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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A LEI MARIA DA PENHA E O MOVIMENTO DESPENALIZADOR MÁRCIA OLIVEIRA DA SILVA ITAJAÍ, JULHO/2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A LEI MARIA DA PENHA E O MOVIMENTO DESPENALIZADOR

MÁRCIA OLIVEIRA DA SILVA

ITAJAÍ, JULHO/2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A LEI MARIA DA PENHA E O MOVIMENTO DESPENALIZADOR

MÁRCIA OLIVEIRA DA SILVA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Mdo. FABIANO OLDONI

ITAJAÍ, JULHO/2007

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus, pela força invisível, em todos os obstáculos nesta

caminhada, que vejo agora na concretização de um sonho.

Ao meu pai Inoé Ferreira da Silva, que no seu otimismo, sempre renova as minhas esperanças

no futuro esperado.

A minha mãe Nilda Oliveira da Silva, que na sua paciência dividiu comigo, muitas noites as

lágrimas derramadas.

Aos meus irmãos Eliane e Junior, pelo perdão na imposição de compartilhar um sonho, que era só

meu.

As minhas amigas Rosimere Machado Reis, Sueli Toll, e Thais Penna Theodoro pela amizade, apoio

e compreensão.

Aos meus colegas da MTS Contabilidade, em especial a Manoel Antonio dos Santos, Fernanda

Schiefler de Oliveira, Daniela Costa Baixo e Nalba Aparecida dos Santos pelo incentivo,

ensinamentos e confiança depositada.

Ao meu orientador Mdo. Fabiano Oldoni, que com paciência me orientou na conclusão deste projeto.

E a todos que de uma forma ou de outra me apoiaram para conclusão deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, amores eterno.

E ao futuro, que mesmo incerto, vislumbra um horizonte de possibilidades, senão de sucesso,

mas sim de sonho realizado.

E só por isso, já valeu a pena.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

ITAJAÍ, JULHO/2007

Márcia Oliveira da Silva Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Márcia Oliveira da Silva, sob o

título A LEI MARIA DA PENHA E O MOVIMENTO DESPENALIZADOR foi

submetida em 24 de Julho de 2007 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Drª. Maria Fernanda do Amaral Pereira Gugelmim Girardi

e Msc. Osmar de Dinis Facchini, e aprovada com a nota 9.0 (Nove).

ITAJAÍ (SC), Julho/2007

Professor Mestrando Fabiano Oldoni

Orientador e Presidente da Banca

Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP Código Penal

CPP Código Processo Penal

CF Constituição Federal do Brasil

LEP Lei Execuções Penais

JVDFM Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

MP Ministério Público

OEA Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos

ART Artigo

AMPL Ampliada

ATUAL Atualizada

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu

trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Pena Privativa de Liberdade

Pena privativa de liberdade é a que restringe o direito de ir e vir do condenado,

infligindo-lhe um determinado tipo de prisão.1

Pena Restritiva de Direito

A pena restritiva de direito consiste na inibição temporária de um ou mais direitos

do condenado, ou então da perda de parte de seu patrimônio, imposta em

substituição e cuja espécie escolhida tem relação direta com a infração cometida.2

Pena de Multa

A pena de multa consiste na obrigação imposta ao condenado de pagar ao fundo

penitenciário do estado, determinada soma em dinheiro.3

1 BARROS,Flávio Augusto Monteiro.Direito Penal, Parte Geral.Volume I.4.ed.São Paulo:Saraiva,2004.p.439 2 NORONHA, E.Magalhães.Direito penal: introdução e parte geral.volume 1.São Paulo:Saraiva,1999.p.242. 3 BARROS,Flávio Augusto Monteiro.Direito Penal, Parte Geral.2004.p.473

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... IX

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 3

DAS PENAS....................................................................................... 3 1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL NO BRASIL..........................3 1.2 DAS PENAS EM ESPÉCIE ............................................................................11 1.2.1 DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE ...........................................................11 1.2.2 DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO ..............................................................18 1.2.3 DAS PENAS DE MULTA....................................................................................21

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 24

ASPECTOS DESTACADOS DA LEI 9.099/95 ................................. 24 2.1 ASPECTOS GERAIS......................................................................................24 2.2 DA CONCILIAÇÃO NA LEI 9.099/95. ............................................................26 2.3 DA TRANSAÇÃO PENAL..............................................................................30 2.4 DO SURSIS PROCESSUAL...........................................................................32

A LEI MARIA DA PENHA E O MOVIMENTO DE DESPENALIZAÇÃO......................................................................................................... 35

3.1 ORIGEM DA LEI Nº 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2006............................35 3.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER NA LEI 11.340/06. ...........36 3.3 A LEI 11.340/06 E AS PENAS DE MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA..41 3.4 A LEI 11.340/06 E A REPRESENTAÇÃO CRIMINAL ...................................42 3.5 A LEI 11.340/06 E A LEI 9.099/95..................................................................44

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 47

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 48

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RESUMO

As penas restritivas de direitos inseridas no ordenamento

jurídico pela Lei 9.099/95, vem para despenalizar os crimes, cuja pena máxima

não ultrapasse 02 anos. A lei 11.340/06, denominada Maria da Penha, que

discorre sobre a violência doméstica contra mulher no âmbito familiar, proíbe a

aplicação da Lei 9.099/95, contrariando, assim, o movimento de despenalização.

A lei Maria da Penha vem em um momento que a sociedade passa difíceis

momentos de violência. É a violência doméstica e acontece com mais freqüência

que se imagina, mas pela vergonha do mesmo a maioria dos crimes não são

denunciados por suas vítimas e as agressões continuam impunes. Neste trabalho

será mostrado esta nova lei que vem para garantir a integridade tanto física, moral

e sexual das mulheres, sua aplicabilidade e sua garantias contra as vítimas.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto A Lei 11.340/06

conhecida como a Lei Maria da Penha e o movimento despenalizador.

O seu objetivo é Confrontar a Lei 9.099/95 com a Lei

11.340/06, quanto sua não aplicabilidade, tornando impeditivo o movimento

despenalizador, no que concerne à violência doméstica contar a mulher.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando Das Penas,

sua história e evolução no Brasil, as espécies de pena, as penas restritivas de

liberdade, privativas de direito e as penas de multas, para crimes de menor

potencial ofensivo.

No Capítulo 2, tratando dos Aspectos da Lei 9.099/95, os

aspectos gerais, da sua conciliação com a lei 11.340/06, a transação penal e o

sursis processual, trazido com esta.

Capítulo 3, tratando da Lei 11.340/06, denominada Maria

Da Penha, a sua não aplicabilidade, pela lei 9.099/95 nas penas de multas e

prestação pecuniária, sua representação criminal.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

• No Direito Penal pátrio, a Lei 9.099/95 e as penas

restritivas de direito, previstas no Código Penal, são

frutos do movimento despenalizador;

• A Lei Maria da Penha contraria a tendência de

despenalização do Direito Penal brasileiro

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

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o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre A Lei Maria da Penha e o movimento despenalizador.

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CAPÍTULO 1

DAS PENAS

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL NO BRASIL

O Direito Penal, através dos tempos, foi se aprimorando em

matéria das penas, até chegar ao tempo atual, embora ainda não tenha sido o

modelo ideal para acreditar em sua real eficácia e plena justiça.

Ao longo deste, visando apresentar uma simples

contribuição ao assunto, que será tratado de uma maneira básica e objetiva, será

mostrado o sistema penal Brasileiro e suas modificações até o movimento de

despenalização do Direito Penal no Brasil, que observa-se no dia-a-dia com a

substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito, bem

como na aplicação dos institutos da Lei do Juizado Especial.

Começando pelo direito indígena, como leciona Falconi4 ,

tem-se que “os índios são os primeiros habitantes da nossa Pátria, não há como

omitir o período pré-cabralino. Isto é, quando aqui viviam somente os índios.”

E continua o autor:

Com efeito, os índios que aqui viviam tinham um sistema em franco funcionamento. Eram normas de direito consuetudinário - não escritas. (...) Aos detentores desses cargos se concedia poderes se ordem política e administrativa para gerir todos os interesses da tribo, ou mesmo de um centro comunitário de menor porte e expressão (...).

4 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed. rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p. 51

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4

Como bem preleciona Falconi5 , os índios viviam sob regime

comunista primitivo.

Para Falconi,6

Para os nossos índios, o homicídio, o adultério, a deserção, a perfídia, e mesmo o roubo contra os de outra taba, mas da mesma tribo, eram delitos gravíssimos. A pena reservada, não raro, era a morte. Usavam, também, com muita freqüência, as penas corporais. Ainda um outro habito que nos leva a convicção de que os índios sabiam muito do mundo antigo era prática sistemática de uma forma nítida da vingança privada (...). não raro, os criminosos eram entregues a elementos de outras tribos, local onde vivia o ofendido, ao estilo da vingança de sangue, praticada pelo antigo Direito Germânico. Não era estranha aos nossos índios a prática do “talião”, como meio eficaz de Direito Penal. (...).

Mas também havia, para alguns casos, devido sua gravidade hierárquica para o julgamento, nestes eram instituído a um juiz eleito pela própria comunidade, chamada taba, ou tribo, e em outros casos eram constituídos assembléias pelos membros mais velhos da tribo.

Conforme descreve Noronha,7 “não se tratava de dupla

jurisdição, até porque eles não conheciam o direito de apelar das decisões

proferidas, apenas graus variáveis de responsabilidade.”

Naquele tempo não era feito distinção alguma, sobre sexo

ou idade do delinqüente, tanto podia ser homem, mulher, ou mesmo uma criança,

ou um adulto. Ocorria isto, devido principalmente a falta de conceito dos primeiros

habitantes acerca da culpabilidade ou mesmo imputabilidade.

5FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.31 6 FALCONI, Romeu. Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.53 7 NORONHA, Edgar de Magalhães. Direito Penal, 3º ed. – Saraiva: São Paulo, 1976.p.13.e 1985.p.23

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Mas a responsabilidade de punir, para alguns delitos,

tornava a pena coletiva, transcorrendo a responsabilidade para o grupo social em

que viviam, recaindo a vingança para os demais, fazendo assim com que a tribo

toda fosse envolvida.

Vê-se que o efeito da sentença ultrapassava a pessoa do

criminoso, atingindo os seus familiares.

Já a descoberta do Brasil traz consigo novas leis para

garantir a convivência entre todos e isso foi o começo de tudo para esta

civilização de acordo com Falconi.8

A primeira lei penal aqui aportada foi o Livro V das Ordenações Afonsinas, que vigoraram entre 1446 e 1512. Logo a seguir tivemos as Ordenações Manoelinas, vigentes entre 1521 e 1569. Em 1603, as Ordenações Filipinas chegaram aa colônias do além- mar, notadamente o Brasil.

As sanções determinadas pelo colonizador Portugal traziam

particularidades bem curiosas, que para o estudioso do Direito Penal vem a ser

explicativo no que concerne nos dias de hoje, conforme aduz Falconi9:

As penas eram, em geral, de grande rigorosidade. Aplicavam se os três tipos de penas corporais: a) acoites; b) mutilações; c) pena de morte. Esta, então, em grande profusão e uso variado. Aplicavam a pena capital de quatro formas diversas: 1) morte natural (simples), que se dava por enforcamento, por exemplo; 2) morte cruel, com pratica de violência contra o apenado; 3) morte atroz, o que ocorreu com Tiradentes, tendo seu corpo mutilado e exposto a visitação em praça pública; 4) morte civil, que consistia em deserdar o homem de seu próprio nome, tornando-o um apátrida, entre outros meios hediondos de ordem moral. Ele, o condenado, embora fisicamente vivo, não mais existia para a sociedade.Incrivelmente, em 1964, restauramos tão esdrúxulo conceito para muito militares que se opuseram ao movimento

8 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.53 9 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.57

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militar. Esposas de alguns oficiais recebiam os soldos como se o marido houvesse sido morto.

Na antiga morte civil, o condenado perdia todos os seus direitos. Não se lhe restava qualquer bem que fosse seu, quer material, quer imaterial. Se ele tivesse qualquer titulo. Este também sofreria pena do perdimento. O mesmo se diga em relação aos intelectuais, que perdiam sua capacidade de pensar, como se isto fosse possível.

Outra modalidade de punição era o degredo. Havia um tipo de degredo local, que consistia em retirar o criminoso, por algum tempo, da localidade onde tinha residência fixa. (...) A outra modalidade de degredo era aquela que remetia o apenado para fora do país. Bem de ver, este mais violento que o primeiro. Ainda dentro desse sistema, a pena poderia ser agravada. Era normal o degredo para as Índias Ocidentais.Também para o Brasil eram remetidos alguns condenados as desterro. Para cá, significava sempre o agravamento da pena. Conforme ensina Falconi10.

Visavam, assim, a colonização. O mínimo de pena de

degredo para o Brasil era de dois anos. Para outras localidades era de três anos.

Apesar de tudo o que já se relatou, haviam situações ainda

mais discricionárias.

Para Falconi11,

Era de uso corrente a aplicação “do confisco de bens”, que funcionava sempre como “pena subsidiária”. Visavam essas medidas subsidiárias espoliar, saquear o patrimônio do condenado. Não é absurdo dizer que de ordinário, a pena principal era o “meio”, e a pena acessória o verdadeiro “fim”.(...)

Fácil daí imaginar o que significava ter bens naquela época, uma absoluta insegurança por parte de quem as possuía e uma

10 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.57 11 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.57

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atividade bem rentável para o Estado, criando assim, já naquela época, o instituto da proteção.

Para Costa Junior12, “criava-se a dificuldade para vender a

facilidade”.

Como leciona Falconi13:

Como regra da legislação contemporânea, não havia a dicotomia hoje existente entre direito substantivo e adjetivo. Não havia divisão entre a investigação e a instrução criminal. Tanto os escabinos quanto os escoltetos tinham competência para esse fim. De resto, não havia ainda a figura de um direito subjetivo tal como se concebe hoje.

A prisão processual que acompanhava o termo de acusação, era compulsória. Os que aguardavam julgamento ficavam nas “cadeias públicas” ou “fortalezas”. (...) Prendiam-se as pessoas por dividas mediante solicitação dos credores, (...).

Aceitava-se a tortura como meio de investigação e apuração da “verdade”. As penas, de regra geral era a capital, que se executava pelo bazuqueamento. Sem descartar, como já mencionado, o seqüestro de bens e o desterro. Também as penas corporais eram de uso corrente. Tenha-se em conta a larga utilização da “chibata”, a “correia de couro” e a “vara”. Acreditavam na pena como “prevenção geral”.

Assim começou a necessidade de um texto confeccionado

para um novo reinado.

12 COSTA JUNIOR, Paulo Jose. Direito Penal Objetivo:Comentários ao Código Penal a e o Código de propriedade industrial – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.p. 13 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.60 e 61.

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Falconi14 discorre que “Com o advento da Independência, e

como sempre acontece em toda revolução, todo o sistema legal do Brasil

começou a ser providenciado com roupagem própria, nova, exclusiva. (...)”.

Por uma expressa autorização constitucional de 1827,

foram examinados 02 projetos.

O autor do projeto vencedor foi o de Bernardo Pereira, que

entrou em vigor em 16/12/1830 como o 1º Diploma Pátrio, sendo chamado Código

Criminal do Império.

Como discorre Falconi15, “esse código chegou repleto de

grandes inovações, e sempre para melhor. Tal era sua qualidade que outros

países passaram a copiá-lo”.

Neste novo diploma, como leciona ainda Falconi16:

A introdução da “vitimologia”, igualando casos de agravação ou de atenuação da pena (art 19). Curioso nisso tudo é que, presentemente fala-se que a vitimologia é coisa moderna, originária do direito americano. Isso não condiz com a verdade, pois é criação brasileira e antiga. Apenas que, por lapso dos anteriores legisladores, o instituto foi relegado ao ostracismo. Somente com a Lei nº 7.209/84, que alterou o artigo 59, do Código Penal, é que ressurge o instituto, precisamente na parte que diz “bem como o comportamento da vítima”.

Também se viu, embora de maneira imperfeita, a introdução

do decantado DIA-MULTA (art 185), hoje tido como a mais moderna inovação do

Direito Penal, de acordo com os ensinamentos de Falconi17:

14 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.61 15 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.61 16FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.62

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Considerada para sua época como moderna e forte até para

os países responsáveis pelo Cataclismo Jurídico, que o planeta enfrentava,

considerando que o Brasil era ex-colônia de Portugal, e que não era conhecido

nem por sua cultura.

De acordo com Falconi18, “em síntese foi um diploma digno

de seu tempo”.

Mas como tudo na vida, em que se pese sua excelência qualidade, o Código Criminal do Império ainda deixava a desejar em alguns aspectos, quais sejam: a) não reconhecia o crime na sua modalidade culposa, apenas o “crime doloso”; b) não dispensava igualdade à pessoa humana. Discriminava os criminosos entre escravos e senhores; c) tristemente, aplicavam as penas de acoites, Gales e morte.

Esse discricionarismo acabou por comprometer a qualidade futura do diploma primeiro da Pátria, pretendendo seus inimigos a revogação do mesmo.

Ainda pelos ensinamentos de Falconi19, “De qualquer forma,

fez-se no Brasil um monumento jurídico de grande alcance e significação para

aquela quadra da História. (...) Afirma-se que foi o primeiro diploma penal da

América Latina, onde monitorou vários outros. (...)”.

Em 1890, já com a Proclamação da República, veio um

novo estatuto básico chamando Código Penal da República

Conforme Mirabete20,

(...) foi ele alvo de duras críticas pelas falhas que

representava e que decorriam, evidentemente, da pressa com que foi elaborado.

17 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.62. 18 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.63. 19 FALCONI, Romeu. Lineamentos de Direitos Penal. 3º ed., rev., ampl. atual.- São Paulo: Ícone, 2002.p.63. 20 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed . São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.

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Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter

correcional, o que constituía um avanço na legislação penal.(...)

Isto passados 42 anos, o Código Penal da República

sobreviveu até o nascimento da verdadeira revolução Getuliana de 1930, que

terminou nas sucessões de golpes de Estado.

Mas devido, a má sistematização deste, foi sendo

modificado por diversos diplomas legais, que por seu grande numero acabaram

de confundindo entre si, então foram reunidos pelo decreto 22.213 de 14 de 12 de

1932, na Consolidação das Leis Penais.

Neste meio tempo, houve outros projetos, decretos e leis

como as de Vicente Piragibé, em 1932, ano de sua vigoração, denominado

Decreto nº 22.213 “Consolidação da Lei Penal”, seguido de Virgílio de Sá Pereira,

em parceria com Evaristo de Morais Bulhões, apresentado em 1935, este

encomendado pelo então governo provisório, mas que ironicamente também não

vingou.

O que acabou vingando mesmo, foi o projeto de Nelson

Hungria, Náercio Queiroz, Roberto Lyra e Vieira Braga que se transformou na Lei

nº 2.848/40.

Após 1940, precisamente 1963, foi encomendado a Heleno

Fragoso um projeto que em 1969 também virou lei e foi aprovado como Código,

mas nem chegou a entrar em vigor e foi revogado pois sofreu a maior “vocatio

legis” que se tenha conhecimento na história. Ele havia sido encomendado pelo

então presidente Jango e não teria condições políticas de entrar em vigor aos

governos seguintes.

Em 1981, um novo trabalho de Heleno Fragoso, apesar de

sua boa qualidade, não teve êxito, mas merecidamente se tornou na nº 7.209/84,

que alterou a parte geral do atual Código vigente.

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1.2 DAS PENAS EM ESPÉCIE

As penas previstas no Código Penal encontram-se

elencadas no artigo 32, e são as privativas de liberdade, a restritiva de direitos e a

pena de multa.

Conforme Mirabete21:

Tem – se definido a pena como uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao autor de uma infração, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico; seu fim é evitar novos delitos. (...) Na doutrina, as penas são classificadas como: corporais, privativas de liberdade, restritivas de liberdades, privativas e restritivas de direitos e pecuniárias. Por força da Lei nº 7.209/84, deu nova redação a Parte Geral, e da Lei nº.714/98, que alterou o seu art.43, abandonando-se a clássica distinção entre penas principais e acessórias, classificam-se elas em: privativas de liberdade (reclusão e detenção), restritivas de direitos (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços a comunidade ou a entidades públicas, interdições temporárias de direito) e multa.

Assim, passa-se a analisar a pena privativa de liberdade.

1.2.1 Das Penas Privativas de liberdade

A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,

semi-aberto ou aberto. A detenção, em regime semi-aberto ou aberto, salvo

necessidade de transferência a regime fechado, conforme artigo 33, do Código

Penal.

Quando o regime fechado a execução da pena este deve

ser em estabelecimento de segurança máxima ou média. E quando é o regime

21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.307

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semi-aberto deve ser em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; já

regime aberto a execução da pena seca em casa de albergado ou

estabelecimento adequado, visto a real possibilidade neste caso.

As penas privativas de liberdade deverão ser executadas

em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes

critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso.

a) o condenado a pena superior a 08 (oito) anos deverá

começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4

(quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em

regime semi- aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja a pena seja igual ou

inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o inicio, cumpri-la em regime aberto.

A determinação do regime inicial de cumprimento da pena

far-se-á com observância dos critérios, previsto no art 59 deste código.

Neste sentido discorre Mirabete22,

Não obstante a tendência moderna de abolir a diversidade de espécies de penas privativas de liberdade, na reforma penal de 1984 manteve-se no Código Penal a distinção entre reclusão e detenção. Essa diferença, é puramente formal no que diz respeito a execução, com a única exceção de não se possibilitar, na pena de detenção, o regime inicial fechado, permitindo-se, porém, a regressão a tal regime nos termos do regime do art. 118 da LEP.

Adotando o sistema progressivo na execução das penas privativas de liberdade, estabelece a lei três regimes: fechado, semi-aberto e aberto, de acordo com o estabelecimento penal em que a pena é executada. Assim, cumpre-se a pena em regime fechado em penitenciarias de segurança máxima ou media, em regime semi- aberto em colônias agrícolas, industriais ou estabelecimento

22 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5ºed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.309/310

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similar, e em regime aberto em casa do albergado ou estabelecimento adequado. Por regra especial, a pena de prisão simples, aplicada ao autor de contravenção, só pode ser cumprida, em regime semi-aberto ou aberto (art. 6º, caput, da LCP). Impossível pois, ser fixado para ela o regime fechado”.

Para o inicio da pena, submeterá o condenado a exame

criminológico de classificação para melhor enquadramento da pena. Estando

obrigado o sujeito a trabalhar durante o período diurno, e deverá ser isolado a

noite para repouso.

As aptidões e experiências anteriores que o condenado

possuir, poderão ser usadas para servir no estabelecimento do cumprimento da

pena, desde que a mesma seja, compatível com a pena a cumprir. Poderá fazer

trabalhos externos, quando no regime fechado, se este trabalhos forem em

serviços ou obras públicas.

Para Mirabete23:

A fim de serem cumpridas as determinações constitucionais a respeito da personalidade e proporcionalidade da pena, os condenados devem ser classificados para a individualização indispensável ao tratamento penitenciário adequado. Por isso, alem do exame de personalidade, institui a lei a obrigatoriedade do exame criminológico ao condenado ao regime inicial fechado (art 34, do CPP, e 8º, caput da LEP). A gravidade do crime e as condições pessoais do condenado aconselham o exame destinado a conhecer a inteligência, a vida afetiva e os princípios morais do preso para determinar sua inserção no grupo com o qual conviverá, evitando-se também a progressão e a concessão do livramento condicional enquanto não esteja ele preparado para tanto.

23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.347/348

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Quanto ao regime semi aberto, prevê o artigo 35 do CP que

será aplicado-se a norma do art. 34, caput, também ficando sujeito a trabalho em

comum, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

E possível também a freqüência a cursos supletivos

profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

Para Damásio de Jesus24,

Embora o art. 35, caput, do código penal, preveja a obrigatoriedade, de ver-se que o art. 8º, parágrafo único, da Lei de Execução Penal fala em simples faculdade. Como as duas normas entrem em vigor na mesma data, diante do conflito, entendemos que deve prevalecer a que mais beneficia o condenado: trata-se, por isso, de uma simples faculdade do juiz.(...)”. Para isso é exigível que o condenado a tenha cumprido 1/6 da pena.

Já o regime aberto basear-se-á na auto disciplina e senso

de responsabilidade do condenado. Para isso, o condenado deverá trabalhar,

freqüentar curso, ou até exercer outra atividade autorizada, sem vigilância,

durante o período diurno e recolhendo-se ao seu lugar de cumprimento da pena,

a noite e nos dias de folga.

Perderá o benefício quando praticar fato definido como

crime doloso, ou frustar os fins de execução que lhe foi aplicada podendo fazê-lo.

No sentido, discorre Mirabete25,

(...) já que permanece ele em liberdade, sem custódia ou vigilância durante o dia, para trabalhar, freqüentar qualquer curso ou exercer qualquer outra atividade autorizada. Só deve recolher- se à casa de albergado ou outro estabelecimento no período

24 DAMÁSIO, E. de Jesus. Código Penal Anotado. 17º ed. Atual - São Paulo: Saraiva.2005.p165 25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.352

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noturno e nos dias de folga.(...) o condenado que cumpre a pena em regime aberto está sujeito obrigatoriamente às condições estabelecidas pelo art. 115 da LEP, alem de outras que o juiz estabelecer.(...).

No art 37 do CP, que dispõe das mulheres, diz que estas

devem cumprir pena em estabelecimento apropriado, ressalvados os deveres e

direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto

daquele capítulo.

Leciona Mirabete26:

As mulheres estão sujeitas a um regime especial, cumprindo pena em estabelecimento próprio, observados os deveres e direitos inerentes `a condição pessoal da sentenciada, bem como, no que couber, as regras referentes

Ás penas privativas de liberdade (art 37, caput do CP e o art. 82 § 1º, da LEP). Dispõe inclusive a Constituição Federal que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (art. 5º, LXVIII) e que “às presidiárias serão asseguradas para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (art. 5º,L). Ao se referir a lei a estabelecimento “adequado a sua condição pessoal”, ela determina que devem ser levados em consideração o sexo e as condições fisiológicas da mulher.

O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda

da liberdade, impondo-se a todas autoridades o respeito à sua integridade física e

moral, como discorre o art 38 Código Penal.

A prisão não deve impor restrições que não sejam inerentes

a própria natureza da pena privativa de liberdade. Por esta razão, impõe-se a

todas as autoridades o respeito a integridade física e moral do detento ou

presidiário (art. 5º,XLIX da CF art 40 da LEP).

26 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.359

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O preso que trabalhar enquanto o cumprimento de sua

pena, terá remuneração e garantia os benefícios da Previdência Social.

Mirabete27 ensina:

Ao preso é imposto o trabalho obrigatório, interno e externo, remunerado e com garantias dos benefícios da Previdência Social. De outro lado, é seu direito a “atribuição de trabalho e sua remuneração” (art.41, II, LEP). A obrigatoriedade do trabalho no presídio, decorrente da falta do pressuposto de liberdade, é prevista no art. 34 do CP (itens 34.2 e 35.2) e regulamentada pelos art. 28 a 37 da LEP. É ele remunerado, mediante prévia tabela da Administração, não podendo, em tese, ser inferior a três quartos do salário mínimo. Deve a legislação local determinar os parâmetros para a fixação da remuneração do preso ou internado, que poderá ser hora trabalhada ou por tarefa executada, dependendo da natureza do serviço e da conveniência da terapêutica exigida, sempre respeitando os limites estabelecidos na Lei de Execução Penal, inclusive quanto à duração da jornada de trabalho. (...).

O trabalho do preso, além de remunerado, serve a remição: o condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto pode remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena, à razão de um dia por três de trabalho (art 126 da LEP).

Ainda seguindo os ensinamentos de Mirabete28,

A Lei nº 7.210, de 11-07-84, denominada Lei de Execução Penal, contém as regras a respeito da execução das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa. Regulamenta, assim, além dos deveres (arts. 38 e 39), os direitos do preso ( arts. 40 a 43), seu trabalho interno e externo ( arts. 28 a 37), a transferência de regimes ( arts. 110 a 119) e as infrações disciplinares e sanções ( arts.44 a 60). * (sobre o assunto: Mirabete, Julio Fabbrini. Execução penal.8.ed.São Paulo: Atlas, 1997.)

27 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2ºed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.360/361 28 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 8º ed . São Paulo: Atlas S.A, 1997.p.252

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Para o caso de o condenado ser portador de doença

mental, cumprirá a pena em estabelecimento adequado, como hospital de

custódia e tratamento psiquiátrico pelo tempo de cumprimento que não poderá ser

superior ao estabelecido para a pena.

Ainda sobre os ensinamentos de Mirabete29

Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer estabelecimento referidos no artigo anterior.

Sendo o condenado acometido de doença mental durante a execução da pena privativa de liberdade, deve ser ele transferido para o hospital de custodia e tratamento psiquiátrico, destinado ao desconto de medida de segurança de internação, ou, na falta, a estabelecimento adequado ao tratamento psiquiátrico. O tempo em que ali permanecer deve ser computado na pena (art 42). Mas conforme, o caso, dependendo das condições da doença mental, e principalmente, da periculosidade do condenado, poderá o juízo, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, converter a pena em medida de segurança (art 183 da LEP). Nesse caso, aplicam-se as normas gerais sobre imposição de medida de segurança (art 96 a 99 do CP) e de sua execução (arts. 171 a 179 da LEP). Tem-se decidido, porem, que a duração da medida de segurança não pode ultrapassar o tempo da pena aplicada na sentença. É imprescidivel para a conversão a precedente perícia medica. Evidentemente, a transferência e a conversão somente podem ocorrer durante a execução da pena. Terminada esta, é inadmissível qualquer dessas medidas.

29 29 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 8º ed . São Paulo: Atlas S.A, 1997.p.252

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1.2.2 Das Penas Restritivas de Direito

As penas restritivas de direitos, estão previstas no artigo 44

do Código Penal, e são elas:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstancias indicarem que essa substituição seja suficiente.

§ 1º parágrafo REVOGADO

§ 2º Na condenação igual ou inferior a 1 ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos, se superior a 1 ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas de direitos.

§ 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da pratica do mesmo crime.

§ 4º A pena restritiva de direitos converte – se em privativa de liberdade quando ocorre o descumprimento injustificado da restrição imposta. No calculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitando o saldo mínimo de 30 dias de detenção ou reclusão.

§ 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplica – lá se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

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Discorre, de conformidade com o lecionador Mirabete30,

As penas restritivas de direitos são autônomas, ou seja, não são aplicadas conjuntamente com as penas privativas de liberdade. Não são elas cominadas abstratamente para cada tipo penal, mas aplicáveis a qualquer infração penal, independente de cominação na parte especial, em substituição à pena privativa de liberdade quando preenchidos os pressupostos legais previsto no artigo. Assim, após a fixação da pena privativa de liberdade cominada abstratamente para o ilícito, devera o juiz decidir sobre a possibilidade de substituí-la por restritivas de direitos ou multa. Embora essa substituição da pena, deve o juiz declinar na sentença as razões por que não a concede, permitindo ao interessado defender o cabimento da medida em eventual recurso.(...)

Para que se permita a substituição pela pena alternativa, é indispensável também estejam presentes os requisitos subjetivos nos incisos II e III, do art. 44, segundo a nova redação. (...)

Prevê a lei algumas regras para a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos ou multa. (...)

O Código Penal, dispõe em seu artigo 45, que trata da

conversão das penas, restritivas de direitos, conforme Mirabete31

Segundo a lei, a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro para a vítima ou seus familiares, ou ate mesmo a instituições públicas ou privadas, com fins sociais; como forma de compensação pelo dano causado, num valor que será arbitrado pelo juiz. Este valor não pode ser menor que um salário mínimo, nem ultrapassar a 360 vezes o mesmo.

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.380

31 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.402

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Nas penas privativas de liberdade, superior a 06 meses, a

prestação de serviços será a comunidade ou a entidades públicas.

Para Mirabete32:

Neste artigo, verifica-se, que a substituição da pena, poderá ser alternada também com a prestação de serviços a comunidade ou entidades públicas de fins sociais, que devem ser de acordo com as aptidões do condenado, bem, como o tempo de duração não poderá atrapalhar o horário do serviço regular do mesmo, e se for a pena estipulada em tempo superior a um ano, é facultado o condenado cumpri-la em menor tempo, desde que esta variação não venha ser nunca inferior a metade.

A pena de interdição de direitos, refere-se aos casos de

atividades públicas em exercícios de cargos, função ou atividades públicas e que

engloba também os mandatos eletivos. E proíbe o exercício da função que

precise de autorização ou de licença por parte do poder público. Como a

habilitação para dirigir, nos casos de trânsito, e a determinação de frequentar

determinados lugares por parte da lei, como dispõe do art. 47, Código Penal.

Já no art. 48 CP, discorre, sobre a limitação de fim de

semana pelo condenado, que neste caso deverá comparecer e permanecer em

casa de albergue, ou estabelecimento similar para passar 05 horas diárias em

horários estabelecidos pelo juiz da execução. Durante este período poderá ser

ministrado, palestras ou ate atividades educativas. Essa pena de limitação é

regulamentada também na LEP em seu art 151 a 153.

Mas deve-se salientar, que há uma absoluta impossibilidade

no Brasil de executar tal pena, pois ao há albergues preparados, nem muito

menos estabelecimentos similares, para realizar a viabilização desta espécie de

pena.

32 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 5º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.405

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1.2.3 Das Penas de Multa

A pena de multa, vem como a pena restritivas de direitos,

trazem um novo modelo de punição, onde o causador do dano, paga para o

ofendido ou para o estado de forma a compensar o dano causado.

De acordo com, Costa Jr.33

A prisão faliu na missão pedagógica que procurou desempenhar através dos tempos. A pena privativa de liberdade não reeduca, corrompe; não recupera, deprava.

Diante da falência da prisão, o legislador só deveria dela se socorrer em casos extremos, de suma gravidade. Substítui-la, o quanto possível, por sanções diversificadas, se impunhas.(...)

A lei nº 9.714 de 25/11/98, modificou a disciplina das penas

restritivas de direitos, criando duas novas modalidades: a prestação pecuniária e

a perda de bens e valores.

No que dispõe, o artigo 50 do CP, a pena de multa é uma

sanção, fixada em quantia embasada por dias multas de ............., valor este

fixado pelo juiz .

O professor Mirabete34 assim leciona,

(...) na aplicação de pena multa, impõe-se ao condenado o pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada pelo juiz na sentença condenatória. É calculada em dias-multa, sendo, no mínimo dez e, no máximo, de trezentos dias multa, qualquer que seja o crime praticado pelo condenado.(...)

33 COSTA JUNIOR, Paulo da Costa. Direito Penal Objetivo: Comentários ao Código Penal e ao Código de Propriedade. Rio de Janeiro: Forense Universitária.2006.p 34 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.413/419

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(...) Enquanto de um lado defende-se a tese de que continua a multa a ser uma sanção penal, embora considerada divida de valor para o simples efeito de execução, de outro argumenta-se que a multa passou a ser debito monetário, ou seja, mera divida ativa da Fazenda Pública.(...)

A pena em dias-multa deve ser fixada pelo juiz atendendo as

regras de aplicação de pena (art 59).(...)

O valor da multa deve ser atualizado pelos índices de correção monetária quando da execução. A correção monetária não modifica o valor da multa, apenas atualiza sal expressão monetária.(...)

Segundo os ensinamentos de Mirabete35, quanto ao artigo

50 deste Código Penal, destaca-se:

O prazo para o pagamento da multa e de 10 dias, depois da sentença transitada e julgada. Mas a pedido do condenado, observada as suas circunstâncias o juiz poderá permitir que se parcele o pagamento. Que poderá também ser efetuado o desconto em folha de salário, quando a pena tiver sido aplicada isoladamente, quando aplicada cumulativamente com restritiva de direitos, ou concedida a suspensão condiciona. Mas visto, que o este não deve ser jamais sobre os recursos destinados ao sustento da família do condenado. Como no artigo anterior, estas parcelas devem ser corrigidas monetariamente, para que seja preservado seu valor real.

Conforme o texto deste artigo 51 CP, após o transito em

julgado, considera-se a multa como uma dívida ativa da Fazenda Pública, e é

regido pela legislação desta, inclusive sobre as causas interruptivas e

suspensivas na sua prescrição.

35 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2º ed. São Paulo: Atlas S.A, 2006.p.425

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Art. 52. Estará isento da execução da pena de multa o condenado ao qual sobrevier doença mental.

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CAPÍTULO 2

ASPECTOS DESTACADOS DA LEI 9.099/95

2.1 ASPECTOS GERAIS

A Lei 9.099/95 em seu artigo 61, disciplinou como sendo de

competência dos Juizados Especiais Criminais a conciliação, o julgamento e a

execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, assim

compreendidas as contravenções penais e os crimes a que a lei cominasse pena

máxima não superior a dois anos, com exceção aos casos em que fosse previsto

procedimento especial.

Para Rocha36: “nunca se confiou tanto ao Judiciário a tarefa

de solucionar os conflitos individuais e coletivos da sociedade, nem se abriu com

tanta amplitude as vias de acesso à tutela jurisdicional ao cidadão, as entidades

associativas e ao Ministério Público, como fez a atual Carta República”.

O impacto penal causado pela lei 9.099/95, que veio como

uma verdadeira revolução ao sistema processual-penal brasileiro. Esta lei não se

contentou apenas em importar solução, mas criou um sistema próprio de justiça

penal consensual que não se encontra paralelo ao direito comparado, permitindo

assim, a aplicação da pena restritiva de direito, antes do devido processo legal,

sem ao menos discutir a possibilidade de culpa do sujeito no ato praticado.

Esta tendência vem para desafogar a Justiça Criminal, tal

como reduzir os custos processuais, garantidos pela economia processual, bem

como agilidade nos crimes de menor potencial ofensivo, mas segue regras para

sua aplicabilidade.

36 ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva.São Paulo: 2001.p.157

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Neste sentido discorre Figueira Jr37

(...) estas vão desde a transação, através das possibilidades de aplicação imediata da pena não privativa de liberdade, mediante aceitação da proposta formulada pelo Ministério Público, até a suspensão condicional do processo - espécie de sursis antecipado –em contar as alterações quanto a legitimidade ativa para determinados delitos ou efeitos da coinciliação – composição civil dos danos – em relação a renuncia ao exercício do direito de ação.

Para Grinover38:

Pode-se afirmar, portanto, que a mesma constituição que estabeleceu o principio da necessidade de processo para a privatização da liberdade, admitiu a exceção, configurada pela transação penal para infrações de menor potencial ofensivo: tudo no mesmo texto, promulgado em decorrência do poder constituinte originário.

Vale destacar que a aceitação da sanção penal não importa

em reconhecimento da culpabilidade penal, não derivando da aplicação da pena

conseqüências desfavoráveis em relação a reincidência ou aos antecedentes

criminais e a seus registros. O único efeito penal da transação é impedir novo

benefício pelo prazo de cinco anos.

Quanto à conversão da pena de multa em pena privativa de

liberdade, cumpre lembrar que o sistema brasileiro, com a Lei 9.268 de

19.04.1996, suprimiu qualquer possibilidade nesse sentido, uma vez que a multa

passou a ser considerada exclusivamente dívida de valor, revogando – se

expressamente os 1º e 2º do art. 51 CP, e o art.182, LEC. Com o que também

ficou destituído de qualquer eficácia o art. 85 da Lei 9.099/95, que permite a

conversão “nos termos previstos em lei”, já que não mais existe lei alguma nesse

sentido, assim como não há lei que permita a conversão da multa em pena

37 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais.São Paulo: Ed Revistas dos Tribunais.1995.p.255 38 GRINOVER, Ada Pelegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5º ed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.43

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restritiva de direitos. Multa não paga, em função de transação penal, só poderá

ser exigida como dívida de valor.

2.2 DA CONCILIAÇÃO NA LEI 9.099/95.

A conciliação na Lei 9.099/95, está disposto no art. 72 ao

75, os quais tratam da audiência preliminar de conciliação entre as partes para

esclarecer os fatos bem como a composição de danos e a proposta de aceitação

da aplicabilidade de pena para o causador do dano.

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Para Grinover39:

(...) a conciliação é o instrumento utilizado para que as partes – ou partÍcipes – possam mais facilmente alcançar a auto-composição, atuando o conciliador como veiculo de aconselhamento e orientação. mas são as partes – ou- partícipes- que se compõem, pondo fim á controvérsia.

Com a finalidade última da audiência preliminar é a

conciliação entre autor do fato e, a lei investe abertamente na presença de

ambos, sob pena de restar frustrada a tentativa de solução do conflito.

Discorre neste sentido, ainda Grinover40:

Em conclusão, para ambos – o autor do fato ou vítima – o comparecimento a audiência de conciliação é um ônus que, não

39 GRINOVER, Ada Pelegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5º ed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.127 40 GRINOVER, Ada Pelegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5º ed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.132

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cumprido, levará a perda da oportunidade de compor-se logo na audiência de conciliação. Para o autuado, no entanto, pode ser considerado um dever, porquanto sancionado com a possível perda dos benefícios do art. Art 69, parágrafo único, da lei.

A respeito da audiência, discorre o art. 73, da Lei 9.099/95:

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Este artigo discorre, sobre quem deve conduzir a audiência,

devendo ser um juiz togado, podendo, também, ser conduzido por juiz conciliador,

mas sempre sobre a supervisão do juiz togado, que é quem deverá homologar o

ato.

De acordo com Grinover41:

Serão as leis locais que dirão se a conciliação será conduzida direta e exclusivamente pelo juiz, ou se disporá ele de conciliadores que trabalhem sob sua orientação. Numa acepção mais ampla de “lei local”, pode-se entender, com o apoio no art 96, I, a e b, CF, que resoluções dos tribunais poderão definir assuntos como esse, ficando, porem, reservada á lei, por iniciativa dos tribunais, a matéria prevista no inc.II do art. 96.

Sobre o mesmo assunto, entende Figueira Jr42:

“Inicialmente, no processo penal apenas o juiz togado pode presidir a audiência

de esclarecimento sobre as vantagens e os efeitos da conciliação” (...)

Contudo, houve omissão quanto a condução da conciliação

por Juiz leigo, falando a lei em Juiz togado ou conciliador. Se este pode, o Juiz

leigo, que lhe é tecnicamente superior no plano formal (posto que devem ser

advogados com mais de cinco anos de experiência), também o pode.

41 GRINOVER, Ada Pelegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5º ed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.135/136 42 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias.Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais.São Paulo: Ed Revistas dos Tribunais.1995.p.335

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28

O parágrafo único, do artigo 73, trata a respeito: “Os

conciliadores são auxiliares da Justiça recrutados, na forma da lei local,

preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções

na administração da Justiça Criminal”.

Essas inovações poderão vir com as leis estaduais que,

utilizando o permissivo constitucional e legal (art. 60 da L 9.099/95ei), poderão

criar a figura do juiz leigo para os Juizados Criminais.

Na seqüência da audiência, comparecendo as partes e

fazendo acordo, o mesmo será homologado pelo Juiz, e terá eficácia de título

executivo na área cível, conforme destaca o artigo 74:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a

escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de

título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa

privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo

homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

E o acordo retira da vítima, em caso de ação penal privada,

ou do Ministério Público, nas ações penais públicas, a possibilidade de ingressar

com ação penal.

Para Grinover43 neste sentido:

Se a vítima se compôs com o autor do fato em relação a reparação dos danos civis, dele obtendo a desejada satisfação, não mais se justifica o ajuizamento da ação penal nas infrações de menor potencial ofensivo.

E diz mais Figueira Jr44:

43 GRINOVER, Ada Pelegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5º ed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.146 44 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias.Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais.São Paulo: Ed Revistas dos Tribunais.1995.p.337

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29

No que se refere à execução do acordo descumprido pelo autor da infração, cabe à vítima, de posse da sentença homologatória, proceder á execução necessária no juízo competente (...), no próprio Juizado Especial Cível, nos termos dos art.52 e § desta lei.

Por outro lado, vista a questão do ângulo do autor do fato,

ficará ele incentivado a reparar os danos causados para evitar o processo penal.

Mas renunciar ao direito de queixa ou representação,

corresponde a desistir do direito concedido pelo Estado à ação penal privada e

ação pública, sem a manifestação de vontade do ofendido.

Grinover leciona sobre45:

(...) se a vítima não se satisfizer com uma reparação meramente simbólica, caberá ao juiz (ou ao conciliador) buscar formas alternativas, como, por exemplo, o desconto em folha de pagamento. Também não se excluem outras garantias, como a fiança ou a hipoteca judicial. Tudo, enfim, nos sentidos de não criar desigualdades com relação ao envolvido não abonado financeiramente.

Em caso de não se obtido a conciliação, poderá o ofendido representar criminalmente contra o autor da infração, conforme disciplina o artigo 75, da Lei 9.099/95:

Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo.

Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.

45 GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5º ed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.146

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Já no caso da não reparação do dano civil, o ofendido tem

a oportunidade imediata de exercer o seu direito de representação oral, que a

mesma será reduzida a termo.

Mesmo que o ofendido não ofereça a queixa ou a

representação no ato da audiência, este não perdera o direito, podendo ser

oferecido no prazo decadencial de 06 meses, conforme previsão do Código de

Processo Penal.

Neste sentido, Grinover ensina46:

Assim, ainda que o ofendido esteja presente, o não oferecimento imediato da queixa ou representação não importa em decadência do seu direito, que poderá ser exercido a qualquer momento, dentro do prazo legal.

Evidentemente, neste caso, a audiência de conciliação

deverá encerra-se, pois não será possível passar à tentativa de transação penal,

sem que se consubstancie a legitimação à ação do querelante (em caso de

queixa) ou implemento da condição de exercício da ação penal (em caso de

representação).

2.3 DA TRANSAÇÃO PENAL

Não ocorrida a conciliação e tendo a vítima representado ou

oferecido queixa contra o autor da infração, os autos serão remetidos ao

Ministério Público, que poderá, então, oferecer a proposta de transação penal ao

acusado, nos termos do artigo 76:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o

46 46 GRINOVER, Ada Pelegrini e outros. Juizados Especiais Criminais. 5ºed.,atual. e ampl – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.2005.p.148

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Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º. Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

Porém, a proposta não será oferecida quando ficar

comprovado que o infrator tenha se beneficiado no prazo de 05 anos anteriores,

com o mesmo benefício. Deverá, ainda, ser réu primário e seus antecedentes e

conduta social autorizarem a proposta, nos termos do parágrafo segundo, do

artigo acima:

§ 2º. Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

Em sendo aceita a proposta, o Juiz homologará, decisão esta que não importará em reincidência, nos termos do parágrafo quarto, do artigo:

§ 4º. Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

Também não terá efeitos civis, diverso da decisão que

homologar a conciliação, devendo a parte interessada ingressar com a medida no

Juízo Cível, caso queira a reparação do dano.

Assim disciplina o parágrafo sexto:

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§ 6º. A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Este, portanto, o procedimento do instituto da transação

penal, o qual destaca-se por ser um meio muito eficaz no movimento de

despenalização.

2.4 DO SURSIS PROCESSUAL

Outro instituto despenalizador trazido pela Lei 9.099/95, diz

respeito ao sursis processual, ou a suspensão condicional do processo, onde o

acusado deverá, caso aceite a suspensão, cumprir algumas condições pelo prazo

de 02 anos, quando, então, caso não revogado o benefício, terá punibilidade

extinta.

Esta previsão está contida no artigo 89, da referida lei:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Veja-se, portanto, que este instituto não faz parte do

procedimento da Lei 9.099/95. Apenas consta do texto daquela lei, podendo ser

aplicado a todos os crimes, cujas penas estejam dentro do limite fixado pelo artigo

89, mesmo que não sejam de menor potencial ofensivo, ou seja, mesmo que a

pena máxima seja superior a 02 anos, contanto que a pena mínima abstrata seja

inferior ou igual a 01 ano.

Destaca-se, também, que diverso da transação penal, neste

caso existe denúncia e seu recebimento. Após isso é que o Juiz oferece a

proposta, que já foi elaborada pelo Ministério Público, quem tem legitimidade para

tanto.

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Aceita a proposta, ficará o processo suspenso pelo prazo de

02 anos, mediante as condições estabelecidas pelo parágrafo segundo do artigo

89:

§ 1º. Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a Juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º. O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

Igualmente ao sursis penal, também o benefício poderá ser

revogado caso o beneficiado seja processado por outro crime ou contravenção ou

se não cumprir com as condições impostas.

Neste sentido estabelecem os parágrafos terceiro e quarto

do artigo citado:

§ 3º. A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º. A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.

Vale destacar que durante o prazo de suspensão a prescrição ficará suspensa, a teor do parágrafo sexto:

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§ 6º. Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

E, por fim, caso o acusado não aceite a proposta, o

processo seguirá seu curso normalmente, conforme estabelece o parágrafo

sétimo:

§ 7º. Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

No capítulo seguinte, será analisado a Lei Maria da Penha e o impedimento da aplicação dos institutos despenalizadores, contrariando, assim, o movimento de despenalização crescente no Direito Penal pátrio e mundial.

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CAPÍTULO 3

A LEI MARIA DA PENHA E O MOVIMENTO DE DESPENALIZAÇÃO

3.1 ORIGEM DA LEI Nº 11.340 DE 07 DE AGOSTO DE 2006.

A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20

anos para ver seu agressor condenado. Ela virou símbolo contra a violência

doméstica.

Em 1983, o marido de Maria da Penha Maia, o professor

universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez,

deu um tiro e ela ficou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião,

ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos de idade.

A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a

denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984.

Oito anos depois, Herredia foi condenado a oito anos de prisão, mas usou de

recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena.

O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos

Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que acatou, pela

primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica. Herredia foi preso

em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje, está em

liberdade.

Em sua homenagem a Lei 11.340/06 leva seu nome Maria

da Penha.

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3.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHER NA LEI 11.340/06.

Os artigos 5º, 6º e 7º da referida lei são os que determinam

a figura da violência doméstica.

Muito tem se discutido sobre esta nova lei. Uma lei

específica, que vem resguardar e prevenir os interesses das mulheres tanto em

âmbito familiar, quanto no âmbito de pessoas que convivam esporadicamente

agregada no seio da família.

Violência esta que acontece exatamente com quem se

confia, de quem deveria proteger, mas ao invés coagem das formas mais cruéis,

aproveitando-se do fato de muitas vezes dividirem o mesmo teto.

Para estudar esta lei, que chega num momento que a

realidade de violência doméstica assusta o País, buscou-se artigos, eis que a

bibliografia é escassa, em razão da atualidade do tema.

Mas como tudo que é novo, traz certos receios, conforme

relatar a Desembargadora Maria Berenice Dias47, “A lei foi recebida da mesma

forma que são tratadas as vítimas a quem protege: com desdém e desconfiança”.

E diz mais, “Há uma tendência geral de desqualificá-la.

Tudo serve de motivo para tentar impedir sua efetividade”.

Os avanços trazidos pela lei são significativos e de vigência

imediata, não havendo motivos para retardar sua plena aplicação.

Porto48 discorre, sobre o tema:

Concebendo-se a norma não apenas como uma forma vazada em palavras solenes, mas como um texto que anseia por tornar-se substância, por ser eficaz, resulta impossível separar a norma e a realidade histórica em que se encontra contextualizada, pois é

47 DIAS, Maria Berenice. Revista Magister de direito penal nº 13 ago-set/2006.p67 48 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos Fundamentais Sociais – Considerações acerca da Legitimidade Política e Processual do Ministério Público e do Sistema de Justiça de sua Tutela. Porto Alegre – Ed. Livraria do Advogado, 2006.p74

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esta realidade o solo mesmo do vigor normativo ou do seu definhamento. Essa pretensão de eficácia da norma jurídica, para atingir sua meta, deve, portanto, levar em conta as condições técnicas, naturais, econômicas e sociais de uma realidade, bem como o substrato espiritual de cada sociedade, traduzido nas concepções sociais concretas e no arcabouço axiológico que permeia a comunidade. Não se trata de a norma submeter-se a esta realidade, aviltando-se à condição de seu mero reflexo, pois a pretensão de eficácia é um apanágio autônomo da norma constitucional [e de qualquer norma legal] pelo qual esta procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social

Mas a nova lei levará um tempo para o poder judiciário se adequar, bem como o bom entendimento de alguns artigos, os quais contrariam a Lei 9.099/95, como será visto mais a frente.

Neste sentido, Boller:49

O resgate da cidadania feminina é magnânimo, mas de difícil exeqüibilidade em razão do curto prazo para entrada de vigor, visto que impossível a criação de juizados autônomos – que exigiram a feitura de lei ordinária própria, com a criação de novos cargos (juízes, serventuários, psicólogos, assistentes sociais, etc.), para a consecução do intento – não tendo hoje, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, e especialmente da Lei de Diretrizes Orçamentárias, recursos materiais e humanos disponibilizados para sua imediata aplicação.

E para o bom entendimento desta matéria, há de se

compreender o que se entende por família, na visão de Hironaka50:

É uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria historia através dos tempos (...); a história da família se confunde com a historia da própria humanidade.

49 BOLLER, Luiz Fernando, O Estupendo resgate da cidadania. Disponível em www.jurista.com.br, com acesso em 12/05/2007. 50HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O Estupendo resgate da cidadania. Disponível em www.jurista.com.br, com acesso em 12/05/2007.

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A lei, como dito, tratou do que considera violência doméstica,

assim definindo-a:

art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Discorre Dias51, que pela primeira vez, refere-se à lei sobre

o relacionamento no âmbito doméstico para pessoas do mesmo sexo:

No momento que é afirmado que está sob abrigo da lei da mulher, sem distinguir sua orientação sexual, alcançam-se tanto as lésbicas como travestis, transexuais e transgêneros que mantém relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos, as situações de violência contar o gênero feminino justificam especial proteção.

Como a proteção é assegurada a fatos que ocorrem no

ambiente doméstico, isso quer dizer que as uniões de pessoas do mesmo sexo

são entidade familiar. Violência doméstica, como diz o próprio nome, é violência

que acontece no seio de uma família.

51 DIAS, Maria Berenice. Revista Magister de direito penal nº 13 ago-set / 2006.p74

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Para Maria Berenice Dias52 Visto que,

A partir da nova definição de entidade familiar, não cabe questionar a natureza dos vínculos formados por pessoas do mesmo sexo. Ninguém pode continuar sustentando que, em face da omissão legislativa, não é possível emprestar-lhe efeitos jurídicos.

Para Bastos53:

Outro ponto a ser considerado, positivo sinal, diz respeito à ausência de preconceito no que tange as relações domesticas que unam mulheres homossexuais. Qualquer delas, independente do papel que desempenham na relação, esta sujeita à proteção legal, como estabelece o parágrafo único do art 5.

Para ser sujeito passivo tutelado pela norma basta,

portanto, que a pessoa se enquadre no conceito biológico de “mulher”, conforme

pode ser visualizado pelo artigo 6º, da lei:

Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

Sabe-se que qualquer tipo de violência é desumano, e a

violência doméstica possui agravantes neste sentido, uma vez que a força física

masculina é maior que a da mulher, tornando assim uma briga totalmente

desigual.

Conforme Silva Jr54, a questão de gênero não ofende a

Constituição:

Logo, as normas penais de erradicação da violência de gênero previstas na lei 11.340/06 – que tem como sujeito passivo a

52 DIAS, Maria Berenice. Revista Magister de direito penal nº 13 ago-set / 2006.p75 53 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 12/05/2007. 54 SILVA JUNIOR, Edison Miguel. Lei 11.340/06: violência doméstica e familiar. Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 16/05/2007.

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mulher e como sujeito ativo o homem – não ofendem o princípio da igualdade, constitucionalmente assegurados a todos os cidadãos. Ao contrário, busca efetivá-lo nas relações de gênero, objetivando a construção da convivência equilibrada, pacífica e democrática entre sexos.

Também o artigo 7º define o que seja violência doméstica:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

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41

De acordo com Bastos: 55

A definição conceitual do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher e a prudência que se espera dos operadores do Direito, em especial Juízes e Promotores, no mister de restringir sua incidência diante de normas tão abertas, é vital em se levando em conta que qualquer crime previsto no Código Penal ou em Leis Especiais, que tutelem as integridades física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da mulher, podem, em tese, estar sujeitos às prescrições da Lei "Maria da Penha". Neste sentido, são alvos de preocupação específica os crimes que, pela pena, conformar-se-iam na definição de infração penal de menor potencial ofensivo, por conta, principalmente, no caso de atraírem a aplicação desta Lei, do afastamento da incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, das limitações à aplicação de determinadas penas restritivas de direitos e da previsão excepcional de prisão preventiva.

3.3 A LEI 11.340/06 E AS PENAS DE MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA

Como visto, o Direito Penal pátrio tem seguido a corrente de despenalização, trazendo institutos como os previstos na Lei 9.099/95.

Contudo, a Lei Maria da Penha trouxe previsão expressa

que proíbe a aplicação destes institutos despenalizadores, o que gera um conflito

de postura por parte do legislador.

Prevê o artigo 17, da Lei Maria da Penha que fica proibido a

substituição da pena por restritiva de direito ou pela pena de multa, conforme

autoriza o artigo 44, do CP:

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

55 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 12/05/2007.

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42

A justificativa pela não permissão por parte do legislador

destas penas, é a ineficácia das mesmas, dando ao agressor a impressão de

impunidade, ora que o seu não cumprimento, não permite na reversão da pena

por privativa de liberdade.

Para Bastos:56

Quis a Lei "Maria da Penha", com isto, que o réu acusado da prática de qualquer crime resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena cominada, seja julgado por tal infração penal e, na hipótese de condenação, seja-lhe aplicada uma pena que, ainda que venha a ser substituída por pena restritiva de direitos, possa, em caso de descumprimento injustificado, ser convertida em prisão, de modo que o apenado se sinta afligido com a sanção penal imposta e, deste modo, seja demovido da idéia de persistir na prática de infrações penais deste jaez.

Portanto, a Lei Maria da Penha não autoriza, pelo contrário,

proíbe expressamente a substituição da pena por restritiva de direitos.

3.4 A LEI 11.340/06 E A REPRESENTAÇÃO CRIMINAL

Também a Lei Maria da Penha dificulta à vítima a renúncia

à representação, conforme expressa o artigo 16:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

O citado art. 16, de modo incompreensível, diz que a

audiência (designada para que a vítima manifeste sua renúncia) deve ser

realizada “antes do recebimento da denúncia”.

56 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 12/05/2007.

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43

O artigo 102 do Código Penal, prevê que a representação

será irretratável depois de oferecida a denúncia.

O que não se aplica ao Art. 16 da Lei, pois esta permite a

desistência da denúncia até antes da audiência de conciliação.

Para Dias, a vítima só poderá desistir da representação

antes do oferecimento da denúncia, em audiência designada pelo juiz

especialmente para tal fim e depois de ouvido o Ministério Público.

Cabette,57 sobre a renúncia na representação, explica:

Note-se que a Lei 9.099/95 institui um procedimento inovador, realmente criando institutos revolucionários e instituindo até mesmo um novo modelo de Justiça que passa de uma concepção impositiva para outra que se convencionou chamar de "consensuada". Nesse contexto não seria racional a perplexidade ou a resistência ao novo instituto, já que a devida aplicação e interpretação da Lei 9099/95 requer, em sua raiz, um novo olhar. A tentativa de interpretar e criticar os dispositivos da Lei 9099/95 com vistas ao ordenamento comum e à tradição do Direito Penal e Processual Penal pátrios, somente deturparia e inviabilizaria sua adequada aplicação.

O mesmo raciocínio não se aplica ao artigo 16 da Lei 11.340/06, considerando que não cria um caso específico e excepcional de "renúncia ao direito de representação" nos moldes da Lei 9099/95, mas refere-se ao suposto instituto como algo previamente existente e fartamente conhecido. É incrível a naturalidade com que o legislador se refere a essa suposta "renúncia ao direito de representação", chegando a lembrar a figura de um esquizofrênico em surto que também fala com naturalidade das perseguições de extraterrestres e das vozes que lhe dão ordens constantemente!

Até o reconhecimento da extinção de punibilidade pelo Juiz em tais casos restaria despido de base legal. Como já destacado, o artigo 16 da Lei 11.340/06 não cria um novo instituto, uma nova causa extintiva de punibilidade, como faz o artigo 74, Parágrafo

57 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em www.jusnavegandi.co.br, com acesso em 12/05/2007.

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Único, da Lei 9099/95. Apenas menciona aquilo que denomina de "renúncia à representação". Age como se o instituto fosse pré-existente, o que conflita com a realidade do ordenamento jurídico.

Sendo assim, a renúncia pela nova lei só terá validade,

antes de oferecida a denúncia.

3.5 A LEI 11.340/06 E A LEI 9.099/95

Também fica expressamente proibido de ser aplicada à Lei Maria da Penha os benefícios despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95, consoante previsão do artigo 41, daquela lei:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Há dois entendimentos em fase da Lei, as opiniões

divergem no tocante a sua constitucionalidade. Muito há de se discutir ainda, visto

que muito falta para sua compreensão plena.

Para a desembargadora Dias:58

Considerando-se o disposto no art. 41 da nova lei, que determinou que “aos crimes praticados com violência domestica e familiar contar a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei n 9.099/95”, já não se pode falar em representação quando a lesão corporal culposa ou dolosa simples atinge a mulher que se encontra na situação da Lei 11.340/06 (ou seja, numa ambiência doméstica, familiar ou íntima) neste sentido conforme também: José Luiz Joveli; em sentido contrário: Fernando Célio de Brito Nogueira.

Para o Juiz Boller59:

58 DIAS, Maria Berenice. Revista Magister de direito penal nº 13 ago-set / 2006.p83 59 BOLLER, Luiz Fernando, O Estupendo resgate da cidadania. Disponível em www.jurista.com.br, com acesso em 12/05/2007.

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Todavia, a nova lei possui erros gravíssimos, ferindo princípios constitucionais. Dentre eles o art 41, que diz não ser aplicável a Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, visto que esse artigo afasta os institutos despenalizadores da Lei n 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98,I e 5º, I, Constituição Federal.

Para o entendimento de Bastos60:

Em resumo, não há o menor problema com o art. 41 da Lei "Maria da Penha". Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal, em se tratando de lesão corporal leve a ação penal será de iniciativa pública incondicionada etc [7].

Só para recordar, na primeira versão do art. 61 da Lei nº

9.099/95, estavam fora do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo

e, portanto, fora do alcance dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, os

crimes em que havia, simplesmente, previsão de procedimento especial, ainda

que a pena máxima cominada fosse inferior a 1 (um) ano. E, nos termos do art.

90-A, da Lei nº 9.099/95, acrescentado pela Lei nº 9.839/99, estão fora do âmbito

de incidência da primeira os crimes militares, independente da pena. Nunca se

60 BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 12/05/2007.

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reclamou disto, na perspectiva da constitucionalidade, não fazendo sentido

pretender deslegitimar a exclusão imposta pela Lei "Maria da Penha".

Porém, lei posterior (Lei nº 11.340/06), e da mesma

hierarquia, exclui deste rol a violência doméstica. Assim, quando a vítima é a

mulher, e o crime aconteceu no ambiente doméstico, as lesões que sofre não

mais podem ser consideradas de pouca lessividade, pois fora da égide da Lei de

Juizados Especiais. O agressor responde pelo delito na forma prevista na Lei

Penal.

De qualquer forma, a violência doméstica está fora do

âmbito dos juizados Especiais, e estes não poderão apreciar tal matéria. É

imperioso que os Tribunais de Justiça instalem o JVDFM, varas estas garantidas

na proclamação desta lei.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente Monografia teve como objeto A Lei 11.340/06

conhecida como a Lei Maria da Penha e o movimento despenalizador.

O seu objetivo foi Confrontar a Lei 9.099/95 com a Lei

11.340/06, quanto sua não aplicabilidade, tornando impeditivo o movimento

despenalizador, no que concerne à violência doméstica contar a mulher.

Para tanto, tratou–se, no Capítulo 1, Das Penas, sua

história e evolução no Brasil, as espécies de pena, as penas restritivas de

liberdade, privativas de direito e as penas de multas, para crimes de menor

potencial ofensivo.

No Capítulo 2, tratou-se dos Aspectos da Lei 9.099/95, os

aspectos gerais, da sua conciliação com a lei 11.340/06, a transação penal e o

sursis processual, trazido com esta.

No Capítulo 3, abordou-se a Lei 11.340/06, denominada

Maria Da Penha, a sua não aplicabilidade, pela lei 9.099/95 nas penas de multas

e prestação pecuniária, sua representação criminal.

Quanto ás hipóteses, ambas foram comprovadas, eis que,

com relação a primeira, ficou demonstrado que tanto a Lei 9.099/95, quanto as

penas restritivas de direito são frutos do movimento de despenalização para os

crimes de menor potencial ofensivo, sem grave ameaça

Quanto à segunda hipótese, a mesma foi comprovada, uma

vez que a Lei 11.340/06, contrariando o movimento de despenalização, não

permite a aplicação da Lei 9.099/95, mesmo nos crimes que tenham pena

máxima igual ou inferior a 2 anos.

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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher.

Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 12/05/2007.

BOLLER, Luiz Fernando. O estupendo resgate da cidadania.

www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 12/05/2007.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência

domésticas e familiar contra a mulher. Disponível em www.jusnavegandi.com.br,

com acesso em 12/05/2007.

DIAS, Maria Berenice. Revista Magister de Direito Penal nº 13º ago-set/2006.

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MIRABETE, Julio Fabbrini, 1935. Código penal interpretado / Julio Fabbrini

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Disponível em www.jusnavegandi.com.br, com acesso em 16/05/2007.