73
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus de Bauru ROBERTA DE SOUZA ALVES ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO- BRASILEIRA E AFRICANA: DA LEI AO COTIDIANO ESCOLAR BAURU 2007

TCC Roberta - Final

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências Campus de Bauru

ROBERTA DE SOUZA ALVES

ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-

BRASILEIRA E AFRICANA: DA LEI AO COTIDIANO

ESCOLAR

BAURU 2007

2

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

Faculdade de Ciências Campus de Bauru

ROBERTA DE SOUZA ALVES

ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-

BRASILEIRA E AFRICANA: DA LEI AO COTIDIANO

ESCOLAR

Trabalho apresentado como exigência parcial para a Conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências UNESP – campus de Bauru sob a orientação do Prof. Dr. Clodoaldo Meneguello Cardoso.

BAURU

3

2007

Alves, Roberta de Souza. Ensino de história e cultura afro-brasileira e africana: da lei ao cotidiano escolar/ Roberta de Souza Alves/ Unesp-Bauru, 2007. 74p. Trabalho de Conclusão de Curso (Pedagogia) – Universidade Estadual Paulista – Unesp-Bauru – Faculdade de Ciências. Orientador. Prof. Dr. Clodoaldo Meneguello C 2007. 1. Relações raciais. 2. Legislação educacional. 3. Cotidiano escolar. 4. Orientações didáticas. I. Alves, Roberta de Souza.

4

Agradecimentos

Agradeço, primeiramente a Deus que sempre proporcionou grandes oportunidades

em minha vida.

Tais oportunidades não seriam desenvolvidas, não fosse pela presença e

expressiva, companheira, devota, de Neide, minha mãe.

Agradeço ao meu orientador, Professor Clodoaldo, pela generosidade,

conhecimento, paciência e sabedoria dedicados a mim e ao meu trabalho.

Agradeço ao meu irmão, João Gilberto e ao meu pai, Roberto, por sempre me

reportarem ao real valor da família em nosso cotidiano.

5

6

Dedicatória

Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam em uma educação

de qualidade, sem distinção de nenhuma natureza, a fim de

construirmos, desta maneira, uma nação mais humana e solidária.

7

A desconstrução da ideologia que desumaniza e desqualifica pode contribuir para o processo de reconstrução da identidade étnico/ racial e auto-estima dos afrodescendentes, passo fundamental para a aquisição dos direitos de cidadania. Ana Célia da Silva

8

Roberta de Roberta de Souza Alves

ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E

AFRICANA: DA LEI AO COTIDIANO ESCOLAR

Trabalho apresentado como exigência parcial para a Conclusão do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências UNESP – campus de Bauru sob a orientação do Prof. Dr. Clodoaldo Meneguello Cardoso.

Banca Examinadora

_______________________________

Clodoaldo Meneguello Cardoso _______________________

Edílson Marques da Silva _______________________________

Vera Lúcia Messias Fialho Capellini

___/___/___

9

RESUMO

O presente estudo, de natureza sócio-histórica, tem por objetivo demonstrar a importância da implantação da lei 10.639/ 03, que confere à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira maior especificidade no tocante ao ensino de História e Cultura da África e dos afrodescendentes. Por meio de pesquisa bibliográfica e coleta de dados em campo pela professora da classe/ autora do trabalho, tem por objetivos investigar os obscuros caminhos da formação da inferioridade ideológica do negro, as formas de resistência em busca de sua emancipação, bem como suas lutas em favor de uma educação de qualidade, voltada demanda plural de nosso país. Também se dispõem a articular, a luz da teoria revisada, a vivência de atividades didáticas em sala de aula com foco na valorização da diversidade. A expectativa referente à efetivação da lei 10.639 no cotidiano escolar, cerne do trabalho, concebe a educação formal enquanto um meio de ruptura das desigualdades raciais no Brasil. Sugere, pois que, o trabalho pedagógico fundamentado em um currículo que contemple a diversidade, dotado de consciência política; vinculado à ação de educadores capacitados para a articulação didática na perspectiva das ações afirmativas só tem a contribuir para o fim das tensões raciais e com supremacia dos conteúdos eurocêntricos, por muito desarticulados com a realidade em sala de aula. Palavras-chave: negro, relações raciais, educação formal, ações afirmativas.

10

Sumário INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

1 O NEGRO NO BRASIL

1. 1. A Construção da Idéia de Inferioridade .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1. 2. Da Abolição a Exclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1. 3. A Resistência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

13 13 19 24

2 O NEGRO NO CONTEXTO EDUCATIVO

2. 1. O Aluno Negro e o Sistema Educacional Brasileiro . . . . . . . . . . .

2. 2. A Abordagem de Temas Raciais em Sala de Aula: Um Currículo

Discriminatório. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2. 2.1. Teoria do Déficit . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

27 27 30 31

3 O NEGRO NA CONJUNTURA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

3. 1. Lutas para a Construção de uma Identidade: Movimento Negro

Unificado no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3. 2. A Lei 10.639: Uma Nova Abordagem aos Temas Africanos e

dos Afrodescendentes Brasileiros no Contexto Educacional . . . . . . . .

3. 2.1. Projeto São Paulo: Educando pela Diferença para a

Igualdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

35 35 39 45

4 REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA

4. 1. O Professor e as Mudanças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4. 2. Três Experiências Didáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4. 2. 1. Auto-retrato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4. 2. 2. O desenho do outro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4. 2. 3. E que fim levou o Patinho Feio? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

49 49 52 54 56

58

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

APÊNDICE

ANEXO

11

Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil, lei maior de nossa nação,

possui enquanto pressuposto

(...) assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (...). (BRASIL, 1988, p. 1)

Seus princípios, baseados na prevalência dos Direitos Humanos, na

tolerância às diferenças e repúdio a quaisquer formas de discriminação tiveram, no

campo educacional, sua transposição na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional Nº 9394/96, que confere ao contexto educacional a especificidade de

articular com a diversidade, por meio do respeito às manifestações culturais, bem

como um currículo que atenda às necessidades de todas as partes envolvidas na

relação ensino – aprendizagem.

Em diversos estudos realizados em nosso país, descobriu-se que grande

parte dos alunos negros possui dificuldade, ou mesmo total impedimento em

afirmar sua origem étnica. Uma das causas para este mal é a ausência de

referências positivas na narrativa da história dos negros tanto no Brasil, quanto de

sua história ainda em continente africano. Sendo assim, configura-se uma lacuna

no autoconceito do negro em nosso país.

Com o intuito de sanar, amenizar esta situação de ausência da historicidade

da cultura negra, encontram-se nichos para construir, na dimensão do senso

comum: um particular mítico, dotado de estorietas preconceituosas, piadas

depreciativas e explicações sem nenhuma base científica as quais geram nos

indivíduos da etnia negra um sentimento de impotência, inferioridade, subserviência

e baixa auto-estima. Um legado que desconhece a si e sua própria história, que se

resume, nestes termos, à escravidão, passividade, pobreza, ignorância, vícios, e

que, de modo singular, minimaliza sua cultura ao samba ou manifestações

religiosas como o Candomblé, erroneamente denominado “Macumba”.

Reducionistas, estas práticas apenas dificultam a consolidação de uma identidade

pautada em saberes concretos e confiáveis.

12

Em contrapartida o presente trabalho traz subsídios teóricos, que operam

como fundamentos para se reconhecer as causas da inferioridade do negro e como

estes pretextos ainda interferem constantemente no cotidiano deste grupo étnico.

Intitulado “O ensino de história e cultura africana e afro-brasileira: da lei ao

cotidiano escolar”, o trabalho buscou elementos radicais no que se refere a origem

da inferioridade e a conseqüente dificuldade em ser negro no Brasil; das formas

como este argumento foi prerrogativa para a exploração de mão-de-obra escrava,

bem como dos obstáculo na implantação de saberes sistematizados referentes a

sua história, os quais nunca estiveram inclusos no currículo escolar.

A ausência de dados históricos e culturais construiu uma nação sem

referências acerca do negro propriamente dito, assim como do continente africano.

O que se tem é um recorte pautado em estereótipos, os quais vão depreciando sua

imagem e sua auto-estima.

A luta então se fortaleceu no resgate dessa identidade fragilizada, sob a

égide do Movimento Negro Unificado que, por meio da fomentação de lei 10.639 no

Senado Federal, aprovou a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana

e dos afro-brasileiros. Chega neste momento, ao cotidiano escolar, a oportunidade

de desvendar o outro lado da história, seus motivos, costumes, tradições, tão

silenciados ao longo de séculos de eurocentrismo na educação brasileira.

Em seu primeiro capítulo, buscou-se explicitar quais foram os principais

fatores que corroboraram na formação de uma ideologia inferiorizante para com o

negro. Este item revisita fatos históricos acerca da abolição e traz um novo

significado às lutas pela liberdade legítima.

O segundo capítulo demarca a participação, acesso e permanência do negro

no contexto educativo. Os textos fazem uma reflexão acerca do currículo, de forma

a identificar neste, elementos dissonantes da realidade brasileira, bem como a

excessiva carga de conteúdos eurocêntricos que este possui. O capítulo também

aborda a questão do negro, mediante a essas práticas, identificando que fatores o

discriminam e qual a responsabilidade que a escola tem em reparar estes erros

cometidos no decorrer da história.

Em seu terceiro capítulo, o trabalho ressalta o papel do Movimento negro na

reivindicação de direitos voltados à educação de qualidade para todos. Apresenta

percurso trilhado pelos idealizadores da lei 10.639, além de apresentar o Projeto

13

São Paulo: educando pela diferença para igualdade, como um dos programas

governamentais criados para respaldar a prática pedagógica do professor em sala

de aula.

O quarto capítulo traz o viés metodológico do trabalho, caracterizando os

procedimentos utilizados, o universo da investigação, bem como a análise dos

dados coletados e os resultados obtidos na pesquisa, de cunho qualitativo, no qual

a aplicadora foi participante, pois se tratava da professora da classe e autora do

presente trabalho. Deste modo estabelece um momento reflexivo acerca de uma

educação voltada para as ações afirmativas no cotidiano escolar. Para tanto, narra

e comenta três atividades didáticas aplicadas no ciclo I do Ensino Fundamental de

uma escola da periferia de Bauru.

Neste sentido, o trabalho salienta que uma abordagem simplista, sem

respaldo em uma teoria concisa e sem uma articulação crítica denota a

possibilidade de se estender essa situação que omite a cultura da etnia que

compõe, segundo dados do IBGE, cerca de 45% da população de nosso país.

Sugere ainda o rompimento com práticas culturalistas e reacionárias, tais como a

supervalorização da Lei Áurea no processo da abolição da escravatura, tidos

muitas vezes, como datas comemorativas no calendário escolar. Tal

posicionamento abre caminhos para o surgimento de preconceitos que restringem

o negro a uma identidade estereotipada em que se torna o melhor dançarino

graças ao sangue que lhe corre as veias, que só serve para ser jogador de futebol,

que possui a força necessária para o trabalho braçal e quando não o faz

simplesmente é preguiçoso e insolente.

14

1 O NEGRO NO BRASIL

Muitos ainda utilizam o termo “vinda”1, quando se referem à chegada do

negro ao Brasil. Um equívoco na terminologia pode trazer sérios

comprometimentos referentes ao juízo de como se deram as relações de

exploração desses povos, suas condições de vida no outro lado do atlântico, e as

possíveis explicações e argumentos para a legitimação de tal opressão.

1. 1 A Construção da Idéia de Inferioridade

Munanga (1986 pp. 13-14) revela que as primeiras referências de um povo

negro de perfil desfavorável foram criadas pela imaginação fértil do grande

historiador grego Heródoto. Já, por volta do século XV, em meio às grandes

viagens marítimas em busca de novos territórios, se mitificava uma imagem

negativa dos povos da costa africana, com bases nos relatos do historiador que,

entre outras descrições, afirmava a existência de seres bárbaros semi-homens,

semi-animais.

Por meio da justificativa de que os povos, a partir da racionalidade, seriam

capazes de modificar o estado natural, estudiosos como Buffon, Voltaire, Diderot,

Gobineau e outros iluministas foram uníssonos ao disseminarem o discurso da

superioridade da raça branca em face das raças negra e amarela durante o século

XVIII.

O século das Luzes queria saber: Por que são pigmentadas tais criaturas?

Deveria haver justificativa que os tornassem diferentes de tal maneira que os

distanciassem dos brancos na aparência. Para tanto seria preciso investigar.

Santos (2002, p. 27) diz que a observação do negro levou Voltaire a perceber que o

negro apresenta uma razão imperfeita, que lhe confere “um pequeno grau de

superioridade em relação aos outros animais”. Isto o conduz a concluir que o negro

também é da espécie humana.

Diderot pontuava que havia uma só espécie humana, que se diferenciava na

cor, na grandeza e nas diferenças naturais dos povos. Voltaire não acreditava em

1 A opção pelo termo “vinda” entre aspas expressa uma reflexão acerca da real situação do negro durante o período de tráfico e exploração da mão-de-obra escrava: vieram (por si) ou foram trazidos (a contra gosto)? (grifos meus)

15

uma unidade de espécie. Segundo Santos (2002. p. 31), Voltaire “prefere atribuir as

variações à diferença de origem de cada ‘tipo’ humano”.

Assim ganha espaço nas ciências iluministas o estudo das raças ou

racialismo. Buffon foi o primeiro a utilizar o termo raça, mas este fora apenas

disseminado no século XIX. O uso da terminologia “raça”, extraído da zoologia,

determinou tal classificação hierarquizada, com explicações diversas para justificar

tal escala de valores. Voltaire, que acreditava em uma diversidade na origem dos

homens, alegava que inferioridade do negro se devia a sua espécie originária.

Buffon justificava a inferioridade do negro africano por meio das relações climáticas

nas quais estes povos se encontravam, pois

(...) num clima inóspito com temperatura excessivamente quente, os negros não encontravam condições ideais para o desenvolvimento corporal, moral, intelectual e estético tal como fizeram os povos europeus, situados num clima temperado (SANTOS, 2002. p 10).

O determinismo biológico, que veio a fundamentar o que ficou conhecido

como raciologia, era impregnado de argumentos ardis, os quais atualmente

considerados pseudocientíficos, ainda pesam sobre aqueles que, outrora, foram

classificados como inferiores. Joseph Arthur de Gobineau, diplomata, escritor e

filósofo francês que se tornou celebre por escrever um "Ensaio sobre a

desigualdade das raças humanas" em 1835, acreditava na degeneração das raças,

quando misturado ao de outra raça.

O que caracterizava o seu Ensaio era a divisão que fazia da raça branca. Esta, segundo Gobineau, tinha três sub-grupos: os arianos, que são os verdadeiros brancos e criadores da civilização; os albinos de origem mongólica; e os mediterrâneos, de origem africana. Sustentava que se o poder permanecesse nas mãos dos albinos e mediterrâneos, a humanidade voltaria à barbárie. Gobineau desejava provar com o seu Ensaio que a nobreza européia era ariana, descendente dos nórdicos. Ele via diferenças qualitativas entre os brancos, que justificavam o domínio da nobreza ariana sobre os demais brancos, que ele julgava pertencerem a setores inferiores. Portanto, racismo de classe, que justifica a posição de privilégio de uns sobre outros. (SANT’ANA, 2005, p.47)

Este autor frisava em seus estudos, segundo Santos (2002, p. 53), que “o

sangue negro deteriora o branco. O negro seria marcado pela imaginação,

sensibilidade e o branco, pela inteligência, praticidade, ética e moral”.

16

Tais argumentos tornaram-se, neste contexto iluminista, a justificativa ideal

para oficializar a desigualdade, bem como o trabalho servil. Logo, também se

transformaria em pretexto para a formação de novas colônias no continente

africano durante o século XIX. Diderot (1778-1779, tomo 22, p. 843 apud Santos,

2002, p. 32) veio a afirmar em um de seus estudos que os homens negros,

acostumados a alimentos grosseiros em seu local de origem, ou seja, o continente

africano, encontraria na América o alento para a vida rude que tinham em seus

países. Em Santos (2002) podemos observar o seguinte fragmento:

A definição do homem que servirá e do homem a ser servido faz com que se recorra a uma diferenciação natural entre eles, (...) a desigualdade social é apenas uma decorrência de uma desigualdade que se iniciou no âmbito físico; cabe à sociedade usufruir dessa desigualdade em proveito próprio (SANTOS, 2002, p. 42).

A fisiologia corroborava a questão da inferioridade ao mensurar a

capacidade intelectual dos indivíduos pelas dimensões de seus crânios.

Comportamentos, personalidade e faculdades mentais sofreriam interferência do

osso sobrejacente do crânio. Assim surge a frenologia, ciência encabeçada por

Franz Gall, médico alemão que se debruçou em estudos acerca de temáticas

dessa natureza. Santos (2002, p. 59) salienta que

(...) se o cérebro é o órgão mais importante do homem, seu formato determina as qualidades inatas de cada um. E se pelo formato do crânio podia se descobrir a forma do cérebro, bastava medi-lo para saber a capacidade de cada raça. Daí as avaliações das cabeças de negros, brancos e índios para se constatar que as dos africanos possuíam dimensões menores que as dos europeus e por isso eram inferiores intelectualmente.

Deste modo, a abordagem científica à ideologia racial foi fundamental para

que se tornassem aceitáveis os mitos de anormalidade e monstruosidade – objetos

de estudo – no continente africano.

Com a inferioridade a seu favor, o branco (regra) criou situações e deliberou

leis, as quais apenas desqualificava o negro (exceção). Por muito, os afro-

brasileiros se viram lutando contra um mal que nada poderia exaurir, de certo, um

conflito considerado pelas autoridades como onírico, utópico e geralmente tinha

suas causas atribuídas a recente experiência da escravidão.

17

Entretanto, durante esta época de darwinismo social e racismo científico, essas explicações tendiam a se difundir sutilmente-e às vezes não sutilmente - em afirmações sobre a incapacidade dos negros, tendo como base a herança racial. Por isso, aqueles afro-brasileiros que questionavam noção de democracia racial corriam o risco de serem confrontados com uma análise que, na melhor das hipóteses, seria dolorosa e embaraçosa e se ouvir e, na pior, iria se refletir diretamente sobre eles como indivíduos e como membros do grupo social negro (ANDREWS, 1998, p. 212).

Não bastando ser a ciência provedora de empecilhos ao bem estar dos

negros, havia outra vertente, ainda mais incisiva em seus posicionamentos. A

religião traz em sua simbologia, bem como em sua liturgia, possíveis explicações

para a superioridade da cor branca e a preta como referencia para a degeneração.

Sem fundamentos lacônicos, apoiados apenas em dogmas, utilizou-se da

passagem bíblica, na qual, Deus amaldiçoou Caim enegrecendo sua face, por

matar seu irmão Abel. Nesta perspectiva, a cor preta representa uma mancha

moral manifestada fisicamente, o pecado, a morte. A branca, pureza e redenção,

vida. Nesta ordem de idéias, a Igreja Católica fez do preto a representação do pecado e da maldição divina. Por isso nas colônias ocidentais da África, mostrou-se Deus sempre como um branco velho de barba e o Diabo um moleque preto com chifrinhos e rabinho (MUNANGA, 1986, p. 15).

Nestes termos, ser negro é sinônimo de mazela, perversão e,

conseqüentemente, um atraso moral para a sociedade brasileira pós-abolição e

republicana. Neste caso, não havia outra forma de manter o negro fora das

relações sociais e de seus direitos de posse das terras, bem como de seu direito de

lutar por elas, que não fosse reduzindo seu direito de participação no papel de

cidadão.

E de que valeria dar aos negros direitos, os quais não saberiam usar? É preciso mudar lentamente a sociedade, escravos e feitores, para que se possa exercer adequadamente deveres e direitos. Não é a liberdade que pode transformar o escravo em cidadão útil. Se os anos de cativeiro, junto aos senhores preocupados em transmitir aos seus escravos noções morais, não foram capazes de transformá-los, se nem os castigos corporais puderam fazê-lo por que o poderia a liberdade? (SANTOS, 2002. p. 97-98)

Desde as decisões arbitrarias de nossa primeira república, não houve lugar

para o desenvolvimento do negro. Aliás, um "lugar" sempre existiu, todavia, pré-

determinado, pois, segundo Azevedo (1975, p. 37) “os preconceitos teriam a função

18

de manter a distância social entre as raças e o correspondente padrão de

isolamento social do negro (...)”. E assim se prolongariam os dias de lutas por seu

real espaço na sociedade.

A hierarquia racial brasileira nunca foi tão especulada como neste período,

no início do século XX. Grande representante dos estudos raciológicos daquele

período, Oliveira Vianna, era negro e, não se acanhava ao introduzir no Brasil

diversas teorias acerca da eugenia, bem como, sobre o progresso que tal conceito

poderia trazer ao país. Muito pelo contrário. Era um dos poucos sujeitos daquela

conjuntura que dominava a leitura, a escrita e o idioma francês. Deste modo,

Vianna tratava de encaminhar os paradigmas eugenistas às autoridades brasileiras,

e adquirir notoriedade entre os pesquisadores da época.

Em Santos (1984), vemos que Oliveira Vianna, alicerçado nos estudos de

Gobineau, talvez não se dera conta, provavelmente que, por mais inteligente que

fosse, era negro. Jamais teria a magnificência de um europeu, ou mesmo, de um

branco brasileiro. Vianna, segundo Santos (1984) não passara de repetidor das

teorias dos racistas europeus. Para este autor, o negro puro era incapaz de

produzir algo. Idéia esta que foi muito conveniente aos países ricos em seus

processos exploratórios. (SANTOS, 1984)

Estava se verificando aquela que viria a ser posição dos caucasianos

durante todo tempo posterior a estes estudos. Expressões como “lugar de negro”

ou “negros de alma branca” são classificatórias a esta parcela da sociedade.

Conhecer a origem de tamanha iniqüidade é fundamental para que não-brancos

deixem de culpar os próprios afrodescendentes pelos baixos salários, pela pouca

infra-estrutura de suas moradias, pelo baixo rendimento escolar de suas crianças.

Ao julgarem a situação por este prisma desconsideram os incansáveis anos

de pesquisa, nos quais os negros sofreram por serem o objeto; séculos de

exploração de suas riquezas naturais e culturais (no continente africano), bem

como os séculos de exploração de seu próprio povo. A leitura da realidade

diminuída do negro brasileiro não deixa esquecer o triste episódio de uma abolição

desestruturada, pautada apenas nos interesses do senhor de engenho, bem com

das potências internacionais.

Se na época próxima a abolição poucos intelectuais buscaram defender a imagem do negro como bom e útil e condenar o racismo, já que não existia cidadão brasileiro de sangue puro, este quadro se modifica após a emancipação, como se vencido o perigo de revolta, coubesse colocar o

19

negro no seu devido lugar. As teorias racistas ganham novo vulto (SANTOS, 2002, p. 129).

Logo, o que se viu, com a abolição da escravatura, foi uma visita ao período

iluminista, mais precisamente as suas teorias, as quais demarcariam e

classificariam os capazes e os incapazes, de acordo com as características físicas.

De fato uma estratégia para construção e conseqüente manutenção de uma

hierarquia calcada na inferiorização e marginalização do outro.

1. 2 Da Abolição à Exclusão

A realidade vivenciada pelo negro brasileiro é de incertezas quanto à sua

aceitação na sociedade. Embora a Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988)

denote a liberdade do indivíduo em participar de sua cultura, bem como de ser

respeitado enquanto parte dessa dimensão particular, os afrodescendentes, por

muito, não têm como recorrer às suas origens, em razão de terem sido destruídos

os meios documentais que registravam e atestavam a existência desses povos em

terras brasileiras. Após o fim do regime escravagista

visando apagar nossa história, o ministro Rui Barbosa, em 14 de dezembro de 1890 (2 anos após a abolição), decretou a queima de matrículas de escravos, filhos livres de mulheres escravas e libertos (VÁRIOS, 1982 apud, SILVA 1998).

O que temos, em suma, são fragmentos históricos, ora fictícios, ora

manipulados, de que a libertação dos escravos se deu de forma passiva, generosa,

burocrática, sem lutas, apenas pela boa vontade dos jovens aristocratas do final do

século XIX. A ausência de referenciais confiáveis se configurava.

Em 13 de maio de 1891 (a exatos 3 anos da abolição) foi emitida a circular nº 29, pelo Ministro da Fazenda, que ordenou a queima e destruição de todos os documentos relacionados com a escravidão, o que dificultou ainda mais o resgate da história do negro no Brasil (SECRETARIA DE ESTADO E CULTURA DE SÃO PAULO apud SILVA, 1998).

Daí a grande dificuldade. Como se constituir plenamente em um contexto

descaracterizado, no qual o único padrão benquisto é o do colonizador? A história é

por ele escrita; desigualdade e hierarquia racial são colocadas em evidência.

20

Prontamente, o arquétipo do bom servo se torna um ideal para a nação brasileira e

passa a estar no conteúdo escolar como o dogma da ausência de tensão racial.

Joaquim Silva (1958) retratou em seu livro de História do Brasil, a seguinte

realidade, quanto à abolição da servidão dos negros:

A lei Rio branco extinguia, “por morte lenta” a escravidão, sem trazer súbita desorganização do trabalho agrícola; mas os abolicionistas ansiavam pela extinção pronta e total do cativeiro e continuavam a generosa campanha. (SILVA, 1958, p.52).

Nesta definição, temos como referência histórica do povo negro no Brasil

apenas as informações tratadas em forma de decretos e leis fomentadas ao final do

século XIX em terras brasileiras, dentre as quais está a proibição da importação de

escravos, a libertação dos escravos vindos de fora do império português naquele

período, bem como sua repatriação, criada sob pressão inglesa pelo Governo

Regencial em 1831. Não cumprida, essa lei originou o ato que fora chamado Bill

Aberdeen, o qual legitimava-se a apreensão de navios negreiros. Ato este que foi

alvo de protestos na Câmara Brasileira.

Em 1850 foi editada a lei nº 581, conhecida como Lei Euzébio de Queiroz.

Uma lei controversa e discutível, já que visava à proibição do tráfico negreiro de tal

maneira que o navio negreiro, quando interceptado, deveria ser abatido. “Sua carga

humana, considerada traficância, deveria trabalhar 14 anos para pagar a despesa

de reexportação”. (SILVA, 1996, p. 125). Houve também a promulgação de uma lei

que proibia a separação de uma família de escravos, de 15 de setembro de 1869.

Nesta acepção, as legislações passaram a intervir na vida dos escravos, não

apenas no regime deixando-os alienados a tais decisões. A lei do ventre livre, de

28 de setembro de 1871, conhecida também como Lei Rio Branco estabelecia que

seriam livres os filhos de mulheres escravas, nascidos a partir desta data.

Providencia sobre a criação e tratamento dos menores, bem como sobre a

libertação anual dos escravos. Segundo Silva (1996), (...) essa lei, restringida na sua regulamentação, foi criada para não ser cumprida, fato é que cinco anos depois apenas 1.503 escravos haviam se libertado (1 X 1.000) e quanto aos ingênuos mantinha-se a sua condição servil até atingir a maioridade, em claro desrespeito ao mandamento legal (p. 126)

A Lei Saraiva - Cotegipe, também chamada de Lei do Sexagenário,

aprovada e promulgada em 28 de setembro de 1885, dava liberdade aos escravos,

21

quando atingida a idade de 65 anos. Desempregado, sem aposentadoria ou

mesmo uma família que o acolhesse, o ex-escravo, em idade avançada, vivia sem

nenhuma perspectiva, marginalizado em uma sociedade que classificou tal

condição como alvedrio. Em 1888, no dia 13 de maio é assinada a Lei Áurea que

abolia, ainda que em conjectura, a escravidão em todo território brasileiro.

Contudo, nenhuma política pública de amparo ao trabalhador explorado foi

desenvolvida, de modo que o país consolidou um modelo, principalmente no que se

referia ao mercado de trabalho acessível para uma mão de obra que, como afirma

Silva (1996, p.127) “atenderia a necessidade de preservar e desenvolver, na

composição étnica da população, as características mais convenientes de sua

ascendência européia”.

Logo: Ao branco, cabia representar o papel de elemento civilizador. Ao índio, era necessário restituir sua dignidade original, ajudando-o a galgar os degraus da civilização. Ao negro, por fim, restava o espaço de detração, mas uma vez que era entendido como fator de impedimento ao progresso da nação. (SCHWARCZ, 2003, p. 112)

Dessa maneira, para não ter o compromisso de elaborar estratégias políticas

capazes de reparar o sofrimento e a exploração causados aos negros no período

de escravização, o Brasil estabelece o que, até os dias de hoje nos soa familiar: o

conceito de democracia racial.

A doutrina da democracia racial isentava a política do Estado ou racismo informal de qualquer responsabilidade adicional pela situação da população negra, e até mesmo colocou esta responsabilidade diretamente no ombro dos próprios afro-brasileiros. Se os negros fracassaram em sua ascensão na sociedade brasileira, evidentemente foi por sua própria culpa, pois essa sociedade não o reprimiu nem obstruiu de modo algum o seu progresso. A realidade continuada da pobreza e marginalização dos negros não era vista como uma refutação da idéia de democracia racial, mas sim uma confirmação da preguiça, ignorância, estupidez, incapacidade etc., o que impedia os negros de aproveitar as oportunidades a eles oferecidas pela sociedade brasileira – em suma, um estabelecimento da ideologia da vadiagem. (ANDREWS, 1998, p. 210).

Para o mundo, esta era a imagem que se passava à cerca das relações

étnico-raciais do povo brasileiro, com a total ausência de contendas. Desde a

escravidão, não se aceitou a fala sobre discriminação e preconceito de “cor” em

território nacional. O grande argumento dos senhores de engenho para justificarem

o uso da mão-de-obra escravo, a princípio a do ameríndio, logo a do africano, era

22

de humanizá-los a partir do trabalho, já que a condição destes até então era de

seres primitivos, sem cultura.

Após a abolição, no intuito de evitar eclosão de sentimentos de revolta na

maioria da população da época, formada por negros e mestiços, disseminou-se o

conceito de democracia racial. Azevedo (1975, p. 36), afirma que

(...) esse mito da democracia racial, isto é, da igual oportunidade para brancos e pretos e mestiços, parece ser mantido e apoiado em duas ordens de argumentos: primeiro a grande determinação dos critérios de classe no processo de atribuição de status e de relacionamento individual; segundo, a ausência de hostilidade manifesta e de violência entre brancos e pessoas de cor.

O mito da democracia racial arraigou-se à cultura brasileira em razão da

intensa relação inter-racial existente no país. A miscigenação pesou enquanto fator

homogeneizador da sociedade pós-abolição, no início do século XX. O mulato e a

mulata passam a ser símbolos de uma convivência com bases na tolerância, uma

política pública que deu certo, a ponto de negar quaisquer tipos de injustiça e/ ou

discriminação no Brasil por questões de cor.

Azevedo (1975, p. 52), no entanto, diz que essa questão merece ser

discutida, já que

(...) tive ocasião de substanciar com dados empíricos, confirmando noção aceita por diversos historiadores sociais e pesquisadores da atualidade, que a mestiçagem é antes indício de discriminação porquanto resulta mais de concubinagem e de relações sexuais fortuitas do que do casamento, pois neste o preconceito atua com força maior.

A situação de democracia racial ainda se desdobrou em grandes paradoxos,

os quais podem ser observados, por exemplo, quando se instituiu a lei Afonso

Arinos, de 1951, no propósito de coibir a discriminação racial em entradas de

clubes, hotéis, e demais estabelecimentos de serviços; ou mesmo na preferência

por indivíduos de determinada característica física para uma vaga de emprego; de

tal modo que uma lei desse porte não deveria existir em um país sem conflitos

raciais. Não só existe, como foi acionada muitas vezes, por negros brasileiros e

estrangeiros.

Não obstante, “o mito seria responsável pela persistência de convicções

etnocêntricas de não-existência de problemas sociais”. (IANNI 1970, 275 apud

AZEVEDO, 1975, p.37). Contudo, tal preleção dá margem à outra interpretação,

23

que se baseia na “incapacidade e irresponsabilidade de gente de cor para o

desempenho de certos papeis sociais”. (IANNI 1970, 275 apud AZEVEDO, 1975,

p.37).

Não obstante, as questões que envolviam o que ficou conhecido como

darwinismo social e racismo cientifico se despontaram e deram origem à

concepção eugenista da sociedade brasileira, à qual foi estimulada a miscigenação

para fins de branqueamento de sua população. Tal conceito possuía objetivos de

melhorar as raças humanas. Mas tais interesses ainda continuavam mascarados

pela ilusão da boa convivência entre as raças. Segundo Santos (1984, p. 30) os

princípios básicos da eugenia são que:

1º Os acontecimentos da vida de um povo se explicam pela sua formação racial. 2º O comportamento psicológico de um povo é determinado pela sua raça. (Assim como o comportamento de uma pessoa é determinado pela sua morfologia.) 3º A raça negra, que tem um comportamento psicológico instável, nunca criou nem vai criar civilização.

Este conceito é então utilizado como pretexto pelo estado brasileiro. Santos

(2002, p.129) revela essa situação:

A eugenia afirma-se como negócio do estado: construção da nacionalidade, aperfeiçoamento da população (...) intensificam-se debates ao redor do sujeito negro, para investigar se ele era ou não adequado à configuração do povo brasileiro.

Oficializada, de maneira sutil, por políticas nacionais, a discriminação passou

a segregar o povo negro das atividades sociais. Em algumas regiões do país eles

passaram a morar nos arredores das cidades, como foi o caso do Sul, que reservou

aos negros a região da restinga. Esta região, para se afastar ao máximo do contato

com o Norte e o Nordeste caboclo, tentou inúmeras vezes se separar do resto do

Brasil. E, em situação de guerra, mais precisamente na “Guerra dos Farrapos”, os

negros eram postos na linha de frente dos combates.

24

1. 3 A Resistência

Mesmo com um precedente histórico de sofrimento e humilhações a

trajetória do negro em terras brasileiras também foi marcada por uma série de lutas

e combates às formas de exploração as quais eram submetidos os seus. Aos

poucos vamos desvencilhando este passado que clamava por justiça de diversas

formas. Fosse pela diplomacia, como na ocasião do comando de Ganga Zumba em

Palmares, ou das sangrentas batalhas pela liberdade, deflagradas por seu sobrinho

e sucessor Zumbi.

Segundo Goulart (2002) as revoltas eram constantes, dentre as quais a

Revolta de Cabanagem, cujo número foi de 40.000 mortos, a Balaiada, que teve

como herói das classes populares o negro Cosme e a Guerra dos Farrapos, em

que os negros reivindicavam sua liberdade lutando junto a Bento Gonçalves foram

as mais significativas, ainda que pouco abordadas nos currículos escolares.

Um fator importante da luta desses povos estava em preservar sua cultura.

Vivendo em senzalas, eram proibidos de se falarem. A cultura e as histórias que se

perpetuavam pela tradição oral foram se perdendo pelo tempo. Mantê-los em

silêncio seria uma forma de evitar que os cativos se rebelassem quanto a

permanecer naquelas condições ou mesmo que arquitetassem planos de fuga para

os quilombos, esconderijos distantes da casa grande, onde se refugiavam.

Para evitar esses comportamentos, Del Priore (2002) ressalva a importância

do batismo nessa sociedade. Segundo a autora, “a roupa branca e os enfeites de

fitas de diversas cores estenderam-se, no início do século XIX, até os filhinhos de

escravas” (DEL PRIORE, p. 95).

Mesmo diante de tais subterfúgios, a busca pela identidade não minimizou

os movimentos pela liberdade. Na República, a perseguição se configurou nas

bases ideológicas de positivistas e darwinistas. Segundo Santos (2002, p.128)

(...) a reprodução no Brasil de todos os preconceitos europeus se dava letra por letra. A perseguição dos africanos que eram símbolos de barbárie, de decadência cultural e de inferioridade era retratada nos jornais da época de forma corriqueira entre uma notícia e outra. Lidas e relidas com certa freqüência, essas notícias, em vez de informar a população, disseminavam teorias racistas. Do escravo, artigo vendido ou comprado, ao marginal negro, não havia muito espaço. O negro será retratado nos jornais: nas seções científicas, como objeto de estudo ou comprovação das teorias racistas; na seção de notícias, ora assassino, ora fugitivo, ora como um ser incapaz de viver em sociedade cometendo graves erros por ignorância, ora por suas práticas de feitiçaria ou canibalismo, ora por sua

25

degeneração moral; na seção de anúncios, como mercadoria que se compra e vende, procurada ou encontrada (...) não podemos nos esquecer das seções policiais e dos obituários, em que a figura do negro era uma constante: é aquele que mata e também morre de forma quase sempre violenta.

Sem teto, sem terra, sem família constituída, saíram a esmo, em busca de

alguma forma de sustentabilidade. Desse movimento, de diáspora das senzalas,

surge aquela que, para a grande maioria dos não-brancos, ainda é a única forma

de sobrevivência: a favela. Goulart (2002, p.20) evidencia que, mesmo sendo

agricultores na África ou no Brasil foram “enxotados para as cidades, sem lar e sem

profissão”.

Em pouco tempo, o que era questão de cor, tomou proporções exacerbadas

diante dos estudos científicos. Para não degenerar a hegemonia não se contrataria

a mão-de-obra dos ex-escravos, tirando destes a oportunidade de serem

assalariados, com poder de consumo. Logo os portos estavam abarrotados de

imigrantes, os quais tinham papel fundamental naquele início de século: tornar o

Brasil um país embranquecido e, conseqüentemente, desenvolvido, segundo as

teorias eugenistas. A regra a era explícita e não contribuía em nada com a

cidadania dos negros, já que:

O Estado brasileiro e suas classes dominantes propiciaram o desenvolvimento de uma política racial fundamentada no ideal de uma harmonia/ democracia entre as raças e o branqueamento da população. Daí facilitarem a imigração e proibirem a entrada de “indivíduos humanos” das raças de cor preta. A eugenia afirma-se como negócio do estado: construção da nacionalidade, aperfeiçoamento da população (...) intensificam-se debates ao redor do sujeito negro, para investigar se ele era ou não adequado à configuração do povo brasileiro. (VAINER, 1990, p.18, apud SANTOS, 2002, p.129)

Convencidos que por conta não transformariam a situação desfavorável não

viram outra saída que não a de “abraçar a ‘ tese do branqueamento’, desenvolvida

na virada do século por intelectuais brasileiros em resposta a um racismo científico

europeu”. (ANDREWS, 1998, p. 212). Perdurou-se essa imagem de povo

submisso, que não se atrevia a promover mudanças mediante a ameaça do açoite.

Dessa maneira, mesmo diante de tamanhas revoltas e guerras

existentes em nosso país com vistas ao fim da mão-de-obra servil do negro,

26

A abolição da escravatura no Brasil não livrou os ex-escravos e/ ou afro-brasileiros (que já eram livres antes mesmo da abolição em 13 de maio de 1888) da discriminação racial e das conseqüências nefastas desta, como a exclusão social e a miséria. A discriminação racial que estava subsumida na escravidão emerge, após a abolição, transpondo-se ao primeiro plano de opressão contra os negros. Mais do que isso, ela passou a ser um dos determinantes do destino social, econômico, político e cultural dos afro-brasileiros (HASENBALG, 1979; SANTOS, 1997 apud SANTOS, 2005, p.21)

Como argumento para a segunda abolição, com fins ideológicos, a qual

traria dignidade para além do fim dos castigos corporais ou regime de cárcere,

formou-se uma expectativa fortemente alicerçada no acesso e permanência da

população negra na dimensão da educação formal. A obtenção da igualdade

estaria pautada, não mais na inércia do período pós-abolição, mas

(...) os negros perceberam rapidamente que tinham que criar técnicas sociais para melhorar a sua posição social e/ ou obter mobilidade social vertical, visando superar a condição de excluídos ou miseráveis(...)A valorização da educação formal foi uma das várias técnicas sociais empregadas pelos negros para ascender de status (SANTOS, 2005, p. 21).

A instrução no ensino formal foi a principal vertente da luta pela eqüidade de

direitos e justiça social dos negros na sociedade brasileira. Desde então, passou a

ser imperativo o fato de compreender os fatores ideológicos que conduziram o

referido grupo a subgrupo social, inferiorizou sua imagem e importância, bem como

construiu conceitos que, por muito, legitimam tal conjuntura.

Assim a abolição que excluiu, já que apenas buscou atingir objetivos

políticos, esquecendo-se dos aspectos humanos e sociais, deixou de ser vista

como dádiva e adquiriu aspecto motivador com vistas ao aprimoramento e

formação dos negros, até então afastados dos estabelecimentos de ensino.

27

2 O NEGRO NO CONTEXTO EDUCATIVO

Não se tem data precisa de quando o povo negro pôde se assentar nos

bancos escolares de nosso país, em caráter oficial, já que isto, mesmo antes da

abolição, era prática não regulamentada de alguns senhores de engenho, que

permitiam o estudo das crianças negras nas escolas de suas propriedades.

No entanto, acesso e permanência são questões que ainda fazem diferença

quanto à etnia do estudante. Dados do site Políticas de Cor apontam que

(...) os fenômenos brasileiros de baixa escolaridade média e da desigualdade educacional, que caracteriza a população no seu conjunto, atingem com especial gravidade aquela que se autoclassifica como preta ou parda, a qual é particularmente desfavorecida. Enquanto os brancos possuem, em média, 6 anos de escolaridade, os pretos e pardos pouco ultrapassam 4. (FAZZI, 2006)

Essa situação se estreita quando tratamos do ensino superior. Logo,

conhecendo tal processo histórico, podemos inferir que os processos de violência e

de exclusão pelo qual o negro passa, desde a definição de sua “raça” enquanto

inferior e a conseqüente suspensão de seus direitos o torna cidadão de segunda

classe e ratifica perante a sociedade essa circunstância.

2. 1 O Aluno Negro e o Sistema Educacional Brasileiro

Não é nada fácil para uma criança negra ver sua identidade se esvair diante

das terríveis afirmações que surgem nas aulas de história com relação ao advento

de seu povo. O trabalho dos negros no Brasil não é visto como um ato de terror, no

qual, seres humanos são conduzidos criminosamente ao trabalho escravo.

Dá-se a impressão que o africano nunca lutou pela própria liberdade, e freqüentemente reforça-se esse estereótipo com a alegação de que o negro veio aqui para suprir a necessidade de mão-de-obra provocada pelo amor à liberdade e conseqüente inadaptabilidade do índio ao regime escravista. (NSCIMENTO, 2001, 119).

Descarta-se a questão de os negros estarem frente ao poderio bélico, os

quais, por condições culturais não tinham meios semelhantes para combate.

Porém, houve a resistência. Deixa-se de contemplar a criança negra com aquilo

28

que lhe é de direito, afinal “uma criança negra faz parte da cultura negra. Às vezes

o pertencer de uns é menos envolvente que o de outros, mas todos fazem parte

dessa cultura”. (CAVALLEIRO, 2001, p.174)

Esta obstinação dos negros, pouco citada nos portadores de textos didáticos

existiu, ainda existe. A luta dos povos que, mesmo diante de tamanha diversidade

topográfica (vinham de diversas localidades do continente africano), eram

encarados simplesmente como escravos, encontrou resistência numa figura que

mesmo depois de mais de três séculos de sua morte muitos estabelecimentos de

ensino ainda se recusam a tratar de sua figura. Zumbi dos Palmares, ícone da

resistência dos negros no Brasil traz em si uma esperança de ruptura na imagem

inerte e covarde que lhes fora atribuída.

Desse modo, se configura a falta de referência e conseqüentemente, um

processo de exclusão que se reflete em vários seguimentos sociais. Ser negro

passa a ser razão para o fracasso escolar. Logo, o autoconceito e a auto-estima do

aluno podem vir a reproduzir o que lhe é imposto por vias externas, pois

(...) o que somos é determinado também pela realidade exterior, por aquilo ou aqueles que nos cercam. Quando adultos sabemos dimensionar nossos valores e patrimônios tendo idéia de nossa contribuição. Quando crianças, a realidade exterior nos é muito importante. É de fora que transportamos essa realidade para dentro de nós. A “autenticidade” de nossa personalidade é controlada pelo externo (CAVALLEIRO, 2001, p.173).

Nossa democracia racial não permite quaisquer inferências quanto a

impedimentos de étnico em se manifestar; de modo que qualquer dificuldade em se

desenvolver ou conquistar seus objetivos passa a ser atribuída culpa ao próprio

indivíduo. Neste caso, insta evidenciar que

(...) faz-se necessário corromper a ordem dos currículos escolares, que insistem em apresentar a produção cultural eurocêntrica como único conhecimento cientifico valido. O restante vem dos diferentes grupos que constituíram esse país: os brancos, negros e índios. Quais culturas, quais saberes e fazeres se produziram das relações entre as diferentes culturas elaboradas por índios, negros e brancos? (SANTOS, 2001, p.106).

Neste sentido, o fracasso escolar tem se apoiado em muitas justificativas e

argumentos. Por volta dos anos 60, uma teoria norte-americana trazia uma

hipótese. A teoria do déficit encontrou, no Brasil, terreno fértil para sua dispersão.

Logo a literatura pedagógica passou a encarar o fracasso escolar como algo que

29

(...) atinge diferencialmente a população mais pobre e o sucesso é favorecido por níveis mais altos de escolaridade dos pais. Como os afrodescendentes estão pesadamente concentrados na população mais pobre, que é também aquela cujas famílias possuem os menores índices de escolaridade, explica-se parcialmente o déficit educacional desta população (FAZZI, 2006).

O forte apelo ao estereótipo tido como preceito faz com que o aluno negro

tenha uma visão disforme de si, tornando-se empecilho para o estabelecimento de

relações sociais na instituição escolar. Silva (1998) traz em seu livro um retrato

dessa realidade. Por meio de um relato ficam claros os sentimentos de angústia e

consternação, aos quais se submetem as crianças negras, diante da pressão de

serem “diferentes”.

Lembro-me neste momento, de uma redação escrita por uma criança negra, da cidade de Tupã, interior de São Paulo, onde ela conta que no seu primeiro anos de escola, no primeiro dia de aula, a professora precisou sair por um momento da sala. Pediu aos alunos que conversassem com o coleguinha do lado, da frente para se conhecerem. Um aluno perguntou: “professora, eu vou ter que conversar com esta pretinha aqui de trás?” Conta, a redação da menina, que a professora ficou desarmada, sem saber o que falar. Diante da fala do colega e da postura da professora, desarmada e sem saber o que fazer o que dizer, a pequena aluna negra, no seu primeiro anos de escola, e no primeiro dia de aula, já pode concluir na sua ingenuidade, que aquele não seria um espaço muito amigável (SILVA, 1998, p. 22).

Deste episódio podemos retirar um ponto muito importante: se os

professores forem coniventes que este tipo de atitude já, infelizmente, permeada

em alguns alunos, criaremos um ambiente de intolerância. De acordo com Jean

(1997, p.52) “a tolerância consiste, pois, em certa medida, em aceitar a presença,

ou a actividade, ou a existência de pessoas ou de idéias com as quais não estamos

forçosamente de acordo”.

Tamanha discriminação cultural viera a endossar os caminhos do fracasso

escolar dos afro-brasileiros, de modo que uma teoria importada dos Estados

Unidos foi norteadora de nossas propostas curriculares e políticas públicas para a

Educação.

30

2. 2 A Abordagem de Temas Raciais em Sala de Aula: Um Currículo Discriminatório

O currículo, grande norteador das ações pedagógicas, nas práticas

educativas estritas, caminha por seqüências metodológicas e conteúdos que,

muitas vezes, não contemplam a demanda escolar e sua heterogeneidade.

No tocante a diversidade cultural, social, étnica, religiosa etc., ainda nos

deparamos com a supervalorização de um currículo eurocêntrico que, segundo

Gonçalves e Silva (2007) sempre

(...) privilegiou a cultura branca, masculina e cristã, menosprezou as demais culturas dentro de sua composição do currículo e das atividades do cotidiano escolar. As culturas não brancas foram relegadas a uma inferioridade imposta no interior da escola; concomitantemente, a esses povos foram determinadas as classes sociais inferiores da sociedade.

A idéia de embranquecer deixa a dimensão física do início do século XX,

quando as uniões inter-raciais foram incentivadas em caráter de Estado, para se

estender às epistemologias e conteúdos escolares. Silva (1996, p. 141) aponta que

falar hoje sobre a ideologia do embranquecimento vigente na educação brasileira, expandida nos seus currículos, programas e materiais pedagógicos, remete dialeticamente ao movimento de desmontagem dessa mesma ideologia, implementado pelas organizações educativas não-oficiais, por pesquisadores e estudiosos que constroem uma nova proposta de educação que contemple e integre a diversidade cultural de nossa nação (SILVA, 1996).

A demasia na estima de elementos pertencentes à cultura européia em

nosso currículo, fruto da educação jesuítica, no período colonial brasileiro, faz com

que todas as adequações no quadro de conteúdos sejam de caráter transdisciplinar

e tolera que conservadores fiquem no status quo, criando ao educando

impedimentos quanto ao direito de conhecer sua própria história.

Por volta da década de 1980, pesquisadores identificaram conteúdos

discriminatórios que apareciam nos livros didáticos utilizados pelos alunos. Mais

uma vez, os estereótipos remetiam a submissão e a inferioridade, já que

a) As imagens das mulheres negras eram sempre caricatas, com lenço na cabeça, brinco de argolas e traços animalizados; b) as mulheres negras

31

eram sempre “cuidadoras”, sem família, numa brutal referencia à “ama-de-leite”; c) quanto ao trabalho, apareciam associados a atividades não-qualificadas (pedreiros, domésticas etc.); d) a invisibilidade da população negra, pois, apesar de representar 44% da população, em meio a multidão aparecia apenas um negro; os negros como sinônimos de escravos. Em contrapartida, os valores inversos, positivos, eram atribuídos aos brancos (SANTOS, 2001, p.103).

Para Silva (2005, p. 21) também o livro didático é meio de dispersão de

preconceitos. Segundo a autora,

(...) no livro didático a humanidade e a cidadania, na maioria das vezes, são representadas pelo homem branco e de classe média. A mulher, o negro, os povos indígenas, entre outros, são descritos pela cor da pele ou pelo gênero, para registrar sua existência.

Diante do exposto, pode-se inferir que diversas barreiras permeiam os

caminhos de aprendizagem do negro, enquanto parte do sistema educacional.

Contudo, uma teoria deixaria o ônus da dificuldade diagnosticada nas crianças

afrodescendentes por sua própria condição de ser negra e, em grande maioria,

oriunda das camadas populares. Estava iniciada a fase de trabalhos embasados na

Teoria do Déficit.

2. 2. 1 Teoria do déficit

Após o final de Segunda Guerra Mundial, os negros estadunidenses

obtiveram uma série de conquistas sociais. Conseguiram, por meio da luta pela

igualdade e direitos civis constituir o reconhecimento dos processos de

desigualdade de acesso à educação escolar aos quais eram submetidos. Contudo,

passados dez anos, estas conquistas se tornaram fatores de discriminação naquele

país. (CUNHA, 1979)

Alunos brancos freqüentavam escolas em que havia apenas brancos.

Negros raramente estudavam ou mesmo lecionavam nestes estabelecimentos.

Quanto aos negros, estudavam em locais a eles reservados, sem que estes, muitas

vezes tivesse uma infra-estrutura capaz de abrigar uma escola. Uma pesquisa

prevista na elaboração da Lei dos Direitos Civis tinha o objetivo de averiguar casos

de desigualdade devido a razões de raça, cor, religião e origem nacional

estrangeira. Seu resultado, o Coleman Report2 constatou que as diferenças na

2 Relatório intitulado Equality of Educational Opportunity, que ficou conhecido como “Coleman Report” era, genericamente, o estudo que visava avaliar aspectos equitativos do sistema de ensino

32

qualidade da educação eram evidentes. Quanto aos resultados da pesquisa Cunha

(1979, p. 151) diz que:

(...) as famílias das crianças negras tinham renda mais baixa do que a dos brancos e isso era apresentado como indicador de diferença na sua capacidade de aproveitar, na mesma intensidade, a educação escolar.

Atados a este fator preconceituoso ainda estavam as condições ambientais,

em que as escolas para negros tinham numero médio de alunos superior ao das

escolas para brancos. Estas, por sua vez contavam com toda sorte de laboratórios,

materiais pedagógicos, programas extracurriculares e bibliotecas.

Os alunos foram submetidos a testes, nos quais concluiu-se que há uma

deficiência crescente de desempenho do negro frente ao branco e que a escola

não propicia oportunidades para superar as deficiências de qualificação. Cunha

ainda afirma, com relação às conclusões do Coleman Report que

(...) serviram para reforçar a crença nos programas educacionais em nível nacional já existentes, como o Head Start (escolarização precoce e outros estímulos educacionais para crianças não brancas a fim de suprir suas “carências culturais”) ou novos, como o Busing (distribuição dos alunos brancos e não brancos pelas escolas conforme a composição étnica da cidade e não segundo a composição do bairro). (CUNHA, 1979, p.152)

Mesmo que no Brasil, as pesquisas geralmente se norteiem pela

estratificação social, nas classes menos favorecidas, onde já fora citado

anteriormente, encontra-se grande parte da população afro-descendente e nela

manifestam-se os mesmos fatores que permeavam os índices de fracasso escolar

das minorias norte-americanas. Classes superlotadas, um material pedagógico que

se resume ao giz, quadro negro, caderno, lápis, e livro didático, por muito,

descontextualizado. Fazendo um paralelo entre as duas realidades

(...) não é difícil aceitar a existência de grandes diferenças na qualidade de ensino primário, principalmente entre escolas públicas que atendem parte dos filhos dos trabalhadores, e as escolas privadas, muitas delas experimentais, que servem às crianças das camadas médias e aos filhos da classe dominante.(CUNHA,1979, p.153)

básico americano, baseado na questão das igualdades de oportunidade, centradas, sobretudo na questão racial nos Estados Unidos.

33

Diante de tais indicadores não seria mais possível culpar o educando por

seu fracasso. Não seria, mas foi. A partir da década de 70 a teoria encontrou um

fértil terreno para se fixar no sistema educacional brasileiro.

Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e materiais didáticos e às relações preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e prejudicam seu aprendizado. O que explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do alunado negro, comparativamente ao do alunado branco. (MUNANGA, 2005, p. 17).

A falta de prontidão para as atividades escolares foi classificada como

inerente das classes populares e, conseqüentemente serviu como agente

“rotulador” dos seus como desprovidos de cultura ou, como denominam Silva e

Mello (2007, p. 2), portadores de “deficiência ou déficit cultural” e objetos de estudo

da “tese da diferença cultural”.

Com tanta pressão não é difícil compreender quão sobrecarregado é o

contexto diário de um aluno negro, oriundo das camadas menos favorecidas

economicamente, que, como já foi apresentado, ainda se situa nas instituições com

as piores condições de ensino-aprendizagem. Paixão (2006, p. 22), ao analisar

documentos do MEC sobre dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica salientou que estes

(...) apontaram que os alunos negros que sobrevivem na escola são vítimas de uma sistemática queda de desempenho. Entre 1995 e 2001, a diferença no desempenho escolar na prova de leitura dos estudantes negros, em relação aos brancos, aumentou de 20 para 26 pontos.

Este sistema, classificado por Paixão (2006, p. 22) como “pouco atraente”

aos afrodescendentes faz com que o abismo racial seja estendido em proporções

críticas. Paixão continua seus grifos acerca do documento destacando que

(...) o estudo mostra ainda que, em leitura, na 4 ªsérie do Ensino Fundamental 67% dos estudantes negros apresentam desempenho classificado como ‘crítico ’e ‘muito crítico ’, contra 44%de alunos brancos. Os dados revelam que, mesmo entre estudantes de escolas particulares, portanto com níveis socioeconômicos similares, o desempenho entre brancos e negros não é igual. Na 4 ª série, em Língua Portuguesa, alunos negros alcançam uma pontuação de 179, na escala de desempenho, e os brancos, de 228 pontos.

34

Mas, frente a tal situação, qual a melhor opção para a tomada de decisão em

se tratando de uma realidade historicamente construída e que tem sido protelada a

cada dia letivo em nossas escolas?

Silva (1998, p.34) se refere à escola como agente articulador de mudanças.

Ele afirma que (...) é urgente o resgate da auto-estima das pessoas negras. A educação tem um papel fundamental nessa tarefa de reconstrução da auto-imagem da mulher e do homem negros. Nossas crianças precisam conhecer sua história e é tarefa da escola ensinar a história do povo negro. É imprescindível superar as mentiras das histórias oficiais, que mais atrapalham do que ajudam. É imperativo que esta história seja ensinada por pessoas que, verdadeiramente, conheçam a história do povo negro. É preciso que o estudo sobre a História da África integre os currículos das escolas do 1º. ao 3º. graus.

Mesmo os mais pessimistas, quando pensam em uma mudança nas

relações inter-raciais, numa cultura de respeito à alteridade, não mais vêem a

escola como Aparelho Ideológico de domínio de massa, mas sim como um meio de

transformação das relações sociais, com mais justiça e tolerância ao outro.

35

3 O NEGRO NA CONJUNTURA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

Diante dos dados expostos, torna-se complicador o fato de ser negro no

Brasil. Afirma-se a neutralidade, mas o que se vê é uma série de pretextos e

prerrogativas acerca da aceitação do negro e de seus valores. Acabam se

reduzindo a um ato folclórico as lembranças das tradições africanas, principalmente

aquelas voltadas às músicas, às danças e à religiosidade. Temos, assim, uma

visão unilateral de um imenso continente, e o que vemos em nossas escolas é um

conceito estereotipado de uma África – País; e assim a “carga negativa que esse

país possui no imaginário social brasileiro subsidia e fundamenta os estereótipos

racistas diariamente veiculados sobre afro-descendentes no Brasil”.

(NASCIMENTO, 2001, p.120)

No intuito de reparar os danos causados a população afrodescendente está

em voga um período de estudos e pesquisas acerca dos atos políticos e

governamentais que se fazem necessários para a equiparação da qualidade de

vida, acesso a bens e serviços para a população negra no país. Surge na vida dos

afro-brasileiros o conceito de “ação afirmativa”.

A expressão "ação afirmativa" foi criada pelo presidente dos Estados Unidos

J. F. Kennedy, em 1963, significando

(...) um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate da discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado (GOMES, 2001 apud DOMINGUES, 2007).

Assim como no Brasil, as ações afirmativas não foram dadas pela elite

branca dos Estados Unidos; pelo contrário, elas foram conquistadas pelo

movimento negro daquele país, após décadas de lutas pelos direitos civis.

3. 1 Lutas para a Construção de uma Identidade: Movimento Negro Unificado no

Brasil

Pesa à grande questão, segundo muitos grupos organizados, uma densa

demanda relativa aos conceitos e estereótipos construídos historicamente. De

forma equivocada, por exemplo, a palavra “crioulo”, que em nosso país fora usada

36

durante o período escravagista para indicar os nascidos em território nacional, de

forma a classificá-los frente aos “pretos novos” (recém chegados do continente

africano), hoje carrega o peso da ironia e muitas vezes é usado de forma

etnocêntrica, com o intuito de fazer deste termo um elemento discriminatório.

O peso do preconceito existente na sociedade brasileira fez com que, ao longo do século XX, o termo crioulo passasse a designar uma forma pejorativa de dirigir-se ou fazer referência a uma pessoa negra. Hoje, grupos dos movimentos negros se apropriam dessa arma da discriminação e, com uso da ironia e da atitude de orgulho das origens, revertem os nomes “crioulo” e “crioula” em benefício próprio. Isso não se dá sem dificuldades, pois o peso da palavra é grande e ainda são recentes as tentativas de alteração, mas elas já se percebem na linguagem da militância e das manifestações culturais. (FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO, 2006, p. 23)

Sempre se fez necessário no contexto do afro-brasileiro uma certa

sensibilidade ao estabelecer vínculos sociais. Sem aspecto declarado, o racismo à

brasileira privou o direito de muitos exercerem direitos básicos como fazer o

simples uso de um elevador, ou mesmo freqüentar clubes ou circular por áreas

tidas como nobres, pois, segundo Fernandes (1972, p.73)

(...) os brancos não vietimizam consciente e deliberadamente os negros e os mulatos. Os efeitos normais e indiretos das funções do preconceito e da discriminação de cor é que o fazem (...).

Neste sentido, coibido de articular o que a atual Constituição de 1988

caracteriza como fundamental em seu inciso III, no Art. 1º: “a dignidade da pessoa

humana” (BRASIL, 1988, p. 3), pode-se inferir que nunca foi fácil para nenhum

negro confirmar investidas racistas às quais fora alvo, pois “embora o racismo

explicito seja talvez menos saliente nas vidas dos negros pobres e membros da

classe trabalhadora, a maior parte deles tem consciência da sua existência”.

(ANDREWS, 1998, p.311).

A tênue linha entre o que se traduz em uma pequena brincadeira e um

aviltamento (crime inafiançável) é margem para que impere a impunidade aos atos

degradantes, sem o devido respeito à “dignidade humana”. Carneiro (1996) que diz

ser grande dificuldade dessa situação é a obtenção do “ônus da prova”. Segundo a

autora,

(...) a testemunha da discriminação havida, por exemplo, no ambiente de trabalho pelo chefe está certa de que testemunhar contra este significa

37

colocar à disposição seu emprego. Se o agente for o vizinho, significará para ela futuras complicações junto à vizinhança. Sendo o agente, o policial, poderá dispor de sua liberdade e, quiçá, de sua vida (CARNEIRO, 1996, p. 138).

Se no início do século XX os negros brasileiros não se viam rebatendo

qualquer tese científica de inferioridade do negro, com o passar dos anos, a

constante conquista de conhecimento por meio da educação formal foi a grande

arma para constantes lutas em busca da construção de uma identidade “afro”,

baseada não mais em conceitos eurocêntricos, mas em pesquisas desenvolvidas

por estudiosos empenhados, muitos deles negros.

Para alguns estudiosos acerca dos movimentos de resistência do afro-

descendente brasileiro, o movimento negro existe desde o período escravista.

Entretanto, neste período possuía caráter clandestino e conflituoso. Na época, a

quilombagem, movimento pela emancipação, de caráter mais radical, sem nenhum

intermédio entre a sua dinâmica e os interesses da classe aristocrata, era vista

como única forma de resistir ao aparelho de repressão senhorial.

Tais movimentos, como visto no capítulo anterior, deflagraram uma série de

prerrogativas para justificar o trabalho escravo do negro.Todavia, a exploração não

se findou ao termino do regime escravista e o que era clandestino passou a se

oficializar, a partir da tomada decisão entre ser reacionário, crer na democracia

racial e aderir ao branqueamento ou ser negro integralmente, visto e estimado

como tal.

Cunha Jr. (1996) afirma que,

(...) historicamente os movimentos negros, sobretudo os das década de 20 e 30, foram preocupados com a educação. Essa preocupação é expressa nos apelos educativos de jornais do passado, como o Clarim da Alvorada e a Voz da Raça. (...) Pena que nossos registros históricos sejam pouco sistemáticos e não demonstrem a riqueza dos esforços realizados. (p.147-148)

Sendo assim, grupos remanescentes se organizaram, de modo a consolidar,

durante todo o século XX, o Movimento Negro. Pinho e Figueiredo (2006) resgatam

a gênese do movimento, destacando que existiram duas frentes históricas,

podendo ser descritas da seguinte maneira: uma de organização tradicional do

meio negro que remonta ao período colonial, de trajetória por muito independente e

identidade própria; e outra com caráter de movimento moderno, voltado à

emancipação e afirmação, com consciência política, que emergiu no declínio do

38

regime militar, a partir dos anos 70. Segundo Neves (2006), “o movimento negro

passa a reivindicar uma identidade negra pautada na origem comum dos

descendentes dos escravos”.

Da clandestinidade à organização social, a mobilização dos negros, a

princípio, se alicerçou no conceito de resistência e luta dos ancestrais do período

colonial, trazendo destes a conjuntura histórica para a compreensão da situação

contemporânea. Logo, numa perspectiva de visitar o passado em busca de

melhorias para o futuro, os ativistas se puseram a enfrentar a opressão pela

superação das desigualdades.

O grande desafio do movimento era ser uno (NEVES, 2006), já que o país,

de proporções continentais, nem sempre permitia a comunicação, bem como o

contato direto entre as organizações que se formavam. No sul do Brasil existia o

movimento Palmares, o qual propôs o dia 20 de novembro como “Dia nacional da

Consciência Negra”. Também cobrou-se unidade das organizações situadas no

estado paulista considerado, por muitos, segregado. Também havia grupos no Rio

de Janeiro, no Instituto de Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) e a Sociedade de

Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB), A Sociedade de Intercâmbio Brasil

África (SINBA), o Grupo de Estudos André Rebouças, entre outros. Na Bahia o

Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, o Grupo de Teatro Palmares etc. (NEVES, 2006)

A união dos grupos fortaleceria o movimento. Depois de alguns dos grupos

supracitados e outros se reunirem foi fundado, em 18 de junho de 1978, o

Movimento Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR). Este foi renomeado

no dia 23 de julho como Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial

(MNUCDR). (NEVES, 2006)

Segundo Cunha Jr. (1996),

(...) o esforço acadêmico e de aliados, na área da educação, é um dos mais significativos. Partindo praticamente do zero, em 1978, produziu-se mais de vinte teses, uma centena de artigos, livros, textos e trabalhos. Apesar das restrições impostas à temática por diversos programas de mestrado e doutorado; das divergências de fundo ideológico suscitadas pelas diferenças de vivencias entre orientandos negros e brancos; do problema de escassez de especialistas na área, enfim o importante é que os trabalhos foram feitos. (p. 153)

Em dezembro de 1979 durante o 1o Congresso realizado no Rio de Janeiro

passou a se chamar Movimento Negro Unificado (MNU) nome que conserva até

39

hoje. Com essa característica autônoma, o MNU tem obtido uma série de

conquistas no campo da educação e, conseqüentemente no combate as

disparidades existentes nas relações inter-raciais de nossa sociedade. (NEVES,

2006)

3. 2. A Lei 10.6393: Uma Nova Abordagem aos Temas Africanos e dos

Afrodescendentes Brasileiros no Contexto Educacional

A compleição de uma nova Constituição Federal, em 1988, trouxe o amparo

que confere às minorias direito à diversidade. Constitui um de seus objetivos

fundamentais, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação”. (BRASIL, 1988, p. 3).

Em segmento a essa determinação, ano de 1996 foi um marco para a

educação brasileira. Seria neste ano compilada a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Brasileira (LDB), nº 9.394/ 96. Consonante à Constituição, a LDB ratifica

a importância das ações transdisciplinares, no tocante ao resgate da cultura

popular e à valorização da pluralidade cultural.

Uma das frações mais expressiva da lei, referente à questão da diversidade

encontra-se em seu artigo 26, o qual regula os currículos escolares a possuírem

uma base nacional comum, a ser complementada por uma base diversificada que

atenda às exigências das características regionais e locais da sociedade, da

cultura, da economia e da clientela. O parágrafo quarto expressa bem a questão:

§ 4º. O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. (BRASIL, 1996)

Contudo ainda não havia especificidade no que se refere a um currículo que

abarcasse conteúdos de variadas culturas. A lacuna deu vazão à continuidade de

uma prática descontextualizada, distante da realidade multicultural a qual

pertencemos. Então, para referenciar a aplicação da LDB, foram elaborados os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), publicados e distribuídos em 1997,

editados em dez volumes. O décimo livro é o de pluralidade cultural, temática esta

3 Ver anexo A, p. 68.

40

definida como transversal no currículo, podendo perpassar as disciplinas das bases

comum e/ ou diversificada.

Souza (2001, p.54) afirma que

(...) parte dos debates sobre a questão racial, desde o início dos anos 1980, foi materializada nos PCNs – Pluralidade Cultural. Creio ter sido uma tentativa de evidenciar as diferenças culturais e raciais, integrando-as ao currículo e atendendo às reivindicações do movimento negro.

Os PCNs se traduzem, neste sentido, em uma proposta de articulação dos

conteúdos de modo a contextualizá-los mediante a realidade vigente em cada

região do país. A inserção deste item se deve muito

(...) às intervenções do Movimento Negro, seu empenho em trazer o tema à mesa de discussão da Educação no país e suas incansáveis iniciativas no que diz respeito à pesquisa e à divulgação do assunto. (NASCIMENTO, 2001, p.123).

Ao acompanhar as diretrizes constituintes, os PCNs possuem como foco de

seus objetivos a valorização da diversidade cultural presente no todo real em que

se inserem os estabelecimentos de ensino, ou seja, preza pela valorização das

riquezas de uma região, de um povo, bem como o resgate e a preservação de

costumes e tradições. Entretanto, Souza destaca que “o texto não está integrado,

não há corpo de idéias que ajudem a orientar e justificar as ações propostas”.

(SOUZA, 2001, p.55).

Para romper com paradigmas preconceituosos, baseados no senso comum,

diversos setores da sociedade apresentaram ao Congresso Nacional o pedido de

lei, então aprovado e sancionado, para incluir no currículo oficial da Rede de

Ensino a obrigatoriedade da Temática “História e Cultura Afro-brasileira”. Paola

Gentile, em um artigo para a revista Nova Escola, destaca a questão da

desvalorização dos conteúdos referentes à temática:

O pouco caso com a cultura africana se reflete na sala de aula. O segundo maior continente do planeta aparece em livros didáticos somente quando o tema é escravidão, deixando capenga a noção de diversidade de nosso povo e minimizando a importância dos afro-descendentes. (GENTILE, 2005, p. 42).

41

Passar a existir então, a Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que designa

às instituições educacionais uma adequação no rol dos conteúdos programáticos

das para a inserção do estudo da África e dos africanos, a luta dos negros no

Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, de

modo a resgatar sua contribuição na área social, econômica e política, pertinentes

à História do Brasil.

Segundo o documento oficial, a lei 10.639/ 03

(...) altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira” e dá outras providências. (BRASIL, 2006).

Dentre suas providencias, o documento ratifica mudanças na LDB, que

passa a vigorar acrescida dos artigos 26-A, 79-A e 79-B; visa também abranger

estabelecimentos de ensino fundamental, médio, oficiais e particulares, a fim de

implantar, no currículo dessas instituições, conteúdos sobre o estudo da História da

África e dos africanos, da luta dos negros em terras brasileiras, da cultura negra

brasileira, e do negro na formação da sociedade nacional. Além disso, insere, no

calendário letivo, o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Emana da sanção dessa lei, a importância de uma ação pedagógica na

inserção dos valores referentes à História da África, da cultura afro-brasileira tanto

na dimensão ontológica quanto epistemológica da formação do educando, pois

“com a aprovação da Lei 10.639, é obrigatório o ensino de história da África e da

cultura afro-brasileira em todas as escolas de Ensino Fundamental e Médio”.

(BENCINI, 2004, p. 48).

Desde a fomentação da lei 10.639/03, constatou-se uma intensificação na

reivindicação de direitos que se perderam diacronicamente, bem como de

capacitação de profissionais do magistério para desfazer a por meio da educação

formal.

Para que se efetivasse a lei, muitos estados investiram na criação de cursos

em caráter de aperfeiçoamento e extensão a fim de viabilizar um ensino crítico,

bem distante do senso comum, do qual proliferavam os preconceitos e as atitudes

42

intolerantes. Diante da defasagem relacionada à ausência de pertencimento4,

quanto a sua identidade e estima na sociedade brasileira, foram criados alguns

projetos e estratégias de articulação de tais conteúdos dentro e fora da sala de aula

a fim de capacitar professores dos diversos níveis de ensino.

Para a regimentar tais alterações, foi elaborado um parecer intitulado de

“Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana”, cujo intuito é

regulamentar a 10.639/03, cumprindo o estabelecido na Constituição Federal: “O

ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições da diferentes culturas

e etnias para a formação do povo brasileiro” (BRASIL, 1988).

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação, à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações afirmativas, isto é, de políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política curricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros. Nesta perspectiva, propõe A divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada (BRASIL, 2004).

Em seqüência a essas orientações, várias regiões brasileiras buscaram

formas de se adequar a este novo seguimento. Por meio do decreto Nº 48.328, de

15 de dezembro de 2003, o Estado de São Paulo instituiu, no âmbito de sua

Administração Pública, a Política de Ações Afirmativas para Afro-descendentes e

deu providências correlatas.

Diante dessas propostas, os professores que passaram pelos cursos de

capacitação vivenciaram formas alternativas de trabalho pedagógico para tratar a

problemática com um olhar crítico, valorizando a heterogeneidade da sala de aula,

com propriedade, autonomia, construindo nas diferenças do outro, uma postura

idiossincrática, visando estabelecer, de maneira efetiva, a escola enquanto meio de

4 A ausência de lugar dentro da família, de aceitação, de valorização, de reconhecimento, o mesmo ocorrendo em outras relações sociais, leva ao não-pertencimento, à dificuldade de encontrar com quem e com o que se identificar. Nessa trajetória, apresenta-se o e a reincidência. A droga como meio de se inserir em um grupo e de lidar com o sofrimento, o crime como meio de conquistar a afirmação e o pertencimento (TEJADAS, 2005).

43

socialização dos conhecimentos historicamente acumulados na dimensão

universal, sem restrições a ninguém de qualquer natureza.

A principio, a implementação dessas ações afirmativas no Estado de São

suscitou uma polêmica, já que um dos artigos do decreto determina ”afro-

descendentes os pretos e os pardos, assim definidos, quando necessário, por

autoclassificação” (SÃO PAULO, 2007).

Mais além, o decreto não se refere à educação enquanto única responsável

pela disseminação das ações afirmativas, mas também a Secretaria da Justiça, da

Cultura, da Segurança, entre outras; fora o trabalho conjunto com a comunidade e

com as instituições públicas de Ensino Superior do Estado de São Paulo, entre elas

a USP, a Unesp e a Unicamp.

Assim, diante do surgimento de um aparato jurídico-normativo, o Estado de

São Paulo estabeleceu metas para garantir que as ações fossem concretizadas. O

decreto delega a Secretaria da Educação do estado de São Paulo:

I - no exercício das prerrogativas fixadas no artigo 24, IX e §§ 1º a 4º, da Constituição Federal, desenvolver um plano de ação para capacitação dos docentes e inclusão, no currículo das escolas da rede pública estadual, do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, na forma da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a alteração prevista na Lei Federal nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e legislação correlata;

II - desenvolver o "Programa São Paulo: Educando pela Diferença para a Igualdade" - Capacitação dos professores das áreas de Educação Artística, Literatura e História a ser discutida com os representantes da Comunidade Negra.

Com vistas a capacitar os professores da rede oficial de ensino do Estado de

São Paulo, o projeto intitulado: “São Paulo: educando pela diferença para a

igualdade”, visava

(...) capacitar e sensibilizar os professores em relação à temática racial e buscar a compreensão e reflexão dos processos discriminatórios ocorridos nas escolas e na sociedade (D’ANGELO, 2007).

Contudo, já se poderia imaginar que, ainda embalados pelo mito da

democracia social, muitos governantes, mesmo ao implementarem medidas de

valorização à diversidade em seus planos de governo, carregariam a bandeira da

impunidade, de forma a afirmarem que não há, em sua rede de ensino, nenhum ato

de racismo, preconceito e/ ou discriminação. Em entrevista ao site de notícias da

44

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 2005, o Secretário, Gabriel

Chalita, afirmou que

(...) São Paulo universalizou o ensino fundamental e, hoje, brancos, negros, japoneses, índios, enfim, todos estão na escola e não há discriminação. Por isso, temos investido tanto na capacitação de professores. Esse trabalho é importante para que a educação não seja deformada e para que os educadores aprendam a ensinar para a diversidade (D’ANGELO, 2007).

A partir dessa fala, pode-se perceber que nossa história narrou a questão do

negro com o mínimo de rigor científico, mas com muito argumento ideológico de

manipulação, por não se admitir oficialmente as condições de desigualdade que o

permeiam, pois como afirma Ribeiro (2004, p. 7-8),

(...) ao analisar os dados que apontam as desigualdades entre brancos e negros na educação, constata-se a necessidade de políticas específicas que revertam o atual quadro. Os números são ilustrativos dessa situação. Vejamos: pessoas negras têm menor número de anos de estudos do que pessoas brancas (4,2 anos para negros e 6,2 anos para brancos); na faixa etária de 14 a 15 anos, o índice de pessoas negras não alfabetizadas é 12% maior do que o de pessoas brancas na mesma situação; cerca de 15% das crianças brancas entre 10 e 14 anos encontram-se no mercado de trabalho, enquanto 40,5% das crianças negras, na mesma faixa etária, vivem essa situação.

Diante do exposto, referente a disparidade no rendimento escolar de brancos

e negros, o Ministério da Educação junto a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade também produziram um material que visa respaldar o

professor na parte de conteúdos e metodologias para seguintes os níveis de

ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de

Jovens e Adultos, e Ensino Superior (licenciaturas).

O material, intitulado “Orientações e Ações para Educação das Relações

Étnico-Raciais” é rico em conteúdo, com uma articulação teoria-prática

fundamentada em diversos autores especialistas no assunto. Assim podemos

inferir que o material publicado visa

(...) cumprir o detalhamento de uma política educacional que reconhece a diversidade étnico-racial, em correlação que a publicação seja recebida pelas escolas, por gestores/ as e educadores/ as, como um importante subsídio para o tratamento da diversidade na educação (BRASIL, 2006, p.13).

45

Dessa forma, as ações afirmativas para a educação são fundamentadas e

lhes são atribuídos cunho político e, conseqüente ampliação do repertório

necessário para uma abordagem pedagógica consciente por parte dos educadores,

gestores e demais membros da comunidade escolar.

3. 2.1. Projeto São Paulo: Educando pela Diferença para a Igualdade

O Projeto São Paulo: educando pela diferença para a igualdade, como citado

no capítulo anterior, vem como meio de articulação das medidas sancionadas pela

lei 10.639/ 03, no Estado de São Paulo. A partir de estudos sistemáticos, docentes

da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo,

elaboraram um material voltado, principalmente, para a capacitação de docentes da

Rede Oficial de Ensino do Estado.

Tendo como idealizadores, responsáveis e coordenadores da proposta, a

Profª Dra. Anete Abramowicz, a Profª Dra. Lúcia Maria Assunção Barbosa e o Prof.

Dr. Valter Roberto Silvério, docentes da Universidade Federal de São Carlos, o

projeto buscou desvelar, a partir de situações cotidianas de classe, atitudes

discriminatórias e preconceituosas a partir da instrumentalização de professores,

de modo a retomar o repertório que os docentes possuem acerca do tema,

“sistematizando com outros que possam contribuir para um trabalho em sala de

aula contra a discriminação” (SÃO PAULO, 2005).

Composto de dois módulos – fascículo azul para o Ensino Fundamental e o

marrom para o Ensino Médio, os volumes tem em seu conteúdo um composto de

teoria e prática.

No aspecto teórico, busca identificar as principais dificuldades do professor

em conceituar e diferenciar termos como racismo, preconceito, discriminação,

segregação e xenofobia. Também traz textos que analisam livros didáticos e outros

materiais pedagógicos salientando os estereótipos que estes trazem ocultos. E,

através de uma coletânea de leis, se dispõe a fundamentar a ação do professor.

Dividido em dois módulos de 40 horas, que incluem encontros presenciais, videoconferências e atividades de pesquisa e estudos dirigidos, o Programa São Paulo: Educando Pela Diferença Para a Igualdade busca subsidiar professores das escolas públicas estaduais para o atendimento efetivo das referidas leis, bem como para o trato pedagógico da diversidade (SÃO PAULO, 2005, p. 7).

46

Outra parte importante, desencadeada pelo estudo dos módulos, são as

sugestões didáticas para uma nova prática educativa. Este tópico é eixo articulador

da parte conceitual à parte procedimental do processo de ensino e aprendizagem.

Insta salientar que o aspecto visual do material da proposta é positivo. Com

letras grandes, os cadernos possuem várias imagens, mapas e ilustrações, o que

permite seu uso, não apenas durante o curso, mas também é sala de aula, com os

alunos. Os conteúdos da História da África, essenciais e pouco conhecidos de

muitos professores, são indispensáveis e aparecem permeando os demais

conteúdos. Contudo, tais conteúdos são vistos com mais profundidade no módulo

II, do volume dirigido ao Ensino Médio. Deste modo,

(...) estruturado para possibilitar a discussão e a reflexão a partir das práticas cotidianas dos professores e professoras, o Programa São Paulo: Educando Pela Diferença Para a Igualdade espera contribuir para o enfrentamento de discriminações, em especial a racial, no ambiente escolar e na sociedade como um todo (SÃO PAULO, 2005, p. 7).

O projeto ainda contava com um site, dotado de elementos que estabeleciam

a interatividade do professor com os conteúdos a serem estudados, bem como com

outros professores do curso e suas opiniões a cerca dos temas tratados.

Um desses agentes interativos era uma pesquisa, em uma janela virtual que

se abria ao se entrar no site. A pergunta realizada era a seguinte: “Você aprova a

inclusão de uma disciplina sobre História da África no currículo?” As alternativas

disponíveis para resposta eram: sim. Ajuda a combater o preconceito; sim. Mas

acho que não muda nada; não. Ajuda a aumentar o preconceito.

Quadro 1- Tabulação das respostas dos participantes da pesquisa encontrada no site do Projeto São Paulo: educando pela diferença para a igualdade.

Sim. Ajuda a combater o preconceito. 53.51% Sim. Mas acho que não muda nada. 4.63% Não. Ajuda a aumentar o preconceito. 41.87%

Total: 2508 votos Fonte: Enquete Neab , disponível em <www.http://www.ufscar.br/~neab/index.html>. Acesso em 24 ago. 2007.

Surpreendentemente, as respostas, obtidas em consulta ao site, foram

bastante controversas, a se tomar por base a proposta do curso, que é a inclusão

dos conteúdos referentes à História da África.

47

Parece-nos então que a comunidade ainda não se sente preparada para

tratar do assunto. Para tanto, é possível perceber, segundo Silva (1998, p. 30) que

A ideologia racista contribuiu para que, freqüentemente, o povo negro ignorasse tudo a respeito da sua história. Desconhecem os dados sobre quando e como aqui chegaram, de onde vieram e o que trouxeram na sua bagagem. Suas manifestações culturais encontram-se muito fragmentadas e sua imagem, quando associada à sua ascendência escrava, evoca, sempre, como qualidades maiores a paciência, a docilidade, a resignação, o sofrimento e a submissão, jamais a rebeldia, a resistência, e a recusa à escravidão. O povo negro, enquanto descendente de africanos, está longe de evocar as nobres virtudes de seus ancestrais. Trazem a lembrança somente o sofrimento e a resignação associados a um passado que seria melhor esquecer. (CONSORTE, J.G., apud 1991,p.86 SILVA, 1998, p.30)

Logo, verificamos entre os que se mostraram contrários a adoção dos

conteúdos de História da áfrica no currículo escolar carregam em sua prática os

resquícios de uma sociedade ainda dominada pela ideologia da democracia racial.

Assim evitam o conflitam e trabalham com a acomodação que tal sistema de idéias

reflete nas relações educativas.

Em caminho contrário, existem os que se empenham no tratamento

dispensado aos oprimidos pela supremacia branca. Bernd (1994) conceitua

preconceito, racismo, discriminação, segregação, estereótipos, etnocentrismo, suas

origens históricas e seus usos sociais. Conceituações estas consideradas, no

Projeto São Paulo, como fundamentais para o início de estudos acerca do negro e

sua cultura. Essa instrumentalização quanto aos termos citados, contribui no

desenvolvimento de ações afirmativas referentes à busca da identidade,

desencadeando um processo de reconstrução e reorganização desse tema.

Segundo a autora,

(...) a superação do racismo passa, pois, pelo desejo profundo de resolvê-lo, pelo reconhecimento de que enfrentar o racismo e seus duplos é tarefa de todos e de cada um, pois é o próprio homem, enquanto ser, que gera o humano. (BERND, 1994, p. 58)

A negritude passa, nestes termos, a ter maior notoriedade. Para Munanga

(1986. p. 32), “abandonada a assimilação , a libertação do negro deve efetuar-se

pela reconquista de si e de uma dignidade autônoma”.

Munanga (1986), referindo-se ao rompimento com a assimilação da cultura

caucasiana, demonstra que

48

(...) aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele se reivindica com paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco. Ele assumirá a cor negada e verá nele traços de beleza e feiúra como qualquer ser humano “normal”. (1986, p. 32)

A tarefa não é simples, mas também não tem caráter utópico, de forma que

os séculos de exploração e a dor pela qual passou milhares de africanos não serão

sanados por um projeto ou uma lei, mas é possível se reescrever uma nova

história, pautada nos esforços contínuos em se romper com conjuntura de

inferioridade e a conseqüente desigualdade construída nos decorrer dos quase

cinco séculos de chegada negro no Brasil.

49

4 REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA

4. 1 O Professor e as Mudanças

Não é fácil para nenhum educador colocar em prática tantas mudanças

acerca do currículo escolar. Neste prisma, torna-se imperativo ao professor adotar

uma decisão. Ser apolítico nestas circunstancias implica em pactuar com a injustiça

e a desigualdade em sala de aula. Muitos ainda abraçam a postura reacionária. No

mini-dicionário escolar Aurélio, encontra-se definido reacionário como aquele que

se opõe a quaisquer inovações no campo das atividades humanas. Logo, aquele

que se recusar, enquanto educador, a adjudicar identidade ao negro, ao indígena

ou outros povos inferiorizados cultural e social e deve restaurar seus conceitos

sobre a prática docente e o que esta preconiza. Nesta acepção, Santos (2001,

p.105) assevera que

(...) no cotidiano escolar a educação anti-racista visa a erradicação do preconceito, das discriminações e de tratamentos diferenciados. Nela estereótipos e idéias preconcebidas, estejam onde estiverem (meios de comunicação, material didático e de apoio, corpo discente e docente etc.) precisam ser duramente criticados e banidos. É o caminho que conduz a valorização da igualdade nas relações. E para isso, o olhar crítico é ferramenta mestra.

Lecionar, neste ensejo exige clareza de objetivos, metas as quais se quer

chegar em qualquer processo de ensino-aprendizagem. Entretanto não se observa

que, no decorrer desse período houve uma grande troca de experiências, situações

reais de vivência entre diferenças. Diferenças essas que, se não forem mediadas

num contexto de eqüidade motivam uma atmosfera de desigualdade, pois

(...) na educação, nem sempre os agentes estão conscientes de que a manutenção dos preconceitos seja um problema. Dessa forma interiorizamos atitudes e comportamentos discriminatórios que passam a fazer parte do nosso cotidiano, mantendo e/ ou disseminando as desigualdades sociais. (CAVALLEIRO, 2001, p. 152).

A intervenção nos casos de discriminação, racismo, preconceito e demais

formas de desagregação social é fundamental para que não se perpetuem atos

contra a humanidade em nome da superioridade de uma “raça” em detrimento de

outra. Cavalleiro (2001) infere que

50

A ausência de iniciativas diante de conflitos raciais entre alunos e alunas mantém o quadro de discriminação. Diante desses conflitos, o “silencio” revela conivência com tais procedimentos. Para a criança discriminada indica menosprezo pelo seu sofrimento. E, principalmente explicita que ela não pode contar com nenhum apoio em outras situações semelhantes (p. 153).

O dia-a-dia de uma escola pode ser o meio de dissipação ou dispersão de

atitudes preconceituosas. Assumir a situação, concebendo que a desigualdade

existe é basilar para uma mudança, na medida em que se compreende a escola

como aparelho ideológico pois,

Mesmo admitindo que a escola transmita os valores das classes dominantes, cabe refletir: os alunos seriam sempre de modo homogêneo, aceitando tudo, como se fossem maquinas? (...) O processo de transmissão de ideologia na escola não ocorre sem conflito. Aos valores da classe dominante que os professores conservadores impõem na sala de aula, os alunos reagem de modo dinâmico (...) (MEKSENAS, 2003, p.81)

Nestes termos, cabe a equipe escolar – diretor, apoio pedagógico,

professores, funcionários afins – colocar em exercício os preceitos da 10.639, já

que uma criança não internaliza apenas o que lhe atinge sensorialmente

(xingamentos, agressões físicas), mas também atos subliminares. Cavalleiro

(2001), assegura que o não-verbal (gestos, olhares e outras atitudes) no cotidiano

escolar expressa tanto o tipo de relacionamento aceito e valorizado, quanto o não

aceito, não valorizado, desejado. A autora ainda destaca dois itens importantes

para a formação de sentimentos racistas. Um deles é o afastamento que tende a

evitar contato físico e diálogo, por muito oriunda de uma relação distante entre

professores e alunos. O outro é a rejeição, no qual abdica-se de toda e qualquer

relação proximal, seja por contato físico ou verbal com o outro, no caso o negro.

(CAVALLEIRO, 2001)

4. 2 Três Experiências Didáticas5

Para romper com uma pedagogia acrítica, na qual, a manutenção de um

currículo conservador é parcela mais importante do ensino, são necessárias ações

5Os planos de aula, referentes às atividades descritas neste item, estão disponíveis no apêndice, p 64.

51

didático-pedagógicas, as quais serão agentes para o trabalho com a diversidade e

com conteúdos de História e Cultura Brasileira e Africana; de tal modo que este

capítulo tem, por desígnio, trazer a luz de autores especializados, três propostas

didáticas aplicadas em uma sala de 1ª série do Ensino Fundamental da Rede

Estadual de Educação da cidade de Bauru.

Tal ação se configurou como pesquisa participante, na qual, por meio de

intervenções da professora da classe, autora do trabalho em voga, coletou os

dados necessários para obtenção de uma amostra da realidade em que se

encontra a escola em período de mudanças, quanto ao trabalho com a questão da

pluralidade cultural, bem como com a africanidade.

Pautadas num plano de ensino que tem por princípio a valorização de si e do

outro, bem como o respeito e a tolerância ao próximo, estas propostas obtiveram

resultados surpreendentes, haja vista que algumas crianças envolvidas nas

atividades ainda não tinham o domínio da leitura e da escrita convencionais. As

crianças participantes tinham entre sete e oito anos. A escola a qual pertenciam faz

parte da zona suburbana da cidade. A distância que há entre a comunidade na qual

se situa a escola e o centro urbano de Bauru fez com que se criasse uma

atmosfera micro-social, na qual estudavam na mesma classe a filha do dono da

única papelaria do bairro e crianças órfãs criadas por vizinhos, aos quais

chamavam de tios e tias.

A sala, composta de 37 alunos, não dispunha de grande variedade étnica. A

maioria dos alunos era parda e negra. Eram poucos os brancos. A classificação por

autodefinição foi muito complicada, já que os pardos se diziam brancos e os negros

“moreninhos”. Já foi possível perceber, de antemão, quão arraigada são as práticas

discriminatórias na vida dessas crianças. Este fato é fortalecido pelo dado obtido

por Silva (1998, p.22) o qual revela que

(...) diante de uma questão aberta do IBGE foram constatadas em censo, 136 variações de cores. “Isto nos faz refletir sobre os escapes que as pessoas encontram para não serem identificadas como negras. Tentam de todas as maneiras fugir de serem identificadas com essa raça. Que histórias foram contadas, capazes de levar essa imensa massa populacional, pesquisada pelo IBGE, a omitir sua identidade negra? Que historias nos foram contadas na infância e adolescência levando-nos ao medo de dizer:” Eu sou negro “ou” Sou negra “. Como se o ser negro ou negra não correspondesse a uma raça, mas sim uma marca negativa, que precisa ser apagada, superada ou esquecida.

52

Torna-se basal, para o início dos processos de ensino-aprendizagem acerca

dos conteúdos de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, o conhecimento dos

alunos sobre si, um resgate da auto-estima do aluno negro, em uma tomada de

consciência, no sentido de construir, com a classe, um ambiente humanizado,

pautado no respeito e na tolerância ao outro.

Para que fosse articulado na prática o saber teórico envolvido no decorrer do

trabalho, bem como o disposto na lei 10.639, foram aplicadas três atividades

didáticas durante o mês de junho de 2006. As ações tiveram início com uma

atividade de expressão plástica chamada “auto-retrato”. A segunda ação

pedagógica chamava-se “O desenho do outro”. A ultima tinha o nome de “E que fim

levou o Patinho Feio?”, baseada na obra “Patinho Feio” de Hans Christian

Andersen.

4. 2.1. Auto-retrato6

A atividade em questão tinha como objetivo desenhar a si, depois de se

observar em um espelho. As crianças foram estimuladas a se representarem o

mais próximo possível da realidade.

Este desenho foi pontual para diagnosticar em que nível caminhava a

imagem corporal que cada um tinha de si.

As representações de meninas que tinham cabelos curtos, em alguns casos

crespos ou cacheados, se fizeram de cabelos longos, pretos, loiros e lisos, olhos

azuis e pele cor-de-rosa. Manifestavam-se, naquela situação, meninos e meninas

que assimilaram o padrão branco como figura humana perfeita. Mas, como

promover o estranhamento nessa situação? Como favorecer a formação crítica

àqueles que, tão pequenos, já haviam internalizado formas de se representar que

não dessem margem à não-aceitação dos outros?

A imagem que as crianças negras têm de si próprias ainda é muito ruim. Nossas crianças, nosso povo em geral, têm que ver a sua imagem em todos os lugares, na Televisão, na mídia, nas estatísticas, nos postos de trabalho, nos livros didáticos, nas revistas de moda, no cinema, na política, no Congresso Nacional, nos lugares de decisão da Nação, dos Estados e Municípios, nas igrejas, enfim, em todos os lugares. Precisamos de referências nos diversos segmentos da sociedade. (SILVA, 1998, p.35)

6 Ver produções em anexo B, p. 69.

53

Torna-se desagradável ser identificado como alguém que tem por

antepassados, pessoas tão humilhadas. Ainda que com uma história de

contribuição ao progresso nacional, mas sem documentação. Não é nada fácil para

uma criança negra ver sua identidade se esvair diante das terríveis afirmações que

surgem nas aulas de história com relação ao advento de seu povo.

O ato de trazer o negro para sua mão-de-obra ser explorada foi considerada

por muito tempo a salvação deste, já que era visto como corpo entregue ao

pecado. Porém, a resistência nunca citada nos portadores de textos didáticos

existiu, ainda existe. A luta dos povos que, mesmo diante de tamanha diversidade

(bantos, etíopes, egípcios...) eram encarados simplesmente como negros, servis de

forma genérica, encontrou obstinação numa figura que mesmo depois de mais de

um século as escolas ainda se recusam a tratar de sua figura. Zumbi dos Palmares

nos remete a uma esperança de ruptura na imagem inerte e covarde a que os

negros fora atribuída. Ora, o que diriam os griots7, contadores de história,

tradicionais no continente africano, se pudessem narrar a saga dos seus?

Em muitos momentos nos deparamos com situações escolares, nas quais o

aluno negro sente-se diminuído, às vezes em uma aula de história, cujas

epistemologias foram todas produzidas por um povo que, nem ao menos conviveu,

ou mesmo, descende dos seus ascendentes. A história narrada não lhe soa

confortável. Todos na sala, ao olharem, fazerem-lhe gracejos tornam a ocasião

mais constrangedora. Quando não, a professora aproveita o ensejo para tratar das

questões fenotípicas da etnia em questão com este aluno. Ora... A qual destino

está fadado nosso personagem?

Pautado nesta conjuntura, em que há a negação e a mutilação do aspecto

ontológico de um indivíduo,

(...) é possível que a escola tenha maior poder de saturação ideológica, por ter uma atuação sistemática, durante anos a fio, sobre os que nela permanecem. O processo de seletividade dos conteúdos curriculares, o currículo oculto8, a invisibilidade e o recalque da imagem e cultura dos

7 griots: (palavra francesa, para aqueles chamados de dieli, em bambara, língua da África Ocidental): narradores orais, músicos e/ ou cantores. Os griots não são os únicos tradicionalistas, mas podem tornar-se, se for a sua vocação. (BRASIL, 2006, p. 219). 8 O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais

54

segmentos sem prevalência histórica na nossa sociedade, são alguns dos mecanismos produzidos para manter a ideologia dominante.O produto final de todo esse processo está configurado no currículo eurocêntrico vigente nas escolas brasileiras, em todos os níveis de ensino (MUNANGA, 1996, p. 141).

Assim sendo, no intuito de corresponder às expectativas e demandas da

nova legislação educacional brasileira, estabeleceu-se um trabalho em caráter de

práxis: ação – reflexão – ação.

4. 2. 2. O desenho do outro9

Nesta etapa das ações, os alunos deixaram de se ilustrar para retratarem a

imagem do (a) colega.

A atividade foi muito rica, pois contou com uma comunidade de investigação

precedente, que destacou a partir da leitura do para-didático “Mirradinho”, situações

em que, às vezes, não valorizamos, ou mesmo respeitamos o outro como este

mereceria. As crianças citaram momentos em que, nas atividades de sala, nem

sempre sabem de tudo, uns lêem bem, outros escrevem, outros desenham.

Lembraram também que freqüentemente pedem ajuda aos colegas quando não

sabem alguma coisa e como, em outras vezes, se sentem aptos a ajudarem.

Tiramos a conclusão coletiva de que diversidade “é quando todo mundo é diferente

e completa aquilo que o outro não tem ou não sabe fazer”. Uma simples inferência,

mas carregada de sentido.

Munidos das folhas de sulfite, as crianças receberam uma consigna, com a

orientação de se sentarem com sua dupla (previamente sorteada) e desenhá-la

como faziam os pintores clássicos, antes do advento da fotografia. Foi visível a

retidão com que faziam suas obras, já que qualquer brincadeira jocosa com a figura

do outro poderia lhe render uma correspondência. Como subsídio para este

trabalho, foram mostrados alguns auto-retratos, tais como os de Vincent Van Gogh

e Tarsila do Amaral. As crianças também aprenderam, previamente, noções de

proporção do rosto, nariz, boca, olhos etc., pois a pintura seria apenas do rosto até

a altura dos ombros.

As crianças estavam ansiosas por saber como tinham sido representadas.

Na apresentação dos quadros foram feitas algumas questões diretivas aos

relevantes (...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações..." (Silva, 2001, p. 78 apud Cortelazzo, 2007). 9 Ver anexo C, p. 70.

55

“artistas”: porque você valorizou a roupa e não o colega? Por que a opção pelo

cabelo loiro se a colega é morena? No caso das crianças negras essa situação

ocorreu inversamente. Uma aluna negra se recusava a ser retratada de cabelos

curtos (sua real imagem). Foi solicitado para que ela descrevesse então como ela

deveria ter sido representada. Pela sua descrição, em sua imaginação pairava a

imagem de uma densa cabeleira longa e preta. Neste caso não se poderia agir com

a repreensão, mas sim com o auto-reconhecimento e valorização da real imagem,

por esta ser única. Ao se olhar no espelho disponível para a atividade de auto-

retrato a aluna se deparou com alguém que ela nunca havia visto com um olhar

conhecedor de si e de sua importância. O colega não apenas a desenhou, como

também caprichou nos detalhes referentes ao seu sorriso, seu olhar, agora

compreendidos como únicos, por isso tão importantes. Mais notáveis ainda por

serem dela e de mais ninguém.

A rejeição costuma ir além, para os traços característicos, a cor da pele, o nariz... Agora imagine como é para uma criança negra lidar com uma auto-imagem tão negativa. Vai ser difícil e dolorido saber se impor com confiança perante uma sociedade cujo padrão estético é loiro-liso-magro-olhos claros (STANGE, 2007).

Enfrentar a rejeição em sala de aula é algo comum, porém condenável. O

professor deve ter posição clara: pactuar ou não? Pensar que esses fatos devem

ser deixados de lado, ou mesmo dizer à criança que ela não deve se magoar

porque ela não é tão negra assim ferem o direito desta possui uma identidade. O

professor que se ausenta dessa responsabilidade política e social de conduzir as

relações étnicas e culturais de sua classe corrobora na formação de indivíduos

alienados de sua própria existência. Para tanto,

(...) é fundamental fazer com que o assunto não seja reduzido a estudos esporádicos ou unidades didáticas isoladas. Quando se dedica, apenas, corre-se o risco de considerá-la uma questão exótica a ser estudada, sem relação com a realidade vivida. A questão racial pode ser um tema tratado em todas as propostas de trabalho, projetos e unidades de estudo ao longo do ano letivo. (BRASIL, 2006, p. 72).

As respostas foram as mais diversas. Muitos haviam pintado o cabelo das

meninas de vermelho, pois estas pediam com o fim de fazer um tributo a uma atriz

mexicana de uma novela vigente naquele período.

56

Em suma, os retratos foram expostos na sala e foi possível perceber que os

alunos, de fato, observaram o colega a ser retratado, já que usaram os lápis de cor

das mais variadas tonalidades, entre o ocre e o marrom, tons mais próximos das

cores das crianças. Deixaram de lado o costume de chamarem cor-de-rosa de cor

de pele.

4. 2. 3. E Que fim levou o Patinho Feio?10

Era costume nesta sala a leitura compartilhada dos clássicos contos de

fadas e de encantamento. Como ação intermediária foi feita a leitura do conto do

Patinho Feio, de Hans Christian Andersen. Todavia, a atividade se diferenciaria por

um ponto: a passividade de ouvir a história até o final seria rompida, para reflexões

acerca do personagem principal da história e o suposto final feliz que este

alcançaria.

Durante a leitura, algumas crianças se manifestaram contrárias à leitura, pois

não sabiam da proposta que lhes seria feita. Elas alegavam que não agüentavam

mais ouvir este conto. Contudo, no momento em que o patinho feio olha para o lago

e se percebe diferente dos demais a leitura foi interrompida. Foi questionada às

crianças a continuidade daquela ação, no livro. Em seguida falaram o que era de

conhecimento geral: “ele fica triste, mas depois ele cresce e vê que não é pato,

mas sim um cisne e, quando encontra uma família de cisnes, se junta a eles e vive

feliz para sempre”.

O conhecimento prévio dos alunos foi providencial para a segunda parte da

atividade. Algumas questões foram dirigidas a eles, tais como: será que está certo

isso? Ser benquisto só pelos iguais? Na nossa vida é assim também? Pessoas

magras convivem apenas entre elas? Não se relacionam com outras, de porte

físico diferente? Quer dizer que, quando uma pessoa é de uma cidade, não pode

ser amiga de alguém de outro lugar? Os brancos não podem ser amigos dos

negros, dos japoneses ou dos indígenas? Será que existe algo que pode impedir a

convivência de pessoas diferentes?

Esta reflexão foi mote para a segunda etapa da ação. As crianças foram

orientadas a escreverem um novo fim para a história, de modo que o patinho feio

10 Ver anexo D, p. 71.

57

não se sentisse discriminado nem por sua família adotiva, nem pelos demais

habitantes da floresta.

Um dos textos mais interessantes foi elaborado por uma aluna que viu na

diferença do cisne a oportunidade deste ser visto como tão bonito quanto os

demais porque ele era único. A idiossincrasia suscitada pela história dessa criança

levantou a hipótese de que, seres individuais compõem um coletivo, no caso dos

homens, a sociedade. E é neste contexto que construímos nossa identidade.

58

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O negro no Brasil teve sua imagem, bem como sua aceitação marcada por

uma forte ideologia inferiorizante, a qual, baseada em estudos falaciosos,

desenvolvidos no chamado “Século das Luzes”, corroboraria ainda mais a questão

da discriminação racial no país.

Estes estudos seriam a justificativa ideal para a exploração do trabalho

escravo que, tinha por função, segundo estudos da época, humanizar o africano. A

religião também teve seu papel nesta conjuntura, ao afirmar por meio de sua

liturgia a virtude do branco, do claro, do alvo em detrimento dos vícios ditados pelo

preto e suas desinências.

O que era uma simbologia transpôs-se em realidade, considerando o negro

como degeneração da espécie humana. Destacam-se então, os elementos

fenotípicos desse grupo, como forma de segregação ampliando entre os

afrodescendentes, a desigualdade social.

Em contrapartida, os movimentos de resistência traziam em si, a esperança

por uma liberdade significativa, já que a abolição não contemplou os direitos dos

“livres”, negando-lhes uma aposentadoria, indenização ou ainda, uma reforma

agrária. Entraria em ação, no sentido de evitar contendas entre os libertos, a

conjectura da democracia racial, que avaliaria as relações raciais no Brasil como

saudáveis, e abertas à miscigenação da população.

Com vistas a contemporizar a emancipação dos negros, a democracia racial

se aliaria a outro conceito, o de eugenia, que assegurava aos negros, total

impotência intelectual e cognitiva, sem a mistura de raças.

Mesmo atuando em caráter de políticas públicas, a eugenia e a democracia

racial não romperam com a obstinação dos negros, que passaram a se organizar,

ao inferirem que não havia solução mais diplomática e eficiente que não fosse por

vias da educação formal.

Neste sentido, formou-se um movimento negro legitimado pelo denso

arcabouço teórico que conseguiu fomentar no decorrer de seus anos de

experiência.

Com visibilidade, o Movimento Negro Unificado teve participação efetiva na

elaboração de diversos projetos de lei. Dentre eles, a lei 10.639/ 03, apresentada

no trabalho como divisor de águas entre a ausência de especificidade nas

orientações didáticas sobre a cultura negra, na LDB de 1996, e a obrigatoriedade

59

do ensino de história e cultura da África e dos afro-brasileiros, regulamentada por

diretrizes curriculares dirigidas ao tema.

Neste sentido, torna-se fundamental, por parte dos profissionais dos

estabelecimentos de ensino de todo país uma mudança de postura, tanto no trato

pedagógico, quanto na dimensão das relações humanas, pois como foi observado

no decorrer do trabalho, o afeto, bem como a importância que se dá a uma

denúncia de racismo feita por um aluno, pode contribuir para que este transponha

as barreiras ideológicas que venham a lhe envolver. Nesta configuração, as

práticas educativas, conscientes de sua função social, precisam visar um ensino

voltado para a diversidade e sua aceitação, de modo que a tolerância à alteridade –

não à desigualdade – prevaleça.

Quando aplicadas em classe, as atividades didáticas voltadas para o tema

favorecem a busca por um novo paradigma, focado no estabelecimento de formas

mais críticas de lidar com a questão da diversidade. Isto sem deixar de lado o

aspecto do respeito que o assunto preconiza, bem como a promoção de um

ambiente reflexivo, na acepção de ampliar o repertório cultural do aluno a partir da

experiência com o outro.

O que foi possível perceber durante todo o trabalho, tanto na parte teórica

quanto na prática é que ainda é complexo para muitos educadores mudar ou

mesmo questionar sua conduta, no tocante a forma de tratar assuntos relacionados

aos negros e afrodescendentes em sala de aula. Muitas vezes o eufemismo,

herdado da democracia racial, se traduz no cotidiano plural como óbice para a

tomada de decisão frente aos caminhos a se assumir, já que não deve haver

nenhum tipo de protecionismo ou exclusão nas práticas educativas. A igualdade

almejada é obra de um trabalho sistemático, o qual preconiza uma formação ética e

política sólida por parte do educador. De certa maneira, esta será uma das formas

de se preparar, tanto docentes quanto alunos, para os conteúdos referentes à

emudecida História da África e dos afro-brasileiros.

Diante do exposto, podemos inferir que a ação do educador compromissado

em levar a cultura e a história da África e do afro-brasileiro ao cotidiano escolar é

fundamental no rompimento com práticas não expressivas, bem como para o

avanço qualitativo das relações raciais no âmbito educacional.

60

REFERÊNCIAS ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1988-1998). Tradução: Magda Lopes. Bauru (SP): EDUSC, 1998. AZEVEDO, Thales de. Democracia Racial: ideologia e realidade. Petrópolis: Vozes, 1975.108 p. BENCINI, Roberta. Educação não tem Cor. Revista Nova Escola, Editora Abril, nov. de 2004. BERND, Zilá. Racismo e anti-racismo. São Paulo: Moderna, 1994. BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. _______. LEI Nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Brasília: Ministério da Educação. 1996. _______. Ministério da Educação. Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=236171. Acesso em: 24 abr 2006. _______.Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação para temas transversais: pluralidade cultural. Brasília (DF): MEC, 1997. _______. Parecer nº CNE/ CP 003/2004 de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004. _______. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006. CARNEIRO, Sueli. A experiência do Geledés: SOS Racismo na tutela dos direitos de cidadania da população negra. In: MUNANGA, Kabengele (org). Estratégias políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996. CAVALLEIRO, Eliane. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo melhor. In: _______. CAVALLEIRO, Eliane org. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.

CORTELAZZO, Iolanda B. C. Currículo da escola básica. Disponível em: http://www.boaaula.com.br/iolanda/disciplinas/curriculo/defcurriculo.html. Acesso em: 10 set 2007.

CUNHA, Luiz Antônio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: 4ª ed. Francisco Alves, 1979.

61

CUNHA JR, Henrique. As estratégias de combate ao racismo, movimentos negros na escola, na universidade e no pensamento brasileiro. In: MUNANGA, Kabengele (org). Estratégias políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996.

D’ANGELO. Renata. Secretaria amplia projeto de capacitação para que professores da rede trabalhem conteúdo afro-brasileiro. 19 de Novembro de 2004. Disponível em: http://www.microeducacao.pro.br/Secretari adeEducacaoNov2004.htm Acesso em:25/08/2007.

DEL PRIORE, Mary. História das crianças no Brasil. São Paulo. Contexto, 2002. DOMINGUES, Petrônio. Ações afirmativas para negros no Brasil: o início de uma reparação histórica. Rev. Bras. Educ. , Rio de Janeiro, n. 29, 2005 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782005000200013&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 27 Out 2007. FAZZI, Rita de Cássia. O drama racial de crianças brasileiras: socialização entre pares e preconceito. Disponível em: http://www.politicasdacor.net/documentos/aprelivros/dramaracial.pdf, Acesso em: 17 jun 2006. FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. A cor da cultura: saberes e fazeres: modo de sentir. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. GENTILE, Paola. África de todos nós. Revista Nova Escola, Editora Abril, nov. 2005. GONÇALVES, Luciane Ribeiro Dias; SILVA, Maria Vieira da. A formação de professores e o multiculturalismo: desafio para uma pedagogia da eqüidade. Disponível em http://www.rizoma.ufsc.br/html/900-of10a-st2.htm. Acesso em 19/07/2007. GOULART, Serge. Racismo e luta de classes. Florianópolis: Conhecer, 2002. JEAN, George. O racismo contado às crianças. Lisboa. Terramar, 1997. MEKSENAS, Paulo. Sociologia da Educação. São Paulo: 11ª ed. Loyola, 2003. MOUTINHO, Laura. Razão, cor e desejo: uma análise comparativa sobre relacionamentos afetivo-sexuais “inter-raciais” no Brasil e na África do Sul. São Paulo: Unesp, 2004. MUNANGA, Kabengele. Estratégias de Combate à Discriminação Racial (org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996. ________, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. São Paulo. Ática, 1986.

62

________, Kabengele. Superando o racismo na escola. [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), 2005. NASCIMENTO, Elisa Larkin. Sankofa: educação e identidade afrodescendente. In: CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. NEVES, Paulo Sérgio da C. Luta anti-racista: entre reconhecimento e redistribuiçao. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 20, n. 59, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/s cielo.php?script=sci_arttext&pid= S0102-69092005000300006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 31 out 2006. PAIXÃO, Marcelo. Desigualdade nas questões racial e social. In: A cor da Cultura: Saberes e fazeres, v.3 : modos de interagir. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. PINHO, Osmundo de Araújo; FIGUEIREDO, Ângela. Idéias fora do lugar e o lugar do negro nas ciências sociais brasileiras. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, 2002. Disponível em: <http://www.scielo .br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0101-546X200200010 0008&lng=pt& nrm=iso>. Acesso em: 23 set 2006. RIBEIRO, Matilde. Apresentação do SEPPIR. In: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC/ SEPPIR, 2004. ROMÃO, Jeruse. O educador, a educação e a construção de uma auto-estima positiva no educando negro. In: CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. SANT’ ANA, Antônio Olímpio de. O Direito à Diferença. MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), 2005. SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do ser negro: um percurso de idéas que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo/ Rio de janeiro. Fapesp/ Educ/ Pallas, 2002. SANTOS, Isabel Aparecida dos. A responsabilidade da escola na eliminação do preconceito racial: alguns caminhos. In: CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. SANTOS, Joel Rufino dos. O que é racismo. São Paulo. Abril cultural/ Brasiliense, 1984. SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei no 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In: Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei

63

Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. SÃO PAULO (Estado). Programa São Paulo: Educando pela diferença para a igualdade. São Carlos. UFSCar, 2005. __________. Decreto Nº 48.328, de 15 de dezembro de 2003. Disponível em: portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/dec48328.pdf . Acesso em 23 jul 2007. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras. 1993. 296 p. SILVA, Ana Célia. Ideologia do embranquecimento na Educação brasileira e proposta de reversão. In: MUNANGA, Kabengele. Estratégias de Combate à Discriminação Racial (org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996. _____, Ana Célia. A Desconstrução da Discriminação no Livro Didático. In: MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. [Brasília]: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), 2005. SILVA, Antônio Carlos Arruda da. Questões legais e racismo na história do Brasil. In: MUNANGA, Kabengele. Estratégias de Combate à Discriminação Racial (org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996. SILVA, Edílson Marques da. Negritude e fé: o resgate da auto-estima. Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo: Faculdade de Ciências e Letras “Carlos Queiroz”, 1998. SILVA, Joaquim. História do Brasil: quarta série ginasial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. SILVA, Maria Aparecida (Cidinha) da. Formação de educadores/ as para o combate ao racismo. In: MUNANGA, Kabengele. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 65-84. SILVA, S. P.S e MELLO, F.C.M. Políticas para enfrentamento do fracasso escolar: uma análise da proposta escola plural de Belo Horizonte. Disponível

em http://www.anped.org.br/reunioes/24/P0568099736774.doc . Acesso em 17/06/07.

SOUZA, Ana Lúcia Silva. Negritude, letramento e uso social da oralidade. In: CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 179-194. SOUZA, Andréia Lisboa de. Personagens negros na literatura infanto-juvenil: rompendo estereótipos. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 195-213.

64

SOUZA, Elizabeth Fernandes de. Repercussões do discurso pedagógico sobre relações raciais nos PCNs. In: CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 39-64. STANGE, Paula. Sim para a auto-estima e não para a discriminação racial. Disponível em http://gazetaonline.globo.com/jornalagazeta. Acesso em 28/08/2007. TEJADAS, Silvia da Silva. As determinações da reincidência que emergem do sistema de atendimento ao adolescente autor de ato infracional. 2005. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/areas/ceaf/arquivos/enssmp/Textos%20Completos%20PDF/as_deter_reinc_emerg_sist.pdf. Acesso em 12 mai 2007.

65

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. Tolerância e seus limites: um olhar latino-americano sobre diversidade e desigualdade. São Paulo: Unesp. 2003. 209 p. FISCHIMANN, Roseli. Educação, democracia e a questão dos valores culturais. In: MUNANGA, Kabengele (org). Estratégias políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996. GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade. In: MUNANGA, Kabengele org. Estratégias políticas de combate à discriminação racial. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Estação Ciência, 1996. ROSSATO, César; GESSER, Verônica. A experiência da branquitude diante de conflitos raciais: estudos de realidades brasileiras e estadunidenses. In: Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 11-38. SANTOS, Joel Rufino dos. Gosto de África: histórias de lá e daqui. São Paulo, Global, 1999. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: 22ª ed, Cortez, 2002. SOUZA, Irene Sales de. Trabalhando como preconceito e a discriminação na escola: Relato de uma experiência. In: Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação – Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação. São Paulo. Unesp, Pró Reitoria de Graduação, 2003.

66

APÊNDICE

FÓRUM DA DIVERSIDADE E IGUALDADE – 17 a 20 de abril 2007 Relatos de Experiências / Propostas de atividades transversais

TEMA: Convivência na Diversidade

Plano de Atividades Transversais

Dados

Escola: E. E. Dr. Carlos Chagas / Bauru-SP

Professora Roberta de Souza Alves

Duração da atividade: 4 horas-aula

[ X ] Ensino Fundamental [ ] Ensino Médio 1ª Série

Conteúdos: identidade, diversidade, linguagem oral, auto-retrato, desenho artístico

Disciplinas envolvidas: História, Língua Portuguesa, Artes.

Objetivos

Objetivo Geral Reconhecer a diversidade presente em sala e a importância da convivência pacífica frente às diferenças, visando a construção de uma postura de tolerância e respeito ao outro.

Objetivos específicos: Participar de comunidades de investigação filosófica(*) sobre a temática “A diversidade em nossa escola”.

Retratar a própria imagem, ressaltando suas principais características físicas mais notáveis (textura dos cabelos, altura, cor dos olhos, da pele...).

Retratar o colega, de modo a ser fidedigno quanto as suas características físicas (textura dos cabelos, altura, cor dos olhos, da pele...).

Observar as produções, identificando e analisando as idiossincrasias dos colegas de classe, relacionando tais especificidades à riqueza de valores e experiências que tamanha heterogeneidade pode favorecer ao grupo.

_____________ () O termo foi inicialmente cunhado por Pierce favorecendo a comunidade científica, depois ampliando essa

visão a sala de aula. “Uma comunidade de investigação pelo caminho que esta conduz do invés de ser limitada pelas linhas divisórias das disciplinas existentes”. (LIPMAN, 1995).

Metodologia

1. Para iniciar, a classe deve estar disposta em um círculo, em que todos possam se ver. Será feita a leitura do livro “Mirradinho”. Utilizando-se de uma alusão ao personagem Mirradinho, que era menosprezado pelos outros, por ser árvore de pequeno porte, questionar se na realidade isso ocorre, se alguma vez se sentiram depreciados por alguma característica que possuam. Neste sentido, o colóquio se conduzirá a conclusões que evidenciem a importância da convivência na diversidade enquanto meio de socialização de conhecimentos, valores, culturas e outras características que possam compor a riqueza de um povo. 2. Após a comunidade de investigação filosófica é proposto ao aluno que faça o seu retrato. Para tanto, deixa-se a disposição dos alunos um espelho (tomando-se os devidos cuidados). 3. É importante que se faça uma pequena exposição desses retratos na sala, para que as crianças possam apreciar o desenho de todos, identificando o colega apenas pela ilustração, sem saber quem a fez. 4. Logo, disponha a sala em duplas, escolhidas por sorteio. Como tarefa, solicite que cada um da dupla desenhe seu par, ressaltando em seu retrato as características do colega quanto à textura, comprimento e cor dos cabelos, cor e formato dos olhos,

67

estatura, cor da pele; fortalecendo sempre aos alunos que a intenção é retratar o colega e não suas roupas e/ ou objetos pessoais. 5. Para encerrar, reúna os alunos novamente em círculo, para que possam falar sobre a atividade, se concordam com a forma como foram retratados, quais foram os critérios que utilizaram para reproduzir o colega de determinada maneira.

Recursos

Lápis de cor Giz de cera Folhas de papel sulfite Lápis de escrever e borracha Livro “Mirradinho”

Avaliação

Como critério serão considerados os índices de envolvimento do aluno na atividade, seu empenho em participar das atividades de expressão oral e suas atitudes de reconhecimento da importância da diversidade em sala de aula através da ilustração de si e do outro.

Bibliografia

LIPMAN, Mathew. O Pensar na Educação. Tradução de Ann Mary Fighiera Pérpetuo. Petrópolis: Vozes, 1995. SILVA, C. C. e SILVA, N. R. Mirradinho. São Paulo: Editora do Brasil, 1995. SOUZA, Irene Sales de. Trabalhando como preconceito e a discriminação na escola: Relato de uma experiência. In: Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação – Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação. São Paulo. Unesp, Pró Reitoria de Graduação, 2003.

Enviar propostas para [email protected]

Núcleo Pela Tolerância / Depto de Ciências Humanas / FAAC / UNESP-Bauru Av. Engº Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01- CEP 17 033-360 - Bauru / SP

Fone: (014) 221 6064 / 6036 – Fax: 221 6054 www.faac.unesp.br/pesquisa/tolerancia

68

FÓRUM DA DIVERSIDADE E IGUALDADE – 17 a 20 de abril 2007 Relatos de Experiências / Propostas de atividades transversais

TEMA: Convivência na Diversidade

Plano de Atividades Transversais

Dados

Escola: E. E. Dr. Carlos Chagas / Bauru-SP

Professora Roberta de Souza Alves

Duração da atividade: 1 hora-aula

[ X ] Ensino Fundamental [ ] Ensino Médio 1ª Série

Conteúdos: identidade, diversidade, linguagem oral, produção de texto.

Disciplina envolvida: Língua Portuguesa.

Objetivos

Objetivo Geral: Reconhecer a as relações sociais como meio de apreensão de novos saberes e culturas a partir da convivência no âmbito da diversidade.

Objetivos específicos:

Ouvir a leitura compartilhada de um conto de encantamento. Contar a história lida, representando-a com bases no repertorio pessoal. Identificar no final da história do patinho feio as ações segregacionistas e

discriminatórias em elas se apóiam. Elaborar uma nova proposta de final para a história, a fim de valorizar a

convivência na diversidade.

Metodologia

1. Será feita a leitura compartilhada do conto de encantamento “O patinho feio”. Assim q o final estiver próximo, por volta da parte em que o patinho vê uma revoada de aves iguais a si, será feita uma breve interrupção. Será solicitado a um aluno que se dispuser, contar o final da história de acordo com o fim desta ouvido em outras ocasiões. Ouvida a versão dos alunos, serão feitas algumas questões reflexivas, tais como: apenas convivendo com iguais a nós podemos ser felizes? Não pode uma criança branca ser amiga de uma criança japonesa ou negra? As pessoas gordas viveriam apenas entre outras pessoas gordas, apenas para não conviver com o diferente? Por que o patinho feio precisava sair de casa, de perto de sua mãe adotiva para ser aceito? Alguma vez você já se comportou assim com algum colega só por que ele tinha alguma diferença com relação a você? 2. Após o momento reflexivo, as crianças serão orientadas a produzir uma continuação da história, de forma que empregue seus conhecimentos sobre a convivência entre diferentes, de forma que torne esta um fato positivo na vida do pato, de modo que este não seja visto mais como feio, mas sim como diferente e único, por isso valoroso entre os demais animais.

Recursos

Conto “Patinho Feio” de Andersen; Folhas de papel almaço; Lápis, borracha,

69

Avaliação

Como critério serão considerados os índices de envolvimento do aluno na atividade, seu empenho em participar das atividades reflexivas, bem como suas atitudes de reconhecimento da importância da diversidade em sala de aula através da reescrita do final da história.

Bibliografia

ANDERSEN, Hans Christian. O patinho feio. In: Tesouro da Juventude. São Paulo: Gráfica Editora Brasileira. 1936, v. 5. p. 263-267.

MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. [Brasília]: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), 2005.

SOUZA, Irene Sales de. Trabalhando como preconceito e a discriminação na escola: Relato de uma experiência. In: Pedagogia Cidadã – Cadernos de Formação – Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação. São Paulo. Unesp, Pró Reitoria de Graduação, 2003.

Enviar propostas para [email protected]

Núcleo Pela Tolerância / Depto de Ciências Humanas / FAAC / UNESP-Bauru Av. Engº Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01- CEP 17 033-360 - Bauru / SP

Fone: (014) 221 6064 / 6036 – Fax: 221 6054 www.faac.unesp.br/pesquisa/tolerancia

70

ANEXO A – Lei nº 10.639, de janeiro de 2003.

Senado Federal Subsecretaria de Informações

LEI N° 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE 2003.

Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3° (VETADO)"

"Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da Consciência Negra'."

Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182° da Independência e 115° da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque

71

Anexo B – Dois exemplares de desenhos elaborados pelas crianças na atividade

de auto-retrato.

72

Anexo C – Dois exemplares de desenhos elaborados pelas crianças na atividade

“O desenho do outro”.

73

ANEXO D – Reescrita do Conto do Patinho Feio com final modificado. Aluno 1.

Era uma vez uma pata que chocava. Seus ovos se quebraram. Quebrou um, quebrou dois, quebrou três e aí seguindo, o último patinho foi estranhado. Todos o tratavam mal. Até que um dia ele foi para a lagoa e... Percebeu que era diferente. Mas podia conviver muito bem com os outros, mostrando o corpo e ensinando sobre os cisnes. Então nunca mais ninguém o tratou mal.