todo, o Estado, por mais enfraquecido que possa se apresentar diante da aldeia global, deverá, necessariamente, intervir, pois, "a intervenção dos poderes públicos é, com efeito, mais do que nunca necessária, pois estes são

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os únicos suscetíveis, de poder apoiar-se localmente sobre os diversos movimentos sociais". Tem-se, desta forma, que o Direito está diretamente inserido no processo de globalização. Um novo vislumbrar jurídico se desponta no alvorecer deste terceiro milênio, cujo norte está representado na globalização.

E isto dá-se de forma tal que, inelutável as exigências hodiernas para que o Direito, e seus aplicadores, se atentem às revoluções do processo globalizante, às necessidades da norma jurídica ser produzida e implementada segundo os novos ditames que ora se fazem exigentes.

Segundo Arnaud, a "globalização remete a um processo social, econômico, cultural e demográficos que se instala no cerne das nações e as transcende ao mesmo tempo", salientando ainda, que a tendência à transnacionalização dos Estados-Nações acompanha, paralelamente, "uma atenção aos processos locais", afirmando que "ele opera em uma dialética permanente com o 'local' – daí a expressão recentemente cunhada de 'glocalização'", encerrando com a assertiva de que "o movimento contemporâneo de globalização do comércio é acompanhado por uma volta da sociedade civil que desempenha um papel cada vez mais importante na regulação social".

Está, pois, a globalização, impondo um paradigma que afeta com significativa relevância a vida de qualquer sociedade pertencente a aldeia global. Não só o Direito se vê inserido neste paradigma, mas a sociologia, a economia, a política pública, a própria filosofia, dentre outras áreas.

Daí conclui-se, que o tema merece maiores atenções acerca do estudo, senão da globalização, ao menos, e principalmente, dos efeitos que esta está a proporcionando nos dias atuais, influenciando as normas jurídicas, a economia e a condição de vida, inclusive dos mais céticos quanto a existência da influência da globalização no seio da sociedade latino-americana, dentre tantas outras significativas modificações. Na interpretação do que diz Arnaud se faz necessário ressaltar Arnaud que o profissional do Direito exerce, e exercerá com maior profundidade, a função de contrapeso entre as necessidades sociais e a opressão da mundialização, de forma que, um pensar jurídico mais atento se aponta neste início de terceiro milênio com especial premência.

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