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CURSO DE DIREITO “MEDIDA DE SEGURANÇA” THAYS VIEIRA GEENEN RA:468078-9. TURMA: 3209-D FONE: 96608011 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2007 1

CURSO DE DIREITO “MEDIDA DE SEGURANÇA”arquivo.fmu.br/prodisc/direito/tvg.pdf · De acordo com o artigo 97, caput, do Código Penal, se o agente for inimputável, a sua internação

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  • CURSO DE DIREITO

    MEDIDA DE SEGURANA

    THAYS VIEIRA GEENEN

    RA:468078-9.

    TURMA: 3209-D

    FONE: 96608011

    E-MAIL: [email protected]

    SO PAULO 2007

    1

    http://www.fmu.br/

  • THAYS VIEIRA GEENEN

    Monografia apresentada Banca Examinadora do Centro

    Universitrio das Faculdades

    Metropolitanas Unidas, como exigncia

    parcial para obteno do ttulo de

    Bacharel em Direito sob a orientao

    do Professor : Dr. Antonio Jos Ea.

    SO PAULO 2007

    2

  • BANCA EXAMINADORA:

    Professor Orientador:____________________________

    Professor Argidor:_____________________________

    Professor Argidor:_____________________________

    3

  • Dedico este trabalho a minha Av, a qual s tenho a agradecer, pois pde me proporcionar concluir este trabalho , minha Me por todo carinho e compreenso, ao meu Pai pelo exemplo do grande homem que foi, sempre influenciando na educao e na formao do meu carter e ao Dr. Ea, grande professor, que com seu admirvel saber me ajudou a descobrir novas verdades.

  • Agradeo ao Professor Antonio

    Jos Ea, pela orientao e carinho durante

    as aulas, por me ajudar a buscar

    conhecimento em lugares diferentes.

    Aos meus amigos que sempre

    me apoiaram, e queles que conheci

    durante o curso.

    5

  • "Preciso de serenidade para aceitar as

    coisas que no posso mudar, coragem

    para mudar as que posso e sabedoria para

    conhecer a diferena".

    (R.Niebuhr)

    6

  • RESUMO

    O presente trabalho vem demonstrar os aspectos relativos ao tema

    medida de segurana. Traz a definio e seu conceito, um breve histrico, sua

    aplicao, seus pressupostos, sua finalidade, dentre outros itens a serem

    observados. Foi abordado tambm a infrao penal, uma vez que para uma possvel

    aplicao da medida de segurana, se faz necessrio a existncia de ato ilcito.

    Demonstra tambm a responsabilidade do agente bem como a imputao que lhe

    ser imposta. Para tanto elucida tambm, esta monografia, elementos quanto ao

    doente mental, bem como sua relao com o crime. No esquecendo de mostrar a

    importncia da percia mdica, dos laudos e relatrios nestes casos, que embora no

    vinculem a deciso dos magistrados, que podero usar de seu livre convencimento,

    sero de suma importncia, tanto para a deciso que absolvem o ru e lhe impe a

    medida de segurana, bem como para a liberao daqueles que j se encontram

    internados em Hospital de custdia e Tratamento por imposio da mesma. Por fim,

    demonstra a importncia da medida de segurana enquanto tratamento, no como

    punio, muito menos como vingana, demonstrando porque os doentes mentais

    criminosos no podem ser levados a presdios convencionais, frustrando deste modo,

    a influncia da mdia no julgamento de processos que tm como rus doentes

    mentais, que querem demonstrar a qualquer preo a falsa aparncia de impunidade a

    que so submetidos. Sem mais h de se lembrar que foram feitas consultas em

    vrias obras, alm de pesquisas na Internet e visitas aos hospitais de custdia e

    tratamento psiquitrico, como Franco da Rocha/SP.

    Palavras-chave: Medida de segurana; Doena mental, Periculosidade.

    7

  • SUMRIO Introduo...............................................................................................................10

    1. Infrao Penal.....................................................................................................12

    1.1. Conceito...........................................................................................................12

    1.2. Pressupostos....................................................................................................13

    2. Doena Mental.....................................................................................................15

    2.1. Conceito............................................................................................................15

    2.2. Relao do doente mental com o crime............................................................16

    2.3. Imputabilidade...................................................................................................18

    2.4. Semi- imputvel.................................................................................................20

    2.5. Inimputabilidade................................................................................................21

    2.6. Desenvolvimento mental incompleto.................................................................23

    2.6.1. Desenvolvimento mental Retardado..............................................................23

    3. Comprovao de insanidade................................................................................24

    3.1. Incidente de insanidade mental.........................................................................25

    3.2. A simulao.......................................................................................................28

    3.3. Supervenincia de doena mental ao preso.....................................................29

    3.4. Exame de sanidade mental...............................................................................32

    3.4.1. Quesitos.........................................................................................................34

    3.4.2 Local de realizao do exame.........................................................................36

    3.4.3. Exame fora do prazo................. ....................................................................36

    3.4.4. Laudo e relatrio psiquitrico.........................................................................37

    4. Medidas de segurana .................l......................................................................38

    4.1. Conceito............................................................................................................38

    4.2. Histrico.............................................................................................................41

    4.3. Natureza jurdica ..............................................................................................50

    4.4. Pressupostos.....................................................................................................51

    4.5. Finalidade..........................................................................................................55

    4.6. Espcies ..........................................................................................................56.

    4.6.1.Detentiva.........................................................................................................56

    4.6.1.1. Internaes ................................................................................................57

    4.6.2. Restritiva........................................................................................................57

  • 4.6.2.1. Tratamento ambulatorial ............................................................................60

    4.7. Medida de segurana e Pena...........................................................................63

    4.8. Converso da pena em medida de segurana.................................................66

    4.9. Sistema Vicariante em substituio ao duplo binrio........................................66

    4.10. Aplicao da medida de segurana em crimes apenados com deteno......67

    4.11. Periculosidade.................................................................................................68

    4.11.1. Periculosidade Presumida............................................................................71

    4.11.2. Psicopatia e cessao da periculosidade.....................................................71

    4.12. Desinternao e liberao condicionais.........................................................75

    4.13. Prazos.............................................................................................................76

    4.13.1.Revogao....................................................................................................78

    4.14. Princpio da Legalidade...................................................................................81

    4.15. Prescrio........................................................................................................82

    5. Concluso...........................................................................................................85

    Bibliografia................................................................................................................87

    2

  • INTRODUO

    A medida de segurana foi a forma legal que a justia encontrou para

    tratar dos doentes mentais infratores. Um doente mental no pode ser considerado,

    em tese, como imputvel. No entanto, no se pode negar que ele infringiu a lei,

    podendo ser considerado como socialmente perigoso. Com base nesses elementos,

    criou-se uma figura jurdica para medida social de preveno chamada medida de

    segurana.

    As medidas de segurana no so penas, mas meios defensivos da

    sociedade. A pena refere-se gravidade do delito, ao passo que a medida de

    segurana tem em vista a periculosidade do agente. As penas encaram o passado.

    As medidas de segurana voltam-se para o futuro.

    Podemos dizer, que as medidas de segurana surgiram para serem

    contempladas ao lado das penas, constituindo ambas, formas de sano penal.

    Mas, enquanto a pena retributiva-preventiva, tendendo a readaptar socialmente o

    delinqente, a medida de segurana possui natureza essencialmente preventiva,

    visto que evita que um sujeito que praticou uma infrao penal e se mostre perigoso,

    venha a cometer outras. As medidas de segurana so proporcionais

    periculosidade do agente, admitem juzo de periculosidade e possuem tempo

    indeterminado, cessando somente aps o desaparecimento da periculosidade.

    A medida de segurana, enquanto providncia preventiva, tem lugar aps

    a infrao, mas no em razo dela, pois no visa a atribuir culpa ao doente mental

    infrator da lei, mas a impedir um novo perigo social.

    .A periculosidade pode ser considerada com um "estado subjetivo, mais

    ou menos duradouro, dependendo do caso, de anti-sociabilidade, que se evidencia

    ou resulta da prtica de infrao penal e se funda no perigo da reincidncia".1

    Existem duas espcies de medidas de segurana: as detentivas e as

    restritivas. As detentivas resultam da internao do paciente em hospitais de

    custdia e tratamento psiquitrico ou ainda outro estabelecimento, desde que

    adequado. J as restritivas resultam da subordinao do paciente ao tratamento

    ambulatorial.

    1 MIRABETE, Julio F. Cdigo Penal Interpretado. Atlas: So Paulo. 1999, p. 505.

    3

  • De acordo com o artigo 97, caput, do Cdigo Penal, se o agente for

    inimputvel, a sua internao ser determinada pela sua periculosidade presumida;

    contudo, "se a pena abstrata prevista para a infrao por ele cometida for de

    deteno, poder submet-lo a medida de segurana restritiva e no detentiva, que

    a sujeio ao tratamento ambulatorial".2

    A percia dever ser realizada no trmino do prazo mnimo fixado, sendo

    repetida anualmente ou nos prazos determinados pelo juiz. A desinternao ou

    liberao esto condicionadas ao restabelecimento do paciente, que se vier a

    praticar, no prazo de um ano, considerado liberdade vigiada, qualquer ato indicativo

    da persistncia da periculosidade, voltar a ser submetido medida anteriormente

    imposta.

    Dos peritos exigem-se conhecimentos psiquitricos e elevada

    compreenso da defesa social, a viso aguada, o elevado sentimento de

    cooperao nos intuitos de regularidade da coletividade e da preveno

    criminalidade. Devem definir as tendncias da personalidade sujeita sua

    apreciao, discernir as possveis reaes anti-sociais, na estrutura constitucional e

    na dinmica temperamental e caracterolgica, os elementos que possam ser

    traduzidos em periculosidade atual ou potencial.

    A medida de segurana cessa por despacho do juiz, aps percia mdica,

    ouvidos o membro do Ministrio Pblico e o Diretor do estabelecimento em que o

    condenado estiver internado.

    A medida de segurana surgiu para ser utilizada como meio empregado

    para a defesa social e para o tratamento do indivduo que comete uma infrao

    penal e considerado incapaz de entender o carter ilcito do fato que cometeu ou

    determinar-se de acordo com esse entendimento.

    Este trabalho procura com a pesquisa no s rever conceitos, tantos

    jurdicos como psicopatolgicos, mas tambm esclarecer um pouco mais sobre o

    vasto universo que envolve a aplicao da medida de segurana aos doentes

    mentais.

    2 JESUS, Damsio E. de. Direito Penal. Saraiva: So Paulo. 1986. volume 1. Parte geral, p.475

    4

  • 1. INFRAO PENAL

    1.1. CONCEITO

    Doutrinariamente, o termo infrao genrico, abrangendo os crimes ou

    delitos e as contravenes. Existem trs maneiras de conceituar as infraes:

    formalmente, fato tpico, antijurdico e culpvel; materialmente, ofensa de um bem

    jurdico tutelado pela lei penal ou; formal e materialmente, a infrao da lei penal do

    Estado, promulgada para proteger a segurana dos cidados, resultante de um ato

    externo do homem, positivo ou negativo, normalmente imputvel e politicamente

    danoso.

    O sistema penal vigente no contm uma definio de crime, que

    deixado elaborao da doutrina3. Para que haja a ocorrncia de um crime,

    necessria uma ao humana tpica, ou seja, descrita em lei, contrariando o

    ordenamento jurdico, conseqentemente causando censura social. Nesse sentido, o

    delito considerado como uma "ao ou omisso tpica, ilcita ou antijurdica e

    culpvel".4

    Ao ou omisso tpica aquela conduta que se enquadra perfeitamente

    descrio do crime feita pela lei, sendo considerada uma ao ilcita ou

    antijurdica, por ser contrria norma jurdica. E, culpvel o indivduo que

    consciente ou inadvertidamente praticou uma ao vedada por lei, agindo com dolo

    no primeiro caso e culpa no segundo.

    Segundo Manuel Pedro Pimentel: "crime uma conduta (ao ou

    omisso) contrria ao direito, a que a lei atribui sano penal".5

    O crime um fenmeno natural e social, alm de um sintoma revelado do

    mal de que presa. , pois, um fenmeno antropolgico e social, mas sempre tendo

    a sua relao jurdica.

    Infringido o dispositivo penal, surge para o Estado, garantidor da ordem

    pblica, o poder-dever de sancionar o sujeito infrator. Por isso, surge pena que

    3 MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 19 ed. So Paulo: Ed. Atlas, 2003. p. 95. 4 PRADO. Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 2 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 149. 5 PIMENTEL. Manuel P. O crime e a pena na atualidade. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1983. p. 2.

    10

  • vem a ser uma conseqncia do delito praticado, tendo origem na relao jurdico

    punitiva entre o Estado e o cidado. Nesse sentido, pena para Damsio E. de Jesus

    " a sano aflitiva imposta pelo Estado, mediante ao penal, ao autor de uma

    infrao (penal), como retribuio de seu ato ilcito, consistente na diminuio de um

    bem jurdico, e cujo fim evitar novos delitos".6

    A pena surgiu como uma reao de uma comunidade politicamente

    organizada que se opunha ao perigo atravs da prtica de fatos que violavam

    normas fundamentais da convivncia e que abalavam os prprios fundamentos do

    grupo social, se no fossem eficazmente reprimidos.

    Por intermdio da pena, a doutrina clssica do direito pretendeu satisfazer

    uma exigncia de justia, aplicando ao criminoso um mal em retribuio ao mal por

    ele praticado. Esse sentido de justa retribuio implica que a medida penal se

    apresente como pena pblica, sano determinada por um poder central

    suficientemente forte e consciente de sua finalidade de assegurar a continuidade e

    segurana da ordem social.

    Era natural que nas sociedades mais antigas a pena se manifestasse com

    o carter de reao violenta e impulsiva, a princpio coletiva, praticamente

    instrumento de intimidao com que se pretendia demover do crime, pelo temor do

    castigo, os possveis infratores da norma.

    Mas, alm desses, h outro elemento do crime, a imputabilidade.

    Imputvel o indivduo mentalmente so, capaz de entender o carter criminoso de

    seu ato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Ressalte-se que

    esses dois elementos supra mencionados a culpabilidade e a imputabilidade -

    sero objeto de estudo e reflexo no desenvolvimento do trabalho.

    O Cdigo atual omisso a respeito, porm, o artigo 7 da Consolidao

    das leis penais, trazia a definio que preenchia rigorosamente as referidas

    condies doutrinrias, in verbis: "Artigo 7 - Crime a violao culposa e imputvel

    da Lei Penal".

    1.2. PRESSUPOSTOS

    6 DAMSIO. E. de Jesus. Direito Penal. 18 ed. So Paulo: Saraiva, 1994. p. 457.

    11

  • Aos pressupostos tericos que interpretam tais infraes penais, d-se o

    nome de criminognese, e podem ser relacionados da seguinte forma:

    a) Jurdica: o crime um ato de vontade com plena liberdade. Segue o

    mtodo jurdico formal da Escola Clssica;

    b) Antropolgica: o crime um ato pr-determinado por um fator

    bioantropolgico;

    c) Sociolgica: o crime um ato predeterminado pela sociedade por

    contgio;

    d) Endocrinolgica: seria um ato predeterminado pelas alteraes das

    glndulas e dos hormnios, como por exemplo, alguns casos de psicoses

    puerperais;

    e) Psicolgica: que engloba a psicologia compreensiva, como no delirante

    de cimes impotente; e a psicanlise, que leva em conta o inconsciente; e;

    f) Psicopatolgica: forense, com a viso ecltica das teorias e a analise

    estrutural dos casos. Pesquisa-se quais quadros podem evidenciar tais sintomas e

    quais os fatores que influenciam no caso.7

    Crime a infrao da lei penal. Pressuposto do crime , portanto, a

    existncia da lei, da norma, de algo anteriormente elaborado, visando ao

    estabelecimento de uma ordem. Essa ordem obriga cada um dos indivduos a

    agirem ou deixarem de agir no sentido de se preservar uma comunidade.

    7 EA, Antonio J. Roteiro da Psicopatologia Forense. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002.

    12

  • 2. DOENA MENTAL

    2.1. CONCEITO

    A doena mental um dos pressupostos biolgicos da inimputabilidade.

    a incapacidade para um auto-conhecimento realista e tolerante, de sentir interesse

    pelo semelhante, seguir a sua prpria conscincia, satisfazer suas necessidades

    sem prejudicar os demais e tolerar as tenses e frustraes. Dentre outras, a

    expresso abrange as perturbaes da percepo sensorial, da ideao e do juzo,

    representadas pelas psicoses (alienaes) e demncias (deterioraes mentais),

    perturbaes da harmonia intrapsquica, que so as que provocam sentimentos

    conscientes de causas inconscientes (neuroses), e as perturbaes de carter, quer

    de base constitucional (personalidades psicopticas), quer por processo evolutivo

    (personalidade delinqente).

    Se considerarmos a definio de Psicopatologia Forense como sendo a

    aplicao dos conhecimentos provenientes da rea de sade mental em todos os

    casos de ordem civil, penal ou laboral, nos quais se torne importante comprovao

    do estado mental de um indivduo, podemos, ento, tomar o conceito de sade

    mental.

    Esta seria um perodo de desenvolvimento da psiquiatria, caracterstico

    dos ltimos cinqenta anos, no qual linhas seqenciais de desenvolvimento se

    rearranjaram, resultando em um modo especial de observar a relao sade-doena

    do indivduo inserido na sociedade.

    No foi um movimento esttico e isolado, em que a estrutura de

    conhecimento pertinente a esse perodo abandona o que lhe antecedeu. Pelo

    contrrio, marcante na sade mental a possibilidade de manter em atividade muito

    do que a fundamentou, que so os perodos que a antecederam. A sade mental

    surge como tentativa de se buscar pontos de encontro dos diversos momentos, bem

    como de se adequar uma linguagem capaz de reunir modos de conhecimento a

    respeito do funcionamento mental do ser humano, muitas vezes to difcil de ser

    compreendido.

    10

  • A sade mental toma a definio de sade proposta pela Organizao

    Mundial de Sade e postula que a etiologia da doena mental biopsicossocial, ou

    seja, composta pela unio dos enfoques biolgicos, psiclogos e sociais.

    Acrescente-se que a psicanlise traz aqui uma contribuio importante ao estruturar

    uma teoria do inconsciente que lana nova luz sobre as foras que interferem no

    funcionamento mental. A gentica tambm d a sua contribuio ao tentar mapear

    as doenas mentais.

    As metas teraputicas so complexas, passando por uma ampla faixa que

    se estende desde as atenes dadas diretamente ao paciente quelas dirigidas para

    aqueles com quem se relacionam. Quanto ao tratamento, realizado com base em

    um sistema prprio de sade, no qual o paciente tem contato com a equipe

    multiprofissional formada por psiquiatras, psiclogos, assistentes sociais e

    terapeutas ocupacionais.

    2.2. A RELAO DA DOENA MENTAL COM O CRIME

    O sculo XIX foi um dos momentos histricos de maior afirmao da

    psiquiatria, momento de intensa proliferao discursiva em torno de duas das figuras

    mais destacadas do desvio o doente mental e o criminoso e, mais que isso, o

    seu cruzamento na figura do louco criminoso. Esquirol, em 1838, constatou a

    existncia de formas de loucura cujo nico sinal evidente seria uma desordem moral,

    sustentadora da prtica de crimes.

    O mdico e fenomenlogo belga E. De Greeff, acompanhado por diversos

    autores em todo o mundo, entendia que o delinqente no um ser diferente por

    natureza ou qualidade; um indivduo igual ao indivduo dito normal, diferindo

    apenas, quantitativamente, em relao a um certo nmero de caractersticas que

    facilitam, nele, a passagem ao ato, passando-se a considerar o indivduo com sua

    histria pessoal e todo um conjunto de processos psicolgicos, afetivos, morais,

    sociais, etc, que o conduziram criminalidade.8

    E. Ferri elaborou um dos primeiros modelos integrativos do direito com a

    psiquiatria e com a sociologia, valorizando como um importante fator na

    8 Geraldo Jos Ballone. Artigo extrado da internet: Personalidade Criminosa.

    11

  • determinao do crime, alm da predisposio psquica, tambm o meio social onde

    se inseria o criminoso.

    Lombroso, limitado s relaes entre anatomia e crime, entendeu o crime

    como uma espcie de anomalia morfolgica, afirmando que "a criminalidade uma

    verdadeira epilepsia, em que as convulses se substituem por impulsos violentos e

    irresistveis prtica do delito".

    A preocupao mxima do Direito Penal reside na segurana e defesa da

    sociedade, o que se impe reconhecer que crimes cometidos por alienados

    provocam muito mais sobressalto, posto que por atrs do crime de um homem

    normal h sempre um motivo, no se podendo dizer o mesmo do alienado, que

    praticam os crimes mais brbaros, mais violentos e mais selvagens.

    certo que muitos criminosos so mentalmente desenvolvidos e

    mentalmente sos. No conceito de Von Liszt, a influncia social e econmica

    inegvel e preponderante na gnese de muitas aes delituosas, mas por igual

    verdico que em muitos casos s se encontra a cabal elucidao do crime no

    desequilbrio mental.

    Pode-se tomar com exemplo os conflitos que se processam no indivduo

    psiconeurtico de forma inconsciente e cujas razes remontam infncia, gerando

    sentimentos de culpa ou de inferioridade, que o tornam fracassado ou frustrado e

    que, por isso, procura, muitas vezes, afirmar-se no mbito social atravs de reaes

    que se chocam com as normas legais.9

    Esclarecendo, o psiquiatra Dr. Antonio Ea10 ensina trs regras prticas

    para auxiliar a anlise da normalidade mental do agente criminoso: quanto mais raro

    o crime, maior a probabilidade de doena mental; quanto mais aberrante, mais sinal

    de esquizofrenia e; quanto mais dolo empregado, mais anormalidade psquica

    revela.

    Os distrbios psquicos podem ser quantitativos, que configuram aumento

    ou diminuio de algo considerado normal e compreendem os chamados

    "portadores de desenvolvimento mental retardado"; ou qualitativos, que constituem o

    surgimento de algo novo na mente da pessoa, so os que sofrem de "perturbao

    9 ALMEIDA JR., A.; COSTA JR., O. Lies de Medicina Legal. p. 587-592. 10 EA, Antonio J. Roteiro de Psicopatologia Forense. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense. p. 39.

    12

  • da sade mental", conhecidos como fronteirios, isto , aquele que se encontra na

    fronteira, o portador de personalidade psicoptica.

    Freqentemente tem-se tentado fazer uma relao lgica entre doena

    mental e crime, concluindo-se, de forma preconceituosa, que o doente mental

    sempre socialmente perigoso. Porm, antes de chegar a tal concluso, deveramos

    questionar: 1. se todo doente mental em potencial um criminoso? 2. ser o crime

    um tipo especial de doena mental?

    Consideramos que no ser a doena mental que ir transformar o

    indivduo em criminoso, e que o crime, por sua vez, no dever ser justificado

    apenas como um tipo particular de doena mental; ele deveria ser entendido como

    um tipo particular de transtorno do comportamento social. Relacionar a doena

    mental com o crime a mesma coisa que tentar relacionar a genialidade com a

    doena mental. Alis, muitas pessoas fazem esse tipo de raciocnio quando

    explicam alguma conduta particular de um gnio como um rasgo de loucura.

    Acreditamos que tanto a doena mental quanto a criminalidade ou a genialidade so

    atributos diferentes e individuais, e entendidos pela sociedade como qualidades

    incontrolveis; portanto, elas so socialmente assustadoras e ameaadoras.

    Resta a questo: por que ser que sempre estamos tentando fazer este

    tipo de associao entre a doena mental e a periculosidade? Acreditamos que este

    tipo de vnculo surgiu em um perodo de obscurantismo da nossa sociedade, quando

    ela segregava tudo aquilo que era considerado como socialmente perigoso: por

    exemplo, colocando nos asilos tanto os doentes mentais quanto os criminosos ou as

    prostitutas, pois considerava essas pessoas como perigosas a priori, e o nico meio

    de defesa social era tentar control-las por meio da custdia, enquanto medida

    repressiva que assegurava e tranqilizava a sociedade. Esse tipo de pensamento

    est sendo revisto e, atualmente, em vez de segregar as pessoas perigosas em

    asilos ou prises sem qualquer possibilidade de recuperao, tenta-se conhec-las,

    identificando os diferentes problemas que possuem para poder trat-los e reintegr-

    los na sociedade.

    2.3. IMPUTABILIDADE

    13

  • Para saber se o autor de um determinado ato tinha ou no a capacidade

    de poder receber a imputao desse seu ato, duas so as condies que devem ser

    observadas:

    - est relacionada capacidade de imputao penal ou civil que verifica

    se o autor podia entender, pelo exerccio da sua capacidade mental, o ato que

    praticou;

    - a condio se refere responsabilidade do autor que avalia se, de

    acordo com esse entendimento, teve a inteno de provocar o resultado.

    Entretanto, a imputabilidade no se confunde com a responsabilidade

    penal, que corresponde s conseqncias jurdicas oriundas da prtica de uma

    infrao, isto , a obrigao de arcar com as conseqncias jurdicas do delito.

    A imputabilidade o conjunto de requisitos pessoais que conferem ao

    indivduo capacidade, para que, juridicamente, lhe possa ser atribudo um fato

    delituoso. Pode dizer-se que imputabilidade a capacidade que tem o indivduo de

    compreender a ilicitude de seu ato e de livremente querer pratic-lo11.

    Responsabilidade o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu

    ato. Ela depende da imputabilidade do indivduo, pois no pode sofrer as

    conseqncias do fato criminoso (ser responsabilizado) seno o que tem a

    conscincia de sua antijuridicidade e quer execut-lo (ser imputvel).12

    E o ilustre professor Damsio, o conceito de imputao o seguinte: [...]

    imputvel o sujeito mentalmente so e desenvolvido, capaz de entender o carter

    ilcito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento [..]".

    De acordo com a Teoria da Imputabilidade Moral, o homem um ser

    inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e

    por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilcitos que pratica.

    Agindo com uma conduta que lesa interesses jurdicos alheios, deve o

    autor dessa conduta sofrer as conseqncias de seu comportamento. Para a

    doutrina e legislaes dominantes, a imputabilidade est na capacidade de entender

    e querer.

    A capacidade de entender o carter criminoso do fato no significa a

    exigncia de o agente ter conscincia de que sua conduta se encontra descrita, em

    11 NORONHA, E. Magalhes Direito Penal. p. 164. 12 Ibidem.

    14

  • lei, como infrao. Imputvel o sujeito mentalmente so e desenvolvido que possui

    capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem

    jurdica.13

    Estando ausente essa capacidade mnima de entender e de querer

    realizar um determinado ato de acordo com esse entendimento, trata-se de um

    indivduo inimputvel que, no pode receber a aplicao de uma pena por no ter

    conhecimento das conseqncias de seus atos.

    Em regra, todo indivduo imputvel. Quando ocorrer uma das causas de

    excluso da imputabilidade, ser inimputvel. So causas de excluso da

    imputabilidade: doena mental; desenvolvimento mental incompleto (menoridade

    penal); desenvolvimento mental retardado e; embriaguez completa, proveniente de

    caso fortuito ou fora maior. Assim, mesmo absolvido por ausncia de culpabilidade,

    receber a aplicao da medida de segurana e no da pena comum que seria intil

    por no entender sua finalidade.

    2.4. SEMI-IMPUTVEL

    Entre a imputabilidade e a inimputabilidade existe um estado intermedirio

    com reflexos na culpabilidade e, por conseqncia, na responsabilidade do agente.

    Situam-se nessa faixa, segundo Damsio: [...] semi-responsveis,

    compreendendo os casos benignos ou fugidios de certas doenas mentais, as

    formas menos graves de debilidade mental, os estados incipientes, estacionrios ou

    residuais de certas psicoses, os estados interparoxsticos dos epilticos e histricos,

    certos intervalos lcidos ou perodos de remisso, certos estados psquicos

    decorrentes de especiais estados fisiolgicos (gravidez, puerprio etc) e as

    chamadas personalidades psicopticas [...]".14

    A semi-imputabilidade no foi desenvolvida por penalistas, mas sim por

    psiquiatras, particularmente, pelos psicopatologistas forenses, e um dos primeiros

    Cdigos em que figurou foi o Italiano de 1889. Grasset, que inaugurou o perodo

    mdico-legal da imputabilidade diminuda, esclarece-nos a matria explicando: [...] o

    13 DAMASIO, E. de Jesus. Direito Penal Parte Geral, p. 469. 14 NORONHA, E. Magalhes. Direito Penal: Parte Geral, p. 302.

    15

  • louco no mais que um doente; o normal no mais que um culpvel, mas o

    semilouco uma outra coisa: para ele, no se deve escolher entre a cadeia e o

    hospital, pois so necessrias ambas as coisas [...].15

    O nosso Cdigo trata da semi-imputabilidade penal da seguinte forma, in

    verbis: [...] a pena pode ser reduzida de um a dois teros, se o agente, em virtude

    de perturbao da sade mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou

    retardado no era inteiramente capaz de entender o carter ilcito do fato ou de

    determinar-se de acordo com esse entendimento [...]", artigo 26, pargrafo nico,

    CP.

    Sinteticamente, dizemos que na semi-imputabilidade a responsabilidade

    subsiste quando a causa biolgica no de molde a suprimir totalmente a

    capacidade de entendimento tico-jurdico ou de autogoverno do indivduo. A

    responsabilidade diminuda no constitui causa de excluso da culpabilidade. O juiz

    optar pela aplicao da pena reduzida ou da medida de segurana, e em sendo

    escolhida esta ltima, executada pelo indivduo como se inimputvel fosse, porm

    com sentena condenatria.

    Muito se tem criticado a posio do legislador da reforma penal, visto que

    a reduo obrigatria da pena sem a aplicao da medida de segurana, quando o

    juiz entender que no necessita de tratamento curativo, poder implicar abreviao

    da soltura de condenados de revelada periculosidade.16

    Aplica-se o sistema vicariante: ou o juiz reduz a pena de 1/3 a 2/3, ou a

    substitui por medida de segurana. A deciso que determina a substituio precisa

    ser fundamentada, e s deve ser determinada se o juiz entend-la cabvel,

    inexistindo direito subjetivo do agente. A diminuio de pena obrigatria.

    2.5. INIMPUTABILIDADE

    15 CARVALHO, Hilrio V.; SEGRE, Marco; MEIRA, Affonso R. Compndio de Medicina Legal, p. 349. 16 MIRABETE, Julio F. Manual de Direito Penal, p. 368.

    16

  • inimputvel, quem no tem capacidade de entendimento e de

    determinao. As causas de supresso da imputabilidade so consideradas sob trs

    sistemas:17

    - sistema biolgico: para esse sistema, a inimputabilidade resulta apenas

    de certos estados de patologia mental, de desenvolvimento mental deficiente ou de

    transtornos mentais transitrios, patolgicos ou no. No importa saber se ao agente

    faltam os elementos psquicos que o tornam inimputvel. Basta a presena de um

    desse estados anmalos.

    Assim, se o sujeito portador de doena mental e pratica um fato tpico e

    antijurdico, pela circunstncia de ser doente considerado inimputvel, no

    importando que a causa tenha excludo ou diminudo a capacidade de compreenso

    ou de determinao da conduta delituosa.

    - sistema psicolgico: de acordo com o sistema psicolgico, o que

    interessa so os aspectos da atividade psquica. Sua deficincia, como a falta de

    inteligncia ou de vontade normal, caracteriza a inimputabilidade, indiferentemente

    das causas patolgicas.

    Para esse sistema, o que importa o efeito e no a causa. Leva em conta

    se o sujeito, no momento da prtica do fato, tinha condio de compreender o seu

    carter ilcito e de determinar-se de acordo com essa compreenso ou no. Se o

    agente no tinha capacidade de compreenso ou determinao, considerado

    inimputvel, sem que seja necessrio precisar sua causa.

    - sistema biopsicolgico: esse sistema, tambm chamado de

    Biopsicolgico-normativo uma combinao dos dois anteriores e o adotado pelo

    Cdigo Penal. Os dois sistemas no foram convincentes porque o primeiro se apega

    somente ao estado anmalo mental do agente para a excluso dos elementos

    psquicos da imputabilidade, e o segundo por se apegar apenas s conseqncias

    psquicas desses estados, sem considerao s causas que as determinam.

    O sistema adotado considera que a lei se refere a determinados estados

    anormais do esprito, mas exige certas conseqncias psicolgicas desses estados,

    em relao com a norma de comportamento social, e no conseqncias

    psicolgicas puras. Nele, so observados a causa e o efeito.

    17 BEMFICA, Francisco V. Da Teoria do Crime. p. 180.

    17

  • S inimputvel o sujeito que, em conseqncia da anomalia mental, ano

    possui capacidade de compreender o carter criminoso do fato ou de determinar-se

    de acordo com essa compreenso. preciso que em decorrncia da anomalia, o

    indivduo no possui a capacidade de entendimento ou de autodeterminao.

    2.6. Desenvolvimento mental incompleto Desenvolvimento mental incompleto o caso dos menores de dezoito

    anos e dos silvcolas inadaptados. Estes ltimos dependem de percia mdica, no

    bastando a sua condio. incompleto porque se pressupe que poder ser

    completado.

    Com relao aos menores de dezoito anos o cdigo prev presuno

    absoluta de inimputabilidade. Acatado o critrio biolgico, no preciso que, em

    decorrncia da menoridade, o indivduo seja inteiramente capaz de entender o

    carter ilcito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O

    menor casado, apesar de ter conquistado a maioridade civil com o casamento,

    continua inimputvel.

    Ao deficiente visual a doutrina no coloca restries, pois poder suprir

    sua deficincia atravs das demais funes do organismo, as quais podero lhe

    proporcionar o pleno desenvolvimento da razo e do livre-arbtrio.

    2.6.1. Desenvolvimento mental retardado Desenvolvimento mental retardado refere-se ao quantum de inteligncia;

    ao indivduo que no conseguiu o pleno desenvolvimento de sua capacidade

    intelectual e no mais conseguir.

    o caso dos oligofrnicos, que no so os indivduos que apresentam

    perturbaes representadas pelos atrasos ou infranormalidades. O exame decidir

    se determinado indivduo imputvel ou no. Esse exame chama-se psicometria,

    tm carter quantitativo e permite enquadrar o indivduo num dos tipos que sero

    assinalados em termos de idade e quociente de inteligncia.

    Os atrasos mentais ou oligofrnicos so insuficincias congnitas, ou pelo

    menos muito precoces, do desenvolvimento da inteligncia e se opem

    classicamente s demncias, que so deteriorizaes de uma inteligncia que havia

    se desenvolvido naturalmente.

    18

  • Tambm se enquadram nessa classificao os surdos-mudos, que: se,

    em conseqncia da surdo-mudez, o sujeito no tem capacidade de compreenso

    ou de autodeterminao no momento da prtica do fato, cuida-se como inimputvel;

    se, em conseqncia da anomalia, o sujeito possui diminuda a capacidade

    intelectiva e volitiva, trata-se de um semi-responsvel ou; se, embora surdo-mudo, o

    sujeito possui capacidade de entender e de determinar-se, responde pelo crime sem

    qualquer atenuao em relao pena abstrata.

    3. COMPROVAO DE INSANIDADE

    Se houver dvidas sobre a integridade mental do acusado, o Juiz

    ordenar, de ofcio, ou a requerimento do rgo do Ministrio, do defensor, do

    curador, do ascendente, do descendente, irmo ou cnjuge do ru, seja este

    submetido a exame mdico-legal.

    s vezes o agente simples portador de perturbao da sade mental,

    que no chega a ser, propriamente, doena mental, mas lhe afeta a higidez. So as

    personalidades psicopatas, dentre elas destacam-se: narcisismo; erotismo;

    onanismo; sadismo; masoquismo; necrofilia.

    A pena, nesses casos, poder ser diminuda, pois o agente no

    inteiramente responsvel. Ele no tem, em toda a sua inteireza, para o juzo de

    reprovao, capacidade de entender, em face de suas condies psquicas, que a

    sua conduta contrria comum conscincia jurdica, e de adequar essa conduta

    sua compreenso.

    Na legislao passada, o condenado, nesses casos, suportava uma pena

    abrandada e complementada com medida de segurana. Era a adoo do sistema

    duplo binrio ou dos dois trilhos. Hoje, contudo, adotando o Cdigo Penal o sistema

    vicariante, a pena exclusivamente privativa de liberdade, cuja diminuio fica a

    critrio do Juiz em face do caso concreto. Ainda em face desse caso concreto,

    poder o Juiz convolar a pena privativa de liberdade em medida de segurana,

    consistente em internao ou tratamento ambulatorial. Mesmo que o problema

    dessa natureza surja em fase de inqurito, o exame de constatao deve ser feito.

    O incidente de insanidade mental, tambm pode ser suscitado durante o

    curso do processo, tal incidente dever ser solucionado em autos apartados. Nestes

    19

  • casos, o exame pericial por demais delicado, e no poder ser realizado por

    qualquer mdico, mas por um psiquiatra.

    3.1. O INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL

    O incidente da insanidade mental est disciplinado nos artigos 149 a 154

    da Cdigo de Processo Penal.

    Ocorre quando houver dvidas sobre a sade mental do acusado e pode

    ser feita de ofcio pelo juiz, requerida pelo Ministrio Pblico, pelo curador, defensor,

    ascendente, descendente, cnjuge, irmo ou por representao da autoridade

    policial.

    Uma considerao importante h de se fazer, com relao a autoridade

    policial, pois o delegado de polcia faz a representao ao juiz, no qual pedir a

    realizao da percia psiquitrica no indiciado. Assim essa situao se diferencia,

    pois no decorrer do inqurito policial o delegado de polcia quem determinada ou

    autoriza a realizao de percias, conforme dispe o artigo 6o do Cdigo de

    Processo Penal, ressalvando a hiptese do representante do Ministrio Pblico que

    poder requerer a realizao de percias para a complementao da pea

    informativa, para a propositura da ao penal pblica.

    Assim o acusado ou indiciado ser submetido citada percia mdica

    para se verificar sobre sua imputabilidade, pois a percia que ir revelar se o

    agente era ao tempo da infrao inimputvel ou se esta sobreveio no decorrer do

    processo.

    Tambm ser atravs do incidente de insanidade mental que ira se

    verificar se no decorrer da execuo da pena, o sentenciado est mentalmente

    debilitado. Neste caso a competncia ser do juzo da execuo (artigo 183 da Lei

    de Execuo Penal ).

    A percia ser realizada por dois peritos, conforme o artigo 159 do Cdigo

    de Processo Penal, se essa formalidade no for atendida o laudo ser considerado

    nulo, de acordo com a Smula 361 do Supremo Tribunal Federal18.

    18 No processo penal, nulo o exame realizado por um s perito, considerando-se o que tiver funcionado anteriormente na diligncia de apreenso".

    20

  • Em So Paulo o exame realizado geralmente por peritos do Instituto de

    Medicina Social e Criminologia de So Paulo - IMESC, mas pode ser realizado por

    outros peritos que no pertenam aos quadros desse instituto.

    Neste caso os peritos sero nomeados pelo juiz, de acordo com os

    pargrafos 1o e 2o do artigo 159 do Cdigo de Processo Penal, devendo prestar

    compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

    O juiz deve determinar a instaurao do incidente atravs de portaria e

    neste ato determina a nomeao de curador ao acusado. Em relao ao curador,

    ser geralmente o defensor do ru, nomeado para exercer essa funo.

    As partes sero intimadas para apresentar quesitos. Contudo seu

    oferecimento facultativo e as partes podem concordar com os formulados pelo juiz.

    Com a instaurao do incidente, o juiz ordenar a suspenso da ao

    principal, de acordo com o artigo 149, pargrafo 2o do Cdigo de Processo Penal.

    Mas o juiz pode determinar a realizao de alguns atos processuais que podem ser

    prejudicados com a suspenso.

    Contudo se o incidente ocorrer durante o inqurito policial, no ocorrer a

    sua suspenso por falta de respaldo legal.

    O exame ser processado em autos apartados, com prazo de 45 dias,

    podendo este ser prorrogado a pedido dos peritos. O juiz pode determinar a entrega

    dos autos aos peritos, se isto no acarretar prejuzo ao andamento do processo. O

    que no ocorre na prtica, pois, juiz autoriza a extrao de cpias aos peritos das

    peas principais dos autos para a realizao da percia.

    Para a realizao do exame, se o ru estiver preso, o juiz o requisitar

    para ficar internado em estabelecimento adequado at a concluso da percia. Se

    estiver solto, ser intimado a comparecer ao local designado pelo juiz e a forma

    como ser realizado ficar a critrio dos peritos, se em ambulatrio ou internao em

    hospital psiquitrico, podendo ocorrer ainda a internao se o acusado frustar a

    realizao do exame.

    Se a doena sobrevm a infrao penal ficar suspenso at que o ru se

    restabelea.

    O artigo 152, pargrafo 2o, do Cdigo de Processo Penal faculta ao juiz a

    internao do ru em hospital de custdia e tratamento psiquitrico at que ele se

    restabelea.

    21

  • Segundo Vicente Greco Filho, esse dispositivo inconstitucional, pois a

    Constituio Federal de 1988 teria o revogado parcialmente. Afrontaria os princpios

    constitucionais do devido processo legal e da presuno de inocncia, pois o juzo

    criminal restringiria a liberdade do acusado sem a sua comprovao de culpa19. Para

    este caso, aponta duas hipteses: o acusado no teria a sua liberdade restringida e

    o processo ficaria suspenso at que ele se restabelea; o processo seguiria seu

    andamento normal e se o ru fosse considerado culpado seria condenado a uma

    pena privativa de liberdade e no a uma medida de segurana e no juzo da

    execuo seria obedecido o disposto do artigo 108 da Lei de Execuo Penal.

    Mas segundo Hlio Tornaghi, o acusado deveria ser internado em hospital

    de custdia e tratamento psiquitrico, onde receberia tratamento para se

    restabelecer. Argumenta que isso no seria uma medida de segurana antecipada,

    mas sim uma "providncia processual e administrativa, medicinal e cautelar.

    "Assim se o ru fosse colocado em liberdade poderia correr o risco de o mesmo

    voltar a delinqir20.

    Se constatada que a doena mental sobreveio ao cometimento da

    infrao, o acusado deve receber tratamento para se recuperar e poder se defender

    da acusao imputada a ele. O acusado no teria capacidade processual e mesmo

    com a nomeao de curador no estaria suprida essa deficincia, pois s o ru teria

    condies de fornecer informaes vitais ao seu defensor.

    Porm, o juiz no fica vinculado ao exame podendo divergir dele, mas se

    isso acontecer dever fundamentar sua deciso.

    Vale lembrar que o prazo prescricional no fica suspenso com a

    instaurao do incidente, de acordo com o artigo 149 do Cdigo de Processo Penal,

    somente o processo suspender.

    importante salientar que se ficar constatado a inimputabilidade ou semi-

    responsabilidade do indivduo no curso do inqurito policial, dever o promotor de

    justia oferecer denncia, se tiver elementos para tanto, e no propor apenas

    aplicao de medida de segurana. Ademais, ser no processo que se provar que

    19 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Direito Processual Penal. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 1991, p. 194. 20 TORNAGHI, Hlio. Curso de Processo Penal, v. 1. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 253.

    22

  • o acusado culpado ou inocente e poder ser constatado que o ru praticou a

    conduta delituosa sob o manto de alguma excludente de ilicitude.

    Havendo concordncia do juiz com o exame de incidente de insanidade

    mental, onde averiguou a inimputabilidade do acusado, ir proferir uma sentena

    absolutria imprpria, pois a juiz reconhecer a excludente de ilicitude, com base no

    artigo 386, inciso V, cominado com o seu pargrafo nico, inciso III do Cdigo de

    Processo Penal.

    Assim s ser aplicada medida de segurana ao inimputvel ou semi-

    imputvel se ficar comprovado que o mesmo cometeu algum crime.

    Aos semi-imputveis, facultado ao juiz reduzir a pena de um a dois

    teros e se ficar constatada a periculosidade do agente substituir a pena por uma

    medida de segurana. Mas para impor tal medida, o juiz deve fundamentar sua

    deciso, reconhecendo a necessidade do condenado de receber tratamento

    curativo.

    A competncia para a imposio das medidas de segurana do juiz do

    processo de conhecimento. Compete apenas ao juiz da execuo a aplicao delas

    e a converso da pena privativa de liberdade para medida de segurana, se a

    doena mental sobreveio na execuo da pena.

    3.2. A SIMULAO

    Como outros fenmenos, a simulao da loucura traz um interesse, s

    vezes para escapar responsabilidade de um delito, outras para obter vantagens

    maiores. Afrnio Peixoto cita o caso do ocioso que se fingia de louco para ter no

    hospcio a subsistncia assegurada.

    Antigamente, o louco criminoso assim era julgado ou era posto em

    liberdade, ou, ainda, era internando num hospital comum, de onde era fcil a fuga,

    dada a vigilncia deficiente. Da o interesse para os criminosos em simular um grave

    distrbio mental que os exonerasse da responsabilidade ou lhes permitia a liberdade

    oportuna em breve.21

    21 GOMES, Hlio. Op. cit., p. 419.

    23

  • Atualmente o isento de responsabilidade penal por alienao, ser

    internado no Manicmio Judicirio, onde estar sujeito mesma severa vigilncia

    das prises comuns, com o diferencial de que o condenado o sempre por prazo

    fixo, suscetvel ainda de reduo pelo livramento condicional, ao passo que o

    internado no Manicmio Judicirio l permanece por tempo indeterminado e s

    vezes quo vitam.

    A psicopatologia forense faz um diagnstico diferencial do dolo e da

    maldade, e importante perceber que isto no quer dizer naturalmente que

    melhor ser considerado doente como geralmente as pessoas crem. A opinio

    difundida, que acredita fcil e freqente a simulao de uma doena mental, carece

    de fundamento. Ao contrrio do que muitos imaginam, no comum a simulao de

    loucura na prtica pericial e, uma vez presente, no h exame pericial rigoroso que

    no a desvende, vez que a imitao daria, quando muito, uma caricatura da

    alienao pelos exageros inevitveis da cpia, alm das contradies e incoerncias

    sintomticas inevitveis em doena inventada.22

    3.3. SUPERVENINCIA DE DOENA MENTAL AO PRESO

    O Cdigo de Processo Penal regula tambm o procedimento da doena

    mental superveniente (artigo 152 do C.P.P.), ou seja, aquela que eclode aps a

    infrao penal - tratada no art. 41 do C.P., que assim dispe: "[...] o condenado a

    quem sobrevm doena mental deve ser recolhido a hospital de custdia e

    tratamento psiquitrico ou, falta, a outro estabelecimento adequado [...]".

    A doena mental acima referida aquela que impossibilita ao preso a

    plena compreenso do carter da pena, dos motivos que o levaram a sofrer

    condenao e da sua situao pessoal atual. A doena mental comprovada por

    meio de laudo pericial; mas havendo urgncia, o diretor do estabelecimento penal

    pode determinar a remoo imediata do sentenciado, comunicando imediatamente

    ao juiz que, em face da percia mdica, ratificar ou revogar a medida (art. 682

    CPP).

    22 PALOMBA, Guido A. Psiquiatria Forense: Noes bsicas. p. 36.

    24

  • Computa-se como tempo de cumprimento efetivo da pena o perodo de

    internao. Ocorrendo a cura o paciente deve receber alta e ser reconduzido ao

    crcere para cumprimento do restante da pena. Se a internao se prolongar at o

    trmino do prazo restante da pena o paciente ter o destino aconselhado pela sua

    enfermidade e a pena ser julgada extinta.

    Assim, de acordo com Jlio Fabbrini Mirabete temos23: "[...] por cautela,

    alis, deve o juiz da execuo, assim que tiver a notcia da supervenincia da

    doena ou perturbao, determinar a transferncia para somente depois, de posse

    do resultado dos exames, determinar a converso [...]".

    Em resumo, para doenas mentais leves ou crises passageiras seria

    cabvel a internao provisria, que se extingue com o fim do tempo estipulado para

    a pena ou com a cura e retorno para o crcere. J nos casos mais srios, que se

    prolonga, seria recomendvel a converso definitiva em medida de segurana.

    Por isto, a durao da medida de segurana convertida no pode

    ultrapassar o prazo da pena imposta, nem pode se operar aps o integral

    cumprimento da sano penal.

    Entretanto, na hiptese de, ao esgotar-se o prazo inicial fixado na

    condenao, o paciente ainda no se encontrar recuperado, e no podendo ser

    liberado, em razo de seu estado de sade mental, dever, obrigatoriamente, ser

    colocado disposio do juzo cvel componente24.

    A converso da pena privativa de liberdade em medida de segurana por

    supervenincia de doena mental, somente prevista pela Lei de Execues Penais

    (Lei 7.210/84), in verbis: "[...] quando no curso da execuo da pena privativa de

    liberdade sobrevier doena mental ou perturbao da sade mental, o juiz, de ofcio,

    a requerimento do Ministrio Pblico ou da autoridade administrativa, poder

    determinar a substituio da pena por medida de segurana [...]".

    A partir da, o condenado passa a condio de sujeito a medida de

    segurana, de modo que a durao desta no deveria estar submetida a durao da

    pena, entretanto j se entendeu, com fundamento no artigo 682, 2 do Cdigo de

    23MIRABETE, Julio F. Execuo Penal. p.328. 24 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. p.674.

    25

  • Processo Penal, que a medida de segurana no pode ter durao superior ao

    tempo restante da pena.25

    O Professor Ea26, ensina que a doena mental superveniente so os

    distrbios psquicos que eclodem no presdio, expondo duas formas de

    exteriorizao que mostram relao temporal ou que tm relao causal.

    Na maioria das vezes, aquelas que aparecem no presdio, so ecloso de

    esquizofrenia. J aquelas do presdio sero na maioria das vezes psicgenas,

    reativas dos seguintes tipos:

    I - reaes histricas, que so simulaes de vrios tipos, a saber:

    a- pseudo demncia (ou sndrome de Ganser): que se caracteriza por ser

    uma demncia simulada, normalmente para ser tido como inimputvel, ou s vezes

    para conseguir benefcios. O paciente simula como acha que a loucura (na maioria

    das vezes, caricata como se v na TV).

    b- puerilismo: finge-se criana, para evitar agresses

    c- estupor carcerrio: inibio e apreenso (enquanto no paciente

    manaco estuporoso, h perplexidade alegre)

    II- reaes paranides, que caracterizaro quadros psicticos agudos,

    com alucinaes (auditivas, na maioria dos casos), idias delirantes, sensao grave

    de angstia. Na maioria dos casos, cessada a causa, cessa o efeito.

    III- reaes patocaracterolgicas (prprias da personalidade):

    - destruir a cela;

    - suicdio e tentativas;

    - pequenas simulaes;

    - ingesto de objetos

    uma preocupao com o doente mental infrator, seja enquanto passvel

    de represso (durante a fase investigativa), seja no presdio (na fase de

    cumprimento de pena); e no poderia ser diferente, pois, como j dissemos, no

    adianta, levando-se em considerao o objetivo da represso, fazer com que o

    doente mental cumpra uma pena, se este no consegue entender o seu carter.

    25 RSTJ 50/400 e 401 26 Op. cit., 183-185

    26

  • 3.4. O EXAME DE SANIDADE MENTAL

    O artigo 149 do Cdigo Processo Penal expressa que, "[...] em havendo

    qualquer dvida sobre a integridade mental do acusado, ser este submetido a

    exame pericial. Trata-se de meio legal de prova, que no pode ser substitudo nem

    mesmo pela inspeo pessoal do juiz, que, sobre a sade psquica do ru, s

    poder formar juzo em laudo psiquitrico produzido por mdicos especialistas

    [...]".27

    Porm, em contrapartida, "[...] s est obrigado a determinar que o ru

    seja submetido a exame mdico quando houver dvida sobre a sua integridade

    mental [...]".28Ao juiz no possvel concluir pela imputabilidade ou inimputabilidade

    do ru sem o parecer dos mdicos legistas (psiquiatras forenses, peritos), atravs do

    laudo pericial. Todavia, pode o juiz afastar o laudo e decidir contrariamente s

    concluses mdicas (art.182 CPP).

    O despacho que determina a realizao do laudo mdico irrecorrvel, e

    o que indefere a realizao do mesmo no entendido como cerceamento de

    defesa. Quem deve realiz-lo sempre o mdico, profissional habilitado para a

    tarefa, com experincia em psiquiatria.

    O exame de sanidade mental tem o fito de esclarecer a Justia sobre o

    estado mental dos acusados, quer para a determinao da responsabilidade penal,

    quer para a formulao de um juzo sobre o tratamento mdico a ser dado ao

    delinqente, podendo ser ordenado, conforme assegura o artigo 149, 1 do Cdigo

    de Processo Penal, durante o inqurito, mediante representao do delegado de

    polcia ao juiz competente; ou durante a ao penal, objetivando esclarecimento

    pericial sobre a higidez mental do ru, contempornea prtica delituosa.

    O reconhecimento da causa biolgica tarefa do perito psiquitrico, e, por

    ser o exame pericial por demais delicado, no pode ser realizado por qualquer

    mdico, mas por psiquiatras. Compete ao perito opinar sobre a relao da doena

    com o ato infracional, lembrando que esta precpuamente a funo do exame, ou

    seja, a avaliao da psiquiatria forense no deve se limitar ao diagnstico do estado

    27 RTJ 63/70 28 RTSTJ 477/434

    27

  • atual, mas, sobretudo, ao eventual diagnstico no momento do ato. Deve ser

    avaliado se este se deu por ocasio de um defeito da razo conseqente a uma

    enfermidade mental e se a pessoa tinha conscincia crtica sobre a natureza e

    qualidade do mesmo.

    O juzo de periculosidade, como assinalou Grispigni: "[...] diagnstico e

    prognstico ao mesmo tempo. Diagnstico enquanto consiste na verificao, em

    determinado sujeito, das particularidades psquicas com que uma pessoa se revela

    perigosa, e prognstico enquanto consiste na previso do futuro comportamento

    delituoso do mesmo sujeito [...]".29

    Cumpre salientar que, uma vez apresentado o laudo, no fica o juiz a ele

    vinculado. Sendo ele o peritus peritorum, evidncia no fica adstrito s concluses

    do perito, podendo aceita-las ou rejeita-las, tal como dispe o artigo 182 do Cdigo

    de Processo Penal, podendo, inclusive, ordenar nova percia por outros peritos.

    Costa e Silva aponta que o principal problema enfrentado pelos

    psiquiatras em geral a incredibilidade dos diagnsticos: "[...] h uma

    psiquiatrizao ocorrendo na sociedade. J existem quase 500 (quinhentos) tipos

    descritos de transtornos mentais e do comportamento [...]".30

    Ou seja, todos podem ser enquadrados em alguma categoria, ou,

    inclusive, em vrias delas ao mesmo tempo. Essa exploso de novos diagnsticos

    se deu com o desenvolvimento das neurocincias, quando a Associao Psiquitrica

    Americana lanou um manual dos distrbios mentais, o DSM-3.

    Porm, h que se ressaltar que os diagnsticos exarados, em sntese

    muitas vezes, no divergem; divergem isto sim, as escolas psiquitricas dos

    examinadores. Assim que, diferentes correntes de pensamento psiquitrico

    chamam por nomes diferentes sndromes que, na realidade, so coincidentes.

    Desta forma, o que pode ser chamado de epilepsia no convulsiva,

    tambm pode ser visto como carter epilptico, personalidade epileptide,

    personalidade psicoptica explosiva e assim por diante.31

    29 MARQUES, Jos F. Tratado de Direito Penal. p. 255 (apud Rocco, Arturo. Lggetto Del reato, 1913). 30 Revista Veja. Psiquiatria S.A., p. 11. 31 EA, Antonio J. Roteiro de Psicopatologia Forense.

    28

  • Como j visto, requisito indispensvel para que algum responda por uma

    infrao penal a imputabilidade, que pode ser afastada por distrbios e transtornos

    mentais. Tal situao s pode vir a ser comprovada por mdicos competentes.

    3.4.1. Quesitos

    A percia deve responder aos quesitos, permitindo concluir-se sobre a

    responsabilidade penal do acusado, no apenas afirmando ou negando, mas

    tambm explicando de maneira clara e objetiva o porque da concluso mdica.

    Na hiptese de os peritos conclurem que o ru era inimputvel no

    momento do delito, o processo prosseguir com a presena do curador, podendo o

    juiz conden-lo (afastando as concluses do laudo), ou optar pela aplicao da

    medida de segurana.

    A deciso que considera o ru insano de natureza jurdica meramente

    declaratria, pois apenas reafirma as concluses dos peritos mdicos.

    Caso a enfermidade mental tenha incio aps a data do fato criminoso,

    suspende-se o processo at que o acusado se restabelea, podendo o juiz

    determinar a internao do acusado em manicmio judicirio ou outro

    estabelecimento adequado. Uma vez restabelecido o ru, o processo retomar seu

    curso. A suspenso do processo no impede a prescrio, pois a questo no

    prejudicial.

    O perito, psiquiatra forense nomeado pelo magistrado, transcende a

    medicina e vai unir-se justia, articulando, a um s tempo, o tema mdico e o tema

    jurdico. Dessa forma, ele auxiliar o juiz, com seus laudos e pareceres, na hora de

    escolher o melhor meio de punio para o criminoso. chamado para "[...] elucidar

    sobre o estado mental do paciente, seu grau de periculosidade, imputabilidade e

    responsabilidade penal, verificao de insanidade mental da vtima e da testemunha,

    a fim de que a lei resolva sobre a situao jurdica do caso [...]".

    Portanto, ainda que a lei atual no d poderes de deciso aos peritos e o

    Magistrado possa aceitar ou no a pea pericial, eles tm grande importncia no

    processo, sendo primordiais para auxiliar o juiz na hora de sentenciar, com seus

    pareceres e laudos psiquitricos.

    29

  • Suscitado o problema de sanidade, ser formado um incidente, que

    correr em apartado do processo penal. Se requerido pelas partes, formar-se-o os

    autos do incidente, como retromencionado, o Juiz abrir vistas s partes, para que

    ofeream os quesitos.

    No se deve olvidar que os peritos no so bacharis em direto e, por

    isso mesmo, alheios ao problema da inimputabilidade sob o aspecto legal, os

    quesitos devem ser formulados de maneira simples e abrangendo os requisitos

    causais, cronolgicos e conseqncias.

    Podem ser assim formulados:

    1.) o ru ( ou indiciado) era, ao tempo da ao ou omisso, ( data do

    fato), portador de doena mental?

    2.) em caso positivo, qual a doena?

    3.) em caso negativo, apresentava ele desenvolvimento mental

    incompleto ou retardado ( surdo mudo)?

    4.) em virtude da doena mental, ou do desenvolvimento mental

    incompleto ou retardado, era ele inteiramente incapaz de entender o carter ilcito do

    fato que cometeu?

    5.) Se era capaz de entender, estava, contudo, inteiramente incapacitado

    de determinar-se de acordo com esse entendimento?

    6.) negativo o primeiro quesito, era o agente, poca do fato, portador

    de perturbao da sade mental?

    7.) em virtude dessa perturbao, tinha ele a plena capacidade de

    entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminao?

    8.) negativo o 1.; o 2.; o 5.; e o 6. quesito e afirmativo o 3. em virtude

    do desenvolvimento incompleto ou retardado, tinha ele, poca do fato, a plena

    capacidade de entendimento da ilicitude do fato ou a de autodeterminao?

    Feita a percia, respondidos os quesitos, pode ainda ser o psiquiatra ser

    intimado para prestar esclarecimentos.

    Prestados os esclarecimentos, o Juiz poder julgar o incidente.

    30

  • 3.4.2. Local de realizao do exame

    Suscitado a insanidade mental, eis que surgia um problema para as

    comarcas onde no existiam mdicos especialistas. Diante disto, os Juizes do

    interior nomeavam psiquiatras da redondeza e os exames se faziam em

    estabelecimentos assistenciais.

    Alm do problema dos profissionais especialistas em comarcas longnqua,

    tambm tinha o problema do local adequado para a realizao de tais exames, bem

    como a superlotao dos poucos locais especializados.

    Em razo desses problemas, considerando a delicadeza do exame

    pericial de insanidade mental, e os locais, Estados de So Paulo atravs do Egrgio

    Conselho Superior da Magistratura, abraou esses problemas, baixando o

    provimento n. 59/70, determinando que os exames devem ser feitos nas delegacias

    regionais de sade, centros de sade, postos de assistncia mdico-sanitria.

    Quando em 1978, o decreto estadual n. 11.627 de 23/05/78, em seu art.

    1. determinou coordenadoria de sade mental da secretaria da sade sejam

    selecionados, anualmente, mdicos psiquiatras, servidores estaduais para a

    realizao de exames de sanidade mental, por nomeao judicial. E no seu 2.

    disps: nas comarcas onde no existem, selecionados, psiquiatras servidores do

    Estado, podero ser selecionados outros mdicos que apresentem a necessria

    qualificao profissional. Devendo essa relao ser remetida corregedoria geral

    da justia, para que o Juiz possa nome-los quando, nestas comarcas se Ter de

    fazer o exame de sanidade. O exame poder ser realizado em qualquer fase do

    processo.

    3.4.3. Exame fora do prazo

    Em qualquer tempo, ainda que no decorrer do prazo mnimo da medida

    de segurana estabelecido na sentena, poder o juiz da execuo, mediante

    requerimento fundamentado do Ministrio Pblico ou do interessado, seu procurador

    ou defensor, ordenar o exame da cessao de periculosidade.

    31

  • A lei ao exigir a fundamentao do requerimento de exame antecipado,

    condiciona a realizao da percia existncia de indcios de recuperao ou de

    diminuio da periculosidade.

    Sendo assim, como a lei exige textualmente um requerimento, o juiz no

    pode agir de ofcio e determinar o exame antecipado, sem provocao. Porm

    alguns doutrinadores entendem ser a matria de ordem pblica e pode implicar em

    constrangimento ilegal. Por isto, o juiz pode agir de ofcio e determinar o exame, da

    mesma forma como pode conceder Habeas Corpus sem necessidade de qualquer

    requerimento.

    3.4.4. LAUDO E RELATRIO PSIQUITRICO

    Relatrio psiquitrico do estabelecimento penal no supre o exame de

    cessao da periculosidade. Laudo sem fundamentao e impreciso: no tem valor,

    sendo necessrio que seja fundamentado e conclua expressamente se cessou ou

    no a periculosidade.

    Procedimento para execuo da medida de segurana: comporta os

    seguintes passos:

    a) transitada em julgado a sentena, expede-se a guia de internamento ou

    de tratamento ambulatorial, conforme a medida de segurana seja detentiva ou

    restritiva;

    b) obrigatrio dar cincia ao Ministrio Pblico da guia referente

    internao ou ao tratamento ambulatorial;

    c) o diretor do estabelecimento onde a medida de segurana cumprida,

    at um ms antes de expirar o prazo mnimo, remeter ao juiz um minucioso

    relatrio que o habilite a resolver sobre a revogao ou a permanncia da medida;

    d) o relatrio ser instrudo com o laudo psiquitrico;

    e) o relatrio no supre o exame psiquitrico;

    f) vista ao Ministrio Pblico e ao defensor do sentenciado para

    manifestao dentro do prazo de trs dias para cada um;

    g) o juiz determina novas diligncias ou profere deciso em cinco dias;

    h) da deciso proferida caber agravo, com efeito suspensivo (Lei de

    Execuo Penal, artigo 179).

    32

  • 4. MEDIDA DE SEGURANA

    4.1. CONCEITO

    Medida de segurana uma forma de sano penal, imposta pelo Estado,

    na execuo de uma sentena, de natureza exclusivamente preventiva, no sentido

    de evitar que o infrator possuidor de alta periculosidade, que cometeu uma infrao

    penal, venha a delinqir novamente e receba tratamento adequado, consistente em

    internao ou tratamento ambulatorial.

    Para o ilustre professor Nlson Gody Bassil Dower: "A medida de

    segurana uma medida defensiva da sociedade. Conforme a periculosidade do

    agente que cometeu o crime, ele pode ser internado em hospital de custdia ou

    receber tratamento psiquitrico, para fazer cessar sua temibilidade e, assim, para

    que no volte a delinqir".

    J para o tambm ilustre professor Romeu Falconi: "A medida de

    segurana uma deciso judicial que substitui a pena convencional por tratamento

    de sade ao imputado que sofra, ou venha a sofrer, de qualquer distrbio mental,

    amparando-o com o no apenamento convencional, que somente permitido aos

    mentalmente sos, ao mesmo tempo em que protege a sociedade da potencialidade

    crimingena que se presume possua o desajustado mental".

    Afirma ainda o ilustre professor Julio Fabbrini Mirabete: "A medida de

    segurana no deixa de ser uma sano penal e, embora mantenha semelhana

    com a pena, diminuindo um bem jurdico, visa precipuamente preveno, no

    sentido de preservar a sociedade da ao de delinqentes temveis e de recuper-

    los com tratamento curativo".

    As medidas de segurana so aplicadas aos inimputveis e aos semi-

    imputveis e esto disciplinadas no Ttulo VI, nos artigos 96 a 99 do Cdigo Penal

    vigente. Nele as medidas de segurana foram modificadas com relao ao Cdigo

    Penal de 1940, e possuem hoje a seguinte redao:

    "Artigo 96. As medidas de segurana so:

    33

  • I - internao em hospital de custdia e tratamento psiquitrrico ou,

    falta, em outro estabelecimento adequado;

    II - sujeio a tratamento ambulatorial.

    Pargrafo nico. Extinta a punibilidade, no se impe medida de

    segurana nem subsiste a que tinha sido imposta".

    "Artigo 97. Se o agente for inimputvel, o juiz determinar sua internao

    (art.26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punvel com deteno, poder o

    juiz submet-lo a tratamento ambulatorial.

    1. A internao, ou tratamento ambulatorial ser por tempo

    indeterminado, perdurando enquanto no for averiguada, mediante percia mdica, a

    cessao de periculosidade. O prazo mnimo dever ser de um a trs anos.

    2. A percia mdica realizar-se- ao termo do prazo mnimo fixado e

    dever ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da

    execuo.

    3. A desinternao, ou a liberao ser sempre condicional devendo ser

    restabelecida a situao anterior se o agente, antes do decurso de um ano, pratica

    fato indicativo de persistncia de sua periculosidade.

    4. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poder o juiz

    determinar a internao do agente, se essa providncia for necessria para fins

    curativos".

    "Artigo 98. Na hiptese do pargrafo nico do artigo 26 deste Cdigo e

    necessitando o condenado especial tratamento curativo, a pena privativa de

    liberdade pode ser substituda pela internao, ou tratamento ambulatorial, pelo

    prazo mnimo de um a trs anos, nos termos do artigo anterior e respectivos 1 a

    4".

    "Artigo 99. O internado ser recolhido a estabelecimento dotado de

    caractersticas hospitalares e ser submetido a tratamento".

    Ao inimputvel falta o elemento subjetivo, que a vontade livre e

    consciente para a prtica de um ilcito penal. Assim, o inimputvel comete um crime

    como um imputvel, isso de maneira extrnseca, lhe atribudo autoria, mas est

    presente a excluso da culpabilidade. Os inimputveis so isentos de penas, de

    acordo com artigo 26 do Cdigo Penal e por esse motivo quando provada sua

    autoria em uma infrao penal o mesmo absolvido, atravs de uma sentena

    34

  • absolutria imprpria, e o juiz deve obrigatoriamente impor uma medida de

    segurana.

    J aos semi-imputveis, facultado ao juiz reduzir a pena de um a dois

    teros e se ficar constatada a periculosidade do agente, deve o magistrado substituir

    a pena por uma medida de segurana. Mas para impor tal medida, o juiz deve

    fundamentar sua deciso, reconhecendo a necessidade do condenado de receber

    tratamento curativo.

    Assim, caso o magistrado reconhea a necessidade da imposio da

    medida de segurana, deve ao proferir a sentena, fundament-la no artigo 387,

    inciso IV, do Cdigo de Processo Penal: "[...] declarar, se presente, a

    periculosidade real e impor as medidas de segurana que no caso lhe couberem

    [...]".

    Em relao ao Tribunal do Jri, o juiz reconhecendo a excludente de

    ilicitude do ru, no caso a inimputabilidade, ir absolv-lo sumariamente e impor a

    medida de segurana cabvel. Entretanto, para Fernando Capez, em seu magistrio,

    entende que tal deciso seria contrria ao princpio do devido processo legal e "ao

    princpio conformador do Tribunal do Jri (Constituio Federal, artigo 5o, XXXVIII,

    alnea a), porquanto o obsta de levar ao juiz natural da causa, que o corpo de

    jurados, a tese, da excludente de ilicitude, subtraindo-se a oportunidade de ver-se

    absolvido plenamente, livrando-se de qualquer medida restritiva ou privativa de

    direitos".32

    O Supremo Tribunal Federal j se posicionou nesse sentido ao julgar o

    Agravo de Instrumento n. 159.303-2/040-9 que reconheceu o cerceamento de

    defesa, pois o acusado no pode apresentar em plenrio a tese de legitima defesa.

    Porm se no curso do julgamento no plenrio se suspeitar da

    imputabilidade do ru, dever o juiz suspender a sesso e determinar a realizao

    de percia no acusado, de acordo com o artigo 497, inciso XI do Cdigo de Processo

    Penal. Os jurados na nova sesso devero ser outros, conforme a Smula 206 do

    Supremo Tribunal Federal33.

    32 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 4. ed. So Paulo: Ed. Saraiva. 1999, p. 555. 33 nulo o julgamento ulterior pelo jri com a participao de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo.

    35

  • Poder ainda o juiz consultar os jurados, atravs de votao secreta, se

    os mesmos se sentem habilitados a julgar o caso, conforme dispe o artigo 478 do

    Cdigo de Processo Penal.

    De acordo com o Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul:

    "[...] sendo a troca da pena privativa de liberdade pela medida de segurana uma

    faculdade do juiz (artigo 98 do Cdigo Penal), pode este optar pela imposio da

    sano carcerria se verificar que essa soluo a que mais convm ao semi-

    imputvel na sua concreta situao pessoal e social, sobretudo, se a permanncia

    no presdio municipal lhe garante a presena dos pais, cuja assistncia moral no

    tem podido prescindir [...]". (RT, 600/322).

    A competncia para a imposio das medidas de segurana do juiz do

    processo de conhecimento. Compete apenas ao juiz da execuo a aplicao delas

    e a converso da pena privativa de liberdade em medida de segurana, caso a

    doena mental sobrevier execuo da pena.

    4.2. HISTRICO

    Desde as civilizaes mais antigas, o homem, para se proteger, aquecer e

    defender-se de animais selvagens, percebeu que precisaria viver em grupo e, para

    uma harmoniosa convivncia entre seus membros, todos deveriam seguir e respeitar

    certas normas de conduta, caso contrrio, eram gravemente castigados, pagando

    pelo erro, na maioria das vezes, com a prpria vida.

    A Psiquiatria Forense mais recente do que a Medicina Legal. Os antigos

    achavam que os males psquicos eram fruto das influncias sobrenaturais e s

    consideraram a existncia da Psiquiatria Forense quando comearam a considerar a

    existncia do subjetivo, alm do objetivo.

    Na Roma Antiga, j se falava em doenas mentais e suas diversas formas

    de incidncia. Certa vez Marco Aurlio e Lucios Verus, tiveram de julgar um homem

    que teria matado a sua prpria me, quando em seu veredicto, disseram: "ele j foi

    suficientemente punido pelo seu furor; acorrentai-o, no para castig-lo, mas para

    sua prpria segurana e de seus parentes".

    36

  • A Lei das Doze Tbuas foi de suma importncia para os tempos atuais.

    Pode-se atribuir a ela o papel de fonte de todo direito pblico e privado, a qual

    protegia os furiosus e os mentecaptus. Talvez dela tenha se ramificado todo o

    direito. Em tais leis j se encontrava a figura do arbitru, que era chamado para tomar

    providncias. E foi relacionado a isto que veio ficar implcito na figura do mdico o

    princpio do perito.

    Os sculos XVIII e XIX, marcados pelas Revolues Francesa e

    Americana, deram incio ao movimento chamado de Escola Clssica do Direito

    Penal, organizado por pensadores de idias liberais. A pena era definida como

    retributiva, onde o crime era o mal, o pecado e, a punio sobrevinha para castigar o

    infrator.

    A pena se destinava a restabelecer a ordem pblica, alterada pelo delito,

    tinha o carter de um mal equivalente quele causado pelo infrator e era limitada

    pelo critrio de proporcionalidade ao crime, ao qual se adequava e, no ao seu

    autor.

    Por justamente no se preocupar com a pessoa do infrator, a Escola

    Clssica se tornou vulnervel as crticas. Um novo interesse pela responsabilidade

    do infrator surgiu e foi tratado pela Escola Neoclssica da Revoluo Francesa que

    focalizou o problema dos menores e dos loucos desde ento, excludos de punio.

    Esse interesse pelo infrator foi ampliado com a Escola Positiva e o Direito

    Penal comeou a ter como objeto principal o homem, passando o crime a ser o

    produto deste homem. Com o mdico-psiquiatra Csar Lombroso em 1875, o estudo

    da pessoa do delinqente se iniciou trazendo importantes inovaes ao mundo

    jurdico. Foi ele o criador da antropologia criminal que, considera o delito como um

    fenmeno biolgico. A antropologia criminal colocou em evidncia a pessoa do

    criminoso, procurando investigar as causas que o levavam ao delito, ao mesmo

    tempo em que tentava indicar os meios curativos ou tendentes a evitar o crime. Com

    isto a sociedade passou a precisar de novas normas para a sua proteo.

    Verificando a responsabilidade do infrator a pena comeou a ser vista

    como uma oportunidade para ressocializar o criminoso sociedade e no mais

    como um castigo.

    Um momento de grande importncia na evoluo das penas se deu com a

    Escola Tcnico-Jurdica que reagia contra a interferncia das cincias naturais no

    37

  • campo da cincia penal. A pena era como uma reao jurdica contra o delito,

    aplicando-se somente aos imputveis. A finalidade preventiva da pena foi

    reconhecida mas, o seu principal escopo continuava sendo a represso.

    Acompanhando o desenvolvimento das penas e, trazendo aos dias de

    hoje, chegamos a Escola do Neodefensismo Social ou Nova Defesa Social, que trata

    da pena no s em seu carter retributivo mas tambm visa defender a sociedade

    das aes delituosas, reeducando o infrator.

    Com a crescente evoluo dos crimes a pena se mostrou insuficiente e

    ineficaz no combate a criminalidade, principalmente, no que tange a atos anti-sociais

    praticados por insanos mentais. Os indivduos portadores de doenas mentais no

    poderiam receber a pena com sua carga elevada de retribuio, pois, seria intil

    pretender-se reparao de quem no possua noo exata das conseqncias de

    sua conduta perante as normas sociais.

    Pela existncia desses indivduos sem condies de serem

    responsabilizados pelos atos praticados que o Direito Penal teve de introduzir em

    sua legislao medidas de cunho preventivo, com a finalidade de melhor aparelhar o

    Estado na luta contra a criminalidade nascendo, assim, as hoje denominadas

    medidas de segurana.

    Ao longo da Histria, com o aumento de crimes praticados por

    delinqentes anormais, a sociedade percebia que somente a pena no seria

    suficiente para impedir a reincidncia desses indivduos e que, um tratamento

    adequado, voltado para a preveno e no para a punio, deveria ser aplicado.

    Diante da necessidade de se distinguir o indivduo imputvel do

    inimputvel, as medidas de segurana comearam a ser adotadas na legislao

    penal de vrios pases, se firmando nas sociedades.

    Elaboradas a partir do sculo XIX, essas medidas de segurana

    comearam a ser acolhidas em todas as legislaes, sendo prevista para os autores

    de aes anti-sociais irresponsveis.

    Foi somente no sculo XIX, na Inglaterra, em 1860, que surgiu a

    aplicao de tratamento psiquitrico como forma de tratar criminosos doentes

    mentais, atravs do Criminal Lunatic Asylum Act e do Trial of Lunatic Act sendo este

    38

  • pas o primeiro a possuir um manicmio judicirio, como conseqncia de um

    atentado contra o Rei Jorge III praticado por um doente mental34.

    Foi na Itlia, em 1889 com o Cdigo de Zanardelli que essas medidas

    foram pela primeira vez incorporadas a um Cdigo Penal. Nele, as medidas de

    carter curativo, tiveram uma importante influncia, praticamente previstas em todos

    os Cdigos Penais modernos. Dentro das medidas previstas, destacava-se, no artigo

    46, medida que mandava internar em asilos os enfermos mentais perigosos.

    Nesse artigo, o legislador italiano dispunha que, no caso de absolvio do imputvel,

    em razo de doena mental, o juiz, se considerasse perigosa liberao do

    absolvido, ordenava a sua custdia pela autoridade competente.

    Entretanto, foi em 1893, com Karl Stoos em seu Projeto do Cdigo Penal

    suo publicado em primeiro de agosto de 1894, que o problema das medidas de

    segurana teve uma exata colocao. Pela primeira vez, foram apresentadas dentro

    de um racional sistema de medidas, s quais eram denominadas de medidas de

    correo e segurana, com vistas principalmente preveno individual, se impondo

    perante todo o mundo jurdico e servindo de padro s legislaes mais avanadas.

    As medidas eram aplicadas tanto aos irresponsveis quanto aos semi-

    irresponsveis, como tambm aos alcolatras, aos menores e aos criminosos

    habituais.

    O problema da periculosidade, como fundamento das medidas de

    segurana, foi apresentado em termos bem precisos e a preocupao com a

    reincidncia, atravs da preveno individual, se encontrava definida.

    No Brasil, a partir do final do sculo XIX, natureza diversa foi conferida

    medida de segurana. Ao se perceber que a pena no impedia a criminalidade, em

    dvida foi colocada eficcia desta sano penal, refletindo-se sobre a necessidade

    quanto enunciao de uma nova espcie de resposta jurdico-penal.

    Tais medidas nasceram de exigncias prticas da vida. Foram surgindo

    como providncias fragmentrias, nesta ou naquela legislao, para atender s

    imposies mais urgentes da preveno da criminalidade. A sua integrao no

    Direito Penal com a conseqente sistematizao, assentados os seus fundamentos

    e os seus objetivos, que obra da doutrina e, por fim, das legislaes modernas.

    34 PRADO, Lus Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro Parte Geral. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, p. 521.

    39

  • Desde o Cdigo Criminal do Imprio, j se manifestavam as

    preocupaes com estes infratores, assim os loucos que, cometessem crimes, eram

    recolhidos s casas a eles destinadas ou encaminhados s respectivas famlias,

    cabendo a deciso ao juiz criminal. Era uma medida humanitria e no uma sano,

    pois os loucos no eram julgados; tratava-se de uma mera providncia policial e

    administrativa.

    No Brasil, antes do Cdigo Penal de 1940 no havia no direito positivo

    ptrio qualquer sistema de medida de segurana. As medidas preventivas que a se

    achavam eram fragmentos esparsos, sem unidade e sem coerncia, semelhantes

    aos que se encontravam em todas as legislaes, antes da fase de sistematizao

    do instituto.

    Com a promulgao do Cdigo Penal de 1940, as medidas de segurana

    definitivamente foram adotadas no Brasil. A Parte Geral do Cdigo estabelecia

    medidas de segurana, que se dividiam em pessoais e patrimoniais. As primeiras

    consistiam em medidas detentivas e no detentivas. As detentivas eram a internao

    em manicmio judicirio, internao em casa de custdia e tratamento e internao

    em colnia agrcola ou em instituto de trabalho, de reeducao ou de ensino

    profissional. J as no detentivas consistiam em: liberdade vigiada, proibio de

    freqentar determinados lugares e exlio local.J as patrimoniais consistiam em:

    interdio do estabelecimento ou de sede de sociedade ou associao e o confisco.

    Tais medidas no poderiam ser inferiores a quinze dias e nem superior a seis meses

    e eram aplicadas se o estabelecimento, a sociedade ou a associao servissem

    como meio ou pretexto para o cometimento de delitos.

    Nossa legislao utilizou o sistema do duplo binrio, onde a medida de

    segurana era normatizada ao lado da pena, tendo, s vezes, a finalidade de

    complement-la, quando relacionada aos responsveis e, outras vezes, com o

    objetivo de substitu-la, quando aplicada aos irresponsveis.

    Este Cdigo Penal de 1940 sofreu alteraes da parte geral pela Lei

    nmero 7.209 de 11 de julho de 1984, agora referindo a inimputabilidade penal nos

    seguintes termos: "[...] isento de pena o agente que, por doena mental ou

    desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ao ou da

    omisso, inteiramente incapaz de entender o carter ilcito do fato ou de determinar-

    se de acordo com esse entendimento.

    40

  • Pargrafo nico. A pena pode ser reduzido de um a dois teros, se o

    agente em virtude de perturbao de sade mental ou por desenvolvimento mental

    incompleto ou retardado, no era inteiramente capaz de entender o carter ilcito do

    fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento [...].

    No diploma de 1969 manteve-se quase a totalidade dos dispositivos do

    Cdigo Penal de 1940, classificando as medidas de segurana pessoais ainda em

    detentivas e no detentivas, acrescentando a esta, novas modalidades de

    tratamento, como a interdio do exerccio