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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE ANDREA BENEVIDES LEITE LIMA VERDE PAPEL ETIOLÓGICO DA ESTEATO-HEPATITE NÃO ALCOÓLICA NA CIRROSE CRIPTOGÊNICA Porto Alegre 2011

Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

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Page 1: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE PORTO ALEGRE

ANDREA BENEVIDES LEITE LIMA VERDE

PAPEL ETIOLÓGICO DA ESTEATO-HEPATITE NÃO ALCOÓLICA

NA CIRROSE CRIPTOGÊNICA

Porto Alegre

2011

Page 2: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

ANDREA BENEVIDES LEITE LIMA VERDE

PAPEL ETIOLÓGICO DA ESTEATO-HEPATITE NÃO

ALCOÓLICA NA CIRROSE CRIPTOGÊNICA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

Graduação em Hepatologia da Universidade

Federal de Ciências da Saúde de Porto

Alegre para obtenção do título de Mestre em

Hepatologia.

Orientador: Prof. Dr. Angelo Alves de Mattos

Coorientadora: Profa. Dra. Gabriela Perdomo Coral

Porto Alegre

Page 3: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

2011

Catalogação na Publicação

Bibliotecário Vladimir Luciano Pinto - CRB 10/1112

L732p Lima Verde, Andrea Benevides Leite

Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose criptogênica / Andrea Benevides Leite Lima Verde. – 2011.

64 f.: tabelas; 30 cm.

Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Curso de Pós-Graduação em Hepatologia, 2011.

“Orientador: Prof. Dr. Angelo Alves de Mattos; co-orientadora: Profa. Dra. Gabriela Perdomo Coral”

1. Cirrose hepática. 2. Cirrose criptogênica. 3. Hepatite crônica. 4. Esteato-hepatite não alcoólica. 5. Síndrome metabólica. I. Título.

CDD 616.3624

Page 4: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

À minha família

Meus pais, Eduardo e Vera, meus

exemplos de conduta moral.

Meu esposo, Fred, cujo estímulo foi fundamental

para conclusão desta dissertação.

Meus irmãos, em especial ao Eduardo, que

partiu ao encontro de Deus

no início deste estudo.

Page 5: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Angelo Mattos – com quem tive a grata oportunidade de conviver e a quem passei a

admirar pelo aspecto profissional e humano – pela gentileza com que me recebeu no

Serviço, pelo suporte nos momentos de dificuldade, pela paciência e destreza com que

conduziu esta dissertação.

Ao Dr. Sérgio Pessoa, exemplo de médico e amigo, a quem devo todas as oportunidades na

Gastroenterologia, pela dedicação ao ensino durante meus anos de residência e por ter

sempre me incentivado na pesquisa.

À Dra. Gabriela Coral, ao Dr. Sandro Evaldt e a todos que de alguma forma contribuíram

no desenvolvimento deste trabalho.

À Luciani Spencer, secretária do Programa de Pós-Graduação da UFCSPA, por sua

amabilidade e constante disponibilidade em ajudar.

Aos inestimáveis amigos que conheci em Porto Alegre, que tornaram agradável minha

estadia longe de casa.

Aos pacientes, sujeitos desta pesquisa.

À Deus, que me permitiu esta jornada.

Page 6: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS........................................................................vi

LISTA DE TABELAS.............................................................................................................viii

RESUMO...................................................................................................................................ix

ABSTRACT...............................................................................................................................xi

1) INTRODUÇÃO ...................................................................................................................01

2) OBJETIVOS.........................................................................................................................18

2.1) Objetivo Geral...................................................................................................................18

2.2) Objetivos Específicos........................................................................................................18

3) PACIENTES E MÉTODOS................................................................................................19

3.1) Delineamento.....................................................................................................................19

3.2) População...........................................................................................................................19

3.3) Amostra e Protocolo..........................................................................................................21

3.4) Comitê de Ética em Pesquisa.............................................................................................23

3.5) Análise Estatística..............................................................................................................23

4) RESULTADOS ...................................................................................................................24

5) DISCUSSÃO .......................................................................................................................31

6) CONCLUSÃO .....................................................................................................................38

7) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................39

8) APÊNDICE A.......................................................................................................................49

9) APÊNDICE B.......................................................................................................................50

10) ANEXO .............................................................................................................................51

Page 7: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

C. álcool | HCV Cirrose por álcool e por hepatite C

CBP Cirrose biliar primária

C. criptogênica Cirrose criptogênica

CHC Carcinoma hepatocelular

cm Centímetro

CT Colesterol total

dL Decilitro

DM Diabetes mellitus

DHGNA Doença hepática gordurosa não alcoólica

DP Desvio padrão

EHNA Esteato-hepatite não alcoólica

ELISA Enzimatic immuno assay

EPS Encefalopatia portossistêmica

EUA Estados Unidos da América

FAN Fator anti-nuclear

Fem Feminino

g Grama

HBV Vírus da hepatite B

HBsAg Antígeno s do vírus da hepatite B

HCV Vírus da hepatite C

HDA Hemorragia digestiva alta

HDL Lipoproteína de alta densidade

HOMA-IR Homeostasis Model Assessment – Insulin Resistance

IAM Infarto agudo do miocárdio

IC Intervalo de confiança

IMC Índice de massa corporal

Page 8: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

INR Índice de Normatização Internacional

ISCMPA Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre

Kg Quilograma

m2 Metro ao quadrado

Masc Masculino

MELD Model for End-stage Liver Disease

mg Miligrama

mmHg Milímetro de mercúrio

NAS NAFLD Activity Score (escore de atividade de DHGNA)

PBE Peritonite bacteriana espontânea

PCR Reação em cadeia da polimerase

RNA Ácido ribonucléico

TG Triglicerídeos

TNF Fator de necrose tumoral

TP Tempo de protrombina

µg Micrograma

Page 9: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição de pacientes quanto ao gênero.......................................................25

Tabela 2 – Distribuição de pacientes quanto à média de idade............................................25

Tabela 3 – Distribuição dos cirróticos de acordo com os critérios de Child-Pugh..............26

Tabela 4 – Distribuição de pacientes quanto ao nível de glicemia .....................................26

Tabela 5 – Distribuição de pacientes de acordo com a categoria do IMC...........................27

Tabela 6 – Distribuição de pacientes quanto ao nível sérico de CT....................................28

Tabela 7 – Distribuição de pacientes do sexo masculino quanto ao nível sérico de

HDL...................................................................................................................29

Tabela 8 – Distribuição de pacientes do sexo feminino quanto ao nível sérico de

HDL ................................................................................................................29

Tabela 9 – Distribuição de pacientes quanto ao nível sérico de TG ...................................30

Page 10: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

RESUMO

A cirrose criptogênica representa o estágio final de algumas doenças hepáticas

crônicas ocultas, sendo a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) uma das principais doenças

de base responsáveis por esses casos. Alguns estudos procuraram associação entre cirrose

criptogênica e EHNA comparando o “perfil metabólico” dos dois grupos, dando ênfase ao

diabetes mellitus e à obesidade. Este estudo tem como objetivo estipular a prevalência de

fatores de risco para EHNA em pacientes com cirrose criptogênica em nosso meio com o

intuito de estabelecer uma possível relação causal.

A pesquisa foi realizada no Serviço de Gastroenterologia da ISCMPA, onde 47

pacientes com cirrose criptogênica, 47 com EHNA e 196 com cirrose por HCV e/ou álcool

tiveram as seguintes variáveis avaliadas: glicemia, índice de massa corporal, colesterol total,

HDL e triglicerídeos, além de idade, gênero e escore de Child-Pugh.

Nos portadores de cirrose criptogênica, a prevalência encontrada de glicemia de jejum

alterada / DM foi de 68,2%; de obesidade, 27,5%; de hipercolesterolemia, 27,9%; de baixos

níveis de HDL, 58,1%, sendo de 81% nas mulheres e 36,4% nos homens; e de

hipertrigliceridemia, 16,3%. A comparação com o perfil de pacientes com EHNA mostra

semelhança estatística apenas entre o perfil glicêmico (62,8%) e os níveis de HDL nos

pacientes masculinos (53,8%). A comparação com os demais cirróticos mostra diferença

estatística apenas entre o perfil glicêmico (45,2%), colesterol total (13,3%) e de HDL nos

pacientes do gênero feminino (50,8%). A média de idade dos cirróticos foi de 53,2 anos,

enquanto que a dos pacientes com EHNA foi 46,4 anos, cerca de 7 anos mais baixa, p= 0,002.

O grupo com cirrose criptogênica apresentou-se com 23 pacientes do gênero feminino e 24 do

masculino. Naqueles com EHNA predominou o gênero feminino (68,1%) e nos cirróticos por

Page 11: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

álcool e/ou HCV predominou o gênero masculino (64,8%), não havendo diferença entre

nenhum dos grupos.

Conclui-se que, na avaliação da possível relação etiológica entre esteato-hepatite não

alcoólica e cirrose criptogênica, os resultados deste trabalho permitem fazer apenas uma

inferência, dado a concordância do perfil glicêmico e à diferença entre a média de idade, que

sugere um tempo necessário para uma eventual progressão da doença. Não é possível

estabelecer uma relação causal com os resultados obtidos, sendo que para isso seria

interessante um estudo prospectivo e com maior quantidade de pacientes.

Palavras-chave: Cirrose criptogênica, esteato-hepatite não alcoólica, síndrome metabólica.

Page 12: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

ABSTRACT

Cryptogenic cirrhosis represents the final stage of some occult hepatic cronic diseases,

been nonalcoholic steatohepatitis (NASH) one of its most important causes. Some researches

aimed for association between cryptogenic cirrhosis and NASH making a comparison of the

“metabolic profile” of both conditions, giving enfasis to diabetes mellitus and obesity. The

objective of this study was to determine the prevalence of some risk factors for NASH in

patients with cryptogenic cirrhosis from our Service, in attempt to establish a connection

between this two conditions.

This research was made in ISCMPA - Gastroenterology Department, where 47

cryptogenic cirrhosis patients, 47 NASH cases and 196 patients with HCV and/or alcohol

cirrhosis had the following variables evaluated: glicemia, body mass index, total cholesterol,

HDL and triglycerides, also age, gender and Child-Pugh score.

In cryptogenic cirrhosis patients, there were found the following prevalences: altered

glicemia or diabetes – 68,2%; obesity – 27,5%; high blood total cholesterol – 27,9%; low

blood HDL – 58,1% (women – 81%; men – 36,4%); hipertriglyceridemia – 16,3%. There was

concordance with the NASH group only in glicemic profile (62,8%) and masculine HDL

levels (53,8%). The comparison with the control group showed statistic difference only

between the glicemic profile (45,2%), hypercholesterolemia (13,3%) and low blood HDL in

females (50,8%). The cirrhotic patients´s age average was 53,2 years, but in NASH patients it

was 46,4 years, about 7 years younger, p= 0,002. The group with cryptogenic cirrhosis had 23

female patients and 24 male patients. In those with NASH, there was prevalence of females

(68,1%) and, in the control group, there was predominance of males (64,8%). There was no

statistic difference between any group.

Page 13: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

In conclusion, evaluating the possible causal relashionship between NASH and

cryptogenic cirrhosis, the results from this study only allow us to make an inference, giving

the coincidence of glicemic profile and the age´s average difference, reminding a time needed

to an eventual disease progression. It is not possible to establish a causal connexion by this

study results, been interesting a bigger and prospective study for this purpose.

Key-words: Cryptogenic cirrhosis, NASH, metabolic syndrome.

Page 14: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

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1. INTRODUÇÃO

Cirrose é uma condição clínica que representa o estágio final comum a várias doenças

crônicas do fígado, sendo uma das principais causas de mortalidade em todo o mundo. É

caracterizada pela desorganização arquitetural lobular e vascular do fígado, com formação de

nódulos, resultante da destruição difusa do parênquima hepático por uma agressão crônica.1

A lesão hepatocelular e vascular estabelecida leva a uma série de distúrbios, consequentes

à insuficiência hepatocitária e hipertensão portal.1 O quadro clínico da cirrose descompensada é

grave, determinando condições que podem levar ao óbito, se não prontamente tratadas. Os

pacientes com cirrose descompensada podem apresentar hemorragia digestiva alta por ruptura de

varizes gastro-esofágicas; encefalopatia hepática; ascite; peritonite bacteriana espontânea;

síndrome hepatorrenal; síndrome hepato-pulmonar e diminuição da resposta miocárdica ao

estresse.1,2 Além dessas complicações, existe o risco de surgimento de carcinoma hepatocelular

(CHC), cuja incidência anual varia entre 1 e 4%.3,4,5,6

A cirrose é a principal causa de indicação de transplante hepático, sendo as demais

representadas principalmente pelos casos de falência hepática aguda, hepatocarcinoma e doenças

hepáticas colestáticas com prurido intratável.1

No Brasil, são realizados anualmente mais de mil transplantes de fígado.7 Em 2010, foram

realizados 1295 transplantes hepáticos com doador cadáver (1404, somando-se os realizados com

doadores vivos). No entanto, a diferença entre o número de potenciais receptores e a quantidade

de órgãos disponíveis evidencia a necessidade de controle sobre a progressão das doenças

hepáticas crônicas.

Várias são as etiologias da cirrose.8 Conhecê-las é passo fundamental para intervir no

curso natural da doença, no sentido de impedir ou retardar sua progressão. No entanto, há

Page 15: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

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situações em que mesmo após estudo clínico, sorológico e anatomopatológico detalhado, não é

possível esclarecer a doença hepática crônica de base.9-14 Nesses casos, a cirrose é dita

criptogênica, criptogenética ou idiopática. Em estudos publicados entre 1981 e 1990,

encontramos nas casuísticas referentes à hepatopatia crônica uma prevalência de 14 a 43% de

cirrose criptogênica.15-21 Mas, conforme estudos realizados após a descoberta do vírus da hepatite

C (HCV), essa prevalência fica abaixo de 10% (3 a 9,9%).9,22-25

Não se credita a etiologia da cirrose criptogênica a uma doença de base específica, porém

possivelmente ao estágio final de algumas doenças crônicas ocultas.11 As doenças mais aceitas

como possíveis causas são a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), hepatite autoimune

silenciosa, hepatite por vírus ainda desconhecido e etilismo não relatado.9-14

Stephen Caldwell e colaboradores,9 em 1999, procederam a um estudo com 70 pacientes

diagnosticados com cirrose criptogênica, no qual foram feitas observações quanto aos fatores de

risco para as principais doenças suspeitas. Consideraram dados como presença de diabetes

mellitus tipo 2 (DM) e/ou obesidade, transfusão sanguínea antes do diagnóstico da cirrose,

pontuação ≥ 10 no escore Internacional de Hepatite Autoimune como os fatores de risco.

Observaram que os fatores de risco mais prevalentes foram a presença de DM (53%) e de

obesidade (47%), seguidos por FAN ≥ 1:40 (44%). Baseados nos fatores de risco, conseguiram

isolar 25 pacientes (35,7%) em que só se encontravam fatores de risco para EHNA e 19 (27,1%)

em que predominavam achados de autoimunidade. Paralelamente, os autores também

compararam a prevalência de DM e de obesidade nos 70 casos de cirrose criptogênica com a

prevalência em 39 pacientes com cirrose pelo HCV e em 33 com cirrose biliar primária (CBP),

assim como em 50 pacientes não cirróticos com EHNA. A prevalência de DM e obesidade dos

pacientes com cirrose criptogênica foi semelhante à daqueles com EHNA (42% DM e 64%

obesidade), sendo superior à encontrada nos pacientes cirróticos por HCV (25% DM e 3%

Page 16: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

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obesidade) e por CBP (15% DM e 15% obesidade). Nesse estudo, os autores traçam uma

correlação entre a média de idade dos pacientes com EHNA, 49 anos, e a dos casos com cirrose

criptogênica, 63 anos, chamando a atenção para a história natural da EHNA, que pode progredir

para cirrose ao longo dos anos.

Seguindo a linha de pesquisa dos fatores de risco para doença hepática gordurosa não

alcoólica (DHGNA), no ano seguinte Poonawala e colaboradores24 publicaram um estudo em que

compararam a prevalência de DM e obesidade em 49 casos de cirrose criptogênica com 98

controles pareados para gênero e idade, com escore de Child-Pugh semelhante, listados para

transplante hepático. A doença hepática de base dos pacientes-controle incluía álcool, vírus da

hepatite B (HBV), hepatite autoimune, colangite esclerosante primária, e outras, além de CBP e

doença hepática relacionada ao HCV, aumentando a representatividade das doenças hepáticas

crônicas. Os resultados obtidos corroboram com o estudo de Caldwell e colaboradores: 47% dos

casos eram obesos versus 24% dos controles; 47% tinham DM versus 22% dos controles; e 23%

eram obesos e diabéticos versus 5% dos controles. A prevalência de DM dentre os casos de

cirrose criptogênica foi 4 vezes maior que a taxa da população americana, e a de obesidade, quase

2 vezes maior. Os autores reforçam a hipótese de que a EHNA é uma das importantes causas de

cirrose criptogênica.

Em 2003 foi publicado um estudo japonês25 em que os autores avaliaram 404 pacientes

cirróticos quanto à prevalência de obesidade e DM. Um total de 40 pacientes (9,9% da amostra)

tinha cirrose criptogênica e nestes foi maior a prevalência de obesidade - 53% - e de DM - 40% -

quando comparados aos demais cirróticos (grupo controle) em que as prevalências encontradas

foram de 20 e 18%, respectivamente.

Em 2008, Tellez-Avila e colaboradores26 conduziram estudo semelhante avaliando a

relação entre síndrome metabólica e cirrose criptogênica. Neste trabalho os autores também

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compararam a prevalência de obesidade e DM em um grupo com cirrose criptogênica versus um

grupo composto de cirróticos por HCV, álcool e hepatite autoimune (grupo controle). Foram

incluídos 134 pacientes com cirrose criptogênica, 81 cirróticos por HCV, 33 por álcool e 20 por

hepatite autoimune. A média do escore de Child-Pugh não foi estatisticamente diferente entre os

grupos. Quanto à obesidade, a diferença foi estatisticamente significativa (16,4% x 8,2%)

quando o grupo controle foi avaliado em conjunto, mas não houve diferença quando avaliado

cada subgrupo em separado. A propósito, a prevalência de sobrepeso também foi avaliada e não

mostrou diferença estatística entre os grupos. Neste artigo, os autores ainda estudam a

prevalência de dislipidemia, no entanto, abordam hipertrigliceridemia e HDL baixo como uma

variável única. Encontram uma prevalência de dislipidemia na cirrose criptogênica de 54% versus

6% no grupo controle, p <0,001, diferença que se mantém ao se analisar cada subgrupo do

controle.

Em 1996, surgiu um dos primeiros estudos que correlacionam EHNA à cirrose

criptogênica através da avaliação da recorrência de EHNA no fígado transplantado. Neste artigo,

Kim e colaboradores27 estudaram 7 pacientes que desenvolveram cirrose por EHNA e se

submeteram a transplante hepático. Detectaram a recorrência de esteatose em 5, sendo que 3

evoluíram para esteato-hepatite. Um oitavo paciente estudado foi transplantado por cirrose

criptogênica. Neste caso os autores detectaram o desenvolvimento de esteatose moderada 4 meses

após o transplante, o que poderia sugerir a EHNA como possível etiologia da cirrose.

Semelhante a este estudo encontra-se o artigo de Sutedja e colaboradores28 com 37,6% de

desenvolvimento de esteatose versus 16,7% dos controles, sendo 25% com EHNA, e de Sanjeevi

e colaboradores,29 com 11,3% de desenvolvimento de EHNA nos transplantados por cirrose

criptogênica.

Page 18: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

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Mesclando os dois tipos de desenho – estudo do perfil clínico e recorrência pós-

transplante – Janus Ong e colaboradores30 demonstraram recorrência de esteatose ou esteato-

hepatite em 52% dos pacientes transplantados por cirrose criptogênica que tinham pelo menos 1

biópsia pós-transplante (25 de 51 casos de cirrose criptogênica transplantados). Os dados clínicos

estudados permitem a comparação dos 8 casos em que se diagnosticou EHNA com os 12 casos

em que não foi encontrado nenhum sinal de DHGNA: prevalência de DM – 62,5 x 8,3%; média

dos triglicerídeos (TG) – 285,9 x 117,7 mg/dL; média do índice de massa corporal (IMC) – 28,4

x 27,3 kg/m2.

Na mesma linha de pesquisa segue o trabalho de Ayata e colaboradores,10 que em 2002

descreveram os dados clínicos e os achados histopatológicos do explante de 27 pacientes com

cirrose criptogênica que se submeteram a transplante hepático. Concluíram que 33% dos casos (9

pacientes) correspondiam a EHNA e 22% (6 pacientes) a hepatite autoimune. Durante o

seguimento pós-transplante, 2 dos 9 pacientes diagnosticados como EHNA tiveram recorrência

da doença. O perfil clínico pré-transplante foi avaliado, encontrando-se DM em 3 dos 9 casos de

EHNA, em 2 dos 6 casos de hepatite autoimune e no único caso de HCV, não sendo visto em

nenhum dos outros 11 casos. Obesidade foi encontrada em 5 dos 9 casos de EHNA, em 2 dos 6

casos de hepatite autoimune e em nenhum dos outros 12 casos.

A maioria dos trabalhos acima citados é americano. Na Europa, trabalhos similares

também comprovaram a EHNA como causa não reconhecida de cirrose criptogênica, mas ao que

parece, não é a mais prevalente.

Na França, Duclos-Vallée e colaboradores,12 avaliando 26 pacientes com cirrose

criptogênica de uma série de 881 submetidos a transplante hepático, encontraram predominância

de hepatite autoimune, 14 casos (54%), enquanto que DHGNA contou com 3 casos (11,5%). Dos

Page 19: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

6

3 casos de DHGNA, 2 tinham EHNA e em 1 deles, houve recorrência da doença. Dos 6 casos que

permaneceu sem diagnóstico, nenhum evoluiu com hepatite.

Na Alemanha, em 2009 Heringlake e colaboradores14 encontraram resultados semelhantes

ao estudar retrospectivamente os parâmetros clínicos e o histopatológico de 126 pacientes com

cirrose criptogênica. Os autores encontraram 43 pacientes que preenchiam critérios para hepatite

autoimune, 22 para EHNA, 19 para lesão hepática por drogas e 42 permaneceram sem

diagnóstico etiológico. Em 20 dos casos de EHNA, foram encontrados DM, obesidade/sobrepeso,

dislipidemia e/ou hipertensão arterial sistêmica.

É difícil comprovar uma ligação causal entre EHNA e cirrose criptogênica, posto que há

uma perda progressiva dos achados histológicos típicos da doença com a evolução para

cirrose.31-33 Como podemos observar pelos estudos citados, a relação causal é sugerida pelo

estudo dos fatores de risco e/ou seguimento pós-transplante com biópsia hepática.

Para se compreender os fatores de risco e os achados histológicos da EHNA faz-se

necessário uma breve abordagem sobre o tema.

ESTEATO-HEPATITE NÃO ALCOÓLICA

A DHGNA é definida como acúmulo de gordura no fígado excedendo 5 a 10% do seu

peso.34 Este termo foi sugerido em 1986, por Schaffner e Thaler,35 para designar esta entidade

cujo espectro varia de esteatose, uma condição aparentemente benigna, a esteato-hepatite, que

pode apresentar fibrose hepática, culminando com cirrose em cerca de 22% dos

pacientes.31,32,36,37

Page 20: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

7

A expressão esteato-hepatite não alcoólica surgiu anteriormente, em 1980, em um artigo

de Ludwig e colaboradores.38 O termo foi proposto para designar achados de biópsia hepática

semelhante à doença hepática alcoólica em pacientes sem história de consumo de álcool, bypass

cirúrgico ou uso de drogas capazes de induzir esteato-hepatite.

Do ponto de vista histológico, é necessário utilizar um sistema de estadiamento que

contemple um conjunto de achados para classificar a DHGNA em todo o seu espectro. A

classificação histopatológica clássica utilizada foi proposta por Brunt e colaboradores39 em 1999.

Neste trabalho, cujo foco é a EHNA, foi proposto um esquema de graduação de atividade

necroinflamatória e estadiamento de fibrose. O grau de atividade é classificado em 1 - leve,

2 - moderado e 3 - intenso, sendo inferido por uma combinação dos achados de esteatose com

inflamação lobular e/ou portal e injúria hepatocelular (balonização dos hepatócitos). O estádio de

fibrose varia de 0 a 4, levando em consideração a ausência (estádio 0) ou presença de fibrose:

perisinusoidal / pericelular envolvendo a zona 3 de Rappaport - estádio 1; o anterior somado a

fibrose periportal - estádio 2; os dois anteriores acrescentando-se fibrose em ponte - estádio 3; e

cirrose - estádio 4.39 Estas características a diferenciam da esteatose simples, que se apresenta

como depósitos de gordura (triglicerídeos ou fosfolipídios) em mais de 5% dos hepatócitos, sem

atividade necroinflamatória ou fibrose.40

Em 2005, o NASH Clinical Research Network desenvolveu e validou um sistema

histológico de avaliação que abrange todo o espectro da DHGNA e que também é válido para

pacientes pediátricos, conhecido como NAS - NAFLD Activity Score.41 Este sistema foi baseado

na classificação de Brunt e colaboradores39 e refinado a partir deste, tornando-se mais detalhado.

Uma grande vantagem é ser útil para mensurar alterações histológicas após intervenções

terapêuticas.41

Page 21: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

8

A história natural da DHGNA foi investigada por estudos de coorte, alguns dos quais se

utilizaram de biópsia hepática seriada, o que possibilitou avaliar a evolução da fibrose.

Em 1995, Teli e colaboradores36 publicaram um estudo com 40 pacientes sem história de

etilismo, cuja biópsia hepática demonstrava presença de esteatose hepática apenas, excluindo

fibrose ou quaisquer outros achados sugestivos de esteato-hepatite. Dos 26 pacientes vivos ao fim

do seguimento, 14 não repetiram a biópsia por manter ecografia e níveis de aminotransferases

normais. Dos 12 casos em que a biópsia foi repetida, entre 7,6 e 16 anos depois, nenhum havia

desenvolvido cirrose ou sinais de esteato-hepatite. Apenas um caso (8,3%) apresentou progressão

para fibrose, demonstrando assim o caráter estável, relativamente benigno, ou não progressivo, da

esteatose não alcoólica “pura”. Os autores ainda comparam esses dados com os encontrados por

eles próprios no ano anterior, acerca da evolução histológica de casos de esteatose “pura”

induzida por álcool em pacientes que continuavam a beber, quando 8 de 27 (29,6%) pacientes

desenvolveram cirrose.42

A esteato-hepatite, por sua vez, possui potencial de evolução para cirrose, como já

demonstrado por alguns estudos em que foi realizada biópsia hepática seriada em um pequeno

número de casos.

Em 1989, Lee43 publicou um trabalho em que avaliou 49 pacientes com EHNA, sendo que

em 13 foram realizadas biópsias seriadas. Oito pacientes mantiveram-se estáveis em sua

evolução, contudo, houve progressão do grau de fibrose em 5 casos (38,4%) e 2 pacientes

evoluíram para cirrose (15,3%).

No ano seguinte, Powell e colaboradores31 publicaram uma pesquisa em que avaliaram 42

pacientes com EHNA comprovada por biópsia hepática, procedendo-se a biópsias seriadas em 13

casos, entre 1 e 9 anos após a biópsia índice. Dos 13 casos, 4 apresentaram piora histológica

Page 22: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

9

(30,7%). Houve progressão de fibrose para cirrose em 1 caso e 3 pacientes que apresentavam

somente achados de esteatose e inflamação, apresentaram fibrose ao longo do seguimento.

Na mesma linha de pesquisa, um estudo envolvendo um grande número de pacientes foi

publicado em 2005 por Adams e colaboradores.32 Foram avaliados 103 pacientes, 50 dos quais

estavam em protocolo de tratamento com clofibrato ou ácido ursodesoxicólico. A histologia foi

classificada de acordo com os critérios de Brunt.39 Noventa e seis pacientes preenchiam os

critérios para EHNA. O intervalo de tempo entre a primeira e a última biópsia variou entre 0,7 e

21 anos, sendo a mediana de 3.2 ± 3 anos. O resultado do estudo demonstrou que em cerca de um

terço dos casos, a EHNA se manteve estável, em um terço houve progressão do grau de fibrose e

no terço restante a fibrose regrediu com o passar do tempo. Do total, 9 pacientes progrediram a

cirrose, sendo que, em 2 casos, não havia fibrose na biópsia inicial (um após 9 e outro após 15

anos). Vale observar que os autores não encontraram nenhuma associação entre as variáveis

clínicas e bioquímicas com o desfecho da evolução do grau de fibrose. Mas, em relação à

velocidade de progressão da fibrose, o IMC e a presença de DM se mostraram fortes preditores

independentes, assim como o grau de fibrose inicial. Também vale observar que não houve

associação entre o índice de HOMA-IR e a velocidade de progressão da fibrose.

Ainda como parte da história natural da doença, vale mencionar a ocorrência de CHC.

Em 2010, Ascha e colaboradores,6 comparando a prevalência de CHC entre pacientes com

EHNA e HCV, encontraram uma incidência anual cumulativa de 2,6% em cirróticos por EHNA e

de 4% em cirróticos por HCV. Atualmente, a EHNA parece ser uma causa menos prevalente de

CHC que outras doenças hepáticas crônicas, mas é racional concluir que a ocorrência tende a

aumentar seguindo o aumento da prevalência de EHNA.

Page 23: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

10

Alguns casos dos estudos citados permitiram observar que, quando ocorre evolução para

cirrose, observa-se uma perda gradual dos achados histológicos característicos da EHNA.31,32

Devido a esta peculiaridade, torna-se difícil atribuir a etiologia da cirrose à EHNA quando a

história prévia é desconhecida. Os mecanismos envolvidos nesse processo ainda não estão bem

esclarecidos, mas se reconhece o papel do shunt porto-sistêmico, da capilarização dos sinusóides,

e da possível seleção natural de mitocôndrias menos suscetíveis ao estresse oxidativo.11 O shunt

porto-sistêmico seria responsável por poupar algumas áreas do fígado do depósito de gordura,

como comprovado em 1995, por Matsui e colaboradores.44 A capilarização dos sinusóides, por

sua vez, dificultaria a passagem de grandes moléculas, como as lipoproteínas, da circulação

portal para o interior do hepatócito.45 Sabe-se que a disfunção mitocondrial exerce um papel

primordial na gênese da esteato-hepatite, gerando radicais livres de oxigênio e favorecendo novas

lesões causadas por estes mesmos radicais, em um ciclo vicioso.46 Devido ao polimorfismo

genético do DNA mitocondrial, algumas mitocôndrias seriam mais resistentes à ação dos radicais

livres, sendo naturalmente selecionadas após um período de exposição ao estresse oxidativo.46 O

resultado final seria um hepatócito portador de mitocôndrias resistentes, sem grande potencial de

evolução da fase de esteatose simples para inflamação e fibrose.

Na maioria dos casos, a apresentação clínica da DHGNA e da esteato-hepatite é

assintomática; ocasionalmente havendo fadiga ou desconforto no hipocôndrio direito.40,47 Os

pacientes geralmente são investigados por alterações de aminotransferases, hepatomegalia

percebida ao exame físico ou pelo achado de infiltração gordurosa detectada à ecografia, mas o

diagnóstico de certeza somente pode ser firmado após biópsia hepática e exclusão de outras

causas.40

Com esta natureza silenciosa, a exata prevalência da DHGNA é desconhecida.48 Mas

estima-se que esteja em torno de 20 a 30%,49,50 sendo uma das mais comuns doenças

Page 24: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

11

hepáticas.23,49,51 Avalia-se a prevalência de EHNA na população adulta em torno de 3 a 6%,52 no

entanto, um estudo americano53 realizado em 2011 sugeriu que essa prevalência seja ainda maior,

em torno de 12%. Zamin Jr e colaboradores,54 em um estudo de base populacional realizado em

Porto Alegre, RS, observaram uma prevalência de EHNA de 3,18% em indivíduos obesos sem

DM associado. Quando se observam populações específicas de obesos ou diabéticos tipo 2, a

prevalência de DHGNA sobe para até 70 e 75% respectivamente,55 refletindo a associação com

síndrome metabólica.

A etiologia da DHGNA é multivariada. Uma série de condições causa acúmulo de

triglicerídeos nos hepatócitos, gerando esteatose predominantemente macrovesicular, tais como:

resistência à insulina, desnutrição, nutrição parenteral total, uso de amiodarona, tamoxifeno,

metotrexate e corticóide. Outras situações levam a inibição da β-oxidação lipídica mitocondrial,

causando esteatose predominantemente microvesicular, por exemplo: esteato-hepatite da

gravidez, uso de aspirina, tetraciclina, cocaína e exposição a alguns petroquímicos.56

A obesidade, notadamente a obesidade central, é uma das condições promotoras de

resistência à insulina.57-59 Devido à “epidemia” mundial de obesidade60-63 observada nos últimos

anos, pode-se considerar a resistência à insulina uma das mais prevalentes causas de DHGNA. A

associação é tão frequente que Pascale e colaboradores defendem o abandono do epíteto “não-

alcoólica” e a introdução do termo esteato-hepatite metabólica ou doença hepática gordurosa

metabólica.64

Atualmente, a DHGNA vem sendo considerada como o componente hepático da síndrome

metabólica.50,65 Esta síndrome é um conjunto de fatores de risco para doença cardiovascular

aterosclerótica e reúne condições diretamente promotoras de aterogênese e de resistência à

insulina. A síndrome dos ovários policísticos, a DHGNA e a apneia do sono são exemplos de

entidades reconhecidamente associadas à síndrome metabólica. 66

Page 25: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

12

De acordo com o consenso capitaneado pela International Diabetes Federation,67

publicado em 2009, a definição de síndrome metabólica deve incluir pelo menos 3 dos 5 critérios

a seguir:

- TG ≥150 mg/dL.

- HDL <40 mg/dL para homens e <50 mg/dL para mulheres.

- Pressão arterial sistólica ≥130 mmHg e/ou diastólica ≥85 mmHg.

- Glicemia de jejum ≥100 mg/dL.

- Medida da circunferência abdominal ≥90 cm em homens e ≥80 cm em mulheres da

América do Sul.

Este ponto de corte da circunferência abdominal tem sofrido modificações ao longo do

tempo com o intuito de adequar-se às características populacionais / raciais de cada continente.

Pelos critérios da American Heart Association,66 de 2005, o limite da circunferência abdominal

era universal, de 102 cm para homens e 88 cm para mulheres. Este parâmetro estava nos critérios

de síndrome metabólica definido pelo ATP III,68 em 2001, que, por sua vez, o retirou do

guideline americano de sobrepeso e obesidade de 1998.69 O consenso de 200967 sugere que cada

país estabeleça o próprio limite de circunferência abdominal.

Desde a introdução da teoria dos dois “hits” por Day e James,70 em 1998, para explicar a

patogênese da esteatose e sua progressão para inflamação, fibrose e cirrose, outras evidências

foram agregadas sugerindo a participação decisiva da resistência à insulina na transformação

evolutiva da DHGNA.71

O primeiro gatilho determina o desenvolvimento de esteatose. Este processo, geralmente

desencadeado pela resistência à insulina, ocorre por alteração no metabolismo dos lipídios,

favorecendo o acúmulo de TG nos hepatócitos.72 Nessa fase, também é notório o papel da

Page 26: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

13

inibição da β-oxidação lipídica mitocondrial, que pode ser o mecanismo inicial da DHGNA

secundária a drogas.70

Para que o quadro de esteatose hepática avance para inflamação e fibrose é necessário um

segundo gatilho: o estresse oxidativo, advindo de um estímulo secundário, principalmente

adipocitocinas e radicais livres de oxigênio oriundos da cadeia respiratória mitocondrial.70,72 A

consequência do estresse oxidativo é a peroxidação lipídica na membrana mitocondrial e

hepatocitária, levando a secreção de citocinas pró-inflamatórias e ativação das células estreladas,

resultando em fibrose.70,72

Com base na fisiopatologia, algumas drogas vêm sendo estudadas para o tratamento da

EHNA, porém nenhuma terapia isolada foi aprovada para tratamento até o momento do presente

estudo.73,74

Exercício físico e dieta com redução de calorias continuam sendo as bases do tratamento

da DHGNA e EHNA, posto que a perda de tecido adiposo reduz a resistência à insulina.73 Em

2010, Promrat e colaboradores75 realizaram um estudo randomizado e controlado, de um ano de

duração, com o objetivo de detectar o efeito de intervenção intensiva no estilo de vida nos níveis

de aminotransferases e achados histológicos na EHNA. Os autores concluíram que a magnitude

da perda de peso correlaciona-se fortemente com a melhora nos marcadores de EHNA, e que um

mínimo de 7% de perda de peso é necessário para atingir regressão no NAS. Ressalte-se que

nenhum participante mostrou melhora no grau de fibrose.

Quanto à cirurgia bariátrica, ainda não é possível estabelecer seu papel no tratamento da

DHGNA pela falta de ensaios clínicos randomizados adequados, segundo uma revisão feita pela

base de dados Cochrane.76

As tiazolidinedionas são drogas usadas no tratamento do DM por promoverem melhora

da sensibilidade à insulina no tecido adiposo, hepático e músculo-esquelético.72 Destacam-se na

Page 27: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

14

literatura a rosiglitazona e a pioglitazona, no contexto da DHGNA, mas atualmente só a última

está disponível.

Neuschwander-Tetri e colaboradores77 procederam a um estudo em que 30 pacientes com

EHNA comprovada por biópsia receberam 4 mg de rosiglitazona duas vezes ao dia por 48

semanas. Nos 25 pacientes que terminaram o estudo, constatou-se melhora histológica da fibrose

e injúria hepatocelular, diminuição das aminotransferases e melhora da sensibilidade à insulina.

Ratziu e colaboradores78 conduziram estudo semelhante, porém randomizado, utilizando

grupo controle, e observaram melhora dos níveis de aminotransferases e da esteatose, por redução

da resistência à insulina, porém não comprovaram melhora da fibrose hepática. Como efeitos

adversos, encontraram redução discreta do nível de hemoglobina, ganho de peso e edema de

membros inferiores doloroso.

A rosiglitazona, no entanto, parece estar associada a risco aumentado de infarto agudo do

miocárdio (IAM) e insuficiência cardíaca. Em uma metanálise que incluiu 42 ensaios clínicos da

rosiglitazona em tratamento de pacientes com DM, Nissen e Wolski79 encontraram razão de

chances para IAM de 1.43 (IC = 1,03 – 1,98). Em seguida a esta metanálise, foi publicada por

Home e colaboradores80 uma análise interina do estudo RECORD, comandado pela indústria

farmacêutica, onde foi demonstrado maior risco de insuficiência cardíaca no grupo da

rosiglitazona, mas não foi encontrada diferença estatística significativa entre os dois grupos

quando se analisou o evento IAM, embora esse dado não possa ser conclusivo. Em 2009, o

relatório final do RECORD82 foi publicado, demonstrando uma taxa anual de cerca de 0,5% de

IAM no grupo da rosiglitazona. Porém, Nissen, em um comunicado publicado no JAMA81 em

março/2010, sugere ter havido manipulação de dados por parte da indústria farmacêutica no

sentido de reduzir a taxa de infarto no grupo da rosiglitazona.

Page 28: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

15

A pioglitazona também vem sendo avaliada. Um estudo piloto foi publicado em 2004 por

Promrat e colaboradores83 avaliando os efeitos dessa droga em 18 pacientes não diabéticos. O

ensaio foi realizado com 30 mg/dia de pioglitazona por 48 semanas. Ao fim do estudo, os autores

observaram melhora histológica em dois terços dos casos, redução do conteúdo de gordura

hepática (avaliado por ressonância nuclear magnética), queda dos níveis de alanina

aminotransferase em 72% dos casos, redução da insulina de jejum em 21% da linha de base e dos

ácidos graxos livres em 16%.

Um ensaio clínico controlado randomizado conduzido por Belfort e colaboradores84

avaliou o uso de 45 mg/dia de pioglitazona e dieta hipocalórica em 26 pacientes com DM e

EHNA (comprovada por biópsia) versus um grupo controle de 21 pacientes semelhantes tratados

com placebo e dieta hipocalórica por 6 meses. Relataram melhora no controle glicêmico, nos

níveis de aminotransferases e na sensibilidade hepática à insulina; diminuição do conteúdo de

gordura do fígado (medido por espectroscopia por ressonância nuclear magnética); redução dos

achados necroinflamatórios, porém sem melhora significativa de fibrose.

Em 2010 foi publicado o estudo PIVENS,85 conduzido pela NASH Clinical Research

Network, que comparou o efeito de 30 mg/dia de pioglitazona e de 800 UI/dia de vitamina E, um

antioxidante, com placebo no tratamento da EHNA em adultos. O estudo durou 2 anos e foram

feitas biópsias hepáticas antes e depois do período de tratamento. Ambas as drogas mostraram

redução no NAS em 1,9 pontos versus -0,5 pontos do placebo, sendo o p <0,001. A resolução da

EHNA ocorreu em 21% dos pacientes em uso de placebo, 36% daqueles em uso de vitamina E

(p =0,05) e em 47% dos que estavam em uso de pioglitazona (p =0,001). Nos dois grupos de

tratamento ocorreu redução significativa da esteatose, inflamação lobular, aminotransferases,

γ-glutamiltranspeptidase e fosfatase alcalina quando comparados ao placebo. A balonização foi

reduzida em maior proporção em ambos os grupos de tratamento, mas, no grupo da pioglitazona,

Page 29: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

16

só mostrou diferença significativa em uma segunda análise, retirando-se os pacientes sem

balonização na biópsia inicial. Nenhuma das drogas demonstrou melhora no índice de fibrose.

Lutchman e colaboradores86 avaliaram o efeito da suspensão do tratamento com 30

mg/dia de pioglitazona por 1 ano em 13 pacientes com EHNA comprovada por biópsia.

Concluíram que a suspensão da droga foi associada a elevação de aminotransferases, diminuição

da adiponectina, diminuição da sensibilidade à insulina e aumento no conteúdo hepático de

gordura.

Outros antioxidantes, como betaína, e anti-TNFα, como a pentoxifilina, necessitam de

mais estudos para definir seu potencial terapêutico na EHNA.73,87

Alguns estudos com metformina, um hipoglicemiante oral, foram realizados em pacientes

com EHNA, demonstrando melhora bioquímica,73 mas são necessários estudos controlados para

avaliar resposta histológica.

O gemfibrozil, droga que atua na hipertrigliceridemia, foi avaliado em um estudo

controlado que observou melhora das enzimas hepáticas e dos níveis de TG no grupo do

tratamento.88 Um estudo piloto para tratamento de EHNA com fenofibrato, publicado em 2008,

mostrou resposta bioquímica, mas não histológica.89

O ácido ursodesoxicólico, um componente natural da bile, não mostrou diferença em

termos de melhora histológica ou bioquímica em relação ao placebo, no tratamento da EHNA.90

Como pode ser observado, a EHNA é uma doença caracterizada há pouco tempo, porém

com potencial evolutivo para cirrose estabelecido. Uma vez tendo sido instalada a cirrose, a

evolução destes casos é muito semelhante à da cirrose por outras causas, apresentando poucas,

mas interessantes, diferenças que merecem observação.

Em 2006 foi publicado um importante estudo prospectivo de história natural de cirrose

por EHNA,91 com mais de 10 anos de seguimento da coorte. Nesse trabalho, os dados clínicos e a

Page 30: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

17

evolução de 152 pacientes com cirrose por EHNA foram comparados aos de 150 pacientes com

cirrose por HCV. Os casos e controles eram muito semelhantes quanto ao perfil demográfico e

laboratorial, as únicas diferenças estavam na presença de DM, hipercolesterolemia e

hipertrigliceridemia, mais prevalentes no grupo de cirrose por EHNA. Os autores observaram o

desenvolvimento de 10 casos de CHC em 149 pacientes do grupo de cirrose por EHNA versus 25

em 147 de cirrose por HCV (p =0,01). Note-se que os casos de cirrose criptogênica, que

poderiam representar um estádio mais avançado da cirrose por EHNA, foram excluídos. Ascite

continuou sendo a complicação mais comum, no entanto, os pacientes com cirrose por EHNA

apresentaram um menor risco de desenvolvimento de ascite quando comparados aos controles. A

mortalidade naqueles com cirrose compensada foi menor no grupo da cirrose por EHNA (4%

versus 20% dos controles), sendo semelhante quando se observava cirrose descompensada. Uma

diferença interessante e significativa foi a maior mortalidade por doença cardíaca nos casos de

cirrose por EHNA (8 de 29) quando comparada aos controles (1 de 44), refletindo a maior

prevalência dos fatores de risco para doença coronariana / insuficiência cardíaca congestiva e

disfunção endotelial associada a esteatose.92

Apesar da dificuldade em se atribuir a etiologia da cirrose criptogênica a um caso de

EHNA que perdeu seus caracteres histológicos, o esforço se justifica pelo impacto social da

doença. Como dito, a prevalência da EHNA, apesar de incerta, acompanha a “epidemia” de

obesidade que se observa nas últimas décadas.50,60-63 Tendo em vista a importância da prevenção

ou tratamento das doenças hepáticas com potencial evolutivo para cirrose, é fundamental

pesquisar se existe elo entre EHNA e cirrose criptogênica em nosso meio.

Page 31: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

18

2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Avaliar a possível relação etiológica entre a esteato-hepatite não alcoólica e a cirrose

criptogênica.

2.2 Objetivos Específicos

Determinar a prevalência de fatores de risco para EHNA – presença de glicemia de

jejum alterada e/ou DM, obesidade, níveis elevados de colesterol total (CT), baixos

níveis de HDL e hipertrigliceridemia – nos pacientes classificados como portadores

de cirrose criptogênica.

Comparar esta prevalência com a de pacientes com diagnóstico de EHNA e com a

de um grupo controle composto de cirróticos por álcool e por hepatite C.

Page 32: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

19

3. PACIENTES E MÉTODOS

3.1 DELINEAMENTO

Estudo descritivo analítico transversal realizado na Irmandade Santa Casa de Misericórdia

de Porto Alegre (ISCMPA), no período de fevereiro de 2008 a dezembro de 2009, após análise e

aprovação do protocolo de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital.

3.2 POPULAÇÃO

• Critérios de inclusão

Pacientes maiores de 18 anos, em acompanhamento na ISCMPA, classificados com um

dos diagnósticos abaixo, de acordo com os critérios expostos a seguir:

(1) EHNA – de acordo com a avaliação clínica e análise histopatológica, segundo a

classificação de Brunt.39

(2) Cirrose hepática – definida por análise histopatológica ou por associação de dados clínicos /

laboratoriais, ecográficos (fígado de contornos irregulares, ecotextura heterogênea) e

endoscópicos (varizes gastro-esofágicas).

Dentre os pacientes que satisfizeram critérios para cirrose, apenas foram incluídos no

trabalho aqueles cuja hepatopatia crônica de base era:

Page 33: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

20

(2.1) Hepatite C – aceitando-se para este diagnóstico o exame positivo para anti-HCV, pelo

método ELISA de 3ª geração, confirmado pela detecção do RNA-HCV pela técnica da

reação em cadeia da polimerase (PCR).

(2.2) Álcool – de acordo com história clínica de consumo de >40g/dia para homens por mais de

10 anos e >20g/dia para mulheres por mais de 8 anos.

(2.3) Criptogênica – quando a investigação prévia para as hepatopatias atualmente conhecidas

resultou negativa. Para tal, constava no prontuário história negativa de consumo de álcool,

drogas hepatotóxicas capazes de induzir hepatopatia crônica (por exemplo: metotrexate,

α-metildopa) ou exposição ocupacional a hepatotoxinas e exames que refutavam a presença

de outras hepatopatias crônicas:

Hepatite viral – HBsAg negativo, anti-HCV negativo, PCR do HCV negativa;

Hepatite autoimune ou CBP – FAN negativo, anticorpo anti-músculo liso

negativo, anticorpo anti-mitocôndria negativo;

Doenças metabólicas – ceruloplasmina e cobre urinário dentro da faixa de

normalidade para excluir doença de Wilson, dosagem de α1-anti-tripsina normal

para descartar cirrose por deficiência de α1-anti-tripsina e dosagem de ferritina

<500µg/dL e índice de saturação de transferrina <50%, para excluir

hemocromatose.

• Critérios de exclusão

Pacientes cujos diagnósticos não ficaram inteiramente definidos, com carência da maioria

dos dados nos prontuários, com causas secundárias de EHNA ou causas outras de cirrose como,

por exemplo, hepatite B, hepatite autoimune, CBP e hemocromatose.

Page 34: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

21

3.3 AMOSTRA E PROTOCOLO

O arrolamento dos pacientes cirróticos foi realizado no ambulatório de Hepatologia da

ISCMPA e foram selecionados todos os pacientes consecutivos que preenchiam os critérios de

inclusão. Em alguns casos, nem todos os dados estavam completos; por isso, durante a análise de

determinadas variáveis, o número de pacientes analisado vem a ser inferior ao número total de

pacientes alocados no grupo.

Os prontuários encaminhados ao ambulatório semanal de Hepatologia foram revisados

para identificação dos pacientes que preenchem os critérios de inclusão. Aqueles pacientes que se

enquadravam na pesquisa, presentes para uma consulta de rotina, foram avaliados primeiramente

pelo médico assistente, para evolução clínica e solicitação dos exames complementares de rotina.

Em uma segunda etapa, foram abordados pela pesquisadora, para preenchimento do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A) e preenchimento do questionário (Apêndice B).

Também foram incluídos dados obtidos por revisão de prontuário de pacientes identificados no

arquivo de relatório de alta do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia da ISCMPA.

A coleta de dados, feita com base no questionário do apêndice B, teve como objetivo a

pesquisa dos principais fatores de risco para EHNA primária, que são alguns dos constituintes da

síndrome metabólica: baixos níveis de HDL, hipertrigliceridemia, presença de glicemia de jejum

alterada ou DM e obesidade, além de hipercolesterolemia. O valor de HDL considerado baixo foi

<40 mg/dL para homens e <50 mg/dL para mulheres, enquanto que hipertrigliceridemia foi

considerada como TG ≥150 mg/dL, de acordo com os critérios de síndrome metabólica.67 O

critério diagnóstico de DM adotado é aquele estabelecido pela Sociedade Brasileira de

Endocrinologia e Metabologia, ou seja, glicemia de jejum ≥126 mg/dL em duas ocasiões ou

glicemia >200 mg/dL após 2 horas de sobrecarga com 75 g de glicose.93 Glicemia de jejum

Page 35: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

22

alterada foi definida como glicemia ≥100 mg/dL, segundo a mesma fonte. Como obesidade, aqui

se considera IMC (calculado pela fórmula: peso em quilos /altura em metros2) ≥30 kg/m2 e

sobrepeso, IMC entre 25 e 29,9 kg/m2.94 Hipercolesterolemia foi definida como CT ≥200

mg/dL.68 Outras variáveis também foram avaliadas, para traçar o perfil clínico dos grupos de

sujeitos do estudo. Assim, foi registrado gênero, idade e gravidade da doença hepática pelo

critério de Child-Pugh.95 Alguns exames, necessários para se excluir possíveis causas de cirrose,

também foram registrados no protocolo, bem como inquérito sobre ingesta alcoólica, úteis na

definição de cirrose criptogênica.

A seleção de pacientes com EHNA foi iniciada com uma pesquisa no departamento de

Patologia da ISCMPA, buscando-se os pacientes pelo resultado do histopatológico de biópsias

hepáticas compatível com esteato-hepatite. Em seguida, foi realizada a revisão de prontuário,

para garantir a correlação clínica de EHNA com o histopatológico. Foram eliminados pacientes

com causas secundárias de EHNA ou esteato-hepatite alcoólica. Nenhum paciente foi biopsiado

para fins deste estudo. A idade considerada foi a que o paciente tinha à época da biópsia, bem

como os resultados de exames disponíveis nos prontuários.

Os pacientes foram alocados em grupos, de acordo com a doença hepática de base:

Grupo 1. EHNA

Grupo 2..Cirrose criptogênica

Cirrose por álcool Grupo 3.. Cirrose por HCV

Cirrose por álcool + HCV

Page 36: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

23

3.4 COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

O projeto de pesquisa deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da

ISCMPA sob o número de protocolo 2045/08, tendo sido aprovado sob o número de parecer

565/08, que se encontra em anexo.

3.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os dados foram processados e analisados com o auxílio do programa Software: PASW

(Predictive Analitic Software for Windows) versão 17.

Os pacientes com cirrose por álcool, cirrose por HCV e cirrose por álcool associado a

HCV foram agrupados (grupo 3) para efeito de cálculo. As medidas de associação foram feitas

usando a prevalência de fatores de risco para EHNA, comparando-se os grupos 1 versus 2 e o 2

versus 3.

Foram utilizados os testes de qui-quadrado e teste Exato de Fisher para variáveis

categóricas e teste t para variáveis contínuas. Para comparação entre as médias de idade, foi

utilizado o teste de Tukey, que permite determinar se duas médias são estatisticamente diferentes.

Dado o planejamento de duas comparações primárias, utilizamos a correção de Bonferroni para

determinar a significância estatística. Esse método é utilizado para garantir o nível de

significância desejado (α) para o grupo (neste caso, α = 0,05) quando se realizam análises

múltiplas, pois, ao se realizar mais de uma análise, a chance de erro do tipo 1 aumenta. A

aplicação da correção é simples: ajusta-se o α de cada teste individual dividindo-se o valor de α

desejado para o grupo pelo número de comparações a serem feitas. Portanto, neste trabalho,

valores de p <0,025 (0,05/2) foram considerados significativos.

Page 37: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

24

4. RESULTADOS

Dos 466 prontuários revisados, 176 foram excluídos por ausência de vários dados,

diagnóstico inconclusivo ou causa secundária de EHNA. Foram incluídos 290 casos que

continham a maioria dos dados a serem coletados e atendiam aos critérios de inclusão, alocados

em grupos como segue:

Grupo 1. EHNA..........................................47 pacientes

Grupo 2. Cirrose criptogênica.....................47 pacientes

Cirrose por álcool........................75 pacientes

Grupo 3 . Cirrose por HCV.........................70 pacientes 196 pacientes

Cirrose por álcool + HCV...........51 pacientes

GÊNERO

O grupo com cirrose criptogênica apresentou uma distribuição de pacientes entre os

gêneros de forma equilibrada, sendo 23 do gênero feminino e 24 do masculino. Naqueles com

EHNA predominou o gênero feminino (68,1%). Nos cirróticos por álcool e/ou HCV, predominou

o gênero masculino (64,8%).

O grupo com cirrose criptogênica é estatisticamente semelhante ao grupo com EHNA

(p =0,06) e ao grupo de cirróticos por álcool e/ou HCV (p =0,081). Tabela 1.

Page 38: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

25

Tabela 1 – Distribuição de pacientes quanto ao gênero. Grupo n Feminino Masculino p grupo 1x2 p grupo 2x3

1. EHNA 47 32 (68,1%) 15 (31,9%) 0,06

2. C. criptogênica

47

23 (48,9%)

24 (51,1%)

3. C. álcool | HCV

196 69 (35,2%) 127 (64,8%) 0,081

IDADE

A média de idade dos pacientes cirróticos foi de 53,2 anos, enquanto que a dos pacientes

com EHNA foi 46,4 anos, cerca de 7 anos mais baixa, sendo esta diferença significativa,

p =0,002. Tabela 2.

Comparando-se os 5 grupos entre si, pelo teste de Tukey, houve diferença significativa

apenas entre os grupos EHNA e cirróticos com HCV, que apresentam diferença de idade de cerca

de 10 anos em média, sendo p <0,05.

Tabela 2 – Distribuição de pacientes quanto à média de idade. Grupo N Média de idade ± DP p EHNA x

cirróticos EHNA 47 46,43 ± 11,4 0,002

C. criptogênica 47 52,04 ± 15,8

C. álcool 75 52,85 ± 9,9

C. HCV 70 56,91 ± 9,2

C. álcool + HCV 51 51,27 ± 8,8

Page 39: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

26

CLASSIFICAÇÃO DE CHILD-PUGH

Os grupos de pacientes cirróticos mostraram-se homogêneos quanto à gravidade da

doença hepática. Tabela 3.

Tabela 3 – Distribuição dos cirróticos de acordo com os critérios de Child-Pugh. Grupo Child A

n Child B

n Child C

n 2. C. criptogênica 28 (59,6%) 14 (29,8%) 05 (10,6%)

3. C. álcool | HCV 83 (43,5%) 76 (39,8%) 32 (16,8%)

Valor de p= 0,235.

GLICEMIA

A prevalência de glicemia de jejum alterada / DM nos pacientes com cirrose criptogênica

foi de 68,2%. Esta prevalência foi muito próxima a dos pacientes com EHNA, que foi de 62,8%,

sendo estatisticamente semelhantes, p =0,59.

Comparando a prevalência de glicemia de jejum alterada / DM do grupo de cirrose

criptogênica com a do grupo por álcool e/ou HCV (45,2%), encontramos diferença estatística,

p =0,006. Tabela 4.

Tabela 4 – Distribuição de pacientes quanto ao nível de glicemia. Grupo n < 100mg/dL

n ≥100mg/dL n

p grupo 1 x 2

p grupo 2 x 3

1. EHNA 43 16 (37,2%) 27 (62,8%) 0,597

2. C. criptogênica 44 14 (31,8%) 30 (68,2%)

3. C. álcool | HCV 188 103 (54,8%) 85 (45,2%) 0,006

Page 40: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

27

IMC

Foi encontrada uma prevalência de 27,5% de obesidade (75% de sobrepeso + obesidade)

nos pacientes com cirrose criptogênica.

No grupo com EHNA este valor ficou em 73,8% (95,2% de sobrepeso + obesidade),

sendo significativamente diferente do grupo com cirrose criptogênica, p <0,001. Nos cirróticos

por álcool e/ou HCV a prevalência foi de 21,1% (62,2% de sobrepeso + obesidade). Nessa

amostra, os grupos de cirróticos mostraram-se estatisticamente semelhantes (p =0,239). Tabela 5.

Tabela 5 – Distribuição de pacientes de acordo com a categoria do IMC. IMC em kg/m2

Grupo n < 25 25 – 29,9 ≥ 30

p grupo

1 x 2

p grupo

2 x 3

1. EHNA 42 02 (4,8%) 09 (21,4%) 31 (73,8%) < 0,001

2. C. criptogênica 41 10 (25%) 19 (47,5%) 11 (27,5%)

3. C. álcool | HCV 171 70 (37,8%) 76 (41,1%) 39 (21,1%) 0,239

Um detalhamento a respeito do grupo com EHNA –

31 dos 42 pacientes têm IMC igual ou acima de 30 kg/m2:

8 (25,8%) .................... 30 – 34,9 kg/m2

9 (29%) ....................... 35 – 39,9 kg/m2

14 (33,3%) .............................≥40 kg/m2.

Page 41: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

28

PERFIL LIPÍDICO

Na análise do perfil lipídico, observamos que a maioria dos pacientes com cirrose

criptogênica tem níveis séricos normais de colesterol total (72,1%) e triglicerídeos (83,7%), com

baixos níveis de HDL. Esse mesmo padrão foi observado no grupo de cirróticos por álcool e/ou

HCV.

No grupo com cirrose criptogênica, a prevalência de hipercolesterolemia foi de 27,9%.

Esse valor é estatisticamente diferente da prevalência do grupo com EHNA (62,5%), p =0,002. O

grupo com cirrose por álcool e/ou HCV apresenta uma prevalência de 13,3% de

hipercolesterolemia, sendo que esta diferença apresenta significância estatística em relação ao

grupo com cirrose criptogênica (p =0,019). Tabela 6.

Tabela 6 – Distribuição de pacientes quanto ao nível sérico de CT. Grupo n CT < 200mg/dL

n CT ≥ 200mg/dL n

p grupo 1 x 2

p grupo 2 x 3

1. EHNA 40 15 (37,5%) 25 (62,5%) 0,002

2. C. criptogênica 43 31 (72,1%) 12 (27,9%)

3. C. álcool | HCV 181 157 (86,7%) 24 (13,3%) 0,019

Quanto ao HDL, a análise foi feita em separado para homens e mulheres.

Page 42: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

29

HDL baixo foi encontrado em 36,4% dos homens com cirrose criptogênica, valor que não

apresenta diferença significativa em comparação com a prevalência encontrada na EHNA

(53,8%) ou na cirrose por álcool e/ou HCV (40,2%). Tabela 7.

Tabela 7 – Distribuição de pacientes do sexo masculino quanto ao nível sérico de HDL. Grupo n HDL <40mg/dL

n

HDL ≥40mg/dL

n

1. EHNA 13 07 (53,8%) 06 (46,2%)

2. C. criptogênica 22 08 (36,4%) 14 (63,6%)

3. C. álcool | HCV 107 43 (40,2%) 64 (59,8%)

Entre os 3 grupos: χ2=1,111, sendo p= 0,574.

Dentre as mulheres, HDL baixo foi encontrado em 81% daquelas no grupo com cirrose

criptogênica. A prevalência encontrada nos outros grupos foi menor, de 50,8% nos cirróticos por

álcool e/ou HCV (p =0,015) e de 32% naquelas com EHNA (p <0,001). Tabela 8.

Tabela 8 – Distribuição de pacientes do sexo feminino quanto ao nível sérico de HDL. Grupo n HDL<50mg/dL

n HDL ≥50mg/dL n

p grupo 1 x 2

p grupo 2 x 3

1. EHNA 25 08 (32%) 17 (68%) <0,001

2. C. criptogênica 21 17 (81%) 04 (19%)

3. C. álcool | HCV 63 32 (50,8%) 31 (49,2%) 0,015

Page 43: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

30

Quanto à hipertrigliceridemia, a prevalência no grupo com cirrose criptogênica foi de

16,3%, sendo significativamente diferente da prevalência apresentada no grupo com EHNA

(61,5%; p <0,001) e semelhante ao outro grupo de cirróticos (9,1%; p =0,168). Tabela 9.

Tabela 9 – Distribuição de pacientes quanto ao nível sérico de TG. Grupo n TG <150mg/dL

n TG ≥150mg/dL n

p grupo 1 x 2

p grupo 2 x 3

1. EHNA 39 15 (38,5%) 24 (61,5%) < 0,001

2. C. criptogênica 43 36 (83,7%) 07 (16,3%)

3. C. álcool | HCV 176 160 (90,9%) 16 (9,1%) 0,168

Page 44: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

31

5. DISCUSSÃO

A cirrose criptogênica representa o estágio final de algumas doenças crônicas ocultas,

sendo a esteato-hepatite não alcoólica uma das doenças de base responsáveis por esses

casos.9-12,24,25,27-32 Tendo em vista que a prevalência da EHNA acompanha a “epidemia” de

obesidade,60-63 o problema é de interesse da saúde pública.

A DHGNA vem sendo considerada a manifestação hepática da síndrome metabólica50,65 e

alguns estudos que procuram associação entre cirrose criptogênica e EHNA9,24-26 tratam do

estudo do “perfil metabólico” dos cirróticos, dando ênfase ao DM e à obesidade.

No presente trabalho, correlacionamos a prevalência de fatores de risco para EHNA entre

pacientes com cirrose criptogênica versus pacientes com EHNA comprovada por biópsia hepática

e versus pacientes cirróticos por HCV e/ou álcool.

Em janeiro de 2011 foram publicados dois artigos sobre epidemiologia da DGHNA e

EHNA, um envolvendo uma população ocidental e o outro, uma população oriental.

O artigo de Williams e colaboradores,53 que aborda uma população residente nos EUA,

envolveu 328 pessoas abstêmias e sem doença hepática conhecida, submetidas à ultrassonografia.

Dentre estas, foi encontrado esteatose à imagem em 151 (46%), sendo que 134 submeteram-se a

biópsia hepática, independentemente das aminotransferases. Pelos resultados do exame

histopatológico, havia 40 pacientes com EHNA, o que corresponde a 12,2% do total ou 26,5%

daqueles com esteatose à ultrassonografia. Considerando-se apenas os pacientes com EHNA

diagnosticados pela biópsia, os autores encontraram uma predominância de pacientes do gênero

Page 45: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

32

masculino (65%), com média de idade em torno de 55 anos, 25% diabéticos e 80% obesos. Dos

pacientes com esteatose “pura”, a maioria também era do gênero masculino (58,9%).

O artigo de Hashimoto e Tokushige96 faz uma revisão atualizada da epidemiologia da

EHNA no Japão. Neste trabalho, uma figura demonstra a distribuição por gênero de 492

pacientes com EHNA comprovada por biópsia: até os 50 anos, predomina o gênero masculino, a

partir daí, o feminino.

Quanto à cirrose criptogênica, a prevalência do gênero feminino fica demonstrada em

alguns trabalhos descritos anteriormente. Em 1999, Caldwell e colaboradores9 publicaram um

artigo tratando de 70 pacientes com cirrose criptogênica, aonde encontrou uma prevalência de

70% do gênero feminino com média de idade de 63 anos. Em 2001, Janus Ong e colaboradores30

publicaram um trabalho que descrevia características demográficas de pacientes com cirrose

criptogênica pré-transplante hepático, e os achados de biópsia hepática 6 meses após o

transplante. Nesse artigo, 60% dos pacientes eram mulheres com idade média de 50 anos.

Sakugawa e colaboradores,25 em 2003, encontraram 73% de pacientes do gênero feminino dentre

aqueles com cirrose criptogênica, com média de idade de 66 anos. Tellez-Avila e

colaboradores,26 em 2008, estudando fatores de risco para EHNA em pacientes com cirrose

criptogênica, encontraram 61,9% de casos do gênero feminino, com média de idade de 57 anos.

Na presente casuística, o perfil dos pacientes avaliados difere do observado na

literatura.9,26,30,53,96 Os pacientes com cirrose criptogênica se dividem de forma praticamente igual

entre gênero masculino e feminino, com média de idade de 52 anos. Achados semelhantes foram

observados em estudo de Poonawala e colaboradores24. Esses autores ao estudarem 49 pacientes

com cirrose criptogênica observaram 55% de pacientes do gênero feminino e uma média de idade

de 54 anos. E, na presente casuística, os pacientes com EHNA apresentam um predomínio do

gênero feminino (68%), com média de idade de 46 anos.

Page 46: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

33

Em artigos que tratam de biópsias seriadas em casos de DHGNA,31,32,43 fica demonstrado

que a esteato-hepatite pode evoluir para cirrose ao longo do tempo, portanto, pacientes com

cirrose secundária à EHNA são mais velhos que seus pares sem cirrose. Essa progressão pode

acontecer em menos de 10 anos, como exposto no artigo de Adams e colaboradores,32 que

observaram um paciente com EHNA evoluir de F0 a F4 em 9 anos.

No trabalho aqui apresentado, a diferença de idade entre os cirróticos e aqueles com

EHNA foi de 7 anos, sugerindo haver um intervalo de tempo necessário para a evolução da

doença.

A análise dos pacientes em relação aos critérios de Child-Pugh revela que os grupos eram

homogêneos quanto à gravidade da doença hepática, portanto, sendo adequados à comparação.

Os exames coletados referiam-se ao início do acompanhamento da cirrose na ISCMPA, talvez

por isso a maior proporção de casos se encontrasse na classificação de Child-Pugh A. No entanto,

somando-se a porcentagem de pacientes Child-Pugh B e C, encontra-se 40,4% no grupo de

cirrose criptogênica e 56,6% no grupo de cirrose por álcool e/ou HCV.

Quanto à presença de glicemia de jejum alterada ou DM, a presente casuística indica uma

prevalência de 68,2% no grupo com cirrose criptogênica, sendo este valor semelhante ao

encontrado no grupo com EHNA (p =0,597). Não se pode dizer que foi superior ao descrito por

Caldwell e colaboradores9 (53%), Poonawala e colaboradores24 (47%) ou Sakugawa e

colaboradores25 e Tellez-Avila26 (40%), pois esses autores consideraram apenas a prevalência de

DM, não entrando no cálculo os pacientes com glicemia de jejum alterada. Nota-se que, no

Page 47: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

34

presente trabalho, os demais cirróticos apresentam um perfil diferente, com prevalência de

45,2%, sendo p =0,006.

Em dois artigos9,24 que avaliam a presença de fatores de risco para DHGNA na cirrose

criptogênica, ambos descrevem maior prevalência de obesidade na cirrose criptogênica (47%)

que no grupo controle, sempre com significância estatística. Um terceiro trabalho, de Tellez-

Avila e colaboradores,26 com amostra maior, encontrou uma prevalência de 16,4%. A diferença

foi estatisticamente significativa quando o grupo controle foi avaliado em conjunto (8,2% de

obesidade nos controles), mas não houve diferença quando avaliado separadamente. Como dito

anteriormente, a prevalência de sobrepeso não mostrou diferença estatística entre os grupos. Os

autores atribuem o fato à desnutrição do cirrótico. Na conclusão, é destacado o uso do IMC no

lugar da circunferência abdominal, o que pode ter subestimado o número de casos diagnosticado

como síndrome metabólica.

Na presente casuística, a prevalência de obesidade na cirrose criptogênica foi de 27,5%,

superior à encontrada por Tellez-Avila e colaboradores26. A prevalência de sobrepeso foi de

47,5%, portanto, a prevalência geral de pacientes acima do peso ideal na cirrose criptogênica foi

de 75%. No grupo controle, essa prevalência fica em torno de 20% de obesos e 40% com

sobrepeso, não havendo diferença estatística em relação ao grupo com cirrose criptogênica. Não

fica claro se a evolução da cirrose, com a desnutrição e a caquexia próprias da progressão da

doença,97 pode ter influenciado nos índices de massa corporal encontrados, diminuindo a

proporção de obesos. A prevalência de obesidade no grupo com EHNA foi de 73,8%, superior à

encontrada no artigo de Caldwell e colaboradores,9 que foi de 64%. Talvez essa diferença se

explique, em parte, pela metodologia usada. Como o grupo com EHNA precisava do diagnóstico

comprovado por histopatológico, e nenhum paciente foi biopsiado a propósito desta pesquisa, os

pacientes do grupo EHNA sofreram um viés de seleção. Como descrito na metodologia, a

Page 48: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

35

amostra foi selecionada partindo-se das biópsias, sendo que um número considerável foi obtida

em pacientes com alterações mais significativas e persistentes de “provas de função hepática” ou

em transoperatório de cirurgia bariátrica. Acreditamos que este fato poderia justificar o achado de

termos a metade dos casos (54,7%) com IMC ≥35kg/m2 ou 33% ≥40kg/m2. Nesta amostra,

possivelmente devido ao viés de seleção, e talvez à evolução da cirrose, o grupo com cirrose

criptogênica não se assemelhou aos pacientes com EHNA.

É possível que a parcela de cirróticos com doença mais avançada (40,4% no grupo 2 e

56,6% no grupo 3) tenha contribuído para o encontro de valores considerados normais (embora

baixos) de CT e valores baixos de HDL, sendo esta uma das limitações deste trabalho. Sabe-se

que o fígado executa um papel central na homeostase dos lipídios e que a produção de CT e HDL

diminuem com a redução da função hepática.98 Isso ficou bem demonstrado no artigo de Habib e

colaboradores99 que correlacionaram o valor de CT e suas frações ao valor de albumina,

bilirrubina total, INR, creatinina e escore MELD, tendo encontrado uma forte associação entre os

níveis de HDL e CT e os testes de função hepática, ao ponto de considerarem o HDL um

marcador de função hepática e, quando <30 mg/dL, um preditor de mortalidade pré-transplante

hepático.

Nos trabalhos de Caldwell e colaboradores9 e de Poonawala e colaboradores24 não foram

feitas avaliações do perfil lipídico dos grupos estudados. O único artigo encontrado pela autora

que correlaciona síndrome metabólica e cirrose criptogênica avaliando o perfil lipídico foi o de

Tellez-Avila e colaboradores26, embora o mesmo não faça distinção entre HDL ou TG,

analisando os dois parâmetros em conjunto. Neste artigo, os autores encontraram uma

prevalência de dislipidemia na cirrose criptogênica de 54% versus 6% no grupo controle,

composto de cirróticos por HCV, álcool e hepatite autoimune, (p <0,001), que se mantém ao se

analisar cada subgrupo do controle. O artigo de Ong e colaboradores30 cita a média dos valores de

Page 49: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

36

TG dos casos de cirrose criptogênica com e sem EHNA, mas não determina a prevalência de

hipertrigliceridemia. Na presente casuística, 72% daqueles com cirrose criptogênica e 86% dos

cirróticos por álcool e/ou HCV tinham níveis de CT <200 mg/dL, uma porcentagem ainda maior

tinha níveis TG <150 mg/dL. Portanto, o nível de TG alto como fator de risco para EHNA não foi

encontrado na presente amostra de cirrose criptogênica, o que o tornou diferente do grupo com

EHNA, em que se observou 61,5% de hipertrigliceridemia (p <0,001).

Quanto ao HDL, houve diferença de padrão entre mulheres e homens. Das mulheres com

cirrose criptogênica, 81% tinham HDL baixo, em oposição a apenas metade daquelas com cirrose

por álcool e/ou HCV, sendo esta diferença significante (p =0,015). Mas esse padrão não se

repetiu nos homens: ao redor de 40% de ambos os grupos de cirróticos apresentaram HDL baixo.

Se considerarmos a amostra unificada, encontraremos um total de 25 (de 43) pacientes com

cirrose criptogênica com dosagem de HDL baixa. Esse valor absoluto representa 58,1% da

amostra. Em contrapartida, o mesmo cálculo obtém a prevalência de 44,1% dentre os cirróticos

por álcool e HCV. Assim sendo, é possível afirmar que esta amostra de cirrose criptogênica

apresenta alta prevalência (quase 60%) de HDL baixo, ainda que não haja com quem comparar

nos estudos presentes na literatura. No entanto, esse dado deve sofrer reflexão, uma vez que os

níveis de CT da amostra também são baixos. Em relação à EHNA, com 32% de mulheres com

HDL baixo, as mulheres com cirrose criptogênica apresentam um perfil diferente (p =0,11), com

uma proporção muito maior de baixo HDL. Ao se analisar o gênero masculino, o perfil é

semelhante (p =0,574).

A hipertensão arterial sistêmica, outro parâmetro da síndrome metabólica, não foi avaliada

aqui, por ter o cirrótico alterações hemodinâmicas que levam a diminuição da pressão arterial

sistêmica.100

Page 50: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

37

De modo geral, diante dos dados avaliados no presente estudo, do ponto de vista

epidemiológico não podemos afirmar que a maior parte de pacientes com cirrose criptogênica

acompanhados na ISCMPA seja oriunda da evolução de pacientes com EHNA, uma vez que nem

todos os parâmetros da síndrome metabólica foram semelhantes entre esses dois grupos de

doentes e diferentes de forma significativa do grupo controle.

No entanto, uma inferência poderia ser feita, uma vez que a amostra de EHNA mostrou-se

alguns anos mais jovem que a média dos cirróticos e que o perfil de glicemia foi semelhante ao

grupo com EHNA e diferente dos demais cirróticos. Por todos os estudos expostos na introdução,

fica claro o papel da resistência à insulina na patogênese da DHGNA e sua evolução para esteato-

hepatite. E a glicemia de jejum alterada correlaciona-se fortemente à resistência à insulina, como

exposto no consenso de síndrome metabólica de 2005.66 Ainda nesse consenso, os autores fazem

uma observação sobre a não obrigatoriedade dos pacientes com resistência à insulina serem

clinicamente obesos, mas que, em geral, eles têm uma distribuição de gordura do tipo central.

Uma limitação deste trabalho foi não ter avaliado a circunferência abdominal dos pacientes, mas

ao invés disso, ter usado o IMC, seguindo o exemplo dos trabalhos publicados na literatura.9,24-26

O outro parâmetro que não encontrou paridade com EHNA e cirrose criptogênica em

nosso meio foi o perfil lipídico, mas contra esta análise pesa o fato da alteração do metabolismo

lipídico do cirrótico98 e a falta de estudos na literatura com que se possam comparar.

Portanto, os únicos parâmetros que não sofreram limitação pelo desenho do estudo foram

a idade, o gênero e a glicemia, e destes, a idade e a glicemia são compatíveis com a existência de

uma relação causal entre EHNA e cirrose criptogênica.

Page 51: Papel etiológico da esteato-hepatite não alcoólica na cirrose

38

Devido às limitações já descritas, e à relevância do tema, percebe-se serem necessários

estudos mais abrangentes em termos de população, prospectivos e com uma amostra maior.

6. CONCLUSÃO

Na avaliação da possível relação etiológica entre a esteato-hepatite não alcoólica e a

cirrose criptogênica, não é possível estabelecer uma relação causal com os resultados obtidos. Os

resultados deste trabalho permitem fazer apenas uma inferência, dado a concordância do perfil

glicêmico, sendo que a média de idade poderia sugerir a progressão da doença.

Nos pacientes portadores de cirrose criptogênica, a prevalência encontrada de:

glicemia de jejum alterada / DM foi de 68,2%;

obesidade, 27,5%;

hipercolesterolemia, 27.9%

baixos níveis de HDL, 58,1%, sendo de 81% nas mulheres e 36,4% nos homens;

hipertrigliceridemia, 16,3%.

A comparação destas prevalências com o perfil de pacientes com EHNA mostra

semelhança estatística apenas entre o perfil glicêmico e os níveis de HDL nos pacientes

masculinos. A comparação com os demais cirróticos mostra diferença estatística apenas entre o

perfil glicêmico, níveis de CT e de HDL nos pacientes do gênero feminino.

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39

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APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

IRMANDADE SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE

SERVIÇO DE GASTROENTEROLOGIA E HEPATOLOGIA

TÍTULO DA PESQUISA: PAPEL ETIOLÓGICO DA ESTEATO-HEPATITE NÃO

ALCOÓLICA NA CIRROSE CRIPTOGÊNICA.

Estamos realizando uma pesquisa com a intenção de levantar dados de saúde de pacientes que apresentam cirrose hepática ou doença gordurosa do fígado. O objetivo do trabalho é comparar as alterações de saúde desses pacientes, referentes aos níveis de colesterol, presença de diabetes, adequação do peso e situação da doença do fígado.

Os dados obtidos serão os que constam no prontuário, incluindo seu peso e altura. Você não terá que se submeter a nenhum procedimento extra para participar da pesquisa. A participação nesta pesquisa não gera nenhum risco e nenhuma despesa para você, também não lhe trará nenhum benefício particular imediato.

A sua identificação pessoal não será exposta no estudo.

Você não é obrigado a participar da pesquisa. E participando ou não, você continuará a receber o acompanhamento para sua doença pela equipe médica do Ambulatório de Hepatologia da Santa Casa. Estamos à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas. Telefone do Comitê de Ética em Pesquisa: (51) 3214-8571. Meu telefone: (51) 8114-4415.

Eu, _______________________________________,Prontuário n°_____________,

autorizo a coleta de dados em meu prontuário e a utilização das informações obtidas a fins de

pesquisa clínica e posterior publicação em periódico científico. Diante das explicações

fornecidas, considero-me informado sobre o objetivo do estudo, o procedimento utilizado, a

ausência de prejuízos e a garantia de sigilo sobre as informações prestadas.

_______________________ _________________________________ Assinatura do pesquisador Assinatura do paciente ou responsável

(Andrea Benevides) ____________________________ __________________________________

Assinatura da testemunha Assinatura da testemunha

Porto Alegre, ____ de ________________ de 200__.

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APÊNDICE B

QUESTIONÁRIO: PROTOCOLO DE CIRROSE E EHNA

A Nome: _____________________________Data de Nascimento:________ B No. prontuário de ambulatório:__________________ C Idade em anos:_________ D Gênero: 1- M 2- F E Etiologia: 01-álcool 02-HCV 03- 1+2 04-EHNA 05-criptogênica F Ingesta alcoólica: 1- < 20g/dia ♀ e <40g/dia ♂ 2- > 20g/dia ♀ e >40g/dia ♂ (10g = 350ml cerveja = 120 ml vinho = 45ml destilado) G Glicemia ≥ 100mg/dL: 1- Sim 2- Não Glicemia:____ H TG ≥ 150mg/dL: 1- Sim 2- Não TG:_________ I HDL <40 ♂ / <50♀mg/dL : 1- Sim 2- Não HDL ________ J CT ≥ 200 mg/dL: 1- Sim 2- Nao CT _________ K IMC: 1-<25 2- 25 – 29,9 3- ≥30 IMC ________ L Child: 1- A 2- B 3- C M Albumina (g/dL) 1- >3,5 2- 3,5 – 2,8 3- <2,8 _________ N Bilirrubina total (mg/dL): 1- <2 2- 2 – 3 3- >3 _________ O TP(%): 1- >70 2- 70 – 50 3- <50 _________ P Ascite: 1- Sim 2- Não Q PBE: 1- Sim 2- Não R HDA: 1- Sim 2- Não S EPS: 1- Sim 2- Não T Biópsia hepática 1- Sem Bx hepática 2- Bx com cirrose, sem esteatose 3- Bx com cirrose, com esteatose 4- Bx com cirrose, com esteato-hepatite 5- Outros achados U Fone de contato: _______________ Exames complementares: Anti-HCV: PCR-HCV: HBsAg: FAN: AML: AAM: Ceruloplasmina: Cobre ur: α1-anti-tripsina: Ferro sérico: Ferritina: Índice de saturação de transferrina:

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