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Princípio é aquilo que, uma vez identificado, não pode mais ser alterado, devendo incidir sobre tudo. É algo universal, absoluto, do qual não se pode escapar. Como os princípios constitucionais preservam valores fundamentais da ordem jurídica brasileira, eles devem ser protegidos. O Brasil é estruturado com base na consciência de que o valor da pessoa humana, enquanto ser humano é insuperável. Em vários artigos a Constituição mostra como pretende assegurar o respeito à condição de dignidade do ser humano, como por exemplo, no art. 5°,III, onde se lê que ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante, ou no art. 6°, onde se encontra uma lista de direitos sociais da pessoa. “Dignidade humana é o direito de a pessoa conviver no ambiente social de acordo com sua própria natureza”, a humanidade, oriunda do Latim HUMANUS, “relativo ao homem”, derivado de HOMO, “homem”, relacionado a HUMUS, “terra”, pela noção de “seres da Terra”, professor Thomas Fleiner entende que: “Quando o homem não puder dispor de seu corpo, quando ele é humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, a sua dignidade é atingida de maneira irreparável, pois a integridade corporal é o último reduto em que um homem pode ser ele mesmo, quando este espaço de identidade é

Dignidade e sanção + crime do seculo

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Princípio é aquilo que, uma vez identificado, não pode mais ser alterado, devendo incidir sobre tudo. É algo universal, absoluto, do qual não se pode escapar. Como os princípios constitucionais preservam valores fundamentais da ordem jurídica brasileira, eles devem ser protegidos.

O Brasil é estruturado com base na consciência de que o valor da pessoa humana, enquanto ser humano é insuperável. Em vários artigos a Constituição mostra como pretende assegurar o respeito à condição de dignidade do ser humano, como por exemplo, no art. 5°,III, onde se lê que ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante, ou no art. 6°, onde se encontra uma lista de direitos sociais da pessoa.

“Dignidade humana é o direito de a pessoa conviver no ambiente social de acordo com sua própria natureza”, a humanidade, oriunda do Latim HUMANUS, “relativo ao homem”, derivado de HOMO, “homem”, relacionado a HUMUS, “terra”, pela noção de “seres da Terra”, professor Thomas Fleiner entende que: “Quando o homem não puder dispor de seu corpo, quando ele é humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, a sua dignidade é atingida de maneira irreparável, pois a integridade corporal é o último reduto em que um homem pode ser ele mesmo, quando este espaço de identidade é destruído, não resta mais nada da qualidade do ser humano.” Observa-se, também, que é preciso um conjunto essencial de direitos como condição mínima necessária para assegurar urna vida baseada na liberdade e na dignidade humana.

Nesse sentido, a dignidade humana se caracteriza com valor absoluto, não possibilitando qualquer questionamento em relação a sua natureza, por se opor a todo tipo de violação ao direito do ser humano, cumprindo ressaltar que tal interpretação decorre do direito natural.

Cabe deixar claro que a dignidade humana não é sinônimo de vida digna, a primeira apenas assegura a segunda, o principio da dignidade humana é o mecanismo que concretiza, de modo que seja apropriada,

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honesta, honrada, íntegra, e assim, constitua de fato uma vida digna, com os direitos à saúde, à segurança e ao meio ambiente equilibrado, ademais, estabelece o art. 6º da nossa Carta Magna que: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

Não basta apenas a existência de um sistema jurídico equilibrado, que preze pelo respeito aos direitos humanos como, que tenha na dignidade da pessoa humana o núcleo do ordenamento jurídico constitucional, núcleo este que sustenta o Estado Democrático e de Direito, é preciso também que os operadores do direito utilizem esse sistema, se esforçando por aplicá-lo de tal forma que a justiça seja realmente alcançada.

As diversas interpretações da dignidade humana veem causando conflitos, pois a quem cabe dizer o que é dignidade, o Estado que é o detentor da norma ou ao cidadão que é o detentor do bem jurídico?

Com a inserção na Constituição da República como fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, a dignidade alçou o posto de qualidade intrínseca do ser humano, ao mesmo tempo irrenunciável e inalienável, “constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado” Neste sentido, não podemos abrir mão de garantias fundamentais, e tendo o Estado à obrigação de proteção à pessoa, garantindo a boa ordem e, segurança pública, poderá tomar qualquer ação para impedir uma ruptura da paz pública, o respeito pela dignidade da pessoa humana é um componente de ordem pública, que mesmo com a anuência daquele que tem seu direito fundamental violado, poderá proibir uma situação que mina o respeito pela dignidade da pessoa humana, assim temos o Estado como aquele que deverá apontar aquilo que é dignidade e se utilizar de meios para que não seja infringida.

Um caso emblemático que ilustra tal posicionamento é do “lancer de nains” (arremesso de anãos), na França, onde a Prefeitura, usando seu

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“poder de polícia” interditou o bar onde ocorria tal “espetáculo”, sob o argumento de violação da ordem pública através de prática de atividade contrária à dignidade humana.

Não se conformando com a decisão, o próprio anão Sr. Wackenheim questionou a interdição, argumentando que necessitava daquele trabalho para a sua sobrevivência. Em outubro 1995, o Conselho de Estado francês, decidiu, que o poder público municipal estaria autorizado a interditar o estabelecimento comercial que explorasse o lançamento de anão, pois aquele espetáculo seria atentatório à dignidade da pessoa humana e, ao ferir a dignidade da pessoa humana, violava também a ordem pública, fundamento do poder de polícia municipal, já que o conteúdo mínimo da dignidade da pessoa humana inclui o respeito à integridade física e psíquica, igualdade e liberdade e mínimo existencial, decisão essa, reiterada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.

O direito penal existe desde que o homem passou a conviver em sociedade, o primeiro equilíbrio entre ação e reação na prática de uma infração penal ocorreu com o surgimento da Lei de Talião, no Código de Hamurabi, criando um verdadeiro freio na aplicação da sanção penal, onde pregava a proporcionalidade ao mal causado pelo agressor, através do princípio: “olho por olho, sangue por sangue e dente por dente”.

Ao longo dos anos de pesquisa, ficou praticamente impossível separar o conceito de direito penal do conceito de sanção penal, mas a diferença entre pena e sanção não. A sanção penal está embutida no conceito dogmático de direito penal, sendo necessario se extrair de alguns conceitos da doutrina penalista, como o de Edmund Mezger: “Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, ligando ao delito, como pressuposto, a sanção como conseqüência”, enquanto a palavra pena pode ter um sentido amplo de punição, como castigo, vingança, sofrimento ou mesmo compaixão.

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Portanto, no entendimento da ciência jurídica, a terminologia mais adequada a ser identificada como preceito secundário da norma incriminadora é “sanção penal”, já que esta reflete estritamente a resposta do Estado, que é quem detém o jus puniendi ao infrator da norma penal, devendo ter caráter ressocializador, proporcionando ao condenado um meio ambiente semelhante ao que ele vai encontrar em liberdade, após o cumprimento da sanção penal, de modo que ao término da execução penal não haja choque no reencontro com os valores sociais, e assim, reservando-se a utilização da palavra “pena” à linguagem do senso comum.

No período da história da humanidade, momento de revoluções, como a Francesa, o pensamento lógico-racional voltou a ser praticado e também respeitado, fortalecendo a idéia da criação efetiva da pena privativa de liberdade com função de recuperação, e através dos pensamentos de Beccaria, se fez prevalecer a ideia da justiça em relação à força. Para tanto, condenou veementemente as práticas bárbaras da tortura e da aplicação das penas corporais, bem como a instrução processual secreta, em que não havia possibilidade de defesa.

Engana-se quem afirma que Marquês de Beccaria pregava a impunidade. Sua proposta era encontrar penalidades severas apenas o suficiente para alcançar as finalidades de segurança e manutenção da ordem pública, já que para ele a eficácia da aplicação da sanção penal estava vinculada à certeza da punição, e não simplesmente à severidade das penas.

Quanto ao filme “o crime do século”, percebe-se um enorme desrespeito ao direito do indivíduo enquanto ser humano, acerca da importância da preservação dos direitos humanos e por conseguinte da manutenção da dignidade da pessoa humana, pois ainda que os sistemas jurídicos retratados no livro do professor Tailson e, no filme em questão sejam diversos, os princípios norteadores, ora discutidos, são universais.

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De um lado tem-se um “herói” nacional, Charles Lindbherg , que tem seu filho de menos de 2 anos sequestrado e morto, enquanto de outro Bruno Richard Hauptman, simples carpinteiro imigrante alemão, que de forma surpreendentemente acidental vê-se atrelado a um crime que não cometera.

A trama caracterizada pelo confronto entre a angústia de um homem em sua luta para provar inocência e a comoção de toda uma Nação na ânsia para encontrar e punir os responsáveis pelo crime. Importante ressaltar a posição social que ambos ocupavam na sociedade, o que favoreceu a um envolvimento grande da opinião pública, e que diante dessa pressão, torna-se nítida a preocupação do promotor do caso em solucionar o caso, de modo que ao manipular provas materiais e aliada à condução das provas testemunhais, ainda que este insistentemente o acusado clamava por sua inocência, e mesmo em diversas ocasiões, se negava à uma confissão em troca uma substituição de pena morte para prisão perpétua, levam ao que seria o erro judiciário do século naquele País, a condenação a pena de morte do inocente carpinteiro Alemão, Hauptman.

A pressão exercida sobre os órgãos de apuração, acusação e julgamento pode acabar provocando o desrespeito aos mais basilares princípios de Direito, o da dignidade humana ao permitir a pena de morte a uma pessoa, que sequer havia certeza de sua culpa e, a conseqüente ruína da concretização da Justiça.

O conjunto de normas apresentadas entre a Constituição Federal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal demonstra harmonia entre seus dispositivos, procurando garantir a dignidade da pessoa humana. Portanto, já era tempo de o legislador brasileiro apresentar a proposta de um novo caminho para responder ao infrator da norma penal, com maior respeito à dignidade do ser humano.

Este amplo caminho, que uma sociedade mais humana tanto almeja, foi a Lei n° 9.099/95, pois com a individualização da pena é possível encontrar outros caminhos de sanção penal para aqueles infratores que

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não merecem ser submetidos à privação da liberdade de locomoção, portanto, a pena alternativa surge como substituição da pena principal privativa de liberdade, nos casos autorizados por lei e que sejam recomendados pelas características individuais do agente, entre outras, para que assim, evite-se o contágio funesto da prisão, diminua o número de reincidências, visando também o aspecto econômico nas nossas prisões, onde os presos são alimentados, tratados e vestidos, à custa dos cofres públicos.

A criação dos Juizados Especiais Criminais, através da Lei n° 9.099/95, representou, para o jurista brasileiro, um processo penal com resultados de maior qualidade, assegurando decisões úteis, como a reparação do dano através do processo educacional e também indenizatório, tomando mais breve o lapso temporal entre a infração cometida e a decisão proferida.

Hoje em dia, há uma preocupação com a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, ou ainda pela pena de multa regulada pelo direito material. Esta substituição pela pena alternativa demonstrou tão bons frutos durante os sete primeiros anos de vigência da Lei n° 9.099/95, tanto que o legislador resolveu ampliar a sua aplicação na Lei n° 10.259/01 para até 2 (dois) anos de pena privativa de liberdade prevista para a infração penal, assim considerada como a de menor potencial ofensivo. Ressalta-se ainda, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que embora não tenha sido analisada de forma específica, tem, em sua essência, a preservação do princípio da dignidade da pessoa humana, assim como também este princípio é o núcleo da pena alternativa.

Não é preciso ser presidiário para saber que os estabelecimentos penitenciários no Brasil são sinônimos de locais insalubres e não atingem o mínimo de condições exigido para a preservação da dignidade da pessoa do infrator. Celas superlotadas com pouca ventilação, pouca luminosidade, péssimas condições de higiene e de alimentação, que em hipótese alguma simbolizam e atingem a finalidade da sanção penal.

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Cada vez mais se reconhece a necessidade que o ser humano tem de se manter em contato permanente com os valores sociais e morais, com a finalidade de produzir um desejo de convívio social harmônico. A sanção penal alternativa, além de evitar a contaminação carcerária, preserva aqueles valores que ainda não foram perdidos pelo infrator, possibilita recuperar a motivação do beneficiário em permanecer junto à família e também aos amigos, que podem contribuir muito mais na recuperação do ser humano do que todos os colegas de cela no sistema penitenciário. E as vantagens na aplicação da sanção penal não estão limitadas apenas aos fatores da convivência familiar e da social, que já são de grande importância, mas também, em igualdade de importância, está o fato de que este ser humano tem a oportunidade de trabalhar e receber por isso vencimentos que proporcionam a valorização do trabalho e da pessoa humana.

O Estado e a sociedade devem dispor de outros meios para o processo de correção do infrator, como a educação, a integração social, o trabalho, etc, e que a sanção deve ser utilizada apenas como o último dos recursos para corrigir o infrator.

Sem um olhar mais amplo, em que se pense não apenas na recuperação do “criminoso”, não será possível encontrar equilíbrio social, visto que ambas as questões devem andar de mãos dadas, como que amalgamadas, sendo impossível desenvolver uma sem que a outra também não se desenvolva, assim sendo, ao aplicar as sanções penais às exceções, veremos um declínio dos índices de criminalidade, já que esse é o objetivo de todo sistema jurídico, a promoção da paz e da justiça.