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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

Bezerra Filho, Severino JoséBiologia: introdução a filosofia da ciência/Severino José Bezerra Filho. –

Recife: UPE/NEAD, 2011. 32 p.

1. Filosofia 2. Ciência 3. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título

CDD – 17ed. – 101 Claudia Henriques – CRB4/1600

BFOP-105/2011

B574b

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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO - UPE

ReitorProf. Carlos Fernando de Araújo Calado Vice-ReitorProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

Pró-Reitor AdministrativoProf. Maria Rozangela Ferreira Silva

Pró-Reitor de PlanejamentoProf. Béda Barkokébas Jr.

Pró-Reitor de GraduaçãoProfa. Izabel Christina de Avelar Silva

Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e ExtensãoProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

NEAD - NÚCLEO DE ESTUDO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Coordenador GeralProf. Renato Medeiros de Moraes

Coordenador AdjuntoProf. Walmir Soares da Silva Júnior

Assessora da Coordenação GeralProfa. Waldete Arantes

Coordenação de CursoProf. José Souza Barros

Coordenação PedagógicaProfa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

Coordenação de Revisão GramaticalProfa. Angela Maria Borges CavalcantiProfa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva

Gerente de ProjetosProfa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

Administração do AmbienteJosé Alexandro Viana Fonseca

Coordenação de Design e ProduçãoProf. Marcos Leite

Equipe de DesignAnita Sousa/ Gabriela Castro/Renata Moraes/ Rodrigo Sotero

Coordenação de SuporteAfonso Bione/ Wilma SaliProf. José Lopes Ferreira Júnior/ Valquíria de Oliveira Leal

Edição 2013Impresso no Brasil

Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife / PE - CEP. 50103-010Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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Introdução à FIlosoFIa da CIênCIa

EMEnta

Reflexão sobre a relação teoria versus experi-mento, a partir de uma abordagem envolven-do várias concepções da Filosofia da Ciência, propiciando uma visão crítica desta relação.

oBJEtIVo GEral

Refletir criticamente sobre a relação teoria ver-sus experimento a partir dos fundamentos da Filosofia da Ciência.

oBJEtIVos EsPECÍFICos

• Apresentar e discutir, de forma introdu-tória, algumas das mais importantes con-cepções da Filosofia da Ciência, principal-mente aquelas mais em sintonia com as ciências naturais.

• Construirumpensamentocrítico sobreoque é ciência.

• Compreender a importância de concep-ções da Filosofia da Ciência na compreen-são dos conceitos da ciência.

• SercapazdedistinguirasconcepçõesdaFilosofia da Ciência apresentadas neste texto.

prof. Severino José Bezerra Filho I carga horária: 30 horas

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ProGraMa dE Estudo

FASCÍCULO 1 (10 horas)

1. Introdução2. Concepção de ciência 2.1. Conhecimento de senso comum 2.2. Conhecimento científico 2.3. Conhecimento tecnológico

FASCÍCULO 2 (10 horas)

3. A Natureza da Ciência 3.1. O Empirismo 3.2. O Racionalismo 3.3. O Verificacionismo 3.4. O Indutivismo 3.5. O Falseacionismo

3.5.1. A proposta falseacionista de Karl Popper

3.5.2. O Falseacionismo sofisticado de Imre Lakatos: programas de pesquisa

3.6. O Realismo 3.6.1. O Realismo ingênuo 3.6.2. O Realismo crítico

3.7. O Idealismo

FASCÍCULO 3 (10 horas)

4. Outras concepções de ciências 4.1. Os obstáculos epistemológicos de

Gaston Bachelard 4.2. Os paradigmas e as revoluções cien-

tíficas na visão de Thomas Kuhn (1922-1996)

4.3. O anarquismo epistemológico de Paul Feyerabend (1924- 1994)

5. A Filosofia da Ciência e o seu impacto no ensino das ciências

6. Conclusão

aValIação da unIdadE tEMÁtICa

A avaliação dar-se-á de forma contínua e pro-cessual, considerando o senso crítico, a im-portância e a capacidade de discernir entre as concepções epistemológicas discutidas e refle-tidas. Também, será considerada a participa-ção nas atividades on-line, nos fóruns e ativi-dades presenciais.

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Introdução à FIlosoFIa da CIênCIa

1. IntroduçãoAtualmente, muito se tem refletido sobre o que representa a Ciência para a comunidade científica e, como conseqüência, para a huma-nidade. Podemos partir do fato de que, para compreender a Ciência, enquanto uma área do conhecimento humano, não se pode deixar de fazer uma reflexão sobre o que é a História e a Filosofia da Ciência nessa discussão.

Neste texto, no entanto, daremos ênfase à Fi-losofia da Ciência, de uma forma introdutória, sem desconsiderar que, eventualmente, pode-remos, também, ter necessidade de focalizar a História da Ciência. Para tal, faremos uma breve discussão de várias concepções episte-mológicas, destacando o pensamento de vá-rios e importantes filósofos da ciência, com o objetivo de propiciar ao leitor deste texto uma visão ampla e crítica a respeito do conceito de ciência. Iniciaremos refletindo sobre o que é ter uma concepção de ciência.

2. ConCEPção dE CIênCIaAtualmente, quando necessitamos refletir so-bre o que é ciência, não podemos mais ima-ginar que há apenas um pensamento único capaz de gerar uma concepção sobre o que é essa área do conhecimento. Nesse sentido, a História e a Filosofia da Ciência têm eviden-

prof. Severino José Bezerra Filho I carga horária: 10 horas

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8ciado que existem várias linhas de pensamen-to que possibilitam diferentes crenças sobre o que é ciência. Qualquer dessas crenças a ser seguida deve ser munida das argumentações necessárias à sua defesa. Em outros termos, queremos dizer que essas áreas do saber hu-mano, a História e a Filosofia da Ciência, são importantíssimas para uma melhor compreen-são do significado e do papel da ciência tanto para a comunidade científica quanto para o próprio bem-estar da humanidade, ficando ao encargo de cada interesse a escolha da con-cepção a seguir.

Para iniciar essa discussão, podemos subdividir o conhecimento humano em algumas grandes áreas: o mítico, o artístico, o religioso, o de senso comum, o científico e o tecnológico.

Destacaremos as três últimas áreas, conside-rando que, de alguma forma, o homem teria grandes dificuldades de viver sem elas.

2.1. ConHECIMEnto dE sEnso CoMuM

O ser humano, ao longo de sua história, sem-pre esteve preocupado em explicar tudo o que o rodeia (ou quase tudo), independentemente de ser ou não um especialista sobre o conheci-mento necessário a qualquer situação-proble-ma que se apresente ao seu redor. Daí, crenças são originadas, em princípio, constituindo o que se pode denominar de conhecimento de senso comum. As pessoas costumam achar que são capazes de emitir opinião sobre qual-quer questão que lhe seja apresentada, indi-ferentemente ao seu nível de compreensão sobre a situação. Essa é uma tendência que se fundamenta na necessidade imediatista de resolver uma situação-problema, mesmo que, para tal, apresente características um tanto quanto subjetivas, acríticas, atemporal, de caráter individualista, generalizador, ou que, em determinadas situações, possam significar apenas a crença de uma comunidade étnica. Esse modo de pensar, não se preocupa com a regularidade dos fatos nem com as diferenças e semelhanças entre eles.

É importante ressalvar que, muitas vezes, uma crença de senso comum, pela sua larga aceita-ção, chega a ser considerada um conhecimen-

to absoluto, desconsiderando o conhecimento científico correspondente. Como exemplos, podemos citar alguns casos: em certas regiões, no Nordeste, o agricultor costuma dizer que se chover no dia de São José, então o inverno será bom; dizer que o Sol gira ao redor da Ter-ra, apenas, porque se vê o Sol nascer e se pôr todos os dias; a questão da solidez da matéria que, do ponto de vista do senso comum, se apresenta sólida e compacta, quando, a partir de concepções mais modernas, tudo não pas-sa de uma mera ilusão dos nossos sentidos, ou seja, a matéria é constituída de moléculas, as quais, por sua vez, são constituídas de átomos, e estes são constituídos de partículas elemen-tares, que vão desde os elétrons aos quarks, existindo um grande vazio entre a maioria des-sas partículas. O conhecimento daí originado, pelo fato de dar certo em alguns casos, ge-ralmente são transformados em convicções e crenças que são repassadas à posteridade.

Algumas características que podem identificar crenças ou conhecimento de senso comum (KÖCHE, 1997):

• Apresentaaltasubjetividadeebaixacritici-dade, não resistindo a uma crítica sistema-tizada, por não estar isenta de interpreta-ções que se apóiam em crenças meramente pessoais;

• Énormalmenteexpressoporuma lingua-

gem vaga e de baixo teor crítico, que di-ficulta a delimitação da significação con-ceitual. Isto permite que pessoas diferentes possam atribuir significados diferentes à mesma situação;

• A vaguidadeda linguagemutilizadanes-

se conhecimento eleva a sua dependência das crenças e convicções pessoais;

• Abaixacriticidadedificultaaidentificação

de possíveis falhas, favorecendo a aceita-ção de tais crenças por longos períodos, muitas vezes superando a própria ciência;

• Desconhece os seus limites de validade,

transformando-se numa concepção ingê-nua;

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9• Ohomem,dessemodo,émantidocomo

mero espectador da realidade de forma demasiadamente passiva, produzindo um conhecimento acrítico, fragmentado e com tendências a ser dogmático.

Uma outra característica importante do co-nhecimento de senso comum é que, muitas vezes, as informações acumuladas e conso-lidadas pela tradição aplicam-se ao mesmo tipo de fatos que se repetem e se convertem em rotina, e que os fatores que os geram são constantes. Na maioria das vezes, quando os fatores determinantes dos fatos são alterados, não se consegue explicar as causas do insuces-so nas justificativas. Mesmo assim, continua-se a manter tal conhecimento, não se atentan-do para os limites de validade das afirmações. Isto faz com que o conhecimento daí gerado não proporcione uma visão global e unitária das interpretações dos fenômenos ocorridos (KÖCHE, 1997). Ao contrário, o conhecimento científico tenta fornecer uma visão mais global e unitária das interpretações, fundamentando-se em explicações sistematizadas, como vere-mos mais adiante.

Por outro lado, do ponto de vista epistemo-lógico, há posições antagônicas em relação a como se compreender o conhecimento de senso comum. Por exemplo, Alves (2000, p. 12) defende que a “aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento do sen-so comum. Só podemos ensinar e aprender partindo do senso comum de que o aprendiz dispõe”. Enquanto isso, Bachelard (1996a) de-fende que o conhecimento de senso comum coloca-se como um obstáculo epistemológico. Que se faz necessário uma ruptura com esse tipo de conhecimento, o de senso comum, a fim de que o conhecimento científico possa ser construído.

atIVIdadEPARA PENSAR UM POUCO

1. Escreva pelo menos cinco características que possam identificar um conhecimento de senso comum e justifique cada uma de-las.

2. Descreva pelo menos duas situações que possam ser identificadas como exemplos de conhecimentos de senso comum e jus-tifique cada um deles.

3. O termo bom senso pode ser compreendi-do como a “elaboração coerente do saber e como explicitação das intenções cons-cientes dos indivíduos livres” (ARANHA; MARTINS, 1992, p. 56). Faça uma pesqui-sa indicando a fonte e esboce a sua com-preensão da diferença entre senso comum e bom senso.

2.2. ConHECIMEnto CIEntÍFICo

A capacidade de o homem buscar explicações e interpretações significativas sobre si mesmo, sobre o mundo em que vive e sobre o univer-so que o cerca tem permitido a construção do conhecimento científico necessário ao avanço das diversas ciências. Ao contrário do conhe-cimento de senso comum, o conhecimento científico resiste ao crivo da crítica sistemática, ficando isento de interpretações sustentadas apenas em crenças ou opiniões pessoais. Ele é capaz de levar o homem além da realidade imediatamente percebida, tornando-o apto a compreender a complexa teia de princípios explicativos que o levam à compreensão da or-ganização, da classificação e da ordenação da natureza em que está inserido. Desta forma, o conhecimento científico passa a ser um pro-duto resultante da investigação científica, que surge não apenas da necessidade de encontrar soluções para problemas rotineiros, do dia-a-dia mas, do desejo de fornecer explicações sis-temáticas, que possam ser testadas e criticadas empírica e intersubjetivamente. Portanto, a investigação científica, com os seus métodos, passa a ser o fio condutor da construção do conhecimento científico.

O início de uma investigação científica pode se dar a partir de uma situação-problema, ou mesmo, uma pergunta, que ainda não tenha resposta. Mas, também, pode partir do en-tendimento de que o conhecimento existente é insuficiente ou inadequado para resolver a questão levantada. Isso passa pela necessida-de de construir uma resposta confiável para

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10o problema levantado, originando uma cren-ça que seja aceita pela comunidade científica, transformando-se em paradigma, como de-fende Kuhn (1992). Para tal, faz-se necessário que o pesquisador deva se pautar em critérios que justifiquem a aceitação do conhecimento construído pela comunidade científica, utili-zando-se, para isso, de um conjunto de pro-cedimentos não padronizados, denominado de método científico. No entanto, tal método deve ser a forma crítica de produzir o conheci-mento científico e não, uma forma padroniza-da rigorosamente fechada e acrítica.

Por outro lado, é preciso que se perceba que uma investigação poderá levar aos dados, à informação e ao conhecimento. Os dados po-dem ser considerados como estruturas que não possuem significados próprios, mas que fornecem a matéria-prima para produzir a in-formação. A informação pode significar o que resulta quando os dados são organizados de uma forma significativa, relacionados com um contexto e possuir significado. O conheci-mento, por sua vez, pode se caracterizar pela aplicação e pelo uso produtivo da informação. Portanto, o conhecimento é muito mais que a informação, uma vez que implica uma consci-ência da compreensão adquirida pelo processo de aprendizagem (LEITE, 2006). A relação in-terativa entre a informação e o conhecimento formaliza uma interdependência entre si, tal que Boisot citado por Leite (2006, p. 33-34) afirma:

“A criação do conhecimento depende da infor-mação, porém a coleta de informação relevante requer, por sua vez, a aplicação do conhecimen-to. As ferramentas e métodos aplicados à infor-mação também influenciam sobre a geração do conhecimento. A mesma informação pode dar lugar a uma variedade de tipos de conhecimento, dependendo do tipo e propósito da análise. No nível pessoal, o conhecimento exige uma relação entre o ato de conhecer e o mundo exterior, sen-do o ato de conhecer uma atividade ou proces-so mais dinâmico que estático. Além do mais, o conhecimento pode ser visto como centrado no indivíduo. Comparado à informação, o conheci-mento implica um processo muito mais amplo que envolve estruturas cognitivas capazes de as-similar a informação e de situá-la num contexto mais amplo, permitindo ações que podem ser empreendidas a partir dela”.

É importante destacar, a partir daí, que o co-nhecimento científico, ao contrário do co-nhecimento de senso comum, é capaz de submeter-se a uma crítica sistemática e isen-ta de interpretações sustentadas, apenas, nas crenças e opiniões pessoais. Ele está sempre à busca de princípios explicativos e de uma vi-são universal da realidade, no sentido de que um conhecimento construído aqui seja aceito em qualquer outro lugar, constituindo-se num conhecimento programado e planejado e não, de forma espontânea e instintiva. É apresenta-do sob a forma de enunciados que explicam as condições que determinam a ocorrência dos fatos, das coisas e dos fenômenos relaciona-dos a um problema.

O conhecimento científico leva o homem além da realidade imediatamente percebida, tor-nando-o capaz de compreender a teia de prin-cípios explicativos que levam à compreensão da organização, classificação e ordenação da natureza em que está inserido. Dito de outro modo, não é apenas a simples organização ou classificação das coisas ou dos fatos que ca-racterizam um conhecimento científico mas, a organização e classificação sustentadas em princípios explicativos construídos a partir da investigação científica. É através desses prin-cípios que a realidade passa a ser vista pela ciência e não de forma desordenada, esfacela-da, fragmentada, subjetiva e acrítica do senso comum. Visto dessa forma, o conhecimento científico passa a ser um produto resultante da investigação científica, surgido não apenas da necessidade de encontrar soluções para pro-blemas do dia-a-dia (o que o conhecimento de senso comum também faz), mas do desejo de fornecer explicações sistemáticas que possam ser testadas, criticadas empírica e intersubjeti-vamente e fazer predições com um alto índice de aceitação pela comunidade científica.

Outra questão a ser considerada diz respei-to à linguagem utilizada pelo conhecimento científico. Ao contrário do conhecimento de senso comum, a linguagem utilizada pelo co-nhecimento científico faz uso de enunciados e conceitos que possuem significados bem es-pecíficos e bem determinados. As teorias que surgem como marcos teóricos provindos da investigação definem bem a significação dos conceitos, proporcionado-lhes um sentido uní-

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11voco, consensual e universal, sistematicamen-te aceito pela comunidade científica (KÖCHE, 1997).

O conhecimento científico que gera as cren-ças sobre o que é ciência é que dá a devida sustentabilidade necessária ao conhecimento tecnológico que passaremos a refletir.

atIVIdadEPARA PENSAR UM POUCO

4. Escreva pelo menos cinco características que possam identificar um conhecimento científico e justifique cada uma delas.

5. Descreva pelo menos duas situações que possam ser identificadas como exemplos de conhecimentos científicos e justifique cada um deles.

6. O conhecimento científico é um conhe-cimento absoluto, correto, verdadeiro e dogmático. Escreva um comentário a esta afirmação.

2.3. ConHECIMEnto tECnolÓGICo

O conhecimento tecnológico tem-se tornado o ponto alvo das grandes discussões mundiais em virtude dos progressivos avanços do co-nhecimento científico. Neste sentido, a ciência pode ser considerada a fonte inspiradora da tecnologia.

Para tentar compreender o que é conhecimen-to tecnológico, faremos uma reflexão sobre os conceitos de técnica e de tecnologia.

Qualquer dicionário de língua portuguesa afirmará que a palavra técnica pode signifi-car: “conhecimento prático; a própria prática; conjunto dos métodos e pormenores práticos essenciais à execução perfeita de uma arte ou profissão, dentre outros significados”. En-quanto que a palavra tecnologia pode signifi-car: “tratado das artes em geral; conjunto dos processos especiais relativos a uma determi-nada arte ou indústria; aplicação dos conheci-

mentos científicos à produção em geral; para citar apenas alguns significados”. Se consultar-mos a história da humanidade, encontraremos que o uso da técnica tem uma gênese remota, que se deve ao homem das cavernas, ao ho-mem caçador. Por exemplo, o uso do fogo, da linguagem e de instrumentos de caça; a desco-berta do princípio da alavanca e a utilização do impacto para perfurar e quebrar, certamente, foram ações que fortaleceram o conceito de técnica.

Ao deixar de ser nômade, o homem desenvol-veu técnicas de tecelagem, agricultura, cerâ-mica, pintura e comunicação que fortaleceram a necessidade de se fixar em determinado lu-gar. Com o uso do bronze e do ferro, novas técnicas beneficiaram a arquitetura, deu-se a invenção da roda e a construção das primei-ras máquinas, consolidando, cada vez, mais o conceito de técnica que abriria, mais tarde, os rumos para o desenvolvimento do que viria a se tornar a tecnologia.

O período pré-tecnológico teve grande influ-ência de pensadores, como: Nicolau Copérni-co (1473-1543), que provocou a primeira re-volução científica; Francis Bacon (1561-1626) que, via na ciência um mal necessário; Galileu Galilei (1564-1642), que inspirado na revolu-ção copernicana, concebeu a concepção me-canicista do saber, definindo o ideal científico; Descartes (1596-1650) escreveu “O Discurso do Método”, que influenciou várias gerações de filósofos e cientistas a partir do século XVI.

O período tecnológico, que começa a se de-senvolver no século XIX, atinge a sua matu-ridade no século seguinte. Com o surgimen-to das famosas máquinas a vapor, houve um grande progresso da era tecnológica, que exi-giu grandes avanços da ciência.

A automação e a informática, que se firma-ram no século XX, exigiram do homem muito mais que criar um simples computador ou um supercomputador. Exigiu a construção de uma área do conhecimento que passou a ser deno-minada de Cibernética, a qual diz respeito ao trabalho de abstração que permite ao cientista imaginar os mecanismos calculadores e racio-cinadores, tratando das pesquisas de sistemas.

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12Diante do exposto, podemos perceber que compreender o que é a ciência a partir do co-nhecimento científico, o que é a tecnologia a partir do conhecimento tecnológico passa por certa complexidade que vai exigir de nós algu-mas reflexões histórico-filosóficas, o que tenta-remos a seguir.

atIVIdadEPARA PENSAR UM POUCO

7. Faça um comentário comparativo entre técnica e tecnologia.

8. Qual o papel da ciência para a tecnologia?

9. Qual o papel da ciência para a técnica?

Observação: para cada resposta cite a fonte de pesquisa.

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Introdução à FIlosoFIa da CIênCIa

3. a naturEZa da CIênCIaRefletir sobre a natureza da ciência remete-nos a alguns questionamentos importantes, tal como compreender a relação teoria versus experimento. Entender essa relação leva-nos, por exemplo, a questionar sobre o que vem primeiro, a teoria ou o experimento.

Uma resposta possível pode ser a afirmação de que primeiro deve vir o experimento, a partir de onde a observação realizada gerará uma teoria. Neste caso, podemos fazer uma pergunta: qual o papel do experimento neste contexto? Uma resposta possível é admitir que o experimento se apresente como a fonte ge-radora da teoria a ser construída. Esta respos-ta traz a marca da concepção epistemológica, denominada Empirismo que trataremos mais adiante.

Para a questão da relação teoria versus expe-rimento, uma segunda resposta possível po-derá ser a afirmação de que primeiro deve vir a teoria e depois, o experimento. Neste caso, voltaremos à questão: qual o papel do expe-rimento? Uma resposta possível poderá ser a afirmação de que o experimento tem a fi-nalidade de provar que a teoria, inicialmente construída, está certa. Vejamos que o papel do experimento agora é outro completamen-te diferente da situação no parágrafo anterior. Enquanto lá, o experimento tinha o papel de gerar a teoria, agora ele se apresenta com o

prof. Severino José Bezerra Filho I carga horária: 10 horas

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14objetivo de provar uma teoria que veio antes. Esta concepção epistemológica é denominada de Verificacionismo. Outra resposta possível à questão inicial poderá ser a afirmação de que o papel do experimento não é o de provar a teoria que veio antes, mas, o de falseá-la. Neste caso, a teoria, antes de tudo, deve ser altamente falseável. Isto nos remete à outra concepção epistemológica que é denominada Falseacionismo. Uma terceira possibilidade de resposta para a questão do papel do experi-mento na relação entre a teoria versus experi-mento é admitir que este não tenha o objetivo de provar nem de falsear a teoria, mas, o de objetificar uma idéia que se construiu a res-peito de uma realidade. Em outras palavras, a posição do realismo crítico tem, também, sido sustentada mediante a assertiva de que a te-oria surge como idealização mental, enquan-to que o experimento é compreendido como uma tentativa de objetificação dessa idealiza-ção teórica (MATTHEWS, 1995).

Portanto, podemos perceber que a ciência pode ter várias interpretações a depender de quem e como se está lidando com ela. Ou seja, a concepção epistemológica a ser adota-da, está intimamente ligada à compreensão e formação que se tem, bem como à capacidade de argumentar e contra-argumentar de cada um. A visão de ciência a ser adotada passa a depender da clareza que se tem a respeito da relação teoria versus experimento de cada um de nós.

A importância de compreender a natureza da Ciência tem sido destacada por muitos pes-quisadores como algo a ser incorporado, ex-plicitamente, nos conteúdos curriculares. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam nesse sentido (BRASIL, 1998). Já há algum tempo vem sendo colocado, por pes-quisadores, que a formação dos educadores que trabalham com educação nas ciências deve apontar para uma compreensão dos mo-dos pelos quais a ciência tem sido historica-mente construída. Isso é algo tão necessário de ser compreendido quanto os conteúdos em si mesmos. Não bastaria ao estudante dominar o manejo de conteúdos científicos bem como o manuseio de instrumentos em laboratórios, sem ter uma clara idéia dos seus pressupostos e dos seus limites de validade. A ciência não

pode ser ensinada como um dogma inques-tionável. Um ensino da ciência que não ensine a pensar, a refletir, a criticar, que substitua a busca de explicações convincentes pela crença na palavra do mestre que medeia a construção do conhecimento, ou mesmo a construção de uma concepção de ciência, pode ser tudo, me-nos um verdadeiro ensino da ciência. É, antes de tudo, um ensino de obediência cega, incor-porado numa cultura repressiva.

A questão, no entanto, revela-se de extrema complexidade no ensino. Para começar, várias pesquisas têm apontado as graves distorções introduzidas pelos livros textos no tratamen-to da natureza da ciência. Kuhn (1992), por exemplo, afirma que a visão de ciência que se pode encontrar nos livros textos é semelhante à visão que se pode ter de uma cidade retirada de cartões postais. Não devemos, porém, reti-rar de tais constatações a respeito do caráter ideológico dos livros textos a conclusão apres-sada de que todos os seus leitores, aí incluí-dos os professores, sejam indivíduos acríticos e incapazes de filtrarem as mensagens que lhes são passadas por tais textos. Como mostram as pesquisas, tal capacidade crítica está relaciona-da com a própria formação dos professores, com a sua maior ou menor familiaridade, com a reflexão filosófica e com o tipo de apresenta-ção que tenham tido na História e na Filosofia da Ciência (MEDEIROS, 1993).

No tocante ao ensino das ciências naturais, como a Física e a Biologia, por exemplo, pou-cas questões parecem mais importantes que uma boa compreensão, principalmente por parte do professor, da relação complexa e sutil que existe entre teoria e experimento na pro-dução das idéias na ciência. Este ponto torna-se ainda mais importante, quando o professor lida diretamente com os experimentos como sua meta principal, como ocorre nas discipli-nas que se relacionam com a prática de la-boratório, comumente lecionadas nos cursos de licenciatura (BEZERRA FILHO, 1997). Numa disciplina como essa, os futuros professores podem ser expostos, por exemplo, a uma visão mais aberta da produção científica, que incor-pore a questão essencial trazida pela moderna Filosofia da Ciência de que toda observação tem certa carga teórica.

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15Por outro lado, esses mesmos estudantes po-dem ser submetidos a um discurso dogmático, preso a esquemas filosoficamente ultrapassa-dos, mas claramente convidativos a leituras indutivistas ingênuas da atividade científica. O tipo de abordagem a ser desenvolvida de-pende, diretamente, das próprias convicções daquele que leciona o curso. Ou seja, depen-de, certamente, da própria formação anterior que ele, o professor, obteve. Até que ponto as convicções dos professores são ou não cor-porificadas do discurso para as suas ações em sala de aula é uma outra questão aberta à pes-quisa. Ainda podemos destacar que é possível um professor exibir um razoável conhecimen-to da Filosofia da Ciência, sem que traduza tal conhecimento nas suas ações de sala de aula. Por paradoxal que possa parecer essa tese, ela nos parece factível no sentido de que envolve não apenas o conhecimento, mas, também, um compromisso de mudança por parte do professor.

De fato, tentar enfocar a produção científica fora dos padrões tradicionais do Indutivismo Ingênuo é um desafio para o qual nem todos aqueles filosoficamente aptos podem estar psi-cologicamente preparados e socialmente mo-tivados. Admitimos, portanto, que um certo embasamento filosófico não seja uma condi-ção suficiente para que o professor desenvolva em sala de aula uma atitude compatível com as convicções que pareça esposar. No entanto, certamente, para aqueles imbuídos do desejo e da coragem de se contraporem à tradição indutivista ingênua no ensino das ciências, pa-rece necessário certo grau de alerta em rela-ção aos temas filosóficos colocados em pauta sobre a origem do conhecimento científico e os seus mecanismos de validação. O que está em causa, portanto, é a necessidade desse es-tado de alerta e não, a suficiência do mesmo para o desenvolvimento de atitudes em sala de aula mais em sintonia com os contributos da moderna Filosofia da Ciência. A seguir, pas-saremos a refletir sobre algumas concepções epistemológicas da Filosofia da Ciência com o objetivo de ajudar a compreender melhor a re-lação teoria versus experimento no ensino e na compreensão da ciência.

atIVIdadEPARA PENSAR UM POUCO

10.De sua leitura até aqui, em sua opinião, o que deve vir primeiro: a teoria ou o expe-rimento? Justifique a sua resposta.

11.A partir da sua reposta para a questão anterior (questão 10), crie uma situação em sala de aula e a relate.

12.A ciência deve ser entendida como um conhecimento acabado ou incompleto? Justifique a sua resposta.

3.1. o EMPIrIsMo

O empirismo, que também pode ser denomina-do de empiricismo, é a posição epistemológica que prega a origem do conhecimento como sendo oriunda da experiência. Tradicionalmen-te, o Empirismo admite que o espírito huma-no, inicialmente, está vazio por natureza, ou seja, é um “tabula rasa”. É como se fosse uma folha de papel em branco que pode ser pre-enchida a partir da experiência. Todos os nos-sos conceitos, desde os mais simples aos mais sofisticados e aos mais gerais e abstratos, são procedentes da experiência, são resultados de intervenções sensoriais. O Empirismo defende que não se pode ter qualquer conhecimento que não seja oriundo dos fatos concretos. Para justificar esta posição, o empirismo recorre à evolução do pensamento e do conhecimento humanos, sempre a partir da experiência, o que determina uma elevada importância à ex-periência, que se apresenta como a única fon-te do conhecimento, ou seja, da produção do conhecimento (HESSEN, 1987). Neste sentido, Powers (1985, p 4) afirma: “o empiricismo é uma teoria da ciência que está fundamenta-da no senso comum. Ela afirma que ninguém pode jamais conhecer algo das coisas que não seja possível de ser observado”.

No entanto, ao Empirismo é feita uma crítica importante a qual admite que toda observação está teoricamente carregada, o que implica afirmar que o experimento não pode ser a fon-te do conhecimento. O Empirismo tem como seu principal marco as idéias defendidas por

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16Aristóteles (384-322 a.C.). Mas, também, foi bem aceito e defendido por importantes pen-sadores a partir do século XVI, cada qual com a sua forma própria de conceber ideais empi-ristas. Aqui, não pretendemos esgotar esta dis-cussão, uma vez que desejamos dar ênfase às posições que estão mais próximas das ciências naturais, como a Biologia, a Física e a Química, dentre outras.

Por outro lado, o Empirismo, ao nascer com Aristóteles, trouxe uma marca importante que foi a de antagonizar-se às idéias de Platão (428/7-348/7 a.C.), as quais caracterizaram a concepção epistemológica denominada de ra-cionalismo, que abordaremos a seguir.

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13.Como você compreende a afirmação de que toda observação é teoricamente car-regada?

14.Faça um resumo do que entendeu por empirismo. Exemplifique com uma situa-ção do seu dia-a-dia que esteja em linha com a concepção empirista.

3.2. o raCIonalIsMo

O Racionalismo constitui-se numa concepção epistemológica, que prega a origem do co-nhecimento como oriunda do pensamento, da razão humana. Segundo esta postura, o Racionalismo, construímos os nossos conhe-cimentos sobre a realidade objetiva, apenas por iniciativas do nosso pensamento (Hörz et al., 1980). Ainda, o Racionalismo prega que um conhecimento só merece ser compreendi-do como tal, se for logicamente necessário e universalmente válido. Neste sentido, Hessen (1987, p. 60) afirma que, na opinião do Racio-nalismo, “quando a nossa razão julga que uma coisa tem que ser assim e que não pode ser de outro modo, que tem de ser assim, portanto, sempre e em todas as partes, então, e só então, nos encontramos ante um verdadeiro conhe-cimento”. Há várias concepções racionalistas que vão desde a mais tradicional, em Platão, que defendia um racionalismo transcendente o qual pregava a teoria da contemplação das

idéias, passando pelos pensamentos de Plonti-no e Santo Agostinho, os quais defendiam um racionalismo teológico, que pregava a teoria da iluminação divina, para citar, apenas, algu-mas possibilidades (HESSEN, 1987).

No entanto, enquanto a origem do conheci-mento é explicada pelo Empirismo como sendo oriunda da observação, da experiência e pelo Racionalismo como sendo o resultado de um esforço mental, que está centrado nas idéias, na razão, no pensamento, surge uma terceira via. A estas duas concepções extremas e an-tagônicas, vai recair uma postura crítica que defende uma posição intermediária, o Inte-lectualismo, que assume uma posição de me-diação. Logo, o Intelectualismo vem defender que a origem do conhecimento está fundada tanto na observação, na experiência quanto no pensamento, na razão. O seu principal defen-sor foi São Tomás de Aquino na Idade Média (HESSEN, 1987).

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15.O que prega o racionalismo? Tente des-crever uma situação que possa ser justifica-da à luz do racionalismo.

16.Qual a concepção que pode se colocar entre o empirismo e o racionalismo? Como você pode resumir tal concepção?

3.3. o VErIFICaCIonIsMo

O Verificacionismo é a concepção epistemoló-gica que afirma ser possível provar que uma teoria está certa. Logo, esta visão admite a possibilidade de a teoria vir primeiro que o ex-perimento. Neste caso, qual é o papel do expe-rimento? Podemos afirmar que, sendo possível construir-se a teoria antes, o experimento pas-sa a se apresentar com o objetivo de verificar, de testar, de provar que a teoria é verdadeira.

Então, qual é a questão filosófica que o verifi-cacionismo pretende responder? Bem, a ques-tão filosófica que o Verificacionismo pretende responder diz respeito ao critério de demarca-ção entre o que é e o que não é ciência, po-

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17sição esta admitida pela concepção epistemo-lógica do Indutivismo Ingênuo a ser visto no próximo tópico.

Por outro lado, ao Verificacionismo também é feita uma crítica importante a qual admite que o verdadeiro papel do experimento não o de provar ou verificar que a teoria é verdadeira, mas o de falsear a teoria. Essa crítica remete-nos à concepção epistemológica denominada Falseacionismo, que será abordada posterior-mente.

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17.Descreva a concepção epistemológica denominada Verificacionismo e exemplifi-que com uma intervenção didática em sala de aula que possa ser compreendida como uma ação verificacionista.

18.Faça um comentário crítico sobre a afir-mação de “o papel do experimento é o de provar que a teoria está certa”.

3.4. o IndutIVIsMo

O Indutivismo é a concepção epistemológica que pretende dar conta da origem e da valida-ção do conhecimento. Para explicar a origem do conhecimento, utiliza-se de procedimen-tos empiristas, enquanto que para dar conta da validação do conhecimento, utiliza-se de procedimentos verificacionistas. Portanto, po-demos concluir que o Indutivismo lança mão do Empirismo, para explicar a origem do co-nhecimento e do Verificacionismo para validar o conhecimento por meio de processos indu-tivos. A indução, por sua vez, significa partir de uma situação particular mediante uma seqüência de procedimentos experimentais, até permitir uma generalização universal. Um exemplo bem simplista de uma generalização por um processo indutivo pode ser o seguinte: o homem é um animal, cuja menor unidade de vida é a célula; a árvore é uma planta cuja menor unidade de vida é a célula; o pássaro é um animal, cuja menor unidade de vida é a cé-lula; o homem, a árvore e o pássaro são seres vivos, cuja menor unidade de vida é a célula, então todos os seres vivos são constituídos de células.

O Indutivista inicia sua investigação, partindo da observação, do registro, da análise e da classificação dos fatos particulares, chegan-do à confirmação e à generalização dos seus resultados com características de teorias uni-versais. A indução toma como pressuposto, a validade do empirismo, partindo da credibili-dade e valorização da observação e da fidedig-nidade do testemunho dos sentidos sensoriais, quando regidas pelo rigor e pela ordenação (KÖCHE, 1997).

Epistemologicamente, há importantes críti-cas feitas ao Indutivismo, quando se afirma que a origem do conhecimento não está na observação, uma vez que toda observação é teoricamente carregada e que a indução é um processo insustentável. Inicialmente, os críti-cos à concepção indutivista vão admitir que não se pode observar todos os fatos, todos os fenômenos ou todas as coisas para, a par-tir daí, concluir-se uma explicação fidedigna. Por outro lado, o Indutivismo não determina o número de vezes que se deve repetir um ex-perimento, confiavelmente, a fim de que se possa concluir e universalizar uma teoria. De nada adianta a confirmação de uma grande quantidade de casos a não ser para os pró-prios casos particulares. Estas e outras falhas conceituais levam os críticos a denominarem essa concepção epistemológica de Indutivismo Ingênuo. O termo “ingênuo”, nesse contexto, traduz a interpretação acrítica e insustentável do Indutivismo.

Portanto, para o Indutivista Ingênuo, a ciência se inicia com a observação, a qual se constitui numa base segura a partir do que serão in-feridas as leis e teorias que darão origem ao conhecimento científico. Em tal postura, este conhecimento é desenvolvido a partir de gene-ralizações fundamentadas num grande núme-ro de afirmações estabelecidas como verdadei-ras. O processo de generalização parte de um número finito de afirmações para um número mais abrangente ou universal destas, devendo ocorrer por indução. As observações que po-derão garantir tais generalizações deverão ser submetidas a uma ampla variedade de condi-ções sob a expectativa do observador despido de preconceitos e cujos órgãos sensitivos se-jam normais (CHALMERS, 1993, p. 24).

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18Dentre os críticos à posição verificacionista no campo da investigação, por exemplo, os falseacionistas afirmam, como detalharemos mais adiante, que nunca é possível provar ex-perimentalmente que algo é verdadeiro, mas, apenas, que é falso. Uma das principais críticas dirigidas ao indutivismo é dizer que a ciência não começa com a observação e que toda observação é teoricamente carregada. Esta é uma das poucas questões que une quase to-dos os modernos filósofos da ciência (KUHN, 1992; BACHELARD, 1996; POPPER, 1993, 1994; LAKATOS, 1999; FEYERABEND, 1989). Outros críticos apontam o fato de que o prin-cípio da indução é falho, no sentido de que não se pode justificar a indução pela própria indução. Isto se constitui no problema da in-dução largamente difundido entre os filósofos da ciência. O critério de demarcação do Indu-tivismo, o verificacionismo, também é falho, uma vez que na relação teoria-experimento, o segundo não verifica o primeiro, pois o pri-meiro preexiste ao segundo. Outra crítica é dirigida à exigência que se faz quanto a um grande número de proposições de observação para que, a partir daí, possa-se chegar a uma generalização universal (CHALMERS, 1993, p. 53). Que número, então, corresponderia a esse grande número de proposições? Além do mais, seria necessária uma ampla variedade de circunstâncias a que tais proposições deveriam ser submetidas. Se isso tivesse que acontecer, quais seriam estas circunstâncias e em que quantidade? Por último, falta ao indutivismo ingênuo, uma postura crítica com relação à origem do conhecimento.

A expressão “toda observação é teoricamente carregada” pode ser interpretada como uma posição epistemologicamente anti-indutivista. Desta forma, ao fazer-se uma observação, não se consegue fazê-la desprovido de pré-concep-ções. Esta é uma crítica lançada ao Indutivis-mo por várias posturas epistemológicas, den-tre elas, o Realismo Crítico que será discutido mais adiante. Os casos a seguir denotam bem a forte significação contida na referida frase. Ao tentar-se explicar o fenômeno do arco-íris, por exemplo, a mente humana deve, no mínimo, preconceber a questão das cores, a necessidade do espaço sideral encontrar-se nublado na presença de raios solares. Ao ligar um osciloscópio, por outro lado, o observador

admite, inicialmente, que haja energia elétri-ca disponível e que este esteja ligado à rede elétrica. Ao tentar se medir a temperatura de um corpo, utilizando-se um termômetro clíni-co, necessita-se conhecer a sua escala termo-métrica e se o termômetro encontra-se, por exemplo, indicando uma leitura menor do que aquela que se pretende medir, ou seja, se o termômetro encontra-se inicialmente aferido. Ao estudar-se a célula, não se pode prescindir dos conceitos eletromagnéticos que justificam a sua funcionalidade.

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19.O indutivismo é uma concepção episte-mológica mais completa que o Empirismo e o Verificacionismo. Por quê?

20.Faça um comentário crítico à palavra in-gênuo no termo Indutivismo Ingênuo.

21.Descreva pelo menos uma vantagem e uma crítica ao Indutivismo Ingênuo, justi-ficando-as.

3.5. o FalsEaCIonIsMo

O Falseacionismo (ou Falsificacionismo) apa-rece como a concepção epistemologicamente antagônica à concepção verificacionista, a qual vai admitir que o papel do experimento é o de falsear a teoria. Enquanto o Verificacionismo tenta provar que uma teoria é verdadeira, o Falseacionismo tenta encontrar a falseabilida-de dessa teoria. Uma teoria ao ser falseada e o fato de ela exigir um repensar possibilita uma nova teoria ou uma reestruturação da teoria que foi refutada. Isto, aos olhos daqueles que defendem esta postura, faz com que a ciência avance. Dito de outro modo, no momento em que um cientista consegue falsear uma teoria, ela precisa ser substituída ou necessita sofrer uma modificação que seja capaz de explicar tudo o que explicava antes e mais o novo. Des-se modo, o conhecimento avança, pois uma nova teoria passa a existir. Em seguida, a nova teoria deverá ser falseada novamente para um novo conhecimento surgir e assim sucessiva-mente. Logo, a ciência estaria constantemente

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19se renovando e, como conseqüência, estaria continuamente progredindo. Entretanto, há mais de uma possibilidade falseacionista. Aqui destacaremos as visões de Popper e Lakatos, como veremos a seguir.

3.5.1. A PROPOSTA FALSEACIONISTA DE KARL POPPER

A falseabilidade de uma teoria não é um pro-cesso simplista. Ela traz a marca de certa com-plexidade, uma vez que vai exigir que toda teoria seja sempre falseável e extremamente audaciosa. Uma teoria que não seja falseável não serve para a ciência, pois ela faria com que o conhecimento estacionasse ou se tornasse absoluto, o que contradiz as visões mais mo-dernas da Filosofia da Ciência. A postura que propõe a substituição de uma teoria falseada por outra mais moderna é denominada False-acionismo Popperiano em referência a Karl Po-pper (1902-1994), o principal defensor desta concepção (POPPER, 1993; 1994).

Entretanto, apesar da postura audaciosa des-sa concepção epistemológica, o Falseacionis-mo Popperiano, que admite a possibilidade de toda teoria ser tão melhor ou mais confiável quanto mais falseável ela for, mesmo assim, passa pelo crivo de exigentes críticas.

Podemos considerar que as posições do fal-seacionismo e do indutivismo assemelham-se quanto ao fato de ambas utilizarem-se de re-cursos empíricos, a observação e a experimen-tação, mas, com objetivos distintos. Enquanto o indutivismo utiliza-se desses recursos para originar e validar o conhecimento, o falsea-cionismo utiliza-se desses meios apenas para validar ou refutar suas teorias. Também, asse-melham-se quanto ao fato de ambas adota-rem um critério de demarcação para delimitar o que é ciência do que não o é. De um lado, o indutivismo utiliza-se de processos empíri-cos através do método indutivo, para construir as suas verdades teóricas, mas como critério de demarcação e validação de suas verdades, utiliza-se da verificabilidade. De outro lado, o Falseacionismo utiliza-se de processos empíri-cos através do método dedutivo, para falsear as suas teorias, admitindo, porém, que a teoria preexiste aos seus procedimentos empíricos. Como critério de demarcação, o Falseacionis-mo admite a falseabilidade.

Um aspecto em que essas duas concepções epistemológicas conflitam entre si é o fato de o indivíduo indutivista mostrar-se cauteloso, admitindo na ciência apenas aquelas teorias que se revelam verdadeiras ou provavelmen-te verdadeiras. Enquanto isso, o falseacionis-ta joga com propostas de conjecturas auda-ciosas, desde que sejam altamente falseáveis (POPPER, 1994). Outra semelhança, porém, pode ser o fato de o Falseacionismo admitir que a ciência comece com um problema a ser observado ou experimentado, uma vez que, semelhantemente, o Indutivismo afirma que a ciência começa com a observação. Mas, nes-te particular aspecto, há uma diferença fun-damental: o falseacionista admite que as suas observações e experimentações ocorram à luz de alguma teoria, enquanto o indutivista afir-ma que a origem do conhecimento está na própria observação, no próprio experimento.

Por fim, uma outra importante diferença en-tre as duas visões citadas, o Falseacionismo e o Indutivismo, está na forma das confirmações teóricas adotadas por elas. No indutivismo, as confirmações teóricas ocorrem de formas não históricas e apoiadas em um número cada vez maior de instâncias confirmadoras destas teo-rias. Enquanto isso, no Falseacionismo, as con-firmações dessas teorias são extremamente de-pendentes do contexto histórico, o que torna essas teorias altamente falseáveis (CHALMERS, 1993; POPPER, 1993). Por exemplo, quando se diz: amanhã choverá ou não choverá; amanhã choverá; amanhã choverá em Recife; amanhã choverá em Recife, às 12 horas; amanhã cho-verá torrencialmente, em Recife, às 12 horas. Dos exemplos citados, podemos perceber que a frase “amanhã choverá ou não choverá” ja-mais poderá ser refutada, uma vez que sempre será verdadeira qualquer que seja a situação. Essa afirmativa não serve para a ciência. As outras frases são falseáveis e, portanto, ser-vem para a ciência. No entanto, a última frase, “amanhã choverá torrencialmente em Recife, às 12 horas”, é mais audaciosa que todas as outras anteriores, trazendo em si uma depen-dência histórico-temporal muito forte.

O Falseacionismo ganhou admiradores de peso, como o caso de Feynman (1987, p. 158) que, num claro exemplo de uma posição fal-seacionista, afirmou: “sempre existe a possibi-

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20lidade de provar que uma teoria está errada, mas nós nunca podemos provar que ela está certa”.

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22.Identifique a principal diferença entre o verificacionismo e o falseacionismo.

23.Para o falseacionismo popperiano toda teoria precisa ser altamente falseável. Como você compreende essa afirmação?

24.Descreva uma vantagem e uma crítica ao falseacionismo popperiano, justificando--as.

3.5.2. O FALSEACIONISMO SOFISTICADO DE IMRE LAKATOS: PROGRAMAS DE PESQUISA

Na visão de Lakatos (1999), as “proposições de observação” admitidas por Popper (1993; 1994) são altamente dependentes da teoria e são falíveis. Isto tem sido mostrado através dos registros da História da Ciência. Fatos his-tóricos têm mostrado que determinadas pro-posições de observação não consistentes com a teoria à época não foram desprezadas to-talmente e assim puderam contribuir para o desenvolvimento da ciência. Justificando a sua crítica, ele afirma que a necessidade que a ci-ência tem de continuar crescendo, exige, para tal, um programa de pesquisa. Esta postura ficou conhecida no meio filosófico como Fal-seacionismo Sofisticado.

Segundo Lakatos (1999), esta posição consiste em organizar uma estrutura capaz de orientar um programa de pesquisa capaz de dar sus-tentação a uma teoria com o propósito de que não seja radicalmente refutada. O desenvolvi-mento do conhecimento científico deve ocor-rer em termos de mudanças, obedecendo a um rigoroso programa de pesquisa. Para Lakatos, um programa de pesquisa constitui-se numa estrutura capaz de orientar uma pesquisa fu-tura, tendo como sua principal característica a identificação clara do seu núcleo rígido. Este se constitui num conjunto de hipóteses, com

características gerais, com o objetivo de dar a sustentação necessária para que um programa de pesquisa se desenvolva. Faz-se necessário, também, um cinturão protetor, que se consti-tui num conjunto de hipóteses auxiliares com o objetivo de oferecer as condições iniciais para o programa de pesquisa, mas com o objetivo principal de proteger o núcleo rígido, poden-do, para tal, ser constantemente modificado. Este processo pode se dar através de uma heu-rística positiva e uma heurística negativa.

De um lado, a heurística positiva constitui-se num conjunto de sugestões que devem orien-tar as modificações a serem realizadas no cin-turão de proteção do programa de pesquisa. Considerando que as anomalias podem apa-recer em grande número, a heurística positiva servirá para orientar os cientistas a não se con-fundirem. De outro lado, a heurística negativa constitui-se numa forma de proteger o núcleo rígido de ser falseado, o que poderá ocorrer com algumas hipóteses auxiliares do cinturão de proteção. Ainda, segundo Lakatos (1999), um programa de pesquisa envolve determina-das regras que devem avaliar tais programas. Por exemplo, um programa é progressivo, do ponto de vista teórico, quando as modifica-ções no cinturão protetor levam a novas pre-dições e, do ponto de vista empírico, se algu-mas destas predições forem corroboradas. O cinturão protetor poderá sempre ser subme-tido a um ou mais ajustes “ad-hoc” no senti-do de explicar qualquer anomalia que venha a ocorrer no programa de pesquisa. O programa de pesquisa contribuirá para o progresso da ciência, desde que possa prever fatos novos, e que estes sejam corroborados pelos respec-tivos processos de validação (LAKATOS, 1999; CHALMERS, 1993; SILVEIRA, 1996).

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25.Escreva um resumo das principais etapas de um programa de pesquisa na visão de Lakatos.

26.Faça um comentário comparativo entre a concepção falseacionista de Popper e a de Lakatos.

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27.Descreva uma vantagem e uma crítica à visão falseacionista de Lakatos.

3.6. o rEalIsMo

Outra questão filosófica importante, além da-quela referente à origem do conhecimento, já discutida anteriormente, é a problemática da relação entre as afirmações da ciência e a realidade. Neste sentido, trataremos de duas concepções epistemológicas antagônicas: o Realismo e o Idealismo.

3.6.1. O REALISMO INGÊNUO

O Realismo é a concepção epistemológica que prega que a existência da realidade como algo independe da nossa consciência, ou seja, a rea-lidade existe independentemente de ser perce-bida por nós. Como este pensamento é muito abrangente, várias matizes podem ser desta-cadas dentro da concepção realista. Optare-mos por, apenas, duas dentre elas. O Realismo Ingênuo ou Realismo Científico prega que as afirmações da ciência são representações de como a realidade de fato é (HESSEN, 1987; MEDEIROS, 1993; CHALMERS, 1993; BEZER-RA FILHO, 1997). Para o realismo ingênuo, as coisas, os objetos são, exatamente, como nós os conseguimos ver, ou seja, as afirmações da ciência são expressões da verdade. Nesta pos-tura, do Realismo Ingênuo, na relação sujeito-objeto, o sujeito é regido pelo objeto, ou seja, a realidade é algo externa à mente humana. Esta primazia do objeto sobre o sujeito cog-noscente implica que o Realismo Ingênuo car-rega, dentro de si, a marca clara do que pode-mos denominar de objetivismo. Há, porém, de ser destacado que tal alerta ao objetivismo não implica na negação da existência de uma rea-lidade objetiva, de uma objetividade. O traço marcante do objetivismo, contido no realismo ingênuo, é sustentar não apenas a existência de uma realidade objetiva mas, a primazia do objeto sobre o sujeito.

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28.Quais as principais características do re-alismo ingênuo? Justifique a sua resposta.

29.Faça uma crítica, devidamente funda-mentada, ao realismo ingênuo.

3.6.2. O REALISMO CRÍTICO

O Realismo Crítico é a concepção epistemoló-gica que defende que as afirmações da ciência são construções da mente humana (EINSTEIN; INFELD, s.d.). Tais construções podem ser vis-tas como possuindo um caráter metafórico e, portanto, tendo também um elemento subje-tivo. Como afirma Hessen (1987, p. 95): “é, no entanto, necessário supor nas coisas cer-tos elementos objetivos e causais para expli-car o aparecimento destas qualidades”. Deste modo, embora tais construções surjam através de processos subjetivos, elas são concepções causadas por processos objetivos e, portanto, reais. O conhecimento construído por estes meios não é um conhecimento acabado, de-finitivo. Em outras palavras, a verdade, para o “realista crítico”, não é absoluta, mas, um mo-delo, ou de forma mais precisa, uma metáfo-ra que carrega semelhanças e diferenças com esta realidade. Esse conhecimento é, portanto, provisório e, conseqüentemente, mutável. Por outro lado, a posição do realismo crítico tem, também, sido sustentada mediante a assertiva de que a teoria surge como idealização men-tal, enquanto que o experimento é compreen-dido como uma tentativa de objetificação des-tas idealizações teóricas (MATTHEWS, 1995).

Podemos, por exemplo, dentro de tal quadro, comparar a postura de Einstein, com a posição do Realismo Crítico, quando afirma que:

“Os conceitos da Física são criações do espírito humano, e não, como possam parecer, coisas de-terminadas pelo mundo externo. No nosso esfor-ço para compreender a realidade a nossa posição lembra a de um homem que procura adivinhar o mecanismo de um relógio fechado. Esse homem vê o mostrador e os ponteiros, ouve o tique-taque, mas não tem meios de abrir a caixa que esconde o maquinismo. Se é um homem enge-nhoso, pode fazer idéia do maquinismo respon-sável por tudo o que observa exteriormente, mas poderá nunca ter a certeza de que o maquinismo que imagina seja o único que possa explicar os movimentos exteriores.

Não poderá nunca comparar a idéia que forma do mecanismo interno com a realidade desse mecanismo – nem sequer imaginar a possibili-dade ou a significação de tal comparação. Mas

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22realmente crê, à medida que o seu conhecimento cresce, a sua representação da realidade se torna mais e mais simples, e explicativa de mais e mais coisas. E pode ainda crer na existência de limi-tes para o conhecimento, e admitir que o espírito humano se aproxima desses limites. Esse extremo ideal será a verdade objetiva” (EINSTEIN; INFELD, s.d., p. 37).

Einstein vê, portanto, a observação como um processo teoricamente carregado e que as leis e teorias capazes de constituírem o conhecimen-to científico surgem como produto da criação da mente humana de uma forma metafórica. Essas criações são modelos teóricos (ou metá-foras) que expressam as afirmações da ciência sobre a realidade, sem, portanto, pretender ser tal realidade. A posição de Einstein distancia-se da postura do Realismo Ingênuo, uma vez que não pretende descrever a realidade como realmente ela é e sim criar modelos mentais, ou mais precisamente, metáforas que mais se aproximem dessa realidade. Enquanto isso se distancia, também, da posição do Idealismo, porque não vê a realidade como uma criação da mente humana. Para Einstein, a realidade objetiva existe como um limite a ser persegui-do.

Em outros termos, a posição do Realismo Ingê-nuo, em relação à construção do conhecimen-to, prega que esta construção se dá a partir de uma realidade objetiva, existente indepen-dentemente da vontade humana, que está em algum lugar para ser descoberta e ser inves-tigada. A construção do conhecimento, nesta visão, dá-se a partir das afirmações da ciên-cia no sentido de torná-las representações de como a realidade é de fato. O conhecimento é algo externo à mente humana. Não é algo imaginado, uma vez que tudo o que se pode afirmar a respeito da realidade é, de fato, o que ela representa.

Dizer que a ciência é uma construção meta-fórica significa que as afirmações da ciência é que são, de fato, construções da mente hu-mana sobre a realidade. As afirmações da ci-ência são modelos teóricos provisórios que, com as suas diferenças descritivas, tendem a aproximar-se da realidade. Estas idéias cons-truídas pela mente humana são denominadas de metáforas. A postura filosófica que prega esta forma de pensamento é o anti-realismo

ingênuo ou Realismo Crítico. Uma das carac-terísticas desta postura filosófica, o Realismo Crítico, é considerar a teoria como uma ide-alização, ou seja, a teoria é vista como uma criação da própria mente. Então, parafrase-ando Fernando Pessoa, citado por Medeiros e Bezerra Filho (2000), podemos afirmar que a realidade não é uma criação da nossa mente, mas o que dizemos a respeito dessa realidade é uma criação da nossa mente.

As idealizações descritas por Matthews (1995) e que foram mencionadas por Galileu têm o significado de representar objetos idealizados e manipulá-los matematicamente. Estes objetos idealizados vão significar os modelos teóricos construídos pela mente humana a respeito da realidade. Os objetos teóricos das idealizações não são iguais aos objetos do mundo real, sob a pena de perder-se o controle da representa-ção matemática dessas idealizações. Tais mo-delos, de como a ciência vê a realidade, são também metafóricos e, portanto, são criações da mente humana com o objetivo de represen-tar ou mesmo de aproximar-se do objeto real ao contrário do que prega o Idealismo.

atIVIdadEPARA PENSAR UM POUCO

30.Identifique a principal diferença entre as posturas do realismo ingênuo e do realis-mo crítico e comente-a.

31.Faça uma descrição crítica em relação à citação de Einstein e Infeld inserida no tex-to acima.

3.7. o IdEalIsMo

Uma postura mais audaciosa que a do Realis-mo, em qualquer de suas variações, é manti-da pelo Idealismo. Essa postura, o Idealismo, sustenta que a realidade é, em si, uma cons-trução da própria mente humana. Entre essas duas posições antagônicas, há uma diferença fundamental: para o Realismo Crítico as afir-mações da ciência são criações da mente hu-mana sobre a realidade objetiva preexistente, enquanto para o Idealismo tal realidade ob-jetiva inexiste, sendo a própria realidade uma

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23criação da nossa mente, o que nos parece fu-gir das pretensões das ciências naturais, mais propriamente.

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32.Identifique uma característica que dife-rencie claramente a concepção denomi-nada realismo da concepção denominada idealismo.

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Introdução à FIlosoFIa da CIênCIa

4. outras ConCEPçÕEs dE CIênCIasUma concepção de ciência parece ser, na ver-dade, um estado de espírito. Parece depender da forma como para que e para quem se cons-trói a ciência e, até mesmo, por quem a ci-ência é construída. Na tentativa de responder a questionamentos como estes vários pensa-dores puderam externar as suas visões e con-cepções como os já acima mencionados bem como outros igualmente importantes para essa compreensão, como Gaston Bachelard, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Boaventura de Sousa Santos, para citar apenas alguns.

4.1. os oBstÁCulos EPIstEMolÓGICos dE Gaston BaCHElard

Algumas concepções admitem que o conheci-mento de senso comum se constitua em uma barreira ao desenvolvimento da ciência. E en-quanto não ocorrer uma ruptura com esse co-nhecimento, o de senso comum, a ciência não conseguirá evoluir, não conseguirá se desen-volver. Outras, vão admitir que o conhecimen-to de senso comum deva evoluir para o conhe-cimento científico, ou seja, não se constitui em nenhuma barreira ao avanço da ciência.

Nesse sentido, Bachelard (1996a; 1996b) de-fende uma concepção possível de ciência que está fundamentada na necessidade que se tem de vencer obstáculos, os obstáculos epis-

prof. Severino José Bezerra Filho I carga horária: 10 horas

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26temológicos. Os conhecimentos prévios que são trazidos pelos estudantes, por exemplo, são sedimentados pela experiência cotidiana e se transformam em obstáculos à aprendi-zagem. Ter aprendizagem significa vencer tais obstáculos e construir um novo conhecimento. Na ciência funciona de forma semelhante. Os primeiros contatos com o conhecimento es-tão associados aos conhecimentos primeiros, ou seja, àqueles que são resultados de meras opiniões, que se caracterizam por representa-rem obstáculos epistemológicos. Dito de outra forma, significa acreditar que o ato de conhe-cer dar-se-á sempre contra um conhecimento anterior mal estabelecido, o qual necessita ser destruído, rompido. Essa concepção caracteri-za o pensamento de Bachelard (1996, p. 18), como podemos perceber a seguir:

“A opinião pensa mal; não pensa: traduz necessi-dades em conhecimentos. Ao designar os objetos pela utilidade, ela impede de conhecê-los. Não se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstáculo a ser superado. Não basta, por exemplo, corrigi-la em determinados pontos, mantendo, como uma espécie de moral provisória, um conhecimento vulgar provisório. O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreendemos, sobre questões que não sabe-mos formular problemas. E, digam o que disse-rem, na vida científica os problemas na se for-mulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento cien-tífico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído”.

Logo, no contexto da relação teoria versus ex-perimento, de acordo com Bachelard, como foi visto, deve haver uma ruptura em relação ao conhecimento de senso comum e não uma mera evolução desde conhecimento para o co-nhecimento científico. Podemos lembrar que o conhecimento advindo de opiniões, está em sintonia com concepções do conhecimento de senso comum. Portanto, diferentemente de Alves (2000), Bachelard (1996) vê no co-nhecimento de senso comum um obstáculo à construção do conhecimento científico. Con-cluindo, podemos afirmar, a partir desse pen-samento, que antes de tudo faz-se necessário derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana. A partir daí, novo conhecimen-to será construído.

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33.Como podemos ver um conhecimento de senso comum à luz do pensamento de Bachelard?

34.Em sua opinião, o que significa um obs-táculo epistemológico segundo Bachelard?

4.2. os ParadIGMas E as rEVoluçÕEs CIEntÍFICas na VIsão dE tHoMas KuHn (1922-1996)

A ciência, segundo os pensamentos modernos, avança através de um processo evolutivo. Dito de outra forma, significa admitir que a ciência não pode mais ser vista como um conhecimen-to acabado, absoluto.

Nesse sentido, Kuhn (1992) defende uma con-cepção de ciência que está fundamentada na adoção do conceito de paradigma, o qual quer significar um modelo ou um padrão aceito pela comunidade científica. Um paradigma recebe credibilidade a partir do quanto ele é aceito. E para se tornar aceito é necessário que se torne mais bem sucedido que os seus competidores na resolução de problemas reconhecidos pela comunidade científica. A sua preocupação em compreender a ciência, iniciou-se a partir do momento que ele descobriu a História da Ci-ência. Na sua visão, a ciência passa por várias etapas.

Inicia com o que denominou de ciência nor-mal, a qual trata da atividade desenvolvida pela maioria dos cientistas. A ciência normal passa a se significar aquela pesquisa firme-mente baseada em uma ou mais realizações científicas já consagradas pelo tempo. Como atividade mais comum entre os cientistas, nos dias mais modernos, Kuhn (1992, p. 24) afir-ma que:

“A ciência normal, atividade na qual a maioria dos cientistas emprega inevitavelmente quase todo seu tempo, é baseada no pressuposto de que a comunidade científica sabe como é o mundo. Grande parte do sucesso do empreendimento deriva da disposição da comunidade para defen-der esse pressuposto – com custos consideráveis,

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27se necessário. Por exemplo, a ciência normal fre-qüentemente suprime novidades fundamentais, porque estas subvertem necessariamente seus compromissos básicos. Não obstante, na medida em que esses compromissos retêm um elemento de arbitrariedade, a própria natureza da pesquisa normal assegura que a novidade não será supri-mida por muito tempo”.

Quando a ciência normal não consegue mais explicar e justificar os fenômenos que imagi-nava dominar, as anomalias começam a sub-verter a tradição existente fundamentada na prática científica. Nesse momento, surge outra etapa que caracteriza as investigações extraor-dinárias, as quais sinalizam no sentido de um novo conjunto de compromissos e, como con-seqüência, a uma nova base para a prática da ciência. Essa nova etapa, ou seja, os episódios extraordinários passam a constituir as denomi-nadas revoluções científicas. Por exemplo, até meados do século XIX, ainda havia predomi-nância da teoria criacionista (ciência normal), a qual passou a não ter mais respostas para algumas situações ou fenômenos, o que pro-vocou a busca de novas explicações, gerando as investigações extraordinárias. Em 1859, Charles Darwin (1809-1882) publicou o livro intitulado “Origem das Espécies” (DARWIN, 2000; ROSE, 2000; DAWKINS, 2001; GOULD, 2001; BIZZO, 2002; KEYNES, 2004; ZIMMER, 2004), defendendo a sua teoria evolucionista. Começava, nesse momento, uma revolução científica. Com o passar dos anos, essa teoria, a evolucionista, passou a conquistar a crença de uma grande quantidade de cientistas, tor-nando-se um paradigma.

Portanto, conforme as idéias de Kuhn (1992), a ciência passa por fase denominada “ciência normal”, homogênea, onde o conhecimento científico é cumulativo. Nessa fase, as ações teóricas e experimentais são regidas por regras ou princípios do paradigma vigente. As leis, princípios e teorias estabelecidas não podem contradizer estes princípios ou regras. Nos la-boratórios, por exemplo, essas ações estão di-retamente ligadas aos manuais e protocolos, que são seguidos por professores, pesquisa-dores e, consequentemente, pelos alunos, em formação. Tais manuais são seguidos rigorosa-mente sem serem questionados.

Ao término de certo período de exploração intensa das possibilidades e aberturas propor-cionadas pelas teorias e práticas experimentais delimitadas pelos princípios, regras e protoco-los do paradigma vigente, surgem as denomi-nadas anomalias, que são os resultados experi-mentais não assimilados pela teoria. A fase de prática intensiva e homogênea da ciência nor-mal sob a égide de um paradigma é sucedida por outra, momento em que cresce o número de anomalias não absorvidas e não resolvidas pela ciência normal. Essa situação acaba se transformando numa crise, que desencadeia as investigações extraordinárias, as quais ge-ram teorias que começam a disputar lugar en-tre si. Aquela que se sobressair, que ganhar a aceitação da comunidade científica, marcará o momento denominado de revolução científica, que demarcará, também, o surgimento de um novo paradigma.

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35.Identifique e descreva as etapas de como a ciência se desenvolve conforme o pensa-mento de Thomas Kuhn.

36.O que significa uma revolução científica segundo o pensamento de Thomas Kuhn?

37.Como você pode explicar o momento em que surgem as investigações extraordiná-rias segundo as idéias de Thomas Kuhn?

4.3. o anarQuIsMo EPIstEMolÓGICo dE Paul FEYEraBEnd (1924-1994)

Uma outra forma de ver o progresso da ciên-cia é se fundamentar em um princípio o qual admite que a única forma de não inibir o pro-gresso é o tudo vale. Esse modo de pensar com um tom de certo anarquismo epistemológico foi defendido por Feyerabend (1989, p. 67), como se pode ver no seguinte trecho:

“O cientista interessado em conseguir o máxi-mo conteúdo empírico, desejando compreender tantos aspectos de sua teoria quantos possível, adotará metodologia pluralista, comparará as te-orias com outras teorias e não com ‘experiências’,

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28‘dados’ ou ‘fatos’e tentará antes aperfeiçoar do que afastar concepções que aparentemente não resistem à competição”.

A sua proposta pluralista de métodos parece ir de encontro às idéias defendidas por René Descartes (1596-1650), quando escreveu o seu livro “Discurso do Método” (DESCARTES, 2006). Ele defende que o progresso da ciência se deve ao fato de, historicamente, abando-nar-se qualquer metodologia rígida. Na sua visão, o próprio Galileu, já havia adotado essa forma de pensar.

Por outro lado, Feyerabend (1989) passa a de-fender que o aprendizado da ciência, não se desenvolve no sentido da observação para a teoria, mas a partir dos dois elementos inter-relacionados. Isso não significa dizer que a dis-tinção entre observação e teoria não continue a ser sustentada por quase todos os filósofos da ciência.

Portanto, o que faz as idéias de Feyerabend (1989) uma forma de anarquismo epistemo-lógico é o fato de rechaçar, quase sem limi-te, qualquer critério de cientificidade ou de demarcação entre o que é daquilo que não é ciência. Essa descrença na existência de uma racionalidade tipicamente científica, se fun-damenta na rejeição de teorias e princípios acreditados por muito tempo como verdades absolutas fundada por Francis Bacon (1561-1626). Trata-se de rejeitar a formulação de um critério de cientificidade e de demarcação do que é daquilo que não é ciência repelindo as bases de sustentação dos critérios até hoje propostos e aceitos (TERRA, 2002).

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38.Faça uma descrição do que seria um pro-fessor anarquistaepistemológico em uma ação pedagógica na sala de aula, justifi-cando as suas conclusões.

39.Faça uma pesquisa sobre os livros “O discurso do método” de René Descartes e “Contra o método” de Paul Feyerabend. Escreva a sua opinião após compará-los.

5. a FIlosoFIa da CIênCIa E o sEu IMPaCto no EnsIno das CIênCIasAs ciências têm sido ensinadas a partir de vi-sões que estão diretamente ligadas à formação dos respectivos professores. Aqueles que du-rante a sua formação tiveram a oportunidade de lidar com a Filosofia e História da Ciência, certamente, estão em linha com as concep-ções epistemológicas consideradas mais mo-dernas. Aqueles que não tiveram tal oportuni-dade tendem a desenvolver ações pedagógicas que estão sintonizadas com concepções mais tradicionais. Nos congressos, simpósios e en-contros, sempre há trabalhos apresentados que apontam para essa tendência (MEDEIROS, 1993; BEZERRA FILHO, 1997; MEDEIROS; ME-DEIROS; BEZERRA FILHO, 2000).

A tecnologia de ponta, advinda dos progres-sos da Cibernética, da Física, da Química, da Biologia, dentre outras, tem permitido o de-senvolvimento de áreas como a nanotecnolo-gia, os bioprocessos, a mecatrônica e outras. A ciência tem contribuído de formar impres-cindível para todos esses avanços. Logo, com-preender os avanços da ciência da melhor for-ma possível é interesse de toda a comunidade científica, desde que pautada na ética e com claras intenções sociais. Nesse sentido, Sousa Santos (1986, p.12) afirma que a “uma revo-lução científica numa sociedade ela própria re-volucionada pela ciência, o paradigma a emer-gir dela não pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente)”. Por isso, o ensino das ciências necessita está comprometido com princípios filosóficos, que certamente acenarão, inclusive, o estado de espírito que se encontra o cientista, como lem-bra Bachelard (1996a; 1996b).

6. ConClusãoA tentativa de uma introdução à Filosofia da Ciência teve o objetivo de contribuir de for-ma crítica na formação do futuro profissional

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29das ciências biológicas, com foco na relação teoria versus experimento, considerando que tal relação tem uma importância muito gran-de na formação desse profissional. Também, tivemos a preocupação de destacar as concep-ções epistemológicas que mais se afinam com as ciências biológicas. Objetivo principal foi de refletir criticamente sobre a relação teoria ver-sus experimento a partir dos fundamentos da Filosofia da Ciência. Outro foco que poderia ter sido considerado teria sido o da História da Ciência, mas essa abordagem ficou fora do es-copo deste texto.

Esperamos, dessa maneira, ter contribuído para uma reflexão crítica e ética na certeza de ter favorecido o público alvo com uma visão plural sobre a natureza da ciência. Qualquer aprofundamento sobre o tema ficará por con-ta de leituras complementares e as discussões nos fóruns on-line que certamente serão de-sencadeadas.

rEFErênCIa BIBlIoGrÁFICaFONTES COMPLEMENTARES PARA CONSULTAS

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