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Qualidade Uni-FMU Curso de Direito “O novo conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo” Elcio Fragasse RA 455.826-6 Turma 315-D 1 Fone: 6231-2565 São Paulo 2004

“O novo conceito de infrações penais de menor potencial ...arquivo.fmu.br/prodisc/direito/ef.pdf · À minha mãe Iracema, aos meus irmãos Elizabete (e sua gravidez), Hélio,

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Qualidade

Uni-FMU

Curso de Direito

“O novo conceito de infrações penais de menor

potencial ofensivo”

Elcio Fragasse

RA 455.826-6

Turma 315-D 1

Fone: 6231-2565

São Paulo

2004

Elcio Fragasse

“O novo conceito de infrações penais de menorpotencial ofensivo”

Monografia apresentada à Banca Exami-

nadora do Centro Universitário das Fa-

culdades Metropolitanas Unidas, como e-

xigência parcial para obtenção do título

de Bacharel em Direito sob a orientação

do Professor Marco Polo Levorin.

São Paulo

2004

BANCA EXAMINADORA

Orientador:____________________________.

Argüidor :____________________________.

Argüidor :____________________________.

À memória de meu pai, Octaviano Fragasse, que está

próximo de Deus.

À minha mãe Iracema, aos meus irmãos Elizabete (e

sua gravidez), Hélio, e Eliane. Ao meu sobrinho

Filipe que vejo crescer.

Aos meus queridos amigos Iano, Adriano e Drica.

Aos irmãos Reid.

Agradeço ao Dr. Carlos Eduardo P. Mercier, pessoa

que me incentivou aos estudos, com a qual tive o

prazer de conviver por algum tempo.

Ao professor Marco Polo Levorin, pela sua gentileza e

atenção, quando solicitei que me orientasse nesse

singelo trabalho.

SINOPSE:

Mutatis mutandis, o conceito atual de infrações penais de menor

potencial ofensivo abrange: todas as contravenções penais (independente da

pena cominada) e os crimes (ou delitos) punidos com até dois anos (em regra,

sujeitos ou não a procedimento especial), pois o art. 61 da Lei nº 9.099/95, que

cominava a estas infrações pena de até um ano, com ressalva aos

procedimentos especiais, foi derrogado em parte pelo parágrafo único do art.

2º da Lei nº 10.259/01. Assertiva com fundamento nos princípios da

igualdade, proporcionalidade, e outros fatores como, v. g., analogia in bonam

partem.

SUMÁRIOABREVIATURAS........................................................................................ 01

INTRODUÇÃO............................................................................................ 02

CAPÍTULO 1................................................................................................ 03

1.1. A necessidade de desburocratização da Justiça.................................... 03

1.2. Antecedentes da Lei nº 9.099/95........................................................... 8

1.3. Origem da Lei nº 9.099/95.................................................................. 14

CAPÍTULO 2............................................................................................... 16

2.1. Crime, delito e contravenção............................................................. 16

2.2. Infrações penais de menor potencial ofensivo................................... 20

2.2.1. Princípio da insignificância (ou bagatela).......................................... 23

2.2.2. Concurso de crimes............................................................................ 27

2.2.3. Infrações tentadas e consumadas....................................................... 36

2.2.4. Crimes qualificados, causas de aumento de pena, atenuantes e agravan-

tes genéricas................................................................................................. 37

CAPÍTULO 3............................................................................................... 40

3.1. Lei nº 10.259, de 12-7-2001............................................................... 40

3.2. O novo conceito de infrações penais de menor potencial ofensivo.... 43

3.2.1. Efeitos originados pelo novo conceito................................................ 53

3.2.2. O motivo da pena de até dois anos...................................................... 57

CONCLUSÃO............................................................................................. 63

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................... 66

“Tudo fluiu”.

Heráclito de Éfeso

1

ABREVIATURAS

CF: Constituição Federal

cf. : confrontar

CP: Código Penal

CPP: Código de Processo Penal

CTB: Código de Trânsito Brasileiro

DJU: Diário de Justiça da União

HC: Habeas Corpus

i. e.: id est

LCP: Lei das Contravenções Penais

LICC: Lei de Introdução ao Código Civil

MP: Ministério Público

RJDTRACRIM: Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada

Criminal do Estado de São Paulo

RT: Revista dos Tribunais

STF: Supremo Tribunal Federal

STJ: Superior Tribunal de Justiça

ss.: seguintes

v.: vide

v. g.: verbi gratia

v. u.: votação unânime

2

INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Lei nº 10.259/01, que institui os Juizados

Especiais Cíveis e Criminais no âmbito federal, surgiu uma controvérsia em

virtude do parágrafo único do art. 2º desse diploma, porquanto o conceito de

infração penal de menor potencial ofensivo foi ampliado, e esse dispositivo

determina que a sua aplicabilidade incida somente nos Juizados Federais. Esse

é o ponto nevrálgico.

No capítulo primeiro nos preocupamos em dissertar acerca da

necessidade de uma resposta mais rápida, do Estado, a pequena marginali-

dade. Em seguida analisamos o surgimento da Lei nº 9.099/99 que institui os

Juizados Especiais (cíveis e criminais) nos Estados e Distrito Federal, que

foram previstos na CF (art. 98, I), e, que possuem, nos dias de hoje, plena

aplicabilidade nos Juizados Federais (na verdade é a sua a espinha dorsal).

No capítulo segundo, analisamos o conceito de infração de menor

potencial de acordo com o art. 61 da Lei nº 9.099/95 (pena de até um ano,

exceto os delitos afetos a procedimento especial), e comentamos algumas

questões a ele (art. 61) relacionado, v. g., diferenciação das infrações de baixa

lesividade dos delitos de bagatela, o problema (de somatória de penas) no

concurso de crimes etc.

Por fim, no capítulo terceiro, nos debruçamos sobre o impedimento

legal, especificado no início destas linhas introdutórias, i. e., aplicabilidade do

novo conceito de infração somente nos Juizados Federais, e vimos surgir,

vários fundamentos em sentido contrário.

3

CAPÍTULO 1

1.1 . A NECESSIDADE DE DESBUROCRATIZAÇÃO DA JUSTIÇA

O legislador constituinte de 1988, atento ao fato do grande número de

infrações penais de menor gravidade, consideradas prescritas na época da

prolação da sentença, i. e., atingidas pela pretensão da prescrição punitiva, ou

pelo episódio da dificuldade de se produzir provas, culminando na impunidade

do agente, além da necessidade da aplicação de um Direito Penal mínimo (de

mínima interferência), concluiu por uma resposta mais rápida e condizente,

tendo em mira essas infrações de menor potencial, cometida pela pequena

marginalidade.

Dessa forma, cumpre analisar de forma sucinta, cada um desses fatores.

- Prescrição da pretensão punitiva:

Prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do

tempo, tendo em vista a pretensão de penalizar que deve ser exercida dentro

de um determinado lapso temporal, que varia de acordo com o delito e o

máximo da pena privativa de liberdade cominada em abstrato. A prescrição da

pretensão punitiva (p.p.p.), ocorre sempre antes do trânsito em julgado da

sentença, extinguindo-se todos os efeitos, como se o crime nunca tivesse

ocorrido, ou, existido sentença condenatória, é “chamada impropriamente de

prescrição da ação penal”.¹ O dies a quo (referente à contagem) é da

consumação do delito (CP, art. 111). A p.p.p. se sujeita à interrupção,

________1. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, p. 401.

4

(conta-se novamente o prazo), v. g., “recebimento da denúncia ou queixa”

(CP, art. 117, I), e suspensão (suspende a contagem, soma-se o restante), v.g.,

“enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro” (CP, art. 116, II).

- Dificuldade de se fazer prova:

Tendo em vista que as infrações penais de menor potencial prescrevem

comumente, em um curto espaço de tempo, v. g., o delito de violação de

correspondência (CP, art. 151) tem a pena máxima em abstrato de 6 (seis)

meses, prescrevendo em dois anos, portanto,¹ aliado aos parcos recursos dos

poderes públicos (Administração, Judiciário), o que ocorria freqüentemente,

em virtude do acúmulo de serviços e escassos recursos, como se disse, era a

dificuldade de se fazer prova, ocasionando quase sempre na impunidade do

agente pelos motivos elencados em alguns dos incisos do art. 386 do CPP,

i. e., “não haver prova da existência do fato” (inc. II), “não existir prova de ter

o réu concorrido para a infração penal” (inc. IV), e, “não existir prova

suficiente para a condenação” (inc. VI).

________1. O art. 109 do CP, dispõe sobre os prazos da pretensão da prescrição punitiva, verbis:

I – em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze);

II – em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a

12 (doze);

III – em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8

(oito);

IV – em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4

(quatro);

V – em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano, ou, sendo o superior não

excede a 2 (dois);

VI – em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

5

- Direito penal mínimo:

O Direito penal mínimo é caracterizado pelo “princípio da intervenção

mínima”, que possui dois aspectos, são eles:

. fragmentariedade

Tem dois significados: “(a) somente os bens mais relevantes devem

merecer a tutela penal; e (b) exclusivamente os ataques mais intoleráveis é que

devem ser punidos penalmente”.¹ É dizer, como os bens podem ser protegidos

por outros ramos do Direito (civil, administrativo etc.) “a tutela penal deve ser

reservada para aquilo que efetivamente perturba o convívio social”.²

. subsidiariedade

O Direito penal só deve atuar, quando os outros ramos do Direito não

dão um desfecho satisfatório ao conflito. Nesse aspecto há entendimento

jurisprudencial firmado, no sentido de não existir o delito de desobediência

(CP, art. 330) quando há previsão de uma sanção administrativa para a

conduta, assim, depreende-se que o Direito Penal deve intervir sempre de

forma subsidiária.

- Pequena marginalidade:

Nesse contexto, pequena marginalidade (de escassa repercussão social)

tem o sentido oposto ao de criminalidade em massa, ou seja, àquela de grande

porte que assola os grandes centros urbanos, avocando, por conseguinte,

crimes mais graves como roubos, homicídios etc.

________1. Luiz Flávio Gomes, Direito Penal – parte geral – introdução, v. 1, p. 109-110.

2. Ibidem, mesmas páginas .

6

Um outro fator que pode ser aventado como alerta ao constituinte, sem

dúvida alguma, é o encarceramento. Segundo Fernando da Costa Tourinho

Filho, existia cerca de 110 mil presos para ocupar pouco menos de 60 mil ce-

las (antes da atual CF), algo desproporcional.¹

É cediço que o cárcere é um local degradante para o ser humano. Vícios

de ordem diversa são adquiridos e disseminados, afetando de forma mais

abrangente quem é preso pela primeira vez, e nunca teve contato com esse

universo particular que é uma prisão. Não é o caso de se pleitear uma colônia

de férias para o detento, ou algo assemelhado. Não. Contudo, do jeito que

estava e está, o único ângulo possível de se ver é o descaso do Estado, que não

dá a mínima importância para essas pessoas, que vivem literalmente em

verdadeiras pocilgas. Conquanto não exista outra saída para os delinqüentes

de maior periculosidade (assaltantes, homicidas, por exemplo) a não ser a sua

retirada do convívio social, para o aludido confinamento.

Tendo em vista os fatores acima referidos (prescrição da pretensão pu-

nitiva etc.) tornava-se imperiosa uma resposta mais rápida às infrações de me-

nor potencial (itens 2.2. e 3.2.). O Poder Judiciário, o Ministério Publico e a

Polícia Judiciária, estavam abarrotados de ocorrências desse tipo, causando in-

variavelmente morosidade no andamento de feitos de maior relevância,

v. g., infrações com maior vulto. Alguns diplomas serviram de inspiração

ao legislador para a confecção da Lei nº 9.099/95, que possui como objeto o

processamento e julgamento de infrações de menor potencial (tema de nosso

estudo).

________1. Comentários a Lei dos Juizados Especiais Criminais, p. 1.

7

No Brasil, foi promulgada a Lei nº 7.244, de 7-11-1984, que institui os

Juizados de Pequenas Causas, e, em razão dos critérios adotados (oralidade,

informalidade, economia processual e celeridade) ¹ houve a colheita de bons

frutos no processamento e julgamento das causas cíveis de menor com-

plexidade. Tinha como base, o valor de até 20 salários mínimos para fixar sua

competência. Por outro lado, podemos citar como fonte de inspiração (para a

criação dos Juizados Especiais) o acordo entre as partes, introduzida na le-

gislação italiana pela Lei nº 689, de 24-11-1981,² e do processo sumaríssimo

do Direito luso.

Conclui-se pela distinção e preocupação com as infrações de menor

potencial das outras de maior lesividade, v. g., existe um abismo entre uma

lesão corporal leve (CP, art. 129, caput) e um homicídio (CP, art. 121, caput).

Para as primeiras, forçosa uma resposta mais breve, tendo em vista o seu

baixo teor ofensivo e o interesse do Estado em reprimi-las, pois se assim não

fosse, simplesmente as aboliria do sistema jurídico-penal, o que não é o caso.

Nessa linha, cumpre consignar pela distinção entre infração de menor

potencial com crimes de bagatela, abrangidos pelo princípio da insignificância

(item 2.2.1.), pois nestas a lesão ao bem jurídico tutelado é tão ínfimo, que

pode desaguar na absolvição do imputado pelo simples fato daquela conduta

________1. A oralidade consiste em limitar a documentação ao mínimo possível; informalidade

imprime ao processo um ritmo sem formalidades inúteis; economia processual busca a

finalidade do ato processual pela forma mais simples possível; celeridade imprime rapidez.

2. O imputado, nesse caso, peticionava ao representante do Ministério Público, e este

expressava o seu parecer. Havendo consenso entre as partes, extinguia-se a ação penal

pública incondicionada. Esse instituto foi denominado de remissione della querela. É o

que preceitua o douto Fernando da Costa Tourinho Filho, op. cit., p. 2.

8

não constituir crime (CPP, art. 386, III).

1. 2. ANTECEDENTES DA LEI nº 9.099/95

Dispõe o art. 98, inc. I, da CF, verbis:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados

criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,

competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas

cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial

ofensivo, mediante procedimento oral e sumaríssimo, permitidos, nas

hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de juízes de

primeiro grau” (grifamos).

Atento aos elementos referidos (item 1.1.) que norteiam a preocupação

comum com as infrações de pouca monta, o constituinte inseriu este art. na

Lei Maior com amplos contornos, peculiar a esse tipo de texto que exala co-

mandos gerais. No caso em apreço, segundo a melhor doutrina,¹ estamos

diante de uma norma constitucional não executável incompleta, i. e.,

aquela que não é passível de uma aplicação imediata dependendo de outra

regra ulterior que a complemente, além de não apresentar sentido suficiente

quanto à hipótese ou definição, como “normas que criam institutos

processuais, mas não esclarece qual o procedimento aplicável”.²

________1. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 12-13.

2. Ibidem, mesmas páginas.

9

Nesse sentido, é de se ressaltar que apesar do Texto Maior datar de

1988, o constituinte com o passar dos anos, não definiu o que seria

procedimento sumaríssimo, transação e tampouco infrações penais de menor

potencial ofensivo.¹

Ainda, no que se refere a este artigo, é fácil perceber que possui duas

partes distintas, a primeira diz respeito à competência da União para implantar

juizados especiais no Distrito Federal e Territórios, e dos Estados membros

em suas respectivas áreas. Nesse caso, verifica-se a competência concorrente

da União, Estados e Distrito Federal para “criação, funcionamento e processo

do juizado de pequenas causas” (CF, art. 24, X).

O inc. XI, desse mesmo art. 24, dispõe da mesma forma sobre os

“procedimentos em matéria processual”, ou seja, a União, os Estados e o

Distrito Federal concorrentemente poderão, v. g., estabelecer o número de tes-

munhas que serão ouvidas na audiência de instrução e julgamento, a forma

de realização das intimações, prever os requisitos do termo circunstanciado

etc.² Contudo, quando houver competência concorrente sobre certas matérias

(como as que foram suscitadas logo acima, por exemplo) a “União limitar-se-á

a estabelecer regras gerais” (CF, art. 24, § 1º). Com base nessa disposição,

ensina Damásio E. de Jesus, verbis:

“Dessa maneira, conclui-se que os Juizados Especiais serão

criados e providos por lei federal no Distrito Federal, e, mediante lei

________1. Cf. Fernando da Costa Tourinho Filho, op. cit., p. 7.

2. Nesse sentido: Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, p. 28.

10

estadual, nos Estados Membros, cabe a lei federal dispor sobre regras

gerais a respeito do funcionamento e do processo, ficando os Estados e

o Distrito Federal com a parte de suplementação de acordo com as

características de cada unidade local” (sublinhamos).¹

Na segunda parte do art. 98, I, da CF, há previsão da transação, e do

julgamento de recursos por parte de juízes de primeiro grau.

Quanto à transação (instituto de direito material) se depreende que

somente a lei ordinária pode dispor a respeito, porquanto a matéria em questão

é de direito penal, assim, privativa da União (CF, art. 22, I).

No que diz respeito ao julgamento de recursos por juízes de primeiro

grau, pode persistir alguma dúvida, pois envolve questão processual.² Como se

disse, nesse aspecto há o envolvimento de direito adjetivo suplementar,

diverso do art. 22, I, da CF, que trata do assunto de “modo genérico, não

podendo sobrepor-se aos arts. 98 e 24, que são especiais”.³

A Lei nº 9.099, referente aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi

promulgada em 26-09-1995, com uma vacatio legis de sessenta dias. Entre a

confecção da Carta Magna e o referido diploma, percebe-se um intervalo de

um pouco mais de sete anos. Desta forma algumas unidades federativas,

mesmo não possuindo atribuição para tanto, empreenderam estudos e criaram

________1. Lei dos Juizados Especiais Anotada, p. 2.

2. Nesse sentido: Damásio E. de Jesus, op. cit., p. 3.

3. Ibidem, mesma página.

11

através de leis estaduais os Juizados Especiais Criminais, na seguinte ordem:

I – Mato Grosso do Sul, Lei nº 1.071, de 11-07-1990. No seu art. 69, definiu o

que seriam infrações penais de menor potencial, i. e., “os crimes dolosos

punidos com pena de reclusão até um ano, ou de detenção até dois anos (inc.

I); os crimes culposos (inc. II); as contravenções (inc. III)”.

II – Paraíba, Lei nº 5.466/91. No art. 59, desse diploma definiu infrações

penais de menor potencial nos mesmos moldes do legislador mato grossen-

se.¹

Infração penal é preceito de ordem material, por conseguinte, não

poderia ser definido por lei estadual, a não ser em caso específico,² autorizado

por lei complementar. Com efeito, é necessário para um melhor entendimento,

ainda que de forma singela, um estudo sobre esse instituto de Direito

Constitucional.

De início, cumpre ressaltar que a lei complementar não possui definição

legal na atual Carta. Surge de forma lacônica e obscura. Dispõe o art. 69, da

CF, tão somente, in verbis:

“A leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta”.

________1. Fernando da Costa Tourinho Filho, op. cit., p. 7.

2. A CF é assente com o fato dos Estados-Membros legislarem sobre as matérias

elencadas no art. 22, I, desde que os assuntos sejam específicos e tenham autorização legal.

É o que se depreende com simples leitura do parágrafo único deste artigo.

12

Maioria absoluta é metade mais um. A lei complementar ocupa um

espaço situado entre a Constituição (e suas emendas) e a lei ordinária (e os

atos que tem a mesma força que esta, como a lei delegada). Depreende-se,

portanto, que a lei complementar subordina-se a CF, consecutivamente, as

suas emendas , sujeitando a lei ordinária, a medida provisória e a lei delegada,

a seu comando. Somente nas matérias em que a lei complementar é citada, é

que há possibilidade de sua aplicabilidade, ¹ como se vê no caso em comento.

Conclui-se que se não foi editada nenhuma lei complementar, au-

torizando as unidades de Mato Grosso do Sul e Paraíba no sentido de de-

finirem infrações de pouca monta, esses Estados incorreram em latente

descompasso com a CF, ocasionando a inconstitucionalidade dos seus textos,

chegando (via recursal) ao conhecimento do Pretório Excelso, como não

poderia deixar de ser.

Dada a importância a esse assunto, transcrevemos duas decisões do

Supremo Tribunal Federal. Primeiro, no que diz respeito ao Estado de Mato

Grosso do Sul, em segundo ao da Paraíba, os dois em sede de HC, in verbis:

STF: “ Habeas corpus. Paciente condenado pelo Juizado Especial

Criminal, criado pela Lei nº 1.071, de 11 de julho de 1990, do Estado de

Mato Grosso do Sul. Alegada inconstitucionalidade do referido diploma

Legal, por não haver sido precedido da edição de lei federal prevista no

art. 98, I, da Constituição. Procedência da alegação. Precedente do STF

(HC nº 71.712). Processo criminal que, em conseqüência, padece de

________1. Nesse sentido: Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p. 208-211.

13

nulidade ex radice. Habeas corpus deferido. Inconstitucionalidade de-

clarada dos arts. 1º, 2º, 5º, 91, 95, 110 e 111, na parte em que se refe-

rem a Juizados Especiais Criminais e, na íntegra, dos arts. 66, 69, 70,

71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 86, 87, 88, 89, 90 e 97, todos da

Lei nº 1.071, de 11 de julho de 1990, do Estado de Mato Grosso

do Sul”. (HC 72.930-4, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 15-3-96, p.

7.203, RJDTACRIM 33/501).

STF: “Preliminarmente, o Tribunal, por maioria dos votos, conheceu do

pedido, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso, Néri

da Silveira e Ilmar Galvão, que dele não conheceram e determinaram a

remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado. Votou o Presidente.

No mérito, por unanimidade de votos, o Tribunal deferiu o pedido de

habeas corpus, para anular o processo nos termos do voto do Relator e

declarou a inconstitucionalidade do art. 59 da Lei nº 5.466/91, do

Estado da Paraíba. Votou o Presidente. Plenário 26-10-94”. (HC

71.713, Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU de 4-11-94, p. 29.287).

Como visto, malgrado o pioneirismo dessas unidades federativas (Mato

Grosso do Sul e Paraíba) em relação a promulgação de leis estaduais,

instituindo os Juizados Especiais Criminais, ambos careciam de eficácia ab

initio, ao dispor sobre matérias do art. 22, I, da CF. Como no caso de definir

infrações penais de menor potencial (instituto de ordem material), sem

autorização de lei complementar, causando nulidade.¹

________

1. Nesse sentido: STF HC 71.713-6-PB – DJU de 23-3-2001, p. 85-6.

14

1.3. ORIGEM DA LEI nº 9.099/95

Antes de ter sido introduzida nos Estados-Membros do Mato Grosso do

Sul e Paraíba, por intermédio de lei estadual (item 1.2.), doutrinadores da

lavra de Ada Pellegrini Grinover,¹ magistrados e outros operadores do direito,

encetaram estudos no sentido de ser elaborado um anteprojeto referente aos

Juizados Especiais Criminais. Pronto e acabado, a proposta foi encaminhada

ao Congresso, por conseguinte, apresentado ao Deputado Federal Michel

Temer, e através de seu intermédio, houve a transformação (da proposta) no

projeto de lei nº 1.480-D, do ano de 1989.

O art. 98, I, da CF, delineou que os Juizados Especiais Cíveis seria afeto

às causas de menor complexidade, e os Criminais as infrações penais de

menor potencial ofensivo. Destarte, de maneira lógica, delimitou o alcance de

ambos. Questões mais simples, resoluções de igual jaez. Na verdade, no que

concerne aos Juizados Cíveis, houve apenas uma absorção dos Juizados de

Pequenas Causas que serviu de inspiração para a criação da Lei nº 9.099/95

(item 1.1.).

Cumpre observar que, além do Projeto Temer, alguns outros foram

apresentados ao Congresso, são eles:

- nº 1.129/88, do Deputado Jorge Arbage;

- nº 1.708/89, do Deputado Manoel Moreira;

- nº 2.959/89, do Deputado Daso Coimbra;

________1. Julio Fabbrini Mirabete, op. cit., p. 25.

15

- nº 3.883/89, do Deputado Gonzaga Patriota; e

- nº 3.698/89, do Deputado Nélson Jobim (hoje, ministro do STF).¹

A Comissão de Constituição e Justiça analisou todos esses projetos e

deu parecer favorável ao Projeto Temer que abrangia tão somente os Juizados

Criminais (como se depreende no início desse tópico), bem como o Projeto

Jobim, mais amplo, englobando tanto os Juizados Cíveis, quanto os Cri-

minais.

Tendo em vista o aproveitamento dos dois trabalhos a Comissão

deliberou pela apresentação de um substitutivo, i. e., o Projeto Temer

referente à esfera criminal, e o Projeto Jobim no âmbito cível. O substitutivo

foi encaminhado ao Congresso Nacional, por conseguinte, discutido e

aprovado “inteiramente de acordo com as redações originais”.²

Destarte, com a aquiescência do Congresso, fundiram-se os dois

projetos, culminando na referida Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995,

instalando pontos de consenso, até então inexistentes na seara do direito penal,

e processual penal, v. g., como a transação (art. 76), a suspensão condicional

do processo (art. 89) etc. Institutos que evitam, se preenchidos os requisitos

legais, a instauração de um procedimento incerto, e o encarceramento.

________1. É perceptível o curto espaço de tempo entre a promulgação da CF, por conseguinte,

envio das propostas e sua transformação em projetos de lei. Isso se deve ao anseio, é o que

se faz supor, dos operadores do direito (e da população principalmente) por institutos mais

simples e eficazes como se denota no início destes escritos (item 1.1.).

2. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, p. 1-2.

16

CAPÍTULO 2

2.1. CRIME, DELITO E CONTRAVENÇÃO

Existem dois sistemas de classificação, referente a gravidade das infra-

ções penais, são eles:

- tricotômico (divisão tripartida), abrangendo crime, delito e contravenção; e

- dicotômico (divisão bipartida), incluindo crime e delito como sinônimos, ao

lado da contravenção.¹

O sistema tricotômico é adotado pela França, Alemanha, Bélgica etc., e

o dicotômico é apreciado em nossa legislação e nalgumas outras como no caso

da Itália, Peru, Suíça, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Holanda.

Em princípio, é correto afirmar que não há uma diferença real entre

crime (ou delito) e as contravenções penais, também conhecidas pela alcunha

de crime anão.² A única diferenciação (e é formal) entre crime (ou delito) e

contravenção, resulta da lei, que se refere à espécie de pena aplicável a uma e

a outra. ³

________1. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1., p. 128. 2. Ibidem, mesma página.

3. É o que dispõe o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto Lei nº

3.914/1941) quando determina a aplicabilidade de pena de reclusão ou detenção (e/ou

multa) aos crimes, e prisão simples ou multa, “ou ambas, alternativa e cumulativamente”,

às contravenções penais.

17

É certo dizer que a expressão infração penal alude, sem distinção, tanto

a crime (ou delito) quanto à contravenção, i. e., abrange esses dois

significados.

Com efeito, como não existe uma diferenciação ontológica entre crime

(ou delito) e contravenção penal, nada impede, v. g., que o legislador defina

futuramente uma contravenção como crime “de acordo com a prevenção

social”.¹

Como exemplo, poderíamos citar a infração de porte de arma (de fogo)

(LCP, art. 19) que foi derrogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437, de 20-02-1997,²

i. e., essa contravenção passou (por vontade legislativa) a ser considerado

crime (ou delito), contudo, é de se ressaltar que o art. 19 da Lei de

Contravenções Penais continua em vigor no que tange ao porte de arma

branca.³

Cumpre observar alguns pontos peculiares das contravenções em

relação aos crimes (ou delitos).

- as contravenções penais não admitem a forma tentada, por disposição

expressa da lei (LCP, art. 4º). Os crimes, diferentemente, não aceitam a forma

tentada, tendo em vista a construção doutrinária, i. e., de maneira alguma

________

1. Damásio E. de Jesus, Lei das Contravenções Penais Anotada, p. 4.

2. Atualmente a Lei nº 10.826, de 22-12-2003, denominada “Estatuto do Desarma-

mento”, dispõe sobre o assunto.

3. É o que observa Damásio E. de Jesus em sua obra “Lei das Contravenções Penais

Anotada”, p. 4.

18

poderíamos vislumbrar tentativa em um crime culposo (ausência de dolo, sem

intenção, se não há intenção não há tentativa); preterdoloso (dolo no

antecedente, e culpa no conseqüente); unissubsistentes (de um único ato, em

que não é possível o fracionamento da ação, v. g., uso de documento falso,

CP, art. 304); omissivos puros (implica em não fazer que a lei determina, v. g.,

omissão de socorro, CP, art. 135);¹ e, habituais (atos reiterados que em si

traduzem tão somente um estilo ou modo de vida, contudo, se praticados

reiteradamente podem configurar algum delito, que exigem essa característica

ou habitualidade, v. g., manter por conta própria casa de prostituição, art. 229

do CP).

- a prisão simples (LCP, art. 6º), que é uma espécie de pena privativa de

liberdade (concerne às contravenções) deve ser cumprida em estabe-

lecimento sem rigor penitenciário, ou seção especial de prisão comum em

regime semi-aberto ou aberto. Ademais, é necessário que o contraventor fique

separado dos condenados às penas de reclusão ou detenção (regimes aplicados

aos crimes ou delitos, como se disse acima, neste mesmo tópico). O trabalho é

obrigatório quando a pena é superior a quinze dias.

- as contravenções serão processadas sempre pela Justiça Estadual (residual),

é o que se depreende da leitura do art. 109, IV, da CF. Por exemplo, se um

________

1. Fala-se na doutrina em crimes omissivos impróprios (ou comissivos por omissão),

que em tese, admitiriam a tentativa, como é o caso da mãe que deixa de amamentar o filho

recém-nascido, prevendo o resultado morte. Contudo, o impúbere é salvo ao ser

alimentado. Se não houver a obrigação jurídica de agir para evitar o resultado, não se pode

falar em crimes comissivos omissivos. Nesse sentido: Julio Fabbrini Mirabete, Manual de

Direito Penal, p. 130.

19

Deputado Federal é esbofeteado por um popular, o ocorrido (art. 19 da LCP,

sob a rubrica “vias de fato”) será apreciado pelo Judiciário estadual e não

federal, por se tratar de fato contravencional e não de um crime (ou delito).

- toda ocasião em que houver em um dispositivo penal a palavra crime e não

contravenção, a sua aplicabilidade no que tange a esta, é claro, estará afastada.

Por exemplo, o art. 288 do CP (bando ou quadrilha) se refere à associação de

três ou mais pessoas, “para o fim de cometer crimes”; o delito de calúnia (CP,

art. 138) consiste em “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato

definido como crime”, assim, se o fato atribuído for contravencional, v. g.,

“flagrei Alberto recolhendo apostas do jogo do bicho em frente a sua

residência, na semana passada” o delito não estará configurado, em tese,

subsistirá no lugar da calúnia, a injúria (CP, art. 139); o art. 1º, da Lei nº

8.072/90 (Crimes Hediondos) dispõe sobre a aplicabilidade desse diploma aos

crimes especificados em seu corpo, afastando ab initio as contravenções etc.

Existem outras peculiaridades relativas às contravenções frente aos de-

litos, v. g., como ausência de resultado naturalístico ¹ na maioria delas,² no

entanto, enumeramos apenas alguns aspectos para não distendermos

sobremaneira o assunto, tendo em vista a intenção destes escritos.

________ 1. Nesse sentido: Damásio E. de Jesus, Lei das Contravenções Penais Anotada, p. 6.

2. Como exceção poderíamos citar como exemplo o art. 29 da LCP (desabamento de

construção) definido como: “Provocar o desabamento de construção, ou, por erro na

execução, dar-lhe causa”, trata-se de uma contravenção de perigo abstrato, para que se

configure é necessário efetivamente que se dê o desabamento (efeito naturalístico), sem

perigo concreto de dano (à vida, a incolumidade pública ou ao patrimônio de outrem), caso

contrário, estaríamos diante do crime de “desabamento” (CP, art. 256).

20

2.2. INFRAÇÕES PENAIS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

A norma constitucional (art. 98, I) afirma que os Juizados Especiais Cri-

minais teriam como objeto o julgamento de infrações de pouca monta, assim:

“Para fixar a competência em razão da matéria aos Juizados

Especiais Criminais, a Lei nº 9.099/95 utiliza basicamente, a sanção

abstratamente cominada ao ilícito”.¹

Com efeito, dispõe o art. 61 da Lei nº 9.099/95, in verbis:

“Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os

efeitos dessa Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine

pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuados os casos em que a lei

preveja procedimento especial”.

Em princípio, esse dispositivo que define o que seriam infrações de

pouca monta, enseja duas interpretações:

I – as contravenções penais e os crimes com pena em abstrato superior a um

ano, ou sujeito a procedimento especial, estariam fora da alçada dos Juizados

Especiais Criminais; e

II – somente os crimes com pena em abstrato superior a um ano, ou sujeito a

procedimento especial, estariam fora da órbita dos Juizados Especiais

________1. Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, p. 43.

21

Criminais.

A segunda posição é a melhor,¹ porquanto como visto (item 2.1.), as

infrações penais em nossa legislação divide-se em:

- crimes (ou delitos); e

- contravenções (ou crime anão).

É intrínseco às contravenções, o menor potencial ofensivo. Os crimes,

conquanto não apresentem uma diferença real em relação a elas, foram erigidos

pelo legislador, como infrações mais graves (item 2.1.), tendo em mira as penas

cominadas (reclusão e detenção, em tese, regimes mais severos do que a prisão

simples cominada às contravenções).

Ademais, cumpre especificar que a própria alcunha “crime anão”,

endereçada pela doutrina às contravenções, denota seu baixo teor ofensivo em

relação aos crimes ou delitos.

Assim, todas as contravenções com pena superior a um ano, ² ou sujeitas

________1. Nesse sentido: Fernando da Costa Tourinho Filho, Comentários à Lei dos Juizados

Especiais Criminais, p. 23; Victor Eduardo Rios Gonçalves, Juizados Especiais Criminais –

Doutrina e Jurisprudência Atualizada, p. 3; Nereu José Giacomolli, Juizados Especiais

Criminais, p. 34-35; Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, p. 43.

2. Como é o caso do art. 24 da LCP. Instrumento usual na prática de furto, i. e.,

“fabricar, ceder ou vender gazua ou instrumento empregado usualmente na prática de furto”,

pena de seis meses a dois anos de prisão simples, e multa.

22

a procedimento especial,¹ são infrações de menor potencial ofensivo.

Contudo, Damásio E. de Jesus, raciocina em sentido contrário quando

escreve:

“A contravenção de jogo do bicho, p. ex., que tem rito especial,

dadas as suas características e potencial ofensivo relacionado com outras

infrações penais, não convém que seja processada e julgada pelo Juizado

Especial Criminal. É estranho imaginar-se o Promotor de Justiça fazendo

acordo com um ‘bicheiro’. Além disso, não nos parece que o jogo do

bicho seja de ‘menor potencial ofensivo’, dada a sua natureza de infração

penal organizada”.²

Sem embargos, prevalece o entendimento (e é o melhor) de todas as con-

travenções penais são de menor potencial ofensivo, independente da pena supe-

rior a um ano ou procedimento especial. Nesse sentido já se decidiu, in verbis:

TACRSP. “Todas as contravenções penais, mesmo aquelas sujeitas a

procedimento especial, consideram-se infrações penais de menor

potencial ofensivo para os fins do art. 61 da Lei nº 9.099/95”

(RJDTRACRIM 31/170).

________

1. Julio Fabbrini Mirabete em sua obra “Juizados Especiais Criminais”, p. 43, cita como

exemplo a contravenção do “jogo do bicho” (Decreto Lei nº 6.259/44, arts. 58 a 60) sujeita a

um rito especial (Lei nº 1.058, de 19-12-1951).

2. Lei dos Juizados Especiais Anotada, p. 14.

23

Cumpre consignar que as infrações apenadas somente com multa,

também são de menor potencial.

Para encerrar o assunto. Os crimes com pena superior a um ano ¹ ou

sujeitos a procedimento especial,² não são considerados infrações penais de

menor potencial, tendo-se em vista o que foi discorrido até o momento neste

tópico.

2.2.1. Princípio da Insignificância (ou de bagatela)

No capítulo anterior (item 1.1.), em linhas gerais, afirmamos que as

infrações penais de menor potencial são diferentes dos crimes de bagatela. A

primeira vista pode ocorrer certa confusão entre a locução “de menor

potencial ofensivo” e o substantivo “insignificância” quando nos referimos a

infrações (sentido mais amplo) ou delito (mais estrito), contudo, as expres-

sões não se confundem e devem ser afastadas.³

________1. O delito de desacato (CP, art. 331) que consiste em: “Desacatar funcionário público

no exercício de suas funções ou em razão dela”, cuja pena varia de seis meses a dois anos

de detenção, ou multa, estaria fora da abrangência do art. 61, da Lei dos Juizados Especiais

Criminais (a sanção supera um ano).

2. Nesse sentido: Mesmo que o delito possua pena em abstrato inferior a um ano, v. g.

Crime de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898, de 9-12-1965), pena de detenção de dez dias

a seis meses (art. 6º, § 3º, b) , por disposição expressa do art. 1º, está sujeito a proce-

dimento especial, portando, excluso da abrangência do art. 61, da Lei nº 9.099/95.

3. Cf. Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, p. 48.

24

Sobre o assunto, afirma com lucidez o douto Fernando da Costa Tou-

rinho Filho, verbis:

“Se o Estado não se interessa pelas pequenas coisas, não as teria

elevado à posição de infrações penais”.¹

Com efeito, delitos de bagatela (regidos pelo princípio da insignificân-

cia) não são sinônimos de infração de pouca monta, previstas inicialmente no

art. 98, I, da CF.

Dito isto, cumpre dissertar em linhas gerais sobre o princípio da in-

significância. Vejamos.

Esse princípio foi inserido no Direito Penal por Claus Roxim ² e a partir

dele, é possível na maioria das infrações excluir danos de pouca importância,

i. e., que não chegam sequer a ofender o bem jurídico tutelado tendo em vista

a ausência de ofensividade.

Como visto (item 1.1.) o Direito Penal mínimo têm como característica

o princípio da intervenção mínima que se desdobra, por sua vez, na

fragmentariedade (somente os bens jurídicos mais relevantes é que merecem a

tutela penal; principalmente, somente as condutas intoleráveis, lesivas ao bem

________1. Op. cit., p. 3. 2. Política criminal y sistema del derecho penal. Trad. Francisco Munõz Conde.

Bosch: 1972, p. 53. apud José Henrique Guaracy Rebêlo, Princípio da Insignificância, p.

29-30.

25

jurídicos é que devem ser reprimidas), e subsidiariedade (o Direito Penal é

necessário quando outros ramos do direito não resolvem de maneira satisfató-

ria a questão), destarte, concluímos que o direito criminal não deve se ocupar

de bagatelas ou ninharias (expressões que se equivalem). Em oportuno, delitos

de bagatela são aqueles que, embora apresentem os requisitos formais des-

critos no dispositivo (conduta típica e antijurídica, conceito formal de crime),

não seriam considerados crimes, pois a lesão ao bem jurídico tutelado (v. g.,

integridade física), é tão ínfima que não chega sequer a atingi-lo. Mesmo que

a pena fosse aplicada no patamar mínimo, haveria desproporcionalidade.¹

Assim, não há “peculato quando o servidor público se apropria de

ninharias do Estado (folhas de papel, caneta esferográfica etc.); não há lesão

corporal em pequenos danos à integridade física; não há estelionato quando o

agente utiliza-se de fraude para não pagar passagem de ônibus” ² etc.

O princípio em análise não encontra repouso normativo na Lei Maior ou

ordinária, é de criação exclusivamente doutrinária e jurisprudencial ³ e pode

contaminar delitos materiais (onde há descrição da conduta e resultado, exi-

________1. Cf. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal , v. 1., p. 118.

2. Ibidem, mesma página.

3. Em sentido contrário: José Henrique Guaracy Rebêlo, em sua monografia “O

Princípio da Insignificância”, p. 33-34, entende que o art. 240, § 1º, do Código Penal

Militar, abrigou o referido princípio, verbis:

“Se o agente é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a

pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou considerar a infração

como disciplinar. Entende-se como pequeno valor o que não excede um décimo da quantia

do mais alto salário mínimo do país”.

26

gindo a produção do efeito naturalístico); formal (ou de consumação

antecipada, onde se descreve a conduta e resultado, embora não se exija a

produção deste último); e, mera conduta (ou de simples atividade, onde há a

descrição da conduta, despida de qualquer resultado).

Julio Fabbrini Mirabete entende que a criminalidade de bagatela dis-

tingue-se por possuir escassa reprovabilidade (leia-se: repercussão social),

ofensa ao bem jurídico de menor relevância (ninharias), habitualidade (atos

praticados com certa freqüência, cotidianamente), e, maior incidência contra o

patrimônio (furto, apropriação indébita, estelionato, receptação dolosa etc.) e

delitos de trânsito (lesões corporais culposas).¹

O princípio em comento deve ser aplicado de acordo com o caso com-

creto, com cautela, tendo em vista o critério usado pelo homem médio para se

considerar de maneira razoável (sensata, ponderada) o que seria delito de

bagatela, sob pena de desvirtuar o instituto e abrir as portas para a impu-

nidade.

Destarte, sob esse prisma o delegado de polícia não deve instaurar o

inquérito policial, o promotor de justiça não deve oferecer denúncia, o juiz

não deve aceitar a peça acusatória, ou, conforme o caso absolver o acusado

pela inexistência de infração penal.

Delitos de bagatela, não são crimes porquanto não possuem tipicidade,

i. e., não há correspondência entre o fato e a descrição contida na lei penal,

________

1. Manual de Direito Penal..., p. 119.

27

dessa forma, afastam-se das infrações penais de menor potencial ofensivo. No

entanto, nada impede que uma infração de pouca monta (v. g., lesão corporal

levíssima) seja considerada como insignificante, por conseguinte, destituída

de conteúdo, tornando-se o fato em algo sem importância para o Direito Penal.

2.2.2. Concurso de crimes

Como visto se a infração penal possuir pena em abstrato até um ano

e/ou multa (desde que não sujeita a procedimento especial) será considerada

de menor potencial (item 2.2.), dessa forma, estará sujeita ao Juizado Especial

Criminal, que têm por objeto (competência, igual à medida de jurisdição) o

processamento e julgamento desses ilícitos.

Contudo, pode ocorrer o concurso de crimes, i. e., quando uma mesma

pessoa na mesma ocasião, ou em oportunidades diversas, comete “duas ou

mais infrações penais que, de algum modo estejam ligadas por circunstâncias

várias”,¹ ensejando dessa forma o concurso de penas (o modo de sua apli-

cação).

Entre nós, há previsão desses institutos na parte geral do CP. Vejamos.

- Concurso material (ou sistema de cúmulo material):

Consiste na soma das penas ² de cada delito praticado em concurso, a

________ 1. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 314.

2. Nesse caso há o sistema de cúmulo material. No sistema da exasperação, aplica-se a

pena do delito mais grave, com aumento da sanção em relação aos demais.

28

respeito dispõe o art. 69, caput, do referido estatuto, verbis:

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois

ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas

privativas de liberdade em que haja incorrido”.

Nesse sentido, se João ameaça Maria de “causar-lhe mal injusto e

grave”, v. g., em alto e bom som, pronuncia: “vou te matar, antes do Natal”, e

em seguida desfecha um soco no rosto de uma transeunte que interveio para

auxiliar Maria, originando lesão aparente na narina, sem causar-lhe maiores

complicações (debilidade permanente do sentido, olfato, v. g.), estaríamos

diante do concurso material, porquanto João mediante desígnios autônomos,

na mesma ocasião, praticou dois crimes, i. e., de ameaça (CP, art. 147) em

relação à Maria, e lesão corporal (CP, art. 129, caput) concernente a tran-

seunte solidária. Em princípio, a somatória das penas (em abstrato) cominada

a esses delitos seria de um ano e seis meses, afastando-os, dessa forma, da

esfera dos Juizados Especiais Criminais.¹

________1. O exemplo em epígrafe, abriga dois delitos que dependem de representação (ação

pública condicionada), i. e., de ameaça, por disposição expressa do parágrafo único do art.

147 do CP, e lesão corporal , por disposição expressa do art. 88, da Lei nº 9.099/95. O art.

77, da Lei dos Juizados Especiais Criminais, instituiu a “composição dos danos civis”,

entre o autor do fato e a vítima. Havendo aquiescência entre as partes, o juiz homologará o

acordo que poderá ser executado no juízo cível competente. Em se tratando de ação de

iniciativa privada (queixa-crime), ou pública condicionada a representação, como no caso

em apreço, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de ação, extinguindo a

punibilidade. Na hipótese de ação pública incondicionada, o referido acordo, resultará

como atenuante genérica na aplicação da pena (CP, art. 65, II, b, in fine).

29

- Concurso formal (sistema da exasperação, 1ª parte; cúmulo material, 2ª

parte):

Há o concurso formal quando o agente, mediante uma só conduta,

pratica dois ou mais crimes idênticos ou não. De fato, dispõe o art. 70 do CP,

in verbis:

“Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou

mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe, a mais grave das penas

cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada em qualquer

caso, de um sexto até a metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumu-

lativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes

resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no art. ante-

rior”.

Destarte, se o agente transita com uma bicicleta ¹ pela via-pública e

imprudentemente (sem cautela causa perigo desnecessário) acaba “ atropelan-

do” duas pessoas (causando lesão em ambas) que transitavam normalmente na

faixa de pedestres, com o sinal vermelho para os veículos automotores, há

concurso formal homogêneo (delitos iguais), nesse caso a pena é aumentada

de um sexto até a metade. O máximo cominado à lesão corporal culposa (CP,

________1. São considerados veículos automotores “todo veículo a motor de propulsão que

circule por próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas ou

coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas.

O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre

trilhos (ônibus elétrico)”. A respeito v. art. 4º c/c Anexo I, do CTB. Destarte, é fácil

compreender que “bicicleta” não se enquadra no conceito de veiculo automotor, afastando

no caso, lesão corporal culposa referente a delito de trânsito (CTB, art. 303).

30

art. 129, § 6º) é de um ano, mesmo que o juiz aplicasse o aumento no teto

mínimo (um sexto), a pena dessa infração em face do concurso formal, seria

de um ano e dois meses, superior a um ano, portanto. Mais uma vez, malgrado

tratar-se de infração de menor potencial, não seria da alçada do Juizado

Especial, tendo-se em vista o acréscimo legal.

- Crime continuado (sistema da exasperação) :

Tem-se em mira a continuação delitiva (ficção jurídica) de dois ou mais

delitos que pelas condições de tempo, lugar, modus operandi e outras

semelhanças (que podem ser de qualquer tipo, v. g., uso de um mesmo objeto

durante os crimes), devem ser havidas como extensão do primeiro, i. e, um

prolongamento em relação ao inicial.

Dispõe o art. 71 do CP, in verbis:

“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois

ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar

maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser

havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só

dos crimes, ou a mais grave, se diversas, aumentada em qualquer caso

de um sexto a dois terços”.

Assim, diante da ficção jurídica, se o agente percorre cidades vizinhas

se dirigindo a cemitérios locais, durante um mês,¹ perturbando (atrapalhan-

________

1. A jurisprudência fixou o prazo de um mês como intervalo temporal a ser consi-

derado no crime continuado. Nos dias de hoje, essa questão é pacífica.

31

do, embaraçando, tumultuando etc.) cerimônia funerária, v. g., velórios,¹ com

gritos contínuos, incompatível com esse tipo de ritual que requer silêncio em

respeito aquele que já se foi, teríamos trinta condutas repetitivas do que dispõe

o art. 209, caput, do CP “impedimento ou perturbação de cerimônia

funerária”,² cuja pena ao crime simples se estende até um ano. Porquanto,

como dito, o agente, todos os dias, durante um mês, realizou a mesma condu-

ta quando perturbava o andamento da cerimônia fúnebre, em locais distintos.

Nesse caso, mesmo que aplicada no mínimo legal (aumento de um sex-

to, como no concurso formal) a pena exasperaria um ano, porquanto ultrapas-

saria esse limite em dois meses (lembre-se a pena do art. 209 do CP, é de um

ano, e um sexto desse quantum equivale a dois meses).

Conclui-se, em todos os exemplos, concernente aos concursos material,

formal, e crime continuado, a somatória de penas, ou acréscimos legais, à

primeira vista, afastaria a incidência do menor potencial ofensivo das

infrações, por conseguinte, do Juizado Especial Criminal.

Em face dessa breve exposição (de concurso de crimes), formaram-se

duas correntes. A primeira assente na questão em que as penas não devem

ser somadas ou acrescidas, a segunda percorre caminho contrário. Vejamos.

________1. Segundo Damásio E. de Jesus, in Direito Penal, v. 3, p. 76, cerimônia funerária é “o

ato de homenagem ou assistência do falecido. Abrange o velório, a câmara ardente, a

cremação autorizada, o amortalhamento etc.”.

2. Trata-se de crime de forma livre, i. e., o legislador não previu um modo de execução

específico, podendo desta maneira, ser executado por qualquer meio, v. g., gesto, palavra,

escrito etc.

32

1ª Corrente:

No caso do concurso de crimes, não há uma absorção da tipicidade de

um crime pelo outro, mas tão somente a incidência sobre regras de aplicação

de pena conforme o caso (na pratica de um ou mais crimes, iguais ou não),

destarte, não há uma alteração da infração penal, tornando-a mais grave

(qualificando-a) ou um aumento legal (e obrigatório) da pena, em vista de

determinada disposição. É dizer, a infração não deixou de ter o seu potencial

reduzido, mas pela somatória das penas em apartado, não seria plausível seu

conhecimento pelo Juizado Especial, porquanto ultrapassaria um ano

(quantum referente às infrações de pouca monta). Em síntese, o concurso de

delitos não cria um tipo especial de infração penal, prestando-se, mais uma

vez se afirma, a resolver problemas na somatória de penas referente ao

cometimento de dois ou mais ilícitos, de igual ou diversa espécie.

Giza essa corrente que, o legislador não se preocupou com a quantidade

de pena, mas sim, em identificar o que seriam infrações penais de menor

potencial ofensivo. O art. 24 da LCP (item 2.2.) ao cuidar da contravenção de

“instrumento usual na prática de furto” estabelece pena de até dois anos de

prisão simples (item 2.1.), e multa, portanto, superior a um ano (cf. art. 61, da

Lei dos Juizados Especiais em que não se explicita o tipo de pena privativa de

liberdade referente às infrações de pouca monta, i. e., se reclusão, detenção,

cominada aos crimes, ou prisão simples atinente as contravenções).

No I Encontro de Coordenadores e Juízes das Turmas Recursais dos

Juizados se decidiu (Enunciado 14), in verbis:

33

“Na hipótese do concurso material de infrações de menor

potencial ofensivo não deve ser levado em consideração o somatório

das penas máximas para efeito da aplicação da Lei nº 9.009/95”.

Para sedimentar, essa corrente aplica a analogia (leia-se: para casos

semelhantes e não disciplinados em lei, deve ser aplicado o mesmo direito)

com o art. 119 do CP, verbis:

“No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá

sobre a pena de cada um, isoladamente”.

Essa posição, ao menos doutrinariamente, é que a prevalece.¹

No entanto, há decisão nesse sentido, verbis:

TACRSP: “No concurso de crimes, as penas não podem ser somadas

para efeito de impedir a aplicação da Lei nº 9.099/95, devendo, ao

contrário, ser considerada isoladamente, a exemplo, aliás, do que ocorre

com a extinção da punibilidade em razão do disposto no art. 119 do

CP” (RJDTACRIM, 34/119).

Cumpre consignar que apesar do entendimento doutrinário prevale-

cente e algumas decisões adotando essa corrente, a jurisprudência dominan-

________1. V. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais..., p. 24; Fernando da Costa

Tourinho Filho, Comentários a Lei dos Juizados Especiais..., p. 29-33; Nereu José Giaco-

molli, Juizados Especiais..., p. 44-45.

34

te embarca em outro sentido.¹

2ª Corrente:

Segue o caminho da somatória de penas e acréscimos legais dos delitos

em concurso (material, formal, crime continuado), subtraindo das infrações

seu menor potencial ofensivo, por conseguinte, competência (medida de

jurisdição) dos Juizados Especiais. É claro, se houver adição de penas como se

explicitou nos exemplos acima, tendo-se em vista apenas o quantum da sanção

superior a um ano, e não ao significado real de infração de potencial reduzido,

de pronto a competência (mais uma vez) estaria afastada, passando a ser da

alçada do juízo comum (residual).

Continuando. Essa corrente afasta a incidência do art. 119 do CP

(prescrição autônoma dos crimes em concurso), entendendo que esse instituto

nada tem a ver com a composição, e a transação penal (Lei nº 9.099/95, arts.

74 e ss.).² De fato, em nada se assemelham. Contudo, o que se discute não são

os institutos consensuais da Lei dos Juizados Especiais, e sim, o verdadeiro

________1. Cf. Fernando da Costa Tourinho Filho, op. cit., p. 32.

2. A transação penal, é uma proposta do representante do MP endereçada ao autor do

fato de menor potencial, que será feita se preenchidos os requisitos legais, v. g., não “ter si-

do o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por

sentença definitiva” (art. 76, § 1º, inc. I, da Lei nº 9.099/95). Referido instituto, suscita a

aplicação de pena restritiva de direitos ou multa pelo juiz, sem processo, com a anuência do

autor e seu defensor. Acolhendo a proposta, e ao final, cumprido o estipulado, “não

importará em reincidência, sendo registrada somente para impedir novamente o benefício

no prazo de 5 (cinco) anos” (art. 76, § 4º, 2ª parte). Trata-se de uma sentença condenatória

imprópria, pois não existe um processo propriamente dito, malgrado a cominação de pena.

35

sentido, o real significado, de infrações penais de menor potencial, porquanto

o melhor critério para defini-las “não é a quantidade de pena cominada no tipo

legal, ou o rito processual, mas o bem jurídico atingido”,¹ apesar do legislador

não observar esse critério comumente, v. g., a pena do furto simples é de 1 a 4

anos de reclusão, a lesão corporal leve é apenada com 3 meses a um 1 ano de

detenção, um disparate. Apreciando essa 2ª corrente, já decidiu o Tribunal de

Alçada do Estado de Minas Gerais, verbis:

“Tratando-se de concurso formal de crimes, inviáveis as celebrações de

acordo civil, e da transação a que alude a Lei nº 9.099/95, se as somas

das penas mínimas cominadas às infrações exceder o patamar de um

ano” (RT 756/662).

Como foi dito, em linhas anteriores esse entendimento jurisprudencial é

que prevalece. Na doutrina, Julio Fabbrini Mirabete segue esse caminho. ² A

questão é controversa, todavia, a primeira corrente é a que nos parece melhor.

Se houver concurso entre uma infração que seja de potencial reduzido, e

uma outra que não possua essa característica, a competência do Juizado

Especial estará afastada, tendo-se em vista a vis attractiva exercida pelo delito

mais grave ao de menor gravidade, concluindo-se pela impossibilidade de

separação dos processos, afetos, nesses moldes, a Justiça Comum (residual). ³

________1. Nereu José Giacomolli, Juizados Especiais..., p. 36.

2. Juizados Especiais..., p. 49.

3. Nesse sentido: Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais..., p. 25.

36

2.2.3. Infrações tentadas e consumadas

Como visto, o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais, estipulou como

limite de pena em abstrato em até um ano, o que vale só para os crimes

excluindo as contravenções (item 2.2.).

Assim, pode ocorrer que um delito, em princípio, não esteja enquadrado

como infração de reduzido potencial na forma consumada (quando todos os

elementos definidos legalmente estejam reunidos), i. e., o máximo da pena

supere um ano, mas se ajuste nesses parâmetros se ocorrer mera tentativa

(iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a vontade do

agente).

A doutrina é assente, no sentido de que a redução da pena, nesses casos

de tentativa (de infrações de menor potencial) deva ser de um terço ¹ e não de

dois terços (cf. art. 14, parágrafo único, do CP). Pois, se assim fosse, sim-

plesmente não se encontraria a pena máxima em abstrato para o delito tentado.

Vejamos.

Dispõe o art. 211 do CP, verbis:

“Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele.

________1. V. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados..., p. 23; Fernando da Costa Tourinho

Filho, Comentários a Lei..., p. 29; Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais..., p. 50. Pela

redução de dois terços: Nereu José Giacomolli, Juizados Especiais..., p. 45.

37

Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”.

Pode ocorrer que o agente tente destruir (fazer com que deixe de

existir), ateando fogo no cadáver, contudo, as chamas são contidas por outrem

antes que o defunto deixe de apresentar a forma humana, aliás, só é consi-

derado cadáver o corpo que mantém esse aspecto. Nesse caso, houve mera

tentativa (CP, art. 14, II), e como a pena desse delito varia de um a três anos,

se fosse reduzida em um terço, teríamos como resultado dois anos de sanção

(encontrando o máximo da pena em abstrato para a tentativa, o correto).

Conduto, se a redução fosse de dois terços, teríamos um ano de pena, e nessa

situação a infração seria considerada como de menor potencial, o que não vem

ao caso. Pouco importa se houve tentativa perfeita, ou “crime falho” ¹ (quando

o agente exauriu todos os meios de execução ao seu dispor), como no caso em

apreço, ou tentativa imperfeita (quando o agente não esgotou todos os meios

de execução por interferência externa), i. e., no mesmo exemplo, o agente ao

tentar lançar fogo no cadáver com uma tocha é agarrado pelo braço por uma

outra pessoa, impedindo a ação (de atear fogo, por conseguinte, destruir o

cadáver). Mais uma vez se afirma, a redução tem de ser de um terço, pois, se

assim não fosse, não encontraríamos o máximo legal da pena em abstrato,

concernente ao delito tentado.

2.2.4. Crimes qualificados, causas de aumento de pena, atenuantes e

agravantes genéricas

Em se tratando de crimes qualificados, o limite da pena é aquele previs-

________

1. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1., p. 158.

38

to legalmente, não há o que se discutir, pois “as qualificadoras já integram o

tipo básico”. ¹

A lei acrescenta a figura simples, determinada circunstância que agrava

a natureza do delito e eleva a quantidade de pena, tornando-o qualificado. É

uma derivação do tipo básico.

Por outro lado, existem infrações que apesar de não serem qualificadas

(não possuírem uma natureza mais grave), têm como causa o aumento de

pena. Pode ocorrer que o delito se ajuste perfeitamente nos moldes do art. 61

da Lei nº 9.099/95 (item 2.2.), por conseguinte, seja considerado como de

menor lesividade, contudo, devido a uma causa de aumento de pena (a soma é

obrigatória) não o seja.

Por exemplo, a lesão corporal culposa não será considerada de baixo

potencial, se ocorrer uma das hipóteses do art. 129, § 7º c/c art. 121, § 4º,

ambos do CP, i. e., “se o crime resulta de inobservância de regra técnica de

profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à

vítima, não procura diminuir as conseqüências de seu ato, ou foge para evitar

a prisão em flagrante”. Ocorrendo uma (ou algumas) dessas circunstâncias, à

lesão corporal culposa será acrescido aumento de um terço, perfazendo, dessa

forma, um ano e quatro meses, excluindo, por conseguinte, o seu menor

potencial.

Contudo, as circunstâncias judiciais (art. 59), agravantes (arts. 61 e

________1. Nereu José Giacomolli, op. cit., p. 45.

39

ss), e atenuantes (arts. 65- 66) todas do CP, devem ser desprezadas, porquanto

nesses casos a pena não poderá ultrapassar o mínimo e o máximo legal. ¹

Para concluir, no que diz respeito aos delitos qualificados pelo resultado

e aqueles com aumento de pena, bem como a generalidade das atenuantes e

agravantes, transcrevemos ipsis litteris as palavras do Ministro do STJ,

Vicente Cernicchiaro:

“A causa especial de aumento de pena e qualificadoras refletem-

se na pena cominada (in abstrato). A agravante e atenuante

exclusivamente na pena aplicada (in concreto)”. ²

________1. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados..., p. 23.

2. In RHC 2816-5, DJU de 22-11-93, p. 24.977.

40

CAPÍTULO 3

3.1. LEI nº 10.259, DE 12-7-2001

A Emenda Constitucional nº 22/1999, acrescentou o parágrafo único ao

art. 98, I, da CF (item 1.2), in verbis:

“Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da

Justiça Federal”.

De fato, posteriormente foi publicada a Lei nº 10.259, de 12-7-2001,

originária do projeto de lei nº 3.999/01, aprovado na Câmara dos Deputados

em 12-6-2001. ¹ Esse diploma possui 27 (vinte e sete) artigos, concernentes a

instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais a nível federal. A maio-

ria dos dispositivos cuida das causas cíveis de menor complexidade, somente

os arts. 1º e 2º, reportam-se ao crime. Depreende-se, sem esforço, que essa Lei

está muito mais voltada (preocupada) as questões cíveis, do que criminal.

Por disposição expressa (art. 1º, 2ª parte) a Lei nº 9.099/95, terá aplica-

bilidade naquilo em que “não conflitar com esta Lei”. Na verdade, as normas

dos Juizados Especiais Estaduais constituirão verdadeira “espinha dorsal” ² do

novel diploma, que entrou em vigor no dia 13-01-2002 (vacatio legis de seis

meses, cf. art. 27). Dessa forma, os institutos da composição civil (art. 74),

________

1. Luis Flávio Gomes, Juizados Especiais Criminais Federais, seus reflexos nos

Juizados Estaduais e outros estudos, p. 16.

2. Ibidem, p. 17.

41

transação penal (art. 76), representação nas lesões corporais (art. 88), todos da

Lei nº 9.099/95, serão aplicados nos Juizados Federais. A suspensão condicio-

nal do processo (art. 89), possui aplicabilidade no âmbito interno e externo

dos Juizados (Especiais ou não).¹

No ensejo, de forma ainda que breve, cumpre analisar a competência da

Justiça Federal, que se encontra inserta no art. 109, da CF. No âmbito crimi-

nal, os incs. IV, V, VI, IX e X, tratam do assunto. Destarte, transcrevemos

ipsis litteris cada um deles e, em seguida tecemos um comentário. Cabe ao

juiz federal, processar e julgar:

[...]

“ IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento

de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárqui-

cas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a

competência da Justiça Militar”;

________1. A suspensão condicional do processo é conhecida também como “sursis proces-

sual”, expressão criada e adotada pela doutrina. Esse instituto prevê a suspensão do

processo por um período de 2 a 4 anos, abrangendo todos os crimes que possuam pena

mínima em abstrato de 1 (um) ano, v. g., furto simples (CP, art. 155, caput). Será proposta

pelo representante do MP, ao autor do fato, na mesma ocasião em que oferecer a denún-

cia, desde que “o condenado não seja reincidente em crime doloso” (CP, art. 77, I) etc. O

juiz ao receber a denúncia, com a anuência do acusado e seu defensor, suspende o processo

sob certas condições, v.g., “reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo” (art. 89, §

1º, I). O benefício será revogado, v. g., “se o réu vier a ser processado por outro crime”

(§ 3º, 1ª parte). Cumprido o estipulado, sem revogação, extingue-se a punibilidade.

42

Como dissemos em outra oportunidade (item 2.1.), às contravenções

penais por disposição expressa, estão excluídas da competência da Justiça Fe-

deral. Atualmente são afetas a Justiça comum. Crimes políticos são aqueles

previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83). Delitos contra au-

tarquias, v. g., como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, empresas

públicas, v. g., Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, serão julgados e

processados no âmbito federal. Ademais, qualquer bem da União que seja

atingido, v. g., falsificação de documento que possa lhe causar ofensa (não

necessariamente patrimonial), delitos praticados por (e contra) funcionários

públicos federais, desde que relacionados com a sua função serão, outrossim,

de sua alçada.

“ V- os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,

iniciada a execução no País, o resultado tenha ocorrido ou devesse ter o-

corrido no estrangeiro, ou reciprocamente”;

Nesse caso, podemos citar como exemplo o trafico ilícito de substâncias

entorpecentes, disciplinado na Lei Antitóxicos (Lei nº 6.368/76).

“ VI – os crimes contra a organização do trabalho, e nos casos determi-

nados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômica-

financeira”;

A organização geral do trabalho, onde são lesados direitos dos trabalha-

dores como um todo, são da competência da Justiça Federal, por exclusão, se

o ataque for individual, a medida de jurisdição será afastada. A Lei nº 7.492,

de 16-7-1986, define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e terá

43

incidência sobre o âmbito federal, se afetarem serviços ou interesses da União,

porquanto não há disposição expressa a respeito (da competência).

[...]

“ IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a

competência da Justiça Militar”;

A Justiça Militar e a Eleitoral são especiais em relação à Justiça Federal

comum por possuírem regras próprias de incidência, destarte, por esse motivo

é que há ressalva no tocante a justiça castrense. ¹

“ X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro...”;

Este inciso refere-se ao art. 338 do CP (reingresso de estrangeiro

expulso) e, art. 125 da Lei nº 6.815/80 (Lei de Estrangeiros), quanto às infra-

ções administrativas sobre esse assunto.

3.2. O NOVO CONCEITO DE INFRAÇÕES PENAIS DE MENOR

POTENCIAL OFENSIVO

Como foi dito (item 3.1.), a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001,

institui os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito federal. O referido diploma

conta com 27 (vinte e sete) artigos. Conquanto haja referência ao crime,

somente em dois deles (1º e 2º).

________1. A Lei nº 9.099/95 não é aplicável a Justiça Militar por disposição do art. 90-A.

44

O art. 1º determina sobre a instituição dos referidos Juizados e, pela

aplicabilidade da Lei nº 9.099/95, naquilo em que não for incompatível.

O art. 2º, caput, trata da competência (medida de jurisdição), in verbis:

“Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os

feitos de competência da Justiça Federal relativo às infrações de menor

potencial ofensivo”.

Cumpre consignar que esse dispositivo foi redigido nos mesmos termos

do art. 60 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais, porquanto delimita o cam-

po de abrangência, i. e., são competentes para o processamento e julgamento

das infrações penais de reduzido teor ofensivo. Essas infrações seriam as mes-

mas do referido art. 61, da Lei nº 9.099/95? Não. Na verdade houve uma

ampliação do conceito, a respeito dispõe o parágrafo único do art. 2º do novel

diploma, verbis:

“Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos

dessa Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a

dois anos, ou multa” (grifamos).

Mais uma vez, da Lei dos Juizados Federais (cf. art. 1º) determina que a

Lei nº 9.099/95 terá aplicabilidade senão dispuser de forma contrária, ou

incompatível. Pois bem, eis o ponto nuclear da questão (e do nosso singelo

trabalho), desde a promulgação, por conseguinte, vigência da Lei nº 10.259/01

instalaram-se dois conceitos (legais) de infração penal de baixo teor ofensivo,

i. e., um reporta-se aos Juizados Estaduais (art. 61, pena de até um ano e/ou

45

multa, com ressalva aos crimes sujeitos a procedimento especial), e o outro,

aos Federais (parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.259/ 01, pena de até dois

anos, ou multa, suprimindo em regra, os procedimentos especiais).

Em princípio, sem aprofundamento, poderíamos concordar com a pos-

sibilidade da existência de dois conceitos concomitantes para as infrações de

pouca monta, i. e., uma estadual, abrangendo as infrações apenadas com até

um ano e/ou multa, e outro federal, envolvendo as infrações, com até dois

anos de sanção, ou multa. Contudo, a questão não é tão simples assim.

O legislador foi infeliz ao inserir no parágrafo único, do art. 2°, da Lei

n° 10.259/01, a expressão “para os efeitos desta Lei”, ao (re) definir o concei-

to de infração penal de menor potencial. Mais uma vez se mostrou incon-

gruente. Cite-se, v. g., a lesão corporal culposa (CP, art. 129, § 6º), com pena

de 2 (dois) meses a 1 (um) ano de detenção, o mesmo delito praticado na

condução de veículo automotor (CTB, art. 303), teve a pena elevada em

dobro, qual seja, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção. Tendo em vista

que o bem jurídico tutelado (integridade física) é o mesmo nos dois arts.,

pergunta-se como o legislador ordinário, poderia simplesmente duplicar a

pena? Somente pelo motivo do agente lesionar alguém, quando conduzia

automóvel? Depreende-se que o princípio da proporcionalidade foi suprimido,

pelo simples fato da pena ter sido elevada sem motivo, pois tratou de situações

exatamente iguais. ¹

________1. Nesse sentido: Doutor Marco Polo Levorin, aula de Direito Penal ministrada na

Faculdade de Direito da UNI-FMU, campus Taguá, do dia 8-9-2003.

46

Em linhas anteriores (item 2.2.2.) enfrentamos esse aspecto (de dispari-

dade) quando comparamos a pena da lesão corporal leve, com a do furto

simples (cf. CP, arts. 129, caput, 155, caput) tendo em vista os bens tutelados.

Quando a Lei nº 10.259/01 entrou em vigor, e antes disso, a doutrina,¹

anunciou que o conceito de infração de infração penal de menor potencial

ofensivo havia sido estendido aos Juizados Estaduais, i. e., o parágrafo único

do art. 2º desta lei, derrogou o art. 61, da Lei nº 9.099/95, e agora as infrações

penais de menor potencial ofensivo “são os crimes (incluindo todas

contravenções, por certo) com pena em abstrato de até dois anos, ou multa,

suprimindo em regra, os procedimentos especiais”. Esse é o nosso

posicionamento.

Por exemplo, em duas situações iguais facilmente percebemos o

desnivelamento, se aceitássemos a bipartição de conceitos.

Um policial civil estadual é alvo de desacato (CP, art. 331), v. g., um

popular em razão da função, taxa este funcionário de “corrupto”.

Um policial federal recebe o mesmo tratamento hostil, do mesmo

popular.

________1. Damásio E. De Jesus, Lei dos Juizados Especiais..., p. 18-20; Fernando da Costa

Tourinho Filho, Comentários a Lei dos Juizados..., p. 11 e ss.; José Nereu Giacomolli, Jui-

zados Especiais..., p. 37-42; Júlio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais..., p. 55; Luís

Flávio Gomes, Juizados Criminais Federais..., p. 18 e ss.; Victor Eduardo Rios Gonçalves,

Juizados Especiais Criminais..., p. 3 e ss. Nesse sentido: STJ in Recurso Especial nº

573.683/ES, 5ª Turma, rel. Felix Fisher, j. 09.12.03, v. u., DJU 19.12.03, p. 619.

47

No primeiro caso, se adotarmos a teoria bipartida, i. e., de que existem

dois conceitos para infração penal de menor potencial ofensivo (um para o

âmbito estadual e outro para o federal), ao policial civil seria negada a oportu-

nidade da composição dos danos civis, por outro lado, ao autor do fato, não

haveria proposta de transação penal, pois o delito de desacato ultrapassaria 1

(um) ano, limite máximo estipulado pelo art. 61 quando instituiu os Juizados

Estaduais.

No segundo quadro, da teoria unitária (existência de um só conceito),

tanto o policial federal quanto o popular, seriam beneficiados por esses

institutos consensuais (composição civil e transação penal, respectivamente).

Dois episódios, e uma única possibilidade, porquanto se adotássemos o

entendimento de que a divisão seria possível, i. e., que poderiam existir dois

conceitos concomitantes (um de cunho estadual e, outro federal), para as

infrações de baixo teor ofensivo, estaríamos suprimindo o princípio da

igualdade (CF, art. 5º, caput), pela simples diferenciação, do âmbito admi-

nistrativo em que os policiais exercem seus cargos, que nesse caso não tem

relevância alguma. Ademais, o princípio da proporcionalidade (CF, art. 5º,

LIV) estaria comprometido da mesma forma, pois ao aplicarmos dois con-

ceitos de infração de menor potencial para o mesmo delito, sem justificativa,

afastaríamos a incidência dos Juizados Estaduais, pois a pena seria de dois

anos (referente ao crime de desacato), e não de um, conforme determina,

melhor determinava, o art. 61 da Lei nº 9.099/95, atualmente ampliado.

Antes de adentrarmos nesse assunto, cumpre consignar o que seria, e

48

qual a importância de um princípio para o direito como um todo. A respeito

conceitua José Henrique Guaracy Rebêlo, verbis:

“Princípio é, por definição, o mandamento nuclear de um siste-

ma, seu verdadeiro alicerce, sua causa primária, seu cerne”. ¹

Sua violação seria “muito mais gravoso do que agredir uma norma ou

um comando” ² constituindo “a mais grave forma de ilegalidade, ou

inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque

apresenta insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores funda-

mentais”.³

Existem princípios explícitos, v. g., da isonomia, e implícitos, como no

caso do devido processo legal, que oculta a proporcionalidade. A Lei Maior

abriga muitos deles. Ignorá-los, seria uma ofensa erga omnes. Seria in-

constitucional.

O princípio da igualdade foi criado por Aristóteles (384 a.C.), na Grécia

antiga, muito antes da era cristã, portanto. Sua existência expressa, perdura até

os dias atuais, porquanto está inserta no bojo da atual CF, e de suas

antecessoras (Emenda Constitucional nº 1/69, art. 153, § 1º; de 1967, art. 150,

§1º; de 1946, art. 141, § 1º; de 1937, art. 122, nº 1; de 1934, art. 113, nº 1; de

1891, art. 72, § 2º; de 1824, art. 179, nº 13).

________1. Princípio da Insignificância, p. 11.

2. José Henrique Guaracy Rebêlo, op. cit. p. 11-12.

3. Ibidem, p. 12.

49

Aristóteles, ao responder uma pergunta formulada por ele mesmo, i. e.,

o que seria justiça, afirmou tratar-se da “igualdade entre os iguais e, a desi-

gualdade entre os desiguais”.¹ Nesse tempo, o pensador vislumbrou a isono-

mia, como reflexo do próprio conceito de justiça (dar a cada um o que é seu).

Pode-se dizer que os dois princípios, esquecidos pelo legislador, se

relacionam de forma estreita, contudo “enquanto a igualdade atua equi-

librando e unindo, a proporcionalidade o faz isolando e individualizando”.²

A CF, no seu art. 5º, caput, determina que “todos são iguais perante a

lei”. Esse texto trata da “igualdade formal”, diversa da “igualdade material”

(ou substancial) que pressupõe o nivelamento (perante os bens da vida) de

todos os indivíduos que compõe uma sociedade. Essa sociedade, de cunho

socialista científico, foi proposta por Karl Marx e, na verdade nunca existiu,

porquanto mesmo nos países comunistas, e autoritários (diferente da ideologia

marxista) não se eliminou a desigualdade existente naqueles grupos sociais,

v. g., China, URSS etc.

O princípio da igualdade (formal) visa proteger certas finalidades

acolhidas pelo direito, assim, se um elemento discriminador não estiver a seu

serviço, será inconstitucional, como no exemplo acima, que policial civil foi

discriminado arbitrariamente por ocupar um cargo estadual, e não federal.

Na verdade, o que torna um fator discriminatório e inconstitucional, é a

________

1. V. Marilena Chauí, Introdução à história da Filosofia, v. 1., p. 470.

2. Nereu José Giacomolli, op. cit., p. 37.

50

falta de correlação entre ele, e os efeitos jurídicos que lhe foram atribuídos.¹

Dessa forma, podemos dizer que é absolutamente legal, a exigência de

certos requisitos, para um candidato no preenchimento de uma vaga, em deter-

minado concurso público, v. g., curso de direito para Procurador do Estado.

Contudo, se esse mesmo candidato fosse reprovado em virtude de ser obeso, e

não pela capacidade intelectual inerente ao cargo, não haveria nenhum

sentido, pois como foi dito a isonomia (ou igualdade) exige correlação entre o

elemento diferenciador e a finalidade da norma (efeito jurídico).

O princípio da proporcionalidade, por sua vez, é uma garantia de exten-

sa abrangência, que beneficia a todos contra os arbítrios do Estado. Esse prin-

cípio está implícito no inc. LIV, art. 5º, da CF, verbis:

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”;

Uma norma é inconstitucional,² quando seu comando é “excessivo”,

“injustificável”, é dizer, não se amolda no quadro da proporcionalidade, como

no caso do art. 2º parágrafo único da Lei nº 10.259/01, em que o legislador

pretendeu excluir a incidência dos Juizados estaduais inserindo a expressão

“para os efeitos desta Lei”.

________1. Nesse sentido: Celso Ribeiro Bastos, Comentários a Constituição do Brasil, v. 2,

p. 8.

2. Existe a inconstitucionalidade por omissão (lacuna), ou por incompatibilidade

vertical de uma lei que vai ao sentido contrário da CF.

51

Destarte, o legislador feriu os princípios da isonomia (com a discrimina-

cão) e proporcionalidade (sem justificação) ao pretender que as infrações de

menor potencial “de até dois anos, ou multa” tivessem aplicabilidade somente

no âmbito federal.

Ademais, existem outros motivos que podem ser considerados como

forma de extensão, ao conceito de infrações de baixa lesividade.

- Analogia ”in bonam partem”:

É cediço, que no Direito Penal, a analogia (leia-se: para casos seme-

lhantes e não disciplinados em lei, deve ver ser aplicado o mesmo direito) é

vedada parcialmente, porquanto pelo “princípio da legalidade” (CP, art. 1º, e,

CF, art. 5º, XXXIX) somente os fatos descritos como crime é que possuem

validade normativa, assim, é proibido em situações semelhantes, mas não

disciplinada em lei, a imputação de um crime (ou contravenção) a uma pessoa.

O Direito Penal é taxativo. Contudo, a analogia (integração analógica ou

implemento analógico ou aplicação analógica), desde que favoreça o autor de

um fato descrito como crime, deve ser aplicada in bonam partem. ¹

De fato, o art. 61, da Lei nº 9.099/95, define infrações penais de baixa

________

1. Segundo a doutrina de Luiz Flávio Gomes, in Manual Direito Penal, v. 1, p. 163,

existe, outrossim, a interpretação analógica “quando a lei utiliza fórmula especifica (dirigir

sob a influência de álcool) seguida de uma cláusula genérica (ou outra substância de efeito

análogo)”. Esta não se confunde com a analogia, pois a sua aplicabilidade decorre da

própria lei e não de fatos tidos como semelhantes.

52

lesividade, o parágrafo único, art. 2º, da Lei dos Juizados Federais Criminais,

faz o mesmo, ampliando o conceito (de um para dois anos de pena) e supri-

mindo os delitos afetos a procedimento especial (a lei não faz menção alguma

a eles). Sem esforço, percebe-se que o dispositivo do novel diploma é mais

benéfico, conclui-se que deve ser aplicado, por analogia, aos autores desse

tipo de infração.

- Lei de Introdução ao Código Civil (art. 2º, § 1º):

A LICC (Decreto-Lei nº 4.657, de 4-9-1942), em seu art. 2º, § 1º,

dispõe, verbis:

“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declara,

quando seja com ela incompatível ou quando regula inteiramente

matéria de que tratava a anterior” (grifamos).

Em linhas anteriores, tratamos da analogia in bonam partem, e afirma-

mos que o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais não se diferencia do

parágrafo único do art. 2º da Lei dos Juizados Especiais Federais, porquanto

trata do mesmo assunto (infrações de baixo teor ofensivo). Dessa forma, de

acordo com o dispositivo em análise (terceira parte), a lei posterior (de nº

10.259/01) revogou a anterior (n º 9.099/95), ao regular matéria de igual jaez

(infração penal).

O art. 20, da Lei nº 10.259/01, determina que seus dispositivos, não

podem ser aplicados na esfera estadual, no entanto, a referência incide apenas

sobre as causas cíveis de menor complexidade.

53

3.2.1. Efeitos originados pelo novo conceito

Em ocasião oportuna (item 2.2.) analisamos o que seria infração de

pouca monta de acordo com o art. 61 da Lei nº 9.099/95, concluindo:

- seriam “todas” as contravenções penais (não importando a pena cominada), e

os crimes com pena de até um ano, ressalvados àqueles sujeitos a procedimen-

to especial.

É certo dizer, mesmo que o delito possuísse, v. g., um mês de pena, se

fosse afeto ao procedimento especial, estaria fora da competência dos Juiza-

dos Estaduais.

Todavia, diante da conceituação atual (parágrafo único, art. 2º da Lei nº

10.259/01) endereçada a essas infrações, podemos afirmar em princípio que:

- todos os delitos (incluindo as contravenções) com até dois de pena em

abstrato (reclusão ou detenção) são de menor potencial;

- os procedimentos especiais foram suprimidos, porquanto a lei nada diz a

respeito (não faz nenhuma ressalva como a anterior); e

- nos delitos em que a expressão “ou multa” estiver inserta, independente da

pena cominada, serão considerados de baixa lesividade.

Quanto aos crimes com pena de até dois anos, entendemos que a ques-

tão foi resolvida anteriormente (item 3.2.). Quanto aos delitos sujeitos a

54

procedimento especial, e aos que contenham a expressão “ou multa”, cabem

algumas observações. Vejamos.

Realmente, o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10,259/01, não faz men-

ção alguma aos delitos sujeitos a procedimento especial, basta uma simples

leitura. Contudo, Luiz Flávio Gomes exclui os “crimes de abuso de

autoridade”,¹ insertos na Lei nº 4.898, de 9-12-1965, que prevê além da pena

de detenção de 10 (dez) dias a 6 (seis) meses (art. 6º, § 3º, b), a possibilidade

da “perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer função

pública por prazo de até 3 (três) anos” (art. 6º, § 3º, c).

Citado criminalista fundamenta sua posição, afirmando, v. g., que as

sanções dessa lei, fogem aos parâmetros normais (prisão e/ou multa), pela

disposição expressa que cuida da possibilidade da perda do cargo, pois nin-

guém “transaciona sobre a perda do cargo”. ² Há outros fatores de exclusão,

como a gravidade desses delitos “que afetam os direitos humanos mais fun-

damentais”,³ como a “detenção” do indivíduo em delegacias ou qualquer ou-

tro local, sem motivo justificado (CF, art. 5º, LXI); a “invasão de domicílio”

sem mandado de busca durante o dia, sem o consentimento do morador, au-

sente a situação de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro (CF, art.

5º, XI); o juiz que por desídia deixa de relaxar a prisão em flagrante ilegal

(CF, art. 5º, LXV); o delegado que deixa de comunicar a prisão à autoridade

competente, procrastinando a medida durante dias (CF, art. 5º, LXII) etc.

________1. Juizados Especiais Federais..., p. 26-28.

2. Op. cit., p. 27.

3. Luiz Flávio Gomes, op. cit., p. 27.

55

Quanto ao procedimento especial, poderíamos dizer que, realmente, não

haveria nenhum impedimento de aplicabilidade da Lei nº 9.099/95, no que

tange aos “crimes de abuso de autoridade”. Entretanto, como se disse, as

penas poderão ser aplicadas pelo juiz no caso concreto alternativa e cumula-

tivamente, e a perda do cargo estão inclusas nesse rol, fugindo do parâmetro

comum de prisão e/ou multa. De fato, como se afirmou não é possível

transacionar (Lei dos Juizados Especiais Estaduais, art. 76) “sobre a perda do

cargo”, porquanto não há previsão dessa pena (aos servidores públicos) no

sistema punitivo tradicional. Destarte, podemos afirmar que, apesar da

controvérsia,¹ esses crimes não estão incluídos na incidência dos Juizados

Especiais, apesar da a pena ser inferior a dois anos.

Outra questão de igual importância refere-se à ressalva “ou multa”,

inserta no final do parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, surgindo três posicio-

namentos.

I - se o delito possuir pena de até dois anos e a expressão “e multa” não será

de menor potencial ofensivo, porquanto a Lei diz que o delito deve possuir

pena de até dois anos, “ou multa”. ² Essa afirmação não tem nenhuma razão

de ser, pois “os crimes que tenham exclusivamente pena privativa de liberdade

________

1. Victor Eduardo Rio Gonçalves in Juizados Especiais Criminais..., p. 5-6, entende

que “A Lei de Abuso de Autoridade” é da alçada dos Juizados Especiais Criminais, pelo

fato de não haver ressalva no que tange aos procedimentos especiais, de acordo com o

parágrafo único, art. 2º, da Lei nº 10.259/01, que derrogou em parte o art. 61 da Lei nº

9.099/95, que previa essa circunstância.

2. Nesse sentido: Julio Fabbrini Mirabete, Juizados Especiais Criminais, p. 55.

56

deixariam de ser considerados de menor potencial ofensivo, ainda que a pena

máxima fosse, por exemplo, de um mês”.¹ Realmente, se prevalecer esse

entendimento será um absurdo.

II - mesmo que o delito possua pena em abstrato superior a dois anos, mas

contenha “ou multa” inserta, seria considerado de menor potencial ofensivo.²

Vejamos. Em primeiro lugar não há crime com a previsão isolada de pena de

multa que incide somente sobre as contravenções (cf. art. da Lei de Introdução

ao Código Penal, Decreto-Lei nº 3.914/41). O legislador, ao definir infração

penal de menor potencial ofensivo nas duas ocasiões (Lei nº 9.099/95, art. 61,

e, Lei nº 10.259/01, art. 2º, parágrafo único) teve em mira o máximo da pena

cominada, um e dois anos respectivamente, assim, esse fator (pena e multa)

não devem considerados isoladamente, pois a restritiva de liberdade é

principal, a multa incide de maneira alternativa. Se concordássemos com esse

posicionamento estaríamos desvirtuando o conceito ontológico de infração de

baixo teor ofensivo, pois como foi dito, o critério conceitual (e principal)

utilizado nas duas oportunidades, foi o máximo em abstrato da sanção

cominada. ³ Conclui-se: os crimes que não apresentassem baixo teor ofensivo

seriam assim considerados, v. g., “medicamento em desacordo com receita

médica” (CP, art. 280), cuja pena de detenção varia de 1 a 3 anos, “ou multa”.

III – a inserção de “ou multa” não deve ser considerada, tanto para a exclusão

dos delitos que possuam “e multa” e pena de até dois anos, como no caso dos

________

1. Victor Eduardo Gonçalves Rios, op. cit., p. 7.

2. Nesse sentido: Victor Eduardo Gonçalves Rios, op. cit., p. 6-7.

3. Nesse sentido: Luiz Flávio Gomes, Juizados Criminais Federais..., p. 24-26.

57

crimes que possuam “ou multa”, mas a sanção seja superior a dois anos. Esse

é o melhor entendimento que se extrai dos dois anteriores. Porquanto nas duas

situações, haveria um desvirtuamento do sentido de infração penal de menor

potencial ofensivo.¹

Quanto às outras questões que possam causar alguma controvérsia,

como concurso de crimes (item 2.2.2.), tentativa (item 2.2.3.) e crimes qualifi-

cados, causa de aumento de pena, atenuantes e agravantes genéricas (item

2.2.4.), remetemos o leitor ao capítulo antecedente, onde enfrentamos o assun-

to.

3.2.3. O motivo da pena de até dois anos

Em ocasião oportuna (item 3.2.) afirmamos que as infrações penais de

baixa lesividade atualmente são conceituadas do seguinte modo “os crimes a

que a lei comine pena máxima não superior a dois anos”. O legislador agiu

dessa forma (ao cominar esse limite de pena) pelo simples fato de que “essas

infrações penais raramente são apenadas com a privação da liberdade, diante

de dispositivos do CP vigente, como a multa vicariante (art. 60, §2º), da

substituição por penas privativas de direito (art. 44) e da suspensão

condicional da pena (arts. 77 e ss.)”.²

Dessa forma, cumpre analisarmos de forma breve cada, um desses ins-

titutos.

________1. Nesse sentido: Luis Flávio Gomes, op. cit., p. 25-26. 2. Damásio E. de Jesus, Lei dos Juizados Especiais Anotada, p. 4.

58

- Substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos

(CP, art. 44):

As penas restritivas de direito fazem parte do sistema de penas alterna-

tivas, ou seja, “quando se pode eleger entre penas de naturezas diversas ( reclu-

são ou multa, por exemplo)”.¹

A Lei nº 7.209/84, que institui uma mini reforma na parte geral do CP,

enfatizou esse sistema punitivo alternativo possibilitando ao julgador a substi-

tuição que veremos a seguir. A Lei nº 9.714, de 25-11-1998, criou novas espé-

cies de penas restritivas, ampliando as possibilidades das sanções substituti-

vas, que tem sua razão de ser, pois como foi dito (item 1.1.), o cárcere

contamina o agente com vícios de ordem diversa, ademais, o fim precípuo da

pena seria a recuperação do preso, e há muito o sistema punitivo tradicional

(detenção e reclusão) se mostrou falho nesse aspecto. Dessa forma, nada mais

justo àquele que praticou uma infração de menor potencial ofensivo, uma

punição diversificada.

As penas restritivas de direito (ou substitutivas) estão classificadas no

art. 43 do CP, in verbis:

I - prestação pecuniária;

II - perda de bens e valores;

III - (Vetado);

IV - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

________1. Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v.1., p. 266.

59

V - interdição temporária de direitos;¹

IV - limitação de fim de semana.

A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito

ou multa, deve atender a aspectos objetivos, v. g., pena não superior a quatro

anos pela prática de crime doloso e que não tenha sido “cometido com violên-

cia ou grave ameaça à pessoa, ou qualquer que seja a pena aplicada a crime

culposo” (art. 44, I),² além de aspectos subjetivos, v. g., a conduta social do

condenado “indicar que essa substituição seja suficiente” (art. 44, III).

Conquanto a substituição não seja um direito do sentenciado “na função

individualizadora da fixação da pena, deve o juiz declinar as razões por que

não concede”.³

O § 2º do art. 44 dispõe acerca da substituição, considerando o limite da

________

1. Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são:

I - proibição do exercício do cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato

eletivo;

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação

especial, de licença ou autorização do poder público;

III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;

IV – proibição de freqüentar certos lugares.

2. Desta forma estão excluídos os delitos em que a violência ou grave ameaça

constituam o meio para a pratica delituosa, v. g., roubo, mas não àqueles em que a violência

ou grave ameaça seja constitutiva do próprio delito, v. g., lesão corporal. Nesse sentido:

Julio Fabbrini Mirabete, op. cit., p. 278.

3. Ibidem, p. 279.

60

condenação, i. e., igual ou inferior a um ano, pode ser cominada pena de multa

ou uma restritiva de direitos (1ª parte), se superior a um (e não ultrapasse

quatro anos), a substituição pode incorrer sobre uma pena restritiva de direitos

e multa, ou duas daquela (2ª parte).

- Substituição por multa (CP, arts. 44, § 2º; 60, § 2º):

A multa, como visto, pode substituir a pena privativa de liberdade,

desde que ao delito seja cominada sanção de até um ano (art. 44, § 2º).

Ainda, há previsão da multa substitutiva (ou vicariante) desde que não

ultrapasse seis meses, observados os critérios dos incisos I e II do art. 44,

v. g., o réu não for reincidente em crime doloso (inc. II). ¹

- Suspensão condicional da pena (CP, arts. 77 e ss.):

A suspensão condicional da pena (sursis) tem previsão legal no CP

(arts. 77-82) determinando que a execução da pena privativa de liberdade até

dois anos, poderá ser suspensa por dois a quatro anos (art. 77, caput). Dessa

forma, o legislador levou em conta este dispositivo (além da substituição das

penas privativas de liberdade por restritivas de direito ou multa) para aferir o

limite de até dois anos, às infrações penais de baixa lesividade de acordo com

o seu conceito atual (item 3.2.). Mais uma vez, evita-se com a aplicação do

sursis, os malefícios do encarceramento.²

________

1. O agente é reincidente quando comete novo crime, após o trânsito em julgado da

sentença condenatória anterior (CP, art. 63). Se houver sucedido o hiato de mais de cinco

anos entre a atual condenação, e a anterior, esse dispositivo não terá efeito (CP, art. 64, I).

2. Nesse sentido: Julio Fabbrini Mirabete, op. cit., p. 323.

61

A suspensão é direito subjetivo do condenado, portanto obrigatória

desde que, v. g., não seja reincidente em crime doloso (art. 77, I). Destarte, se

o agente comete novo crime (e é condenado) no intervalo de cinco anos a

partir da sentença condenatório anterior, não fará jus ao benefício. A suspen-

são poderá ser revogada, v. g., se houver condenação posterior por crime

doloso (art. 81, I), i. e., vontade livre e consciente de praticar o ato descrito

como crime. Pode ocorrer que a pena do agente seja suspensa em um

processo, mas pela condenação irrecorrível em outro, torne inaplicável o

instituto.

Em se tratando de condenação ulterior por crime culposo (qualquer que

seja a pena, é de se salientar) ou por contravenção penal, a revogação é

facultativa (art. 88, § 1º).

A suspensão incide, exclusivamente, sobre as penas restritivas de líber-

dade, porquanto é vedada a sua aplicação “às penas restritivas de direito ou

multa” (art. 80). Como dito, o prazo de suspensão é de 2 (dois) a 4 (quatro)

anos, contudo, poderá ser prorrogado se o beneficiário estiver “sendo

processado por outro crime ou contravenção até o julgamento definitivo” (art.

81, § 2º), depreende- se que é necessário (para que se dê a prorrogação) que o

beneficiário tenha sido acusado efetivamente em uma nova ação penal, i. e.,

não basta a simples instauração de inquérito policial.¹

Enfim, expirado o prazo sem revogação “considera-se extinta a punibi-

lidade” (art. 82).

________

1. Nesse sentido: Julio Fabbrini Mirabete, op. cit., p. 334.

62

Com a existência do sistema de penas alternativas (restritivas de direito

ou multa), e o sursis (suspensão condicional da pena),¹ ambos do CP, seria de

escassa probabilidade ² que uma pessoa praticasse uma infração penal de

menor potencial ofensivo e fosse privada de seu bem maior, a liberdade. Por

isso, pode-se afirmar que o legislador estipulou esse teto (um ano, dois anos,

entendimento atual) às infrações de baixa lesividade quando institui os Jui-

zados Especiais Estaduais (Lei nº 9.099/95) e Federais (Lei nº 10.259/01),

competentes para o seu julgamento e processamento.

________1. Há previsão da suspensão condicional do processo na Lei nº 9.099/95 (art. 89),

pelas suas características guarda certa similitude com a suspensão da pena, por este motivo

é que se tornou conhecido como sursis processual, pois no caso, o que é suspenso é o

processo e não a pena.

2. Escassa probabilidade não significa tornar impune o autor de um fato criminoso,

pois se houver “descumprimento injustificado” de uma pena restritiva de direitos, haverá

conversão em restritiva de liberdade, deduzindo o tempo já cumprido, e, “respeitado o

saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão” (CP, art. 44, § 5º). O mesmo não

se pode dizer quanto à pena de multa, considerada atualmente como dívida de valor. Não

há previsibilidade de sua conversão em pena privativa de liberdade (CP, art. 51).

63

CONCLUSÃO

Ao final, chegamos as seguintes conclusões:

I - o legislador constituinte, preocupado com o processamento e, julga-

mento das infrações de menor potencial ofensivo, tendo em vista a prescrição

da pretensão punitiva, e outros fatores que assombravam esses ilícitos, deter-

minou que fossem instituídos os Juizados Especiais Criminais (CF, art. 98, I)

nos Estados e no Distrito Federal;

II - as infrações penais de baixa lesividade se diferenciam das infrações de

bagatela (regidas pelo princípio da insignificância), pois estas nada significam

para o Direito Penal, ao contrário daquelas;

III - quanto houver concurso de crimes as penas não devem ser somadas

(concurso material) e nem acrescidas (concurso formal e crime continuado),

pois as infrações penais não sofrem alteração no que tange ao seu teor

ofensivo;

IV - no caso de tentativa, o desconto legal deve obedecer ao teto de 1/3 (um

terço) porquanto se fosse diferente, abatimento de 2/3 (dois terços), não se

encontraria o máximo da pena, para o delito tentado;

V - os delitos qualificados pelo resultado, bem como os que possuem

acréscimo legal, se a pena em abstrato superar dois anos (conceito atual de

64

infração penal de menor potencial), não serão considerados de baixa

lesividade;

VI - não se leva em conta as agravantes e atenuantes genéricas (CP, arts. 61

e ss.) para a conceituação de uma infração de pouca monta, porquanto esses

fatores incidem somente sobre a pena em concreto, e não em abstrato;

VII - se houver concurso entre uma infração de menor potencial e outra que

não o seja, a vis attractiva desta, excluirá a incidência do Juizado Especial

Criminal;

VIII - o art. 61, da Lei nº 9.099/95, foi derrogado em parte pelo art. 2º,

parágrafo único da Lei nº 10.259/01 em face dos princípios da igualdade e,

proporcionalidade, analogia in bonam partem, e do art. 2º, § 1º, da LICC;

IX - os procedimentos especiais a que se referia o art. 61 da Lei nº 9.099/95,

não foi totalmente suprimido pelo novo conceito de infração de baixa

lesividade, porquanto os “Crimes de Abuso de Autoridade” (Lei nº 4.898/65),

prevê um sistema punitivo próprio, afastando a incidência da transação penal

(art. 76 da Lei nº 9.099/95), sendo impossível se transacionar sobre a perda do

cargo, caso seja aplicada essa pena;

X - a expressão “ou multa” inserta no parágrafo único do art. 2º da Lei nº

10.259/01, não deve ser considerada isoladamente nos delitos que possuam

pena superior a dois anos e contenham alternativamente “ou multa”, pois

assim se consideraria como de baixa lesividade crimes que não o são, e, nem

65

para a exclusão das infrações que possuam pena de até dois anos, mas

contenha inserta “e multa”, ao invés de “ou multa”;

XI - o legislador estipulou a pena de um ano (cf. art. 61 da Lei nº 9.099/95),

posteriormente, dois anos (cf. parágrafo único, art. 2º, Lei nº 10.259/01), pois

dificilmente uma pessoa que cometesse uma infração de baixa lesividade,

seria recolhida ao cárcere, tendo em vista a substituição das penas privativas

de liberdade pelas restritivas de direito, ou multa, além da incidência da

suspensão condicional da pena (sursis).

66

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