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Curso de Direito
AS INOVAÇÕES DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA E
ORDINÁRIA DE BEM IMÓVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL
BRASILEIRO (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002)
Daniela Lopez Mota
R.A 454.796/6
Turma 3209-F
Fone: 3904-5048
São Paulo
2005
- 2 -
DANIELA LOPEZ MOTA
AS INOVAÇÕES DA USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA E
ORDINÁRIA DE BEM IMÓVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL
BRASILEIRO (Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002)
Trabalho de curso apresentado ao Curso
de Direito da UniFMU como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel
em Direito, sob a orientação do Professor
Christiano Cassettari.
São Paulo
2005
- 3 -
BANCA EXAMINADORA
Professor Orientador: _______________________ - _____ (___________)
Christiano Cassettari
Professor Argüidor: ________________________ - _____ (___________)
Professor Argüidor: ________________________ - _____ (___________)
- 4 -
Dedicado aos meus pais, Adelino e
Cristina, pelos gestos de amor e
carinho que são demonstrados a cada
instante de minha vida e por terem
me proporcionado a realização de
mais um sonho dentre muitos, a
conclusão de meu curso de Direito.
- 5 -
Agradeço ao Professor Christiano
Cassettari cujo auxílio nesta
empreitada foi determinante e ao
amigo e mestre Ivan Caetano Diniz de
Mello por todos os seus
ensinamentos que serviram de
exemplo para minha formação
profissional.
- 6 -
SINOPSE
O destaque do presente trabalho é demonstrar as inovações que ocorreram
no instituto da Usucapião com a entrada em vigor do Novo Código Civil, através de
suas novas regras, em especial em relação a Usucapião Extraordinária e Ordinária que
tiveram seus prazos reduzidos.
Sendo o Código Civil uma norma de ordem pública cumpre nos informar as
repercussões que tais inovações trouxeram na sociedade.
É objeto deste trabalho o estudo da usucapião, sua origem, seus aspectos
processuais, seus requisitos, suas modalidades, assim como o estudo do instituto da
prescrição, essencial para a caracterização da usucapião.
A função social da propriedade, princípio basilar do novo ordenamento
jurídico instituído será abordada tendo em vista a grande preocupação nos dias de hoje
quanto à improdutividade de terras, demonstrando a preocupação do legislador cada
vez mais crescente em dar finalidade social à propriedade.
A criação de novos institutos de usucapião visando a função social da
propriedade serão também abordados no presente trabalho.
- 7 -
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................
10
1 – LINHAS GERAIS DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO............................
11
1.1.Definição......................................................................................
11
1.2.Natureza Jurídica........................................................................
12
1.3.Nomenclatura..............................................................................
13
2 - A USUCAPIÃO NO DIREITO ROMANO................................................
15
2.1.Successio e Accessio Possessionis...........................................
18
2.2. Praescriptio longi temporis.........................................................
19
3 - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ............................................
21
4 - A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE PREVISTA NO ARTIGO 1228, § 4º DO NOVO CÓDIGO CIVIL.....................................................................
25
5 - A USUCAPIÃO COMO MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIO OU DERIVADO.............................................................................................
28
6 – PRESCRIÇÃO.......................................................................................
32
6.1. Causas Impeditivas ou Suspensivas da Prescrição..................
37
6.2. Causas Interruptivas da Prescrição...........................................
37
7 - REQUISITOS PESSOAIS, REAIS E FORMAIS DA USUCAPIÃO........
39
7.1.Posse..........................................................................................
41
7.2. Teorias da Posse.......................................................................
43
7.2.1. Posse direta e indireta.....................................................
46
7.2.2. Posse justa e injusta.......................................................
47
- 8 -
7.2.3. Posse de boa-fé e má – fé...............................................
48
7.2.4. Posse ad interdicta e ad usucapionem…….…………….
49
7.2.5. Posse contínua e ininterrupta.........................................
50
7.2.6. Posse sem oposição, incontestada, mansa e pacifica...
51
7.3. Tempo........................................................................................
52
7.4. Justo Título e Boa – fé...............................................................
53
8 - USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL..............................................................
56
9 - AÇÃO DE USUCAPIÃO DE TERRAS PARTICULARES.......................
58
10 - MODALIDADES DE USUCAPIÃO......................................................
67
10.1. A Usucapião Especial Urbana Prevista no Artigo 183 e
Parágrafos da Constituição Federal de 1988..........................
67
10.2. A Usucapião Especial Urbana prevista no Artigo 1.240 do
Novo Código Civil....................................................................
70
10.3. A Usucapião Especial Urbana Individual Prevista no Estatuto
da Cidade.................................................................................
71
10.4. A Usucapião Especial Urbana Coletiva Prevista no Estatuto
da Cidade.................................................................................
74
10.5. A Usucapião Especial Rural prevista no Artigo 191 da
Constituição Federal................................................................
76
10.6. A Usucapião Especial Rural prevista no Artigo 1.239 do
Código Civil de 2002................................................................
77
- 9 -
10.7. A Usucapião Extraordinária (Art. 1.238 do C.C/2002)............. 77
10.8. A Usucapião Ordinária (Art. 1.242 do C.C/2002).....................
79
11 – REGRAS DE TRANSIÇÃO.................................................................
82
12 – CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................
88
13 – BIBLIOGRAFIA....................................................................................
90
- 10 -
INTRODUÇÃO
Um dos objetivos do presente trabalho foi desenvolver um estudo sobre as
novas diretrizes do instituto da Usucapião de acordo com a nova lei de ordem pública, o
Novo Código Civil de 2002 que reduziu os prazos para a prescrição aquisitiva, além da
criação de outras modalidades de usucapião.
O legislador preocupou-se com a função social destinada à propriedade,
devido aos sérios problemas de abandono de terras produtivas por seus proprietários e
devido a má distribuição de terras e desigualdade social que ocorre em nosso País,
beneficiando aqueles que utilizam a terra para sua subsistência tornando-a produtiva e
destinando-a à sua moradia e de sua família.
Compete também o desenvolvimento do presente tema abordando suas
peculiaridades e comparando com os diversos ordenamentos jurídicos em que é
instituído, além do Código Civil, como a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade.
Este instituto mostra-se de suma importância devido a sua previsão na
norma superior, a Constituição Federal, que preceitua como garantia do cidadão o
direito à propriedade, devendo esta atender a sua função social.
Será realizado um estudo comparativo por meio da doutrina e da
jurisprudência sob diversos aspectos, principalmente devido as dúvidas que essas
inovações trouxeram, principalmente servindo de alerta aos proprietários que poderiam
não estar prevenidos para defender sua propriedade em virtude da redução dos prazos
em relação ao Código Civil de 1916.
- 11 -
CAPÍTULO 1 – LINHAS GERAIS DO INSTITUTO DA USUCAPIÃO
1.1. DEFINIÇÃO
Conforme salienta Orlando Gomes: “Usucapião é, no conceito clássico de
Modestino, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso
de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei: usucapio est adjectio dominii per
continuationem possessionis temporis lege definit”.1
Sílvio de Salvo Venosa define a usucapião da seguinte maneira: “A posse
prolongada da coisa pode conduzir à aquisição da propriedade, se presentes
determinados requisitos estabelecidos em lei. Em termos mais concretos, denomina-se
usucapião o modo de aquisição da propriedade mediante a posse suficientemente
prolongada sob determinadas condições”.2
Maria Helena Diniz conceitua a usucapião como: “A usucapião é um modo
de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada da coisa
com a observância dos requisitos legais”.3
Para Sílvio Rodrigues trata-se a usucapião: “...modo originário de aquisição
do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo,
fixado na lei”.4
Caio Mário da Silva Pereira define a usucapião como: “Usucapião é a
aquisição da propriedade ou outro direito real pelo decurso do tempo estabelecido e
com a observância dos requisitos instituídos em lei”.5
1 "Apud in GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 186. 2 Direito Civil – Direitos Reais – Volume 5, p. 190. 3 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – 4º Volume, p.144. 4 Direito Civil – Direito das Coisas – Volume 5, p. 108. 5 Instituições de Direito Civil – Vol IV – Direitos Reais, p. 138.
- 12 -
Nelson Rosenvald define a usucapião: “A usucapião é modo de aquisição da
propriedade e de outros direitos reais, pela posse contínua, durante certo lapso de
tempo, com os requisitos estabelecidos na lei”.6
Para Benedito Silvério Ribeiro: “Sendo, assim, a usucapião uma forma
aquisitiva do domínio pela posse prolongada e desde que observados os requisitos
estabelecidos na lei, tem-se que os elementos caracterizadores da usucapião ordinária,
da extraordinária e das especiais encontram-se como complementadores da
definição”.7
Por tudo exposto, conceituamos o instituto da usucapião como um modo de
aquisição da propriedade móvel ou imóvel pelo possuidor que permanece na coisa por
um determinado período que tem ser contínuo, sem sofrer oposição, sendo que se
presentes os requisitos como boa – fé e justo título o lapso temporal é reduzido.
1.2. NATUREZA JURÍDICA
Em relação a natureza jurídica da usucapião, Orlando Gomes sustenta a
seguinte análise: “As teorias subjetivas procuram fundamentar a usucapião na
presunção de que há o ânimo de renúncia ao direito por parte do proprietário que não o
exerce. O raciocínio é este: se o dono de uma coisa se desinteressa de sua utilização
durante certo lapso de tempo, é porque a abandonou ou está no propósito de
abandoná-la. Em verdade, porém, isso não ocorre. As mais das vezes, não há, de sua
parte, essa intenção. Presumi-la é desconhecer a própria natureza humana”.8
Ainda segundo o citado autor: “As teorias objetivas fundamentam a
usucapião em considerações de utilidade social. É socialmente conveniente dar
segurança e estabilidade à propriedade, bem como consolidar as aquisições e facilitar a
6 Direitos Reais, p. 57. 7 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 188. 8 Orlando Gomes, Direitos Reais, p. 187.
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prova do domínio. A ação do tempo sana os vícios e defeitos dos modos de aquisição
porque a ordem jurídica tende a dar segurança aos direitos que confere, evitando
conflitos, divergências e mesmo dúvidas. Bem certo é que “acabar com as incertezas
da propriedade” é a “razão final” da usucapião”9.
Verificamos que a teoria objetiva é a que melhor expressa os princípios de
direito, visando o bem estar social, conforme pondera Benedito Silvério Ribeiro: “Assim,
o interesse social ou interesse da coletividade, que constitui propriamente o primado do
direito, é o fundamento básico da prescrição, tanto extintiva quanto aquisitiva”.10
A usucapião, portanto, não tem como fundamento a punição pela inércia do
proprietário, e sim visa atender aqueles que dão a destinação correta à propriedade.
Para Maria Helena Diniz: “O fundamento desse instituto é garantir a
estabilidade e segurança da propriedade, fixando um prazo, além do qual não se
podem mais levantar dúvidas ou contestações a respeito e sanar a ausência de título
do possuidor, bem como os vícios intrínsecos do título que esse mesmo possuidor,
porventura, tiver”.11
1.3. NOMENCLATURA
A palavra “usucapião” provém do latim “usucapio”, do verbo “capio”, “capis”,
”cepi”, “captum”, “capere” e “usus”, verbos que significam respectivamente tomar e usar,
ou seja, expressão que significa “tomar pelo uso”. O termo “usucapião” significa
ocupação, tomada ou aquisição pelo uso.
9 Ibid., p. 187/88. 10 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 165. 11 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – 4º Volume, p.146.
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O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e o Novo Código Civil trazem a
palavra usucapião no gênero feminino.
Na legislação romana a palavra também aparecia no gênero feminino.
De acordo com sua origem latina, o correto é “a usucapião” e não “o
usucapião” no gênero masculino que era forma comumente utilizada em nosso país,
por isso, o Novo Código Civil trouxe a palavra no gênero feminino, para adequar-se às
suas origens.
- 15 -
CAPÍTULO 2 - A USUCAPIÃO NO DIREITO ROMANO
Foi a partir do Direito Romano que o instituto da usucapião foi bem
delineado, sendo essencial para a caracterização de diversos institutos concernentes
ao Direito Real, seus princípios e classificações serviram de base para sua instituição
no nosso ordenamento jurídico.
Há indagações acerca da origem da prescrição aquisitiva ou usucapião, se
na Grécia ou na Roma Antiga.
A própria etimologia da palavra “capio” que significa tomar e “usu” que
significa “pelo uso”, demonstrava a aquisição da propriedade pelo uso, mas exigindo
sempre um elemento, o tempo.
Na Lei das XII Tábuas poderia haver a posse prolongada dos imóveis,
móveis e também das mulheres, foi o “usus” uma das formas de matrimônio na Roma
Antiga.
Ao longo do tempo, juntamente com a posse passou a ser exigido o justo
título e a boa-fé. Foram editadas leis restringindo a aplicação da usucapião no direito
romano, como a Lei Atínia que proibia a usucapião de coisas furtadas; as Leis Júlia e
Pláucia que impediam a usucapião de coisas obtidas mediante violência e a Lei
Scribônia que vedava a usucapião de servidões prediais.
A propriedade no Direito Romano tem como característica dominante a
exclusividade, impondo a todos a obrigação de respeitá-la, assim como a subordinação
da propriedade ao seu proprietário. Os cidadãos romanos eram chamados de quirites
sendo estes os únicos permitidos a adquirir o domínio da propriedade quiritária, não
podendo, portanto, a propriedade ser invocada pelos peregrinos nem ser aplicada aos
imóveis provinciais.
- 16 -
A propriedade neste período é considerada ilimitada mas não completamente
conforme se verifica na obra de Thomas Marky: “O poder jurídico do proprietário sobre
a coisa é, em princípio, ilimitado, mas limitável. O poder completo pode ser limitado
voluntariamente pelo próprio proprietário ou pela lei. As limitações impostas pela lei
visam proteger o interesse público ou justos interesses de particulares”.12
O direito de propriedade sofre portanto, já no Direito Romano, limitações de
interesse público e de interesse de particulares que são os direitos de vizinhança.
A posse é requisito para aquisição da propriedade, seja no caso de
ocupação, tradição e na usucapião.
Recebe a denominação de “possessio naturalis”, o poder de mera detenção
que não gera consequências jurídicas em relação à possibilidade de se adquirir a
propriedade, por faltar o elemento “animus”, são as figuras do locatário, depositário e
comodatário. Há também a “possessio ad interdicta” que é o poder de fato que tem o
possuidor, apto a adquirir a propriedade mediante o cumprimento de outros requisitos.
O Direito Romano instituiu o princípio pelo qual ninguém pode transferir mais
direito do que tenha: “nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet”,
neste caso o direito do adquirente permanecerá o mesmo do precedente com todas as
limitações que eventualmente houver.
Os romanos consideravam como modos de aquisição originários a ocupação
(occupatio), a invenção, a união de coisas (accessio), a especificação (specificatio) e a
aquisição de frutos. Os modos de aquisição derivados eram: “mancipatio’, “in iure
cessio” e “traditio”
12 Curso Elementar de Direito Romano, p. 65/66.
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Os romanos consideravam a “usucapio”, como modo de aquisição da
propriedade fundado na posse, por tempo prolongado, transformando uma situação de
fato em direito.
A aquisição abrangia as “res mancipi” que eram os imóveis sitos no solo
itálico, os escravos, animais, ferramentas de cultivo e transporte, englobando também
entre as coisas incorpóreas as servidões de passagem e aquedutos, já as “res nec
mancipi” eram todas as demais coisas, como os móveis, o dinheiro, o gado miúdo e
imóveis provinciais, tais como as obrigações.
A usucapião é instituto bem antigo, já previsto na Lei das XII Tábuas sendo
que mediante o uso ininterrupto de um terreno durante dois anos gerava a aquisição da
propriedade do bem imóvel, desde que esses bens não fossem considerados
inalienáveis, imprescritíveis e bens fora do comércio (res extra commercium). Também
não podiam ser usucapidos os terrenos provinciais; os imóveis pertencentes aos
impúberes; os imóveis dotais; as coisas do fisco; as “res mancipi”, que fossem
alienadas pelas mulheres sem o consentimento do tutor; as coisas roubadas (res
furtivae), enquanto não retornassem ao seu legítimo dono e as coisas cuja posse foi
obtida mediante violência (res vi possessae).
O segundo requisito da usucapião clássica é a posse da coisa juntamente
com a intenção de tê-la como se sua fosse, é a chamada “possessio civilis”. É requisito
também o “iustus titulus” ou “iusta causa usucapionis”, que é o ato jurídico que
antecedente a posse, justificando a propriedade, exemplos seriam a doação, a compra
etc que não sofreram por algum motivo nenhum ato de transferência, por isso não
comprovam por si só a propriedade.
Outro requisito é a boa - fé do possuidor (bona fides), trata-se da convicção
do agente de que a coisa legitimamente lhe pertence. No Direito Romano a boa - fé
somente é exigida no início da posse, se ocorrer má-fé superveniente não há prejuízo
- 18 -
para aquisição da propriedade por usucapião: “mala fides superveniens non nocet”, de
qualquer modo no Direito Romano a boa - fé sempre se presume, a não ser que haja
prova em contrário.
O último requisito exigido para configurar o instituto do usucapião no Direito
Romano é o decurso do prazo (tempus) que era de dois anos quando se tratar de bem
imóvel e de um ano tratando-se de bem móvel.
2.1. SUCCESSIO E ACCESSIO POSSESSIONIS
No Direito Romano há ainda o instituto da “successio possessionis”, em que
se continua a correr o prazo iniciado pelo “de cujus” através de seu herdeiro, mas isso
não ocorria com aquele que adquiria a coisa a título particular, somente no século III
d.C que tais adquirentes a título singular foram equiparados a herdeiros, permitindo a
contagem do prazo da usucapião a partir do início da posse do seu antecessor é a
chamada “accessio possessionis”.
O Código Civil vigente dispõe sobre a acessão da posse no artigo 1.243,
permitindo a soma das posses dos antecessores, desde que todas sejam contínuas,
pacíficas e quando exigido mister se faz o justo título e boa – fé.13
Estabelece o artigo 1.207 do Novo Código Civil que o sucessor universal
continua com a posse do seu antecessor e o sucessor singular pode unir sua posse à
do antecessor.14
Na sucessão causa mortis permite-se, portanto que a posse se transmita aos
herdeiros.15
13 Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam continuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa – fé. 14 Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
- 19 -
2.2. PRAESCRIPTIO LONGI TEMPORIS
A “praescriptio longi temporis” é instituto de origem grega criado no fim do
século II d.C, diferente da usucapião, enquanto a usucapião é modo de aquisição da
propriedade, a “praescriptio” é meio de defesa processual que é concedido ao
possuidor contra o proprietário que intentou ação reivindicatória, paralisando assim a
pretensão do autor contra o réu nesta ação, pelo fato do réu possuir a coisa
pacificamente durante tempo determinado. O prazo deste instituto era maior que a da
usucapião, sendo de dez anos quando as partes moravam na mesma cidade (inter
praesentes) e vinte anos se não morassem na mesma cidade (inter absentes). Eram
exigidos, outrossim, os requisitos do usucapião: justo título e boa - fé. Esta defesa
processual se transformou mais tarde em um modo de aquisição da propriedade, tendo
o adquirente proteção processual contra o proprietário e contra qualquer terceiro.
A “praescriptio longi temporis” abrangeu também os bem móveis,
favorecendo os peregrinos que não podiam se utilizar da usucapião, por não serem
cidadãos romanos.
A “praescriptio longissimi temporis” era o decurso de tempo que gerava a
prescrição para a ação reivindicatória proposta pelo proprietário, devido a sua
negligência em tomar as providências necessárias, ocorria portanto, a extinção da ação
reivindicatória decorridos quarenta anos, prazo este instituído no Império de
Constantino, que foi reduzido para trinta anos no Império de Teodósio.
Contudo, Justiniano reformou esses institutos da “usucapio”, da “praescriptio
longi temporis” e da “praescriptio longissimi temporis”.
15 “Usucapião – Sucessão causa mortis – Litisconsórcio necessário – Com a morte daquele que tinha posse ad usucapionens, tal posse se transmite de pleno direito aos herdeiros que, juntamente com a viúva, formam um litisconsórcio ativo necessário e unitário” (TAMG – Apelação Cível 120276-2/00 – 5. CC – Rel. Juiz José Marrara – 27-2-92).
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A “praescriptio longi temporis” transformou-se em modo de aquisição da
propriedade somente de bens imóveis, exigindo-se a boa-fé, justo título e prazo de dez
anos entre presentes e vinte anos entre ausentes.
A “usucapio” foi destinada a aquisição de bens móveis como os mesmos
requisitos e prazo de três anos.
E finalmente, a “praescriptio longissimi temporis” passou a ser modo de
aquisição de propriedade pelo decurso do prazo de trinta anos, sem justo título, mas
com boa - fé do possuidor.
Verifica-se que o legislador brasileiro utilizou-se do instituto da usucapião
preceituado por Justiniano de acordo com a similaridade da “usucapio” e da
“praescriptio” com as regras da usucapião ordinária e extraordinária do Código Civil
vigente, passando a prescrição a ser um modo de adquirir e perder o direito de
propriedade de uma coisa ou de um direito pelo decurso do tempo.
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CAPÍTULO 3 - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
A propriedade sofreu diversas transformações desde o Direito Romano até
os dias atuais, com importantes contribuições da Constituição Federal, inicialmente a de
1934 (art. 113, XVII), repetida em 1946 (art. 147), reiterada na Emenda Constitucional
nº 1, de 17 de outubro de 1967 (art. 160) e mantida em 1988, e atualmente pelo Código
Civil de 2002, a propriedade está amparada pela função social. A nova ordem pública
dita a função social, dentre todas a da propriedade.
O conceito de função social da propriedade nasce do conflito gerado pela
desigualdade social e da reivindicação do povo por igualdade.
Foram atribuídas finalidades sociais que antes não existiam tendo em vista o
caráter eminentemente absoluto que a mesma possuía, contudo os direitos individuais
passaram a ser limitados, sendo o direito de propriedade não somente um simples
direito e sim um direito - dever. A finalidade é retirar da propriedade o caráter
eminentemente individual que foi exacerbado durante o Estado Liberal, após a
Revolução Industrial.
O princípio da função social da propriedade impõe obrigações de fazer, ou
seja, de exercer o próprio direito de propriedade, permitindo o uso do poder de polícia
para adequar as zonas de uso à sua finalidade social.
Uma das importantes inovações que o Novo Código Civil trouxe foi a
atribuição de finalidades à propriedade de acordo com o estabelecido no artigo 1.228, §
1º.16
16 Art. 1.228. § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
- 22 -
O Código Civil se adequou à finalidade social da propriedade que já era
prevista na Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXII e XXIII que disciplina ser a
propriedade garantia de todos devendo atender a sua função social. O artigo 5º da
LICC (Lei de Introdução ao Código Civil) também estabelece que a lei atenderá aos fins
sociais e às exigências do bem comum, o bem comum seria o interesse social em que a
propriedade seja solidária, é um ônus social.17
O artigo 186 da Constituição Federal de 1988 estabelece diretrizes para
atender a função social da propriedade rural, devido a preocupação do legislador em
atender o bem estar da coletividade que sofre pelo problema da concentração de terras
nas mãos de poucos, um fenômeno característico do Brasil. 18
Nos casos de invasão de imóvel rural promovida por pessoas carentes que
não tenham o mínimo exigido a uma existência digna e que tenham plantado uma
lavoura de subsistência no imóvel, a reintegração de posse pleiteada pelo proprietário
que abandonou o imóvel dificilmente logrará êxito, pois o direito de propriedade foi
exercido fora dos limites constitucionalmente traçados, colidindo com outro direito
fundamental conferido aos invasores, que é a dignidade da pessoa humana prevista no
Artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.19
17 C.F. Art. 5º XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social. LICC. Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 18 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III- observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV- exploração que favoreça o bem – estar dos proprietários e dos trabalhadores. 19 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana
- 23 -
Estabelece ainda o artigo 182, § 2º, da Constituição Federal de 1988 que a
“propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”.
O Plano Diretor instituído pela Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001,
estabelece no artigo 39 que a propriedade urbana deverá atender sua função social.20
Contudo, o Plano Diretor só é obrigatório para cidades com mais de vinte mil
habitantes, devendo, portanto, as cidades que não possuem um plano diretor
estabelecer as limitações ao direito de propriedade, visando atender sua função social
com a prevalência do interesse público sobre o particular.
A função social não se confunde com as limitações civis ao direito de
propriedade, nem ao menos com as limitações administrativas. As limitações são
condição de exercício do direito com fundamento no poder de polícia enquanto que a
função social está ligada aos deveres inerentes ao exercício da propriedade
A função social da propriedade é princípio básico que incide no direito de
propriedade, somando-se às quatro faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar,
esse princípio exerce um controle sobre a propriedade.
Portanto, se em uma ação reivindicatória o proprietário objetiva a
recuperação do bem, este será dificilmente recuperado se era desprovido de função
social, ou seja, se era subutilizado ou abandonado.
As modalidades de usucapião estabelecidas no parágrafo único dos artigos
1.238 e 1.242 do Novo Código Civil se referem às propriedades que não tiveram sua
20 Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º. desta lei.
- 24 -
destinação social, nestes casos os prazos para aquisição da propriedade serão
reduzidos pelo fato dos possuidores terem estabelecido no imóvel a sua moradia
habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Estes dispositivos
são inovações do Novo Código Civil, refere-se a posse - trabalho, foram propostas com
a finalidade de erradicação da pobreza e proteção ao direito de moradia, mostrando
mais uma vez a atribuição de uma função social à propriedade.
- 25 -
CAPÍTULO 4 - A FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE PREVISTA NO ARTIGO 1.228, § 4º
DO NOVO CÓDIGO CIVIL
O Código Civil vigente estabelece que o direito de propriedade deve ser
exercido de acordo com as suas finalidades econômicas e sociais, caso contrário não
há respeito à função social da propriedade, podendo o proprietário ser privado de sua
propriedade se nesta área houver um considerável número de pessoas e estes
houverem realizado, obras e serviços de interesse social e econômico relevante de
acordo com os requisitos estabelecidos no artigo 1.228, § 4º.
Este artigo aborda a função social da posse, que atende as exigências do
bem estar social, é a “posse - trabalho”. Mais uma vez surge a preocupação do
legislador em atender os anseios da sociedade que sofre pelo problema da
desigualdade social e da má distribuição de terras.
Vislumbra-se neste caso, que essas pessoas que ocuparam o imóvel
atribuíram uma função social à propriedade, já que realizaram obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Alguns denominam
essa privação de propriedade como se fosse uma nova modalidade de desapropriação
judicial indireta pela posse - trabalho e não uma modalidade de usucapião pois neste
caso o proprietário receberá uma justa indenização por ter perdido sua propriedade,
porém essa indenização será paga com títulos da dívida pública, para não gerar um
desestímulo social à produtividade devido a espera de muitos proprietários à futuras
indenizações, por isso sendo a indenização em títulos da dívida pública seria uma
verdadeira sanção ao proprietário que não exercitou a função social que lhe incumbia.
A indenização em títulos da dívida pública está prevista no artigo 8º da Lei nº
10.257 de 10 de julho de 2001.21
21 Art.8º. Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
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Muito se discute sobre a quem é cabível o pagamento da indenização
prevista no artigo 1.228, § 5º do Novo Código Civil, se seria pago pelos possuidores ou
pelo Poder Público.
O entendimento do Enunciado nº 84 do Conselho Superior da Justiça
Federal indica os possuidores como responsáveis pelo pagamento da indenização.22
Solução que se mostra incabível, devido a dificuldade em se visualizar tal situação em
que os ocupantes pagarão indenização ao proprietário, seria mais coerente ser o
pagamento realizado pelo Poder Público, através dos títulos da dívida pública.
Resta claro, que este instituto previsto no artigo 1.228, § 4º não se trata de
modalidade de usucapião, tendo em vista que na usucapião não há qualquer previsão
de pagamento de indenização, por isso podemos conceituar como uma modalidade de
desapropriação indireta, não podendo neste caso os ocupantes alegarem como matéria
de defesa a usucapião mesmo a coletiva prevista no artigo 9º e 10º do Estatuto da
Cidade, não se aplicando a Súmula nº 237 do STF.23
Esta defesa caberá aos réus da ação reivindicatória proposta pelo
proprietário, não podendo o magistrado de ofício suscitar a desapropriação.
As propriedades que não desenvolvem sua destinação social sofrem a
incidência de um tributo urbanístico com alíquota majorada pelo prazo de cinco anos
consecutivos para os locais abrangidos pelo Plano Diretor, trata-se da progressividade
extrafiscal, que a cada ano de inércia do proprietário é majorado o valor do tributo, caso
a obrigacão de parcelar, edificar ou utilizar não seja atendida em cinco anos, o
Município manterá a alíquota máxima até que se cumpra essa obrigação.
22 En. 84. “A defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, § 4º e 5º, do Novo Código Civil) deve ser arguida pelos réus na acão reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização”. 23 Súmula 237 do STF: “O usucapião pode ser arguido em matéria de defesa”.
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A progressividade não tem como objetivo a arrecadação e sim a imposição
de interesse público, fazendo com que os proprietários construam em seus terrenos ou
ceda-os aos construtores conforme dispõe o artigo 156, inciso I, § 1º da Constituição
Federal e ainda conforme Emenda Constitucional nº 29/2000 que estabelece que o não
uso do imóvel é reconhecimento de fator de progressividade.24
Conforme salienta Manoel Gonçalves Ferreira Filho: ”Sem dúvida, a
propriedade não é sagrada, como afirmava a Declaração de 1789. É um direito
fundamental que não está nem acima nem abaixo dos demais. Deve, como os demais,
sujeitar-se às limitações exigidas pelo bem comum. Pode ser pedida em favor do
Estado quando o interesse público o reclamar, como a vida tem de ser sacrificada
quando a salvação da pátria o impõe. Pode ser recusada quanto a certos bens cujo uso
deva ser deixado a todos, quando a exploração deles não convém que se faça
conforme a vontade de um ou de alguns cidadãos. Tem de ser respeitada, porém, até
que se prove existir liberdade sem ela como instrumento, segurança sem ela como
garantia”.25
24 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; § 1º O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. 25 Curso de Direito Constitucional, p.301.
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CAPÍTULO 5 - A USUCAPIÃO COMO MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIO OU
DERIVADO
A aquisição da propriedade pode dar-se pelo modo originário ou derivado.
Pelo modo originário, o novo proprietário não manteve qualquer relação de
direito real ou pessoal com o seu antecessor, já que não obtém o bem do antigo
proprietário e sim contra ele. Esse modo de aquisição era muito comum nos tempos
primitivos em que as coisas eram adquiridas pelo primeiro que delas se apossasse, já
que as coisas não pertenciam a ninguém, era a chamada “res nullius”. Adquirindo a
propriedade pelo modo originário, não surge nenhum vínculo entre a propriedade atual
e a anterior, sendo o bem incorporado ao patrimônio do novo titular, livre de todos os
vícios. São modos de aquisição originário a ocupação, a acessão natural e a usucapião.
O segundo modo de aquisição da propriedade denominado derivado ocorre
quando o adquirente sucede o proprietário em seu direito precedente, ou seja, ocorre
uma transmissão entre o antigo proprietário e o novo adquirente por ato causa mortis
(direito hereditário) ou inter vivos (registro do título). Os efeitos que esse modo de
aquisição gera é que a coisa transferida permanece com os mesmos atributos e
restrições que possuía no patrimônio do transmitente, ou seja, ônus e gravames. São
modos de aquisição derivado a especificação, a confusão, a comistão, a tradição e toda
espécie de transmissão.
Há decisões judiciais no sentido de considerar a usucapião como modo de
aquisição originário, deste modo extinguir-se-ia os direitos reais que o antigo
proprietário houvesse constituído.26
26 Ação reivindicatória. Alegação em defesa de usucapião extraordinário. Imóvel com cláusula de inalienabilidade. A aquisição por usucapião é originária. Com relação ao usucapiente importa a posse por 20 anos, pacífica e ininterrupta pelo prazo de 20 anos. Nenhuma relação existe entre o perdente do direito de propriedade e o que adquire por usucapião. Com a usucapião simplesmente extingue-se o direito do proprietário, bem como os direitos reais que ele tiver constituído, e sem embargos de quaisquer limitações a seu dispor (REsp. n. 13.663 – SP – Rel. Min. Athos Carneiro – 26/10/1992).
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Quanto a usucapião, há diversos entendimentos doutrinários a respeito de tal
classificação.
Nelson Rosenvald entende que a usucapião é modo de aquisição originário e
devido a este fato incide nos seguintes efeitos: “Como na usucapião, o possuidor
adquire a propriedade por sua posse prolongada, a despeito de qualquer relação
jurídica com o proprietário anterior, não incidirá o fato gerador do ITBI (a transmissão da
propriedade, a teor do art. 35 do CTN), já que o usucapiente não adquire a coisa do
antigo proprietário, mas contra o antigo proprietário. Outrossim, se existir eventual ônus
real sobre o imóvel, em razão de negócio jurídico praticado pelo antigo proprietário
(v.g., hipoteca, servidão), não subsistirá o gravame perante o prescribente, que
receberá a propriedade límpida, isenta de máculas”.27
Benedito Silvério Ribeiro entende que se trata de modo de aquisição
originário, demonstrando a ineficácia de se considerar como modo de aquisição
derivado: “Porém a considerar o modo de aquisição como derivado, infalivelmente
teríamos que consignar que todo imóvel usucapiendo teria um primitivo proprietário, o
que seria difícil provar quando ausente, incerto ou desconhecido, ou ainda quando não
figurasse transcrito o registro imobiliário”.28
Washington de Barros Monteiro também é adepto no sentido de considerar a
usucapião como modo de aquisição originário, apesar de concordar que se trata de
questão ainda não solucionada pela doutrina: “Discute-se se o usucapião é modo
originário ou derivado de adquirir a propriedade. Trata-se de questão obscura e até
agora não solucionada pela doutrina, que se inclina, porém, no sentido de conceituá-lo
como modo originário, porquanto, para o usucapiente, a relação jurídica de que é titular
surge como direito novo, independente da existência de qualquer vinculação com seu
predecessor, que, se por acaso existir, não será o transmitente da coisa”.29
27 Direitos Reais, p. 57/58. 28 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 168. 29 Curso de Direito Civil – Direito das Coisas – Vol.3 , p. 121.
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Orlando Gomes sustenta a idéia de que se trata de modo de aquisição
originário diante do fato de que não há nenhuma espécie de vínculo entre o antigo
proprietário e o possuidor que adquire a propriedade: “Inclui-se entre os modos
originários. É que, a despeito de acarretar a extinção do direito de propriedade do
antigo titular, não se estabelece qualquer vínculo entre ele e o possuidor que o adquire.
Há, no entanto, quem a considere modo derivado, sob o fundamento de que não se fez
nascer um direito novo, substituindo os direitos que o antigo titular havia constituído
sobre o bem, antes de ser usucapido”.30
Sílvio Rodrigues entende tratar-se a usucapião de modo originário de
aquisição da propriedade: “Isso é a usucapião. Ou seja, modo originário de aquisição
do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo,
fixado na lei”.31
Sílvio de Salvo Venosa é da opinião ser a usucapião modo de aquisição
originário: “O usucapião deve ser considerado modalidade originária de aquisição,
porque o usucapiente constitui direito à parte, independentemente de qualquer relação
jurídica com anterior proprietário. Irrelevante ademais houvesse ou não existido
anteriormente um proprietário”.32
Maria Helena Diniz, também entende ser a usucapião modo de aquisição
originário da propriedade: “A usucapião é um direito novo, autônomo, independente de
qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o
transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário,
mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença a aquisição por
usucapião”.33
30 Direitos Reais, p. 187. 31 Direito Civil – Direito das Coisas – Volume 5, p. 108. 32 Direito Civil – Direitos Reais – Volume 5, p. 192. 33 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – 4º Volume, p.145.
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Uma posição doutrinária divergente das acima expostas e minoritária é a de
Caio Mário da Silva Pereira que nega a idéia de que a usucapião é modo de aquisição
originário e sustenta tratar-se de modo de aquisição derivado, apesar de admitir a falta
da transmissão voluntária entre o proprietário e o novo adquirente: “Assim entendendo,
não se pode atribuir ao usucapião esta qualificação, porque é modalidade aquisitiva que
pressupõe a perda do domínio por outrem, em benefício do usucapiente. Levando, pois,
em conta a circunstância de ser a aquisição por usucapião relacionada com outra
pessoa que já era proprietária da mesma coisa, e que perde a titularidade da relação
jurídica dominial em proveito do adquirente, conclui-se ser ele uma forma de aquisição
derivada. Mas não se pode deixar de salientar que lhe falta, sem a menor dúvida, a
circunstância da transmissão voluntária, ordinariamente presente na aquisição
derivada”.34
Diante de todos os fundamentos doutrinários acima expostos, podemos
concluir que a usucapião é modo de aquisição originário, uma vez que não há nenhuma
relação jurídica voluntária entre o antigo proprietário e o novo adquirente, portanto não
existem os requisitos necessários aptos a gerar uma relação negocial entre as partes.
Ademais, incabível a pretensão de se considerar modo de aquisição derivado pela
dificuldade em existir um consentimento do proprietário em transmitir a propriedade a
outrem, tendo em vista que se trata da perda da propriedade a favor do novo
adquirente, sendo inviável caracterizar como um modo voluntário de transmissão, que é
requisito fundamental para se caracterizar a aquisição derivada.
34 Instituições de Direito Civil – Vol IV – Direitos Reais, p. 138/139.
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CAPÍTULO 6 - PRESCRIÇÃO
O Código Civil de 1916 confundia prescrição e decadência. Já o Novo
Código Civil disciplina expressamente a decadência nos artigos 207 a 211, também
fazendo menção a este instituto nos artigos 178 e 179.35
O Novo Código Civil também atribui um novo conceito à prescrição conforme
estabelecido no seu artigo 189.36
A decadência atinge o próprio direito que não foi exercido no prazo descrito
em lei, enquanto a prescrição pressupõe a inércia do titular do direito, que não se
utilizou do seu direito, a diferença existente entre esses dois institutos é que a
prescrição pode interromper-se ou suspender-se e pode ser renunciada, já a
decadência prevista em lei não pode ser renunciada e o prazo é fatal.
Benedito Silvério Ribeiro aponta a diferença entre os dois institutos visando o
interesse social: “A decadência do direito, por envolver quase sempre um princípio de
ordem pública, podendo ser conhecida de ofício, mesmo que ninguém a alegue,
diferentemente da prescrição, tem que ver com outras situações, como, por exemplo,
nos casos de negativa de liminar em ação possessória cujo esbulho ou turbação tenha
35 Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição. Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, I. Art. 209. É nula a renúncia à decadência fixada em lei. Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei. Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação. Art. 178. É de 4 (quatro) anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I – no caso de coação, do dia em que ela cessar; II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico; III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade. Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de 2 (dois) anos, a contar da data da conclusão do ato. 36 Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
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ocorrido há mais de ano e dia e também quando o proprietário, que anuir em janela,
sacada, terraço ou goteira sobre seu prédio, não reclamar o desfazimento da obra até
ano e dia do seu término, além de várias outras hipóteses”.37
O magistrado só poderá conhecer de ofício a decadência prevista em lei, por
ser de ordem pública, portanto, irrenunciável. Já a decadência de caráter privado, como
os direitos patrimoniais, pode ser renunciada, devendo a própria parte arguir, caso
contrário ocorrerá renúncia tácita não podendo o magistrado impedi-la.
Conforme salienta Maria Helena Diniz: “A decadência resultante de prazo
extintivo estabelecido por lei é irrenunciável, não sendo lícito às partes derrogar
mandamento legal; todavia se o prazo tiver sido imposto pela vontade das partes, nada
obsta sua renúncia, depois de consumada, uma vez que quem pode condicionar o
exercício do direito também pode revogar essa condição”.38
Na decadência não há a possibilidade de interrupção e suspensão do prazo
tendo em vista que esta visa o interesse da sociedade que poderia se prejudicar com
essa interrupção ou suspensão, possibilidades que existem no caso da prescrição,
conforme artigo 207 do Novo Código Civil.39
Somente no caso do artigo 198, inciso I, do Novo Código Civil admite-se a
suspensão da decadência.40
O titular ao ter seu direito violado, tem a pretensão de restabelecê-lo,
respeitando os prazos dispostos no Código Civil que se não observados gera a extinção
do direito pela prescrição.41
37 Tratado de Usucapião – Volume 1, p.13. 38 Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro – VER NOME DO LIVRO – VER. Vol, p.352. 39 “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição”. 40 Art. 198. Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3º.
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Clóvis Beviláqua define a prescrição: “Prescrição é a perda da ação atribuída
a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso
delas, durante um determinado espaço de tempo. Não é o fato de não se exercer o
direito que lhe tira o vigor; nós podemos conservar inativos em nosso patrimônio muitos
direitos, por tempo indeterminado. O que o torna inválido é o não uso da sua
propriedade defensiva, da ação que o reveste e protege. A ação, considerada do ponto-
de-vista social, é o princípio tutelar, que a sociedade insere a cada direito, e por meio
do qual ela se interpõe entre o portador do direito e o seu ofensor, mas este tegumento
protetor do direito se adelgaça e desfaz, quando, por longo tempo, deixa de reagir
contra os ataques vibrados sobre o direito; é um órgão que se atrofia pelo desuso”.42
Há dois tipos de prescrição no direito brasileiro a prescrição aquisitiva,
chamada de usucapião e a prescrição extintiva, também chamada de liberatória,
negativa ou prescrição propriamente dita. Ambas possuem o princípio extintivo, porém
cada uma com suas peculiaridades.
A prescrição aquisitiva gera direitos e a outra extingue pretensões. A
prescrição extintiva está disposta na Parte Geral do Código Civil, é a prescrição
propriamente dita que se aplica a todas as relações jurídicas, enquanto a prescrição
aquisitiva está na Parte Especial e se refere à aquisição da propriedade.
Benedito Silvério Ribeiro define as prescrições da seguinte maneira: “A
prescrição é, por conseguinte, um modo pelo qual se adquire direitos, sendo também
meio de ilidir ou de se libertar de uma obrigação”.43
Segundo o citado mestre: “A prescrição aquisitiva pode ser exercida tanto
como ação quanto como exceção – usucapio prodest tam ad agendum quam
41 Art. 189 do Novo Código Civil 42 Teoria Geral do Direito Civil, p. 286/287. 43 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 18.
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excipiendum, enquanto à prescrição extintiva somente se atribui a natureza de
exceção”.44
A prescrição extintiva ocorre devido ao não uso do direito durante
determinado espaço de tempo.
Os elementos que integram a prescrição aquisitiva consistem na posse da
coisa, justo título, boa - fé e decurso do tempo, além dos requisitos especiais quando
exigidos e na extintiva caracteriza-se tão somente pelo decurso do tempo.
O instituto da prescrição visa resguardar os anseios da sociedade gerando
segurança jurídica e harmonia, não deixando que ocorram casos que permaneçam sem
solução por períodos indeterminados, a ordem social necessita da prescrição para
regular as relações sociais, por isso possui regras de ordem pública não sendo passível
de convenção ente particulares.
Conforme ensinamentos do Direito Romano: “vigilantibus et non dormientibus
succurrit ius (o direito protege aos que estão alertas e não aos que dormem); iura
vigilantibus subveniunt (o direito protege aos que vigiam).
Conforme salienta Benedito Silvério Ribeiro: “A prescrição extintiva nunca
toma a forma de ação, revestindo-se da natureza de exceção, peremptória da ação,
nascendo da inércia do titular de um direito e tem por fim dissipar a obrigação,
fulminado o direito assegurado. Já a prescrição aquisitiva pode ser exercida tanto como
ação quanto como exceção”.45
A perda da propriedade ocorre com a prescrição aquisitiva, através da
competente ação de usucapião ou por meio de exceção na ação reivindicatória,
44 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 21. 45 Ibid., p. 30.
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divisória, demolitória ou possessória, ou seja, tem que ser no momento oportuno e não
a qualquer momento, será na fase de defesa à demanda do autor, não se aplicando
neste tipo de prescrição o disposto no artigo 193 do novel Código que se refere a
prescrição extintiva. 46
Não se exige que pelo tempo necessário a coisa seja possuída pela mesma
pessoa. Permite a lei que o usucapiente faça juntar à sua a posse do seu antecessor. –
accessio possessionis. Somente na sucessão a título universal dá-se sempre a
acessão; e na que se realiza a título singular, o usucapiente pode fazer a junção,
contanto que sejam ambas aptas a gerar o usucapião.
No caso da prescrição aquisitiva a posse continuada ocorre pelos
sucessores a título universal ou gratuito, já no caso da prescrição extintiva a prescrição
iniciada pelo de cujus continua somente com o herdeiro.
Destarte, a posse do antecessor não acede à do usucapiente se era de má-
fé, nem ocorre a “accessio temporis” se o atual possuidor não é sucessor do antigo.
O domínio não se perde pela prescrição extintiva disposta no artigo 205 do
Novo Código Civil e sim quando houver uma ação de usucapião intentada.47
Benedito Silvério Ribeiro salienta que: ”A prescrição aquisitiva, destarte,
extingue a reivindicatória. É ela que faz perder o direito, transferindo o domínio ao atual
possuidor. Não há prescrição da reivindicatória, mas sim perda do próprio direito”.48
46 Art. 193. A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. 47 Art. 205. A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 48 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 50.
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6.1. CAUSAS IMPEDITIVAS OU SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO
Para Clóvis Beviláqua: “Suspensão da prescrição é a parada, que o direito
estabelece, por considerações diversas, ao curso dela, ou o impedimento que opõe ao
seu início”.49
As causas impeditivas ou suspensivas, expressões sinônimas, podem surgir
antes do nascimento da ação, assim obsta que comece o curso da prescrição, ou
podem ser supervenientes ao nascimento da ação fazendo com que obste a
continuação do curso da prescrição já iniciado.
A prescrição suspensiva decorre de um acontecimento que por algum
período, impedirá de começar ou continuar a correr a prescrição, mas que afastado
esse acontecimento a prescrição voltará a correr computando-se o tempo antes
decorrido, ou seja, sem que se perca o tempo anterior.
Humberto Theodoro Júnior elenca um caso de suspensão da prescrição
aquisitiva: “Assim, se por exemplo, morre o dono do imóvel usucapiendo e entre seus
herdeiros há menor impúbere ou outro tipo de incapaz, suspenso ficará o fluxo do prazo
de prescrição aquisitiva enquanto durar a incapacidade absoluta dos novos
proprietários do bem”.50
6.2. CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO
Com a interrupção da prescrição, eventual prazo já decorrido fica sem efeito.
A perda da posse contínua ou ininterrupta é causa de interrupção da
prescrição aquisitiva, pois é elemento indispensável à sua caracterização.
49 Teoria Geral do Direito Civil, p. 295.
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Não se interrompe o que já se consumou, ou seja, qualquer causa após a
configuração da prescrição é inoperante.
O fato do possuidor ser citado para uma causa em relação ao bem que tem
intenção de usucapir gera a interrupção da boa - fé deste, ou seja, o possuidor passará
a possuir de má-fé, uma vez que já foi citado.
O exercício da posse estará interrompido a não ser que o lapso prescricional
já se tenha completado, neste caso, não há o que se interromper.
Contudo a interrupção da prescrição através da citação só se perfaz se a
ação for julgada procedente, para não gerar ações sem fundamento jurídico somente
pelo fato de que a citação interrompe a prescrição, visando prejudicar assim o
possuidor.
A prescrição interrompida recomeça a partir da data do ato que a
interrompeu ou do último ato do processo que a interrompeu, ou seja, a partir do último
termo judicial praticado na demanda pela qual se interrompeu a prescrição.
Conforme demonstrado, é a prescrição instituto essencialmente importante
para o estudo da usucapião.
50 Curso de Direito Processual Civil – vol III., p. 164.
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CAPÍTULO 7 - REQUISITOS PESSOAIS, REAIS E FORMAIS DA USUCAPIÃO
A usucapião contém requisitos pessoais, reais e formais.
São requisitos pessoais os que se referem ao possuidor que pretende
adquirir o bem e ao proprietário. O adquirente tem que ser capaz e ter qualidade para
adquirir o domínio.
O Código Civil vigente no artigo 1.244 estabelece que se estendem aos
possuidores o mesmo quanto ao devedor em relação as causas que obstam,
suspendem ou interrompem a prescrição. São causas que impedem ou suspendem a
prescrição as dispostas no artigo 197 a 201 do Código Civil vigente.51
São causas que interrompem a prescrição a citação pessoal feita ao
devedor; o protesto, inclusive o cambial; a apresentação de título de crédito em juízo de
inventário ou em concurso de credores; o ato judicial que constitua em mora o devedor
e qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do
direito do devedor.
51 Art. 197. Não corre a prescrição: I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II- entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Art. 198. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3º; II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I – pendendo condição suspensiva; II – não estando vencido o prazo; III – pendendo ação de evicção. Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.
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São requisitos reais os que se referem aos bens e direitos suscetíveis de
serem usucapidos (res habilis), já que nem todas as coisas e direitos podem ser objeto
de usucapião.
Nunca poderão ser objeto de usucapião: as coisas fora do comércio ou dos
negócios, pelo fato de não serem suscetíveis de apropriação pelo homem, são
exemplos o ar, a luz solar etc. Também não podem ser objeto de usucapião os bens
dotais ou o bem de família; os bens públicos e os bens pertencentes a pessoas para as
quais não corre a prescrição tais como o menor, tutelado, curatelado, cônjuge etc.52
Em relação às terras devolutas, também não há possibilidade de usucapião,
uma vez que se enquadram como terras públicas, havendo neste caso expressa
vedação no artigo 183, §3º e parágrafo único do artigo 191, ambos da Constituição
Federal e ainda artigo 102 do Código Civil de 2002.53
Os direitos reais recaintes sobre coisas prescritíveis são passíveis de
aquisição por usucapião, são exemplos a enfiteuse, o usufruto, o uso, a habitação e as
servidões, exceto as não aparentes. Também são passíveis de aquisição por usucapião
os semoventes.
O Código Civil de 2002 elenca os bens imóveis em seus artigos 79 a 81.54
52 “Desde a vigência do Código Civil, os dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”. (Súmula 340 - Supremo Tribunal Federal – Agravo de Instrumento nº 37.476 – 1ª Turma – Oswaldo Trigueiro – DJ, 5-10-66). 53 Art. 183. § 3º da Constituição Federal. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Art. 191. Parágrafo único da Constituição Federal. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Art. 102 do Código Civil/2002: Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. 54 Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; II – o direito à sucessão aberta; Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis: I – as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local; II – os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
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Os requisitos formais são os elementos necessários para se caracterizar o
instituto: a posse, o lapso de tempo e a sentença judicial, além do justo título e da boa -
fé, em casos especiais.
7.1. POSSE
A posse é requisito fundamental para se caracterizar a usucapião, devendo
revestir-se de animus domini, ou seja, a intenção ou vontade de possuir a propriedade
como se sua fosse, afastando a posse dos locatários, usufrutuários que embora
possuem diretamente não gera qualquer direito. A posse deve ser, outrossim, mansa e
pacífica e contínua, afastada de violência, clandestinidade ou precariedade.55
A contagem do prazo é feita por dias, é possível o encurtamento do prazo
mediante a existência de requisitos suplementares como o justo título e a boa – fé.
Segundo Benedito Silvério Ribeiro: “Afastando discussões doutrinárias, o
possuidor é aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes ao domínio ou propriedade”.56
O Novo Código Civil repetiu o artigo 485 do Código Civil de 1916 apenas
eliminando as palavras “domínio” e “ou”.57
55 USUCAPIÃO – Imóvel – Inadmissibilidade – Ocupação do imóvel que não se dá com o ânimo de proprietário e, sim, por mera tolerância da autora – Posse da ré que é precária, despida de animus ad usucapionem – Recurso não provido. (Relator: Alvaro Lazzarini – Apelação Cível nº 203.211-1 – São Paulo – 08.02.94). USUCAPIÃO – Extraordinário – Requisitos – Animus domini – Ausência – Posse precária – Liberalidade do proprietário – Mera detenção do imóvel que não leva à prescrição aquisitiva – Inteligência dos artigos 492 e 497 do Código Civil – Sentença confirmada – Recurso não provido. (Apelação Cível nº 229.631-1 – São Paulo – 7ª Câmara Civil – Relator: Leite Cintra - 09.08.95 – Votação Unânime). 56 Tratado de Usucapião – Volume 1., p. 640. 57 Art. 485 do C.C/16. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade. Art. 1.196. do C.C/02. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
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Em relação aos detentores, estes não são possuidores, apenas têm a posse
em razão de alguma obrigação ou direito e durante um certo tempo, ou seja, mantêm a
coisa e a posse em nome alheio, são os fâmulos da posse, o caseiro de uma chácara
seria um exemplo. 58
Já o locatário, o comodatário, o usufrutuário têm direitos equiparados ao dos
possuidores na hipótese de turbação, podendo-se valer do desforço imediato, tendo em
vista que exercem a posse direta da propriedade.59
A posse natural ou detenção estabelecida no artigo 1.198 do novo Código
Civil opõe-se a civil, que é a determinada pela lei, como a posse do herdeiro, que é
transmitida assim que ocorra a morte do de cujus e também no caso do constituto
possessório.
Posse ad interdicta é o fato de deter materialmente a coisa (possessio
naturalis) com a intenção de tê-la para si (animus rem sibi habendi).
Portanto, a posse que conduz à usucapião é a possessio ad usucapionem.
Conforme salienta Benedito Silvério Ribeiro: “A posse civil, destarte, é a
mesma posse jurídica ou natural com o acréscimo das condições de justa causa e boa
– fé e que conduzem à prescrição aquisitiva”.60
No caso de compossuidores, em princípio o compossuidor somente pode
requerer a prescrição aquisitiva juntamente com os demais e visando o interesse geral,
contudo se o compossuidor passar a exercer a posse exclusivamente sobre uma parte
certa, determinada e individualizada dentro do todo, e se não ocorrer oposição dos
58 Art. 1.198 do C.C/02. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação à coisa e à outras pessoas, presume-se detentor, até que prove o contrário. 59 Art. 1.210 do C.C/02. § 1º. O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. 60 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 642.
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demais compossuidores, este estará apto a usucapir a sua porção, sendo assim seu
quinhão ficará excluído da compossessão e estará cessada a composse. Em se
tratando de composse sem esta exclusividade, a usucapião terá de ser buscada por
todos, com benefício a todos os compossuidores.
Em relação à posse de um direito sobre a coisa, no caso da servidão,
superfície, enfiteuse, usufruto etc, existe o que denominamos de quase - posse, uma
vez que a posse refere-se tão somente ao direito sobre a coisa e não propriamente
sobre esta em todo seu domínio.
É costume a posse da servidão, do usufruto, do uso, da habitação etc. No
caso da servidão o Novo Código Civil estipula um prazo de 10 anos para usucapião da
servidão desde que haja o exercício incontestado e contínuo desta servidão aparente e
desde que estejam presentes os requisitos estipulados no artigo 1.242 do mesmo
Código, que são o justo título e a boa – fé, assim o interessado poderá registrar a
servidão em seu nome no Registro de Imóveis, valendo a sentença que julgar a
usucapião como título. No entanto, se o possuidor não tiver presente o justo título o
prazo para prescrição aquisitiva aumentará para 20 vinte anos.61
É importante ressaltar, que a usucapião refere-se tão somente à servidão, ou
seja, a um direito sobre a propriedade, uma vez que foi exercida uma quase – posse
sobre a propriedade em sua totalidade, somente no que se refere a servidão, sendo
que a propriedade em relação ao proprietário permanecerá com a mesma área mesmo
com a usucapião da servidão.
7.2. TEORIAS DA POSSE
Flávio Tartuce explica a teoria subjetivista ou subjetiva cujo principal defensor
é Savigny, para esta teoria a posse se compõe de dois elementos, o “corpus”, que é o
61 Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por 10 (dez) anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.
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fato material de a coisa estar subordinada a uma pessoa, sendo o outro elemento a
intenção que é chamada de “animus”, ou seja, mister se faz o ânimo de possuir a coisa
(animus possidendi). De acordo com esta teoria o locatário, o comandatário e o
depositário não seriam possuidores pois não possuem o elemento “animus”, não têm a
intenção de tornarem-se proprietários. Esta não é a teoria adotada pelo Código Civil de
1916, nem pelo Código Civil vigente.62
Uma outra teoria, esta objetiva ou objetivista, com principal defensor Ihering,
afirma que para constituir a posse basta a pessoa dispor da coisa fisicamente ou ter a
possibilidade de exercer um contato com a coisa, sendo que o elemento “animus” se
exterioriza pela maneira com que é exercido o “corpus”. Esta é a teoria adotada pelo
Novo Código Civil em seu artigo 1.196.63
O Código Civil vigente estabelece que é possuidor todo aquele que tem de
fato o exercício de alguns dos poderes inerentes à propriedade, plenamente ou não.64
Conforme salienta Benedito Silvério Ribeiro: “Volvendo à teoria adotada e
sendo a posse o poder físico sobre a coisa, dividiu-a Ihering em posse natural e posse
jurídica: a primeira é o simples poder físico sobre a coisa, que não leva a qualquer
efeito jurídico (a lei civil a denomina detenção), enquanto a posse jurídica constitui
aquele poder físico exercido sobre a coisa e que pode produzir efeitos jurídicos (essa é
a posse propriamente dita do Código Civil)”.65
Neste caso, seriam possuidores o comandatário e o locatário, pois possuem
o elemento “corpus”, dispondo da propriedade não plenamente mas com os poderes
Parágrafo Único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de 20 (vinte) anos. 62 TARTUCE. Flávio. A função social da posse e da propriedade e o direito civil constitucional. Disponível no site www.flaviotartuce.adv.br, acesso em 14.02.2005. 63 TARTUCE. Flávio. A função social da posse e da propriedade e o direito civil constitucional. Disponível no site www.flaviotartuce.adv.br, acesso em 14.02.2005. 64 Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade. 65 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 649.
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que lhe cabem, não é necessário para se configurar a posse natural o elemento
“animus”, ou seja, a vontade de possuir a coisa como se sua fosse (posse jurídica),
estas pessoas exercem a posse direta do bem e o proprietário estaria exercendo a
posse indireta. Resta demonstrado que o Código Civil vigente adotou a teoria de
Ihering, demonstrando a posse somente pela presença do elemento “corpus”, estando o
“animus” contido no “corpus”, dependendo da maneira de como é exercitado o direito.
Os direitos a posse são protegidos por lei, advindo consequências. Há o
direito de posse (jus possessionis) que é o direito ligado ao fato da posse e há o direito
de possuir (jus possidendi) que é o direito de exercer a posse. Sendo o proprietário
titular do jus possidendi e não tendo o jus possessionis não lhe será dado usar os
interditos, não poderá, portanto, evitar que aquele através da reivindicatória restitua a
coisa.
Há dois efeitos peculiares à posse, independentemente da idéia de
propriedade que são os interditos (possessio ad interdicta) e a usucapião (possessio ad
usucapionem), a primeira serve para a defesa da posse e a segunda ao
reconhecimento do domínio.
O Código Civil de 2002 estabelece no artigo 1.225 quais são os direitos
reais.66
Maria Helena Diniz considera que este rol do artigo 1.225 é numerus
clausus, uma vez que não é facultado às partes criar direitos reais além dos que já
66 Art. 1.225. São direitos reais: I – a propriedade; II – a superfície; III – as servidões; IV – o usufruto; V – o uso; VI – a habitação VII – o direito do promitente comprador do imóvel; VIII – o penhor; IX – a hipoteca; X – a anticrese.
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estão estipulados: “Eis porque é comum falar-se que o direito real há “imposição de
tipos”, com o que se quer dizer que as partes não podem, por si mesmas, mediante
estipulação, criar direitos reais com conteúdo arbitrário, mas que estão vinculadas aos
“tipos jurídicos” que a norma jurídica colocou à sua disposição”.67
São as mesmas considerações de Nelson Rosenvald: “Destinando-se a
operar contra toda a coletividade, não poderiam nascer os direitos reais da mera
vontade das partes, sob pena de total insegurança no comércio jurídico. Portanto,
inseridos em regime de ordem pública, os direitos reais são numerus clausus, de
enumeração taxativa, restringindo-se ao rol exaustivo do art. 1.225 do Código Civil”.68
Essa não é a opinião de Benedito Silvério Ribeiro: “No entanto, apesar de
não estar a posse arrolada no mencionado dispositivo legal, cabe reconhecer que não
vigora em nosso direito o princípio do numerus clausus quanto aos direitos reais, sendo
exemplificativa a enumeração contida o art. 674 do diploma citado”.69
Entendemos que se trata de um rol taxativo de direitos reais, não permitindo
deste modo que as partes estipulem direitos além dos que estão elencados na lei, o
que geraria insegurança jurídica nas relações da sociedade. Não é portanto a posse um
direito real, uma vez que a relação jurídica existente é de estado, ou seja, caracteriza
uma situação de fato, podendo transformar-se em direito de propriedade caso cumpra
os requisitos da prescrição aquisitiva.
7.2.1 POSSE DIRETA E INDIRETA
Na posse indireta o seu titular mesmo afastado continua com o exercício
mediato, enquanto que a posse direta é exercida pelo contratante, no caso o locatário,
o usufrutuário, o usuário, o habitante, o enfiteuta, o comodatário, o depositário, o
testamenteiro, o inventariante, o tutor, o curador, o promitente comprador, o credor
pignoratício e o anticrético, o síndico da massa falida etc.
67 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – 4. Volume, p.14. 68 Direitos Reais, p. 7. 69 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 652.
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A posse, contudo, não se desdobra para aqueles que mantêm a posse em
nome de outrem, em virtude de dependência ou subordinação, cumprindo ordens, que
é o caso dos fâmulos da posse ou empregados.
O possuidor direto poderá promover a defesa de sua posse por meio dos
interditos possessórios, mas não poderá se valer da posse ad usucapionem visando o
domínio.70
Conforme salienta Benedito Silvério Ribeiro: “Desdobrada, pois, a relação
possessória, poderá o possuidor direto promover a defesa pelos interditos, mas, à falta
de autonomia da posse, não poderá valer-se de posse ad usucapionem para atingir o
domínio, já que originada de obrigação, uma vez que o verdadeiro possuidor ostenta a
posse indireta sobre a coisa”.71
Poderá, portanto, o possuidor direto defender a sua posse contra o possuidor
indireto, conforme estabelecido no artigo 1.197 do Código Civil vigente.72
7.2.2. POSSE JUSTA E INJUSTA
Entende-se por posse justa aquela que não é revestida de vícios, como:
violência, clandestinidade ou precariedade, conforme artigo 1.200 do Novo Código
Civil.73
São características da posse justa ser mansa e pacífica, não podendo ser
havida pela força, o que se confrontaria com o ordenamento jurídico. Mister se faz que
seja contínua.
70 Usucapião – Extraordinário – Improcedente – Promovente que não preenche os requisitos previstos no artigo 550 do CC – Locação – Posse direta que não anulou a indireta – Inteligência do artigo 486 do CC – Recurso não provido. (Apelação Cível nº 260.218-1 – São José dos Campos – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator: Sousa Lima – 21.08.96 – Votação Unânime). 71 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 660. 72 Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direto pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto. 73 Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.
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Não se confunde posse justa com posse civil, sendo esta a posse jurídica,
revestida de justa causa e boa – fé. A posse justa abrange qualquer direito, seja a
posse jurídica ou a mera detenção, um exemplo seria o depositário que embora possua
a detenção justa, podendo se defender contra esbulho ou turbação, não possui a posse
jurídica.
A posse injusta é revestida de violência que pode ser física ou até mesmo
moral; é clandestina, ou seja, estabelecida ocultamente e precária, que é aquela
adquirida por abuso de confiança, devido a não entrega da coisa que tinha a obrigação
de restituir.
A posse será convalidada somente com a cessação da clandestinidade ou
violência, conforme estabelece o artigo 1.208 do Código Civil vigente.74
A transformação de posse violenta e clandestina em posse justa ocorrerá
após ano e dia, contudo a posse precária nunca se convalidará.
A inversão do estado da posse só ocorrerá advindo mudança da causa de
possuir, o locatário, por exemplo, não poderá transformar a sua posse, a não ser que
não seja mais locatário e se torne proprietário através da compra da propriedade.75
7.2.3. POSSE DE BOA – FÉ E MÁ – FÉ
Estabelece o artigo 1.201 do Código Civil vigente a definição de possuidor de
boa – fé, diante disso o possuidor de má-fé é aquele que conhece do vício e que
reveste sua posse de violência, clandestinidade e precariedade, reconhecendo a
ilegitimidade de sua posse, mas mantendo-a deste modo.76
74 Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. 75 Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. 76 Art. 1.201. É de boa – fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
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A posse de boa - fé perderá este caráter quando advirem circunstâncias que
façam presumir que o possuidor não ignora que está possuindo indevidamente, assim
sua posse não estará mais revestida de boa – fé.77
A citação inicial para a demanda é caso de perda da boa – fé. É neste
momento que a prescrição será interrompida, a não ser que o possuidor se defenda
alegando que os fundamentos da citação são improcedentes, convindo que a coisa lhe
pertence.
No Direito Romano ao contrário do nosso direito era permitido a má-fé
superveniente (mala fides superveniens non nocet).
A boa – fé deverá estar presente durante todo o tempo apto a gerar a
prescrição aquisitiva, sendo que na hipótese de má – fé superveniente impedirá a
configuração da prescrição.
A boa – fé pode existir sem título, nos casos de compra de quem não é
mandatário etc.
Contudo a presença do justo título faz presumir a existência da boa - fé.78
7.2.4. POSSE AD INTERDICTA E AD USUCAPIONEM
A posse ad interdicta está prevista no artigo 1.210 do Novo Código Civil,
sendo a posse que não gera a prescrição aquisitiva por não se revestir de animus
domini.79
77 Art. 1.202. A posse de boa – fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. 78 Parágrafo único do Art. 1.201. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa – fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção. 79 Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
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Já a posse ad usucapionem é aquela que conduz à usucapião por estar
revestida de animus domini, ou seja, a vontade de possuir a coisa (animus possidendi),
devendo esta posse ser contínua ou ininterrupta, sem oposição e incontestada.
7.2.5. POSSE CONTÍNUA E ININTERRUPTA
A lei Civil equipara as expressões contínua e ininterrupta, somente a doutrina
faz distinção entre estas, afirmando que a descontinuidade advém do possuidor,
enquanto que a interrupção proveria de terceiros.
A posse ininterrupta ou contínua é aquela que perdura durante o prazo
determinado em lei, sem ser interrompida.
Pode haver a accessio possessionis, em que o adquirente de boa –fé,
poderá somar à sua a posse do alienante, se lhe for interessante.
No caso da successio possessionis, o herdeiro não poderá adicionar à sua
posse a do de cujus, se outros herdeiros discordarem da exclusividade da continuação.
Benedito Silvério Ribeiro distingue a interrupção natural da civil: “Distinguindo
a interrupção natural da civil, consiste a primeira na perda da posse pela ausência do
corpus, antes de completado o tempo prescricional determinado em lei; pode ser
invocada por quem tenha interesse. Mas, recuperada a posse, será tida como nunca
interrompida. A interrupção civil incide no caso de o proprietário promover a
reivindicação antes de findo o prazo prescricional, ocorrendo com a citação inicial ou
mediante protesto contra o prescribente junto a autoridade competente”.80
Ocorrerá, também a interrupção civil advindo algumas das hipóteses do
artigo 1.244 do Código Civil vigente.81
80 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 692. 81 Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.
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A interrupção acarretará o reinício da contagem do prazo prescricional, sem
aproveitar o tempo já decorrido.
No caso da interrupção natural, se o possuidor propor interdito possessório
dentro e ano e dia e vencendo, contar-se-á a seu favor, o tempo em que esteve
esbulhado, considerando-se nunca interrompida, caso contrário considerar-se –á
perdida a posse, conforme artigo 1.224 do Código Civil de 2002.82
7.2.6. POSSE SEM OPOSIÇÃO, INCONTESTADA, MANSA E PACÍFICA
A posse mansa, tranquila e pacífica é aquela que é exercida sem violência.
A oposição interfere na mansidão e pacificidade da posse, fazendo com que
haja descontinuidade da posse.
Conforme salienta Benedito Silvério Ribeiro: “A tranquilidade advém da
omissão ou inércia do proprietário ou de possíveis interessados. Assim, a falta de
oposição é característica de uma posse tranquila, no sentido exato da expressão”.83
Quanto a posse sem contestação e oposição, expressões sinônimas, é
aquela que não se reveste dos vícios como a violência, precariedade e clandestinidade.
No que se refere ao exercício da posse, dispõe o citado autor: “Em suma,
pode-se afirmar que o exercício da posse, de modo geral, compreende desde a prática
de atos materiais, concretos, efetivos, mediante contato direto e permanente, presença
física, até aqueles atos de gozo e disponibilidade da coisa, mesmo não residindo no
imóvel usucapiendo o possuidor, embora pagando os tributos e comportando-se como
verdadeiro proprietário, patenteado o animus domini indispensável à configuração da
82 Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido. 83 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 704.
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prescrição aquisitiva, não olvidados os demais requisitos respeitantes ao título, tempo,
coisa hábil e boa – fé”.84
7.3 TEMPO
A prescrição conta-se por dias civis, sem abatimento dos feriados. O prazo
portanto, é contínuo, exceto nas hipóteses de suspensão.
O Código Civil de 1916 previa prazos diferentes na modalidade de usucapião
ordinária quando se tratavam de ausentes e presentes, o atual Código não mais prevê
essa situação, tendo em vista que não há mais nos dias de hoje dificuldades de
locomoção e principalmente de meios de divulgação de informações, não necessitando
mais diferenciar os prazos quando se tratar de presentes e ausentes.
É possível a acessão de posses, desde que contínuas e pacíficas. Esta
junção de posses se dá quando duas pessoas possuem as mesmas qualidades,
supondo-se portanto o mesmo ânimo.
A acessão a título universal (successio possessionis) é obrigatória,
permanecendo o herdeiro com a posse do de cujus juntamente com todos os vícios
inerentes. Já a posse a título singular, a soma não é obrigatória e sim uma faculdade,
mas ocorrerá se forem ambas aptas à usucapião, sendo que o vício não se comunica à
posterior. A accessio temporis não se dará se o atual possuidor não suceder o antigo.
Conforme salienta Arnold Wald: “Quanto ao prazo para usucapião, admite-se
que o possuidor posterior compute em seu favor a posse do seu antecessor. Existem
duas situações distintas: ou a sucessão foi a título singular e então o novo possuidor
tem uma opção entre continuar a posse do anterior ou iniciar uma posse nova; ou então
ocorreu a sucessão a título universal e o sucessor é obrigado a continuar a posse do
84 Tratado de Usucapião – Volume 1, p. 714.
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sucedido. Algumas vezes há interesse em iniciar a posse nova quando a anterior
estava inquinada de algum vício e o decurso de novo prazo ensejaria uma aquisição
mais rápida da propriedade pelo novo possuidor”.85
Além dos requisitos comuns que são os pessoais, reais e formais, há ainda
os especiais, que dependem do requisito tempo, são o justo título e a boa – fé.
7.4. JUSTO TÍTULO E A BOA - FÉ
São requisitos exigidos para a usucapião ordinária, o justo título (titulus ou
iusta causa) e a boa – fé (bona fides), já na usucapião extraordinária o justo título não é
necessário. Em virtude do prazo para a usucapião neste caso ser bem maior não há o
requisito do justo título, nem da boa - fé.86
O artigo 1.238 que trata da usucapião extraordinária teve sua redação
modificada em relação ao artigo 550 do Código Civil de 1916, uma das modificações foi
a supressão da redação que se referia ao título “que, em tal caso, se presume”, uma
vez que estava implícito que cumpridos os demais requisitos estabelecidos em lei era
desnecessário o possuidor ter um título para adquirir o imóvel.
Segundo Benedito Silvério Ribeiro: “O título é, pois, o ato jurídico através do
qual o possuidor tem a coisa; em tese, tal ato é justa causa de aquisição (causa
adquirendi ou iusta causa acquisitionis), mas que por algum vício não conduziu à
aquisição”.87
Não deve ser exigido o registro do título para considerá-lo justo, pois se o
registro fosse exigido para considerar o título hábil, não teria sentido o instituto da
85 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – Vol. III, p. 159. 86 USUCAPIÃO – Ordinário – Ausência de justo título – Utilização de documento rasurado – Requisitos do artigo 551 do Código Civil não satisfeitos – Recurso não provido. (Apelação Cível nº 228.469-1 – Andralina – 7ª Câmara Civil – Relator: Júlio Vidal – 09.08.95 – Votação Unânime) 87 Tratado de Usucapião – Volume 2, p. 757.
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usucapião, uma vez que se o título fosse completo e válido seria normalmente levado a
registro, sem necessitar da prescrição aquisitiva para se adquirir a propriedade.
O justo título e a boa –fé estão intimamente ligados. O pretendente à
usucapião deve ignorar a existência de vícios, cabendo ao impugnante provar a
existência da má-fé, já que a boa – fé se presume.
Conforme Benedito Silvério Ribeiro: “O título justo, hábil à transferência do
domínio, mesmo aparentemente legítimo e válido, mas com vícios ou irregularidades, e
desde que o adquirente esteja imbuído ou convicto da idéia de que tratou com o
verdadeiro dono e assim julgou, tanto que possui o imóvel com ânimo de proprietário,
exerceu posse mansa, pacífica ou tranquila, pelo tempo previsto em lei, será básico ao
reconhecimento da usucapião ordinária. O decurso do tempo expungirá o vício
originário, sanando os defeitos, as irregularidades. Enfim, não sendo o vício de forma
nem constituindo nulidade absoluta, desde que estejam satisfeitos os requisitos
enumerados, tranquilamente usucapirá o adquirente a propriedade”.88
Podem ser considerados como justo título, as escrituras não registráveis por
algum óbice, os formais de partilha, compromissos de compra e venda, autorização
verbal para assumir a titularidade da coisa etc.89
Para Sílvio de Salvo Venosa: “Em regra, é justo título todo ato ou negócio
jurídico que em tese possa transferir a propriedade”.90
Arnold Wald define o justo título e a boa – fé do seguinte modo: “O justo título
é o fundamento jurídico em virtude do qual o adquirente pensou obter a propriedade da
88 Tratado de Usucapião – Volume 2, p. 762. 89 Usucapião – Título justo – Cessão de direitos hereditários – Ausência de inventário – Inviabilidade – Título inábil à transferência da propriedade – Lapso temporal completado para o usucapião extraordinário – Contagem das posses dos antecessores – Aplicação do princípio jura novit curia – Recurso provido. (Apelação Cível nº 316.584.4/8-00 – São Roque – Relator: Joaquim Garcia – Tribunal de Justiça). 90 Direito Civil – Direitos Reais – Volume V, p. 197.
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coisa, devendo ser evidentemente um contrato translativo, como por exemplo, a compra
e venda, a doação, a permuta etc. Podemos pois definir como justo título todo aquele
que, em tese, é hábil para transferir a propriedade do bem e revestido das formalidades
legais exigidas para a sua validade”.91
Ainda segundo o citado autor: “A boa fé é a convicção que o usucapiente tem
de ser proprietário do bem que está na sua posse. A má fé superviente, ou seja,
posterior à aquisição, impede o usucapião ordinário”.92
91 Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – Vol. III, p. 158.
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CAPÍTULO 8 - USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL
Não houveram inovações pelo Novo Código Civil em relação à aquisição da
propriedade móvel pela usucapião.
Há duas modalidades de usucapião de bem móvel a extraordinária e a
ordinária, a usucapião ordinária estabelecida no artigo 1.260 do Novo Código Civil exige
o prazo de três anos de posse mansa e pacífica, contínua e incontestada, com “animus
domini”, além do justo título e da boa-fé para se adquirir a propriedade do bem móvel.
Já a usucapião extraordinária prevista no artigo 1.261 prevê o prazo de cinco anos de
posse ininterrupta e pacífica independentemente da existência de justo título ou boa-fé.
Conforme se verifica quando o lapso temporal é maior os requisitos como o
justo título e a boa - fé não são necessários.
Mister se faz que a posse tenha ânimo de dono, sem a qual não se
caracteriza a prescrição aquisitiva.93
Neste caso, como não se faz necessária a existência de boa-fé, há julgados
que permitem a usucapião de bem móvel proveniente de furto, uma vez que poderia se
admitir a má-fé. Há contudo, outros que não admitem a usucapião de coisa objeto de
furto.94
92 Arnold Wald, Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – Vol. III, p. 159. 93 Usucapião – Bem móvel – Prescrição aquisitiva – Inocorrência – Cômputo do período de permanência com o bem na condição de simples depositário – Inadmissibilidade – mero detentor da coisa, não mantendo-a em seu poder como própria – Carência da ação decretada – Recursos não providos (Apelação Cível nº 22.994-4 – Campinas – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator: Leite Cintra – 14.05.97 – Votação Unânime). 94 Usucapião. Coisa móvel. Objeto de furto. Presença dos requisitos necessários para a usucapião extraordinária, consoante o art. 619 do CC, ou seja, posse por mais de cinco anos, independentemente de título ou boa-fé, impõe-se a procedência do pedido. (TAPR – Apelação Cível nº 132.947-7 – Relator Juiz Marques Cury – DOEPR 1/10/1999). Usucapião – Coisa objeto de furto – Inadmissibilidade – Recurso deserto – Apelo improvido (Apelação Cível nº 22.594-4 – Taubaté – 8ª Câmara de Direito Privado – Relator: Ricardo Brancato – 29.10.97 – Votação Unânime).
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Contudo conforme salienta Nelson Rosenvald: “Note-se que a mansidão e a
pacificidade da posse cessam quando o Ministério Público oferece denúncia pelo fato
típico, ante o caráter de publicidade emanado da ação penal. Há de ponderar-se que,
mesmo sendo julgada procedente a pretensão, o possuidor poderá prejudicar-se
reflexamente, pois o magistrado oficiará o juízo penal sobre o ilícito criminal, e a
possível sentença condenatória incluirá como um dos efeitos secundários o perdimento
dos bens obtidos com a prática do ilícito”.95
No caso de posse de bem móvel mediante violência somente será iniciada a
prescrição aquisitiva quando houver cessação da violência.96
Aplicam-se as disposições do artigo 1243 e 1244 no que se refere a
“accessio” e “successio possessionis”, assim como as causas impeditivas, suspensivas
e interruptivas da prescrição.97
Recurso Especial – Usucapião ordinário de bem móvel. Aquisição originária. Automóvel furtado – Não se adquire por usucapião ordinário veículo furtado – Recurso Especial não conhecido (RESP 247.345 – MG, Relator Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, 04/12/01). 95 Direitos Reais, p. 108/109. 96 Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. 97 Art. 1.243. O possuidor, pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1207), contanto que sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1242, com justo título e boa-fé. Art. 1.244 Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.
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CAPÍTULO 9 - AÇÃO DE USUCAPIÃO DE TERRAS PARTICULARES
O Código de Processo Civil Brasileiro regula a ação de usucapião de terras
particulares em seus artigos 941 a 945, não é previsto a usucapião de terras públicas
pelo fato de serem insuscetíveis de usucapião em virtude de disposições expressas da
Constituição Federal.98
A usucapião pode ser arguida também como meio de defesa nas ações
possessórias e petitórias. A prescrição aquisitiva, pode, portanto, ser alegada
passivamente em contestação, ou ativamente sendo o prescribente autor da demanda.
Quando presentes os pressupostos da usucapião o réu poderá alegá-los
contra o proprietário na ação reivindicatória, elidindo o pedido deste.99
A ação de usucapião tem natureza real imobiliária tendo como foro
competente para a sua propositura o da situação do imóvel, se na capital de São Paulo
é competência da Vara de Registros Públicos, isso se a causa não interessar a nenhum
ente público.
Nas comarcas que possuam varas especializadas da Fazenda, municipal ou
estadual, estas terão competência para o processamento e julgamento da ação de
usucapião quando estas ingressarem no feito, justificadamente.
Apesar da existência da usucapião de bens móveis ou semoventes, a ação
regulada na Parte Especial do Código de Processo Civil abrange somente os imóveis
particulares, devendo ser regulada a usucapião de bens móveis pelo procedimento
comum, sumário ou ordinário, dependendo do valor atribuído à causa.
98 Art. 183. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Art. 191. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
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Quando se tratar de usucapião coletivo previsto na Lei nº 10.257/2001, o rito
será o sumário.100
Com a ocorrência dos requisitos legais determinados em lei (posse ad
usucapionem, o tempo e a coisa hábil) produz-se a aquisição da propriedade
independentemente da ação de usucapião. A propriedade terá sido adquirida se esta se
prolongou pelo tempo exigido em lei e se foi ininterrupta, incontestada e com ânimo de
dono, mesmo não existindo uma posse atual, ou se a mesma já foi perdida.
Preenchidos todos os requisitos exigidos em lei, o possuidor mesmo tendo o domínio
necessitará de uma declaração judicial obtendo deste modo o título que terá natureza
declaratória, uma vez que a sentença não constituirá o domínio, pois este já existe, e
sim o declarará em favor do autor da ação de usucapião.
Antes da Lei nº 8.951 de 13 de dezembro de 1994, que foi responsável pela
reforma do Código de Processo Civil, o procedimento da ação de usucapião era
nitidamente especial por ter uma fase procedimental diferenciada que era a audiência
de justificação de posse. Atualmente, com a eliminação dessa fase, o procedimento é
praticamente ordinário, contudo foi mantido nos Procedimentos Especiais por ter como
característica primordial o “procedimento edital’, em que é obrigatória a citação daquele
cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem com dos confinantes e por
edital os reús que estiverem em lugar incerto e os eventuais interessados. É requisito
indispensável o edital, não se admite tal procedimento com a sua ausência.
Para a propositura da ação mister se faz o cumprimento dos requisitos
exigidos no artigo 282 do Código de Processo Civil, além da identificação clara do
imóvel, descrição minuciosa juntamente com a planta e memorial descritivo. A petição
99 REIVINDICATÓRIA – Imóvel urbano – Usucapião alegado como defesa – Inadmissibilidade – Ré que exerceu, de fato, a posse sobre o imóvel com oposição da autora – Recurso não provido. (Relator: Walter Moraes – Apelação Cível nº 201.793-1 – São Paulo – 08.03.94). 100 Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário.
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inicial tem que vir acompanhada dos elementos necessários para o registro imobiliário
visto que se procedente será levada a registro.
No caso de usucapião coletivo (Lei nº 10.257/2001) autoriza-se o ingresso da
ação sem a identificação de cada terreno, contudo a área total deve ser objeto de
descrição minuciosa, acompanhados da planta e memorial descritivo, pois se julgada
procedente a presente demanda, será levada a registro.
Estabelece o artigo 942 do Código de Processo Civil que o autor deverá
expor o fundamento do seu pedido, ou seja, terá que explicitar os elementos aptos a
gerar usucapião, se possui justo título, como e quando adquiriu a posse, qual a
modalidade legal que se encaixa, se se trata de posse única ou se trata de posse
somada à dos antecessores, mencionar os períodos de posse e demonstrar que se
cuida de posse ininterrupta, incontestada e com “animus domini”.101
Possui legitimidade ativa a pessoa física ou jurídica, inclusive o espólio,
desde que exerçam a posse com “animus domini”, ou seja, a posse “ad usucapionem”,
excluídos os possuidores como o comodatário, o depositário ou o mero detentor da
coisa. O cônjuge deverá, outrossim, outorgar a respectiva outorga marital ou uxória,
conforme estabelecido no caput do artigo 10 do Código de Processo Civil e artigo
1.647, II do Código Civil vigente.
Se a condição for a de compossuidores, ambos terão legitimidade ativa para
em litisconsórcio, ajuizarem a ação.
Conforme salienta Luiz Rodriguez Wambier: “O legitimado ativo é o
possuidor (art. 941), que tenha completado o tempo necessário ao usucapião, pouco
101 Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos reús em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.
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importando tenha ele possuído a coisa durante todo o lapso temporal ou tenha somado
à sua posse dos antecessores, ou, mesmo, que já não tenha a posse, no momento da
propositura”.102
Deverão ser citados como litisconsortes necessários conforme caput do
artigo 47 do Código de Processo Civil a pessoa em cujo nome esteja registrado o
imóvel usucapiendo; o atual possuidor, se houver e os confinantes, sendo que se
qualquer destes forem casados, o respectivo cônjuge também deverá ser citado
passando a integrar o litisconsórcio passivo, conforme dispõe o artigo 10, § 1º, inciso I,
do Código de Processo Civil. Na hipótese da ação ser ajuizada por um ou alguns dos
compossuidores, o restante deverá ser citado.103
No caso de terceiros interessados, estes não serão citados, mas se forem
convocados, poderão impugnar a pretensão do autor, contestando e desde modo
assumindo a posição de réus.
Já a usucapião coletiva prevista no “Estatuto da Cidade” prevê como parte
legítima para a propositura da ação de usucapião especial urbana: o possuidor,
isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; os possuidores, em
estado de composse e como substituto processual a associação de moradores da
comunidade, desde que autorizada pelos seus representados.104
102 Curso Avançado de Processo Civil- Vol. 3, p. 210. 103 USUCAPIÃO – Falta de citação dos litisconsortes necessários – Pressuposto processual de existência – Desconstituição da sentença transitada em julgado – Cabimento de ação meramente declaratória – Recurso provido. (Relator: Alvaro Lazzarini – Apelação Cível nº 126.486-1 – 16.08.91 – Santa Isabel). USUCAPIÃO – Composse – Aquisição de frações ideais do imóvel, pelo reconhecimento do domínio comum – Admissibilidade – Hipótese em que não se pretende excluir os compossuidores – Respeito ao artigo 488 do Código de Processo Civil – Área plenamente definida – Citação dos demais litisconsortes ativos ordenada – Carência afastada – Recurso provido JTJ/19/271. 104 Art. 12 da Lei nº 10.257/2001.
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Possui legitimidade passiva aquele em cujo nome estiver registrado o imóvel
usucapiendo, os confinantes e eventuais interessados, se alguns destes estiverem em
lugar incerto, serão citados por editais.105
Será necessário, outrossim, a intimação, por via postal, dos representantes
da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos
Municípios para que manifestem eventual interesse na causa.106
Mister se faz esta intimação para que as Fazendas tomem ciência da ação
de usucapião, podendo se manifestar caso haja interesse na causa, competindo a
esses entes públicos verificar se o bem objeto da usucapião trata-se de bem que já foi
desapropriado e ainda não foi levado a registro e também verificar se o bem é particular
ou público devido a impossibilidade de usucapir terras públicas.
Vindo qualquer das Fazendas a ingressar nos autos contestando a ação de
usucapião ocorrerá o deslocamento do foro, remetendo o feito à Justiça Federal. Se a
ação de usucapião estiver na Vara de Registros Públicos, nela tramitará, caso não haja
oposição do Estado ou do Município, havendo oposição ocorrerá o deslocamento para
um dos juízos privativos, se houver. Caso não haja juízo privativo, ou seja, as Varas da
Fazenda Pública, o julgamento se dará pelo juiz da situação do imóvel. 107
105 Citação – Usucapião – Nulidade - Inocorrência – Aguardo do prazo de eventual oposição que não ocasionou prejuízos – Oferta, ademais, de contestação onde foi plenamente exercido o direito de defesa – Recurso não provido. As citações reputadas necessárias para o exercício regular do usucapião foram feitas. Aos que fugiam à lista obrigatória para a citação pessoal, bastou-lhes a citação editalícia (Relator: Berrini Cabral – Apelação Cível nº 165.741-1 – São Caetano do Sul – 20.05.92). 106 Art. 943. Serão intimados por via postal, para que manifestem interesse na causa, os representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. 107 COMPETÊNCIA – Usucapião – Contestação da União – Competência da Justiça Federal – Agravo provido. Tendo a União contestado a ação com imputação do pedido, compete à Justiça Federal julgar da existência do seu interesse no processo. (Agravo de Instrumento nº 257.050-1 – Mogi das Cruzes – 2ª Câmara Civil – Relator: Lino Machado – 08.08.95 – Votação Unânime). COMPETÊNCIA – Ação de Usucapião – Imóvel situado em extinto aldeamento indígena e transcrito em Registro Imobiliário – Falta de interesse da União Federal – Competência da Justiça Estadual local para processar e julgar o feito – Artigo 20, XI da Constituição Federal – Recurso não provido. (Agravo de
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O Ministério Público intervirá obrigatoriamente em todos os atos do processo
de usucapião, sendo que sua ausência acarreta nulidade do processo.108
Se todos os reús certos citados não apresentarem contestação o juiz irá
verificar o cabimento da aplicação da pena de revelia, em caso positivo julgará
antecipadamente o pedido, proferindo desde logo a sentença. Caso não se aplique a
pena de revelia designará audiência preliminar e não sendo possível a conciliação
declarará saneado o processo determinando a realização de prova pericial, com a
posterior realização da audiência de instrução e julgamento.
A finalidade da perícia na ação de usucapião é a apuração da exata área do
imóvel usucapiendo, uma vez que será efetuado um registro imobiliário deste, evitando
futuras retificações em virtude de possíveis divergências na área mencionada.
O proponente da ação de usucapião terá que apresentar a planta do imóvel,
devido a exigência do artigo 942 do Código de Processo Civil, sendo ainda necessário
um exame por uma pessoa especializada seja um engenheiro, topógrafo, projetista etc.
Vige na Lei de Registros Públicos o princípio da especialidade, em que é
exigido uma perfeita identificação do imóvel, sem a qual será impedida a transmissão
do mesmo.
A perícia poderá ser dispensada quando não houver impugnação de nenhum
interessado, especialmente os confinantes, sendo esses citados e não tendo seus
interesses infringidos, devido a certeza das divisas, nenhuma contestação poderá ser
oposta por eles. Também poderá ser dispensada nos seguintes casos: imóvel objeto de
Instrumento nº 261.945-1 – Mogi das Cruzes – 1ª Câmara Civil – Relator: Guimarães e Souza – 22.08.95 – Votação Unânime.). 108 USUCAPIÃO – Ausência de intimação do Ministério Público para participar da audiência de instrução e julgamento, em que houve colheita de prova oral – Nulidade absoluta do processo – Pronunciamento – Artigo 944 e 246, parágrafo único, do Código de Processo Civil – Apelação do autor provida para esse
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regular loteamento; apartamento que já contém registro na convenção condominial
perante o registro imobiliário; quando já houver uma perícia realizada, no caso de prova
emprestada.
As partes deverão indicar assistente técnico que formularão os quesitos que
serão apresentados ao perito nomeado. A Vara de Registros Públicos de São Paulo
possui uma lista de quesitos impressa especificamente para a ação de usucapião.
No caso de citação ficta e não sendo apresentada contestação, o juiz
nomeará curador especial ao revel, devendo este curador apresentar contestação ou
apresentar qualquer das hipóteses do artigo 320 do Código de Processo Civil, o juiz
saneará o processo, exceto se couber julgamento antecipado com base no inciso I do
artigo 330 do Código de Processo Civil.109
Proferida a sentença, declara-se o domínio do autor, sendo esta sentença
declaratória título hábil para registro, sendo oponível erga omnes. O registro se mostra
obrigatório e será realizado mediante expedição de mandado judicial para o registro de
imóveis, contendo os requisitos da matrícula e cumprida as exigências fiscais.
O reconhecimento da usucapião produz efeito retroativo, o direito real passa
a existir em favor do usucapiente desde o momento em que começou a possuir mansa
e pacificamente o imóvel.
fim. (Apelação Cível nº 246.476-1 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: J. Roberto Bedran – 16.04.96 – Votação Unânime). 109 Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I – se, havendo pluralidade de réus, alguns deles contestar a ação; II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato. Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II – quando ocorrer a revelia (art. 319).
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Antonio Carlos Marcato salienta a hipótese de improcedência da ação:
“Sendo de improcedência, mesmo assim transitará em julgada a sentença,
evidentemente, obstando a nova discussão a respeito da demanda decidida. Contudo,
surgindo causa nova a ensejar a declaração do domínio, nada impedirá venha o
possuidor a promover nova ação de usucapião. E isto porque, tendo a sentença, na
dicção do Código, força de lei nos limites da lide e das questões decididas no processo
(eficácia objetiva da coisa julgada – CPC, art 468), a rejeição do pedido do usucapiente
e o posterior trânsito em julgado da sentença correspondente não impedem que nova
ação seja ajuizada por aquele, sempre que a causa de pedir remota seja outra.
Exemplificando: proposta a ação, não consegue o autor demonstrar que se encontra na
posse do imóvel durante o lapso de tempo exigido por lei. Rejeitado o seu pedido, vem
ele a completar posteriormente o tempo legal, nada o impedindo, nesse caso, de
reclamar, por meio de nova ação de usucapião, a declaração judicial de seu
domínio”.110
Enquanto não houver a correspondente sentença declaratória de
propriedade, o possuidor poderá se valer para proteção de sua posse da denominada
ação publiciana, espécie de ação petitória, via adequada para a busca da tutela
jurisdicional protetiva da posse.
Uma questão polêmica que surge é se a sentença que reconhece a
usucapião alegada em defesa pode ser levada a registro no Cartório de Registro de
Imóveis, produzindo o mesmo efeito que a ação declaratória de usucapião.111
Benedito Silvério Ribeiro entende que a exceção de usucapião não se
reveste das providências a serem observadas no processo de usucapião: “O
110 Procedimentos Especiais, p. 196. 111 Somente pela ação de usucapião com todas as formalidades exigidas pela lei processual, conseguirá o usucapiente a declaração de seu domínio, com força de coisa julgada material, para posterior registro no competente Cartório. Com a exceção de usucapião, poderá o usucapiente, apenas afastar a pretensão do proprietário reaver o imóvel, sem que isto se constitua em reconhecimento judicial definitivo. (Relator: Leire Cintra – Agravo de Instrumento nº 227.591-1 – São Paulo – 25.05.94).
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reconhecimento em defesa da prescrição aquisitiva não dispensa a utilização do
processo declaratório do domínio, com todo o seu formalismo (citações do titular do
registro, dos confinantes e dos réus em lugar incerto e eventuais interessados bem
como cientificação das Fazendas e participação do Ministério Público), para a plena
aquisição da propriedade, com a característica de validez erga omnes, devendo a
sentença ser levada ao registro imobiliário, para fins de publicidade e livre disposição
da coisa (jus disponendi)”.112
Uma exceção a irregistrabilidade da sentença que reconhece a usucapião
alegada em defesa é a disposta na Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981, cujo
artigo 7º estabelece expressamente que a sentença que conhecer a usucapião especial
em matéria de defesa valerá como título para transcrição no Registro de Imóveis,
observando-se os procedimentos do artigo 5º e parágrafos da citada lei. Ressaltamos
que não se fala mais em transcrição do título e sim em registro.113
Outra exceção é prevista no Estatuto da Cidade que possui preceito idêntico
no seu artigo 13.114
Portanto, a sentença que reconhece a usucapião alegada em defesa não
pode servir de título registrável no Registro de Imóveis, exceto nas modalidades
descritas acima.
112 Tratado de Usucapião – Volume 2, p. 1.429. 113 Art.7º. A usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a conhecer com título para transcrição no Registro de Imóveis. 114 Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer com título para registro no cartório de registro de imóveis.
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CAPÍTULO 10 - MODALIDADES DE USUCAPIÃO
Diversas são as modalidades de aquisição da propriedade pela usucapião.
Apesar do tema enfocado referir-se tão somente a usucapião extraordinária e ordinária
de bem imóvel estabelecidas no Novo Código Civil, é importante tecer breves
comentários sobre as outras modalidades de usucapião pertinentes. Todavia, mister se
faz ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece, ainda, outras
modalidades de usucapião além das que serão aqui enfocadas e que não serão objeto
de estudo neste presente trabalho.
10.1. A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA PREVISTA NO ARTIGO 183 E
PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
O artigo 183 da Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê uma
modalidade de usucapião especial, a usucapião urbana, mediante o cumprimento de
requisitos estabelecidos em lei adquire-se a propriedade do bem imóvel.115
Sua existência se dá a partir de 05 de outubro de 1988, data da promulgação
da Constituição Federal, não sendo possível contar o tempo para a prescrição aquisitiva
antes desta data, de acordo com a maioria das decisões judiciais.116
115 Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 116 USUCAPIÃO – Urbano – Cômputo do tempo anterior à promulgação da Norma Constitucional que institui o Usucapião – Inadmissibilidade – Ausência de determinação constitucional expressa autorizando tal cômputo – Recurso não provido (Relator: Benini Cabral – Apelação Cível nº 207.485-1 – Taubaté – 29.06.94). USUCAPIÃO – Especial – Artigo 183 da Constituição da República – Contagem do prazo prescricional aquisitivo anterior a sua promulgação – Inadmissibilidade – Lesão ao direito do proprietário – Situação que configuraria confisco constitucional do bem – Imóvel, ademais, arrecadado judicialmente – Suspensão do decurso do prazo prescricional aquisitivo – Autor carecedor da ação – Recurso provido. O artigo 183 da Constituição da República criou um instituto novo, fluindo o prazo de 5 anos a partir de 5.10.88, quando da sua entrada em vigor já que inexistindo essa espécie de usucapião, antes dela, não haveria possibilidade lógica e jurídica de continuar-se um prazo que nem começara (Relator: Alfredo Migliore – Apelação Cível nº 216.078-1 – Piracicaba – 11.10.94).
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Contudo, existem julgados permitindo a contagem do prazo anterior à
promulgação da Constituição Federal vigente.117
Conclui-se que se mostra incabível a pretensão à prescrição aquisitiva antes
da existência dessa modalidade de usucapião criada pela Constituição Federal de
1988, por causar insegurança jurídica nas relações da sociedade, gerando a perda da
propriedade imobiliária de um instante para o outro, o que caracterizaria um confisco à
propriedade.
Possui legitimidade para usucapir o possuidor, como pessoa física, exigindo
a lei que o prescribente utilize o imóvel para sua moradia ou de sua família, sendo que
o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher. O
legislador visou permitir tanto ao homem quanto à mulher a propositura da ação
independentemente do estado civil destes.
É proibição desta modalidade de usucapião o possuidor ser proprietário de
outro imóvel seja urbano ou rural, ocorrendo a interrupção da prescrição caso fique
constatado que o usucapiente é proprietário de um imóvel, seja anteriormente ao
período da prescrição ou no decorrer desta.
USUCAPIÃO – Especial – Urbano – Contagem do prazo prescricional a partir da vigência da nova Constituição da República – Hipótese de direito novo, com prazo menor de tempo prescricional, que deverá ser contado a partir da data que entrou em vigor a Carta Magna – Impossibilidade de ocorrer retroatividade na aplicação – Recurso não provido (Relator: Flávio Pinheiro – Apelação Cível nº 204.795-1 – São Paulo – 23.08.94). USUCAPIÃO – Urbano – Fundamento no artigo 183 da Constituição da República – Ação proposta antes de decorrido o prazo quinquenal previsto – Pretensão de dar efeito retroativo ao texto constitucional – Inadmissibilidade – Matéria pacífica na jurisprudência – Recurso não provido. (Relator: Marco César – Apelação Cível nº 204.796-1 – São Paulo – 17.02.94). 117 USUCAPIÃO – Urbano – Artigo 183 da Constituição da República – Contagem do período antecedente à promulgação da Constituição em vigor – Admissibilidade – Plena eficácia da norma por ser auto – aplicável – Recurso provido. (Apelação Cível nº 225.264-1 – São Paulo – 1ª Câmara Civil – Relator: Alvaro Lazzarini – 27.07.95 – M.V.) USUCAPIÃO – Especial – Requisitos – Exercício, animus domini de posse contínua por prazo superior a cinco anos – Demandante que não possui qualquer outra propriedade – Independe de ser o prazo anterior ou posterior à promulgação da Constituição da República de 1988 – Direito personalíssimo –
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É disposto também que o direito à usucapião não será reconhecido ao
mesmo possuidor mais de uma vez afastando a intenção do possuidor de adquirir mais
de uma propriedade pelas mesmas vias.
Quanto a acessão da posse nesta modalidade de usucapião não é permitida
quando a favor do sucessor singular, tendo em vista que requer a posse pessoal
durante o lapso prescricional. Quanto a successio temporis, os prazos do antecessor e
do sucessor podem ser somados, na hipótese de parte da família vir a morar no imóvel
que já era ocupado por um ou alguns de seus familiares, antes da abertura da
sucessão.
Benedito Silvério Ribeiro salienta algumas ressalvas quanto a successio
possessionis: “Na adição de posses, em razão de morte (successio possessionis),
poderá ocorrer, mas com ressalvas. Sendo a posse exercida pelo chefe de família, com
a contribuição da esposa ou companheira e filhos, que utilizam a mesma moradia,
inexiste óbice à soma. No entanto, atendendo à vocação hereditária tão – somente,
sem colaboração direta dos vocacionados ou residência no imóvel objeto de posse, não
há falar em adicionamento desta, para efeito de contagem de prazo do antecessor”.118
O bem imóvel, objeto desta modalidade de usucapião urbana constitucional,
tem que ser urbano, sendo permitido a usucapião do domínio e do uso do imóvel
urbano.
Benedito Silvério Ribeiro diferencia o imóvel rural do urbano: “Em suma, deve
o imóvel rural localizar-se em zona rural, fora, portanto, do perímetro urbano, não se
estendendo a terrenos urbanos ou citadinos”.119
Recurso provido – Voto vencido. (Relator: Fonseca Tavares – Apelação Cível nº 197.420-1 – Mogi das Cruzes – 01.12.93). 118 Tratado de Usucapião – Volume 2, p. 914.
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O imóvel tem que ser de área urbana de até duzentos e cinquenta metros
quadrados e particular, tendo em vista expressa vedação no § 3º do artigo 183 da
Constituição Federal quanto aos bens públicos.120
A posse tem que ser ininterrupta e sem oposição, devendo ser revestida de
animus domini, devendo ser pessoal e pelo período de cinco anos.
O justo título não é necessário, sendo a boa – fé presumida nesta
modalidade, uma vez que a intenção do legislador foi a de beneficiar as pessoas de
baixa renda e sem moradia para poder fixar a sua residência.
Entende-se que o procedimento a ser adotado nesta modalidade de
usucapião urbana é o sumário conforme dispõe o Estatuto da Cidade em seu artigo
14.121
A Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de 2001, autorizou a
concessão de uso especial de bem público, para fins de moradia.
A concessão de uso especial para fins de moradia prevista nos artigos 15 a
20 do Estatuto da Cidade foi vetada pelo Presidente da República.
10.2. A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA PREVISTA NO ARTIGO 1.240 DO
NOVO CÓDIGO CIVIL
O artigo 1.240 do Novo Código Civil dispõe sobre a usucapião urbana.122
119 Tratado de Usucapião – Volume 2, pg. 905. 120 Art. 183. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. 121 Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário. 122 Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
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Trata-se de inovação do Novo Código Civil que não tratava desta modalidade
de usucapião no antigo Código Civil de 1916.
O artigo 1.240 é idêntico ao artigo 183 da Constituição Federal, assim como
seus parágrafos, com exceção do §3º da Constituição Federal que tornou-se
desnecessário tendo em vista disposição do artigo 102 do Novo Código Civil.123
10.3. A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA INDIVIDUAL PREVISTA NO
ESTATUTO DA CIDADE
O Estatuto da Cidade estabelece no artigo 9º a usucapião urbana, também
denominada pro morare.124
As disposições são as mesmas da usucapião urbana constitucional e da
prevista no Código Civil, com a diferença de que o Estatuto da Cidade refere-se a
posse de área ou de edificação urbana, sendo que o limite assinalado não poderá
ultrapassar os 250 m², tanto para a área do terreno, quanto para a edificação.
Preceitua o artigo 12 do citado Estatuto da Cidade quem são as partes
legítimas para propor a ação de usucapião especial urbana.125
§ 1º. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. §2º. O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 123 Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. 124 Art. 9º. Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. §1º. O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 125 Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana: I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II – os possuidores, em estado de composse;
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Permitiu o legislador, a legitimidade para propor a ação, o agrupamento de
possuidores, visando o domínio de vários imóveis, contudo esta permissão pode causar
percalços na apuração do tempo de posse cada um.
No que se refere à substituição processual da associação de moradores da
comunidade, descabe a hipótese de que a pessoa jurídica se beneficiaria com o imóvel
usucapiendo, uma vez que os autores serão as pessoas físicas que necessitam de
moradia.
O animus domini do possuidor tem que ser voltado à moradia, devendo a
posse ser ad usucapionem, ou seja, contínua, mansa, pacífica, ininterrupta e sem
oposição.
Não é permitido a accessio possessionis, tendo em vista o caráter pessoal
que a posse se reveste e com a finalidade de moradia.
É contudo, permitida a successio possessionis quanto ao herdeiro legítimo,
afastando-se o herdeiro testamentário e os outros que não estejam residindo no imóvel
na data da abertura da sucessão.126
Se o herdeiro com a morte do de cujus não estiver residindo no imóvel,
deverá iniciar novo prazo à prescrição aquisitiva.
No caso de pluralidade de herdeiros, não poderá o herdeiro que reside no
imóvel somar o tempo de posse com o do de cujus para requerer a usucapião em seu
nome excluindo os demais, exceto se os demais herdeiros abdicarem da posse, assim
III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados. 126 §3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.
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o residente do imóvel somará o tempo do antecessor para pleitear a prescrição
aquisitiva em seu nome.
Outra alternativa, para o herdeiro residente no imóvel, é iniciar novo prazo de
prescrição, sem oposição, já que a lei prevê que será beneficiado aquele que estiver
ocupando o imóvel para fim de moradia.
O rito a ser seguido na ação de usucapião especial urbano é o sumário,
conforme estabelecido no artigo 14 do Estatuto da Cidade.127
O representante do Ministério Público também deve estar presente a todos
os atos do processo, sob pena de nulidade.128
Dispõe, ainda o § 2º do artigo 12 do Estatuto da Cidade que o autor terá os
benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, ainda assim perante o Cartório
de Registro de Imóveis. Não há, conforme se verifica, necessidade de apresentação de
declaração de pobreza para utilizar-se desses benefícios, contudo deverá o autor
indicar na inicial o seu direito.129
Quando a ação de usucapião especial urbana estiver em curso, todas as
ações petitórias ou possessórias relativas ao imóvel usucapiendo ficarão sobrestadas a
partir do ajuizamento da ação de usucapião especial, ficando aquelas suspensas até o
trânsito em julgado do processo de usucapião.130
A usucapião também poderá ser alegada em defesa, valendo a sentença que
a reconhecer como título para registro no Cartório de Registro de Imóveis, trata-se de
127 Art. 14. Na ação judicial de usucapião especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário. 128 Art. 12. § 1º. Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público. 129 Art. 12. § 2º. O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
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uma inovação no Estatuto da Cidade, já que o Código Civil e a Constituição Federal
não estabelecem expressamente esta possibilidade de registro no caso da usucapião
alegada em defesa.131
Verifica-se que o artigo 1.240 do Novo Código Civil repete praticamente o
artigo 183 da Constituição Federal de 1988. Já o Estatuto da Cidade, sendo lei especial
não sofrerá alteração em virtude de lei geral, no caso o Código Civil, uma vez que a lei
geral não derroga a lei especial.
Cumpre salientar que é possível à lei especial outorgar direitos além
daqueles dispostos na Constituição Federal, desde que não sejam contrários a esta.
10.4. A USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA COLETIVA PREVISTA NO
ESTATUTO DA CIDADE
O Estatuto da Cidade estabelece ao lado da usucapião urbana individual (art.
9º), a usucapião coletiva (art. 10), com o intuito de beneficiar a população de baixa
renda e com a finalidade de regularizar a situação das áreas que comportam favelas ou
residências sem legalização do domínio.132
Há divergências em relação a constitucionalidade deste artigo que se
confrontaria com artigo 183 da Constituição Federal que fixa a área para usucapir num
limite de até duzentos e cinquenta metros quadrados, sendo que o Estatuto da Cidade
permite a usucapião de áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros
quadrados, não fixando um limite de área.
130 Art. 11. Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo. 131 Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de Registro de imóveis. 132 Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
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Não há também um dispositivo que limite a área de cada ocupante dentro da
totalidade.
Uma outra inovação em relação a usucapião urbana constitucional foi a
permissão da accessio possessionis.133
A contagem do prazo prescricional deverá ocorrer a partir da vigência do
Estatuto da Cidade.
É importante ressaltar que a área deve ser de propriedade particular, uma
vez que é proibido usucapir terras públicas.
O animus domini também terá que ser voltado à moradia, devendo a posse
ser ininterrupta e sem oposição.
Possui legitimidade ativa a população de baixa renda.
As frações dos possuidores tem que ser iguais, independentemente da
dimensão do terreno, a não ser que haja alguma estipulação entre os condôminos,
estabelecendo frações diferenciadas.134
Deveria, constar no caput deste artigo que a fração de cada possuidor não
poderá exceder 250 m², para não confrontar com a usucapião especial urbana
constitucional, nem com a usucapião urbana individual prevista no Estatuto da Cidade.
133 Art. 10, § 1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. 134 Art. 10, § 3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
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10.5. A USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL PREVISTA NO ARTIGO 191 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 191 uma outra modalidade
de usucapião especial, a rural, também chamada de pro labore.135
Mister se faz para se adquirir a propriedade rural o cumprimento dos
requisitos estabelecidos em lei tais como: não ser o prescribente proprietário de imóvel
rural ou urbano; ter a posse com animus domini durante o lapso temporal de cinco anos
ininterruptos e sem oposição; ser a área em zona rural, não sendo superior a cinquenta
hectares; tornar produtiva a área devido ao trabalho do prescribente ou de sua família,
fazendo dela sua moradia.
Diante desses requisitos adquire-se a propriedade pela usucapião. O
legislador visou mais uma vez beneficiar aqueles, que tornam produtivas áreas que não
tinham sua destinação social correta, não se adequando ao princípio da função social
da propriedade.
Não é permitido a accessio possessionis uma vez que deveriam estar
presentes as mesmas qualidades de posses adicionadas, o que é difícil de se verificar
tendo em vista o caráter extremamente personalíssimo dessas posses, sendo também
o prazo muito curto para tal benefício.
Quanto a successio possessionis é possível desde que o sucessor haja
trabalhado na terra e esteja nela produzindo e residindo.
135 Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
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Conforme salienta Benedito Silvério Ribeiro: “O sucessor que fizer parte da
família e que continuar no trabalho da terra, satisfazendo os demais requisitos legais,
poderá somar o tempo, mas exige-se que a família tenha tornado produtiva a terra”.136
Além da produtividade, deve o possuidor residir no imóvel usucapiendo.
Nesta modalidade de usucapião constitucional a boa – fé é presumida e o
título não é necessário.
10.6. A USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL PREVISTA NO ARTIGO 1.239 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002
O Novo Código Civil também tratou desta modalidade de usucapião nos
mesmos moldes da Constituição Federal.137
Trata-se de inovação do Novo Código Civil que não tratava desta modalidade
de usucapião no antigo Código Civil de 1916.
10.7. A USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA (Art. 1.238 do C.C/2002)
A usucapião extraordinária já era prevista no artigo 550 do Código Civil de
1916.138
Com o Novo Código Civil a usucapião extraordinária foi preceituada no seu
artigo 1.238.139
136 Tratado de Usucapião – Volume 2, p. 1.029. 137 Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. 138 Art. 550. Aquele que, por 20 (vinte) anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirir-lhe-á o domínio, independentemente de título e boa – fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis.
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Conforme se verifica a modalidade de usucapião extraordinária sofreu com o
Novo Código Civil transformações significativas em relação ao prazo para a prescrição
aquisitiva. O prazo de vinte anos foi reduzido para quinze anos.
Uma outra modificação foi em sua redação onde foi substituída a palavra
“domínio” por “propriedade”. Houve essa mudança por se entender que a palavra
“propriedade” seria a expressão mais correta por englobar todos os elementos
constitutivos do domínio que são o direito de usar, fruir, dispor e reivindicar. Desde
modo, o possuidor adquirirá a propriedade plena, ou seja, com todo o seu domínio.
Outra inovação em relação ao justo título e a boa – fé foi a supressão da
frase: “que, em tal caso, se presume”, não se exige para a configuração da usucapião
extraordinária a presença de justo título e da boa – fé, uma vez que diante do decurso
de tempo ser bem maior que as outras modalidades, não se fazem necessários esses
requisitos, por isso foi suprimida esta frase, já que esses requisitos são presumidos.
Outra modificação foi em relação a sentença que servirá de título para
registro no Cartório de Registro de Imóveis e não mais como transcrição como era
previsto no Código Civil de 1916. Não existe mais a transcrição e sim a aquisição da
propriedade por registro.
Verifica-se portanto, que o Novo Código manteve a modalidade da usucapião
extraordinária, mediante o cumprimento dos requisitos como: posse pacífica,
ininterrupta, exercida com animus domini pelo decurso de tempo de quinze anos, houve
uma redução em cinco anos no prazo para a prescrição.140
139 Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa – fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. 140 USUCAPIÃO – Extraordinário – Urbano – Prescrição aquisitiva – Ocorrência – Posse, com ânimo de domínio, exercida por mais de 20 anos sem turbação, perturbação ou impedimento – Recurso provido. (Relator: Olavo Silveira – Apelação Cível nº 196.514-1 – Itapecerica da Serra – 17.03.94). USUCAPIÃO – Requisitos – Posse vintenária com animus domini – Ocorrência – Comprovação, ademais, do pagamento regular dos impostos devidos e benfeitorias, incluindo-se edificação para moradia –
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Uma outra inovação do Novo Código Civil foi outra espécie de usucapião
extraordinária prevista no parágrafo único do artigo 1.238.141
A intenção do legislador foi reduzir o prazo para a prescrição aquisitiva para
dez anos no caso do possuidor estabelecer no imóvel sua moradia habitual ou efetuar
obras ou serviços de caráter produtivo. Trata-se da posse trabalho, valorizando mais
uma vez a função social da propriedade.
10.8. A USUCAPIÃO ORDINÁRIA (Art. 1.242 do C.C/2002)
O Código Civil de 1916 já disciplinava a usucapião ordinária em seu artigo
551.142
O Novo Código Civil disciplina a mesma modalidade de usucapião ordinária
em seu artigo 1.242, como algumas inovações.143
Foi substituída da mesma forma que a usucapião extraordinária a palavra
“domínio” por “propriedade”.
Recurso não provido – A posse material da coisa, acima de vinte anos, mansa e pacífica, com exercício continuado, faz completar o direito que se reclama nesta ação, preenchidos os requisitos do artigo 485 do Código Civil. (Relator: Benini Cabral – Apelação Cível nº 165.741-1 – São Caetano do Sul – 20.05.92). USUCAPIÃO – Extraordinário – Posse ininterrupta e sem oposição – Exercício por mais de 20 anos – Animus domini demonstrado – Recurso não provido. (Relator: Cunha Cintra – Apelação Cível nº 220.251-1 – Penápolis – 22.12.94). USUCAPIÃO – Posse vintenária – Não comprovação – Requisitos do artigo 550 do Código Civil não preenchidos – Hipótese de mera detenção – Artigo 487 do Código Civil – Recurso não provido. (Relator: Sousa Lima – Apelação Cível nº 204.650-1 – Mogi das Cruzes – 16.03.94). 141 Parágrafo Único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo. 142 Art. 551. Adquire também o domínio do imóvel aquele que, por 10 (dez) anos entre presentes, ou 15 (quinze) entre ausentes, o possuir como seu, contínua e incontestadamente, com justo título e boa – fé. Parágrafo único. Reputam-se presentes os moradores do mesmo município e ausentes os que habitam município diverso. 143 Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa – fé, o possuir por dez anos.
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Os prazos para a prescrição aquisitiva também foram reduzidos, sendo
excluída a contagem de prazos com as condições de presentes e ausentes. Verificou o
legislador a desnecessidade dessa diferenciação que beneficiava aquele que residia
em outro município com um prazo maior e ainda mais pelos avançados meios de
comunicação dos dias de hoje possibilitando um contato facilmente, mesmo daqueles
residentes em outros municípios. O prazo para a usucapião ordinária foi reduzido para
dez anos.
Adquire, portanto a propriedade desde que a posse seja mansa, pacífica,
incontestada e sem oposição, mediante o cumprimento dos requisitos do justo - título e
da boa – fé pelo decurso do prazo de dez anos. Deverá a posse ser ad usucapionem,
ou seja, com ânimo de dono.
Nesta modalidade de usucapião ordinária o justo – título e a boa – fé se
mostram necessários para sua configuração, sendo que a sentença judicial declarará a
aquisição do domínio, embora o usucapiente já tenha o seu direito no título que possui,
com a ação de usucapião todas as dúvidas quando ao seu direito serão solucionadas,
valendo a sentença como título a ser levado a registro no Cartório de Registro de
Imóveis competente.
Uma outra inovação do Código Civil de 2002 foi a criação do parágrafo único
do artigo 1.242, que reduziu o prazo para usucapião para cinco anos no caso do imóvel
ter sido adquirido onerosamente, ou seja, mediante compra e venda ou dação em
pagamento, mas que devido a um cancelamento do registro no Cartório de Registro de
Imóveis não se concretizou a aquisição da propriedade. Contudo, somente gerará a
prescrição aquisitiva neste caso se os possuidores houverem estabelecido a sua
moradia ou realizado investimentos de interesse social e econômico É mais uma vez o
legislador visando a função social da propriedade visando a moradia. 144
144 Parágrafo Único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, como base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde
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Com relação a accessio e successio possessionis nas modalidades do
parágrafo único dos artigos 1.238 e 1.242, Nelson Rosenvald salienta: “Anote-se, que
para o sucesso da ação de usucapião nas modalidades do parágrafo único dos arts.
1.238 e 1.242, aquele que pretender demonstrar a accessio ou a successio
possessionis, deverá provar não só a sua moradia ou realização de investimentos
econômicos sobre a coisa, como também que o seu antecessor atuou no mesmo
sentido de concessão de função social.145
Quanto às modalidades previstas no caput dos artigos 1.238 e 1.242 não há
qualquer exigência para se admitir a accessio e successio possessionis, somente no
caso do artigo 1.242 em que a presença do justo título e da boa – fé é imprescindível.146
São essas as principais modalidades da usucapião previstas no
ordenamento jurídico, cada qual com suas peculiaridades conforme adverte Nelson
Rosenvald: “Não há motivo de preocupação, quanto a qualquer colisão da usucapião
ordinária de 05 (cinco) anos com as espécies de usucapião especial urbana e rural
(arts. 183 e 191 da CF). Apesar da coincidência temporal quanto ao lustro legal e da
imposição comum de função social à propriedade, os demais requisitos são
diferenciados. Se, por um lado, a usucapião constitucional é facilitada pela dispensa do
justo título e boa – fé, por outro ângulo é restringida pela limitação de área máxima dos
imóveis (250 m² ou 50 h) e pela exigência de o possuidor não ser proprietário de outro
imóvel – restrições estas não apreciáveis na usucapião ordinária”.147
que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. 145 Direitos Reais, p. 72. 146 Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa –fé.
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CAPÍTULO 11 - REGRAS DE TRANSIÇÃO
Em virtude da redução dos prazos em relação a usucapião extraordinária
(art. 1.238) e ordinária (art. 1.242) de bem imóvel no Novo Código Civil e devido às
novas modalidades de usucapião previstas no parágrafo único destes artigos, foram
criadas regras de transição (arts. 2.028 a 2.030) para evitar dúvidas a respeito da
prescrição aquisitiva e visando causar segurança jurídica nas relações da sociedade.148
A intenção do legislador em reduzir os prazos da usucapião extraordinária e
ordinária foi satisfazer os anseios da sociedade com prazos mais curtos e alertar os
proprietários que permanecem inertes em socorrer seu direito.
Quanto às novas modalidades de usucapião previstas no parágrafo único
destes artigos, o legislador visou preservar a função social da posse e da propriedade,
tendo em vista que essas são modalidades que buscam a moradia e valorizam o
trabalho realizado pelo possuidor por meio de obras ou serviços de caráter produtivo e
pela realização de investimentos de interesse social e econômico.
Para contagem dos prazos da usucapião extraordinária (art. 1.238) e
ordinária (art. 1.242) será observada a regra disposta no artigo 2.028 do Código Civil
vigente que trata da redução dos prazos, neste caso na hipótese de ter transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido no Código Civil de 1916, o prazo continuará a
ser contado pelo Código Civil de 1916 e não pelo Novo Código Civil.
147 Direitos Reais, p. 78. 148 Art. 2028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada. Art. 2029. Até 2 (dois) anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1238 e no parágrafo único do art. 1242 serão acrescidos de 2 (dois) anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Art. 2030. O acréscimo de que trata o artigo antecedente, será feito nos casos a que se refere o §4º do art. 1.228.
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No caso da usucapião extraordinária o prazo para aquisição da propriedade
imóvel foi reduzido de vinte para quinze anos, não fossem as regras de transição
instituídas pelo Novo Código, com a redução do prazo em cinco anos, aquele que
obtivesse a posse do imóvel de acordo com o estabelecido em lei por quinze anos já
teria adquirido o direito a prescrição aquisitiva e o proprietário inerte seria prejudicado
pois acreditaria que ainda teria cinco anos para se defender. Neste caso como
transcorreram quinze anos, ou seja, mais da metade do prazo de vinte anos da antiga
lei, continuará correndo a prescrição pela antiga lei, ou seja, terá que se aguardar mais
cinco anos para gerar a prescrição aquisitiva.
Na hipótese de ter transcorrido somente nove anos no caso da usucapião
extraordinária, como é inferior à metade estabelecida na antiga lei (vinte anos), o prazo
contar-se-á pelo Novo Código, ou seja, restarão mais seis anos para a ação de
usucapião extraordinária, completando os quinze anos exigidos.
O mesmo valerá para a usucapião ordinária com o novo prazo estabelecido
em 10 anos, sendo que no Código Civil de 1916 a previsão era de quinze anos entre
ausentes e dez entre presentes. Neste caso, na hipótese do possuidor já tiver a posse
do imóvel no caso de presentes por seis anos, como já transcorreu mais que a metade
prevista o prazo continuará a ser contado pela antiga lei, ou seja, terá que se aguardar
mais 4 anos para completar os 10 anos exigidos no caso de presentes.
A intenção do legislador foi a de prevenir aquele que seria surpreendido com
a aquisição de um direito de outrem que levaria mais tempo para se concretizar de
acordo com a antiga lei.
Esta regra de transição mereceu a seguinte análise por Antonio Jeová
Santos: “Em suma, a prescrição que ainda não foi consumada está despida das
características do direito adquirido, donde ser aplicável o art. 2.028 do CC/2002.
Quando os prazos prescricionais previstos no novel Código foram abreviados, mas já
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ultrapassado menos da metade do tempo previsto no Código Beviláqua, contar-se-á o
novo prazo – diminuído – a começar da data em que o novo Código entrou em vigor,
desprezando o tempo que fluiu. Se o prazo, apesar de abreviado pelo Código Civil de
2002, tiver escoado mais da metade do tempo previsto no Código Civil de 1916, aquele
prazo agigantado continuará seu fluxo normal, sem a incidência das novas regras”.149
Já Mário Delgado tem a seguinte opinião no que se refere a usucapião
extraordinária: “Caso não fosse aproveitado o prazo já decorrido, esse mesmo titular
teria direito a mais quinze anos de prazo, alcançando patamar superior ao próprio prazo
da lei antiga, o que infringiria a finalidade da norma redutora. Em suma, a aplicação do
novo prazo não pode prorrogar o termo final em que se consumaria a prescrição para
além do que estabelecia a lei revogada. Em tais casos (e apenas neles, repita-se), deve
o prazo decorrido anteriormente ser aproveitado e abatido do novo prazo”.150
Conforme se verifica dúvidas pairam na doutrina se se deve adicionar o
prazo já decorrido a menor até completar o prazo exigido pela nova lei ou se deve
cancelá-lo e contar o prazo novo instituído desde o início. Entendemos que esta
hipótese implicaria violação ao artigo 2.028 do Código vigente, devendo portanto ser
efetuada uma soma do decurso de tempo a menor já decorrido com o tempo que faltar
para satisfazer o novo prazo disposto no Novo Código Civil.
Conforme salienta Mário Delgado: “Forçoso reconhecer, no entanto, que
divergências entre a Lei nº 10.406 e a doutrina permanecerão, sobretudo nos casos em
que o saldo do prazo estabelecido na lei revogada, mesmo depois de transcorrido em
mais da metade, for superior ao prazo da lei nova. Nesses casos, manda o art. 2.028
que seja concluída a contagem segundo a lei antiga, enquanto toda a doutrina de
Direito Intertemporal defende a aplicação da lei nova”.
149 Direito Intertemporal e o novo Código Civil : Aplicações da Lei 10.406/2002, p. 147 150 Problemas de Direito Intertemporal no Código Civil: Doutrina & Jurisprudência, p. 65.
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É importante salientar que essas regras só se efetivarão a partir da entrada
em vigor do Novo Código.
No que tange a data de entrada em vigor do Novo Código Civil diversos são
os entendimentos doutrinários a respeito deste assunto. Dispõe o artigo 2.044 que o
Código Civil de 2002 entrará em vigor um ano após a sua publicação. A sua publicação
ocorreu em 11.01.2002.151
Antonio Jeová Santos é da opinião de que o Novo Código Civil entrou em
vigor em 12/01/03: “Se o Código Civil foi publicado no dia 11.01.2002, um ano depois
foi o dia 11.01.2003. Como o § 1º precipitado traz em sua dicção que a lei entra “(...) em
vigor no dia subsequente à sua consumação integral”, esse dia depois é 12.01.2003.
Por esse raciocínio, o Código Civil entrou em vigor no dia 12.01.2003”.152
O § 1º que o autor se refere acima é do artigo 8º da Lei Complementar nº 95
de 26.02.98.153
Essa não é a opinião de Mário Luiz Delgado mesmo sob a luz da LC nº 95
acima aludida: “Vê-se, portanto, que para a contagem do prazo anual inclui-se o dia 11,
que foi o dia da publicação da lei, bem como o último dia do prazo. E qual foi o último
dia? Se considerarmos o ano como sendo o período de 365 dias (e não se fale aqui em
ano bissexto, uma vez que 2002 não o foi), temos que o período anual iniciado em 11
de janeiro de 2002 terminou no dia 10 de janeiro de 2003. Senão vejamos: somando 21
dias do mês de janeiro de 2002 (incluindo o dia 11-1-2002) com 28 dias de fevereiro,
mais 31 de março, maio, julho, agosto, outubro e dezembro, mais 30 dias de abril,
junho, setembro e novembro, teremos 355 dias; para completar o período anual, que é
de 365 dias, ficarão faltando 10 dias; se adicionarmos aos 355 dias transcorridos desde
151 Art. 2.044. Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação. 152 Direito Intertemporal e o novo Código Civil : Aplicações da Lei 10.406/2002, p. 66/67. 153 Art. 8º. §1º A contagem do prazo para entrada em vigor da leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data de publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral.
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11 de janeiro de 2002 os 10 primeiros dias do mês de janeiro do ano subsequente
(2003), teremos um período de 365 dias; assim, o período anual iniciado em 11 de
janeiro de 2002 completou-se exatamente no dia 10 de janeiro de 2003. Por esse
critério, o novo Código Civil entrou em vigor no dia 11 de janeiro de 2003, primeiro dia
subsequente ao término do prazo, nos termos ditados pela Lei Complementar já
aludida”.154
Entendo que a correta interpretação quanto a entrada em vigor do Novo
Código é a de Mário Luiz Delgado, uma vez que a LC nº 95 em seu § 2º do artigo 8º
estabelece que o prazo de vacância conta-se em dias, sendo assim uma vez que o
Novo Código Civil estabeleceu o período de vacância de um ano, mister se faz toda
essa contagem considerando dia a dia para não gerar dúvidas quanto ao exato dia que
o Código entrou em vigor.155
Quanto às modalidades de usucapião de que trata o parágrafo único dos
artigos 1.238 e 1.242, o Novo Código Civil estipulou em seu artigo 2.029 que serão
acrescidos ao prazo estipulado nessas modalidades dois anos, ou seja, se o prazo era
dez anos (art. 1238, parágrafo único) com o acréscimo legal deverá completar doze
anos e no outro caso se o prazo era cinco anos (art. 1242, parágrafo único) com o
acréscimo legal terá que completar sete anos. Este acréscimo deverá ser feito a partir
da vigência do Novo Código, não cabendo qualquer hipótese de utilização desses dois
anos antes da vigência do Código Civil como forma para gerar a prescrição aquisitiva, já
que a intenção do legislador foi justamente evitar uma surpresa ao proprietário.
Cumpre destacar que essa regra de transição do artigo 2.029 que se refere
ao parágrafo único dos artigos 1.238 e 1.242 só prevalece até 02 (dois) anos após a
154 Problemas de Direito Intertemporal no Código Civil: Doutrina & Jurisprudência, p. 51. 155 Art. 8º. A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a comtemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. § 2º. As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial”.
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entrada em vigor do Código Civil de 2002, ou seja, até 11 de janeiro de 2005, uma vez
que este Código Civil foi promulgado em 11 de janeiro de 2002 mas somente entrou em
vigor um ano depois, em 11 de janeiro de 2003.
Verifica-se que estas modalidades de usucapião foram inovações do Novo
Código Civil com o prazo ainda mais reduzido quando se verificar que o possuidor
utilizou o imóvel para moradia ou estabeleceu no imóvel obras ou serviços de caráter
produtivo, realizando investimentos de interesse social e econômico, como se trata de
modalidades próprias esta é a regra de transição aplicável conforme estipulação no
artigo 2.029, não sendo aplicável a regra de transição do artigo 2.028 que se refere às
modalidades de usucapião extraordinária e ordinária previstas no caput dos artigos
1.238 e 1.242.
O artigo 2.030 amplia essa regra de transição do artigo 2.029 à modalidade
de usucapião prevista no § 4º do artigo 1.228, neste caso como o prazo previsto é de
cinco anos com a aplicação desta regra teria que aguardar mais dois anos para
completar os sete anos exigidos.
É importante ressaltar que esta regra prevalecerá até dois anos após a
entrada em vigor do Novo Código Civil, para precaver os proprietários que se vêm
ameaçados pela redução nos prazos, após o prazo de dois anos da entrada em vigor
do Novo Código Civil, ou seja, após 11/01/05, os prazos correrão conforme estipulado
no novel Código.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo sobre as inovações da usucapião extraordinária e ordinária de bem
imóvel no Novo Código Civil trouxe em pauta diversas discussões acerca da contagem
do prazo para a prescrição aquisitiva, tendo em vista que os prazos dessas
modalidades de usucapião sofreram uma redução gerando dúvidas sobre a partir de
quando começa a se contar o prazo de acordo com a nova Lei, gerando dúvidas
também sobre qual foi realmente o dia em que o Novo Código Civil entrou em vigor, o
que influencia decisivamente para a configuração da usucapião.
Foram criadas regras de transição para explicitar o modo de aplicação da lei
nos casos de redução de prazo, contudo, o legislador foi omisso em diversos aspectos
que cumpriu à doutrina e à jurisprudência sua solução, mas mesmo assim verificamos
que essas regras de transição são omissas e apresentam lacunas.
Em virtude da criação das novas modalidades de usucapião no Novo Código
Civil foi verificado que o legislador se preocupou com a função social da propriedade se
adequando à norma superior, a Constituição Federal, que demonstra através de seus
princípios ser o instituto da usucapião de suma importância para a sociedade.
Foi uma ótima experiência o desenvolvimento desta monografia, uma vez
que com a pesquisa deste tema, diversos outros assuntos foram pesquisados tendo em
vista suas interligações, um exemplo é o instituto da prescrição que é essencial para a
caracterização da usucapião.
Por tudo exposto, verificamos que o instituto da Usucapião sofreu ao longo
do tempo diversas transformações desde a Roma Antiga mas que não perdeu seu
caráter de importância em nosso Direito, já que cada vez mais a propriedade será
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voltada para o bem estar social perdendo seu caráter de privada, quando não se
adequar à sua função social.
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