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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPACI Av. Floresta, nº 198, Centro. CEP: 76.360-000. Fone/Fax: 62-3361-1327 EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE ITAPACI-GO “O magistrado, segundo anota José Renato Nalini, coroa seu trabalho se, além de decisão acertada e sentença justa, ainda se vale da posição e do momento para exercer uma ação pedagógica. ‘O Direito Ambiental abre área inimaginável para o juiz moderno. (...) Dispõe cada juiz brasileiro de uma eficiente cátedra para disseminar conhecimentos sobre a biodiversidade, sobre a estratégia da proteção ambiental, sobre suas dimensões emergentes de caráter geoeconômico e geopolítico. Depende exclusivamente da atenção e interesse conferido a cada lide ambiental conscientizar a cidadania da importância da sustentabilidade’.” (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5 a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1117-1118). O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, todos da Constituição Federal de 1988), fulcrado no sistema aberto de proteção dos interesses difusos e coletivos estatuído pela fusão harmônica das Leis 8.625/93, 8.078/90 e 7.347/85 e, ainda, com estribo nas peças de informação anexas, vem perante este ínclito juízo propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PRECEITO MANDAMENTAL CONSISTENTE EM OBRIGAÇÃO DE FAZER em desfavor de JOÃO CARLOS PEREIRA DA SILVA, brasileiro, portador do CPF nº 215.505.731-87, nascido no dia 23/02/1961, filho de Genuína Maria de Jesus, residente e domiciliado na Fazenda Cachoeira, Zona Rural do Município de Carmo do Rio Verde-GO, pela fundamentação fática e jurídica a seguir exposta: I) DOS FATOS VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA Promotor de Justiça 1

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EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE ITAPACI-GO

“O magistrado, segundo anota José Renato Nalini, coroa seu trabalho se, além de decisão acertada e sentença justa, ainda se vale da posição e do momento para exercer uma ação pedagógica. ‘O Direito Ambiental abre área inimaginável para o juiz moderno. (...) Dispõe cada juiz brasileiro de uma eficiente cátedra para disseminar conhecimentos sobre a biodiversidade, sobre a estratégia da proteção ambiental, sobre suas dimensões emergentes de caráter geoeconômico e geopolítico. Depende exclusivamente da atenção e interesse conferido a cada lide ambiental conscientizar a cidadania da importância da sustentabilidade’.” (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1117-1118).

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por

intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições

constitucionais (artigos 23, inciso VI, 129, incisos II e III e 225, caput, todos da

Constituição Federal de 1988), fulcrado no sistema aberto de proteção dos interesses

difusos e coletivos estatuído pela fusão harmônica das Leis 8.625/93, 8.078/90 e

7.347/85 e, ainda, com estribo nas peças de informação anexas, vem perante este ínclito

juízo propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PRECEITO MANDAMENTAL CONSISTENTE EM OBRIGAÇÃO DE FAZER

em desfavor de JOÃO CARLOS PEREIRA DA SILVA, brasileiro,

portador do CPF nº 215.505.731-87, nascido no dia 23/02/1961, filho de Genuína Maria

de Jesus, residente e domiciliado na Fazenda Cachoeira, Zona Rural do Município de

Carmo do Rio Verde-GO, pela fundamentação fática e jurídica a seguir exposta:

I) DOS FATOS

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

1

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No dia 29 de dezembro de 2004, o Sr. JOÃO CARLOS PERERIA DA

SILVA foi autuado administrativamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)1, por “destruir (desmatar) 4,0 há em área de preservação permanente, em (3) três pontos diferentes, na Fazenda Lagoa da Mata, Mun. de Pilar de Goiás”.

Instaurado o devido procedimento administrativo (nº

02010.000112/2005-90 – anexo a esta Ação Civil Pública), o réu apresentou sua defesa

(intempestivamente – ver fl. 23 das peças de informação), na qual, confessando a prática do

crime ambiental por ele praticado, afirmou o seguinte:

(...) Senhores Conselheiros, pelo que se vê, no auto de infração, foi lhe aplicado a pena de multa por destruir (desmatar) 4,0 há em área de preservação permanente, no entanto existia Licença para Desmatamento (...).Que as atividades de desmatamento foram executadas com devido licenciamento de desmatamento (...).

Por fim, o réu pugnou para que lhe fosse concedido um desconto de

90% (noventa por cento) sobre o valor da multa que lhe fora imposta (no valor de R$

6000,00 – seis mil), “após a apresentação do Projeto de Recuperação Ambiental e sua

perfeita execução”, reconhecendo, assim (indiretamente), a prática do ilícito ambiental.

1 “(...) AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM DECORRÊNCIA DE POLUIÇÃO AMBIENTAL -

PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE QUE EMANA DO ATO ADMINISTRATIVO E QUE NÃO

RESTOU ILIDIDA PELO IMPUGNANTE. RECURSO DESPROVIDO. 1 - Os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de sorte que cabe ao impugnante o ônus da prova da invalidade dos mesmos, os quais, até sua anulação, gozam de plena eficácia. Não se desincumbindo o autor, ônus que lhe competia, de comprovar vício formal ou a existência de fato inverídico no auto de infração, não há qualquer suporte para anulá-lo. 2 - Se a poluição ambiental resta caracterizada pela

emissão de material particulado, visível a olho nu, situação essa que, por si só, prejudica o bem-estar da

população instalada nas proximidades do moinho, absolutamente desnecessária a elaboração de prova técnica.

(Apelação Cível nº 0234489-0 (3821), 9ª Câmara Cível do TAPR, Londrina, Rel. Luiz Lopes. j. 19.11.2003,

unânime, DJ 12.12.2003). VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça2

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Vale dizer que, na esfera administrativa, os pleitos formulados pelo réu

foram não-conhecidos, em acolhimento ao parecer emitido pela Procuradora Federal Dra.

Regina Célia Gomes de Moura, que assim se manifestou:

Sob minha análise, verifico a impontualidade da impugnação ao Auto de Infração. A intempestividade do documento de fls. 15/20 impede que o mesmo seja conhecido como peça de defesa. Em relação ao pedido de prazo para apresentação de projeto técnico de reparação do dano, também deixo de acolher, dado que, iniciando-se o mês de maio de 2006, até o momento nada foi apresentado.Somos assim, pelo indeferimento do pedido do autuado e seguimento na cobrança administrativa.Em razão do dano ambiental causado à área de preservação permanente, o infrator deve ser notificado de sua obrigação de recompô-la, como decorrência do disposto no artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. (fl. 23 do procedimento administrativo do IBAMA, anexo).

Nada obstante tenha o Sr. JOÃO CARLOS PERERIA DA SILVA

quitado o débito pecuniário, este deixou de recuperar a área degradad a (fls. 39-40 do

procedimento administrativo do IBAMA, anexo), mesmo após a concessão do prazo de 60 (sessenta) dias para a apresentação de um Projeto de Recuperação que

contemplasse a correção do dano ambiental, visando a mais ampla proteção e recuperação

do meio ambiente degradado.

Por conseqüência da omissão do “autuado”, o Gerente Regional do

IBAMA-Ceres, o Sr. José Elias de Brito Jardim, encaminhou o ofício nº 860/07 a esta

Promotoria de Justiça comunicando a desídia do réu em recuperar a área de preservação permanente2 mencionada.

2 “É oportuno insistir na visão sistêmica do meio ambiente, em seu conjunto, e na estrutura mesma dos

ecossistemas. Importa muito relembrar que não há elementos naturais indiferentes, porquanto o meio

ambiente é constituído de teias, essas formas impressionantes de amarração que sustentam o mundo natural e a

vida. Ressalte-se que as funções ecológicas (relativas aos ecossistemas) e ambientais (concernentes às inter-relações

existentes no meio, notadamente com a espécie humana) estão claramente explicitadas e interligadas.

Como se vê, as APPs têm esse papel (maravilhoso, aliás!) de abrigar a biodiversidade e promover a propagação da vida; assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento do recurso água em condições favoráveis de quantidade e qualidade; já a paisagem é intrinsecamente ligada aos componentes

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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Depois disso, esta Promotoria de Justiça enviou um ofício (nº 223/2007

– ver 1ª pág. das peças de informação anexas) ao Gerente Regional do IBAMA em Ceres, com o

seguinte teor:

Senhor Gerente,A par de cumprimentá-lo, tem o presente expediente a finalidade precípua de solicitar a Vossa Senhoria, na qualidade de Gerente do Ibama em Ceres-GO, que este órgão promova a devida averiguação no “local danificado” (mencionado no procedimento administrativo que segue anexo) e, após, que sejam relatadas as medidas administrativas tomadas e, principalmente, se a área lesada continua degradada ou não.Esta medida é assaz necessária para a deflagração de uma eventual Ação Civil Pública na defesa do meio ambiente, especialmente porque da data em que o Ibama tomou conhecimento do fato até o dia de hoje, muito tempo já se transcorreu e, como se sabe, a situação fática pode ter sido alterada pela própria força da natureza.Ademais, para o sucesso da demanda judicial futura, imperioso se faz a “delimitação” (circunstanciada em laudo técnico) das áreas desmatadas e, ainda, a elaboração de laudo pericial comprovando que o local devastado realmente se tratava de APP.Por fim, após a tomada das providências cabíveis e do relato circunstanciado destas, solicito o envio a esta Promotoria de toda a documentação pertinente. ..

Em resposta ao que foi postulado extrajudicialmente pelo MINISTÉRIO

PÚBLICO, uma equipe técnica do IBAMA, formada pelos técnicos ambientais Valtuir

Delfino de Araújo, Devalcino Francisco de Araújo, Marta Helena de Oliveira e Jonas

Lopes Lacerda, elaborou um relatório de fiscalização (constante das peças de informação

anexas) no qual deixou consignado o que se segue:

Em atendimento ao ofício nº 223/2008, da Promotoria de Justiça de Itapaci/GO, temos a informar que no ano de 2004 foi emitida a Licença de Exploração Florestal em nome do Sr. João Carlos Ferreira da Silva, para desmatar uma área de 132.10 hectares, na fazenda Lagoa da Mata, no Município de Pilar de Goiás (fls. 112).Conforme vistoria “in loco” ficou constatado que as áreas danificadas se trata realmente de preservação permanente, as quais se localizam à margem esquerda do Rio dos Bois às margens de um pequeno curso d’água, afluente do citado rio.

do ecossistema. E mais, têm muito a ver com o bem-estar humano das populações que estão em seu entorno”.

(MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 5ª ed. São Paulo: 2007, p. 693).VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça4

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Informamos ainda que não foi realizada nenhuma ação por parte do proprietário objetivando a recuperação das áreas danificadas, as quais se encontram formadas em pastagem. (fotos anexas).

Como se nota, as tentativas extrajudiciais de fazer com que o réu

recuperasse a área de preservação permanente por ele degradada foram em vão. Eis o

motivo do ajuizamento desta ação pelo Parquet.

II) DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

II-a) Da Legitimidade do Ministério Público e do Cabimento da Ação Civil Pública

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 129, dispõe que “são

funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de

outros interesses difusos e coletivos”.

No embalo da citada prescrição constitucional, a Lei da Ação Civil

Pública (7.347/85), estatuiu, logo no seu primeiro artigo, que:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambiente;

Outras regras vertidas na Lei da Ação Civil Pública podem ser destacadas

no afã de confirmar a legitimidade Ministerial para o manejo da presente demanda e,

também, para delinear seu objeto primeiro (obrigação de fazer – recomposição da área de

preservação permanente). In ipsis litteris, vejam-se os artigos que se seguem:

Art. 3º. A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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I - o Ministério Público;Colige-se dos dispositivos supratranscritos que a Ação Civil Pública é o

instrumento adequado para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados aos

interesses difusos (meio ambiente), coletivos e individuais homogêneos, estando o

Ministério Público legitimado a ajuizar mencionada ação.

Apenas para argumentar, importa reproduzir alguns julgados que

espelham o pensamento uníssono da jurisprudência brasileira sobre a legitimidade do

Parquet para ingressar em juízo, valendo-se da ação civil pública, para tutelar de forma

ampla o meio ambiente. In verbis, seguem-se os julgados:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LANÇAMENTO EM RIO DE ESGOTO SEM TRATAMENTO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PARA IMPOR À RÉ A REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA SOLUCIONAR O PROBLEMA. REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. REEXAME DE PROVA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS. I - O Ministério Público, segundo expressa disposição constitucional, tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. É destes interesses que se cuida no caso, pois visa o Parquet a coibir o lançamento em rio de esgoto não tratado, problema cuja solução, segundo procura demonstrar o autor, cabe à recorrente. (...). IV - Recurso especial improvido. (Recurso Especial nº 397840/SP (2001/0191085-2), 1ª TURMA DO STJ, Rel. Min. Francisco Falcão, unânime, DJ 13.03.2006).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SÃO PAULO. FAZENDA T. REMANESCENTE DA MATA ATLÂNTICA. INVASÃO POR UM GRUPO DE CIDADÃOS E IMPLANTAÇÃO DE PARCELAMENTO POPULAR. PROTEÇÃO DA ÁREA. TOMBAMENTO JUDICIAL. PRELIMINARES. 1. LEGITIMIDADE ATIVA. O Ministério Público é parte ativa legítima para a proposição de ações que visem à preservação do meio ambiente, direito difuso por excelência. O interesse de entidades ambientais não afasta nem ilide a legitimação do “Parquet”. (...). 4. ÁREA DE PRESERVAÇÃO. POSIÇÃO DO TITULAR. A obrigação de preservar o meio ambiente é de toda a sociedade. O proprietário e o possuidor, em especial, têm o dever de preservar, vigiar, manter, recompor, de modo a permitir às futuras gerações viver em um ambiente melhor do aquele que receberam. (...). (Apelação Cível com Revisão nº 467.527-5/0-00, CÂMARA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE DO TJSP, Rel. Torres de Carvalho. j. 19.10.2006).

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - MINISTÉRIO PÚBLICO - ART. 129, INC. III, DA CR - DEFESA DO MEIO AMBIENTE - LEGITIMIDADE ATIVA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ADEQUAÇÃO - DESMATAMENTO FLORESTAL SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE - DANO AMBIENTAL - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - A ação civil pública é a via adequada para postular o ressarcimento dos danos provocados pelo desmatamento de área verde de preservação permanente (Constituição da República, art. 129, inc. III). (...) (Apelação Cível nº 1.0400.04.012207-1/001(1), 8ª CÂMARA CÍVEL DO TJMG, Rel. Edgard Penna Amorim, unânime, Publ. 27.04.2007).

Por tudo o que foi exposto, fica nítido o cabimento da ação civil pública

para a mais ampla proteção do meio ambiente e, de igual forma, a legitimidade do

Ministério Público para o manejo desta ação.

II-b) Princípio da Função Socioambiental da Propriedade – Da Legitimidade

Passiva – Obrigação propter rem

Concebida como direito fundamental, a propriedade não é, contudo,

uma espécie de direito que possa erigir-se na suprema condição de ilimitado e inatingível.

Daí o acerto do legislador em proclamar, de maneira veemente, que o uso da propriedade

será condicionado ao bem-estar social.

Isso significa que a “propriedade moderna” não mais ostenta aquela

concepção individualista do Código Civil de 1.916, direcionado a uma sociedade rural (e

eminentemente patrimonialista), com a maior parte da população vivendo no campo.

Hoje, com o predomínio de uma sociedade urbana, aberta aos imperativos da socialização

do progresso, “afirma-se cada vez mais forte o seu sentido social, tornando-se, assim, não

instrumento de ambição e desunião dos homens, mas fator de progresso, de

desenvolvimento e de bem-estar de todos”3.

3 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Limitações ao direito de propriedade. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 04.VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça7

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Em conformidade com isso, a atual Lei Civil Brasileira acabou por

contemplar a função ambiental como elemento marcante do direito de propriedade,

a prescrever que tal direito

deve ser exercitado em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.4

Sobre o moderno direito de propriedade, bem percebeu o mestre

MIGUEL REALE que “não foi mais considerada sem limites a fruição do próprio

direito, reconhecendo-se que este deve ser exercido em benefício da pessoa, mas sempre

respeitados os fins ético-sociais da comunidade a que o seu titular pertence”5.

Nas pegadas dessa orientação, é oportuno dizer que “a propriedade, sem

deixar de ser privada, se socializou, com isso significando que deve oferecer à coletividade

uma maior utilidade, dentro da concepção de que o social orienta o individual”6.

Nessa esteira de raciocínio, é de ver que a função social da propriedade

rural encontra expressa previsão no artigo 186 da Magna Carta, que assim dispõe:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:I - aproveitamento racional e adequado;II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

Na verdade, a Lei 4.504/64, que dispõe sobre o Estatuto da Terra, já

estabelecia, no artigo 2º, § 1º, que a propriedade da terra desempenha integralmente sua

função social quando, dentre outros requisitos, “assegura a conservação dos recursos

naturais” (alínea c).4 Artigo 1228, § 1º, do Código Civil.5 Espírito da nova Lei Civil. O Estado de S. Paulo, p. A-2, 04/01/2003.6 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 5a ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 217.

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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No contexto da ordem jurídica atual, ÁLVARO LUIZ VALERY

MIRRA corretamente dispara que:

(...) a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, por meio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, a função social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para que a sua propriedade concretamente se adeqüe à preservação do meio ambiente.7

Dessa feita, o uso da propriedade merece e deve ser judicialmente

controlado, impondo-se-lhe as restrições que forem necessárias para a salvaguarda dos

bens maiores da coletividade, de modo a conjurar, por comandos prontos e eficientes do

Poder Judiciário, toda e qualquer ameaça ou lesão à qualidade de vida.

Isso tudo sob o manto do princípio da função socioambiental da propriedade, o qual, além de outras coisas, autoriza a responsabilização do proprietário/

possuidor da terra pela destruição de uma área de preservação permanente, ainda que este

não tenha sido o autor direto do dano ambiental.

Na estrita linha desse entendimento, com a proficiência de sempre, o

grande mestre brasileiro do Direito Ambiental, professor ÉDIS MILARÉ, ensina que:

É com base neste princípio que se tem sustentado, por exemplo, a possibilidade de imposição ao proprietário rural do dever de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo que não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, pois é certo que tal obrigação possui caráter real – PROPTER REM –, isto é, uma obrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele quem for, bastando para tento sua simples condição de proprietário ou possuidor.Com efeito, não se pode falar, na espécie, em qualquer direito adquirido na exploração dessas áreas, pois, com a Constituição de 1988, só fica reconhecido o direito de propriedade quando cumprida a função social

7 Princípios fundamentais no direito ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 2,

1996, p. 59-60.VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça9

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ambiental, como seu pressuposto e elemento integrante, pena de impedimento ao livre exercício ou até de perda desse direito.8

Dessa forma fica claro que o réu, autuado por desmatar 4,0 hectares de

floresta considerada de preservação permanente (APP), tem total responsabilidade pela

recomposição da área afetada.

II-c) Da Proteção Constitucional e Infraconstitucional ao Meio Ambiente e Da

Responsabilização Objetiva pelo Dano Ambiental Causado

Como é cediço o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

caracteriza-se como típico direito humano fundamental de terceira geração, de

acordo com a conceituação formulada pelo pensador italiano Norberto Bobbio (em sua

clássica obra “A Era dos Direitos”).

Acolhendo exatamente esta lição, calha reproduzir um interessante

julgado do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, redigido nos seguintes termos:

O direito à integridade do meio ambiente — típico direito de terceira geração — constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) — que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (STF. MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de17-11-95).

8 Direito do Ambiente. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 775-776.VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça10

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Ultrapassado este ponto inicial, impende evidenciar a importância ímpar

que o Pacto Social de 1988 dispensou à proteção do meio ambiente. Nesse caminho, diz a

Carta Maior:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:III - função social da propriedade;VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação9;

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.10.

9 “A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a

proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses

empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver

presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre

outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz

conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio

ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural”.

(STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1-9-05, DJ de 3-2-06).10 Sobre o PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, consagrado neste dispositivo

constitucional, necessário destacar a voz do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “A questão do

desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF,

art. 225): O princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as

exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de

caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça11

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§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Deste delineamento constitucional sobre a tutela do meio ambiente

pode-se extrair, esquematicamente, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é

um dos pilares de maior sustentação da própria força normativa da constituição, haja vista

que tal direito foi expressamente consagrado como: i) direito humano fundamental de 3ª

geração (ou dimensão); ii) princípio base da ordem econômica; iii) requisito essencial para

caracterização da função social da propriedade rural.

Calha ressaltar, ainda, que a sadia qualidade de vida, que pressupõe o

respeito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, se compõe do primado

da existência digna – finalidade da ordem econômica (art. 170 da CF/88) – e do almejado

bem-estar de todos – objetivo da ordem social (art. 193 da CF/88).

Nesse contexto, invariavelmente, conclui-se que o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado se revela como a mola propulsora da formação e

garantia da dignidade da pessoa humana – fundamento da República Federativa do Brasil (art.

1º, III, da CF/88).

Por tudo isso, é dever do Poder Público defender o meio ambiente e para

preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo certo que os responsáveis por

assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da

economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação

de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não

comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser

resguardado em favor das presentes e futuras gerações”. (STF. ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso de Mello,

julgamento em 1º-9-05, DJ de 3-2-06).VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

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atividades lesivas ao meio ambiente estarão obrigados a reparar os danos causados e, ainda,

sujeitos a sanções penais e administrativas (art. 225, § 3º, CF/88).

Em consonância com o norte traçado pela Carta Maior, a legislação

ambiental brasileira, além de ter definido importantes conceitos, estabeleceu diretrizes

sobre a política ambiental, objetivando a harmonização do desenvolvimento

socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio

ecológico.

Nesse ritmo, vale sublinhar outros importantes dispositivos legais, que

podem dar amplo substrato à Vossa Excelência para o deslinde do caso ora apreciado.

Verbi gratia:

LEI 6.938/81 (Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências).Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;III - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;VIII - recuperação de áreas degradadas;IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.

Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

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II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.

Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;III - ao estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.

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II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa 11 , a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. § 5º - A execução das garantias exigidas do poluidor não impede a aplicação das obrigações de indenização e reparação de danos previstas no § 1º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006).

LEI 9.605/98 (Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências).Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

LEI 4.771/65 (Código Florestal)§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por:(...)II - Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas;

11 “(...) Parece fora de dúvida ter-se vinculado a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, EM TEMA DE TUTELA AMBIENTAL, À TEORIA DO RISCO INTEGRAL, que atende à preocupação de se

estabelecer um sistema o mais rigoroso possível, ante o alarmante quadro de degradação que se assiste não só

no Brasil, mas tem todo mundo”. Em decorrência da adoção desta teoria, eis as “conseqüências principais para que haja o dever de indenizar: a) prescindibilidade de investigação da culpa; b) a irrelevância da licitude da atividade; c) a inaplicação das causas de exclusão da responsabilidade civil” – caso fortuito, força maior, fato de terceiro e cláusula de não-indenizar (MILARÉ, EDIS. Direito

do Ambiente. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 897-898 e 904). No mesmo sentido: PAULO AFONSO LEME MACHADO (Ação Civil Pública e Tombamento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 46-47),

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 157-170), PAULO DE BESSA ANTUNES (Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 100), dentre outros.

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RESOLUÇÃO CONAMA Nº 303/2002 (Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente)Art. 3º. Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:a) trinta metros, para o curso d'água com menos de dez metros de largura;b) cinqüenta metros, para o curso d'água com dez a cinqüenta metros de largura;c) cem metros, para o curso d'água com cinqüenta a duzentos metros de largura;d) duzentos metros, para o curso d'água com duzentos a seiscentos metros de largura;e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura.II - ao redor de nascente ou olho d'água, ainda que intermitente, com raio mínimo de cinqüenta metros de tal forma que proteja, em cada caso, a bacia hidrográfica contribuinte;III - ao redor de lagos e lagoas naturais, em faixa com metragem mínima de:a) trinta metros, para os que estejam situados em áreas urbanas consolidadas;b) cem metros, para as que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d'água com até vinte hectares de superfície, cuja faixa marginal será de cinqüenta metros.IV - em vereda e em faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de cinqüenta metros, a partir do limite do espaço brejoso e encharcado;V - no topo de morros e montanhas, em áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura mínima da elevação em relação a base;VI - nas linhas de cumeada, em área delimitada a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura, em relação à base, do pico mais baixo da cumeada, fixando-se a curva de nível para cada segmento da linha de cumeada equivalente a mil metros;VII - em encosta ou parte desta, com declividade superior a cem por cento ou quarenta e cinco graus na linha de maior declive;VIII - nas escarpas e nas bordas dos tabuleiros e chapadas, a partir da linha de ruptura em faixa nunca inferior a cem metros em projeção horizontal no sentido do reverso da escarpa;IX - nas restingas:a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima;b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.X - em manguezal, em toda a sua extensão;XI - em duna;XII - em altitude superior a mil e oitocentos metros, ou, em Estados que não tenham tais elevações, à critério do órgão ambiental competente;XIII - nos locais de refúgio ou reprodução de aves migratórias;

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XIV - nos locais de refúgio ou reprodução de exemplares da fauna ameaçadas de extinção que constem de lista elaborada pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal;XV - nas praias, em locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre.Parágrafo único. Na ocorrência de dois ou mais morros ou montanhas cujos cumes estejam separados entre si por distâncias inferiores a quinhentos metros, a Área de Preservação Permanente abrangerá o conjunto de morros ou montanhas, delimitada a partir da curva de nível correspondente a dois terços da altura em relação à base do morro ou montanha de menor altura do conjunto, aplicando-se o que segue:I - agrupam-se os morros ou montanhas cuja proximidade seja de até quinhentos metros entre seus topos;II - identifica-se o menor morro ou montanha;III - traça-se uma linha na curva de nível correspondente a dois terços deste; eIV - considera-se de preservação permanente toda a área acima deste nível.

Fincadas estas balizas, denota-se que todo aquele que “devassa” uma área de preservação permanente, além de inviabilizar a efetivação da política constitucional do meio ambiente (por impedir a compatibilização do meio ambiente e do equilíbrio ecológico), deve ser considerado poluidor e, por isso mesmo, obrigado, independentemente da existência de culpa , a recompor e a indenizar o meio ambiente danificado.

Nesse exato sentido, seguem-se os julgados:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL PERMANENTE. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. CUMULAÇÃO DOS PEDIDOS. POSSIBILIDADE. Embora o art. 3º da Lei 7.347/85 disponha que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro "ou" o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, permite-se a cumulação dos pedidos, pois a ação civil pública é instrumento que visa à tutela integral do meio ambiente e somente após a instrução probatória é que será avaliada qual a modalidade ideal de reparação do dano ambiental. Recurso conhecido e provido. (Apelação Cível nº 1.0702.07.346580-0/001(1), 3ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Albergaria Costa, unânime, Publ. 28.02.2008).

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - MINISTÉRIO PÚBLICO - ART. 129, INC. III, DA CR - DEFESA DO MEIO AMBIENTE - LEGITIMIDADE ATIVA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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ADEQUAÇÃO - DESMATAMENTO FLORESTAL SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE - DANO AMBIENTAL - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1 - A ação civil pública é a via adequada para postular o ressarcimento dos danos provocados pelo desmatamento de área verde de preservação permanente (Constituição da República, art. 129, inc. III). 2 - Na esteira de precedentes desta Corte, a fixação da indenização por danos ambientais deve orientar-se pelos critérios do art. 6º da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98) quando faltarem outros elementos seguros de aferição daqueles danos, observando-se a gravidade do fato, diante de suas conseqüências para o meio ambiente e a situação econômica do requerido, ainda que aquele dispositivo legal esteja originariamente direcionado à aplicação de penalidade. 3 - Recurso provido. (Apelação Cível nº 1.0400.04.012207-1/001(1), 8ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Edgard Penna Amorim, unânime, Publ. 27.04.2007).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. REGENERAÇÃO NATURAL PARCIAL. SUBSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. ART. 14, § 1º DA LEI Nº 6.938/81. Constatado o desmatamento ilegal de área de preservação permanente, mesmo que a área se encontre em processo de regeneração natural, subsiste a obrigação de indenizar os danos causados. Tal indenização tem como parâmetros o dano provocado e a condição financeira do agente. Dá-se provimento ao recurso. (Apelação Cível nº 1.0400.02.006256-0/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Mariana, Rel. Célio César Paduani, unânime, Publ. 21.03.2006).

Dessarte, ressai cristalina a constatação no sentido de que quem destrói

uma área de preservação permanente polui e degrada a qualidade ambiental, violando o

direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia

qualidade de vida (art. 225, caput, CF/88) e, consequentemente, deve ser compelido a

reparar (integral e objetivamente) os danos ambientais causados (recompondo a APP e

pagando a devida indenização).

II-d) Da Inversão do Ônus da Prova12

12 “Desse modo, considerada REGRA DE JULGAMENTO, a distribuição do ônus da prova não penaliza

quem não se desincumbiu da prova, apenas indicando uma presunção desfavorável a si quando da decisão. É a

transformação da compreensão subjetiva do onus probandi (a quem compete provar) em uma percepção objetiva

(apenas se utiliza a regra de ônus da prova quando da decisão da causa).

Percebe-se, então, que a tendência atual é de somente conferir importância ao ônus da prova quando ausente

ou insuficiente a prova produzida. É que se o juiz dispuser de provas suficientes para o seu convencimento,

pouco interessa quem a produziu, uma vez que a prova é do juízo e não das partes. Somente quando o VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça18

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A regra geral imposta pelo sistema do Código de Processo Civil (artigo

333) é a de que o ônus da prova cabe ao autor (em regra, portanto, o ônus da prova compete a

quem alega).

Diversamente, o microssistema (aberto) processual de defesa dos

interesses difusos e coletivos, concebido em virtude da integração harmônica das regras processuais estabelecidas na Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) e no Código de

Defesa do Consumidor (8.078/90), em decorrência da conjugação impositiva entre tais

diplomas (estabelecida pela análise conglobante dos artigos 21 da LACP e 90 do CDC)13,

previu a regra da inversão do ônus da prova como regra a ser seguida, sempre que as

alegações do autor, a critério do juiz, forem verossímeis (artigo 6º, VIII, do CDC).

Além disso, importa notar que o Ministério Público, ao propor ações

civis públicas em defesa do meio ambiente, age em prol da coletividade e não em seu

próprio interesse. Este, sem dúvida alguma, se afigura como mais um argumento apto a

reforçar a opção feita pelo microssistema de proteção coletiva pela regra da inversão do

ônus da prova (que tem a pretensão de facilitar a defesa da sociedade e do meio ambiente), atribuindo

ao sujeito passivo da relação processual o ônus de desconstituir as asserções do autor.

Nas pegadas dessas idéias, RODOLFO MANCUSO aduz que:

(...) em verdade, cabe salientar que hoje podemos contar com um regime integrado de mútua complementariedade entre as diversas ações

magistrado não consegue formar, pelo manancial probatório colhido, o seu juízo de valor sobre os fatos postos

à sua apreciação é que incide, como regra de julgamento, a distribuição do ônus da prova. Este é o

entendimento cimentado na jurisprudência (...). Tem-se, pois, um nítido caráter supletivo na regra de

distribuição do ônus da prova”. (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral. 3ª ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2005, p. 547).13 “(...) o sistema das ações civis públicas e coletivas interage completamente (LACP, art. 21, e CDC, art. 90)”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública. Juris Plenum, Caxias do Sul:

Plenum, v. 1, n. 97, nov./dez. 2007. 2 CD-ROM.VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

Promotor de Justiça19

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exercitáveis na jurisdição coletiva: a ação civil pública 'recepcionou' a ação popular, ao indicá-la expressamente no caput do art. 1º da Lei 7.347/85; a parte processual do CDC ... é de se aplicar, no que for cabível, à ação civil pública (art. 21 da Lei 7.347/85); outras ações podem ser exercitadas no trato de matéria integrante do universo coletivo (arts. 83 e 90 do CDC); finalmente ... o CPC aparece como fonte subsidiária (CDC, art. 90, Lei 7.347/85, art. 19; LAP, art. 22).14

No mesmo sentido, o talentoso professor MARCELO ABELHA leciona

que:

(...) devido ao objeto deste trabalho versar sobre as relações de consumo, procuraremos, sempre, ter como base a figura do consumidor e seu respectivo Código. Entretanto, como dissemos, dada à visceral interligação entre a Lei de Ação Civil e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, quando falarmos em defesa do consumidor em juízo, visando à tutela de direitos coletivos lato sensu e seus princípios que serão minuciosamente analisados, nada impede que, resguardadas algumas peculiaridades que dizem respeito às normas materiais do Código de Defesa do Consumidor, possam (e devam) ser estendidos aos demais direitos coletivos que, mesmo não sendo relativos ao consumidor, possuam natureza coletiva.15

Em conclusão, com o mesmo raciocínio, discorrendo sobre o artigo 90

do CDC, NELSON NERY JÚNIOR aduz que “as normas processuais do CDC são aplicáveis às ações que versem sobre direitos difusos e coletivos em geral”.16

III) DOS PEDIDOS

Na defesa de uma ordem jurídica justa, do direito fundamental de se

viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado e, com estribo na fundamentação

fática e jurídica deduzida nesta peça inaugural, é que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS vem perante o Poder Judiciário requerer a prestação de uma

tutela efetivamente protetiva e, para tanto, apresenta os seguintes pedidos e

requerimentos:

14 Ação Civil Pública. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 31.15 Título III do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Juris Plenum, Caxias do Sul: Plenum, v. 1, n. 97, nov./dez.

2007. 2 CD-ROM.16 Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, 1402.

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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a) seja a presente ação recebida, autuada e processada de acordo com o rito ordinário, com a observância das regras vertidas no microssistema de proteção coletiva (inaugurado pela conjugação dos artigos 21 da Lei 7.347/85 e 90 da Lei 8.078/90);b) a citação do réu, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia e suas conseqüências jurídicas;

c) que as diligências oficiais sejam favorecidas pelo teor do artigo 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

d) a comunicação pessoal dos atos processuais, nos termos do artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do artigo 41, inciso IV, da Lei nº 8625/93;

e) a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na recomposição da área de preservação permanente destruída/desmatada, referida no auto de infração do IBAMA e no relatório de fiscalização do mesmo órgão, juntados ao procedimento anexo, sob pena de execução específica, com aplicação das medidas de apoio previstas nos artigos 461, § 5º do Código de Processo Civil e 84, §§ 4º e 5º, do Código de Defesa do Consumidor, especialmente: multa diária, a ser fixada no valor de R$ 1.000 (mil reais), atualizada monetariamente de acordo com os ditames do artigo 12, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública. Requer-se, também, que a multa eventualmente aplicada seja destinada ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (em conformidade com o artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, com a ressalva prevista no parágrafo único do mesmo artigo);

VINÍCIUS MARÇAL VIEIRAPromotor de Justiça

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE ITAPACIAv. Floresta, nº 198, Centro. CEP: 76.360-000. Fone/Fax: 62-3361-1327

f) que a reparação do dano ambiental (recomposição da APP destruída/desmata, referida na letra “e”) siga um Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), devidamente aprovado pelo IBAMA;

g) a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos morais difusos por ele causados, a ser fixada (por arbitramento) no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por força dos arts. 1º, caput, e inciso IV, da Lei da Ação Civil Pública, e 6º, incisos VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor. Requer-se, ainda, que o valor da indenização seja revertido ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos;17

17 Registre-se o entendimento do TJGO sobre os chamados DANOS MORAIS COLETIVOS: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. DANO PATRIMONIAL E DANO MORAL COLETIVO. REPARAÇÃO. PROCEDÊNCIA. (...) 3. O advento do novel ordenamento constitucional – no que concerne à proteção ao dano moral – possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade. O meio ambiente integra inegavelmente a

categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Dessa forma, a sua lesão, caracterizada pela

diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado

espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando lesão ao patrimônio

ambiental, constitucionalmente protegido, ensejando a reparação moral ambiental causada a coletividade,

ou seja, os moradores daquela comunidade. 4. Sentença reformada. Condenação da requerida/apelada a

recuperar e compensar os danos ambientais, socioeconômicos e à saúde pública, bem como em dano moral coletivo. Apelo conhecido e provido.” (TJGO. 3ª Câmara Cível – votação unânime. Apelação Cível nº 108156-

4/188 (200700552663). Comarca de Itumbiara. Relator Juiz G. Leandro S. Crispim. J. 28/07/2007).”

Ainda sobre o mesmo assunto: “Desmatamento em chácara - O juiz Javahé de Lima Júnior também

condenou Angelina de Almeida Carvalho, proprietária de duas chácaras no bairro Hilda, em Aparecida de

Goiânia, por danos morais coletivos em decorrência de degradação ambiental. Em ação proposta pelo MP,

foi constatado que Angelina desmatou um buritizal dentro da área de preservação permanente do córrego que passa atrás das propriedades. O curso d’água, inclusive, é afluente do Córrego Tamanduá. A

punição foi fixada por multa de R$ 7,5 mil, que será revertida ao Fundo Municipal do Meio Ambiente.” (http://

www.mp.go.gov.br/portalweb/conteudo.jsp?

page=1&pageLink=1&conteudo=noticia/10d35367f24272c4a08613ae144569e0.html).VINÍCIUS MARÇAL VIEIRA

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h) a publicação de edital em órgão oficial, a fim de que eventuais interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, em conformidade com a previsão legal do artigo 94 do Código de Defesa do Consumidor.

i) a inversão do ônus da prova, conforme exposição feita no item “II-d”;

j) a condenação do réu ao pagamento das “despesas processuais”.

Por fim, este Órgão Ministerial protesta, ainda, por provar o alegado (por

ser a inversão do ônus da prova uma “regra de julgamento”18 – conferir nota de rodapé nº 12)

através de todos os meios de prova em direito admitidos e, em especial, pela oitiva de

testemunhas, realização de perícia, inspeção judicial e futura juntada de documentos.

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para fins legais.

Nestes termos, pede DEFERIMENTO .

Itapaci-GO, 16 de setembro de 2008.

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18 “Quanto ao chamado ônus objetivo da prova, há que se afirmar, calcado nas lições da mais moderna doutrina,

que as regras sobre distribuição do ônus da prova são regras de julgamento, a serem aplicadas, como já

afirmado, no momento em que o órgão jurisdicional vai proferir seu juízo de valor acerca da pretensão do

autor”. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,

p. 404). CÂMARA cita em abono a sua tese os seguintes autores: GIAN ANTONIO MICHELI e JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA.

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