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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA MARCOS VINICIUS FRANCISCO A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PERSONALIDADE DE ADOLESCENTES EXPOSTOS AO BULLYING ESCOLAR E OS PROCESSOS DE “RESILIÊNCIA EM-SI”: UMA ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL Presidente Prudente 2013

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - Unesp · Francisco, Marcos Vinicius. F893c A construção social da personalidade de adolescentes expostos ao bullying escolar e os processos de “resiliência

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

MARCOS VINICIUS FRANCISCO

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PERSONALIDADE DE

ADOLESCENTES EXPOSTOS AO BULLYING ESCOLAR E OS

PROCESSOS DE “RESILIÊNCIA EM-SI”: UMA

ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL

Presidente Prudente

2013

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MARCOS VINICIUS FRANCISCO

A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA PERSONALIDADE DE

ADOLESCENTES EXPOSTOS AO BULLYING ESCOLAR E OS

PROCESSOS DE “RESILIÊNCIA EM-SI”: UMA

ANÁLISE HISTÓRICO-CULTURAL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Educação da Faculdade

de Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de

Presidente Prudente, como exigência parcial

para a obtenção do título de Doutor em

Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Renata Maria

Coimbra Libório

Presidente Prudente

2013

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FICHA CATALOGRÁFICA

Francisco, Marcos Vinicius.

F893c A construção social da personalidade de adolescentes expostos ao

bullying escolar e os processos de “resiliência em-si” : uma análise histórico-

cultural / Marcos Vinicius Francisco. - Presidente Prudente: [s.n], 2013

266f. : il.

Orientador: Renata Maria Coimbra Libório

Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de

Ciências e Tecnologia

Inclui bibliografia

1. Teoria Histórico-Cultural. 2. Bullying escolar. 3. Resiliência em-si. I.

Libório, Renata Maria Coimbra. II. Universidade Estadual Paulista.

Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. A construção social da personalidade

de adolescentes expostos ao bullying escolar e os processos de “resiliência

em-si” : uma análise histórico-cultural.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus amados pais,

Izabel Cristina Zanusso Francisco e João Roberto Francisco, exemplo de homens que

foram cerceados do direito de acesso à educação básica nesse país. Ela durante sua

infância chorava e fazia promessas aos santos, para que sua vontade de estudar fosse

tirada de sua cabeça, ao ser impedida de prosseguir nos estudos para trabalhar na roça.

Ele, não diferente dela, também foi chamado desde criança a ingressar no mundo

desumano do trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Ao fazer os agradecimentos desta tese, várias imagens e recordações vieram à tona em

minha memória, ao agradecer a uma parcela de pessoas que passaram por minha vida e que

hoje são parte desta conquista. Devo ressaltar ainda que não é todo dia nesse país que um

filho de proletários tem a oportunidade de defender uma tese de doutorado. A partir da relação

entre passado e presente, começo agradecendo:

Aos meus pais João e Izabel. Aos meus irmãos, Murilo José Francisco e Bruna

Melissa Francisco. Aos avós maternos Cacilda Oliva Zanusso e Anézio Zanusso, e aos avós

paternos Luzia Martins Francisco (in memoriam) e Otávio Francisco (in memoriam). E a

todos os familiares, os nomes são muitos e várias páginas seriam necessárias para nomeá-los.

Apenas gostaria de dar vida a alguns que sempre me acompanharam desde outrora (as tias

Beth, Edna, Sílvia, Valdenir, Liziane, Ivone, Rose, Fátima, Maria, Ana e Cida; os tios Nilton,

Mauro, Aparecido, Odair, Lourival, Milton, Donizete, José e Luiz, bem como seus filhos e

filhas, meus queridos primos e primas), nas dificuldades e conquistas obtidas. Sempre me

senti muito protegido e amado por vocês. Enfim, muito obrigado, amo vocês!

A todos os professores e amigos que pude fazer durante os doze anos de educação

básica na EE. Pedro Brandão dos Reis, em José Bonifácio-SP. Essa escola, foi essencial para

que eu pudesse me apropriar de alguns dos conhecimentos científicos, históricos e artísticos

produzidos pela humanidade. Em especial, gostaria de homenagear Alice Zanusso (in

memoriam), Vera Ramalho, Neusa Vendrame, Virgília, Darci, Maria Inês Seron, Ideni, Maria

Gorete, Lúcia Helena Afonso, Maldonado, Ana Lúcia Matias, Adelson, Luís, Rosicler

Catalani, Marli Zara e Débora Zórnio, professores comprometidos com o que fazem e que

sempre tive como exemplo em minha práxis pedagógica. Essa última (Débora Zórnio), um

espelho, foi quem me auxiliou a iniciar na leitura crítica da sociedade, bem como em meu

processo de conscientização, na luta pela transformação da sociedade capitalista selvagem.

Com o ingresso na faculdade, durante a graduação em Educação Física na

FCT/UNESP, pude construir amizades que se estenderam para além dos muros institucionais,

e que se fazem presentes em minha vida até hoje! Aqui deixo meu muito obrigado a Juziane

Teixeira Guiça, Roberto Júnior Mendes de Araújo, Ângela da Silva Arantes, Fabíola do

Nascimento Marinho e Marcos Felipe.

Outras amizades foram surgindo, nos diferentes espaços e tempos institucionais da

FCT/UNESP (graduação, mestrado e doutorado) e aqui merecem ser lembradas pela

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importância que representam em minha vida! Cada um a sua maneira contribuiu para que a

tese fosse concretizada. Estão em ordem alfabética para evitar brigas. Meu muito obrigado

Achilles Delari Júnior, Alana Paula, Alessandra Farias, Alex Pessoa, Aline Lima, Aline

Mantovani, Andreia Guilhen, Andreia Militão, Ariana Nascimento, Claudiele Silva, Daiana

Fabiani de Oliveira, Daniele Nascimento dos Santos, Denise Ivana Albuquerque, Eduard

Bendrath, Elaine Gomes Ferro, Elisabete Lourenção, Fabio Perboni, Jorge Mariano, José

Ricardo Silva, Juliana Zechi, Loriane Trombini Frick, Luciana Venâncio, Michelle Ikefuti,

Rita Santos, Rafael Ferrari, Rodrigo Lima Nunes, Sabrina Melo (in memoriam), Silvia

Rodrigues, Simone Brandolt, Simone Deak, Taluana Torres, Tatiane Félix, Thais Almeida,

Vagner Matias do Prado e Vanessa Sakotani. Peço desculpas se me esqueci de alguém!

Agradeço as amizades conquistadas em Taubaté-SP e Panorama-SP, cidades onde tive

o privilégio de lecionar na educação pública, nos anos de 2007 a 2011. Esses locais sempre

serão lembrados com carinho. Em especial, menciono os meus ex-alunos de ambas as cidades;

as amigas de Taubaté-SP Ana Camila, Ivana Hottum, Vivian, Márcia Ferro, Sumara Gomes e

a admirável Iane Candida da Silva. Da pacata Panorama-SP, sempre lembrarei com muito

carinho e gratidão dos colegas de trabalho, mas faço questão de mencionar em especial as

figuras de Claudete Castanha, Danilo Matias, Eliana Mesquita, Eny Coutinho, Eunice Rosa,

Fabiana Pereira, Ivani Francino, Isabel Miqueloti, Lenny, Richard Martins, Thaís Serra,

Vilma Chiarari (Tera), Virgínia Tesser, Natália Parreira, Cecília Parreira (in memoriam),

Edna Parreira, Helena, Marta e Rodrigo Delgado.

Agradeço aos que foram meus alunos no ensino superior, aprendi muito com vocês, e

espero que a recíproca seja verdade.

Agradeço as amizades que foram ganhando espaço em minha vida, as quais espero que

permaneçam sempre: Analissa Dantas, Daniel Ribeiro, Lilian Ramos da Silva, Lucelena Lu,

Margarete Amorim e Nádia Endo. Em especial, menciono Leandro Mesquita (amigo para

todas as horas e momentos, muito obrigado pelo apoio sempre).

Aos mais que competentes funcionários do Programa de Pós-Graduação (André

Meira, Carina Delarizza Dutra, Cinthia Onishi, Erinati Ivonete Andrade e Erynat Fernandes),

Departamento de Educação (Beatriz Dias e Paula Felicio) e Central de Pesquisa (Tamae), não

sei o que seria de mim sem vocês! Muito obrigado!

Agradeço também aos professores do meu PPGE, em especial, Alberto Gomes, Arilda

Ribeiro, Célia Guimarães, Claudia Lima, Cristiano Di Giorgi, Divino Silva, Fátima Salum

José Milton Lima, Márcia Canhoto de Lima, Maria Raquel Morelatti, Paulo Raboni, Renata

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Junqueira, Renata Portela, Suzana Menin e Yoshie Ferrari Leite, pelos debates e momentos de

diálogo. Aprendi muito com vocês!

Ao professor e amigo Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho, pelas contribuições no

exame de qualificação e pelos ideias compartilhados, ao defender o quanto precisamos estudar

juntos, pois conforme suas sábias palavras o caminho para a emancipação é longo e precisa

ser atingido.

À professora Elenita de Ricio Tanamachi, pelas recomendações durante o exame de

qualificação, e perguntas sempre pertinentes para que a tese pudesse adquirir consistência

teórica e epistemológica. Minha admiração por sua pessoa é grandiosa, um exemplo a ser

seguido.

À professora Rosiane de Fátima Ponce, por aceitar prontamente fazer parte desse

momento ímpar em minha vida. Espero que nossa amizade sempre continue a se fortalecer e

que os nossos diálogos acadêmicos se intensifiquem cada vez mais.

Ao professor Bernardo Monteiro de Castro, por ter se prontificado a contribuir

qualitativamente para que esse trabalho possa ser finalizado com êxito. Muito obrigado!

Fico emocionado ao agradecer a minha grande e amiga, orientadora desta tese, Renata

Maria Coimbra Libório, mulher sensível, humana, comprometida e dedicada com aquilo que

faz. Estar contigo é sempre um verdadeiro aprendizado. As coisas sempre ficaram mais fáceis

ao seu lado! Saiba que nesses dez anos de amizade, sempre me senti capaz de alçar voos mais

longos, ao ser incentivado e instigado a pensar e agir frente às problemáticas que marcam

nosso modo de viver! Não há palavras que consigam expressar a minha gratidão, obrigado por

tudo, por me conceder essa oportunidade e por sempre ter acreditado em mim. Sempre que

precisar de algo, conte comigo!

Agradeço a todos os participantes da pesquisa, sem vocês o trabalho não poderia ter se

concretizado! Espero que possam cada vez mais se emancipar e alcançar a tomada de

consciência dos motivos presentes nas atividades realizadas em suas vidas. Faço os

agradecimentos à escola que me acolheu na realização da pesquisa, por meio de seus

funcionários, direção e professores.

A CAPES pelos meses de bolsa concedidos para a realização de um Doutorado

Sanduíche na Universidad Carlos III de Madrid, sob a supervisão do Prof. Pablo Del Río, a

quem aproveito para fazer os agradecimentos também.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo

financiamento desse projeto, elemento fundamental para que esse doutorado pudesse ser

desenvolvido com dedicação integral.

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EPÍGRAFE

“Toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação [a aparência]

e a essência das coisas coincidissem imediatamente”.

Karl Marx

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RESUMO

A presente tese foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade

de Ciências e Tecnologia/Universidade Estadual Paulista e encontra-se vinculada à linha de

pesquisa intitulada Processos Formativos, Diferença e Valores. Buscou-se analisar

criticamente a construção social da personalidade de adolescentes expostos ao bullying

escolar que vêm se posicionando frente às perseguições sofridas, por meio dos processos de

resiliência, denominados nesta tese de “resiliência em-si”. A partir do referencial da Teoria

Histórico-Cultural que tem suas bases epistemológicas e filosóficas assentadas no

Materialismo Histórico-Dialético, procedeu-se pela análise explicativa dos fenômenos

buscando apresentar elementos que auxiliem na superação das circunstâncias atuais,

responsáveis por sua difusão e manutenção. O estudo foi realizado em uma escola pública de

Presidente Prudente. Inicialmente foram contatados todos os adolescentes com idades entre 13

e 16 anos, que frequentavam as salas do 9º ano do Ensino Fundamental e 1º ano do Ensino

Médio. Num primeiro momento foram aplicados junto aos alunos os questionários Scan-

Bullying, CYRM (Child and Youth Resilience Measure) e “Fatores de Risco e Proteção em

Adolescentes de Presidente Prudente”. A partir de análises dos instrumentos foram

selecionados 06 adolescentes identificados como expostos ao bullying escolar e que

indicavam processos de “resiliência em-si”. Após esse procedimento utilizou-se métodos

visuais. Os adolescentes tiraram fotografias de elementos importantes de suas vidas e foram

filmados em seu cotidiano. Os vídeos foram editados em clipes de 30 minutos cada. Os dados

visuais foram objeto de análise e serviram como base para as entrevistas semiestruturadas. Os

conteúdos das entrevistas foram analisados por meio de categorias articuladas ao Método

Materialista Histórico-Dialético. Os resultados apontam que os participantes vêm construindo

suas personalidades por meio do processo de apropriação de algumas objetivações produzidas

historicamente e socialmente, o que os favoreceu a se posicionarem frente as adversidades

vivenciadas no cotidiano, tais como o bullying escolar, por intermédio da “resiliência em-si”.

Contraditoriamente, por mais que os participantes se posicionem frente a esses infortúnios,

eles estão presos a concepções idealistas e fragmentárias que não os auxiliam no pleno

desenvolvimento da personalidade. Assim, apresenta-se a escola, numa perspectiva

revolucionária como um espaço privilegiado para que os estudantes possam ter consciência da

realidade e buscar a sua transformação social.

Palavras Chave:Teoria Histórico-Cultural; Bullying Escolar; Resiliência em-si; Personalidade.

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ABSTRACT

This thesis was developed at the Graduate Program in Education of the Faculty of Science and

Technology / São Paulo State University and it is linked to the research line called Formative

Processes, Values and Difference. We sought to critically analyze the social construction of

the personality of adolescents exposed to bullying in schools that are positioning themselves

in the face of persecutions, through the processes of resilience, named in this thesis as

“resilience in itself”. Through the use of Cultural-Historical Theory, which has its

epistemological and philosophical bases settled in Historic-Dialectical Materialism , it was

proceeded an explanatory analysis of the phenomena seeking to introduce elements that help

them overcome the current circumstances, responsible for its dissemination and maintenance.

The study was conducted in a public school in Presidente Prudente. We initially contacted all

adolescents aged between 13 and 16 years, attending the 9th grade of elementary school and

1st year of high school. At first, students answered the questionnaires Scan-Bullying, CYRM

(Child and Youth Resilience Measure) and “Risk and Protective Factors in Adolescents at

Presidente Prudente”. From the analysis of the instruments, it was selected 06 adolescents

identified as exposed to bullying at school and indicating processes of “resilience in itself”.

After these procedures, it was used visual methods. The adolescents were asked to take

pictures of important aspects of their lives and were filmed in daily activities. The videos

were edited in 30 minutes clips. The visual data were object of analysis through semi-

structured interviews. The contents of the interviews were analyzed using categories

articulated to Historic-Dialectical Materialism method. The results show that participants are

building their personalities through the process of appropriation of some objectifications

produced historically and socially, what favored their position in facing adversity experienced

in everyday life, such as school bullying, through “resilience in itself”. Paradoxically, even

though the participants position themselves against these misfortunes, they are attached to

idealistic and fragmentary conceptions not helpful to the fully development of personality.

Thus, we present the school in a revolutionary perspective as a privileged space for students

to be aware of reality and seek their social transformation.

Keywords: Historical-Cultural Theory; School Bullying; Resilience in itself; Personality.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 -------------------------------------------------------------------------------------------------50

Imagem 2 ------------------------------------------------------------------------------------------------116

Foto 1 ----------------------------------------------------------------------------------------------------124

Foto 2 ----------------------------------------------------------------------------------------------------206

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LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 01-------------------------------------------------------------------------------------------------111

Tabela 02 ------------------------------------------------------------------------------------------------111

Quadro 01------------------------------------------------------------------------------------------------114

Quadro 02------------------------------------------------------------------------------------------------230

Quadro 03------------------------------------------------------------------------------------------------232

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO -----------------------------------------------------------------------------------------15

CAPÍTULO I - TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: CONSIDERAÇÕES INICIAIS----21

1.1 Teoria Histórico-Cultural e formação da personalidade humana -----------------------------28

1.1.1 Interações sociais, condições objetivas de vida e sua influência na construção da

personalidade humana -------------------------------------------------------------------------28

1.1.2 Impactos da alienação no processo de desenvolvimento da personalidade -------------38

1.2 O papel da escola/trabalho do professor no processo de mediação dos conhecimentos

científicos e as relações entre aprendizagem e desenvolvimento ----------------------------43

CAPÍTULO II - BULLYING ESCOLAR E “RESILIÊNCIA EM-SI” NA PERSPECTIVA DA

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: ROMPENDO COM VISÕES NEOLIBERAIS ----53

2.1 Trajetória histórica do conceito de bullying escolar: reflexos de uma sociedade violenta ou

violência construída? ------------------------------------------------------------------------------------55

2.2 Perspectivas teórico-metodológicas em alguns estudos internacionais sobre bullying

escolar---------------------------------------------------------------------------------------------------- 58

2.3 Trajetória histórica do conceito de resiliência---------------------------------------------------69

2.4 Contribuições da Teoria Histórico-Cultural nas explicações do bullying escolar e da

“resiliência em-si”---------------------------------------------------------------------------------------82

2.5 Programas de intervenção ao bullying escolar: enfrentamento necessário ou manutenção

social? -----------------------------------------------------------------------------------------------------92

CAPÍTULO III – O MÉTODO NA PERSPECTIVA DO MATERIALISMO HISTÓRICO

DIALÉTICO----------------------------------------------------------------------------------------------99

3.1 Concepção metodológica da Teoria Histórico-Cultural---------------------------------------100

3.2 Procedimentos metodológicos: Onde desenvolver a pesquisa X Processo de seleção dos

participantes --------------------------------------------------------------------------------------------105

3.2.1 Aplicação do Scan-Bullying -------------------------------------------------------------------110

3.2.2 Aplicação dos questionários CYRM e Fatores de Risco e Proteção ---------------------112

3.3 Participantes ----------------------------------------------------------------------------------------115

3.4 Fotografias e filmagens ---------------------------------------------------------------------------117

CAPÍTULO IV - ANÁLISE DOS DADOS --------------------------------------------------------123

4.1 Elenita -----------------------------------------------------------------------------------------------123

4.1.1 Irineu-----------------------------------------------------------------------------------------------125

4.1.2 Andréia -------------------------------------------------------------------------------------------125

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4.1.3Achilles --------------------------------------------------------------------------------------------126

4.1.4 Rosiane -------------------------------------------------------------------------------------------127

4.1.5 Renata ---------------------------------------------------------------------------------------------127

4.2 Atuação em diferentes práticas/atividades sociais e culturais e a formação da

personalidade humana ---------------------------------------------------------------------------------129

4.2.1 Contato e participação em atividades escolares----------------------------------------------131

4.2.2 Moradia e estrutura dos bairros onde vivem os participantes da pesquisa --------------138

4.2.3 Contato com tecnologias da informação e comunicação ----------------------------------149

4.2.4 Participação em atividades domésticas e trabalho-------------------------------------------155

4.2.5 Participação em atividades/ espaços que contemplam o lazer e as atividades físicas -162

4.2.6 Contato e participação em práticas religiosas -----------------------------------------------170

4.2.7 Contato com a música, literatura e outras manifestações artísticas-----------------------176

4.3 A importância das redes mediadoras de apoio e proteção frente ao processo de formação

da personalidade humana -----------------------------------------------------------------------------185

4.3.1 Escola como um local de apoio e proteção---------------------------------------------------195

4.4 Projetos de vida e a busca pela formação universal da personalidade humana------------205

4.5 Estudo biográfico sobre a formação da personalidade de uma das participantes da

pesquisa--------------------------------------------------------------------------------------------------210

4.5.1 Dados Biográficos que configuram a história de vida de Renata--------------------------211

4.5.1.1 Tema: Infância --------------------------------------------------------------------------------212

4.5.1.2 Tema: Adoção----------------------------------------------------------------------------------212

4.5.1.3 Tema: Estudos/Escola-------------------------------------------------------------------------214

4.5.1.4 Tema: Relações Interpessoais e amizades--------------------------------------------------215

4.5.1.5 Tema: Oposição entre os diferentes momentos que apresenta consciência crítica X

consciência alienada------------------------------------------------------------------------------------216

4.5.1.6 Tema: Autoconceito---------------------------------------------------------------------------219

4.5.2 Análise da história de vida de Renata---------------------------------------------------------221

4.5.3 Síntese do processo de constituição da personalidade frente aos paradigmas da

singularidade à universalidade -----------------------------------------------------------------------228

SÍNTESE------------------------------------------------------------------------------------------------235

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS--------------------------------------------------------------241

Anexo A-------------------------------------------------------------------------------------------------259

Anexo B-------------------------------------------------------------------------------------------------262

Anexo C-------------------------------------------------------------------------------------------------264

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15

INTRODUÇÃO

A presente tese de doutorado obteve financiamento da FAPESP (processo nº.

2010/15071-2) e encontra-se vinculada à linha de pesquisa intitulada: Processos Formativos,

Diferença e Valores, junto ao programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de

Ciências e Tecnologia, Campus de Presidente Prudente-SP, Universidade Estadual Paulista

(FCT/UNESP).

O meu interesse pelo tema do bullying se iniciou durante a Licenciatura em Educação

Física na FCT/UNESP no ano de 2003, período no qual ao realizar estágios na área de

Educação Física Escolar, pude observar a ocorrência de conflitos entre os escolares durante os

momentos de recreio e em algumas aulas. Aliado a isso tive a oportunidade de assistir a

palestra de uma pesquisadora que começava a abordar o assunto no contexto brasileiro,

embora deva reconhecer hoje que apresentava a época em questão, um olhar ainda superficial

sobre a temática, ao relacionar o bullying apenas como um reflexo imediato da relação entre

os pares, como se não existissem outras influências para esse processo. Assim, procurei a

professora de Psicologia da Educação, hoje a orientadora desta tese de doutorado, para que eu

pudesse desenvolver um estágio não obrigatório intitulado “O Fenômeno Bullying nas Escolas

Públicas do Ensino Fundamental” durante o ano de 2004, período no qual realizei amplo

levantamento bibliográfico com leituras e fichamentos do que havia sido produzido no Brasil,

até então sobre o assunto, além das obras internacionais que esses autores referenciavam em

seus trabalhos. Decorrente desse processo foi desenvolvido o Trabalho de Conclusão de

Curso, nos anos 2005-2006. Naquela oportunidade, os objetivos foram caracterizar o bullying

em duas escolas públicas de Presidente Prudente-SP, em termos de frequência, gênero, local e

idades mais frequentes de cometimento do bullying, tipos e residência do aluno (longe ou

perto da escola) e suas relações com o fenômeno.

Há que se destacar que durante a graduação tive contato com o Movimento Estudantil

em Educação Física, espaço que considero privilegiado em meu processo de formação inicial,

pois foi por seu intermédio que pude ter contato com outras leituras críticas na área, para além

daquelas escassas que encontrava em algumas disciplinas do curso. O engajamento político

nesse movimento favoreceu, por conseguinte, a participação e organização de eventos locais e

nacionais, além da troca de experiências com outros estudantes de diferentes partes do país. A

grande questão que balizava o movimento era a seguinte, como poderia a Educação Física

contribuir para com a transformação da sociedade?

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Diante da trajetória inicial na universidade, após a conclusão do curso de Licenciatura

Plena em Educação Física, em 2007, tive a minha primeira experiência profissional como

professor formado, pois devo resgatar que durante os anos de universidade pude trabalhar

com a docência, em projetos desenvolvidos na área escolar. Destarte, foi no Vale do Paraíba,

na rede municipal de Taubaté-SP, que o processo como professor responsável pelo

planejamento e execução de um trabalho educacional como um todo, de fato se concretizou.

E, com o apoio do referencial da Abordagem Crítico Superadora1 em Educação Física,

assentado a partir das bases epistemológicas do Materialismo Histórico Dialético que pude

desenvolver minha práxis-pedagógica. Posteriormente, com o amparo desse referencial

trabalhei como professor, na rede estadual, no município de Panorama-SP, no período de

2008 até meados de 2011.

E, concomitante ao ingresso na rede estadual em Panorama-SP iniciei o mestrado em

Educação na FCT/UNESP, com o intento de prosseguir nos estudos sobre bullying, e na

expectativa de oferecer maiores contribuições e esclarecimentos sobre o tema, por meio de

uma leitura crítica do fenômeno. Embora, tenha sido um trabalho realizado com muito esforço

e empenho, somente agora no doutorado é que melhor delimitei o projeto de pesquisa com o

apoio do referencial da Teoria Histórico-Cultural, que assim como a Abordagem Crítico-

Superadora em Educação Física, têm suas bases a partir das proposições e reflexões do

Materialismo Histórico Dialético.

Entendo que, somente por meio desse referencial que poderei realmente analisar

criticamente a discussão sobre bullying, que na maioria das pesquisas e estudos vem sendo

pautada por meio dos cânones do neoliberalismo; bem como continuar contribuindo para o

questionamento que me inquieta desde o período da graduação. Como contribuir para com a

transformação de nossa sociedade? Assim, muito mais do que descrever um fenômeno, faz se

necessário entendê-lo, frente à síntese de suas múltiplas determinações e analisá-lo em

consonância com os aspectos sociais que marcam o atual modo de viver.

1 A Educação Física, durante toda sua constituição histórica, desde a Reforma Couto Ferraz de 1851, que a

instituiu como componente curricular nas escolas brasileiras esteve assentada em discursos ligados à classe

médica e militar. Dessa forma a disciplina apregoava por meio de suas intervenções a busca pela eugenia,

higienismo e performances técnico-esportivas em seus participantes. Somente na década de 1980, quando alguns

docentes da área começam a realizar os primeiros mestrados e doutorados (fora do país ou nos Programas de

Pós-Graduação em Educação no Brasil) é que as produções da área começam a ser questionadas. Nesse bojo,

destacam-se os professores Carmem Lúcia Soares, Celi Taffarel, Elisabeth Varjal, Lino Castellani, Michele

Escobar e Valter Bracht. Coletivamente, os referidos autores irão propor uma nova abordagem para a Educação

Física, a partir das produções e leituras advindas do marxismo. Assim, vão defender a necessidade de se

contextualizar e questionar as manifestações da cultura corporal, ao entendê-las como produções histórico-

sociais, a fim de que o conhecimento científico produzido na área não fosse fragmentado e dicotomizado. A

Educação Física por meio da cultura corporal poderia contribuir na luta pela transformação social.

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Cotidianamente, milhares de pessoas são cerceadas do contato com as produções

humanas, que melhor poderiam favorecer o seu viver coletivo, e contribuir para reflexões e

ações na direção da erradicação da miséria, da fome, da violência estrutural e social. É

importante ter claro que essas condições sociais e objetivas decorrentes do modo de

organização capitalista, também impedem o pleno desenvolvimento da personalidade humana,

o que, por conseguinte, não oportuniza ao homem o estabelecimento de relações conscientes

com as formas que produzem sua vida. Muitos poderão dizer que isso não passa de utopia.

Apenas ressalto que é nessa utopia que pretendo lutar e lutar.

A tese será dividida em quatro capítulos. O primeiro deles será sobre a Teoria

Histórico-Cultural, base epistemológica desta pesquisa. No mesmo apresentarei alguns

elementos históricos que demarcam o surgimento das discussões nessa vertente do

conhecimento humano, bem como elementos que distinguem a Teoria Histórico-Cultural de

outras bases científicas, ancorados a partir de suas concepções filosóficas, sociológicas e

psicológicas. Ainda, farei uma interlocução com os principais conceitos do referencial que

poderão ser úteis no desvelamento da tese.

No segundo capítulo, trarei a tona alguns apontamentos sobre os temas do bullying

escolar e da “resiliência em-si”, por meio de sua problematização diante das leituras da Teoria

Histórico-Cultural, a fim de superar concepções generalizantes e individualistas, fortemente

presentes na lógica neoliberal e no modelo capitalista de viver, assim como na ciência que

tem discutido tais fenômenos. O capítulo servirá de base para que em momento posterior eu

analise/explique os dados coletados na pesquisa de campo, por meio das categorias presentes

no Método do Materialismo Histórico Dialético. Vale apontar que tentarei garantir o

movimento presente no surgimento desses fenômenos e sua contraposição com aquilo que

merece ser problematizado e superado.

O terceiro capítulo, denominado o Método na Perspectiva do Materialismo Histórico

Dialético será apresentado por meio dos desdobramentos realizados nas diferentes fases desta

pesquisa, e que ancorados a partir do referencial adotado, não podem ser vistos de forma

fragmentada ou apenas como uma pesquisa que visa levantar ou descrever posicionamentos

dos participantes, muito mais do que isso se faz necessário explicá-los. Entendo nessa visão

que o método provoca transformações em mim enquanto pesquisador, assim como nos alunos

participantes e no conhecimento como um todo.

Por vez, no quarto capítulo apresentarei as análises dos dados coletados e sua

explicação procurando discutir o objeto da tese, ou seja, a construção social da

personalidade de adolescentes expostos ao bullying escolar e os processos de “resiliência

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em-si”. A discussão do tema estará articulada e presente nas seguintes categorias analíticas:

1- Atuação em diferentes práticas/atividades sociais e culturais e a formação da personalidade

humana; 2- A importância das redes mediadoras de apoio e proteção frente ao processo de

formação da personalidade humana; 3- Projetos de vida e a busca pela formação universal da

personalidade humana. Ao final uma das participantes da pesquisa foi selecionada, a fim de

realizar uma análise explicativa sobre o processo de formação de sua personalidade,

baseando-me na tese doutoral de Martins (2001). Tal escolha foi realizada diante da

possibilidade em articular os elementos pertinentes à tese: os temas do “bullying escolar e da

resiliência em-si”; o objeto de estudo, ou seja, a construção social da personalidade frente ao

bullying escolar e aos processos de “resiliência em-si”; o referencial da Teoria Histórico-

Cultural, de base Materialista Histórico Dialética; bem como a identificação de concepções

idealistas e fragmentadas que impedem o desenvolvimento da personalidade, a serem

superadas pela educação escolar. A adolescente, assim como os demais participantes que

experienciaram o bullying escolar, têm se posicionado/enfrentado as perseguições sofridas,

ainda que no âmbito da “resiliência em-si”.

Tal estruturação visa “dar conta” de responder à hipótese inicial desta pesquisa, ou

seja, a de que ao identificar e analisar dialeticamente os mecanismos mediadores de risco e

proteção presentes no cotidiano de adolescentes expostos ao bullying escolar por meio das

práticas sociais e culturais que eles realizam, bem como na articulação entre as dimensões

interpessoais e suportes da comunidade onde vivem, compreenderei os processos da

“resiliência em-si” que promovem o enfrentamento do fenômeno. Contudo, essas formas de

enfrentamento são limitadas, ao passo que os processos individuais de constituição da

personalidade humana são expressões das condições e contradições postas pelas

circunstâncias objetivas de vida. Muitas das práticas sociais e culturais que eles têm contato e

se apropriaram, apresentam caráter paliativo, ao não favorecerem a real emancipação dos

indivíduos, até mesmo porque dentro do sistema capitalista, eles continuarão sendo mais ou

menos alienados. Nessas práticas e espaços, os participantes se prendem ainda a concepções

idealistas e fragmentárias que não os auxiliam no pleno desenvolvimento da personalidade,

bem como numa transformação das relações sociais. Contraditoriamente, a escola que por

meio do conhecimento científico produzido historicamente, poderia contribuir para que os

estudantes pudessem ter consciência da realidade e auxiliar num processo revolucionário, não

vem cumprindo com sua função social, ou seja, a de socializar o conhecimento científico e

humano. O bullying escolar poderá ser erradicado se houver uma superação das circunstâncias

atuais, geradoras de sua manutenção e propagação.

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Tal hipótese abarca a defesa da tese de que os indivíduos durante sua vida vão se

apropriando de algumas objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas

socialmente, que os orientam frente à formação social de sua personalidade. A personalidade

de cada indivíduo se constrói a partir do contato com a realidade objetiva, incorporadas ou

não as possibilidades para uma atividade consciente. Quanto menores forem essas

possibilidades, mais fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana.

Decorrente disso, no sistema de organização capitalista, há uma contradição expressa, pois

mesmo que eles se posicionem frente ao bullying escolar experienciado, por meio dos

processos de “resiliência em-si”, que são desenvolvidos na relação dialética entre mecanismos

mediadores de risco e proteção, o enfrentamento do bullying escolar será momentâneo e

pontual. O fenômeno continuará sendo produzido na dinâmica escolar. Os estudantes por sua

vez continuarão centrados no modelo de organização social que produz o bullying escolar,

com a impressão de que pouco há que se fazer. A emancipação se faz possível por meio de

um processo de tomada de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais,

o que reforça a importância que a educação escolar numa perspectiva revolucionária pode ter

nesse processo. A escola precisa cumprir com sua função social, a de socializar a todos, o

conhecimento científico produzido historicamente pelo gênero humano. O desenvolvimento

livre e universal da personalidade humana depende de uma possível transformação social.

Embora, deva reconhecer que o “bullying escolar” e a “resiliência em-si”, no contexto

desta tese foram reconfigurados, ao ganharem outra concepção, diferente da usual, que não

possibilita um olhar articulado com as questões sociais mais amplas. O bullying escolar, por

esse prisma, deixa de ser visto como a relação imediata entre agressores e vítimas, frente a sua

roupagem biologicista, para ser entendido como um produto das relações capitalistas de

produção; expresso nas manifestações de perseguição e intimidação daqueles que não se

ajustam aos padrões culturais de corpo, modos de ser e agir criados e difundidos pela

burguesia, a serviço da manutenção das relações sociais. Sua superação se dará por

incorporação, e em outra dinâmica social deixará de existir.

Há que se destacar que estou entendendo por “resiliência em-si”, o processo de

enfrentamento das adversidades vivenciadas por um indivíduo, mas que não oportuniza ainda

o estabelecimento de relações conscientes com as formas que produzem sua vida, o que

impede o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Tais argumentos reforçam que a

“resiliência em-si” está um degrau abaixo da emancipação e deverá ser superada por

incorporação.

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É importante destacar que a emancipação não é um processo individual, mas um

produto da superação das relações entre dominados e dominantes. Nesse sentido, a

personalidade humana, se constituirá por meio dessas relações sociais, assim como pelas

apropriações e objetivações efetivadas na vida de um indivíduo, e que lhe conferirão o “quem

sou eu” e o “porquê costumo agir de determinada maneira”.

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CAPÍTULO I - TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A origem da Teoria Histórico-Cultural2 remonta ao início do século XX, na antiga

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), tendo como principais representantes

L.S. Vigotski3, A.N. Leontiev e A.R. Luria (ASBAHR, 2005, 2011; FACCI, TULESKI &

BARROCO, 2009; DUARTE, 2002, 2004; PASQUALINI, 2006). Esse grupo de psicólogos

(conhecido como Troika) sob a liderança de Vigotski reformula a psicologia da época, e

defendiam a não fragmentação dos objetos analisados, como o que vinha sendo feito pela

psicologia associacionista e pela psicologia estrutural. Os mesmos consideravam a psicologia

limitada, repleta de dados descritivos e insuficientes para estudar os fenômenos humanos e

que não dava conta de explicar os fenômenos psicológicos em sua totalidade. Vale apontar

que mudanças políticas e econômicas provocadas pela Revolução Russa de 1917,

influenciaram decisivamente as produções desse grupo (ASBAHR, 2005, 2011).

Nesse sentido, Tuleski (2009, p.35) aponta que as transformações que ocorreram na

Rússia, durante e após a Revolução de outubro de 1917, que tinham como intento a

construção de uma sociedade socialista, estão relacionadas com a primeira grande crise do

capital e seus efeitos, tais como o imperialismo expansionista e o movimento revolucionário

da classe operária. Por conseguinte, tais impactos corroboraram para as 1ª e 2ª Guerras

Mundiais e num “fortalecimento momentâneo dos Estados Nacionais de bem-estar social”.

Dessa forma, é nesse contexto de fim do século XIX, e anos iniciais do século XX que a

Rússia pode ser explicada:

2 Conforme Asbahr (2005) e Pasqualini (2006) tal denominação também pode aparecer na literatura como

Psicologia Sócio-Histórica, Pedagogia Histórico-Crítica, Psicologia Soviética, Psicologia Marxista ou Teoria da

Atividade. O mais importante é que independente dos nomes seja garantida a coerência filosófica e metodológica

com amparo da base marxista. Há que se destacar que nas leituras que realizei até o presente momento foi muito

comum o uso da terminologia Psicologia Histórico-Cultural. Contudo, mesmo diante desse movimento ter se

iniciado na Psicologia estarei considerando suas interfaces na esfera educacional também, contexto no qual o

termo Teoria Histórico-Cultural vem sendo utilizado. Vale apontar que Vigotski nunca deu tal nome a sua teoria,

e a única vez em que propôs um nome mencionou “Psicologia Instrumental”, o que não vingou, até porque no

processo histórico de sua produção o autor foi migrando da Psicologia para a Pedologia. Leontiev denominou a

teoria de “Sócio-Histórica (cultural, por oposição ao biológico)”. A principal revista russa dessa abordagem hoje

é Revista de Psicologia Histórico-Cultural. A “Teoria Histórico-Cultural” teria ainda, segundo alguns

comentaristas, um caráter datado e um conteúdo específico, de 1928 a 1931, e com a tese do entrelaçamento

dialético de duas linhas genéticas a biológica e a cultural (sob a mediação de instrumentos e signos) – não sendo

sinônimo de toda a obra de Vigotski, mas uma metonímia da parte pelo todo, já que em 1924 Vigotski ainda

assumia um modelo reflexológico. Em 1928 se escreveu o chamado “Manifesto da Teoria Histórico-Cultural” –

“O problema do desenvolvimento cultural da criança”, e após 1931 migrou para a Pedologia, tentando realizar

ali o que foi impedido de realizar na psicologia. 3 O nome de Vigotski aparece de diferentes formas nas transliterações do russo, mas optarei por este estilo de

escrita no corpo do trabalho, contudo as referências serão apresentadas como nos textos originais.

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[...] pelo anacronismo de suas instituições e classes sociais. O grito de ordem

Internacional Comunista, unir o operariado em um movimento comum, não deixou

de ser ouvido pelo incipiente e pouco organizado movimento operário russo dos

centros marcadamente industriais. No entanto, a necessidade de se buscar melhores

condições de existência era sentida com muita intensidade pela população

campesina que, liberta dos laços servis, era expropriada, de forma violenta pelos

latifundiários. Esta combinação de descontentamentos acabou por conduzir à

Revolução de 1917, sob a liderança do proletariado enquanto classe politicamente

organizada.

Interesses divergentes, portanto, estavam presentes na luta revolucionária: o

proletariado visando à socialização dos meios de produção e da propriedade privada;

o campesinato expropriado visando à propriedade privada ou pequena propriedade.

Este foi um dos fatores que imprimiu à implantação do comunismo no campo um

caráter tão agressivo (TULESKI, 2009, p.36).

Ainda de acordo Tuleski (2009, p.39) nos anos posteriores à Revolução Socialista, por

mais que a propriedade privada tenha sido abolida juridicamente, tal aspecto não culminou

com o desaparecimento das relações burguesas, pelo contrário, essas ainda se faziam

presentes. Essa contradição, “que imprimia ora características burguesas ora socialistas às

relações de produção, será o fio condutor para a análise da psicologia vigotskiana”. Nessa

perspectiva o autor defendia a necessidade de se partir de pressupostos advindos do Método

do Materialismo Histórico Dialético, que fossem capazes de explicar por contradições a

realidade, tendo em vista que é assim que ela se constitui.

Resgatar alguns dos elementos que compuseram a biografia de Vigotski é um passo

necessário para se descobrir o quão intensa foi sua produção intelectual, bem como o quão

atual essa leitura se faz frente aos problemas atuais e que envolvem o gênero humano em suas

interfaces. Lev Semionovich Vigotski nasceu em 05 de novembro de 1896 em Orsha (atual

Bielorússia), era o segundo filho de uma família de oito irmãos, e faleceu em 11 de junho de

1934, aos 37 anos de idade, em Moscou, vítima de tuberculose. Ao completar um ano de

idade Vigotski muda-se com sua família para Gomel, onde passou sua infância e juventude. A

família de Vigotski (judeus) era muito culta e dominava muitas línguas, sendo que sua mãe

por ser professora auxiliou em seu processo de educação, junto com alguns tutores, por vez,

seu pai era diretor em um banco. Todos esses aspectos culminaram para que Vigotski

recebesse uma educação tradicional, porém privilegiada, ao ter contato com coleções de

livros, obras clássicas, teatro e por dominar vários idiomas. (DEL RÍO & ALVAREZ, 2007).

Del Río e Alvarez (2007) ao analisarem o processo de formação de Vigotski destacam

que o mesmo tinha grande interesse pelas artes, literatura, poesia e teatro. E quando abandona

a escola secundária em 1913, inicia os estudos na área de medicina na Universidade de

Moscou, embora faça a mudança para o curso de direito posteriormente. Por ser pertencente a

uma família de judeus Vigotski fez opções universitárias que lhe permitiram viver fora da

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área de “Rayon” (área restrita pelo governo aos judeus). Em 1914, se matricula paralelamente

em Shanavsky para estudar áreas que lhe interessavam também, tais como história e filosofia,

todavia, não obteve o título outorgado.

Vigotski concluiu em 1916 a produção da obra “A tragédia de Hamlet”. Em dezembro

do ano seguinte retorna para Gomel, onde encontra uma situação muito difícil, tendo em vista

que seu irmão e mãe estavam doentes por causa da tuberculose, além do governo alemão ter

tomado a cidade o que dificultava encontrar postos de trabalho disponíveis. É válido destacar

que somente em 1919 o governo russo reestabelece o controle da área, foi quando Vigotski

passou a ensinar Literatura, Filosofia, Estética e Língua Russa em uma escola local, além de

Psicologia e Lógica em uma escola de magistério. Nesse período, ainda obteve um posto

oficial na Divisão de Artes e Educação Estética do Departamento de Educação de Gomel.

Assim sendo, foi até 1924 que Vigotski se dedicou ao ensino em vários institutos públicos,

sendo inclusive, considerado o melhor professor de Gomel. Foi em um desses institutos

(Pedagogicheskoi Uchilishche) que montou um laboratório de psicologia para que os

estudantes pudessem realizar investigações; por vez suas primeiras pesquisas nesse

laboratório foram sobre as reações emocionais suscitadas pela arte (DEL RÍO & ALVAREZ,

2007).

Em 1925 Vigotski escreveu Psicologia da Arte (2007) que apresentou como sua tese

de doutorado em Psicologia. Nessa obra, fica evidente sua busca por entender a consciência

humana em suas relações com a história e a cultura, bem como a preocupação com a arte em

tempos de Pós-Revolução.

Barroco (2009) destaca que no período da Revolução Russa todos os ramos da arte

foram sacudidos. Havia então, um período de efervescência cultural, pobreza e fome. Fica

evidente que nessa obra não estavam evidenciados ainda os principais conceitos que

fundamentariam a Teoria Histórico-Cultural. Contudo, já se punham em relevo as categorias

de totalidade e contradição, na busca pela análise dos processos em sua essência.

No ano de 1926 Vigotski (2003) produz a obra “Psicologia Pedagógica” como um

reflexo de sua preocupação com as discussões referentes à Psicologia e a Pedagogia. Contudo,

nessa obra ficam evidentes elementos contraditórios presentes na reflexologia e no

escolanovismo. Algo que o mesmo supera a partir de suas produções, no ano posterior, em “O

significado histórico da crise da Psicologia”, bem como nas produções dos diferentes Tomos

das “Obras Escogidas”. É essencial pontuar que mesmo diante dessas contradições presentes

na obra produzida em 1926, a mesma contemplava aspectos sobre a organização da educação

em classes sociais e o como essa era orientada a partir dos interesses da classe dominante.

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Conforme Facci (2009), ao fazer uma análise da obra “Psicologia Pedagógica” é

possível identificar apontamentos sobre a importância de se compreender a realidade,

enquanto totalidade histórica. A pesquisadora enfatiza ainda que decorrente dessa obra e da

leitura parcial de Vigotski há muitas tentativas neoliberais e pós-modernas em querer

aproximar Piaget à Vigotski, tendo em vista que na ocasião Vigotski mencionava o professor

como um organizador do ambiente social, algo que se faz muito presente na perspectiva do

construtivismo. Contudo, tais posicionamentos, ao serem fragmentados, não consideram os

postulados marxistas assumidos pelo autor, além da superação dos elementos do

escolanovismo, a partir de 1927 e a criação do conceito de zona de desenvolvimento próximo

(ZDP), por exemplo:

A influência do escolanovismo na teoria de Vigotski, aos poucos, vai sendo

superada, sobretudo com as pesquisas voltadas à formação dos conceitos científicos,

sobre as relações entre desenvolvimento e educação e, como consequência a

elaboração do conceito de zona de desenvolvimento próximo, por volta dos anos

1930, que tem valor direto para a dinâmica da evolução intelectual do aluno. É

possível afirmar que as mudanças ocorreram a partir do momento em que Vigotski

foi se debruçando sobre o objetivo de construir uma psicologia marxista fiel ao

método materialista-histórico que, inevitavelmente, entraria em contradição com a

visão espontaneísta e individualista em relação ao processo ensino-aprendizagem, tal

como ocorria na Escola Nova (FACCI, 2009, p.101).

Complementando tais informações, Asbahr (2005) e Carmo e Jimenez (2007)

ressaltam que Vigotski vai tentar resolver os problemas epistemológicos e filosóficos

presentes na Psicologia de até então, ao propor uma Psicologia de base marxista, na qual as

categorias presentes no Materialismo Histórico Dialético deveriam ser capazes de auxiliar

nesse processo.

Assim, ao me basear no Materialismo Histórico Dialético, acredito que tal base

epistemológica seja capaz de problematizar os temas do bullying escolar e da “resiliência em-

si” na investigação aqui posta, na tentativa em se produzir uma análise crítica sobre tais

constructos, além da proposição de elementos que visem à superação das circunstâncias

atuais, geradoras dos mesmos. Saviani (2000) aponta que por mais que haja muitas críticas ao

marxismo ou até mesmo a propagação de discursos falaciosos que tentam mostrar os limites

de tal corrente de estudos, tais argumentos não se sustentam. “Os problemas postos pelo

marxismo são os problemas fundamentais da sociedade capitalista e enquanto estes problemas

não forem resolvidos/superados não se pode falar que o marxismo terá sido superado”

(SAVIANI, 2000, p.10). Prossegue o autor ainda:

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Portanto, o que está em jogo não é manter a todo o custo uma fidelidade ao

marxismo ou uma subserviência às ideias de Marx. O que está em causa é verificar

em que medida as transformações políticas em curso neste início da década de

noventa do século 20 autorizam a conclusão de que Marx foi ultrapassado não

fazendo mais sentido tomá-lo como referência para o estudo dos problemas

contemporâneos (SAVIANI, 2000, p. 12).

Ou seja, por mais que a menção seja referente à década anterior, tal citação se faz atual

e necessária de ser contextualizada no presente.

Marx e Engels (1999), nos anos de 1845-1846 estabeleceram uma crítica filosófica aos

hegelianos, neo-hegelianos e a Ludwig Feuerbach, bem como ao idealismo de Hegel, Stirner e

Bauer. De acordo com os autores, o materialismo, até então, reconhecia o homem, mas não o

via como sujeito histórico e social. Assim, três pressupostos foram decisivos na configuração

do Materialismo Histórico Dialético e nos esclarecimentos da existência humana.

1º - Os homens só conseguem garantir a vida por meio do “ato histórico” num caráter de

processualidade, ou seja, é por meio da modificação e da transformação da natureza que os

homens conseguem satisfazer suas necessidades básicas e elementares. Os animais também

transformam a natureza para atender suas necessidades, e assim também se transformam

mesmo que quantitativamente, crescendo, ou reforçando seus hábitos inatos, todavia não

fazem isso de acordo com um projeto, ou orientação a um fim (caráter teleológico presente

em Marx (1983), na famosa comparação do homem com as aranhas e abelhas), fim esse ao

qual deve subordinar sua vontade.

2º - As necessidades biológicas e as ações para satisfazê-las por meio da produção de objetos/

instrumentos são capazes de conduzir os homens a produção de novas necessidades, por vez,

constituintes do 1º ato histórico.

Com base nos dois pressupostos destacados anteriormente, Vigotski (1995) pontua

sobre o método de investigação e o papel da atividade mediadora (emprego de ferramentas e

signos) nas operações psicológicas e propõe que:

Por meio da ferramenta o homem influência sobre o objeto de sua atividade, a

ferramenta está dirigida desde fora: deve provocar alterações no objeto. É o meio da

atividade exterior do homem, que o orienta a modificar a natureza. O signo não

modifica nada no objeto da operação psicológica: é o meio pelo qual o homem se

utiliza para influenciar psicologicamente, seja em sua própria conduta, seja na dos

demais; é um meio para sua atividade interna, destinada a dominar o próprio ser

humano: o signo está orientado para dentro. Ambas as atividades são tão distintas

que a natureza dos meios empregados não pode ser a mesma em ambos os casos

(VIGOTSKI, 1995, p.94, tradução minha)4.

4 Original: Por médio de la herramienta el hombre ínfluye sobre el objeto de su actividad la herramienta está

dirigida hacia fuera: debe provocar unos u otros cambios en el objeto. Es el medio de la actividad exterior del

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Tais aspectos culminaram para que Vigotski (1995) destacasse o nexo real entre as

atividades e o papel da filogênese e da ontogênese nesse processo. O domínio da natureza e da

conduta está reciprocamente relacionado, ao passo que ao transformar a natureza o homem

transforma à sua própria natureza. Nessa perspectiva, Vigotski pontua que ao se falar de

filogênese deve-se levar em consideração: o desenvolvimento do comportamento biológico e

o histórico, ou o natural e o cultural; por vez, na ontogênese, ambos os processos são

análogos, porém não paralelos. Esse foi o ponto de partida para que ele pudesse diferenciar as

duas linhas de desenvolvimento das crianças, que corresponde as duas linhas do

desenvolvimento filogenético da conduta. Aspectos que até então não se faziam presentes nas

análises dos investigadores da área de psicologia genética do início do século XX.

3º - Os homens vivem em grupos e por meio da procriação garantem a reprodução e

manutenção da espécie humana, e assim passam a estabelecer modos de produção por meio de

relações sociais.

De acordo com Vieira Pinto (1979), a perspectiva adotada por Marx e Engels aponta a

necessidade da passagem do procedimento formal de raciocínio para o dialético. Nessa

concepção o “fato” deve ser tratado para além do imediatismo. Daí que surge a necessidade

em se estudar a realidade em sua totalidade. A contradição, por sua vez, é um motor temporal,

ou seja, as contradições são inerentes à história humana, ou seja, a toda matéria, isto é, a tudo

que existe (DUARTE, 2000; MARX, 2006; MARX & ENGELS 1974; TANAMACHI &

VIOTTO FILHO, 2012; VIEIRA PINTO, 1979).

Duarte (2000) esclarece a partir de Marx, o porquê de alguns pesquisadores não

contemplarem os aspectos sociais e econômicos em seus estudos, o que pouco tem

acrescentado ao processo de compreensão do concreto em uma totalidade com múltiplas

determinações:

Essas considerações de Marx são da maior importância para as ciências humanas

nos dias de hoje se considerarmos que muitos pesquisadores rejeitam a perspectiva

da totalidade, limitando-se ao micro, ao caso isolado, ao particular transformado em

única instância real, sendo que por vezes isso é justificado como tentativa de dar

conta da riqueza do caso singular, riqueza essa que esses pesquisadores afirmam ser

perdida em todas as tentativas de visão totalizadora do real. Outras vezes esses

pesquisadores não chegam propriamente a negar a necessidade da compreensão do

todo, mas tal compreensão é postergada a estudos futuros que porventura venham a

ser desenvolvidos por alguém. É como se, de milhares de estudos microscópicos e

fragmentários, pudesse surgir, por um passe de mágica, uma visão articulada do

hombre, orientado a modificar la naturaleza. El signo no modifica nada en el objeto de la operación psicológica:

es el medio de que se vale el hombre para influir psicológicamente, bien en su propria conducta, bien en la de los

demás; es un medio para su actividade interior, dirigida a dominar el proprio ser humano: el signo está orientado

hacia dentro. Ambas actividades son tan diferentes que la naturaleza de los médios empleados no puede ser la

misma en los dos casos.

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todo. Se a visão do todo que dirige essas pesquisas do caso singular em si mesmo

são dirigidas pela representação caótica do todo, o fato é que elas não são capazes de

realizar aquilo a que se propõem, isto é, captar a riqueza do singular justamente

porque o singular só pode ser entendido em toda sua riqueza quando visto como

parte das relações que compõem o todo (DUARTE, 2000, p. 92).

Em Psicologia da Arte, por exemplo, Vigotski evidencia que tal visão articulada do

todo, não se dá exatamente por determinado estudo tratar de um número grande de sujeitos,

até mesmo porque aonde há apenas um único ser humano com suas emoções frente a uma

determinada reação estética, ali está um ser social. “Ingenuamente, geralmente entende-se o

social como o coletivo, como a existência de muitas pessoas. O social aparece também ali

onde há apenas um homem com as suas experiências pessoais” (VIGOTSKI, 2007, p.350

tradução minha)5.

Ressalta-se que enquanto os estudos sobre bullying escolar e “resiliência em-si”, com

raras exceções, continuarem centrados apenas na caracterização do fenômeno isoladamente,

de forma desarticulada dos problemas sociais, pouco ou nada contribuirão no desvelamento da

temática.

Conforme Marx e Engels (1974) é por meio da própria realidade que surge o

pensamento e não o contrário como era defendido por Hegel. Não é o pensamento que

determina o real, mas sim o real que determina o mesmo. Ou seja, qualquer atividade de

abstração humana: um pensamento, conceito, ideia tem sua origem determinada pela realidade

objetiva e concreta. Tais aspectos vão confirmar que a consciência humana é um produto

social. Vigotski em texto publicado em 1935, a via de um modo dialético: "Por certo que a

vida determina a consciência. Esta surge da vida e forma só um de seus momentos. Mas uma

vez nascido, o pensamento também determina a vida; ou mais exatamente, a vida pensante se

determina a si mesma através da consciência" (VIGOTSKI, 1997, p. 269).

Enfim, ao discutir processos de construção social da personalidade dos adolescentes

participantes desta pesquisa expostos ao bullying escolar, considerei sua realidade objetiva,

frente às apropriações e objetivações que aconteceram ao longo do seu processo de formação,

analisando as objetivações genéricas e próprias dos objetos culturais mais desenvolvidos, bem

como as que são oriundas da própria objetivação alienada que acontece na sociedade

capitalista. Defendo que na relação dialética entre esses aspectos, que ora funcionaram como

mecanismos mediadores de risco ora como mecanismos mediadores de proteção esses

indivíduos desenvolveram os processos de “resiliência em-si”, que os favoreceram a

5 Original: Ingenuamente, suele entenderse lo social como lo colectivo, como la existencia de muchas personas.

Lo social aparece también allí donde existe solamente un hombre y sus vivencias personales.

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enfrentarem e/ou lidarem com o bullying escolar. Todavia é importante ter claro que no atual

sistema, esses sujeitos não alcançam o pleno desenvolvimento da personalidade, até mesmo

porque eles se constituem a partir do contato com a realidade objetiva, incorporadas ou não as

possibilidades para uma atividade consciente. Todavia, quanto menores forem essas

possibilidades, mais fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana, o

que os impedem de ter uma relação consciente diante do gênero humano.

1.3 Teoria Histórico-Cultural e formação da personalidade humana

No intento de apresentar alguns dos elementos que a Teoria Histórico-Cultural aborda

em seus estudos e pesquisas e que podem ser úteis nos desdobramentos desta tese, detalharei

sobre: a questão das interações sociais e as implicações das condições objetivas de vida dos

indivíduos na construção da personalidade humana, a atividade como síntese entre

subjetividade e individualidade, bem como as influências do processo de alienação na

personalidade humana. Esses tópicos serão abordados em especial a partir das contribuições

de Leontiev e Lígia Martins. Posteriormente enfocarei sobre o papel da escola/trabalho do

professor no processo de mediação dos conhecimentos científicos, bem como as relações

entre aprendizagem e desenvolvimento, zona de desenvolvimento próximo e formação dos

processos psicológicos superiores, a partir das contribuições de Vigotski e seguidores. Tais

aspectos, em momento posterior serão úteis para defender o papel da escola na formação da

consciência crítica de seus estudantes, a fim de que os mesmos possam se emancipar frente às

relações sociais e desenvolverem plenamente sua personalidade na perspectiva da

individualidade para-si.

1.3.1 Interações sociais, condições objetivas de vida e sua influência na construção da

personalidade humana

Na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, Vigotski (1995) chama atenção para o

fato de que é impossível estudar e compreender a criança e o seu desenvolvimento, sem

considerá-la como pertencente a um meio social e cultural. Por conseguinte, é por meio da

fusão entre os planos de desenvolvimento natural e cultural que as crianças se desenvolvem.

Nesse processo, pode-se compreender que é na filogênese que o desenvolvimento do sistema

psíquico se inicia e posteriormente o mesmo vai sendo aperfeiçoado na ontogênese.

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A vida social, conforme Vigotski (1995) pode ser considerada como um processo

externo. E toda função psíquica foi externa por ter sido social, antes de ser internalizada. Ou

seja, toda função psíquica foi antes uma relação social entre os homens.

Podemos formular a lei genética geral do desenvolvimento cultural da seguinte

forma: toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas

vezes, em dois planos, a princípio entre os homens como categoria interpsíquica e

depois no interior da criança como categoria intrapsíquica. O texto refere-se por

igual à atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e ao

desenvolvimento da vontade. Temos pleno direito a considerar a tese exposta como

uma lei, porém o ritmo natural do externo ao interno modifica o processo,

transforma sua estrutura e funções. Por trás de todas as funções superiores e suas

relações se encontram geneticamente as relações sociais, as autênticas relações

humanas. Assim, um dos princípios básicos da nossa vontade é o princípio da

divisão de funções entre os homens, a redução em dois daquele que agora está

fundido em um, a divisão experimental do processo psíquico superior no drama que

vivem os seres humanos (VIGOTSKI, p.150, tradução minha)6.

A partir desses pressupostos, Leontiev (1978, p.262) esclarece que a dimensão humana

presente no homem advém de sua inserção social, a partir do contato com as produções e

significações de uma dada cultura, criadas pela humanidade. Nesse sentido, não se pode

perder de vista que o processo de hominização conduziu à vida a um modelo de organização

social que tem como base o trabalho, bem como “que esta passagem modificou sua natureza e

marcou o início de um desenvolvimento que, diferentemente do desenvolvimento dos

animais, estava e está submetido não as leis biológicas, mas as leis sócio-históricas”.

É válido apontar que na base da história humana foi se fazendo necessária uma

mudança nos processos de adaptação do homem a vida social, por meio da transformação

ativa de sua natureza. Assim, ao introduzir estímulos artificiais, por meio dos signos, em seu

processo de desenvolvimento, o homem, passou a conferir significado a sua conduta e a

promover novas conexões ao cérebro (VIGOTSKI, 1995). Segundo o autor,

[...] contribui na explicação a possibilidade de que tenha se formado um novo

princípio regulador da conduta e da vida social na interação dos seres humanos. No

processo da vida social, o homem criou e desenvolveu sistemas complexos de

relação psicológica, sem os quais seria impossível a atividade laboral e toda a vida

social. Os meios da conexão psicológica são por função e natureza, signos, ou seja,

6 Original: Podemos formular la ley genética general del desarrollo cultural del siguiente modo: toda función en

el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces, en dos planos; primero en el plano social y después

en el psicológico, al principio entre los hombres como categoría interpsíquica y luego en el interior del niño

como categoría intrapsíquica. Lo dicho se refiere por igual a la atención voluntaria, a la memória lógica, a la

formación de conceptos y al desarrollo de la voluntad. Tenemos pleno derecho a considerar la tesis expuesta

como una ley, pero el paso, naturalmente, de lo externo a lo interno, modifica el proceso, transforma su

estructura y funciones. Detrás de todas las funciones superiores y sus relaciones se encuentran genéticamente las

relaciones sociales, las auténticas relacionas humanas. De aquí, uno de los principios básicos de nuestra voluntad

es el principio de la división de funciones entre los hombres, la partición en dos de aquello que ahora está

fusionado en uno, el despliegue experimental del proceso psíquico superior en aquel drama que viven los seres

humanos.

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estímulos artificialmente criados, destinados a influenciar na conduta e na formação

de novas conexões condicionadas ao cérebro humano (VIGOTSKI, 1995, p.85,

tradução minha) 7.

Nesse sentido, nessa tese ao focar nas questões que remetem a formação da

personalidade humana, estarei me baseando, em especial, nas contribuições de Leontiev

(1978, 1983, 1989) e Martins (2001, 2004, 2011). Esses estudiosos, assentados nos princípios

do Método Materialista Histórico Dialético vão defender que é impossível estudar a formação

da personalidade humana, caso não se considere que a mesma só se constrói a partir das

interações sociais objetivas, presentes na vida de cada indivíduo. As condições objetivas de

vida são relações e atividades sociais, apropriações culturais que engendram a construção dos

pensamentos, sentimentos, consciência e da própria personalidade. Vale apontar que esse não

é um processo linear, mas contraditório, submetido ao desenvolvimento da história

(LEONTIEV, 1983, 1989).

O próprio Vigotski (1995) que em vida não teve muito tempo para discutir sobre a

constituição da personalidade humana, em função de sua morte prematura, pontuava que em

seu processo de formação, a personalidade da criança, se constrói na medida em que o

desenvolvimento orgânico dentro de um meio cultural se torna um processo biológico,

historicamente condicionado. Ou seja, a história do desenvolvimento cultural da criança nos

conduz a história do desenvolvimento da personalidade. Dessa forma, é importante ressaltar

que nos constituímos através dos outros. E, as funções psíquicas superiores ao serem relações

de ordem social, interiorizadas, passam a ser percebidas como o alicerce da estrutura social da

personalidade. Nessa perspectiva é incabível dar crédito aos discursos inatistas, que

visibilizam a estrutura genética da pessoa como responsável por suas ações e condutas.

Ao buscar explicações para o processo de construção da personalidade, faz-se

necessário, num primeiro momento abordar alguns aspectos referentes ao surgimento da

consciência no homem. Até mesmo porque os seres humanos, ao desenvolvem sua produção e

comunicação material, como destacado anteriormente, transformaram a natureza e o seu

pensamento, bem como os produtos de seu pensamento. Desta forma, Leontiev (1983) vai

deixar explícito que o pensamento e a consciência são determinados pela vida real, por

intermédio das relações objetivas.

7 Original: [...] contribuye a explicar la posibilidad de que se forme un nuevo principio regulador de la conducta

es la vida social y la interacción de los seres humanos. En el proceso de la vida social, el hombre creó y

desarrolló sistemas complejésimos de relación psicológica, sin los cuales serían imposibles la actividad laboral y

toda la vida social. Los medios de la conexión psicológicas son, por su propria naturaleza función, signos, es

decir, estímulos artificialmente creados, destinados a influir en la conducta y a formar nuevas conexiones

condicionadas en el cerebro humano.

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Leontiev (1983) questionava as abordagens que conceituavam a consciência como

independente das relações sociais. A psicologia, até o início do século XX, conhecia apenas

indivíduos abstratos, dotados de forças espirituais, ou que se enquadravam em posições

inatistas e metafísicas. É por meio do Materialismo Histórico Dialético que se abre as

possibilidades para superar tais visões e trazer outra leitura à psicologia da consciência. A

consciência passa a ser entendida como uma forma qualitativamente específica da psique

humana, sendo que o seu surgimento se deu no homem, a partir do estabelecimento do

trabalho e das relações sociais. A consciência nessa perspectiva passou a ser vista como um

produto social.

Decorrente dessas ponderações, Leontiev (1983) destaca que se torna impossível

compreender a consciência destoante das relações sociais, que se fazem presentes entre os

participantes do trabalho laboral ou na comunicação que entre si produz linguagem, que serve

ainda para denominar os objetos, os meios e o próprio processo de trabalho. Todavia, é

importante deixar claro que a consciência não é engendrada pela língua. Por trás das palavras

se esconde a prática social, transformada e cristalizada em sua atividade, cujo processo abre

ao homem a realidade objetiva.

Ao reconhecer a importância de Marx e Engels na criação do método geral de

investigação histórica da consciência, bem como no processo de transformação que vem

sofrendo a consciência humana ao longo do desenvolvimento da sociedade, Leontiev (1983)

destaca ainda que os referidos autores são muito importantes e atuais, ao auxiliarem na

compreensão de que as transformações sofridas pela consciência são decorrentes das

condições de desenvolvimento da divisão social do trabalho. A expropriação econômica

gerada pela iniciativa privada conduz a alienação, a desintegração da consciência das pessoas.

A partir das contribuições de Leontiev e Séve, Martins (2004) pondera que os aportes

opostos ao Materialismo Histórico Dialético não foram suficientes para romper com

concepções idealistas, que são tomadas por significados abstratos e psicologizantes nos

estudos da personalidade humana. Pessoa e personalidade são assim, vistos como unidade e

atributo de um ser particular que extrapola a realidade objetiva (dicotomia em relação ao

mundo). A personalidade vista por esse prisma, concerne à ideia de que ela se faz existente

dentro do indivíduo desde o seu nascimento, ao funcionar como um sistema organizador que

conduz suas estruturas psicológicas.

Em sua tese doutoral, Martins (2004, p.33) destaca que “pela via do humanismo

abstrato, ou do (anti) humanismo da alienação”, as teorias produzidas ao discutirem

personalidade em suas relações com o mundo, apresentam tais conceitos, de tal modo, que são

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tidos como estruturas naturais. “A sociedade aparece enquanto o meio ao qual a personalidade

deve adaptar-se por força das circunstâncias, e a personalidade enquanto epifenômeno da

existência social dos homens”.

Leontiev (1978) ao se contrapor as concepções idealistas e psicologizantes, irá

entender o desenvolvimento do homem, a partir da interação dialética entre condições

biológicas e sociais. O indivíduo isolado, tido apenas como estrutura biológica, não existe

como homem, fora do convívio social. É por meio da apropriação da atividade humana que

este processo poderá ser realizado (LEONTIEV, 1983).

Martins (2004) complementa que:

Essas condições representam as bases a partir das quais, ao longo de uma histórica

evolução, desenvolve-se, por meio da atividade, o psiquismo humano. A atividade

humana, que por sua natureza é consciente, determinada nas diversas formas de sua

manifestação a formação de capacidades, motivos, finalidades, sentidos, sentimentos

etc., enfim engendra um conjunto de processos pelos quais o indivíduo adquire

existência psicológica. O estudo desses processos psíquicos nos leva

necessariamente ao plano da pessoa, do homem como indivíduo social real: que faz,

pensa e sente, e é neste plano que nos deparamos com a personalidade (MARTINS,

2004, p.84).

É importante frisar que ao destacar o desenvolvimento da personalidade humana como

resultado da atividade subjetiva, condicionada por condições objetivas, não estou

minimizando a personalidade da dimensão subjetiva frente ao gênero humano.

Duarte (1999) aponta que o conceito de “gênero humano”, abrange a ideia de que, o

processo de formação de um indivíduo deve ser visibilizado a partir dos seguintes aspectos: 1)

A categoria do gênero humano, enquanto uma categoria histórica, que se opõe a categoria

espécie humana (categoria biológica); 2) No processo de formação do indivíduo, o mesmo

está inserido em um conjunto de relações sociais; 3) A objetividade do gênero humano

perpassa dois níveis, ou seja, o das objetivações genéricas-em-si para o das objetivações

genéricas para-si; ou seja, no último nível o indivíduo passa a ter consciência sobre o seu

papel no processo de objetivação da generecidade humana.

Assim, Duarte (1999) vai esclarecer que, embora a generecidade do indivíduo seja

sempre mediada pela sua socialidade concreta, não necessariamente conduza o processo de

formação do indivíduo, enquanto um ser genérico para-si. Outro aspecto a esclarecer é que a

elevação do indivíduo ao patamar da generecidade para-si, não significa o abandono de sua

singularidade. O que acontece é que o mesmo vai se percebendo como sujeito histórico, e

parte do processo de construção da história da humanidade e, por conseguinte, se tornando

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sujeito da construção de sua individualidade. A fim de evitar distorções nos conceitos do ser-

em-si e do ser-para-si, o autor esclarece que:

As categorias de em-si e para-si são tendenciais no sentido de que expressam

tendências e não estados puros. Por exemplo, o processo histórico de formação das

objetivações genéricas para-si significa uma tendência no processo de objetivação

do gênero humano, isto é, a tendência no sentido de que os homens se objetivem

conscientemente enquanto gênero, enquanto Humanidade. [...] a categoria de

indivíduo para-si, que também expressa uma tendência, neste caso, uma tendência

do processo de formação do indivíduo, no sentido de uma relação cada vez mais

consciente com a sua individualidade enquanto síntese das condições particulares de

sua existência e da sua condição de um ser genérico, um ser pertencente ao gênero

humano.

Não existe nenhuma sociedade que não possua a esfera das objetivações genéricas

em-si, a esfera da generecidade em-si. No caso da esfera das objetivações genéricas

para-si, da generecidade para-si, esta começa a se constituir somente a partir de certo

nível de desenvolvimento histórico-social. (DUARTE, 1999, p.135-136).

Concernente a essas ideias, ao entender a personalidade humana como resultado das

relações sociais vivenciadas/experienciadas, ou seja, como síntese da humanidade/totalidade

histórico-social, o homem passa a ser compreendido como essencialmente construído e

definido por intermédio de suas relações com os outros e com o mundo (MARTINS, 2001,

2004). A autora complementa que:

A construção do indivíduo pressupõe que durante sua vida ele vá apropriando-se das

objetivações, garantindo sua própria objetivação como pessoa. Temos então que a

personalidade representa uma objetivação da individualidade, o estilo pessoal que

lhe configura e, como tal revela-se a continuidade da mudança permanente do

processo de individualização. Estruturar essa continuidade, esta coerência interna,

significa estruturar a personalidade, que para cada indivíduo se realiza segundo as

condições concretas de sua vida aliadas às suas possibilidades para uma atividade

consciente. Quanto menores forem essas possibilidades mais gerais e uniformes

serão seus resultados, pois o que deveria ser continuidade e coerência internas se

convertem em continuidade e coerência para com as influências externas. Apenas

pela atividade e consciência a individualidade poderá destacar-se (superação da

individualidade em-si em direção à individualidade para-si) e a estrutura da

personalidade singularizar-se. Seu significado, portanto, é histórico, advindo das

funções e realizações do indivíduo em sua vida concreta, ou seja, a personalidade é

uma formação psicológica que vai se constituindo como resultado das

transformações da atividade que engendra as relações vitais do indivíduo com o

meio (MARTINS, 2004, p.86).

Diante dos elementos acima apresentados, torna-se fundamental expor como a

categoria da atividade atua em nível psicológico. “Com toda sua peculiaridade, a atividade do

indivíduo humano constitui um sistema compreendido no conjunto de relações da sociedade.

Fora dessas relações, a atividade humana não existe” (LEONTIEV, 1983, p.67, tradução

minha)8. Assim, cada pessoa tem contato com atividades distintas, de acordo com o lugar que

8 Original: [...] la actividad del individuo humano constituye un sistema comprendido en el sistema de relaciones

en la sociedad. Fuera de estas relaciones, la actividad humana no existe.

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ocupa na sociedade ou das condições que tem acesso. Tais pressupostos reforçam a ideia de

que a subjetividade de cada pessoa se forma em condições sociais.

Para Leontiev (1983) o objeto da atividade se manifesta de duas formas, primeiro, no

plano de sua existência individual, ao estar subordinada a si mesmo e, por conseguinte,

transformar a atividade do sujeito; e posteriormente, como imagem do objeto e como produto

do reflexo psíquico de sua propriedade, que realiza como resultado da atividade do indivíduo

e que não pode se efetivar de outra maneira.

Como já destacado, o homem deve ser entendido como um ser social que nasce com

necessidades biológicas, e que estas serão satisfeitas, apenas pela mediação de outros

indivíduos. Os seres humanos, a partir de suas atividades constroem cada vez mais relações

no mundo. Por conseguinte, cada indivíduo irá realizar suas atividades conforme os motivos

sociais que satisfarão tais necessidades. Nessa dinâmica, o homem se adapta a natureza e a

modifica em função do desenvolvimento de suas necessidades. Vale apontar que as

necessidades humanas, diferentemente dos animais surgiram com o desenvolvimento da

produção; e na perspectiva marxista ao relacionar necessidades com a categoria da atividade,

tem-se o seguinte esquema: atividade-necessidade-atividade. Tal esquema tem um sentido

materialista-histórico e serve para justificar o porquê das necessidades não determinarem a

atividade. Assim, as necessidades podem até ser determinantes de uma atividade concreta,

apenas por seu conteúdo objetal, todavia esse conteúdo não está dado diretamente nelas, por

conseguinte, não podem ser extraídos delas (LEONTIEV, 1983).

O homem cria os objetos para satisfazer as necessidades; além dos meios de produção

desses objetos, dos instrumentos e máquinas mais complexas. Cada geração começa sua vida

num mundo de objetos precedidos e criados pelas gerações anteriores. “Cada indivíduo

aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em

sociedade. É preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da

sociedade humana” (LEONTIEV, 1978, p.267).

Vale apontar, conforme Martins (2004, p.87) que as necessidades dos indivíduos só se

converterão em motivo, quando os mesmos descobrirem que suas necessidades não estão

dadas nos objetos que os mesmos têm contato por intermédio das relações sociais. O resultado

desse processo de descoberta “é que a necessidade vai adquirir sua objetividade e o objeto que

é representado por esse processo de descoberta adquire a função estimuladora e orientadora da

atividade, quer dizer, converte-se em motivo”. Assim, se as necessidades se transformam por

intermédio dos objetos durante o seu contato/uso, reforça-se que elas são produzidas

culturalmente, o que lhes confere um caráter histórico-cultural.

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Ainda de acordo com Leontiev (1983) e Martins (2004), a atividade irá se sustentar a

partir de motivos; os motivos serão orientados por intermédio de ações. As ações entendidas

como componentes da atividade, estarão expressas no objetivo final a ser obtido pela

atividade. Desde modo a atividade não pode existir sem um motivo. Todavia, os resultados

imediatos, não necessariamente irão coincidir com o motivo da atividade.

Isso possibilita a inexistência de coincidência entre o fim específico da ação e o

resultado final da atividade. Falamos, portanto de ação quando o motivo que a

subordina não é dado nela mesma, mas na atividade da qual ela é parte integrante.

Em contrapartida, assim como as atividades não podem ser analisadas em separado

das ações, estas também não o podem ser em separado das operações. Por operações

temos os processos operacionais da ação que são condicionados pelas condições

objetivas postas ao indivíduo como possibilidades reais de sua atividade,

representando as maneiras de se realizar uma ação em condições específicas

(MARTINS, 2004, p.87-88).

De acordo com Martins (2004), para que o homem possa entender as conexões entre o

motivo da atividade e as relações entre as ações, de acordo com seus fins específicos se faz

imprescindível que as conexões sejam firmadas, por intermédio da ação concreta do homem,

em sua “cabeça”, ou seja, por meio de ideias internalizadas em sua consciência. Somente

nessa dinâmica é que o homem terá condições de atribuir significados e chegar ao sentido de

suas ações. Consciência e atividade têm que ser percebidas como uma unidade dialética, até

mesmo porque a consciência não pode ser identificada exclusivamente com os aspectos

internos, mas sim como ato psíquico experienciado pelo indivíduo, e concomitantemente,

expressão de suas relações com os outros homens e com o mundo.

Nesse sentido, Leontiev (1983, p.85) evidencia que as ações realizadas na atividade

são estimuladas por seus motivos, porém estão dirigidas a um objetivo. É importante

demarcar que as ações não são elementos “separados”, elas são incorporadas à atividade.

Outro aspecto a destacar é que a atividade humana não pode existir de outra maneira, senão

em forma de ações ou grupo de ações.

Uma mesma ação pode ser parte de distintas atividades, pode passar de uma

atividade a outra, revelando com ela sua própria independência relativa. Utilizemos

[...] o recurso de uma ilustração simplificada, digamos que nosso objetivo seja

chegar ao ponto N e que para ele nossa ação pode ter os mais diversos motivos;

neste caso podemos realizar consequentemente as mais diversas atividades. A

recíproca, evidentemente, também é correta: um mesmo motivo pode concentrar-se

em distintos objetivos e, por conseguinte, gerar distintas ações (LEONTIEV, 1983,

p.85, tradução minha)9.

9 Original: Una misma acción puede formar parte de distintas actividades, puede pasar de una actividad a outra,

revelando con ello su propria independência relativa. Utilicemos [...] el recurso de una ilustración simplificada:

digamos que nuestro objetivo sea llegar al punto N y que para ello nuestra acción puede tener los más diversos

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Sobre os objetivos, o autor aponta que eles estão dados dentro das circunstâncias

objetivas. Há que se destacar ainda que o processo de formação de um objetivo consiste de

sua efetivação, frente às condições necessárias para seu êxito. Portanto, toda ação realizada

por um indivíduo corresponde a uma tarefa, ou seja, um objetivo, dado sob condições

determinadas.

Leontiev (1983) pontua que as formas de realização da ação devem ser denominadas

de operações. Todavia faz-se necessário diferenciar ações X operações. As ações se

correlacionam com os objetivos, sendo que a origem da ação está nas relações de intercâmbio

de atividades. Por vez, as operações se correlacionam com as condições, sendo então, toda

operação o resultado de uma transformação da ação, originada como resultado de sua inserção

dentro de outra ação. Fazendo uma síntese de todo o processo presente na atividade, mediada

pelo reflexo psíquico, o referido autor aponta que:

E assim, do fluxo geral da atividade que forma a vida humana em suas

manifestações superiores mediadas pelo reflexo psíquico, se desprende o primeiro

termo, distintas – especiais – atividades conforme o motivo que as impele; depois se

desprendem as ações – processos – subordinadas a objetivos conscientes; e

finalmente, as operações que dependem diretamente das condições para o êxito do

objetivo concreto dado (LEONTIEV, 1983, p.89, tradução minha)10

.

Há que se postular que ao entender o processo presente na atividade, torna-se

imperioso dar visibilidade também as suas reações sistêmicas internas. Os mecanismos

criados filogeneticamente constituem pressupostos dados da atividade e do reflexo psíquico.

Leontiev (1983) sempre fez questão de ressaltar que os sistemas fisiológicos das funções

realizam as operações perceptuais, motoras dentre outras. Porém, as operações não podem ser

reduzidas aos sistemas fisiológicos. As operações sempre estão subordinadas a relações

extracerebrais. Ou seja, o problema a ser investigado deve contemplar o percurso das relações

extracerebrais a intracerebrais.

Diante dessas suposições, apresentarei alguns elementos da estrutura motivacional da

personalidade: reações emocionais e sentimentos. Tais elementos são necessários de serem

entendidos, ao passo que são constitutivos da estrutura motivacional da personalidade dos

participantes da pesquisa, e serão úteis na análise dos dados, sobretudo no estudo biográfico

motivos; en este caso podemos realizar consecuentemente las más diversas actividades. La recíproca,

evidentemente, es también cierta: que un mismo motivo puede concretarse en distintos objetivos y, por

conseguiente, generar distintas acciones. 10

Original: Y así, del flujo de la actividad que forma la vida humana en sus manifestaciones superiores mediadas

por el reflejo psíquico, se desprenden en primer término, distintas – especiales – actividades según el motivo que

las impela; después se desprenden las acciones – procesos – subordinados a objetivos conscientes; y finalmente,

las operaciones que dependen directamente de las condiciones para el logro del objetivo concreto dado.

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de um dos participantes da pesquisa. No estudo biográfico, será possível visualizar o como a

estrutura motivacional da personalidade desse adolescente, vem se estabelecendo frente aos

conceitos de emoções e sentimentos, que são sempre sociais e históricos.

Leontiev (1983) e Martins (2001, 2004) clarificam que as emoções desempenham o

papel de sinais internos, elas são o resultado das relações entre necessidades, motivos e

possibilidades de concretização das atividades. A reação emocional é originária daquilo que

acena positiva ou negativamente à satisfação dos motivos de um determinado indivíduo.

Assim sendo, as emoções surgem por intermédio da atividade cerebral, conforme as

transformações registradas na internalização das relações extracerebrais às intracerebrais,

diante da satisfação de necessidades orgânicas, assim como de reações relativas a sensações e

percepções.

Martins (2004, p.90) salienta que é dentro de um contexto cultural, que as atitudes

emocionais e afetos vão adquirir o caráter de sentimento. Os sentimentos, ao serem

característicos do gênero humano, têm natureza histórico-social, “originando-se de

necessidades e vivências culturais e organizando-se em função das condições sociais de vida e

das atitudes do homem perante suas experiências. Embora possuam uma dimensão individual,

por sua natureza são sempre sociais e históricos”.

Tendo em vista a unidade entre os aspectos motivacionais e emocionais da atividade,

Leontiev (1983) diferencia motivos geradores de sentido e motivos-estímulo. Os motivos

geradores de sentido são aqueles que estimulam a atividade, conferindo-lhe sentido pessoal;

estando ligados ao “porquê” e “para que” da atividade, nesse sentido expressam um objetivo a

se atingir (dimensão teleológica). Por vez, aqueles que são tidos como motivos-estímulo, em

coexistência com os primeiros, estimulam positiva ou negativamente a atividade.

Sobre as relações estabelecidas entre esses dois tipos de motivos, Martins (2004)

chama atenção para o fato de que:

As relações hierárquicas estabelecidas entre motivos geradores de sentido e os

motivos-estímulo são, por sua vez, estabelecidas pela atividade da pessoa, de tal

forma que numa atividade certo motivo pode cumprir a função de gerar sentido e em

outra, a função de estimulação complementar e vice-versa. Dessa forma, a estrutura

motivacional da personalidade apenas pode ser desvelada na análise de todo o

sistema de atividades, pelo qual ambas, estrutura motivacional e personalidade,

formam-se (MARTINS, 2004, p.91)

Diante dos autores aqui apresentados, tentei mostrar o processo de construção da

personalidade humana. Todavia, há que se destacar um entrave nesse processo, pois há

atividades cujos motivos se encontram ocultos para o homem, tendo em vista que a existência

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de motivos e a consciência são fenômenos distintos. Assim, discutirei no próximo subitem, a

respeito do desenvolvimento da personalidade frente ao problema social da alienação.

1.1.2 Impactos da alienação no processo de desenvolvimento da personalidade

Ao refletir sobre o processo de construção da personalidade, Martins (2001, 2004,

2011) aponta alguns princípios que se fazem necessários de serem compreendidos. O primeiro

princípio refere-se à qualidade dos vínculos de um indivíduo com o mundo. Esses vínculos se

articulam as condições objetivas presentes na vida de uma pessoa, e ocorrem em dada família,

em dada classe social, localidade, época histórica etc. A partir desses vínculos o indivíduo vai

construindo suas estruturas motivacionais e emocionais que sustentam a sua formação

enquanto personalidade. A autora chama atenção para o fato de que ao analisar a qualidade

desses vínculos não se pode considerar apenas a dimensão quantitativa, é importante

considerar também a dimensão qualitativa, ou seja, o conteúdo das relações objetivas e sociais

que esses vínculos representam, pois esses conteúdos são condicionados pelo patrimônio de

apropriações que é posto à disposição da pessoa. “Portanto, a qualidade desses vínculos se

encontra na dependência das atividades que sustentam o processo de personalização, na base

das quais os significados sociais e o sentido pessoal encontram alguma unidade ou se alienam,

empobrecendo a existência dos indivíduos” (MARTINS, 2004, p.94).

Esse princípio me levou a pensar na importância que as redes mediadoras de apoio e

proteção (relações interpessoais, familiares ou de diferentes segmentos sociais) vêm

desempenhando na vida dos participantes desta pesquisa ou expostos ao bullying escolar. Ao

passo que esse tipo de redes mediadoras de apoio e proteção possui papel significativo na

ajuda e no fortalecimento da autoestima, bem como na construção da personalidade daqueles

que foram/são vitimizados por situações de bullying e que conseguiram/conseguem superá-

las. Todavia, não posso perder de vista que numa sociedade baseada no sistema de

organização capitalista, há uma contradição expressa, pois mesmo que esses estudantes se

posicionem ou enfrentem às situações vividas em sociedade, o que os torna “resilientes em-si”

frente a essas adversidades (exemplo, o bullying escolar), caso essa concepção de resiliência

seja vista pelo prisma da adaptabilidade ao contexto social “resiliência em-si”, esses

indivíduos estarão impedidos de se emanciparem frente às relações sociais. Tais aspectos

serão melhor detalhados nos próximos capítulos da tese.

O segundo princípio refere-se à organização da hierarquização das atividades com

relação aos motivos. É pelo intermédio das atividades, que os motivos se organizam

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dinamicamente e assim vão funcionando como linhas motivacionais orientadoras dos vínculos

com o mundo. Tais linhas motivacionais em relação às atividades é que possibilitam ao

indivíduo colocar-se, por meio da consciência, perante seus próprios motivos, e, por

conseguinte, estabelecer um rumo para sua vida. Entretanto, a “desarticulação entre atividades

e motivos ou a inexistência desta unidade na personalidade cria as condições internas para que

o homem viva fragmentariamente, em consonância com motivos-estímulo em detrimento dos

motivos vitais” (MARTINS, 2004, p.94).

Na busca por uma maior compreensão sobre a origem da consciência, Leontiev (1983)

destaca a importância de se entender a consciência individual (reflexo subjetivo da realidade

objetiva), como produto das relações e mediações presentes no percurso da sociedade. O autor

salienta que é impossível conceber um psiquismo individual na forma de reflexo consciente

fora do sistema dessas relações.

Assim, Leontiev (1983) traz a tona que as relações e condições destacadas

anteriormente, que favorecem o surgimento da consciência humana, caracterizam-na apenas

em etapas iniciais do desenvolvimento humano. Posteriormente, diante do processo de

relações instauradas pela produção material e comunicação humana, a consciência humana se

liberta da relação imediata com a atividade laboral prática e sofre uma série de

transformações.

Primeiramente, a consciência se apresenta em forma de imagem psíquica que abre

ante ao sujeito o mundo que o rodeia, a atividade é aqui de caráter prático, externo.

Em uma etapa mais tardia a atividade chega a ser também objeto da consciência: se

toma consciência das ações e das demais pessoas e através delas, das próprias ações

do sujeito. Agora as ações são vias de comunicação, significam as intenções do

sujeito mediante gestos ou linguagem oral. Isto também constitui uma premissa para

o surgimento das operações e ações internas, que se originam na mente, no “plano

da consciência”. A consciência-imagem se transforma em consciência-atividade. É

precisamente em sua plenitude, aonde a consciência aparentemente se emancipa da

atividade prática sensorial e mais do que isso, parece conduzi-la (LEONTIEV, 1983,

p.108).

Outra mudança que ocorre na consciência humana advém da influência da estrutura de

classes da sociedade capitalista. Nesse modelo de sociedade as pessoas se encontram em

relações opostas aos meios de produção e ao produto social. Ou seja, na maioria dos casos, o

que os homens produzem será de uso e proveito de uma minoria da população. Similarmente

a esse processo, a consciência humana também passa a ser influenciada por tais

desigualdades. Assim, vão sendo estabelecidos critérios ideológicos (religiosos, filosóficos,

políticos, dentre outros) que vão sendo internalizados ao processo de conscientização pelos

indivíduos concretos. As significações humanas vão se subordinando as leis histórico-sociais.

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Embora o indivíduo seja ante tudo, uma formação genotípica, sua formação continuará

ocorrendo no plano ontogenético (LEONTIEV, 1983).

E assim, o conceito de indivíduo está baseado na indivisibilidade, integridade do

sujeito e na presença de particularidades a ele inerentes. Sendo um produto do

desenvolvimento filogenético e ontogenético ante determinadas condições externas,

o indivíduo não é, porém uma mera “cópia” de ditas condições, mas precisamente, o

produto do desenvolvimento vital, das interações com o meio; não se constitui assim

um produto somente do meio (LEONTIEV, 2004, p.143, tradução minha).11

A personalidade entendida por esse prisma tende a ser vista como um produto da

interação dialética entre os fatores filogenéticos e ontogenéticos. Porém, faz-se necessário

esclarecer que ninguém nasce com uma personalidade, ela é decorrente do percurso da vida de

um indivíduo (LEONTIEV, 1983; MARTINS, 2001, 2004, 2011).

Diante dessas afirmações, Martins (2001) pondera que no sistema capitalista, os

processos de apropriação e objetivação da atividade produtiva apresentam caráter

contraditório. Nessa conjuntura, as objetivações humanas produzidas historicamente

(produção material, linguagem, ciência, artes etc.) que oferecem possibilidades para a

humanização do gênero humano, não são apropriadas por todos os seres humanos, até mesmo

porque essa mesma sociedade produz também a alienação nos indivíduos.

“O gênero humano se expressa enquanto construção histórica, enquanto resultado da

história social, posta sob a forma de objetivações genéricas”. Nascer e viver em sociedade

não garante que o homem se firme como um ser genérico; quando não há uma relação

consciente com as objetivações humanas, sua personalidade permanece ao nível da

individualidade em-si. Contudo, para além das objetivações genéricas em-si, há as

objetivações genéricas para-si, essas por sua vez, pressupõem o homem enquanto ser livre e

universal (MARTINS, 2001, p.81).

No capítulo de análise dos dados, apresentarei com mais detalhes o processo de

apropriação presente na vida dos participantes da pesquisa, e o como esse processo não difere

dos elementos destacados anteriormente. Trarei ainda alguns posicionamentos deles, a fim de

elucidar o quanto alguns espaços nos quais participam ou frequentam vêm ajustando-os e

favorecendo um sentido pessoal, que concerne com a manutenção das relações sociais e com a

parcialidade da consciência humana.

11

Original: Y asi, el concepto de individuo se basa en el hecho de la indivisibilidad, integridad del sujeto y en la

presencia de particularidades a él inherentes. Siendo un producto del desarrollo filogenético y ontogenético ante

determinadas condiciones externas, el individuo no constituye sin embargo una mera "copia" de dichas

condiciones, sino precisamente, el producto del desarrollo vital, de las interacciones con el medio; y tampoco

constituye un producto solamente del medio como tal.

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Tais aspectos correlacionam-se com o terceiro princípio, apresentado por Martins

(2004), ou seja, sobre o grau de subordinação de organização da consciência sobre si e da

autoconsciência. É importante frisar que a tomada de consciência dos motivos, em forma de

conceitos, de ideias, não opera por si mesma, mas sim no controle exercido pela consciência

sobre as atividades que colocam o indivíduo em relação com suas condições objetivas de vida.

Ou seja, espera-se que o homem possa refletir a partir dos conceitos e significados que vai se

apropriando, objetivando-os para além dos limites de sua existência individual.

Martins (2001, p.62) pondera que a atividade objetivadora social e consciente,

somente será alcançada cada vez mais de maneira universal e livre, por intermédio da

superação das relações determinadas pelo processo de alienação. A consciência então deve ser

percebida enquanto um conjunto de conhecimentos que vai sendo formado no homem, por

intermédio da apreensão da realidade; deve ser identificada como “ato psíquico experienciado

pelo indivíduo e ao mesmo tempo expressão de suas relações com os outros homens e com o

mundo”.

Ainda conforme Leontiev (1983) e Martins (2001; 2004), em condições de alienação,

os indivíduos não são protagonistas do desenvolvimento de suas capacidades individuais.

Assim, a personalidade, por não se manifestar efetivamente em função de suas propriedades,

necessidades e aspirações, não pode se manifestar como livre. Um elemento essencial a ser

destacado é que o empobrecimento da individualidade humana em condições de alienação

envolve tanto o trabalho social, quanto o âmbito da vida pessoal, tendo em vista que as

relações políticas e econômicas subordinam a si o desenvolvimento do psiquismo. A

alienação dentro do sistema capitalista revela-se como um problema de grau, e será maior ou

menor, dependendo do quanto o indivíduo puder entender sua existência para além da

particularidade, superando-a em direção à condição genérico-humana.

Como destacado na tese deste trabalho, tais aspectos revelam mais uma vez a

importância da educação escolar no processo de tomada de consciência, ao ser vista como um

importante espaço contra-hegemônico de formação política das classes oprimidas, rumo à

consciência sobre si. Por meio de uma prática revolucionária a escola poderia favorecer os

alunos participantes desta pesquisa, bem como qualquer outro estudante da escola pública a

superarem posicionamentos superficiais e acríticos, ou seja, ao retomarem para si o controle

consciente das transformações, das circunstâncias e de si mesmos, na superação da alienação

e no pleno desenvolvimento da personalidade humana.

Ancorada em pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, Martins (2004) destaca que a

consciência sobre si compreende a delimitação de propriedades externas e internas resultantes

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de comparações, análises e generalizações sintetizadas num sistema de representações sobre

si, ao longo do desenvolvimento, ainda que em formas originariamente não conscientes. Por

vez a autoconsciência implica ir além do conhecimento sobre si, e do funcionamento do

sistema de relações sociais no qual o indivíduo se encontra inserido.

O nível da consciência sobre si se dá apenas no âmbito da individualidade em-si, da

particularidade; ao nível da autoconsciência, ao superar o nível da consciência, o homem

efetivará sua essência como trabalhador, consciente, livre e universal. Contraditoriamente,

enquanto os processos de apropriação e objetivação se efetivarem por meio de relações sociais

de dominação, eles continuarão sendo caracterizados como alienados ou alienantes. Nessas

condições limita-se o pleno desenvolvimento da consciência sobre si, bem como o da

autoconsciência. Destarte, a superação da particularidade alienada demanda, “o

estabelecimento de uma relação consciente para com a genericidade, pois apenas por esta via

poderá o homem estabelecer relações cada vez mais conscientes para com as diferentes

formas pelas quais, objetiva e subjetivamente, reproduz sua vida” (MARTINS, 2004, p.95).

O desenvolvimento máximo de cada personalidade só pode ser analisado pelo

reconhecimento da mediação exercida pelas relações objetivas e sociais existentes; tais

aspectos culminam com a afirmação de que, o pleno desenvolvimento da personalidade

humana só ocorrerá com o processo de transformação radical das relações sociais

(LEONTIEV, 1983; MARTINS, 2001; 2004).

Esses posicionamentos podem ser muito úteis nos desdobramentos da tese de

doutorado, ou seja, os participantes da pesquisa, durante sua vida se apropriaram das

objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas socialmente, que os orientaram

frente à formação social de sua personalidade. Assim, a personalidade de cada indivíduo vem

se construindo a partir do contato com a realidade objetiva, incorporadas ou não as

possibilidades para uma atividade consciente. Entretanto, quanto menores forem essas

possibilidades, mais fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana

para os mesmos. E como destacado no primeiro princípio, dentro do sistema capitalista, há

uma contradição expressa, pois mesmo que eles se posicionem e/ou enfrentem as

adversidades vividas em sociedade, bem como o bullying escolar sofrido, o que os torna

“resilientes em-si” frente a essas adversidades, caso essa concepção de resiliência seja vista

pelo prisma da adaptabilidade ao contexto social (“resiliência em-si”), esses adolescentes

estarão impedidos de terem um “posicionamento efetivo” frente às adversidades vividas, e na

busca por uma transformação da sua própria condição social, bem como na transformação da

condição atual da sociedade. Por conseguinte, é importante reforçar que a emancipação se faz

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possível por meio de um processo de tomada de consciência, bem como pela superação das

atuais relações sociais, o que reforça a importância que a educação escolar pode ter nesse

processo.

Assim, no próximo tópico farei uma análise sobre a importância da escola e do

trabalho do professor, no processo de mediação dos conhecimentos científicos, filosóficos e

artísticos produzidos historicamente, numa perspectiva contra-hegemônica a existente, e que

os orientem a formação de personalidades livres e autoconscientes.

1.2 O papel da escola/trabalho do professor no processo de mediação dos conhecimentos

científicos e as relações entre aprendizagem e desenvolvimento

Como destacado anteriormente, Vigotski (2001) defendia a não fragmentação da

Psicologia, como vinha ocorrendo até então, nos estudos e proposições feitos pela Psicologia

Associacionista e posteriormente pela Psicologia Estruturalista. O mesmo defendia a busca

pela totalidade dos fenômenos psicológicos. Sendo que nesse processo, o social deveria ser

contemplado como categoria central em oposição às discussões em que o biológico era

considerado inerente ao próprio indivíduo e o “meio” para a formação da estrutura psicológica

da criança, como por exemplo, nas produções de Piaget e outros teóricos que discutiam o

desenvolvimento infantil.

Para Vigotski (2001) toda operação externa se converte em interna ao provocar

mudanças em sua estrutura. Nesse processo, ele destaca a importância do pensamento e

linguagem e da sua relação no processo de desenvolvimento humano. Dialeticamente, as

operações externas e internas estão em interação constante ao passar continuamente de uma

forma a outra, sendo que, “o pensamento da criança evolui em função do domínio dos meios

sociais do pensamento, melhor dizendo, em função da linguagem” (VIGOTSKI, 2001, p.116,

tradução minha)12

na direção da construção do pensamento verbal, pois segundo o autor:

[...] a principal coisa é que, ao reconhecer o caráter histórico do pensamento verbal,

devemos incluir nesta forma de comportamento todas as teses metodológicas que o

materialismo histórico estabelece para todos os fenômenos históricos da sociedade

humana. Finalmente, esperamos de antemão que, em termos gerais, o princípio de

desenvolvimento histórico do comportamento depende diretamente das leis gerais

do desenvolvimento histórico da sociedade humana (VIGOTSKI, 2001, p.117,

tradução minha) 13

.

12

Original: [...] el pensamiento del niño evoluciona en función del dominio de los medios sociales del

pensamiento, es decir, en función del lenguaje. 13

Original: [...] lo principal radica en que, al reconocer el carácter histórico del pensamiento verbal, hemos de

incluir en esta forma de comportamiento todas las tesis metodológicas, que el materialismo histórico establece

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Diante dessas premissas, Vigotski (1995) salienta que os signos que são construídos

socialmente serão repassados culturalmente. Ainda em Vigotski (1993) fica evidente que a

comunicação entre duas pessoas só poderá ocorrer de forma indireta. “O pensamento tem que

passar primeiro pelos significados e depois pelas palavras” (VIGOTSKI, 1993, p.129), fato

que implica reconhecer a mediação dos signos, instrumentos culturais essenciais ao

desenvolvimento da consciência e personalidade humana.

O pensamento e a linguagem, que refletem a realidade de uma forma diferente

daquela da percepção, são a chave para a compreensão da natureza da consciência

humana. As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do

pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma

palavra é um microcosmo da consciência humana (VIGOTSKI, 1993, p.132).

Frente a esses pressupostos Vigotski (2001), com o apoio de Sájarov, Kotelova e

Pashkovskaia estudaram mais de 300 pessoas (crianças, adolescentes, adultos e sujeitos com

alterações patológicas da atividade intelectual e verbal) para discutir a formação dos conceitos

por meio dos testes da “dupla estimulação funcional”. Os autores concluíram que as raízes dos

processos que contribuem na formação dos conceitos têm sua origem na primeira infância,

porém, as funções intelectuais, cuja combinação constitui o fundamento psíquico da formação

de conceitos, se formam e se desenvolvem somente no início da puberdade.

Dessa forma é que a escola passa a ser visibilizada como um importante espaço para

auxiliar no ensino dos conhecimentos científicos desde a pré-escola. O desenvolvimento dos

conceitos científicos de caráter social deverá perpassar o ambiente escolar, por meio da

mediação do professor para com as crianças. Ou seja, o professor/adulto passa a ser visto

como fundamental no processo de desenvolvimento intelectual e na construção dos processos

psicológicos superiores da criança. Durante o período de escolarização, o desenvolvimento

abarcará a transição das funções elementares da atenção e memória involuntárias, para as

funções superiores da atenção voluntária e da memória lógica, por exemplo. O ensino, por sua

vez não pode se limitar a caminhar atrás do desenvolvimento da criança, pelo contrário, deve

adiantar-se a ele, ao avançar e provocar novas formações (VIGOTSKI, 2001).

Leontiev (1978) também destaca que é por meio da educação que o homem poderá se

apropriar das aquisições da cultura humana produzida historicamente. É nesse processo de

transmissão do conhecimento, que as novas gerações podem ter contato com as diferentes

para todos los fenómenos históricos de la sociedad humana. Finalmente, hemos de esperar de antemano que, en

rasgos generales, el principio de desarrollo histórico del comportamiento dependa directamente de las leyes

generales del desarrollo histórico de la sociedad humana.

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produções/intervenções humanas, apropriando-se e objetivando-se a partir delas na construção

do seu processo de desenvolvimento.

Quando elucido Vigotski e Leontiev, sobre a importância concedida por eles ao papel

da escola, é importante deixar claro que não estou pensando em qualquer prática ou modelo

de escola. Até mesmo, porque, não se pode perder de vista o modelo de sociedade em que se

vive e as propostas pedagógicas que vêm ganhando consistência nas políticas públicas

neoliberais destinadas à educação. Há um Estado cada vez mais ausente e distante da busca

pela transformação estrutural de nossa sociedade, isso é se algum dia houve algum que

almejasse tal mudança em nosso país, salvo engano de minha parte. Reflexo disso configura-

se no discurso intenso de defesa da neutralidade do professor, frente aos assuntos abordados;

que a educação está melhorando, diante do aumento do número de matrículas na educação

básica e ensino superior; que o modelo de educação em nossas escolas deve se basear no

“aprender a aprender”, ou ainda, ao questionarem “para que planejar aulas?”, se o sucesso se

faz nos moldes apostilados da iniciativa privada e que basta adotá-los para elevar a qualidade

de nossas escolas, à custa de intenso investimento financeiro junto aos grandes

conglomerados educacionais que comercializam formas e maneiras de se educar, voltadas aos

interesses neoliberais.

Sobre o primeiro item, Duarte (2009) aponta que não há como o professor ser neutro

do ponto de vista científico e filosófico, frente às injustiças sociais que se fazem presentes

todos os dias. O autor ainda contrapõe nesse texto, os argumentos de um pesquisador que

fazia a defesa de que os educadores não deveriam privilegiar nenhuma concepção política e

científica em suas práticas, ao defender que a criança sozinha possa conhecer as “diferenças e

por si mesma, valorizá-las e interpretá-las”, como por exemplo, no caso dos conhecimentos

religiosos e da religião.

Como a criança pode aprender a julgar as distintas concepções e a adotar seu próprio

ponto de vista se os adultos que a educam omitirem suas opções e seus julgamentos?

Pode o educador ser neutro do ponto de vista científico, ou filosófico? No caso

específico [...] das religiões, ele postula que elas devem ser abordadas na escola

enquanto fenômenos históricos e sociais. Mas isso já não constitui, em si mesmo,

um posicionamento perante as religiões, isto é, um posicionamento que torna as

religiões fenômenos produzidos pelos homens? Esse posicionamento não resulta, em

última instância, na necessidade de historicização daquilo que é sagrado para cada

religião? A historicização do sagrado não é uma atitude externa ao credo religioso, e,

portanto, uma atitude não religiosa? Um cristão pode considerar que as crenças dos

judeus e dos islâmicos são tão verdadeiras quanto as suas? Veja-se que não estou

falando da questão sociopolítica da liberdade do credo religioso, mas sim da

possibilidade de alguém que professa que uma determinada religião deve adotar uma

postura relativista sem abrir mão de suas crenças. São dois problemas bastante

distintos. Um cristão pode aceitar que um ateu esteja tão correto quanto ele, cristão,

sem abrir mão de sua crença na divindade de Cristo? Em suma, quando Deval

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defende que as religiões sejam abordadas na escola numa perspectiva relativista, ele

não está ferindo a crença religiosa que os alunos adquiriram de seus pais ou de

outros adultos? Lembro de passagem que, na maioria dos casos, os pais não

oferecem aos seus filhos várias opções religiosas para que estes escolham a de sua

preferência. Por fim, outra contradição, [...] a despeito de postular uma educação

relativista, acaba por definir determinados valores que deveriam dirigir a educação,

como os de liberdade, justiça, cooperação, fraternidade, deixando a lista em aberto

pelo acréscimo de um ‘etc’. O autor tenta justificar a adoção desses valores,

afirmando que ‘são valores comuns’, ‘aspirações compartilhadas’. Mas o que Deval

não consegue esconder é o fato de que esses ‘valores comuns’ são vazios de

conteúdo se não for esclarecido o significado concreto que eles tenham em um

contexto social e específico. Por exemplo, o valor da cooperação pode significar,

nos dias de hoje, cooperação com o projeto político-social neoliberal, cooperação

com a reprodução do capital. Também [...] não esclarece quem definiu que esses

valores sejam comuns a todos os seres humanos (DUARTE, 2009, p.70-71).

Saviani (2009) ao fazer uma análise crítica do Plano de Desenvolvimento da Educação

(PDE) elaborado em abril de 2007 apresenta dados que são ostentados pelo Governo Federal,

sendo que no ano de sua elaboração, 97% dos brasileiros entre 07 e 14 anos estavam na

escola. Estimulava-se como meta que até o ano de 2022, 98% das crianças e jovens entre 04 e

17 anos deveriam estar na escola. Todavia, os investimentos para tal, parecem não ser

eficientes para garantir um ensino de qualidade a esses 98% de crianças e jovens.

No discurso neoliberal o que sempre ganha voz são apenas os aspectos quantitativos,

como se a qualidade do processo fosse menos importante. Não estou negando que seja um

avanço a entrada desses alunos no sistema educacional, até mesmo porque historicamente o

Brasil teve a educação básica como um espaço para “poucos”. O que chamo atenção é que

aliado a esse processo, a qualidade, em termos de investimentos e condições, têm que ser

feitas de maneira intensa, o que parece não ser a intenção dos políticos que geram as políticas

públicas em educação.

Camargo, Pinto e Guimarães (2008) questionam que, embora o ensino fundamental

esteja quase universalizado, o país ainda não consegue garantir a permanência dos alunos que

nele ingressam, sendo que apenas metade conclui tal nível; as escolas onde essa modalidade

de ensino é oferecida apresentam infraestruturas precárias, um exemplo é que, apenas 20%

possuem bibliotecas, laboratórios de ciências e informática. Há que se ressaltar que 60

milhões de pessoas, sequer concluíram o único nível de ensino obrigatório; o ensino médio,

com matrículas em queda, dispõe de 50% de suas vagas no ensino noturno e não oferece

perspectivas futuras aos jovens. Aliado a isso, os autores destacam a formação de péssima

qualidade que os docentes recebem na maioria das universidades em nosso país, os baixos

salários, o surgimento de doenças e a carência de professores em todos os níveis de

escolaridade. Os investimentos a época da elaboração do PDE não ultrapassavam 4% do

Produto Interno Bruto (PIB) em educação. Para mostrar o quão alarmante é tal situação,

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elucidam ainda que, os gastos por aluno na rede pública no Brasil são 40% menores do que os

investidos na Argentina e Chile e, representa 20% apenas, do que é investido nos países ricos.

Não bastasse esse cenário, no pagamento de juros e encargos da dívida pública, o Brasil

destina o dobro do montante investido em educação.

Pinto (2011) realizou uma estimativa do impacto financeiro do período de 2011-2020

para que as metas do PL n.8.035/2010 do Plano Nacional de Educação (PNE) possam ser

cumpridas. E concluiu que o mesmo não foi planejado adequadamente e, não será capaz de

efetivar as metas propostas, caso não sofra algumas emendas e se não for fiel às deliberações

propostas pelos 2.416 delegados participantes na Conferência Nacional de Educação

(CONAE - 2010). E como fruto das análises feitas deixa a seguinte reflexão:

Os dados apontam para uma estimativa de gastos da ordem de 7,2% do PIB, em

2016 e de 10,1% do PIB, em 2020, índices bem próximos daqueles constantes no

documento final da Conae. Cabe comentar que, não obstante a grande demanda de

recursos necessários para uma expansão com qualidade da educação superior

pública (graduação e pós-graduação), os gastos com essa etapa representam 23% do

total, índice bem próximo da média praticada pelos países desenvolvidos. Resta a

pergunta: é possível o Brasil investir percentuais crescentes do PIB até atingir 10%

do PIB, em 2020? Para um país cuja carga tributária, nas últimas duas décadas, saiu

de 24% do PIB e foi para 35% do PIB, sem que a educação em quase nada se

beneficiasse desse crescimento, entendemos que seja factível, embora politicamente

complexo, dar esse salto nos investimentos educacionais. Destinar à educação, um

pouco mais da quarta parte de tudo que se paga de tributos no país é uma meta que,

com certeza, encontra respaldo junto à população. Para viabilizá-la, é fundamental

que haja uma redução nos atuais gastos com pagamentos de juros e encargos da

dívida pública e um corte dos incentivos fiscais, além do combate à sonegação e à

guerra fiscal entre entes federados. Além disso, é fundamental que a União amplie

significativamente sua participação no financiamento da educação no país. Embora

ela fique com mais da metade do que arrecada, sua participação nos gastos com

educação corresponde a cerca de um quarto do total. Por fim, a necessidade de

investimentos da ordem de 10% do PIB decorre do pequeno valor do PIB brasileiro

e dos anos de subinvestimento educacional. Espera-se que o próprio

desenvolvimento do país, potencializado por esse maior investimento na educação

básica e superior, permita, ao longo dos anos após 2020, uma progressiva queda no

investimento total em relação ao PIB, sem perda de qualidade, corrigidos os atrasos

históricos, em especial no que se refere à educação de jovens e adultos, até que o

país estabilize seus investimentos educacionais em patamares entre 6% e 7% do

PIB, como ocorre hoje com os países ricos (PINTO, 2011, p.132).

Nesse bojo de discussões é importante alertar que atualmente há um intenso discurso

da Pedagogia e da Psicologia no contexto pedagógico/educativo que apregoa o “aprender a

aprender” com influências do escolanovismo por parte de parcela significativa de educadores,

os quais acreditam que esse movimento seja inovador e capaz de superar o caráter tradicional

e autoritário presente na educação brasileira. Duarte (2009, p.66) alerta para a cilada desse

discurso, pois, há uma ênfase de que o aluno deva buscar o conhecimento sozinho, como se a

figura dos professores fosse algo secundarizado e menos importante na mediação do

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conhecimento humano. O mesmo faz questão de ressaltar que, tal posicionamento não

significa a discordância de que a educação escolar deva desenvolver naqueles que dela se

beneficiam a capacidade de “iniciativa de buscar por si mesmo novos conhecimentos, a

autonomia intelectual, a liberdade de pensamento e de expressão”. Todavia, o lema do

“aprender a aprender” é uma forma alienada e esvaziada de sentido, e que atende aos

interesses da lógica capitalista. Há um discurso de superação do caráter tradicional e unilateral

presente na educação, mas longe de ser um espaço de formação plena dos indivíduos,

constitui-se em mais um dos instrumentos ideológicos da classe dominante ao esvaziar o

sentido e significado que a escola pode cumprir para a maioria das crianças e adolescentes

advindos das classes desfavorecidas socialmente, ao favorecer a educação das elites.

Os professores nessa perspectiva viram fantoches da classe dominante, ao terem uma

intervenção esvaziada de proposições e ideários políticos, como se esses assuntos não

condissessem com o papel das escolas que devem ser espaços neutros. Para além dos

discursos que enaltecem o “aprender a aprender”, há ainda, a difusão de que os professores

não precisariam mais se preocupar em planejar aulas, pois nos moldes do sucesso da iniciativa

privada, as aulas são preparadas pelos “melhores especialistas” que produzem sistemas

apostilados, com o discurso de serem capazes de elevar o aprendizado dos alunos

homogeneamente. Aos professores caberia apenas o ato de executar as aulas prontas, com

sequências, formas de intervenção, exercícios prontos e formas para avaliar os alunos.

Muitos municípios vêm investindo milhões de reais nos sistemas apostilados da

iniciativa privada, entretanto, as condições e infraestrutura das escolas continuam precárias, e

as condições de trabalho são as mais destoantes (CARVALHO, 2011). E, ao final do

processo, quando os resultados não aparecem e as escolas não apresentam um bom

desempenho nas avaliações governamentais e que estão atreladas a lógica da meritocracia,

surge por parte do senso comum, o discurso de que os professores não se esforçam ou não têm

capacidade para lidar com tais materiais, ou ainda os próprios professores e demais agentes da

comunidade escolar responsabilizam os alunos pelo não aprendizado, reflexo de seu

desinteresse. E aos municípios que investiram milhões de reais nesses materiais junto aos

poderosos sistemas apostilados da iniciativa privada? Basta apenas que se invista um pouco

mais, “alguns milhões de reais” e ofereça cursos para esses professores, pois essas empresas

têm os profissionais, capazes de ensinar os professores a executar passo a passo esses

materiais.

Carvalho (2011) aponta que como reflexo do processo de municipalização

intensificado, em especial, em fins dos anos de 1980, muitos municípios não tiveram tempo

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suficiente para se preparar para gerir e administrar seus sistemas de ensino e sequer condições

técnicas e financeiras para tal. E, diante dos péssimos desempenhos adquiridos nos exames

nacionais de avaliação, muitos passaram a realizar parcerias público-privadas com empresas

que comercializam materiais e serviços para a área da educação. A autora aponta que até o

ano de 2008, 177 municípios do Estado de São Paulo adotavam sistemas de ensino

apostilados nas escolas públicas. E, ao realizar uma pesquisa em um desses municípios com

professores e a supervisora de ensino de 08 das 16 escolas, por meio de entrevistas e análise

de documentos constatou: a valorização do método apostilado pelos professores, ao

justificarem que por meio do mesmo os alunos poderiam ter sucesso no processo de ensino-

aprendizagem; esvaziamento e fragmentação dos conteúdos escolares; supervalorização do

ensino privado em detrimento ao público e os discursos de reafirmação do Estado Mínimo.

Todos esses argumentos seguem os preceitos da ótica neoliberal dentro do capitalismo

e estão a serviço da ideologia14

burguesa, responsável e proprietária das empresas que

comercializam a educação. As escolas apenas contribuem para a reprodução das

desigualdades sociais, situação que brilhantemente foi denunciada por Cândido Portinari em

1944. Na obra, evidencia-se que os despojados das produções humanas, têm apenas a morte

como certeza.

14

Conforme Chauí (1984, p.30) “A ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno

objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos. Ora, a

partir do momento em que a relação do indivíduo com sua classe é a da submissão a condições de vida e de

trabalho pré-fixadas, essa submissão faz com que cada indivíduo não possa reconhecer-se como fazedor de sua

própria classe. Ou seja, os indivíduos não podem perceber que a realidade da classe ocorre da atividade de seus

membros. Pelo contrário, a classe aparece como uma coisa em si e por si e da qual o indivíduo se converte numa

parte, quer queira, quer não. Em uma fatalidade do destino. A classe começa, então, a ser representada pelos

indivíduos como algo natural (e não histórico), como um fato bruto que os domina, como uma “coisa” onde

vivem. A ideologia burguesa, através de uma ciência chamada Sociologia, transforma em ideia científica ou em

objeto científico essa “coisa” denominada “classe social”, estudando-a como um fato e não como resultado da

ação dos homens”.

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50

Imagem 1 - Os Retirantes – Cândido Portinari, 1944.

Visualizo na educação e também na sua contradição, um meio para que se possa

favorecer a emancipação dos alunos por meio da apropriação do conhecimento científico,

filosófico e artístico, e que os auxilie a ter consciência da realidade, ao contribuir assim com

um processo revolucionário que vise à transformação social. Há que se destacar que o

conhecimento

Duarte, Ferreira, Malanchen e Muller (2011) salientam sobre a escola, que a princípio

por estar inserida no sistema capitalista contribui com os ideais da burguesia, ao propor

mecanismos de controle e racionamento da quantidade de conhecimento que é difundido na

educação escolar. Contudo, os referidos autores, a partir de Saviani (2003) e da Pedagogia

Histórico-Crítica, defendem que se ela oferecesse parte do conhecimento científico produzido

e acumulado historicamente estaria atuando contraditoriamente aos ideais da burguesia, ao

socializar o conhecimento humano. Todavia, os mesmos justificam que apenas a socialização

e sistematização do saber não produziriam a passagem do capitalismo ao socialismo, mas que

se isso ocorresse, tal escola, estaria explicitando a contradição e que a luta pela escola pública

é parte da luta pelo mundo socialista.

Portanto, a escola pública de qualidade poderia ser vista como um componente da luta

mais ampla e não como o único meio para a efetivação desse processo. Ela, por meio de seus

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agentes (mediadores), pode fornecer elementos para que se vislumbre a superação da atual

condição social (DUARTE, 2004, 2007, 2009; DUARTE, et al., 2011; SAVIANI &

DUARTE, 2012; MARTINS, 2001; SILVA, SILVA & MARTINS, 2006).

Na defesa de uma escola pública que atenda os interesses das classes populares, Viotto

Filho (2005) defende a escola-comunidade, organizada pelos sujeitos dela participantes, os

quais (professores, gestores, alunos, pais/familiares) reunidos como processo grupal e

voltados à superação de uma escola que reproduz as relações sociais alienadas e alienantes

próprias da sociedade capitalista, terão condições de construir atividades educativas de caráter

emancipador, ou seja, que propicie uma leitura crítica da realidade, a fim de que os estudantes

se percebam como sujeitos históricos frente às manifestações produzidas nas diferentes áreas

do conhecimento humano. Tais atividades serão orientadas pela ação do professor, sujeito

essencial no processo de transformação qualitativa da escola, em direção à transformação da

própria sociedade.

Conforme Facci (2009) aponta, Vigotski valorizava o trabalho do professor,

principalmente ao auxiliar seus alunos na ‘formação dos processos psicológicos superiores’ e

na ‘formação dos conceitos’. Ao professor cabe a transmissão do saber objetivo, bem como

auxiliar no processo de formação das consciências dos estudantes, por meio de uma prática

social que compactue com a superação da sociedade alienada.

Vigotski (2001) salienta sobre a importância do ensino/instrução escolar e defende a

relação entre processos de aprendizagem e processos de desenvolvimento, como questão

fundamental para a efetivação das potencialidades humanas e, nessa direção, ao discutir sobre

a zona de desenvolvimento próximo (ZDP), chama atenção para a sua importância, ao passo

que a mesma tem um valor mais direto para a dinâmica de evolução intelectual e para o bom

êxito da instrução, do que para o nível atual do desenvolvimento da criança/adolescente.

A maior ou menor possibilidade que tem a criança para passar do que pode fazer por

si mesma ao que é capaz de fazer em colaboração, constitui o sintoma indicador

mais sensível para se caracterizar a dinâmica do desenvolvimento e do êxito de sua

atividade mental. Coincide plenamente com a zona de desenvolvimento próximo [...]

O fundamental na instrução é precisamente o que de novo a criança aprende. Por

isso, a zona de desenvolvimento próximo, é que determina o campo das gradações

que estão ao alcance da criança, e resulta ser o aspecto mais determinante no que se

refere à instrução e ao desenvolvimento (VIGOTSKI, 2001, p.240-241, tradução

minha) 15

.

15

Original: La mayor o menor posibilidad que tiene el niño para pasar de lo que puede hacer por sí mismo a lo

que es capaz de hacer en colaboración constituye el sintoma indicador más sensible para caracterizar la dinámica

del desarrollo y del éxito em su actividad mental. Coincide plenamente con la zona de su desarrollo próximo [...]

Lo fundamental en la instrucción es precisamente lo nuevo que aprende el niño. Por eso, la zona de desarrollo

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Diante das considerações acima, fica evidente que o professor deve trabalhar com a

clareza daquilo que o seu aluno já consegue realizar sozinho, sem a intervenção docente, e

aquilo que poderá atingir com a sua ajuda. E diante dessas proposições poderá atuar

efetivamente na formação e desenvolvimento dos mesmos, na direção de orientá-los, a partir

das apropriações dos conhecimentos veiculados na escola, para a construção de sua

personalidade numa direção coerente, livre e universal e que culminem com a individualidade

para-si.

A individualidade para-si deve ser entendida enquanto uma categoria que expressa, em

nível de formação do indivíduo, a busca pela superação do modo espontâneo e natural com

que sua individualidade deriva da “síntese das relações sociais”, em oposição à

individualidade em-si. Almeja-se assim “uma individualidade que seja a síntese da relação

consciente do indivíduo para com as condições particulares de sua existência, mediada pela

relação consciente com as objetivações do gênero humano” (DUARTE, 1999, p.15).

No capítulo procurei trazer elementos que auxiliem na compreensão da tese como

expressão da referência aqui enfocada. Todavia, há que se destacar que a tese precisa ser

superada pela mediação do conhecimento apresentado em todas as suas dimensões. Nesse

sentido, no próximo capítulo enfocarei na superação das leituras abstratas e neoliberais

presentes nos conceitos de bullying escolar e “resiliência em-si”, que ao serem reflexo da

ideologia do capitalismo, precisam ser compreendidos e superados.

próximo, que determina el campo de las gradaciones que están al alcance del niño, resulta ser el aspecto más

determinante em lo que se refiere a la instrucción y el desarrollo.

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CAPÍTULO II - BULLYING ESCOLAR E “RESILIÊNCIA EM-SI” NA

PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: ROMPENDO COM

VISÕES NEOLIBERAIS

No presente capítulo proponho a problematização dos conceitos de bullying e

resiliência, visando sua superação e difusão desenfreada em leituras na concepção neoliberal.

Tal difusão vem sendo feita de maneira acrítica e assentada nas premissas da ideologia do

capitalismo. Acredito que seja por meio do referencial presente na Teoria Histórico-Cultural,

de base epistemológica e filosófica marxista, que trarei contribuições para a reflexão crítica

sobre a temática em questão. Neste capítulo, primeiramente apresento o surgimento do

conceito de bullying, e posteriormente o de resiliência, bem como alguns desdobramentos

presentes nos mesmos, ao longo de sua trajetória histórica. E, por último, com o aporte da

Teoria Histórico-Cultural elucido as contribuições ao se assumir tal perspectiva como

orientadora nos estudos sobre bullying escolar e “resiliência em-si” no contexto atual.

Netto (2011) pontua que a partir do método produzido por Marx é possível proceder

ao exame crítico e racional do conhecimento acumulado ao longo da história humana, frente a

determinado tema. Por conseguinte, faz-se necessário apresentar os seus fundamentos, os seus

condicionamentos e os seus limites, ao mesmo tempo em que se efetua a verificação do

sentido que o tema vem assumindo na atualidade, a partir dos processos históricos reais. Há

que se pontuar que Marx empreendeu o método para analisar a sociedade burguesa, com o

intento de descobrir sua estrutura e dinâmica (modo de produção e relação social).

Nessa vertente de estudos, Tanamachi e Viotto Filho (2012, p.28) ressaltam a

atualidade do método marxista, sobretudo pela sua consistência para fazer frente ao

“ceticismo pós-moderno, como ao pragmatismo neoliberal, posicionando-se de forma crítica a

esse modo de produção e relação social, afirmando a necessidade histórica do fim da

exploração e a proposição de processos voltados à emancipação humana”.

O pesquisador deve então, ir além da aparência imediata e empírica do fenômeno

investigado, na busca por sua essência, a fim de se produzir o conhecimento teórico.

(NETTO, 2011). Nesta tese, analisei as respostas de adolescentes expostos ao bullying

escolar, ou seja, que são/foram intimidados por seus pares em função de adotarem

determinadas crenças religiosas; por não se adequarem aos estereótipos físicos ditados pela

mídia; por serem pobres; ou ainda, excessivamente aplicados nas atividades escolares. Diante

do referencial assumido, tenho a clareza que a personalidade de cada um deles vem sendo

construída a partir do contato com a realidade, incorporadas ou não as possibilidades para

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uma atividade consciente. Entretanto, quanto menores forem essas possibilidades, mais

fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana.

Explicações para esse processo são encontradas em Netto (2011), Tanamachi e Viotto

Filho (2012) e Vigotski (1995, 2001, 2007). Conforme os referidos autores, a realidade não é

estagnada, ela é dinâmica e contraditória, sendo que os indivíduos irão refletir essa realidade a

partir de determinadas condições objetivas de vida. Ou seja, eles se constituem como seres

humanos, em condições alienadas e alienantes.

Como ocorre por contradição, o reflexo da realidade pode permitir ao ser humano,

apesar da alienação, ascender do singular (individual) ao universal (gênero humano),

desde que as circunstâncias postas pela forma como a sociedade é organizada sejam

entendidas como uma particularidade que medeia essa relação. É isso que permite o

movimento de transformação da própria realidade [...] (TANAMACHI & VIOTTO

FILHO, 2012, p.31).

Oliveira (2005) e Tanamachi e Viotto Filho (2012) ponderam que, apenas por

intermédio da relação dialética entre singular, particular e universal é que a realidade poderá

ser compreendida como síntese de múltiplas determinações. Tal relação expressa os

movimentos específicos de constituição da realidade, os quais são representados no

pensamento através de categorias, tendo em vista que não se consegue apreender a realidade

de forma imediata. O processo de concordância entre as leis do pensamento e as leis do ser se

efetiva pelo seu conteúdo e não pela forma. Consequentemente, as leis do ser, ao serem

transformadas em leis do pensamento convertem-se em método, pois através dessa lógica que

conduz o pensamento, é que será possível “captar, da forma mais aproximada possível, o

movimento real da natureza específica do objeto que se quer conhecer para transformar”

(OLIVEIRA, 2005, p.40).

Frente a tais pressupostos, Tanamachi e Viotto Filho (2012) apontam:

Assim, para se iniciar o processo de análise da realidade, parte-se do todo caótico,

percebido de forma imediata pelo pensamento, decompondo-o sucessivamente até se

chegar às abstrações mais simples desse todo, às determinações mais simples dessa

realidade. Atingindo esse ponto, há que se realizar o caminho inverso e ascender

novamente ao todo, ao ponto de partida, que foi representado inicialmente de forma

caótica e reconhecê-lo, após sucessivas análises que implicam decomposição e

composição, como uma totalidade composta de múltiplas relações e determinações

(TANAMACHI & VIOTTO FILHO, 2012, p.32).

Embora eu deva reconhecer que seja pretensão de minha parte, o movimento presente

neste capítulo visa contemplar a dinamicidade do método de Marx (1974, 1983, 2006), e que

posteriormente Vigotski (1995, 2001, 2007) utilizou em suas produções ao longo da vida. Por

conseguinte, na defesa de uma “tese”, devo partir da apresentação do conhecimento vigente

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sobre determinado tema, para que posteriormente eu possa buscar a “antítese” dessas

produções por meio da crítica, ou seja, realizando o processo de análise, concordando em

vários aspectos ou discordando dos mesmos, confrontando-os com a realidade, para,

posteriormente, prosseguir com a superação e apresentar as proposições defendidas e

reconhecidas como “síntese”, que por sua vez, se constituirá como nova tese (ASBAHR,

2011; BARROCO, 2009; NETTO, 2011; TAMANACHI & VIOTTO FILHO, 2012;

VIGOTSKI, 1995, 2001).

2.1 Trajetória histórica do conceito de bullying escolar16

: reflexos de uma sociedade

violenta ou violência construída? [...] Tá todo mundo louco, tá tudo diferente

O rico acha pouco, a gente quer ser gente [...]

E o cara que eu votei caiu na CPI

Jurando, “Ah não roubei", quase morri de rir

E o homem vai à lua, se enche de poder

A criança na rua sem ter o que comer[...]

Tá barra do jeito que tá, tá tudo virado, de pernas pro ar

Será que existe um lugar

Pra gente cantar, ser feliz e sambar?

(Trechos da música “Pai” Composição: André Renato/Ronaldo Barcelos)

As diferentes situações de violência, presentes no modo capitalista de viver vêm

passando por um processo de naturalização tão intenso, que raramente incomoda o sofrimento

alheio ou sequer percebe-se o quanto às pessoas são “violentadas” todos os dias, por um

Estado que as trata injustamente e que fomenta a todo custo uma das maiores formas de

violência, senão a maior: a desigualdade econômica17

. Nesse sentido, as pessoas vão sendo

privadas das necessidades mais básicas para o seu desenvolvimento e emancipação humana,

mesmo diante de inúmeros avanços nas áreas do conhecimento ambiental, científico, cultural,

educacional, da saúde e tecnológico, conquistados ao longo do desenvolvimento da

humanidade.

16

Ao referir-me ao bullying escolar, não estou negando que tal manifestação de violência venha a ocorrer para

além dos muros escolares, em outros espaços de socialização humana. A opção por tal ambiente visa apenas ao

aprofundamento dos estudos numa área que carece de investigações e, até mesmo pelo contato com a realidade

educacional, fruto de atuações anteriores como professor na educação básica em escolas públicas. Outro ponto a

ressaltar é que não priorizarei uma análise micro do assunto, até mesmo porque eu não estaria contemplando os

aspectos mais gerais do atual modo de viver e que se fazem necessários de serem explicitados. 17

Os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2012 apresentam que da

população mundial (aproximadamente 7 bilhões de pessoas), apenas 1,0% é dona de 38,5% da riqueza mundial.

O mesmo relatório apresenta que 22,0% da população mundial vive com menos de US$ 1,25 dólares/dia e 44,0%

da população vive com menos de dois dólares/dia (US$ 2). No que tange ao contexto brasileiro, constata-se que

com aproximadamente 200 milhões de habitantes, o Brasil ocupa o 3º posto de país mais desigual do planeta

(diferença entre ricos e pobres), sendo que apenas 1 milhão de pessoas do país concentram as riquezas

produzidas em território nacional.

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Nesse sentido, apregoa-se intensamente a violência estrutural do Estado contra o

homem (FRANCISCO, 2010a; FRANCISCO & LIBÓRIO, 2011; OLIVEIRA, 2001;

SPOSITO, 2002). Sobre o papel do Estado nesse processo, Oliveira (2001) sinaliza que o

mesmo não é capaz de:

[...] realizar a justiça social para os adultos em geral, e às crianças e adolescentes que

são destituídos, implícita ou explicitamente, do acesso à escola, à saúde e à

assistência social. Um Estado que deixa a maioria em situação de desemprego,

carência, abandono e inúmeras outras iniquidades é um Estado violentador, agente

da opressão e facilitador das realizações da classe dominante. (OLIVEIRA, 2001,

p.67).

Há que se destacar que tais privações passam a ser entendidas, por parte daqueles que

não as têm, como um reflexo de sua “ausência de sorte” ou falta de esforço para consegui-las.

Nesse processo de alienação, os mesmos não visualizam a transformação social e sequer

buscam o rompimento com esse processo de relações imediatas e individualistas que os excluí

cotidianamente.

Sposito (2002) salienta que dentre as diversas formas de violência existentes, uma

modalidade que vem ganhando atenção por parte dos pesquisadores desde as últimas décadas

do século XX refere-se à violência escolar. Os casos vistos diariamente nos meios de

comunicação (televisão, internet, redes sociais etc.) são sempre noticiados de forma

sensacionalista (DEBARBIEUX, 2002; SPOSITO, 2002). Merece atenção ainda, a grande

incidência de sua manifestação em todos os níveis de escolaridade (FAVER, 2010; GARCÍA

& MADRIAZA, 2006; MARIE-ALSANA, HAJ-YAHIA & GREENBAUN, 2006;

OLIVEIRA, 2001; PEGUERO, 2009; SPOSITO, 2002).

Ainda conforme Sposito (2001), no contexto brasileiro, os estudos sobre o tema da

violência ganharam visibilidade como problema social, a partir da década de 1980, quando a

mídia começou veicular reportagens sobre as péssimas condições dos prédios escolares nas

periferias dos grandes centros urbanos, ao denunciar as depredações que os mesmos sofriam.

Diante disso, o governo passou a “dar respostas” à sociedade por meio do policiamento,

muros, grades e outras formas de controle. Assim, o tema ganhou força no debate público, no

fim da referida década e início da década de 1990. É nesse contexto que a pós-graduação na

área de Educação começou a abrir espaço para a produção das primeiras dissertações e teses

contemplando as questões ligadas à violência.

A fim de não gerar um posicionamento simplista, é importante ressaltar que, na

vertente epistemológica da tese, o principal não é a visibilidade dada pela mídia, que pode ser

considerado o elo causal mais importante. Mas sim, o que levou socialmente a existirem as

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tais condições nas escolas no referido período histórico. O que na perspectiva do

funcionamento material da sociedade brasileira, acredito sempre ter existido e que somente

nesse período ganhou evidência por conta da mídia. Pergunto, por que justo neste momento a

mídia passa a ter interesse? Uma das suposições que levanto é que no início dos anos de 1980

o Brasil ainda tinha um general como presidente. E, as primeiras tentativas efetivas de se

implementar um projeto neoliberal no mundo datam, meados dos anos da década de 1970,

logo após a grande crise do petróleo, embora o projeto já tivesse sido concebido desde o final

da II Guerra Mundial. Assim, em alguns momentos há a impressão de que a mídia acabou

ficando como protagonista, quando poderia ser apenas coadjuvante nessas discussões.

Dentre as diversas formas de violência que ocorrem no ambiente escolar, vem

ganhando ênfase nos últimos anos o bullying escolar. Almeida, Lisboa e Caurcel (2007),

Oliveira e Votre (2006) e Olweus (1995) apontam que essa manifestação de violência ocorre

por meio da perseguição e intimidação de um aluno por um ou vários companheiros de escola.

O bullying escolar é marcado pela intencionalidade de causar danos e sofrimentos, pela

repetitividade das ocorrências de violência, bem como pela assimetria de poder no controle ao

outro.

Os primeiros estudos direcionados ao bullying escolar deram-se inicialmente no

contexto norueguês e expandiram-se aos demais países escandinavos na década de 1970,

quando três adolescentes com idades entre 10 e 14 anos se suicidaram após as perseguições

constantes a que eram submetidos por seus colegas de escola. A partir disso as autoridades

educativas da Noruega se encarregaram de financiar estudos sobre o tema, ocasião pela qual o

pesquisador Dan Olweus se debruçou pioneiramente na busca por explicações para o tema

(BANDEIRA, 2009; FRANCISCO, 2010a; PINGOELLO, 2009).

Conforme Francisco (2010a), a partir da década seguinte, os estudos sobre o bullying

escolar ganharam visibilidade na Europa, Ásia e Estados Unidos. Como reflexo desses

estudos poderia destacar os trabalhos desenvolvidos na Alemanha (WACHS, WOLF & PAN,

2012), Bélgica (HEIRMAN & WALRAVE, 2012; VANDEBOSCH et al., 2012), Canadá

(DONNON & HAMMOND, 2007), Espanha (AVILÉS, 2003, 2004, 2006, 2010; DEL REY,

ELIPE & ORTEGA-RUIZ, 2012; HERRERAS, 2008; ORTEGA & DEL REY, 2002;

ORTEGA-RUIZ & NÚÑEZ, 2012), Estados Unidos (GRUBER & FINERAN, 2008),

Inglaterra (ANDERSON & HUNTER, 2012; PAUL, SMITH & BLUMBERG, 2012; SMITH,

2002), Itália (PALLADINO, NOCENTINO & MENESINI, 2012), Japão (MORITA, 2002),

Noruega (OLWEUS, 1995, 2006) e Portugal (ALMEIDA, 2008; ALMEIDA, LISBOA &

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CAURCEL 2007; CARVALHOSA et al., 2002; PEREIRA, 2002; SEBASTIÃO, ALVES &

CAMPOS, 2003; SEIXAS, 2005).

2.2 Perspectivas teórico-metodológicas em alguns estudos internacionais sobre bullying

escolar

É importante salientar que num primeiro momento a maioria desses estudos ficou

centrada na caracterização e descrição apenas, sem explicar o bullying escolar em diferentes

contextos socioculturais. Posteriormente, alguns se propuseram a discutir o papel dos

programas de intervenção nas escolas de diferentes países. E, por último, há um movimento

de estudos apontando que o bullying escolar adquiriu outras proporções, até então não

evidenciadas nas primeiras investigações, como por exemplo, as questões relacionadas ao

cyberbullying, por meio das perseguições nas diferentes redes sociais da internet, bem como

pelo uso dos celulares.

Olweus (2006) realizou pesquisas em escala nacional junto a alunos da educação

básica da Noruega nos anos de 1983 e 1984, e pode constatar que 15,00% dos alunos estavam

envolvidos em situações tidas como bullying escolar. Respectivamente 9,00% e 7,00% desses

alunos eram vítimas e agressores. Alguns aspectos a se ressaltar, confirmados por muitos

estudos desenvolvidos posteriormente é que, os índices de bullying escolar diminuíam com o

passar dos anos durante a escolarização; os meninos estavam mais sujeitados às situações de

bullying físico e as meninas a situações indiretas de bullying verbal; os meninos eram os

maiores agressores tanto dos meninos como das meninas. Por último, 40,00% dos estudantes

da educação primária e 60,00% da educação secundária apontaram que “alguma vez” ou

“quase nunca” seus professores tiveram alguma postura de intervenção diante das ocorrências

do fenômeno.

Em Portugal, Carvalhosa et al. (2002) propuseram um estudo em 191 escolas com

alunos dos 6º, 8º e 10º anos de escolaridade. Nesse sentido, puderam constatar que 47,40%

dos participantes, em algum momento de suas vidas foram vítimas de bullying, diante da

perseguição constante e repetitiva por parte de seus companheiros de escola; 36,20% dos

alunos apontaram ter intimidado colegas mais fracos fisicamente ou mais novos. E, constatou-

se que os meninos estiveram mais suscetíveis ao envolvimento nos casos de bullying escolar,

se comparado às meninas.

No contexto asiático, Morita (2002) aponta que o governo japonês realizou um estudo

comparativo no ano de 1997, e constatou que 13,90% dos estudantes foram vítimas de alguma

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situação de violência dentro das escolas. Desses, 17,70% foram classificados como vítimas

de bullying escolar. Evidenciou-se ainda que o número de espectadores que medeiam ou

interferem nas situações de bullying escolar decresce com o avanço da idade, os alunos ficam

menos sensíveis ao sofrimento do outro e mais individualistas.

Na Costa Rica, em estudo desenvolvido por Pizarro e Jiménez (2007) contatou-se que

32,60% dos participantes haviam sido vítimas de alguma forma de agressão pelos

companheiros de escola. Ao identificarem as formas de agressão, que os mesmos foram

submetidos, identificou-se que os meninos exerceram mais a agressão física, por vez as

meninas se utilizaram mais das agressões verbais. No que tange às vítimas, as ameaças

recebidas se fizeram mais por uma única pessoa do que por grupos, todavia quando as

agressões ocorreram, outras pessoas acompanhavam aqueles que haviam realizado as

ameaças.

Como exemplos de proposições teóricas advindas do processo de intervenção em

ambientes escolares, destacam-se os trabalhos desenvolvidos por Avilés (2003, 2004, 2005) e

por Monjas e Avilés (2003) na Espanha, na perspectiva da Psicologia Moral. A compreensão

de bullying advinda das proposições de Olweus (1995, 2006) implica na defesa de que as

escolas e os professores precisam dar visibilidade ao bullying escolar e promover o seu

enfrentamento com a participação de todos os envolvidos da “comunidade educativa”.

Defende-se que seja levantado junto à comunidade educativa o lugar que o bullying escolar

ocupa nas discussões da escola (Quais as intenções da comunidade escolar? O que têm a favor

ou contra? O que entendem sobre bullying? Com quem a escola poderá contar?), para que

depois se possa realizar a aplicação dos instrumentos de identificação do fenômeno, tais como

o questionário PRECONCIMEI a ser aplicado nos alunos, pais e professores (AVILÉS, 2005)

ou as “Listas de Chequeo” com informações sobre a rotina dos estudantes na escola.

Diante desse processo, defende-se um plano de atuação: canais de comunicação para

os alunos; o que fazer diante das ocorrências de bullying escolar; responsabilidades dos

alunos, famílias, professores, direção e funcionários e quais as técnicas utilizadas: Assembleia

ou reunião periódica com as turmas; dramatizações ou roleplaying sobre situações de

bullying; sistemas de ajuda; mediadores escolares; Método Píkas, que propõe entrevistas num

primeiro momento com os agressores e depois com as vítimas, individualmente, e depois se

realiza entrevistas com os alunos conforme os segmentos até chegar ao encontro com todo o

grupo; Círculo de Amigos; Tribunais Escolares etc. (AVILÉS, 2005).

Após as atividades desenvolvidas pontua-se sobre a necessidade de se avaliar até que

ponto as medidas foram efetivas e quais serão as propostas de mudanças ou continuidade.

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No que diz respeito aos trabalhos mais atuais que apontam sobre uma reconfiguração

do bullying escolar, diante do aparecimento de situações de ciberbullying, além de sua

diferenciação, destacam-se vários trabalhos desenvolvidos, em especial, no contexto europeu

(ANDERSON & HUNTER, 2012; AVILÉS, 2010; DEL REY, ELIPE & ORTEGA-RUIZ,

2012; HEIRMAN & WALRAVE, 2012; ORTEGA-RUIZ & NÚÑEZ, 2012; PALLADINO,

NOCENTINO & MENESINI, 2012; PAUL, SMITH & BLUMBERG, 2012;

VANDEBOSCH et al., 2012; WACHS, WOLF & PAN, 2012). Evidencia-se a defesa de que

o bullying em seu caráter mais tradicional deva ser diferenciado das perseguições

desenvolvidas por meio das tecnologias da informação e comunicação, em especial os

celulares e redes sociais da internet.

Avilés (2010) ao propor uma análise do desempenho escolar de 995 alunos de Castilla

e León na Espanha por meio de um instrumento autoinforme em associação com o bullying

escolar e o ciberbullying identificou que os ataques por bullying tradicional e por

ciberbullying na internet têm maiores implicações no fracasso escolar, se comparado ao

ciberbullying por celulares. Para contrapor os dados, pontua sobre as vítimas que mesmo

diante do bullying tradicional (7,00%), ciberbullying na internet (16,90%) e ciberbullying nos

celulares (40,50%) ignoram os ataques sofridos e não se sentem mal diante das ocorrências.

Em suas conclusões ressalta que as vítimas que não se incomodam com as situações de

bullying escolar são “meninos/as brilhantes, com êxito escolar e com níveis de ajuste escolar e

familiares considerados ótimos, livres de situações de conflito ou destrutivas e com forte

motivação para o êxito” (AVILÉS, 2010, p.81 tradução minha)18

.

No contexto brasileiro as discussões sobre o tema chegaram apenas no fim dos anos de

1990 e começo dos anos 2000, com destaque para as produções de Fante (2005) que realizou

trabalhos de caracterização do bullying em escolares de São José do Rio Preto-SP e

desenvolveu programas de intervenção para a redução do fenômeno, junto aos estudantes

participantes de suas investigações. Vale apontar ainda as pesquisas desenvolvidas pela

Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), em parceria com

Lopes Neto (2005), no processo de caracterização do bullying escolar, junto a estudantes de

Rio de Janeiro - RJ. Esses trabalhos foram pioneiros nas discussões sobre o tema e

incursionaram outros pesquisadores a investigar a temática.

Contudo, as discussões desenfreadas e sem muitos aprofundamentos teóricos levaram

Tognetta (2005) a realizar uma revisão da literatura sobre bullying, diante da necessidade de

18

Original: Chicos/as brillantes, exitosos escolarmente y con niveles de ajuste escolar y familiar óptimos, libres

de situaciones conflictivas o disruptivas y con fuerte motivación de logro.

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se contemplar as questões ligadas aos sentimentos dos envolvidos em situações classificadas

como bullying escolar. Ainda, como reflexo de algumas das produções dessa pesquisadora,

destacam-se as parcerias empreendidas em estudos com Telma Vinha na perspectiva da

educação em valores, dentro da Psicologia Moral (TOGNETTA & VINHA, 2008, 2010).

As pesquisadoras apontam que em estudo anterior, 76,00% dos adolescentes não se

percebiam como pertencentes a uma esfera pública (heteronomia) e que, as escolas poderiam

auxiliá-los nesse processo de entenderem o que é público e privado. Apontam que tanto as

vítimas como os agressores de bullying necessitam de ajuda e que os projetos de intervenção

devem promover a sensibilização, ou seja, “construir identidades autônomas que consigam

gostar de si para gostar de outros no seu sentido moral: é pela construção do respeito de si que

podemos construir o respeito a outrem” (TOGNETTA & VINHA, 2008, p.215).

Em estudo posterior Tognetta & Vinha (2010) chamam atenção para o fato de que

muitos professores ainda não conhecem ou não têm clareza sobre o bullying escolar. Para

auxiliar na conceituação do constructo, utilizam-se do filme “Ponte para Terabítia” que

aborda a história de dois heróis que superaram a condição de vitimização na escola e elucidam

características presentes no fenômeno, tais como a ridicularização a que as vítimas são

expostas, a intenção de sempre se ferir alguém e que não há bullying sem um público para

prestigiar. Apresentam ainda, os dados de dois estudos realizados na região de Campinas-SP.

O primeiro estudo contou com a participação de 210 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental

de escolas públicas e particulares. Nessa investigação, 67,00% dos estudantes das escolas

públicas e 53,00% das escolas particulares já sofreram alguma forma de violência na escola,

sendo que 14,00% e 8,00% respectivamente foram classificados como “alvos de bullying”.

Por vez, no outro estudo, que contou com a participação de 827 crianças e adolescentes do

Ensino Fundamental I e II e do Ensino Médio, as pesquisadoras também evidenciaram

percentuais elevados de estudantes que haviam sido zombados, ameaçados, humilhados e

desprezados por seus companheiros de escola, mesmo com sua diminuição com o avançar dos

anos escolares. Mas, um aspecto curioso é que quando a mesma pergunta foi feita, contudo,

substituindo os colegas pelos professores, com o passar dos anos de escolaridade, o percentual

de estudantes que respondem positivamente para esse questionamento vai aumentando, sendo

inclusive que, no 9º ano do Ensino Fundamental, 26,96% dos estudantes escolheram “a

resposta às vezes”, o que culmina com a percepção de que por trás da autoridade educativa,

muitas vezes há uma violência velada por parte de alguns docentes.

Em Porto Velho-RO, Mascarenhas (2006) diante do mesmo referencial

epistemológico, destacado anteriormente, realizou uma investigação-ação junto a estudantes

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62

da Educação Básica, além de professores. A mesma pontua sobre a necessidade e relevância

de projetos educativos que abordem a prevenção do bullying escolar.

Ao fazer uma análise crítica dos estudos e das propostas de intervenção apresentadas

anteriormente, é importante deixar claro que nas propostas de intervenção, parece não haver

fundamentos teóricos que conduzam os estudantes a entenderem: o que levou socialmente o

fenômeno bullying a se fazer presente nas escolas? Em qual contexto histórico/temporal o

bullying escolar ganha visibilidade? O que acontecia no mundo nesse momento? Por que o

fenômeno vem se articulando e ganhando novas configurações, como por exemplo, nos casos

de cyberbullying? Quais os impactos que o sistema de organização capitalista exerce sobre o

bullying escolar? O que esses estudos revelam parece estar no limite das circunstâncias atuais.

Para superar essa condição defendo que sejam trabalhadas questões mais estruturais

ligadas à produção do fenômeno, a fim de que os estudantes possam compreender que suas

posturas refletem a realidade, a partir de determinadas condições objetivas de vida. Há que se

destacar que apenas um projeto de intervenção imediato, por mais boa vontade que haja por

parte de seus idealizadores, não dá conta de apreender a realidade. Os projetos junto aos

estudantes devem estar atrelados a um projeto mais amplo que busque a superação das

relações imediatas e individualistas que os exclui cotidianamente. Destaco assim, o potencial

da literatura e diferentes gêneros textuais, das obras de arte, do teatro, da música, da dança e

dos filmes, na problematização da realidade por meio de um trabalho educativo consistente e

intencional, a fim de que os indivíduos possam interpretar essa realidade como uma passagem

do ser ao dever-ser.

Oliveira (1996, p.08) aponta que essa passagem do ser ao dever-ser guiada pela

vontade concreta implica dois fatores fundamentais: 1- a mediação da atividade humana, por

intermédio de valores criticamente escolhidos. A práxis do dever-ser, é “contrária àquela que,

sem essa direção, faz com que a realidade permaneça com a mesma estrutura que a explica e

legitima”. Ou seja, a práxis será conduzida a partir de algo que ainda não é, mas que tem as

possibilidades concretas de vir a ser. 2- A importância de se buscar conhecimentos do

processo dialético da realidade existente (aquilo que é, e que está sendo), para conduzir a

atividade humana, na produção dos meios de transformá-la.

A autora faz questão de esclarecer que “esse conhecimento por si só não se torna ação;

não é em si mesmo uma atividade transformadora, mas é força e direção da ação dos homens

que se apropriaram dele e que o assumem como base real para a transformação” (OLIVEIRA,

1996, p.08).

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Outro aspecto a ressaltar é que os estudos apresentados anteriormente têm suas

discussões a partir da definição de bullying19

feita por Olweus (1995, 2006):

[...] o termo tem sido frequentemente utilizado para definir uma pessoa que

atormenta, persegue ou irrita a outra. Embora, esse uso não seja muito adequado do

ponto de vista linguístico, acho que é importante incluir em conceito de bullying, ou

no que traduzimos por ameaças e perseguições entre escolares, tanto a situação em

que determinada pessoa persegue a outra, como uma em que a agressão é feita por

todo grupo (OLWEUS, 2006, p.24 – tradução minha) 20

.

Olweus (1995,2006) destaca ainda o caráter intencional, repetitivo e assimétrico nas

ameaças e perseguições aos alunos.

Em trabalhos anteriores já se discutia que a conceituação proposta por Olweus seria

insuficiente (FRANCISCO & LIBÓRIO 2011), ao passo que ainda não se havia encontrado

alguma conceituação que conseguisse superar as questões mais individualistas, e que,

consecutivamente, enfocasse a influência dos aspectos histórico-culturais em sua

dinamicidade e, por conseguinte, que evidenciasse o bullying como uma manifestação

eminentemente humana e socialmente construída. Nesse sentido, Francisco e Libório (2011)

apontam que:

Um aspecto que nos parece importante e necessário e que vem sendo negligenciado

em diversos estudos seria compreender o assunto para além de determinismos

biológicos, os quais justificam a condição de sujeitos predispostos às ocorrências do

bullying. Dessa forma, poderíamos contribuir para a superação de uma compreensão

individualizante desse fenômeno social, como se somente o agressor e a vítima

fossem responsáveis pela sua ocorrência, sem considerar a força dos valores e

crenças culturais, que inspiram práticas pouco empáticas e solidárias entre os

sujeitos de nossa sociedade de forma mais ampla (FRANCISCO & LIBÓRIO, 2011,

p. 65).

Sustento tal pressuposto diante de autores como Abrantes, Silva e Martins (2005),

Duarte (2007), Facci, Tuleski e Barroco (2009), Rogoff (1995, 2003), Vigotski (1993, 1995,

2001, 2007) e Vigotski, Luria e Leontiev (1989) que apontam a necessidade de se estudar a

natureza social do ser humano; bem como pelo entendimento de que não são os aspectos

individuais que promovem as variações entre os sujeitos, mas o engajamento e contato com as

atividades produzidas dentro da cultura humana, que são socialmente estruturadas e

desigualmente oportunizadas aos sujeitos. Há que se destacar ainda que por mais que alguns

19

No Brasil, o termo é polissêmico e vários sinônimos têm sido utilizados para fazer referência ao termo, tais

como: maus tratos, vitimização, intimidação, agressividade e violência entre pares. 20

Original: [...] el término se há empleado a menudo para definir a uma persona que atormenta, hostiga o

molesta a otra. Aunque esta acepción no es muy adecuada desde un punto de vista linguístico, creo que es

importante incluir en el concepto de “mobbing”, o en el que traducimos por amenazas y acoso entre escolares,

tanto la situación en la que un individuo particular hostiga a outro, como aquélla en que el responsable de la

agresión es todo un grupo.

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dos estudos sobre bullying mencionem as categorias social e cultural, elas aparecem

secundarizadas ou às vezes de maneira reducionista. Sobre os cuidados com os conceitos

social e cultural, amparado a partir das produções de Vigotski, Pino Sirgado (2000) aponta

que:

O termo social, visto que ele é um conceito que qualifica formas de sociabilidade

existentes no mundo natural, não permite por si só explicar formas de organização

social que extrapolam o campo dos fenômenos naturais, como é o caso da

sociabilidade humana. Quanto ao termo cultural, trata-se de um conceito entendido e

utilizado pelos autores de formas diferentes, o que exige que seja devidamente

conceitualizado no contexto próprio em que é utilizado por Vigotski. Especificar

bem este termo é fundamental para precisar o outro, uma vez que a existência social

humana pressupõe a passagem da ordem natural para a ordem cultural. Discutir a

natureza do social e a maneira como ele se torna constitutivo de um ser cultural é,

sem dúvida alguma, um detalhe muito importante da obra de Vigotski, o qual

merece uma atenção especial (PINO SIRGADO, 2000, p.47).

Tais considerações são essenciais, ao passo que os participantes desta pesquisa

experienciaram situações de bullying escolar (são/foram intimidados por seus pares em função

de adotarem determinadas crenças religiosas; por não se adequarem aos estereótipos

físicos/corporais ditados pela mídia e meios de comunicação; por serem pobres; ou ainda, por

serem excessivamente aplicados nas atividades escolares), que ao serem carregadas de valores

culturais e ao estarem submetidas ao desenvolvimento histórico, refletem na atualidade, as

marcas da organização social capitalista.

Conforme Leontiev (1983), no capitalismo, as pessoas além de estarem em relações

opostas aos meios de produção e ao produto social, também têm sua consciência influenciada

pelas desigualdades produzidas em sua dinâmica. Portanto, vão sendo estabelecidos critérios

ideológicos que são internalizados ao processo de conscientização dos indivíduos concretos.

Há que se destacar que o processo de conscientização não é permeado apenas pelos critérios

ideológicos, até mesmo porque na sociedade capitalista estão intrínsecos os processos de

alienação.

Ainda pensando nos participantes da pesquisa e no bullying escolar por eles

experienciados frente à totalidade histórico/social, faz-se necessário refletir sobre os vínculos

existentes entre vítimas e agressores em tal manifestação de violência. De acordo com

Martins (2001, 2004, 2011) os vínculos sociais, abarcam as condições objetivas presentes na

vida de um indivíduo e, se sucede em dada classe social, época histórica e cultural. Por

conseguinte, tais vínculos concernem à construção de suas estruturas motivacionais e

emocionais, além de sustentarem também a sua formação enquanto personalidade.

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Por conseguinte, por mais que algumas abordagens psicológicas e pedagógicas em

educação defendam programas de combate ao bullying escolar, por intermédio de ações

voltadas às vítimas e agressores, não se pode perder de vista a limitação de tais intervenções,

caso elas sejam feitas apenas no plano da adaptação ao contexto vivido. As intervenções

necessitam atuar, a partir de uma leitura crítica do constructo bullying, a fim de que os

estudantes e demais integrantes da comunidade escolar, possam perceber que o mesmo é

resultado das condições objetivas e históricas de vida. Há que se salientar que sua superação

se dará apenas com a superação das relações capitalistas de produção, caso contrário o

fenômeno será apenas minimizado.

Tal preposição reforça inclusive a importância da Teoria Histórico-Cultural em

consonância com a educação escolar, pois ao favorecer ao processo de tomada de consciência

daqueles que dela têm contato, passa a ser vista como um importante espaço de formação

política das classes oprimidas e de desenvolvimento da consciência sobre si. De tal forma que,

ao retomarem para si o controle consciente das transformações, das circunstâncias e de si

mesmos, estariam rumando à superação da alienação e ao pleno desenvolvimento da

personalidade humana.

Como ressaltado no capítulo anterior, Martins (2004) pondera que a consciência sobre

si compreende a demarcação de propriedades externas e internas resultantes de comparações,

análises e generalizações sintetizadas num sistema de representações sobre si, ao longo do

desenvolvimento, ainda que em formas originariamente não conscientes. Destarte, a

autoconsciência implica ir além do conhecimento sobre si, e do funcionamento do sistema de

relações sociais no qual o indivíduo se encontra inserido. De tal modo que o indivíduo possa

se perceber como reflexo da realidade mais ampla e como sujeito histórico, na medida em que

reconhece a si mesmo.

Prosseguindo nas explicações do fenômeno, defendo que dentre os vários tipos de

violência existentes, o bullying escolar é mais uma dentre várias formas. E, a opção pela

compreensão do bullying em consonância com a estrutura social mais ampla, justifica-se a

partir da necessidade de se perceber a realidade de determinado tema em sua totalidade com

múltiplas determinações (ABRANTES, SILVA & MARTINS, 2005; CARMO & JIMENEZ,

2007; FACCI, TULESKI & BARROCO, 2009; VIGOTSKI, 1993, 1995, 2001, 2007;

VIGOTSKI, LURIA & LEONTIEV, 1989; VIOTTO FILHO, 2009). Nesse sentido, Francisco

e Libório (2012a) chamam atenção para o fato de que:

Tal aspecto culmina num problema maior, pois comumente o conceito de bullying

vem sendo utilizado dentro do capitalismo para minimizar conceitos históricos e de

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lutas de movimentos que foram e são “marginalizados” dentro da história da

humanidade, como por exemplo, os conceitos de racismo e homofobia. É importante

deixar claro que não estamos defendendo que não existam pessoas que sofram

perseguições constantes e repetitivas o que desencadeia situações de bullying,

todavia, precisamos demarcá-lo de maneira mais clara para que o mesmo não seja

difundido como um conceito relativista (FRANCISCO & LIBÓRIO, 2012a, p.4).

Embora não faça parte do referencial epistemológico adotado nesse trabalho, é

importante destacar os trabalhos empreendidos por Antunes e Zuin (2008) sobre bullying, por

meio dos teóricos da escola de Frankfurt, tais como Adorno e Horkheimer. Congregando com

o que foi pontuado acima, os autores chamam atenção para o fato de que a maioria dos

estudos no Brasil carrega fortes traços de uma ciência pragmática e que não favorece a

emancipação dos indivíduos. Pontuam ainda que “os homens têm a ilusão de que de alguma

forma exercem seu controle sobre eles, e que de alguma maneira conseguem controlar a

violência e a natureza, tanto dentro, quanto fora de si.” (ANTUNES & ZUIN, 2008, p. 35).

Sobre os papéis que os alunos assumem nas situações de bullying escolar, constatei na

literatura os seguintes: autores (agressores) são aqueles que perseguem e intimidam seus pares

de forma constante e repetitiva e que podem agir sozinhos ou em grupos; alvos (vítimas que

podem ser classificadas como típicas ou agressoras) são aqueles que sofrem os ataques,

perseguições, intimidações e que são isolados por um ou mais colegas, e que podem ou não

revidar o sofrimento a que são submetidos; e os espectadores (testemunhas) que presenciam

as ocorrências de bullying, mas acabam não se manifestando ou denunciado o que veem ou

por medo de se tornarem as próximas vítimas, ou ainda, em função da ausência de

sensibilização para com o outro diante de posturas individualistas (AVILÉS, 2003, 2004,

2010; BANDEIRA, 2009; LISBOA, 2005; PINGOELLO, 2009; PIZARRO & JIMÉNEZ,

2007; TOGNETTA & VINHA, 2008, 2010).

As consequências do bullying escolar, que não ficam restritas somente as vítimas vêm

sendo apresentadas da seguinte forma. As vítimas geralmente desenvolvem um quadro de

baixa autoestima. Outras, diante do sofrimento e dos desequilíbrios de poder e por não

conseguir se defender, apresentam restrições a frequentar a escola, o que maximiza a evasão

escolar, bem como o baixo rendimento escolar (FRANCISCO, 2010ª; HERRERAS, 2008;

MUNARIN, 2007; OLIBONI, 2008; PINGOELLO, 2009; SMITH, 2002). Pereira (2002)

destaca que o bullying escolar pode ter efeitos em longo prazo, ao influenciar as decisões,

atitudes, comportamentos e o autoconceito do indivíduo, a imagem dos outros, do mundo e

até da própria vida.

Há que se destacar ainda, como exemplo das consequências mais graves e extremas do

bullying escolar, as situações em que as vítimas buscam o suicídio como uma maneira de por

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um ponto final ao seu sofrimento. Fante (2005) apresenta a história de Edmar um jovem da

pequena cidade de Taiúva, no interior do estado de São Paulo, que durante todos os anos de

escolaridade na educação básica foi perseguido e intimidado por seus colegas de escola, por

ser obeso. O mesmo era nominado por diferentes apelidos, tais como “balofo”, “elefante cor

de rosa” e até mesmo “vinagrão”, em referência a uma de suas tentativas na busca pela

diminuição do peso corporal, ao substituir o café da manhã por vinagre. Durante todos os anos

o mesmo sofreu calado e sequer revidou um dos ataques. Conforme depoimento dos

professores era tímido e retraído, mas considerado um aluno “normal”. Contudo, ao final do

3º ano do Ensino Médio, no período de recuperação de férias adentrou a escola onde estudava

e atirou contra seis colegas e uma professora que ficaram feridos, na sequência se suicidou.

Com relação aos agressores, a literatura aponta que há uma maior probabilidade dos

mesmos virem a se envolver em comportamentos antissociais e violentos na vida adulta

(AVILÉS, 2004, 2010; CID et al., 2008; OLIBONI, 2008; RUIZ & MORA-MERCHÁN,

1997, TOGNETTA & VINHA, 2008, 2010). Francisco (2010a) elucida que:

Os mesmos também precisam de ajuda, suas ações social e culturalmente

construídas, muitas vezes, são respostas ao modelo familiar e relacional em que

cresceram. Contudo, não podemos generalizar que todas as crianças e adolescentes

expostos a ambientes familiares em que a violência seja uma linguagem constante,

irão adotar tais atitudes (FRANCISCO, 2010a, p. 30).

No que diz respeito aos espectadores, por mais que não sejam afetados diretamente

com as perseguições ocasionadas pelo bullying escolar, podem desenvolver o medo e a

insegurança frente aos diversos espaços/atividades do convívio social (BANDEIRA, 2009;

FRANCISCO, 2010a). Ou ainda, reforçarem cada vez mais práticas individualistas, que não

reconhecem o outro como importante nas relações entre pares na esfera pública (TOGNETTA

& VINHA, 2008).

Abordando o problema dos papéis sociais, Pino Sirgado (2000) defende o indivíduo

como um “sujeito de relações sociais”, sendo que existe um problema da complementaridade

dos papéis, sobretudo, no caso abordado na tese, de sua assimetria – que poderia se dizer que

se dá tanto no plano dos significados quanto no das vivências, muito embora a situação social

como um todo seja, digamos “a mesma”. Complementando tal ideia, Delari Junior (2011)

reforça sobre a objetividade também ser dinâmica e distinta para cada sujeito, dependendo do

papel que assume, e da pessoa em questão. De qualquer maneira a leitura de Pino Sirgado é

potente na medida em que não vê, como no pós-estruturalismo, as relações de poder como

pressuposto das relações, mas como produto das relações. Ao que poderia complementar

como “pressuposto e produto” das relações.

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Francisco (2010a) e Francisco e Libório (2011) chamam a atenção para o fato de que

deve-se refletir sobre a inserção dos indivíduos nas ocorrências de bullying escolar

(agressores, vítimas e espectadores), tendo em vista que os mesmos estão imersos dentro de

um círculo de relações sociais que contribui com a difusão da linguagem da violência como

um meio de humilhar/excluir ou se impor perante os outros. No processo de formação dos

grupos, algumas crianças e adolescentes assumem determinadas atitudes, como um meio de se

firmar perante os pares, ao buscar o pertencimento como uma fuga das perseguições, que são

submetidos. Por vez, há outros que são excluídos por não se adequarem as “exigências”

grupais e sociais de grupos tidos como “dominantes” e hegemônicos. Reforço que nesta tese,

dois alunos sofreram/sofrem ameaças e perseguições por parte de seus colegas de escola, em

função de adotarem determinadas crenças religiosas, que não são as hegemônicas e assumidas

pela maioria dos estudantes; dois estudantes são perseguidos em função de sua magreza

corporal e uma estudante por apresentar sobrepeso, estereótipos físico-corporais ditados pela

mídia e meios de comunicação; uma estudante é intimidada em função de sua condição

econômica, ou seja, é pobre; e um dos estudantes, além das vitimizações em função de sua

crença religiosa, também sofre por ser excessivamente aplicado nas atividades escolares.

É importante salientar que não estou apregoando a perspectiva de que as crianças e

adolescentes expostos ao bullying escolar devam ser “tratados” para se adaptarem à situação

vivida. Todavia, não se pode perder de vista que, como a violência não nasce no próprio ato

de sua imposição, e pertence a um círculo maior, o combate a ela também pertence a um

círculo maior, a uma coletividade e a uma transformação social e cultural, na escola e para

além dela.

Como já destacado, os adolescentes da pesquisa foram ou continuam expostos ao

bullying escolar. Decorrente disso, e articulando com a tese a ser defendida, é salutar

apresentar que a perspectiva histórico-cultural traz uma compreensão ampliada de bullying

escolar, ao entendê-lo como uma manifestação eminentemente humana, sendo o mesmo um

fenômeno produzido socialmente e culturalmente, além de apresentar, inclusive, as condições

concretas existentes para a sua superação efetiva.

Assim sendo, o bullying escolar somente poderá ser erradicado se houver uma

superação das circunstâncias atuais, geradoras de sua manutenção e propagação.

Prosseguindo, a emancipação se faz possível por meio de um processo de tomada de

consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais, o que reforça a importância

que a educação escolar, por meio do conhecimento científico, pode ter nesse processo, sendo

que a mesma poderia contribuir para que os estudantes pudessem ter consciência da realidade

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e auxiliar num processo revolucionário, ao disponibilizar parte do conhecimento científico,

artístico, filosófico produzido historicamente pela humanidade.

2.3 Trajetória histórica do conceito de resiliência

A ascendência do conceito de resiliência remonta ao início do século XIX, e sua

concepção era muito distinta da que se tem hoje, em especial, nos estudos e pesquisas

desenvolvidos em cursos de Psicologia e Educação. O seu uso era evidenciado em áreas como

as de Física e Engenharia que descreviam estruturas (materiais), que diante da força aplicada

em seu uso nas diferentes atividades sociais, não sofriam deformações, sendo as mesmas

denominadas de resilientes. Thomas Young em 1807 foi o mentor de tal descrição (LIBÓRIO,

2011; MONDINI, 2011; YUNES & SZYMANSKI, 2001).

Autores como Libório, Castro e Coelho (2006), Libório (2011) e Yunes e Szymanski

(2001) ressaltam que sua incorporação pela Psicologia ocorreu depois de mais de um século e

meio, mais especificamente na década de 1970 (tempos de mudança de rumo nas táticas do

capitalismo mundial) em especial no contexto europeu e norte-americano. Todavia, a sua

expansão para a área de Educação deu-se timidamente após a década de 1990 (SOUSA,

2008).

A publicação “Vulnerable but invincible” (Vulnerável, porém invencível) de Werner e

Smith (1982) originária de estudos longitudinais desenvolvidos no Kauai, foi pioneira e de

muita relevância para o tema da resiliência, sobretudo na área de Psicologia. Há que se

destacar ainda a obra “The invulnerable child” (A criança invulnerável) de Antonhy e Cohler

(1987). Esse autor foi o criador do termo invulnerabilidade, ao mencionar sobre as crianças

que, mesmo diante de longos períodos de adversidade e estresse psicológico em suas vidas,

apresentavam desenvolvimento emocional relativamente normal ou pouco comprometido.

Fica evidente nesse período que ambos os autores, ainda não apresentavam a terminologia

resiliência em suas investigações. Os termos invencíveis e invulneráveis abarcavam melhor a

compreensão que se tinha das pessoas que conseguiam se desenvolver mesmo diante de

adversidades em suas vidas.

Com o avanço das discussões é que se propõe a incorporação do termo resiliência.

Conforme Dyer e McGuinness (1996) a resiliência passa a ser vista como um processo pelo

qual as pessoas são capazes de se recuperar das adversidades experienciadas e seguir em

frente com suas vidas. Ao ser entendida como um processo dinâmico, a resiliência só pode

ocorrer quando influenciada pelos fatores de proteção (competências específicas necessárias).

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70

As competências, por sua vez, são tidas como habilidades saudáveis que o indivíduo pode

acessar internamente, ou aquelas presentes no ambiente interpessoal e familiar.

Contudo, mesmo após todo esse período de expansão do conceito e sua consequente

inclusão em outras áreas do conhecimento, não foi suficiente para que houvesse a

incorporação de uma definição “precisa de resiliência”. Nesse sentido, Yunes e Szymanski

(2001) esclarecem que:

[...] Sua definição não é clara e nem precisa nem tampouco precisa quanto na Física

ou na Engenharia (e nem poderia ser), consideradas a complexidade e a

multiplicidade de fatores e variáveis que devem ser levados em conta no estudo dos

fenômenos humanos [...] Para apenas usar a metáfora, poder-se-ia dizer que a

relação tensão/pressão com deformação-não-permanente do material corresponderia

à relação situação de risco/estresse/experiências adversas com respostas finais de

adaptação/ajustamento no indivíduo, o que ainda nos parece bastante problemático,

haja vista as dificuldades em esclarecer o que é risco e adversidades, bem como

adaptação e ajustamento (YUNES & SZYMANSKI, 2001, p.16).

Diante desses pressupostos, conforme Francisco e Libório (2012b), em seu início, o

conceito de resiliência foi utilizado numa perspectiva de adaptação dos sujeitos a realidade

vivida. Nesse sentido, Libório (2011) assegura que os estudiosos e pesquisadores da área de

Psicologia começaram “a buscar referenciais para o estudo dos fenômenos indicativos de

adaptação psicológica durante os ciclos de desenvolvimento humano” (s.p). Frente a esse

paradigma, o conceito começou a ser associado à ideia de que “ser resiliente” estaria ligado a

traços ou características inatos de personalidade das pessoas que seriam capazes de se

desenvolver, mesmo sob condições adversas.

As pesquisadoras Yunes e Szymanski (2001) ao fazerem uma análise sobre estudos

com foco no indivíduo, como por exemplo, os desenvolvidos por Garmezy, Rutter, Werner e

Smith, puderam concluir que em nome da ciência, os mesmos estudavam as crianças e

adolescentes numa perspectiva individualista, sendo que ao focar em disposições pessoais, as

percebiam como atributos imperiosos a um bom desenvolvimento diante da exposição a

diferentes mecanismos mediadores de risco. Contudo, alguns desses autores reviram seus

argumentos com o passar dos anos, em especial frente aos debates e críticas recebidas em

diferentes espaços de formação e divulgação das pesquisas científicas. Um exemplo a ser

destacado é o de Rutter, (1987 apud YUNES & SZYMANSKI, 2001) que passou a considerar

a influência do contexto social ao definir resiliência, além de assinalar que a “condição de

resistência” de uma pessoa frente a uma adversidade varia de indivíduo para indivíduo, bem

como deve variar também de acordo com o grau e a qualidade da adversidade.

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Com o intento de ampliar o entendimento do conceito de resiliência, Yunes e

Szymanski (2001) destacam a necessidade de se contemplar as relações entre os conceitos de

risco e resiliência, a fim de que os estudiosos sobre o tema possam superar em suas pesquisas

compreensões individualizantes que desconsideram a heterogeneidade dos seres humanos.

Ainda nessa perspectiva, com o intento de construir um conceito processual, dinâmico

e relativo, Libório, Castro e Coelho (2006) apontam algumas perspectivas que deveriam ser

abandonadas, no que se refere às conceituações de resiliência. Conforme os autores, tais

perspectivas seriam: as absolutizantes, deterministas, estáticas, estigmatizantes,

individualizantes e não relacionais. Em estudo mais contemporâneo, Libório (2011) sinalizou

que para além de todas essas perspectivas, seria preferível que se rompesse com concepções

universalistas que não consideram as práticas culturais em diferentes contextos relacionais e

sua relação com a construção de processos de resiliência.

Ao fazer uma busca de pesquisas sobre resiliência que contemplam as dimensões

processual, dinâmica e relativa, encontrei vários exemplos de estudos qualitativos

desenvolvidos pela equipe coordenada por Michael Ungar e Linda Liebenberg, no Resilience

Research Centre, localizado em Halifax no Canadá, e que conta com 28 centros de pesquisas

espalhados por todos os continentes do planeta. Em uma dessas pesquisas Teron et al., (2011)

analisaram adolescentes órfãos da África do Sul e adolescentes imigrantes mexicanos e que

viviam no Canadá. O objetivo da pesquisa estava relacionado à possível identificação dos

fatores culturais que funcionavam como raízes potenciais de resiliência na trajetória desses

jovens que aparentemente estavam “prosperando” em circunstâncias adversas (pobreza e

transições familiares). Baseados numa perspectiva socioecológica de resiliência, por meio da

utilização de diferentes métodos qualitativos de pesquisa (observação participante, foto-

elicitação, entrevistas e filmagem de um dia da vida dos participantes), os autores constataram

que as convenções culturais tradicionais funcionavam como elementos de proteção na vida

desses adolescentes (parentesco, cultura da partilha, filiação religiosa, língua materna, adultos

e jovens como co-facilitadores culturais). Os autores concluíram que a participação nas

atividades da família e comunidade favorece o fortalecimento de sua identidade, no caso

dessa pesquisa os adultos funcionaram como recursos de proteção.

Outro estudo realizado por Ungar (2011) foi o que propôs quatro princípios básicos

para a interpretação socioecológica de resiliência: descentralidade, complexidade,

atipicabilidade e relatividade cultural. No princípio da descentralidade afirma-se que o

ambiente determina as ações das crianças, ou seja, a descentralidade propõe a superação de

visões que focam a atenção nos traços individuais das crianças e adolescentes. O segundo

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princípio, o da complexidade, propõe que se evite as generalizações, posto que as pessoas se

desenvolvem contextualmente e temporalmente. Por vez, o princípio da atipicabilidade, vem

delinear a ideia de que nem sempre um ambiente degradado produz vulnerabilidade, dessa

forma, não se deve dicotomizar comportamento bom x comportamento ruim. Até mesmo

porque, a maneira como os ambientes das crianças as protegem podem estar relacionados à

escassez de recursos. E por último, o princípio da relatividade cultural, pontua que o

crescimento positivo sob estresse deve ser visto como definido culturalmente e temporalmente

(historicamente). Assim, o referido pesquisador traz em seu texto uma citação própria de outra

obra em que procura definir o conceito de resiliência viável nessa vertente.

No contexto de exposição às adversidades significativas, a resiliência é tanto a

capacidade dos indivíduos para navegar o seu caminho psicológico, para recursos

sociais, culturais, físicos que sustentam o seu bem estar, e sua capacidade individual

e coletiva para negociar recursos que estão ausentes (UNGAR, 2008, p.225 apud

UNGAR, 2011).

O autor defende que os processos de resiliência se fazem presentes, quando um

indivíduo frente às adversidades significativas em sua vida, consegue se mobilizar

individualmente ou coletivamente por recursos sociais, culturais, físicos, que nem sempre

estão disponíveis ao seu alcance.

Outro autor que merece ser destacado é Ojeda (2005), que ao analisar o conceito de

resiliência empregado em 44 projetos sobre o tema em países da América Latina,

desenvolvidos até o período de março de 2001, concluiu que a resiliência comunitária seria a

marca central dos povos latino-americanos. O referido ressalta:

Tanto por sua geografia como por suas condições sociais, é um continente propenso

a sofrer grandes catástrofes naturais e sociais: terremotos, inundações, ciclones,

guerras civis, guerrilhas, repressões insensatas etc. Podemos dizer sem exagerar, que

cada comunidade latino-americana enfrentou desastres e catástrofes que desafiam

sua resiliência, em sentido coletivo. Além disso, desde as culturas maia e inca, há

uma grande tradição de solidariedade social, para responder com esforço coletivo a

essas situações de emergência (OJEDA, 2005, p.49).

Em suas análises, o pesquisador pontua ainda sobre quatro pilares que são comuns nas

comunidades latino-americanas e que promovem a resiliência comunitária: autoestima

coletiva (sentimento e orgulho do lugar que se vive, além do reconhecimento de que cada um

é parte integrante da sociedade coletiva); identidade cultural (incorporação de costumes,

valores, expressões idiomáticas, danças, canções inerentes ao grupo como um meio para

afrontar a influência de “culturas invasoras”); humor social (“ [...] encontrar a comédia na

própria tragédia [...] estratégia de ajuste que ajuda na aceitação madura da desgraça comum e

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facilita certo distanciamento do problema, favorecendo a tomada de decisões para resolvê-lo”

(p.51) e honestidade estatal (consciência coletiva que condena a desonestidade daqueles que

estão no exercício da função pública).

Um aspecto que merece ser problematizado é que parece haver um posicionamento

por parte do autor sem uma verdadeira fundamentação histórica e objetiva dos grandes

acontecimentos que marcaram/marcam os povos da América Latina. Ao tomar como exemplo

os dois últimos elementos, poderia contra-argumentá-los, para o primeiro caso em que o

distanciamento tanto pode ser crítico, como pode ser alienado, ao passo que se pode cair num

conformismo diante de algumas situações, como se o problema fosse alheio. E pensar em

honestidade estatal na América Latina soa como fechar os olhos para a realidade, pois o

referido continente possui vários dos países mais corruptos do mundo.

Power e Gonzalez (2003) ao fazer uma análise do ‘Corruption Perceptions Index’

(CPI), relatório produzido pela Transparência Internacional (TI), organização não

governamental que tem o intento de monitorar a corrupção no mundo, constataram que países

como México, Peru, Brasil, Argentina e Venezuela, por exemplo, encabeçam a lista dos mais

corruptos e com menores índices de confiança interpessoal. Os autores concluíram por meio

desse estudo quantitativo que o nível de corrupção em um país está fortemente associado ao

tipo de regime político e ao nível de desenvolvimento econômico. Contudo, os mesmos

pontuam que algumas características culturais agregam poder explicativos aos modelos, ao

contextualizar as interpretações macroeconômicas e macropolíticas da corrupção.

Ojeda (2005) também pontua sobre os elementos que reduziriam a resiliência

comunitária: autoritarismo (em especial, por parte dos governos/ditaduras); corrupção (desvio

de verbas, contribuições/ interesse privado prevalece em detrimento do público); fatalismo

(atitude passiva diante da desgraça) e malinchismo (admiração obcecada por tudo que é

estrangeiro).

Ao analisar tais estudos e pesquisas percebo um avanço, se comparado às

conceituações empregadas no início da década de 1970, até mesmo porque nesse período a

Psicologia, passou a incorporar o conceito de resiliência de maneira muito próxima, a que

vinha sendo feito pelas áreas de Física e Engenharia (não deformação dos materiais). Assim,

difundia-se a ideia de que “ser resiliente” estaria associado a um traço biológico ou

característica inata, de indivíduos que eram capazes de se desenvolver mesmo que diante de

situações adversas/ fatores de risco em suas vidas.

Porém, mesmo diante de tais avanços, acredito que os referidos estudos não discutem

alguns elementos centrais e que por vez não favorecem uma análise que contemple o processo

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de transformação ou superação da realidade vivida, e que por consequência exerce influências

cruciais no processo de constituição das personalidades humanas, dentro de um contexto que

é histórico e dialético.

Nessa perspectiva, apresentarei três estudos que produziram avanços significativos

com relação à temática da resiliência numa perspectiva histórico-cultural. Considerando

alguns elementos presentes nas obras de Edwards e Apostolov (2007) “A cultural-historical

interpretation of resilience: the implications for practice”; o relatório de pesquisa21

de Libório

(2011) “Negociando resiliência: processos protetivos de adolescentes em contextos potenciais

de risco” e a dissertação de mestrado de Mondini (2011) “Resiliência e medidas

socioeducativas: síntese dialética de múltiplas determinações”, importantes obras para a

reflexão acerca do tema.

A obra de Edwards e Apostolov (2007) expande o conceito de resiliência por meio da

Teoria da Atividade Histórico-Cultural (CHAT), com base nas leituras de Leontiev e

Vigotski, ao propor que o indivíduo em análise seja percebido como alguém capaz de intervir

para remodelar as condições sociais de seu desenvolvimento. Dando continuidade nas análises

iniciais sobre o tema, os pesquisadores propõem que se faz necessário o trabalho com crianças

vulneráveis e seus familiares para se compreender a totalidade das circunstâncias de vida dos

mesmos. E, para que os mesmos consigam “negociar” e buscar aquilo que a sociedade tem a

oferecer, sendo que isto não deve ser percebido numa concepção homogênea de sociedade,

pois a sociedade capitalista cria cada vez mais condições para alienar os que se encontram

vulnerabilizados.

Há que se destacar que a busca pela totalidade, como mencionada pelos

investigadores, deveria envolver outras esferas de relações sociais para além da família e da

escola. De fato, um sistema complexo de relações é uma totalidade, mas nesse caso há a

menção de unidades e, não “a” totalidade em si. Acredito que há então, uma “circunscrição”

da totalidade a ser considerada, a realidade social-vivencial das crianças com seus pares, seus

professores, seus parentes e amigos.

Na referida obra, os autores analisaram dois estudos desenvolvidos na Inglaterra nos

anos de 2000 a 2004, e de 2000 a 2008, e explanam sobre o como se faz necessário criar

trajetórias de inclusão aos “desfavorecidos socialmente” para que os mesmos possam ter

melhores condições de desenvolvimento. Assim, avaliaram o como os profissionais aprendem

a trabalhar colaborativamente na prevenção da exclusão de crianças e adolescentes no

21

Relatório de Pesquisa não publicado e financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São

Paulo (FAPESP).

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primeiro estudo. No segundo estudo, os mesmos analisaram o como os programas com esse

caráter “impulsionam” a vida de crianças e adolescentes de 05 a 13 anos de idade.

Há que se pontuar outros elementos evidenciados na obra de Edwards e Apostolov

(2007), ou seja, que a resiliência deve ser entendida como uma “potencialidade” para se

contribuir/ usar os recursos disponíveis à humanidade, além de compreender a resiliência na

simultaneidade entre individual e social, sendo que ao mudar as interpretações e ações, muda-

se num primeiro momento o mundo que se vive (o mundo mais próximo de nós). Fica

evidente o quão necessário se faz adotar o conceito de “Agência Relacional” (Relational

Agency), ou seja, as contribuições inter-profissionais de prevenção a exclusão social

requerem novas formas para se pensar sobre as práticas de cuidados profissionais no

atendimento as crianças e famílias vulnerabilizadas. Destarte, inicialmente a Agência

Relacional envolve a capacidade para relacionar nossas interpretações com a de outras

pessoas sobre o problema da prática, para expandir o objeto da atividade profissional e, num

segundo momento relacionar nossas respostas com a de outros especialistas (coletivo). Há que

se ressaltar ainda a ênfase dada as práticas participativas, nas quais as famílias, crianças e

profissionais definem juntos sobre os recursos que eles necessitam.

No que se refere à pesquisa desenvolvida por Libório (2011), a mesma contou com a

participação de 16 adolescentes expostos aos seguintes aspectos em suas trajetórias de

desenvolvimento (abuso sexual, extrema pobreza, ter uma deficiência e trabalho infantil).

Ficou evidente a não pretensão em generalizar os elementos encontrados em sua pesquisa,

mas que os mesmos poderiam ser úteis na superação de concepções universalistas e

generalizantes de resiliência. Na concepção de resiliência em associação com os fatores

protetivos, a autora pontua sobre a indissociabilidade entre indivíduo, relações e comunidade,

sendo que as práticas culturais se demarcam e concretizam no interior das comunidades e

instituições onde os adolescentes encontravam-se expostos/residiam, sendo carregadas de

significações culturais:

O ponto central de minha compreensão de resiliência refere-se ao impacto que a

participação nessas práticas culturais tem na construção de resiliência e processos

protetivos que ajudam os adolescentes a construírem significações positivas de si

mesmos no interior das relações interpessoais de qualidade com os outros, os

levando a enfrentar seus desafios com mais recursos e quando esses estão ausentes,

se posicionando como agentes de busca desses recursos, sendo protagônicos [...]

Defendo que, na medida em que as condições (sociais, físicas ou econômicas) as

quais os adolescentes estão expostos, a presença ou ausência de recursos materiais e

pessoais variam, a construção de resiliência também pode variar, pois ela se

constitui na interação desses fatores com os adolescentes, é nesse espaço de

articulação que resiliência vai se construindo [...]” (LIBÓRIO, 2011, s.p).

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A autora salienta que há que se garantir a superação de uma conceituação liberal de

resiliência, tendo que o indivíduo só construirá seus processos de resiliência por meio das

interações sociais, bem como pelas oportunidades existentes em seus contextos sociais,

econômicos e culturais, por meio da participação em práticas culturais oferecidas “nas

comunidades onde vivem, que delimitam sua constituição como ser histórico, sendo que é no

interior desse sujeito historicamente situado que a resiliência se constrói” (LIBÓRIO, 2011,

s.p).

Considerando as ponderações de Libório, elucido tal processo, como sendo algo que

transita do plano interpsíquico para o intrapsíquico. Ou seja, um processo que ao se dirigir

para o interior, potencializa os recursos próprios do indivíduo já consolidados, tanto quanto

sua atitude para recorrer a recursos de sua comunidade, os quais ainda o mesmo não dominará

sozinho.

Por vez, em sua dissertação de mestrado, Mondini (2011) por meio do aporte do

Materialismo Histórico Dialético, e ao explorar as categorias de “totalidade, contradição e

mediação”, em interface com o conceito de resiliência elaborou um arcabouço teórico, por

meio da revisão de literatura, bem como analisou ainda, a materialidade do ato infracional e

do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei.

Sobre os estudos de resiliência a investigadora aponta que eles são assimétricos,

divergem na interpretação do fenômeno. As análises e classificação desses estudos foram

realizadas por meio do método, tendo como princípios que na ideologia dominante é comum

os discursos que culpabilizam os pobres, que individualizam os fenômenos sociais, bem

como, que defendem sua psicologização.

Logo, na perspectiva assumida, caso sua investigação não tivesse começado pelos

determinantes mais gerais, a pesquisadora teria alcançado apenas uma representação caótica

do todo. Entendo que sua investigação buscou as bases concretas e históricas do fenômeno, ao

produzir uma viagem inversa, ao partir de sua abstratividade, e consequentemente chegar a ela

novamente. Até mesmo, porque, como já destacado em outro momento, a realidade não pode

ser apreendida de forma imediata pelos indivíduos. Baseando-se em Marx, Mondini (2011)

ressalta que:

O fenômeno é a representação da essência, ou seja, a essência se manifesta por meio

dele, a sua compreensão significa atingi-la. Entretanto, captar a essência não é uma

tarefa fácil, pois, na pseudoconcreticidade, essência e fenômeno se movimentam de

tal forma que se mostram e se escondem. O resultado da unidade da essência e do

fenômeno é a realidade [...] O fenômeno é imprescindível na busca pela essência,

uma vez que é por meio da aparência – do que se mostra- que podemos ir mais

profundamente até chegarmos à essência [...] Os fenômenos não têm existência

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própria, não são independentes, obedecem a uma lógica de movimento dialético do

real no qual a essência se esconde através deles, mas também se mostra, permitindo

a compreensão da realidade (MONDINI, 2011, p.45).

Dessa forma, o conceito de resiliência foi classificado e compreendido dentro da

materialidade da vida, a fim de buscar concepções amparadas no concreto e

consequentemente atingir a essência do fenômeno. A autora classificou os estudos sobre

resiliência em três grandes grupos: abstratos e acríticos, interacionistas, críticos e materialistas

históricos.

Conforme Mondini (2011, p.159), os estudos abstratos e acríticos (parcela expressiva

das pesquisas sobre o tema, especialmente as produzidas nos EUA) naturalizam e entendem a

resiliência como o reflexo de traços herdados pelo indivíduo. “O foco do fenômeno estaria no

indivíduo, deslocado do meio em que vive. Tal concepção aproxima o conceito do idealismo,

pois a consciência determinaria a vida”. Nessa vertente, o destaque fica por conta dos estudos

produzidos pela Psicologia Positiva, que têm dado grande ênfase aos aspectos patológicos dos

indivíduos.

Os estudos longitudinais de Werner (1996), Werner & Smith (1982) e Werner &

Smith (1989, 1992 apud YUNES, 2006, p.229-230) são um dos pioneiros nessa perspectiva.

Seu início se deu a partir de 1955 e, foram desenvolvidos ao longo de quarenta anos. Os

sujeitos dessas investigações foram 698 crianças nascidas em Kauai, no Havai. A pesquisa

acompanhou essas crianças até as idades de 2, 10, 18 e 32 anos, sendo que o principal foco

foram 72 crianças que apresentavam pobreza, baixa escolaridade dos pais, estresse perinatal,

baixo peso no nascimento ou a presença de deficiências físicas. Uma proporção significativa

dessas crianças eram filhas de pais alcoólatras ou que apresentavam distúrbios mentais.

Todavia, ao final dos estudos com essa população, os pesquisadores concluíram que

“nenhuma dessas crianças desenvolveu problemas de aprendizagem ou de comportamento”, o

que foi considerado “sinal de adaptação ou ajustamento” além da classificação como

resilientes. Assim, “os fatores que discriminaram o grupo “resiliente” tanto nas pesquisas de

1982 como na de 1986 incluíam: temperamento das crianças jovens [...]; melhor

desenvolvimento intelectual; maior nível de autoestima; maior grau de autocontrole [...]”. No

entanto, apesar de creditarem papel significativo à figura dos adultos (pais ou outros do

convívio social), os autores defendiam que a resiliência era fruto de traços individuais.

Diante de tais apontamentos, Mondini (2011, p.165) ressalta que “ainda que considere

os aspectos ambientais, essa perspectiva carece de materialidade, uma vez que naturaliza a

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resiliência e atribui ao indivíduo a sua promoção, ignorando as limitações impostas pelo

contexto social”.

Prosseguindo, Mondini (2011) classifica os estudos interacionistas, como aqueles que

compreendem a resiliência como resultado do processo de interação do indivíduo com o meio

(RUTTER, 1987), sendo que faz ainda algumas ponderações sobre os referidos:

Essa concepção auxilia na evolução do conceito e diminui o nível de abstração,

embora ela permaneça. Isto ocorre porque a resiliência não é compreendida como

um fenômeno dialético que leva em conta a subjetividade e as bases materiais de

vida dos indivíduos. Seu caráter processual passa a ser considerado, mas ela ainda é

entendida como algo natural, uma característica pessoal que se desenvolve se o

ambiente fornecer ao indivíduo os meios necessários (MONDINI, 2011, p.168).

Evidencia-se que o processo interativo entre pessoa e o meio serão determinantes,

para que o indivíduo possa se fortalecer e ser capaz de lidar com as adversidades presentes em

sua vida. Como exemplo, de definição de resiliência na perspectiva interacionista, Pesce,

Assis, Santos e Oliveira (2004) argumentam que:

Compreende-se resiliência como o conjunto de processos sociais e intrapsíquicos

que possibilitam o desenvolvimento de uma vida sadia, mesmo vivendo em um

ambiente não sadio. Este processo resulta da combinação entre os atributos da

criança ou jovem e seu ambiente familiar, social e cultural (PESCE et al., 2004,

p.135).

Tais proposições são baseadas em Rutter (1987), que defende a superação de qualquer

definição de resiliência que vincule o fenômeno como algo inato do indivíduo, ao ainda que o

mesmo vá adquirir durante seu desenvolvimento. Para o estudioso, a resiliência é um processo

interativo entre sujeito e meio, sobretudo ao ser visto como uma alteração individual em

resposta aos mecanismos mediadores de risco. Outro aspecto a ressaltar é que um mesmo

fator estressante pode ser percebido de formas diferentes entre as pessoas. Por conseguinte, a

resiliência não deve ser entendida como uma propriedade fixa do indivíduo, até mesmo

porque varia conforme as circunstâncias.

Mondini (2011) apresenta ainda alguns elementos que compõem as tendências críticas

e materialistas históricas. Sobre as concepções críticas, a autora chama atenção para o fato de

que elas compreendem a resiliência dentro de uma determinada realidade, consideram

questões sociais como as desigualdades, bem como questionam a naturalização e qualquer

forma de determinismo evidenciado nos estudos. Assim, alcançam um nível menor de

abstratividade, entretanto, não conseguem atingir a essência do fenômeno, tendo em vista que

não especificam a construção histórica de resiliência a partir da realidade concreta.

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Na tendência crítica, destaca-se a tese em Filosofia de Martineau (1999), que ao

analisar o conceito de resiliência, empregado até então, na maioria dos estudos e pesquisas

sobre o tema, pondera que eles vêm funcionando apenas como um código ideológico de

conformidade social, a serviço da classe dominante. Há uma crítica também aos programas

sociais e educacionais, que deveriam “auxiliar” crianças e adolescentes que se encontram em

situação de risco a superarem os obstáculos vivenciados, tendo em vista que na maioria dos

casos, o ensino oferecido a essas crianças e adolescentes está em conformidade com as

normas sociais da classe dominante. Esses programas não auxiliam no combate às

desigualdades geradoras da opressão e da exclusão social. Por fim, no intento, de superar os

discursos dominantes de resiliência, a pesquisadora defende que a resiliência não deve ser

vista como um conjunto fixo de características ou traços físicos. A resiliência é pluralista e

deve ser entendida como processo.

Também merecem destaque nessa perspectiva os trabalhos empreendidos por

Bronfenbrenner (1996); Libório, Castro e Coelho (2006); Ungar et al. (2005); Ungar et al.

(2011); Ungar (2011); Yunes (2006) e Yunes e Szymanski (2001) que basicamente defendem:

a desnaturalização do fenômeno; a contextualização dos sujeitos; a busca pela valorização da

concepção subjetiva de risco e proteção; bem como a compreensão de resiliência em sua

dimensão social e cultural. Na defesa de uma perspectiva crítica dos estudos de resiliência,

Yunes (2006) aponta que:

[...] não podemos prosseguir as discussões sem considerações críticas na ótica da

compreensão dos fenômenos sociais, principalmente neste momento histórico em

que os sentimentos de ameaça e insegurança violentam tanto de forma concreta

como abstrata os sistemas de crenças que dirigem o nosso viver. Fica, portanto, o

desafio para que os cientistas sociais venham a construir linhas de pesquisa

centradas num conhecimento que justifique os aspectos positivos e saudáveis da

natureza humana sem incorrer em classificações ou rotulações ideologicamente

determinadas (YUNES, 2006, p.241-242).

Conforme Mondini (2011) é a partir desse último grupo de trabalhos que se pode

avançar no fortalecimento de discussões sobre resiliência na perspectiva do Materialismo

Histórico Dialético ao atribuir-lhes concreticidade e superar visões naturalizantes e

universalistas. A autora pontua que são as vivências concretas e as condições sociais, que

serão responsáveis pela construção da subjetividade de um indivíduo (personalidade), e que

promoverão ou não a resiliência e farão com que os adolescentes consigam ou não se

posicionar frente às adversidades experienciadas. Tais pressupostos evidenciam que a

resiliência não é algo estabelecido a priori na personalidade do ser humano. E ao pensar sobre

os espaços, onde os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, por terem cometido

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atos infracionais ou por estarem em conflito com a lei, traz alguns elementos que podem ser

úteis nos desdobramentos desta tese:

Também é imprescindível considerarmos que a promoção de resiliência nesse

contexto estará dialeticamente relacionada à estrutura do Estado vigente, e a outros

aspectos, tais como o ambiente físico, a disponibilidade de atividades físicas e

educacionais, o envolvimento ou não da família e da comunidade nos programas

(MONDINI, 2011, p.40).

A partir desses aspectos, destaco que para se apreender o movimento real de um

fenômeno, faz-se necessário entender e romper com o modo dominante de pensar. Assim, a

resiliência como fenômeno tem sua essência assentada nas determinações do capitalismo. Por

conseguinte, um olhar dominante, continuará conferindo abstratividade a resiliência, ao

naturalizá-la, e ao entendê-la como processos que conduzem os indivíduos ao enfrentamento

das adversidades, todavia sem romper com as relações capitalistas de produção.

Mondini (2011, p.183) destaca que as análises da resiliência, a partir da tendência

Materialista Histórica e Dialética, deverão compreender o fenômeno como uma construção

social, mediada por mecanismos de risco e proteção. Tais mecanismos se farão presentes de

maneira dialética durante toda a vida dos indivíduos, e estarão “diretamente relacionados às

condições vivenciadas na sua realidade concreta”.

Essa visão dialética entre os mecanismos mediadores de risco e proteção, que se

efetiva por meio das relações sociais, nos permite ultrapassar a

pseudoconcreticidade, pois rompe com a relação linear que muitos estudos

estabeleceram entre tais mecanismos. A relação entre sujeito e sociedade não é

mecânica nem isolada da realidade concreta, é mediada por mecanismos que

promovem o enfrentamento das adversidades ou a vulnerabilidade, o que ocorre

dentro da totalidade das relações sociais e econômicas (MONDINI, 2011, p.198-

199).

Prosseguindo, a autora argumenta que se a resiliência for entendida como “um

processo que tem bases materiais nas relações sociais e que os sujeitos – seres históricos –

constroem sua subjetividade nesse processo”, haverá uma superação para além de qualquer

concepção abstrata (MONDINI, 2011, p.187). Tais argumentos reforçam inclusive, a relação

entre os conceitos de resiliência e consciência, a fim de que os indivíduos não percam o foco

que a luta maior dentro do modo atual de vida, deve ser a busca pela transformação social.

É inegável a qualidade e os avanços das produções teóricas propostas por Edwards e

Apostolov (2007), Libório (2011) e Mondini (2011). Não obstante, é por meio da Teoria

Histórico-Cultural, de base epistemológica e filosófica marxista, que problematizarei alguns

elementos, os quais entendo como necessários de serem aprofundados em nossos estudos,

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tendo em vista o desvelamento das contradições instaladas histórica e culturalmente nos

estudos sobre resiliência, esforço implementado no próximo item do capítulo.

Posto isso, entendo que uma das grandes contradições expressas no sistema de

organização capitalista refere-se ao fato de que, por mais que muitos indivíduos se

posicionem e/ou enfrentem as adversidades vividas, os mesmos estarão centrados apenas nos

processos da “resiliência em-si”. A resiliência em-si é o reflexo imediato da adaptabilidade ao

contexto social, ela não é suficiente para que as pessoas consigam se emancipar frente às

relações sociais. Até mesmo porque as condições sociais e objetivas decorrentes desse

sistema, também impedem o pleno desenvolvimento da personalidade humana, o que, por

conseguinte, não oportuniza ao homem o estabelecimento de relações conscientes com as

formas que produzem sua vida.

O termo “em-si” utilizado para designar a “resiliência em-si”, advém das produções de

Duarte (1999, 2007). Tal conceito foi utilizado para apresentar as diferenças presentes nas

objetivações genéricas (em-si e para-si), que por sua vez não têm existência independente da

história. A estrutura das objetivações genéricas em níveis reflete o grau de humanização

alcançado pelo gênero humano. A partir de Agnes Heller, o autor esclarece que ambas são

categorias tendenciais e relativas.

[...] São relativas porque tanto podem ser utilizadas tomando-se por referência a

relação entre homem e natureza, caso em que o ser-em-si será a natureza e o ser-

para-si a sociedade; quanto podem ser utilizadas considerando-se apenas o âmbito

da prática social humana, na qual o ser-em-si caracteriza a genericidade que se

efetiva sem que haja uma relação consciente dos homens para com ela e o ser-para-

si caracteriza a ascensão dessa genericidade ao nível da relação consciente

(DUARTE, 1999, p.135).

Vale reforçar que nesta tese estou denominando de “resiliência em-si”, o processo de

enfrentamento das adversidades vivenciadas por um indivíduo, mas que não oportuniza ainda

o estabelecimento de relações conscientes com as formas que produzem sua vida, o que

impede o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Tais argumentos reforçam que a

“resiliência em-si” está um degrau abaixo da emancipação e deverá ser superada por

incorporação. Por conseguinte, a emancipação só será possível por meio de um processo de

tomada de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais, o que reforça a

importância que a educação escolar pode ter em tal processo.

Para Duarte (1999), todos os indivíduos ingressam no gênero humano por meio de um

processo formativo em-si. Isso não significa que a apropriação das objetivações genéricas em-

si ocorra de forma similar para todos os seres humanos, independentemente do tempo

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histórico e da posição ocupada por cada no interior das relações sociais. Ninguém vive em

sociedade, sem realizar um mínimo que seja de apropriações dessas objetivações. Por fim,

quanto menos alienada a sociedade, mais estarão presentes no processo de objetivação do

indivíduo, as objetivações genéricas para-si.

2.4 Contribuições da Teoria Histórico-Cultural nas explicações do bullying escolar e da

“resiliência em-si”

A opção teórico-metodológica em analisar o bullying escolar e a “resiliência em-si”

diante da Teoria Histórico-Cultural justifica-se, a partir das possibilidades de seu intermédio

romper com o caráter abstrato e universalista presente em ambos os constructos sociais. Ao

entendê-los como submetidos ao desenvolvimento histórico e como reflexo das marcas da

organização capitalista, não se pode perder de vista o impacto do bullying escolar no processo

de construção da personalidade dos alunos por ele expostos, sobretudo, porque a

personalidade de um indivíduo se efetiva por intermédio das vivências concretas e objetivas.

E, a “resiliência em-si” ao ser entendida também como o resultado do processo dessas

vivências, bem como um mecanismo mediador de enfrentamento do bullying escolar, fará

com que alguns indivíduos consigam ou não se posicionar frente às adversidades

experienciadas (os participantes têm se posicionado efetivamente sobre as intimidações

sofridas), entretanto, adaptados a realidade social.

Sob o enfoque da Teoria Histórico-Cultural concebe-se/apreende-se o bullying escolar

e resiliência em sua totalidade, diante da síntese de múltiplas determinações da realidade em

que se encontram inseridos (CARMO & JIMENEZ, 2007; MONDINI, 2011; VIGOTSKI,

1993, 2006; VIGOTSKI, LURIA, LEONTIEV, 1989).

Diante desses pressupostos, um aspecto que precisa ser aprofundado nos estudos e

pesquisas sobre bullying escolar e resiliência, e que não podem ser negligenciados,

fundamentais da teoria de Marx e presentes em Vigotski é sua compreensão a partir do

Método Materialista Histórico Dialético, como condição para alcançar a essência de ambos os

fenômenos (ASBAHR, 2005; DUARTE, 2007; PASQUALINI, 2006; TANAMACHI &

VIOTTO FILHO, 2012).

Sobre a utilidade do referencial teórico marxista, Silva, Silva e Martins (2006, p.08)

afirmam que “continua sendo a única base teórica para a compreensão crítica do modo de

produção capitalista, e principal referência para a atuação transformadora do atual regime

econômico e político fundado na propriedade privada”, compreensão que explicita a

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83

característica de crítica social presente na proposição marxiana de compreensão do homem e

da sociedade.

Duarte (2007) menciona que para se estudar na perspectiva da Teoria Histórico-

Cultural faz-se necessário contemplar cinco hipóteses: 1ª hipótese – para se compreender o

pensamento de Vigotski é condição “sine qua non” estudar os fundamentos filosóficos

propostos por Marx; 2ª hipótese – a obra de Vigotski tem que ser estudada como parte de um

todo maior:

Assim, é um grande equívoco pretender depurar a psicologia de Vigotski de seu

marxismo, isto é, de sua teoria histórico-cultural do psiquismo. Ao invés de buscar

autores que interpretam Vigotski procurando distanciá-lo de Marx, devemos

procurar compreender o que da obra deste fundamenta a obra daquele. Esse é um

aspecto não-secundário com o qual é preciso ter muito cuidado. As pessoas não

precisam ser marxistas para ler Vigotski, mas é muito pouco provável que se possa

entender Vigotski sem um mínimo de conhecimentos da filosofia de Marx, de seu

método, de sua concepção de homem como um ser histórico (DUARTE, 2007,

p.79).

Prosseguindo, o referido autor destaca na 3ª hipótese que “a escola de Vigotski não é

interacionista nem construtivista” (p.82). O modelo epistemológico do interacionismo/

construtivismo aborda o psiquismo humano por um viés biológico, o que difere do psiquismo

enquanto um fenômeno histórico-cultural.

Na 4ª hipótese, Duarte (2007) chama atenção para o fato de que é urgente que os

educadores brasileiros tenham uma relação consciente para com as obras de Vigotski, com o

intento de não tornar superficial nossas leituras e intervenções na esfera escolar.

E, por último, a 5ª hipótese estaria centrada na crítica ao se propor uma leitura

escolanovista de Vigotski e colaboradores. Em oposição à leitura escolanovista, Duarte (2007)

defende uma Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2003; SAVIANI & DUARTE, 2012),

pois reconhece a homogeneidade epistemológica entre a Teoria Histórico-cultural e a

Pedagogia Histórico-Crítica, fator essencial para se construir uma relação entre esses aportes

teóricos, com objetivo de colocá-los a serviço da educação, com vistas a um processo

revolucionário, na busca pela transformação social. Por seu intermédio, os estudantes

poderiam superar concepções idealistas e fragmentárias que não os auxiliam no pleno

desenvolvimento da personalidade.

Ao escolher fenômenos para analisar/explicar, como no caso desta tese, o bullying

escolar e a “resiliência em-si”, faz-se necessário garantir a sua análise e compreensão por

meio da categoria de totalidade, considerando a manifestação desses fenômenos na sociedade

alienada, tendo em vista que Marx e Engels (1974), ao analisarem a organização do trabalho

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no modo de produção capitalista, pontuam que o mesmo é carregado de “fragmentações” que

atrapalham a tomada de consciência por parte dos operários. Diante disso, reforço a

necessidade de compreensão do bullying escolar e da “resiliência em-si” considerando a

totalidade da sociedade.

Vigotski (1995), na busca da totalidade dos fenômenos psicológicos, para

compreender a concretude dos mesmos desde a sua raiz material, sempre foi favorável a uma

análise explicativa dos fenômenos em oposição a sua descrição imediata, que não vai além

das aparências. Para o autor,

[...] a verdadeira missão da análise em qualquer ciência é justamente a de revelar ou

por em evidência as relações e os nexos dinâmico-causais que constituem a base de

todo o fenômeno. Dessa forma, a análise se converte de fato na explicação científica

do fenômeno que se estuda e não apenas em sua descrição do ponto de vista

fenomênico (VIGOTSKI, 1995, p.101, tradução minha)22

.

No que se refere à compreensão adotada dos fenômenos do bullying escolar e da

“resiliência em-si”, estou tentando investigá-los para além do que está posto, ou seja, analisar

em que contexto tais conceitos foram construídos; qual a lógica presente por trás das

conceituações divulgadas no meio acadêmico, meios de comunicação e senso comum, a fim

de realizar a devida crítica e superação de concepções superficiais e individualizantes acerca

desses fenômenos.

Tendo em vista que o bullying escolar é um problema de relacionamento interpessoal,

é importante não perder de vista que as relações interpessoais são o reflexo do meio social, de

tal forma que o social não está fora e dicotomizado de cada um de nós. Ao ser construído

historicamente e culturalmente, o bullying escolar traz implícito, as marcas do individualismo,

por intermédio da cultura da vaidade e efemeridade das relações sociais, que dificultam o

desenvolvimento da empatia e a compreensão do ponto de vista alheio e vice-versa na

sociedade capitalista.

Sobre a influência do social, desde o nascimento, na formação da personalidade das

crianças, Vigotski (2006) pondera que:

[...] a diferença essencial entre o meio da criança e do animal é que o primeiro é

social, sendo a criança uma parte do ambiente e, que esse meio nunca é externo para

ela. Se a criança é um ser social e seu meio é o meio social, segue-se, portanto, que a

22

Original: [...] la verdadera misión del análisis en cualquier ciencia es justamente la de revelar o poner de

manifiesto las relaciones y nexos dinámico-causales que constituyen la base de todo fenómeno. En esta

proporción, el análisis se convierte de hecho en la explicación científica del fenómeno que se estudia y no sólo

su descripción desde el punto de vista fenoménico.

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própria criança é parte do ambiente social (VIGOTSKI, 2006, p.381-382, tradução

minha) 23

.

Diferente da maioria dos estudos sobre bullying escolar, que não focam na raiz do

problema que se encontra nas mediações sociais, geradoras de tais situações, esta tese defende

que para se compreender o bullying escolar, não se deve entendê-lo como sendo de

responsabilidade exclusiva de um sujeito particular, pois essa seria uma leitura imediatista e

individualizante da questão. Há que se ter clareza quanto à necessidade da sociedade em

querer adaptar os indivíduos a situações problemáticas vividas, ao invés de incentivar a

“emancipação dos homens e da sociedade” (ANTUNES & ZUIN, 2008, p.36).

Os aspectos apresentados por Antunes e Zuin (2008) levaram-me a refletir sobre os

processos de “resiliência em-si”, pois um indivíduo não pode se contentar apenas, com a

superação momentânea das adversidades vivenciadas e, ao mesmo tempo continuar centrado

nos processos de relações instauradas historicamente pelo capitalismo. É válido destacar que

na direção da superação da sociedade capitalista, a única via é a revolução social, situação que

não será enfrentada, antes de se começar a trabalhar com as crianças e adolescentes,

principalmente pela via do processo de construção de consciências críticas junto a esses

sujeitos e demais sujeitos da sociedade, em especial por meio da educação escolar, o que se

refletirá num desenvolvimento livre e universal da personalidade humana. Sobre essa

proposição, aponto em Oliveira (2005) a sustentação para tal:

[...] No entanto, se ao ultrapassar esse primeiro momento de imediatismo do

pensamento, é possível notar-se que, para conhecer a realidade, não basta estar nela

como uma garantia de já conhecê-la, pois se estaria permanecendo no mero nível da

obviedade, já que a realidade não se limita ao imediatismo dado, pensado ou sentido.

Como foi dito anteriormente, essa obviedade impede qualquer pensamento mais

elaborado, necessário para uma reflexão crítica sobre essa realidade a fim de

conhecê-la desde suas raízes até suas manifestações, o que, por sua vez, impede uma

efetiva atuação sobre essa realidade no sentido de transformá-la (OLIVEIRA, 2005,

p.36).

Sobre as possibilidades concretas existentes para a transformação desses temas, no

sentido da emancipação dos indivíduos, acredito que ao mesmo tempo em que é necessário

lutar e buscar a superação da sociedade alienada faz-se urgente a busca pela transformação da

prática pedagógica da escola. Há que se garantir um espaço de aprendizagem de questões

éticas, axiológicas e afetivas, bem como um espaço em que de fato se valorize tais questões,

23

Original: [...] la diferencia esencial entre el medio del niño y del animal radica en que el primero es social,

en que el niño es una parte del entorno vivo, que ese medio no es nunca externo para él. Si el niño es un ser

social y su medio es el medio social, se deduce, por tanto, que el proprio niño es parte del entorno social.

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porque de nada adiantaria uma escola que apenas disseminasse o conhecimento científico

mais elaborado e que não oferecesse a direção para onde levar o referido conhecimento e para

que utilizá-lo (FELIX, 2013).

Diante de tais aspectos, ressalto em Duarte (2000) dois princípios contemplados no

Materialismo Histórico Dialético e que se fazem presentes nas leituras de Vigotski sobre os

fenômenos psicológicos. O primeiro sustenta-se na ideia de que se deve sempre partir das

análises mais desenvolvidas de um fenômeno e retornar as estruturas mais simples do mesmo,

para compreendê-lo na sua concretude. O segundo princípio assegura a compreensão de que o

conhecimento humano é um reflexo da realidade objetiva no pensamento, ou seja, a realidade

determina as experiências e cria as possibilidades de desenvolvimento humano.

Por conseguinte, o fato de a realidade determinar as experiências, não implica que os

indivíduos devam ser passivos diante dela, pelo contrário, deve-se agir sobre ela, pois a

própria experiência deriva da prática, mais uma vez essa prática pode ser de diversas

naturezas, mais ou menos alienada, mais ou menos crítica, e nesse movimento encontram-se

os indivíduos apropriando-se a objetivando-se nesse processo. A realidade mesma é ainda

fragmentada, é ideologicamente orientada, lembrando que para Marx e Engels (1974),

ideologia significa uma visão parcial da realidade vendida ou tomada como verdade absoluta,

ou total. Faz-se imperioso pensar nos indivíduos diante da realidade, considerando suas

possibilidades histórico-culturais para compreender a formação de sua personalidade nesse

processo, bem como as possibilidades de se ir além da “resiliência em-si”, diante das

adversidades sociais.

No que tange ao primeiro princípio, ao eleger o bullying escolar e a “resiliência em-si”

para serem analisados, devo começar desde sua forma mais desenvolvida até sua gênese e

vice versa para evitar distorções e promover uma análise explicativa da relação dialética entre

a parte e o todo (totalidade). E, no que diz respeito ao segundo princípio, ele está fortemente

associado ao conceito de atividade, apresentado pelos psicólogos russos, em especial, nas

obras de Leontiev (1978, 1983), em que a atividade socialmente significativa é o princípio

explicativo da consciência que é construída de “fora para dentro”, ou seja, origina-se de

relações interpsíquicas e avança na construção de relações intrapsíquicas.

Leontiev (1983) ressalta que o pensamento e a consciência são determinados pela vida

real, através das relações sociais e objetivas. Tal processo terá influência decisiva no processo

de constituição da personalidade humana, tendo em vista que ao longo do desenvolvimento da

sociedade, a consciência humana vem sofrendo transformações. As transformações sofridas

pela consciência são fruto das condições de desenvolvimento da divisão social do trabalho. A

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expropriação econômica gerada pela iniciativa privada conduz a alienação, a desintegração da

consciência das pessoas.

Para Duarte (2004) ao se fazer uma interpretação explicativa das obras de Leontiev,

fica evidente alguns elementos que devem estar presentes nas análises sobre a “Teoria da

Atividade”, como por exemplo, o que diz respeito à relação entre a estrutura objetiva da

atividade humana e a estrutura subjetiva da consciência. Outro elemento centra-se na

diferenciação entre a estrutura da atividade animal X a estrutura da atividade humana. No

primeiro caso, há uma relação imediata entre o objeto da atividade e a necessidade do animal

agir sobre tal objeto. Entretanto, a atividade coletiva humana cada vez mais, ao longo da

história, vem assumindo a forma mediatizada.

[...] Vista em si mesma, uma ação individual integrante de uma atividade coletiva

pode até mesmo aparentar não manter relação com o motivo dessa atividade, se não

forem levadas em conta as relações entre essa ação individual e o conjunto das ações

que constituem a atividade coletiva [...] Dado esse paço inicial na gênese histórica

da estrutura mediatizada da atividade social humana e do seu reflexo no psiquismo,

isto é, a estrutura mediatizada da consciência, desdobrou-se todo um processo social

de desenvolvimento da consciência em meio às contradições que marcaram a

história da sociedade de classes, a história da divisão social do trabalho e a história

da propriedade privada. (DUARTE, 2002, p.285 e 286).

Nesse bojo de discussões, reafirmo o impacto da alienação em situações de constante

intimidação e de perseguição ao outro, por meio de práticas tidas como bullying. O bullying

escolar praticado está ligado à internalização de diversas situações opressoras e intimidadoras

calcadas em afetos. No caso, a linguagem socialmente construída, vem sendo utilizada com o

intento de ferir, de afetar o outro, e isso talvez se dê por conta de outros afetos, que estejam

relacionados à busca por reconhecimento dos agressores perante o coletivo. Daí é que ressalto

a importância de se considerar as relações entre intelecto e afeto na construção da

personalidade dos envolvidos em situações de intimidação.

Vigotski (2001) já chamava atenção para o fato de que quando se fala da relação entre

o pensamento e a linguagem com outros aspectos da vida e da consciência, a primeira questão

a surgir refere-se à relação entre o intelecto e o afeto. A separação entre a parte intelectual da

consciência humana e a sua parte afetiva e volitiva é um dos defeitos mais radicais de toda a

psicologia tradicional. Nesse caso, o pensamento se transforma inevitavelmente em uma

corrente autônoma de pensamentos que pensam a si mesmos, dissocia-se de toda a plenitude

da vida dinâmica, das motivações vivas, dos interesses, dos envolvimentos do homem

pensante e, assim, se torna ou um epifenômeno totalmente inútil, que nada pode modificar na

vida e no comportamento do homem, ou uma força antiga original e autônoma que, ao

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interferir na vida da consciência e na vida do indivíduo, acaba por influenciá-los de modo

incompreensível.

Por vez, a “resiliência em-si” como resultado do processo de um enfrentamento

possível, porém parcial das adversidades experienciadas na atualidade, também merece ser

analisado com cautela. Os processos individuais de constituição da personalidade humana são

expressões das condições e contradições postas pelas circunstâncias objetivas de vida, dessa

forma, muitas das práticas sociais e culturais que os indivíduos têm contato e se apropriaram,

apresentam caráter paliativo, ao não favorecerem a real emancipação dos indivíduos.

Como já mencionado em outros momentos, ao identificar e analisar os mecanismos

mediadores de risco e proteção presentes no cotidiano de adolescentes expostos ao bullying

escolar, por meio das práticas sociais e culturais que os mesmos realizam, bem como na

articulação entre as dimensões interpessoais e suportes da comunidade onde vivem, poderá ser

compreendido os processos de “resiliência em-si” que promovem o enfrentamento do

fenômeno. Entretanto, as práticas e espaços que os indivíduos têm contato apresentam

concepções idealistas e fragmentárias que não os auxiliam no desenvolvimento livre e

universal da personalidade, bem como numa transformação das relações sociais. A escola que

por meio do conhecimento científico poderia contribuir para que os estudantes pudessem ter

consciência da realidade e auxiliar num processo revolucionário, não vem cumprindo com sua

função social.

É preciso assumir o conceito de personalidade para se discutir a questão, frente ao fato

de que o conceito pode abarcar atitudes, caráter, valores morais e éticos, visão de mundo de

sujeitos que passam a ‘fazer parte de si’ por meio do contato com o outro, dentre outras

características relacionadas às formas de ser, pensar, sentir, agir, de cada sujeito, e que podem

remeter à “resiliência em-si”. Todavia, sem perder de vista que no contexto atual, por mais

que os indivíduos sejam mais ou menos conscientes das adversidades sofridas, eles ainda são

impedidos de se desenvolver livremente e plenamente no nível da individualidade para-si,

mantendo-se no nível da individualidade em-si (DUARTE, 1999).

Retomando, de acordo com Duarte (1999) as categorias em-si e para-si expressam

tendências e não estados puros. A primeira apresenta-se enquanto uma tendência, na qual o

indivíduo não apresenta ainda, uma relação consciente para com o processo de objetivação

frente às condições objetivas presentes em sua vida. Por sua vez, a categoria para-si expressa

uma tendência em que o processo de objetivação do gênero humano ocorre de maneira

consciente, enquanto gênero e humanidade. Ou seja, no processo de formação do indivíduo,

há cada vez mais uma relação consciente com sua individualidade mediante as condições

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objetivas presentes em sua vida. Há que se ressaltar ainda que “no caso da esfera das

objetivações genéricas para-si, da generecidade para-si, esta começa a se constituir somente a

partir de certo nível de desenvolvimento histórico-social”. (DUARTE, 1999, p.135-136).

Defendo que tais objetivações sejam consideradas frente às análises sobre a

“resiliência em-si”, ao passo que por mais que o gênero humano tenha adquirido um “status

de livre e universal”, a maioria dos homens singulares não tem acesso à parcela significativa

das apropriações do gênero humano. Essas que poderiam resolver vários problemas postos à

humanidade (OLIVEIRA, 2005). Tais discussões deveriam ser condição sine qua non nos

estudos sobre o fenômeno supracitado, ao se tentar romper com leituras neoliberais e

alienadas que apenas defendem a manutenção das relações sociais.

Marx e Engels (1974) enfatizavam que a história de um indivíduo não pode ser

desvinculada da história da humanidade. É fato que a história desvela uma realidade que se

consolidou como o ponto inicial para a construção das funções psicológicas superiores, bem

como para a formação da personalidade humana e para a construção do mundo desigual em

que se vive. Daí a importância de se refletir sobre as categorias de apropriação e objetivação e

sua efetivação na sociedade alienada.

De acordo com Marx (1983) é na relação homem-natureza que tais categorias ganham

consistência. Ao se apropriar da realidade natural, o homem modifica a natureza

transformando os objetos naturais em instrumentos utilizados nos processos de socialização

conferindo-lhes características humanas e, por conseguinte, acaba transformando sua própria

natureza. Quando o homem apropria-se da matéria transformada/ produzida pelo próprio

homem, ocorre o processo de objetivação, ou seja, produz e reproduz a cultura humana e

nesse movimento cada sujeito humano se constitui.

O processo de apropriação da cultura humana necessita da mediação dos próprios

homens por meio da comunicação. Uma transformação qualitativa do processo de formação

humana só será possível por meio da distribuição/ socialização do que é produzido pela

humanidade em todas as esferas e, enfatiza-se, a socialização dos objetos culturais

qualitativamente diferenciados e plenamente desenvolvidos. A educação escolar passa a ter

papel de destaque nesse processo, sendo que uma mudança em sua prática pedagógica deverá

ocorrer. A escola precisa cumprir com sua função social, ou seja, socializar o conhecimento

científico, histórico, artístico e filosófico produzido historicamente, mediante questões éticas e

axiológicas, a fim de oferecer a direção para que tal conhecimento possa ser utilizado em prol

à consciência/intervenção crítica de seus alunos.

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Caso a educação escolar coloque em evidência tais aspectos, ela estará atuando por

contradição, tendo em vista que ao estar inserida no sistema capitalista, como um espaço a

serviço da burguesia e da manutenção do status quo, estará atuando em prol aos interesses das

classes populares ao socializar o conhecimento produzido historicamente. Esse processo

poderá favorecer com que os estudantes tenham uma leitura crítica sobre os conceitos do

bullying escolar e da “resiliência em-si”, além de compreenderem o que levou socialmente o

fenômeno bullying a se fazer presente nas escolas; em que contexto histórico/temporal o

bullying escolar passou a ganhar visibilidade; quais conceitos históricos advindos de

movimentos sociais de luta vêm sendo minimizados frente ao fenômeno; o porquê do

fenômeno estar ganhando novas configurações, como por exemplo, nos casos de

cyberbullying; o porquê da difusão do conceito de resiliência; sua visão de adaptação ao

contexto social.

Para além desses aspectos os estudantes poderão ainda incorporar uma nova

interpretação, por meio da síntese de suas múltiplas determinações e, assim, pensar

possibilidades nas quais os indivíduos encontrem condições sociais e culturais para se

emanciparem frente aos problemas vividos. Por meio de um posicionamento teórico-

filosófico, decorrente das apropriações dos objetos plenamente desenvolvidos e criados pela

humanidade, que garanta a consciência de que é por meio da mobilização e participação nas

esferas da coletividade que será possível produzir uma nova estrutura social e superar a

“resiliência em-si”, e as situações que favorecem ao aparecimento do bullying no ambiente

escolar.

Somente num outro plano de relações sociais é que o bullying escolar poderá ser

superado. A “resiliência em-si” também não mais existirá em sua configuração atual, ela será

incorporada por superação, haverá apenas possibilidades concretas de desenvolvimento de

indivíduos emancipados plenamente.

É importante ponderar sobre esses conceitos e os seus significados em uma nova

estrutura social, a partir de Vigotski (1995), que ao abordar a educação dos cegos, afirmou

“mudem-se os signos, mas mantenham-se os significados”. Contudo, não estou negando que

as palavras não deixam de carregar certas marcas que advém de suas próprias origens sociais

e históricas. Em pensamento e palavra, Vigotski (2001) elucidou sobre a importância do

significado:

Uma palavra sem significado não é uma palavra, é apenas um som oco. Portanto, o

significado é o recurso necessário, constitutivo da própria palavra. O significado é a

própria palavra vista em seu aspecto interno. Assim, parece que temos o direito a

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considera-la com suficiente fundamento como um fenômeno da linguagem

(VIGOTSKI, 2001, p.289, tradução minha)24

.

Entendo assim, que valha a pena entrar na luta pelos sentidos que, desde o referencial

epistemológico adotado nesta tese, tais palavras devam tomar ou não, na linha de Bakhtin

(1997) de que “cada signo é uma arena da luta de classes”. Trata-se de nessa luta apropriar-se

do conhecimento produzido historicamente e dos signos, por meio da educação escolar e

subverter os sentidos usuais do bullying escolar e da “resiliência em-si”. O bullying escolar

deverá ser entendido como uma manifestação de violência eminentemente humana, em

oposição a visões mais biologicistas e individualistas que apresentam o tema destoante das

influências sociais e culturais, como se o fenômeno fosse reflexo da relação imediata entre

dois indivíduos abstratos. A “resiliência em-si” deverá ser entendida como um processo capaz

de auxiliar os indivíduos a superarem as adversidades vivenciadas cotidianamente, todavia

sem perder de vista o quanto tais processos não são suficientes para o processo de

emancipação humana, bem como para a transformação das relações sociais de produção.

De fato só nessa hipotética nova estrutura social é que se pode ser realmente

emancipado “do reino da necessidade ao reino da liberdade”, até lá os indivíduos não serão

realmente emancipados, pois não se pode estar emancipado apenas no plano da consciência,

senão no da ação coletiva que envolve toda a humanidade. Mas, isso não nos deve deixar

pessimistas com relação as nossas pesquisas e a produção do conhecimento a ser difundido e

problematizado com os alunos nas escolas, pelo contrário, pois, como se sabe a sociedade

apresenta contradições, como destacado acima e são nessas contradições que se encontram as

possibilidades para a transformação, bem como as possibilidades para desenvolver uma práxis

pedagógica contra-hegemônica.

Silva, Silva e Martins (2006) enfatizam a importância do processo educativo e da

práxis pedagógica, tendo em vista que o aparato biológico garante apenas uma estrutura

biológica que define as pessoas como espécie humana, diferente de outros animais. Os

aspectos da formação do indivíduo, relacionados ao gênero humano, só podem ser

transmitidos na relação dos indivíduos com os seres humanos ou com as produções humanas.

Nesse sentido, caberia a educação o papel de mediação, na apropriação das produções

construídas pela humanidade.

24

Original: Una palabra carente de significado no es una palabra, es un sonido huero. Por consiguiente, el

significado es el rasgo necesario, constitutivo de la propria palabra. El significado es la propria palabra vista

desde su aspecto interno. Por tanto, parece como si tuviéramos derecho a considerarla con suficiente fundamento

como un fenómeno del lenguaje.

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92

Sobre o processo de mediação na educação escolar, Silva e Martins (2008) apontam

que o mesmo será efetivado pela relação dialética entre pensamento e linguagem:

A linguagem não é simplesmente um meio pelo qual expressamos nossas ideias e

experiências a um outro. Pelo contrário, ela é fundamental no próprio processo de

articulação do pensamento, que tem como mediação o signo. Envolve categorizar e

nomear objetos e sensações nos mundos exterior e interior, e fazer associações entre

símbolos mentais. De fato, é impossível concebermos o pensamento na ausência da

linguagem, e é a habilidade de formar símbolos mentais a fonte de nossa

criatividade. No entanto, importa considerar que os signos são sociais, ou seja, eles

não têm como ponto de constituição inicial o indivíduo, mas sim a estrutura e as

relações sociais. (SILVA & MARTINS, 2008, p.41).

É necessário fazer um esclarecimento para não cair numa trivialidade diante de tais

conceitos e do papel do professor nessa mediação. Ou seja, é importante que fique muito

claro ao leitor desta tese, que uma coisa é o trabalho do professor como mediação entre o

aluno e o conhecimento, e outra coisa é a mediação como processo pelo qual um ser humano

se relaciona com o outro mediante signos e sistemas de signos, sobretudo o sistema de signos

verbais. Para realizar a mediação como seu papel social, o professor envolve-se em processos

de mediação semiótica, ou mediação simbólica (caso que se trata especificamente da palavra),

não só se envolve neles, como é um agente organizador dos modos pelos quais tais processos

se dão, visando atingir sua atividade fim, que é a socialização do conhecimento sistemático,

científico, social e historicamente produzido. Todavia, mesmo sendo processos distintos não

quer dizer que se excluam.

Frente a tais apontamentos, analisarei alguns programas de intervenção ao bullying

escolar, a fim de ilustrar que não é qualquer tipo de mediação feita pela escola que auxiliará

em sua superação, até mesmo porque, a maioria desses programas apresenta caráter paliativo

e que, por conseguinte, tornam-se ideológicos e contribuem para a manutenção do bullying

escolar na sociedade. Como destacado na tese defendida, evidencia-se a importância da

educação escolar no processo de tomada de consciência, ao ser vista como um importante

espaço contra-hegemônico de formação política das classes oprimidas, rumo à consciência

sobre si.

2.5 Programas de intervenção ao bullying escolar: enfrentamento necessário ou

manutenção social?

Diante da proliferação e da visibilidade que o bullying vem ganhando por parte da

sociedade é que alguns programas de intervenção começaram a surgir no âmbito escolar em

vários municípios e estados do país. Entretanto, a maioria desses programas propõe apenas a

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resolução momentânea dos casos de bullying escolar por meio de estratégias que visam à

adaptação dos sujeitos a uma realidade que não é considerada em sua dinamicidade.

Vale apontar que quando me refiro aos programas de intervenção estou considerando

os mesmos como parte de um conjunto de elementos que compõem as Políticas Públicas

Sociais (VIEIRA, 1992). Todavia, o autor aponta que os programas apresentam apenas um

caráter emergencial para atender determinada categoria ou problemática.

Ao mencionar o conceito de políticas públicas (políticas sociais) “implica considerar

os recursos de poder que operam na sua definição e que tem nas instituições do Estado,

sobretudo na máquina governamental, o seu principal referente” (AZEVEDO, 1997, p.5). A

autora enfatiza ainda que “as políticas públicas são definidas, implementadas, reformuladas

ou desativadas” de acordo com aspectos diretamente relacionados à memória da sociedade ou

do Estado.

Faleiros (1991) argumenta que as políticas sociais são constituídas por processos

políticos e econômicos. Tais processos determinam a manutenção da ordem social e a

continuidade de relações desiguais entre capitalistas e trabalhadores (AZEVEDO, 1997;

LIMA, 2009). Tais apontamentos corroboram com a ideia de que não existem políticas sociais

neutras.

Destarte, Vieira (1992) pontua que toda política social expressa as relações sociais,

cujas raízes se localizam no mundo da produção. Dessa forma, os planos, os projetos, os

programas e os documentos elaborados em qualquer uma das áreas governamentais

(educação, saúde, lazer, meio ambiente etc.) não contemplam a totalidade de aspectos que os

deveriam legitimar para garantir os direitos sociais dos cidadãos de determinada realidade

(“democracia formal” X “democracia substancial”).

Nessa vertente, Azevedo (1997) complementa que:

[...] o processo pelo qual se define e se implementa uma política não se descura do

universo simbólico e cultural próprio da sociedade em que tem curso, articulando-se,

também, às características do seu sistema de dominação e, portanto, ao modo como

se processa a articulação dos interesses sociais nesse contexto (AZEVEDO, 1997, p.

67).

A partir desses apontamentos estabelecerei algumas aproximações com o discurso que

é comumente apregoado nos diferentes meios de comunicação e que clamam por programas

de intervenção ou de “educação para a paz” nas escolas, como um meio de combate ao

bullying escolar. Há a ilusão de que um simples programa de intervenção, ou a elaboração de

uma política pública em âmbito nacional, seriam capazes de erradicá-lo. Como consequência,

se estaria por ignorar várias dimensões que exercem influência em sua configuração, tais

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94

como, os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais, como se a problemática fosse

decorrente, apenas, das relações isoladas entre um ou vários sujeitos na realidade,

desconsiderando-se a determinação da totalidade social nesse processo.

Faleiros (1991) aponta que todas as medidas de enfrentamento a determinada

problemática social, proposta pelo Estado em suas diversas esferas, apresentam a concepção

de que as políticas sociais são boas em si mesmas e são bons aqueles que as elaboram.

Contudo, vários são os exemplos de programas e políticas sociais que surgem com o

intento de resolver determinada temática, mas que apenas contribuem para manutenção das

desigualdades que assolam o modo contemporâneo de viver, e que pouco ou nada contribuem

para a transformação social. O primeiro exemplo centra-se no Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado (1995), que teve seu início no governo do então Presidente Fernando

Henrique Cardoso. Nesse plano ficam evidentes os seguintes aspectos:

- Discurso de um Estado que não consegue dar conta da sua estrutura de funcionamento, ao

clamar pela reconstrução do mesmo (Estado mínimo).

- Tentativa de justificar que as privatizações e a iniciativa privada são mais eficientes.

- Há uma valorização da concepção de que o regime estatutário de trabalho encareceu os

gastos do Estado e reduziu o seu padrão de qualidade, o que poderia ser sanado por meio da

contratação por processos seletivos temporários, gratificações e bonificações por meio da

avaliação de desempenho dos funcionários.

Outro exemplo é dado por Sanfelice (2010), que ao tecer algumas considerações sobre

a política educacional implementada no estado de São Paulo durante as duas últimas décadas,

ressalta a postura autoritária dos diferentes governos que se alimentam da visão neoliberal de

educação. Os problemas da educação não são vistos de forma estrutural e sim

conjunturalmente, sem contar com a mercantilização desenfreada da educação e a criação de

estratégias atreladas a lógica de mercado, tais como “os sistemas de avaliação e bonificação

de docentes produtivos” (SANFELICE, 2010, p.152). Tal esfera educacional, que nessa

perspectiva, pouco contribui para o processo de humanização dos indivíduos e seu

consequente processo de emancipação (MELLO, 2005).

Poderia destacar aqui que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) nº

9.394/96 também apresenta um caráter neoliberal; ela contém em suas proposições, elementos

como os apontados acima, numa visão neoliberal de educação.

O último exemplo é oferecido por Saviani (2009) que estabelece uma crítica ao Plano

de Desenvolvimento da Educação (PDE). De acordo com o referido autor, o PDE é sustentado

em duas bases: técnico e financeira, e por mais que apresente alguns pontos positivos precisa

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ser visto com cautela, pois se revela pouco eficiente na melhora da qualidade do ensino

brasileiro:

[...] Em sentido negativo, constata-se que, na verdade, o PDE não se configura como

um plano de educação propriamente dito. É, antes, um programa de ação [...] Em

sentido positivo, a singularidade do PDE manifesta-se naquilo que ele traz de novo e

que, portanto, não fazia parte do PNE e também não se encontrava nos planos

anteriores (SAVIANI, 2009, p.30).

Na contramão das críticas há aqueles que olham para esses programas de forma mais

“otimista”, ou melhor, dizendo, procuram defender os interesses do governo na produção de

planos e políticas. Sobre o PDE, Gadotti (2008) enfatiza que o foco principal do documento é

a preocupação com a aprendizagem de nossos alunos e que não há problemas com a entrada

de modelos de gestão advindos da iniciativa privada ou do envolvimento dos empresários na

defesa do direito à educação.

É mister não esquecer que tais empresários trabalham dentro de uma concepção de

defesa dos interesses da lógica capitalista. E mais importante, é não se deixar de perguntar: a

entrada dos empresários ou da iniciativa privada não é concernente ao discurso que tenta a

todo custo mostrar a ineficiência do Estado na condução da máquina pública? Ou ainda, não

seria essa uma estratégia que aos poucos vai provocando o desmonte do Estado diante da

privatização excessiva que vários setores vêm sofrendo nas últimas décadas? E quais os

interesses da iniciativa privada na melhoria das condições sociais que a população se

encontra?

Sobre tais questionamentos, encontrei respostas em Lima (2009), que ao fazer uma

análise do discurso utilizado nas reformas implantadas pelos governantes na reorganização da

máquina estatal aponta que:

A concepção difundida pelos governantes e pela mídia é a de que o Estado nem tem

condições de financiamento nem de gerenciamento para abarcar todas as questões

sociais. Consoante a isto, a década de 1990 é marcada pelas privatizações das

empresas estatais, pela transferência insistente do setor público para o privado. O

que não pode ser imediatamente privatizado deve ser desconcentrado, reorganizado

e reestruturado (LIMA, 2009, p. 27).

Diante desses apontamentos ressalto que as políticas no Brasil sempre são de governos

e não de Estado. Mas para que pudesse haver políticas de Estado, seria necessária a

organização da sociedade por meio da mobilização de diferentes segmentos sociais. Nesse

sentido, uma possibilidade de mobilização/superação poderia estar articulada ao papel da

educação/ políticas educacionais como possíveis interlocutoras duma perspectiva

emancipadora da sociedade.

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Como destacado no início dessa tese, estou defendendo o papel da educação, a fim de

auxiliar os estudantes a superarem concepções idealistas e fragmentárias que não os auxiliam

no pleno desenvolvimento da personalidade, bem como numa transformação das relações

sociais. Para tanto, as políticas públicas para a educação escolar deveriam focalizar em

concepções e estratégias que garantam aos alunos o acesso ao saber mais elaborado, a fim de

se oferecer as máximas possibilidades para o desenvolvimento humano. Até mesmo porque

quanto menores forem essas possibilidades, mais fragmentados serão os motivos presentes na

atividade humana.

De acordo com Azevedo (1997), Lima (2009) e Sanfelice (2010) não se pode deixar

de considerar a regulação estatal sobre a educação, que ao estar articulada com outras

políticas públicas vem sendo utilizada como um instrumento ideológico da sociedade

capitalista. Na perspectiva do Materialismo Histórico Dialético, Vieira (1992) aponta que:

Um exame fundamentado no método materialista histórico e dialético pode revelar a

política social como parte da estratégia da classe dominante, mais adequadamente da

burguesia. Pode mostrar que esta estratégia busca o controle do fluxo de força de

trabalho no sistema de posições desiguais, existente na economia de mercado. Pode

dar a conhecer a política social como estratégia capaz de conservar a desigualdade

social, colaborando no funcionamento do capitalismo (VIEIRA, 1992, p.30-31).

Azevedo (1997) salienta que, uma política educacional deveria ser refletida com o

projeto de sociedade que se deseja implantar, rumo à superação do modelo social em que esse

vive. Nessa vertente, Lima (2009) reforça que um elemento essencial seria o aprofundamento

em estudos da área sobre a categoria “controle social”, a qual, por sua vez está relacionada à

ação democrática, de mobilizações e práticas que influenciam no planejamento e

financiamento dos serviços públicos oferecidos pelo governo. Como exemplo, o autor destaca

os colegiados escolares, avaliações institucionais, projetos político-pedagógicos e dos

conselhos de educação.

Saviani (2009) chama atenção para o fato de que sem uma forte ampliação do

financiamento público da educação, nos seus diferentes níveis, o país terá dificuldades para

alcançar resultados significativos. Além disso, precisa-se de profissionais bem preparados que

consigam desenvolver com êxito seu trabalho pedagógico, mas que acima de tudo possam se

sentir valorizados e como parte do processo.

Esses são desafios que se fazem necessários de serem repensados, até mesmo porque

se for estabelecida uma relação com os programas de intervenção, como os de combate ao

bullying escolar, percebe-se que na maioria das vezes os mesmos advêm de relações verticais

que não contemplam a heterogeneidade dos sujeitos sociais. Ao mesmo tempo não se pode

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saturar de modo acrítico a heterogeneidade, sem quaisquer juízos de valor, é o antigo

problema da garantia da diferença x manutenção da desigualdade. Há uma enorme

heterogeneidade para ser levada em consideração. Entretanto, sem princípios genéricos que

orientem a ação para a garantia de igualdade, também pouco se avança.

Saliento que a formulação dos programas/ políticas sociais de intervenção necessitam

de um olhar mais crítico, por parte daqueles que estudam a temática, a fim de que

reducionismos conceituais e terminológicos possam ser evitados e se supere assim, a

concepção de que apenas a “adaptação” dos sujeitos ao atual modo de viver é suficiente.

Fica evidente que os estudos de bullying escolar necessitam de maiores articulações

com os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais presentes nas sociedades

capitalistas, bem como um maior aprofundamento da análise das categorias: Estado,

democracia, descentralização, participação e autonomia (LIMA, 2009), nos programas de

intervenção e enfrentamento do bullying.

Outro aspecto a ressaltar é que a educação deveria ir à contramão do modelo de Estado

vigente e centralizador, por mais que nos documentos governamentais publicados nas últimas

décadas haja a ênfase na descentralização, isso não ocorreu. E mais uma vez ressalto a

necessidade da organização da sociedade por meio da mobilização dos diferentes segmentos,

como um meio de problematizar e intervir conscientemente nos espaços de socialização

humana.

Por fim, chamo atenção para o fato de que os programas de intervenção ao bullying

escolar, já apresentados no início deste capítulo, devem ir além da caracterização do

fenômeno por meio de diferentes técnicas, tais como os questionários, redações, desenhos,

dentre outros; bem como de intervenções pontuais que trazem exemplos de convívio e

respeito ao outro. Para além de tudo isso, é importante pensar em fundamentos teóricos que

conduzam os estudantes a entenderem: o que levou socialmente o fenômeno bullying a se

fazer presente nas escolas? Em qual contexto histórico/temporal o bullying escolar passou a

ganhar visibilidade? O que aconteceu no mundo nesse momento? Por que o fenômeno vem se

articulando e ganhando novas configurações, como por exemplo, os casos de cyberbullying?

Quais os impactos que o sistema de organização capitalista exerce sobre o fenômeno?

Há que se garantir o trabalho com questões mais estruturais ligadas à produção do

bullying escolar, caso contrário, penso eu que os estudantes estarão sendo impedidos de

compreenderem que suas posturas refletem a realidade, a partir de determinadas condições

objetivas de vida. Os projetos de intervenção ao bullying escolar precisam estar atrelados a

um projeto mais amplo que vise à superação das relações imediatas e individualistas que

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exclui os alunos da escola pública cotidianamente. Assim, reforço mais uma vez sobre o

potencial da literatura e diferentes gêneros textuais, das obras de arte, do teatro, da música, da

dança e dos filmes, na problematização da realidade por meio de um trabalho educativo

consistente e intencional.

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CAPÍTULO III – O MÉTODO NA PERSPECTIVA DO MATERIALISMO

HISTÓRICO-DIALÉTICO

No presente capítulo apresento o Materialismo Histórico Dialético, como método de

apreensão da realidade, a fim de que o leitor dessa tese possa percebê-lo como um caminho de

busca por um novo modelo de sociedade e de homem. Por seu intermédio, pode-se proceder

pela leitura crítica da educação escolar, ao entendê-la como um espaço privilegiado para se

atuar e intervir na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural. Ou seja, as intervenções nessa

perspectiva são mediações necessárias, no nível do conhecimento, para explicar por

contradição, os processos de constituição dos indivíduos e, como tal, podem garantir a

compreensão das possibilidades de humanização.

Ainda, farei um destaque para os procedimentos metodológicos que serviram como

norte no processo de seleção dos participantes desta pesquisa, bem como nas diferentes fases

realizadas com os mesmos, no intento de levantar o máximo possível de informações, a fim de

analisá-las e explicá-las dialeticamente.

Acredito que o método favorecerá a identificação e análise de mecanismos mediadores

de risco e proteção presentes no cotidiano de adolescentes expostos ao bullying escolar, por

meio das práticas sociais e culturais que os mesmos realizam, bem como, na articulação entre

as dimensões interpessoais e suportes da comunidade onde vivem. Esse movimento aparente

do real trará à tona os processos da “resiliência em-si” que promovem o enfrentamento do

fenômeno. Todavia, ainda na perspectiva do método, ficará evidente o quanto essas formas de

enfrentamento são limitadas, ao passo que os processos individuais de constituição da

personalidade humana são expressões das condições e contradições postas pelas

circunstâncias objetivas de vida. Muitas das práticas sociais e culturais que os adolescentes

dessa pesquisa têm contato e se apropriaram, apresentam caráter paliativo, ao não

favorecerem a sua real emancipação enquanto indivíduos livres e universais, até mesmo

porque dentro do sistema capitalista, os mesmos continuarão sendo mais ou menos alienados.

Nessas práticas e espaços, predominam as concepções idealistas e fragmentárias que não os

auxiliam no pleno desenvolvimento da personalidade, bem como numa transformação das

relações sociais. Daí a defesa da escola como um espaço, no qual os estudantes, por meio do

conhecimento científico, artístico, filosófico e histórico poderão ter consciência da realidade e

estabelecerem relações para com as formas que produzem suas vidas.

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3.1 Concepção metodológica da Teoria Histórico-Cultural

Inicio demarcando a importância de se ter um método coerente e que dê conta de

auxiliar efetivamente nos desdobramentos de uma pesquisa. Acredito ainda que o ato de

pesquisar deva estar relacionado à produção de conhecimentos que contribuam para o

processo de desenvolvimento do gênero humano, enfatizando a humanização dos indivíduos,

na busca pelo pleno desenvolvimento de personalidades livres e universais. Considero que

alguns questionamentos devem servir de guias em todo o processo de defesa de uma tese, ou

no ato de investigar um determinado tema, tais como: Por que pesquiso isso? Qual a

contribuição social de minha pesquisa? Ela estará a serviço do que e de quem? São perguntas

que considero relevantes, a fim de não cair nas armadilhas postas pelo capitalismo, sobretudo

porque muitas vezes pesquisar significa atender aos interesses da burguesia e, por

conseguinte, apenas contribuir para que as coisas continuem tais como elas estão.

A busca pelo método se converte em uma das tarefas mais importantes no processo de

investigação das diferentes nuances do conhecimento humano. O método é “ao mesmo tempo

premissa e produto, ferramenta e resultado da investigação” (VIGOTSKI, 1995, p.47,

tradução minha)25

.

É necessário chamar a atenção para os equívocos daqueles que tentam caracterizar as

pesquisas na vertente da Teoria Histórico-Cultural como qualitativas ou quali-quantitativas.

As pesquisas embasadas no método Materialista Histórico Dialético não cabem dentro de tal

definição. Há a busca pelos aspectos qualitativos dos processos que se estuda, o quantitativo é

apenas um momento no processo da pesquisa, necessário à organização dos dados de um

experimento, por exemplo. O mais próximo que se pode dizer quanto a isso é que há que se

considerar a dialética entre quantidade e qualidade e, sobretudo saltos qualitativos, na

transição de quantidade para qualidade. Até mesmo porque, conforme Martins (2005):

[...] o marxismo dispensa a adoção das chamadas abordagens qualitativas na

legitimação da cientificidade de seus métodos de investigação, pois dispõe de uma

epistemologia suficientemente elaborada para o fazer científico, qual seja, a

epistemologia materialista histórico dialética. (MARTINS, 2005, p.118).

Vigotski (1995, 2001) fazia questão de salientar que utilizar-se do materialismo

histórico dialético para analisar os fenômenos psicológicos não significa apenas citar trechos

de Marx e Engels, como nas famosas “colchas de retalhos” presentes em obras da psicologia

ocidental burguesa. Havia a necessidade de se criar uma Psicologia Geral, na qual o método

25

Original: [...] es al mismo tiempo premisa y producto, herramienta y resultado de la investigación.

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proposto por Marx servisse de base para se pensar nos elementos que constituem a realidade

objetiva e que são incorporados a subjetividade humana em suas diferentes manifestações

(ASBAHR, 2011; TULESKI, 2009).

Frente a tais pressupostos, Vigotski (1995) propunha alguns princípios no processo de

investigação dos fenômenos psicológicos:

- Explicar os fenômenos em oposição a sua descrição imediata e aparente;

- A explicação é capaz de proporcionar a análise dos nexos dinâmico-causais e as relações

presentes em comparação a outros fenômenos psicológicos, ou seja, tal processo favorece a

descoberta de sua verdadeira origem, na busca pela síntese de suas múltiplas determinações.

- Os processos devem ser analisados dialeticamente desde suas formas mais simples para as

formas mais complexas e vice versa.

Ao complementar tais informações e diante do referencial epistemológico apontado,

Martins (2005) resgata que: 1 – a personalidade humana, pela qual investiga-se a história de

vida de um sujeito concreto ocorre por meio de sua singularidade, ou seja, através da

superação do singular em direção ao universal pela mediação do particular, conforme os

preceitos marxistas; 2- o processo relacional pesquisador-pesquisado, é essencialmente

dinâmico e interativo na busca por aspectos “reveladores” sobre o tema pesquisado; 3- e há

que se garantir o papel ativo do pesquisador, na interpretação (análise) do objeto estudado e

na produção do conhecimento, ou seja, na “[...] elaboração da síntese pela qual se re(elabora)

no plano teórico a biografia, compreendida então na totalidade de sua concreticidade

histórico-social” (MARTINS, 2005, p. 119).

Faço questão de salientar que frente a tais pressupostos presentes na perspectiva do

Método Materialista Histórico Dialético, o processo de pesquisar possibilita transformações

tanto para o conhecimento a ser investigado, bem como para o pesquisador e para os

participantes da pesquisa. Assim não há neutralidade por parte do pesquisador que pretende

estudar algo histórica e dialeticamente. Há intencionalidades no percurso de intervenção

pesquisador-pesquisado, por meio de um processo de mediação no qual os participantes

possam oferecer “informações” da maneira mais detalhada possível. No caso desta tese, por

exemplo, durante o processo de captação das imagens fotográficas, nas filmagens de dias das

vidas dos participantes ou ainda nas entrevistas sobre o material produzido, tais aspectos se

fizeram presentes, sendo que os descreverei posteriormente.

Vigotski (1995) criticava aqueles que diziam estudar algo historicamente e que apenas

realizavam a assimilação da história com o passado. Estudar um fenômeno historicamente

significa estudá-lo em movimento. Ou seja, deve-se colocar em evidência a sua natureza, para

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conhecer a sua essência. O autor aponta ainda que as pesquisas feitas pela “velha psicologia”

se reduziam somente a descrever as vivências nas investigações, sendo incapaz de revelar os

nexos dinâmico-causais que constituem a base de um determinado fenômeno. As análises

devem ir além das descrições fenomenológicas ao explicar cientificamente determinado

objeto de investigação, ao estabelecer relações mais complexas, profundas e relacionadas com

outros processos que determinam o seu desenvolvimento.

Nesses casos, é necessária a análise científica, na descoberta de conhecimentos para

além do aspecto externo do processo, na busca pelo conteúdo interno, ou seja, a sua

natureza e origem. Toda a dificuldade da análise científica é que a essência dos

objetos, ou seja, a sua autêntica correlação não coincide diretamente com a forma de

suas manifestações externas e, portanto, é necessário analisar os processos, é

necessário descobrir dessa forma a verdade subjacente a estes processos para além

da forma exterior de suas manifestações. (VIGOTSKI, 1995, p.104, tradução

minha)26

.

Ao fazer uma analogia de tal citação, posso exemplificá-la quando se olha um iceberg

e analisa-se apenas o que está fora da água. Dessa forma, o que se vê é apenas a ponta do

iceberg. E por mais que essa ponta possa ser descrita e analisada nos mínimos detalhes, jamais

se compreenderá sua base que está imersa, ou seja, o iceberg em sua totalidade.

Conforme Barroco (2009), a totalidade como realidade concreta não significa a soma

dos fatos. O todo é dialético, é estruturado em curso de desenvolvimento, e um fato só pode

ser compreendido dentro do todo. Ainda sobre a totalidade a pesquisadora destaca:

[...] refere-se, pois, à realidade nas suas íntimas leis e revela, sob a superfície e a

causalidade dos fenômenos, as conexões internas, necessárias e coloca-se em

antítese à posição do empirismo, que considera as manifestações fenomênicas e

casuais, não chegando a atingir a compreensão dos processos evolutivos da realidade

(BARROCO, 2009, p.128).

Barroco (2009) complementa que a Psicologia que se volta à Educação, só conseguirá

explicar o homem atual se o analisar intrinsecamente diante dos cânones que marcam a

sociedade atual, tais como os avanços tecnológicos e o aumento da produção industrial. A

mesma pontua que um aspecto contraditório da sociedade capitalista é que a mesma, ao exigir

dado tipo de desenvolvimento físico, cognitivo e sócio emocional por parte da população,

limita a possibilidade de sua concretização para a maioria das pessoas.

26

Original: En estos casos resulta necesario el análisis científico, el saber descubrir bajo el aspecto externo del

proceso su contenido interno, su naturaleza y origen. Toda la dificultad del análisis científico radica en que la

esencia de los objetos, es decir, su auténtica y verdadera correlación no coincide directamente con la forma de

sus manifestaciones externas y por ello es preciso analizar los procesos; es preciso descubrir por ese medio la

verdadera relación que subyace en dichos procesos tras la forma exterior de sus manifestaciones.

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Prosseguindo, diante do objeto desta tese, “a construção social da personalidade de

adolescentes expostos ao bullying escolar e os processos de resiliência em-si”, apresento

algumas considerações sobre alguns dos elementos que compõem a tese, como já apresentada

em outros momentos, a fim de garantir uma melhor articulação entre ambos. Para tanto, há

que se considerar alguns questionamentos:

1-Como se dá o processo de apropriação das objetivações materiais, culturais e intelectuais

produzidas em nossa sociedade pelos participantes dessa pesquisa?

Assim, destaco que o processo de apropriação no sistema capitalista apresenta

diferenças gritantes, ao passo que, as pessoas não têm as mesmas oportunidades de contato

com as práticas sociais e culturais, até mesmo porque se vive em uma sociedade dividida em

classes, na qual imperam os processos de alienação. No caso desta tese, será dada atenção

especial as seguintes práticas sociais e culturais que os participantes tiveram/têm

contato/acesso qualitativo, em menor ou maior intensidade em suas trajetórias de vida:

atividades escolares; moradia e a infraestrutura no bairro onde residem; contato com as

tecnologias da informação e comunicação; participação em atividades domésticas e de

trabalho; contato e participação em momentos/atividades/espaços que contemplam o lazer e

os exercícios físicos; participação em práticas religiosas; o contato com a música, literatura e

outras manifestações artísticas; bem como a articulação entre as dimensões interpessoais e

suportes da comunidade onde vivem.

Dessa forma, muitas das práticas sociais e culturais que os mesmos têm contato e se

apropriaram, apresentam caráter paliativo, ao não favorecerem a real emancipação dos

indivíduos, até mesmo porque dentro do sistema capitalista, continuarão sendo mais ou menos

alienados, pois eles não conseguem estabelecer relações mais amplas sobre tais práticas, ou

seja, entender como foram produzidas, em quais condições, e a serviço de quem e do que são

difundidas. Os participantes têm contato com concepções idealistas e fragmentárias que não

os auxiliam no pleno desenvolvimento da personalidade, bem como numa transformação das

relações sociais; o máximo que conseguem desenvolver é a “resiliência em-si”. Todavia, esses

aspectos culminam num outro questionamento.

2. Como ocorre a formação da personalidade, no contexto do referencial da Teoria Histórico-

Cultural?

No contexto do referencial, a personalidade de cada indivíduo é tida como expressão

das condições postas pela objetividade da vida, incorporadas ou não as possibilidades para

uma atividade consciente. Todavia, quanto menores forem essas possibilidades, mais

fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana. Decorrente desse

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processo, dentro do sistema capitalista, há uma contradição expressa, que favorece ao

próximo questionamento.

3. Como ocorre a formação da personalidade dos participantes desta tese?

Por mais que esses adolescentes tenham desenvolvido personalidades que os auxiliem

a se posicionarem e/ou enfrentem às adversidades vividas em sociedade (resiliência em-si), a

concepção de resiliência construída por eles está sendo vista pelo prisma da adaptabilidade ao

contexto social, de forma que se encontram impedidos de se emanciparem frente às relações

sociais. Por conseguinte, a emancipação se faz possível por meio de um processo de tomada

de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais, o que reforça a

importância que a educação escolar pode ter nesse processo.

Amparado em Leontiev (1983) e Vigotski (1995) reforço que o conjunto de

proposições desta tese, ao utilizar-se do método, credita certa ênfase ao social, até mesmo,

porque “todo o cultural é social”. E sendo a cultura um produto da vida e reflexo das

atividades sociais do ser humano, a mesma terá papel decisivo no processo de constituição da

personalidade humana.

Sobre o processo de formação da personalidade de uma criança desde a infância e de

sua concepção de mundo Vigotski (1995) frisa:

Portanto, a personalidade que é um conceito social engloba e se sobrepõe ao natural,

por meio do histórico no ser humano. Não é inata, surge como resultado do

desenvolvimento cultural, e em decorrência a personalidade é um conceito histórico.

Também não significa que entendemos por concepção de mundo um sistema lógico,

pré meditado, como uma concepção consciente do mundo e sobre seus aspectos

mais fundamentais. Nós também usamos o termo no sentido sintético que no plano

subjetivo corresponde à personalidade. Para nós, a concepção de mundo é tudo

aquilo que caracteriza a conduta global do homem, a relação cultural da criança com

o mundo exterior (VIGOTSKI, 1995, p.328, tradução minha)27

.

A personalidade se desenvolve como um todo, desde o primeiro contato social da

criança com os adultos que atuam sobre si; depois na interação da criança com o sua

comunidade (entorno) e posteriormente, quando a criança passa a atuar sobre os demais, até

atuar com relação a si mesmo (LEONTIEV, 1983; VIGOTSKI, 1995).

27

Original: Por lo tanto, la personalidad que es un concepto social abarca lo sobrepuesto a lo natural, lo

histórico en el ser humano. No es innata, surge como resultado del desarrollo cultural, por ello la

<<personalidad>> es un concepto histórico.

Tampoco entendemos por concepción del mundo un sistema lógico, meditado, en forma de una concepción

consciente sobre el mundo y sobre suas aspectos mas fundamentales. Utilizamos también dicho término en el

sentido sintético que en plano subjetivo corresponde a la personalidad. Para nosotros la concepción del mundo es

todo aquello que caracteriza la conducta global del hombre, la relación cultural del niño con el mundo exterior.

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105

Assim, apresento na sequência os procedimentos metodológicos utilizados para o

“levantamento” das informações necessárias e que serão analisados no próximo capítulo da

tese.

3.2 Procedimentos metodológicos: Onde desenvolver a pesquisa? X Processo de seleção

dos participantes

A princípio tinha a intenção de desenvolver a pesquisa em uma das duas escolas da

Rede Estadual de Ensino de Presidente Prudente-SP que fizeram parte de estudos realizados

anteriormente28 (FRANCISCO 2006; FRANCISCO, 2010a), para que assim pudesse garantir

continuidade nos estudos e fazer uma devolutiva mais ampla para a escola sobre as

ocorrências de bullying escolar e que pudesse auxiliar, inclusive, na elaboração de seu Projeto

Político Pedagógico (PPP). A escolha por uma das escolas se deu pelo fato da outra unidade

escolar ter encerrado suas atividades no ano de 2010, tendo sido transformada em uma escola

técnico-profissionalizante.

O primeiro contato com a escola selecionada ocorreu no 2º semestre de 2010, sendo

que na ocasião solicitei autorização para o desenvolvimento da pesquisa na referida

instituição, que se manifestou favorável por meio de sua equipe (direção e coordenação).

Assim, ficou combinado que no 1º semestre de 2011, faria um esclarecimento inicial para os

docentes e funcionários da instituição sobre a importância da pesquisa e como os mesmos

poderiam auxiliar em seu desenvolvimento, além de apresentar os resultados da dissertação de

mestrado concluída em 2010. Ficou acertado que os encontros com os professores e

funcionários iriam ocorrer durante dois dias no horário de HTPC (Horário de Trabalho

Pedagógico Coletivo). Posteriormente a este momento, poderia iniciar o contato com as

turmas selecionadas, apresentar os Termos de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para

pais e alunos e iniciar a pesquisa de campo. Contudo, de comum acordo com a orientadora

desta tese, e com a coordenação da escola participante, foi realizado o remanejamento dessas

atividades para o início do 2º semestre de 2011, tendo em vista que eu estava integralizando

os créditos em disciplinas, realizando estágios de docência e cursando disciplina no campus

da UNESP em Marília-SP, além das cursadas em meu Programa de Pós-Graduação.

No início do 2º semestre de 2011 iniciei as conversas com os professores e

funcionários, e posteriormente contatei todos os adolescentes que estudavam nos 9° anos do

28

Trabalho de Conclusão de Curso em Educação Física e Dissertação de Mestrado em Educação pela Faculdade

de Ciências e Tecnologia – UNESP, campus de Presidente Prudente-SP.

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106

Ensino Fundamental e 1° anos do Ensino Médio para saber quais tinham interesse em

participar da pesquisa e que tivessem a autorização de seus pais. Optei por tal faixa etária pelo

fato dos estudos sobre bullying escolar indicarem que são nessas idades que costumam haver

as maiores incidências do fenômeno (FANTE, 2005; FRANCISCO & LIBÓRIO, 2009;

OLWEUS, 1995, 2006). Há que se destacar que a opção por tais séries oferecia a

oportunidade de ter como participantes da pesquisa alunos com longos anos de inserção

escolar e com possibilidades de terem sofrido ou sofrerem o bullying escolar. Ainda é

importante esclarecer que tais alunos poderiam participar da pesquisa em diferentes

momentos, antes de concluírem o Ensino Médio de forma a facilitar o meu contato com eles.

É imperioso salientar que durante os contatos iniciais com os alunos ouvia com

frequência os seguintes comentários “Aff, pesquisa de novo?”, “Nossa nem sei por que ficam

fazendo isso?”. E, por mais que eu tentasse ressaltar a importância do estudo e como eles

poderiam contribuir, ficou evidenciado certo “desinteresse” pela participação, pois das 08

turmas (04 turmas de 9º anos do EF e 04 turmas de 1º anos do EM), consegui recolher apenas

05 Termos de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), sendo que efetuei a busca de termos

durante duas semanas de maneira ininterrupta em todas as salas. Durante as tentativas de

recolhimento dos TCLE, três alunos me procuraram para dizer que gostariam de participar,

mas que por conta dos métodos visuais (fotografias e filmagens) seus pais não autorizaram.

É importante destacar que os TCLE, obedeceram aos critérios e proposições do

Comitê de Ética e Pesquisa da FCT/UNESP, que aprovou o desenvolvimento da pesquisa.

Todavia, é importante abrir um parêntese e fazer alguns questionamentos sobre o papel dos

Comitês de Ética em Pesquisa, pois os mesmos têm suas ações respaldadas por meio da

resolução do CNS nº 196/1996 que assegura alguns princípios a serem contemplados nas

pesquisas com seres humanos. Mas será que tais preceitos não são decorrentes apenas de

discussões da área médica e dos preceitos da bioética, sem que fossem contemplados

especificidades de pesquisas nas áreas das Ciências Humanas? Não deveriam os profissionais

das áreas das Ciências Humanas realizar discussões mais ativas sobre tal processo nos

diferentes espaços de formação e intervenção profissional, ou seja, nos espaços em que se

debate e discute as questões da pesquisa?

Ou ainda, conforme Moraes (2001) será que a aceitação acrítica a tudo que vem sendo

imposto como “dever e obrigação” não reflete submissão às “novas” formas de controle e

regulações sociais presentes nos espaços de socialização humana? Tais questões não serão

respondidas com esta pesquisa, mas sinalizam para a necessidade de se discutir melhor as

questões relacionadas à pesquisa com seres humanos na área de Educação, em especial nos

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107

grandes eventos produzidos nacionalmente pela Associação Nacional dos Programas de Pós-

Graduação em Educação.

Veja bem, não estou negando que os TCLE sejam importantes na garantia dos direitos

dos participantes dessa pesquisa em especial, que traz à tona “elementos delicados”, tais como

imagens fotográficas e filmagens feitas nas casas dos participantes. Reconheço ainda que as

pessoas têm o direito em não querer participar de pesquisas, caso não se sintam a vontade.

Porém, o meu questionamento é justamente no sentido de que, a área de humanidades parece

omissa frente às questões que envolvem a sua participação em pesquisas, ao “obedecerem” e

incorporarem, sem contestar, os critérios da área de saúde, como se esses fossem a verdade

absoluta para tudo. É nesse sentido que as entidades das áreas de humanas deveriam se

organizar e rediscutir melhor sua inserção nos referidos espaços.

Voltando ao processo de “busca” pelos TCLE e diante do quadro apontado

anteriormente, procurei a coordenadora da escola para colocá-la a par do ocorrido, foi quando

a mesma disse que acreditava que o excesso de pesquisas desenvolvidas naquele semestre

estava provocando o “desinteresse” dos alunos com relação à participação na pesquisa. Além

da pesquisa desenvolvida por mim, a escola tinha outras 08 pesquisas em andamento com

seus alunos. O fato de ser uma escola localizada em região periférica da cidade fazia com que

ela sempre fosse procurada por diferentes pesquisadores das universidades do município de

Presidente Prudente-SP. Por conseguinte, chegou-se ao consenso de que seria melhor buscar

outra escola que atendesse aos mesmos critérios da referida instituição (ter alunos de Ensino

Fundamental e Médio, ser pública e estar disposta a participar).

Assim, fiz contato com outras três escolas. Na primeira, a diretora alegou que a

realização de pesquisas interferiria no processo ensino aprendizagem, por ocupar o tempo dos

alunos, e que os mesmos iriam prestar SARESP e Provinha Brasil e que a escola deveria

preocupar-se apenas com isso. Fica evidente, no caso dessa instituição, uma visão conteúdista

e limitada sobre o processo de ensino aprendizagem, bem como que a preocupação acrítica

com as avaliações externas, muitas vezes “obedece” as políticas neoliberais que apregoam tais

avaliações como indicadores para “penalizar” ou “bonificar” escolas/professores pelos

desempenhos obtidos sem levar em consideração as diferenças produzidas socialmente e

historicamente nos diferentes sistemas de ensino dos estados e municípios. Na segunda escola

fui atendido pela vice-diretora que informou que a diretora estava afastada junto à Diretoria

de Ensino num cargo pedagógico e que a escola iria “disponibilizar” o cargo para atribuição

brevemente e que assim não assinaria nenhum termo, por “receio” do futuro (a) gestor (a) não

aceitar a proposta. Diante do ocorrido, procurei a terceira escola, que por meio de sua diretora

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e vice-diretora mostraram-se solícitas e interessadas em contribuir com a pesquisa. A diretora

contou que já havia concluído um Mestrado em Educação e argumentou que sempre se

mostrou disponível a realização de pesquisas em “sua escola”, até mesmo porque acredita que

é mais uma oportunidade para as escolas repensarem sobre suas diferentes realidades a partir

dos resultados obtidos.

Com a autorização concedida, iniciei o contato com todas as turmas de 9º anos do

Ensino Fundamental (07 turmas) e 1º anos do Ensino Médio (06 turmas) para apresentar a

pesquisa, entregar e recolher os TCLE dos alunos interessados em participar e que os pais

consentiram. Tal atividade perdurou durante duas semanas e ao final recolhi 36 TCLE (alunos

estavam matriculados em 09 das 13 turmas convidadas a participar). Houve alguns alunos que

disseram que gostariam de participar, mas que os pais não deixaram, uma aluna chegou a

mencionar a fala da mãe “boba, ele é homem e querendo te filmar para depois se aproveitar de

você”, outra mencionou que “minha mãe disse que não quer rolo com o Conselho Tutelar”,

houve um que comentou que fazia dois dias que seu pai havia sido liberto da prisão e quando

o mesmo o procurou para assinar o termo, seu pai lhe questionou “quem faz pesquisa se

“fode” e você quer fazer isso seu “bosta” ?”, e os demais alegaram que tinham vergonha de

serem filmados. Os exemplos evidenciam uma barreira por parte do senso comum, no que se

refere à participação em pesquisas, pois na maioria dos casos elas estão tão distantes de sua

realidade, sendo ainda que os mesmos não percebem significado e sentido em tais estudos.

Os 36 estudantes foram convidados a responder o questionário SCAN-BULLYING

elaborado pelas autoras portuguesas Almeida e Caurcel (2005). O SCAN-BULLYING é

composto de uma prancha que ilustra uma história com dez situações de perseguição a um (a)

aluno (a), e que serviu para que os mesmos refletissem acerca das questões propostas no

questionário. Em momento posterior à aplicação dos questionários, procedi pela tabulação dos

dados com o auxílio do software SPSS versão 12.0, que permitiu a identificação dos alunos

expostos ao bullying escolar, que foram os participantes da etapa seguinte.

Em seguida, os alunos que vivenciaram/experienciaram o bullying escolar foram

contatados29

para aplicação de outros dois instrumentos de pesquisa: o questionário CYRM

(Child and Youth Resilience Measure), que visou mensurar processos de resiliência e o

questionário “Fatores de Risco e Proteção em adolescentes de Presidente Prudente”, que

29

No momento de convidar esses adolescentes identificados como alvos típicos de bullying escolar, expliquei

que eles foram selecionados em razão de informações importantes presentes nos seus questionários, sem

especificar que foram identificados pelos instrumentos como possíveis “vítimas” de bullying.

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109

possibilitou a identificação de outros mecanismos mediadores de riscos presentes em suas

vidas, além do bullying escolar, bem como indicadores de resiliência.

A partir de análises estatísticas dos resultados dos dois instrumentos apresentados

acima, foram selecionados 06 adolescentes que apresentaram, concomitantemente, níveis

significativos de resiliência (obtidos pelo CYRM) e mecanismos mediadores de risco

(identificados pelo questionário “Fatores de risco e proteção em adolescentes de Presidente

Prudente) 30

.

Vale apontar que ao entender o bullying escolar e a resiliência como condições postas

pelas circunstâncias atuais, é possível se ter instrumentos como os utilizados, a fim de se

identificar os envolvidos em situações de bullying, bem como os recursos e as formas de

enfrentamento por eles utilizados. Todavia, esses instrumentos por si só, não dariam conta de

identificar a essência do objeto de nossa pesquisa, ainda mais no referencial adotado. Até

mesmo porque se deve ir para além da aparência do fenômeno. Daí a importância de outros

procedimentos, tais como as entrevistas, inclusive para se contemplar aspectos presentes na

dinâmica organizacional/estrutural da sociedade burguesa e que se refletem no objeto

investigado.

Conforme Netto (2011, p.25) a partir das proposições da teoria marxiana, o papel do

pesquisador deve ser essencialmente ativo, a fim de apreender o fenômeno investigado em sua

essência, como processo; “o sujeito deve ser capaz de mobilizar um máximo de

conhecimentos, criticá-los, revisá-los e deve ser dotado de criatividade e imaginação”.

[...] os instrumentos e também as técnicas de pesquisa são os mais variados, desde a

análise documental até as formas mais diversas possível de observação, recolha dos

dados, quantificação etc. Esses instrumentos e técnicas são os meios de que se vale o

pesquisador para “apoderar-se da matéria”, mas não devem ser identificados com o

método: instrumentos e técnicas similares podem servir (e de fato servem) em escala

variada, a concepções metodológicas diferentes (NETTO, 2011, p.26).

Tais ponderações se aplicam a todos os instrumentos quantitativos utilizados no

processo de identificação dos participantes da pesquisa. O investigador deve ir além de

qualquer quantificação ou descrição imediata de um fenômeno investigado. Daí a necessidade

de analisá-lo criticamente e cercá-lo por intermédio de discussões ancoradas na objetividade

da vida e no processo de relações sociais. Como apresentado no capítulo anterior, por

30

A aplicação destes instrumentos quantitativos pode ser interpretada como destoantes do Método Materialista

Histórico Dialético, em especial, por meio da Teoria Histórico-Cultural, contudo sua aplicação foi feita apenas

para selecionar os sujeitos da pesquisa, sendo que na primeira versão do projeto apresentado à FAPESP o

primeiro parecerista havia feito tal sinalização sobre a necessidade de instrumentos para a seleção dos sujeitos.

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110

exemplo, tentei ilustrar o que implica a construção social do bullying escolar e da “resiliência

em-si”, bem como as implicações e limitações de se continuar centrado em tais conceitos.

3.2.1 Aplicação do Scan-Bullying

O questionário SCAN-BULLYING, elaborado pelas autoras portuguesas Almeida e

Caurcel (2005) foi utilizado na pesquisa, apenas para identificar alunos que vivenciam

situações de bullying escolar ou que já estiveram em tal condição. Vale apontar que o referido

questionário já havia sido utilizado por mim anteriormente (FRANCISCO, 2010a) e que

alguns dos termos do instrumento original, na ocasião, foram traduzidos para a grafia utilizada

no Brasil, a partir de aplicação do questionário piloto em uma turma de 26 alunos que tinham

entre 13 e 16 anos de idade, em uma escola da Rede Estadual, localizada no município de

Presidente Prudente-SP.

O SCAN-BULLYING analisa o entendimento que os estudantes têm sobre o bullying,

bem como as formas utilizadas para se posicionar frente ao mesmo, a partir de uma prancha

que ilustra dez situações de perseguição a um (a) aluno (a), e que serve para problematizar as

questões propostas no questionário. Este, por vez, é composto de um quadro com informações

pessoais do aluno e 36 questões, sendo uma dissertativa e as demais de múltipla escolha. Há

também um espaço destinado a comentários e sugestões por parte dos participantes.

Houve sigilo da identidade dos participantes da pesquisa; no instrumento havia um

espaço (triângulo) destinado para que os mesmos colocassem o seu nome original e respectivo

nome fictício (no questionário apenas esse estaria disponível), sendo que ao receberem o

material, os adolescentes recortavam o triângulo e o colocavam dentro de envelopes (um por

sessão de aplicação) que foram lacrados na frente dos mesmos, os quais ficaram sob os

cuidados do pesquisador que somente os abriu para identificar os alunos selecionados para

participar na próxima fase (aplicação do CYRM e do questionário Fatores de Risco e

Proteção).

Os participantes da fase de aplicação do Scan-bullying (tabelas 1 e 2) foram 36 alunos

dos 9º anos do Ensino Fundamental e 1º anos do Ensino Médio. Há que se destacar que

nessas idades há uma valorização da linguagem violenta que muitas vezes passa a ser vista

como uma forma de se impor perante os demais colegas, algo culturalmente e socialmente

aprendido. Muitos assumem tais posturas como respostas ao modelo familiar e relacional em

que cresceram. Todavia, não se deve generalizar que todos os adolescentes expostos a

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111

ambientes familiares em que a violência seja uma linguagem constante, adotarão tais atitudes

(FRANCISCO, 2010a).

Por serem de turmas distintas e para não atrapalhar o andamento das aulas, fiz a

aplicação dos questionários em pequenos grupos, em cinco diferentes momentos, com

duração média de 1h: 30min para cada aplicação.

Conforme os dados mencionados no questionário, pude constatar que 66,70% dos

alunos eram do sexo feminino e 30,50% do sexo masculino. No que se refere à faixa etária

dos mesmos, 5,60% tinham 13 anos de idade, 52,60% tinham14 anos, 25,00% 15 anos de

idade, 5,60% tinham 16 anos de idade e 11,20% tinham 17 ou mais anos de idade. Percebe-se

que a maioria dos alunos está com a idade correspondente às séries que estudam, mas o

percentual de alunos fora dessa faixa deve ser olhado com cautela (17 anos ou mais). Tais

alunos podem ser exemplos dos mecanismos excludentes do sistema escolar (repetência e

abandono escolar, por exemplo) que não garante as mesmas oportunidades de acesso e

permanência na escola. A idade média da amostra nessa primeira aplicação foi de 14,72 anos.

Tabela 1. Participantes da aplicação do Scan-bullying

Idade F %

13 02 5,60

14 19 52,60

15 09 25,00

16 02 5,60

17 ou mais 04 11,20

Total 36 100,00

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Tabela 2. Sexo dos participantes da aplicação do Scan-bullying

Sexo F %

Feminino 24 66,70

Masculino 11 30,50

Missing 01 2,80

Total 36 100,0

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Após a tabulação dos dados, procedi pela seleção de todos os alunos que haviam se

percebido como possíveis vítimas de bullying (PV). Ou seja, 14 alunos, sendo que os mesmos

estavam matriculados nas 09 turmas participantes da aplicação inicial do questionário.

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112

No processo de identificação dos alunos que poderiam se encaixar no perfil escolhido

me baseei em Francisco (2010a), ou seja, li cada questionário separadamente, e utilizei como

critérios a 2ª questão do questionário para iniciar a identificação das PV. A referida questão

versava saber se os alunos fizessem parte da história, quais personagens seriam. Os

participantes teriam que se identificar com um dos personagens e ter vivenciado o máximo

possível de situações semelhantes. Ainda utilizei a questão de número 15 para identificação

das PV, tendo em vista que a mesma referia-se a frequência em que aconteceram coisas

parecidas com aquilo que a vítima da história havia sofrido. Nesta questão foram priorizados

os sujeitos que sofreram o maior número possível de ocorrências semelhantes. A questão

ainda foi cruzada com a de número 19 (agir como os agressores da prancha); assim, selecionei

aqueles que optaram pela resposta nunca ter agido alguma vez conforme os agressores da

história.

3.2.2 Aplicação dos questionários CYRM e Fatores de Risco e Proteção

Após a seleção dos alunos que estão/foram expostos ao papel de possíveis vítimas de

bullying escolar, os contatei para aplicação do Child and Youth Resilience Measure (CYRM),

que visou identificar processos de resiliência e o questionário “Fatores de Risco e Proteção

em adolescentes de Presidente Prudente”, que possibilitou a identificação de outros riscos

presentes em suas vidas, além do bullying. Vale destacar que dos 36 adolescentes

participantes da aplicação do Scan-Bullying, 14 deles foram identificados como possíveis

vítimas de bullying escolar. Tal percentual é elevado, e contraria inclusive outros estudos

realizados anteriormente (FRANCISCO & LIBÓRIO, 2009; FRANCISCO, 2010a) que

apresentaram percentuais menores. Tenho a hipótese de que no processo de divulgar a

pesquisa e ao convidar os adolescentes a participar do estudo, muitos podem ter se

identificado com o tema do bullying escolar, e assim terem sido motivados a participar,

inclusive como uma forma de expressar-se diante de algo que experienciaram/experienciam

em suas trajetórias escolares.

O processo de aplicação dos questionários CYRM e “Fatores de Risco e Proteção em

Adolescentes de Presidente Prudente” ocorreu no início do 1º semestre de 2012. Dos 14

alunos selecionados, apenas 12 participaram, sendo que duas das alunas haviam transferido de

escola. A aplicação foi realizada em três dias, com duração média de 30 minutos para cada

seção.

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113

O questionário CYRM foi elaborado por Michael Ungar e sua equipe de pesquisadores

que trabalharam no “International Resilience Project”. Esse material foi criado a partir de

pesquisas com aproximadamente 1500 adolescentes de 14 comunidades de cinco continentes

(UNGAR, CLARK, KWONG, CAMMERON & MAKHNACH, 2005; UNGAR, BROWN,

LIEBENBERG, et al, 2007), tendo sido validado por Ungar e Liebenberg (2008) como

medida de resiliência, culturalmente significativa, pois baseou-se em estudos interculturais.

O CYRM foi traduzido para o português pela orientadora da pesquisa tendo como

suporte o Manual de Usuário da CYRM (UNGAR & LIEBENBERG, 2008) e sob a

supervisão direta de Michael Ungar e Linda Liebenberg31

.

Esse questionário consta de 3 partes, sendo a primeira referente à identificação sócio

demográfica dos participantes, e nas duas outras seções apresentam-se afirmativas, sendo que

o adolescente assinala a alternativa que mais se aproxima de sua realidade, numa escala entre

“nem um pouco” “até muito/demais” (Escala Likert). O instrumento permite a identificação

de processos de resiliência, associados a contextos, relacionamentos interpessoais e ao

indivíduo.

O questionário “Fatores de risco e proteção em adolescentes de Presidente Prudente”

foi elaborado pela orientadora da presente pesquisa e validado estatisticamente por Taciana

Kisaki Oliveira em 200832

, a partir dos indicadores de risco e proteção encontrados na

pesquisa desenvolvida nos anos de 2006 e 200733

. O questionário em questão passou por uma

revisão da professora Drª. Silvia Helena Koller da UFRGS, que foi a pesquisadora

responsável pela pesquisa “Juventude brasileira: comportamentos e fatores de risco e

proteção”.

A partir de análises estatísticas dos resultados dos dois instrumentos apresentados

acima, selecionei para a segunda fase da pesquisa, 06 adolescentes (identificados inicialmente

pelo Scan Bullying como possíveis vítimas de bullying escolar) que apresentaram,

concomitantemente, níveis significativos de resiliência (obtidos pelo CYRM) e altos

mecanismos mediadores de risco (identificados pelo questionário: Fatores de Risco e Proteção

em Adolescentes de Presidente Prudente). É válido destacar mais uma vez que o uso destes

instrumentos de pesquisa foi realizado apenas com o intuito de selecionar os sujeitos com os

quais realizaria entrevistas semiestruturadas a partir de fotografias e filmagens de seu

31

A professora Dra Renata Maria Coimbra Libório, orientadora desse projeto, encontrava-se na época realizando

Pós-doutoramento na Dalhousie University , sob a supervisão de Michael Ungar. 32

Bolsista da FAPESP Capacitação Técnica Nível I em 2006 e Nível III em 2007. 33

Projeto de pesquisa intitulado “Comportamentos e fatores de risco e proteção na Adolescência e Juventude nos

municípios de Presidente Prudente e Belo Horizonte” (financiado pela FAPESP).

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114

cotidiano, com posterior edição de clipes. O conteúdo das entrevistas foi analisado

considerando “a construção social da personalidade de adolescentes expostos ao bullying

escolar e os processos de resiliência em-si”, pautado na perspectiva do Método Materialista

Histórico Dialético. Somente assim, pôde haver uma leitura crítica de tais fenômenos, ao

evidenciar que os mesmos refletem e se limitam apenas ao âmbito das relações postas pelo

capitalismo. É na lógica dialética e num outro plano de relações sociais que os mesmos

poderão ser superados por incorporação, para além da lógica formal.

Abaixo apresento um quadro com uma síntese da aplicação dos questionários CYRM e

Fatores de Risco e Proteção em adolescentes de Presidente Prudente.

Quadro 1 – Aplicação dos questionários CYRM e Fatores de Risco e Proteção

Participantes

Sexo Pontos do

CYRM

38 a 190

Média do

CYRM

1,00 a 5,00

Pontos

Fatores de

Risco

0 a 125

Selecionados

para a

próxima

fase

1 F 173 4,55 17 OK

2 M 161 4,23 05 OK

3 M 163 4,28 13 OK

4 F 154 4,05 05 OK34

5 F 160 4,21 07 OK

6 F 174 4,57 08 OK

7 F 141 3,71 11 OK

8 F 140 3,68 18 -

9 F 126 3,31 16 -

10 M 140 3,68 20 -

11 M 135 3,55 20 -

12 M 113 2,97 44 -

Com relação aos dados encontrados nesse quadro, é importante apresentar, os critérios

utilizados para atribuir tais pontuações ou médias. No que tange ao CYRM, em cada questão

(seções dois e três), o aluno assinalava a alternativa que mais se aproximava de sua realidade,

que varia numa escala de “nem um pouco” “até muito/demais” (1 a 5) (Escala Likert). O

34

A aluna foi selecionada para participar da fase de realização das entrevistas e utilização dos métodos visuais.

Contudo, na última fase de participação ela desistiu, ao alegar que não gostaria de ser filmada. Sendo assim,

procedi pelos critérios utilizados anteriormente e selecionei a participante de número 7 para substituí-la na

pesquisa.

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115

resultado obtido por meio das respostas das 38 questões pode ser somado, totalizando um

mínimo de 38 e um máximo de 190 pontos ou ainda pode-se fazer uma média entre as 38

respostas para obtermos uma média entre 1,00 e 5,00. Quanto maiores as pontuações ou

médias, maiores são os processos de resiliência, associados a contextos, a relacionamentos

interpessoais e ao indivíduo.

Por vez, o questionário “Fatores de Risco e Proteção em adolescentes de Presidente

Prudente” contém um total de 35 questões, as quais possuem um total de 125 mecanismos

mediadores de risco, sendo que para obter a pontuação presente no quadro fiz a análise de

questionário por questionário, questão por questão, para ir pontuando aqueles itens que

ficavam evidenciados riscos ao desenvolvimento dos adolescentes.

3.3 Participantes

Os 06 sujeitos selecionados para a fase de entrevistas, fotografias e filmagens residem

em diferentes bairros do município de Presidente Prudente-SP. Do total de alunos tive 04

meninas e 02 meninos como participantes na referida fase da pesquisa. Vale apontar que para

respeitar a identidade dos mesmos e facilitar a leitura do trabalho os nomeei de forma fictícia

(Achilles, Irineu, Andréia, Elenita, Renata e Rosiane), ao fazer referência a algumas pessoas

que contribuíram significativamente no processo de construção da tese.

Apenas Elenita reside no mesmo bairro onde a escola está localizada, Achilles, Irineu

e Renata residem em bairros próximos ao da escola, enquanto que Andréia e Rosiane

deslocam-se de bairros localizados em regiões distantes da cidade. Apresento abaixo o Mapa

das áreas de exclusão do município de Presidente Prudente-SP, ele foi elaborado pelo Grupo

de pesquisa do CEMESPP (Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para

Políticas Públicas) ao qual faço parte. Com tais informações evidencio as desigualdades

sociais em nosso modo de viver, fruto de relações de exploração econômica, e que precisam

ser visualizadas para garantir o movimento dialético da pesquisa, ao passo que ilustram o que

Sawaia (2005) pontuou como necessário no processo de emancipação humana:

[...] reler o marxismo, sem nostalgia, reducionismos e linearidade, considerando, de

um lado, que ele não exaure a utopia do fim da exploração contínua atual e urgente.

De outro, que sem a dialética é impossível pensar na construção de uma teoria da

completa emancipação humana, tendo como pressuposto a ideia de homem como

um ser histórico (SAWAIA, 2005, p.14).

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116

Ao localizar no mapa da Exclusão Social de Presidente Prudente-SP, onde cada um

dos participantes da pesquisa reside, ressalto que tais alunos fazem parte de um processo

histórico que não pode ser desconsiderado em sua totalidade.

Imagem 02: Mapa da Exclusão/Inclusão Social de Presidente Prudente

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117

3.4 – Fotografias e filmagens

Vale ressaltar que o processo de captação das imagens e de filmagens segue o desenho

metodológico criado por Ungar (2008), aplicado em sua pesquisa intercultural “Negotiating

resilience project: protective process of children in transition across cultures and contexts”,

realizada na China, Tailândia, África do Sul, Canadá, Índia e Brasil (coordenada aqui pela

orientadora dessa pesquisa).

Antes do período de captação de imagens por meio das fotografias e filmagens,

realizei no 1º semestre de 2012, com os seis participantes selecionados, uma entrevista inicial

(ANEXO A), com média de trinta minutos cada, sendo que as mesmas foram gravadas em um

aparelho Panasonic (Zoom Mic Panasonic RR-US470), seguindo um roteiro de perguntas que

possibilitou a compreensão de alguns dos mecanismos mediadores de risco e proteção nos

contextos familiares, escolares e comunitários, associados aos processos de “resiliência em-

si”, bem como prepará-los/provocá-los para a coleta de imagens. O roteiro de entrevistas foi

elaborado a partir do roteiro utilizado por Libório (2011), Ungar et al., (2005), Ungar et al.,

(2007), Teron et al., (2011) e Ungar (2011), sendo que fiz a inclusão de várias questões que

entendo serem essenciais na perspectiva do Método Materialista Histórico Dialético, a fim de

analisar o bullying escolar e a “resiliência em-si” como um todo, frente aos determinantes

sociais. Assim, na entrevista inicial procurei abordar os seguintes elementos:

- O que acham da escola onde estudam (estrutura, funcionamento, colegas, funcionários);

sobre a presença de conflitos (tipos, opinião sobre os mesmos); o que pensam sobre o papel

do governo frente ao funcionamento da escola; espaços existentes ou não para os estudantes

mobilizarem-se coletivamente frente as suas necessidades; participação dos estudantes nesses

espaços e como funcionam.

- Os tipos de situações que são mais desafiadoras para que possam viver em sua comunidade,

bem como se esses desafios são vivenciados por outros adolescentes e se conhecem algum

tipo de grupo de pessoas que são tratados injustamente.

- O que eles fazem diante das dificuldades em suas vidas, exemplos de situações/desafios e

onde buscam forças (apoio).

- O como os relacionamentos na vida dos adolescentes são importantes para os mesmos

(adequei as pessoas que os mesmos apontavam) e o que significam; o que acham que as

pessoas mais velhas pensam dos mais jovens e se respeitam suas opiniões; como são seus

amigos, o que os amigos gostam de fazer e por que os entrevistados gostam desses amigos.

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- Que tipo de apoio, recursos, programas e serviços estão disponíveis na comunidade e que

eles podem utilizar.

- O como percebem o papel do governo na garantia dos seus direitos, como por exemplo, o

acesso à educação básica (escola) e as informações necessárias para que possam crescer bem

na sua comunidade e se contam com lugares para o seu divertimento/lazer; como reivindicam

espaços/serviços que consideram importantes e que não existem; o que pensam sobre a

sociedade, em termos de condições para o desenvolvimento de todos.

- Como eles contribuem para a comunidade com sua presença; o que acreditam ser necessário

para que outros adolescentes da mesma idade possam crescer bem no seu bairro e as

expectativas de futuro (desejos, objetivos, se sentem capazes de realizá-los e as dificuldades

que acreditam encontrar pela frente).

Ao final dessas entrevistas, conversei com os adolescentes sobre a captação de

imagens e que, ao usarem as câmeras fotográficas digitais (Kodak easyshare m522)35

deveriam fotografar todos os elementos (pessoas, lugares, espaços, objetos) que consideravam

positivos ou negativos em suas trajetórias de vida. De posse de duas câmeras digitais eu fazia

a entrega das mesmas para que dois adolescentes, por vez, ficassem com as câmeras por um

período entre 15 e 21 dias, dependendo da necessidade para tirar 28 fotografias. Ao final,

descarregava as fotografias e deixava a câmera “vazia” para que outros adolescentes

realizassem o mesmo processo.

Após a revelação das fotografias, os adolescentes passaram por outra entrevista

(ANEXO B) sobre o conteúdo das fotos tiradas e que duraram em média 20 minutos cada.

Esse roteiro de entrevista foi baseado a partir de Libório (2011); Ungar et al., (2005); Ungar et

al., (2007); Teron et al., (2011) e Ungar (2011):

- A fotografia que mais e menos gostaram (o que elas significam e a que os remetiam).

- Qual fotografia foi capaz de representar algo bom em suas vidas, e qual mostra algo difícil

em suas vidas; por que escolheram essas fotos e que podiam falar sobre as mesmas.

- As fotografias que mostram aquilo que os fazem apreciar em morar na sua comunidade, bem

como o inverso e as explicações para tal.

- Sobre as demais fotografias (o que significam), se gostariam de conversar sobre algo não

abordado até então.

35

A princípio no projeto inicial fiz menção à utilização de máquinas fotográficas descartáveis, contudo, em

outras pesquisas realizadas em nosso grupo de pesquisa, quando do momento da impressão (revelação) das fotos,

muitas estavam sendo perdidas (queimadas ou com defeito). Diante de tal ocorrido, optei por utilizar câmeras

digitais (adquiridas com recursos da FAPESP).

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119

- Houve alguém ou alguma situação que queriam ter fotografado e que não foi possível, seja

por não ter encontrado a pessoa ou por outros motivos; o que essas situações significam.

Em um terceiro momento, realizei uma filmagem de um dia de suas vidas “a Day in

the life” Gillen, Cameron, Tapanya et al., (2006 apud, LIBÓRIO, 2011), na qual os

adolescentes foram filmados nas atividades cotidianas comuns (totalizando 8 horas de

filmagem de cada), sendo que utilizei dois dias de filmagens para cada adolescente. Nas

filmagens sempre contei com a ajuda de uma auxiliar de pesquisa para fazer anotações no

diário de campo.

Após o período de filmagens, ainda no 1º semestre de 2012, conforme proposições de

Libório (2011); Ungar et al., (2005); Ungar et al., (2007); Teron et al., (2011) e Ungar (2011)

iniciei o processo de assistir com o auxílio da orientadora da tese e de uma de suas mestrandas

que já utilizou esse recurso metodológico em suas pesquisas, as aproximadamente 48 horas de

filmagens (gastou-se uma semana nesta atividade). Posteriormente, editou-se na forma de um

DVD com 5 a 6 clipes, compondo um vídeo de aproximadamente 30 minutos, sobre as

filmagens de cada participante. Para a edição utilizou-se o software PINNACLE versão 11.0.

Para a concretização da atividade gastou-se mais de uma semana. Após esta tarefa convidei os

adolescentes, individualmente, para assistirem aos vídeos feitos sobre suas respectivas

filmagens e realizei uma última entrevista (ANEXO C). Destarte, diante das

práticas/atividades socioculturais em diferentes espaços que apareceram nas filmagens,

analisei com os mesmos uma a uma e, fiz ainda alguns questionamentos, a fim de buscar mais

subsídios para a análise do material. Cada entrevista durou aproximadamente 2 horas, sendo

que procurei problematizar junto aos adolescentes os seguintes elementos:

- Esclarecer o que estávamos vendo nos clipes (perspectiva dos adolescentes).

- O que significava ter acesso/contato com as práticas socioculturais analisadas; o que

pensavam de algumas pessoas não terem/fazerem aquilo que estava sendo analisado; o que

acreditavam gerar tal situação em nossa sociedade; se achavam que a referida situação

precisaria ser modificada; o que poderia ser feito.

- Os sentimentos decorrentes da situação e como reagiam (lidavam).

- Com relação à prática sociocultural analisada (quais os aspectos que eles percebiam como

positivos e negativos); acreditavam ser possível as pessoas viverem sem essa prática e se eles

conseguiriam viver.

- Os trechos que mostravam que eles gostavam de morar em sua comunidade, bem como o

inverso e suas explicações; analisar se os trechos selecionados contemplaram suas forças

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pessoais e redes de apoio social (quando tiveram dificuldades ou buscaram ajuda) e se havia

algum evento filmado que deveria fazer parte do clipe, bem como suas justificativas.

Frente a tais apontamentos e dialeticamente, o próximo capítulo da tese (análise dos

dados) será apresentado da seguinte forma: 1- Num primeiro momento serão enfocados

aspectos que remetem a articulação entre a tese e as categorias analíticas apresentadas na

sequência. Tal procedimento será feito com os dados obtidos com os seis participantes da

pesquisa. 2- Posteriormente, elegerei um dos participantes, vítima do bullying escolar, tendo

em vista que na história de sua vida fica mais visível a identificação dos elementos que

facilitam a análise sobre o processo de formação de sua personalidade, baseando-me na tese

doutoral de Martins (2001). Assim, focarei: a) nos dados biográficos que configuram sua

história de vida; b) na análise de sua história de vida e, c) o processo de constituição de sua

personalidade frente aos paradigmas da singularidade à universalidade.

As categorias analíticas presentes no primeiro momento são as seguintes:

1 – Atuação em diferentes práticas/atividades sociais e culturais e a formação da

personalidade humana.

Neste eixo priorizarei uma interlocução entre a atuação dos participantes desta

pesquisa em práticas/atividades sociais que os mesmos têm acesso/contato (apropriação) e que

foram objetivadas socialmente. Tal configuração visa apresentar como se efetiva o processo

de apropriação das objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas em nossa

sociedade e suas interfaces com o processo de constituição de suas personalidades.

2- A importância das redes mediadoras de apoio e proteção frente ao processo de

formação da personalidade humana.

Compreende as redes mediadoras de apoio e proteção (relações interpessoais,

familiares ou de diferentes segmentos sociais), que têm papel significativo na ajuda e

fortalecimento da autoestima, bem como na construção da personalidade daqueles que

foram/são vitimizados por situações de bullying escolar e que conseguem se posicionar frente

às mesmas, todavia apenas no âmbito da “resiliência em-si”.

3- Projetos de vida e a busca pela formação universal da personalidade humana.

Abarca os posicionamentos dos participantes sobre o seu futuro, bem como o ensejo

de superarem a condição socioeconômica que se encontram. Contudo, farei a problematização

dos apontamentos por meio do conceito de ‘indivíduo para-si’ apresentado por Duarte (1999,

2007), tendo em vista que a formação que concerne a tal aporta uma relação consciente com o

gênero humano. Nesse sentido, para que essa relação possa ser efetivada, será enfocado o

papel da educação escolar na perspectiva teórica aqui assumida. A escola passa a ser vista

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121

como um espaço contra-hegemônico de formação da consciência crítica dos alunos, a fim de

desenvolver a busca pela superação das relações sociais, bem como o pleno desenvolvimento

da personalidade humana.

A escolha das categorias apresentadas se deu a partir dos grandes temas presentes na

tese a ser defendida, ou seja, procurei contemplar elementos que demarcam as condições

objetivas presentes na vida dos participantes e que exercem influências no processo de

construção de suas personalidades. Atrelado a isso, estou entendendo que dialeticamente, tais

condições auxiliaram no enfrentamento do bullying escolar experienciado, ainda que no

âmbito da “resiliência em-si”. É importante destacar que na segunda categoria, após

apresentar algumas análises sobre as redes mediadoras de apoio e proteção, ilustro a

importância da escola pública como um espaço ímpar de formação da consciência crítica e de

classes das camadas populares, na busca pela transformação das relações sociais. Por fim,

finalizo apresentando alguns dos projetos futuros de vida dos estudantes, na expectativa de

ilustrar o processo de busca pela formação universal da personalidade humana (individuo

para-si).

Vale apontar que as categorias, mesmo que analisadas de maneira geral serviram de

base, para que em momento posterior eu pudesse analisar detalhadamente o processo de

construção da personalidade de uma das participantes da pesquisa, como expressão da tese

defendida.

Nesse momento, na perspectiva destacada, fica claro que um fenômeno não pode ser

apenas descrito, deve ser explicado historicamente, desde sua gênese, sendo que se houvesse

apenas sua descrição, isso contribuiria para a manutenção das relações sociais instauradas no

modo capitalista de viver e que pouco ou nada auxiliariam os processos de relação entre

indivíduo e sociedade. É importante frisar que não estou negando a descrição, até mesmo

porque há uma complementaridade dinâmica entre descrição e explicação, uma descrição

detalhada e bem feita, seletiva dos aspectos que permitem chegar à essência do objeto/sujeito

da pesquisa tem seu valor, inclusive como denúncia, e passo importante para o entendimento

das relações causais entre os fenômenos. Tais questões são exploradas por Gonçalves (2005):

[...] considera-se que a linguagem contém os registros sociais, produzidos

historicamente (significados), mas contém também, os registros pessoais, com as

dimensões subjetivas correspondentes: ações, cognições, afetos (sentidos). Trata-se

de considerar o processo por meio do qual, a partir da atividade, e tendo como

mediações a linguagem e as relações sociais, a subjetividade é constituída. São

utilizadas as categorias da dialética, numa perspectiva materialista e histórica, a fim

de descrever, compreender e explicar o processo de relação indivíduo-sociedade

como um processo objetivo-subjetivo (GONÇALVES, 2005, p. 103).

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Assim, espero com esta pesquisa defender a tese de que os indivíduos durante sua vida

vão se apropriando de algumas objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas

socialmente, que os orientam frente à formação social de sua personalidade. A personalidade

de cada indivíduo se constrói a partir do contato com a realidade objetiva, incorporadas ou

não as possibilidades para uma atividade consciente. Quanto menores forem essas

possibilidades, mais fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana.

Decorrente disso, no sistema de organização capitalista, há uma contradição expressa, pois

mesmo que eles se posicionem frente ao bullying escolar experienciado, por meio dos

processos de “resiliência em-si”, que são desenvolvidos na relação dialética entre mecanismos

mediadores de risco e proteção, o enfrentamento do bullying escolar será momentâneo e

pontual. O fenômeno continuará sendo produzido na dinâmica escolar. Os estudantes por sua

vez continuarão centrados no modelo de organização social que produz o bullying escolar,

com a impressão de que pouco há que se fazer. A emancipação se faz possível por meio de

um processo de tomada de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais,

o que reforça a importância que a educação escolar numa perspectiva revolucionária pode ter

nesse processo. A escola precisa cumprir com sua função social, a de socializar a todos, o

conhecimento científico produzido historicamente pelo gênero humano. O desenvolvimento

livre e universal da personalidade humana depende de uma possível transformação social.

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CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS DADOS

Neste capítulo apresento a análise dos dados coletados nos diferentes momentos da

pesquisa. Vale apontar, que o fato de terem sido coletados em distintos momentos não

significa que devam ser interpretados isoladamente, os mesmos têm que ser entendidos em

sua totalidade. O material obtido por meio das entrevistas, fotografias e filmagens serão

analisados em três categorias analíticas, a partir do Método Materialista Histórico Dialético,

que são: Atuação em diferentes práticas/atividades sociais e culturais e a formação da

personalidade humana; A importância das redes mediadoras de apoio e proteção frente ao

processo de formação da personalidade humana; Projetos de vida e a busca pela formação

universal da personalidade humana.

Tais categorias analíticas visam dar conta de apresentar elementos que respondam as

contradições postas pela tese a ser defendida, como já apresentada desde o início do texto.

Primeiramente, farei uma descrição inicial, de tal modo que eu possa apresentar os

participantes dessa pesquisa, bem como os elementos contidos nas entrevistas, nas fotografias

e filmagens, para depois adentrar no movimento de análise das categorias.

É importante frisar que em nenhum momento eu disse para os participantes

selecionados que eles foram caracterizados como expostos ao bullying escolar. Apenas

elucidei que suas respostas eram interessantes e que gostaria de continuar contando com sua

participação na pesquisa, se possível.

Iniciarei apresentando cada um dos 06 participantes, a partir dos “motivos” que os

levaram a ser possíveis vítimas do bullying escolar, de tal modo que você leitor possa desde o

início deste capítulo ter uma visão mais integrada sobre o como cada um deles acionou os

processos de “resiliência em-si” para o enfrentamento das situações de intimidação por parte

de seus colegas.

4.1 Elenita

Na conversa inicial que tive com Elenita, ela mencionou que em sua escola há

conflitos entre os alunos e que os mesmos são realizados por meio de brincadeiras de mau

gosto de caráter verbal e por meio de xingamentos. Ela pontuou ainda que o grande motivo

dos xingamentos sempre está relacionado às características físicas de uma pessoa. Ao

conversar sobre os espaços existentes em sua comunidade, mencionou que se pudesse

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reivindicaria um espaço para as vítimas de bullying, a fim de que elas pudessem falar do seu

sofrimento. Diante disso, justificou o exemplo de uma menina de sua sala, mas nos contatos

posteriores decorrentes da pesquisa, ficou evidente que referia a si mesmo.

Ao conversar com ela sobre as fotografias, disse-me que a que menos gostou referia-se

a uma foto que tirou de sua sala de aula vazia, pois lá acontecem os xingamentos, que havia

comentado anteriormente. Ao ser indagada se havia tirado alguma foto capaz de representar

algo difícil que tenha passado em sua vida, ela mencionou que não havia fotos sobre tal, mas

que se pudesse tirar, ilustraria os “falatórios” que envolve a sua pessoa e que lhe faz mal.

Aqui pude constatar que Elenita tinha todo o discurso de uma possível vítima de bullying

escolar, em função de sua estrutura física (sobrepeso).

Sobre a foto apresentada abaixo, de uma boca (Foto 01), a participante esclareceu que

a tirou no intuito de representar, ao mesmo tempo, as pessoas que “falam por trás” e xingam,

bem como aquelas que proferem palavras carinhosas e de apoio.

Foto 01 – Pesquisa de Campo, 2011-2012.

Ela fala coisas que a gente não gosta e machuca as pessoas. E também coisas

boas [...] palavras carinhosas (ELENITA, PARTICIPANTE DA PESQUISA

DE CAMPO, 2011-2012).

Durante as filmagens um aspecto muito destacado foi o espaço de uma academia de

musculação privada, que ela frequenta todos os dias da semana, na expectativa de reduzir o

seu peso corporal. Disse que estava feliz, pois já havia perdido 5 kg desde o início da prática

de exercícios físicos. Em determinada ocasião, durante os momentos finais da conversa sobre

as fotografias, fui interrompido por Elenita, quando ela disse que não havia gostado de uma

foto, apenas disse que estava estranha e preferiu não justificar mais nada. A adolescente

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125

apresentava certo grau de complexidade com relação a sua condição física (sobrepeso),

motivo pelo qual, possivelmente, seja vítima de bullying escolar.

4.1.1 Irineu

Irineu é um jovem que deixou evidenciado a dificuldade em construir amizades com

os colegas de escola. Aliado a sua timidez, bem como o interesse demasiado pelas práticas

religiosas e pelo estudo, ele mencionou que os colegas de escola não têm os mesmos gostos e

interesses que o seu, por isso não há o que dialogar com eles. Assim, suas amizades são

construídas com pessoas mais velhas e que frequentam sua igreja, espaço no qual o estudante

disse se sentir bem, pois pode expressar o seu gosto pela música e tem seus “valores”

reconhecidos nesse local, bem como pelos professores e funcionários da escola que admiram

sua organização e empenho nas atividades escolares. Embora não tenha ficado explícito,

parece que as práticas religiosas e o excelente desempenho nas atividades escolares são os

motivos para que Irineu sofra o bullying escolar.

Com um discurso de naturalização das situações de violência, apontou que em sua

escola sempre há conflitos e brigas, e que onde há pessoas, sempre haverá problemas de

relacionamentos.

4.1.2 Andréia

Andréia ressaltou também que na escola sempre há conflitos entre os alunos, e que os

mesmos começam por meio de brincadeiras que acabam por ganhar, em alguns casos,

proporções maiores. Ao falar sobre os grupos que considera serem tratados injustamente na

sociedade e que são vítimas de preconceito, ela destacou os evangélicos, como em seu caso. A

perseguição constante conforme a adolescente está ligada a não realização das práticas que os

outros jovens realizam, como por exemplo, frequentar festas e ouvir músicas para além do

estilo gospel, pois ela disse ser muito fiel aos ensinamentos da bíblia. Nesse sentido, o

bullying escolar em seu caso está relacionado à sua religiosidade. Outro aspecto que merece

ser destacado refere-se ao fato de se considerar uma pessoa tímida e com poucas amizades na

escola, sendo que supera a timidez junto às amizades conquistadas, em especial, por meio da

participação nas atividades religiosas, sendo que esses amigos sempre a ajudam, quando

necessário.

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Acho que é muito da pessoa. Eu sou tímida, mas com eles estou sempre à

disposição (amigos da igreja) e há pessoas que são tímidas com todos

(ANDRÉIA, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Diante desse argumento a questionei, sobre os possíveis motivos que considerava

como desencadeadores da timidez. Com a resposta ilustrada abaixo, reforço mais uma vez a

defesa de que a personalidade das pessoas não é algo inato, mas sim construído a partir do

contato com as relações sociais, apropriações e objetivações produzidas historicamente

(LEONTIEV, 1983; MARTINS, 2001, 2004, 2011).

Eu não sei muito bem, mas depende de cada pessoa e o que ela viveu

(ANDRÉIA, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

4.1.3 Achilles

No dia da primeira entrevista com Achilles, ele destacou haver situações de bullying

na escola, principalmente por meio de perseguições, em função dos aspectos físicos das

pessoas e considera que tais situações são negativas, porque abalam as pessoas. Contudo,

disse que tenta entrar na brincadeira como se fosse normal.

Durante as fases da pesquisa, em especial no momento das filmagens pude perceber

que o participante demonstrava uma preocupação excessiva com os aspectos físicos, ao

ressaltar sobre a importância das pessoas cuidarem de sua aparência. Como decorrência, ele

também frequenta uma academia de musculação privada. Ainda, chegou a alegar a

necessidade de ganhar massa corporal, pois se considera muito magro. Ao saber que minha

formação inicial era na área de Educação Física, disse-me que precisava perguntar se eu

achava que suplementos alimentares fariam mal ao seu organismo, pois precisava ganhar mais

massa corporal, embora a mãe não concordasse com essa atitude.

Assim, o possível bullying que Achilles sofre deve estar ligado às questões físicas de

seu corpo. Todavia, tais circunstâncias merecem uma problematização, ou seja, a influência

que os padrões estéticos ditados pela mídia e meios de comunicação estão exercendo na vida

dos adolescentes. Reflexo disso são as propagandas, comerciais, novelas, reality shows e

demais programas que difundem a imagem de mulheres magras, com seios e glúteos

avantajados e homens musculosos, fortes e com abdominais definidos, como sujeitos perfeitos

fisicamente, exemplos de beleza, sendo que os indivíduos que estiverem fora de tais padrões,

serão objeto de discriminação e possíveis vítimas de preconceitos sociais.

Não se pode perder de vista que os padrões de beleza refletem construções culturais,

pois ao longo da história humana, nem sempre ser magro significava ser belo. Basta fazer uma

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retrospectiva junto a obras de arte, anteriores aos séculos XIX, em especial, e constatar o

quanto os padrões de beleza eram diferentes dos atuais.

4.1.4 Rosiane

Rosiane disse que gosta da maioria dos colegas de escola, mas de alguns não, tendo

em vista que eles ficam com zoações, as quais ela não gosta, em função de sua magreza. Com

um discurso de naturalização, assim como Irineu, ela menciona que na escola há conflitos e

brigas entre os alunos, o que considera normal.

Embora não seja o seu caso, pontuou ainda, que os alunos mais aplicados nos estudos

são tratados injustamente pelos colegas e se tornam alvos de chacotas. Um aspecto que

merece ser destacado é que, por mais que seja vítima de bullying escolar em função de sua

magreza, a participante disse não se importar com isso e que ignora tais ações.

Por exemplo, na minha sala mesmo, eu interajo e converso com todo mundo,

mas há pessoas que ficam falando que eu sou isso e que eu sou aquilo, mas

eu não ligo e continuo conversando, eu não ligo para o que os outros falam

[...] Sim, ficam falando que eu sou magra e que eu sou isso e aquilo, mas eu

não ligo (ROSIANE, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-

2012).

4.1.5 Renata

Renata disse que em sua escola não há muitos conflitos e perseguições entre os

estudantes, embora ela seja perseguida constantemente pelos companheiros, algo que sempre

ocorreu, desde quando passou a estudar naquela escola (6º ano do Ensino Fundamental) até os

dias hoje:

Desde quando eu entrei aqui há poucos (casos de conflitos e perseguições

entre os estudantes). Mas comigo há bastante [...] De meninas que não

gostam de mim, sabe que falam que não gostam de mim mesmo, bastante. É

tenso, eu acho que as pessoas deveriam, ter um pouco mais de respeito, sei lá

deveriam fazer mais amizades, olhar melhor e investir e se identificar com a

pessoa pra depois julgar. Entendeu? Julgam sem ver a pessoa, sem conversar

com a pessoa, mais por causa disso que elas tentam arrumar confusão

comigo (RENATA, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-

2012).

Sobre os conflitos na escola, Renata não deixou explícitos os motivos para tal.

Todavia, no conjunto das fases da pesquisa pude perceber que as perseguições se devem ao

fato de não se adequar socialmente e financeiramente ao grupo de colegas, por mais que ela

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diga não saber as causas. Ela não possui nenhuma amizade para além daquelas que vive em

seu bairro, e que são suas amigas na escola. O bairro como explicitado no Mapa da Exclusão

Social de Presidente Prudente-SP está em uma área que faz jus ao nome do mapa.

Tendo a clareza de que os participantes estejam em processo de construção de seus

autoconceitos, muitas vezes suas explicações poderão trazer aspectos que evidenciam a

ausência de criticidade, por meio da alienação, ou ainda a ausência de explicação científica.

Todavia, não posso perder de vista que são precisamente nas atividades do entorno social

onde vivem, que as necessidades vão sendo criadas, os incitando a dar um passo decisivo no

desenvolvimento de seu pensamento, consciência e na construção de sua personalidade

(VIGOTSKI, 2001).

A adolescência desta maneira, não é uma idade de culminação, senão de crise e

maturação do pensamento. No que diz respeito à forma superior do pensamento

acessível à inteligência humana, essa idade também é transitória em todos os demais

aspectos [...] Ao estudar os conceitos em ação, descobrimos também certas

regularidades psicológicas significativas, úteis para esta nova forma de pensamento

e que aportam muita clareza sobre o caráter geral da atividade intelectual do

adolescente, e [...] sobre o desenvolvimento de sua personalidade e de sua

concepção de mundo (VIGOTSKI, 2001, p.171, tradução minha) 36

.

Vigotski (2001) salienta ainda que a maior dificuldade que um adolescente pode ter é a

transferência de sentido e significado de um conceito elaborado a novas situações concretas,

pensadas também de maneira abstrata. Aspectos esses que serão percebidos, nos

posicionamentos dos participantes da pesquisa.

Não se pode perder de vista que, na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural,

conforme Duarte (1999) os elementos sociais que constituirão a individualidade de cada ser

humano revelarão, por conseguinte, os traços da personalidade de cada indivíduo. Há que se

destacar ainda que o indivíduo nunca se relaciona imediatamente com o gênero humano. Há

uma relação mediatizada, por parte do indivíduo frente às circunstâncias históricas, sociais e

culturais na realidade onde vive.

É nessa perspectiva que farei a interlocução do “processo de construção social da

personalidade de adolescentes expostos ao bullying escolar e os processos de “resiliência em-

si”” com as categorias analíticas, apresentadas na sequência, na busca pela síntese das

múltiplas determinações dos fenômenos aqui analisados.

36

Original: La adolescencia de esta manera, no es una edad de culminación, sino de crisis y maduración del

pensamiento. En lo que respecta a la forma superior de pensamiento acesible a la inteligencia humana, esa edad

también es transitoria em todos los demás aspectos [...] Al estudiar los conceptos en acción, descubrimos

también ciertas regularidades psicológicas significativas, útiles para esta nueva forma de pensamiento y que

aportan mucha luz sobre el carácter general de la actividad intelectual del adolescente, y [...] sobre el desarrollo

de su personalidad y de su concepción del mundo.

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4.2 Atuação em diferentes práticas/atividades sociais e culturais e a formação da

personalidade humana

Na presente categoria analítica darei ênfase na atuação dos participantes da pesquisa

em práticas/atividades sociais e culturais que os mesmos têm acesso/contato e que foram

objetivadas socialmente. Tal configuração visa apresentar o como se efetiva o processo de

apropriação das objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas socialmente e suas

interfaces com o processo de constituição de suas personalidades. Vale apontar que as

objetivações humanas, por meio da apropriação de tudo o que já foi elaborado ao longo do

desenvolvimento da humanidade, vem se efetivando por meio da alienação, isso inclusive tem

repercussões no processo de humanização dos indivíduos. Acredito que a apropriação daquilo

que foi produzido historicamente e culturalmente pelo gênero humano tem impacto no

processo de formação da personalidade, como por exemplo, foi possível identificar junto aos

participantes.

Tanamachi e Viotto Filho (2012, p.30) ponderam que o indivíduo reflete a realidade,

por intermédio de determinadas condições objetivas de vida. “Ele está submetido às condições

alienadas e alienantes da sociedade capitalista e nesse processo se constitui”.

Marx e Engels (1974) ao diferenciar os homens dos animais chamam atenção para o

fato de que as diferenças entre os mesmos incidem justamente no fato de que o homem, ao

produzir seus meios de vida, produz a sua própria vida material (1º fato histórico). Ou seja, é

uma condição fundamental da história, e que se faz necessário na atualidade, como se fez

também no passado. E, ao considerar que essa primeira necessidade tenha sido atendida, a

ação de satisfazê-la e o instrumento utilizado para tal conduziram a novas necessidades, como

já ressaltado, o primeiro fato histórico. Outro aspecto importante de ser destacado e que:

[...] intervém diretamente no desenvolvimento histórico é o fato de os homens, que

em cada dia renovam a sua própria vida, criarem outros homens, reproduzirem-se; é

a relação entre homem e a mulher, os pais e os filhos, a família. Esta família, que é

inicialmente a única relação social, transforma-se numa relação subalterna [...]

quando o acréscimo das necessidades engendra novas relações sociais e o

crescimento da população da origem a novas necessidades [...] (MARX & ENGELS,

1974, p.34).

Ou seja, ao transformar a sua natureza, o homem se apropria da mesma e se objetiva

nela. Dessa forma, aquilo que os “homens são” dependerá exclusivamente das condições

materiais de suas produções (MARX & ENGELS, 1974).

Diante desses pressupostos, Duarte (1999, 2007) vai propor que no processo de

formação do indivíduo, num movimento constante de superação por incorporação da lógica

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formal é que essa apropriação e objetivação engendrarão novas necessidades e novas formas

de ação. Ele pontua que ao produzir uma realidade humanizada, por intermédio de sua

atividade, o homem se humaniza, ao passo que a transformação objetiva requer dele uma

transformação subjetiva.

O autor chama atenção para o fato de que o consumo de um objeto natural por um

animal também não deixa de ser uma apropriação. Todavia, a grande diferença qualitativa é

que nesse processo o homem é capaz de gerar uma realidade qualitativamente nova,

“enquanto processo gerador da história”, algo que se evidencia, por exemplo, na

transformação de objetos naturais em instrumentos, conforme as suas necessidades

reconhecidas socialmente e coletivamente. A relação entre objetivação e apropriação na

produção de objetos reflete-se desde o momento em que o homem se apropria da natureza e se

objetiva nela para produzir algo que seja portador de funções sociais e, que posteriormente

“gera, na atividade e na consciência do homem, novas necessidades e novas forças,

faculdades e capacidades” (DUARTE, 1999, p.35).

Ainda sobre as atividades vitais humanas e geradoras do processo histórico, Duarte

(1999) esclarece que elas não podem se reduzir somente a produção de objetos e

instrumentos. A linguagem e as relações entre os seres humanos precisam ser consideradas

como formas de objetivação e apropriação também. Ao pensar no processo histórico-social de

formação do indivíduo é importante ter claro como essa relação entre apropriação e

objetivação se efetiva. Sendo que, nem sempre, ao se apropriar de uma objetivação humana,

significará que o indivíduo em questão a fará numa relação consciente.

Sobre tal, Leontiev (1983) e Martins (2001, 2004) elucidam que submetido às

condições de alienação, os indivíduos serão apenas figurantes do processo de

desenvolvimento de suas capacidades individuais. A personalidade, por conseguinte, não

poderá se manifestar livremente, até mesmo porque suas propriedades, necessidades e

aspirações não serão plenamente atendidas quando submetida a relações alienantes. Há que se

ressaltar que o empobrecimento da individualidade humana em condições de alienação abarca

o trabalho social e a esfera da vida pessoal, pois as relações políticas e econômicas

subordinam a si o desenvolvimento do psiquismo. A alienação diante do capitalismo será

maior ou menor, e estará atrelada às possibilidades concretas que o indivíduo terá para

entender sua existência para além da particularidade, e ao superá-la rumo à condição

genérico-humana.

Assim, destacarei e explicarei na sequência, as atividades ou práticas sociais que

ficaram evidenciadas e que os participantes da pesquisa têm contato/acesso, em menor ou

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maior intensidade em suas trajetórias de vida. São elas: atividades escolares; atividades

desenvolvidas em sua moradia ou decorrentes da infraestrutura no bairro onde residem; uso de

tecnologias da informação e comunicação; participação em atividades domésticas e de

trabalho; contato e participação em atividades e espaços que contemplam o lazer e os

exercícios físicos; participação em práticas religiosas e o contato com a música, literatura e

outras manifestações artísticas, as quais têm papel decisivo no processo de construção da

personalidade dos participantes da pesquisa.

4.2.1 Contato e participação em atividades escolares

O primeiro aspecto a ser destacado refere-se ao papel das atividades escolares no

processo de apropriação e objetivação do conhecimento humano produzido historicamente.

Os seis participantes da pesquisa frequentam o ensino regular em uma escola pública,

vinculada à Rede Estadual de Ensino Paulista, sendo que apenas Rosiane, foi reprovada no

ano anterior e cursa o 9º ano do Ensino Fundamental pela segunda vez. Um aspecto que

chama atenção e que contraria outros estudos (CAMARGO, 2009; GONZAGA, 2010;

GRACIANO, 2007) é que os participantes apontam gostar da escola onde estudam. O que não

significa que os mesmos não percebam falhas nesse processo ou que algumas mudanças

devam ocorrer. Sendo assim, num primeiro momento Elenita destaca que gosta da escola,

aliada à estrutura, funcionamento e ao ensino que recebe. Irineu e Rosiane pontuam que a

escola oferece um bom ensino, consideram os professores e funcionários qualificados, além

de terem uma boa relação com eles, contudo não gostam da estrutura física, sendo que

algumas mudanças deveriam se fazer presentes. Andréia gosta da escola, da sua estrutura

física, acha a instituição disciplinada e a compara com outra unidade escolar da cidade onde

estudou e ressalta que os professores nunca faltaram com respeito a sua pessoa. Na mesma

linha, Renata a considera como uma escola bem interessante e, ao fazer elogios sobre os

professores e funcionários, os qualifica como ótimos e eficientes e faz comparações com outra

unidade escolar que conhece. Achilles também a considera uma boa escola e gosta dos

funcionários, porque os mesmos dialogam, sabendo conversar com os alunos. Todavia,

acredita que além de algumas mudanças na estrutura física, a mesma precisaria de mudanças

de atitudes por parte da direção na condução dos casos de indisciplina.

Quando questionados sobre como percebiam o papel do governo no funcionamento da

escola, há um contrassenso no discurso dos participantes e em alguns casos eles não

apresentam coerência e consciência sobre o papel do governo nesse processo. Andréia

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acredita que nessa escola o apoio seja maior se comparado a outras escolas da cidade, em

função da biblioteca contar com um grande acervo de livros, além dos professores serem bons

e a merenda ser de boa qualidade. Rosiane defende que o governo começou a desempenhar

um bom papel, em função dos materiais didáticos entregues (cadernos dos alunos). Elenita até

chegou a apresentar um discurso de negatividade sobre o papel do governo, contudo não

soube explicitar os motivos da crítica. Na contramão, Achilles questiona o papel do governo

e que ele deveria melhorar sua função, ao estabelecer comparações com alguns problemas

físicos que a escola vem apresentando. Por vez, Renata aponta a ineficiência do governo

frente ao funcionamento da escola, por meio de críticas com relação aos cadernos dos alunos,

ao sentir a necessidade de que o ensino fosse mais amplo e diversificado. Tal aspecto também

se fará presente na fala de Irineu, aliado a outros elementos nas críticas referentes à gestão da

educação feita pelo governo:

O governo não investe em nada na área de educação, o ensino é muito

escasso, sabe este material que vem pra gente é uma coisa muito básica

(referindo-se aos cadernos do aluno). Ele não manda auxílio para as escolas

melhorarem a estrutura, as salas de aula são muito pequenas para uma

grande quantidade de alunos. Com relação à remuneração dos professores é

muito pouco e eu acho que não há muitos investimentos (IRINEU,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Independente dos posicionamentos contrários ou favoráveis ao papel do governo é

importante observar o quanto a escola apresenta-se como objeto de preocupação dos sujeitos,

os quais anseiam por um espaço de desenvolvimento, considerando que para as camadas

populares, a escola acaba se tornando um dos únicos espaços de aprendizagem e

desenvolvimento, dada a carência absoluta de outros espaços públicos com essa finalidade.

Todavia é importante reforçar as proposições de Duarte (2007, 2009) e Martins (2009)

que apontam que as escolas públicas dentro do sistema capitalista vêm sendo utilizadas pelas

classes dominantes como um forte instrumento ideológico. Dessa forma criam mecanismos, a

fim de manter os escolares em níveis de consciência que permitam a sua manipulação e

adaptação à vida social. Os exemplos de tal processo foram denunciados acima por Irineu.

Sanfelice (2010), ao analisar as políticas educacionais implementadas no Estado de

São Paulo, nas últimas duas décadas, em especial nos mandatos dos governantes: Mário

Covas, Geraldo Alckmin, Cláudio Lembo e José Serra pontua que as mesmas sempre

reforçaram a visão neoliberal de educação. Sobre as políticas mais recentes, Sanfelice

questiona que o governo fez a adoção de um currículo único e fechado, a utilização de

material instrucional padronizado, além de acompanhamento das escolas por meio de

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avaliações fechadas, sendo ainda que os resultados servem de critério para conceder “bônus

salariais” aos professores além do incentivo monetário para aumento da produtividade do

trabalho.

No mais, a política educacional do Estado de São Paulo vem se caracterizando por

empreendimentos pontuais, nem sempre duradouros, de efeitos midiáticos e de

duvidosos resultados qualitativos. Os profissionais da educação da rede pública que

trabalham hoje com contratos precários, os baixos salários quando comparados

nacionalmente e a ausência de um Plano Estadual de Educação são questões

essenciais, não solucionadas pelos últimos governos, que comprometem

profundamente o trabalho docente, a aprendizagem do aluno e o papel de um Estado

educador [...] (SANFELICE, 2010, p.153).

Por mais que sejam travestidas e aliadas a um discurso que diz estar promovendo

avanços na educação paulista, é fato que tais medidas apenas contribuem para a imobilização

social das pessoas e a formação de personalidades adaptadas a realidade. As medidas

assumidas escancaram os propósitos de uma educação nada emancipadora.

Todos esses argumentos reavivam a tese a ser defendida, tendo em vista que a

educação escolar pública deveria favorecer o processo de tomada de consciência, por parte

dos estudantes das classes oprimidas, bem como dos participantes aqui mencionados

(Achilles, Andréia, Elenita, Irineu, Renata e Rosiane). Por mais que os estudantes, em vários

momentos, um mais e outros menos, apresentem discursos com certo grau de consistência

frente à realidade, é importante não se perder de vista que há evidências também de

concepções fragmentárias, reflexo do desenvolvimento limitado de suas personalidades.

Entendo que um dos desencadeadores desse processo, se deve ao fato de que os

indivíduos frente às diferentes problemáticas vivenciadas em suas vidas, reflexo das

condições sociais objetivas, por mais que se posicionem ou enfrentem “satisfatoriamente”,

tais infortúnios, acabarão presos à realidade vivida.

Contraditoriamente, a escola poderia auxiliá-los a exceder qualquer tipo de

posicionamentos superficiais, ao retomarem para si o controle consciente das transformações,

das circunstâncias e de si mesmos, na superação da alienação e no pleno desenvolvimento da

personalidade, ao se apropriarem do conhecimento científico produzido historicamente pela

humanidade em suas diferentes nuances. Mais adiante darei exemplos de como a escola pode

intervir, mediante o processo de constituição da consciência dos participantes na relação com

as atividades escolares, visando à transformação social.

Ainda é importante refletir sobre o que Oliveira (2005) nomina de “conhecimentos

cotidianos espontâneos”. Ao passo que esse tipo de conhecimento é usado nos

posicionamentos da maioria das pessoas, sendo fragmentados, casuais, inconsistentes e

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ideológico, pois refletem muitas vezes a falsa de consciência da realidade. A autora pontua

ainda que esse imediatismo do pensamento cotidiano, na sociedade alienada, vem se

expandindo e abarcando também o pensamento científico.

Pensando nas situações escolares que podem funcionar contra-hegemonicamente, na

esfera escolar, questionei os estudantes, se há espaços ou momentos para reivindicarem sobre

seus anseios ou necessidades onde estudam. Contudo, os participantes destacaram que não.

Apenas Rosiane percebe o ‘Conselho de classe participativo’ realizado ao final de todos os

bimestres, em que se discute o desempenho dos alunos, como um espaço para os estudantes se

posicionarem frente aquilo que lhes incomoda. Na perspectiva do método de investigação,

tentei conduzir os estudantes a apresentarem suas percepções sobre o Grêmio Estudantil e

pensarem um pouco sobre tal espaço, pois quando bem articulado e estruturado, pode servir

como mais um espaço de formação crítica e consciente dos estudantes, frente às

problemáticas que se fazem presentes na sociedade atual e que têm impacto sobre a esfera

escolar, bem como no desenvolvimento de suas personalidades. Todavia, um aspecto

impactante é que o grêmio como vem sendo concebido pelos estudantes e difundido na escola,

pouco ou nada cumpre a sua função social. Elenita e Rosiane não têm clareza sobre o papel do

Grêmio Estudantil. Achilles e Andréia alegam respectivamente não se envolverem, pois o

grêmio não tem um papel ativo e os integrantes não são bons exemplos de alunos.

Faço questão de ressaltar o papel da escola na articulação desse espaço, a fim de

garantir o seu funcionamento efetivo. Tal aspecto se faz presente na fala de outros dois

estudantes:

A escola poderia dar mais liberdade para o grêmio [...] mas eles não fazem

mais coisas porque a escola não permite ou não se posiciona. (IRINEU,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012)

Sempre são os mesmos. Todo ano sempre são os mesmos, porque não há

participação. Muitos alunos não participam e não se reúnem muito bem. Daí

é sempre os mesmos. Na minha sala mesmo, quando tem essas coisas, são

sempre as mesmas pessoas. Eles não chegam e discutem, ah você quer

participar? Você não quer? Entendeu? (RENATA, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Diante disso, destaco as pesquisas realizadas por Amaral (2005), Gusson (2008) e

Leher (2007) que destacam a importância do movimento estudantil, um espaço ímpar de

politização que teve a sua constituição de forma maciça, no contexto brasileiro, em especial a

partir da década de 1960, em oposição ao governo militar e nas causas de diferentes lutas

político-sociais. O governo militar, por sua vez combatia de todas as formas à mobilização

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dos estudantes, por meio da repressão via processos judiciais, perseguições e em muitos casos

com o exílio (AMARAL, 2005; GUSSON, 2008).

Conforme Amaral (2005), os estudantes por meio da UNE eram mobilizados nessa

época por ideais, tais como os de independência política e emancipação econômica do país,

bem como pela construção de uma nova sociedade com menos desigualdades. Se o

movimento teve um papel protagônico até o fim do Regime Militar em meados de 1985, o

mesmo ainda escancarou sua utopia e luta no movimento dos “Caras Pintadas”, que foi capaz

de destituir o presidente Collor, envolvido em escândalos de corrupção. Todavia, após esses

atos o movimento estudantil parece ter perdido suas bandeiras de luta, e como reflexo a

população assistiu passivamente o ensino público ser substituído pela escola privada e o

ensino universitário se transformar em empreendimento empresarial. Como exemplo, a autora

cita que atualmente, aproximadamente 80% dos universitários frequentam universidades

pertencentes ao setor privado. Longe de ter um discurso saudosista do movimento estudantil

de outrora, a pesquisadora indaga sobre o que então diferencia o movimento estudantil atual?

E, as suas conclusões são as de que a sociedade contemporânea não tem um Projeto Nacional

arraigado de utopias de um sentimento nacional; os jovens são cada vez mais pragmáticos e a

sociedade vem sendo difundida e propagada como se tudo estivesse pronto e acabado.

Aspectos esses que apenas contribuem para a preservação do status quo.

Leher (2007) destaca que após esse período de “dormência” do movimento estudantil,

como destacado acima, a luta social pelo público, na defesa de uma educação não

mercantilizada, teve grande repercussão na última década, com a ocupação da Universidade

de São Paulo (USP), no ano de 2007. Os estudantes inconformados e ao não aceitarem a

ofensiva neoliberal do então governador do Estado de São Paulo, José Serra, que por meio de

vários decretos, que tinham implicações no sucateamento da universidade e na minimização

do poder público nos investimentos sobre a mesma, mobilizaram-se fortemente, mesmo sob

ameaça de repressões como a que vários estudantes sofreram. No mesmo período,

influenciado por esse movimento da USP, várias reitorias das universidades federais foram

ocupadas pelos estudantes contra as medidas impostas também pelo presidente Lula. Esses

atos que inicialmente na USP impediram uma vitória estadual contra a autonomia (mesmo que

incompleta) da referida universidade, foi decisivo nas federais pela luta contra o inchaço dos

cursos superiores de curta duração, à distância e ministrados pelos pós-graduandos. É

importante destacar que nenhum setor dominante manifestou simpatia pela causa, os

estudantes foram qualificados como baderneiros e sequer consideraram as questões concretas

que moveram os estudantes. Todavia, o medo de que tal movimento tomasse proporções

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maiores fez com que a velha e a nova direita e os setores dominantes por meio da figura do

governador revogasse os decretos.

Gostaria apenas de salientar que em nenhum noticiário (TV, jornais e imprensa

escrita), pelo menos dos que tenho contato, não vi uma matéria sequer, no período em

questão, comentando sobre a vitória dos estudantes nesse caso. Isso nunca acontece.

Silenciam as conquistas para que as pessoas percam a dimensão das mesmas e se produza

cada vez mais subjetividades mais resignadas com os abismos da sociedade, e que passem

assim a reprovar tais movimentos. As manchetes nos noticiários só ganham difusão quando

do momento “das ocupações”, ou quando os diferentes movimentos sociais adotam posturas

mais firmes contra o autoritarismo daqueles que os tentam “intimidar” firmemente por meio

da violência. Violência que se inverte, no plano dos discursos midiáticos, sendo que os

violentos passam a serem considerados aqueles que lutam por princípios que congregam a

defesa da coletividade.

A discussão que destaquei acima é apenas para mostrar o quão necessário se faz os

espaços ligados ao movimento estudantil, desde a educação básica. Os estudantes

participantes da pesquisa precisam refletir sobre a realidade que se encontram inseridos, e o

Grêmio Escolar seria um ótimo espaço para que eles pudessem criar uma simpatia pelos

movimentos sociais, além de perceber sua importância na defesa de seus direitos, embora isso

não venha ocorrendo, conforme seus relatos. E, os professores, aqueles adeptos das

abordagens decorrentes do Materialismo Histórico Dialético têm papel fundamental na busca

pelo fortalecimento desses espaços, nos locais onde trabalham, pois a luta dos estudantes

também deve ser a sua luta, a busca pela transformação social.

Conforme Leontiev (1983) a consciência humana é influenciada pela estrutura de

classes presente na sociedade capitalista, de tal forma que os indivíduos se encontram em

relações opostas aos meios de produção e ao produto social. Não diferente, a consciência

humana sofre influências desse processo, de tal forma que os critérios ideológicos passam a

ser internalizados ao processo de conscientização dos indivíduos concretos. As significações

humanas vão se subordinando as leis histórico-sociais, e o desenvolvimento dos indivíduos

vai se dando pela interação entre os planos filogenético e ontogenético.

Por vez, a personalidade também é vista como um produto da interação dialética entre

tais planos. Todavia, ninguém nasce com sua personalidade definida, ela é decorrente das

condições objetivas presentes, ou seja, é reflexo de um processo histórico-social

(LEONTIEV, 1983; MARTINS, 2001, 2004, 2011). Tais aspectos reforçam a ideia de que

quanto mais espaços e situações a educação escolar oferecer aos seus estudantes, no intento de

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que os mesmos ampliem seu movimento de consciência da realidade, mais efetiva será sua

contribuição para com a busca pela superação das relações sociais.

Ainda sobre o acesso e contato com a esfera escolar, é importante destacar que muitas

vezes os alunos acabam se tornando dependentes de posturas autoritárias por parte dos

professores e gestores, como se somente eles fossem capazes de resolver qualquer problema

educacional. As práticas sociais de cunho coletivo, como são as escolares, e que reconheço

não serem fáceis de desenvolver, tendo em vista que, todos os dias dentro do sistema

capitalista e do discurso neoliberal apregoado pelos aparelhos ideológicos de estado ensinam

as pessoas a agirem em prol do individualismo. Nesse sentido, é válido mencionar a postura

do participante Achilles, sobre a participação e organização das atividades que seriam

apresentadas por sua turma em um evento promovido na escola. Ele questiona que os eventos

organizados pelos alunos acabam virando baderna, acha que os mesmos deveriam ser

organizados somente pela direção da escola e que o que for decidido, deve ser acatado pelos

alunos, sem contestarem, o que entendo ser reflexo de uma postura submissa de Achilles,

diante de uma postura autoritária da escola. É importante refletir que não estou negando a

participação da direção escolar no processo de condução dessas atividades. Contudo, acredito

que as melhores decisões advêm de processos de debates e de decisões coletivas. Infelizmente

as relações sociais na sociedade capitalista, levam os indivíduos a acreditar que uns devem

pensar e planejar, enquanto a maioria deve apenas obedecer e executar, o que é bastante

coerente com a fragmentação presente no trabalho alienado.

Sanfelice (2010) aponta que na busca por uma “escola democrática” (não coercitiva) e

que desenvolva alternativas de fortalecimento da “autonomia escolar” e do pleno

desenvolvimento da personalidade, em oposição aos ideários neoliberais, faz se necessário os

espaços de discussão e construção de suas ações com a participação de todos. Há que se

minimizar ainda, o autoritarismo presente nas ações de professores e gestores na relação com

pais e alunos.

Oliveira (1996) destaca que na perspectiva de Dermeval Saviani (Pedagogia Histórico-

Crítica), a participação nas atividades escolares, deve ter como objetivos mais amplos a

transformação social. “A educação não transforma imediatamente a sociedade”. Ela deve

transformar de maneira mediatizada, as consciências dos sujeitos que atuam na prática social,

a partir de uma determinada escolha de valores perante a história humana. Para tanto, deverá

assumir uma posição de classe, já que a sociedade está dividida em classes antagônicas. Ao

desenvolver tais proposições, o trabalho educativo auxiliará na passagem do ser ao dever-ser.

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Esse tipo de trabalho intencional, com vistas à transformação da realidade, será

concernente a uma maior consistência entre os motivos e ações presentes na atividade

humana, que impactarão no desenvolvimento de personalidades mais livres e universais. Por

exemplo, na dimensão da participação nas atividades escolares, ou das relações interpessoais,

ficarão expressos posicionamentos que contribuirão para que os estudantes realizem uma

leitura crítica do concreto, onde se encontram inseridos.

4.2.2 Moradia e estrutura dos bairros onde vivem os participantes da pesquisa

No que diz respeito ao tópico que abordará sobre a moradia e estrutura do bairro onde

os participantes vivem, defendo a importância de espaços que contemplem aspectos básicos

de infraestrutura e serviços, no processo de humanização dos indivíduos. Esses espaços

auxiliarão num processo menos desigual de constituição dos indivíduos, sobretudo, porque

terão a oportunidade de se apropriar melhor, das objetivações produzidas historicamente pelo

gênero humano. Todavia, não se pode perder de vista o cenário existente nas cidades e no

campo. Os pobres são alocados em bolsões de pobreza e exclusão social que os impedem

inclusive de viver com dignidade. Há um hiato gigantesco entre os bairros/áreas com uma

forte tendência em se agrupar conforme o seu pertencimento em determinada classe social.

Elenita vive com seus pais em uma casa de porte médio, com boa estrutura física.

Num primeiro momento, ela disse considerar sua comunidade como um lugar bom para se

viver, tendo em vista que as pessoas são unidas; por possuir amizades; há a academia de

musculação que frequenta, na tentativa de reduzir o peso corporal; disse ainda não perceber

nada de negativo na mesma. Contudo, na entrevista, ao refletir sobre as fotografias ela

mencionou que gostaria de ter tirado fotos do posto de saúde em seu bairro para mostrar a

importância desse tipo de lugar e a ineficiência do atendimento, chegou a contar que um dia

após estar com muita dor em seu corpo, teve que ir embora sem ser atendida. Tal aspecto

evidencia que apenas uma única entrevista, muitas vezes, não é suficiente para obter dados de

uma dada realidade, como difundido em muitas pesquisas em nosso país. Entretanto, isso não

significa que ao participar de uma pesquisa, determinado indivíduo passará a ser mais

consciente sobre todos os problemas que cercam sua vida, porém terão a oportunidade de se

mobilizarem a refletir sobre aspectos que se fazem rotineiros em seu cotidiano, mesmo que os

seus posicionamentos ainda apareçam de forma simples.

A participante Elenita apresentou muitas vezes em suas respostas uma visão bem

superficial e limitada sobre os assuntos suscitados, algo característico da consciência alienada.

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A mesma acha que o governo é bom porque ajuda as pessoas mais necessitadas; na

comunidade onde mora não percebe nenhum grupo de pessoas ou adolescentes que passam

por problemas em sua vida. Ou ainda, quando questionada sobre os fatores que levam a

desigualdade social e que fazem com que determinadas pessoas tenham acesso a alguns

recursos e outras não, acredita que a diferença entre ricos e pobres seja gerada pelo

desemprego. Embora seu discurso tenha um aspecto realista e ela seja apenas uma adolescente

em processo de formação, não há em suas respostas o estabelecimento de relações mais

amplas e críticas com as situações que produzem o desemprego ou a desigualdade social.

Aspectos esses que problematizarei e explicarei adiante, após apresentar mais exemplos

discursivos de outros participantes.

Andréia vive alternando sua moradia, em função da separação dos pais. Ora vive com

a mãe, ora com o pai, mas na maior parte da pesquisa estava vivendo com a mãe, numa casa

pequena, mas com boa estrutura física. Embora ela mencione não gostar muito da casa que

vive, pois necessita sair de dentro da habitação para poder ter acesso ao seu quarto, que após

uma reforma ficou como pertencente à área externa. Ela apontou ainda, gostar da comunidade

onde vive e ao analisar o local, mencionou que ali é um lugar que sempre lhe remete a sua

infância, período no qual os pais viviam juntos. Frente ao questionamento das pessoas que

não têm uma casa ou que têm que pagar aluguel, há um discurso que responsabiliza os

sujeitos sobre isso, e justifica que há cursos disponíveis e as pessoas, se qualificadas,

conseguiriam um emprego e teriam condições de adquirir um imóvel. Esse é um exemplo de

discurso alienado da realidade e muito difundido na atualidade, ou seja, o de culpabilizar as

pessoas pelo seu fracasso social

Embora tenha um longo histórico de contato com aquela realidade, Andréia disse não

conhecer muito sua comunidade e o único problema que percebe ali são os drogados pelas

ruas (há um ponto de alta concentração de mendigos e andarilhos, local onde o comércio de

drogas se faz intenso), mas não considera isso como algo que afeta sua vida, pois os considera

como pessoas que não tiveram sorte em receber apoio e oportunidades. Tal posicionamento é

questionável, sobretudo porque é reflexo do que comentei anteriormente, ao passo que se

pode incorrer na crença de que algumas pessoas têm sorte por serem ricas e outras não. Esse é

o típico discurso presente no senso comum: “fazer o quê? Não tenho sorte nessa vida!” e que

impossibilita um questionamento crítico da realidade social.

A participante Rosiane vive com sua família em uma casa de um antigo conjunto

habitacional da cidade; mencionou que gosta do bairro onde vive e o considera tranquilo. A

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princípio disse que o local não tinha nenhum problema, mas ao indagá-la a refletir melhor, seu

discurso começou a apontar a violência e roubos cotidianamente.

A participante não tem clareza sobre o papel da sociedade no desenvolvimento das

pessoas e há um discurso de naturalização da precarização sofrida pelos moradores, por

exemplo, sobre o posto de saúde sempre viver lotado, considera como se fosse algo normal ou

ainda sobre a escassez de áreas de lazer, menciona que se não tivesse ficaria na rua mesmo

com os amigos, não havendo o sentimento de contestação e indignação. Em outro momento

chega a defender que para os adolescentes melhor crescer e se desenvolver em seu bairro,

seria necessário mais intervenções da polícia, sobretudo no patrulhamento do local.

Conforme os posicionamentos de Elenita, Andréia e Rosiane, acho importante fazer

uma contraposição a esse discurso conformista dos participantes da pesquisa, considerando

que Oliveira (2005) chama atenção para o fato de que para um indivíduo conhecer a realidade

em que se encontra inserido, não basta estar nela, pois a realidade não se limita apenas ao

imediatamente dado. Faz-se necessário um pensamento mais elaborado, a fim de se garantir

uma reflexão crítica sobre tal e, consequentemente efetivar uma atuação sobre a mesma com o

intento de se transformá-la. Tal atuação que deve estar embasada na compreensão da relação

dialética entre singular-particular-universal através das dimensões ontológica (como o

humano se forma no homem, por meio das determinações sócio-históricas), epistemológica

(como se conhece esse processo contraditório) e lógica (nexo inerente a essa processualidade,

a qual precisa ser apropriada, para se compreender o vir-a-ser real, que é histórico social).

No entanto sabe-se que a construção dessa forma de pensamento requer mediações

teórico-críticas presentes na ciência, filosofia, política e ética; objetivações genéricas que,

infelizmente, não são acessíveis à maioria da população. Do ponto de vista de seu processo de

apropriação alienada, essas adolescentes expressam em suas ações um movimento que apenas

reflete as amarras impostas pelo sistema de organização capitalista.

É fato, e não se pode desconsiderar que Andréia, Elenita e Rosiane, assim como os

demais participantes da pesquisa, mesmo diante do processo de alienação evidenciado,

também puderam se apropriar de algumas objetivações materiais, culturais e intelectuais

produzidas socialmente, além de contar com relações interpessoais que os orientam

positivamente frente à formação de sua personalidade, como será apresentado nos próximos

subitens desta tese. Há que se ponderar que tal contato ainda é diferenciado, até mesmo

porque se vive numa sociedade baseada em classes. Por conseguinte, os estudantes têm

conseguido enfrentar e se posicionar melhor diante do bullying escolar sofrido, por meio de

um processo que se nomina de “resiliência em-si”. Entretanto, a “resiliência em-si” não é

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suficiente para que o indivíduo possa ter consciência sobre o seu papel enquanto sujeito

histórico no processo de objetivação do gênero humano, até mesmo porque se permanece na

mesma esfera social.

Defendo que a terminologia “em-si” possa ser acrescida ao termo resiliência, a partir

das contribuições de Duarte (1999) que a usa em oposição à terminologia “para-si”. Ambas

são tendenciais, pois não expressam estados puros. Como exemplo, o referido autor esclarece

que em oposição ao “em-si”, a categoria “para-si”, expressa para o indivíduo, uma tendência

de formação, que possibilitará uma relação cada vez mais consciente com o gênero humano, a

partir de determinado nível de desenvolvimento histórico-social.

Aqui, mais uma vez ressalto alguns dos elementos contidos na tese defendida, pois a

“resiliência em-si” não favorece a real emancipação dos indivíduos. Há o predomínio de

concepções idealistas e fragmentárias que não os amparam no pleno desenvolvimento da

personalidade, bem como numa transformação das relações sociais. A escola, que poderia

auxiliá-los a olhar a realidade de maneira dinâmica, infelizmente não vem realizando uma

intervenção eficiente. Leia-se que não estou responsabilizando os professores e gestores por

esse panorama, até mesmo porque sua intervenção se limita frente a questões mais amplas,

como destacado nos capítulos anteriores. Todavia, isso também não significa que os mesmos

não possam ter contato e socializar, por exemplo, discussões revolucionárias e contra-

hegemônicas, produzidas e difundidas nas organizações coletivas e movimentos sociais.

Como exemplo de uma situação real e presente no entorno/cotidiano das escolas

públicas do Brasil, gostaria de problematizar ainda com base em estudos de Feffermann

(2006, 2008) a questão das drogas, que poderia ser explicada e compreendida de maneira

aprofundada pelos estudantes, assim como outras temáticas histórico-culturais. Todavia, isso

não acontece, até mesmo, porque alguns dos discursos mencionados pelos participantes, ainda

refletem concepções destoadas de uma maior articulação com o todo. Na fala dos

adolescentes há o discurso difundido no senso-comum, que defende um maior policiamento

no bairro onde residem como estratégias de combate à drogadição.

Feffermann é um dos membros integrantes do “Comitê contra a criminalização da

criança e adolescente”, grupo oposicionista ao governo, que nas diferentes esferas de poder,

tenta justificar o encarceramento como uma forma de controle social. Em seus estudos, a

mesma apresenta reflexões e dados de uma pesquisa etnográfica realizada durante cinco anos

na periferia da cidade de São Paulo-SP, junto a jovens que atuam no tráfico de drogas.

Durante o tempo de realização da pesquisa a autora presenciou a morte de muitos jovens, seja

por conta da ação da polícia, de conflitos entre os participantes do tráfico, ou ainda pelos

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efeitos do consumo da própria droga. E, longe de fazer uma apologia ao uso de drogas, a

pesquisadora ressalta que não é possível pensar nas “ilegalidades do tráfico” sem analisá-la

como uma questão macro política.

Nessa perspectiva, Feffermann (2006, 2008) pontua que o tráfico de drogas segue a

mesma lógica da sociedade capitalista. Assim, defende as seguintes teses, com base em sua

inserção na realidade pesquisada: o jovem que atua no tráfico de drogas não entra no mundo

do crime, ele se insere no mundo do trabalho informal e ilegal e, por mais que o referido

esteja fora da legislação legalista, perpassa a vida de muitos sujeitos da população brasileira e

mundial que vive em condições subumanas. Como exemplo, a autora pontua o caso do

“trabalhador” do tráfico de drogas; tais jovens, como em qualquer indústria, trabalham sobre a

lógica do capital, são sacrificados e vivenciam situações similares, resultantes das condições

sociais injustas reproduzidas na sociedade, ou seja, o modo de produção estabelece relações

sociais e econômicas. O Estado, quando presente na periferia, se faz por meio da segurança

pública, que age arbitrariamente e que atua constantemente com intervenções sem mandados

de segurança. “Esses jovens, por vezes vivem situações inusitadas, em que o momento

presente é o único tempo que lhes permite viver. O seu futuro, frequentemente, não é incerto;

muitos sabem que vão morrer, ou pela bala do revólver da polícia ou pela do traficante”

(FEFFERMANN, 2008. p.04).

Feffermann (2008) alerta que desempregados, os jovens se convertem em “reserva de

mão de obra” do mercado oficial, e por vezes do não oficial; eles buscam estratégias para

sobreviver. Em 2003, São Paulo possuía 2 milhões de desempregados, dos quais

aproximadamente 44,00% tinham entre 15 e 24 anos de idade. Outro aspecto que a

investigadora traz a tona é que o tráfico, ao favorecer a lavagem de dinheiro, com a

conivência do Estado, faz com que o menino excluído socialmente passe a ser incluído

marginalmente, e comece a comprar roupas, a frequentar um shopping, ou seja, comprar

objetos com o dinheiro resultante do tráfico, e mais do que isso, a se sentir respeitado.

Destarte, elucida que se não se olhar para esses aspectos, “continuaremos reproduzindo o

discurso de que não temos nada a ver com isso”. O “trabalho” decorrente do tráfico de drogas

também é alienado e mediado pela economia burguesa. A grande diferença reside no fato de

que “o valor da força de trabalho no tráfico, pode significar explicitamente a própria morte”.

Como nas empresas que não garantem condições mínimas de trabalho, os “trabalhadores” do

tráfico são atraídos por promessas e garantias de dinheiro, sendo que a única diferença é que

se o jovem não atender as expectativas dos empregadores são “demitidos da vida”. A

pesquisadora pontua sobre a necessidade de se desconstruir alguns mitos que imperam no

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senso comum, como por exemplo, o de que os jovens não saem do tráfico, pelo contrário eles

podem, mas dificilmente saem porque “se sentem contidos e respeitados, inseridos dentro de

uma sociedade”, bem como, são motivados pelo dinheiro, afinal de contas, estão em um

“trabalho” mesmo que considerado ilegal. E como reflexão, compartilha uma situação que

presenciou, a de um jovem que após tentar sair do tráfico e procurar uma escola, voltou ao

mundo do tráfico:

Até isso é uma coisa complicada. Eles não conseguem vaga e trabalho muito menos.

São coisas que só vendo. Eu me lembro de um menino que depois de muito tempo

topou sair e eu ia visitá-lo; nós estávamos lá e isso para mim é simbólico: eu entrei

no quarto e ele estava olhando para uma televisão sem imagem, com o quarto

escuro; e ele parado diante de uma televisão, que não passava nada. Esse é o

símbolo do jovem que não está inserido em lugar nenhum. É lógico que depois de

um mês ele voltou para o tráfico. Ele não podia sair na rua por que, para onde ele

iria? Ele não tinha dinheiro para fazer nada e, de repente, ele não tinha nem trabalho

e nem escola. Essa é a oportunidade de nós pensarmos a possibilidade de uma regra

que se estabelece (FEFFERMANN, 2008, p. 11-12).

Os dados evidenciam o tipo de intervenção/reflexão que as escolas deveriam fazer

com seus alunos, a fim de que pudessem pensar dialeticamente os problemas da humanidade

em suas relações mais amplas com o todo social, a fim de não se reproduzir discursos

alienados e presentes nas diferentes relações sociais. Como exemplo, questiono os discursos

dos participantes da pesquisa, que classificam a inserção de jovens no tráfico de drogas, como

reflexo, apenas de sua opção. Ou ainda, aqueles que são favoráveis à presença da polícia para

pacificar um lugar, quando na verdade, a mesma vem cumprindo um papel ideológico de

controle social, mesmo que muitas vezes os próprios policiais, munidos de boa intenção, não

percebam o quanto sua intervenção está a serviço da manutenção do status quo que privilegia

alguns indivíduos, à custa do sacrifício da maioria da população.

Conforme Martins (2001) a atividade objetivadora social e consciente, somente será

obtida cada vez mais de modo livre e universal, quando houver a superação das relações

sociais que determinam o processo de alienação. Concebe-se a consciência como um sistema

de conhecimentos apreendidos a partir da realidade pelo homem, ainda que presente de

formas originariamente não conscientes (consciência sobre si), sendo necessário se alcançar o

nível da autoconsciência, ou seja, ir além do conhecimento sobre si, e além do funcionamento

do sistema de relações sociais no qual o indivíduo se encontra.

Ainda de acordo com Martins (2004), o nível da consciência sobre si se faz presente

apenas no plano da individualidade em-si, da particularidade, enquanto que ao nível da

autoconsciência, o homem alcança sua essência como trabalhador, consciente, livre e

universal. Todavia, se o processo de apropriação e objetivação se produz mediante as relações

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sociais de dominação, tais processos serão alienados ou alienantes, ou seja, limita-se o

desenvolvimento da consciência sobre si, bem como o da autoconsciência e, por conseguinte,

o pleno desenvolvimento da personalidade humana.

O desenvolvimento máximo de cada personalidade só pode ser analisado pelo

reconhecimento da mediação exercida pelas relações objetivas e sociais existentes; tais

aspectos culminam com a afirmação de que o pleno desenvolvimento da personalidade

humana só ocorrerá com o processo de transformação radical das relações sociais

(LEONTIEV, 1983; MARTINS, 2001; 2004).

Para Duarte (1999) a superação da alienação na vida de um indivíduo, não se efetivará

de maneira independente da transformação coletiva das relações sociais. Assim, a objetivação

e apropriação que geram a humanização do gênero humano, se realizadas sobre relações de

dominação, também serão alienadoras. Dessa maneira, o homem se aliena perante a própria

realidade criada, ou seja, mediante suas forças essenciais reais e objetivas. Tal

posicionamento elimina os discursos idealistas que apregoam que a origem da alienação esteja

na consciência, bem como que a personalidade do indivíduo seja dada biologicamente.

Marx e Engels (1974) destacam que como consequência do surgimento da “grande

indústria”, o mundo viu as relações naturais serem transformadas em relações monetárias.

Nesse processo, todos os estágios anteriores à indústria foram destruídos. O trabalho, por vez,

favoreceu que as forças produtivas fossem convertidas como status exclusivo da propriedade

privada, já não sendo mais próprias do trabalhador. A maioria da população se apropria

apenas do seu instrumento de produção, mas continuam “subordinados a divisão do trabalho e

ao seu próprio instrumento de produção” (MARX & ENGELS, 1974, p. 92).

Tais explicações são concernentes às elucidações de Duarte (1999):

Para que o homem não se aliene perante o mundo por ele criado, ele precisa ver a si

próprio objetivado nesse mundo, precisa reconhecer esse mundo como um produto

de sua atividade. Isso, porém, não é possível a não ser no interior do processo

através do qual o homem transforma as relações sociais para si (“isso somente será

possível quando se lhe configurar como ser social, assim como a sociedade se

configurará nesse objeto como ser para ele”) (DUARTE, 1999, p.82).

Duarte deixa claro que há atividades que por mais que um indivíduo as realize de

maneira consciente, elas podem ser alienadas ou alienantes. Como exemplo, o autor destaca a

atividade escolar e as ações educativas que um indivíduo pode realizar de maneira consciente,

mas que também podem ser alienadas ou alienantes. O referido autor ressalta sobre a

importância em se distinguir os conceitos de universalidade e liberdade, dos conceitos de

trabalho (objetivação), socialidade (historicidade) e consciência. Tal defesa assenta-se na

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premissa que os três últimos conceitos se fazem presentes na vida da maioria das pessoas,

mesmo que sob condições alienadas e alienantes. Entretanto, a universalidade e a liberdade

não se concretizam mediante relações sociais alienadas. Na formação do indivíduo será

alienador todo processo que resulte “na não efetivação, na existência individual, das

possibilidades historicamente produzidas de objetivação, social, livre e universal” (DUARTE,

1999, p.97).

Voltando aos adolescentes, com relação ao participante Achilles, ele vive com sua

família em uma casa com uma ótima estrutura física, que foge ao padrão da maioria dos

brasileiros. Ele gosta do seu bairro, diz ser sossegado. Inclusive em um dos momentos da

filmagem, ao caminhar por um longo tempo pelas ruas com seu amigo, disse que isso é um

exemplo da tranquilidade do local e que tem clareza que há lugares que não são assim. Para

ele, os maiores desafios enfrentados pelos jovens de seu bairro devem-se ao fato da presença

de pessoas envolvidas com drogas, bem como a escassez de programas e serviços em sua

comunidade, embora não utilize os que estejam disponíveis, pois utiliza os advindos da

iniciativa privada (planos de saúde, clube, academia etc.).

Quando indagado sobre o que poderia ser feito para que mais programas, serviços e a

estrutura do bairro fossem melhorados, tem clareza da importância das manifestações e

reivindicações. Todavia, menciona que as pessoas são pacíficas demais, ao não reivindicarem

seus direitos frente às situações em que se encontram e por serem ameaçadas pela violência

social.

No sentido de não contestar nada, eu não gosto disso, o tempo todo tem que

se contestar, eu não gosto de quem fica quieto [...] viu que está errado vai

atrás, tenta mudar, mesmo que não vá acontecer, mas vamos tentar.

(ACHILLES, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Tais argumentos precisam ser contrapostos, pelo fato de que muitos não contestam

porque não foram ensinados a reivindicar. Pelo contrário, as pessoas são ensinadas a se

calarem. As escolas são um exemplo desse processo, os que não falam nada são considerados

os “melhores”, são os que sobrevivem aos discursos moralistas que imperam nas ações de

professores e gestores.

Ao ser questionado se em sua comunidade há pessoas que são tratadas injustamente, o

participante Achilles destaca os homossexuais, contudo apresenta resquícios de discursos

preconceituosos em sua fala, construídos culturalmente e de normatização de posturas e

condutas esperadas por parte das pessoas.

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Porque ser homossexual não é um problema, o problema é quando ele

começa a ser escandaloso, daí ninguém gosta. Tem uns que aceitam e outros

que não toleram. Eu acho que cada um tem que respeitar a si, só que tem que

se respeitar pra não se expor bastante na frente das pessoas. Porque o padrão

que é imposto desde antigamente é homem e mulher, e não mulher com

mulher e homem com homem. E quando você vê já causa um choque, daí

começa a se expor, falar, aí eu sou isso, eu sou aquilo, daí então é meio

estranho (ACHILLES, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO,

2011-2012).

Irineu também vive com a família em uma casa de porte médio. Ao mencionar sobre

sua comunidade disse gostar de viver lá e que o grande ponto positivo é a proximidade com a

igreja que frequenta. Ele chegou a mencionar a escassez de recursos e programas para os

jovens em sua comunidade. Ao ser questionado se não haveria formas de se mobilizarem para

ter seus anseios atendidos, seu discurso é carregado de um pessimismo fatalista, como se as

coisas não pudessem ser modificadas, ao justificar que o país é governado por uma elite que

atende somente aos interesses dos mais ricos.

Mesmo que as pessoas reivindicassem eu acho que não faria diferença

alguma. Os nossos governantes não estão preocupados com a opinião da

população, estão apenas preocupados com a elite que são os mais ricos.

Assim, mesmo que reivindicasse eu acho que não adiantaria. [...] Quem

governa o país é a elite, os mais ricos comandam os mais pobres (IRINEU,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

O participante Irineu pontua ainda que o grande entrave para se modificar a situação

na qual a sociedade se encontra, reflexo dos problemas sociais e políticos, refere-se à ausência

de consciência política por parte da população, que é enganada diariamente. Um exemplo de

seus posicionamentos reflete na defesa das greves sindicais, como uma forma dos grupos

marginalizados se manifestarem e protestarem, embora saliente que muitas vezes os mesmos

poderão não ter seus objetivos atingidos.

É que a gente vive numa democracia disfarçada, como se fosse uma

ditadura, o povo não tem o direito de escolher [...] Acho que não daria para

resolver porque o povo não tem muita mobilidade, não há aquela intenção de

se deslocar e fazer alguma coisa, e também com eu te falei, acho que

vivemos numa ditadura disfarçada e não a democracia [...] É difícil porque o

povo não se preocupa com política, eles falam ah eu não gosto de política,

mas os políticos gostam da ignorância das pessoas. É difícil modificar

porque o povo não tem mobilidade de ir lá e lutar. Quando estavam

querendo aumentar o número de vereadores (referente à câmara municipal

de Presidente Prudente que estava votando um projeto de lei para aumentar o

número de vereadores da cidade), não era todo mundo que ia até lá fazer

pressão para não aumentar, daí como reivindicaram, eles voltaram atrás. O

povo não tem essa mobilidade, então quem não quer lutar pelo que é deles só

se ferra [...] Eu sinto muita pena, infelicidade e tristeza porque as pessoas

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que são preocupadas também acabam sendo prejudicadas, porque uma

pessoa sozinha é difícil modificar o contexto [...] mas, a população como um

todo é possível. Entretanto, não é toda população que se disponibiliza

(IRINEU, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Os posicionamentos de Irineu são realistas sobre a situação atual, no que tange as

pessoas se sentirem amarradas e sem mobilidade para lutar contra o imperialismo capitalista.

Contudo, acredito que por mais que seja uma luta desleal, é apenas na organização, através de

movimentos sociais e coletivos que é possível não ser silenciado e amordaçado pelas nuances

do sistema, que produz a falsa sensação de que o mundo está melhor para se viver. Diante de

tais aspectos, ressalto mais uma vez a importância da escola-comunidade defendida por Viotto

Filho (2005), já mencionada no capítulo I.

Oliveira (2005) ressalta que por mais que o gênero humano tenha se tornado mais

“livre e universal”, tais elementos não se fazem presente na vida da maioria dos homens

singulares. Existem objetivações do gênero humano que seriam capazes de resolver os

grandes problemas da humanidade, todavia a estrutura social não permite que parcela

expressiva da população mundial tenha acesso a tais objetivações.

O autor literário Saramago, ao pronunciar-se diante do recebimento do Prêmio Nobel

de Literatura em Estocolmo na Suécia em 1998, fez questão de reafirmar que naquele ano, em

que se celebravam 50 anos de Declaração Universal dos Direitos Humanos, os motivos não

eram para tantas comemorações, embora nas agendas políticas houvesse uma celebração que

proclamava que o mundo estava melhor para se viver.

Nesses cinquenta anos não me parece que os Governos tenham feito pelos direitos

humanos tudo aquilo a que, moralmente, quando não por força da lei, estavam

obrigados. As injustiças multiplicam-se no mundo, as desigualdades agravam-se, a

ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrênica humanidade que é

capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das rochas,

assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais

facilmente a Marte neste tempo do que ao nosso próprio semelhante.

(SARAMAGO, 1998, p.22)

Renata vive em uma casa pequena e com estrutura precária, junto à família dos tios

que a adotaram. Ela demonstra em suas atitudes e palavras, a gratidão aos tios, e disse gostar

do bairro e que se sente bem, mesmo diante das condições precárias destacadas nas

fotografias e filmagens.

A participante aponta que gostaria de ter fotografado mais os lugares que considera

precários no bairro onde vive, tais como os pontos com esgoto aberto, com mato alto e as

construções abandonadas. Em razão disso, em um dia das filmagens a mesma levou-me para

conhecer um pouco mais as condições precárias que ela havia mencionado tanto, como algo

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que a incomodava; chegou a mencionar ainda o descaso dos governantes para com aquele

local, bem como a ausência de uma mobilização por parte da comunidade para reivindicar

melhorias. Entretanto, o seu discurso permaneceu um pouco atrelado à lógica de

responsabilização dos próprios moradores apenas para resolver o problema, ao comparar o

local com os bairros onde as situações são melhores.

Merece ser destacado que os bairros mais periféricos são decorrentes do processo de

exclusão social e da segregação socioespacial (SILVA, 2009). Faço questão de ressaltar que

as pessoas com menos condições financeiras vão para esses lugares, onde o caos social fica

mais evidenciado e visível apenas aos olhos dos que ali vivem.

Silva (2009) aponta que ao analisar a segregação socioespacial urbana em Presidente

Prudente-SP, pode perceber que a mesma foi crescendo de maneira descontínua, ao deixar

áreas sem habitações em sua malha urbana. Tal situação foi proporcionada pela especulação

imobiliária que dentro do sistema capitalista elege junto ao poder público, as áreas que serão

valorizadas, e áreas mais distantes que servirão para a implantação dos programas

habitacionais. O autor pode constatar que nos loteamentos periféricos, instalaram-se uma

população desprovida de recursos locais e em muitos casos com infraestrutura precarizada.

Por consequência, a cidade ficou dividida entre locais com distintas camadas sociais e com

acesso diferenciado ao espaço urbano, gerando assim a segregação socioespacial dos menos

favorecidos economicamente, em vários bairros.

Gostaria de destacar ainda um argumento de Renata, que ilustra algo que as pesquisas

na perspectiva epistemológica adotada nesta tese podem cumprir, para além da coleta de

dados, ou seja, a possibilidade de dar voz aos seus participantes e de possibilitar espaços para

que todos os envolvidos, e aqueles que dela tiverem contato possam mudar e perceber

elementos ligados à realidade.

Não, só de agradecer mesmo, porque foi uma forma de mostrar o como meu

bairro é, além de mostrar as condições que o mesmo se encontra, bem como

a de outros bairros. É uma forma de se enxergar o como as pessoas vivem!

(RENATA, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012)

Dando prosseguimento aos elementos presentes na realidade concreta, e que vêm

sendo apropriados pelos participantes da pesquisa e que parecem ter papel significativo no

desenvolvimento de suas personalidades, apresento as tecnologias da informação e

comunicação.

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4.2.3 Contato com tecnologias da informação e comunicação

No tópico, num primeiro momento será feita uma descrição sobre o processo de

contato com as TICs na vida dos seis adolescentes, para depois proceder a sua interpretação e

explicação frente ao impacto das mesmas no processo de construção de suas personalidades.

Entendo que as TICs são o mais claro exemplo do nível elevado de objetivações que a

humanidade produziu ao longo de seu desenvolvimento histórico. Os indivíduos precisam se

apropriar desse aparato, a serviço do seu bem estar e conhecimento; ele não pode ser

exclusivo da ideologia dominante, até mesmo porque são produções do gênero humano.

Com relação às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) percebe-se o seu

avanço e inserção dentro da sociedade capitalista, além de um discurso de valorização por

parte dos diferentes segmentos da sociedade. Todavia, o acesso a tais tecnologias vem sendo

marcado pela lógica do consumismo desenfreado e atendendo aos interesses dos grandes

proprietários de corporações internacionais da área de comunicação, que acumulam cada vez

mais fortunas incalculáveis mediante o seu consumo. É válido ressaltar que não estou

demonizando o uso e benefícios advindos do contato com as TICs, apenas acredito que se

deve entender e esclarecer alguns elementos que estão por trás desse consumismo, travestido

como algo normal e acessível às pessoas, embora também tenha a clareza que milhares de

pessoas ainda sejam privadas de seu contato. Há que se apontar o impacto que as TICs vêm

desempenhando no processo de construção da personalidade das novas gerações, sobretudo,

ao desenvolverem outra lógica de raciocínio frente a essas tecnologias, ou ainda, diante do

uso diário e do contato desenfreado com informações rápidas, dinâmicas e superficiais na

maioria das vezes.

A participante Andréia menciona que sempre teve contato com computadores e

celulares em sua rotina diária. Aliado ao acesso à internet, ela pontua que utiliza muito esses

equipamentos, como um meio de ter seus amigos mais próximos por meio das redes sociais

(Facebook, Orkut, MSN, Twitter). Ao apresentar uma das fotografias que representa sua vida

(foto no computador), ressalta que a mesma tem o significado de expressar o local que “fica”,

tanto nos momentos de alegria como nos de tristeza. O contato com o computador e internet,

se fazem tão intensos, que ela não consegue se ver sem os mesmos. Todavia, quando

questionada sobre as pessoas que não têm o acesso a tais recursos, destaca possuir amigos

nessa condição. Porém, acha que isso não é impeditivo para o desenvolvimento dos mesmos e

acredita que a renda familiar e as prioridades adotadas pelos pais é que irão determinar se os

eles poderão ou não ter acesso aos referidos recursos. No geral, há um discurso de

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naturalização em sua fala, como se fosse algo normal/natural alguns terem acesso a

determinados bens e meios tecnológicos e outros não, e que não há o que mudar diante dessa

situação, mas sim, aceitá-la.

Na mesma linha, Achilles também apontou sempre ter tido o acesso e contato com as

diferentes TICs. A internet é tida por ele como algo essencial na atualidade. Ressaltou que as

TICs têm seus pontos positivos e negativos, pois, ao mesmo tempo em que oferecem um

monte de facilidades e praticidades com relação à informação, pode colocar as pessoas numa

enrascada, e citou como exemplo, quando sua mãe foi vítima de um trote bancário e que

inocentemente forneceu seus dados pessoais. Aliado a isso, disse utilizar esses recursos em

sua diversão, em especial, para conversar, cotidianamente, com os amigos por meio das redes

sociais. Quando questionado, sobre as pessoas que não têm contato, evidencia-se a defesa de

que o aumento de salário e emprego para as pessoas seria suficiente para resolver o problema.

Por mais que as intenções sejam boas e haja uma sensibilização no plano do discurso com

relação aos que não têm, tais proposições são feitas sem muitas reflexões. Inclusive, entra em

contradição, ao apontar que as pessoas poderiam viver sem o contato com as TICs, caso não

consigam ter acesso e, para se justificar mencionou que em alguns espaços (casa da avó) já

ficou sem celular e internet. Mas, ao mesmo tempo justifica a necessidade do consumo dos

referidos produtos.

Elenita segue o mesmo raciocínio dos participantes já mencionados anteriormente, tem

acesso à internet e computador em sua casa. Utiliza-se do mesmo para realizar as tarefas

escolares e para ter acesso a redes sociais, e destacou sua utilidade ao poder conversar com as

pessoas que estão muito longe, por exemplo, os familiares e amigos. Contudo, apresenta uma

visão que não leva em consideração as desigualdades sociais geradas pelo capitalismo, ao

acreditar que hoje em dia não existam pessoas sem o acesso a computadores e telefones.

Nas filmagens de Rosiane pude perceber que nos momentos de interação com os

amigos, os celulares são muito presentes, sendo que eles ficam ouvindo músicas e mandando

torpedos (mensagens) o tempo todo. Ela disse sempre ter tido contato com esse recurso e que

usa, em especial, para se comunicar com os amigos que ali não se encontram, além de ouvir

músicas, como já destacado. Em outro momento pude perceber o contato com um

computador, sendo que ela destacou sua utilidade para fazer as atividades escolares, pesquisas

sobre determinados assuntos, bem como para ter acesso a redes sociais, sendo mais um espaço

de interação com seus amigos. Ao ser questionada sobre as pessoas que não têm condições de

terem esses equipamentos, prontamente respondeu que essas são as pessoas que não têm

condições financeiras. Acredita que sejam os aspectos econômicos das famílias que acabam

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determinando tal situação, e por meio de sua experiência familiar com o desemprego de seu

pai, apontou que muitos pais de família estão sendo substituídos por pessoas mais jovens.

Entretanto, responsabiliza as pessoas por não terem tais recursos em suas casas. Conforme a

mesma, “os péssimos administradores de seu dinheiro” não saberão reparti-lo e poupá-lo para

a aquisição de tais bens. Em adição aos argumentos, em nenhum momento ela teve clareza da

lógica de exploração presente em nosso cotidiano, e que se faz presente nas relações

trabalhistas presentes na sociedade capitalista, além do quanto às pessoas são estimuladas a

adquirir cada vez mais as TICs de forma desenfreada e acriticamente.

Nas filmagens de Irineu também pude perceber o contato com um computador e

acesso à internet para realizar suas atividades escolares. O estudante pontuou que também o

utiliza para se informar sobre o que está acontecendo no mundo e esporadicamente para ter

acesso a redes sociais, em especial para conversar com os familiares que vivem no estado de

Minas Gerais, ou quando algum colega de classe quer tirar alguma dúvida sobre os estudos.

Um aspecto a ser ressaltado é que ele aparenta ter clareza da disparidade social e que muitas

pessoas na cidade não têm acesso ao computador, por exemplo. Entretanto, ao se referir que

são as condições sociais que desencadeiam tal processo, atrela as condições como decorrentes

da ausência de estudo por parte daqueles que são explorados diante da precarização do

trabalho. Embora tal aspecto faça parte do todo, pode ser tido ainda, como uma visão

parcializada, mas que merece ser destacado, pois os fatores sociais começam a ter visibilidade

em seu discurso.

Fator social, não é todo mundo que pode bancar uma internet ou um

computador, depende ainda da região que essas pessoas moram, por

exemplo, em nossa sociedade aqui não há tantos problemas, agora lá perto

de Pirapó, nos Sem Terra, ou para aqueles lados do BV (bairro), lá é

raríssimo você encontrar alguém que tenha internet ou essas coisas assim.

Por quê? Porque é uma região pobre (IRINEU, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

O curioso é que o posicionamento de Irineu reflete a vida de Renata, que não tem

acesso à internet em sua residência, sendo que ela vive próximo da região mencionada. Em

nenhum momento das filmagens e fotografias a participante apareceu em situações de

interação com as TICs, o que não significa que ela não possa acessar a internet em uma

lanhouse da iniciativa privada ou no próprio programa do Acessa Escola37

, que disponibiliza

37

O Acessa Escola é um programa criado pelo Governo do Estado de São Paulo, junto a Secretaria da Educação,

em parceria com a Secretaria de Gestão Pública, e tem por objetivo promover a inclusão digital e estimular o uso

da internet junto aos alunos das escolas públicas da rede estadual de São Paulo que passaram a contar com uma

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computadores conectados à internet. Todavia, em sua vida, o contato a esses recursos torna-se

algo secundarizado. Vou deixar claro que não estou fazendo a defesa de que o acesso à

internet seja algo primordial na vida da pessoa, mas quero destacar um, dentre vários

elementos gerados pela desigualdade social em nosso país.

Diante dos apontamentos feitos pelos estudantes, gostaria de fazer uma reflexão a

partir do estudo de Dantas (2012) e que serviu de base para a defesa de sua tese de professor

titular na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O autor propõe que por meio da

Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura (EPICC), seja possível analisar o

trabalho informacional mobilizado pelo capital, e que vem sendo valorizado em seu valor de

uso simbólico, bem como na forma fetichista de espetáculos, marcas e comportamentos.

Assim, seu objetivo foi o de estabelecer uma crítica aos mecanismos de apropriação do

conhecimento que o capital vem nos impondo, além da monopolização privada do

conhecimento. Ao analisar as relações entre trabalho e informação o autor destaca que todas

as esferas do trabalho reproduzem o processo capitalista de produção. Ao ultrapassarem o

“fordismo” rumo a essa nova etapa informacional, as TICs contribuíram para a eliminação das

barreiras de tempo no processo de circulação e consumo das informações, além de terem

orientado um aumento nos investimentos mais produtivos e mais rentáveis para o capital.

Para Dantas (2012, p.299), o nascimento da internet se deu a partir da década de 1970,

todavia sua emergência se deu a partir da década de 1990, período em que ela passa a ser

valorizada “como um novo meio de comunicação interpessoal, acesso a notícias,

entretenimento. Detecta-se um mercado”.

Se o discurso presente no senso comum, inculcado pela ideologia dominante, apregoa

que, por meio da internet é possível se comunicar com maior facilidade e agilidade, além de

favorecer a interação social entre as pessoas, há ainda os que a veem como um espaço para as

lutas de classes. Entretanto, Dantas (2012) nos alerta para o fato de não alimentarmos tal

ilusão, até mesmo porque ela vem sendo controlada pelas grandes corporações capitalistas e

pelos políticos dos Estados Nacionais, por meio de regulamentações controladoras e

monopolistas.

Abaixo fiz a opção por trazer um trecho na íntegra, presente na obra do pesquisador,

no qual ele ilustra uma fala encontrada em um blog de notícias, a qual não seria

“cientificamente adequada” que eu a citasse aqui, mas assumo tal risco, diante do impacto que

a passagem pode oferecer a você leitor desta tese, em especial, porque oferece elementos para

sala de informática para atender a esse objetivo. Vale apontar que tal programa foi instituído por meio da

Resolução SE - 37, de 25/04/2008.

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se refletir sobre as consequências desse consumismo desenfreado das TICs, para depois fazer

uma contraposição sobre seus impactos no processo de constituição da personalidade dos

indivíduos:

As redes de computadores, dentre elas a internet, não foram desenvolvidas para

atender aos reclamos democráticos da sociedade ou gerar novos modos de

sociabilidade, assim como também não o foram, no passado, a telegrafia ou a

radiodifusão. Visam permitir ao capital avançar ainda mais no seu afã de livrar-se

daquele “mal necessário”, reduzi-lo ao mínimo inevitável ou, quando ainda não é

possível, remetê-lo para as suas periferias invisíveis onde possa até mesmo fazer uso

de força trabalho semi-escrava. Como escreveu o blogueiro Lucio Uberdan, “5,5

milhões de congoleses morreram, mas veja o lado bom, o seu smartphone vibra...”

(acesso em 30/08/2011). Referia-se a uma reportagem publicada na revista Galileu,

intitulada “Gadgets de sangue”, segundo a qual minérios como tantalita e columbita,

essenciais para a fabricação de smartphones, são extraídos na África, sob as

condições mais vis possíveis. Mas quem deixará de comprar o seu Nokia ou o seu

Samsung por isso? Falemos das “redes sociais”, esqueçamos detalhes incômodos.

Dizem que as “redes” estão derrubando ditaduras na África [...] (DANTAS, 2012,

p.300).

Tal citação serve para contrapor os discursos presentes na fala dos participantes que

carregados de superficialidade, enaltecem as redes sociais e a internet. Ao difundirem o

discurso alienado, os participantes tornam-se incapazes de estabelecer relações mais amplas,

acerca das questões decorrentes do processo de apropriação desenfreada das TICs.

Nada muito diferente aconteceu, na primeira metade do século passado, quando a

indústria organizou o rádio e, depois, a televisão, para o entretenimento das massas.

É para isto que a internet agora serve. Tanto quando a radiodifusão em seus áureos

tempos, enquanto proporciona entretenimento ou, sejamos mais claro, espetáculo, a

internet vende. E vende melhor, pois os cliques de busca, os perfis pessoais, o

conteúdo dos e-mails, as situações das fotos, toda essa animada e mediaticamente

estimulada “rede social” fornece para os servidores das grandes corporações e seus

sofisticados algoritmos de rastreamento, registro e análise, dados extremamente

precisos sobre gostos, vontades, expectativas, de um “consumidor” assim

individualizado. É o consumo produzindo a produção em tempo real, com uma

precisão inaudita. Se a formulação de Marx poderia pretender-se epistemológica ou

teórica, a internet tornou-a imediata e diretamente prática. (DANTAS, 2012, p.301).

Outro aspecto a destacar, a partir de Martins (2001) é que no capitalismo, os processos

de apropriação e objetivação da atividade produtiva apresentam caráter contraditório. Assim,

as objetivações humanas produzidas historicamente que poderiam oferecer possibilidades para

a humanização do gênero humano, não são apropriadas por todos os seres humanos, até

mesmo porque essa mesma sociedade produz também a alienação nos indivíduos, como

exemplificado, no processo de contato com as TICs.

“O gênero humano se expressa enquanto construção histórica, enquanto resultado da

história social, posta sob a forma de objetivações genéricas” (MARTINS, 2001, p. 81).

Quando não há um processo de relação consciente com as objetivações humanas, a

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personalidade de um indivíduo permanecerá ao nível da individualidade em-si, ao impedir o

seu desenvolvimento livre e universal.

De acordo com Leontiev (1983) e Martins (2011), a personalidade deve ser entendida

como o resultado decorrente da relação dialética entre fatores externos e internos sintetizados

na vida social do indivíduo.

Como fatores extrínsecos, temos as condições materiais de vida, o conjunto de

relações sociais que sustentam a superação do ser hominizado em direção ao ser

humanizado, que guardam as possibilidades reais da atividade humana. Como

fatores intrínsecos, temos todos os processos biológicos e psicológicos

desenvolvidos em consequência dessa atividade, que representam as condições

internas e subjetivas (MARTINS, 2011, p.86).

Nessa linha de raciocínio, ao pensar na influência que as TICs têm desempenhado no

desenvolvimento da personalidade dos participantes da pesquisa, não posso deixar de

mencionar que eles estão situados historicamente, num período, no qual o contato com tais

recursos vem se dando de maneira crescente e intensa. Esses jovens vivem numa outra

configuração social, muito diferente de duas décadas atrás, por exemplo, sendo que a

informação, na atualidade, por intermédio das TICs, na maioria das vezes, é apropriada e

internalizada de maneira aligeirada, sem, no entanto, dar tempo de passar por um crivo

analítico mais denso. Um exemplo, constatado na pesquisa empírica junto à Achilles, Elenita

e Rosiane, refere-se ao uso imediato das TICs, a fim de realizarem as tarefas escolares, apenas

como uma forma de cumprir as “obrigações escolares”, sem haver uma preocupação com o

conteúdo pesquisado, bem como com a veracidade de tais informações.

Luria (1992) desde meados do século passado, a partir das contribuições de Vigotski já

chamava atenção para o fato de que a mudança do objetivo social de uma atividade leva à

mudança na estrutura dos processos psicológicos. Por conseguinte, há uma mudança na

estrutura da atividade, como também nos sistemas funcionais do cérebro que dão apoio a

essas atividades.

Outro aspecto, que não pode ser deixado de lado, refere-se aos diálogos empobrecidos

e superficiais, produzidos por meio das redes sociais, que os participantes têm contato diário.

Acredito que isso, seja apenas, mais um reflexo do ideário neoliberal que vai fragmentando

cada vez mais os motivos presentes na atividade humana.

Não posso negar que os indivíduos que têm contato com as TICs, mesmo diante dos

elementos problematizados anteriormente, encontram-se numa condição privilegiada, se

comparado a quem não tem. Até mesmo porque as TICs são produções do gênero humano e

por seu intermédio, muitos avanços materiais e tecnológicos têm sido postos a serviço do

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homem, ainda que de maneira desigual. Acredito que o “uso pelo uso” da internet, além de

servir para o entretenimento das massas agrava-se a outro problema maior, compromete o

pleno desenvolvimento da personalidade humana, bem como o processo de humanização dos

indivíduos, que passam a ocupar parcela expressiva de seu tempo diário nas redes sociais. Nas

redes evidencia-se a superficialidade de comentários/posicionamentos, e que sem maiores

reflexões trazem à tona o processo de alienação, no qual a humanidade se encontra submetida

dentro do sistema capitalista. Fomentam-se programas televisivos, reality shows, músicas

nada inteligíveis, discursos moralistas e superficiais sobre as questões políticas, econômicas e

sociais de um povo ou nação. Ou seja, “imbecilizam” o ser humano que passa a cultuar

marcas, estilos, preconceitos, padrões corporais e discursos produzidos pelos “donos do

capital” que apenas contribuem para a manutenção das relações sociais, ou até mesmo para a

difusão do bullying escolar.

Com relação à escola que venho defendendo desde o início da tese, é importante que

ela não se feche ao uso das TICs. Contudo, a mesma não pode se limitar ao simples contato

com tecnologias durante as aulas, ou os professores incitarem o seu uso, para que os alunos

possam realizar tarefas/pesquisas escolares desconexas, que pouco ou nada favorecem ao

processo de busca pela superação das relações sociais, bem como no pleno desenvolvimento

da personalidade humana daqueles que dela têm contato.

Há que se destacar que não estou negando que a internet tenha seus pontos positivos,

ao favorecer, por exemplo, o contato com produções desenvolvidas pelo conhecimento

humano ao longo da história de forma “mais acessível”. Mas seria ingenuidade fechar os

olhos para os seus reais objetivos sob o controle do capital. Por que tudo parece estar mais

fácil e acessível? Qual a lógica por trás desse processo? Tudo isso está atendendo aos

interesses do quê e de quem? Não estamos diluindo as nossas vidas, bem como as relações

sociais e superficializando o conhecimento? Ou ainda, será que não estamos (for)matando o

gênero humano?

4.2.4 Participação em atividades domésticas e trabalho

Ao apresentar algumas considerações sobre a participação em atividades domésticas

ou de trabalho no sistema capitalista, tenho clareza do quanto elas impedem o pleno

desenvolvimento do gênero humano. Vive-se uma lógica de exploração desenfreada, na qual

o trabalhador, na maioria das vezes não tem consciência do processo de exploração a que se

encontra submetido. Devo fazer uma ressalva, pois mesmo dentro do sistema capitalista, as

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atividades domésticas, desempenhadas por alguns dos participantes da pesquisa, faz parte de

seu processo de socialização, visto que são adolescentes entre 14 e 17 anos de idade. Ou seja,

aparentemente as atividades domésticas têm impacto diferenciado, se comparado àquelas

crianças e adolescentes que vivem em situações de precariedade e de exploração do trabalho

infantil informal, rural, junto ao tráfico ou quando trabalham 08 horas ou mais por dia.

Os participantes da pesquisa vivem situações distintas com relação às atividades de

trabalho. Irineu sempre é responsável pela organização das coisas em seu quarto, que por

sinal, quando do momento da filmagem estava “impecável”. Embora ele goste de auxiliar nas

atividades de limpeza e organização do imóvel onde reside, raramente o faz, tendo em vista

que sua mãe não está mais trabalhando e quando ele chega da escola todos os serviços

domésticos já estão feitos. O adolescente destaca ser perfeccionista com o espaço que vive,

bem como em relação à organização do mesmo. Ao ser indagado sobre as crianças e

adolescentes que têm que trabalhar em atividades fixas, ele condena esse tipo de atividades,

pois acredita que elas terão um impacto negativo no processo de aprendizagem escolar, pelo

fato de estarem cansadas. Contudo, tem a clareza que muitos fazem isso no intento de auxiliar

na complementação da renda familiar.

Achilles não trabalha e não costuma auxiliar nas atividades domésticas, embora em

um dos dias de filmagens sua mãe o tenha feito limpar a piscina. Algo que ele disse não gostar

de fazer e que dificilmente executa. Elenita também não trabalha e nem auxilia nas atividades

domésticas, pois os pais priorizam que apenas estude nesse momento de sua vida. Ela tem

clareza que algumas crianças e adolescentes, ao terem que trabalhar para complementar a

renda financeira de sua casa, não têm condições de realizar as tarefas escolares, e acredita que

o simples fato de se aumentar os salários dos pais, evitaria que elas precisassem trabalhar. É

importante destacar que por mais que sua fala apresente indícios dos elementos que marcam a

desigualdade social, geradora desse tipo de situação, é simplista e não contempla as questões

mais amplas presentes no modelo de sociedade atual e que imprime suas determinantes no

trabalho, ou ainda que diante de aspectos culturais, valoriza o trabalho como algo que

dignifica o homem, ao gosto dos conhecimentos do senso comum, quando, na verdade, o

mesmo estrutura-se segundo constante processo de alienação.

Ao analisar os elementos supracitados, em consonância com a tese a ser defendida,

devo destacar que na divisão social do trabalho, no regime de produção capitalista, as relações

entre significado e sentido pessoal não são coincidentes, elemento primordial de ser

considerado no estudo da personalidade (LEONTIEV, 1983). Até mesmo porque nesse

processo, os indivíduos vão sofrendo uma mudança na estrutura interna da consciência, diante

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da ruptura entre significados e sentido. Embora, alguns dos participantes não desenvolvam

atividades domésticas e de trabalho, conforme já mencionado, não se pode perder de vista que

sua consciência de classes também será influenciada, pois os mesmos não vivem isolados do

convívio social das demais pessoas (trabalhadores). Sobre isso, Martins (2011) pondera que:

[...] a atividade vai deixando de ser para ele o que ela é de fato. Por este processo,

pode ir estabelecendo-se uma absoluta discordância entre o resultado objetivo da

atividade e o seu motivo, quando o motivo é externo e estranho ao conteúdo do

trabalho e este, externo e estranho à personalidade do trabalhador. Assim sendo, esta

ruptura traduz-se psicologicamente na desintegração da unidade da consciência,

unidade esta que exige compatibilidade entre significados sociais e sentido pessoal,

dando origem ao aparecimento de uma relação de alienação entre eles (MARTINS,

2011, p.110).

Anteriormente a Leontiev, Marx (2006) já mencionava que havia uma lógica presente

no processo de produção capitalista e que não poderia ser desconsiderada diante da categoria

trabalho. Parcela expressiva da população só pode sobreviver se trabalhar, ou seja, ao vender

a sua força de trabalho e em troca receber um salário. O operário vende a sua força de

trabalho em frações de tempo da sua vida (08, 10, 12 horas diárias), apenas para garantir a sua

subsistência. “Ele nem sequer considera o trabalho como parte da sua vida, é antes um

sacrifício da sua vida” (MARX, 2006, p.36).

A estrutura social, estabelecida por intermédio da propriedade privada dos meios de

produção, se apresenta como geradora do processo de alienação. Destarte, atividade e

resultado se tornam independentes para o trabalhador, ocorre uma subordinação do indivíduo

com relação ao produto de seu trabalho. O homem entra num processo de coisificação e se

torna escravo de sua própria criação (MARTINS, 2011).

Há que se destacar que o problema da consciência, conforme Martins (2011, p.137) se

apresenta “como um problema de grau, que será maior ou menor dependendo do quanto o

indivíduo consegue compreender sua existência para além da particularidade, ou seja, possa

superar sua condição particular em direção à condição humano-genérica”.

Diante de tais aspectos Marx (2006, p.44) ressalta a importância de se esclarecer

alguns elementos que podem favorecer a formação da consciência da classe operária, em

especial, no que diz respeito à dinâmica que envolve as suas atividades de trabalho. O

primeiro aspecto refere-se ao fato de que é a concorrência entre compradores e vendedores

que irá determinar o preço de uma mercadoria. Por conseguinte, a oferta e procura por uma

mercadoria é que irá expressar os lucros do capitalista. Há aqueles, em especial, os

economistas, que justificarão que os capitalistas tiveram custos de produção com a força de

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trabalho, todavia é importante não perder de vista que esses custos são os “necessários para

manter o operário como operário e para fazer dele um operário”.

Por isso, quanto menor for o tempo de formação profissional exigido por um

trabalho, menores serão os custos de produção do operário, menor será o preço do

seu trabalho, o seu salário. Nos ramos da indústria em que quase não se exige tempo

de aprendizagem e a mera existência física do operário basta, os custos exigidos para

a produção do operário reduzem-se quase somente às mercadorias indispensáveis

para mantê-lo vivo em condições de trabalhar. O preço do seu trabalho será,

portanto, determinado pelo preço dos meios de existência necessários (MARX,

2006, p.44-45).

Tal citação serve para desmistificar argumentos como os de Elenita, sujeito

participante da pesquisa que, por exemplo, credita ao acaso que os salários dos operários

possam ser aumentados, para resolver os problemas decorrentes da exploração a que são

submetidos junto ao sistema capitalista. É importante destacar que isso nunca foi do interesse

dos detentores do capital e não o será agora de uma hora para a outra que isso acontecerá. Os

posicionamentos da participante também ilustram como a educação escolar por meio do

conhecimento técnico e científico, poderia auxiliá-la, a fim de que pudesse ter um nível de

consciência cada vez maior sobre a realidade social.

Conforme Martins (2011) se a educação escolar diante de um projeto revolucionário

favorecer para que seus professores e alunos desenvolvam relações mais conscientes com o

mundo e com os outros indivíduos, estará a mesma favorecendo para que eles tenham uma

relação mais consciente consigo próprio.

Marx (2006) fazia questão de frisar que o capital deve ser visto como uma relação

social de produção da sociedade burguesa. Os interesses dos capitalistas e operários não são

os mesmos, embora muitos economistas preguem que sim. E, por mais que muitas vezes o

salário real de um funcionário seja elevado, ele nunca será ajustado na mesma proporção dos

lucros obtidos pelos capitalistas. O aumento rápido do capital é igual ao aumento rápido do

lucro, entretanto tal processo só se concretizará se houver uma queda do preço do trabalho, ou

seja, do trabalho relativo.

Portanto, se a receita do operário aumenta com o rápido crescimento do capital, a

verdade é que, ao mesmo tempo, aumenta o abismo social que afasta o operário do

capitalista, aumenta ao mesmo tempo o poder do capital sobre o trabalho, a

dependência do trabalho relativamente ao capital. Afirmar que o operário tem

interesse no rápido crescimento do capital significa apenas afirmar que quanto mais

depressa o operário aumentar a riqueza alheia, tanto mais gordas serão as migalhas

que sobraram para ele; quanto mais operários possam ser empregados e se

reproduzir, tanto mais se multiplica a massa dos escravos dependentes do capital.

Vimos, portanto, que, mesmo a situação mais favorável para a classe operária, o

crescimento mais rápido possível do capital, por muito que melhore a vida material

do operário, não suprime a oposição entre os seus interesses e os interesses

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burgueses, os interesses do capitalista. Lucro e salário permanecem tal como antes,

na razão inversa um do outro (MARX, 2006, p.58).

A participante Rosiane relata que é a responsável pelas atividades domésticas em sua

casa, e recebe a ajuda do pai que está desempregado (não consegue encontrar trabalho por

conta da idade elevada), tendo em vista que sua mãe trabalha o dia inteiro e sempre chega

muito cansada. Embora não haja uma cobrança para realizá-las, o dia que está “sem vontade”

faz apenas o básico (lavar a louça). Quando questionada sobre os jovens que têm que conciliar

o trabalho em serviços fixos e as atividades de estudo, ela acredita que os mesmos façam isso,

pois preferem ter o próprio dinheiro ao invés de ficar pedindo para os pais. Em nenhum

momento ela entrou nas questões sociais e econômicas que favorecem tal processo.

Por vez, Renata é quem realiza todas as atividades domésticas diariamente em sua casa

após chegar da escola e, ainda é responsável por buscar a irmã na escola; disse gostar de fazer

isso e apresenta um discurso muito forte de que “quem fica em casa tem que limpar, pois

devemos trabalhar”. Diante do questionamento sobre o fato de algumas crianças e

adolescentes terem que trabalhar, enquanto outras não, a participante acredita que isso se deve

as condições financeiras das famílias. Defende ainda que para se minimizar os problemas

sociais, deveriam ser oferecidos mais empregos, contudo a população precisaria estudar mais,

como se essa fosse realmente a grande função da educação, preparar para o mercado de

trabalho.

Um aspecto vivenciado na vida de Rosiane, em especial pela condição de seu pai que

está desempregado, situação social presente nas proposições de Marx (2006), refere-se ao fato

de que a concorrência entre os operários faz com que o valor dos salários seja diminuído.

Aliado a isso, há a substituição dos operários pela maquinaria, cada vez mais nas indústrias;

há um processo cíclico de “descarte” dos operários mais velhos pelos mais jovens.

No que tange a fala da participante Renata, é importante questionar o momento em

que ela se posiciona na defesa de que a educação deveria preparar os jovens para o mercado

de trabalho. Nesse sentido, Martins (2009, 2011) salienta que dentro do sistema capitalista a

educação vem sendo negada frente a sua condição de direito social. A educação vem sendo

reduzida a condição de mercadoria, sendo que os discursos advindos da ideologia burguesa

defendem que o seu papel seja o de transmitir conhecimentos para qualificar a ação individual

dos estudantes, bem como que esteja a serviço do mercado e do crescimento econômico das

nações.

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Asbahr (2011) também constatou que os alunos e a professora participante de sua

pesquisa, ao discutirem sobre o processo de atribuição de sentido pessoal à atividade de

estudo, relacionaram a educação ao mercado de trabalho.

Tais discursos ao serem produzidos pela burguesia são propagados no senso comum,

como uma condição para se melhorar as condições sociais em que as camadas pobres da

população se encontram. Porém, um ou outro indivíduo também das camadas populares terá

êxito financeiro, evidenciado por meio das atividades de estudo, sujeito esse que servirá de

parâmetro para se justificar o “fracasso” dos que não conseguiram. Dirão ainda que aqueles

que fracassam são os que não se dedicaram o suficiente. A maioria das pessoas apenas servirá

de mão de obra e reserva de mão de obra, para o enriquecimento galopante dos empresários

burgueses detentores do capital.

Em sua casa, a participante Andréia realiza algumas atividades domésticas quando sua

mãe não está, disse ter sido ensinada a organizar o que suja e a ajudar a sua mãe. Ela

apresenta um posicionamento relativista, ao classificar que esse tipo de atividades não possa

ser considerado certo ou errado. De acordo com seus argumentos, tudo irá depender dos

valores que o adolescente teve em sua educação familiar, sendo assim também não se deve

condenar quem não faz, pois os pais devem achar que os filhos não têm maturidade para

assumir tais responsabilidades ainda. É importante elucidar que ela realiza atividades

remuneradas uma vez por semana, no período noturno, ao tomar conta de uma criança.

Argumenta que a atividade lhe favorece não ter que ficar pedindo dinheiro para a mãe e que

não lhe atrapalha nos estudos. Mas, ao ser questionada se esse tipo de atividades não poderia

atrapalhar, por exemplo, aqueles que trabalham o dia todo e que após o trabalho precisam

estudar, ela mencionou que esse tipo de situação não exista, pois as pessoas estariam

infringindo a legislação. Tal posicionamento demarca dois aspectos, o primeiro é que Andréia

desconhece a realidade que vive diante das questões do trabalho infantil, bem como a força

cultural que o trabalho tem em termos de “dignificação humana” junto à maioria das pessoas

na sociedade.

Conforme Silva (2005), não se pode desconsiderar o quanto as crianças pertencentes à

classe trabalhadora de nosso país têm suas subjetividades influenciadas em decorrência do

trabalho infantil. Ele destaca que a melhor expressão para se referir a crianças trabalhadoras,

deveria ser “crianças empobrecidas”:

[...] uma vez que essas crianças não são pobres por um dom divino, mas pela

ingerência do Estado capitalista que, ao destruir os postos de trabalho dos pais,

jogando-os todos no desemprego e subemprego, obriga estas a assumirem o papel

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precoce de provedoras da renda familiar pela exploração do trabalho infantil urbano-

rural, da mendicância e, às vezes, da prostituição infantil (SILVA, 2005, p.43).

Ao buscar elementos que identifiquem onde estão e quais as consequências para as

crianças empobrecidas do mundo, Silva (2005), por meio de relatórios divulgados na época de

sua pesquisa, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), constatou que na África 1 milhão de crianças morrem todos os anos em

consequência do montante financeiro destinado aos serviços da dívida externa de seus países,

o que poderia ser revertido em prol delas; 11 milhões de crianças de todo o mundo morrem

anualmente em função de doenças que poderiam ser facilmente tratadas com pouco

investimento financeiro. Os dados da UNICEF, em conjunto com os da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) apontavam para uma estimativa de 250 milhões de crianças

trabalhando em todo o mundo. No Brasil, estimava-se 2,9 milhões de crianças trabalhando nas

faixas etárias entre 5 e 14 anos de idade, sendo que esse montante aumentava para 5,7 milhões

na faixa dos 10 aos 16 anos de idade.

Marx (2006) já salientava que uma prática muito comum nos primórdios das indústrias

era a substituição de um operário adulto, por duas ou três crianças em seu lugar, visando à

economia dos gastos com mão de obra por parte dos capitalistas. Tal processo ainda se faz

presente na economia global, na atualidade, sendo que milhares de crianças se encontram fora

das escolas, a serviço do capital.

Diante dos aspectos discutidos, num primeiro momento, poderia ficar a impressão de

que os participantes da pesquisa estão no mais profundo grau de alienação. Porém, como já

mencionado no início da categoria analítica, os dados deverão ser entendidos dialeticamente,

sendo que em alguns momentos os participantes trarão à tona, elementos que os conduzem à

alienação. Contraditoriamente, evidenciarão outros elementos que fortalecem sua consciência,

bem como o desenvolvimento de sua personalidade, o que os faz inclusive se posicionar por

meio da “resiliência em-si” frente ao bullying escolar sofrido.

Leia-se que em nenhum momento estou dizendo que tais elementos sejam suficientes,

até mesmo, porque é preciso apresentar os dados e situações vivenciadas por meio do que

aparece, ou seja, no âmbito do evidenciado. Todavia, não se pode perder de vista como tais

situações deveriam ser numa perspectiva emancipatória, que inclusive favorecesse o processo

de busca pela superação das atuais relações sociais, a fim de que se possa garantir uma das

principais características do método. Posto isso, em vários momentos da tese, venho

destacando que a educação deve se apresentar, como um espaço contra-hegemônico de

conscientização crítica de seus sujeitos.

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162

Baseando-me em Martins (2011), por serem adolescentes, os participantes da pesquisa

estão em um momento intermediário do seu desenvolvimento, bem como de transição entre a

etapa espontânea e a autoconsciente. Então, ainda não é possível dizer que eles tiveram as

máximas possibilidades para desenvolver sua autoconsciência.

Para Martins (2011) a autoconsciência promove possibilidades para além do

conhecimento sobre si, sendo que o indivíduo nesse estágio conseguirá estabelecer

posicionamentos críticos entre o conhecimento existente e o sistema de relações onde se

encontra inserido. Ou seja, o conhecimento sobre si será avaliado perante as condições

objetivas de vida. Contudo, não se pode perder de vista que isso só será efetivado em

determinadas condições de formação dos indivíduos, ou seja, em outra configuração social.

4.2.5 Participação em atividades e espaços que contemplam o lazer e as atividades físicas

Inicio o tópico destacando o quanto os espaços públicos que privilegiem o lazer e as

atividades físicas são essenciais no processo de socialização do gênero humano. A sociedade

atual não conseguiu ainda oferecer o seu acesso ou contato a população como um todo, pois

estão restritos a determinadas regiões das cidades, aliado ao fato de que suas condições físicas

nem sempre são as melhores.

No que se referem aos espaços públicos que contemplam possibilidades de lazer e

atividades físicas nos bairros onde os participantes residem, sua presença é algo raro e escasso

em termos de acesso da população como um todo. Vale apontar ainda, que muitas vezes os

espaços frequentados por alguns estão relacionados à iniciativa privada. Os sujeitos

pesquisados, ao crescerem e conviverem em realidades sem muitas possibilidades, quando

passam a contar com um lugar, ou uma opção de lazer acham que aquilo é suficiente. Além de

ser muito comum o discurso de que há lugares piores ao que se vive, como se isso fosse a

máxima para se valorizar determinados espaços, o que ao meu entender são processos

carregados de alienação.

Elenita menciona a Lagoa dos Patos (parque com pista de caminhadas) e a Cidade das

Crianças (parque aquático e planetário) como bons espaços para o lazer da comunidade, em

função de poder encontrar os amigos nesses lugares. Contudo, há que se destacar que a

segunda opção não está em seu bairro e sequer nas proximidades do mesmo e atualmente foi

repassado para a iniciativa privada, que vem cobrando taxas elevadas para a entrada no

mesmo. Há que se destacar que a participante não soube dizer quais outros espaços seriam

necessários para a comunidade, embora quando realizada a entrevista sobre as fotografias,

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gostaria de ter tirado uma foto das academias ao ar livre, que são utilizadas em especial pela

população mais velha. Ela o considera como um espaço interessante de ser frequentado por tal

faixa etária. Submetida à lógica da iniciativa privada, Elenita frequenta uma academia de

musculação nas proximidades de onde reside e menciona que a frequenta na tentativa de

emagrecer e que se sente bem nesse local; disse ter perdido 05 kg de massa corporal, mas

anseia perder mais.

É válido apontar que as possíveis ocorrências de bullying escolar que Elenita sofre

constantemente por parte de seus colegas, estão relacionadas ao seu sobrepeso. Entretanto,

não posso deixar de mencionar as influências que os padrões de beleza difundidos pelos

meios de comunicação vêm exercendo nos jovens, que a todo custo tentam se enquadrar nos

difundidos padrões. Há ainda, os que passam a rotular aqueles que porventura não tenham

êxito em tal empreitada.

Pires (2000) elucida que a partir das décadas de 1970 e 1980 houve um enaltecimento

da busca por corpos tidos como “ideais”. Nesse contexto, as academias privadas tiveram um

crescimento gigantesco e passaram a tomar como modelos os corpos da classe dominante, ou

seja, os corpos difundidos nos diferentes meios de comunicação e passou a disseminá-los

junto à sociedade como um todo. A busca pelo “novo corpo” articulado aos discursos de

beleza e saúde e atrelado a demandas de consumo, atingiu todas as classes sociais. É

importante deixar claro que:

[...] considerando-se que o corpo porta em si mesmo as massas culturais de uma

sociedade, ou da classe social da qual o corpo está inserido, e tomando à concepção

marxista que cultura é todo bem material produzido pelo homem e por ele

apropriado, enquanto produtor e produto de sua história, posso observar que o corpo,

enquanto instrumento político-ideológico, é culturalmente produzido pelo homem”

(PIRES, 2000, p.58).

Os homens vêm se reduzindo aos ditames do capitalismo e “adaptando” os seus corpos

para serem vendidos e comercializados. E, quando alguém foge aos padrões definidos pela

indústria fotográfica, televisiva e midiática, em seus diferentes ramos comerciais, o indivíduo

será excluído e rechaçado e só será aceito socialmente se buscar “formas” para se adequar aos

padrões tidos como ideais.

Há que se ponderar ainda que o processo de se sentir bem e buscar formas de superar

as condições que lhe geram o bullying escolar sofrido (“resiliência em-si”), por intermédio

das possibilidades de frequentar uma academia, traz à tona novamente, alguns dos elementos

que constituem a tese a ser defendida, ou seja, a personalidade de Elenita vem se constituindo

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através do contato maciço com os valores difundidos pelo ideário neoliberal e capitalista,

geradores inclusive das situações de bullying escolar.

Nesse processo, ao ter contato e se apropriar das práticas de musculação, que foram

instauradas historicamente e culturalmente junto ao convívio social, não se pode perder de

vista que a ideologia difundida em tais espaços vai além dos discursos que apregoam a

qualidade de vida ou a busca pela saúde. É importante ressaltar que não estou defendendo que

as pessoas não possam melhorar sua condição física e ter benefícios a sua saúde quando

diante de tais espaços. Todavia, a saúde que se defende é a de quem? Quem são as pessoas

que conseguem frequentar os referidos espaços, diante da desigualdade econômica da

população mundial? Ou ainda, não seriam tais espaços, mais uns daqueles que difundem

concepções que fragmentam os motivos e ações presentes na atividade humana?

Embora essa apropriação seja fundamental, para que Elenita possa superar as situações

de bullying escolar, ela não é suficiente para oferecer condições efetivas de se emancipar e

superar as atuais relações sociais, no intento de ultrapassar concepções idealistas e

fragmentárias que não a auxiliam no pleno desenvolvimento de sua personalidade. O bullying

escolar por ela vivenciado somente poderá ser erradicado se houver uma superação das

circunstâncias atuais, geradoras de sua manutenção e propagação, pois no sistema capitalista,

outras Elenitas continuarão a vivenciá-lo.

Posto isso, venho defendendo a importância que o espaço escolar, aliado as discussões

produzidas pelos movimentos sociais e revolucionários, pode ter no processo de ampliar a

consciência da realidade de seus estudantes e demais agentes da comunidade escolar.

Quando questionada sobre as pessoas que não têm condições de frequentar academias

e que gostariam de cuidar de sua saúde por meio da realização dos exercícios físicos, no

intento de melhorarem suas capacidades físicas, Elenita culpabiliza o governo por não criar e

garantir espaços para tal. Aliado a esse argumento, ela disse que a população não reivindica a

garantia de espaços, pois se o fizesse seria atendida, e justifica os baixos salários de parcela

significativa da população como determinante para que elas não tenham acesso às academias.

Diante disso, tentei levá-la a refletir sobre o que gera o processo de desigualdade social, sendo

que seus argumentos contemplam a linha de raciocínio de que os que ganham muito se deve

ao fato de terem estudado; em contrapartida para os que não ganham bem e que também

estudaram, ela não soube explicar. Tenho a clareza que apenas essa intervenção não seja

suficiente para que ela possa alcançar o desenvolvimento de sua consciência crítica, em suas

máximas possibilidades. O contato com outros espaços de discussão e formação sociocultural,

como os mencionados anteriormente devem ser garantidos em sua trajetória de vida, a fim de

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que ela possa perceber o quanto o sistema capitalista engessa o processo de apropriação das

produções do gênero humano.

O participante Irineu chegou a apresentar fotos de um campo de futebol em seu bairro

como útil para o “lazer e distração” dos que ali vivem. Todavia, não dá importância a esse

tipo de espaço e as atividades ali desenvolvidas, e mencionou que a foto que menos gostou

das tiradas refere-se justamente ao campo, tendo em vista que nunca jogou ali, e que nunca foi

bom com o futebol. Nas diferentes entrevistas Irineu disse não ter amigos de sua idade, tendo

em vista que os colegas são motivados por gostos e objetivos diferentes que os seus, algo que

irei apresentar e discutir mais detalhadamente na próxima categoria analítica. Mas merece ser

destacado que no momento da entrevista sobre as filmagens, ele apontou que algo não filmado

em sua vida e que considera interessante são as aulas de jiu-jítsu que recentemente passou a

frequentar em uma academia privada e encara essa atividade como um hobie. Suponho que

talvez nessa prática ele consiga fazer novas amizades com pessoas de sua faixa etária, tendo

em vista que é algo recente que vem realizando.

As pessoas precisam ter diferentes possibilidades de espaços para a realização de suas

atividades físicas, pois nem todos deverão ser obrigados a gostar de futebol e as experiências

de socialização através do desporto não devem se reduzir somente ao mesmo (BRACHT,

1997; CARRANO, 2000).

Andréia mencionou a existência do Parque do Povo como um lugar útil a população da

cidade e próximo ao seu bairro, mas reconhece a ausência de lugares públicos em sua

comunidade, entretanto justificou que outros bairros não têm nada próximo ou que os espaços

existentes estão abandonados. Defende que tais problemas seriam resolvidos se a população

os expusesse aos vereadores, algo que segundo a mesma não é feito, por isso tal situação se

faz presente. Ao apresentar as fotos que mais gostou mostra uma foto da capa do livro Dom

Casmurro de Machado de Assis, tendo em vista que havia ido ao teatro, umas duas semanas

antes da fase de captação de imagens fotográficas, assistir a peça que faz jus ao nome do livro,

disse ainda que não conhecia o teatro e a partir daquele momento passou a adquirir uma

paixão pelo mesmo.

Ainda sobre a prática social de assistir filmes, ela disse que sempre teve contato com

tal atividade e que adora ir ao cinema nos momentos de lazer. Quando indagada sobre as

pessoas que não frequentam esses espaços, a mesma apresentou posicionamentos

reducionistas e que não levam em consideração as reais condições estruturais da sociedade, ao

dizer que muitos não vão porque os pais não têm dinheiro e diante disso os pais deveriam

fazer cursos para se profissionalizar e ganhar mais dinheiro, sendo que há cursos que são

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gratuitos. Chegou a enfatizar que as pessoas que não têm dinheiro para frequentar um cinema

podem baixar os filmes e acessá-los pela internet, pois acredita que hoje em dia, todo mundo

tem contato com computadores e internet, e caso a informação não proceda, poderiam

procurar os amigos para ajudá-los.

Achilles é o único que destacou que em seu bairro há boas opções para o lazer, tais

como quadras, praça, campos e pista de skate; defende ainda que os espaços deveriam ser

mais vigiados e cuidados pela iniciativa pública. O participante tem consciência da

importância das reivindicações por parte da população na construção de mais espaços de lazer

nas diferentes comunidades. Um aspecto a destacar é que o mesmo pouco utiliza os espaços

públicos, pois os momentos de lazer e práticas de atividades físicas sempre ocorrem em

espaços pertencentes à família ou ao setor privado. Das fotografias tiradas, a que mais gostou

refere-se a uma casa da família na beira de um rio, onde o mesmo pode passar os finais de

semana junto aos familiares. Em outra foto, na qual estava viajando dentro de um carro, o

destino era o local mencionado anteriormente, ressaltou que lá se sente “super bem” na

companhia dos familiares e que pode realizar atividades náuticas (foto do rio), tais como

andar de barco e pescar, bem como andar de moto (mesmo não tendo idade e habilitação para

condução de veículos) e caçar. Para Achilles, essas são as atividades de lazer preferidas. O

contato com a natureza em suas atividades de lazer aos finais de semana foi ressaltado por

meio de uma foto de uma árvore, sendo que de acordo com ele, quis mostrar que gosta do que

a natureza nos oferece, mas que se preocupa diante do fato de que as pessoas não estão

respeitando-a:

O problema está aí, ela não vem sendo vista pela sociedade, estão acabando

com tudo, o pior é que a gente faz isso sem perceber. Eu gosto mais da

natureza pela parte dos bichos e porque o que ela oferece eu acho que não

será oferecido por muito tempo, nós é que estamos [...] acabando com tudo.

(ACHILLES - PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Na vida urbana ele apontou que adora os momentos de lazer com os amigos na piscina

em sua casa, e que tal objeto representa algo bom em sua vida. Ao ser questionado sobre as

pessoas que não têm tal recurso em suas casas, deu mais um exemplo de como a pesquisa

promove mudanças nos participantes, pois disse que nunca havia parado pra pensar nas

pessoas que não têm condições de terem uma piscina em sua casa. Embora o seu discurso

apregoe que as pessoas poderiam viver sem piscinas e que ele também poderia viver, acredita

que seria chato porque não é bom em outros esportes e gosta das atividades aquáticas, mas

agiria normalmente. Durante as filmagens pude perceber que o adolescente tem uma

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preocupação excessiva com os aspectos físicos, ao ressaltar sobre a importância das pessoas

cuidarem de sua aparência, fato que o levou a frequentar uma academia e a realizar atividades

de musculação, diante do grande objetivo de aumentar sua massa muscular. Frente a isso o

questionei sobre os que não têm condições de se sentir bem esteticamente, porém ele

apresentou um posicionamento individualista, de não sensibilização frente aos que não

podem, inclusive para justificar, mencionou que há as academias ao ar livre e que não são

pagas, mas não as frequenta por não oferecerem a infraestrutura necessária. Esse é um

exemplo de posicionamentos feitos pela classe burguesa, quando justificam que as pessoas

reclamam de “barriga cheia”.

O bairro de Rosiane não foge a regra da maioria das pessoas, pois apresenta poucas

possibilidades para o lazer dos jovens, em se tratando de esfera pública; ela parece não ter

muita clareza disso. Como reflexo da ausência de clareza sobre o papel do governo na

garantia de seus direitos, chegou a mencionar um mercado da iniciativa privada que há perto

de sua casa como um benefício criado pelo governo. E ao relatar sobre a praça do bairro,

considera o lugar como inapropriado para se frequentar, tendo em vista as pessoas que lá

frequentam (maloqueiros). Ao questiona-lá sobre os motivos de algumas pessoas agirem

assim, ela apontou que são reflexo das companhias que eles têm. Diante disso, quando realiza

atividades esportivas com os amigos, as faz na rua de sua casa. Em nenhum momento

apresentou alguma relação dessa situação com os aspectos sociais.

Por último, Renata menciona que em seu bairro as únicas áreas de lazer são algumas

pracinhas inacabadas, mas que não pode utilizá-las, pois foram tomadas pelo tráfico de

drogas. Acredita que as pessoas do bairro deveriam se mobilizar, cita como exemplo ir aos

programas de rádio para denunciar a situação, mas, não se vê ainda com possibilidades de

ajudar a mobilizar sua comunidade, pois não tem contato com as pessoas. Ao apresentar a foto

que menos gostou, apresentou uma da pracinha do bairro e argumentou sobre os motivos de

tal escolha:

Porque dá pra ver como o bairro está sendo desvalorizado, as condições do

bairro são precárias. Um ambiente tão bonito e abandonado. (RENATA,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ainda sobre o bairro, Renata disse que gostaria de ter tirado mais fotos dos locais que

poderiam ser bem cuidados e favorecer o lazer das crianças daquela localidade, inclusive

responsabiliza o governo por essa situação caótica. Porém, durante as filmagens levou-me a

tais pontos, inclusive apresentou um local no bairro (mina d’água tida como mineral pelos

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populares) como um ponto de referência para a comunidade, mas que também vem sofrendo

as consequências do descaso, por parte da administração pública da cidade. Diante dos

aspectos negativos do bairro em termos de lazer, infraestrutura e condições básicas sanitárias,

ela mencionou uma única obra de fato concluída, como algo que a faz gostar de morar ali

(academia ao ar livre). Por mais que não seja o caso de Renata, o exemplo elucida que a

população que vive nos bairros mais periféricos das cidades, e caóticos em termos de

infraestrutura, quando são contemplados com uma simples obra, muitos são levados a

acreditar que as coisas estão mudando ou que melhoraram, quando na verdade não há

mudanças significativas e qualitativas nas condições sociais do local.

A descrição do lazer na vida dos participantes, ao ser analisada frente à tese a ser

defendida, aponta que os participantes vão deixando transparecer elementos ligados à

construção de suas personalidades, resultante da relação dialética entre dois aspectos da

sociedade. Conforme Martins (2011), um desses aspectos é de natureza objetiva, enquanto o

outro é de natureza subjetiva. No primeiro aspecto, tem-se que a personalidade deriva da

unidade e luta dos contrários, indivíduo X sociedade. O indivíduo só pode se constituir como

tal, a partir da sua unidade com a sociedade; se bem que sua existência reside em sua auto

diferenciação com a mesma, o que lhe confere papel de sujeito no processo de edificação

dessa sociedade.

Por esta análise, impossível deixar de reconhecer a vinculação e interdependência

entre o desenvolvimento da personalidade e as condições objetivas de existência, o

que permite uma segunda proposição: a personalidade resulta da atividade do

indivíduo condicionada por condições objetivas. Essa afirmação não subtrai da

personalidade sua dimensão subjetiva, mas afirma sua objetividade, uma vez que a

personalidade de cada indivíduo não é produzida por ele isoladamente mas, sim,

resultado da atividade social e, em certo sentido, não depende da vontade dos

indivíduos tomados separadamente, mas da trama de relações que estabelecem entre

eles (MARTINS, 2011, p.87).

Ou seja, os posicionamentos dos participantes, decorrentes de suas personalidades

construídas, refletem tal processo, posto que suas proposições ora contemplam elementos

decorrentes do processo de alienação, ora apresentam visões um pouco mais críticas. Assim, a

maior ou menor alienação é decorrente das atividades socioculturais presentes na vida de cada

um. Os participantes são o mais puro reflexo da divisão social de classes. Alguns se

identificam mais com os discursos advindos da burguesia, enquanto outros fazem uma análise

mais crítica das condições que experienciam. Porém, todos são influenciados pela

materialidade da vida presente no atual modelo de organização social.

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Há que se ilustrar que embora consigam se posicionar por meio da “resiliência em-si”

perante as adversidades sofridas, tais como o bullying escolar, os mesmos acabam

“adaptados” ao contexto social, pois não há um processo de ruptura com as relações sociais.

Como exemplo, do processo de tomada de consciência, por meio da educação escolar, que

poderia emancipá-los na luta pela superação do que está posto, apresento na sequência

algumas discussões sobre a temática do lazer, amparado em Peixoto et al. (2009) e Souza

(2011), e que os participantes da escola-comunidade deveriam ter contato, ao se pensar num

projeto revolucionário e contra-hegemônico.

Para Peixoto et al. (2009), o lazer dentro do sistema capitalista vem sendo oferecido à

classe operária, apenas como um meio de ocupação do seu tempo livre, gerado como

consequência das contraditórias relações de classe no Brasil. O contexto político e econômico

em que se deflagra a preocupação com essa problemática no Brasil, advém do final do século

XX, fruto da conjuntura econômica mundial. Ou seja, se na primeira metade do referido

século, foi promovida uma legislação (Jornada de Trabalho) que regulamentou as relações de

trabalho frente à expansão industrial, reduziu as jornadas de trabalho e garantiu repouso

remunerado aos operários. A mesma legislação levou os capitalistas a instalarem o Serviço de

Recreação Operária com o intento de ocupar os operários em seus momentos de tempo livre.

Conforme Peixoto et al. (2009) foi por meio das obras de Marx e Engels que o grupo

conseguiu localizar o referencial teórico metodológico capaz de explicar as leis do movimento

da sociedade e, por conseguinte, entender as questões decorrentes do lazer. Assim os

pesquisadores afirmam:

[...] que enquanto prática, política e produção do conhecimento, a educação e o lazer

são manifestações superestruturais de um modo de produção fundado na divisão

social do trabalho e na distribuição desigual dos bens socialmente produzidos,

incluindo o direito ao usufruto do tempo livre para uma atividade livre; que a defesa

do direito ao lazer expressa, simultaneamente, a disputa de interesses contraditórios,

conflitantes e inconciliáveis; que estes interesses são: de um lado, a luta dos

trabalhadores pelo direito ao gozo de um tempo livre para uma atividade livre, e, do

outro lado, a luta dos capitalistas e dos agentes a seu serviço para garantir (a) que o

tempo livre produzido pelos trabalhadores ao longo da história da humanidade seja

concedido a estes com estrito controle a fim de evitar o desgaste da força de

trabalho, garantindo-se a qualidade e a quantidade do dia de trabalho comprados

pelo capitalista; (b) que no usufruto do tempo livre expanda-se o consumo dos bens

que o próprio trabalhador produziu em troca de salário; (17) portanto, que o lazer

não é um fenômeno isolado, mas uma categoria da própria economia política vigente

no capital; (18) que ignorar o conjunto destas relações é assumir posição

conservadora em relação aos interesses históricos dos trabalhadores, que envolvem a

superação do modo de produção capitalista; (19) que a construção de uma proposta a

serviço dos interesses da classe trabalhadora passa pela contínua denúncia das

relações históricas que geram o lazer, simultaneamente, como conquista de classe e

instrumento de hegemonia e contenção. (PEIXOTO et al., 2009, p. 361- 362).

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Na mesma vertente, Souza (2011, p. 117) pontua que o lazer pouco vem sendo

questionado na contemporaneidade. A autora argumenta que ele não é apenas um produto das

relações sociais e de produção, mas sim uma necessidade, que foi sendo gradativamente

forjada à extensão das políticas capitalistas de lucro e acumulação. Dessa forma, “essa suposta

diversão oferecida pela indústria cultural, é, na realidade, um prolongamento do trabalho sob

o capitalismo tardio”.

Os argumentos apresentados pelos participantes evidenciam a importância da

educação escolar, bem como de outros espaços de formação política, a fim de que eles

pudessem repensar as questões que envolvem o lazer, bem como a necessidade de se

reivindicar espaços para a prática de atividades físicas. Entretanto, tais posicionamentos

devem coadunar com um entendimento e consciência mais ampla das questões que estão por

trás, muitas vezes da ausência ou limitação das áreas de lazer, bem como dos interesses

decorrentes dos “donos” do mercado de trabalho.

No sistema capitalista de produção, as pessoas não podem optar pelo tempo e

momentos de vivenciar as manifestações da cultura corporal. Elas só podem ser realizadas,

quando há tempo e espaços para tal, em momentos definidos e programados. Os referidos

aspectos, apenas coincidem com o processo de fragmentação dos motivos presente nas

atividades humanas o que, por conseguinte, impede que os indivíduos tenham um olhar mais

amplo sobre a realidade na qual se encontram.

4.2.6 Contato e participação em atividades religiosas

Ao abordar sobre a importância das atividades religiosas em sua vida, Irineu aponta

que desde os oito anos de idade frequenta a denominação religiosa Assembleia de Deus. Em

diferentes momentos da pesquisa ele apresentou elementos que remetiam ao seu intenso

envolvimento com a referida instituição religiosa. Diante das fotografias, quando perguntado,

quais fotos que mais gostou e os motivos, uma delas se referia à fachada da igreja, tendo em

vista que lá é um lugar que se sente muito bem, sendo que possui mais amigos na igreja do

que na escola. Mencionou que os amigos que tem são mais velhos e se relaciona com eles em

função da igreja, pois acredita que eles tenham os mesmos gostos que os seus. Ainda sobre a

proximidade da igreja com relação a sua casa, ele chegou a mencionar como o grande fator

positivo de se viver naquela comunidade.

Durante as filmagens pude perceber que na igreja o participante é responsável por

algumas atividades, tais como, mexer com a aparelhagem de som e cantar durante as tardes,

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nos encontros de orações. Sobre tais funções, ele disse ser algo que vai além de se ter uma

responsabilidade assumida e, se sentiria prejudicado caso não as pudesse fazer, pois é algo

que gosta muito. Chama atenção o fato de Irineu ter um discurso muito rigoroso e

demasiadamente excessivo, algumas vezes, com relação aos jovens que não têm

“responsabilidades” e compromissos assumidos com pontualidade em suas vidas.

Quando questionado sobre as pessoas que não frequentam igrejas e não se baseiam em

preceitos religiosos o mesmo argumenta que:

Frequentar é opcional, cabe a cada um frequentar a essa igreja ou a outras

denominações de igrejas, mas seria interessante se eles pudessem conhecer

essa palavra e conhecer lugares como esse [...]. É uma questão de cultura

mesmo e de opção também. Porque cada um tem uma forma de pensar e foi

criado dentro de um contexto, então não são todas as pessoas que vão se

adaptar a um ambiente como esse (IRINEU, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Há que se destacar que ele tem a clareza de que a participação em práticas religiosas é

algo que segue um cunho cultural, seguido do “fator opção”. Em seu caso há uma crença

muito forte na palavra de Deus (bíblia). Inclusive, Irineu pontuou que suas condutas são

baseadas de acordo com a doutrina da religião. E ao ilustrar o quanto a igreja tem impacto

positivo em sua vida, ressaltou:

Para mim, no meu ponto de vista é um lugar que primeiro a gente vai para

adorar a Deus porque a gente tem uma missão na terra e depois é uma

missão religiosa, acho que esses são os aspectos positivos, a gente vai até ali

para ter alguma coisa para se basear, porque a gente tem que crer em alguma

coisa. A gente não frequenta igreja somente para se sentir bem, a gente

frequenta a igreja porque sabemos da doutrina [...] os evangélicos creem que

a igreja está aqui na terra e um dia ela irá se arrebatar. Então, a gente segue

essa doutrina na busca pela nossa salvação [...] Nós estamos nos últimos

tempos, e como mortais vamos tentar levar a mensagem até esses lugares

onde eu te falei e estaremos adorando a Deus até o dia em que a igreja se

arrebatar (IRINEU, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-

2012).

Ainda sobre o papel da igreja, ele mencionou sobre a importância de termos algo para

nos basearmos frente às dificuldades atuais, argumentando que as pessoas são tratadas

injustamente e que se vive numa falsa democracia onde se prega a liberdade dos seres

humanos. Embora acredite que pela ausência de mobilidade das pessoas pouco poderá ser

mudado na sociedade, menciona a religião como um meio para se superar e enfrentar as

dificuldades vividas.

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Por mais que Irineu pregue a importância do referido espaço em sua vida, é meu dever

enquanto pesquisador deixar claro que a crença no conhecimento científico não congrega com

o religioso. Caso contrário, penso eu que se naturalizariam as catástrofes e barbaridades

produzidas pela humanidade, como se a resolução ou os acontecimentos fossem decorrentes

apenas de uma “vontade divina”. Ou ainda, que não é preciso se esforçar para melhorar o

mundo em que se vive, pois a recompensa virá no “paraíso”, após a morte. A fim de refletir

com você leitor, sobre o quanto tais posicionamentos são ideológicos, cito diferentes

expectativas de vida de pessoas ao redor do planeta, com o intento de apresentar o como as

condições objetivas de vida exercem influências no desenvolvimento de uma dada população,

conforme suas condições econômicas e sociais. De acordo com os dados apresentados pela

Agência de Inteligência Central dos Estados Unidos, uma pessoa que nascia em janeiro de

2012 em Mônaco tinha uma expectativa de vida de 90 anos de idade, no Japão de 83,91 anos

de idade, na Alemanha de 80,19 anos de idade, na China de 74,84 anos de idade, no Brasil de

72,79 anos de idade, enquanto que na Etiópia e África do Sul a expectativa de vida é de 56,56

e 49,41 anos de idade respectivamente.

Há que se compreender que os conhecimentos teológicos são objetivações humanas

respeitáveis, sobretudo porque resgata no indivíduo elementos da ética universal, tal como a

importância em se reconhecer o outro como igual, a fim de respeitá-lo na sua maneira de ser,

ao valorizar a justiça, dentre outros conhecimentos presentes na teologia (HELLER, 2000).

No entanto, sabe-se o quanto muitos dos religiosos se aproveitam desse discurso para

submeter o outro, manter o servo fiel, mesmo diante de tantas adversidades sociais.

Merece ser problematizada sobre a vida de Irineu, a força que a religião exerce sobre

ele. Até mesmo porque isso também evidencia o quanto a escola, por meio do conhecimento

científico, não consegue desmobilizar os discursos de cunho idealista e transcendental, como

os advindos das organizações religiosas presentes em sua fala. Outro aspecto refere-se ao

papel ativo que a igreja lhe proporciona, no intento de que se sinta útil ao seu grupo religioso,

algo que se opõe a esfera escolar, que na maioria dos casos enxerga os alunos como meros

receptores de um conhecimento desconexo de sentido e significado em suas vidas.

No caso do participante Irineu, a igreja tem um papel muito intenso no

desenvolvimento de sua personalidade, conforme os elementos destacados anteriormente, ao

funcionar inclusive como um mecanismo mediador de proteção, bem como ao favorecer o

desenvolvimento da “resiliência em-si”. Diante de qualquer problemática da vida cotidiana,

ele considera a igreja como o espaço ideal para buscar forças, no intento de enfrentar qualquer

adversidade. Entretanto, o grande problema é que nesse espaço o mesmo fica preso a

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concepções idealistas que não favorecem o pleno desenvolvimento de sua personalidade, bem

como a busca pela transformação das relações sociais, pois se esbarra nos propósitos divinos.

Assim como Irineu, a participante Andréia tem uma participação intensa em atividades

realizadas na igreja “Raízes de Davi”. Ao apresentar uma das fotos que mais gostou, mostrou-

me uma que contemplava a imagem de uma bíblia, ao fazer referência que sua vida é guiada

conforme os ensinamentos contidos em tal, e justifica sua participação:

Eu acho que é o que cada um busca. Eu busco o crescimento, mas o

crescimento que eu busco não é o material ou físico, é um crescimento em

sabedoria, digamos espiritual. (ANDRÉIA, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ela acredita que os motivos que a levaram a participar desse espaço foram uma

questão de escolha pessoal e identificação com os princípios pregados pela religião, bem

como, por ser o local onde busca forças para resolver seus problemas, em especial através de

um sistema hierárquico de aconselhamentos:

Na minha igreja tem algumas pessoas a frente dos jovens e tem os meus

pastores. Primeiro eu converso com os líderes dos jovens e se for mais sério

ai eu converso com meus pastores (ANDRÉIA, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Durante as entrevistas sobre as filmagens ela apontou que sofria perseguições

constantes e repetitivas por parte de seus colegas de escola, ao não partilhar das mesmas

ideias e ao seguir ao pé da letra os ensinamentos adquiridos na igreja, tais como não ouvir

outras músicas além das de estilo gospel ou por não participar de festas onde os mesmos se

reúnem de maneira geral. A participante mencionou ainda, certo protagonismo frente à

organização de eventos em sua igreja, além de participar da escola de formação de líderes,

que não foi filmada, mas que ela gosta muito de participar, além de relacionar a participação

nessa atividade com a possibilidade de crescimento dentro das funções desempenhadas e a

serem desempenhadas futuramente dentro de sua religião.

Rosiane e Renata participam de atividades ligadas à Igreja Católica, contudo não têm

um envolvimento tão efetivo. A primeira menciona que participa de atividades religiosas que

passam fazendo orações nas casas dos moradores do bairro e afirma ser essa a sua

contribuição para com a comunidade. A outra atividade relacionada à igreja é a sua

participação em um grupo de jovens uma vez por semana, espaço que ressalta gostar de

participar.

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Você chega meio que assim, daí eles vão explicando da importância de

darmos valor nas coisas que temos, sendo que há pessoas que não têm. Daí

você começa a ficar pensativo e fica leve e quando chega a sua casa, está

mudado (ROSIANE, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-

2012).

Conforme seus relatos, em tais espaços há uma interação com seus amigos que

também frequentam o grupo de jovens. Todavia, ficam as marcas em seu discurso de que no

grupo, os jovens ouvem coisas que os fazem se conformar com a realidade na qual estão

inseridos, como se tudo estivesse bom em suas vidas, tendo em vista que sempre poderão

existir pessoas em condições piores que as suas.

Por sua vez, Renata apenas mencionou que diante das dificuldades ou problemas que

aparecem em sua vida, sempre busca ajuda do namorado e da igreja (Deus), pois se considera

bastante religiosa. Em contrapartida Achilles e Elenita não participam de atividades religiosas.

Sobre as atividades religiosas é importante dialogar com Marx e Engels (1974) a partir

da obra “A ideologia alemã”. Se até então, os homens constituíam suas relações coletivas

apenas em função das representações de Deus, na ocasião, Marx e Engels teceram uma crítica

ao idealismo alemão proposto por Hegel, amplamente difundido no país, como o meio para

superar as influências religiosas. Contudo, a crítica filosófica alemã não foi além da crítica a

representações religiosas, ficou reduzida aos dogmas e a fé nos dogmas; os jovens ideólogos

hegelianos “lutavam” apenas contra essas fantasias presentes na consciência e acreditavam ter

superado toda “fraseologia existente”. Os filósofos alemães não estabeleceram nenhuma

relação entre a filosofia alemã e a realidade alemã, ou seja, o seu próprio meio material.

Nesse sentido, Marx e Engels (1974) destacam que por mais que se refira à

consciência e a religião como aspectos que distinguem os seres humanos dos animais, é

importante ter claro que essa distinção se iniciou apenas quando os homens passaram a

produzir os seus meios de vida, e por consequência sua vida material. Para os autores é

impossível explicar a vida por meio de fundamentos religiosos e transcendentais, toda e

qualquer análise deve partir da realidade dada:

É necessário, que em cada caso particular, a observação empírica mostre nos fatos, e

sem qualquer especulação ou mistificação, o elo existente entre a estrutura social e

política e a produção. A estrutura social e o Estado resultam constantemente do

processo vital de indivíduos determinados, mas não resultam da aparência que estes

indivíduos possam ter perante si mesmos ou perante outros e sim daquilo que são na

realidade, isto é, tal como trabalham e produzem materialmente. Resultam portanto

da forma como atuam partindo de bases, condições e limites materiais determinados

e independentes de sua vontade [...] A produção de ideias, de representações e da

consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e

ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real [...] Não é a

consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. Na

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primeira forma de considerar este assunto, parte-se da consciência como sendo o

indivíduo vivo, e na segunda, que corresponde a vida real; parte-se dos próprios

indivíduos reais e vivos e considera-se apenas a consciência como sua consciência.

(MARX & ENGELS, 1974, p.24-25-26)

Diante de tais apontamentos, acredito que o processo de constituição da personalidade

de alguns dos participantes da pesquisa esteja ancorado fortemente pelas crenças religiosas

advindas do Ocidente, e que se fazem intensas no Brasil, sob as mais variadas denominações

religiosas. Sobrepõem-se os problemas da vida e se busca na “vontade de Deus” as respostas

para tudo.

Leontiev (1983) e Martins (2001, 2011) apontam que a personalidade de cada

indivíduo se constrói conforme as condições concretas de vida, incorporadas ou não as

possibilidades para uma atividade consciente. Por conseguinte, “quanto menores forem essas

possibilidades, mais gerais e uniformes serão seus resultados, pois o que deveria ser

continuidade e coerência interna se converte em continuidade e coerência para com os

determinantes externos” (MARTINS, 2011, p.91). Somente pela atividade e consciência, a

individualidade poderá destacar-se, mediante a superação da individualidade em-si, rumo à

individualidade para-si, e assim a estrutura da personalidade singularizar-se.

Devo reconhecer que romper com essas crenças não é algo simples, tendo em vista

que há um “bombardeio” de posturas religiosas que desde pequenas as crianças recebem, a

fim de alcançar à “salvação eterna” após a morte. Tais aspectos que são transmitidos e

reforçados culturalmente, dentro das famílias, nas escolas (que se dizem laicas), assim como

em outros espaços de socialização humana. A escola que poderia desconstruir essas “verdades

absolutas” e auxiliar os alunos a repensarem sobre a materialidade da vida por meio do

conhecimento científico, na maioria das vezes não o faz. Entendo que as condições concretas

para que a escola possa desempenhar o seu papel perpassam sua articulação com os

movimentos sociais e coletivos, a fim de que os que dela tiverem acesso possam se apropriar

do máximo possível de produções teórico-críticas que auxilie a “ler e compreender” o mundo

que se vive. Como exemplo, destaco a arte em suas diferentes manifestações, tais como a

literatura a música dentre outras, que serão explicitadas com maior profundidade no próximo

subitem desta tese.

Ao fazer a análise crítica da religião Marx (2005) afirma:

[...] A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração

e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo [...] O apelo para que

abandonem as ilusões a respeito da sua condição [da religião] é o apelo para

abandonarem uma condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o

germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola. A crítica

arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem os suporte sem

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fantasias ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A

crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atua e configure a

sua realidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão [...]

(MARX, 2005, p.146).

Questão essencial a ser discutida, refere-se à necessidade de construção de teoria

crítica que contribua para o movimento da consciência dos indivíduos que vivem a alienação

religiosa e, para isso, a escola assumiria papel preponderante, pois para Marx (2005, p.151) “é

certo que a arma da crítica não pode substituir a crítica das armas, que o poder material tem de

ser derrubado pelo poder material, mas a teoria converte-se em força material quando penetra

nas massas”, ou seja, há que se instrumentalizar criticamente os indivíduos para que possam,

ao realizar a crítica, se libertar dos grilhões ilusórios da religião. É importante deixar claro que

a educação não é a única via para romper-se com as condições alienadas e alienantes. Outros

espaços de socialização humana podem cumprir esse papel também, tais como os movimentos

de organização coletiva, movimentos sociais, dentro outros. A ênfase dada a escola, refere-se

apenas, ao fato desta tese ser produzida na área de educação.

4.2.7 Contato com a música, literatura e outras manifestações artísticas

Ao falar sobre o papel das manifestações artísticas em suas diferentes linguagens, tais

como a música, a literatura, os desenhos, peças de teatro, tenho a clareza do quanto elas são

importantes no processo de humanização e personalização dos indivíduos. Contudo, a

sociedade contemporânea, ainda é marcada pelas limitações em se ter acesso a manifestações

artísticas, ou quando se tem, elas são oferecidas de maneira precarizada ou superficial.

Na entrevista sobre suas fotografias, Elenita disse que gostaria de ter tirado uma foto

de livros para representar o quanto gosta de contos literários. Durante um dos dias de

filmagem, diante de uma atividade produzida na aula de arte, ela mencionou que gosta muito

de desenhar, pois sua imaginação flui nesse tipo de atividade. Diante de tais argumentos,

aproveitei para questioná-la sobre a escassez de espaços ligados a difusão da arte nas

diferentes cidades de nosso país, contudo a adolescente não soube justificar o porquê de tal

situação.

Em “Psicologia da Arte”, Vigotski (2007) já pontuava sobre o papel da arte, a partir da

perspectiva do Materialismo Histórico Dialético. O autor considerava a arte como uma das

funções vitais da sociedade, sendo que ela deveria ser estudada em conexão indissolúvel com

todos os demais aspectos da vida social, mediante os seus condicionantes históricos concretos.

Para Vigotski, foi Plejánov, quem conseguiu abarcar uma visão mais ampla sobre a arte, ao

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romper com a empiria e o positivismo, presentes até então, nas correntes sociológicas da

teoria da arte. Plejánov destacava que os mecanismos psicológicos, determinantes da conduta

estética do homem eram determinados socialmente. Vigotski o referenciava como o autor que

conseguiu abordar com clareza a necessidade teórica e metodológica da investigação

psicológica para a teoria marxista de arte.

A partir do referencial destacado anteriormente, Barroco (2009) salienta que o ser

humano desenvolve criatividade por meio do contato com a arte. Essa criatividade ocorre em

um movimento do interpsicológico para o intrapsicológico. E nesse movimento, por meio de

suas produções, os homens revelam a sua história e a história humana. As produções

individuais carregam as marcas da coletividade, e possibilitam situar as “histórias de vida dos

sujeitos singulares”. Nesse processo, a constituição do psiquismo humano, que conta com o

auxílio das funções psíquicas superiores, se processa sob a condicionalidade sócio-histórica e

dentro dos limites que as classes sociais lhes impõem.

Em tais circunstâncias enfatizo que os bens culturais relacionados à dimensão da arte

podem ter papel decisivo no desenvolvimento pleno da personalidade das crianças e

adolescentes. Tal premissa reforça a importância que a escola, diante de um projeto

revolucionário, pode vir a desenvolver. Faz-se necessário a apropriação dos bens materiais e

dos bens simbólicos (música, filmes, literatura, poesia, teatro, além de outras linguagens

artísticas), por meio dos quais, os indivíduos possam se humanizar, ao desenvolver

pensamentos, sentimentos, consciência e personalidade (GANDRA, VIOTTO FILHO &

PONCE, 2012).

Diante da tese a ser defendida, ou seja, a de que os indivíduos durante sua vida vão se

apropriando de algumas objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas

socialmente, que os orientam frente à formação social de sua personalidade. A personalidade

de cada indivíduo se constrói a partir do contato com a realidade objetiva, incorporadas ou

não as possibilidades para uma atividade consciente. Quanto menores forem essas

possibilidades, mais fragmentados serão os motivos e ações presentes na atividade humana.

Decorrente disso, no sistema de organização capitalista, há uma contradição expressa, pois

mesmo que eles se posicionem frente ao bullying escolar experienciado, por meio dos

processos de “resiliência em-si”, que são desenvolvidos na relação dialética entre mecanismos

mediadores de risco e proteção, o enfrentamento do bullying escolar será momentâneo e

pontual. O fenômeno continuará sendo produzido na dinâmica escolar. Os estudantes por sua

vez continuarão centrados no modelo de organização social que produz o bullying escolar,

com a impressão de que pouco há que se fazer. A emancipação se faz possível por meio de

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um processo de tomada de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais,

o que reforça a importância que a educação escolar numa perspectiva revolucionária pode ter

nesse processo. A escola precisa cumprir com sua função social, a de socializar a todos, o

conhecimento científico, artístico, filosófico e histórico produzido historicamente pelo gênero

humano.

Entendo que o contato com as manifestações artísticas, no âmbito escolar, diante da

perspectiva teórica e epistemológica aqui assumida, pode alavancar o desenvolvimento da

consciência dos estudantes oriundos da escola pública. Tal processo deve estar atrelado a um

projeto mais amplo de busca pela transformação das relações sociais.

Se houver a pretensão em erradicar manifestações de violência, como por exemplo, as

expressas pelo bullying escolar, os indivíduos deverão ser conduzidos à outra organização

social. Caso contrário, a manutenção das relações sociais será concernente apenas, com a sua

minimização, mesmo diante de situações nas quais os indivíduos, dialeticamente frente aos

mecanismos mediadores de risco e proteção, consigam desenvolver a “resiliência em-si” e

promover o seu enfrentamento momentâneo ou pontual.

O participante Irineu adora música. Das fotos que mais gostou uma se refere a um

conjunto de vários CDS, e a foto capaz de representar algo bom em sua vida é a que contém

partituras, tendo em vista sua paixão pela música e pelas diferentes técnicas de canto. Ele

expôs uma sequência de fotos, sendo todas relacionadas ao universo musical, a fim de

justificar a importância das técnicas de apreciação, do canto e da regência de grupos musicais,

e afirma que as pessoas que ouvem músicas passam a ser mais atentas e perceptivas. Para

demarcar a importância que tal atividade cumpre em sua vida, apresento um trecho de sua fala

durante uma das entrevistas.

Muito importante, uma das coisas mais importantes na minha vida, porque é

nela que eu me dedico o maior tempo, e é uma atividade que eu tenho prazer

em ficar fazendo, a música (IRINEU, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE

CAMPO, 2011-2012).

Aproveito o momento para ressaltar a importância da música na vida das pessoas,

como uma das manifestações estéticas que deveriam se fazer presentes em nossas escolas, no

intento de auxiliar os jovens no processo de ampliação dos conhecimentos sobre a sociedade.

Ou ainda a música de qualidade que retrata expressões de sentimentos e fatos historicamente

situados.

Ao questioná-lo sobre as pessoas que não são artistas e que apenas apreciam tal

manifestação, Irineu destaca que:

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Apreciar também é ótimo, porque você estará escutando cada detalhe da

música e isso faz diferença, você aprender quais são os detalhes e, também

saber relacionar aquela música com o contexto e o momento em que ela foi

escrita, a quem ela se dirige, pra que e para quem ela foi escrita, isso também

é muito legal. (IRINEU, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO,

2011-2012).

Sobre tal processo e em concordância com o posicionamento do participante Irineu,

apresento algumas contribuições de Martins (2011) que desconstrói discursos de ordem

biológica que defendem os termos “aptidões e dons”. Conforme a autora, quanto mais ricas e

diversificadas forem as atividades, maiores serão as possibilidades para o desenvolvimento

das capacidades em todas suas qualidades, posto que “elas se formam como resultado do nexo

que se estabelece entre as propriedades psíquicas da pessoa e os objetos de suas atividades”.

As capacidades de determinado indivíduo em conseguir fazer algo com maior ou menor

facilidade estará relacionado a condições de vida e de atividade da pessoa.

Ao mencionar ainda sobre as músicas ele disse que as condições sociais da população

dificultam o seu acesso, tendo em vista que muitas pessoas não têm a oportunidade de ter

contato com espaços que proporcionam a apropriação de músicas de boa qualidade e se sente

triste com isso. Embora defenda que a iniciativa pública poderia promover um maior fomento

da música na sociedade e nas escolas.

Merece ser problematizada uma de suas falas, na qual, apresentou sem clareza, um

posicionamento preconceituoso, com relação letras de rap presente no Hip-Hop, como se tal

estilo musical não tivesse qualidade. A fala talvez seja decorrente da falta de contato com o

Hip-Hop, ou ainda, dessa manifestação não ter sido trabalhada de maneira aprofundada na

escola numa perspectiva revolucionária e crítica, já que o Hip-Hop aparece como um dos

conteúdos presentes no currículo do Estado de São Paulo (rede estadual) para os 9º anos do

Ensino Fundamental e 3º anos do Ensino Médio. O Hip-Hop deve ser entendido como uma

manifestação de resistência criada por grupos marginalizados historicamente, no caso, os

negros. Por conseguinte, as letras de rap têm o potencial de fazer denúncias dos diferentes

problemas sociais atuais. Os alunos deveriam conhecer todo o seu processo histórico, bem

como as questões que estão por trás de sua difusão.

Oliveira e Silva (2004) chamam atenção para o fato de que no período de surgimento

do Movimento Hip-Hop, nos Estados Unidos, na década de 1970, o mundo escancarou ainda

mais o acirramento das condições do capitalismo, ao lançar novos artifícios de manipulação

junto às classes sociais menos favorecidas, e ao propagar com vigor os seus ideais, como se os

mesmos fossem “naturais e inquestionáveis”. A gênese do Movimento Hip-Hop está

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relacionada aos desdobramentos mais contíguos do capitalismo, ou seja, o preconceito racial,

a miséria e a desigualdade. Em vários bairros e comunidades periféricas dos Estados Unidos,

como por exemplo, o South Bronx, em Nova York, os direitos básicos eram negados as

populações que ali viviam (origem negra e latina). Tais lugares eram sujos, arruinados e

abandonados pelos governantes norte-americanos. Diante disso, as comunidades excluídas

começaram a se mobilizar, e foi por meio da linguagem do Hip Hop e de seus elementos (o

DJ, o Rap, o Break e a grafitagem) que começaram a denunciar e a contestar as condições

sociais que viviam as comunidades empobrecidas. Entretanto, é importante destacar que a

indústria cultural, ao perceber o seu potencial lucrativo e comercial, vem tentando cooptá-lo

como um instrumento a serviço do capital. As letras de rap estão ficando mais polidas e

menos críticas, por mais que haja grupos resistindo a tal situação.

Lima (2012) e Oliveira e Silva (2004) enfatizam que ao analisarem a gênese do

movimento Hip-Hop, no contexto brasileiro, evidencia-se que, em especial, na década de

1990, as letras de rap criadas nesse contexto, apresentavam um conteúdo politizado e

reforçavam aos seus ouvintes a importância dos indivíduos no processo de busca pela

transformação da sociedade. Ao defender sua utilização dentro da esfera escolar, numa

perspectiva contra-hegemônica, Lima (2012) as percebe como um elemento de consciência

social e política, e apregoa que há uma resistência muito grande por parte dos professores que

não permitem a sua entrada nas salas de aulas, ao alegarem que sua linguagem é inapropriada

para as escolas. Frente a isso, o autor se questiona:

Qual linguagem deveria ser utilizada em meio às comunidades excluídas pelo

sistema político/ econômico? Aquela simples, rica em dialetos próprios, carregados

de identidade e de sincronia com o dia a dia, ou uma linguagem totalmente

descompassada com a realidade de nossos educandos? Os próprios rappers mantém

consciência sobre o peso de sua linguagem e advertem que o rap não poderia ter

outra linguagem, afinal trata-se da descrição, da transmissão oral, do cotidiano

enfrentado por aquela população esquecida, subjugada pelas estruturas do sistema

capitalista (LIMA, 2012, p. 121).

Andréia tem a literatura e a música como fortes elementos em sua vida. Sobre a

literatura, ela menciona que por seu intermédio, outras manifestações artísticas foram se

expandindo, tais como a de conhecer uma peça teatro, algo que por sinal a deixou encantada,

pois nunca havia ido a um teatro ou ainda ao direcioná-la na expectativa de se formar na área

de Letras. É importante destacar o quanto que uma de suas professoras na escola em que

estuda, teve papel decisivo ao “mudar a área de Língua Portuguesa” e oferecer a literatura

como algo prazeroso, aliado as boas condições da sala de leitura da escola onde estuda. A

adolescente disse que a literatura:

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É um jeito de conhecer o mundo, meio que sem sair do seu (ANDRÉIA,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Embora ela apresente uma valorização sobre o papel da literatura em sua vida, durante

alguns momentos, quando questionada sobre as pessoas que não têm acesso a livros e a

literatura, em sua fala ficou evidenciado um discurso de culpabilização para com aqueles que

não têm contato, como se dependesse apenas dos interesses individuais de cada um. Tais

aspectos fazem parte do ideário neoliberal e serão superados conforme Andréia for

desenvolvendo sua consciência sobre a realidade social e se perceber como parte da realidade

mais ampla. Na ausência da educação escolar, que não vem cumprindo efetivamente o seu

papel para com esse tipo de produção de consciências, penso que a adolescente poderá, quem

sabe por intermédio de uma maior apropriação do teatro ou de outras manifestações artísticas

e literárias, ter contato com algum grupo organizado ou movimento social que a auxilie em tal

processo. Há que se pontuar que ela tem expectativas de ingressar na universidade, e que

poderá ser mais um espaço ímpar no desenvolvimento da consciência de classes e de

apropriação do conhecimento científico.

Para complementar o quão perigoso é o discurso de Andréia mencionado

anteriormente, apresento alguns dados decorrentes da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”,

promovida pelo Instituto Pró-Livro, aplicada pelo Ibope Inteligência e organizada por Failla

(2012). No Brasil, em 2011, 50,00% da população nacional se considerava leitora. Esses

dados ilustram uma redução em 7,4 milhões do número de pessoas que se consideravam

leitoras em 2007 (55,00%). Ao buscar os motivos para tal, a mesma pode constatar que

78,00% dos que não leem justificam a falta de interesse como a principal causa, seguido pela

falta de tempo (50,00%). Na identificação do perfil dos leitores, a mesma evidenciou que

57,00% são do sexo feminino, 43,00% residem na região Sudeste do país, sendo que a

maioria deles reside em cidades com mais de 100 mil habitantes. Ainda evidenciou-se que

76,00% dos que têm nível superior e 79,00% dos brasileiros que pertencem à classe A são

leitores. E, 42,00% mencionaram a Bíblia como a obra que leram nos últimos três meses.

Tais dados “gritam” para as desigualdades sociais presentes no Brasil e para o

processo de alienação no qual a sociedade está imersa, pois é na região mais rica do país que

há a maior concentração de leitores, aliado aos que são mais ricos (representam apenas 2,00%

da população nacional) e que tiveram oportunidades de cursar um curso em nível superior.

Leia-se que a maior parte das pessoas, conforme dados apresentados anteriormente nesta tese,

sequer concluem os níveis básicos de Educação (Ensino Fundamental e Médio). Para agravar

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ainda mais a situação, parcela significativa aponta a Bíblia como a última obra lida, que tem

apenas caráter mítico e religioso.

Os dados apresentados pelo movimento Todos Pela Educação, com base no Censo

Escolar (2011) evidenciam a situação caótica que o Brasil se encontra, com relação à ausência

de bibliotecas nas escolas públicas, sendo que 72,50% se encontram nessa situação. Para se

atender a Lei 12.244 de maio de 2010, que estabelece a obrigatoriedade da existência de um

acervo, com o mínimo de um livro por aluno, em cada instituição de ensino do país, seria

necessário construir 128.020 bibliotecas no período entre 2011-2020, ou seja, a construção de

39 unidades por dia.

O cenário é desanimador, mas não pode esmorecer àqueles que se encontram frente à

mediação do conhecimento humano nos ambientes escolares. Ainda mais se o propósito for

concernente com o modelo de educação aqui defendido, capaz inclusive de auxiliar no

processo de superação das relações sociais, bem como no pleno desenvolvimento do gênero

humano.

Ao mencionar sobre algumas práticas não filmadas e que Andréia participa

regularmente, ela mencionou as aulas de violão e guitarra (projeto social ligado à prefeitura),

segundo sua fala, o grande motivo que a faz apreciar viver na comunidade onde reside.

Primeiro eles anunciaram que haveria aulas de guitarra, daí eu pensei em

fazer e comecei. Sei lá eu contrariei todo mundo. Porque eu achava que eu

não era boa em nada, e eu descobri que eu era boa em três ou quatro tipos de

músicas (instrumentos), eu já fiz bateria, teclado, mas no violão e guitarra eu

estou me aprofundando (ANDRÉIA, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE

CAMPO, 2011-2012).

Gostaria de salientar o quão impactante parece ter sido o fato de Andréia chegar a

acreditar que não era boa em nada, e quando descobriu a música passou a se sentir valorizada.

Algo que pode ser visto como um mecanismo de favorecimento de sua autoestima.

Achilles, ao conversar sobre as fotografias tiradas, destacou a música por meio das

manifestações de tocar violão e guitarra como um hobby em sua vida. A música para ele é um

refúgio, em especial, nos momentos que está sozinho, pois gosta de tocar violão, sem que o

ouçam.

No que se refere a participante Rosiane, no segundo dia de filmagens, ela foi

presenteada com alguns livros de literatura em ótimo estado de conservação, que a tia havia

encontrado, jogados em uma lixeira. Os pais de Rosiane mencionaram que nunca gostaram de

ler, mas que ficam impressionados com o quanto ela gosta de realizar tal atividade. Rosiane

disse ter lido livros inteiros em apenas um dia. Ainda destacou os incentivos que recebe na

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escola, por parte de suas professoras para que realize leituras, aliado a boa sala de leitura que

a escola tem. Todavia, sabe que muitas pessoas não têm oportunidades de contato com obras

literárias e acredita que isso se deva as escolas que não têm esses espaços adequadamente ou

funcionando, e acredita ainda que seja responsabilidade do governo a difusão e garantia de

mais bibliotecas com qualidade nas escolas.

Por vez, Renata não apresentou nenhuma foto ou sequer foi filmada em interação com

momentos que remetesse ao seu contato com as manifestações artísticas. Todavia, fez uma

denúncia que pode ser reflexo das condições precárias do bairro onde vive, pois segundo a

adolescente, não há nenhum serviço ou projeto disponível para os jovens daquela localidade,

sendo que vai buscar cursos em outros bairros da cidade, tal como o curso de espanhol que

frequentava durante o momento de realização da pesquisa. Por fim, destacou a omissão do

Estado na oferta das necessidades básicas, tais como estudos e cursos para os jovens, obras e

casas para a população como um todo. Ela acredita que para a sociedade ser melhor, e para o

melhor desenvolvimento das pessoas, deveriam ser aperfeiçoados os serviços de transportes, o

ensino nas escolas, o acesso nas ruas, dentre outros.

Ao analisar as questões ligadas à arte, em Vigotski, Barroco (2009) ressalta que o

pesquisador teve uma formação privilegiada (estudioso de autores clássicos da Filosofia,

Psicologia, Literatura local e universal), o que o favoreceu a contemplar em seus estudos

autores russos e não russos da arte literária, no intento de tornar mais claro os seus

argumentos e exposições. Além de ser um “consumidor” da arte, Vigotski se tornou um

estudioso dela. Houve assim, uma preocupação com a arte em tempos pré e pós-

revolucionários.

Outro aspecto a destacar é que a entrada de Vigotski na vida cultural de Moscou se

deu num período explícito entre “arcaístas e inovadores”. O cubismo também exerceu

influências no período em questão, ao propor que as obras prontas e acabadas não davam

margem para que as pessoas pudessem perceber as coisas em seu processo de formação

(BARROCO, 2009).

Como esta tese se situa na área de educação e por defender que a escola pode vir a

contribuir efetivamente no desenvolvimento da consciência dos seus alunos e demais

membros integrantes da comunidade escolar, acredito que será por meio da apropriação do

conhecimento científico e artístico, articulado com as questões sociais mais amplas, que esse

processo poderá se efetivar, levando os mesmos a se posicionarem na busca pela superação da

atual condição social e, por conseguinte desenvolver plenamente suas personalidades

humanas. Faço questão de enfocar, a partir da fala dos participantes, a importância do contato

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com a música e a literatura, ou seja, o contato com a arte como um todo em suas trajetórias de

vida, e a partir das proposições de Barroco (2009) sobre o papel que as escolas podem

desempenhar ao promover a arte:

A título de exemplificação, destaco que se pode trabalhar com a arte pictórica (não

só com ela) no sentido de desvendamento do homem por meio do estudo da figura

humana em telas de diferentes épocas. Podem-se oportunizar não somente a reação

estética, mas o conhecimento do revelar-se humano. Não basta [...] trabalhar com

técnicas que levem o indivíduo a revelar-se, a projetar-se para compreendê-lo se

estiver deslocado e descontextualizado. É importante ver o homem expresso e

projetado de diferentes modos e por diferentes artistas/autores, em diferentes

sociedades, enfrentando diferentes necessidades, para compreendê-lo, para

compreender-se [...] (BARROCO, 2009, p.125).

As escolas, em especial, por meio da arte, em suas diferentes linguagens, devem levar

os alunos a uma maior autoconsciência, conhecimento de si mesmos e do mundo do qual

participam. Emocionar-se com as produções artísticas faz parte da reação estética, e ir para,

além disso, tem seu valor educacional maior. Contudo, é preciso sempre cuidado, pois a arte

não é cópia fiel da realidade, ela carrega marcas de subjetividade dos artistas, espectadores

etc., mas pode ser entendida como expressão da vida (BARROCO, 2009).

Vigotski (2007) enuncia que as obras de arte vão tendo valores sociais distintos,

conforme o desenvolvimento histórico, elas são assimiladas subjetivamente. “Em outros

termos, a tarefa consiste em demonstrar que nós não somente interpretamos distintamente as

obras de arte, mas que as vivenciamos de maneira diferente” (VIGOTSKI, 2007, p.191).

Fica evidente o quanto a arte tem seu valor educacional, não apenas para a disciplina

de Arte, mas para todos os componentes curriculares que compõem o universo escolar.

Entretanto, não posso perder de vista, que se faz cada vez mais recorrente a ideia de

fragmentar o conhecimento, em espaços isolados, como se os mesmos fossem “propriedades

exclusivas” de determinadas disciplinas. Os alunos, por conseguinte, não conseguem perceber

o movimento dialético presente no conhecimento artístico, científico e humano e que deveria

ser analisado como um todo para ser apropriado. Tais aspectos foram criados como táticas da

burguesia e penetrados pelas políticas neoliberais, desde a educação básica até o ensino

superior, em especial nas últimas décadas, apartando a maioria da população dos bens

culturais mais desenvolvidos.

Há que se valorizar a arte de qualidade, a ciência, a filosofia, dentre outras

objetivações genéricas, as quais precisam ser apropriadas, pois nesses objetos mais

desenvolvidos da cultura, encontram-se conteúdos essenciais para o desenvolvimento

multilateral dos seres humanos, bem como o pleno desenvolvimento de sua personalidade.

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4.3 A importância das redes mediadoras de apoio e proteção frente ao processo de

formação da personalidade humana

Ao destacar a importância que as redes mediadoras de apoio e proteção (relações

interpessoais, familiares ou de diferentes segmentos sociais) têm na vida dos participantes da

pesquisa, estou entendendo que tais redes servem como um “ponto de apoio”, referências

institucionais sociais. Elas contribuem no fortalecimento da autoestima, bem como na

construção da personalidade daqueles que foram/são expostos a situações de bullying escolar

e que conseguem se posicionar frente às mesmas, conquanto, apenas no âmbito da “resiliência

em-si”. Há que se destacar que muitas das práticas e atividades que os mesmos participam,

como destacadas anteriormente, também funcionam como mecanismos mediadores de

proteção em suas vidas, ao passo que eles podem se sentir valorizados e reconhecidos perante

o coletivo. Todavia, devo esclarecer que as mesmas foram apresentadas, conforme as

categorias, apenas para facilitar a compreensão do leitor, embora se deva entendê-las como

parte de um todo indivisível e num movimento dialético.

Num primeiro momento, irei destacar a importância que os familiares e os amigos

demarcam em tal processo, como importantes redes mediadoras de apoio e proteção. E, por

último, mas não menos importante, destacarei o papel que a escola pode desempenhar em seu

processo de formação, por meio do desenvolvimento de suas funções psicológicas superiores,

atreladas à formação de personalidades com consciência social e política. Consequentemente

almeja-se que ela prepare os indivíduos para superar os antagonismos gerados a partir das

relações sociais presentes no capitalismo, na luta por outra estrutura social, onde prevaleça a

unidade entre atividade e motivos vitais.

De acordo com Martins (2011), “a desarticulação entre atividades e motivos, ou a

inexistência desta unidade na personalidade, cria as condições internas para que o homem

viva fragmentariamente, em consonância com motivos-estímulos em detrimento dos motivos

vitais”. Posto isso, somente num outro plano de relações sociais, o bullying escolar será

superado e incorporado, para além de seu enfrentamento pontual.

Acredito que as redes mediadoras de apoio e proteção se constituem e ganham sentido,

apenas, se entendidas como pertencentes ao gênero humano. É na interação social com o

outro que um indivíduo constrói sua personalidade e, por conseguinte, se apropria e objetiva

as produções históricas.

Conforme Martins (2011) no processo de formação da personalidade, um dos

princípios fundamentais diz respeito aos vínculos do indivíduo com o mundo. Tais vínculos

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contemplam suas relações com as condições objetivas de vida e ocorrem em dada família,

classe social, nação, contexto histórico etc. Os vínculos favorecem o contato do indivíduo

com um amplo conjunto de atividades, por meio das quais são construídas as estruturas

motivacionais e emocionais, essenciais na formação da personalidade.

A análise da qualidade desses vínculos não pode levar em consideração apenas a

dimensão quantitativa; em que medida é amplo ou não o mundo que se descortina

para o indivíduo; deve considerar, acima de tudo, o conteúdo das relações objetivas

e sociais que esses vínculos representam, uma vez que esses conteúdos são

condicionados pelo patrimônio de apropriações que se disponibilizaram para a

pessoa. Ou seja, a análise psicológica desses vínculos não pode ficar detida a sua

aparência, uma vez que os vínculos da personalidade para com o mundo podem ser

mais pobres do que os disponibilizado pelas condições objetivas; na mesma medida,

a riqueza dos vínculos pode e muito superar tais condições (MARTINS, 2011,

p.121).

Nesse sentido, apresento abaixo uma descrição, com posterior explicação das redes

mediadoras de apoio e proteção presentes na vida dos participantes desse estudo, frente ao

processo de formação da personalidade deles.

Elenita destacou os amigos e a mãe como redes de proteção em sua vida. De acordo

com a jovem, são as pessoas a quem pode recorrer e que a aconselham frente a qualquer

dificuldade. Por conseguinte, por intermédios dos familiares em sua casa, e dos amigos na

escola, ela busca força e apoio. Ao apresentar a foto que mais gostou e a que representa algo

bom em sua vida, a participante fez referência a uma com o seu grupo de amigos, e disse que

a mesma simbolizava a amizade que possui nas horas mais difíceis. Dificuldades essas que

perpassam também os conteúdos da esfera escolar.

Durante as filmagens, ao interagir com uma amiga e sua mãe, Elenita ressaltou sobre a

importância das amizades, frente aos momentos que as pessoas precisam de alguém para

desabafar ou dialogar, e que, as pessoas que não têm amigos devem se sentir muito mal.

Embora tenha uma ótima relação com a mãe, acredita que as amizades com os pares são mais

confiáveis, tendo em vista que eles a compreendem melhor. Como exemplo, da interação com

os amigos, mencionou uma atividade não filmada e que faz parte de sua vida, ou seja, os

momentos de interação com os amigos na Lagoa dos Patos (Parque do Bairro).

Ao referir sobre a importância que as amizades podem ter na vida de um indivíduo,

estou entendendo que elas são extensões do processo de humanização do gênero humano.

Humanização que não perpassa somente o contato com o outro, mas que culmina também nas

possibilidades de apropriação dos produtos historicamente construídos, por meio das práticas

sociais e culturais e que favorecem o desenvolvimento da personalidade de uma dada pessoa.

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Gandra, Viotto Filho e Ponce (2012) enfatizam a importância do outro no processo de

desenvolvimento humano-genérico. Os fatores biológicos são parte do processo, mas sozinhos

não garantem a humanização. Como exemplo, os autores citam situações exploradas pelo

cinema e pela literatura, tais como, o caso das meninas-lobo (Amala e Kamala), “O enigma de

Kasper Houser”, dentre outros, que mostram o quanto para se humanizar os membros da

espécie humana precisam apropriar-se de relações sociais humanas, assim como dos objetos

da cultura humana. Afirmam os investigadores que:

Enfim, as crianças não se humanizam sozinhas. Dependendo das suas condições

objetivas de vida, seu desenvolvimento ficará bastante comprometido. Para se

desenvolver, elas, independentemente de sua condição social, precisam ser inseridas

no mundo da cultura, já que não fazem isso sozinhas e de forma espontânea

(GANDRA, VIOTTO FILHO & PONCE, 2012, p. 131).

Vigotski (2001) já criticava autores tais como Piaget, que secundarizavam a

importância das dimensões sociais no processo de desenvolvimento de uma criança, como se

o biológico fosse inerente à mesma, ao considerá-lo como o elo principal e determinante nesse

processo. Assim, Vigotski propôs que a criança devesse ser entendida como um sujeito de

relações sociais, tendo em vista que a sua participação na vida social se efetiva desde o seu

nascimento, perante o contato com os elementos culturais do grupo no qual se encontra

inserida.

O participante Irineu disse não ter muitos amigos e que não conversa muito com os

colegas de sua idade na escola, embora os considere afetivos com as pessoas ao seu redor.

Inclusive chegou a mencionar, que na escola, por mais que converse com os colegas de classe,

não consegue ter uma maior proximidade e alega que não costuma realizar as mesmas

atividades e se interessar pelas mesmas conversas que eles. Disse ser um garoto fechado e

tímido e justificou que o motivo seja o seu jeito e personalidade. As amizades conquistadas

sempre são com pessoas mais velhas e que fazem parte da sua igreja. Ele deixou claro que

sabe da necessidade das pessoas terem amizades, contudo, tem problemas de relacionamentos

mais profícuos com seus pares na escola. E destacou os lados positivos e negativos de uma

amizade.

Positivo é que você pode se socializar, porque o ser humano precisar ter alguém para

se socializar, ele é um ser social e precisa estar em contato com outras pessoas, esse

seria o aspecto positivo. Já o negativo pode ser as diferentes opiniões porque nem

todos têm as mesmas opiniões e os modos de pensar, o que pode se transformar num

aspecto negativo (IRINEU, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-

2012).

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Diante das dificuldades, além da busca pelo apoio religioso, como destacado na

categoria analítica anterior, disse ter na família o apoio necessário. Ele pontua ter uma ótima

relação com os pais, e considera isso muito importante, ao tê-los para dialogar e tirar suas

dúvidas.

Sobre a participante Andréia, é importante destacar que ela vive em constantes

mudanças de endereço, sendo que em alguns momentos vive com a mãe e em outros com o

pai, na tentativa de sempre agradá-los, pois eles são divorciados desde quando era pequena.

Seus pais já tentaram a reconciliação algumas vezes. Andréia disse ser muito apegada aos

familiares, sendo que ao apresentar a foto que lhe remete a algo ruim em sua vida, destacou

uma foto tirada da rua de sua casa, na tentativa de simbolizar a distância que a separa agora de

uma de suas irmãs que se mudou de cidade, era muito apegada a ela e a considera como um

exemplo em sua vida, pela maneira de encarar e enfrentar os problemas, sendo que muitas

vezes pensa em fazer os outros que estão ao seu redor mais feliz do que a si mesma. Ainda

apresentou uma foto da casa da mãe, onde vivia durante a fase das captações de imagens, a

fim de ilustrar o melhor lugar de se viver (casa dos pais), pois é lá que recebe conselhos,

cuidados e correção quando precisa.

Ela ressaltou ter poucos amigos, pois disse ser bem seleta com relação a amizades, e as

considera muito importantes, pois quando está desanimada, inclusive chora com eles. A

participante mencionou ainda, ter os amigos como sua família e espelho. Posteriormente,

destacou que a maioria das amizades que tem estão ligadas à religião, tendo em vista que por

ser tímida tem dificuldades de se socializar na escola, onde tem apenas uma amiga e acredita

que a vida de uma pessoa sem amigos é vazia e sem sentido.

No que tange a figura de Achilles, ele apontou que diante de qualquer dificuldade,

sempre conta primeiro com a ajuda da família, na figura da mãe e pai. O participante

mencionou que sua família é seu “tudo”, e pensa muito que um dia poderá não tê-los ao seu

lado. Durante a entrevista sobre as fotografias, ele ficou indignado e não se conformava de

não ter tirado fotos da família reunida.

Assim como os demais participantes, Achilles tem poucos amigos, sendo que

considera a maioria das pessoas com as quais se relaciona socialmente, apenas como colegas,

e creditou as amizades um papel importante durante as atividades sociais (jogos, festas,

brincar). Destacou ainda que a amizade com outras pessoas é importante, para se ter sempre

alguém com quem contar e te ajudar e vice versa. E disse que viver sem amizades seria

complicado, pois a pessoa iria se privar de informações, e ele jamais conseguiria viver em tal

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condição. Como exemplo das amizades que possui, apresentou uma série de fotos em

momentos de descontração junto aos seus amigos.

Merece ser destacado que em determinado momento da filmagem ele estava em

interação com seus amigos, sendo que uma integrante era menina, e ao ser questionado sobre

o que pensava dos grupos de amigos mistos, ele apresentou um posicionamento favorável a

tal. Inclusive, condenou os pais que proíbem que suas filhas tenham amigos homens. Vale

destacar que o pai de sua amiga não gosta que ela frequente sua casa.

Merece ser problematizado, o fato de ele responsabilizar as pessoas que não possuem

amizades, como se elas fossem responsáveis por tal. Sendo assim, classifica as pessoas que se

encontram em tal situação, como sujeitos que não se ajustam aos grupos sociais e diz não se

sensibilizar com a situação delas.

Ah sentimento nenhum cara, porque se a pessoa consegue se relacionar eu

fico feliz por ela. É legal, ela conseguiu se enquadrar num grupo que vai

ficar do lado dela. Agora se ela não consegue se relacionar, os motivos são

por causa dela mesmo, não há motivos para ter dó disso. (ACHILLES,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ao contestá-lo se não seria um direito de uma pessoa ter os hábitos e costumes dela,

bem como pensar diferente de um determinado grupo, o mesmo argumentou que:

Então ela não vai ficar com a gente, porque se ela pensa diferente, os grupos

sociais são formados por causa disso, pessoas que pensam o contrário, elas

mesmas não vão querer ficar por perto (ACHILLES, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Nos trechos evidencia-se uma visão individualista por parte do participante, ao passo

que ele não leva em consideração a diversidade cultural, como se as pessoas tivessem que se

enquadrar dentro de todos os grupos sociais, sem que suas individualidades e particularidades

sejam respeitadas. Isso é um agravante que merece ser problematizado, pois são situações

como essa que geram o racismo, a homofobia, a xenofobia, ou até mesmo as manifestações de

bullying escolar.

O movimento de produção da tese deve buscar respostas para tais situações. Ao

entendê-las como decorrentes do senso comum, ou seja, como constatação da realidade. Posto

isso, venho defendendo um trabalho educativo que possibilite aos alunos da escola pública o

desenvolvimento da consciência crítica, a fim de que possam compreender o porquê das

práticas assentadas no individualismo, por exemplo, estarem a serviço da manutenção das

relações sociais. Apregoa-se que o individualismo seja apenas mais um impeditivo para a

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tomada do processo de consciência que faz com que as pessoas continuem centradas nas

relações neoliberais, estabelecidas pelo modo capitalista de produção.

Sobre o individualismo na sociedade capitalista, Heller (1977) afirma que devido a

inúmeras exigências dos grupos inerentes à sociedade, nas quais os indivíduos assumem

vários papéis em decorrência da divisão social do trabalho, com a agravante falta de instâncias

mediadoras que os constituam como comunidade no seio da sociedade, os indivíduos perdem

sua totalidade unitária, fragmentam-se e reproduzem essa fragmentação. Para a autora, a

carência de comunidade converte-se, em princípio, para o surgimento do individualismo na

sociedade, tendo em vista que no capitalismo defende-se que o homem nasce livre e sua

existência individual acontece de forma independente de sua existência social. Os indivíduos

convertem, explicitamente, seus interesses particulares em motivação principal de sua

existência, efetivando assim as condições concretas para a consolidação do individualismo na

sua vida e na sociedade.

Historicamente, alguns grupos sociais foram e ainda são perseguidos por grupos que

dominam as relações sociais. E, por mais que o discurso neoliberal apregoe que as condições

de vida da população social estão melhores, o mesmo não é verossímil. Diria que não passa de

sofisma, utilizada pela burguesia. Hespanha (2002) defende a tese de que na

contemporaneidade, as sociedades capitalistas por meio da globalização, não fizeram outra

coisa, senão, produzir o aumento da desigualdade social, além da gradual ausência de

solidariedade social. O autor ilustra que está havendo um efeito de segmentação social, mais

intenso, consistindo na “descolagem” dos segmentos mais oprimidos, dos grupos sociais

situados na base da sociedade e na ascensão dos mais fortes, situados no topo da pirâmide

social.

A participante Rosiane aponta que diante das dificuldades também recorre aos

familiares e amigos, pois sempre estão unidos e a apoiam. Ela apresentou uma série de

fotografias com seus familiares (lado materno e paterno), tendo em vista que tem uma ótima

relação com todos e um contato constante com os mesmos. Disse que sua família é unida, fato

que pude confirmar durante as filmagens, ao evidenciar ainda que os familiares, além do

afeto, sempre se fazem presentes em sua vida.

Sobre o contato com os familiares, Rosiane enfatiza que isso sempre acontece aos

finais de semana, e que há uma relação de cumplicidade muito forte entre eles, por meio dos

momentos de descontração e carinho e por estarem sempre juntos. Em um dos momentos de

interação com seus familiares, todos participavam de um churrasco organizado pelo tio. Ao

ser questionada sobre os motivos que impedem muitas vezes que outras famílias possam se

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reunir frequentemente, ela apresentou novamente os mesmos argumentos ilustrados na

categoria analítica anterior, ou seja que as questões financeiras são impeditivas de tal, todavia

manteve ainda um posicionamento reducionista. Para ela, se as pessoas souberem dividir

melhor seu dinheiro, as mesmas poderão ter momentos de interação. Em nenhum momento,

Rosiane parece ter clareza da lógica de exploração à qual milhares de trabalhadores são

submetidos diariamente dentro do sistema capitalista, sendo que o montante financeiro

recebido no fim do mês muitas vezes não contempla as necessidades básicas da família. Isso

para os que têm um posto de trabalho.

Rosiane valoriza muito os amigos que tem e os considera tudo em sua vida, tendo em

vista que eles sabem de seus gostos e conta tudo o que acontece consigo a eles. Chegou a

mencionar, diante de um trecho da filmagem em que está interagindo com seus amigos

durante o período da noite, na rua, que é algo que faz todos os dias, e que é com essas pessoas

que costuma se divertir. A maioria das amizades que possui, estão para além dos muros da

escola, pois vive em um bairro longínquo, o qual destacou gostar de viver, justamente pelas

amizades que lá possui.

A participante Renata tem uma história de vida um tanto impactante, diante do

histórico que a levou a ser adotada por um casal de tios que vivem em situação de pobreza.

Conforme suas palavras:

Meu pai morreu e minha mãe não tinha condições de cuidar de mim. Então,

eu teria que morar com uma família adotiva, foi perguntado para todos os

parentes, mas nenhum deles quis ficar comigo. Então, eles foram os únicos

que sobraram por parte do meu tio que mora com ela, então só sobraram eles

para poderem me criar e com sete anos eu fui para lá (RENATA,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ao tirar uma foto da fachada da casa, fez referência a algo bom que aconteceu em sua

vida, por ser o local onde foi morar depois de sua adoção, após viver um curto período de

tempo em um abrigo de crianças e adolescentes na cidade de Presidente Prudente-SP. Na foto

tirada da irmã sanguínea, por parte de mãe, apontou que a ama muito e que a mesma é o

“anjinho espoleta” da casa, e relatou que ela teve uma vida mais sofrida que a sua, pelo fato

de não ter tido a oportunidade de conhecer seu pai. Renata mencionou que a irmã considera os

tios que a adotaram como se fossem os seus pais, diferente dela, que os vê apenas como tios.

Assim, quando era criancinha, ela morava junto com a minha mãe. Mas,

minha mãe não cuidava muito dela e teve um dia que, ela era bem

pequenininha, tinha meses ainda, ela estava andando no quintal da casa e um

tanque de cimento caiu em cima dela, daí ela ficou enfaixada da cabeça aos

pés, por isso que eu falo que ela é espoleta. Ela quebrou a bacia, o fêmur, as

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duas pernas [...] quebrou tudo. Nisso o juiz a tomou da minha mãe e a levou

para o LAR (abrigo). Nisso, minha tia tomou a iniciativa e viu que eu queria

ter a minha irmã perto de mim e a adotou. Só que chegando em casa, a

espoleta quebrou o braço. Então, assim, o mesmo tanto que eu sofri ela

sofreu também, só que o pai dela não a assumiu, e para ela o pai e a mãe dela

são os pais adotivos. Agora eu não, como cheguei em casa com sete anos, a

minha consideração é como tio e tia e não como pai e mãe, já ela os vê como

pai e mãe, como se tivesse nascido da minha tia (RENATA,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Chamou atenção o quanto a mesma mencionou a importância do sentimento amor, ao

apresentar a foto de um bebê recém-nascido, da filha da tia que a adotou e que mora nos

fundos de sua casa.

É uma criança que todos nós estávamos esperando em casa. Ela é uma

criança muito amada, [...] muito amada mesmo (RENATA,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ela apontou não ter muitas amizades na escola, pois se considera uma garota fechada,

sendo que tem apenas duas amigas que residem em seu bairro. Uma das amigas está em sua

classe (foram separadas na montagem de turmas para o Ensino Médio). Em sua fala é nítido o

reflexo das constantes perseguições que sofre por parte dos colegas de classe e escola.

Todavia, diz não saber os motivos que geram tal situação. No decorrer da pesquisa, pude

perceber que na turma em que estuda, há alunos com melhores condições econômicas que a

sua, fato que parece ter implicações no processo de não aceitação de sua pessoa, aliado ao

aspecto de ser fechada.

Ah eu não sou de fazer muita amizade, eu não converso muito, sou bastante

fechada e assim em termos de qualidade de fazer amizade fácil, eu não

consigo, sou bastante fechada, tenho poucos colegas. Aqui é raro (RENATA,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ao falar sobre as duas amigas ressalta que tem muito afeto e carinho por elas e que tal

tipo de relacionamentos com outras pessoas é muito importante. Comentou ainda que as

amigas são muito carinhosas e que gosta muito delas. Nos momentos de dificuldade conta

com a ajuda delas e do namorado. Ao fazer referência à necessidade das pessoas terem

amigos, ela pontuou que antigamente não tinha e que vivia isolada, e que as pessoas deveriam

procurar de toda forma construir amizades, para que possam ter alguém com quem se abrir e

dialogar, em especial nos momentos de necessidades.

[...] antigamente, por exemplo, se eu fosse sair para algum lugar eu não tinha

amigos para ir junto, não tinha amigos para conversar, divertir e aprontar. A

gente sai e faz de tudo [...] é muito bom você ter uma pessoa para se abrir e

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contar seus problemas, principalmente para um amigo. Porque nenhuma

pessoa consegue ficar sozinha, deve sempre haver alguém para se conversar

e se abrir (RENATA, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-

2012).

Ficou evidente, na vida dos seis participantes, o quanto suas famílias e amigos,

funcionam como redes mediadoras de apoio e proteção. Todos têm boa relação familiar, e

embora as amizades não sejam quantitativamente elevadas, percebe-se a qualidade dessas

relações. É condição essencial da sociabilidade humana o contato com o outro.

Torna-se imperioso ressaltar que esses processos de sociabilidade os vêm conduzindo

a formação de suas personalidades, tendo em vista que as redes mediadoras de proteção são

também expressões das condições e contradições postas pelas circunstâncias objetivas de

vida. Por se constituírem no sistema capitalista, são permeadas também por processos de

alienação, que nem sempre dão conta da totalidade dos motivos e ações presentes na atividade

humana. Assim, contraditoriamente, por mais que cumpram papel essencial, conforme os

relatos das possíveis vítimas de bullying escolar, participantes dessa pesquisa, ao auxiliá-los

frente o enfrentamento da condição que se encontram/encontravam, por meio dos processos

de “resiliência em-si”, não há como desconsiderar que os participantes continuam “adaptados

à realidade social”.

Apesar disso, não há como negar, a partir de Leontiev (1983) e Vigotski (2001), a

necessidade e importância das relações sociais, no processo de desenvolvimento do humano.

Seja diante da menor ou maior dificuldade, do que uma criança ou adolescente possa fazer

sozinho ou em colaboração, com a ajuda de alguém, tais aspectos reforçam a dinâmica do

desenvolvimento e coincidem plenamente com o conceito de zona de desenvolvimento

próximo, apresentado no primeiro capítulo desta tese.

Entretanto, conforme Hespanha (2002), a atualidade por meio das ideologias

dominantes, em especial nos países mais ricos, vem reforçando o processo de

individualização, na busca em se ter cada vez mais uma “vida própria”. As pessoas são

levadas a aceitar, a acreditar e agirem como se fossem as responsáveis por todos os seus

próprios problemas.

O facto é que a individualização está a conduzir a uma despolitização da política, no

duplo sentido de que predomina uma mobilização partidária dos cidadãos que é cega

e independente das preferências destes e de que é reduzido o número de actores

colectivos politicamente activos e reduzida também a sua homogeneidade interna

(HESPANHA, 2002, p. 27).

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Dessa forma, trago alguns elementos do conceito de gênero humano, a partir do qual,

Duarte (1999) reafirma que os resultados decorrentes do processo de humanização histórico-

social, não são cumulativos e sequer são transmitidos pela herança genética. A formação do

indivíduo é tida como parte do processo histórico de objetivação do gênero humano, no qual

há uma relação imbricada entre a singularidade social do indivíduo junto ao gênero humano.

Não se pode perder de vista que na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, os

elementos sociais vão constituir a individualidade de cada ser humano e revelarão assim, a

personalidade de cada indivíduo. Contudo, o indivíduo nunca se relaciona imediatamente com

o gênero humano, havendo uma relação mediatizada, por parte do indivíduo, frente a

circunstâncias históricas, sociais e culturais na realidade em que o mesmo se encontra inserido

(DUARTE, 1999; LEONTIEV, 1983).

Perante tais esclarecimentos, penso eu que a educação escolar, por meio de um

trabalho educativo revolucionário, pode ser um espaço de apoio e proteção aos estudantes,

mediante as imposições ideológicas do capitalismo, que se fazem presentes nos mais variados

espaços de socialização humana. A escola deve ser entendida como um espaço intencional,

que ao utilizar-se do conhecimento científico, e ao desenvolver o trabalho educativo pode

auxiliá-los a desenvolverem uma maior consciência da realidade, para que se possa superar o

processo formativo em-si e auxiliar no processo de construção da individualidade para-si dos

sujeitos. A educação escolar pode possibilitar que a sua “comunidade” como um todo,

mantenha uma relação consciente com o gênero humano e se emancipe frente às dificuldades

geradas pela sociedade capitalista.

De acordo com Oliveira (1996, p.19) os entraves para que tal processo se efetive estão

assentados na alienação que perpassa as relações sociais de produção. Porém, “é preciso

compreender como essa forma contraditória de desenvolvimento do gênero humano gera, ao

mesmo tempo em que a reprodução dessas relações de alienação e exploração do homem pelo

homem, as próprias condições de sua superação”. Ou seja, a educação escolar pode auxiliar os

seus agentes a buscarem o conhecimento dessas tendências e possibilidades, afim de que eles

se percebam como “indivíduos transformadores”, ainda que dentro das relações sociais

alienadas.

Ao pensar a escola como escola-comunidade Viotto Filho (2005) afirma que é

importante valorizar a relação indivíduo-comunidade e superar a relação indivíduo-grupo,

pois, conforme Heller (1977, 2000) a relação indivíduo-grupo é permeada por circunstâncias

imediatas. A relação indivíduo-comunidade mais significativa ocorre à medida que os sujeitos

se envolvam por inteiro nas relações, ou seja, a individualidade dos sujeitos encontra-se

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195

presente nas relações e possibilitam a construção do grupo, o qual se converte,

paulatinamente, em comunidade, sendo que cada sujeito tem a oportunidade de resgatar a

totalidade da sua individualidade (HELLER, 1977).

Esclarece a autora que “nem todo grupo, portanto, pode ser considerado como uma

comunidade, embora qualquer grupo possa chegar a ser comunidade [...]” (HELLER, 2000,

p.66). A partir disso é possível pensar na escola atual e no quanto ela poderá vir-a-ser uma

escola-comunidade, pensada e organizada pelos próprios sujeitos dela participantes; uma

organização que supere, pela ação coletiva, livre e democrática, a instituição escolar

tradicional, que se configura eminentemente pela existência de meros grupos circunstanciais,

não comunidade.

4.3.1 Escola como um local de apoio e proteção

Prosseguindo, abordo sobre o papel da escola, como um espaço de proteção na vida

dos adolescentes expostos ao bullying escolar e apresento alguns exemplos de práticas que

podem favorecer a mediação do conhecimento científico-humano e a emancipação dos

mesmos, num projeto revolucionário que os auxilie na busca pela transformação social, bem

como no pleno desenvolvimento de suas personalidades. Em contrapartida, apresento também

alguns exemplos de práticas que distanciam a escola de sua função social mais ampla, ou seja,

a socialização do conhecimento humano. Num primeiro momento farei a descrição das

práticas e elementos que os participantes da pesquisa consideram como importantes em sua

trajetória escolar e posteriormente, na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, apresentarei

os elementos que dificultam o processo de humanização e o pleno desenvolvimento da

personalidade humana, os quais evidenciam o quanto as escolas através de modelos

autoritários, pouco ou nada auxiliam na formação da generecidade para-si.

Achilles menciona que sua escola é boa e que há professores que funcionam como

“pais”, ao estarem sempre explicando os conteúdos presentes no processo de ensino-

aprendizagem, de forma articulada com situações concretas e objetivas da vida.

Em uma das fotos, na qual o jovem apareceria ao lado de várias pessoas, ele disse que

a mesma simbolizava uma aula diferenciada de Física que estava tendo na escola, com os

estagiários da referida área. Ele destacou que gosta muito de Física, tendo em vista que o

professor explica bem. Um aspecto a destacar é que Achilles é um garoto que contesta muito

os professores com posturas autoritárias na escola, por isso ele sempre está sendo “marcado”

por alguns docentes. Entretanto, ele ponderou que o problema não está no professor “pegar no

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196

pé” do aluno para que o mesmo aprenda, mas antes disso o docente tem que oferecer boas

aulas, como exemplo, mencionou as aulas da professora de Matemática:

Dentro da escola ela é a professora que mais se impõe e que ensina

Matemática. Pega no pé heim! Não faz a lição para você ver, daí ela fala e

fala. Isso que é bom. Tem professor que ensina e tem professor que acha que

ensina, mas a gente acha que não (ACHILLES, PARTICIPANTE DA

PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Esse comentário evidencia a importância que o estudante dá aos profissionais que

medeiam o conhecimento humano, e que mostram o seu papel social perante aos alunos, ao

terem clareza sobre a função do seu componente curricular, além de apresentarem aulas

planejadas. Todavia, o mesmo fez um contraponto com uma situação em que foi suspenso, ao

mostrar um lado que muitas vezes se faz recorrente nas escolas, ou seja, as medidas

autoritárias, através das quais professores e gestores tentam se “impor” perante aqueles que

não se ajustam ao perfil de aluno “ideal”. Muitos professores têm a crença que os alunos

ideais não conversam, não se movimentam, não questionam e sempre concordam com tudo o

que for dito, bem como que os bons diretores são aqueles que em qualquer circunstância

apoiam os professores. Tal aspecto também vai se fazer presente na fala de Achilles.

A professora não deu o visto, eu fiz o trabalho de Biologia um dia antes.

Estava no finalzinho da aula, daí fui levar o trabalho para ela vistar, nisso ela

disse que na próxima aula faria isso. Beleza, quando cheguei à aula seguinte,

levei para ela vistar. Não. Mas professora, a senhora disse que iria dar meu

visto. Eu não vou te dar o visto. Falei tudo bem. Chegou ao fim da aula, fiz a

lição e faltava um minuto. Toma professora está aqui. O quê? Para você dar

o visto. Não vou vistar mais. Por quê? Ah porque acabou. Ah mas tem um

monte de pessoas acabando, sabe a senhora que “se foda”, não preciso disso.

Aí ela retrucou vai “foder” você, vou falar com a diretora para chamar sua

mãe. Quando cheguei para falar com a diretora ela chegou do meu lado,

quero a mãe desse aluno. Ah diretora, mas e o que ela fez? E você é santo?

Olhou para mim. Nossa é sempre assim cara, diretor só vai favorecer

professor. É a professora está certa, vou chamar sua mãe. Virei e falei, essa

escola é um inferno. Se é um inferno você não precisa vir amanhã porque

estará de suspensão. E me deu a suspensão (ACHILLES, PARTICIPANTE

DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Ele apontou ainda que os professores e gestores com posturas autoritárias sempre

serão perseguidos pelos alunos, pelo fato dos mesmos não os respeitarem, chegou a citar

como exemplo, o caso em que um grupo de estudantes que pegaram os extintores da escola e

o usaram para manchar o carro de uma gestora. Tais ocorrências, segundo Achilles, foram

desencadeadas por causa de uma “regra” que proibia o uso dos bonés. Embora ele se diga

contrário às medidas dos colegas de escola, sua indignação refere-se ao que vem sendo

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197

discutido por pesquisadores da área da Educação, ou seja, o fato das escolas se preocuparem

em ficar criando regras que pouco ou nada contribuem com o seu verdadeiro papel, ou seja, o

de trabalhar com o conhecimento humano produzido historicamente e que vem sendo

apropriado por poucos (ASBAHR, 2011; DUARTE, 2007, 2009; FACCI, TULESKI &

BARROCO, 2009).

Acho oportuno destacar a partir fala de Achilles, enquanto professor e pesquisador na

perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, a importância da escola como mediadora do

conhecimento humano, na visão da Pedagogia Histórico-Crítica (LOMBARDI & SAVIANI,

2008; OLIVEIRA, 1996; SAVIANI & DUARTE, 2012) ou da Escola-Comunidade (VIOTTO

FILHO, 2005). Ao condenar o fanatismo no futebol, presente em parcela expressiva da

população brasileira, o adolescente apresentou um posicionamento superficial, que evidencia

o quanto a escola não vem cumprindo com sua função social, de socialização do

conhecimento humano, nas perspectivas acima mencionadas. Como defendido em vários

momentos da tese, estou entendendo que a educação escolar, seja um importante espaço para

que os alunos adquiram consciência das relações que medeiam suas vidas, a fim de que lutem

pela transformação das relações sociais, bem como que alcancem o desenvolvimento livre e

universal de suas personalidades. Somente assim, eles poderão superar os processos

decorrentes da “resiliência em-si”, que marcam as possibilidades de um enfrentamento

limitado das adversidades, mediante o fato de que os indivíduos continuam inseridos nas

relações capitalistas de produção. Destarte, ilustro rapidamente um exemplo de intervenção

com o tema do futebol em aulas de Educação Física a partir de alguns estudos (BARBOSA,

1997; BRACHT, 1997; CARRANO, 2000; FRANCISCO, 2010b; TAFFAREL et al., 1993;

TAFFAREL & ESCOBAR, 2009) que têm como base as discussões presentes no

Materialismo Histórico-Dialético. Tal ilustração deve ser vista apenas como um exemplo,

sobretudo porque poderia ser apresentado a partir de qualquer área do conhecimento ou

conteúdo escolar/social, respeitando suas especificidades.

Muito mais do que apenas trabalhar com o “movimento pelo movimento”, com

vivências descontextualizadas, o professor deve proporcionar aos seus alunos oportunidades

para que:

- conheçam sobre a origem do futebol no contexto inglês no século XVII, período no qual a

Inglaterra liderava as relações econômicas mundiais;

- o objetivo de sua criação, ou seja, a ocupação dos momentos de ócio por parte da burguesia

inglesa, classe social responsável por tal;

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198

- evolução e como o mesmo passou a ser praticado pelos operários ingleses e como foi

difundido pela Inglaterra para o mundo;

- hipóteses sobre as respectivas entradas no Brasil (Colégio dos Jesuítas de Nova Friburgo-RJ

e Itu-SP que difundiam o futebol para que os futuros sacerdotes não tivessem tempo de pensar

em sexo, em especial, nos momentos que não estavam ocupados com as atividades religiosas;

ou por Charles Muller junto aos operários de uma companhia inglesa instalada as margens do

Rio Tietê na cidade de São Paulo, no início do século XX, e caso essa hipótese seja a verídica,

o futebol no Brasil, inicialmente foi praticado pelos pobres em oposição ao contexto inglês);

- preconceito contra os negros nas primeiras práticas oficiais da modalidade em nosso país;

- conquista das primeiras Copas do Mundo de Futebol;

- futebol como trunfo do período do Regime Militar, em especial após a conquista do

tricampeonato mundial de 1970 no México, quando o brasileiro pela primeira vez assistiu a

esse torneio;

- influência das mídias na produção do telespetáculo esportivo;

- vivências com a reflexão de que as técnicas e táticas aumentam a complexidade do jogo,

bem como o contato com as principais regras;

- vivências com discussões sobre as questões de gênero e a importância da participação de

meninos e meninas sem a preocupação com desempenhos físicos de alta performance;

- atividades de análise de jornais e noticiários esportivos para que os alunos percebam o

quanto o futebol vem sendo visibilizado em nosso país (produção de gráficos com o

percentual das modalidades esportivas difundidas nesses veículos de comunicação), bem

como do levantamento das áreas de lazer do município ou bairro, por meio de mapas do local,

para que eles vejam quais são os esportes contemplados nesses lugares, além da escassez de

áreas de lazer;

- debater sobre como reivindicar áreas de lazer;

Acredito que os aspectos mencionados são importantes para que os alunos

compreendam o futebol como um todo e que as vivências possam começar a ser

contextualizadas e ter um sentido mais amplo para os mesmos. Tal esporte é apenas um,

dentre várias manifestações da cultura corporal de movimento. Há que se destacar ainda que

tais aspectos podem favorecer com que os estudantes entendam sobre a manipulação feita

pelos programas esportivos, bem como a ênfase dada a determinadas modalidades, como um

meio de promover a espetacularização do esporte, atreladas a sua comercialização, além da

ausência de políticas públicas de valorização do esporte na comunidade local.

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De acordo com Barbosa (1997), Francisco (2010b), Taffarel et al., (1993) e Taffarel e

Escobar (2009) o conhecimento deve ser tratado desde sua gênese, ao contemplar a sua

historicidade. Tais aspectos visam favorecer que os alunos compreendam seu papel como

sujeitos históricos e que sejam capazes de interferirem nas atividades sociais organizadas em

uma sociedade que nunca foi estática e almejarem a superação das relações sociais, a fim de

alcançarem o pleno desenvolvimento da personalidade humana.

Bracht (1997) elucida que o movimento tem implicações sobre todas as dimensões do

ser humano. A consequência disso para a práxis pedagógica do professor de Educação Física é

que o mesmo deve objetivar muito mais do que a aptidão física, aprendizagem motora ou

destreza esportiva de seus alunos. Através do movimento que a criança realiza em qualquer

manifestação da cultura corporal de movimento, estão presentes determinados valores e normas

de comportamento apreendidos socialmente e culturalmente. Intervir sobre o mundo única e

exclusivamente por meio do paradigma biomecânico reduz as possibilidades de experiências

humanas, ao fazer com que as pessoas sejam consideradas “objetos”. É necessário superar os

discursos presentes no senso comum, reproduzidos na ação pedagógica de muitos professores,

como por exemplo, de que ao atuar sobre o físico se está automaticamente atuando sobre as

outras dimensões. A ação pedagógica, num processo revolucionário, por meio do

conhecimento científico sistematizado deve objetivar a formação de indivíduos autônomos e

conscientes sobre o seu papel frente ao modelo que se vive, e que também exerce influências

sobre as diferentes manifestações humanas presentes ao seu redor. Isso se aplica a todas as

áreas do conhecimento humano.

Leontiev (1983) e Martins (2011) vão elucidar que a consciência é o conhecimento

compartilhado, no sentido de que a consciência individual só poderá ser desenvolvida se

houver uma consciência da realidade social mediante o entendimento de que ela é resultado das

relações e mediações produzidas ao longo do desenvolvimento da humanidade. Conforme

Leontiev (1983) é importante diferenciar como se desenvolve a personalidade na atualidade e

como ela poderá ser desenvolvida numa “sociedade socialista”:

Este processo se efetua de maneira dramática nas condições postas pela sociedade

classista, com sua inevitável alienação e fragmentação da personalidade, com suas

alternativas entre o domínio e a subordinação. Segue-se que, naturalmente, as

circunstâncias concretas de vida imprimirão sua marca no desenvolvimento da

personalidade também na sociedade socialista. A destruição das condições objetivas

que impedem que o homem seja identificado em sua verdadeira essência, congrega

com o desenvolvimento multilateral e harmonioso de sua personalidade, algo que se

faz real pela primeira vez nesta perspectiva, ao não produzir de maneira mecânica a

reestruturação da personalidade. A mudança fundamental se dá num outro patamar,

surge assim um novo movimento; a luta da sociedade pela personalidade humana.

Quando dizemos: "Para o bem do homem, para o homem", não estamos expressando

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as necessidades de consumo, estamos nos referindo, naturalmente à personalidade,

embora que para isso, entende-se que o homem deverá ter se apropriado dos bens

materiais e espirituais (LEONTIEV, 1983, p.174-175, tradução minha).38

Ao refletir sobre sua escola, por meio das fotografias e filmagens a participante

Rosiane menciona que ela é muito boa, tendo em vista que alguns professores são muito bons

e sempre explicam os assuntos que ela tem dificuldades. Todavia, ao mencionar sobre a

importância da escola, a mesma cai na lógica do sistema capitalista ao defender que as

pessoas têm que estudar para trabalhar e ganhar dinheiro, como se a grande função social da

escola fosse a de preparar as pessoas para o mercado de trabalho.

Não vou me alongar aqui, pois, como já problematizado anteriormente, Asbahr (2011)

e Martins (2009) constataram que a educação, a serviço da burguesia e da manutenção das

relações sociais é reforçada, justamente, através de discursos, como por exemplo, que

relacionam a educação ao mercado de trabalho. Postula-se assim, que a escola deve oferecer

conhecimentos necessários para que os jovens possam adentrar ao mercado de trabalho com

qualificação necessária, para que o crescimento econômico das nações possa ocorrer

normalmente.

Rosiane comentou ainda que não se simpatiza por matemática, pois não consegue ver

a utilidade em muitas das coisas que aprende. Ela destaca um exemplo em que ilustra que nem

a professora tem clareza do por quê? Para quê? E a serviço do que e quem está ensinando

determinado assunto?

A gente mesmo estava comentando com a professora. Para que nós iremos

usar isso? Daí ela respondeu, ah são as coisas que o governo passa. Passaram

uma coisa tão sem noção que nem ela sabia resolver, daí ela fala que tem que

seguir as normas do governo (ROSIANE, PARTICIPANTE DA PESQUISA

DE CAMPO, 2011-2012).

E ao comentar sobre uma situação em que necessitava do apoio da direção frente às

perseguições de bullying escolar que estava sofrendo, ela destacou que o pessoal da direção

não agiu adequadamente. Tal aspecto evidencia conforme o que ela disse, que nem sempre as

38

Original: Este proceso se hace particularmente dramático en las condiciones de la sociedad clasista con sus

inevitables alienaciones y parcializaciones de la personalidad, con sus alternativas entre el domínio y la

subordinación. Se desprende, naturalmente, que las circunstancias concretas de vida imprimen su suello em el

curso del desarrollo de la personalidad también em la sociedaded socialista. La destrucción de las condiciones

objetivas que impedían que el hombre se identificara con su esencia real, que lograra el desarrollo multilateral y

armónico de su personalidad, hace real por primera vez esta perspectiva, pero no produce de manera automática

la reestructuración de la personalidad. El cambio fundamental se opera en otro ámbito, en el hecho de que surge

un nuevo movimiento; la lucha de la sociedad por la personalidad humana. Cuando decimos: "En aras del

hombre, para el hombre", no estamos expresando necesidades de consumo; nos refirimos naturalmente a la

personalidad, aunque para ello, por supuesto, se sobreentiende que el hombre debe estar colmado de bienes

materiales y espirituales

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decisões tomadas são as melhores. É importante deixar claro que esta tese não tem nenhuma

intenção de produzir críticas aos gestores das escolas de nosso país, até mesmo porque na

maioria dos casos suas ações e condutas são reflexo do modelo de formação que tiveram, o

que não os favorece a realizar uma intervenção consciente e balizada a partir de uma

concepção transformadora de mundo e educação. Aliado a isso, muitas vezes os gestores são

chamados a tomar decisões imediatas ou as tomam tentando apenas resolver os problemas

momentaneamente.

O menino havia começado me chamar de vareta de pau, disso e daquilo. Daí

eu fui até a direção e falei com a diretora, nisso ela pediu para que ele

subisse. Quando ele chegou lá ela falou, ou vocês pedem desculpas um para

o outro ou os dois vão ficar de suspensão. Ou seja, a culpa caiu em mim e

não nele. Nisso eu me senti muito mal, fui lá para não resolver nada

(ROSIANE, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Esse é mais um exemplo de intervenção que não atua na raiz do problema, ao passo

que o bullying escolar continuará sendo reproduzido na dinâmica escolar. Os estudantes por

sua vez, continuarão centrados no modelo de relações sociais que produzem o fenômeno, com

a impressão de que as coisas são assim, e que pouco há o que se fazer. Há apenas um

enfrentamento momentâneo. No atual modelo de escola, as práticas de violência, ao serem

influenciadas pelas relações objetivas, trazem à tona, a necessidade de se buscar a

transformação das relações sociais.

Assim como Rosiane, Elenita, em um dos momentos da filmagem, ao estar realizando

uma tarefa escolar em sua casa na companhia de uma amiga, questionou a utilidade de uma

disciplina do currículo escolar, Física, ao mencionar que a referida não tem nenhuma utilidade

em sua vida. Tais tarefas inclusive estavam sendo feitas por meio da cópia das resoluções dos

exercícios, por meio de um site que oferecia o gabarito. Em contrapartida, mencionou que

gosta das aulas de Química, pois o professor realiza experimentos e deixa a aula mais atrativa.

É importante frisar que intervenções como as produzidas na aula de Química são

importantes, mas apenas isso ainda não é suficiente ao meu entender, na perspectiva da Teoria

Histórico-Cultural, bem como diante das discussões presentes na Pedagogia Histórico-Crítica,

uma vez que a educação escolar precisa criar condições de apropriação dos conhecimentos

humano-genéricos tais como a ciência, a filosofia, as artes, a cultura corporal, as letras, a

política, a ética dentre outros conhecimentos essenciais ao processo de humanização dos

indivíduos na escola (DUARTE, 1999). Tais aspectos são inclusive concernentes ao modelo

de educação defendido na tese, ao passo que somente assim, os estudantes poderão realmente

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se emancipar frente à realidade vivida, concomitante ao processo de busca pela superação das

relações sociais e ao pleno desenvolvimento de suas personalidades.

Irineu também destacou gostar da escola que estuda e numa sequência de quatro fotos

apresentou uma professora que ele sempre admirou pela sua postura frente ao componente

curricular de Ciências; uma da diretora da escola, na tentativa de mostrar a necessidade dos

alunos se aproximarem da direção e professores; uma foto da professora de Língua

Portuguesa que simbolizava o quanto a aprendizagem e o conhecimento podem influenciar

em nosso futuro, e uma foto de um professor substituto, ao referenciar o seu

comprometimento com o processo de ensino-aprendizagem. Em suas palavras, Irineu defende

o papel da educação para os mais jovens poderem crescer e desenvolver melhor.

Ao enfatizar sobre o papel da escola, o mesmo defende a importância dessa

instituição, na conscientização das pessoas a partir dos interesses do povo e não dos interesses

da burguesia. Todavia, destaca que são poucos os professores que cumprem essa função nas

escolas.

Eu tenho minha opinião própria, por mais que eu não tenha muita noção do

que acontece eu sempre procuro me inteirar e estar perguntando para estar a

par das coisas que acontecem. Mas eu também tenho minha opinião e não

me deixo ser enganado como a maioria da população, que é enganada e acha

que está por cima ainda [...] Por meio da escola, as professoras alertam

bastante. É importante fazerem isso nas escolas, ou seja, se alertar sobre

política, porque é um assunto pouco falado. É importantíssimo os

professores estarem falando, não do ponto de vista do governo, mas do ponto

de vista da população (IRINEU, PARTICIPANTE DA PESQUISA DE

CAMPO, 2011-2012).

Prosseguindo, ele pontuou sobre as práticas na escola que considera importante, e que

favorecem os alunos a adquirirem mais criticidade, bem como as que são contrárias a esse

processo.

Olha as que fazem debates, pois é uma coisa que ajuda o aluno a ficar mais

crítico, e que ajuda o aluno pensar mais além [...] E os negativos são aqueles

professores que chegam desinteressados; atrasados; que faltam; que exigem,

mas não cumprem; que tratam os alunos com falta de educação (IRINEU,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Aqui, gostaria de fazer uma análise, no sentido de que o estudante apresenta um

posicionamento crítico ao conferir importância a educação, em especial, através da

intervenção docente frente aos interesses das camadas populares da população. De acordo

com Martins (2011), não se pode perder de vista a natureza concreta do homem, bem como a

natureza concreta da educação, caso contrário, as intervenções estarão limitadas a função de

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instruir e adaptar os indivíduos a resolver apenas as necessidades cotidianas. A natureza

histórico-social do homem apresenta a educação, com vistas a humanização, por meio do

desenvolvimento da práxis. A educação, indissociavelmente deve buscar a transformação do

indivíduo e da sociedade. A tarefa educativa pressupõe um projeto pedagógico atrelado a um

projeto político, pois ambos são concernentes a uma práxis transformadora.

Andréia gosta da escola que estuda, e disse gostar da cidade porque considera a

educação do município boa. Como já destacado na categoria anterior, a escola teve um papel

fundamental em sua vida ao estimular o gosto pela literatura, hábito que cultiva até hoje e que

é decisivo, para que ela anseie cursar a faculdade de Letras. Aliado a isso, a participante

ressaltou o papel de uma docente que “mudou a cara” da disciplina de Língua Portuguesa ao

estimular as práticas destacadas anteriormente. Por fim, Renata apontou gostar da escola que

estuda, disse que a instituição tem professores e funcionários comprometidos com as funções

desempenhadas.

Sobre os posicionamentos dos estudantes, mediante as práticas aqui apresentadas,

gostaria de salientar, a partir de Silva, Silva e Martins (2006) que reforçam que a educação

escolar institucionalizada, no sistema capitalista possui determinações classistas desde a sua

constituição. Entretanto, a mesma fornece também elementos para que se possa vislumbrar a

superação dessa condição que se encontra, como já elucidado diante da tese a ser defendida,

em outros momentos.

Portanto, para o desenvolvimento do indivíduo, é fundamental que a educação

escolar e, em última instância, o educador cumpra o papel de mediar a apropriação

dos saberes sistematizados, os quais surgem como respostas às necessidades

concretas enfrentadas pelos indivíduos em sua prática social no processo histórico.

E, se por um lado, tal mediação forma o indivíduo enquanto força de trabalho

necessária para a manutenção do sistema capitalista, por outro é também por meio

da aquisição desses saberes que se originam os elementos para que os indivíduos

atuem no meio social numa perspectiva de resistência ao que está posto (SILVA,

SILVA & MARTINS, 2006, p. 17).

Concernente a tais apontamentos, Silva e Martins (2008) ilustram que a instrução

escolar converte-se numa das mais importantes fontes para o desenvolvimento dos conceitos

científicos no indivíduo, em especial na infância e na adolescência, o que está atrelado ao seu

desenvolvimento mental e ao processo de construção da personalidade deles.

Para Martins (2004), o processo de tomada de consciência dos motivos presente nas

atividades, por meio de conceitos, conduzem ao controle exercido pela consciência sobre tais

atividades, de tal modo que colocam o indivíduo em relação com suas condições objetivas de

vida. Ao refletir a partir dos conceitos e significados que vai se apropriando, os indivíduos

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podem objetivá-los para além de sua existência individual, inclusive na luta pela superação do

atual modelo social.

Tais aspectos podem ser analisados a partir do estágio atual de desenvolvimento que

se encontram os participantes da tese, ao passo que por construírem suas personalidades a

partir do contato com as condições objetivas de vida, eles, se encontram impedidos de se

posicionarem efetivamente frente ao bullying escolar experienciado, por meio da “resiliência

em-si” frente a tal adversidade, até mesmo porque estão condicionados a se adaptarem ao

contexto social. Daí a importância da educação escolar articulada a um projeto político-

pedagógico revolucionário, a fim de superar essa condição que se encontram.

É importante enfatizar que o projeto político-pedagógico (PPP) de uma escola, pode se

converter no documento capaz de explicitar as intencionalidades do coletivo. Todavia, faz-se

necessário apontar que não é qualquer PPP que estará a serviço dos interesses das classes

sociais menos favorecidas, pois o mesmo pode cumprir um caráter inovador regulatório ou

emancipatório.

Veiga (2003) pontua que um PPP com caráter inovador regulatório é visto por seus

responsáveis como um produto pronto e acabado, deixando de lado o processo de produção

coletiva. Assim, as escolas utilizam-se de um modelo centralizado e elegem um professor ou

um gestor para elaborá-lo, quando o fazem; caso contrário, pegam um modelo de anos

anteriores da escola ou de outra escola e apenas o reformulam, em termos de alguns aspectos

de caráter técnico. Nessa visão, o PPP reflete uma concepção apolítica, técnica e estéril de

educação, fruto das reformas políticas, implementadas nas últimas décadas, na área

educacional do Brasil. Por vez, um PPP com caráter inovador emancipatório se mostra

comprometido com as múltiplas necessidades sociais e culturais da população, as perguntas

“Por quê? Para quê? Como? O que ansiamos?” ganham visibilidade na busca pela ruptura

com o status quo e na luta contra as formas instituídas e mecanismos de controle e poder. O

contexto local passa a ser entendido como um espaço histórico e social, e todos os envolvidos

na esfera escolar são parte do processo de sua elaboração, por meio do engajamento coletivo.

Se houver intenção a se contrapor à concepção burguesa de educação, por meio de

uma concepção histórico-cultural de educação, os agentes escolares, bem como a sociedade

devem iniciar por meio de sua negação (SAVIANI, 2008). A classe dominante não tem

interesse na transformação histórica da escola pública, diria que nunca teve. A mobilização

deve partir no seio da classe trabalhadora, seja por meio dos movimentos sociais, das

associações e grupos para se estudar e partilhar os conhecimentos adquiridos nas diferentes

esferas de atuação, ou seja, nas escolas, universidades e empresas, a fim de não se deixar

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morrer a utopia da transformação social, que poderá auxiliar os indivíduos no pleno

desenvolvimento de suas personalidades.

Lembrando a afirmação de Paro (2000, p.19), parece haver poucas possibilidades do

Estado se esforçar para a concretização do processo de democratização do saber,

especialmente nas escolas públicas, sem que isso seja compelido pela sociedade civil e no

âmbito da unidade escolar, fato que implica a organização coletiva dos indivíduos na busca de

uma escola pública de qualidade. O autor destaca ainda a importância da participação da

população na escola, pois são os sujeitos que dela necessitam que devem se manifestar, pois

ao se considerar o fato de que a escola no Brasil é uma instituição estatal e considerando o

pleno desinteresse do Estado em resolver os problemas da própria escola, ganha importância

decisiva a consideração das potencialidades da população que dela necessita na busca e

construção de estratégias coletivas que visem contemplar a participação popular.

Conforme Viotto Filho (2005), a construção de grupos no interior das escolas, grupos-

comunidade em que os sujeitos sociais (professores, alunos, pais e familiares, dentre outros

representantes da sociedade civil) possam participar de forma livre, consciente e autônoma na

construção de uma escola que se concretize como uma escola-comunidade se faz urgente.

4.4 Projetos de vida e a busca pela formação universal da personalidade humana

No presente eixo analiso alguns dos posicionamentos dos participantes da pesquisa, no

que tange ao seu futuro, diante do ensejo de superarem a condição socioeconômica que se

encontram, sobretudo porque tal situação exerce influência decisiva nas condições objetivas

de vida dos participantes, bem como limitam o desenvolvimento máximo de suas

possibilidades enquanto gênero humano. Assim, farei a problematização desses apontamentos

por meio do conceito de ‘indivíduo para-si’ apresentado por Duarte (1999, 2007), tendo em

vista que a formação que concerne a tal, aporta uma relação consciente com o gênero humano.

Para que essa relação possa se efetivar, a escola passa a ser vista como um espaço contra-

hegemônico de formação da consciência crítica dos alunos, a fim de desenvolver a superação

das relações sociais, bem como o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Nesse

processo a lógica dialética superará por incorporação a lógica formal, que ainda se faz

presente na atualidade. Por conseguinte, o bullying escolar e a “resiliência em-si” serão

transformados também.

Todos os participantes apresentaram ter algum projeto de futuro para suas vidas,

aliado a importância da escola em sua concretização. Elenita tem o objetivo de ser uma

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empresária e acredita que será capaz de realizar tal objetivo, mesmo que alguma dificuldade

apareça pelo caminho. Acredita que os estudos possibilitarão encontrar um bom emprego,

além de aprender aquilo que não sabe. Irineu tem expectativas futuras de cursar uma

faculdade de Direito. Por ser extremamente religioso, crê que as dificuldades que surgirem

tais como, a questão financeira, que pode ser um entrave, não deverão ser motivo de

preocupação, pois Deus sempre proverá algo bom em sua vida. Ao enfatizar o papel da

escola, em uma das fotografias tiradas junto com uma professora (Foto 02), ele disse ter

tentado representar a importância do conhecimento, dizendo não ser apenas o conhecimento

oriundo das matérias escolares, mas sim um conhecimento geral que favorece o aprendizado

das dimensões presentes em nossa vida. Todavia, em outros momentos da pesquisa, apontou

que o conhecimento adquirido nas escolas influenciará o futuro das pessoas, bem como na

profissão e salário.

Foto 02 – Pesquisa de Campo 2011-2012.

Andréia anseia ser uma professora da área de Língua Portuguesa e diz ter descoberto

sua paixão pela área, através do contato com a literatura, sendo que a igreja teve um papel

inicial nesse processo, ao propor a leitura da bíblia constantemente, além do contato posterior

com as aulas de uma professora de Língua Portuguesa, que “mudou a cara” do componente

curricular, ao fazer com que as leituras se tornassem algo prazeroso. Vale ressaltar que a

participante sempre teve contato com bibliotecas nas escolas que estudou. Na escola atual a

sala de leitura é uma exceção, em termos de acervo, organização dos livros e atendimento

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207

prestado pelos funcionários, se comparado a outras escolas da rede estadual, que muitas

vezes, colocam como responsáveis pelo espaço, professores e funcionários readaptados sem

nenhum preparo para tal. Diante das dificuldades que espera encontrar, Andréia acredita que a

solução estará presente em sua dedicação.

Rosiane pretende cursar Psicologia e sente-se capaz de realizar tal. Sobre as

dificuldades futuras para que tal feito se concretize, a mesma aponta que estarão relacionadas

à necessidade de maior dedicação nos estudos.

Renata sonha em terminar os estudos e depois cursar a faculdade de Educação Física,

ela mencionou que se sente capaz de realizar tal objetivo frente a tudo que já passou em sua

vida, ao se referir a morte do pai, a separação da mãe e o processo de adoção.

Por fim, Achilles tem expectativas de estudar e ingressar na carreira médica e acredita

que atingirá esse sonho. Ele disse que deverá ser mais dedicado aos estudos, apesar de tirar

boas notas na escola. Sobre o papel da escola, o mesmo teceu várias críticas ao longo das

diferentes etapas da pesquisa, entretanto, ressaltou a importância desse espaço e que as

pessoas não podem viver sem o contato com as escolas.

Mesmo do jeito que está, tudo que você ainda aprende é na escola. Depois

como que você fará uma faculdade se for um analfabeto na vida? Eu acho

que o ensino pode melhorar demais aqui no Brasil. Há alunos na minha

turma que você pergunta, o que vai querer fazer de faculdade? Ah sei lá!

Mas e se você reprovar de ano? Ah não estou nem aí! As notas estão todas

vermelhas e sequer estão ligando, só querem ficar de boa. [...] Eu acho que

tem que mudar sim, mas ninguém consegue viver sem. (ACHILLES,

PARTICIPANTE DA PESQUISA DE CAMPO, 2011-2012).

Por mais que em sua fala esteja presente um discurso de valorização sobre o papel que

a escola desempenha no processo de aprendizagem, há também um posicionamento distorcido

sobre a injeção de dinheiro governamental nas escolas, ao acreditar que o mesmo distribui a

mesma quantidade de recursos entre escolas públicas e privadas, sendo que chegou a destacar

as escolas do setor privado como mais bonitas e melhor administradas. Tal posicionamento

conduz a desvalorização do público em detrimento da iniciativa privada, algo que ganha cada

vez mais o status de arma da burguesia, na ótica neoliberal, e que vem promovendo

privatizações na esfera pública.

Frente aos posicionamentos dos estudantes, outro aspecto que merece ser analisado

cuidadosamente e que se faz presente na fala dos mesmos, é o discurso de responsabilização

exclusiva de cada indivíduo, individualmente e isoladamente, pelo êxito no futuro e sucesso

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na vida profissional. Tal premissa desconsidera a influência dos aspectos sociais, econômicos

e políticos. Algo também fortemente difundido no modo capitalista de viver.

Dessa maneira, evidencia-se que os participantes apresentam personalidades que os

conduzem a acreditar em seu potencial e a estabelecer projetos futuros de vida, perante os

percalços oriundos do sistema capitalista. A personalidade, no contexto da tese conforme

Martins (2001, 2004, 2011), vem sendo entendida como o resultado das relações sociais

vivenciadas pelo indivíduo na interação com os outros e com o mundo. Ela é a síntese da

humanidade/totalidade histórico-social, que conduz ao plano da pessoa, do indivíduo social

real que faz, pensa e sente.

Contudo, as personalidades dos participantes, ao serem entendidas como expressões

do processo de apropriação das objetivações produzidas pelo gênero humano frente a

condições e contradições postas pelas circunstâncias objetivas de vida, não alcançaram o seu

pleno desenvolvimento. Sobretudo, porque no atual modelo de sociedade eles se prendem

ainda a concepções idealistas e fragmentárias.

Agrava-se a isso o fato de que, por mais que tais adolescentes tenham projetos futuros

ou enfrentem adversidades que ao serem carregadas de valores culturais, e ao estarem

submetidas ao desenvolvimento histórico do capitalismo, tais como o bullying escolar, por

meio dos processos de “resiliência em-si”, esses indivíduos estarão fadados a não se

emanciparem frente às relações sociais. Embora, deva reconhecer que o “bullying escolar” e a

“resiliência em-si”, no contexto desta tese foram reconfigurados, ao ganharem outra

concepção, diferente da usual, que não possibilita um olhar articulado com as questões sociais

mais amplas. O bullying escolar, por esse prisma, deixa de ser visto como a relação imediata

entre agressores e vítimas, frente a sua roupagem biologicista, para ser entendido como um

produto das relações capitalistas de produção; expresso nas manifestações de perseguição e

intimidação daqueles que não se ajustam aos padrões culturais de corpo, modos de ser e agir

criados e difundidos pela burguesia e a serviço da manutenção das relações sociais. Sua

superação se dará por incorporação e em outra dinâmica social deixará de existir.

Sobre a resiliência, Mondini (2011) a concebe na perspectiva do Materialismo

Histórico Dialético, como uma construção social, mediada por mecanismos de risco e

proteção. Sendo que tais mecanismos se farão presentes de maneira dialética durante toda a

vida dos indivíduos, e estarão relacionados às condições experienciadas na sua realidade

concreta.

A partir das proposições da estudiosa, que avançam em relação às concepções que

enxergavam o conceito de maneira abstrata ao não lhe conferir materialidade, faço a defesa de

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que o conceito seja denominado de “resiliência em-si”. Estou entendendo por “resiliência em-

si”, o processo de enfrentamento das adversidades vivenciadas por um indivíduo, mas que não

oportuniza ainda o estabelecimento de relações conscientes com as formas que produzem sua

vida, o que impede o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Tais argumentos

reforçam que a “resiliência em-si” está um degrau abaixo da emancipação e deverá ser

superada por incorporação. Por conseguinte, a emancipação só será possível por meio de um

processo de tomada de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais, o

que reforça a importância que a educação escolar pode ter em tal processo.

Viotto Filho (2012) ressalta que o grande imbróglio de discursos, como os feitos pelos

participantes da pesquisa é que os mesmos vêm ganhando respaldo científico no decorrer da

história, perante algumas abordagens em Psicologia Escolar, tais como, a abordagem

organicista, a abordagem psicométrica, a abordagem clínica e a abordagem da modificação do

comportamento. Assim, há implicações diretamente relacionadas à vida escolar e extraescolar

dos indivíduos, pois ganham força os processos de culpabilização e responsabilização do

indivíduo pelas suas dificuldades e fracassos, sejam os presentes na esfera escolar ou em

outros ambientes de relacionamentos sociais, ao emitir “vereditos da incompetência”.

Há que se destacar a importância de se ter projetos de vida frente às dificuldades

presenciadas na vida cotidiana. Todavia, isso não pode representar somente a superação

momentânea de tais dificuldades e os indivíduos continuarem centrados nos processos de

relações instauradas historicamente pelo capitalismo. Como destacado anteriormente, a única

via para deixar de ser capitalista é a revolução social, o que não é um problema que possa ser

resolvido antes de se começar a trabalhar com as crianças e adolescentes nas escolas ou em

outros espaços educativos, no desenvolvimento de suas consciências, a fim que possam

atingir o desenvolvimento pleno e/ou universal da personalidade humana.

Ainda faço questão de problematizar que ter projetos de vida, não pode ser entendido

como um elemento exclusivo, para se dizer que alguém possa ter superado as adversidades

vividas, como por exemplo, diante das situações de bullying escolar. Embora seja importante

valorizar a autoestima representada por tais projetos, em consonância com o todo, e como

parte constitutiva da formação social da personalidade de cada um dos adolescentes.

Personalidades essas que vêm sendo construídas através da materialidade presente na vida de

cada um, por meio do processo de apropriação das objetivações materiais, culturais e

intelectuais produzidas socialmente, além da articulação entre as dimensões interpessoais e

suportes da comunidade onde vivem e que os conduziram ao desenvolvimento da “resiliência

em-si”.

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Diante de tal situação, destaco a partir de Duarte (1999) a importância da esfera

escolar, na tentativa de promover a consciência social das crianças e adolescentes que

frequentam tais espaços, a fim de que os mesmos evitem posicionamentos, atitudes e valores

que estejam em consonância com as relações capitalistas de se viver. Como abordado na tese,

em vários momentos, as relações capitalistas têm implicações terríveis no processo de

humanização do gênero humano, fazendo com que as pessoas permaneçam no nível de

desenvolvimento em-si, distantes da individualidade para-si.

O capitalismo rompeu essa fusão natural através da transformação dos indivíduos

em indivíduos abstratamente universais, na medida em que essa universalidade

assume, no capitalismo, a forma da universalidade do valor de troca, da mercadoria.

[...] Considerando que a máxima realização possível, ainda sob as relações sociais de

dominação, da formação da individualidade verdadeiramente livre e universal, é

uma condição sine qua non para a própria superação coletiva da sociedade

capitalista [...] (DUARTE, 1999, p.200).

Destarte, reforço mais a atualidade das proposições assentadas no Materialismo

Histórico-Dialético e na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, enquanto instrumento de

formação política e de conscientização, tanto de nós pesquisadores e professores, como dos

alunos que tiverem a oportunidade de “olhar” a vida pelo prisma das contradições que se

estabeleceram historicamente nas relações sociais.

4.5. Estudo biográfico sobre a formação da personalidade de uma das participantes da

pesquisa

Nesse tópico discutirei sobre o processo de formação da personalidade da participante

Renata, tendo em vista que por meio da análise de sua história de vida, será possível articular

os elementos pertinentes à tese: os temas do “bullying escolar e da resiliência em-si”; o objeto

de estudo, ou seja, a construção social da personalidade frente ao bullying escolar e aos

processos de “resiliência em-si”; o referencial da Teoria Histórico-Cultural, de base

Materialista Histórico Dialética; bem como a identificação de concepções idealistas e

fragmentadas que impedem o desenvolvimento da personalidade e a serem superadas pela

educação escolar.

Assim será visível a identificação dos elementos apontados por Martins (2001) sobre a

construção da personalidade na perspectiva da Teoria Histórico Cultural, processo ao qual ela

denominou em sua tese de personalização. De acordo com a autora, o conceito de

personalização foi apresentado como o processo de busca e compreensão “nos marcos do

Materialismo Histórico Dialético dos elementos constituintes da formação da personalidade

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do professor, naquilo em que a riqueza (ou empobrecimento) deste processo se põe em

relação ao seu fazer pedagógico” (MARTINS, 2001, p.09).

Baseando-me em Martins (2001), focarei: a) nos dados biográficos que configuram a

história de vida de Renata; b) na análise de sua história de vida; c) e no processo de

constituição de sua personalidade frente aos paradigmas da singularidade à universalidade.

A participante Renata foi exposta a grandes mecanismos mediadores de risco, em seu

processo de desenvolvimento, desde sua infância. Os mecanismos mediadores de risco são os

acontecimentos e adversidades que provocam danos ao desenvolvimento físico e psíquico do

indivíduo. Por vez, os mecanismos mediadores de apoio e proteção (família, relações

interpessoais, relações comunitárias, espaços etc.) ajudam no fortalecimento da autoestima,

daqueles que passaram por alguma adversidade significativa em suas vidas.

Na relação dialética dos mecanismos mediadores de risco, em consonância com os

mecanismos mediadores de proteção, bem como pelo processo de apropriação de algumas

objetivações materiais, culturais e intelectuais produzidas socialmente, que inclusive

orientaram no processo de formação da personalidade de Renata, ela vem se posicionando

frente a algumas das adversidades sofridas. O bullying escolar experienciado, a partir da

perseguição constante e repetitiva por parte de seus colegas, em função de sua condição

econômica (ser pobre), vem sendo superado por meio do processo de “resiliência em-si”.

Vale apontar que os demais participantes da pesquisa também vêm se posicionando

sobre o bullying escolar experienciado, por meio da “resiliência em-si”. Eles são perseguidos

em função de adotarem determinadas crenças religiosas; por não se adequarem aos

estereótipos físico-corporais ditados pela mídia e meios de comunicação; ou ainda, por serem

excessivamente aplicados nas atividades escolares. Todavia, no presente tópico focarei apenas

em Renata.

4.5.1 Dados Biográficos que configuram a história de vida de Renata

Renata tem 14 anos de idade e estuda no 1º ano do Ensino Médio em uma escola

pública de Presidente Prudente-SP. Apresentarei sua biografia, a partir de seis grandes temas

que expressam diferentes momentos em sua vida: Infância; Adoção; Estudos/Escola; Relações

interpessoais e amizades; Oposição entre os diferentes momentos que apresenta consciência

crítica X consciência alienada e Autoconceito. Vale apontar que a opção em apresentar

primeiro, os trechos das entrevistas de Renata para compor sua biografia, dá-se diante do fato

de estar baseando-me nos mesmos princípios usados por Martins (2001). Ou seja, a partir da

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análise dos trechos transcritos e analisados emergiram os temas que darão conta de explicitar

a vida da participante, frente aos pressupostos de que: 1- o trabalho tem papel central no

desenvolvimento humano; 2- o caráter material da existência humana influencia as formas de

organização social e de produção de sua vida; 3- há que se considerar o caráter histórico do

desenvolvimento humano frente às contradições do mundo, dos homens e de suas relações.

4.5.1.1 Tema Infância

A participante Renata, na entrevista inicial e na que versava sobre as fotografias,

mencionou brevemente sobre sua infância, todavia não ofereceu muitas respostas sobre esse

período de sua vida, e por mais que eu tentasse gerar novas questões, seus comentários eram

sempre gerais, ao expressar certa resistência ao falar sobre o referido momento. De qualquer

forma, até os seis anos de idade ela vivia com os pais biológicos, porém, após a morte do pai,

foi encaminhada para o processo de adoção, tendo em vista que a mãe não “tinha condições”

de cuidar dela e dos demais irmãos.

“Meu pai morreu e minha mãe não tinha condições de cuidar de mim. Então, eu teria

que morar com uma família adotiva, foi perguntado para todos os parentes, mas nenhum deles

quis ficar comigo. Então, eles foram os únicos que sobraram por parte do meu tio que mora

com ela (tia), então só sobraram eles para poderem me criar e com sete anos eu fui para lá”.

O processo de perda do poder familiar de sua mãe (guarda dos filhos), por meio de

uma intervenção judicial, fez com que Renata e seus irmãos fossem separados e

encaminhados para a fila de adoção.

Outro aspecto é que em sua fala fica expressa certa valorização do sentimento amor,

como essencial no desenvolvimento de uma criança durante a infância.

“A foto que mais gostei foi a do meu sobrinho. Na verdade ele mora com a minha irmã

(filha biológica da tia que a adotou), no fundo da minha casa”.

“É uma criança que todos nós estávamos esperando em casa. Ela é uma criança muito

amada lá em casa, muito amada mesmo”.

4.5.1.2 Tema: Adoção

Outro tema que mobilizou significativamente a biografia refere-se ao processo

posterior à adoção vivenciado por Renata.

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“Na verdade eu moro com os meus tios. Meu pai morreu quando eu tinha de seis para

sete anos, e minha mãe não teve condições de me criar, daí eu fui morar com meus tios, era a

única opção”.

Renata apresenta uma gratidão muito grande a figura dos tios, pois além de a

adotarem, posteriormente, também adotaram sua irmã caçula, fruto de outro relacionamento

da mãe.

“Gosto de morar com eles”.

“[...] Na verdade ela nasceu depois que eu vim para cá. E depois começaram também,

a justiça, a falar que minha mãe não tinha condições de criá-la, daí minha tia a pegou e a

adotou também. Só que na verdade não somos só nós, tem mais filhos”.

“Bem, eu a amo, por outro lado ela é muito danada, ela quebra tudo. Quebra e joga

tudo, só que também é o anjinho da casa. Assim, quando ela foi para ser adotada eu que pedi

para minha tia buscá-la, ela não tinha nem um aninho, porque ela ia para o Paraná, alguma

coisa assim. Ela nem tinha saído do hospital, ou seja, não tinha nem um aninho, nisso minha

tia foi para o hospital e a buscou e a trouxe para junto de mim, adotou eu e ela. Só que a

história dela é muito pior que a minha”.

Renata diz amar a irmã e que ela teve uma vida pior que a sua, pelo fato de não ter tido

a oportunidade de conhecer seu pai, inclusive a irmã considera os tios que a adotaram como

seus pais, diferente de Renata que frisa reconhecê-los apenas como tios.

“Assim, quando era criancinha, ela morava junto com a minha mãe. Mas, minha mãe

não cuidava muito dela e teve um dia que, ela era bem pequenininha, tinha meses ainda, ela

estava andando no quintal da casa e um tanque de cimento caiu em cima dela, daí ela ficou

enfaixada da cabeça aos pés, por isso que eu falo que ela é espoleta. Ela quebrou a bacia, o

fêmur, as duas pernas e a coluna, quebrou tudo. Nisso o juiz a tomou da minha mãe e a levou

para o LAR. Nisso minha tia tomou a iniciativa e viu que eu queria ter a minha irmã perto de

mim e a adotou. Só que chegando em casa, a espoleta quebrou o braço. Então, assim, o

mesmo tanto que eu sofri, ela sofreu também, só que o pai dela não a assumiu, e para ela o pai

e a mãe dela são os pais adotivos. Agora eu não, como cheguei em casa com sete anos, a

minha consideração é como tio e tia e não como pai e mãe, já ela os vê como pai e mãe, como

se tivesse nascido da minha tia”.

A foto que representa algo bom em sua vida é “a da casa onde eu fui morar quando eu

tinha sete anos. É onde mora toda minha família adotiva”.

Vale apontar que no processo de filmagens pude constatar que as condições

econômicas da família são muito precárias, algo que reflete nas péssimas condições

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físicas/estruturais da casa onde Renata reside, algo que parece ser superado pela gratidão

expressa aos tios.

4.5.1.3 Tema: Estudos/Escola

O tema dos estudos/escola tem um importante papel na biografia de Renata, sendo que

sua entrada na esfera escolar é concomitante com o processo de adoção. Há que se destacar

ainda que a participante da pesquisa disse gostar da escola onde estuda desde o 6º ano (antiga

5ª série).

“Bem, eu acho bastante interessante, eu sempre gostei de estudar aqui, é bem

organizada, os professores são ótimos e têm fundamentos ótimos, eu gosto, bastante”

“Os funcionários são bastante eficientes”.

“Eu acho ótima a estrutura, há bastante espaço, diferente das outras escolas que eu

estudei, e eu faço curso de espanhol em outra escola, eu faço curso na escola X, e é bem

diferente, é muito melhor”

Todavia, “eu não tenho muitas amizades aqui, é raro, eu tenho poucos colegas aqui”.

Há que se ponderar que embora goste muito da escola, a mesma experiencia situações

de bullying escolar. Renata disse que não sabe dos reais motivos para ser perseguida.

Entretanto, no decorrer da pesquisa, pude evidenciar que Renata não se ajusta social e

financeiramente ao grupo de colegas, fator determinante para ser excluída pelos colegas.

“Desde quando eu entrei aqui há poucos conflitos nesta escola. Mas comigo há

bastante”.

“Sim, de meninas que não gostam de mim, sabe que falam que não gostam de mim

mesmo, bastante”

“Não sei porque elas fazem isso, elas nunca responderam isso”

“É tenso, eu acho que as pessoas deveriam ter um pouco mais de respeito, sei lá...

deveriam fazer mais amizades, olhar melhor e investir e identificar com a pessoa pra depois

julgar. Entendeu?”.

“Julgam sem ver a pessoa, sem conversar com a pessoa, mais por causa disso que elas

tentam arrumar confusão comigo, e isso acontece desde a 5ª série”.

Contraditoriamente, diante do fato de gostar da escola, Renata aponta que na escola

não há espaços para os alunos reivindicarem sobre seus anseios e necessidades, mas quando

acontece algo que não gosta conversa com a tia para que procure a escola.

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“Ah eu acho que não, porque em sala, quando é para expressar a sua opinião em aulas

mesmo é muita bagunça. Então não tem como você declarar sua opinião na frente da

professora, porque vira muita bagunça. As pessoas não sabem se organizar na sala”.

“Eu falo sim, eu chego na minha tia e falo para ela tudo que está acontecendo”.

E a tia vai até a escola “se for uma coisa bem séria”.

Sonha em terminar os estudos e depois cursar a faculdade de Educação Física, e

mencionou que se sente capaz de realizar tal objetivo, frente a tudo que passou (no caso a

morte do pai e o processo de adoção após a mãe perder sua guarda).

“Ah os meus objetivos são de terminar os estudos e fazer faculdade de Educação

Física”.

“Eu me sinto capaz de realizar esse objetivo por tudo que já passei. Eu me sinto”.

“Dificuldades a gente sempre tem, mas tem que erguer a cabeça e enfrentar”.

Para superar as dificuldades, caso elas aparecerem, ressalta que deverá “buscar forças,

pensar positivo sempre”.

4.5.1.4 Tema: Relações Interpessoais e amizades

A participante Renata apontou ter muito afeto e carinho por duas amigas e que esse

tipo de relacionamentos (amizade) com outras pessoas é muito importante na vida dos seres

humanos.

“Ah eu acho que é importante o afeto, assim o carinho que você tem pela pessoa”.

“Eu acho que amigos, eu falo assim os amigos, porque eu tenho bastante afeto por

eles”.

Menciona não ter uma quantidade elevada de amizades; para além dessas duas, possui

o namorado de uma de suas amigas, bem como o próprio namorado, que diz ser um grande

amigo e a pessoa que mais confia em sua vida.

“Meu namorado é a pessoa que mais confio”.

“Não, na verdade, eu tenho duas na escola, por quem eu tenho bastante afeto e

carinho, eu convivo bastante com elas. Fora da escola também, eu convivo apenas com elas”.

“Gosto muito delas, porque elas são muito carinhosas, eu gosto muito delas”.

“As duas, são as pessoas que mais me dão força, sabe, às vezes se estou passando

alguma dificuldade é com as minhas amigas que me abro”.

“Com meus amigos, eu converso bastante com eles, são bastante envolvidos,

conversam bastante, dão opiniões e são muito carinhosos”.

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“Ah com eles eu saio para os lugares, a gente senta, conversa bastante e discute”.

“A gente sempre sai juntos, porque o Bernardo trabalha junto com o meu namorado.

Nós quatro somos muito amigos”.

“Os meus amigos são pessoas que eu tenho mais próximas de mim. Eu gosto muito

deles, então a possibilidade de estar com eles é bem legal. É uma amizade muito boa”

Renata destaca que nem sempre teve amizades tão próximas como as que possui

agora.

“Não, é a primeira vez, porque antigamente, por exemplo, se eu fosse sair para algum

lugar eu não tinha amigos para ir junto, não tinha amigos para conversar, divertir e aprontar.

A gente sai e faz de tudo”.

“Porque eles são bastante amigos, eu os considero como se fossem meus irmãos”

Com relação as pessoas que não têm amizades, “elas não sabem o que estão perdendo,

porque é muito bom você ter uma pessoa para se abrir e contar seus problemas,

principalmente para um amigo”.

4.5.1.5 Tema: Oposição entre os diferentes momentos que apresenta consciência crítica

X consciência alienada.

Em diferentes momentos de sua biografia, Renata deixa evidenciar a contraditoriedade

presente em seus posicionamentos frente a situações vividas, ora eles são mais ou menos

críticos, ora são mais ou menos alienados. No que tange a eficiência do governo frente ao

funcionamento da escola onde estuda, tece críticas ao ensino recebido por meio de um

material padronizado (sistema similar ao apostilado) e tem clareza da importância e

necessidade que o conhecimento seja oferecido com maior profundidade.

“Bom eu acho que o governo deveria melhorar o funcionamento da escola, porque

muitas vezes faltam as coisas que eles mandam, os estudos, as apostilas, essas coisas. Eu acho

que eles deveriam melhorar nisso”.

“Eu acho que os estudos das apostilas, dessas coisas, não chegam a atingir o

funcionamento necessário”.

“Ah eu não gosto muito, eu acho que não deveria ter apostila. Sei lá, mas se talvez

mandassem mais livros, um material variado entende? É não ficar apenas no caderninho do

aluno”.

Renata em vários momentos da pesquisa (fotografias, filmagens, entrevistas) fez

muitas denúncias sobre a ausência de serviços públicos em prol a população. Ela mencionou

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ainda, a omissão do Estado na oferta e garantia das necessidades básicas da população, tais

como um estudo de qualidade e cursos para os jovens, obras, serviços públicos e moradia, a

fim de que a sociedade possa ser melhor.

“Bem, na minha comunidade não há nenhum serviço ou recurso disponível que a

população possa usar”.

“Por perto mesmo não há, por isso eu procurei cursos para fazer, eu já tinha procurado

na escola. Eu procuro assim, cursos mais básicos, pois estou começando, porque lá na

comunidade não tinha mesmo”.

“Ah, eu acho muito errado, porque deveria ser oferecido pelo governo, ao menos o

básico” [...] “um curso de informática, um curso como o que estou fazendo de espanhol, pelo

menos o básico para você começar”.

Sobre o papel do governo no cumprimento de seu papel, “em muitas coisas eu acho

que não, por exemplo, obras e casas, são coisas que faltam às vezes para as pessoas na

cidade”.

“Eu acho que deveria ter mais melhorias nos transportes, nas escolas e nas ruas”.

Embora a participante goste de morar em seu bairro e valorize alguns dos seus

espaços, ao mesmo tempo faz duras críticas ao descaso público para com aquele lugar.

Gosta de morar naquele bairro, pois “lá eu tenho meus colegas de escola, eu me sinto

bem e eu tenho amizade com todo mundo ali por perto”.

“Sabe um lugar que está bem perto das praças (foto de uma área verde próxima a sua

casa), é um lugar gostoso de ficar, pois tem bastante árvores”.

Há também “uma mina d’água que existe no bairro há muito tempo, desde quando eu

cheguei lá”.

“Todo mundo vai buscar água lá, pois é a única água encanada e limpinha que se tem é

lá, pois não fica perto de esgoto”.

“Quando eu era criança, eu ia com minhas colegas para tomar banho lá”.

“Havia outros dois pontos (minas d’água) que acabaram sendo fechados e viraram

esgoto, porque era no meio do mato e era um buracão o local, daí ligaram com a rede de

esgoto”.

“Porque dá pra ver como o bairro está sendo desvalorizado, as condições do bairro

são precárias. Um ambiente tão bonito e abandonado”.

“São os esgotos abertos, o lixo jogado no bairro, os pontos onde os marginais ficam,

não há pracinhas, não há nada, só entulhos”.

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218

“Sempre foi assim, o governo apenas promete. Falaram que iam construir uma creche,

mas até hoje não construíram. E os campos ficam abertos e cheios de mato”.

As pessoas não podem viver em ambientes assim, “porque as condições são péssimas,

entendeu?”.

A participante gostaria de ter tirado mais fotos, “dos lugares precários, como por

exemplo, dos esgotos que são abertos, lá perto mesmo, há lugares que eles poderiam

construir, mas eles deixam crescer mato, condições precárias”.

“Mais fotos do parquinho lá de onde eu moro, das condições precárias que o governo

municipal não cuida. A academia ao ar livre, até que está bem cuidada, o que eu estou falando

é da quadra, de esgoto aberto, essas coisas, onde as crianças não podem ter diversão e

aproveitar ao máximo o dia-a-dia da praça”.

“Eu acho que o bairro deveria ser melhorado, porque perto da minha casa mesmo tem

um lugar com muito mato, eles deveriam construir praças, um lugar bem melhor com bastante

opções de lazer”.

“Bem, eles só prometem, eles passam e entregam os panfletos, promessas e

promessas, só falam. Algumas pessoas mesmo, lá do bairro se candidataram a vereadores,

disseram que iriam construir uma creche e nada foi feito até agora, então, eles só prometem.

Falaram que iriam limpar o Balneário da Amizade, apenas começaram e não terminaram, só

promessas mesmo”.

“Os vereadores disseram que limpariam o Balneário e nada até agora. E há um que é

candidato a vereador dessa vez, mora na rua atrás do XWY (supermercado), foi ele que falou

que a creche seria construída e também não foi feito nada”.

“As pessoas deveriam se organizar nas ruas ou nas casas mesmo, e ajudarem a ver o

que de melhor poderia ser feito diante das coisas que estão ruins”.

“Eu acho que as pessoas deveriam ir a algum lugar dar a sua opinião e botar a boca no

trombone”.

“No rádio mesmo, as pessoas deveriam fazer assim, ir lá conversar, dar sua opinião e

falar”.

“Muitas não fazem isso, porque elas sabem que o governo acabará não fazendo. Então,

tem que ser todas as pessoas, se reunirem e fazer grupos”.

“Eu não faço nada, porque eu não conheço muito bem as pessoas dali, então é difícil”.

Sobre o intenso tráfico de drogas presente em no bairro, bem como diante da presença

de ex-presidiários, Renata apresenta um discurso moralista e alienado sobre as condições

geradoras de tais circunstâncias.

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219

“Eles deveriam ter consciência e se conscientizar das coisas boas, dar o seu melhor

para poder estudar e deixar as coisas erradas. Entendeu?”.

“O que eles fazem de errado lá mesmo, por perto, esse negócio de ficar fumando

maconha e essas coisas, roubar, matar”.

“Ah eu acho perigoso conviver perto de pessoas perigosas. E há bastante”.

“Bem, na frente da minha casa mesmo, há pessoas que já foram presas, há quem esteja

preso ainda, um pedófilo. Então, existe um risco muito grande e minha tia tem muito medo.

Há marginais, essas coisas”.

A consciência alienada também fica evidente em Renata, ao analisar o trabalho

doméstico que ela realiza diariamente, bem como o processo de busca por forças

transcendentais, a fim de superar as dificuldades presentes em sua vida.

“Eu estava limpando a casa, limpando os móveis, arrumando a casa como eu faço no

meu dia-a-dia”.

“Lavando louça, varrendo a casa, tirando os móveis do lugar, limpando, dobrando as

roupas e arrumando as camas”.

“Eu considero importante fazer esse tipo de atividades, porque quem não trabalha

mesmo e que fica em casa, tem que fazer essas coisas”.

As pessoas que não trabalham e que ficam em casa e que não fazem tais serviços “são

pessoas que não têm vontade de ajudar em casa”.

Ao questioná-la sobre o porquê de alguns jovens terem que trabalhar e outros não ela

mencionou:

“Muitas vezes pelas condições familiares. Muitos precisam trabalhar e outros não”.

“Muitos têm condições de manter a família, enquanto outros não”.

“Deveria ocorrer uma mudança, ter mais emprego para as pessoas e oferecer mais

estudos para as pessoas (no intento de se qualificarem)”.

“Os positivos é que eu mesmo gosto de limpar a casa e ajudar a fazer os serviços de

casa para minha mãe (tia). Agora o negativo é que há muitas pessoas que não querem fazer

isso para ficar na rua e falam que não gostam de fazer os serviços de casa. Eu particularmente

gosto”.

Diante de alguma dificuldade busca forças e apoio, “primeiro, junto ao meu namorado,

que é a pessoa que eu mais confio, e na igreja, sabe eu sou bastante religiosa”.

4.5.1.6 Tema: Autoconceito

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220

O tema autoconceito será utilizado para apresentar os relatos nos quais Renata faz

referência a avaliações sobre sua pessoa, sua maneira de ser e agir.

A participante Renata menciona que é muito fechada, a ponto de não fazer muitas

amizades na escola.

“Ah eu não sou de fazer muita amizade, eu não converso muito, sou bastante fechada e

assim em termos de qualidade de fazer amizade fácil eu não consigo, sou bastante fechada,

tenho poucos colegas, aqui é raro (escola)”.

Os únicos momentos em que expressa sua opinião sobre a escola é quando está junto

das colegas.

“Às vezes começamos a conversar sobre a matéria, o que foi feito na sala e, cada um

vai dando a sua opinião. Pelo menos, eu sou assim com minhas colegas”.

Ao se reportar sobre a importância dos estudos em sua vida, bem como diante do

desejo de cursar o ensino superior, Renata acredita que tem plenas condições de concretizar

esse objetivo futuro de sua vida, diante de tudo o que passou durante o período de sua infância

(morte do pai e ao ser retirada da mãe e encaminhada para a fila de adoção).

“Ah...os meus objetivos são de terminar os estudos e fazer faculdade de Educação

Física”.

“Eu me sinto capaz de realizar esse objetivo por tudo que já passei. Eu me sinto”.

“Dificuldades a gente sempre tem, mas tem que erguer a cabeça e enfrentar”.

Para superar as dificuldades, caso elas aparecerem ressalta que deverá “buscar forças,

pensar positivo sempre”.

Ao justificar sobre as pessoas que não têm amizades, ela pontua que isso se deva

talvez ao desejo das pessoas não gostarem de se abrir com os outros.

“Há algumas que gostam, mas há outras que não. Eu mesma, não sou de fazer muitas

amizades, e de me abrir com as pessoas”.

“Eu acho que ter muitas amizades acaba prejudicando, eu mesma não gosto, é uma

coisa minha”.

“Há pessoas que muitas vezes você não confia e que fazem coisas erradas”.

Renata tem clareza que uma pessoa sem amizades é solitária, pois teve uma fase em

sua vida que não possuía amizades mais intensas. Contraditoriamente, disse que se fosse

necessário conseguiria viver sem amigos.

“Eu me sentiria sozinha. A pessoa se sente só”.

“Porque nenhuma pessoa consegue ficar sozinha, deve sempre haver alguém para

conversar e se abrir”.

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“Eu conseguiria viver sem amigos, sendo eu mesma, como eu te disse, eu sou na

minha, não gosto de conversar muito, sou quieta, eu conseguiria”.

Ela menciona ser “acessível” para com aqueles que são novos em um determinado

grupo do qual faz parte.

“Ah porque se a pessoa está sozinha, ela não tem ninguém para conversar, para se

abrir, principalmente quando a pessoa é nova no pedaço ou num lugar, daí eu vou e procuro

conversar com a pessoa. Daí as pessoas que eu tenho amizade também podem tentar fazer

amizades com ela também”.

4.5.2 Análise da história de vida de Renata

Os trechos apresentados anteriormente que representam a biografia de Renata em sua

totalidade serão agora analisados a partir da perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, a fim de

não ficar preso apenas na descrição imediata dos dados. Nesse sentido, sua história de vida

será interpretada levando-se em consideração sua inserção social e cultural, a partir do contato

com as produções e significações humanas, criadas pelo gênero humano (LEONTIEV, 1978,

1983; VIGOTSKI, 1995).

Para Vigotski (1995) é na relação dialética entre o desenvolvimento natural e cultural

que os indivíduos se desenvolvem. Ou seja, o desenvolvimento do sistema psíquico se inicia

na filogênese e vai sendo aperfeiçoado na ontogênese.

Embora a participante Renata pouco tenha comentado sobre sua infância, percebe-se o

quanto esse período foi doloroso e difícil para ela, tendo em vista a morte de seu pai, bem

como o processo no qual ela e seus irmãos mais velhos foram retirados da mãe e

encaminhados para a fila de adoção.

Conforme Martins (2001), a atividade subjetiva, reflexo psíquico da realidade, que tem

sua gênese no desenvolvimento da infância, revela-se a partir do contato primário com a

família em condições objetivas de vida.

Tendo que a família representa o grupo primário a iniciar práticas sociais,

ultrapassando relações puramente subjetivas de pessoa para pessoa. É, no grupo

familiar, onde a criança ocupa um lugar determinado na constelação constituída pelo

conjunto de pais e irmãos, que a criança realiza suas primeiras aprendizagens sobre

as relações sociais e sentimentos sociais. É, por esta razão que a criança exige a

compreensão dos meios onde ela se desenvolve, não se tratando porém, de duas

coisas distintas que se justapõem, mas de realizações onde cada um dos dois fatores

atualiza o que está em potência no outro (MARTINS, 2001, p.149).

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Mesmo indo morar com a família adotiva (tios), é importante não perder de vista que

no processo de construção da personalidade de Renata estão expressos elementos vivenciados

e apreendidos durante a infância, junto do convívio social de sua primeira família. A família

não pode ser entendida como descolada de um contexto histórico-social, até mesmo porque a

dimensão humana presente no homem se dá por intermédio do contato com as produções e

significações de uma dada cultura, criadas pela humanidade.

Posteriormente, Renata vai morar com os tios que a adotaram, mesmo diante de

privações econômicas, que refletem na apropriação limitada dos bens culturais e materiais

produzidos socialmente, evidenciados, por exemplo, nas condições precárias da casa onde

residem, não por coincidência em uma área considerada como de exclusão social.

Há que se salientar a partir de Martins (2001, 2011), que o substrato primário da

personalidade se constrói essencialmente pelo processo de apropriação e objetivação das

produções humanas. As classes desfavorecidas economicamente terão uma apropriação

limitada das objetivações genéricas em-si, e uma apropriação quase nula das objetivações

genéricas para-si. As objetivações das crianças pertencentes à classe trabalhadora restringem-

se aquelas que são essenciais para sua subsistência, e isso é problemático, pois as objetivações

genéricas em-si, se limitam ao cotidiano dado e não possibilitam que o indivíduo tenha uma

relação consciente para com as formas que produzem sua vida.

Conforme Duarte, nas objetivações genéricas em-si, o indivíduo não apresenta ainda,

uma relação consciente para com o processo de objetivação mediante condições presentes em

sua vida. Entretanto, nas objetivações genéricas para-si há uma tendência, na qual o processo

de objetivação do gênero humano ocorre de maneira consciente, enquanto gênero humano. No

processo de formação do indivíduo, há cada vez mais uma relação consciente com sua

individualidade diante da materialidade da vida.

Nessa dinâmica, um dos espaços que Renata tem acesso, refere-se a escola pública

localizada no bairro vizinho. Ela estuda na referida instituição desde o 6º ano do Ensino

Fundamental. Há que se destacar que ela vive um processo contraditório dentro da escola,

pois gosta dos professores e os classifica como ótimos, por terem domínio sobre os conteúdos

escolares; tem uma boa relação com os demais funcionários, considera-os eficientes no que

fazem; gosta de estudar e aponta que a escola é exemplar, se comparada a outras escolas

públicas do município. Todavia, dentro da referida instituição tem poucas amizades,

limitando-se somente aquelas que são as mesmas para além dos muros escolares em sua

comunidade (duas amigas). Fruto disso é que Renata vivencia o bullying escolar, por não se

adequar financeiramente ao grupo de colegas, fator decisivo para que seja excluída e

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socialmente perseguida. Aliado a isso, Renata evita dialogar com os colegas, como uma

espécie de autodefesa, embora diga ser fechada e com poucos amigos.

A partir de Leontiev (1983) e Vigotski (1995) gostaria de enfatizar que a história do

desenvolvimento cultural de um indivíduo frente a condições objetivas, conduz a história do

desenvolvimento de sua personalidade. O fato de Renata gostar da escola e da atividade de

estudar, não se concretizou porque ela nasceu com um gene que a tornasse apta para tal; é

inadmissível dar crédito aos discursos inatistas, que consideram a estrutura genética da pessoa

como responsável por suas ações e condutas.

Leontiev (1978, 1983), ao se contrapor as concepções idealistas e psicologizantes,

defende o desenvolvimento do homem por intermédio da interação dialética entre condições

biológicas e sociais. O indivíduo isolado, tido apenas como estrutura biológica, não existe

como homem, fora do convívio social.

Foi a partir do contato com a estrutura de sua escola como um todo, mesmo que

inserida na lógica capitalista, que ela adquiriu o gosto pela atividade dos estudos, bem como o

interesse em fazer cursos extracurriculares, tais como o de espanhol, além de visualizar a

oportunidade de cursar uma faculdade futuramente.

Martins (2001) chama atenção para o fato de que é pelo processo de apropriação das

objetivações produzidas pelo gênero humano que o indivíduo garante sua própria objetivação

como pessoa. Nesse caso, dadas as condições de funcionamento e de concepções ideológicas

que perpassam a escola pública no sistema capitalista, tal espaço foi decisivo para que Renata

pudesse se apropriar de alguns dos conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos que a

auxiliaram inclusive no desenvolvimento de sua personalidade.

Ainda de acordo com a autora destacada anteriormente, é condição sine qua non

estruturar a personalidade de um indivíduo, a partir das condições concretas de sua vida,

aliado a suas reais possibilidades para uma atividade consciente. Contudo, não se pode perder

de vista que quanto menores são essas possibilidades, mais gerais e fragmentados serão seus

resultados, “pois o que deveria ser continuidade e coerência internas se convertem em

continuidade e coerência para com as influências externas” (MARTINS, 2004, p.86).

Sobretudo, porque cada indivíduo tem contato com atividades distintas, de acordo

com o lugar que ocupa na sociedade de classes, ou ainda conforme as condições de acesso.

Tais pressupostos reforçam a ideia de que a subjetividade de cada pessoa se forma a partir de

condições sociais e materiais.

Outro exemplo que rompe com qualquer discurso inatista, poderia ser dado a partir do

fato de Renata ser fechada, o que se evidencia na dificuldade de fazer amizades e de interagir

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com os demais colegas de classe. Entendo que tal situação não passa apenas de uma forma

dela se defender dos ataques e perseguições sofridas por parte dos seus companheiros de

escola.

Há que se destacar que o namorado de Renata, bem como suas amigas cumprem papel

decisivo em seu processo de fortalecimento frente às adversidades vivenciadas, bem como na

construção dos processos de “resiliência em-si”, pois conforme suas respostas, essa amizade

funciona como um mecanismo mediador de proteção, a quem ela pode confiar e se abrir

diante de qualquer dificuldade. Por mais que Renata não apresente quantitativamente um

número elevado de amigos, há que se levar em consideração a qualidade desses vínculos; são

pessoas que lhe inspiram confiança e sempre estão de prontidão para lhe auxiliar.

Martins (2001, 2004, 2011) entende que a personalidade humana seja uma síntese das

relações sociais vivenciadas/experienciadas, em meio à humanidade/totalidade histórico-

social, sendo que o homem passa a ser compreendido como essencialmente construído através

de suas relações com os outros e com o mundo (MARTINS, 2001, 2004).

Para Martins (2001, 2004, 2011), a qualidade dos vínculos de um indivíduo com o

mundo se articula a condições objetivas presentes em sua vida, e se expressam em dada

família, classe social e contexto histórico-cultural. Os vínculos favorecem a construção das

estruturas motivacionais e emocionais do indivíduo que sustentam a sua formação enquanto

personalidade.

Tais aspectos conduzem a importância que as redes mediadoras de apoio e proteção

(relações interpessoais e familiares) vêm desempenhando na vida da participante Renata, que

vem experienciando o bullying escolar, ao ajudá-la no fortalecimento de sua autoestima, bem

como no processo de desenvolvimento da personalidade. Todavia, vive-se numa sociedade

baseada no sistema capitalista, o que põe uma contradição em evidência, pois por mais que

Renata fortaleça sua autoestima e se posicione frente ao bullying escolar vivenciado, por

intermédio dos processos de “resiliência em-si” frente a tal adversidade, não se pode perder de

vista que ela se encontra presa as atuais relações sociais, o que a impossibilita desenvolver

plenamente sua personalidade, bem como se emancipar frente as atuais relações sociais.

Diante dos elementos supracitados sobre os vínculos de amizade presentes na vida de

Renata, parece-me importante discutir ainda sobre a estrutura motivacional de sua

personalidade, frente aos conceitos de emoções e sentimentos, tendo em vista que tais

conceitos funcionam como sinais que acenam positivamente ou negativamente as suas

necessidades.

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Os autores Leontiev (1983) e Martins (2001, 2004) apontam que as emoções cumprem

o papel de sinais internos, são o resultado das relações entre necessidades, motivos e

possibilidades de concretização das atividades. Assim, a reação emocional de Renata, como

de qualquer outro indivíduo, é originária daquilo que acena positiva ou negativamente a

satisfação dos seus motivos. As emoções surgem por intermédio da atividade cerebral,

conforme as transformações registradas pelo processo de internalização das relações

extracerebrais a intracerebrais, diante da satisfação de necessidades orgânicas, assim como de

reações relativas a sensações e percepções, ou seja, da vivência das atividades que se tem

contato.

O sentimento de carinho e confiança que Renata tem por seu namorado e por suas

amigas, conforme Martins (2004) são dados dentro de um contexto cultural, por conseguinte,

reforça-se a ideia de que as atitudes emocionais e afetos vão adquirir o caráter de sentimento

dentro de circunstâncias objetivas de vida. Os sentimentos têm natureza histórico-social, por

serem característicos do gênero humano; as diferentes experiências vivenciadas na interação

entre Renata e seu namorado/amigas desencadeiam determinadas atitudes perante as referidas

experiências. E, por mais que tais atitudes possuam uma dimensão individual, por sua

essência são sempre sociais e históricas.

Diante da unidade entre os aspectos motivacionais e emocionais da atividade, Leontiev

(1983) distingue motivos geradores de sentido e motivos-estímulo. Os motivos geradores de

sentido são aqueles que estimulam a atividade, conferindo-lhe sentido pessoal; estando

ligados ao “por quê?” e “para que?” da atividade, expressam um objetivo a se atingir

(dimensão teleológica). Aqui gostaria de refletir novamente sobre a importância conferida a

atividade de estudos por Renata, pois fica evidente a importância dada por ela, inclusive para

superar a condição social que se encontra, mesmo que em alguns momentos haja uma

confusão, como se o verdadeiro objetivo da educação escolar fosse preparar os indivíduos

para o mercado de trabalho. Por vez, aqueles que são tidos como motivos-estímulo, em

coexistência com os primeiros, estimulam positiva ou negativamente a atividade. Há que se

destacar que Renata, diante do sofrimento experienciado durante a infância, parece ter

desenvolvido um processo de “resiliência em-si” que a faz ter um autoconceito confiante de

si, na busca pela superação de qualquer dificuldade que venha a enfrentar em sua vida futura,

conforme suas respostas nas entrevistas sobre as filmagens e fotografias.

Todavia, resgatando a tese a ser defendida e pensando na participante aqui analisada,

gostaria de frisar que Renata durante sua vida vem se apropriando de algumas objetivações

materiais, culturais e intelectuais produzidas socialmente, bem como estabelecendo relações

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interpessoais que a orientam frente à formação enquanto personalidade. Sua personalidade

vem se construindo a partir do contato com a realidade objetiva, incorporadas ou não as

possibilidades para uma atividade consciente. Porém, quanto menores forem tais

possibilidades, mais fragmentados serão os motivos e ações presentes em suas atividades,

sobretudo porque, dentro do sistema capitalista, há uma contradição expressa, pois mesmo

que ela se posicione e/ou enfrente algumas adversidades vividas em sociedade, diante dos

processos de “resiliência em-si” (exemplo, o bullying escolar), Renata estará impedida de se

emancipar socialmente. A emancipação só será possível por meio de um processo de tomada

de consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais, o que reforça a

importância que a educação escolar, numa perspectiva revolucionária e contra hegemônica

poderia ter nesse processo, como destacado em outros momentos deste trabalho.

Assim, apresentarei alguns dos elementos que evidenciam o movimento presente na

consciência de Renata, ora com posicionamentos mais críticos, ora com posicionamentos mais

alienados, até mesmo porque não haveria outra forma de ser dentro do sistema capitalista.

Leontiev (1983) deixa explícito que o pensamento e a consciência são determinados

pela vida real, por intermédio das relações objetivas. O autor confere importância a Marx e

Engels pela criação do método geral de investigação histórica da consciência, bem como

diante do processo de transformação que ela vem sofrendo ao longo do desenvolvimento da

humanidade, em especial pela divisão social do trabalho. A expropriação econômica gerada

pela iniciativa privada conduz a alienação e a desintegração da consciência das pessoas.

Renata convive com adultos que são trabalhadores, portanto vivencia as decorrências

de tal processo em sua vida, além de assumir as atividades do trabalho doméstico diariamente,

pois é ela quem limpa e organiza a casa, arruma as camas, lava, passa e cozinha para todos.

De acordo com Martins (2004), não há como negar que essas condições oriundas do trabalho

são base para o desenvolvimento de seu psiquismo, expresso em suas formas de agir, pensar e

sentir.

Decorrente disso, em alguns momentos de seus depoimentos, evidencia-se uma visão

fragmentada sobre o trabalho, em especial, diante das atividades domésticas que realiza

diariamente, bem como posicionamentos moralistas, no que tange as pessoas envolvidas com

drogas em seu bairro, e ainda, numa tendência em querer buscar no discurso transcendental

forças para enfrentar os problemas vivenciados.

Acho importante apresentar na sequência alguns argumentos que darão conta de

explicar o porquê Renata age assim em determinadas situações, em oposição a certa visão

crítica evidenciada em outros momentos. Como exemplo, do segundo tipo de visão, ela fez a

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denuncia da qualidade do ensino recebido por meio das políticas neoliberais de educação,

bem como as condições precárias do bairro, além da omissão do Estado na garantia dos

direitos básicos da população que vive nas áreas de exclusão social.

Conforme Martins (2004) para que o homem possa entender as conexões entre o

motivo da atividade e as relações entre as ações, conforme seus fins específicos, se faz

imprescindível que tais conexões sejam firmadas por intermédio de ideias internalizadas em

sua consciência. Apenas assim é que o homem terá condições de atribuir significados e

acercar-se do sentido de suas ações. Consciência e atividade devem ser entendidas como uma

unidade dialética, sobretudo, diante do fato de que a consciência não pode ser identificada

apenas com os aspectos internos, mas sim como ato psíquico vivenciado pelo indivíduo, e ao

mesmo tempo, expressão de suas relações com os outros homens e com o mundo.

Entretanto, no processo de desenvolvimento da personalidade de um indivíduo há um

problema, pois há atividades cujos motivos se encontram ocultos para o homem, leia-se aqui,

por exemplo, o trabalho doméstico realizado por Renata, tendo em vista que a existência de

motivos e a consciência são fenômenos distintos. Assim, faz se necessário contemplar

algumas discussões a respeito do desenvolvimento da personalidade em contextos alienados e

alienantes.

Ainda de acordo com Martins (2004) faz-se necessário atentar-se a organização da

hierarquização das atividades em relação aos motivos. Através das atividades, os motivos se

organizam e funcionam como linhas motivacionais orientadoras dos vínculos com o mundo.

As linhas motivacionais em relação às atividades irão possibilitar ao indivíduo, por meio da

consciência, estabelecer um norte para sua vida. Contudo, a desarticulação entre atividades e

motivos cria na personalidade condições internas, que conduzem o indivíduo a viver

fragmentariamente, em conformidade com motivos-estímulo, quando na verdade deveria

viver conforme os motivos vitais.

Outra alteração que ocorre na consciência humana dentro do sistema capitalista

decorre da influência da estrutura de classes, especialmente porque nesse modelo de

organização social as pessoas se encontram em relações antagônicas aos meios de produção e

ao produto social. De forma similar, a consciência humana também passa a ser influenciada

por tais desigualdades (LEONTIEV, 1983).

Em condições de alienação, os homens não são protagonistas do desenvolvimento de

suas capacidades individuais. Destarte, a personalidade não pode se manifestar livremente e

universalmente. A alienação revela-se como um problema de grau, e será maior ou menor,

dependendo do quanto o indivíduo puder entender sua existência para além da particularidade,

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superando-a em direção à condição genérico-humana, superando a individualidade em-si

rumo à individualidade para-si (MARTINS, 2001, 2004, 2011).

Diante de tais elementos, pode-se compreender então, o porquê de Renata

contraditoriamente apresentar alguns posicionamentos críticos diante das condições

diretamente relacionadas a sua breve experiência de vida, em articulação a uma leitura macro

da sociedade. Isso não significa que tais posicionamentos sejam suficientes, até mesmo,

porque essa adolescente encontra-se em processo de desenvolvimento.

Espera-se que Renata possa cada vez mais alcançar a tomada de consciência dos

motivos, em forma de conceitos, a partir do controle exercido pela sua consciência sobre as

atividades que a colocam em relação com suas condições objetivas de vida. Almeja-se que ela

possa refletir por intermédio dos conceitos e significados que for apropriando, objetivando-os

para além das fronteiras de sua existência individual (MARTINS, 2004). Para que assim, ela

possa desenvolver sua consciência, no intento de auxiliá-la na luta pela transformação social,

o que será concernente com a superação efetiva do bullying escolar, bem como aos

enfrentamentos por meio dos processos da “resiliência em-si”.

Tais aspectos põem em evidência mais uma vez a importância da educação escolar na

perspectiva assumida no decorrer da tese, bem como no processo de formação política das

classes oprimidas. Por meio de uma prática revolucionária a escola poderia oferecer aos seus

estudantes o conhecimento científico, filosófico e estético/artístico, a fim de que se apropriem

e superem posicionamentos acríticos, e que os mobilize a uma práxis transformadora das

atuais relações sociais, na superação da alienação e no pleno desenvolvimento da

personalidade humana.

4.5.3 Síntese do processo de constituição da personalidade frente aos paradigmas da

singularidade à universalidade

No tópico em questão, será apresentada uma síntese do processo de constituição da

personalidade de Renata, para tal me basearei no “modelo de quadros” utilizado por Martins

(2001). Entendo que sua estrutura possibilita ao leitor um olhar dialético sobre a vida da

participante aqui analisada. Todavia, farei algumas adequações, no sentido de que em

Martins, os quadros foram apresentados em decênios, e no caso desta tese os apresentarei em

dois quadros, sendo que o primeiro compreenderá o período que vai desde o nascimento de

Renata, até o período quando foi encaminhada para a adoção (0 a 7 anos), e o quadro seguinte

contemplará os anos posteriores, a partir da adoção realizada pelos tios.

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Apresento a partir Martins (2001) a definição de estrutura da atividade, tendo em vista

que os homens constroem sua história por meio da atividade, e decorrente dela desenvolvem o

psiquismo humano, bem como a personalidade. Há que se destacar que na atualidade, tal

processo se efetiva em meio ao sistema de organização capitalista, que confere características

específicas à estrutura da atividade, por meio das condições objetivas de vida, decorrentes da

alienação.

[...] a estrutura da atividade enquanto uma amálgama que congrega

fundamentalmente, as atividades de relações da pessoa para consigo mesma, as

atividades de relações interpessoais e as atividades em relação à produção social,

representando portando, a dimensão infra-estrutural do processo de personalização, e

por sua importância essencial, a categoria simples de análise. Tendo em vista que a

atividade em relação à produção social por excelência é o trabalho, e este, a

atividade pela qual o homem produz e reproduz sua vida, isto é, sua efetiva atividade

vital, é incontestável a centralidade de sua expressão na construção das dimensões

objetivas e subjetivas da existência humana (MARTINS, 2001, p.164).

Para Martins (2001), a estrutura da atividade nesse contexto, sintetiza quatro esferas

interdependentes do funcionamento humano. A primeira esfera abarca as atividades que os

indivíduos produzem ou realizam a serviço de sua humanização (atividades fundamentais

humanizadoras). A segunda põe em prática as capacidades desenvolvidas por intermédio das

atividades fundamentais humanizadoras, que promovem benefícios ao indivíduo, bem como a

sua essência genérica (atividades objetivas humanizadoras). As duas esferas se relacionam

diretamente as aspirações pessoais determinadas socialmente; em ambas o sentido pessoal e a

significação da atividade estão interligados. Por conseguinte, expressam uma relação entre

motivos e fins, ou seja, o “por quê?” e o “para que?” da atividade.

A terceira esfera contempla “as atividades que promovem o desenvolvimento de

capacidades, aptidões e propriedades submetido, porém a necessidades externas, as relações

sociais objetivas em que elas se inscrevem” (atividades conformadoras da força de trabalho).

Por fim, a quarta esfera abarca as atividades que põem em prática as capacidades

conformadoras da força de trabalho, sendo que os seus benefícios ficam a mercê da produção

social em detrimento do indivíduo (atividades operacionalizadoras da força de trabalho). Tais

esferas também possuem reciprocidade, ao ponto que elas impedem que os indivíduos sejam

conscientes, livres e universais. Há que se elucidar que nessas esferas a unidade encontra-se

perdida, não há concordância entre os objetivos e os motivos que as mobilizam, ou seja, entre

seus conteúdos objetivos e subjetivos (MARTINS, 2001, p.165).

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230

Apresento na sequência como o processo de personalização da participante Renata

vem se construindo ao longo dos anos, tendo em vista que a estrutura da atividade sintetiza a

dimensão infraestrutural da personalidade.

Quadro 02. Do nascimento até o processo de encaminhamento para a adoção.

Ao falar sobre o período anterior ao seu processo de adoção, Renata apresentou certa

“resistência” ao discutir com mais detalhes sobre o referido período de sua vida, de tal forma

que deduzo que algumas atividades essenciais para o domínio da vida cotidiana se fizeram

presentes. Porém, ao estarem ausentes nos diferentes momentos de entrevistas da tese,

entendo que elas não atingiram a repercussão necessária para serem caracterizadas nesse

período de sua vida.

02 Atividades Objetivas de

Humanização

● Não são narradas.

04 Atividades Operacionalizadoras

da Força de Trabalho

● Sofrimento psíquico.

01 Atividades Fundamentais

Humanizadoras

● Atividades de relações interpessoais

(família).

03Atividades Conformadoras

da Força de Trabalho

● Encaminhamento para a fila de adoção, em

função da morte do pai e da mãe não ter

condições para permanecer com sua guarda e

dos seus irmãos.

Estrutura da

Atividade

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231

No primeiro quadrante, por exemplo, houve apenas a menção das relações

interpessoais geradas em decorrência do contato com a família. Não ficam evidenciadas as

atividades objetivas de humanização, conforme o segundo quadrante.

Ainda, ao pensar no processo em que Renata e os irmãos são encaminhados para a fila

de adoção, por meio de uma determinação judicial, na qual se atestava a ausência de

condições da mãe para cuidar deles, é importante destacar que “tais condições” são

desencadeadas pelas relações objetivas presentes no sistema de organização capitalista

(informações contidas no terceiro e quarto quadrantes, que devem ser vistos num processo de

interação dialética). Mesmo que Renata não deixe claro quais são “essas condições”, sejam

elas de caráter econômico, psicológico ou até mesmo pela negligência da genitora, é

importante destacar que as prováveis situações têm suas interfaces com a materialidade da

vida e impactos decisivos nas atividades que se tem contato, bem como no processo de

construção da personalidade da participante aqui analisada. Materialidade que não oportuniza

as mesmas condições de acesso às apropriações produzidas pelo gênero humano ao longo da

história.

De acordo com Martins (2001) esse período contempla a etapa nominada de

espontânea no desenvolvimento da personalidade:

[...] no qual ocorre a preparação e construção da atividade vital humana no rigoroso

sentido do termo. Implica a construção de motivos e fins e a preparação para a

subordinação a estes das ações realizadas. Quanto mais empobrecidas as atividades

mais empobrecido estará esse processo de construção, a refletir-se ao nível das

emoções e dos sentimentos, na estruturação dos traços de caráter, e acima de tudo,

no estabelecimento de relações cada vez mais conscientes para com a sociedade e

para com os outros homens, que por sua vez conduzem à uma relação mais

consciente para consigo próprio (MARTINS, 2001, p.167-168).

Todavia, esse período de sua vida tem que ser olhado dialeticamente com o que

sucede, presente no quadro 02.

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232

Quadro 03. Do processo adoção até hoje

02- Atividades Objetivas de

Humanização

● Posicionamentos críticos frente à realidade

na qual se encontra inserida;

● Fortalecimento da autoestima;

● Atividades de lazer com os amigos;

● Estabelecimento de objetivos para sua vida

futura;

04- Atividades Operacionalizadoras

da Força de Trabalho

● Trabalho diário na casa onde reside

(limpar, cozinhar, lavar e passar).

01-Atividades Fundamentais

Humanizadoras

● Escolarização na Educação Básica;

● Cursos complementares;

● Relações interpessoais (família adotiva,

namorado, amigas).

03- Atividades Conformadoras

da Força de Trabalho

● Tarefas domésticas;

● Atividades de relações interpessoais

desenvolvidas na comunidade;

● Relações interpessoais na escola (bullying

escolar).

No período em questão, percebe-se um aumento qualitativo das atividades

fundamentais humanizadoras, presentes no quadrante 01, tais atividades estão dialeticamente

relacionadas ao segundo quadrante. A interação entre ambos se dá por meio de aspirações

pessoais determinadas socialmente. Outro aspecto a ressaltar é que o sentido pessoal e a

significação da atividade estão interligados. Nessa dinâmica, vai ficando mais evidente a

relação entre motivos e fins, ou seja, Renata passa a ter mais clareza do “por quê?” e do “para

que” das atividades.

Estrutura da

Atividade

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233

Essa relação dialética tem impacto decisivo para que Renata possa se mobilizar frente

a condição que vive na busca pelo enfrentamento das adversidades vivenciadas, ainda que no

âmbito da “resiliência em-si”. Esse é um período da biografia no qual as relações

interpessoais parecem lhe conferir o suporte necessário, inclusive para elevar sua autoestima.

Aliado a isso, Renata tem a possibilidade de estudar numa escola que gosta do ensino

recebido e do compromisso presente nos professores e funcionários, tais elementos

proporcionam inclusive o aumento do seu nível de criticidade para com alguns elementos

diretamente relacionados a sua vida e a idealização de projetos futuros de formação

profissional, a partir da continuidade dos estudos. Ou seja, a busca de novos conhecimentos,

por meio de cursos, expressa o aparecimento de um novo motivo, qual seja, o crescimento

pessoal. A biografia evidencia assim, um aumento do desenvolvimento da personalidade.

Tais aspectos põem em evidência inclusive a contraditoriedade e o papel que a escola

pode ter no sistema capitalista. Ao mesmo tempo em que se reafirma como um espaço de

oferta do conhecimento humano, de maneira fragmentada e acrítica; em oposição, por

intermédio da práxis pedagógica dos educadores, numa perspectiva revolucionária pode

favorecer ao processo de apropriação crítica do conhecimento científico, filosófico, histórico e

artístico, a serviço das camadas populares, a fim de auxiliá-los no processo de luta pela

transformação das relações sociais, inclusive no plano do agir para se alcançar tal propósito.

Entretanto, há outras manifestações que desintegram a unidade presente entre o

significado e o sentido das atividades na vida de Renata, como evidenciadas na interação

dialética entre o terceiro e quarto quadrantes. Tais manifestações impedem que os indivíduos

sejam conscientes de sua inserção social e alcancem o processo de individualidade para-si.

Na mesma escola que gosta de estudar, a participante vem sofrendo constantemente o bullying

escolar, por meio da perseguição e intimidação de seus colegas, por não se adequar

economicamente e socialmente ao grupo de estudantes de sua turma. Há que se mencionar

ainda, que outras dimensões presentes em sua vida vão contribuindo com esse processo, tais

como as condições subalternas de trabalho que seu tio realiza, e que a forçam inclusive a

assumir diariamente a responsabilidade sobre as atividades de cunho doméstico em sua casa,

bem como outros elementos não abordados na tese.

As atividades conformadoras da força de trabalho e as atividades operacionalizadoras

da força de trabalho (3º e 4º quadrantes) impossibilitam que a pessoa possa se objetivar em

seus próprios atos, pois visam que os indivíduos desempenhem as habilidades necessárias ao

desempenho apenas, das funções exercidas nas atividades de trabalho.

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Todos os aspectos aqui evidenciados, ou seja, a contradição expressa na interação

dialética entre 1º e 2º quadrantes X 3º e 4º quadrantes colocam em foco a tese de que Renata

durante sua trajetória histórica vem se apropriando de algumas das objetivações materiais,

culturais e intelectuais produzidas socialmente, que vem orientando a formação de sua

personalidade. Sobretudo, porque a personalidade de cada indivíduo se constrói a partir do

contato com a realidade objetiva, incorporadas ou não as possibilidades para uma atividade

consciente. Contudo, quanto menores forem essas possibilidades, mais fragmentados serão os

motivos e ações presentes na atividade humana. Decorrente desse processo, dentro do sistema

capitalista, há uma contradição expressa, pois mesmo que Renata se posicione e/ou enfrente

as adversidades vividas em sociedade, por meio da ”resiliência em-si” frente a tais

adversidades (exemplo, o bullying escolar), ao mesmo tempo ela se encontra impedida de se

emancipar frente às relações sociais.

O nível da individualidade em-si limita a autoconsciência e não oportuniza que o

homem alcance a individualidade para-si, tendo em vista que o mesmo não consegue

estabelecer relações para com as condições que determinam subjetivamente e objetivamente

sua vida (DUARTE, 1999, 2007; MARTINS, 2001, 2011).

A emancipação só será possível por meio de um processo de tomada de consciência,

bem como pela superação das atuais relações sociais de produção, o que reforça a importância

que a educação escolar contra hegemônica e revolucionária pode ter nesse processo.

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235

SÍNTESE

O processo de produção desta tese esteve articulado à defesa de que no seu movimento

dialético, mudanças foram efetivadas em mim, enquanto pesquisador, nos participantes da

pesquisa e no conhecimento como um todo. Sobretudo porque, em todos os momentos tentei

articulá-la a uma concepção de homem e de sociedade, ao defender que o conhecimento

produzido historicamente deve estar a serviço do gênero humano, a fim de produzir a

humanização dos indivíduos, bem como o pleno desenvolvimento de personalidades livres e

universais.

Assim, não é qualquer conhecimento que fará esse papel, pois as armadilhas postas

pelo sistema de organização capitalista, numa perspectiva neoliberal, faz com que muitas

vezes se pesquise atendendo exclusivamente aos interesses da burguesia e da manutenção das

relações sociais.

Ao me basear na Teoria Histórico-Cultural que está assentada a partir do referencial

epistemológico e filosófico do Materialismo Histórico Dialético, os objetos de estudo aqui

analisados, o bullying escolar e os processos de “resiliência em-si”, foram entendidos para

além de suas conceituações neoliberais, amplamente difundidas em diferentes espaços de

divulgação e explicitação do conhecimento científico-humano.

Em minha compreensão, não há como estudar tais constructos sem articulá-los com a

estrutura social mais ampla, a fim de explicá-los e romper com o modo dominante de pensar.

Há que se concebê-los em sua totalidade, diante da síntese de suas múltiplas determinações,

na realidade em que se encontram inseridos, caso contrário, penso eu, continuarão sendo

fenômenos abstratos e idealistas. Um olhar dominante continuará conferindo abstratividade ao

bullying escolar e a “resiliência em-si”, ao naturalizá-los em meio ao contexto social.

Em suas análises e explicações, se fez necessário garantir a sua compreensão por meio

da categoria de totalidade, amplamente difundida nos estudos marxistas e presente na escola

de Vigotski. Procurei investigá-los para além do que está posto, ou seja, analisei em que

contexto tais conceitos foram construídos e qual a lógica presente por trás dos mesmos e

como eles vêm sendo difundidos nas esferas do conhecimento científico, nos meios de

comunicação e senso comum.

Na compreensão do bullying escolar (os participantes dessa investigação são/foram

perseguidos constantemente por seus pares, em função de adotarem determinadas crenças

religiosas; por não se adequarem aos estereótipos físico-corporais ditados pela mídia e meios

de comunicação; por serem pobres; ou ainda, por serem excessivamente aplicados nas

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236

atividades escolares), em momento algum entendi o fenômeno como sendo responsabilidade

exclusiva de um sujeito particular.

Tendo em vista que o bullying escolar é um problema de relacionamento interpessoal,

é importante não perder de vista que as relações interpessoais são o reflexo do meio social, de

tal forma que o social não está fora e dicotomizado de cada um de nós. Ao ser construído

historicamente e culturalmente, o bullying escolar traz implícito, as marcas do individualismo,

por intermédio da cultura da vaidade e efemeridade das relações sociais, que dificultam o

desenvolvimento da empatia e a compreensão do ponto de vista alheio e vice-versa na

sociedade capitalista.

Pude constatar ainda que os participantes da pesquisa vêm se apropriando em maior ou

menor intensidade, de acordo com sua inserção social, de algumas objetivações humanas,

presentes em: atividades escolares; no local de moradia e de infraestrutura no bairro onde eles

residem; no contato com as tecnologias da informação e comunicação; na participação em

atividades domésticas e de trabalho; no contato e participação em atividades e espaços que

contemplam o lazer e os exercícios físicos; na participação em práticas religiosas; no contato

com a música, literatura e outras manifestações artísticas, bem como na articulação entre as

dimensões interpessoais e suportes da comunidade onde vivem. Esse processo de apropriação

das objetivações humanas os orienta frente à formação de sua personalidade e os auxilia

inclusive, num posicionamento e/ou enfrentamento diante do bullying escolar vivenciado, por

intermédio dos processos de “resiliência em-si”.

Entretanto, há que se ressaltar que tais formas de posicionamento e/ou enfrentamento

são limitadas, ao passo que os processos individuais de constituição da personalidade humana

são expressões das condições e contradições postas pelas circunstâncias objetivas de vida, que

engendram a construção dos pensamentos, formas de ser e agir. Há que se destacar que esse

não é um processo linear, mas contraditório, submetido ao desenvolvimento da história. A

personalidade de cada indivíduo vem se construindo a partir do contato com a realidade

objetiva, incorporadas ou não as possibilidades para uma atividade consciente. Quanto

menores são essas possibilidades, mais fragmentados são os motivos e ações presentes na

atividade humana.

Isso coincide com a superação momentânea das adversidades vivenciadas, no caso

aqui analisado, o bullying escolar, sendo que ao mesmo tempo, os indivíduos continuam

centrados nos processos de relações instauradas historicamente pelo capitalismo. Em

oposição, o Materialismo Histórico Dialético almeja a transformação social e a superação das

relações econômicas de produção.

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Decorrente disso é salutar apresentar que a perspectiva histórico-cultural traz uma

compreensão ampliada de bullying escolar e de “resiliência em-si”, ao entendê-los como

manifestações eminentemente humanas, sendo os mesmos, fenômenos produzidos

socialmente e culturalmente, além de apresentar, inclusive, as condições concretas existentes

para a sua superação efetiva.

Nos discursos advindos do senso comum e incorporados, por exemplo, aos meios de

comunicação de massa, há a ilusão de que um simples programa de intervenção, ou a

elaboração de uma política governamental em âmbito nacional, seriam capazes de erradicar o

bullying escolar. Como consequência, se estaria por ignorar várias dimensões que exercem

influência em sua configuração, tais como, os aspectos sociais, políticos, econômicos e

culturais, como se a problemática fosse decorrente, apenas, das relações isoladas entre um ou

vários sujeitos na realidade, desconsiderando-se a determinação da totalidade histórico-

cultural. Nas propostas de intervenção, parece não haver fundamentos teóricos que conduzam

os estudantes a entenderem: o que levou socialmente o fenômeno bullying a se fazer presente

nas escolas? Em qual contexto histórico/temporal o bullying escolar passou a ganhar

visibilidade? O que acontecia no mundo nesse momento? Por que o fenômeno vem se

articulando e ganhando novas configurações, como por exemplo, nos casos de cyberbullying?

Quais os impactos que o sistema de organização capitalista exerce sobre o fenômeno?

Para superar essa condição defendo que sejam trabalhadas questões mais estruturais

ligadas à produção do fenômeno, a fim de que os estudantes possam compreender que suas

posturas refletem a realidade, a partir de determinadas condições objetivas de vida. Há que se

destacar que apenas um projeto de intervenção imediato, por mais boa vontade que haja por

parte de seus idealizadores, não dá conta de apreender a realidade. Os projetos junto aos

estudantes devem estar atrelados a um projeto mais amplo que busque a superação das

relações imediatas e individualistas que os exclui cotidianamente.

A grande contradição presente nos conceitos de bullying escolar e de “resiliência em-

si”, é que, por mais que eles tenham sido criados a partir de uma visão neoliberal de mundo.

Na contraditoriedade dos conceitos é possível incorporar uma nova interpretação, por meio da

síntese de suas múltiplas determinações e, assim, defender condições concretas para que os

indivíduos possam emancipar frente aos problemas vividos.

O bullying escolar, por esse prisma, deixa de ser visto como a relação imediata entre

agressores e vítimas, frente a sua roupagem biologicista, para ser entendido como um produto

das relações capitalistas de produção; expresso nas manifestações de perseguição e

intimidação daqueles que não se ajustam aos padrões culturais de corpo, modos de ser e agir

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criados e difundidos pela burguesia e a serviço da manutenção das relações sociais. Assim

sendo, o bullying escolar somente poderá ser erradicado se houver uma superação das

circunstâncias atuais, geradoras de sua manutenção e propagação.

Por vez, com relação aos processos da “resiliência em-si”, entendo que uma das

grandes contradições expressas no sistema de organização capitalista refere-se ao fato de que,

por mais que muitos indivíduos se posicionem e/ou enfrentem às adversidades vividas, os

mesmos permanecem adaptados ao sistema.

É importante destacar que o conceito de “resiliência em-si” foi pensado a partir de

proposições de Duarte (1999, 2007), que ao apresentar a categoria “em-si”, enquanto uma

tendência na qual o indivíduo não apresenta ainda, uma relação consciente para com as

condições objetivas presentes em sua vida, deixa evidente, as marcas do sistema de

organização capitalista, atrelado a uma visão neoliberal de mundo. Estou entendendo por

“resiliência em-si”, o processo de interação dialética entre mecanismos mediadores de risco e

proteção, presente no desenvolvimento de um indivíduo e que favorece ao enfrentamento das

adversidades experienciadas socialmente. Porém, a “resiliência em-si” não oportuniza ainda, o

estabelecimento de relações conscientes para com as formas que produzem sua vida, o que

impede o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Tais argumentos reforçam que a

“resiliência em-si” está um degrau abaixo da emancipação e deverá ser superada por

incorporação. A emancipação só será possível por meio de um processo de tomada de

consciência, bem como pela superação das atuais relações sociais.

Acredito que apenas por meio de um posicionamento teórico-filosófico, decorrente das

apropriações dos objetos plenamente desenvolvidos e criados pela humanidade, que garanta a

consciência de que é por meio da mobilização e participação nas esferas da coletividade que

será possível produzir uma nova estrutura social. Somente num outro plano de relações

sociais é que a “resiliência em-si” poderá ser sobrepujada, ela não mais existirá em sua

configuração atual, e será superada por incorporação. Nessa dinâmica o significado do

conceito sofrerá transformações, ao passo que o seu sentido usual será subvertido, para além

das marcas que advém de sua própria origem social. Consequentemente a sociedade exigirá

que se crie outro nome para a “resiliência em-si”, por tão distinto que se tornará o seu

significado do sentido original.

É fato que apenas nessa hipotética nova estrutura social é que se pode ser realmente

emancipado “do reino da necessidade ao reino da liberdade”, até lá os indivíduos não serão

realmente emancipados.

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Tais aspectos reforçam a importância que a educação escolar, por meio do

conhecimento científico, filosófico e artístico pode ter nesse processo, sendo que ela pode

contribuir para que os estudantes construam consciência crítica da realidade e sobre si

mesmos.

A práxis pedagógica da escola numa perspectiva revolucionária deve auxiliar no

processo de apropriação dos conhecimentos, por parte de seus alunos desde a pré-escola. O

desenvolvimento dos conceitos científicos, filosóficos e artísticos de caráter social deverão

perpassar o ambiente escolar, por meio da mediação do professor, que passa a ser visto como

fundamental nesse processo.

Há que se destacar que ao defender uma prática revolucionária escolar como

fundamental para que os alunos possam superar posicionamentos superficiais e acríticos.

Tenho a clareza que embora necessária, a educação escolar não é suficiente para produzir

sozinha tais mudanças.

Entretanto, a escola precisa cumprir com sua função social, ou seja, socializar o

conhecimento produzido historicamente, mediante questões éticas e axiológicas, a fim de

oferecer a direção para que tal conhecimento possa ser utilizado em prol à

consciência/intervenção crítica de seus alunos. Assim, poderão retomar para si o controle

consciente das transformações, das circunstâncias e de si mesmos, na superação da alienação

e no pleno desenvolvimento da personalidade humana, ou seja, na superação da

individualidade em-si, a partir do processo de humanização com vistas à invidualidade para-

si.

A categoria para-si expressa uma tendência em que o processo de objetivação do

gênero humano ocorre de maneira consciente. No processo de formação do indivíduo, há cada

vez mais uma relação consciente com sua individualidade mediante às condições objetivas

presentes em sua vida (DUARTE, 1999).

Deve ficar claro ainda que esta tese não teve a pretensão de esgotar as discussões

sobre os assuntos aqui abordados, até mesmo porque outros questionamentos poderão surgir a

partir dessa investigação. Deixo algumas problematizações, a fim de que você leitor possa se

posicionar frente aos temas. Quais discussões são necessárias de serem produzidas e/ou

aprofundadas em futuras investigações sobre o bullying escolar e a “resiliência em-si” na

perspectiva da Teoria Histórico-Cultural? Como fortalecer coletivos, movimentos sociais e

escolas-comunidades, a fim de que suas produções possam alcançar os programas de

formação inicial e continuada de nossos professores advindos de políticas públicas

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conservadoras e neoliberais, na busca pelo desenvolvimento de uma práxis que favoreça a

consciência crítica de nossos escolares na luta pela transformação social?

Enfim, tais questionamentos poderão alcançar algumas respostas, por meio do debate e

do diálogo tão escassos na atualidade em nossas universidades e escolas, sobretudo porque,

difunde-se frequentemente que o mundo está pronto e acabado, e que pouco ou nada resta aos

homens fazer. Aspectos que prefiro discordar, frente a incessante busca por respostas de como

contribuir para com a superação do capitalismo que se faz cada vez mais selvagem. Apenas

por meio de um processo de tomada de consciência deixaremos de dizer sim a esse modelo de

organização social, para coletivamente dizer NÃO.

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259

ANEXO A

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260

Roteiro de Entrevista Inicial

Contextualização inicial

1 - Há quanto tempo você estuda nessa escola?

2- O que você acha da mesma (estrutura, funcionamento, colegas, funcionários)?

3- Há conflitos em sua escola? De que tipo? O que pensa sobre os mesmos?

4- O que você pensa sobre o papel do governo frente ao funcionamento de sua escola?

5- Há espaços/momentos em que você e os demais alunos de sua escola possam se mobilizar

coletivamente frente aos seus anseios (necessidades)? Você participa desses espaços? Como

eles funcionam (caso haja).

6- Quais são os tipos de situações mais desafiadoras para que você possa viver na sua

comunidade?

7- Esses desafios são vivenciados por outros adolescentes?

8- Você conhece algum tipo de grupo de pessoas que são tratados injustamente em sua

comunidade? Quais? Por quê? Como? O que pensa disso?

9- O que você faz quando está diante de alguma dificuldade em sua vida? Quais exemplos de

situações/desafios que você enfrenta? Onde você busca forças (apoio)?

10- Que tipos de relacionamentos com outras pessoas você considera importante em sua vida?

O que significa para você? (Relacionarei às pessoas que os mesmos apontarem).

11- O que você acha que as pessoas mais velhas pensam dos mais jovens? Elas respeitam as

opiniões dos mesmos?

12- Como são seus amigos?

13- O que seus amigos gostam de fazer? Por que você gosta deles?

14- Ainda sobre sua comunidade, que tipo de coisas (apoio, recursos, programas e serviços)

estão disponíveis e você pode utilizar?

15- Como você percebe o papel do governo na garantia dos seus direitos como cidadão

(exemplo: acesso à escola; informações necessárias para que você possa crescer bem na sua

comunidade)?

16- Há lugares para o seu divertimento/lazer em sua comunidade? O que acha desses

espaços/serviços? Seriam necessários outros?

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261

17- Como você reivindicaria espaços/serviços que considera importante, caso eles não

existam em sua comunidade?

18- O que você acha da nossa sociedade em termos de condições para o desenvolvimento de

todos?

19- Como você contribui para sua comunidade com tua presença?

20- O que você acredita ser necessário para que outros adolescentes da mesma idade possam

crescer bem no seu bairro?

21- Quais são suas expectativas de futuro (desejos, objetivos)? Você se sente capaz de realizá-

los?

22- Quais as dificuldades que você acredita encontrar pela frente? Como superá-las?

Agradecer pela participação nessa fase da pesquisa e garantir sigilo sobre os dados

coletados. Após a entrevista, os adolescentes serão instruídos a fotografar todos os elementos

(pessoas, lugares, espaços e coisas) que consideram como positivos ou negativos em suas

trajetórias de vida. Pedir para que os mesmos pensem com cautela quais as fotos que merecem

ser tiradas e que poderão ser úteis para conversarmos. E por último, oferecer algumas

instruções sobre o uso das câmeras digitais.

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262

ANEXO B

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263

Roteiro de entrevista sobre as fotografias

- Contextualização inicial

- Apresentar uma cópia do álbum para que eles possam analisar.

1- Qual a fotografia que você mais e menos gostou? O que elas significam para você? Ao que

elas te remetem (fazem você se recordar/lembrar)?

2- Qual fotografia foi capaz de representar algo bom em sua vida? Por que você a escolheu? O

que você poderia nos contar sobre a mesma?

3- Qual fotografia mostra algo difícil em sua vida? Por que você a escolheu? O que você

poderia nos contar sobre ela?

4- Qual (is) fotografia(s) que mostra(m) aquilo que faz você apreciar em morar na sua

comunidade? Por quê?

5- Qual (is) fotografia(s) que mostra(m) aquilo que faz você não apreciar morar na sua

comunidade? Por quê?

6- Sobre as demais fotografias, o que significam para você? O que você poderia nos falar

sobre elas e que não foi abordado (conversado) até agora?

7- Houve alguém ou alguma situação que você gostaria de ter fotografado e que não foi

possível, seja por não ter encontrado a pessoa ou por outros motivos? O que essas situações

significam para você?

Agradecer pela participação na fase da pesquisa e garantir sigilo sobre os dados coletados.

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264

ANEXO C

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265

Roteiro de entrevista sobre os DVDs elaborados a partir das filmagens

Contextualização inicial

1- Esclarecer o que estaremos vendo nos clipes (perspectiva dos adolescentes).

Sobre as práticas socioculturais em diferentes espaços que aparecerem nas filmagens, faremos

os seguintes questionamentos (trecho por trecho da filmagem):

2-O que o acesso/ contato com esse recurso/atividade significa para você?

3- Você sempre teve acesso/contato com essa atividade/ recurso?

4- Que outros recursos/ atividades sociais que não filmamos e você participa/participou?

5- Por que você as considera importantes?

6-O que você pensa de algumas pessoas terem/fazerem aquilo que está aparecendo no vídeo e

outras pessoas não?

7- Por que isso acontece na nossa sociedade?

8- Você acha que isso precisaria ser modificado? Por quê?

9- O que você acredita que poderia/deveria ser feito? Como?

10- Quais são os seus sentimentos decorrentes da situação? Por quê?

11- Como você reage (lida) com tal situação? Por quê?

12- Com relação ao recurso/atividade analisada, quais os pontos que você considera positivos

e negativos? Por quê?

13- As pessoas podem viver sem essa prática?

13- E você conseguiria viver sem ela (atividade)?

14- Há algum trecho que seja capaz de mostrar que você gosta de morar em sua comunidade?

Por quê?

15- Há algum elemento da filmagem que mostre que você não gosta de morar em sua

comunidade? Por quê?

16- Você gostou dos trechos selecionados? Os mesmos conseguiram mostrar suas forças

pessoais e redes de apoio social (quando têm dificuldades onde buscam ajuda)?

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266

17- Você acredita que os trechos selecionados conseguiram mostrar suas forças pessoais e

redes de apoio social? Ou seja, os lugares, pessoas que você procura quando tem dificuldade,

ou ainda as coisas que você faz diante dessa situação? Por quê?

18- Há algum evento filmado que deveria fazer parte do clipe? Quais são as suas

justificativas?

Agradecer pela participação na fase da pesquisa e garantir sigilo sobre os dados coletados.