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Clínica, Diagnóstico e Terapêutica Artur Beltrame Ribeiro ATHENEU

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Clínica,Diagnósticoe Terapêutica

Artur Beltrame RibeiroATHENEU

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Hipertensão e a Gestação

INTRODUÇÃO

Aproximadamente, 10% de todas as gesta-ções são complicadas por hipertensão arterial,que continua sendo a principal causa de morbi-dade e mortalidade materna e fetal. A hiperten-são pode preceder (hipertensão arterial crônica)ou se desenvolver (pré-eclâmpsia) no curso dagestação. Pré-eclâmpsia, uma doença hiperten-siva peculiar à gravidez humana, é responsávelpela maioria destes casos.

No curso de uma gravidez pode ser difícildistinguir clinicamente pré-eclâmpsia de outrosestados hipertensivos, como hipertensão primá-ria ou secundária, doença renal, ou combina-ções destas entidades. O registro de níveis pres-sóricos normais no início da gravidez nem sem-pre ajuda a diferenciar pré-eclâmpsia de hiper-tensão primária, uma vez que a pressão arterialde algumas mulheres com hipertensão crônicadiminui na primeira metade da gravidez (primei-ras 20 semanas), resultando em obtenção devalores falsamente "normais" nesta fase. Poroutro lado, algumas formas de hipertensão arte-rial grave associadas à glomerulonefrite, lúpuseritematoso sistêmico e feocromocitoma podemmimetizar a pré-eclâmpsia. Em um grande estu-do", 176 mulheres com diagnóstico de pré-eclâmpsia foram submetidas a biópsia renal e odiagnóstico foi incorreto (por critério morfoló-gico) em 25% das primíparas e na maioria dasmultíparas. Observou-se também uma surpre-endente prevalência de doença renal parenqui-matosa, usualmente glomerulonefrite. Estes re-sultados demonstram a dificuldade em se inter-

Istênio F PascoalAlvaro N. Atallah

pretar resultados onde o diagnóstico é feito porcritérios clínicos apenas, principalmente nas sé-ries em que muitas pacientes rotuladas como pré-ecJâmpticas são rnultíparas, Atualmente, há pou-cas indicações para biópsia renal durante a ges-tação e ainda não existem exames que possibili-tem uma diferenciação segura entre pré-eclâmp-sia e outras formas de hipertensão na gravidez.Avanços no conhecimento da fisiopatologia dahipertensão arterial têm proporcionado, também,uma melhor compreensão dos mecanismos quedesencadeiam o aparecimento da pré-eclâmpsia,embora ainda se desconheça sua etiologia. Estamelhor interpretação fisiopatogênica tem permi-tido racionalizar a classificação dos estados hi-pertensivos da gravidez e propor bases terapêu-ticas mais eficazes. O diagnóstico precoce e ocorreto manuseio clínico destas pacientes evita-rão, em grande medida, o aparecimento de for-mas clínicas mais graves.

CLASSIFICAÇÃO

A heterogeneidade de causas de hipertensãona gravidez tem suscitado várias tentativas declassificação, mas não existe, até agora, umanomenclatura uniforme e universal. Assim, pré-ecJârnpsia também aparece na literatura como"toxernia", "hipertensão induzida pela gravidez","hipertensão associada à gravidez", "gestose"etc. Por outro lado, algumas vezes o mesmo ter-mo é usado para descrever situações diferentes,dependendo da classificação usada pelo autor.Uma classificação concisa, simples e, por isso,largamente utilizada é a recomendada pelo Co-

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légio Americano de Obstetras e Ginecologistas,em que a hipertensão na gravidez é subdivididaem quatro categorias: a) hipertensão crônica; b)pré-eclâmpsia e eclâmpsia; c) hipertensão crô-nica com pré-eclâmpsia superajuntada; e d) hi-pertensão transitória. Os critérios de diagnósti-co de hipertensão na gravidez incluem: 1) au-mento de pelo menos 30mmHg na pressão ar-terial sistólica e/ou 2) aumento de pelo me-nos 15mmHg na pressão diastólica (fase V),comparado com a média de valores obtidosantes da 20~ semana de gestação. Quando apressão arterial prévia não é conhecida, umaleitura de 140/90mmHg ou mais é considera-da anormal. Infere-se daí que uma pressão ar-terial de 120/80mmHg pode ser anormal em umamulher que apresentava valores de 90/60mmHgno início da gestação.

HIPERTENSÃO CRÔNICA

Hipertensão crônica se refere a hipertensãopresente antes da gravidez ou diagnosticada an-tes da 20~ semana de gestação. Hipertensão édefinida na vigência de nível pressórico igualou superior a 140/90mmHg. Hipertensão ar-terial diagnosticada em qualquer fase da gra-videz, mas que persista além de seis semanasapós o parto, é também considerada hiperten-são crônica.

PRÉ-ECLÂMPSIA E ECLÂMPSIA

Pré-eclâmpsia é uma doença hipertensivaespecífica da gravidez, que ocorre principalmen-te em primigestas após a 20~ semana de gesta-ção, e mais freqüentemente próximo ao termo.Caracteriza-se clinicamente por hipertensão,proteinúria, edema generalizado e, às vezes, al-terações da coagulação e da função hepática. Asobreveniência de convulsão define uma formagrave, chamada eclâmpsia. Em mulheres nulí-paras, a incidência de pré-eclâmpsia é de apro-ximadamente 6% nos países desenvolvidos eduas ou três vezes maior em países subdesen-volvidos.

O nível de proteinúria é considerado anor-mal quando superior a 300mg em uma coleçãode urina de 24 horas ou pelo menos 2 + na aná-lise qualitativa. Na maioria das vezes, a protei-

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núria é uma manifestação tardia da pré-eclâmp-sia; portanto, uma abordagem clínica apropria-da pode tratar como pré-eclâmpticas mulheresgrávidas com hipertensão de novo, mesmo an-tes de a proteinúria se desenvolver. Edema ocorrenormalmente no curso da gra videz, de forma quea sua presença isolada não é um critério útil nodiagnóstico da pré-eclâmpsia, embora a vastamaioria das mulheres com pré-eclâmpsia apre-sente edema, particularmente nas mãos e na face.

HIPERTENSÃO CRÔNICA COM PRÉ-ECLÂMPSIA SUPERAJUNTADA

A pré-ecIâmpsia pode ocorrer em mulherescom hipertensão preexistente e, em tais casos, oprognóstico para a mãe e o feto é pior do quequalquer uma das condições isoladamente. Odiagnóstico é feito se houver aumento da pres-são arterial (30mmHg sistólica ou l5mmHg di-astólica) acompanhado de proteinúria ou ede-ma, após a 20~ semana de gestação.

HIPERTENSÃO TRANSITÓRIA

Hipertensão transitória define a circunstân-cia em que ocorre elevação da pressão arterialdurante a gravidez, ou nas primeiras 24 horasapós o parto, sem outros sinais de pré-eclâmp-sia ou hipertensão preexistente. Esta condiçãoparece ser preditiva do desenvolvimento poste-rior de hipertensão primária.

PRÉ-ECLÂMPSIA

CURSO CLíNICO

Pré-eclâmpsia, especialmente quando so-breposta à hipertensão crônica (categoria c),é a forma de hipertensão na gravidez que maisameaça a mãe e o seu feto. A evolução dapré-eclâmpsia é muitas vezes imprevisível,mesmo quando a pressão arterial está apenasdiscretamente elevada. Por isso, uma falha emreconhecê-Ia pode ter sérias conseqüências.As principais manifestações da pré-eclâmp-sia são hipertensão arterial, proteinúria(> 300mg/24h, ou > 2+) e, freqüentemente,

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edema. Algumas vezes também se observamalterações da função hepática, anormalidadesda coagulação e plaquetopenia. A pré-eclârnp-sia pode progredir rapidamente para uma for-ma convulsiva e grave (eclâmpsia), que é fre-qüentemente precedida por sinais e sintomasespecíficos, tais como cefaléia intensa, dis-túrbio visual, hiper-reflexia, dor epigástricae hemoconcentração. Algumas vezes, entre-tanto, as convulsões eclârnpticas ocorrem su-bitamente, sem aviso, em uma paciente apa-rentemente assintomática ou com apenas dis-creta elevação da pressão arterial. Por isso, apré-eclârnpsia - independentemente da gra-vidade aparente - sempre representa um ris-co potencial para a mãe e o feto.

Uma variante da pré-eclârnpsia, denomi-nada HELLP (Hemolysis Elevat ed Liver en-zymes, Low Platelet counts), constitui umaemergência que, na maioria das vezes, requera interrupção da gravidez. Em pacientes apre-sentando apenas discreta elevação da pressãoarterial, pequena diminuição do número deplaquetas, modesta elevação das enzimas he-páticas e nenhuma alteração da função renal,uma conduta conservadora pode ser conside-rada, sabendo-se, entretanto, que esta formade pré-eclârnpsia pode evoluir rapidamentepara uma condição ameaçadora, com intensahemólise, alterações de coagulação e eleva-ção descomunal (> 2.000UI) dos níveis detransaminases.

As manifestações da pré-eclârnpsia usu-almente regridem rapidamente após o parto,mas podem permanecer, e até evoluir paraeclârnpsia, nas primeiras 48 horas do puerpé-rio. Há, também, uma rara entidade caracte-rizada por hipertensão, edema, proteinúria econvulsões que se desenvolve no primeiro mêsapós o parto e é denominada "eclâmpsia pós-parto tardia". Embora a diferenciação entreeclâmpsia superajuntada e pré-eclâmpsia puraàs vezes seja difícil, algumas característicasfavorecem o diagnóstico de pré-eclârnpsia su-perajuntada, tais como a ocorrência mais pre-coce na segunda metade da gestação, a ten-dência a maior gravidade (devido à condiçãohipertensiva preexistente) e a semelhança clí-nica com algumas formas, tais como glorne-rulonefrite, nefropatia lúpica e nefropatia di-abética, em que hipertensão, proteinúria e ede-ma são manifestações comuns.

EnOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

Pré-eclârnpsia é uma doença potencialmen-te grave, caracterizada por diminuição no débi-to cardíaco e intensa vasoconstrição periférica.A hipertensão é caracteristicamente lábil e apre-senta uma tendência a reversão do ritmo circa-diano normal da pressão arterial, ou seja, inten-sificação dos níveis pressóricos à noite, ao in-vés da queda noturna habitual. Há, também,desaparecimento da hiporreatividade vascularcaracterística da gravidez normal, como demons-trada pela exagerada resposta pressora à angio-tensina-Il.

Pré-eclârnpsia tem sido tradicionalmenteaceita como uma das várias formas de hiperten-são na gravidez. Mais recentemente, sua natu-reza multissistêmica tem sido enfatizada. Even-tos fisiopatológicos, incluindo placentação anor-mal e hipersensibilidade vascular, podem ocor-rer semanas ou meses antes do reconhecimentoclínico da doença. Embora ela se apresente maisfreqüentemente como hipertensão e proteinúria,o envolvimento hepático (dor abdominal e ele-vação de transaminases) e hematológico (hernó-lise intravascular e trombocitopenia) podemconstituir importantes manifestações. As opini-ões atuais sugerem que o caráter sistêmico dapré-eclâmpsia pode ser causado por extensa dis-função endotelial, vasoespasmo e ativação variá-vel dos mecanismos de coagulação.

A causa das alterações vasculares da pré-eclâmpsia permanece desconhecida. Há evidên-cias bioquímicas e morfológicas de que a pré-eclârnpsia é precedida ou acompanhada por in-tensa disfunção endotelial. Uma teoria popularé que a vasoconstrição se deve a relativa ou ab-soluta deficiência de prostaglandinas vasodi-latadoras. Consistente com esta hipótese, a ex-ereção renal de metabólitos da prostaciclina e aprodução de ecosanóides pelos vasos sangüíne-os e pela placenta estão diminuídas na pré-eclâmpsia, enquanto os níveis de tromboxaneestão aumentados. Outras disfunções da célulaendotelial, tais como diminuição da síntese defatores relaxantes (EDRF) ou aumento de endo-telina devido a fatores tóxicos circulantes, cito-quinas ou excesso de peróxidos lipídicos, têmsido propostas mais recentemente.

O endotélio vascular elabora um fator rela-xante, não-prostanóide, assumido como sendoo gás óxido nítrico, o qual ativa a enzima guani-

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lato ciclase no interior do músculo liso vascu-lar, gerando o acúmulo de GMC cíclico e o sub-seqüente relaxamento vascular. O óxido nítricoé derivado da oxidação de L-arginina. A libera-ção basal de óxido nítrico se opõe à ação devasoconstritores, enquanto a liberação estimu-lada por vasodilatador relaxa o vaso. Para ava-liar a participação do endotélio e particularmentedo óxido nítrico, nas alterações da reatividadevascular observadas na pré-eclâmpsia, nós es-tudamos as propriedades contráteis e o relaxa-mento vascular de artérias de resistência doomento humano, obtidas de biópsias realizadasem grávidas normais e pré-eclâmpticas, no mo-mento da operação cesariana. Os vasos foramestudados sob condições isométricas em ummiógrafo de Mulvany-Halpern. As artérias depré-eclâmpticas exibiram contrações fásicas (os-cilações) em resposta a doses intermediárias devasopressina, e contrações tônicas apenas quan-do expostas à dose máxima. Em contraste, àque-las de grávidas normais apresentaram apenascontrações tônicas em todas as doses estudadas.Mais importante, vasos de grávidas normais pré-contraídos com vasopressina relaxaram comple-tamente em resposta à acetilcolina e à bradicini-na, enquanto apenas a bradicinina relaxou va-sos de pré-eclâmpticas. A acetilcolina não pro-duziu nenhum efeito neste grupo. As respostasà acetilcolina e à bradicinina foram estritamen-te dependentes da presença do endotélio, masindependentes da síntese de óxido nítrico. Estesresultados sugerem que a pré-eclâmpsia estáassociada a anormalidades da contração e dorelaxamento vascular de artérias de resistência,e que a via metabólica do óxido não parece me-diar estas alterações.

Outras hipóteses para explicar a causa dapré-eclâmpsia implicam distúrbios no metabo-lismo de cátions divalentes, fatores natriuréti-cos ou ações anormais de insulina, vitamina Dou hormônio da paratiróide.

A lesão renal da pré-eclâmpsia (chamadaendoteliose capilar glomerular) pode ser respon-sável pela excreção protéica aumentada, bemcomo pela diminuição na filtração glomerular ena depuração de ácido úrico, o último causandohiperuricemia. Desde que o ritmo de filtraçãoglomerular e a depuração de ácido úrico aumen-tam normalmente durante a gravidez, níveis sé-ricos de creatinina e ácido úrico superiores a0,9 e 5,Omg/dl, respectivamente, são considera-

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dos anormais em mulheres grávidas e requeremavaliação complementar.

A excreção renal de sódio diminui na pré-eclâmpsia, causando retenção hidrossalina, em-bora formas graves da doença possam ocorrerna ausência de edema. A maioria do fluido reti-do se localiza no espaço intersticial; assim, mes-mo na presença de edema, pacientes pré-eclâmp-ticas apresentam diminuição do volume intra-vascular e hemoconcentração. Os níveis de al-bumina circulantes podem ser baixos, não devi-do a perda renal ou disfunção hepática, mas emdecorrência do extravasamento de proteína parao interstício (capillary leak). Enquanto a maio-ria dos casos de edema agudo de pulmão obser-vado em grávidas hipertensas se deve a sobre-carga de volume, algumas pré-eclâmpticas apre-sentam quadro semelhante à síndrome de estresserespiratório agudo, com pressão capilar pulmo-nar normal ou baixa, com intensa diminuiçãoda oncótica plasmática e possível comprometi-mento da extração de oxigênio.

As anormalidades da coagulação têm parti-cipação duvidosa na etiologia e fisiopatologiada pré-eclâmpsia. A diminuição do número deplaquetas e dos níveis de antitrombina III po-dem preceder a expressão clínica da doença. Hátambém algumas sugestões de que elevaçõessúbitas nos níveis de ferro sérico ou carboxie-moglobina circulantes possam ajudar na dife-renciação entre pré-eclâmpsia e outras formasde hipertensão na gravidez.

Atallah e col. verificaram em estudo pros-pectivo coorte de grávidas hipertensas crônicas,em São Paulo, que cerca de 50% das gestaçõesapresentaram pelo menos uma grande compli-cação materno-fetal atribuível à hipertensão ar-terial, e que essas complicações eram quatro aseis vezes mais freqüentes naquelas pacientesque apresentavam entre a 24~ e 28~ semanas degestação espasmos arteriolares e/ou cruzamen-to patológico à fundoscopia ocular.

A fundocospia ocular alterada tem valorpreditivo positivo de 65% para o desenvolvimen-to de complicações matemo-fetais atribuíveis ahipertensão arterial crônica; por outro lado, pa-cientes com ausência de espasmos ou cruzamen-tos patológicos têm 82% de probabilidade deevoluírem sem as complicações atribuíveis à hi-pertensão arterial (ou seja, pré-eclâmpsia, cri-se hipertensiva, prematuridades, mortalidade pe-rinatal, descolamento prematuro de placenta).

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As asserções mencionadas permitem con-cluir que a pré-eclâmpsia é na realidade umadoença multissistêmica, sendo a hipertensãoapenas uma de suas manifestações. Observam-se lesões em vários órgãos, incluindo cérebro,fígado e coração. Há também diminuição naperfusão placentária, o que responde, em parte,pela maior incidência de retardo de crescimentointra-uterino e de perda fetal. A restrição ao flu-xo placentário provavelmente se deve ao estrei-tamento dos vasos deciduais, por uma lesão es-pecífica chamada "aterose". Na gravidez nor-mal, as artérias espiraladas (ramos da artériauterina) são invadidas pelo trofoblasto, o qualdestrói sua musculatura, transformando-as emum conduto praticamente sem resistência. Esteprocesso se completa em tomo da 20~ a 22~ se-mana de gestação. Alguns autores admitem queuma falha nesta seqüência fisiológica, com pos-terior defeito da placentação, exerça um papelfundamental na etiologia da pré-eclâmpsia.

PROPEDÊUTICA

AVALIAÇÃOCLíNICA DA HIPERTENSÃOANTES DA GESTAÇÃO

Mulheres hipertensas que desejam engravi-dar deveriam se submeter a uma avaliação es-pecífica antes da concepção. A possibilidade dehipertensão secundária deve ser cuidadosamen-te investigada, porque pacientes com feocrorno-citoma e coarctação da aorta têm maiores com-plicações durante a gravidez e a aferição da PAnos quatro membros é indispensável. Deve-setambém suspender drogas anti-hipertensivas,cujo uso não seja recomendado durante a gravi-dez, especialmente inibidores da enzima conver-sora da angiotensina. Em mulheres mais idosas,ou naquelas com hipertensão de longa data, umeletrocardiograma basal deve ser realizado.

O aconselhamento é um importante aspectoda avaliação preconcepcional de mulheres hi-pertensas. Devem também ser alertadas sobre omaior risco de desenvolver pré-eclârnpsia supe-rajuntada, e as possíveis complicações, se con-dições como doença renal, diabetes ou doençado colágeno estiverem presentes. Em pacientescom doença renal primária e hipertensão arteri-al simultânea, além da aumentada morbidade e

mortalidade perinatal, há possibilidade de que afunção renal materna deteriore como resultadoda gravidez.

A VALIAÇÃO CLíNICA DA HIPERTENSÃODURANTE A GESTAÇÃO

Hipertensão Precoce (Antes da 20~Semanade Gestação)

A maioria das mulheres com hipertensãodiagnosticada antes da 20~ semana de gestaçãotem hipertensão crônica, e o diagnóstico é hi-pertensão primária (essencial) na maioria dasvezes. Algumas já se apresentam tendo sido ava-liadas para hipertensão secundária antes da gra-videz. Outras, sequer sabem ser hipertensas. Apossibilidade de hipertensão secundária deve serconsiderada, principalmente se a hipertensão émoderada ou grave. Desde que feocromocitomaestá associado com alta mortalidade maternaquando não diagnosticado, sua presença deveser avaliada, mesmo se a suspeição clínica formínima. Doença renal, colagenose, aldosteronis-mo primário e feocromocitoma podem ser de-tectados com exames de sangue e urina. Hiper-tensão renovascular e síndrome de Cushing di-ficilmente são diagnosticadas durante a gravi-dez e, na maioria das vezes, são investigadasapenas após o parto.

A avaliação basal da função renal e do nú-mero de plaquetas deve ser realizada precoce-mente no curso da gravidez, para que possa sercomparada com valores obtidos em fases poste-riores da gestação e ajudar a determinar se ele-vações da pressão arterial no terceiro trimestrerepresentam o aumento fisiológico esperado ouinício de um quadro de pré-eclâmpsia.

Pacientes hipertensas quando grávidas de-vem ser seguidas no mínimo semanalmente apósa 30~ semana. Na maioria delas, a pressão arte-rial diminuirá no segundo trimestre, devido avasodilatação fisiológica da gravidez, e uma re-dução na dose ou suspensão da medicação anti-hipertensiva pode ser necessária. Estas mulhe-res têm maior risco de desenvolverem pré-eclâmpsia superajuntada. Embora seja difícilpredizer quem desenvolverá pré-eclâmpsia, aausência de redução da pressão arterial no se-gundo trimestre é um mau sinal prognóstico.

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Quando o controle pressórico é difícil e o feto éviável, a realização do parto é a melhor condu-ta, tanto para a mãe quanto para o feto. Consi-deramos feto viável aquele capaz de sobreviverno berçário do hospital em que se trata a paci-ente. No nosso meio, fetos de gestantes hiper-tensas com mais de 1.500g têm grandes proba-bilidades de sobreviver.

Hipertensão Tardia (Após a 20~Semana deGestação)

Quando a hipertensão surge após a 20~ se-mana de gravidez, o diagnóstico pode ser pré-eclâmpsia, hipertensão transitória ou hiper-tensão crônica, com ou sem pré-eclâmpsia su-perajuntada. Em mulheres com hipertensãocrônica leve, a hipertensão pode não ser ob-servada até o terceiro trimestre, quando a pres-são arterial recupera os níveis pré-gestacio-nais. A hipertensão transitória e a hiperten-são crônica não complicada são situaçõesrelativamente benignas, em contraste com pré-eclâmpsia ou hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada, que são entidadespotencialmente graves. Alguns exames labo-ratoriais são úteis em estabelecer o diagnósti-co correto, e a Tabela 17.1 sumariza algumasrecomendações para a avaliação de mulheresgrávidas com hipertensão diagnosticada na se-gunda metade da gestação.

Certas anormalidades laboratoriais estãorelacionadas com a intensidade do quadro. Asíndrome HELLP designa uma constelação deanormalidades laboratoriais indicativas de gra-vidade e, quando presente, a interrupção da ges-tação é desejável. É importante saber, entretan-to, que estas alterações podem estar presentes adespeito de modestas cifras hipertensivas.

Tabela 17.1Exames Complementares de Mulheres que

Desenvolvem Hipertensão após a20! Semana de Gestação

Fundoscopia ocularHemoglobina e hematócritoContagem de plaquetasExame Sumário de urina (tipol)Creatinina sé ricoÁcido úrico sé ricoTransaminasesDesidrogenase láticaAlbumina sé rica

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Uma vez estabelecido o diagnóstico de pré-eclâmpsia, a paciente deve ser hospitalizada paramonitorização das condições maternas e fetais. Seo diagnóstico for incerto, é também mais segurointernar a paciente, permitindo que as alteraçõesclínicas e laboratoriais possam ser apreciadas an-tes de as condições clínicas deteriorarem.

A VALIAÇÃO CLÍNICA DA HIPERTENSÃOPÓS-PARTO

Embora a interrupção da gravidez seja con-siderada a única forma de "cura efeti va" da pré-eclâmpsia, a pressão arterial pode não se nor-malizar por dias a semanas após o parto. Emgeral, quanto mais intensa e duradoura a hiper-tensão antes do parto, mais tardiamente se daráa normalização. Em alguns casos, a pressão ar-terial pode ser mesmo mais alta na primeira se-mana do puerpério do que no período anteriorao parto. De igual modo, certas anormalidadeslaboratoriais podem demorar vários dias parareverterem, e tem sido observado que em algu-mas pacientes com síndrome HELLP o númerode plaquetas continua a diminuir nos primeirosdois dias após o parto, para então recuperar-seprogressivamente. Embora raramente, a pré-eclâmpsia pode se desenvolver no puerpérioimediato ou mesmo ser diagnosticada durante oparto. Se a hipertensão persistir além de seissemanas após o parto, um diagnóstico de hiper-tensão crônica se impõe. Como muitas mulhe-res com hipertensão crônica têm pressão arteri-al mais baixa durante a gravidez, a hipertensãoparece piorar após a gestação.

TRATAMENTO DE PACIENTESGRÁVIDAS COM HIPERTENSÃO

PRÉ-ECLÂMPSIA

o tratamento definitivo da pré-eclâmpsiaconsiste na interrupção da gravidez e prevençãodas complicações maternas. A abordagem tera-pêutica inclui hospitalização com repouso noleito, controle da pressão arterial, profilaxia daconvulsão (quando sinais de eclâmpsia iminen-te estão presentes) e o apropriado término dagestação. A intervenção terapêutica é paliativa

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e não parece alterar a fisiopatologia da pré-eclâmpsia. Quando muito, pode retardar suaprogressão. Se já houver maturidade pulmonarfeta a gravidez deve ser interrompida, uma vezque a pré-eclâmpsia é completamente reversívele começa a desaparecer com o parto. As dificul-dades aumentam quando a pré-eclâmpsia se de-senvolve antes da maturidade fetal, situação emque é difícil decidir a época adequada do parto.Se o feto for muito prematuro « 30 semanas), apressão arterial for apenas moderadamente ele-vada e não houver outros sinais de gravidadematerna, então pode-se tentar retardar o parto.Deve-se ter em mente, entretanto, que a pré-eclâmpsia não remite espontaneamente e, namaioria dos casos, a doença piora com o tempo.Assim, a monitorização e a vigilância materno-fetal diária são mandatórias. Independentemen-te da idade gestacional, a interrupção da gesta-ção deve ser considerada na vigência de estressefetal (incluindo crescimento intra-uterino retar-dado), ou sinais de risco matemo, como hiper-tensão grave não controlada, hemólise, eleva-ção de enzimas hepáticas e plaquetopenia (sín-drome HELLP), evidência de deterioração dafunção renal, distúrbios visuais, dor epigástricae hiper-reflexia.

O uso de medicação anti-hipertensiva na pré-eclâmpsia é controverso, devido a constataçãode que o fluxo sangüíneo uteroplacentário estádiminuído, e o impacto da diminuição da pres-são arterial sobre a perfusão placentária não ébem conhecido. Uma vez que a redução da pres-são arterial não interfere na fisiopatologia da pré-eclâmpsia, o tratamento anti-hipertensivo deve-ria ser prescrito visando apenas a proteção ma-terna. Há considerável desacordo com relaçãoaos níveis de pressão arterial que devem indicaro início do tratamento, mas em geral se inicia aterapêutica anti-hipertensiva quando a pressãoarterial diastólica é igualou maior que105mmHg (fase V de Korotkoff). Redução ex-cessiva da pressão arterial deve ser evitada, paranão comprometer o fluxo sangüíneo uteropla-centário e, assim, predispor ao descolamento pre-maturo da placenta.

Quando o parto é iminente, agentes paren-terais são práticos e efetivos. A droga de pri-meira escolha ainda é hidralazina intravenosa,administrada como um "bolo" inicial de 5mg.Doses subseqüentes são ditadas pela respostaoriginal e usadas a intervalos de 60 minutos. Se

um total de 20mg é administrado sem respostaterapêutica satisfatória, outros agentes devemser considerados. A hidralazina tem sido usadapor muitos anos, mas a disponibilidade da pre-paração parenteral pode vir a ser restrita proxi-mamente. Assim, embora a experiência com ou-tros agentes seja escassa, toma-se necessáriotratar outros pacientes com estas medicações.Labetolol intravenoso tem sido usado com su-cesso na gravidez em países onde esta droga édisponível, iniciando-se com doses de 10mg quesão repetidas a cada 20 minutos, de acordo coma resposta. Entretanto, a administração endove-nosa de labetolol não tem vantagens óbvias so-bre a hidralazina. A administração oral de blo-queadores de canais de cálcio tem sido utilizadana pré-eclâmpsia, e embora existam atrativosnesta opção, tais como a eficácia anti-hiperten-siva, a facilidade da administracão e o rápidoinício de ação, a experiência na gravidez aindaé limitada. Atallah e cal. realizaram um estudocontrolado, duplo-cego, em gestantes após a 30~semana, onde compararam o efeito da hidrala-zina (5,Omg - administração endovenosa) comnifedipina (5,Omg - administração oral). Aspacientes apresentavam níveis de pressão arte-rial diastólica superiores a 11OmmHg após umahora de repouso em decúbito lateral esquerdo.Simultaneamente foi realizada cardiotocografiade controle antes e após o uso das drogas. Osautores concluíram que as duas drogas têm efi-cácias semelhantes (90% dos casos), sendo queo efeito máximo sobre os níveis pressóricos ocor-reu entre 30 - 40 minutos após a administra-ção de ambas as drogas, sugerindo que a medi-cação, quer seja hidralazina ou nifedipina, nãodeve ser repetida em intervalo inferior a umahora.

Os raros efeitos indesejáveis sobre a cardio-tocografia ocorreram quando a diastólica caiuabaixo de 90mmHg, porém o quadro se norma-lizou com administração de soro fisiológico emvolumes de 200 a 300m!.

Como a hidralazina nem sempre está dis-ponível no mercado brasileiro, a nifedipina emdose reduzida 5mg (diluição de 10mg em águadestilada e administrando 50% do volume) cons-titui uma boa opção para o tratamento da crisehipertensiva na gestação. Uma outra preocupa-ção a respeito destes agentes é relacionada aouso concomitante de sulfato de magnésio, quefreqüentemente é utilizado para prevenir con-

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vulsões. o magnésio pode potencializar os efei-tos dos bloqueadores de canais de cálcio e cau-sar queda súbita e intensa da pressão arteri-al. O uso de diuréticos não é recomendado napré-eclârnpsia, exceto em raros casos de ede-ma pulmonar ou para potencialização da açãode hipotensores.

Quando a decisão for contemporizar, umagente oral é preferível. Deve-se ter em menteque a terapêutica anti-hipertensiva visa, princi-palmente, o benefício materno. As vantagenspara o feto são que o adequado controle dapressão arterial pode permitir continuidade dagravidez até um ponto onde haja maior matu-ridade fetal. Metildopa é considerada pormuitos como a melhor opção, face a amplaexperiência com esta droga na literatura. Seela não é tolerada, o uso de beta-bloqueadores,alfa e beta-bloqueadores, bloqueadores dos ca-nais de cálcio e hidralazina são boas opçõesaditivas ou alternativas.

A descoberta de um meio de prevenir pré-eclâmpsia revolucionaria o acompanhamentopré-natal e salvaria vidas maternas e fetais, prin-cipalmente em países subdesenvolvidos onde asconseqüências da pré-eclâmpsia são devastado-ras. No passado, a restrição dietética de sal e aadministração profilática de diuréticos foramutilizadas com esta finalidade. Entretanto, nãohá evidências consistentes de que a limitação desódio dietético modifica a incidência ou intensi-dade de pré-eclâmpsia e as orientações nutricio-nais atuais para gestantes recomendam adequa-do conteúdo de sal. Uma meta-análise de estu-dos randomizados de mais de 7.000 mulheresencontrou incidência semelhante de pré-eclâmp-sia entre pacientes que receberam diurético pro-filático e placebo. Duas novas tentativas deprevenir a pré-eclâmpsia incluem o uso de bai-xa dose de aspirina® (60 a 100mg/dia, come-çando na 12~ semana de gestação) e a suple-mentação dietética com cálcio (aproximadamen-te 2g/dia) durante a gravidez. A premissa parao benefício da aspirina® é que, nestas doses, aaspirina® inibiria a produção de tromboxanemais do que a de prostaciclina, mantendo ou res-tabelecendo a predominância funcional da pros-taciclina, uma prostaglandina vasodilatadora. Adespeito de favorável meta-análise dos primei-ros trabalhos, com pequeno número de casospublicados, a conclusão recente de vários estu-dos com grandes amostragens, entre eles um

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estudo envolvendo 9.600 pacientes, não confir-ma estes resultados, não sendo possível identifi-car com certeza quais pacientes poderiam even-tualmente se beneficiar com o uso da aspirina®na gestação. A estratégia da suplementação decálcio é baseada na observação de que pacien-tes pré-eclâmpticas são hipocalciúricas. A hi-pótese de que baixa ingesta de cálcio na dietaestá associada com hipertensão em geral per-manece controversa. Estão em curso vários es-tudos controlados testando esta hipótese em pa-cientes pré-eclâmpticas e os resultados deverãotomar-se conhecidos em breve.

HIPERTENSÃO CRÔNICA

A grande maioria das pacientes com hi-pertensão crônica na gravidez apresenta dis-creta ou moderada elevação da pressão arte-rial e os riscos de complicações vascularesdecorrentes de hipertensão durante a gravi-dez podem ser preditos pela fundoscopia ocu-lar. Devido à vasodilatação fisiológica da gra-videz, em muitas mulheres grávidas a medi-cação anti-hipertensiva pode ser reduzida eem alguns casos retirada, desde que as mes-mas sejam cuidadosamente acompanhadas.

Pacientes com hipertensão crônica têmmaior chance de desenvolver pré-eclârnpsia,havendo aumento da morbidade e da mortali-dade perinatal. Até o momento, não há evi-dências de que a terapêutica anti-hipertensi-va reduza a incidência de pré-eclârnpsia su-perajuntada; portanto, nenhuma medicaçãodeveria ser prescrita para esta finalidade. Noque diz respeito ao bem-estar fetal, existecontrovérsia sobre o benefício da redução dapressão arterial com medicação. Redução ex-cessiva da pressão arterial deve ser evitada.Se a pressão diastólica no primeiro trimestreestiver entre 90 e 100mmHg, é razoável aguar-dar a queda fisiológica da pressão arterial nosegundo trimestre, antes da utilização de anti-hipertensivos. Se a pressão diastólica é infe-rior a 90mmHg em uma paciente já com me-dicação no início da gravidez, então uma re-dução na dose da medicação pode ser tenta-da. A maioria dos trabalhos inicia o tratamen-to quando os níveis de pressão arterial dias-tólica estão repetidamente maiores do que100mmHg.

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Tratamento Não-Farmacológico

Durante a gravidez a abordagem não-far-macológica da hipertensão arterial, embora dis-cutível, consiste na restrição genérica das ativi-dades. Atallah e col. demonstraram que a pas-sagem do decúbito dorsal para a lateral esquer-da não só aumentava em cerca de 100% o fluxoplasmático renal e a excreção do sódio, comotambém levava à diminuição significativa dapressão arterial e da resistência periférica. Por-tanto, o repouso diário no decúbito lateral es-querdo, por cerca de duas horas, constitui-se emimportante terapêutica não-farrnacológica nagrávida hipertensa. Estratégias como perda depeso e exercícios não são recomendadas duran-te a gravidez, mas se uma mulher é obesa e estáplanejando uma gravidez, redução de peso an-tes da gravidez é desejável. Restrição de sódio écontroversa, entendemos ser recomendada paramulheres que tenham se beneficiado desta me-dida antes da gravidez. Convém lembrar que agestação normal requer cerca de Ig de NaCI pordia e que habitualmente as gestantes ingeremmais de 15 gramas por dia. Portanto, o bom sen-so deve ditar o que seja restrição sadia na gesta-ção. Desde que a supervisão médica seja estrei-ta, a monitorização da pressão arterial em casapode ajudar para seu efetivo controle.

Terapêutica Anti-Hipertensiva

Se a decisão é feita para diminuir a pressãoarterial com medicação anti-hipertensiva, é ne-cessário considerar tanto sua eficácia anti-hi-pertensiva quanto seus efeitos sobre o feto. No-vamente, a droga mais amplamente utilizada nagravidez é a metildopa. Se a resposta à meti ldo-pa não for satisfatória, diuréticos em pequenasdoses, como clortalidona 25mg em dias alterna-dos, podem inibir a pseudotolerância e aumen-tar a eficácia da droga. Caso não funcione, alfa-e betabloqueadores podem ser eficazes duran-te a gravidez. Alguns preferem o uso da me-tildopa no primeiro trimestre, uma vez que ouso de betabloqueadores no início da gravidezestá associado com retardo de crescimento in-tra-uterino. Bloqueadores de canais de cálcioainda não foram estudados suficientemente paraserem recomendados como agentes de primeiralinha. Entretanto, a experiência clínica crescen-

te tem levado alguns a usá-I os como drogasde segunda linha, em adição à metildopa oubetabloqueadores.

Embora os diuréticos não sejam recomen-dados em mulheres com pré-eclârnpsia, se umamulher grávida com hipertensão crônica vemsendo tratada satisfatoriamente com estes agen-tes antes da gravidez, não é necessário suspen-dê-los, embora possa ser possível a redução dadose. Os inibidores da ECA devem ser evitadosdurante a gravidez. Embora não tenham sido ob-servados efeitos teratogênicos em seres huma-nos, o uso desses agentes, no segundo e terceirotrimestres, tem sido associado com insuficiên-cia renal aguda dos neonatos e existem descri-ções de perdas de prenhez em coelhos e ovelhas.

Poucas informações são disponíveis a res-peito dos efeitos da ingestão materna de drogasanti-hipertensivas sobre o aleitamento. Deve serassumido que a maioria dos agentes será detec-tada no leite matemo, embora não sejam conhe-cidos seus efeitos sobre o recém-nascido. Se apressão arterial está apenas discretamente ele-vada, pode ser possível retirar a medicação poralguns meses. Se a hipertensão for mais grave,a medicação deve ser mantida, mas se múltiplosagentes forem necessários o aleitamento mater-no não é recomendado.

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