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A InterfacEHS é uma Publicação Científica do Centro Universitário Senac que publica artigos científicos originais e inéditos, resenhas, relatos de estudos de caso, de experiências e de pesquisas em andamento nas áreas de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Confira o dossiê especial "RISCO NOSSO DE CADA DIA" e artigos relacionados aos assuntos: - Logística Reversa de Lâmpadas Fluorescentes - Oportunidades de Negócios Geradas pelo Lixo Eletrônico - Produtos Orgânicos e o Comportamento do Consumidor Entre outros! Acesse a revista na íntegra! http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/
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ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
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ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
EDITORIAL
Caro Leitor
Pela primeira vez, a InterfacHES – Revista de Saúde, Meio Ambiente e
Sustentabilidade traz até você em sua primeira edição no ano de 2013, dossiê de artigos
científicos relacionados com “Risco Nosso de Cada Dia”. A questão da vulnerabilidade
social a perigos naturais foi abordada pelos autores Eduardo Antonio Licco e Emília
Seo apresentando o estudo de caso do Jardim Pantanal estigmatizado pelas enchentes,
bairro da zona leste do município de São Paulo. O mesmo autor, Eduardo Antonio
Licco, discute o tema com o fato ocorrido em Petrópolis, Rio de Janeiro. Registramos os
riscos ambientais associados às lâmpadas fluorescentes, contribuição de Fernando
Rodrigues da Silva, que analisou os impactos ambientais potenciais associados ao
sistema de logística reversa deste resíduo sólido.
Neste fascículo contamos com artigo sob autoria da Nara Medianeira Stefano, que
investigou sobre atual panorama dos produtos orgânicos, dada a crescente contaminação
ambiental que inclui todo o ecossistema e o aumento de estudos sobre os perigos para a
saúde do homem, fruto do consumo de alimentos contaminados com produtos químicos.
No que tange o índice de rotatividade pessoal e o de absenteísmo foram discutidos
em uma empresa de produção e comercialização de citros no Noroeste Paulista pela
autora Veridiana Zocoler.
Os resultados experimentais do processo de produção de biodiesel por
transesterificação etílica do óleo de canola utilizando hidróxido de sódio como
catalisador foram avaliados pela autora Fernanda Aparecida Arzani. Tais resultados e
análises estão focados na caracterização do óleo de canola quanto ao perfil de ácidos
graxos, à percentagem de acidez, umidade, densidade e viscosidade; avaliação dos tipos
de membranas cerâmicas; avaliação do fluxo permeado e da qualidade do produto
obtido.
A seção InterfaceHS foi motivada após a realização do trabalho de Iniciação
Científica da aluna Marcella Moretti Ferreira sob a orientação do prof. Alexandre Saron
que realizaram o estudo da eficiência do tratamento de esgoto doméstico por sistema de
wetland de fluxo vertical descendente para ser aplicado em comunidades isoladas.
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No mais, vale ressaltar, na seção de resenhas, a reflexão do autor Fábio Rubens
Soares sobre a Prevenção e Controle de Perdas.
A Seção Tradução é destacada sobre as “Perspectivas globais sobre e-lixo”
traduzindo o artigo intitulado Global perspectives on e-waste dos autores Rolf Widmer,
Heidi Oswald-Krapf, Deepali Sinha-Khetriwal, Max Schnellmann e Heinz Böni,
publicado em 2005, no volume 25 do Environmental Impact Assessment Review da
Editora Elsevier.
Espero que o conteúdo da revista enriqueça o seu aprendizado.
Tenha uma boa leitura!
Emília Satoshi Miyamaru Seo
Editora
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ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
PERIGOS E RISCOS NATURAIS: ESTUDO DE CASO DO JARDIM
PANTANAL
NATURAL HAZARDS AND RISKS: THE CASE STUDY OF JARDIM PANTANAL
Eduardo Antonio Licco1
Emilia Satoshi Miyamaru Seo2
RESUMO
A caprichosa força da natureza pode ter um impacto devastador sobre os meios de
vida das comunidades em todo o mundo. Embora vendavais, escorregamentos de terra,
terremotos e inundações sejam eventos naturais, os desastres que provocam não o são.
No caso dos países em desenvolvimento, os efeitos adversos da exposição aos perigos
naturais ocorrem dentro de um contexto de vulnerabilidades estruturais associadas a
grandes acumulações populacionais, altas taxas de pobreza e infra-estrutura pública
inadequada. Esses fatores tornam difícil para o Estado responder com eficácia aos riscos
associados a desastres naturais. Neste trabalho aborda-se a questão da vulnerabilidade
social a perigos naturais, contextualizando-se o tema e tomando como elemento de
discussão o caso do Jardim Pantanal, bairro da zona leste do município de São Paulo
estigmatizado pelas enchentes que lá ocorrem.
Palavras-chave: Perigos naturais; desastres; gerenciamento de riscos.
1 Professor doutor do Centro Universitário Senac, SP. – Consultor de empresas.E-mail:[email protected] 2 Professor doutor do Centro Universitário - Senac, SP e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares – IPEN/CNEN/SP.E-mail:[email protected]
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ABSTRACT
The capricious force of nature can have a devastating impact on the livelihoods of
households and communities across the world. Although hurricanes, tsunamis,
earthquakes and floods are natural events, the disasters they trigger are not. In the case
of developing countries the adverse effects from natural hazards occur within a context
of structural vulnerabilities associated with large populations, high rates of poverty, and
inadequate public infrastructure. These factors make it difficult for the State to respond
effectively to the risks associated with natural hazards. This paper addresses the issue of
social vulnerability to natural hazards, contextualizing it and taking up the issue for
discussion the case of Jardim Pantanal, the neighborhood in the east part of the city of
São Paulo stigmatized by the floods that occur there.
Key words: Natural hazards; disasters; risk management.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas têm-se presenciado um aumento considerável não só na
freqüência e intensidade, mas também nos danos e prejuízos causados pelos assim
chamados desastres naturais. Hoje, há mais desabrigados no mundo em conseqüência de
desastres naturais do que de conflitos (GUHA-SAPIR et. al., 2011).
De acordo com o programa de redução do risco de desastres das Nações Unidas
(UNITED NATIONS, 2011) não existem “desastres naturais", mas sim “perigos
naturais”. Os perigos são naturais, os desastres não. A natureza fornece os perigos na
forma de terremotos, erupções vulcânicas, inundações e assim por diante; os seres
humanos criam as condições de contorno para os desastres ocorrerem. Neste contexto,
um desastre natural é a conseqüência última da exposição de uma população, em
condição de vulnerabilidade, a um perigo natural.
Um perigo natural é um fenômeno natural extremo que ameaça vidas humanas,
atividades, bens ou o ambiente. Sua presença é constante ou está sujeita a flutuações.
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Muitos deles são cíclicos, como os tremores de terra associados à acumulação gradual
de pressão sobre uma falha. Outros, especialmente os meteorológicos, tendem a ser
sazonais. Fenômenos naturais podem ser transformados em perigo, quer por excesso
quer por falta. Uma descarga pluviométrica excessiva pode dar origem a inundações,
enquanto que pouca precipitação pode causar uma seca (ECLAC, 2003).
Em geral, a grande maioria dos perigos naturais está sujeita a uma regra de
magnitude e frequência pela qual maior a magnitude, menor a frequência de ocorrência.
Alguns perigos tais como as erupções vulcânicas, podem ocorrer em uma escala de
tempo geológica que é muito maior do que a escala temporal de vidas humanas. Em tais
casos, torna-se difícil justificar alocação de recursos para prevenção de eventos que têm
uma baixa probabilidade de ocorrência durante o período de uma vida humana.
A exposição aos perigos naturais torna-se crítica quando as forças físicas ou
estresses ambientais excedem a capacidade dos sistemas sociais humanos, econômicos,
culturais, ou de saúde para absorver, resistir, ou evitar o impacto negativo resultante.
Dessas situações decorrem os desastres naturais (ECONOMIC COMMISSION FOR
LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN, 2003).
Os desastres naturais são o resultado destrutivo de eventos extremos.
Globalmente, são registrados mais de 700 deles por ano (EM-DAT, 2012).
Mais do que pela influência das forças naturais, os desastres são definidos pela
vulnerabilidade dos sistemas humanos, ou seja, pela susceptibilidade das pessoas ou
coisas expostas a um perigo. Assim, a maior ou menor intensidade de um desastre
dependerá da vulnerabilidade da população exposta (figura 1).
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Tobin e Montz (1997) conceituam desastres como o resultado de eventos adversos
que causam grandes impactos na sociedade, sendo distinguidos principalmente em
função de sua origem, isto é, da natureza do fenômeno que o desencadeia.
Figura 1. Os desastres naturais são o produto final da exposição de uma população
vulnerável a um perigo natural. Maior a vulnerabilidade, maior a intensidade do
desastre.
No Brasil, de acordo com as normativas da Política Nacional de Defesa Civil, os
desastres são classificados quanto a sua evolução, à sua intensidade e à sua origem
(BRASIL, 1999)3. Quanto a sua evolução, dividem-se em:
a) desastres súbitos ou de evolução aguda, como deslizamentos, enxurradas, vendavais,
terremotos, erupções vulcânicas, chuvas de granizo e outros;
b) desastres de evolução crônica ou gradual, como seca, erosão ou perda de solo,
poluição ambiental e outros;
c) desastres por somação de efeitos parciais, como cólera, malária, acidentes de trânsito,
acidentes de trabalho e outros.
Quanto a sua intensidade, estão classificados como:
a) desastres de médio porte;
3 O Diário Oficial da União nº 4, de 5 de janeiro de 1995, publicou os anexos “A” e “B” da Política Nacional de Defesa Civil, constantes da Classificação Geral dos Desastres e da Codificação de Desastres, Ameaças e Riscos - CODAR.
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b) desastres de grande porte; e,
c) desastres de muito grande porte.
Quanto à origem em:
a) naturais;
b) humanos e,
c) mistos.
Neste último caso, a diferenciação de conceituação entre desastres naturais e
humanos está na participação direta ou não do homem. Os desastres humanos são
aqueles gerados pelas ações ou omissões humanas, como acidentes de trânsito,
incêndios industriais, contaminação de rios, entre outros. Os desastres naturais são
causados pelo impacto de um fenômeno natural de grande intensidade sobre uma área
ou região povoada, podendo ou não ser agravado pelas atividades antrópicas (BRASIL,
1999).
A severidade de um desastre depende da intensidade do impacto que um perigo
causa na sociedade e no meio ambiente. Esta intensidade, por sua vez, depende das
escolhas que são feitas para nossas vidas e/ou para o nosso meio ambiente. Essas
escolhas dizem respeito à forma pela qual os alimentos são obtidos, onde e como é feita
a ocupação do solo, que tipo de governança existe, como funciona o sistema financeiro
e até mesmo o que se ensina nas escolas. Cada decisão e cada ação torna uma sociedade
mais vulnerável a desastres, ou mais resistente a eles. Não se pode impedir a ocorrência
de uma onda de calor, uma chuva intensa, ou um terremoto, mas é possível impedir que
elas gerem um desastre.
Os desastres são, na sua maioria, induzidos pelo homem e potencializados por
suas atividades modificadores do ambiente como desmatamentos, urbanização, poluição
e, por suas ações indutoras de mudanças climáticas. Nas palavras de Abramovitz (2001,
p.15):
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Ao degradarmos as florestas, modificarmos cursos de rios,
aterrarmos áreas alagadas e desestabilizarmos o clima estamos
desfazendo a malha de uma rede de segurança ecológica
extremamente complexa, [....] Já modificamos tantos sistemas
naturais, e tão dramaticamente, que sua capacidade de nos
proteger de distúrbios foi gravemente minada.
Os desastres podem ocorrer em qualquer continente ou país, visto que os
fenômenos naturais que os desencadeiam, como tempestades, terremotos e vulcões
existem em diversas partes do globo. Entretanto, algumas regiões são mais afetadas em
função da magnitude e freqüência dos fenômenos e, principalmente, da vulnerabilidade
do sistema social (MARCELINO, 2007).
Em face destas considerações, o presente trabalho aborda a questão da
vulnerabilidade social a perigos naturais, contextualizando-se o tema e tomando como
elemento de discussão o caso do Jardim Pantanal, bairro da zona leste do município de
São Paulo estigmatizado pelas enchentes que lá ocorrem.
A metodologia traçada neste estudo foi a pesquisa bibliográfica, buscando
levantar conceitos sobre desastres naturais, desastres humanos, vulnerabilidade, perigos
e riscos. O estudo de caso centrou-se no Jardim Pantanal.
DESASTRES NATURAIS E DESASTRES HUMANOS
Há uma importante distinção entre desastres naturais e não naturais. Muitos
ecossistemas e espécies são adaptadas à perturbações naturais e, de fato, distúrbios são
necessários para manter a sua saúde e vitalidade, e até mesmo sua existência. Muitas
florestas e pastagens, por exemplo, são adaptadas para incêndios naturais periódicos, e
precisam deles para queimar a vegetação morta, restaurar a fertilidade do solo, e lançar
sementes. Assim como nem toda perturbação natural é um desastre, nem todo desastre é
completamente natural. O homem alterou tanto os sistemas naturais e de forma tão
dramática que a sua capacidade de recuperação diminuiu grandemente.
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Desmatamentos prejudicam bacias hidrográficas, aumentam o risco de incêndios e
contribuem para a mudança climática. Destruição de zonas costeiras alagadas, dunas e
manguezais elimina a absorção natural de choque contra tempestades costeiras. Estas
mudanças antrópicas acabam fazendo com que áreas naturalmente vulneráveis, como
encostas, rios, zonas costeiras e ilhas baixas, se tornem ainda mais vulneráveis a eventos
climáticos extremos.
Assentamentos humanos tornam-se também menos resilientes4, conforme mais
estruturas, mais atividades econômicas e mais pessoas são alocadas em locais
vulneráveis. Nessas situações a abordagem usual de enfrentamento a distúrbios naturais
é tentar impedi-los por meio de respostas imediatistas, de soluções tecnológicas, que
muitas vezes acabam por agravá-los. Uma resposta comum a enchentes é tentar impedi-
las, controlando córregos e rios. Mas ao contrário da crença popular, retificar ou conter
um rio com canais, barragens, ou outras estruturas não previne enchentes. Pelo
contrário, estas obras aumentam as taxas de fluxo e podem causar inundações a jusante
ainda piores. Esta realidade é identificada tanto em córregos que cruzam a cidade de
São Paulo como em grandes rios que cruzam os Estados Unidos (O’BRIEN, 2002).
MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DESASTRES NATURAIS
É factual o aumento considerável na freqüência anual de desastres naturais em
todo o globo. Conforme dados do EM-DAT (2012), a média de desastres ocorridos na
década de 1950 foi de 45 eventos por ano, saltando para mais de 450 eventos na década
de 2000 (Figura 2). Estes números refletem diretamente a elevação na frequência e
intensidade dos desastres causados por condições climáticas severas.
Dentre os principais fatores responsáveis pelo aumento dos desastres naturais no
mundo destacam-se: o crescimento populacional, a segregação socioespacial (aumento
das favelas e bolsões de pobreza), a acumulação de capital em áreas de risco (ocupação
4 Capacidade que um indivíduo ou população apresenta, frente a uma adversidade, de responder, se adaptar ou evoluir positivamente. Vulnerabilidade e resiliência caminham juntas na tentativa de explicar as complexas interações entre sistemas sociais, naturais e os transformados pela engenharia, e a capacidade desses sistemas de responder e se recuperar de eventos adversos.
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da zona costeira), o avanço das telecomunicações (registro e disseminação de
informações) e as mudanças climáticas globais (MARCELINO et .al., 2006).
Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
"Gestão de riscos de eventos extremos e desastres para avançar na adaptação às
mudanças climáticas” (IPCC, 2012) há sinais indicativos que a mudança climática
provocou modificações em certos episódios extremos que ocorrem há 50 anos e os
modelos numéricos preveem uma intensificação nas próximas décadas. De acordo com
o relatório do IPCC, é possível que, no futuro, a duração e o número de ondas de calor
aumentem em muitas regiões do mundo, e que haja uma frequência mais elevada de
fortes chuvas, principalmente nas regiões mais altas e áreas tropicais, o que inclui o
Brasil.
Figura 2. Número de desastres reportados em todo o mundo no período 1990 a
2011
Fonte: EM DAT, 2012.
Ressalta ainda o relatório que é preciso que as nações estejam preparadas para
enfrentar temperaturas mais altas, secas mais intensas e, em outros casos, chuvas mais
violentas, e exalta o fato de que todos os países, mesmo os desenvolvidos, estão sujeitos
ANO
Número de desastres
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a estes impactos.
As inundações bruscas, associadas a elevados índices de precipitação (> 25
mm/h), ao aumento dos dias precipitações intensas, aos desmatamentos de encostas, à
ocupação das planícies de inundação, ao assoreamento dos rios e a impermeabilização
urbana constituirão, muito provavelmente, o principal problema ambiental que a região
Sul e Sudeste do Brasil terá que enfrentar nas próximas décadas. Nesse cenário é
necessário, em caráter de urgência, o estabelecimento de medidas preventivas que
possam minimizar as consequências deste fenômeno, visando a minimização da
vulnerabilidade das populações expostas.
VULNERABILIDADE
Vulnerabilidade pode ser definida como o estado em que se encontra um sistema
antes de um evento desencadear uma catástrofe (Figura 3). Vulnerabilidade também
pode ser definida em termos da probabilidade do resultado das perdas de um sistema
medido na forma de prejuízos econômicos ou de vidas humanas. Sob outro prisma,
vulnerabilidade seria a combinação do estado desse sistema com outros fatores, como
capacidade para enfrentar e se recuperar de um evento catastrófico, introduzindo os
conceitos de resiliência e resistência. (GALDERISI et. al., 2010 apud TAPSELL, 2010)
Figura 3. A vulnerabilidade de um sistema aos perigos depende de suas defesas e
fragilidades. Menores as defesas maior a vulnerabilidade.
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Quando se analisa vulnerabilidade é necessário estabelecer quem ou o que está
vulnerável, a que está vulnerável e sob que condições (Figura 4). Como se observa na
figura 4, todos estão expostos a chuvas fortes. A população da esquerda é vulnerável a
escorregamentos, mas não a enchentes, diferentemente da população da direita onde a
vulnerabilidade é inversa. A população da direita apresenta ainda diferentes
vulnerabilidades em função de uma parcela de seus componentes apresentar defesas
maiores do que a outra (palafitas).
Figura 4. Vulnerabilidades de uma população
Da perspectiva das mudanças climáticas, o IPCC (2012) define vulnerabilidade
como sendo o grau em que um sistema é suscetível a, ou incapaz de lidar com efeitos
adversos da mudança do clima, incluindo variabilidade climática extremas. Os três
componentes da vulnerabilidade, de acordo com a definição do IPCC são: exposição,
sensibilidade e capacidade de adaptação.
A severidade de um desastre depende tanto da natureza física do evento extremo
como da natureza social das populações humanas afetadas por ele. Neste contexto, o
entendimento das realidades sociais (os assim chamados fatores humanos) e das
vulnerabilidades é tão crucial para garantir o sucesso de todas as fases de gestão de
desastres, de preparação e resposta para a recuperação e mitigação de como é para
alcançar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável (ESSF, 2007).
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O JARDIM PANTANAL: ESTUDO DE CASO
O cenário natural do Brasil, tradicionalmente famoso por quase não ser acometido
por desastres naturais, vem mudando recentemente. Nos dias de hoje, principalmente no
verão, já é realidade ocorrências como enchentes de grandes proporções, que terminam
em deslizamentos de terra e inundação de cidades, não só com perdas materiais, mas
com o registro de mortes e de famílias inteiras desabrigadas. Um caso emblemático é o
do Jardim Romano, popularmente conhecido como Jardim Pantanal.
O Jardim Romano está localizado no distrito de Jardim Helena, no município de
São Paulo, região de São Miguel Paulista. A região, localizada no extremo leste do
município faz divisa com os municípios de Guarulhos ao norte, Itaquaquecetuba ao
leste, e com o distrito de Itaim Paulista ao sul (Figura 5). O Jardim Romano é vizinho ao
rio Tietê e ao Córrego Três Pontes e, assim como outras áreas da periferia da Zona
Leste da cidade de São Paulo vive constantemente um estado de calamidade pública.
Figura 5. A localização do Distrito de Jardim Helena, vizinho de Guarulhos e
Itaquaquecetuba, e do Jardim Romano.
Fonte: Google Earth, 2013
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Desde sempre a região onde se localiza o Jardim Romano esteve submetida a
enchentes sazonais. Localizado ao lado da várzea do rio Tietê, o bairro cresceu durante
30 anos de forma irregular, sem fiscalização, numa área considerada de perigo de
inundação. A razão de suas ruas frequentemente alagarem é o fato da região estar
abaixo do nível da várzea do Rio. Em situação de chuvas mais intensa o nível da água
na várzea sobe, ficando acima do nível da galeria das águas pluviais. Esta condição não
somente impede o escoamento das águas de chuva como força as águas do rio a ocupar
a região. A figura 6 mostra o perfil do terreno nas proximidades da Rua Canacatagé.
Como se observa, em um evento com elevação nas águas do rio em 1 metro será
suficiente para alagar toda a área ao redor.
Dados socioeconômicos de 2008 (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008) da região de
São Miguel Paulista indicam que 49% da população do Distrito de Jardim Helena são
mulheres e 51% homens, com idade média de 35,2 anos; 43% da população tem ensino
fundamental, 52% ensino médio e 6% ensino superior; a renda familiar de 36% da
população é de até 2 Salário Mínimos - SM, 25% entre 2 e 3 SM, 24% entre 3 e 5SM,
11% entre 5 e 10 SM e 2% com renda familiar superior a 10 SM. Segundo dados de
2010 da Subprefeitura de São Miguel Paulista, o Jardim Helena possui
aproximadamente 92.000 habitantes. (PMSP, 2013)
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Figura 6. O perfil do terreno nas proximidades da Rua Canacatagé mostrando sua
vulnerabilidade a enchentes no caso de elevação do nível das águas do Rio Tietê.
Fonte: Google Earth
Durante o final de 2009, início de 2010, com chuvas que elevaram o nível das
águas a quase um metro, o bairro ocupou as páginas do noticiário nacional. As imagens
eram impressionantes: casas, carros e eletrodomésticos destruídos, famílias fugindo às
pressas e crianças tentando atravessar as ruas com água até o pescoço. À época, as
águas do rio Tietê, juntamente com o refluxo das águas das galerias pluviais,
permaneceram por quase 2 meses inundando centenas de casas na região. Saturado, o
sistema de esgoto espalhou sujeira, mau cheiro, animais peçonhentos e doenças durante
os 52 dias em que duraram as enchentes. Em face das repercussões do evento, em
fevereiro de 2010 a Prefeitura de São Paulo decretou estado de calamidade pública nas
áreas situadas no Distrito do Jardim Helena.
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Para dar solução a um problema recorrente de mais de 15 anos a Secretaria de
Saneamento e Energia - SSE, e a Prefeitura de São Paulo avaliaram várias alternativas
técnicas para contenção das cheias na região e optaram pela construção de um sistema
de pôlder para o Jardim Romano, considerando que aquela seria a melhor solução para o
caso.
O sistema de pôlder é um tipo de obra utilizada em situações que as áreas afetadas
encontram-se em cotas inferiores em relação ao corpo hídrico adjacente, em região
plana com características aluvionares, próximas a rio, com inevitável espraiamento das
águas durante a época de cheias.
O sistema de pôlder apoia-se sobre três “pilares” básicos:
a) Um dique (aterro ou muro) de proteção erguido circundando toda a área a ser
protegida;
b) Uma rede de microdrenagem na área a ser protegida, totalmente desconectada do
corpo d´água adjacente (tamponamento de galerias) e re-direcionada ao tanque de
acumulação. Galerias de águas pluviais que se originam em locais mais distantes do
corpo d´água, e que captam águas em locais mais altos do que o nível de projeto do
corpo d´água, podem permanecer conectadas ao corpo d´água, desde que as bocas de
lobo contribuintes, situadas nas áreas baixas, sejam tamponadas e os poços de visita
situados nas áreas baixas recebem tampões do tipo estanque.
c) Um tanque de acumulação para receber as águas da “nova” rede de
microdrenagem e um poço de bombas conjugado ao tanque, para permitir o
bombeamento das águas ao corpo d´água adjacente. (Figuras 7a e 7b).
Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, para instalação do polder no Jardim Romano
foram removidas cerca de 390 famílias e gastos 70 milhões de reais. As obras foram
concluídas em 2012.
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Figura 7a. Uma visualização do pôlderde Jardim Romano e de seu cercamento.
Fonte: Google Earth
Figura 7b. Visão aproximada do pôlder construído, com capacidade para 13.000
m3 e do poço de bombas com 5 bombas com vazão de 800 Lps cada.
Fonte: Folha de São Paulo, edição de 06/06/2012
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DISCUSSÃO
Analisando-se a história do Jardim Romano observa-se que o problema das
enchentes é antigo, datando os primeiros eventos do início da ocupação da área, na
década de 1970. Durantes os anos que seguiram as enchentes assolaram a sempre
crescente comunidade, mas as perdas e a população afetadas eram pequenas e pouco
influentes politicamente. As soluções propostas pela administração municipal eram de
baixa eficácia, centradas na identificação das áreas de perigo, cadastramento das
famílias afetadas e no auxílio financeiro para mudança.
Na virada do século as ocupações no Jardim Romano estavam totalmente
estabelecidas, com aparente incentivo da Prefeitura de São Paulo na perpetuação do
Jardim Pantanal. Em 2008, por exemplo, a Rua Capachós foi asfaltada, recebeu um
CEU (Centro Educacional Unificado), além de um conjunto habitacional financiado
pela Caixa Econômica Federal. A despeito da valorização da área, o sofrimento com as
inundações se expandia.
O evento de dezembro de 2009, por suas proporções e duração revelou toda a
vulnerabilidade daquela comunidade e a pouca efetividade das ações de governança até
então para resolver um problema crônico, conhecido de várias administrações
municipais. Os fatores humanos que potenciam a vulnerabilidade social revelaram-se
plenamente no Jardim Romano: pobreza, deseducação, falta de infraestrutura e baixa
assistência em saúde pública, expondo as parcelas mais sensíveis (mulheres, crianças e
idosos ) a risco de vida.
As condições socioeconômicas no Jardim Romano são bastante variáveis, com
residências muito vulneráveis às enchentes e outras mais protegidas pelo próprio relevo
do bairro. As localidades mais afetadas pelas enchentes foram as que abrigavam as
comunidades de menor poder aquisitivo, que ocupavam as áreas de maiores perigos,
mais próximas do rio e, portanto, mais desvalorizadas. Na Chácara Três Meninas, um
exemplo dessa situação, as habitações mais precárias foram construídas nas margens do
rio, a 15 metros da água (Figura 8).
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Figura 8. Vista da Chácara Três Meninas e a proximidade de suas habitações com
o rio Tietê
Fonte: Google Imagens: Chácara Três Meninas
Tradicionalmente, nas áreas de perigo da cidade de São Paulo as ações de
governança estão voltadas à retirada das pessoas e ao pagamento de um auxílio para
uma nova locação, ou a adoção de soluções tecnológicas. Após o evento de 2009/2010
a prefeitura entregou 1.070 termos definitivos dos apartamentos para moradores que
saíram da área de risco do Jardim Romano. Os desabrigados foram para outros bairros;
os desalojados pelas cheias receberam a bolsa-aluguel. (FOLHA DE SÃO PAULO,
2010)
A solução quase final para o problema das enchentes no Jardim Pantanal foi de
cunho tecnológico com a proteção de uma área alagável do bairro por um dique com
cerca de 1.400 metros. Evidentemente, trata-se de solução parcial, que trouxe um certo
alívio para parte da população de Jardim Romano e adjacências, mas não resolveu o
problema por completo, considerando que o dique não protege toda a região (Figura 9).
Em vários outros pontos do Distrito de Jardim Helena os moradores ainda convivem
com inundações, mau cheiro e com os ratos que dividem a várzea do rio com as pessoas.
Eles reconhecem o potencial de doenças e de perdas materiais, mas se recusam a sair de
casa por medo das dificuldades econômicas a serem enfrentadas em uma situação de
mudança.
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Figura 9. A proteção oferecida pelo dique é parcial, ficando áreas ainda sujeitas a
inundações.
Fonte: Folha de São Paulo edição de 06/06/2012
No início de 2012, artigo de Tatiana Santiago (SANTIAGO, 2012) para o jornal
Folha de São Paulo, denunciava: “Enchente volta a castigar o Jardim Pantanal”.
Segundo a autora, em 23 de janeiro de 2012 oito ruas estavam cheias d'água e 19
imóveis estavam alagados. Homens da Defesa Civil Municipal tiveram de usar botes
para chegar até os moradores. A prefeitura utilizou dois caminhões - bomba para
bombear a água das ruas, além de uma máquina de bombeamento manual. De acordo
com a Prefeitura de São Paulo, os moradores atingidos pela enchente não aceitaram ir
para abrigos e insistiram em permanecer em suas casas.
As chuvas intensas de fevereiro de 2013 relembraram uma vez mais os eventos
passados. Com elas Vila Itaim alagou completamente (Figura 10). Dia 19 de fevereiro a
rede telemétrica do Centro de Emergências da Prefeitura de São Paulo indicou um
índice pluviométrico de 54,1 mm, suficiente para provocar acumulações de água e
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estragos em todo o bairro. Por sua intensidade, precipitações como essa devem ocorrer
novamente em um período de 10 anos, talvez antes, talvez depois. Todavia, é certo que
ocorrerão.
Uma segunda certeza que salta aos olhos, agora analisando a ocupação do Jardim
Romano e vizinhanças é que a região deve continuar a se desenvolver, com mais
moradores, mais construções, conjuntos habitacionais, infraestrutura melhor e mais
impermeabilização do solo. Infelizmente, se assim for, e na ausência de uma ação
efetiva para redução de vulnerabilidades o risco de ocorrência de perdas humanas e
materiais será elevado.
Figura 10. Imagem da Rua Bernardo de Chaves Cabral no dia 19/02/2013.
Fonte: Folha de São Paulo, 20/02/2013.
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VULNERABILIDADE SOCIAL E DESASTRES NATURAIS: UMA ANÁLISE
PRELIMINAR SOBRE PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO
SOCIAL VULNERABILITY AND NATURAL DISASTERS: A PRELIMINARY ANALYSIS OF PETRÓPOLIS, RIO DE JANEIRO
Eduardo Antonio Licco5
Resumo
É inegável o crescimento no número e na intensidade dos impactos causados pelos
assim chamados desastres naturais. Com a globalização da informação, praticamente
todos os dias tem-se notícia de um evento com perdas de vidas e materiais motivadas
pela exposição de populações a elementos da natureza. Este texto faz uma abordagem
preliminar dos fatores que influenciam na severidade dos desastres naturais, focando a
vulnerabilidade social. O município de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro é
analisado à luz desta variável, tendo em conta os recorrentes eventos que tantas mortes
ali têm causado. O texto evidencia que, a despeito do que vem sendo feito no sentido da
prevenção de desastres naturais, o Brasil ainda apresenta um passivo imenso com
relação ao tema.
Palavras-chave: vulnerabilidade, desastre natural, Petrópolis
5 Professor doutor do Centro Universitário Senac, SP. – Consultor de empresas.E-mail:[email protected]
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Abstract
It is undeniable growth in the number and intensity of impacts caused by so-called
natural disasters. With the globalization of information, almost every day has news of
an event with loss of lives and materials motivated by the exposure of populations to
natural elements. This paper makes a preliminary approach of the factors that influence
the severity of natural disasters, focusing on social vulnerability. The city of Petrópolis,
in the mountainous region of Rio de Janeiro is considered in the light of this variable,
given the recurring events that have caused so many deaths there. The text shows that,
despite what has been done towards the prevention of natural disasters, Brazil still
presents a huge liability with regard to the topic.
Key-words: vulnerability, natural disaster, Petropolis
Introdução
É inegável o crescimento no número e na intensidade dos impactos causados pelos
assim chamados desastres naturais. Com a globalização da informação, praticamente
todos os dias tem-se notícia de um evento com perdas de vidas e materiais motivadas
pela exposição de populações a elementos da natureza. O crescimento demográfico e as
mudanças socioeconomicas que caracterizam os últimos 30 anos vêm aumentando as
populações urbanas e provocando a concentração, cada vez maior, de pessoas e bens em
áreas com exposição a perigos naturais como tsumanis, escorregamento de terra,
inundações.
Terremotos, ondas de calor e tempestades são fenômenos naturais, de ocorrência
periódica, não podendo ser considerados desastres em si ou por si. Um terremoto que
ocorre em uma ilha deserta, por exemplo, não desencadeia nenhum desastre porque não
há população existente ou propriedade a ser afetada. Para que um fenômeno natural
constitua um risco de desastre deve haver a presença de uma população exposta, com
um certo grau de vulnerabilidade.
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Os desastres são melhor entendidos se vistos como resultado da complexa
interação entre um evento físico potencialmente prejudicial (inundações, secas,
incêndios, terremotos e tempestades) e a vulnerabilidade de uma sociedade a ele
exposta, caracterizada por aspectos determinados pelo comportamento humano como
infra-estrutura, governança, educação e economia. Visto sob esta luz, desastres naturais
podem e devem ser entendidos como '' eventos não naturais'' (CARDONA, 1993; van
GINKEL, 2005). Os perigos podem ser naturais, mas os desastres não.
No sentido da promoção de sociedades mais resistentes a desastres naturais faz-se
necessária uma mudança de paradigma alterando - mas não abandonando - o foco dos
perigos naturais e sua quantificação para a identificação, avaliação e classificação das
vulnerabilidades sociais. No documento final da Conferência Mundial sobre Redução de
Desastres, ‘‘Hyogo Framework for Action 2005–2015’’, a comunidade internacional
destacou a necessidade de promover abordagens estratégicas e sistemáticas para reduzir
a vulnerabilidade e os riscos frente a perigos naturais (ONU, 2005). Como se lê no
documento:
“O ponto de partida para a redução do risco de desastres e para a
promoção de uma cultura de resiliência a desastre reside não só no
conhecimento dos perigos, mas também das vulnerabilidades física, social,
econômica e ambiental a desastres que a maioria das sociedades enfrenta,
bem como das maneiras em que os perigos e as vulnerabilidades estão
mudando a curto e longo prazo” (ONU, 2005, p.7)
A Conferência destaca igualmente o fato de que os impactos dos desastres nas
condições sociais, econômicas e ambientais deveriam ser examinados através de
indicadores de mesma ordem. Dado que o desenvolvimento sustentável é caracterizado
por três pilares - social, econômico e ambiental - a formulação utilizada na Conferência
pode ser interpretada como o reconhecimento de um vínculo direto entre o
gerenciamento de riscos de desastres e desenvolvimento sustentável.
Este texto faz uma abordagem preliminar dos fatores que influenciam na
severidade dos desastres naturais, focando a vulnerabilidade social. O município de
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Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, é analisado à luz desta variável, tendo
em conta os recorrentes eventos que tantas mortes ali têm causado.
Gerenciamento de riscos de desastres
Além da existência de um perigo, alguma vulnerabilidade ao fenômeno natural
deve igualmente estar presente para que um evento constitua um desastre natural.
Vulnerabilidade pode ser definida como uma condição resultante de fatores físicos,
sociais, econômicos e ambientais ou de processos que aumentam a susceptibilidade de
uma comunidade aos impactos de um perigo. Exposição é outro componente de risco de
desastres e refere-se a o que é afetado por desastres naturais, como pessoas e bens. Em
geral, Risco é definido como a expectativa do valor das perdas (mortes, lesões,
propriedade, etc.) que seriam causadas por um perigo. Para LICCO (2012) Risco de
desastres pode ser visto como uma função de exposição a risco e vulnerabilidade da
seguinte forma:
Risco de Desastres = f→ (Perigo, Exposição, Vulnerabilidade) (Figura 1)
Figura 1. O risco de desastre como resultado da interação entre perigo, exposição e
vulnerabilidade
No contexto dos perigos naturais, o risco não só representa a possibilidade de que
um evento perigoso possa ocorrer, mas também a sua probabilidade e conseqüências.
Eventos dessa espécie podem afetar seriamente a vida de uma comunidade causando
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desde a destruição de propriedades e da infra-estrutura, até mortes e interrupções na
atividade econômica.
A gestão de risco é uma forma de preparar uma comunidade através de medidas
para minimizar impactos, preparando-a para lidar com eles. Isso inclui o planejamento
para enfrentamento, planos de emergência bem preparados e medidas para proteger as
pessoas mais vulneráveis da comunidade. Uma crescente exposição e atrasos na redução
de vulnerabilidades resultam em um aumento no número de desastres naturais e na
severidade das perdas.
Para reduzir o risco de desastres, é importante reduzir o nível de vulnerabilidade e
manter a exposição ao perigo em um mínimo como, por exemplo, realocando
populações e propriedades. A Figura 2 mostra o mecanismo da redução do risco de
desastres e indica a nova área de risco após implementação das medidas mitigadoras.
Figura 2. A redução da vulnerabilidade pode ser alcançada através de medidas de
mitigação e preparação. Como se observa, o risco de desastre mostrado nesta
figura é menor do que aquele mostrado na Figura 1.
A moderação na probabilidade de ocorrência e na severidade do impacto de um
perigo são os principais alvos da gestão de risco. Seu objetivo maior está voltado para a
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redução dos impactos físicos de um evento e na limitação dos custos materiais,
humanos, econômicos e ambientais associados. Todavia, é necessário, para tanto, dispor
de informações sobre os impactos dos desastres naturais. Esta informação é obtida por
meio da análise de risco. A análise e a avaliação de riscos são partes do processo
integrado de gestão de risco e produzem a informação crucial para os tomadores de
decisão na identificação de opções viáveis para redução de riscos (AS/NZS, 2004)
Fatores humanos e vulnerabilidade
A exposição aos perigos ambientais coloca uma população em situação / condição
de vulnerabilidade frente aos efeitos de eventos catastróficos. Vulnerabilidade envolve
um conjunto de fatores que pode diminuir ou aumentar os efeitos do contato com os
perigos a que o ser humano, individualmente ou em grupo, está exposto nas diversas
situações da sua vida como, por exemplo, uma enchente, um assalto, a perda do
emprego, uma doença, entre outras. Vulnerabilidade emerge como um conceito central
para entender qual ou quais seriam as condições de uma população que permitiriam que
a exposição a um perigo se tornasse um desastre. A importância do tema faz com que
quase todos os aspectos de conceitualização e medição de vulnerabilidade sejam objeto
de intenso debate. Este debate ocorre em diferentes domínios acadêmicos sendo pacífico
que o significado e utilização de nomes específicos para os conceitos diferem entre si.
Para Galderisi et al., (2010) vulnerabilidade seria a combinação do estado de um
sistema com outros fatores, como capacidade para enfrentar e se recuperar de um evento
catastrófico, o que introduz os conceitos de resiliência e resistência. O ponto central a
ser sempre observado é que pessoas diferentes, mesmo dentro da mesma região, têm
vulnerabilidade diferente aos perigos a que estão expostas.
Quando se analisa a vulnerabilidade de uma comunidade é fundamental que os
fatores humanos sejam considerados, uma vez que são eles que, de forma geral, mais
influenciam na severidade de um desastre. Dentre esses fatores destacam-se:
a) Riqueza. A riqueza é um dos fatores humanos mais importantes na análise de
vulnerabilidade. Os pobres são menos capazes de pagar por moradias e outras
infraestruturas que podem suportar eventos extremos. Eles são menos capazes de
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adquirir os recursos necessários para resposta em momentos de desastres e são menos
propensos a ter apólices de seguro. Eles também são menos propensos a ter assistência
médica.
b) Educação. A educação é outro importante fator a influenciar nos impactos da
exposição a perigos. Com a educação é possível aprender a evitar e/ou reduzir muitos
impactos. Quando as populações são alfabetizadas, mensagens escritas na forma de
cartazes, alertas, placas de aviso podem ser usadas para informar sobre os perigos e
procedimentos a serem adotados em condição de desastre. Algumas famílias tentam
reduzir suas perdas acompanhando as previsões climáticas e protegendo objetos mais
valiosos. Infelizmente, nem todos que tem acesso à informação tem a capacidade de
processá-la adequadamente, o que faz com que os prejuízos com eventos desastrosos
continuem elevados.
c) Governança. A natureza dos governos formais e da governança informal em
uma população é outro fator importante a ser destacado. Os governos podem promover
políticas que reduzem vulnerabilidades e estabelecer estruturas administrativas
encarregadas dessa redução; eles podem promover, apoiar, patrocinar esforços em
educação e conscientização, bem como de desenvolvimento econômico para reduzir a
pobreza. Finalmente, podem fomentar as redes sociais e capacitar os indivíduos e as
comunidades a se auto ajudarem nas situações de preparação e de resposta em caso de
perigo.
d) Tecnologia. As capacidades da tecnologia atualmente disponível podem
desempenhar um relevante papel em situações de desastres. A tecnologia pode melhorar
a capacidade de prever eventos extremos, suportar impactos e facilitar nas ações de
recuperação. A tecnologia está intimamente ligada à riqueza, educação e governança.
e) Idade. Sob este prisma, as crianças e os idosos tendem a ser os mais
vulneráveis. Eles têm menos força física para sobreviver a catástrofes e muitas vezes
são mais suscetíveis a certos fatores estressantes. Os idosos também têm menor
capacidade de visão e audição. As crianças, especialmente as pequenas, são menos
educadas e apresentam maiores dificuldades de orientação em situações de perigo. A
tendência de encarar todas as vítimas de desastres e suas necessidades igualmente traz
um especial perigo para os deficientes e idosos. A tirania do urgente e da imperícia em
desastres torna fácil ignorar as questões da idade, o que faz com que os esforços sejam
muito menos eficazes do que o necessário.
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f) Gênero. Desastres podem enfraquecer ainda mais a posição já vulnerável das
mulheres e crianças. Embora as necessidades sejam diferentes, os esforços de ajuda não
conseguem fazer distinção entre homens e mulheres. As mulheres podem precisar de
assistência médica especial quando em situação de gravidez ou lactação, ou proteção
contra o aumento da violência masculina e agressão que ocorrem geralmente após os
desastres. As mulheres tendem a ser mais vulneráveis a desastres naturais do que os
homens. Isto, em parte, porque as mulheres são mais propensas a dispor de menos
recursos materiais, serem menos instruídas e politicamente marginalizadas. As mulheres
muitas vezes enfrentam ainda a responsabilidade adicional de serem as zeladoras da
família. Quando ocorre uma catástrofe as mulheres geralmente suportam o peso da
responsabilidade de cuidar de crianças e idosos. Isto as deixa menos móveis e mais
propensas a sofrer os danos de um desastre. Os planejadores raramente reconhecem que,
em situações de pré e pós-desastre, as mulheres têm diferentes prioridades e estratégias
de enfrentamento. Felizmente, as mulheres têm menos tolerância para o risco do que os
homens, por isso são mais propensas a se preparar para os riscos e dar mais atenção às
advertências e avisos de evacuação de desastre. Depois de desastres elas são mais
dedicadas a mobilizar as redes sociais para encontrar maneiras de satisfazer as
necessidades de sua família e da comunidade.
Gestão de Desastres Naturais no Brasil
De acordo com levantamento patrocinado pelo Ministério da Integração Nacional
o Brasil sofreu mais de 30 mil desastres naturais nos últimos 22 anos, o que dá uma
média de 1.363 eventos por ano. O Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (CEPED,
2012) mostra que, entre 1991 e 2012 foram registradas 31.909 catástrofes no País,
sendo que 73% ocorreram na última década. A publicação indica que 2009 foi o ano em
que mais ocorreram desastres naturais no Brasil, com 10% dos registros — ou cerca de
3.000. O banco de dados do histórico dos desastres brasileiros associados a fenômenos
naturais indica que as estiagens e secas e as inundações bruscas e alagamentos são as
tipologias mais recorrentes do país.
Segundo os dados do EM-DAT (2013) dos 10 maiores desastre naturais ocorridos
no Brasil no período compreendido entre 1900 e 2013, ordenados por número de
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mortes, 8 estão relacionados a precipitações pluviométricas, sendo o desastre de janeiro
de 2011, na região serrana do Rio de Janeiro, o segundo maior em número de vítimas.
Os eventos mais recentes se referem às enchentes em Santa Catarina em 2008, às
chuvas em Alagoas e Pernambuco em 2010 e às inundações e deslizamentos de terra na
Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011. Como sempre, o impacto mais forte foi
sentido pela população de baixa renda, que vivia em encostas, margens de rios e outras
áreas vulneráveis.
A figura 3 apresenta o número de mortes ocorridas no Brasil por tipo de desastre,
conforme computado pelo CEPED, reforçando os dados do EM-DAT que apontam os
eventos hidrometeorológicos como os mais fatais no Brasil, até o momento.
Figura 3.. Número de mortes ocorridas no Brasil por tipo de desastre, no período
1991 – 2012.
Fonte: CEPED, 2012
Sobre o tema da prevenção a desastres naturais o Brasil ainda apresenta um
passivo imenso. O deficit histórico do Brasil no investimento em políticas públicas para
a habitação, mobilidade e saneamento se formou nos últimos 30 anos, com populações
ocupando de forma irregular áreas de perigo. Atualmente existe algo ao redor de 800
mil famílias que moram nessas áreas apenas nas regiões Sul e Sudeste (CEPED, 2012).
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No sentido do equacionamento do problema dos desastres naturais no Brasil o
governo federal tem investido em ferramentas tecnológicas de gestão, com a criação de
dois institutos --Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais) e Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres). O
objetivo é monitorar regiões de risco de ocorrência de desastres naturais no país,
visando reduzir impactos socioambientais e econômicos. Desde dezembro de 2011,
quando começou a operar, a instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação - MCTI emitiu 281 alertas, 253 deles em 2012. Somente nos primeiros dias
de 2013, o Cemaden enviou dez alertas de risco ao Cenad, responsável por acionar as
defesas civis diante da possibilidade de ocorrência de fenômenos extremos relacionados
à chuva (BRASIL, 2013).
Não obstante as iniciativas governamentais que resultaram na lei que instituiu a
Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e na criação de órgãos públicos para o
apoio a ações de gestão de riscos geológicos e geotécnicos, muito pouco se avançou de
efetivo na redução da probabilidade de ocorrência de novos eventos associados a
deslizamentos de encostas ou enchentes. Não é desconhecido o fato de pouco ter sido
conseguido no sentido de impedir o principal fator causal dos problemas: a contínua
ocupação urbana de áreas de perigo, como encostas de alta declividade e margens de
rios. A persistir essa situação a tendência é de aumento na intensidade, frequência e
letalidade dos desastres, na mesma proporção do crescimento das populações nas áreas
afetadas.
Petrópolis – RJ
A exemplo do que já ocorre a décadas, as chuvas de verão de 2013 estiveram
novamente no centro do noticiário como agentes causadores de inúmeras mortes e
prejuízos na região sudeste do Brasil e, em especial, em Petrópolis - RJ. Frente aos
impactos sociais e econômicos dos desastres que constituem, uma vez mais levantou-se
a questão: a quem cabe a culpa? Evidentemente, esta pergunta recebe diferentes
resposta, produzidas por diferentes atores sociais, partindo de diferentes pontos de vista.
Um destes pontos de vista seria aquele que analisa os desastres a partir da
vulnerabilidade de uma população e dos fatores humanos envolvidos.
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Na visão de Beck (1992), toda sociedade vive situações de risco. Esta assertiva do
autor pode ser considerada como ponto de partida para a abordagem que aqui se
pretender dar à questão dos desastres naturais na região sudeste brasileira ou, mais
precisamente, aos eventos que recorrentemente assolam a região serrana do Rio de
Janeiro. A discussão que segue, tem Petrópolis como exemplo, visto que vários dos
desastres com mortes ocorridos nos últimos anos ocorreram no município. Vale, no
entanto ressaltar que, se todos os que vivem em Petrópolis vivenciam uma situação de
risco perante as inundações e escorregamentos de terra, as vulnerabilidades entre essas
pessoas são diferentes.
As figuras 4 e 5 objetivam ilustrar as características de relevo, uso e ocupação do
solo no município de Petrópolis. As imagens falam por si. Nessa região serrana, as
chuvas de verão apresentam intensidade e frequência suficientes para, em face do relevo
e das modificações causadas pela intensa ocupação do solo, vencer a infra-estrutura
instalada e provocar alagamentos e escorregamentos de terra. O cenário que se
descortina em diversos pontos do município, similar ao que se observa em municípios
vizinhos é clássico em termos de risco de desastre, por envolver um perigo natural
reconhecido (as intensas chuvas de verão), uma exposição (pessoas e propriedades) e
uma vulnerabilidade social alta ou, se preferível, uma baixa resiliência a desastres.
Figura 4. Visão geral do município de Petrópolis, relevo e ocupação do solo
(Imagem do Google Earth, junho de 2012)
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Figura 5. Casas construídas em evidente posição de perigo (Imagem do Google
Earth, junho de 2012).
Gestão de riscos
Mesmo com mais dinheiro atualmente disponível para prevenção e resposta a
desastres naturais, o Brasil segue com dificuldades para executar esse mister. Em todo o
país, dos R$5,7 bilhões anunciados em 2011, quando as chuvas provocaram mais de 900
mortes na região serrana do Rio de Janeiro, somente R$1,9 bilhão foi utilizado em 2012
(ODILLA et al., 2013). Originalmente, o recurso estava reservado para obras
preventivas, construção de barragens, contenção de cheias e mapeamento de áreas de
perigo. Todavia, nenhuma casa popular prevista para receber os atingidos pelas chuvas
de 2011 foi concluída. Evidentemente, não há capacidade instalada em nenhum nível de
governo para apresentar, analisar e aprovar projetos específicos que utilizem os recursos
previstos. O governo federal divide com os governos estaduais e municipais a
dificuldade de usar o dinheiro previsto em orçamento para este fim.
De sua parte, o governo federal justifica dificuldades, nomeadamente em aplicar
os recursos disponíveis para prevenção e controle de desastres naturais, apontando a
complexidade das obras envolvidas e a exigência de inúmeras licenças ambientais,
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desapropriações e licitações, além das barreiras que os Estados e municípios enfrentam
para apresentar projetos à União.
Outro aspecto de governança que tradicionalmente causa demora na liberação de
recursos do governo é a burocracia das contas públicas. Para o Ministério das Cidades,
na área de habitação a dificuldade maior reside na identificação de terrenos disponíveis
para a construção de casas e apartamentos. No que tange as obras de drenagem, a pasta
considera as intervenções necessárias complexas, considerando o envolvimento de
espaços densamente habitados. A complexidade das obras (refazer rodovias, erguer
pontes e recuperar as cidades atingidas) é apontada pelo Ministério do Planejamento
como um elemento complicador na recuperação das áreas afetadas (FOLHA de SÃO
PAULO, 2013a).
No pensamento de Santos (2013) três aspectos essenciais podem ser apontados
como responsáveis pelas tragédias que se observam no Rio de Janeiro: o primeiro é a
posição dos administradores públicos quanto a adoção de sistemas de alerta
pluviométrico (sirenes). São sistemas necessários, mas de caráter emergencial,
aplicáveis apenas até a implementação de medidas estruturais e resolutivas. “A adoção
de sistemas de alerta pluviométrico com caráter definitivo é uma medida desumana e
ineficaz”. O segundo aspecto é de caráter estratégico. A ocupação ou desocupação de
áreas de perigo deve ser prioritariamente conduzida sob a ótica do planejamento urbano
e dos programas habitacionais, cabendo à defesa civil função complementar.
Atualmente, o que observa é que as perdas decorrentes de desastres naturais acabam
atribuídas à ineficiência dos sistemas de defesa civil, tirando o foco do problema. O
terceiro aspecto apontado por Santos é de ordem operacional. Todas as questões de
campo, sejam de caráter emergencial ou permanente, dizem respeito à área de atuação
municipal. Todavia, nossos municípios, em especial os de médio e pequeno portes, não
reúnem as condições necessárias (técnicas e econômicas) para implementar o conjunto
de ações necessárias para enfrentamento do problema.
Analisando-se o desastre de Petrópolis – RJ, de fins de março de 2013 observa-se
que talvez, parte das vítimas das chuvas poderia ter sobrevivido se os moradores
tivessem atendido ao alerta das sirenes da Defesa Civil municipal e deixado
rapidamente a área. Com base nos índices de precipitação pluviométrica e previsões o
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CESTAD - Centro Estadual de Gestão de Desastres identifica locais onde há perigo de
deslizamentos, informa a Defesa Civil municipal e esta aciona a(s) sirene(s) do(s)
local(is). As sirenes são o alerta para que moradores deixem suas casas e sigam para os
pontos de abrigo pré determinados pela Defesa Civil municipal. Ocorre, todavia, que em
pontos onde houve mortes (classificados como áreas de risco nível 3), não havia sirenes,
porque as áreas de risco são classificadas em uma escala de 1 a 4 e os equipamentos são
colocados apenas em regiões com grau máximo de risco.
Analisando a preparação da população para o enfrentamento de situações de
perigo observa-se, a partir das declarações de moradores entrevistados pelos jornais que
cobriram o evento, que o barulho da chuva interferia na audição do som das sirenes,
reduzindo sua percepção e, mesmo que assim não fosse, eles não sabiam como proceder
(FOLHA de SÃO PAULO, 2013b). Nas palavras do coordenador do CESTAD - Centro
Estadual de Gestão de Desastres “foram mortes provocadas por deslizamentos pontuais
ou desabamento de casas. Não há como acompanhar cada ponto” (FOLHA de SÃO
PAULO, 2013b). Afirmou também o coordenador que as defesas civis municipais
fazem treinamento mensal nos locais de risco e que se faz necessária uma mudança de
comportamento da população quando ouvir os sinais de alerta: ”Tocou tem que sair”.
Segundo o diretor do Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e
Desastres), os moradores de área de risco resistem em deixar suas casas debaixo de
fortes chuvas porque temem ser roubados. Em sua visão eles não querem deixar seus
bens para trás, além da insegurança de ficar uma noite fora de casa. (FOLHA de SÃO
PAULO, 2013b)
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Considerações
Reduzir vulnerabilidades e aumentar as resistências de uma sociedade representa
aumentar as forças e o conjunto das conexões entre as pessoas, as organizações e o
ambiente que forma essa sociedade. O conhecimento cultural de vulnerabilidade e
resiliência social existe em todo o mundo, mas cabe aos decisores políticos, ao setor
privado e às comunidades aplicá-lo com efetividade para previnir e, se não, mitigar os
efeitos de desastres naturais. Como mencionado anteriormente, os perigos são naturais,
os desastres não. A situação que se vive em muitas localidades brasileiras não é a de
procura a culpados, muito embora eles claramente existam.
No mister de reduzir ou mesmo eliminar mortes previsíveis o que se espera é uma
governança com honestidade, recursos e empenho, no sentido de evitar ocupações em
áreas de perigo e de relocar moradores que já ocupam essas áreas; é perícia dos que
atuam nas situações de emergência, com treinamentos, equipamentos adequados e maior
capacidade de comunicação; é maior prudência daqueles que moram em áreas de
perigo, evitando permanecer em suas casas em situações com alerta declarado.
Conforme se acompanha na mídia em geral, as ferramentas de previsão de perigos
naturais estão se aperfeiçoando rapidamente, o que permite a preparação das
comunidades em situação de risco, aumentado resiliência e reduzindo vulnerabilidades.
Resta agora praticar este exercício de prevenção a desastres para que as próximas
chuvas não tenham o mesmo resultado sinistro das de até então.
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IMPACTOS AMBIENTAIS ASSOCIADOS À LOGÍSTICA REVERSA DE
LÂMPADAS FLUORESCENTES
ENVIRONMENTAL IMPACTS FROM FLUORESCENT LAMPS REVERSE
LOGISTICS
Fernando Rodrigues da Silva6
Resumo
A Política Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu a obrigatoriedade de
implantação de sistemas de logística reversa para lâmpadas fluorescentes pós-uso,
imputando a responsabilidades aos fabricantes, importadores, distribuidores,
comerciantes e consumidores. Considerando-se os riscos ambientais associados às
lâmpadas fluorescentes, verifica-se a necessidade de aprofundamento de estudos sobre o
tema. Neste contexto o presente trabalho pretende contribuir analisando os impactos
ambientais potenciais associados ao sistema de logística reversa de lâmpadas
fluorescentes.
Palavras-chave: Logística Reversa; Política Nacional de Resíduos Sólidos; Lâmpadas
Fluorescentes; Mercúrio.
6 Possui graduação em Engenharia Química (2000) e Especialização em Gestão Ambiental (2007) pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora do Centro Universitário Senac e sócio fundador da Via Sapia Treinamentos e Consultoria. E-mail: [email protected]
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Abstract
The National Solid Waste Policy established the mandatory implementation of
reverse logistics systems for post-use fluorescent lamps, imputing liability to
manufacturers, importers, distributors, retailers and consumers. Considering the risks of
fluorescent lamps, there is a need for further studies on the topic. In this context, the
present work aims to contribute analyzing the potential environmental impacts
associated with reverse logistics system of fluorescent lamps.
Key words: Reverse Logistics; National Policy on Solid Waste; Fluorescents Lamps;
Mercury.
1. Introdução
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12305/2010, busca dividir as
responsabilidades pela destinação ambientalmente adequada entre toda a sociedade,
incluindo fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, consumidores,
titulares de serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos e o poder
público em geral.
A lei ainda faz uma distinção importante entre “resíduo sólido” e “rejeito”. De
acordo com a Lei, resíduos sólidos são todo material, substância, objeto ou bem
descartado resultante de atividades humanas em sociedade. São exemplos de resíduos
sólidos os agrotóxicos, as pilhas e baterias, os pneus, os óleos lubrificantes e suas
embalagens, as lâmpadas fluorescentes e os produtos eletroeletrônicos. Já rejeito é todo
resíduo sólido que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e
recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não
apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada.
Este conceito é importante porque a Lei 12.305 determina que somente os rejeitos
possam ser descartados em aterros sanitários. (APLIQUIM, 2013).
No caso das lâmpadas fluorescentes, apenas cerca de 6% de seus subprodutos são
considerados rejeitos e podem ser destinados em aterros. Já os seus principais
subprodutos, como o vidro, o alumínio e outros componentes metálicos, o pó fosfórico,
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os componentes eletrônicos e o mercúrio são considerados resíduos e, portanto,
obrigatoriamente devem ser tratados e reciclados. (APLIQUIM, 2013).
Dessa forma, torna-se de grande importância controlar o manejo das lâmpadas
fluorescentes após seu consumo, evitando a contaminação do solo, das águas e o contato
do homem com esse material. Esse resíduo merece cuidados especiais quanto aos
procedimentos de manuseio (retirada/coleta), acondicionamento, transporte,
armazenagem e destinação final (OLIVEIRA et. al, 2012).
Por esta lei, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de
lâmpadas fluorescentes deverão estruturar e implementar sistemas de logística reversa,
mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do
serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos. A logística reversa
será implementada progressivamente segundo cronograma estabelecido em
regulamento.
Para a lei, logística reversa é um instrumento de desenvolvimento econômico e
social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a
viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para
reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final
ambientalmente adequada
Da mesma forma, a lei também responsabiliza o consumidor, que deve descartar o
produto corretamente. Se as lâmpadas estiverem bem cuidadas, é possível empregar o
vidro, o alumínio e o mercúrio na fabricação de outros produtos. Mas se estiverem
quebradas e, consequentemente, contaminadas, não podem ser reaproveitadas (IDEC,
2012).
Para cumprimento da legislação, a Abilux e a Associação Brasileira de
Importadores de Produtos de Iluminação (Abilumi) estão se reunindo desde 2011 para
discutir o assunto. Agora, as empresas que elas representam aguardam a publicação de
um edital do governo para que possam apresentar sua proposta a um comitê formado
por vários ministérios, como o de Minas e Energia (MME) e o de Meio Ambiente
(MMA). A proposta aprovada será, em seguida, colocada em consulta pública. (IDEC,
2012)
A partir daí, o setor terá seis meses para estabelecer os pontos de recolhimento das
lâmpadas descartadas. A estimativa da Abilux é de que sejam instalados, ao fim de
quatro anos, mais de 8 mil pontos em todo o país. (IDEC, 2012)
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Cabe ressaltar, ainda que a Lei 12.305 deixou claro o conceito de
corresponsabilidade do gerador, ao definir, em seu artigo 27, parágrafo 1º, o seguinte:
“A contratação de serviços de coleta, armazenamento, transporte, transbordo,
tratamento ou destinação final de resíduos sólidos, ou de disposição final de rejeitos,
não isenta as pessoas físicas ou jurídicas da responsabilidade por danos que vierem a ser
provocados pelo gerenciamento inadequado dos respectivos resíduos ou rejeitos”.
Assim, não apenas o gerador de uma lâmpada queimada deve tomar os cuidados
necessários para que seja descartada corretamente, como deve tomar os cuidados
necessários para que o destino desta lâmpada não causa impactos ambientais. Para que
os órgãos envolvidos possam selecionar as opções menos impactantes, devem conhecer
as opções existentes para acondicionamento, transporte e destinação das lâmpadas.
Importe ressaltar, no caso das lâmpadas fluorescentes, que não apenas a PNRS
impõe obrigações sobre a coleta e destinação destes resíduos pós-consumo, como ainda
a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, através de sua norma NBR
10004 – Resíduos Sólidos – Classificação, em sua revisão de 2004, incluiu as lâmpadas
contendo mercúrio no Anexo A desta norma, sob o código “F044 - Lâmpada com vapor
de mercúrio após o uso”. Assim a partir de 2004, no Brasil, lâmpadas fluorescentes pós-
uso passaram a ser consideradas resíduos perigosos, obrigatoriamente necessitando
passar por tratamentos físico-químicos para serem neutralizados, destruídos por
incineração ou destinados a aterros, em acondicionamentos especiais.
A logística reversa das lâmpadas, porém, por envolver um material frágil
contendo uma substância agressiva ao meio ambiente (o mercúrio), deve não somente
primar por criar uma rede de coleta e transporte das lâmpadas para destinação adequada,
mas também garantir que os impactos ambientais nesta rede sejam minimizados. Nesta
linha, este estudo pretende, com base em consulta em livros, jornais, revistas,
periódicos, boletins técnicos, trabalhos acadêmicos e sites na internet, avaliar os
impactos ambientais potenciais nas etapas da logística reversa de lâmpadas.
2. Mercúrio – Poluente Global
Lâmpadas fluorescentes são mais econômicas que as lâmpadas incandescentes,
uma vez que geram uma maior intensidade de luz por energia elétrica consumida. Sob
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esta ótica, as lâmpadas fluorescentes são menos impactantes ao meio ambiente, por
propiciarem menor consumo de energia com o avanço do desenvolvimento.
Por outro lado, elas contém mercúrio como item fundamental ao seu
funcionamento. O mercúrio é o mais volátil de todos os metais, e na forma de vapor é
altamente tóxico. Se o mercúrio for usado em ambientes fechados, é preciso uma
ventilação adequada, já que a pressão de vapor de equilíbrio do mercúrio é centenas de
vezes maior que a exposição máxima recomendada.
O mercúrio é o único elemento metálico líquido à temperatura ambiente, sendo
bastante raro, sendo encontrado na forma de um mineral, o cinábrio, principalmente no
leste europeu, na Espanha, México e Argélia. (MMA, 2010). Seu ponto de fusão de -
38,87º C (graus Celsius), e o ponto de ebulição de 356,58º C. Possui ainda uma
densidade elevada (13,55 g/ml, à 20º C), e elevada pressão de vapor.
O mercúrio existe em três formas diferentes: elementar, inorgânica e orgânica.
(MUÑOZ, 2002)
Os compostos inorgânicos são associados a danos à saúde, porém são os
compostos orgânicos as formas mais tóxicas e as que passam na cadeia alimentar. O
mercúrio pode ser absorvido por animais aquáticos na forma de metil mercúrio e etil
mercúrio. (MUÑOZ, 2002)
O próprio mercúrio líquido não é altamente tóxico por ingestão, sendo excretada a
maior parte da quantidade ingerida, porém o maior perigo é com relação ao vapor
quando inalado.
O mercúrio difunde-se dos pulmões para a corrente sanguínea, e depois atravessa
a barreira sangue-cérebro para penetrar no cérebro; o resultado é um grave dano ao
sistema nervoso central, que se manifesta por dificuldades na coordenação, na visão e
no sentido do tato. (BAIRD, 2002).
O conhecimento do mercúrio como agende tóxico e poluidor, porém, é
relativamente recente na história humana. Na verdade, ao longo da história este
elemento químico, e seus compostos, foram altamente valorizados (LANE, 2010).
Desde a pré-história, por exemplo, utilizou-se um composto de mercúrio chamado
sulfeto de mercúrio, popularmente conhecido como cinábrio, como pigmento para
pinturas em paredes, tecidos, metais e mesmo pinturas de rosto. O cinábrio possui uma
cor vermelho intensa, que atraia nossos antepassados com suas possibilidades de
pintura. (LANE, 2010)
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O mercúrio foi muito usado, também, como medicamento. Na Europa, era usado
topicamente para o tratamento de infecções em ferimentos. Sais à base de mercúrio
eram usados por soldados antes mesmo das primeiras cruzadas, e serviam como
adstringentes e antissépticos. Posteriormente, esses mesmos sais eram utilizados para
tratar feridas de sífilis. (LANE, 2010)
Durante a idade média, com o crescimento da alquimia, o mercúrio passou a ter
papel de destaque em pesquisas. Como é líquido à temperatura ambiente, não era
considerado um metal inicialmente. Sua elevada afinidade com metais como ouro,
cobre, prata e estanho levaram os pesquisadores a acreditar que o mercúrio era um
ingrediente ativo destes metais – o que levou à base teórica de que seria possível
transformar-se ferro em ouro. (LANE, 2010)
No século XVI, o mercador de Sevilha Bartolomé de Medina desenvolveu um
método de amalgamação de prata usando mercúrio, com menor uso de energia e com
isto facilitando a obtenção de prata. O uso do mercúrio, neste processo, reduzia a
necessidade de uso de calor, salvando as florestas do entorno das minas no processo.
(LANE, 2010)
O uso do mercúrio na obtenção de metais como prata e ouro já era conhecido, mas
as etapas do método desenvolvido por Bartolomé de Medina reduziram parcialmente os
impactos ambientais associados. Por outro lado, resultaram na emissão de grandes
quantidades de vapor de mercúrio no meio ambiente. O mercúrio continuou a ser usado
em minerações ao longo da história (como na corrida do ouro da Califórnia, no século
XIX, e em Serra Pelada, no Brasil, no século XX). (LANE, 2010)
Contribuições antrópicas para a emissão de mercúrio no meio ambiente
intensificaram-se após a primeira revolução industrial, quando o mercúrio passou a ser
utilizado em lâmpadas, baterias, termômetros, barômetros, pesticidas e tintas. Como
outras fontes de liberação deste metal, pode-se ainda citar a queima de combustíveis
fósseis, incineração de resíduos, extração de ouro, uso de amálgama dentário e fornos
crematórios. (FADINI, 1999)
O risco ambiental representado pelo mercúrio começou e despertar atenção nos
anos 50, especialmente com a contaminação da Baía de Minamata, no Japão, onde uma
indústria, a Chisso, que utilizava esse metal como catalisador, atirou com displicência,
durante anos, resíduos do metil mercúrio nas águas. Essa é a forma química mais tóxica
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do mercúrio. A intoxicação, que ficou conhecida como Doença de Minamata, afetou
pelo menos 2.252 pessoas, com 1.043 mortes. (WEISS, 1996)
Em seguida ao acidente de Minamata, seguiram-se constatações de
biomagnificação de fungicidas mercuriais utilizados como preservantes em grãos na
Europa e América do Norte. Esses grãos, consumidos por pássaro e pequenos
mamíferos, atingiram predadores maiores como águias, falcões e corujas. Mas a
contaminação não ficou apenas nos animais. Ainda nos anos 60, agricultores e seus
familiares que consumiram grãos tratados com fungicidas à base de metil e,
especialmente pelo consumo de pão caseiro, também foram afetados.
Apenas no Iraque, os dados demonstram que 6 mil pessoas morreram vítimas
dessa forma de intoxicação no início da década de 70. Como resultado desses acidentes,
os governos começaram a controlar as emissões do mercúrio decorrentes da ação do
homem. As emissões de mercúrio na atmosfera caíram de 10 mil a 30 mil toneladas na
década de 70 para apenas 1 mil e 6 mil na década seguinte. (FADINI, 1999)
As transformações do mercúrio no meio ambiente envolvem uma série de reações
químicas complexas denominadas de Ciclo do Mercúrio. A ligação entre o ciclo
biológico e atmosférico é feito pela deposição de formas de mercúrio (Figura 01).
Figura 01 - Ciclo Atmosférico por Deposição de Mercúrio Fonte: MATSUYAMA,
1999
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Há dois possíveis tipos de emissões de mercúrio para o meio ambiente: as naturais
(provenientes de emanações vulcânicas, gaseificação, etc.) e as emissões antropogênicas
(oriundas de atividades humanas, tais como fábricas, garimpos, mineração, etc.).
(SILVA, 2003)
Quando o mercúrio é lançado na atmosfera, os vapores agressivos ao ser humano
tendem a se precipitar sobre solo e água. (SILVA, 2003)
Quando o mercúrio atinge o solo, pode fixar-se em matérias orgânicas (plantas,
microorganismos, insetos). Também pode se reduzir a sais ou formas orgânicas
(extremamente perigosas). Condições especiais como a presença de substâncias
húmicas, incidência de luz e pH levemente ácido favorecem a redução do mercúrio, que
volatiliza-se e reentra na atmosfera. (SILVA, 2003)
Quando atinge corpos d’água, o mercúrio interage com compostos químicos e
microorganismos transformando-se em metil-mercúrio com facilidade (a metilação do
mercúrio é o passo mais importante para sua entrada na cadeia alimentar de organismos
aquáticos, maiores bioconcentradores deste metal). (SILVA, 2003)
Apesar de sua periculosidade, o mercúrio está amplamente difundido na sociedade
através de lâmpadas fluorescentes, capacitores, termômetros, amálgamas dentários, etc.
O risco associado à utilização do mercúrio é muito alto e a grande maioria da população
não está informada de procedimentos adequados de segregação e destinação. Desta
forma, o mercúrio contido em materiais diversos chega a aterros não apropriados para
receber resíduos perigosos e isso possibilita a contaminação difusa de solos e recursos
hídricos e a assimilação deste metal pela fauna e flora.
Nos últimos anos houve tão considerável aumento da quantidade de mercúrio
decorrente da manipulação humana, que vários órgãos e entidades têm chamado a
atenção sobre os riscos para a humanidade e se mobilizado para promover a
redução/eliminação de seu uso. (ZAVARIZ, 2007).
Em fevereiro de 2003, o Conselho de Governo do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente - UNEP/PNUMA concluiu, com base em estudos elaborados por
especialistas em contaminação ambiental por mercúrio, que existem evidências
suficientes e significativas dos impactos globais adversos para a saúde e para o meio
ambiente causados pelo mercúrio e seus compostos, que requerem ações mundiais,
nacionais, regionais e locais, recomendando que cada país estabeleça metas e adote
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medidas de redução/eliminação das fontes antropogênicas de mercúrio. (ZAVARIZ,
2007)
Na 24ª Reunião do Conselho Governamental do Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente, ocorrida em Nairobi, em fevereiro de 2007, foi reafirmada a
necessidade urgente de ações internacionais em função dos efeitos adversos do mercúrio
sobre o meio ambiente, à vida selvagem e à saúde humana e considera como prioritário
para a redução dos riscos, ações efetivas de eliminação do seu uso, onde já for possível
e redução/eliminação de emissões atmosféricas de mercúrio originado pela ação humana
e o encontro de soluções ambientalmente sólidas para conter as perdas de mercúrio e
seus compostos, bem como, soluções para estocagem e redução do suprimento para a
demanda global de mercúrio.
Na 25º Reunião do Conselho Governamental do PNUMA, foi estabelecido o
“UNEP Global Mercury Partnership”, como um dos principais mecanismos para a
execução de ações imediatas como relação ao mercúrio. O objetivos global do UNEP
Global Mercury Partnership é a proteção da saúde humana e do ambiente global da
liberação de mercúrio e seus compostos, através da minimização e, onde possível, da
eliminação das emissões antropogênicas de mercúrio no ar, solo e águas.
A Partnership possui atualmente 8 prioridades de ação, relativas às maiores
categorias de emissões. São elas:
• Redução de mercúrio me minerações artesanais e de pequena escala
• Controle de mercúrio na combustão de carvão
• Redução de mercúrio no setor de cloro e soda
• Redução de mercúrio em produtos
• Pesquisas sobre transporte e destino de mercúrio no ar
• Gerenciamento de Resíduos Mercuriais
• Fornecimento e armazenamento de mercúrio
• Proposição de plano de negócios para mercúrio oriundo da indústria de cimento
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As lâmpadas fluorescentes de alta pressão são abordadas em dois destes tópicos:
Redução de mercúrio em produtos, e Gerenciamento de Resíduos Mercuriais.
No Brasil, em 23 de março de 2011, a Comissão Nacional de Segurança Química
(CONASQ) instituiu o Grupo de Trabalho sobre Mercúrio (GT-Mercúrio), que tem
como objetivo discutir e propor estratégias, diretrizes, programas, planos e ações sobre
o Instrumento Global Juridicamente Vinculante sobre o Mercúrio e encaminhar
sugestões, no que for pertinente, para a participação brasileira na negociação do
instrumento juridicamente vinculante sobre o mercúrio. O GT-Mercúrio, conforme o
Termo de Referência, se reúne regularmente a cada 2 meses desde o dia 8 de junho de
2011, data da 1ª reunião. (MMA, 2013).
3. Uso de Mercúrio em Lâmpadas Fluorescentes
O funcionamento de uma lâmpada fluorescente baseia-se em 3 etapas básicas:
• O ocorrência de uma descarga elétrica no interior do tubo, que excita os átomos de
mercúrio metálico, presentes no interior da lâmpada sob a forma de vapor;
• A liberação da energia acumulada pelos átomos de mercúrio excitados, sob a forma de
radiação ultravioleta;
• A conversão da radiação ultravioleta em luz visível, pelo fenômeno da fluorescência.
Uma lâmpada fluorescente tubular é chamada de lâmpada fluorescente de baixa
pressão (ANDRÉ, 2004). Ela é composta, basicamente, por um tubo de vidro recoberto
internamente por pós de fósforo que são compostos por halofosfato de cálcio
[Ca5(F,Cl)(PO4)3:Sb,Mn]. Entre o vidro e está cobertura de fósforo, existe ainda um
pré-revestimento de alumina (JUNIOR, 2008).
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Figura 02: Perfil de uma lâmpada fluorescente. Fonte: Cosine, 2008.
Nas duas extremidades da lâmpada, são instalados eletrodos, construídos em
tungstênio ou aço inoxidável, como mostra a figura 03, ilustrando o lado esquerdo da
lâmpada. Finalmente, o interior do tubo, que se encontra em vácuo parcial (0,003 atm),
encontra-se uma mistura gasosa constituída por um gás inerte (tal como argônio, neônio,
criptônio e/ou xenônio), e vapor de mercúrio. (JUNIOR, 2008)
Figura 03: Princípio de Funcionamento de uma lâmpada Fluorescente tubular.
Fonte: Bakker, 2000.
Devidamente instalada e conectada à rede elétrica, uma lâmpada construída com
estas características está pronta para gerar luz. Como descreve JUNIOR (2008), isso
acontece, inicialmente, pela formação de uma descarga elétrica no interior do tubo. A
passagem de uma corrente elétrica pelo cátodo (um dos dois terminais presentes nas
extremidades da lâmpada), provoca um pequeno aquecimento. Como o cátodo é
recoberto por um material emissivo especial, ocorre então emissão de elétrons no
interior do tubo, partindo do cátodo e se dirigindo para o ânodo (o outro terminal
elétrico da lâmpada).
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Figura 04: Terminal elétrico de uma lâmpada fluorescente. Fonte: Cosine, 2008.
A alimentação de corrente elétrica é controlada por um reator, instalado na
luminária que suporta a lâmpada. Este reator rapidamente canalize a corrente elétrica
entre os dois terminais da lâmpada. Este fluxo de corrente é configurado e modo que
ocorra uma diferença de carga entre os dois eletrodos, estabelecendo uma voltagem
através do tubo (COSINE, 2008).
Esta é a primeira das tapas necessárias à geração de luz em uma lâmpada
fluorescente: a descarga elétrica. Esta descarga ioniza os gases de enchimento, criando
um fluxo de elétrons do cátodo para o ânodo. Um gás ionizado nada mais é que uma
mistura de elétrons livres, íons positivos e espécies neutras, e é usualmente chamado de
plasma (VAN DEN HOEK, 2004). Este plasma é um bom condutor de eletricidade, e
daí ocorrem as descargas elétricas nas lâmpadas.
Este plasma (ou gás ionizado) é submetido a uma diferença de potencial elétrico
entre os dois terminais da lâmpada. Esta diferença e potencial provoca uma aceleração
dos elétrons livres presentes no plasma. Os elétrons energizados, então, colidem com os
átomos de mercúrio, presentes nos gases de enchimento sob a forma de vapor. Após a
colisão, os átomos de mercúrio ficam excitados.
Esta excitação do átomo de mercúrio nada mais é que uma mudança no
movimento dos elétrons presentes neste átomo, em função do ganho de energia pela
colisão. Este ganho de energia faz com que o elétron seja temporariamente
impulsionado para uma órbita mais alta, ou seja, mais distante do núcleo. O elétron fica
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nesta posição por uma pequena fração de segundo e, quase que imediatamente, é atraído
pelo núcleo, para a sua órbita original. Quando ele retorna para a sua órbita original, o
elétron libera a energia adicional que havia adquirido na forma de radiação
eletromagnética (ASSUNÇÃO, 2009).
Figura 05: Emissão de luz por átomo excitado. Fonte: ASSUNÇÃO, 2009
O comprimento de onda da luz emitida depende da quantidade de energia
liberada, que depende de uma posição particular do elétron. Conseqüentemente,
diferentes tipos de átomos irão liberar diferentes tipos de luz. Em outras palavras, a cor
de uma luz é determinada pelo tipo de átomo excitado. No caso das lâmpadas
fluorescentes, como a luz é gerada pelo átomo de mercúrio, esta é liberada no
comprimento de onde do ultravioleta (ASSUNÇÃO, 2009).
Neste momento, a lâmpada já gerou radiação luminosa. Porém, esta radiação se
encontra na faixa ultravioleta do espectro e, com isso, não é visível a olho nu (COSINE,
2008). Para que a lâmpada gere luz no comprimento de onde visível, é necessário que
mais um fenômeno ocorra: a luminescência.
A luminescência ocorre quando luz é produzida em função de excitação de
átomos numa situação de excesso de radiação térmica. Quando este processo é induzido
por radiações no espectro do ultravioleta, e a emissão de luz ocorre durante a excitação
e até 10 a 8 segundos após a excitação. o fenômeno é chamado de Fluorescência – e daí,
o nome das lâmpadas fluorescentes. (SRIVASTAVA, 1995, VAN DEN HOEK, 2004).
Substâncias sólidas que apresentam luminescência são chamadas de fósforos
(VAN DEN HOEK, 1995). Quando os raios ultravioleta gerados pelos átomos de
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mercúrio atingem a camada fosforosa que reveste a parede do tubo, ocorre a
fluorescência e, com isto, a emissão de luz visível (JUNIOR, 2008).
O funcionamento descrito na seção anterior ilustra uma clássica lâmpada
fluorescente tubular, e se aplica a todos os tipos de lâmpadas fluorescentes. Porém,
existem modelos com variações de forma. É impraticável, por exemplo, criar uma
lâmpada fluorescente simplesmente diminuindo o comprimento do tubo, uma vez que
um tubo de menor comprimento provoca uma descarga elétrica ineficiente através do
gás (VAN DEN HOEK, 2004). A alternativa é a criação de lâmpadas que “enrolam” o
tubo em círculos, como a lâmpada fluorescente circular, e a lâmpada fluorescente
compacta.
4. Comportamento do Mercúrio em uma lâmpada
Em 2003, RAPOSO (2003) e seus colaboradores realizaram um estudo para
identificar a quantidade de mercúrio presente em lâmpadas fluorescentes usadas, bem
como a forma química em que o mercúrio se encontra. Na fabricação da lâmpada é
introduzido o mercúrio em sua forma metálica, Hg0.
Os estudos desenvolvidos por RAPOSO revelaram que tanto o Hg0, como as
espécies Hg1+ e Hg2+ foram encontradas nos resíduos de pó de fósforo e lâmpadas.
Houve casos em que apenas Hg2+, na maior parte, foi encontrado. Isso demonstra que o
mercúrio sofre transformações químicas no interior da lâmpada.
Isso ocorre porque a ionização dos gases no interior do tubo é dominada
principalmente pelo mercúrio. Não ocorre praticamente nenhuma ionização dos gases
nobres presentes no interior da lâmpada, conforme Bakker (2000) demonstrou em seu
trabalho.
Então, como se comporta o mercúrio no interior de uma lâmpada? Inicialmente,
com a lâmpada apagada, e no início de sua vida útil, encontra-se o mercúrio apenas na
forma metálica, na fases líquidas e de vapor. Quando a lâmpada inicia a sua operação,
as descargas elétricas tendem a ionizar o mercúrio, transformando-o em Hg+. Isso
ocorre pela colisão entre dois átomos de mercúrio excitados, que pode levar à formação
de um íon mercúrio e um elétron, como mostra Sheverev (2005).
Hg(63P2) + Hg(63P2) → Hg+ + Hg(61S0) + e.
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Estes íons formados são lentamente absorvidos pelo vidro, pelo fósforo, e pelos
eletrodos, perdendo a capacidade de influenciar na geração de luz no interior do tubo,
uma vez que, retidos nestas matrizes, não retorna ao estado de vapor metálico
(COSINE, 2008). Inicialmente, este fenômeno não influencia o funcionamento da
lâmpada, uma vez que o mercúrio é adicionado ao tubo em excesso. Porém, à medida
que a lâmpada é utilizada e se aproxima do final de sua vida útil, mais e mais mercúrio
passa para o estado ionizado e se prende às matrizes. De fato, com as pressões
ambientais exigindo teores menores de mercúrio nas lâmpadas, maior a chance de a
lâmpada deixar e funcionar em função de não possuir mercúrio metálico suficiente no
estado de vapor. Quando isto ocorre, a luz gerada se torna mais rosada, uma vez que
neste ponto o gás argônio se torna responsável pela formação de luz (COSINE, 2008).
Esse não é o único meio pelo qual a lâmpada deixa de funcionar. Isso pode ainda
ocorrer devido à perda de material emissor nos filamentos de tungstênio, nas laterais das
lâmpadas. Ao longo do uso, esse material é lentamente liberado em função da emissão
de elétrons para o gás. Ele acumula sobre a pintura de fósforo nas extremidades da
lâmpada, causando o escurecimento comumente visto em lâmpadas com longo tempo de
uso (COSINE, 2008). Quando o filamento perde seu material emissor, perde a
capacidade de transferir elétrons para o gás, e a lâmpada deixa de funcionar.
Um bom reator acoplado à lâmpada usualmente desliga a alimentação elétrica
automaticamente quando o filamento perde o material emissor, e passa então a
superaquecer. Porém, se o reator não desligar a corrente elétrica, o filamento também
pode se romper (COSINE, 2008).
Assim, em função de quantas horas a lâmpada operou, e de qual foi o mecanismo
que causou o fim de sua vida útil, podemos encontrar mercúrio na lâmpada em três
formas: mercúrio metálico líquido (depositado nas paredes internas do tubo), mercúrio
metálico gasoso e mercúrio iônico (aderido quimicamente aos componentes a lâmpada).
Os próprios fabricantes de lâmpadas admitem esta transformação química do
mercúrio. Em um press-release divulgado pela empresa Sylvania, multinacional da área
de iluminação, é afirmado que “o mercúrio contido em uma lâmpada fluorescente
queimada está presente como mercúrio elementar, na forma líquida ou gasosa, e como
mercúrio iônico solúvel” (OSRAM SYLVANIA, 2000).
Devido ao fato de os fatores que influenciam a vida útil de uma lâmpada serem
vários, existe controvérsia quanto à quantidade das espécies de mercúrio nas lâmpadas.
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Dados fornecidos pela NEMA indicam que 0,2%, ou seja, 0,042 mg estão sob a forma
de mercúrio elementar, no estado de vapor. Os outros 99,8% (20,958 mg) estão
adsorvidos sobre a camada fosforosa e o vidro, seja como mercúrio elementar, seja
como mercúrio iônico (RAPOSO, 2003).
5. Riscos associados ao manuseio e transporte de lâmpadas
Todo o mercúrio existente em uma lâmpada está contido e selado em seu interior.
Na fase de manuseio, em particular, o ponto fundamental é garantir a integridade da
lâmpada, de modo que este mercúrio não migre para o ambiente.
A quantidade de mercúrio presente no interior de uma lâmpada é incerta, e como
demonstrado anteriormente, a maior parte deste mercúrio não se encontra na forma
gasosa. Do restante, parte ainda é mercúrio elementar volátil. A quantidade de mercúrio
presente em uma única lâmpada fluorescente é de cerca de 20 mg, segundo RAPOSO
(2000). Considerando que 0,2% deste mercúrio escape na forma de vapor no instante da
quebra, ocorreria a emissão de cerca de 0,04 mg de mercúrio. Esta quantidade, em uma
única exposição, não é suficiente para causar danos à saúde e ao ambiente.
Porém, considerando a volatilidade do mercúrio elementar, em função das
condições de acondicionamento, a quantidade de mercúrio restante nas lâmpadas dente
a migrar para a fase gasosa. AUCOTT et al (2003), em estudo sobre a emissão de
mercúrio a partir de lâmpadas quebradas, concluiu que numa faixa de temperatura entre
5 a 30 °C, entre 17 e 40% do mercúrio contido em uma lâmpada irá volatilizar em um
período de 2 semanas, sendo que as maiores taxas de volatilização correspondem às
temperaturas mais elevadas. Em temperaturas mais elevadas, o estudo concluiu que um
terço da quantidade total de mercúrio contida na lâmpada pode ser liberada nas
primeiras 8 horas após a quebra.
De fato, ZAVARIZ (2007) recomenda que, para lâmpadas que se quebrem
acidentalmente durante o manuseio, o acondicionamento deve ser realizado
separadamente das demais lâmpadas, em recipientes hermeticamente fechados
resistentes à pressão, revestido internamente com saco plástico especial para evitar sua
contaminação, e com a informação de que se trata de lâmpada quebrada com mercúrio.
Outro ponto a se considerar é o material fluorescente. Este material se apresenta
na lâmpada como um pó muito fino, aderido à parede interna do vidro. JANG et al
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(2005), determinou que entre 2,72% e 5,34% do mercúrio contido em uma lâmpada é
liberado juntamente com poeira emitida no momento da quebra. Ainda que continue
adsorvido ao pó, este material muito fino pode ser inalado por pessoas que estiverem
muito próximas ao local de ruptura da lâmpada. Fixando-se no trato respiratório, este pó
liberará mercúrio ao longo do tempo, sob forma de vapor, que será absorvido pelo
organismo.
Novamente, a exposição à poeira emitida na ruptura de uma única lâmpada não é
suficiente para causar maiores danos à saúde. Porém, trabalhadores sujeitos à contínua
exposição, como os responsáveis pela substituição de lâmpadas queimadas, deveria
utilizar máscaras contra poeira, de modo a minimizar os riscos de exposição.
Para as lâmpadas que serão acondicionadas inteiras, ZAVARIZ (2007) recomenda
que sejam embaladas individualmente, colocando-as preferencialmente em suas
embalagens originais, mantendo-as intactas e protegidas contra eventuais choques que
possam provocar a sua ruptura, e armazená-las em local seco. Caso não seja possível
reaproveitar as embalagens originais, recomenda-se ser utilizado papelão, papel ou
jornal e fitas colantes resistentes para envolver as lâmpadas, protegendo-as contra
choques. Estas lâmpadas embaladas individualmente devem, então, ser acondicionadas
em recipiente portátil ou caixa resistente apropriados para o transporte, de forma a evitar
a quebra das mesmas.
Empresas de descontaminação de lâmpadas, no Brasil e no mundo, fornecem
caixas de papelão especiais desenvolvidas para o transporte das lâmpadas. GLENZ et al
(2009), realizou um estudo sobre a capacidade de estas embalagens conterem o
mercúrio, em caso de quebra durante o transporte. No estudo, embalagens contendo
lâmpadas foram submetidas a choque, e a concentração de mercúrio no ar resultante foi
monitorada.
No caso de caixas de papelão contendo lâmpadas sem embalagem intermediária
(como um filme de papel entre as camadas de lâmpadas), chegaram-se a concentrações
da ordem de 1 mg/m3, valor 25 vezes maior que o limite da NR 15 para não uso de
EPI’s, e acima da concentração para interdição da atividade (0,12 mg/m3, segundo a
NR-15).
No caso de caixas de papelão contendo filme intermediário entre as camadas de
lâmpadas, a concentração medida variou entre 0,0035 mg/m3 e 0,1023 mg/m3,
dependendo do modelo da embalagem. Nota-se, portanto, a importância de um estudo
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mais aprofundado com relação ao modelo a ser adotado no acondicionamento das
lâmpadas. O autor ressalta ainda a necessidade de se estudar a migração de mercúrio
para as embalagens em si, no caso de ruptura durante o transporte.
Para minimizar o risco de ruptura de lâmpadas durante o transporte, algumas
empresas especializadas preferem realizar uma moagem simples das lâmpadas, no ponto
de geração, de modo a transportar as lâmpadas moídas em recipientes herméticos.
O processo de moagem simples visa realizar a quebra das lâmpadas, utilizando-se
um sistema de exaustão para a captação do mercúrio presente na forma de vapor nas
lâmpadas. Deste modo, o teor mercúrio ainda presente no produto da moagem é inferior
ao anteriormente encontrado nas lâmpadas quando inteiras, com a vantagem de inexistir
riscos de ruptura das lâmpadas e emissão de vapores durante o transporte. (ZANICHELI
et al, 2004)
O mais popular sistema de moagem simples foi desenvolvido pela Air Cycle
Corp., dos Estados Unidos, e é conhecido mundialmente como “Bulb Eater” (comedor
de lâmpadas, figura 06). O equipamento consiste em um moinho de lâmpadas montado
sobre um tambor metálico, com sistema de exaustão para captura de vapores de
mercúrio. Os gases exauridos pela unidade passam por um filtro de tecido, e um filtro
de carvão ativado (no qual é agregado 15% em peso de enxofre amarelo), antes da
emissão para a atmosfera. O enxofre combina-se com o mercúrio, formando sulfeto de
mercúrio, composto insolúvel e não volátil. O sistema trabalha com uma vazão de
exaustão de 68 m3/h. (ZANICHELI et al, 2004).
Em 2001, o órgão ambiental americano (USEPA) realizou um aprofundado estudo
sobre equipamentos de moagem e tratamento e lâmpadas. No caso do Bulb Eater, os
estudos indicaram que a concentração de mercúrio nos gases no interior do moinho,
antes do tratamento nos filtros, é de 4 mg/m3, e após o tratamento dos gases esta
concentração cai para 0,045 mg/m3 – uma eficiência no controle dos gases de 98,9%.
Porém, isto ainda representa uma taxa de emissão de 3,06 mg de mercúrio por hora.
(USEPA, 2001).
Cabe considerar ainda a exposição ocupacional. No Brasil, a exposição de um
trabalhador ao mercúrio é definida pela norma NR-15, do Ministério do Trabalho e
Emprego. Segundo esta norma, a concentração máxima de mercúrio no ambiente de
trabalho é de 0,04 mg/m3. Desta forma, se o operador do Bulb Eater estiver próximo à
saída de gases do sistema de filtragem, deverá obrigatoriamente utilizar equipamentos
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de proteção respiratória. Como a atividade é realizada nas instalações do gerador das
lâmpadas, é importante garantir que pessoas estranhas à operação do equipamento
mantenham-se afastadas durante a operação.
Figura 06 - Sistema Bulb Eater de Moagem de Lâmpadas. Fonte: ZANICHELI et
al, 2004
O Bulb Eater é um equipamento pequeno, de fácil operação e mobilidade e
proporcionalmente mais barato que outras tecnologias. (ZANICHELI et al, 2004).
Porém, deve ser considerado apenas como uma opção de redução de riscos no transporte
das lâmpadas, uma vez que, por si só, não efetua a descontaminação das lâmpadas. A
literatura mundial indica que o mercúrio nas lâmpadas, quando estas estão apagadas,
encontra-se primordialmente depositado sobre as paredes internas do vidro, sob forma
elementar ou iônica. Deste modo, a moagem simples não faz a remoção de todo o
mercúrio da lâmpada, apenas evita que o mercúrio que se encontra na forma gasosa
escape para o meio ambiente.
Outro fator a se considerar são os custos dos processos de tratamento. Segundo a
USEPA (2001), o preço cobrado para a descontaminação das lâmpadas, pelas unidades
recicladoras, é tipicamente maior no caso de recebimento de lâmpadas já moídas, se
comparado com o valor cobrado para a descontaminação de quantidade equivalente de
lâmpadas inteiras. Isso é lógico, uma vez que o Bulb Eater e equipamentos similares
misturam no tambor vidro, metais e pó fluorescente, todos contaminados com mercúrio,
que necessitam ser devidamente separados para que possam ser reaproveitados.
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6. Riscos associados ao tratamento das lâmpadas
A Política Nacional de Resíduos determina que, a partir de 2014, apenas rejeitos
sejam encaminhados a aterros. As lâmpadas contendo mercúrio, por serem passíveis de
tratamento para remoção do mercúrio e reaproveitamento de seus componentes, não
podem ser considerados resíduos. Segundo ZANICHELI (2004) processos para
tratamento das lâmpadas são conhecidos desde a década de 70, quando a MRT
Technologies surgiu na Suécia, tornando-se a primeira empresa no mundo a realizar o
tratamento das lâmpadas.
ZANICHELI (2004) e MOMBACH (2008), classificam as alternativas existentes
para a destinação final e/ou tratamento das lâmpadas da seguinte forma:
• Disposição em aterros (com ou sem um pré-tratamento);
• Moagem simples (com ou sem separação dos componentes);
• Moagem com tratamento térmico;
• Moagem com tratamento químico;
• Tratamento por sopro;
• Solidificação/Encapsulamento (cimento e ligantes orgânicos).
Considerando, porém, o determinado na PNRS, a disposição em aterros não pode
ser considerada uma opção dentro do ciclo de vida reverso da lâmpada. A moagem
simples, como demonstrado, é uma alternativa para transporte, e não uma técnica de
tratamento. Assim, as opções a serem consideradas para o tratamento das lâmpadas são:
• Moagem com tratamento térmico;
• Moagem com tratamento químico;
• Tratamento por sopro;
• Solidificação/Encapsulamento (cimento e ligantes orgânicos).
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Segundo ZANICHELI (2004), o processo de moagem com tratamento térmico é
o mais usual e em operação em várias partes do mundo, e envolve basicamente duas
fases: fase de esmagamento e fase de destilação do mercúrio – daí o nome tratamento
térmico.
Na fase de esmagamento as lâmpadas usadas são introduzidas em processadores
especiais para esmagamento, quando então os materiais constituintes são separados em
5 classes:
• terminais de alumínio;
• pinos de latão/ componentes ferro-metálicos;
• vidro;
• poeira fosforosa rica em mercúrio e
• isolamento baquelítico.
O rompimento das lâmpadas ocorre por meio de um processador (britador e/ou
moinho) (ZANICHELI, 2004). Algumas empresas utilizam para tanto um Bulb Eater
(SILVA, 2007). No momento do esmagamento, as partes metálicas podem ser
separadas, e a poeira fosforosa pode ser separada posteriormente por processos
mecânicos ou pneumáticos (SILVA, 2007).
Figura 07 - Tratamento Térmico de Lâmpadas. Fonte: RAPOSO, 2001.
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O vidro obtido neste processo possui um teor de mercúrio de até 1,3 mg/kg.
(ZANICHELI, 2004). A concentração média de mercúrio nas partes metálicas separadas
não excede 20 mg/kg (SILVA, 2007).
A poeira de fósforo é normalmente enviada a uma unidade de destilação (retorta),
onde o material é aquecido até a vaporização do mercúrio (temperaturas acima do ponto
de ebulição do mercúrio - 357o C). O material vaporizado a partir deste processo é
condensado e coletado em coletores especiais ou decantadores. (ZANICHELI, 2004).
O principal impacto ambiental está associado ao fato de o processo ser realizado à
seco. Em todas as etapas, cuidados especiais com sistemas de ventilação forçada e
vácuo devem ser tomados para não haver emissões fugitivas de mercúrio. (SILVA,
2007).
Ainda assim, o processo térmico, desde que devidamente controlado, é a melhor
alternativa existente no momento (USEPA, 2001). Promove a recuperação do mercúrio,
a reciclagem dos constituintes das lâmpadas e não gera resíduos perigosos que seriam
destinados a aterros. Tal geração de resíduos ocorre nas demais alternativas.
O processo de tratamento por sopro é bastante similar ao processo de tratamento
de moagem e tratamento térmico. Neste processo, as duas extremidades contendo os
soquetes de alumínio são quebradas, através de um sistema de aquecimento e
resfriamento. Em seguida, o tubo de vidro já sem os soquetes recebe um jato de ar
comprimido em seu interior, arrastando-se assim o pó de fósforo contendo mercúrio de
seu interior. O pó removido pelo sopro passa por um sistema de ciclones, e a corrente de
ar passa em seguida por um sistema de filtros de carvão ativado. (ZANICHELI, 2004).
O pó coletado pode então ser encaminhado à processos de destilação do mercúrio,
similares aos utilizados no processo por moagem.
O processo químico, assim como o térmico, pode ser dividido em duas etapas –
fase de esmagamento e fase de contenção do mercúrio. A grande diferença entre os
métodos é que, no processo químico, a fase de esmagamento é realizada com lavagem
do vidro. Assim, a ruptura das lâmpadas ocorre sob uma camada de água, evitando que
o vapor de mercúrio escape para a atmosfera. A mistura de vidro e partes metálicas é
então lavada, separando-se vidro e metais para reciclagem. (ZANICHELI, 2004).
O líquido de lavagem contendo o mercúrio e o pó de fósforo é então filtrado ou
precipitado, separando-se ou não o pó de fósforo. O líquido já filtrado/separado passa
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então por um tratamento químico com Na2S, Na2SO3 ou NaHSO3; o mercúrio é
transformado em HgS (precipitado), um composto sólido insolúvel em água. Após o
tratamento, uma nova filtragem separa o mercúrio precipitado como HgS da água. A
água pode ser reutilizada no processo. (ZANICHELI, 2004)
Tanto o pó de fósforo quanto o mercúrio precipitado podem ser tratados por
destilação, recuperando-se o mercúrio metálico que é encaminhado para reciclagem.
Algumas empresas, porém, encaminham ambos os materiais para aterros.
Cuidado adicional deve ser adotado no uso de sulfetos para a precipitação do
mercúrio. O sulfeto de sódio, de fato, reage com o mercúrio iônico, formando o sulfeto
de mercúrio insolúvel. Porém, excesso de sulfeto pode levar à formação de
dissulfomercurato ([HgS2]2-), inviabilizando então o processo de separação do mercúrio
da água.(VOGEL, 1981).
Os riscos ocupacionais e ambientais associados à emanações de mercúrio, porém,
são menores que aqueles associados ao processo seco. Por outro lado, a destilação do
mercúrio de materiais filtrados por esse método acaba sendo mais cara, em função da
quantidade de água presente no processo. Por este motivo, o processo a seco acaba
sendo mais utilizado (SILVA, 2007).
O processo de solidificação possui etapas similares aos processos de tratamento
químico e tratamento térmico. Há uma fase de esmagamento, no qual a lâmpada pode
ser quebrada por via seca ou úmida. Os materiais resultantes, porém, são encapsulados
em concreto e/ou ligantes orgânicos, podendo ou não ser estabilizados quimicamente
previamente (formação de sulfeto de mercúrio), e então destinados a aterros. (SILVA,
2007).
7. Riscos associados à reutilização de componentes
Usualmente, as partes de vidro e metais das lâmpadas fluorescentes são
encaminhadas para reciclagem. Estes materiais, porém contém ainda certa quantidade
de mercúrio, que chegam a 1,3 mg/kg, no caso dos vidros, e 20 mg/kg, no caso dos
metais (SILVA, 2007).
Os processos de reciclagem de ambos os materiais podem envolver o aquecimento
destes, levando a um risco potencial de emanações de mercúrio para o ambiente.
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Uma grande recicladora de lâmpadas do Brasil, por exemplo, gera 432 toneladas
anuais de vidro de lâmpadas desmercurizado. Esse vidro é encaminhado para
reciclagem na indústria cerâmica, onde passa por processos térmicos. (SILVA, 2006).
Estes processos podem volatilizar o mercúrio, que acaba emitido para a atmosfera, uma
vez que as indústrias usualmente não possuem equipamentos para controle de emissões
de mercúrio.
Considerando que este vidro possua um teor médio de 1 mg/kg de vidro, as 432
toneladas anuais de vidro pode indicar uma emissão atmosférica anual de 432 gramas de
mercúrio.
A mesma empresa gera um total de 2,2 toneladas por ano de partes metálicas de
lâmpadas, encaminhado à processos de fundição. Considerando que estes metais
possuem um teor médio de 20 mg/kg de vidro, pode ocorrer uma emissão atmosférica
anual de 440 gramas de mercúrio.
Somados estes dois componentes, vidro e metais, oriundos de uma única
recicladora, chega-se a uma emissão de quase 1 kg anual de mercúrio. Considere-se,
porém que esta empresa, ainda que líder de mercado, recebe apenas uma fração da
quantidade total de lâmpadas descartadas anualmente no Brasil. Com a implementação
de uma eficaz rede de logística reversa, o montante de mercúrio emitido para a
atmosfera a partir de materiais reciclados de lâmpadas será muito maior. É necessário,
então, uma discussão mais aprofundada quanto á autorização de processos industriais
que recebam materiais oriundos de lâmpadas para uso em suas atividades fabris.
Conclusões
A Política Nacional de Resíduos instituiu a obrigatoriedade de implementação de
logística reversa para as lâmpadas fluorescentes, considerando o fato destas serem um
resíduo perigoso. Os órgão setoriais pertinentes estão se estruturando para a
implementação dos pontos de coleta necessários para que os usuários destinem
adequadamente suas lâmpadas.
Porém, em função das características das lâmpadas (construídas em material de
vidro, frágeis), e do metal existente em seu interior, um cuidado maior deve ser adotado
em todos os elos deste ciclo reverso. As lâmpadas podem, em maior e menos grau,
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causar impactos ambientais na geração, no acondicionamento, no transporte, no
tratamento e na reciclagem dos componentes.
Há um esforço global no sentido de se minimizar ao máximo as emissões
antrópicas do mercúrio, e este esforço deve incluir a cadeia reversa das lâmpadas.
A logística reversa, mais que ser um mero caminho indicado entre o gerador do
resíduo e a destinação, deve considerar os impactos ambientais ao longo do ciclo de
vida reverso das dos produtos, em todas as etapas. A responsabilidade compartilhada se
aplica não só na geração do resíduo, mas também em sua logística reversa. Desta forma,
estudos e esforços adicionais devem existir no sentido de melhor equacionar a questão
das lâmpadas fluorescentes no Brasil.
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QUADRO ATUAL DOS PRODUTOS ORGÂNICOS E COMPORTAMENTO DO
CONSUMIDOR
CURRENT FRAMEWORK OF ORGANIC PRODUCTS AND CONSUMER
BEHAVIOR
Nara Medianeira Stefano7
Resumo
Consumo sustentável tornou-se um objetivo político para novo milênio no cenário
nacional e internacional. Consumo sustentável é o uso de produtos e de produtos
relacionados que respondem às necessidades básicas e trazer uma melhor qualidade de
vida. Enquanto minimiza o uso de recursos naturais e materiais tóxicos, de modo não
comprometer as necessidades das gerações futuras. Neste contexto se destacam os
produtos orgânicos. A demanda por alimentos orgânicos tem aumentado
significativamente, por estar relacionada ao crescente público, que cada vez mais
incorpora alimentação orgânica em seus hábitos. O consumidor orgânico estabelece
outros valores e referenciais para o consumo, como também para seu estilo de vida. Isso
não quer dizer que negue a cultura industrial, mas coloca-se criticamente com relação à
mesma. Com isso cresce o interesse de pesquisar e estudar o comportamento do
consumidor de produtos alimentares orgânicos. O presente artigo tem por objetivo, por
meio de uma revisão de literatura, e de estudos empíricos analisar o atual quadro dos
produtos orgânicos e o comportamento do consumidor destes produtos.
Palavras-chave: comportamento do consumidor, alimentos orgânicos, sustentabilidade.
7 Economista e Bolsista de Doutorado em Engenharia de Produção.Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção.Endereço: Rua João Antonio da Silveira, 558, Lagoa da Conceição, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. [email protected]
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Abstract
Sustainable consumption has become a goal for the new millennium in the
international and national scenarios. Sustainable consumption is the use of products and
related products which respond to basic needs and bring a better quality of life. While
minimizing the use of natural resources and toxic materials, so do not compromise the
needs of future generations. In this context we highlight organic products. The demand
for organic food has increasing significantly, to be related to the public’s growing
increasingly incorporates organic food in its habits. The organic consumer establishes
other values and benchmarks for consumption, but also for his lifestyle. That’s not to
say that denies the industrial culture, but places itself critically opinion about their use.
Thus grows interest in researching and studying the consumer behavior of organic food
products. This paper aimed, by means of a literature review and empirical studies
analyzing the current framework of organic products and the consumer behavior of
these products.
Key words: consumer behaviour, organic food, sustainability.
1. INTRODUÇÃO
A atividade agrícola, enquanto produção de plantas e animais num local
determinado, visando a alimentação de uma comunidade, remonta há pelo menos
10.000 anos a.C (DIAMOND, 2003; OLSON, 2003). Na pré-história, o uso do fogo
para limpeza de áreas, de algumas ferramentas para cultivo da terra e de plantios sem
preparo do solo eram algumas das práticas que permitiram a formação dos primeiros
aglomerados humanos, mais ou menos fixos (ASSAD; ALMEIDA, 2004). O avanço do
conhecimento, na agricultura (ASSAD; ALMEIDA, 2004), sobre o funcionamento dos
diferentes sistemas permitiu o desenvolvimento de técnicas que possibilitaram o
aumento da oferta de alimentos e a melhoria da dieta humana.
A agricultura é um dos principais provedores de serviços ambientais, mesmo que
não sejam reconhecidos e não remunerados. Adicionalmente a seu papel essencial em
atender a demanda crescente por alimentos e outros produtos agrícolas, a agricultura
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tem um importante papel no sequestro de carbono, gestão de bacias hidrográficas e
preservação da biodiversidade (RELATÓRIO SOBRE O DESENVOLVIMENTO
MUNDIAL, 2008).
Porém, a agricultura é também grande usuária de recursos naturais, colaborando
para o enfraquecimento dos lençóis freáticos, poluição de agro químicos, exaustão dos
solos e a mudança climática global. A degradação dos recursos naturais, para a futura
produção agrícola aumenta a vulnerabilidade a riscos, impondo desse modo altas perdas
econômicas.
A intensificação agrícola também gerou problemas ambientais que vão desde
redução da biodiversidade nas terras, gestão inadequada de água para irrigação e
enfraquecimento de lençóis freáticos, poluição agroquímica, entre outras causas
(Quadro 1).
Tipo de agricultura Efeitos locais Efeitos externos Efeitos globais
Agricultura Intensiva (áreas com alto potencial)
Degradação do solo (salinidade, perda de material orgânico).
Enfraquecimento dos lençóis freáticos.
Poluição de agroquímicos.
Perda da biodiversidade local (natural e agrícola).
Emissão de gases do efeito estufa.
Doenças animais.
Perda in situ da diversidade do cultivo e genética animal.
Agricultura Extensiva (áreas menos favorecidas)
Enfraquecimento dos nutrientes.
Efeito local da erosão do solo.
Efeitos da erosão do solo rio abaixo (assoreamento dos reservatórios).
Mudanças hidrológicas (por exemplo, perda de retenção da água em áreas rio acima).
Degradação de pastagens em áreas de propriedade comum.
Sequestro de carbono reduzido (stocks) por causa da desflorestação e emissão de dióxido de carbono das queimadas de florestas.
Perda da biodiversidade.
Quadro 1 – Exemplo de causas proporcionadas pela intensificação agrícola
Fonte: Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, 2008.
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Os custos de saúde associados com esses problemas são altos. A cada ano 355,000
pessoas morrem por envenenamento com pesticidas. Mundialmente, estima-se que 15 a
35% do total de água extraído para irrigação agrícola é insustentável porque o uso da
água excede a oferta renovável – Ou seja, as taxas de ressurgimento da água em
aquíferos são menores do que o necessário para sustentar ecossistemas viáveis
(RELATÓRIO SOBRE O DESENVOLVIMENTO MUNDIAL, 2008).
A crescente preocupação com o meio ambiente também atingiu o consumidor que
se torna a cada dia mais consciente dos seus atos de consumo, surge desta forma o
consumidor “verde” (HARTMANN; IBÁÑEZ, 2006). Os benefícios procurados por
compradores de produtos verdes dizem respeito, principalmente, a melhoria do
ambiente em que vivem. E, neste contexto se destaca o consumidor de produtos
orgânicos.
A demanda por produtos alimentares orgânicos (SOLER; GIL, 2002;
MAGISTRIS; GRACIA, 2008) tem aumentado significativamente, por estar relacionada
ao crescente público que cada vez mais, incorpora alimentação orgânica em seus
hábitos. Ao mesmo tempo em que cresce a demanda, consolida-se um público fiel ao
consumo permanente desses produtos. O consumidor orgânico de estabelece outros
valores, referenciais para com o consumo, como também para seu estilo de vida, o que
não quer dizer que negue a cultura industrial, mas coloca-se criticamente com relação à
mesma.
O estudo do comportamento do consumidor de alimentos orgânicos
(TSAKIRIDOU et al., 2008) vem despertando o interesse de diversos pesquisadores. O
interesse na investigação desse tema pode ser explicado, em parte, pelas mudanças de
atitudes, crenças, valores e motivações desses consumidores que assumiram um
posicionamento crítico em relação à sua segurança alimentar e ao consumo de produtos
industrializados. Este questionamento tem sido responsável pela inserção de novos
comportamentos relacionados ao consumo de alimentos orgânicos (VILAS BOAS;
SETTE; BRITO, 2006).
Dada a crescente contaminação ambiental que inclui todo o ecossistema (por
exemplo, a contaminação por mercúrio em ecossistemas aquáticos) (LACERDA;
MALM, 2008) e o aumento de estudos sobre os perigos para a saúde do homem, fruto
do consumo de alimentos contaminados com produtos químicos, a alternativa de uma
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alimentação com maior qualidade, representada pelos produtos orgânicos tem
conquistado vários consumidores. Este estudo tem por objetivo fazer uma análise
investigativa sobre o atual panorama dos produtos orgânicos.
A demanda por alimentos orgânicos tem aumentado significativamente ao longo
das últimas décadas. Uma parcela cada vez maior de produtos e alimentos orgânicos é
oferecida em lojas especializadas, bem como em supermercados regulares. A literatura
(BANKS; MARSDEN, 2001; DIMARA; PETROU, SKURAS, 2003; HUBER et al.,
2012) tem mostrado que ao examinar o impacto geral destes produtos no meio
ambiente, eles se mostram causar menos danos ao meio ambiente se comparado aos
produtos alimentares tradicionais.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho possuiu um caráter
bibliográfico (MATTAR, 2007), sendo uma pesquisa exploratória que visa prover o
pesquisador de um conhecimento mais aprofundado a respeito do tema ou o problema
de pesquisa. Os métodos de coleta de dados utilizados foram levantados em fontes
secundárias, tais como: revistas, Internet, artigos científicos. Foram utilizadas as bases
(Emerald, Web of Science, Scopus, Science Direct) do Portal da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para fazer as buscas da
pesquisa. Desta forma, a revisão bibliográfica tem a finalidade de um melhor
esclarecimento de conceitos e reunir por meio do material existente, as informações
disponíveis sobre o tema.
2. Desenvolvimento sustentável e a agricultura
Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável tornaram-se termos bastante
usados em discussões a cerca do desenvolvimento econômico. O conceito de
desenvolvimento sustentável é oriundo do conceito de desenvolvimento econômico. O
conceito de desenvolvimento econômico começou a ser empregado (CAPORALI, 1998)
a partir do final da Segunda Grande Guerra, quando os vencedores do conflito
começaram a se preocupar com a reconstrução dos países derrotados via a formação de
instituições mundiais de harmonização de interesses e de práticas econômicas.
A Teoria de Keynes (KEYNES, 1983) foi a base para a ideologia
desenvolvimentista em função das peculiaridades do período em que foi formulada: a
crise econômica dos anos 30. Naquele período o grande problema (CAPORALI, 1998) a
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ser enfrentado era o desemprego tanto da mão-de-obra quanto do capital, o desafio era o
de maximizar o uso de mão-de-obra e de capital. Enquanto que os elementos naturais
utilizados e os efluentes gerados não recebiam o menor tipo de consideração em função
da sua aparente abundância, ficavam inteiramente à margem da economia, criou-se um
viés teórico. Este viés teórico era apoiado pela base da teoria econômica gerada durante
o século XIX, onde a noção de riqueza era identificada com a de preço. Como preço é
determinado por uma conjugação entre custos, escassez relativa e demanda, a
abundância era tida como não riqueza, os incrementos dos custos gerados pelo sistema
econômicos eram vistos como riqueza. A compreensão dessa falha conceitual é
essencial para se perceber como a questão natural ficou à margem da teoria econômica.
Sob o prisma da sustentabilidade, os problemas decorrentes da combinação de
base teórica (CAPORALI, 1998), ideologia de Estado e interesses econômicos, foram a
exploração desenfreada de recursos naturais, estagnação da pesquisa tecnológica
relativa a poupança de energia, intensificação do desperdício de capitais e trabalho por
meio da obsolescência planejada. O conceito de sustentabilidade está diretamente
vinculado a uma relação entre o ser humano e a natureza que, por sua vez, conserva o
meio ambiente. Outra relação do conceito de sustentabilidade que pode ser feita é com o
conceito de ética. O Ministério do Meio Ambiente (2006) defende que mais que falar de
um desenvolvimento sustentável importa garantir a sustentabilidade da Terra, da vida,
da sociedade e da humanidade. Como bem dizia o manifesto pela vida “Manifiesto pela
Vida” (GALANO et al., 2003. p. 11):
“a ética da sustentabilidade coloca a vida acima do
interesse econômico-político ou prático-instrumental; a ética da
sustentabilidade é uma ética para a renovação permanente da
vida, da qual tudo nasce, cresce, adoece, morre e renasce”
(GALANO, 200, p. 11).
O Ministério do Meio Ambiente (2006, p. 9-12) apresenta, de forma sucinta, o
que seja uma ética da sustentabilidade. Ela se constrói a partir de quatro princípios
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fundamentais e se realiza na vivência de quatro virtudes imprescindíveis, sejam eles:
1. Princípio da Efetividade: estamos no mundo sendo afetados e afetando, somos
impregnados de afetividade, de sentimento, de afeto, de emoção e de amorosidade. E
disso, originam-se os valores (onde se distingue o bom/ruim o que agrada/desagrada).
Hoje a crise da ética é crise de sensibilidade e de afeto. Pois, muitas vezes o homem
mostra-se indiferente à degradação dos ecossistemas, à poluição dos ares e dos solos e à
lenta extinção das espécies. Logo, é sensibilidade que se pode construir uma
sustentabilidade duradoura.
2. Princípio do cuidado/compaixão: A versão oriental do cuidado vem sob o signo
da compaixão. Ter compaixão, no sentido budista, não significa ter pena dos outros que
sofrem. É a capacidade de respeitar o outro como outro, não interferir em sua vida e
destino, entretanto nunca deixá-lo só em sua dor. É voltar-se para ele, para ser solidário
e cuidá-lo e construir junto o caminho da vida. O que se precisa hoje é uma ética da
compaixão, do cuidado com Terra, da vida, do ser humano, dos ecossistemas, da
espiritualidade e até com a morte, para que possa despedir com gratidão desta vida.
3. Princípio da cooperação: a cooperação, como princípio para uma ética
sustentável, constitui a lógica objetiva do processo evolucionário e da vida. Pois foi a
cooperação que permitiu que nossos ancestrais antropoides dessem o salto da
animalidade para a humanidade. Ao saírem para buscar alimentos, não os comiam
imediatamente e sozinhos, os traziam para o grupo, para distribuí-los solidária e
cooperativamente. O sistema econômico e o mercado não se fundam sobre a
cooperação, todavia sobre a competição e a concorrência mais desenfreada. Por isso
criam tantas vítimas e se mostram cruéis e sem piedade para com populações e países
inteiros.
4. Princípio da responsabilidade: ser responsável é dar-se conta das consequências
de nossos atos. No entanto hoje o homem criou o “princípio da autodestruição” como o
chamou Carl Sagan (BOFF, 2003). Por exemplo, por meio da excessiva quimicalização
dos alimentos, pelos transgênicos e pela manipulação do código genético se pode
produzir um desastre de proporções inimagináveis, inclusive irreversíveis. O princípio
categórico é: “aja de forma tão responsável que as consequências de tua ação não sejam
deletérias para a vida e seu futuro”. Ou positivamente: “aja de tal forma que as
consequências de tuas ações sejam promotoras de vida, de cuidado, de cooperação e de
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amor”. Na realidade aqui se encontra o “princípio da precaução” tão importante nas
decisões sobre a manipulação genética de organismos vivos.
Esses quatro princípios poderão inspirar políticas limitadoras de agressões à
natureza, ainda dentro do sistema imperante e principalmente funcionam como quatro
pilastras capazes de sustentar um novo ensaio civilizatório, mais benevolente para com
a natureza e a vida.
A definição mais conhecida para desenvolvimento sustentável (SEYFANG, 2006)
é o do World Commission on Environment and Development – WCED (1987):
desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a habilidade
das futuras gerações para satisfazer as próprias necessidades. Apesar de ser amplamente
criticada esta definição possui a essência do desenvolvimento sustentável que diz
respeito ao princípio de igualdade intergeneracional.
Para a Organization for Economic Cooperation and development OECD (2001)
sustentabilidade é recurso orientado. Pois, é recurso orientado porque nós não sabemos
que uso as gerações futuras farão dos recursos e de quais atividades econômicas eles se
ocuparão. Envolve por definição, o longo prazo, os interesses de gerações futuras, e é
global, pois o uso sustentável de um recurso em um setor, país ou uma região não pode
ser alcançado se o uso do recurso em outros setores, países ou regiões não forem
sustentáveis.
Pelos pontos de vista exposto a ideia é que o desenvolvimento sustentável não
deve ser somente um desenvolvimento econômico, porém um desenvolvimento
ecológico e social, ou seja: a população, desenvolvimento, segurança de bens, espécies e
ecossistemas, energia, a indústria e o desafio urbano.
O conceito de sustentabilidade está diretamente vinculado a uma relação entre o
ser humano e a natureza. Outra relação do conceito de sustentabilidade e com a ética.
Esta relação surge da preocupação da quantidade e da forma de se consumir atualmente
os recursos naturais com a imaginária necessidade de consumo dos mesmos para as
gerações futuras. Para ser sustentável (STAKE, 1991), o desenvolvimento precisa levar
em consideração fatores sociais, ecológicos, assim como os econômicos, as bases dos
recursos vivos, vantagens e desvantagens das ações, alternativas a longo e curto prazos.
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Todo o planejamento de desenvolvimento (SACHS, 2002) que almeje ser sustentável
precisa levar em conta as cinco dimensões de sustentabilidade:
• Sustentabilidade social – criação de um processo de desenvolvimento sustentado
por uma civilização com maior equidade na distribuição de renda e de bens; de modo a
reduzir o abismo entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres.
• Sustentabilidade econômica – deve ser alcançada por meio do gerenciamento e
alocação mais eficientes dos recursos e de um fluxo constante de investimentos públicos
e privados.
• Sustentabilidade ecológica – pode ser alcançada por meio da limitação do
consumo de combustíveis fósseis e de outros recursos e produtos que são facilmente
esgotável redução da geração de resíduos e de poluição, por meio da conservação de
energia, recursos e da reciclagem.
• Sustentabilidade espacial – que deve ser dirigida para a obtenção de uma
configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial dos
assentamentos humanos e das atividades econômicas.
• Sustentabilidade cultural – incluindo a procura por raízes endógenas dos
processos de modernização e de sistemas agrícolas integrados, que facilitem a geração
de soluções específicas para o local, o ecossistema, a cultura e a área.
A ideia de sustentabilidade implica a prevalência da premissa de que é preciso
determinar limites às possibilidades de crescimento e delinear um conjunto de
iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais
relevantes e ativos por meio de práticas educativas e de um processo de diálogo
informado. Isso reforça um sentimento (JACOBI, 2003) de co-responsabilidade e de
constituição de valores éticos.
Segundo Sem (2000), para que efetivamente se obtenha desenvolvimento é
necessário que sejam retiradas todas, ou as principais fontes de privação de liberdade:
pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática,
negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de estados
repressivos. A liberdade política viabiliza a promoção da segurança econômica,
enquanto que as oportunidades sociais, na forme de serviços de educação e saúde,
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facilitam a participação econômica.
O desenvolvimento sustentável é um processo de aprendizagem social de longo
prazo, com a produção e o consumo, visando à minimização de danos e impactos
ambientais negativos normalmente causados. A sustentabilidade (BARBOSA, 2008)
consiste em encontrar meios de produção, distribuição e consumo dos recursos
existentes de forma mais coesiva, economicamente eficaz e ecologicamente viável.
No atual contexto da agricultura o maior desafio é aumentar a sustentabilidade
(BÉLANGER et al., 2012; ÖZEROL; BRESSERS; COENEN, 2012) e adaptar a
produção, de modo que se incentive e atenda o crescimento de uma demanda por
produtos mais “verde”. O desafio básico para a produção sustentável de alimentos é a
forma de fazer melhor uso dos recursos disponíveis. Pretty (1998) e Stagl (2002)
destacam que uma agricultura sustentável segue sistematicamente cinco objetivos:
1. Integração completa de processos naturais, como a fixação biológica de
nitrogênio, regeneração do solo controle de pragas, processos de produção agrícola,
garantindo a produção de alimentos rentável e eficiente, e consequentemente
aumentando o capital natural.
2. Minimização da utilização dos insumos externos e não renováveis que danificam
o ambiente ou prejudicam a saúde dos agricultores e consumidores, e utilização
específica das entradas para minimizar os custos.
3. Participação dos agricultores e demais envolvidos em todos os processos de
análise do problema e desenvolvimento de tecnologia, levando a um aumento do capital
autossuficiência e social local.
4. Maior e melhor uso do conhecimento e de práticas dos agricultores em
combinação com as novas tecnologias emergentes e pesquisas, incluindo abordagens
inovadoras.
5. Melhoria tanto da qualidade e quantidade da fauna, água, paisagem e outros bens
públicos.
Ainda Pretty (1998) distingue três tipos de sistemas agrícolas que são geralmente
considerados sustentáveis perante a produção convencional: (i) agricultura pouco
intensiva e sistemas tradicionais; (ii) a agricultura orgânica, e (iii) os sistemas agrícolas
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integrados. Embora, todos os três tipos proporcionem grandes melhorias em
comparação com a agricultura convencional, diferenças expressivas ainda podem ser
encontrados entre eles.
Por exemplo, na produção de trigo orgânico as emissões de CO2 por hectare são
reduzidas em 50% se comparada com a agricultura convencional, e, 30% menor do que
produção pouco intensiva. Também consome, 40% menos energia que a agricultura
convencional. (STAGL, 2002). Essas reduções são devido às necessidades de menos
energia e uso reduzido de adubação. No entanto, nestes cálculos, não incluem o
processamento de alimentos e de distribuição.
Estudos antigos e modernos ( ENCICLOPÉDIA AGRÍCOLA BRASILEIRA,
1995) têm demonstrado que produtividade da agricultura orgânica é equivalente ou até
mesmo superior à convencional. Um trabalho conduzido pela estação Rothamstead, na
Inglaterra, revelou que a produção de trigo orgânico teve produtividade média de 2 668
kg/ha, enquanto que o trigo adubado com NPK resultou média de 2 189 kg/ha. Uma
comparação, feita nos Estados Unidos, com a produção de milho, soja, aveia e trigo, em
15 fazendas orgânicas revelou que as produtividades da soja e da aveia eram maiores do
que a media de cinco estado americanos, (2 148 kg/há e 2 294 kg/ha, nas fazendas
orgânicas e 1 879 kg/ha e 1 684 kg/ha, come medias dos cinco estados). A
produtividade do trigo era igual a 92 281 kg/ha e só a do milho era inferior a 4 717
kg/ha, nas fazendas orgânicas, e 4 906 kg/ha como média dos cinco estados.
2.1. Produtos orgânicos
O sistema orgânico é praticado em uma parcela expressiva de países ao redor do
mundo, sendo observada uma rápida expansão, sobretudo na Europa, EUA, Japão,
Austrália e América do Sul. Esta expansão está associada, em grande parte, ao aumento
de custos da agricultura convencional, degradação do meio ambiente e crescente
exigência dos consumidores por produtos “limpos”, livres de substâncias químicas e/ou
geneticamente modificadas (WILLER; YOSSEF, 2007). O mercado de produtos
orgânicos certificados (ZORN; LIPPERT; DABBERT, 2012) apresentaram taxas
elevadas de crescimento na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, bem como em
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muitos países de baixa renda. Na década de 1990, na União Europeia, a taxa média
anual de crescimento girou em torno de 25% nos últimos dez anos.
A produção de orgânicos em 2006 totalizou mais de 31 milhões de hectares, em
623 mil propriedades, em aproximadamente 100 países. A comercialização está
concentrada nos países industrializados (devido ao preço dos produtos), pois muitos
países têm uma grande parte da população situada abaixo da linha de pobreza, o que
dificulta o desenvolvimento do mercado de produtos orgânicos (WILLER; YUSSEFI,
2006).
Em 2008 o panorama mundial de agricultura orgânica foi o seguinte (milhões/ha):
Oceania, com 12,14, seguida pela Europa, com quase de 8,2, América Latina e Ásia
com 3,3 cada, América do Norte com 2,45 e África com quase 0,9. Um terço da terra
sob manejo orgânico agrícola do mundo – 12 milhões de hectares – é localizados em
países em desenvolvimento. A maior parte dessa terra está em países da América
Latina, com a Ásia e África, em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Os países
com as maiores áreas sob manejo orgânico são (em ordem crescente) Argentina, China,
Brasil, Índia e Uruguai (WILLER, 2010).
Na América do Norte, aproximadamente 2,5 milhões de hectares são gerenciados
organicamente, representando 0,6% da área agrícola total. A maior parte da terra
orgânica é nos Estados Unidos (1,8 milhões de hectares em 2008), 7% das terras
agrícolas orgânicos do mundo está na América do Norte (WILLER, 2010). Quanto ao
Canadá em 2009 foi um ano importante para o setor orgânico no Canadá. Em 30 de
junho de 2009, o Regime orgânico foi estabelecido, incluindo normas nacionais
obrigatórias, de rotulagem e um novo logotipo nacional. Em Junho de 2009 foi
elaborada uma equivalência entre o Regime Orgânico canadense e o Programa foi o
primeiro acordo de total reciprocidade entre regulamento dos sistemas orgânicos e
ganhou atenção da mídia internacional (WILLER, 2010).
Os dados do The World of Organic Agriculture (2011) mostram que há 37,2
milhões de hectares de terras produtoras de agricultura orgânica (incluindo áreas em
conversão). As regiões com as maiores áreas são Oceania (12,2 milhões de hectares),
Europa (9,3 milhões de hectares) e América Latina (8,6 milhões de hectares). Os países
com mais terras cultivadas com agricultura orgânica são a Austrália, Argentina e
Estados Unidos.
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Em 2009, 0,9% das terras agrícolas do mundo comporta a agricultura orgânica.
No entanto, alguns lugares atingem elevados percentuais, tais como: Ilhas Malvinas
(35,7%), Liechtenstein (apesar de ser pequeno na área geográfica e de possuir limitados
recursos, o Liechtenstein é um dos estados mais ricos do mundo e um dos poucos países
no mundo com mais empresas e/ou companhias internacionais por habitante) (26,9%) e
Áustria (18,5%), os demais representativos apresentam mais de 10% de terra orgânica.
Neste mesmo ano havia 1,8 milhões de produtores, um aumento de 31% desde 2008,
principalmente devido a um grande aumento na Índia. 40% dos produtores de orgânicos
do mundo estão na Ásia, seguida pela África (28%), na América Latina (16%). Os
países com o maior número de produtores são a Índia (677. 257), Uganda (187. 893) e
México (128. 862).
Nos países de alta renda dois fatores (SAHOTA, 2006) podem ter estimulado a
concentração da demanda dos consumidores. O primeiro está ligado ao prêmio no preço
(Price Premium) dos produtos orgânicos, o qual indica maiores demandas para países
onde os consumidores têm alto poder de compra. Enquanto, o segundo relaciona-se ao
maior acesso à informação pelos consumidores desses países em relação às questões
ligadas à produção e à comercialização de produtos orgânicos.
O comércio mundial entre os países do Sul-Norte de produtos orgânicos
caracteriza-se pela predominância do Sul como exportador de matéria-prima orgânica
certificada, deixando para o Norte-Norte o comércio de produtos de maior valor
agregado. Os produtos orgânicos certificados e transacionados nos mercados globais
incluem: frutas e legumes frescos, nozes e frutas secas, especiarias, ervas, frutas e
vegetais processados, cacau, óleos vegetais, doces, alimentos processados e bebidas a
base de frutas. Itens não alimentares incluem algodão, óleos essenciais para cosméticos
e flores de corte (BUAINAIN; BATALHA, 2007)
Nos mercados internos dos países de baixa renda, são comercializados os
excedentes da produção para exportação (muitas vezes como produtos convencionais),
assim como frutas, legumes e verduras in natura e produtos de origem animal (leite de
vaca e cabra, carne de frango e ovos). Os produtos processados possuem uma escala de
produção muito pequena em relação aos in natura (BUAINAIN; BATALHA, 2007).
Pois, as normas internacionais para a agricultura orgânica são muito “europeizadas”,
isto é, consideram os cenários de desenvolvimento da atividade com base em políticas e
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realidades climáticas, tecnológicas, sociais, econômicas e culturais que não são comuns
em todo o mundo.
A Figura 1 mostra a distribuição da área total de agricultura orgânica certificada
em 2006 no Brasil, onde a região centro-oeste desponta a frente com 39% de área
certificada, seguindo pela região sul (29%). Em 1990, a área plantada no Brasil não
alcançava mil hectares, no período de janeiro a dezembro de 1999, a demanda por
certificação da produção pelo Instituto Biodinâmico – IBD teve um aumento de 180%,
registrando, em 2000, 61 mil hectares de área de produção orgânica certificada.
Figura 1 – Percentagem da área total com agropecuária orgânica certificada por região –
Brasil/2006
Fonte - MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, 2007)
Na região sul o destaque é a participação do Paraná, segundo os dados do Instituto
Agronômico do Paraná - IAPAR, considerando um crescimento de 40% ao ano,
atualmente, é de 40%, com aproximadamente 5300 produtores orgânicos certificados.
Conforme o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento - MAPA (2007) o
Brasil possui área cultivada estimada de 800.000 ha com agropecuária orgânica e cerca
de 15.000 produtores.
Na Região Sudeste comercializa-se com: horticultura, ervas e temperos, café,
cana-de-açúcar, frutas, pecuária, cosméticos, derivados de soja e bebidas. No Sul,
Centro-Oeste 39%
Norte 1% Sudeste
14%
Nordeste 17%
Sul 29%
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horticultura, grãos, ervas e temperos, café, frutas, pães, doces e compotas, erva mate,
pecuária, óleos essenciais. Quanto ao Nordeste, este apresenta um perfil ligado às frutas,
grãos, café, cacau, guaraná e pecuária, pouca horticultura. No Centro Oeste, pecuária,
grãos e horticultura. Na Região Norte, borracha, guaraná, ervas e temperos, grãos,
frutas, óleo de palma e de babaçu. A diversidade de produtos orgânicos para
comercialização no mercado interno e externo é uma realidade (MAPA, 2007;
STEFANO; CASAROTTO FILHO, 2011).
Embora haja crescente preocupação de uma parcela da população com a
qualidade dos produtos que consomem, gerando uma demanda maior por produtos
orgânicos e a produtividade dos mesmos terem aumentado, sua comercialização ainda
encontra certos obstáculos, como as relações entre os produtores e os comerciantes e as
estratégias de distribuição utilizadas. Assim, é preciso melhorar a eficiência de trabalho
(DAROLT, 2003) diminuindo custos de transporte e de mão-de-obra, negociar baixa do
percentual dos supermercados, aumentar a eficiência nas vendas e aperfeiçoar o
relacionamento com os agricultores e os consumidores.
Quanto à distribuição, as feiras, quitandas e armazéns foram os grandes canais de
distribuição de hortifrutigranjeiros, mas estão sendo substituídos em grande parte, ao
longo do tempo, por hiper e supermercados, e sacolões, que oferecem vantagens ao
consumidor como horário flexível de compra, preços vantajosos, qualidade do produto,
maior variedade de produtos e possibilidade de associar a compra dos
hortifrutigranjeiros com outros produtos de primeira necessidade.
2.2. Comportamento do consumidor de alimentos
Algumas tendências (POLLONIO, 2005) mundiais influenciam o consumo de
alimentos, tais como: envelhecimento da população, o papel da mulher no mercado de
trabalho, o valor do tempo e conveniência de produtos. Fundamentado nestas
tendências, o comportamento do consumidor vem sofrendo alterações em seus hábitos
alimentares.
O comportamento das pessoas é decorrência de uma variedade de influências
(KOLYESNIKOVA et al., 2009), cada qual interferindo no processo de escolha dos
produtos e serviços de forma distinta e em graus diferentes. É muito importante
compreender o comportamento do consumidor (PARENTE, 2000) e desta forma,
podem-se adaptar as atividades (da empresa/do fornecedor) às suas necessidades ou
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desejos. Também é possível prever as mudanças que ocorrem constantemente nos
mesmos.
Novos hábitos e atitudes surgiram, dentre a preocupação com a saúde, o resgate
das propriedades sensoriais dos alimentos e a maior compreensão do significado do
conceito de segurança para o consumidor, – justificado pelo aumento do interesse por
temas como saúde, nutrição, praticidade, conveniência, segurança, etc.
Uma abordagem ainda mais focada no comportamento do consumidor de
alimentos é proposta por Steenkamp (1993) em Food Consumption Behaviour, no
European Advances in Consumer Research. Steenkamp propõe a taxonomia das três
determinantes mais relevantes do comportamento do consumidor de alimentos: a
propriedade dos alimentos, os fatores relacionados ao próprio indivíduo e os fatores do
ambiente. Para Steenkamp (1993), a alimentação exerce um papel central na vida dos
consumidores, por ser fonte de experiências hedônicas e de nutrição, além de função
social e cultural. O autor contempla ainda a significância econômica considerável da
alimentação, já que parcela significativa da renda domiciliar é alocada para a compra de
alimentos. A taxonomia das determinantes do comportamento do consumidor de
alimentos de Steenkamp é mostrada na Figura 2.
Figura 2 – Taxonomia das determinantes do comportamento do consumidor de
alimentos - STEENKAMP
Fonte: Adaptado de STEENKAMP. (1993, p. 402)
Além dos fatores relacionados ao próprio consumidor (STEENKAMP, 1993),
como sua personalidade e aspectos psicológicos e biológicos, interferem também no seu
comportamento quanto aos alimentos os fatores intrínsecos ao ambiente onde ele está
inserido, como características socioculturais e econômicas e influências das atividades
de marketing.
Propriedades dos alimentos
Nutricionais
Química
Ambiente
Sócio-cultural
Econômico
Fatores relacionados ao próprio consumidor
Biológico
COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR DE ALIMENTOS
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2.3. O consumidor de produtos alimentícios orgânicos
Algumas pesquisas (ZANOLI; NASPETTI, 2002; FOTOPOULUS;
KRISTALLIS, 2002; BAKER; THOMPSON; ENGELKEN, 2004; PADEL; FOSTER,
2005; ESSOUSSI; ZAHAF, 2008; POST; SHANAHAN; JONSSON, 2008;
HUSTVEDT; DICKSON, 2009; YIN et al., 2010; HJELMAR, 2011; SUH; EVES;
LUMBERS, 2012) a respeito do consumidor de produtos orgânicos tentam compreender
os fatores que levam as pessoas a adotarem ou não o consumo desses produtos, em
maior ou menor grau de fidelidade.
Vários aspectos caracterizam a percepção do consumidor (LOUREIRO;
MCCLUSKEY; MITTELHAMMER, 2001; FOTOPOULUS; KRISTALLIS, 2002;
BAKER, 2004; PADEL; FOSTER, 2005; KRYSTALLIS; FOTOPOULOS; ZOTOS,
2006; CHEN, 2007; POST; SHANAHAN; JONSSON, 2008; HUSTVEDT; DICKSON,
2009; CERJAK, et al., 2010; Yin et al., 2011) de produtos orgânicos. Além de aspectos
comuns em produtos convencionais, como sabor, cor, aparência, preço, frescor e
conveniência, alguns são caracterizados como específicos dos produtos orgânicos. Deste
modo, características referentes à ausência de substâncias indesejáveis, como pesticidas,
inseticidas, herbicidas, contaminantes e ingredientes artificiais, são frequentemente
associadas a estes alimentos.
O Quadro 2 mostra a síntese de alguns estudos realizados a cerca do
comportamento do consumidor de alimentos orgânicos.
Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
ENVIRONICS
INTERNATIONAL
FOOD ISSUES
MONITOR( 2000)
– Canadá
Perfil: 18% dos canadenses compram alimentos orgânicos
regularmente durante o ano; 22% várias vezes ao ano; 31%
compram uma ou duas vezes ao ano e 3% não responderam. Os
resultados da pesquisa mostram que um total de 71% (cerca de
21,8 milhões) dos canadenses, uma vez pelo menos, tentou se
alimentar de orgânicos, enquanto 26% (aproximadamente 8
milhões) nunca comprou qualquer alimento orgânico. Em
especial, 40% (12 milhões) compram alimentos orgânicos com
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Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
bastante frequência (mais de uma ou duas vezes por ano).
Dentre os compradores regulares, ou seja, 18%, apresentaram as
seguintes características demográficas: 60% são do sexo
feminino; apresentam nível superior; estilo de vida muito ativo;
gostam de novas experiências; representantes da faixa etária dos
25-34 anos. Enquanto os compradores que compram várias
vezes (22%): representam a faixa-etária dos 18-34 anos. De
forma geral, na percepção de 64% dos consumidores
canadenses os produtos orgânicos são bem mais seguros e
saudáveis que os seus similares convencionais.
Aproximadamente, 68% dos entrevistados concordariam em
pagar 10% a mais no preço desses produtos em relação aos seus
similares convencionais.
ORGANIC TRADE
ASSOCIATION
(2004) – EUA
Perfil: o consumidor norte americano de orgânicos possui
elevado nível de estudos e são de uma faixa etária intermediária
(36 a 55 anos). O consumo está restrito a uma pequena parcela
da população (7%) e que não consome tais produtos com
regularidade (apenas 6% da população consomem produtos
orgânicos mais de uma vez por semana) 22% dos consumidores
são conscientes sobre a poluição e o meio ambiente.
Perfil: Dos 250 consumidores 57% eram mulheres e 43%
homens, a maioria (34%) na faixa etária de 31-40 anos, 47%
com nível universitário, 57% apresentaram renda mensal de na
faixa de € 881-1760, o tamanho da família gira em torno de 2
(24%) a 4 (24%) membros. As respostas da pesquisa foram
agrupadas em:
Padrões de dietas – o perfil dos consumidores deste grupo foi:
92,3% preocupados com o uso de aditivos e produtos químicos
na produção dos orgânicos; 82,2% seguem uma dieta
balanceada; 81,6% incluem muitas frutas na dieta; 82% prestam
atenção nos ingredientes dos alimentos que compram e 56,8%
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Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
CHRYSSOHOIDIS;
KRYSTALLIS
(2005) – Grécia
procuram comer pequenas refeições durante o dia.
Critérios para compra de alimentos – os critérios levando em
consideração no momento da compra dos produtos orgânicos
foram: valor nutricional (87%); consciência ambiental (94%);
aparência do alimento (35,7%); certificação do produto
(92,9%); aroma (78,6%); sabor (94%) e variedade de produtos
(51,8%).
Consciência de problemas ambientais – os principais problemas
ambientais mais conhecidos pelos consumidores foram: chuva
ácida (54,8%); efeito estufa (69%); poluição das aguas por
produtos químicos (72,6%); problemas nas florestas tropicais
(75%); lixo nuclear (7,2%); superpopulação mundial (57,2%);
poluição dos mares (77,9%).
Tendência exploratória de comportamento de compra –
neste grupo os consumidores destacam os principais aspectos
levados em consideração antes de efetuar a compra, ou seja:
proximidade da residência (51,2%); analisar vários produtos
(79,8%); visitar várias lojas (44,1%); compram
espontaneamente (43%); ser exigente (94,7%); levar muito
aspectos em consideração (88,1%); dispostos a gastar mais
tempo em busca de informações (53%); consultar o vendedor
(24,4%, porém 55,3% não preferem fazer o mesmo);
informações de jornais e revistas (75%) e opinião de outras
pessoas (22,6% e 51,2% não preferem fazer o mesmo).
Atitudes e envolvimento no processo de compra de
orgânicos – condicionantes que interferem no processo de
compra, isto é: acreditam que orgânico é melhor que o
convencional (94,7%); entre alimentos orgânicos e
convencionais com o mesmo preço, eles prefeririam orgânicos
(100%); entre alimentos orgânicos e convencionais com o
mesmo preço, a preferencia seria pelo orgânico,
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Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
independentemente do preço (80,9%); procuram as frutas e
legumes orgânicos antes de comprar (71,4%); procuram outros
alimentos orgânicos antes de comprar (60,7%); sabem muito
sobre alimentos orgânicos (67,9%); acreditam que existem
diferenças substanciais entre alimentos orgânicos e
convencionais (97%); acreditam que podem ver a diferença
entre alimentos orgânicos e convencionais (35,1%) e Antes
comprar orgânicos, sabem exatamente o que estão procurando
(82,7%).
Quanto à frequência de compra dos alimentos orgânicos, a
maioria (48,8%) compra 1 vez por semana. Com relação a
principal razão para a preferência orgânicos, 87,5% afirmaram
que é devido ao seu efeito benéfico para a saúde humana para
quase todos os membros da amostra. O principal problema que
dois em cada três consumidores de orgânicos, da amostra,
considera relacionado com produtos orgânicos, é a sua baixa
disponibilidade, ou seja, 87,5%. E, 22,6% dos entrevistados não
se importam em pagar mais caro para adquirir alimentos
orgânicos.
VILELA;
RESENDE;
Perfil: dos 70 consumidores 51% dos entrevistados são
mulheres e 49% homens, a maior parte dos entrevistados (86%)
possui curso superior e situam-se na faixa etária entre 31 e 51
anos (66%) e mais de 50 anos (34%). As principais razões que
determinam a escolha dos locais de compra são: a qualidade dos
produtos oferecidos, proximidade da residência, facilidade de
aquisição, presteza no atendimento, maior gama de produtos
oferecidos, higiene, qualidade, maior variedade, praticidade e
frescor. Os locais de compra mais utilizados são as feiras (42%)
e as cestas entregues em domicílio (27%). A participação dos
supermercados (17%) e da CEASA (14%) sendo poucos os
locais para se adquirir os produtos orgânicos. A maioria dos
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Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
MEDEIROS (2006)
Brasília – Brasil
consumidores (61%) está disposta a pagar um preço mais
elevado pelo produto, porém 51% consideram que o preço é alto
e os demais consideram o preço justo. Dos entrevistados 88%
auferem renda mensal superior a treze salários mínimos, sendo
a maior concentração com mais de trinta salários mensais. Ou
seja, a compra de produtos orgânicos se restringe a parte da
população com renda salarial alta. 79% compram
semanalmente, 13% compram duas vezes por semana. Na
escolha do produto, todos os consumidores consideram que a
qualidade é característica determinante e 57% preferem
produtos orgânicos, e é muito importante a aparência. Fatores
(%) que estimulam o consumo de produtos orgânicos no
Distrito Federal: busca por alimento mais saudável (30%);
produto natural (20%); preservação da saúde e meio ambiente
(14%); prevenção de doenças (13%); preservar a saúde (11%);
não causam danos ao organismo humano (4%); produto mais
saudável e mais saboroso (3%); melhorar qualidade de vida
(3%) e natural e mais saboroso (1%). Nas feiras do Distrito
Federal ainda prevalece uma relação de confiança produtor-
consumidor e consumidor-associação de produtores na
regulação do comércio de produtores orgânicos.
AGUIRRES (2007)
– Costa Rica
Perfil: dos 480, a faixa etária dos consumidores é em média de
46 anos, o principal comprador são as mulheres 61%. Quanto ao
nível de instrução, 82% apresentavam curso superior. Quando
questionados a respeito da relação de confiança produtor-
consumidor, ou seja, se realmente o produto que está sendo
adquirido é orgânico: 31% responderam que sim, pelo fato de os
mesmos estarem sendo vendidos em uma feira de produtos
orgânicos, 10% adquirirem devido à confiança no vendedor, 2%
porque o produto é certificado, 13% conhecem o produtor, 4%
pelo fato de serem mais caros, e 15% não estavam seguros.
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Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
Quanto às razões que levaram a compra do produto os
resultados foram os seguintes: os produtos orgânicos são mais
saudáveis, proteção do meio ambiente, interesse na própria
saúde, e por serem livres de substâncias químicas. O tamanho
da família varia de três a quatro membros e gastam
aproximadamente um terço de sua renda em alimentação e entre
10% e 15% em frutas e legumes e parece ter um limite em torno
de 20% em relação ao que pagará por produtos orgânicos. As
duas características mais importantes que condicionam a
compra destes produtos são a saúde e qualidade. Outras
variáveis que influenciam a compra dos produtos orgânicos são:
preço, média mensal de despesas com alimentos, renda familiar.
ERGIN;
OZSACMACI
(2011) – Turquia
Perfil: dos 215, 24,7% possui o primário; 27,9% o colegial;
20,5% graduação; 20,5% pós-graduação, 6,4% não
responderam. 55,8% são mulheres e 44,2% homens. O estado
civil dos entrevistados apresentou os seguintes resultados:
18,6% solteiros; 76,7% casados; 4,7% viúvos. A faixa-etária
predominante foi entre os 20-29 (25,6%); 30-39 (25,1%); acima
dos 40 anos (49,3%). A renda dos entrevistados variou nas
seguintes faixas: 400-999 TL (6,5%); 1000-1499 TL (33,0%);
1500-1999 TL (13,5%); 2000-2499 TL (17,2%). A frequência
de compra de alimentos orgânicos foi de a cada duas semanas
(65,6%); 17,7% compram pelo menos uma vez por semana,
13% pelo menos duas vezes no mês e 3,7% uma vez no mês. Os
locais onde os consumidores compram os alimentos são
supermercados (47%); feiras (36,3%); lojas especializadas
(16,7%). As principais razões para a compra de alimentos
orgânicos e foram: benefícios para a saúde (65,1%); por ser
natural (69,8%); ser gosto (47,%); livrem conservantes (78,6%);
qualidade (45,6%) e higiene (41,9%). Os tipos de alimentos
orgânicos preferidos pelos entrevistados, para compra:
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Autor Principais aspectos levantados na pesquisa
alimentos para bebes (62,8%); pães e farinha (61,3%); vegetais
(39,1%); frutas (37,6%); leite e produtos derivados (36,7%);
legumes (34,4%) e grãos e frutos-secos (31,6%).
Quadro 2 – Compilação de estudos sobre o comportamento do consumidor de
alimentos orgânicos
Fonte: Adaptado de Stefano e Casarotto Filho (2011)
Percebe-se nos resultados evidenciados nas pesquisas realizadas que, os consumidores de produtos
orgânicos estão buscando um modo alternativo de vida frente à sociedade, que está atrelado a um
conhecimento da questão ambiental, principalmente considerando a questão da saúde, tratada pelos
consumidores orgânicos como um risco pertinente na sociedade moderna.
A relação produtor-consumidor (RUCHINSKI; BRANDENBURG, 1999) é complementar, porque encontra
permanente busca de alternativas viáveis à saúde. De um lado, o agricultor, que trabalha em condições
seguras, que não fica exposto em atividades rurais com aplicação de produtos químicos e tem a tranquilidade
de exercer sua profissão em um sistema produtivo completamente natural. De outro lado, o consumidor que
obtém uma alimentação com baixos riscos de contaminação; como indicam os dados relativos à razão para o
consumo de alimentos sem insumos químicos, em que 96,1% dos consumidores apontaram a saúde como
motivo principal.
3. Considerações finais
Além da preservação do meio ambiente e da saúde (segurança alimentar) humana,
a agricultura orgânica pode contribuir no aumento da renda (por exemplo, geração de
novos empregos) pelo sistema de produção e pelo valor agregado das mercadorias. Em
virtude dessas questões a produção e o consumo dos produtos derivados da agricultura
orgânica (AGUIAR, 1986) vêm aumentando nos últimos anos, e muitos fatores
contribuem para o crescimento e aprimoramento da agricultura orgânica dentre eles
pode-se citar a consolidação recente de políticas públicas voltadas ao fortalecimento da
agricultura familiar. Hoje, a principal proposta vinculada aos produtos alimentares
orgânicos é contribuir para o desenvolvimento sustentável, ou seja, conciliar o
crescimento econômico com a preservação dos recursos naturais.
Embora a sustentabilidade da agricultura (ASSAD; ALMEIDA, 2004) seja
defendida e almejada por diferentes setores produtivos e por diferentes segmentos
sociais, ela ainda se apresenta utópica. As alternativas de manejo agrícola sustentável,
que permitem a minimização de danos ambientais, esbarram muitas vezes em interesses
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econômicos distintos. Mesmo quando se observa uma melhora na relação agricultura e
ambiente, por meio de tecnologias consideradas menos agressivas, esta nem sempre está
associada a uma sustentabilidade social. Ou seja, a sustentabilidade está se impondo
muito mais pelo aporte da questão ambiental do que pelo lado da justiça social.
A percepção dos consumidores quanto à suposta qualidade superior dos alimentos
orgânicos em relação aos seus pares convencionais é um dos principais fatores de
adoção deste tipo de produto. Mesmo que não haja dados científicos que comprovem
maior ou menor valor nutricional neste tipo de alimento.
A presença de resíduos químicos, também é um dos itens apontados pelos
consumidores indicando a preocupação crescente quanto à sanidade e segurança na
alimentação. Portanto, o consumidor de produtos alimentícios orgânico está disposto a
pagar mais caro pelo produto com qualidade superior em relação aos produtos
convencionais.
A segmentação do mercado de produtos alimentícios orgânicos depende de uma
estratégia que tenha a capacidade de mostrar ao consumidor mais do que vantagens, mas
também os demais valores, os quais possam fidelizá-lo ou atraí-lo para o consumo,
como conveniência e variedade. Pois, o consumidor de produtos orgânicos agrícolas são
aqueles que não procuram aparência, beleza do produto, mas atributos como vida
saudável e principalmente a preservação do meio ambiente.
No Brasil os canais de distribuição ainda não estão consolidados, sendo de grande
importância o papel das feiras especializadas. Nos demais países, os supermercados têm
assumido papel variável dentro do negócio, não indicando ser uma alternativa certa e
única para o escoamento da produção. Os novos canais de distribuição e
comercialização possibilitam que os produtos orgânicos alcancem maior número de
consumidores, tornando a demanda regular.
Porém, as relações de negócio entre produtores e consumidores, necessitam de um
terceiro elemento que assegure ao distribuidor e ao consumidor a segurança das
informações a respeito do processo de produção, com a finalidade de restabelecer a
confiança do bem adquirido. O terceiro elemento referido é a certificação.
A alimentação por meio de produtos orgânicos se tornou hábito na dieta alimentar,
incorporando-se na composição do estilo de vida desses consumidores. Baseado nesse
estilo de vida, os consumidores não devem se limitar apenas ao consumo de alimentos
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orgânicos, e sim incorporar outros elementos que mostram a emergência de uma
conduta socioambiental, na qual se insere em uma perspectiva crítica ao consumismo da
sociedade moderna.
Importante ressaltar que o presente artigo sofre limitações pelo fato de ser
exploratório, porém gera informações importantes que podem ser analisadas por meio
de levantamento de dados quantitativos junto às empresas de produtos orgânicos
podendo definir planos de ações eficientes para a distribuição dos mesmos, procurando
atingir maior número de consumidores.
Referências
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ÍNDICES DE ABSENTEÍSMO E ROTATIVIDADE DE PESSOAL EM UMA
CITRÍCOLA NO NOROESTE PAULISTA
ABSENTEEISM AND TURNOVER INDEXES IN AN AGRICULTURAL
ORGANIZATION IN NORTHWEST SÃO PAULO (BRAZIL)
Veridiana Zocoler de Mendonça8
Berenice Buso Spir9
Resumo
Os índices de Rotatividade de Pessoal (IRP) e Absenteísmo (IA) estão associados
com a satisfação, retenção de talentos e execução de trabalho de uma organização.
Índices muito elevados representam perda de conhecimento, de capital intelectual, de
inteligência, de entendimento e domínio dos processos, perda de conexões com os
clientes, de mercado e de negócios. O objetivo deste estudo foi avaliar os indicadores
organizacionais IRP e IA em uma empresa de produção e comercialização de citros no
noroeste paulista. Os dados para o estudo de caso foram coletados junto ao
departamento de recursos humanos, referentes ao ano de 2010, de janeiro à dezembro. O
IRP e o IA atingiram, em média, baixo índice, inferior a 3% e 2,7%, respectivamente.
Pelos indicadores organizacionais estudados, pode-se concluir que a empresa encontra-
se com efetivo estável propiciando benefícios para a interface empresa-colaborador.
Palavras-chave: Ambiente organizacional; Setor agrícola; Sustentabilidade
empresarial; Absenteísmo; Rotatividade.
8 Engenheira Agrônoma, Mestre em Agronomia (Sistemas de Produção). Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". E-mail: [email protected].
9 Engenheira Agrônoma, Especialista em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Agrícolas. Assistente Agropecuário VI na Coordenadoria de Defesa Agropecuária – Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]
103
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Abstract
The turnover (TI) and absenteeism (AI) indexes are associated with satisfaction,
talent retention and job performance of an organization. High indexes represents loss of
knowledge, intellectual capital, intelligence, understanding and mastery of processes,
loss of connections with customers, market and business. The aim of this study was to
evaluate the organizational indicators TI and AI in a company producing and marketing
of citrus in Sao Paulo northwester (Brazil). The data for the case study were collected
from the human resources department, for the year 2010, from january to december. The
TI and AI reached an average low rate, less than 3% and 2.7%, respectively. By the
organizational indicators studied, we can conclude that the company has stable
employees effective with providing benefits to the company-employee interface.
Key-words: Organizational environment; Agricultural sector; Corporate sustainability;
Absenteeism; Turnover.
INTRODUÇÃO
O ambiente organizacional sofre constantemente interferências de vários agentes,
como a escassez de recursos, concorrência e tecnologia. A globalização, por sua vez,
também modificou significativamente o ambiente das organizações desencadeando
várias mudanças nos paradigmas de gerenciamento e práticas administrativas. Novos
conceitos foram concebidos, por exemplo, a reengenharia, como fórmulas mágicas para
o sucesso empresarial. Da mesma forma que surgiram novas práticas de gestão, o
mercado de trabalho também sofreu modificações, passando a valorizar um novo perfil
profissional e a exigir profissionais altamente qualificados, tendo o conhecimento como
novo paradigma para a captação de recursos humanos. Segundo Ferreira e Siqueira
(2005) perder talentos em um ambiente extremamente competitivo pode gerar ansiedade
nos gestores de recursos humanos por desconhecimento de atitudes e comportamentos
humanos além de comprometer os resultados há muito conquistados. Logo, políticas
agressivas de manutenção de recursos humanos devem ser aplicadas hoje por
organizações que desejam sobreviver, se manter e crescer em um ambiente sem
fronteiras.
104
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Entender a mão-de-obra é fundamental para o sucesso de uma organização. Nesse
sentido, a gestão de pessoas passa a um patamar diferenciado, inserindo-se em uma
posição estratégica e diferencial para a maximização dos resultados da organização.
Com esta projeção seus indicadores de desempenho passam a ter uma importância
diferenciada, pois serão eles que darão suporte para que as ações sejam tomadas de
forma assertiva e rápida (GOMES; BONIFÁCIO, 2010).
Os índices de rotatividade de pessoal e absenteísmo são muito utilizados dentro do
ambiente organizacional. A rotatividade de pessoal também é conhecida como turnover
e é expressa por meio de uma relação percentual entre as admissões e os desligamentos
em relação ao número médio efetivo de funcionários da organização no decorrer de
certo período de tempo e, geralmente, a rotatividade é expressa em índices mensais e ou
anuais para permitir comparações, seja para desenvolver diagnósticos, promover
providências ou ainda com caráter preditivo (CHIAVENATO, 2002).
A gestão da rotatividade passa a ser fundamental nas organizações, pois estas
atuam cada vez mais em cenários exigentes e competitivos (POMI, 2005). O turnover é
um indicador que está diretamente associado com a satisfação e retenção de talentos de
uma organização. Um índice muito elevado representa a perda de conhecimento, de
capital intelectual, de inteligência, de entendimento e domínio dos processos, perda de
conexões com os clientes, de mercado e de negócios. Ou seja, alto turnover é sinônimo
de perda de produtividade e lucratividade (GOMES; BONIFÁCIO, 2010). Em
contrapartida, segundo os mesmos autores, um turnover muito baixo também não é
sadio, podendo indicar certa estagnação do conhecimento, sem a revitalização da mão
de obra.
O índice de absenteísmo também conhecido como índice de ausentismo, é uma
expressão utilizada para designar a falta do empregado ao trabalho (CHIAVENATO,
1994). Segundo Quick e Lapertosa (1982), o absenteísmo é dividido em absenteísmo
voluntário (ausência no trabalho por razões particulares não justificadas por doença);
absenteísmo por doença (inclui todas as ausências por doença ou por procedimento
médico, excetuam-se os infortúnios profissionais); absenteísmo por patologia
profissional (ausências por acidentes de trabalho ou doença profissional); absenteísmo
legal (faltas no serviço amparadas por leis, tais como: gestação, doação de sangue e
serviço militar) e absenteísmo compulsório (impedimento ao trabalho devido a
suspensão imposta pelo patrão, por prisão ou outro impedimento que não permita o
105
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trabalhador chegar ao local de trabalho).
O absenteísmo tem exigido muito das organizações e de seus administradores,
devido suas causas serem ligadas a vários fatores, que vão desde as questões sociais,
saúde, gestão de pessoas, entre outros problemas, tornando assim, um tema complexo e
difícil de ser gerenciado (PENATTI; ZAGO; QUELHAS, 2006).
Portanto, é relevante para a organização conseguir diminuir o alto índice de
absenteísmo e isso poderá ser feito através de programas de controle da ausência, onde
os funcionários assíduos são recompensados com prêmios. Entretanto, para as
recompensas serem motivadoras, é importante que se observe em que nível da
hierarquia das necessidades o funcionário está, para que a premiação possa ser de
acordo com a satisfação das necessidades deste nível (PIRES, 2010).
Dentro deste contexto, o objetivo deste estudo é avaliar os indicadores
organizacionais IRP e IA em uma empresa de produção e comercialização de citros no
noroeste paulista.
MATERIAL E MÉTODOS
Características da empresa
A empresa possui sede administrativa e três unidades de processamento de frutas.
As unidades - também chamadas de packinghouse - estão estrategicamente posicionadas
em municípios onde há maior concentração de cultivo e desempenham importante papel
na captação e no preparo da fruta. A empresa ainda conta com certificações GlobalGap
e HACCP que garantem segurança e qualidade à fruta durante todo o processo. A
GlobalGap é um sistema de gestão de qualidade, com a finalidade de garantir alimentos
seguros e sustentáveis e criou normativas para os seguintes setores: frutas e vegetais,
flores ornamentais, Integrated Farm Assurance (IFA), aquacultura e café. O protocolo
da Integrated Farm Assurance (IFA) foi desenvolvido em outubro de 2003 e envolve
certificação em propriedades. O protocolo GLOBALGAP-IFA é baseado na BPA/GAP
(Boas Práticas da Agricultura), padrões globais de segurança alimentar e HACCP
(Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle) cobrindo todo o processo de produção
agrícola do produto certificado, desde o início do processo de produção, no plantio até o
produto final não processado, para isto a empresa prioriza: controle da produção, da
colheita, na unidade de processamento, entrada na linha de classificação, embalagem e,
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captura e gerenciamento dos dados (rastreabilidade).
Coleta e análise dos dados
Estudo de caso cujos dados foram coletados junto ao departamento de recursos
humanos da empresa referentes ao ano de 2010, de janeiro à dezembro. A empresa
possui um efetivo médio de 140 funcionários com jornada de trabalho de 44 horas
semanais.
Os afastamentos contabilizados seguiram as definições de Quick e Lapertosa
(1982). Os índices foram calculados segundo equações abaixo (CHIAVENATO, 1997):
IRP= x 100
Onde,
IRP: Índice de rotatividade pessoal
A: número de funcionários admitidos
D: número de funcionários demitidos
EfM: efetivo médio de funcionários
IA= x 100
Onde,
IA: Índice de absenteísmo
F: ausências convertidas em dias inteiros (faltas em horas dividido pela carga
horáriadiária)
U: número de funcionários multiplicado pelos dias úteis do mês
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pelos cálculos realizados tanto o índice de rotatividade de pessoal como o de
absenteísmo apresentam baixos valores (Figuras 1 e 2). O IRP e o IA atingiram, em
média, valores inferiores a 3% (CHIAVENATO, 1989) e 2,7% (BISPO, 2002),
respectivamente.
107
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Figura 1. Índice de rotatividade pessoal de uma citrícola do noroeste paulista, 2010.
Figura 2. Índice de absenteísmo de uma citrícola do noroeste paulista, 2010.
Dados do DIEESE de 2007 apresentados por Jubilato (2008) e Gomes e Bonifácio
(2010) revelam que a taxa mensal de rotatividade no Brasil em 2006 foi de 3,5% ao
mês, equivalente a um índice de 42% ao ano. Comparando os percentuais acima com os
apresentados por Marras (2005) utilizando dados de 2002, o índice era de 35% ao ano,
ou seja, em cinco anos a rotatividade aumentou em 20%. Os dados do DIEESE (2007)
apontam três setores que obtiveram um índice de rotatividade acima da média, são eles:
1,792,14
2,86
1,431,79
2,86
3,57
1,79
2,52,14
1,071,43
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
J F M A M J J A S O N D
Índi
ce d
e Ro
tavi
dade
Pes
soal
(%)
Meses
1,46 1,50 1,461,57
1,36
0,75
1,64 1,68
1,111,25
1,541,68
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
J F M A M J J A S O N D
Índi
ce d
e Ab
sent
eísm
o (%
)
Meses
108
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agropecuária, comércio e construção civil, sendo 5,2, 3,7 e 7,3% respectivamente
(JUBILATO, 2008).
O IRP estável pode indicar satisfação por parte dos funcionários justificado por
uma boa gestão e organização empresarial garantindo a padronização dos processos e da
qualidade do produto e, consequentemente, mantendo o elo com o mercado consumidor.
De acordo com Penatti, Zago e Quelhas (2006), alto absenteísmo pode apresentar
um duplo efeito: do ponto de vista do trabalhador, a possibilidade de desconto no
salário, de demissão ou de outros problemas correlatos; do ponto de vista da
organização do trabalho, a dificuldade de realização do trabalho previsto e os prejuízos
por ventura decorrentes. Contudo, o índice estável de ausentismo obtido neste estudo
também se apresenta como bom indicador de qualidade organizacional. Tais indicadores
demonstram que, provavelmente, a empresa adota políticas de benéficos ao
cumprimento das horas trabalhadas além de flexibilidade para atender às necessidades
dos funcionários promovendo um controle e evitando comprometimento da produção
garantindo satisfação de ambas as partes.
Mesmo apresentando IA dentro do preconizado, a maior parte das ausências são
justificadas (Figura 3), o que revela o comprometimento do quadro de colaboradores
para com a organização e com seus próprios benefícios decorrentes da boa atuação.
Figura 3. Porcentagem de faltas, justificadas e não justificadas, uma citrícola no
noroeste paulista, 2010.
0102030405060708090
100
J F M A M J J A S O N D
Abse
nteí
smo
(%)
Meses
Faltas não justificadas Faltas justificadas
109
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CONCLUSÕES
Pela análise dos indicadores de gestão organizacional, IRP e IA, a empresa
encontra-se com efetivo estável propiciando benefícios para a interface empresa-
colaborador, garantindo empregabilidade para o colaborador e permanência no mercado
para a organização, ambos com qualidade.
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BIODIESEL: PRODUÇÃO POR TRANSESTERIFICAÇÃO ETÍLICA DO
ÓLEO DE CANOLA E SEPARAÇÃO DO GLICEROL POR
ULTRAFILTRAÇÃO
BIODIESEL: PRODUCTION BY ETHYLIC TRANSESTERIFICATION OF
THE CANOLA OIL AND SEPARATION OF THE GLICEROL BY
ULTRAFILTRATION
Fernanda Aparecida Arzani10
Maria Carolina Sérgi Gomes11
Nehemias Curvelo Pereira12
Resumo
O biodiesel foi produzido pela transesterificação etílica do óleo de canola bruto,
utilizando hidróxido de sódio como catalisador, a uma razão molar óleo: etanol de 1:7,5
e temperatura de 30°C. A mistura reacional final precisou ser purificada para a obtenção
de biodiesel dentro das especificações de comercialização. Convencionalmente a
separação do glicerol produzido durante a transesterificação envolve métodos de
decantação e centrifugação. Alternativamente a esses métodos, a mistura foi alimentada
num módulo de micro e ultrafiltração, após adição de água acidificada, e foi purificada
por meio de membrana cerâmica. Foram utilizadas membranas com diâmetro de poros
de 0,5 µm e 20 kDa submetidas a diferenças de pressão de 1, 2 e 3 bar. Em todas as
condições, o teor de glicerol no permeado foi inferior a 0,02%. A membrana de 0,05 µm
a 1 bar proporcionou fluxo estabilizado mais elevado, sendo esta a melhor condição de
separação.
Palavras-chave: biodiesel, transesterificação, glicerol, ultrafiltração.
10 Aluna de iniciação científica do Curso de Engenharia Química da Universidade Estadual de Maringá Bolsista PIBIT/CNPq. [email protected] 11 Graduada, Mestre e Doutora em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Maringá. Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR-PR).
12 Graduado em Química Industrial pela Universidade Federal de Sergipe, mestre em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR).
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Abstract
The biodiesel was produced by ethylic transesterification of crude canola oil, with
the use of sodium hydroxide as a catalyst, at a molar ratio oil:ethanol of 1:7,5 and the
temperature 30°C. The final reaction mixture needed to be purified to obtain biodiesel
within the specifications required for marketing. Conventionally a separation of the
glycerol produced during a transesterification involves methods of decantation and
centrifugation. Alternatively to these methods, the mixture was feed in a micro and
ultrafiltration module after addition of acidified water, and was purified through ceramic
membrane. Were used membranes with pores of 0,5 µm and 20 kDa of diameter under
to pressure differences of 1, 2 e 3 bar. Was verified a continuous flow for all the
conditions. In all these experiments the glycerol content in the permeate was less than
0.02%. The membrane of 0,05 µm under 1 bar provided more stabilized and high flow,
which is the best condition of separation.
Keywords: biodiesel, transesterification, glycerol, ultrafiltration.
1. INTRODUÇÃO
A substituição do diesel mineral por combustíveis vegetais foi sugerida pela
primeira vez pelo próprio inventor do motor a diesel por volta de 1900. Porém, a
disponibilidade e o baixo custo do petróleo não favoreceram essa substituição (POUSA
et al., 2007). Além disso, a utilização de óleos vegetais em motores de injeção, na
época, não apresentou resultados satisfatórios ocasionando o entupimento de filtros, a
coqueificação nos injetores e uma combustão incompleta (SHAHID e JAMAL, 2008).
O óleo diesel é utilizado principalmente no desenvolvimento de setores
industriais, de transporte e também no setor agrícola. Dessa forma, a elevada demanda
de combustíveis associada à restrição das ofertas de petróleo tem levado à busca por
fontes renováveis. A contribuição dos derivados do petróleo para o aumento da emissão
de poluentes, resultando na danificação dos sistemas respiratório e nervoso, trazendo
prejuízos à saúde dos animais, afetando à vegetação, levando à formação de chuva ácida
e ao agravamento do efeito estufa tem sido determinante para impulsionar a procura por
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novas alternativas energéticas (SHAHID e JAMAL, 2008).
O biodiesel é considerado um combustível renovável, pois é produzido a partir da
reação de óleos vegetais ou gorduras animais com etanol, proveniente de fontes
vegetais, ou metanol, que pode ser obtido da biomassa de madeiras. O uso de
biocombustíveis tanto proporciona benefícios ambientais como também pode ser uma
alternativa que leva a vantagens econômicas ao reduzir a necessidade de importação de
petróleo. Seu impacto econômico tem reflexo sobre a renda de milhares de famílias de
trabalhadores rurais que têm ligação direta com o agronegócio ou realizam agriculturas
familiares (POUSA et al., 2007).
Dentre as vantagens ambientais do biodiesel em relação ao óleo diesel mineral,
destaca-se a ausência de enxofre e de compostos aromáticos que proporciona uma
queima mais limpa, sem a formação de SO2 e de compostos cancerígenos. Permite uma
combustão mais completa e eficiente quando comparada aos resultados obtidos pelo
óleo diesel devido à sua composição mais homogênea e à presença de oxigênio,
reduzindo em até 45% emissões atmosféricas de material particulado e 47% de
monóxido de carbono – CO, (KNOTHE et al., 2006). Dentre suas vantagens técnicas
estão o maior ponto de fulgor que o diesel mineral, garantindo maior segurança em sua
utilização; o elevado poder de autoignição e de combustão por possuir alto número de
cetano; a sua viscosidade apropriada para queima nos motores diesel; e sua excelente
capacidade lubrificante, proporcionando maior vida útil aos equipamentos dos motores
(DEMIRBAS, 2008).
Devido à sua ampla variabilidade em termos de biodiversidade, extensão
territorial, diversidade climática e condições de solo, o Brasil tem potencial para
produção de diferentes fontes oleaginosas para produção de biodiesel, tais como, soja,
mamona, babaçu, algodão, dendê, girassol, canola e nabo forrageiro (POUSA et al.,
2007). A canola, terceira oleaginosa mais plantada em todo o mundo, desenvolvida por
melhoramento genético da colza, pode ser utilizada na produção de biodiesel. A que é
produzida no Brasil é constituída em aproximadamente 38% de óleo, valor que supera
em mais do que o dobro o índice médio atingido pela soja, da ordem de 18%
(EMBRAPA, 2010).
O método mais comumente empregado no país para produção de biodiesel é a
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transesterificação, rota tecnológica em que o triacilglicerol presente em óleos e gorduras
reage com um álcool de cadeia curta na presença de um catalisador para formar ésteres
alquílicos de ácidos graxos e glicerol. Em razão do grau de reversibilidade da reação
faz-se uso de catalisador, em geral alcalino tanto de origem orgânica, quanto inorgânica.
Além disso, são requisitos necessários para obtenção de elevadas taxas de conversão –
entre 94 e 96% - outras condições de processo tais como, temperatura controlada,
agitação intensa e excesso de álcool (MA e HANNA, 1999).
O uso de catalisadores alcalinos proporciona melhor rendimento e seletividade,
além de menor tempo de reação que a catálise ácida. Além disso, esse tipo de
catalisador tem preferência sobre seus homólogos ácidos e enzimáticos pelo fato de ser
menos corrosivo que estes últimos (QIU et al., 2011). A transesterificação mais comum
é a metílica, porém a utilização de etanol obtido a partir de cana de açúcar e de óleos
vegetais na produção de biodiesel torna o processo totalmente independente do petróleo,
proporcionando benefícios ambientais (MONTEIRO et al., 2008).
A estequiometria da reação requer três moles de álcool para cada mol de
triacilglicerol. No entanto, como já mencionado, a adição de álcool em excesso desloca
o equilíbrio no sentido da formação dos produtos (FERRARI et al., 2005),
proporcionando assim maiores taxas de produção do bem de interesse - o éster. Por
outro lado, uma quantidade excessiva de álcool no meio reacional pode prejudicar a
separação do glicerol resultando em uma queda no rendimento (LIN et al. 2009).
A temperatura da reação pode variar conforme o óleo utilizado (MA e HANNA,
1999). Van Gerpen (2004) reporta experiências nas quais a transesterificação ocorreu a
temperaturas na faixa de 25ºC a 85ºC. No entanto, Lin et al. (2009) sugerem evitar
temperaturas superiores a 60ºC, pelo fato desta condição acelerar a saponificação dos
glicerídeos pelo catalisador alcalino antes da completa alcoólise. Os mesmos autores
sugerem inclusive a temperatura ambiente como satisfatória para realizar o processo de
transesterificação.
A mistura reacional emanada da transesterificação não contém apenas
ésteres alquílicos, também contém catalisador, álcool residual, glicerol, mono, di e
triglicerídeos, que precisam ser separados para que os ésteres possam ser
utilizados como combustível (VAN GERPEN et al., 2004). No Brasil a Agência
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Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) especifica a qualidade
do biodiesel B100 com base nas normas, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT).
Um parâmetro importante no controle de qualidade do biodiesel é a
quantidade de glicerina livre, que tem um limite máximo permitido de 0,02%, pois
um alto teor pode resultar na separação da glicerina, causando problemas durante o
armazenamento e no sistema de injeção de combustível. A glicerina livre é associada,
também, com depósitos no fundo dos tanques de combustível atraindo outros
contaminantes, como a água, aumentando assim a corrosão do motor e diminuindo a
sua vida útil. Além disso, a queima da glicerina a partir de 180 ºC junto com o
biodiesel pode causar a emissão de acroleína, uma substância altamente tóxica
(ÇETINKAYA e KARAOSMANOGLU, 2004; FERRARI et al., 2005; MONTEIRO
et al., 2008).
Os processos convencionais de separação são a decantação e a centrifugação. Na
decantação, ocorre a formação de duas fases; a mais densa é composta por glicerina
bruta, pelo excesso de álcool, de água e de impurezas que pode ser separada da fase
menos densa constituída por ésteres (VAN GERPEN et al., 2004).
Processos de separação com membranas são utilizados em escala laboratorial
desde a década de 1930. Nos anos 1960 houve o scale-up desta tecnologia de separação
para a escala industrial (BAKER, 2004), fato que possibilitou que indústrias dos
segmentos químico, alimentício e farmacêutico, além da área médica, passassem a dela
fazer uso regular (HABERT et al., 2006).
Uma membrana pode ser definida como uma barreira que separa duas fases e
restringe o transporte de pelo menos uma espécie química nelas presente. A membrana
apresenta diferentes morfologias; em função desta característica é classificada como
densa ou porosa. Nos processos como micro e ultrafiltração, que utilizam membranas
porosas, a força motriz que possibilita o transporte de matéria através da membrana será
proporcionada pelo gradiente de pressão sobre ela submetido (HABERT et al., 2006).
As membranas podem ser produzidas a partir de materiais poliméricos ou
inorgânicos. Dadas suas propriedades físicas e químicas, as membranas
cerâmicas apresentam vantagens em relação às poliméricas como: estabilidade sem
problemas de intumescimento ou compactação; resistência ao ataque de agentes
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químicos, térmicos ou biológicos; resistência a condições severas de pressão,
temperatura e pH; e facilidade de limpeza (BENFER et al., 2001). Apesar de
apresentarem maior vida útil e facilidade de limpeza, são muito caras em relação
às poliméricas. Sua utilização no processo de separação pode proporcionar pureza
e qualidade elevadas no biodiesel, vantagens ambientais e econômicas por reduzir
a quantidade de água utilizada no processo e eliminar o uso de adsorventes. Além
da redução dos custos relacionados ao tratamento dos efluentes, os trabalhos
publicados na literatura indicam que o uso de membranas no processamento de
biodiesel proporciona redução do consumo de energia, tornando o processo
potencialmente aplicável em escala industrial (ATADASHI et al., 2011a;
ATADASHI et al., 2011b).
A utilização de membranas na separação do glicerol, sem decantação prévia,
foi estudada em trabalho anterior do grupo do DEQ/UEM (GOMES et al., 2010).
No qual, misturas sintéticas de biodiesel, glicerol e etanol foram microfiltradas
com membranas cerâmicas, avaliando-se a porosidade da membrana, a pressão
utilizada e a concentração de etanol na mistura. Os resultados ressaltaram a
potencialidade da aplicação de membranas cerâmicas na separação de glicerol e
biodiesel, sendo que a maior retenção de glicerol (99,6%) foi obtida com uma
membrana de 0,2 µm e 2,0 bar de pressão.
2. OBJETIVOS
Tendo em vista a necessidade de fontes de energia limpas e renováveis, o presente
trabalho teve por objetivos a produção de biodiesel a partir de óleo de canola bruto e
álcool etílico através da reação de transesterificação com o uso de catalisador alcalino; a
separação do glicerol produzido junto ao biodiesel, para atingir as especificações de
comercialização, por meio de ultrafiltração com membranas cerâmicas; a avaliação do
fluxo permeado por diferentes diâmetros de poros de membranas, sujeitas a diferentes
gradientes de pressão, e da qualidade do produto obtido por meio da análise do teor de
glicerol livre no permeado, para a determinação da melhor condição de purificação.
117
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3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 MATÉRIA PRIMA
Foram utilizados para as reações óleo de canola bruto, etanol anidro (99,8°INPM).
O hidróxido de sódio na forma de micropérolas e os demais reagentes utilizados nas
análises foram de grau analítico (Synth, Brasil).
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO ÓLEO
A viscosidade do óleo a 40ºC foi determinada utilizando um reômetro digital
Brookfield modelo DV-III e a densidade a 20ºC, utilizando um picnômetro de 25 mL
com termômetro acoplado. O índice de acidez foi determinado pela metodologia da
AOCS e o teor de umidade, por meio do método Karl Fischer.
3.3 PRODUÇÃO DO BIODIESEL
As reações de transesterificação foram conduzidas em um balão de três bocas,
imerso num banho termostático para a manutenção da temperatura. Para cada reação, o
óleo foi colocado no balão com agitação mecânica constante. Em seguida, foi
adicionado o hidróxido de sódio na concentração de 1% em relação à massa de óleo,
previamente dissolvido no etanol. A quantidade de catalisador foi fixada baseada em
estudos publicados na literatura (MEHER et al., 2006; GEORGOGIANNI et al., 2007;
LIN et al., 2009; MURUGESAN et al., 2009; LEE et al., 2010) indicando que esta
concentração é adequada para a obtenção de altos rendimentos em ésteres na
transesterificação alcalina de óleos vegetais. A agitação de 350 rpm foi mantida por uma
hora para garantir que a reação se completasse. As reações foram realizadas em condições
ótimas para óleos com acidez elevada, obtida de trabalhos anteriores do grupo, que foram
30°C e razão molar óleo:etanol de 1:7,5.
3.4 PURIFICAÇÃO DA MISTURA REACIONAL
A separação do glicerol foi realizada num módulo experimental de micro e
ultrafiltração UF NETZSCH modelo 027.06-1C1/07-0005/AI. A unidade utiliza o
princípio de filtração tangencial, que consiste em bombear fluido tangencialmente ao
longo da superfície da membrana, retendo partículas e macromoléculas grandes demais
para atravessar os poros da membrana. Os componentes retidos são varridos ao longo do
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sistema pela força de fluxo, dessa forma não se acumulam na superfície da membrana,
por isso o processo é ideal para a separação de partículas em fluidos.
Foram utilizadas membranas cerâmicas (α-Al2O3/TiO2) tubulares com diâmetro
médio de poros de 0,05 µm e 20 KDa. A mistura reacional foi alimentada diretamente
no módulo de micro e ultrafiltração e 10% de água acidificada foram adicionados para
facilitar a separação, já que sem a adição de água a separação não foi satisfatória para
experimentos anteriores com óleo de soja. Os experimentos foram realizados em
batelada com uma vazão de 700 L/h, a 50°C com diferenças de pressão aplicadas
através das membranas de 1, 2 e 3 bar. O fluxo permeado foi determinado por meio da
medição da massa coletada, medida em uma balança semianalítica (BG 4000-Gehaka),
em função do tempo, por meio do arranjo dos resultados experimentais na forma da
equação 1:
tAm
J pp e r m .
=
(
(1)
Em que:
Jperm = fluxo permeado (kg/h.m2);
mp = massa de permeado (kg);
t = intervalo de recolhimento (h);
A = área de permeação da membrana (m2).
O teor de glicerol no permeado foi determinado por meio de uma metodologia
modificada, sugerida por Dantas (2006), baseada no método oficial da AOCS para
análise de glicerol livre em óleos e gorduras (Ca 14-56).
O procedimento experimental consistiu na pesagem de aproximadamente 3 g
de uma amostra de permeado. Essa massa foi colocada em um funil de separação e
foram adicionados 20 mL de água destilada e 0,5 mL de H2SO4 (1:4). A mistura foi
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agitada e deixada em repouso até que ocorresse a formação de duas fases. A fase
mais densa (mais clara) foi colocada em um erlenmeyer de 250 mL, ao qual foram
adicionados 50 mL de solução de periodato de sódio 5,5 g/L. Após 10 minutos em
repouso, foram adicionados 4 g de bicarbonato de sódio e 1,5 g de iodeto de
potássio. A amostra foi agitada para homogeneização e titulada com arsenito de
sódio 0,1 mol/L até que a coloração se tornasse mais clara. Foram adicionadas
gotas de solução de amido, como indicador, a titulação prosseguiu até o ponto de
viragem, quando a solução se tornou incolor. Todo o procedimento acima foi
realizado em triplicata e, também, para uma amostra em branco.
O percentual mássico de glicerol foi calculado de acordo com a equação 2:
100m
)V(VC0,059077% ab
glicerol−
= (2)
Sendo:
C = concentração exata da solução de arsenito de sódio (g.mL-1);
Vb = volume gasto na titulação da amostra em branco (mL);
Va = volume gasto na titulação da amostra de biodiesel (mL);
m = massa total da amostra de biodiesel (g).
4. RESULTADOS
4.1 CARACTERIZAÇÃO DO ÓLEO
Foi realizada a caracterização físico-química quanto à viscosidade, densidade,
umidade e acidez do óleo de canola bruto e os dados são apresentados na Tabela 1.
Tabela 1. Características físico-químicas do óleo de Canola bruto.
Viscosida
de a 40ºC
(mm2/s)
Densidade
a 20ºC (g/cm3)
Umidade (%)
Acidez
(%)
32,22 0,9105 ±
0,0007
0,113 ±
0,004
2,4 ±
0,06
120
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O teor de umidade do óleo ficou abaixo de 0,5%, que é o valor máximo
recomendado para que a transesterificação alcalina não seja prejudicada. Da mesma
forma, a recomendação é que o conteúdo de ácidos graxos livres do óleo vegetal seja
inferior a 0,5 %, pois a água no meio reacional causa a hidrólise dos ésteres alquílicos e
os ácidos graxos livres no óleo podem reagir com o catalisador básico, formando
sabões, diminuindo a eficiência de conversão e dificultando a separação. Porém, existem
bons resultados para esta reação na literatura com o uso de óleos vegetais com até 3% de
acidez (MURUGESAN et al., 2009).
A composição do óleo de canola, determinada por cromatografia gasosa e
apresentada na Tabela 2, se mostrou concordante com dados da literatura
(CHENG et al., 2009; LEE et al., 2010; JOSHI et al., 2009).
Tabela 2. Composição do óleo de canola em ácidos graxos.
Ácido graxo % mássica
média
palmítico (C16:0) 6,6
esteárico (C18:0) 2,8
oléico (C18:1 - cis) 55,0
Linoleláidico (C18:2-trans) 2,3
linoléico (C18:2 -cis) 25,6
gama-linolênico (C18:3) 7,7
Como a transesterificação não altera a composição de ácidos graxos do
material de origem, a composição do biodiesel é completamente dependente da
matéria-prima utilizada em sua produção. Dessa forma, a concentração e a
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estrutura molecular dos ésteres alquílicos variam de acordo com as características
estruturais dos ácidos graxos do óleo vegetal de origem. O tamanho da cadeia
carbônica e o número de insaturações que apresenta são fatores determinantes de
algumas propriedades do biodiesel, e ainda no seu armazenamento e oxidação
(DEMIRBAS, 2008).
O óleo de canola apresentou um elevado conteúdo de ácidos graxos insaturados de
cadeia carbônica longa, resultando em biodiesel com características favoráveis de
fluidez mesmo em temperaturas baixas.
4.2 ENSAIOS DE ULTRAFILTRAÇÃO
Após a produção do biodiesel em larga escala foi realizada a ultrafiltração com as
membranas cerâmicas e os fluxos permeados, calculados pela equação 1, foram obtidos
conforme a Figura 1.
Figura 1. Fluxo permeado em função do tempo de filtração a 50ºC com adição de
10% de água acidificada para membranas com poros de 0,05 µm em (a) e de 20
kDa em (b).
A principal característica observada nas curvas é a pequena redução do fluxo
permeado ao longo do tempo, indicando que a fase retida não provocou o entupimento
da membrana.
Pressões elevadas resultam em maiores forças motrizes, porém podem favorecer
(b) (a)
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tanto a passagem do biodiesel, quanto a passagem de aglomerados de glicerol,
ocasionando a obstrução dos poros, reduzindo a área de filtração e o fluxo permeado, de
forma que se observa que o fluxo a 3 bar foi menor que a 2 bar.
Devido a essa influência da pressão sobre a força motriz, a 2 bar houve maior
fluxo permeado que a 1 bar, no entanto, nesta condição o fluxo apresentou-se mais
estabilizado, com comportamento praticamente constante para as duas membranas
sendo que para a membrana de 0,05 µm esse fluxo foi mais elevado.
Para cada uma dessas condições de separação foram analisadas as porcentagens
mássicas de glicerol para verificar o atendimento à norma da ANP que exige que esse
percentual seja inferior a 0,2%. Os resultados obtidos são apresentados na Tabela 3.
Tabela 3. Fluxo permeado e percentual de glicerol para cada condição de
ultrafiltração avaliada.
Membrana Pressão (bar) Fluxo Permeado (kg/h.m2)
Glicerol (%)
0,05 µm 1,0 106,1 0,013 ± 0,003 0,05 µm 2,0 113,2 0,012 ± 0,005 0,05 µm 3,0 102,1 0,013 ± 0,001 20 kDa 1,0 91,7 0,011 ± 0,008 20 kDa 2,0 100,0 0,011 ± 0,004 20 kDa 3,0 93,3 0,013 ± 0,008
A análise de glicerol no permeado indicou uma porcentagem inferior a 0,013%,
que é menor que o máximo permitido para a comercialização (ANP, 2008). Estes
resultados indicam que os aglomerados de glicerol formados na presença de água
acidificada tiveram tamanho suficiente para serem retidos pela membrana, isto é, o
diâmetro dos aglomerados foi maior que o diâmetro dos poros da membrana,
favorecendo a remoção dos aglomerados pelo próprio fluxo convectivo e minimiza o
fouling.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos demonstraram que o óleo de canola bruto apresenta
características físico-químicas adequadas para a produção de biodiesel por
transesterificação alcalina. O processo de separação do glicerol por ultrafiltração foi
eficiente em todas as condições avaliadas, já que o percentual de glicerol no biodiesel
foi inferior a 0,02%, que é o valor máximo permitido para comercialização (ANP,
2008).
Assim, o óleo de canola pode ser uma matéria-prima considerável para a produção
de biodiesel em substituição ao diesel mineral, já que implica em vantagens sociais e
econômicas, pela não importação de petróleo e possibilidade de produção das matérias
primas em território nacional, gerando emprego e renda, além de vantagens ambientais
devido à renovabilidade e à redução de emissões de gases poluentes.
O processo de purificação de biodiesel por ultrafiltração apresenta a vantagem de
eliminar a etapa de separação por decantação e proporcionar teores de glicerol muito
baixos após uma única etapa de processamento, além de não necessitar da etapa de
lavagem, reduzindo o consumo de água e proporcionando outro benefício ambiental.
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ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
ESTUDO DA EFICIÊNCIA DO TRATAMENTO DE ESGOTO DOMÉSTICO
POR SISTEMA DE WETLAND DE FLUXO VERTICAL DESCENDENTE
PARA SER APLICADO EM COMUNIDADES ISOLADAS
ESTAÇÃO DE TRATAMENTO EM ESCALA DE LABORATÓRIO
STUDY ON THE EFFICIENCY OF DOMESTIC WASTEWATER TREATMENT BY A DOWNWARD VERTICAL FLOW WETLAND FOR THE
APPLICATION IN ISOLATED COMMUNITIES - LABOR SCALE TREATMENTE PLANT
Marcella Moretti Ferreira13
Alexandre Saron14
Resumo
Infelizmente a rede de saneamento não atende toda a população. Por conta disso,
vários estudos vêm sendo desenvolvidos nesta área “alternativa” de tratamento de
esgoto como, por exemplo, os Wetlands. O objetivo deste estudo foi baseado na
possibilidade de aplicação de sistemas de tratamento do tipo wetland de fluxo vertical
em comunidades isoladas. Para isto, foi montado no laboratório de química do Centro
Universitário SENAC Campus Santo Amaro, um sistema em escala de laboratório com
três tanques ligados em série com volume útil aproximado de 2,86L cada e operando
por batelada com TDH de 7 dias para a avaliação em uma pequena escala piloto deste
sistema proposto. Os tanques continham o mesmo material de recheio (brita #2, brita #1
e cascalho) e a mesma macrófita (Eleocharis parvula). Antes da aplicação das cargas
monitoradas, uma carga de efluente, constituído pelo esgoto sanitário do próprio
13 Graduanda no último ano em Engenharia Ambiental no SENAC, técnica em Laboratorista Industrial pela ETE
Lauro Gomes (2007). Realizou pesquisa de Iniciação Científica pelo SENAC na área de Técnicas e Tecnologias para
a Sustentabilidade com a pesquisa "Estudo da eficiência do tratamento de esgoto doméstico por sistema de wetland
de fluxo vertical descendente para ser aplicado em comunidades isoladas – estação de tratamento em escala de
laboratório", pesquisa essa que recebeu premiação de 2º lugar na Jornada de Iniciação Científica do 52º Congresso
Brasileiro de Química - Recife (PE) de 14 a 18 de outubro de 2012.; [email protected]
14 Professor Pesquisador do Centro Universitário Senac; [email protected]
128
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Campus Universitário foi diluído a 4% e aplicado nos tanques como teste de resistência
das macrófitas. Os testes iniciaram-se com o efluente aplicado nos tanques diluído a
10%e terminaram com aplicação de efluente bruto. Os parâmetros analisados durante o
monitoramento foram: sólidos sedimentáveis, DBO, fosfato, N- amoniacal, nitrito,
nitrato, pH, coliformes totais e coliformes fecais. O sistema apresentou redução de até
90,5% para o fosfato, redução de até 98,6% para N-Amoniacal, redução de 100% dos
coliformes fecais e de até 83,92% para a DBO.
Palavras-chave: wetland de fluxo vertical, tratamento de esgoto doméstico.
Abstract
Unfortunately the sanitation network can not attend the whole population.
Because of this, a lot of studies are being developed in this wastewater "alternative"
treatment area, as an example, the Wetlands. This objective of this study was based on
the possible application of this vertical flow wetland treatment system in isolated
communities. For this, was made in the Chemistry laboratory at the Centro Universitário
SENAC Campus Santo Amaro, a system in labor's scale of three tanks in series
association with approximated volume of 2,86L each and batch alimentation with 7
days of hydraulic retention time for the evaluation in a pilot small scale of the proposed
system. The tanks contained the same filling material (gravel #2, gravel #1 and gravel
#0) and the same macrophite specie (Elocharis parvula). Before the application of the
monitored loads, a load of wastewater of the Centro Universitário Campus was diluted
in 4% and applied in the tanks as a macrophites resistance test. The tests started with the
wastewater applied in the tanks in 10% concentration and were finished with 100%
wastewater application. The analyzed parameters during the monitored loads were:
settleable solids, BOD, phosphate, ammonia, nitrite, nitrate, pH, total coliforms and
fecal coliforms. The system presented máx. reduction of 90,5% of phosphate, máx.
Ammonia reduction of 98,6%, reduction of 100% of fecal coliforms and máx. of
83,92% BOD reduction.
Keywords: vertical flow wetland, domestic wastewater treatment.
129
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
1. Introdução
A água é a substância mais abundante na superfície da Terra, ocupando em
relação à “terra firme” a proporção de área equivalente a 2,42:1, sendo o melhor e mais
comum solvente disponível na natureza. De toda a água doce líquida, 99,01% são
subterrâneas e 0,99% são superficiais, sendo que, água doce líquida, potencialmente
utilizável corresponde a 0,007% do total de água do planeta (HIRATA, et al. In
TEIXEIRA, et al., 2009).
Essa água doce disponível é explorada e utilizada para diversos fins, podendo ser
utilizada diretamente no reservatório natural onde se encontra ou extraída e transportada
para outros locais para satisfazer as necessidades de seu uso, e, para cada um de seus
usos requer uma qualidade específica.
A qualidade da água é representada por parâmetros que refletem seus aspectos
físicos, químicos e biológicos. Von Sperling (1996, vol.1) aponta como os principais
parâmetros físicos e químicos da água: cor, turbidez, sabor e odor, temperatura, pH,
alcalinidade, acidez, dureza, ferro e manganês, cloretos, nitrogênio, fósforo, oxigênio
dissolvido, matéria orgânica, micropoluentes inorgânicos e orgânicos.
Um mesmo corpo d’água pode servir para diversos usos, dessa forma o
CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) dividiu as águas do território
nacional em três tipos: doces, salinas e salobras, sendo estas divididas em treze
diferentes classes de qualidade de acordo com seu uso preponderante, visando assegurar
os níveis de qualidade para atender as necessidades da comunidade, a saúde e bem-estar
humano, o equilíbrio ecológico aquático e o controle da poluição.
Visando assegurar a manutenção da qualidade dos corpos d’água, o CONAMA
também definiu padrões de lançamento para efluentes, e estes relacionam-se
diretamente com os padrões de qualidade definidos para as classes de corpos receptores.
De acordo com a Resolução CONAMA nº430 de 13 de maio de 2011, Capítulo II,
Art.12, o lançamento de efluentes não deve ocasionar a ultrapassagem das condições e
padrões de qualidade de água estabelecidos para as respectivas classes. Segundo Von
Sperling (1996, vol.1) os padrões se relacionam uma vez que o efluente além de atender
130
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
aos padrões de lançamento não deve alterar a qualidade do corpo receptor, de forma que
o mesmo continue enquadrado dentro dos padrões de qualidade da classe a que
pertence.
Os sistemas de abastecimento de água e de coleta e tratamento de águas
residuárias são algumas das atividade que compõem o saneamento, que, de acordo com
a OMS pode ser definido como o controle de todos os fatores do meio físico do homem
que exercem ou podem exercer efeito deletério sobre seu bem-estar físico, mental e
social.
A implantação de sistemas de saneamento deve considerar características
culturais, sociais e econômicas do local, buscando alternativas tecnológicas apropriadas
para cada cenário, seja em grandes aglomerados urbanos ou em pequenas comunidades.
De acordo com Philippi Jr. & Malheiros (2005), a cobertura de sistema de coleta e
tratamento de efluentes é menor em áreas rurais que nas áreas urbanas e por vezes
crítico, e, nessas áreas uma alternativa bastante empregada é o sistema de tratamento in
situ dos efluentes.
Conforme apontado por Von Sperling (1996 vol.1), 99.9% do esgoto doméstico é
constituído de água. Entre os outros 0,1% estão inclusos sólidos orgânicos e inorgânicos
que podem estar tanto na forma suspensa como na dissolvida, e, segundo o mesmo,
entre os principais parâmetros relativos a esgotos doméstico estão o nitrogênio e o
fósforo.
O impacto mais comentado relacionado à presença de nitrogênio e de fósforo em
corpos d’água é a eutrofização, que consiste no crescimento excessivo das plantas
aquáticas causando prejuízos aos usos desejáveis do corpo d’água
Vários estudos vêm sendo realizados sobre a utilização de wetlands para tratar
diferentes tipos de efluentes, principalmente esgoto doméstico. Os wetlands consistem
em sistemas projetados para utilizar plantas aquáticas (macrófitas) em substratos (areia,
solo, brita ou cascalho) promovendo a proliferação de uma porção de microorganismos
capazes de quebrar matéria orgânica complexa, através de processo químicos, físicos e
biológicos, em elementos mais simples que podem ser assimilados pelas plantas,
realizando dessa forma o tratamento de águas residuárias.
131
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Conforme observado por vários pesquisadores (VALENTIM, 2003; MAZZOLA,
2003; SILVA, 2007; OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA, 2008; MONTEIRO, 2009), esse
sistema se mostra eficiente para redução dos valores de nitrogênio, fósforo, DBO, DQO,
turbidez e sólidos sedimentáveis dos efluentes.
Os sistemas de tratamento de efluentes do tipo wetland são de baixo custo de
implantação e manutenção, esse sistema não libera odores desagradáveis, e o emprego
de macrófitas nos tanques lhe confere valor paisagístico, facilitando a aceitação da
sociedade para o emprego do sistema em comunidades. Os wetlands artificiais, ou
wetlands construídos, são divididos de acordo com tipo de escoamento, sendo: wetlands
de escoamento superficial e wetlands de fluxo sub-superficial, estes, por sua vez, são
divididos em função do tipo de fluxo em: horizontal, vertical ou híbrido. Se propõe
neste trabalho montar e monitorar a eficiência de tratamento em alguns parâmetros de
um sistema de tratamento de três tanques em série do tipo wetland de fluxo vertical
descendente em escala de laboratório para avaliar a possibilidade de implantação desse
tipo de sistema em comunidades isoladas.
2. Objetivo
Monitoramento de um sistema de tratamento do tipo wetland de fluxo vertical
construído em escala laboratorial para avaliar a eficiência do tratamento de efluentes
sanitários com enfoque na remoção dos nutrientes e carga orgânica, para possível
aplicação em comunidades isoladas desprovidas de sistemas de coleta e tratamento de
esgoto sanitário.
3. Metodologia
Foi construído um sistema de tratamento utilizando três tanques de wetlands com
volume médio aproximado de 2,86L, área superficial de 0,0676m² e aproximadamente
20cm de altura de material de recheio cada, associados em série e operando por batelada
com TDH de 7 dias.
132
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Os tanques receberam o mesmo material de recheio (cascalho, brita #1 e brita #2)
e a mesma macrófita (Eleocharis parvula). A disposição dos materiais citados nos
tanques é apresentada na Figura 01.
Os tanques foram projetados para que o sistema operasse por meio da gravidade e
as amostras foram coletadas após a saída do efluente de cada tanque, como mostra a
Figura 02.
Figura 01 – Disposição do material de recheio e macrófitas nos tanques. Fonte:
Autora, 2012.
133
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Figura 02 – Associação em série dos tanques de wetland. Fonte: Autora, 2012.
Os tanques foram alimentados com efluente proveniente do SENAC Campus
Santo Amaro. Todas as amostras de efluente coletadas para o monitoramento foram
realizadas no mesmo ponto, no topo de um reator UASB da Mizumo instalado no
Campus, como mostra a Figura 03, após passar pelo separador trifásico. Portanto, o
efluente utilizado já havia sofrido algum tipo de reação anaeróbia. Optou-se por
trabalhar com esse efluente pois para o tratamento por wetlands é recomendado que o
efluente esteja livre de sólidos grosseiros, sedimentáveis e flutuantes para evitar a
colmatação do meio suporte (MONTEIRO, 2009). Mesmo assim, antes de ser aplicado,
o efluente era submetido ao teste do cone Inmhoff, e a parcela utilizada era aquela livre
dos sólidos sedimentáveis no período de 1h.
Tanque 1
Tanque 2
Tanque 3
Saída Tq.1
Saída Tq.2
Saída Tq.3
134
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Figura 03 – Funcionário coletando efluente no topo do reator UASB. Fonte:
Autora, 2012.
O efluente era aplicado na parte superior dos tanques e coletado na parte inferior,
conforme mostra a Figura 04.
Figura 04 – Localização da entrada e saída de fluxo nos tanques. Fonte: Autora,
2012.
As análises foram realizadas no mesmo dia em que as amostras foram colotadas.
Os parâmetros analisados durante o monitoramento foram: sólidos sedimentáveis, DBO,
fosfato, N- amoniacal, nitrito, nitrato, pH, coliformes totais e coliformes fecais e as
análises foram conduzidas de acordo com a APHA Standart Methods.
135
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Antes do início das análises os tanques receberam uma carga teste de efluente
diluído a 4% tanto para observar a reação das plantas quanto como adaptação das
mesmas.
O sistema de tratamento teve início de operação no dia 30/05/2012 e foram
realizadas 32 análises de monitoramento referentes a 8 ciclos de aplicação de carga.
Cada ciclo se inicia com a aplicação do efluente no Tanque 1, onde permanecerá por 7
dias, em seguida o efluente é direcionado ao Tanque 2 também com detenção de 7 dias
e segue encaminhado para o Tanque 3, também com 7 dias de detenção, e se encerra
com a saída do efluente no Tanque 3. Portanto, o período total de permanência do
efluente no sistema em cada ciclo é de 21 dias.
Os ciclos 1, 2 e 3 receberam efluente diluído a 10%, os ciclos 4 e 5 receberam
efluente diluído a 25%, os ciclos 6 e 7 receberam efluente diluído a 50% e o ciclo 8
recebeu efluente bruto.
4. Resultados e Discussão
Devido ao fato dos ciclos terem recebido efluente em diferentes concentrações a
análise dos resultados será apresentada em base relativa, com algumas ressalvas onde a
análise será feita com base nos valores absolutos dos resultados.
Os resultados de entrada e saída do efluente no Tanque 2 referentes ao ciclo 4 de
aplicação foram invalidados devido a mistura parcial da amostra com o efluente de
entrada no Tanque 1. A análise dos resultados para esse ciclo foi feita utilizando
somente o critério de análise de fronteira, ou seja, comparação entre os valores de
entrada do efluente e os valores do mesmo na saída do Tanque 3.
Os demais resultados serão apresentados utlizando o critério de análise de
fronteira do sistema com comentários sobre eficiência isolada de cada tanque quando
pertinente.
136
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
DBO:
A eficiência de remoção de DBO podem ser observadas na Tabela 01.
Tabela 01 – Eficiência de remoção de DBO nos ciclos
Fonte: Autora, 2012
Com exceção do ciclo 7, os demais apresentaram redução no valor de DBO,
porém com grande variação ( 0,9 a 93,4%).
A maior taxa de redução ocorreu no ciclo 3 (93,4%) e observa-se que nos ciclos
seguintes houve redução gradativa do potencial de redução até que no ciclo 7 o valor
final de DBO foi maior que o valor de entrada no sistema, provavelmente devido a
diluição de sólidos solúveis que encontravam-se aderidos no meio suporte na carga.
A Resolução CONAMA nº430 de 2011 estabelece que os efluentes somente
poderão ser lançados caso haja redução mínima de 60% de DBO, assim, baseando-se na
eficiência global do sistema, dos 8 ciclos de análise 4 estariam de acordo com a
legislação para lançamento de efluentes.
Turbidez:
Logo na saída do Tanque 1 o valor de turbidez nos ciclos alcançou 0,02 NTU, e
este valor manteve-se durante todo o ciclo de tratamento, o que indica que o material de
Ciclo
Valor de Entrada no Tanque 1
(mg/L)
Eficiência do Sistema
(%)1 147 67,22 39 0,93 202 93,44 59 80,85 58 63,06 19 9,27 15 -245,88 22 58,9
137
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recheio adotado não contribuiu para aumento de turbidez do efluente e que os materiais
orgânicos liberados pelas raízes das macrófitas também não impactaram nesse
parâmetro.
O fato de que no decorrer dos ciclos nenhuma amostra apresentou valor final de
turbidez maior do que os valores de entrada indica que não houve saturação do sistema
em relação à adsorção de sólidos.
pH:
O pH não sofreu grandes alterações, mantendo-se próximo a faixa de neutralidade,
variando entre 6 e 8. O ciclo que apresentou maior variação no pH foi o ciclo 8, onde foi
aplicado efluente bruto no sistema. A Tabela 02 apresenta a variação.
Observa-se o aumento gradativo do pH durante o período de análise do oitavo
ciclo de carga.
Tabela 02 – Variação do valor de pH durante o ciclo 8
Fonte: Autora, 2012.
Como a Resolução CONAMA nº430 de 2011estabelece que para o
lançamento de efluentes o pH deve encontrar-se entre 5 e 9, todos os ciclos
atenderiam o padrão.
Parâmetro
Valor do Efluente Bruto
Valor de Saída no TQ 1
Valor de Saída no TQ 2
Valor de Saída no TQ 3
pH 6,7 6,8 7,3 7,8
138
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Coliformes Totais:
As análises de coliformes foram realizadas utilizando metodologia Colilert®.
O primeiro ciclo não apresentou redução do NMP/100mL (número mais provável)
de coliformes totais, o valor de entrada manteve-se ao longo do sistema. A variação não
pôde ser medida provavelmente por conta da concentração da amostra utilizada, assim,
nos ciclos subsequentes foi aplicada maior diluição da amostra para a análise de
coliformes para que pudesse ser apurado o percentual de redução do sistema. Os
resultados são apresentados na Tabela 03 a seguir.
Tabela 03 – Eficiência na redução de NMP/100mL de coliformes totais
Fonte: Autora, 2012.
Nos ciclos 2 e 3 a redução do parâmetro ficou entre 50 e 60% e a partir do ciclo
4 a eficiência global manteve-se maior que 90%, atingindo 99% de eficiência nos ciclos
6 e 7.
139
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Coliformes Fecais:
Assim como na análise de coliformes totais, foi utilizada metodologia Colilert®.
No final do sistema de tratamento 7 dos 8 ciclos apresentaram 100% de eficiência
na remoção de coliformes, conforme pode ser observado na Tabela 04.
Tabela 04 - Eficiência na redução de NMP/100mL de coliformes fecais
Fonte: Autora, 2012.
Em todas as amostras os valores de saída ficam abaixo de 200 NMP por amostra
de 100 mL, portanto atendendo ao padrão estabelecido pela Resolução CONAMA
nº430 de 2011.
Sólidos Sedimentáveis:
Em todos os ciclos o valor de saída para o parâmetro foi menor ou igual a 1 mL/L.
Esse valor está dentro do definido pelo CONAMA n°430 de 2011 para o parâmetro,
quês estabelece o limite de 1mL/L. A Figura 05 apresenta os valores de saída para o
parâmetro e a Tabela 05 apresenta a eficiência do sistema.
Ciclo
Valor de Entrada no Tanque 1
(NMP)
Eficiência do Sistema
(%)1 20000 1002 1780 1003 420 99,54 14000 1005 1800 1006 2000 1007 310 1008 100 100
140
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Figura 05 – Quantificação dos Sólidos Sedimentáveis na saída do sistema. Fonte:
Autora, 2012.
Tabela 05 – Eficiência do sistema na remoção de sólidos sedimentáveis
Fonte: Autora, 2012.
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1 2 3 4 5 6 7 8
mL/L
Ciclo
Sólidos Sedimentáveis
Limite CONAMA nº430
Ciclo
Valor de Entrada no Tanque 1
(mL/L)
Eficiência do Sistema
(%)1 1,7 41,22 1,3 23,13 2 904 8 97,55 20 99,56 57 99,87 5 928 0,6 50
141
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Observa-se que o sistema alcançou em 5 dos 8 ciclos valores de eficiência maiores
que 90%.
Os sólidos contabilizados na saída eram resíduos provenientes do material de
recheio utilizado, como demonstra a Figura 06 a seguir.
Figura 06 – Sólidos sedimentáveis na saída do sistema. Fonte: Autora, 2012.
Fosfato:
Com exceção dos ciclos 3 e 4 os demais apresentaram redução no valor de
fosfato, variando entre 68,9% e 90,5%, conforme pode ser observado na Tabela 06.
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Tabela 06 – Eficiência do sistema na remoção de fosfato
Fonte: Autora, 2012.
Observa-se que em 5 dos 8 ciclos a eficiência do sistema foi acima de 80%.
A Resolução CONAMA nº430 de 2011 estabelece que o limite para fósforo total
para o lançamento de efluentes é de 0,15mg/L para ambiente lóticos de Classe III, dessa
forma, a parcela de fosfato deve ficar ainda abaixo desse valor. Apesar de ter atingido
eficiência de remoção próxima a 90% em 5 dos 8 ciclos, todos os valores de saída para
fosfato foram elevados, como pode ser observado na Tabela 07.
Tabela 07 – Redução de fosfato em valores absolutos
Fonte: Autora, 2012.
Ciclo
Valor de Entrada no Tanque 1
(mg/L)
Eficiência do Sistema
(%)
1 13 902 4,5 68,93 0,6 -316,74 4,8 -120,85 9,5 90,56 16,2 84,67 22,5 888 16,8 88,1
Ciclo
Valor de Entrada no Tanque 1
(mg/L)
Valor de Saída no Tanque 3
(mg/L)
1 13 1,32 4,5 1,43 0,6 2,54 4,8 10,65 9,5 0,96 16,2 2,57 22,5 2,78 16,8 2,0
143
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A Figura 07 ilustra a concentração de fosfato nas amostras conforme residência do
efluente no sistema após aplicação de reagentes para leitura do valor no
espectrofotômetro. Cores mais fortes indicam maiores concentrações de fosfato na
amostra. A substância utilizada como Padrão Branco é água destilada.
Figura 07 – Cubetas com amostras e reagentes para leitura no espectrofotômetro.
Fonte: Autora, 2012.
Pode-se dizer que houve consumo do nutriente pelas macrófitas uma vez que foi
observado crescimento e surgimento de brotos da planta e é nessa fase que Valentim
(2003) afirma que ocorre a absorção do nutriente pelas macrófitas. Porém acredita-se
que este valor seja mínimo uma vez que as datas do surgimento de brotos não
coincidem com as de maior remoção do nutriente. Logo, atribui-se a maior remoção à
adsorção pelo material filtrante e/ou à incorporação junto aos microorganismos,
conforme observado por Silva (2007).
144
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Nitrito e Nitrato:
Para ambos os parâmetros com exceção do ciclo 1 os demais apresentaram
redução nos valores de saída em relação ao efluente de entrada, sendo que para o nitrito
a redução variou entre 45% e 97% e para o nitrato ficou entre 67% e 88%.
Os valores dos parâmetros nos efluentes brutos em todos os ciclos (ressalva para o
valor de entrada do ciclo 4 que não pode ser medido por estar fora do limite de detecção
do aparelho) já se encontravam abaixo do limite estabelecido pela Resolução
CONAMA nº430 de 2011, que define máximo de 1mg/L para o nitrito e 10 mg/L para
o nitrato.
Nitrogênio Amoniacal:
Todos os ciclos apresentaram redução nos valores de nitrogênio amoniacal, sendo
que em 7 dos 8 ciclos o percentual de redução foi superior a 90% conforme apresentado
na Tabela 07
Tabela 07 – Eficiência do sistema na remoção de nitrogênio amoniacal
Fonte: Autora, 2012.
Ciclo
Valor de Entrada no Tanque 1
(mg/L)
Eficiência do Sistema
(%)
1 9,4 98,62 3,7 93,83 2,8 95,34 3,3 96,95 3,0 94,36 2,3 94,77 13,0 98,68 0,6 73,2
145
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Como a Resolução CONAMA nº430 de 2011 não exige atendimento aos padrões
de lançamento para Efluente de Sistema de Tratamento de Esgoto Sanitário, os
resultados obtidos serão comparados com o que era estabelecido pala Resolução
CONAMA nº357 de 2005, anterior a atual.
Com a redução alcançada os efluentes de todos os ciclos se enquadrariam no
padrão de lançamento para corpos d’água doces de Classe I.
A Figura 08 ilustra a concentração de nitrogênio amoniacal nas amostras
conforme residência do efluente no sistema após aplicação de reagentes para leitura do
valor no espectrofotômetro. Cores mais fortes indicam maiores concentrações na
amostra. A substância utilizada como Padrão Branco é água destilada.
Figura 08 – Cubetas com amostras e reagentes para leitura no espectrofotômetro.
Fonte: Autora, 2012.
146
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Macrófitas:
Com o passar do tempo durante o período de análise as macrófitas do Tanque 1
cresceram mais vigorosamente em relação às macrófitas dos Tanques 2 e 3, e
aparentavam melhor aspecto. Em todos os ciclos e para todos os parâmetros observou-
se eficiência superior do Tanque 1 em relação ao Tanque 2 e muito superior ao Tanque
3. Acredita-se que as grandes taxas de redução de nutrientes no primeiro Tanque tenha
prejudicado o crescimento das macrófitas nos Tanques seguintes. A Figura 09 apresenta
um comparativo do aspecto das macrófitas no início das análises e no final.
Figura 09 – Comparativo das plantas dos Tanques 1 e 3 no início e no final do
período de análises. Fonte: Autora, 2012.
28/05/2012 02/08/2012
TQ 1
TQ 3
147
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Além disso, o volume de efluente diminuía conforme percorria o sistema devido
ao consumo pelas macrófitas e às taxas de evapotranspiração, logo, em alguns períodos,
o volume de efluente que chegava ao Tanque 3 era muito baixo, o que contribuiu para a
deterioração das macrófitas uma vez que são plantas características de locais com
elevada oferta de hídrica.
5. Conclusões
Apesar de ter alcançado valores elevados de remoção para fosfato (até 90%), a
concentração do mesmo ainda encontra-se muito acima do estabelecido pela Resolução
CONAMA nº430 de 2011, que define 0,15mg/L para ambiente lóticos de Classe III.
Vale lembrar que para a redução de fosfato a concentrações determinadas por lei,
usualmente é empregado tratamento terciário do efluente, operação também chamada de
polimento, que constitui etapa avançada no processo de tratamento.
O sistema apresentou valores satisfatórios de redução de concentração para nitrito
e nitrato e valores elevados para o nitrogênio amoniacal (valores acima de 90%),
estando os valores de saída dentro do estabelecido para o lançamento de efluentes em
corpos d’água de Classe I.
O sistema obteve 100% de remoção de coliformes fecais em todos os ciclos.
Dentre os parâmetros analisados, apenas os valores de fosfato não se enquadram
nos padrões de lançamento, assim, pode-se concluir que o uso de sistemas wetland para
tratamento de efluentes domésticos em comunidades isoladas contribuiria para a
melhora das condições sanitárias e de qualidade dos corpos d’água.
148
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Referências
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empresa Votorantim Celulose e Papel, VI Semana de Estudos da Engenharia Ambiental,
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Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos – Universidade de Brasília, Brasília-DF,
2007.
149
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
VALENTIM, Marcelus Alexander Acorinte, Desempenho de leitos cultivados para
tratamento de esgoto: contribuições para concepção e operação, Campinas, tese de
doutorado da UNICAMP, 2003.
VON SPERLING, Marcos, Princípios do tratamento biológico de águas residuárias:
Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos, vol.1, Departamento de
Engenharia Sanitária e Ambiental (DESA) Universidade Federal de Minas Gerais, 1996.
150
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
PREVENÇÃO E CONTROLE DE PERDAS
Fabio Rubens Soares15
No início dos anos 1930, o engenheiro Herbert William Heinrich, em sua obra
intitulada Industrial Accident Prevention, divulgou pela primeira vez a filosofia do
acidente com danos a propriedade.
Suas análises trouxeram como resultado a proporção 1: 29: 300, isto é, para cada
300 acidentes sem lesões, ocorrem 29 acidentes com lesões leves e um com lesão
incapacitante cuja proporção originou a Pirâmide de Heinrich, bastante conhecida.
Já o engenheiro Frank Bird Jr., em seu trabalho Damage Control, atualizou a
relação de Heinrich, analisando mais de 90 mil acidentes na Siderúrgica Luckens Steel,
durante o período de 1959 a 1966. Bird desenvolveu em seu estudo uma proporção
diferenciada sendo esta de 1:100:500, ou melhor, para cada 500 acidentes com danos à
propriedade, ocorrem 100 lesões leves e um com lesão incapacitante.
Parte do estudo de Bird compreendeu 4 mil horas de entrevistas com supervisores
de produção, abordando eventos que, sob circunstâncias diferentes, pudessem resultar
em lesões ou danos à propriedade: são os chamados quase-acidentes (near miss) ou os
denominados incidentes na moderna técnica de controle de perdas.
Ampliando o referencial de seu estudo, Bird analisou acidentes ocorridos em 297
empresas, representando 21 grupos de indústrias diferentes com um total de 1.750.000
15 Possui graduação em Engenharia Química pela Escola Superior de Quimica Oswaldo Cruz (1980), Administração de Negócios pela Mauá, Pós Graduação em Gestão Ambiental pela FAAP, Mestrado em Gestão Ambiental pelo SENAC SP e Doutorando pela Universidade Federal do ABC. Atualmente é Coordenador do curso de Tecnologia em Logística do Centro Universitário Senac - São Paulo e Professor da Fundação Armando Alvares Penteado. Atua por mais de 30 anos na Industria Quimica e Petroquimica com vasta experiência internacional. MBA pela Harvard Business School. Possui larga experiência na área de Ciências Ambientais, Produção e Operações Industriais, atuando principalmente nos seguintes temas: administração, manufatura, produção, operações, manutenção, logística, qualidade, meio ambiente, segurança e saúde, gestão de pessoas, liderança, conscientização ambiental e educação ambiental. Consultor de empresas nas áreas de conhecimento.
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operários que trabalharam mais de 3 bilhões de horas durante o período de exposição,
resultando na proporção de 1:10:30:600.
O processo pelo qual ocorre uma perda por acidente é uma série seqüencial de
causas e efeitos que resulta em danos aos recursos humanos e materiais ou em
descontinuidade operacional. Compõe-se de três fases distintas: condição potencial de
perdas, acidente e perda real ou perda potencial. A condição potencial de perdas é
caracterizada por uma condição ou grupo de condições capazes, sob certas
circunstâncias não planejadas, de causar a perda.
Como condição, ela é estática e de equilíbrio instável, e, em momento não
previsível, gerada em função de circunstâncias que lhe são favoráveis, pode desencadear
o acidente, e o acidente em si é o acontecimento indesejado e inesperado (não-
programado) que produz ou pode produzir perdas.
A perda real é produto do acidente e pode manifestar-se como lesão ou morte de
pessoas, danos a materiais, equipamentos, instalações ou edificações ou descontinuidade
do processo normal de trabalho e a perda potencial, também chamada de quase-perda, é
aquela que, em circunstâncias um pouco diferentes, poderia ter-se transformado em
perda real.
As perdas normalmente podem ser avaliadas em termos de custos de reparo do
equipamento danificado, despesas médicas e hospitalares, lucro cessante, aumento de
taxa de seguro, etc. Isso no entanto, torna-se muito discutível quando se refere à vida
humana, uma vez que esta não tem preço, embora possa haver estipulação de valor para
efeito de indenização de seguro.
A extensão da perda, por si só, não determina a importância a ser dada ao controle
das causas que a geraram. Somente uma análise criteriosa das causas do acidente e de
seu potencial de gerar perdas, quer quanto à freqüência provável de ocorrência, quer
quanto à extensão dos danos, pode determinar o grau de controle a ser adotado.
Para melhor exemplificar o pensamento moderno sobre o controle de perdas e
identificar o que antecede o incidente, como fez Heinrich, no passado, para transmitir os
princípios da prevenção de lesões, cita-se o exemplo do dominó. O efeito dominó,
inicia-se com o desencadeamento que se dá normalmente com a falta de controle, que é
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representada por uma falha administrativa que pode estar ligada a planejamento, a
aspectos de organização, à falta de tato diretivo-administrativo e a inexistência, por
exemplo, de padrões de controle. Essa falta de controle origina o que pode-se
denominar de: causas básicas e causas imediatas.
As causas básicas são aquelas advindas da inexistência de um controle técnico-
administrativo adequado, devem ser consideradas raízes, causas reais e indiretas e,
portanto, aquelas que realmente devem ser analisadas.
Já as causas imediatas derivam da existência de atos e condições que transgridem
algo preestabelecido e já aceito, que resultarão perdas na operação industrial.
Os incidentes acontecem quando uma série de fatores e causas se combinam no
mesmo instante temporal sob certas circunstâncias. Em pouquíssimos casos existe
somente uma causa que dará origem àquele evento danoso conseqüências para a
segurança, à produção ou a qualidade.
Nesse contexto, para melhor entender as circunstâncias que originam as causas
dos incidentes, convém recordar os quatro elementos a eles relacionados e que
interagem entre si: pessoas, equipamentos, materiais e ambiente.
As pessoas, na figura do trabalhador, é o que está diretamente envolvido na
maioria dos acidentes, pois aquilo que faz ou deixa de fazer é considerado fator causal
imediato.
Os equipamentos são elementos considerados, desde os primórdios da prevenção
de acidentes, a fonte principal de incidentes, dando origem à chamada “proteção de
máquinas” e daí à necessidade de se treinar o trabalhador para operá-los adequadamente
e seguramente.
Quanto aos materiais, pode-se denominar como sendo os elementos que as
pessoas utilizam, transformam e dos quais se beneficiam; é também fonte principal de
causas de incidentes.
Por fim, o ambiente é composto por tudo aquilo que rodeia o trabalhador durante
o trabalho e, portanto, inclui o próprio ar e as edificações.
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Portanto, a prevenção de acidentes e perdas acontece com um eficiente
gerenciamento de medidas preventivas e preditivas que levam em consideração os
fatores causais mencionados anteriormente, e com um bom entendimento de que tais
medidas devem garantir o bloqueio do desencadeamento de causas, que se ocorrerem
simultaneamente, podem causar o acidente e consequentemente as perdas.
154
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PERSPECTIVAS GLOBAIS SOBRE E-LIXO16
Rolf Widmer17
Heidi Oswald-Krapf18
Deepali Sinha-Khetriwal19
Max Schnellmann20
Heinz Boni21
Resumo
O lixo eletrônico, resíduo eletrônico ou e-lixo, é um problema emergente que
proporciona uma crescente oportunidade de negócios, dada a quantidade de e-lixo
que é gerada e o conteúdo de materiais tóxicos e valiosos presentes nesse tipo de
resíduo. No lixo eletrônico, a fração que corresponde a ferro, cobre, alumínio, ouro e
outros metais é de mais de 60%, enquanto os poluentes correspondem a 2,70%. Dada
a elevada toxicidade desses poluentes, especialmente quando queimados ou
reciclados em ambientes não controlados, a Convenção da Basileia identificou e-lixo
como perigoso, e desenvolveu um quadro para o controle da transferência
transfronteiras desses resíduos. A "Proibição de Basileia”, uma emenda à Convenção
da Basileia que ainda não entrou em vigor, irá um pouco mais além, proibindo a
exportação do lixo eletrônico de países desenvolvidos para os países em
desenvolvimento.
A seção 1 deste artigo dá aos leitores uma visão geral sobre os diferentes
16 Revista Interfacehs Vol.8, nº1.Versão traduzida do artigo “Global perspectives on e-waste”, ELSEVIER, Environmental Impact Assessment Review 25 (2005) 436-458. 17 Technology and Society Lab, Empa, Swiss Federal Laboratories for Materials Testing and Research, Lerchenfeldstr. 5, CH-9014 St. Gallen, Suíça .Autor correspondente. Tel.: +41 71 274 78 63; fax: +41 71 274 78 62; e-mail:[email protected] 18 Technology and Society Lab, Empa, Swiss Federal Laboratories for Materials Testing and Research, Lerchenfeldstr. 5, CH-9014 St. Gallen, Suíça. E-mail: [email protected] 19 A-502, Millennium Park, Akruti Niharika, N. S. Phadke Marg, Andheri, Mumbai-400069, Índia. e-mail: [email protected] 20State Secretariat for Economic Affairs (seco), Economic Development Cooperation, Effingerstrasse 31, CH-3003 Berne, Suíça .E-mail: [email protected] 21 Technology and Society Lab, Empa, Swiss Federal Laboratories for Materials Testing and Research, Lerchenfeldstr. 5, CH-9014 St. Gallen, Suíça. E-mail: [email protected]
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aspectos do lixo eletrônico - como é definido, do que é composto e que métodos
podem ser aplicados para fazer uma estimativa da quantidade de lixo eletrônico
gerado. Considerando apenas os PCs em uso, segundo uma estimativa, pelo menos
100 milhões de PCs tornaram-se obsoletos em 2004. Não surpreendentemente, os
Resíduos de Equipamentos Eletro Eletrônicos (REEE) já representam hoje 8% dos
resíduos urbanos e é uma das frações de resíduos que mais crescem.
A seção 2 fornece informações sobre a legislação e as iniciativas destinadas a
ajudar na gestão da crescente quantidade de lixo eletrônico. A responsabilidade
alargada do produtor (Extended Producer Responsibility - EPR) está sendo propagada
como um novo paradigma na gestão de resíduos.
A Diretiva WEEE da União Europeia, que entrou em vigor em Agosto de 2004,
estipula que os fabricantes e importadores dos países da UE recolham os produtos que já
foram utilizados pelos consumidores para garantir uma eliminação adequada.
A gestão dos REEE em países em desenvolvimento tem suas próprias
características e problemas e, portanto, esse documento identifica alguns dos problemas
específicos que esses países enfrentam. O processo arriscado de extração de cobre a partir
de placas de circuito impresso é discutido como um exemplo para ilustrar os perigos da
indústria de reciclagem de lixo eletrônico na Índia.
O programa de Parceria de Conhecimento dos REEE, financiado pela SECO
(Secretaria de Estado Suíço para Assuntos Econômicos) e implementado pelo Empa
desenvolveu uma metodologia para avaliar a situação atual a fim de compreender melhor
as oportunidades e riscos em zonas urbanas de três países: Beijing - China, Deli - Índia e
Joanesburgo - África do Sul. Os três países são comparados através da utilização de um
sistema indicador de avaliação, que leve em conta o quadro estrutural e o sistema de
reciclagem, com os seus vários impactos, de cada zona urbana. Três pontos fundamentais
surgiram a partir da avaliação até o presente momento: a) reciclagem de lixo eletrônico
tem se desenvolvido em todos os países como uma atividade comercial, b) na China e
Índia é baseada em pequenas e médias empresas (PME) no setor informal e na África do
Sul no setor formal, e c) cada um dos paises está tentando superar as deficiências dos
sistemas atuais desenvolvendo estratégias para melhoria.
Palavras-chave: REEE; iniciativas de E-lixo; movimento transfronteiriço de lixo
eletrônico; metodologia de avaliação E-lixo; estendida a responsabilidade do produtor, a
gestão de resíduos; setor informal.
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1. Introdução
A utilização de dispositivos eletrônicos tem proliferado nas últimas décadas e,
proporcionalmente, a quantidade de dispositivos eletrônicos, como computadores,
telefones celulares e eletrônicos de entretenimento que são descartados está crescendo
rapidamente em todo o mundo. Em 1994, foi estimado que aproximadamente 20 milhões
de PCs (cerca de 7 milhões de toneladas) tornaram-se obsoletos. Para 2004, esperava-se
que esse número aumentasse para mais de 100 milhões de PCs. Cumulativamente, cerca
de 500 milhões de PCs chegaram ao fim de suas vidas úteis entre 1994 e 2003. A
quantidade de 500 milhões de PCs contêm cerca de 2.872.000 toneladas de plástico,
718.000 toneladas de chumbo, 1.363 toneladas de cádmio e 287 toneladas de mercúrio
(Puckett e Smith, 2002). Este crescente fluxo de resíduos está acelerando porque o
mercado mundial de PCs está longe de saturação e a vida útil de PCs está diminuindo
rapidamente - por exemplo, para um CPU a vida útil era de 4-6 anos em 1997 e em 2005
passou a ser de 2 anos (Culver, 2005).
Mas PCs correspondem apenas a uma fração de todo o lixo eletrônico. Estima-se
que em 2005 cerca de 130 milhões de telefones celulares serão aposentados. Quantidades
similares de lixo eletrônico são esperadas para todos os tipos de dispositivos eletrônicos
portáteis, como PDAs, leitores de MP3, jogos de computador e periféricos (O'Connell,
2002).
Em 1991, Larry Summers, então Economista-Chefe do Banco Mundial (e agora
Reitor da Universidade de Harvard), falou sobre o sentido econômico de exportar
resíduos do primeiro mundo para os países em desenvolvimento (Summers, 1991). Ele
argumentou que
• os países com os salários mais baixos perderiam uma produtividade menor do
"aumento da morbidade e mortalidade", já que o custo a ser recuperado seria
mínimo;
• os países menos desenvolvidos, especialmente os da África, foram pouco
poluídos e, desse modo, podem se beneficiar de esquemas de comércio de
poluição já que eles têm ar e água de sobra; e que
• a proteção ambiental para a "saúde e razões estéticas" é essencialmente um
luxo dos ricos, e já que a mortalidade é um grande problema nesses países
157
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em desenvolvimento, os efeitos do aumento da poluição seriam mínimos em
comparação aos problemas que esses países já enfrentam.
O exemplo mais proeminente de uma iniciativa internacional contra esse tipo de
pensamento é a Convenção da Basileia de 1989 sobre o Controle da Transferência
Transfronteiras de Resíduos Perigosos e sua Eliminação (em vigor desde 1992). A
Convenção coloca encargo sobre países que exportam para garantir que os resíduos
perigosos sejam geridos de maneira mais eficiente para o ambiente no país de importação.
Além do Afeganistão, Haiti e dos Estados Unidos da América todos os 164 países
signatários ratificaram a convenção (Secretariado da Convenção da Basileia).
A transferência transfronteiras de lixo eletrônico, ou e-lixo, é regulada pela
Convenção de Basileia (PNUMA, 1989) por ser considerada perigosa para os seres
humanos e para o ambiente, de acordo com a Lista A do Anexo VIII da Convenção. Há
substâncias altamente tóxicas nos REEE, como cádmio, mercúrio e chumbo (UE, 2002b).
No entanto, os REEE também contém materiais valiosos, como ouro e cobre. A
recuperação desses metais a partir do lixo eletrônico tornou-se um negócio rentável,
resultando em um comércio global, transfronteiriço de e-lixo.
Países como a China e a Índia enfrentam uma quantidade crescente de lixo
eletrônico, tanto de produção interna quanto de importação ilegal. Para economias
emergentes, estes fluxos de materiais resultantes da importação de resíduos não só
oferecem uma oportunidade de negócio, mas também satisfazem a demanda por
equipamentos elétricos e eletrônicos baratos de segunda mão. Além disso, a falta de
regulamentação nacional e/ou a falta de repressão das leis existentes estão promovendo o
crescimento de uma economia semi-formal ou informal nos países em desenvolvimento.
Um novo setor econômico está crescendo em torno do comércio, conserto e recuperação
de materiais a partir de dispositivos eletrônicos redundantes. Embora esses resíduos sejam
uma fonte de subsistência para indivíduos pobres das cidades e dos campos, muitas vezes
provocam graves riscos aos seres humanos e ao meio ambiente local. A maioria dos
participantes nesse sector não estão cientes dos riscos, não conhecem práticas melhores,
ou não têm acesso ao capital de investimento para financiar melhorias rentáveis.
158
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1.1. Definição de lixo eletrônico
"Lixo eletrônico" ou "e-lixo” é um termo genérico abrangendo as diversas formas de
equipamentos elétricos e eletrônicos que deixaram de ter de qualquer valor para seus
proprietários. Por enquanto, não há definição padrão. A Tabela 1 lista as definições
selecionadas. Nesse artigo, usamos os termos "REEE" e "e-lixo" como sinônimos de
acordo com a Diretiva REEE da UE.
1.2. Composição dos REEE
De acordo com as definições da Diretiva 2002/96/EC do Parlamento Europeu e
Parlamento Europeu e do Conselho (Janeiro de 2003) sobre Resíduos de
Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (UE, 2002a), REEE consiste das dez categorias
listadas na Tabela 2.
Esta categorização parece estar em processo de se tornar um padrão amplamente
aceito.
O "Decreto Suíço sobre o Retorno, a Recuperação e a Eliminação de Equipamentos
Elétricos e Eletrônicos "(ORDEE) de 1998 diferenciam as seguintes categorias de REEE:
159
ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
• aparelhos eletrônicos para entretenimento;
• aparelhos que fazem parte do escritório, de comunicação e de tecnologia da
informação;
• eletrodomésticos;
• componentes eletrônicos dos aparelhos (acima).
Recentemente, a portaria suíça foi alterada (Junho de 2004) para coincidir com a
definição da Diretiva da UE (BUWAL, 2004).
Das dez categorias listadas na Tabela 2, as categorias 1-4 são responsáveis por
quase 95% dos REEE gerados (ver Fig. 1).
1.3. Quantidades e os itinerários dos REEE
Atualmente, o lixo eletrônico é gerado, principalmente, nos países da Organização
para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que têm mercados
altamente saturados para Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (EEE), como mostra a
Fig. 2 para o exemplo de PCs. Comparativamente, a entrada de EEE no mercado dos
países em desenvolvimento não é muito alta. No entanto, esses países apresentam as
mais rápidas taxas de crescimento de consumo de EEE e, portanto, as grandes
quantidades de lixo eletrônico geradas internamente também vão se tornar parte do fluxo
de resíduos nesses países em um futuro próximo.
160
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Inúmeros métodos têm sido sugeridos e utilizados para estimar as possíveis
quantidades globais de REEE. Em Lohse et al. (1998), três métodos de cálculo são
descritos:
• o "método de consumo e uso”, que utiliza a quantidade média de equipamentos
de uma casa com aparelhos elétricos e eletrônicos típica como base para a
previsão da quantidade potencial de REEE (utilizado na Holanda para estimar a
quantidade potencial de REEE);
Fig.1. Composição de REEE para a Europa Ocidental (Fonte: Associação dos
Fabricantes de Plástico na Europa (APME): Plastics - Insight into Consumption
and Recovery in Western Europe 2000, citado no International Cooper Study Group,
2003).
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Fig.2.Países com alta pontuação nas taxas de crescimento de PC (acumulado 1993-
2000) e saturação de mercado (2002) (Schwarzer et al.,2005).
• o "método mercado de fornecimento", que utiliza dados sobre produção e vendas
em uma determinada região geográfica (utilizado pela Associação Alemã de
Indústrias Elétricas e Eletrônicas para estimar a quantidade de REEE) e
• As estimativas da Agência Ambiental da Suíça com base na suposição de que as
casas já estão saturadas e a cada novo aparelho comprado, um aparelho antigo é
eliminado.
Nos dois primeiros métodos, as suposições precisam ser feitas tendo como base a
média de vida útil dos EEEs, bem como o peso médio desses aparelhos (a partir do qual
deriva a geração de REEE em toneladas). De acordo com o terceiro método, no entanto,
a hipótese da média de vida útil dos aparelhos é irrelevante, uma vez que pressupõe um
162
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mercado completamente saturado.
Outro método de estimativa desenvolvido na Carnegie Mellon University por
Matthews
et al. (1997), também se baseia em dados de venda. Embora se concentre apenas
em computadores, inclui os parâmetros de reutilização e armazenamento para máquinas
obsoletas, o que retarda em realidade a entrada dessas máquinas no fluxo de resíduos.
No entanto, o modelo é apenas para os EUA e não pode ser aplicado mundialmente.
Um modelo adaptado para a estimativa de REEE com base no modelo de Matthews é
mostrado na Fig. 3.
Os resultados dos estudos de estimativa de REEE variam bastante e comparações
dos estudos são difíceis, porque ambos os métodos utilizados e os pressupostos básicos
são diferentes em cada estudo.
163
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Fig. 3. Um modelo simples adaptado de Matthews et al. (1997) para calcular
o e-lixo esperado para reciclagem e/ou aterros. Ele descreve principalmente
os padrões de utilização de computadores (‘1º uso’, ‘2º uso’ e ‘loja’) seguido
por uma destruição final para recuperar materiais e energia. Alguns dos
materiais depositados em aterros etc. são devolvidos como matérias-primas
secundárias. A transferência de uma fase para a seguinte é descrita com um
atraso de anos e uma taxa de transferência, em percentagem do volume total
nessa fase em qualquer ano.
As considerações a seguir são baseadas em um modelo simples para estimar
apenas quantidades de abandono de PC. Fig. 4 mostra cronogramas de quantidades
globais de abandono de PCs, calculadas como a diferença entre anuais de novas vendas
de PCs e do crescimento anual da base de PC instalado. A taxa média de abandono de
PCs durante o período 1991-2004 é então calculada como a razão entre o número de
abandono de PCs e a base de PCs instalados, o que acaba por ser de aproximadamente
11%. Isto corresponde a uma vida útil total de aproximadamente 9 anos - assumindo uma
decaída linear - o que é consideravelmente mais longa que a vida útil de um computador
e, consequentemente, indica um tempo longo de armazenagem.
Nos antigos 15 países membros europeus (UE15) a quantidade de REEE gerada
variou entre 3,3 e 3,6 kg per capita para o período de 1990-1999 e estava projetada para
subir para 3,9-4,3 kg per capita para o período 2000-2010 (EEA, 2003). De acordo com o
estudo, (que avaliou apenas cinco aparelhos: geladeiras, computadores, televisores,
fotocopiadoras e pequenos eletrodomésticos), esse montante cobre apenas 25% do Fluxo
total de REEE da UE-15. Assim, esses números correspondem às outras estimativas da
quantidade total de REEE, que varia de 14 a 20 kg per capita (estimado pela AEA, citado
em Enviros, 2002). No entanto, a quantidade de REEE gerados constitui uma das frações
de resíduos que cresce mais rapidamente, o que representa 8% de todos os resíduos
sólidos urbanos (The Economist, 2005).
Embora a produção de e-lixo per capita em países populosos como China e Índia
ainda seja relativamente pequena com a estimativa de que seja menor do que 1 kg per
capita por ano, o volume total de REEE gerados nesses países é enorme.
164
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Fig. 4. Alguns fatos e tendências do mercado de PCs durante a última década (todos
os dados tirados das estatísticas online do Banco Mundial www.worldbank.org). A
base mundial de PCs instalados [# PCs em uso] aumenta exponencialmente. O
vendas de novos PCs [novos PCs vendidos] também cresceu substancialmente de 20
milhões (1992) para 180 milhões (2004). No entanto, há uma queda considerável em
novas vendas de PCs nos anos de 2001 e 2002, refletindo o estouro da bolha de
tecnologia em 2000, seguido por uma recuperação rápida nos últimos 2 anos. Cerca
de metade dos PCs novos substituiram os obsoletos [PCs abandonados]. O resto
adiciona à base instalada, que resulta no presente crescimento. Comparando o
número de abandono de PCs com a base de totalmente instalados uma taxa de
abandono entre 2% e 17% é encontrada. Uma tendência para um aumento da
queda na taxa pode ser observado [ajuste linear da taxa de abandono], indicando
claramente uma vida útil decrescente de PCs. No entanto, essa tendência é
ultrapassada pela evolução do mercado nos últimos anos: a taxa foi mais elevada
(17%) em 1999, no auge do boom das TIC. A taxa média de abandono durante todo
o período é de aproximadamente 11%, o que acaba por ser um vida útil (assumindo
decadência linear) de cerca de 9 anos. Isto, por sua vez, indica um tempo de
armazenamento muito longo, o que foi confirmado por testes de amostragem feitos
para SWICO na Suíça. Se assumirmos uma taxa de 11% de abandono constante
(que representa a taxa média de abandono ao longo do período 1991-2004), o
165
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número de PCs que são abandonados a cada ano a partir da base de PCs instalados
[# PCs em uso] dá uma estimativa conservadora de sucata de PC que ocorre
[abandono a uma taxa de 11%] se extrapolado para o futuro.
Além disso, alguns países em desenvolvimento importam quantidades
consideráveis de lixo eletrônico, embora a Convenção da Basiléia restrinja o
comércio transfronteiriço desse material. A Fig. 5 indica as principais rotas de
tráfego de lixo eletrônico na Ásia. Não existem, no entanto, números confirmados
disponíveis sobre o quão substanciais são esses fluxos de lixo eletrônico
transfronteiriços. Dos países que não ratificaram as convenções, como os EUA, as
estimativas foram feitas que 50-80% do e-lixo doméstico coletado não é reciclado
internamente, mas sim enviados para destinos como China (Puckett e Smith, 2002).
China, Índia e outros países recentemente ajustaram suas leis para combater as
importações de lixo eletrônico. No entanto, sendo grandes produtores de EEE
(China fabrica, por exemplo, 90% da produção CRT mundial), esses países devem
reconhecer o seu interesse inerente no fechamento dos ciclos de materiais e no
acesso às matérias-primas dos fluxos de lixo eletrônico.
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Fig. 5. Tráfego Asiático de e-lixo (Schwarzer et al., 2005).
1.4. Conteúdo dos REEE
Quando o lixo eletrônico é descartado ou reciclado sem qualquer controle, há
previsíveis impactos negativos sobre o ambiente e a saúde humana. E-lixo contém
mais de 1.000 substâncias diferentes, muitas das quais são tóxicas, como o chumbo,
mercúrio, arsênio, cádmio, selênio, cromo hexavalente e retardadores de chama que
criam emissões de dioxinas quando queimado. Cerca de 70% dos metais pesados
(mercúrio e cádmio) em aterros nos EUA vêm do lixo eletrônico. Eletroeletrônicos
compõem 40% do chumbo em aterros. Estas toxinas podem causar danos cerebrais,
reações alérgicas e câncer (Puckett e Smith, 2002).
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O e-lixo contém quantidades consideráveis de materiais valiosos, como metais
preciosos. Os PCs de primeira geração continham até 4 g de ouro cada um; no
entanto, esse diminuiu para cerca de 1 g na atualidade22. O valor de metais comuns
contidos no e-lixo também é muito alto: 1 tonelada de lixo eletrônico contém até 0,2
toneladas de cobre, que podem ser vendidas por cerca de 500 Euros no preço mundial
atual (Soderstrom, 2004). Portanto a reciclagem de lixo eletrônico tem o potencial de
ser um negócio atraente e empresas como a Boliden (Suécia), WEEE AS (Noruega) e
Citiraya (UK) estão investindo na área.
Fig. 6. Composição de materiais nos REEE (European Topic Centre on Resource
and Waste Management).
Dada a grande variedade de materiais encontrados nos REEE, é difícil generalizar a composição dos materiais na totalidade do fluxo de resíduos. No entanto, a maioria dos estudos analisam cinco categorias de materiais: metais ferrosos, metais não ferrosos, vidro, plásticos e "outros".
22 Comunicação pessoal com os recicladores de lixo eletrônico.
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Fig. 7. Frações de materiais no lixo eletrônico (Fonte: Empa, 2005).
Fig. 8. Composição WEEE série histórica da SWICO (Suíça). (Empa, 2005).
De acordo com o Centro Temático Europeu sobre Recursos e Gestão de Resíduos
(European Topic Centre on Resource and Waste Management - ETC/RWM), ferro e aço
169
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são os materiais mais comumente encontrados em equipamentos elétricos e eletrônicos e
são responsáveis por quase metade do peso total dos REEE (Fig. 6). O plástico é o segundo
maior componente em peso, representando cerca de 21% dos REEE. Metais não ferrosos,
incluindo os metais preciosos, representam aproximadamente 13% do peso total dos REEE
(com o cobre sendo responsável por 7%).
Uma composição similar é encontrada nos REEE reciclados pelo sistema de
reciclagem SWICO / S.EN.S na Suíça (Fig. 7).
É interessante ver que ao longo do tempo, o conteúdo de metal manteve-se como
fração dominante, com mais de 50%, quando comparado aos poluentes e componentes
perigosos que estão em declínio constante (Fig. 8).
2. Abordagens e iniciativas de gestão do lixo eletrônico
2.1. Responsabilidade alargada do produtor (EPR)
A responsabilidade alargada do produtor (EPR) está sendo propagada como um
novo paradigma na gestão de resíduos. A OCDE define EPR como uma abordagem
política ambiental na qual a responsabilidade de um produtor com um determinado
produto é estendida para a fase pós-consumo do ciclo de vida do produto, incluindo a
sua eliminação final (OCDE, 2001). Mantendo-se em linha com princípio do poluidor-
pagador, uma política de EPR é caracterizada por tirar a responsabilidade dos
municípios, sugerindo a inclusão dos custos de tratamento e eliminação no preço dos
produtos, refletindo os impactos ambientais dos produtos. Os legisladores estão cada
vez mais adotando políticas de EPR para gerenciar vários tipos de resíduos, como
carros, aparelhos elétricos e eletrônicos descartados, que requerem um tratamento e
manuseio especial. A UE, em 1991, designou o lixo eletrônico como um fluxo de
resíduos prioritário e, em agosto 2004, as leis de Resíduos de Equipamentos Elétricos e
Eletrônicos (REEE) entraram em vigor (UE, 2002a), tornando obrigatório aos
fabricantes e distribuidores nos países membros da UE a recolher dos consumidores os
seus produtos fora de uso e reciclá-los.
Legalmente, e do ponto de vista administrativo, há uma variedade de abordagens
para a implementação dos instrumentos de EPR-desde totalmente voluntárias a
obrigatórias (OCDE, 2001) (Tabela 3). Abordagens voluntárias são a forma preferida de
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implementação de estratégias de EPR, principalmente para evitar a promulgação de
regulamentações nacionais. O grau de envolvimento do produtor pode variar de
totalmente privado a público, com operações compartilhadas, controle compartilhado e
opções de consulta pública entre os dois extremos (OCDE, 2001). As Organizações de
Responsabilidade do Produtor (Producer Responsibility Organisations - PROs) são
muitas vezes instituídas como esforço da indústria cooperativa para assumir
coletivamente as responsabilidades de suas empresas membros para cumprir as suas
obrigações de EPR.
O sistema suíço, iniciado voluntariamente no início de 1990 para refrigeradores e
encontrando um sistema formal, em 1994, para as TIC e CE (produtos eletrônicos de
consumo), é operado por duas PROs -SWICO e S.EN.S. Na Suécia, a El-Kresten é uma
PRO que gerencia toda a cadeia desde a coleta até a reciclagem de REEE (El-Kresten,
2004). No entanto, na Alemanha, o projeto EAR (Elektro-Altgeräte Register
Projektgesellschaft b.R) atua apenas como uma câmara de compensação entre
produtores e municípios, assegurando o cumprimento e monitoramento para que os
produtores cumpram as suas obrigações nos termos da lei alemã Elektro Geräte.
Projetar um sistema de EPR com papéis claros e bem definidos é essencial para
todos os produtores, usuários, autoridades e gestores de resíduos (Lindhqvist, 2000).
Cinco parâmetros amplos foram identificados que precisam ser considerados ao projetar
ou caracterizar um sistema de gestão de REEE:
1. Regulamento Legal: Quão elaborada é a legislação, ou seja, qual é a quantidade de
detalhes especificada para a gestão operacional do sistema?
2. Cobertura do sistema: Um aspecto da cobertura de um sistema é se é coletiva
(todos inclusive para qualquer marca) ou específico a uma marca (o proprietário de
marca específica é individualmente
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responsável). O outro aspecto seria a possibilidade de ter um sistema que atendesse
a todas as categorias de produtos ou ter sistemas diferentes para diferentes tipos de
produtos com REEE.
3. Financiamento do Sistema: Esse parâmetro questiona quem paga, quanto é pago
e quem recebe. Em um extremo da escala se encontra um sistema inteiramente
financiado de maneira externa, onde o encargos financeiros do recolhimento e
reciclagem ficam a cargo do usuário do produto ou produtor ou município,
fornecendo recursos adicionais destinados especificamente para o tratamento de
fim-de-vida-útil do produto. Por outro lado, um sistema interno seria um sistema
em que o recolhimento e a reciclagem são pagos no preço produto em si.
4. Responsabilidade do Produtor: Ao projetar um sistema, é importante considerar
o grau de responsabilidade dos produtores, em que pontos do processo, e como a
responsabilidade fica na prática. Embora cada produtor possa ser individualmente
responsável por seus produtos, vários fabricantes podem se unir para formar um
sistema coletivo de gestão de REEE. Sistemas flexíveis permitem tanto a
implementação individual da responsabilidade do produtor quanto a coletiva
5. Assegurando o cumprimento: A elaboração do sistema deve ser tal que exista
controle e equilíbrio, especialmente para evitar oportunistas. Penalidades para o
não cumprimento do recolhimento e reciclagem são muitas vezes utilizadas para
172
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garantir conformidade. Um sistema pode ter várias dessas medidas, algumas delas,
ou até mesmo nenhuma, em casos extremos.
Com estes parâmetros-chave, é possível caracterizar um sistema de gestão de
REEE. Por exemplo, o sistema suíço seria caracterizado como um sistema de
relativamente pouco controle regulamentar, com o enquadramento legal, o ORDEE
(BUWAL, 2004) dando apenas as orientações gerais para a gestão de REEE. Nele, os
produtores assumem a total responsabilidade pela implementação e operação do sistema,
cobrindo todo o espectro de
Fig. 9. Características dos sistemas de gestão de REEE em países selecionados.
Consulte também a Tabela 4.
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REEE sem marca específica de produto e todo o sistema é financiado através de taxas
de reciclagem nos produtos. Em comparação, a lei casa japonesa de reciclagem de
aparelhos domésticos, que entrou em vigor em 2001, estipula especificamente o
mecanismo de coleta, transporte e reciclagem de REEE (Raymond Communications,
2003). É ao mesmo tempo específica em termos de produto e marca em sua
cobertura, cobrindo apenas TVs, refrigeradores, máquinas de lavar e ar
condicionados e a reciclagem desse material é de responsabilidade do produtor. A lei
também especifica metas para taxas de reciclagem e impõe sanções pesadas para os
casos de incumprimento.
A Fig. 9 apresenta uma comparação gráfica dos sistemas de gestão de REEE
em quatro países. O gráfico visa ilustrar o fato de que países diferentes têm
configurações diferentes dos parâmetros mencionados acima. A classificação foi
feita em uma base subjetiva, com valores altos ou baixos dados a um sistema não
indicando um desempenho melhor ou pior no parâmetro, mas apenas ilustrando que
os países com indicadores econômicos comparáveis (por exemplo, Suíça e Japão)
podem ter Sistemas de gestão de REEE muito diferentes.
2.2. Iniciativas REEE selecionadas
As iniciativas WEEE que foram selecionadas estão representadas na Tabela 5.
3. Gestão de REEE em países industrializados: os resultados da avaliação
da China, Índia e África do Sul
174
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3.1. Problemas específicos de países em desenvolvimento e transição
Algumas das dificuldades específicas dos países em desenvolvimento e
transição foram mencionadas acima e são resumidas aqui:
• Embora a quantidade de lixo eletrônico per capita ainda seja relativamente baixa,
países populosos como a China e a Índia já são grandes produtores de lixo
eletrônico tendo em vista a quantidade total de e-lixo (Empa, 2005)
175
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• Esses países também exibem os mercados que mais crescem para equipamentos
elétricos e eletrônicos.
• Alguns países em transição e desenvolvimento estão importando quantidades
consideráveis de e-lixo. Algumas produtos chegam como doações destinadas a
ajudar os pobres, enquanto outros são simplesmente mal rotulados.
Em alguns países em desenvolvimento e transição essas dificuldades são
amplificadas por uma falta de regulamentos e/ou uma falta de repressão no setor de
reciclagem e descarte. Combinado com a existência de um setor informal muito
criativo e de baixa renda, essa falta permite a uma empresa de reciclagem de lixo
eletrônico prosperar com técnicas de baixo custo que não são controladas e que
apresentam riscos (exemplos são mostrados na Fig. 10 e descritos em Agarwal et
al., 2003). A maioria dos participantes nesse setor não está ciente dos riscos
ambientais e de saúde e desconhece melhores práticas, ou não tem acesso ao
capital de investimento para financiar melhorias, ainda que rentáveis, ou
implementar medidas de segurança.
3.2. Desenvolvendo parcerias de conhecimento REEE
Na expectativa de ter as diretivas WEEE e RoHS da União Europeia impostas em
breve, muitos países que praticam a exportação de REEE começaram a se mover no
sentido de resolver suas questões de e-lixo doméstico. A China elaborou uma lei em
2004 e identificou a Província de Zhejiang, para fazer cumprir a legislação como um
piloto para uma replicação seguinte, em outras províncias. A Índia e a África do Sul
criaram Grupos de Estratégia de REEE para desenvolver um sistema integrado de
gestão de REEE. Estes grupos estratégicos consistem de delegados de várias partes de
interessados, ou seja, agências governamentais, associações de importadores e
produtores de EEE, empresas de reciclagem e ONGs. Os grupos criaram comités que
lidam com questões específicas, como a formulação de políticas e leis, a criação de uma
linha de base nacional de REEE, a reestruturação do setor de reciclagem de REEE, a
implementação de responsabilidade do produtor (EPR) e da criação de uma consciência
pública.
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Fig.10.A extração de cobre a partir de placas de circuito impresso (PWB): (1) a
remoção manual do verniz, (2) a recuperação de sulfato de cobre e depois
submergir PWBs durante 12 horasem ácido sufúlrico seguido por fervura de H2O
utilizando resíduos PWB como combustível, (3) segregando manualmente a
camada de cobre e as fibras de vidro após a queima de camadas múltiplas de
PWBs que são resistentes a ácidos, (4) ferro é adicionado ao restante do líquido
para reagir com o cobre dissolvido, (5) a substância caida de cobre é um terceiro
produto trazendo o total de 1 a 2 toneladas de cobre por mês, (6) esse tipo de
SME cria cerca de 12 empregos, no entanto, a custos externos elevados.
(Levantamento da Empa,2004).
Em 2003, a Suíça iniciou um programa de parceria de conhecimento com países em
desenvolvimento. O projeto em curso é financiado pelo SECO (Secretaria do Estado Suíço
de Assuntos Econômicos) e implementado pelo Empa, em colaboração com uma série de
parceiros locais e autoridades. O objetivo da primeira fase foi identificar e documentar a
situação atual de manipulação de e-lixo em três áreas urbanas-Deli (Índia), Pequim (China)
e Joanesburgo (África do Sul) e desenvolver uma base de conhecimento para mitigar os
riscos sem reduzir a atratividade desse negócio. Atualmente, esse programa é fundamental
no apoio aos grupos estratégicos nacionais de REEE, no estabelecimento de linhas de base
nacionais de REEE e no auxílio na implementação de projetos piloto de REEE.
177
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3.3. Metodologia para a avaliação de sistemas informais de gestão de REEE
Avaliar sistemas de reciclagem de REEE requer uma compreensão abrangente da
situação. Em um ambiente com um grande número de pequenos grupos informais
manuseando um fluxo complexo de resíduos, avaliar quantidades, oportunidades de
trabalho e negócios, bem como os riscos para a saúde e para o meio ambiente é uma
tarefa exigente que requer uma metodologia bem estruturada. No âmbito do programa
de e-lixo da SECO, a Empa desenvolveu uma metodologia de avaliação abrangente que
combina métodos e ferramentas (Fig. 11) qualitativos e quantitativos.
Essa metodologia consiste das seguintes atividades:
• Análise dos processos utilizados para a reciclagem do lixo eletrônico, em uma
técnica específica e no contexto geográfico. Isto torna possível descrever e
compreender processos de reciclagem, apesar de estarem divididos em várias
pequenas etapase dispersos por grandes áreas de uma forma semelhante a uma
"fábrica virtual". A descrição formal é feita com métodos comuns, tais como
análise de fluxo de material (usando abordagem de redes de fluxo de material
apoiada pela ferramenta de software Umberto®) e o uso de Sistemas de
Informações Geográficas (SIG).
• Comparação de sistemas diferentes de reciclagem de lixo eletrônico,
desenvolvendo assim um modelo de três escudos simplificado, que consiste na
camada mais externa sendo as condições de enquadramento, a camada
intermédia sendo o sistema de
Fig. 11. Metodologia de avaliação geral (Empa, 2005).
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reciclagem e a camada núcleo consistindo dos impactos sobre o meio ambiente e a
saúde. Isso fornece uma descrição das complexas inter-relações entre os sistemas de
reciclagem de lixo eletrônico, a sociedade e o meio ambiente.
• Caracterizar e visualizar um sistema de reciclagem de lixo eletrônico por meio de
quatro aspectos, que podem ser representados como camadas separadas em um
mapa: (1) o fluxo de materiais, (2) a cadeia de valor acrescentado, (3) os recursos de
mão de obra necessários, e (4) os riscos envolvidos.
Um sistema de indicadores foi desenvolvido com o objetivo de estruturar, analisar e
comparar os sistemas de gestão de REEE em países diferentes. Os indicadores foram
ponderados23 e avaliados em uma escala de três pontos. O sistema considera o quadro
estrutural vigente (política e legislação, economia, sociedade e cultura, ciência e
23 Ponderação foi realizada com base em 1) resultados dos relatórios de pesquisa, 2) de acordo com opiniões de
especialistas, 3) bases de dados globais (por ex., www.nationmaster.com) e 4) os pressupostos, no caso em que fontes de
informação confiáveis não puderam ser identificadas.
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tecnologia), a qualidade da sistema de reciclagem existente e seus impactos sobre o meio
ambiente, a saúde humana e o trabalho (ver Tabela 6). Este método baseia-se numa
análise de utilidade, a qual permite que a multi-dimensionalidade de problemas
complexos de avaliação sejam levados em conta.
As avaliações nos três países confirmaram a relevância da questão do lixo
eletrônico e da necessidade de apoio na gestão do lixo eletrônico em todos os países
avaliados. Três questões-chave surgiram.
• Em primeiro lugar, em todas as três áreas urbanas avaliadas os sistemas de
reciclagem de lixo eletrônico eram puramente comerciais e surgiram sem qualquer
intervenção do governo. Qualquer desenvolvimento nesses setores de e-lixo terão
de ser construído na configuração atual.
• Em segundo lugar, na China e na Índia, a infra-estrutura de tratamento de lixo
eletrônico complexo é baseada e executada por um setor informal comercial,
refletindo uma longa tradição na reciclagem de resíduos. Catadores de pano e
revendedores de resíduos facilmente se adaptaram ao novo fluxo de resíduos e um
grande número de novas empresas foram criadas para a re-utilização de
componentes ou extração de matérias-primas secundárias. Na África do Sul com o
seu importante setor de mineração (ouro) e o estado da reciclagem de metais de
arte, a indústria local não teve dificuldade em integrar o novo fluxo de resíduos.
• Em terceiro lugar, as partes interessadas em cada país estão cientes das
deficiências dos sistemas de tratamento de lixo eletrônico atuais. Eles declararam a
gestão de lixo eletrônico como uma questão prioritária e já começaram a formular
estratégias de melhoria. Na Índia, metrópoles estão enfrentando um rápido
crescimento de quantidades de resíduos, por exemplo, no “Cyber City” de
Bangalore. Processos de baixo risco, tais como o desmantelamento de REEE,
oferecem boas oportunidades de emprego para mão de obra de especialização média
e baixa se for dada a formação adequada e acesso às tecnologias necessárias e
acessíveis. No entanto, alguns dos processos de reciclagem são extremamente
prejudiciais e devem ser transferidos para o setor formal de indústrias. A China está
enfrentando dificuldades semelhantes agravadas pelas importações ilegais
excederem as capacidades de reciclagem existentes. O governo central designou
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Zheijiang (uma das áreas mais afetadas) como a província piloto de e-lixo para
testar soluções de transposição e implementação da nova legislação de REEE. Após
a bem-sucedida implementação, o sistema de gestão de REEE desenvolvido deve
servir como um modelo para a replicação em outras províncias. A África do Sul
está contando com a sua indústria eficiente e grande de reciclagem, e espera-se que
o país não tenha dificuldade em gerir a recuperação de materiais de e-lixo. No
entanto, atualmente não há um esquema eficiente para recolher material de
consumidores e, portanto, apenas uma fração dos EEE descartados (cerca de 10%) é
reciclada. Atualmente, o grupo de estratégia de REEE e iniciativas privadas na
cidade do Cabo e em Joanesburgo estão organizando “Green e-Waste Channels”
que garantem aos usuários uma ótima eliminação de certos REEE a riscos mínimos.
4. Conclusão
O e-lixo é uma questão emergente, impulsionada pelo rápido aumento das
quantidades de equipamentos eletrônicos complexos eliminados. O nível global de
produção, consumo e reciclagem induz a grandes fluxos de substâncias tóxicas e
valiosas.
Os regulamentos internacionais, principalmente desenvolvidos pela Convenção da
Basileia, que tem como foco a proibição mundial de transferência transfronteiras de lixo
eletrônico, parecem enfrentar dificuldades em sua implementação eficaz, no entanto, um
relato conclusivo da situação e das tendências ainda não é possível. Em uma escala
global algumas tentativas têm sido feitas para identificar os fluxos de lixo eletrônico do
passado, do presente e do futuro. O foco tem sido colocado em quantidades e em alguns
casos em rotas e na distribuição espacial, mas ainda falta uma perspectiva global.
A introdução de um quadro jurídico que abrange vários países da OCDE e da
União Europeia e os seus países membros não se destina apenas a elaborar sistemas de
gestão de REEE, mas também melhorar a elaboração de produtos. O desenvolvimento
desses marcos legais está começando a transformar a percepção e a produção de países
que não fazem parte da OCDE. As exportações para a UE estão em jogo tanto devido às
restrições de substâncias perigosas (Diretiva RoHS) quanto à obrigação de respeitar a
Diretiva REEE, principalmente por conta das implicações financeiras de garantir que
181
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todos os EEE importados para a UE sejam reciclados.
Os países não-membros da OCDE estão rapidamente se tornando os principais
produtores de EEE e estão interessados em ciclos de materiais de circuito fechado para
acessar matérias-primas de grande necessidade. Ao mesmo tempo, isso poderia oferecer
oportunidades de negócios para as operações de desmantelamento e reciclagem de
trabalho intensivo em economias de baixa renda. No entanto, as avaliações mostram que
as graves deficiências em capacidades, habilidades e tecnologias colocam os
trabalhadores e o meio ambiente expostos a riscos consideráveis.
Embora a conscientização e preparação para a implementação de melhorias esteja
aumentando rapidamente, existem muitos obstáculos na gestão de produtos no fim de
suas vidas úteis com segurança e eficácia nos países em desenvolvimento:
• A falta de dados fiáveis é um desafio para os políticos que desejam criar uma
estratégia de gestão de e-lixo e uma indústria que pretenda investir em decisões
racionais.
• A falta de uma infra-estrutura de reciclagem de REEE segura no setor formal e,
portanto, a dependência sobre as capacidades do setor informal pode representar
sérios riscos ao meio ambiente e à saúde humana. No entanto, o recolhimento e o
pré-processamento pode ser tratado de forma eficiente pelo setor informal e - ao
mesmo tempo - pode oferecer inúmeras oportunidades de emprego.
• A falta de padrões internacionais para sistemas de gestão simples mas eficientes
de REEE atrasa a sua implementação. Como primeiro passo, uma coleção de
exemplos de “boas práticas” ou “lições aprendidas” nas implementações piloto em
países em desenvolvimento ajudaria a acelerar o processo de mitigação.
As avaliações da Empa em Nova Deli, Pequim e Joanesburgo revelaram déficits e
sugeriram as seguintes recomendações:
• Tecnologia e habilidades: Apoio a SME (in) formais e grandes indústrias de
fundição (processamento de metal, vidro e resíduos de plástico) através de
treinamento e consultoria específica em tecnologias mais limpas e processos de
manipulação para melhorar os processos atuais de lixo eletrônico através da
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introdução de melhores tecnologias disponíveis (MTD) e através da modernização
e de trabalho de qualificação média e baixa.
• Política e legislação:Apoio aos municípios e/ou governos provinciais na
elaboração, consulta (pública) e na aplicação da legislação sobre o manuseio de
lixo eletrônico, oferecendo conselhos e exposição testando sistemas de gestão
piloto.
• Negócios e finanças: Dar apoio garantindo a eficiência econômica e a
sustentabilidade dos sistemas de gestão de REEE através da otimização do valor
acrescentado e melhoria na eficácia dos sistemas de coleta e reciclagem (por
exemplo, parcerias público-privadas criação de buy-back (comprar de volta) ou
centros de eliminação e criando um custo adicional, por exemplo, taxas de
reciclagem de antecedência (ARF).
Embora cada um dos países avaliados precise desenvolver competências em todas
as três áreas para resolver os seus problemas potenciais de gestão de lixo eletrônico, a
maioria dos países já têm conhecimentos específicos que podem ser utilizados e
compartilhados. Para optimizar a aprendizagem e maximizar a eficiência do apoio para
melhorias de aplicação, uma parceria de conhecimento em gestão de e-lixo é proposta
na forma de um Centro de Competência Internacional de REEE. As parcerias entre os
países desenvolvidos e os países em desenvolvimento oferecem a possibilidade de
desenvolver novos modelos de gestão de lixo eletrônico que irão beneficiar os usuários,
fabricantes e recicladores em todos os países.
Agradecimentos
O trabalho aqui relatado foi financiado pela Secretaria do Estado Suíço para
Assuntos Econômicos (SECO). Os autores também gostariam de agradecer a Thomas
Ruddy, Empa, e aos três revisores anônimos por seus comentários úteis.
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Rolf Widmer, Technology and Society Lab, Empa - Laboratórios Federais
Suíços para Teste de Materiais e Pesquisa (Swiss Federal Laboratories for
Materials Testing and Research)
Rolf Widmer recebeu seu mestrado em engenharia elétrica e seu MBA em
cooperação para o desenvolvimento do
Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH). Durante vários anos, ele
foi membro do Instituto de Quantum
Eletrônico na ETH. Recentemente, ele se juntou ao Laboratório de Tecnologia e
Sociedade da Empa, na Suíça, uma instituição de pesquisa pertencente ao domínio
da ETH. Ele gerencia os projetos de Parcerias de conhecimento na reciclagem de
e-lixo, que começou em meados de 2003. Antes disso, ele trabalhou
principalmente no campo do fornecimento de energia rural em países em
desenvolvimento baseado em energias renováveis. Ele gerenciou projetos de
cooperação técnica em diversos países e chefiou o departamento de R e D em
sistemas de controle na Entec AG, uma empresa suíça que ele co-fundou e que é
especializada em energia hídrica descentralizada para o fornecimento de energia
rural. Rolf Widmer é autor de várias publicações nessa área.
Heidi Oswald-Krapf, Technology and Society Lab, Empa - Laboratórios
Federais Suíços para Teste de Materiais e Pesquisa (Swiss Federal
Laboratories for Materials Testing and Research)
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ISSN 1980-0894, Vol. 8, n. 1, 2013
Heidi Oswald-Krapf fez seu mestrado em ciências ambientais e seu MBA em
cooperação para o desenvolvimento no Instituto Federal Suíço de Tecnologia de
Zurique (ETH), na Suíça. Ela trabalha como gerente de projeto nos Laboratórios
Federais Suíços para Testes e Pesquisa de Materiais (Empa) no grupo de
Cooperação tecnológica Sustentável com países em desenvolvimento e em
transição. No Empa entrou em 2002 e trabalhou em diferentes projetos na área de
eco-eficiência e gestão de resíduos. Antes disso, ela trabalhou para a Agência
Suíça para o Meio Ambiente, Florestas e Paisagem no domínio das alterações
climáticas e observação ambiental.
Deepali Sinha-Khetriwal tem um Mestrado em Gestão Internacional da
Universidade de St. Gallen. Como estagiária no Laboratório de Tecnologia e
Sociedade, ela trabalhou na iniciativa seco de e-lixo e escreve a tese sobre os
sistemas de gestão de lixo eletrônico na Suíça e na Índia. Ela está atualmente em
em Mumbai, na Índia, onde ela continua a trabalhar na área de gestão de lixo
eletrônico.
Max Schnellmann, Dr., Secretaria de Estado de Economia (Seco), Cooperação para
o Desenvolvimento Econômico.
Max Schnellmann recebeu um doutorado (PhD) em Economia pela Universidade
de Zurique. Atualmente, ele é Vice-Chefe da Divisão de Tecnologia Limpa de
Comércio e Cooperação na Secretaria de Estado de Assuntos Econômico do
Governo da Suíça. Ele também atua como político e gestor do programa no
domínio das TIC, com particular foco em negócios virtuais. Ingressou no
Ministério da Economia Pública em 1987 como Vice-Chefe de Seção de países da
Ásia em desenvolvimento e comércio de Estado. Ele, então, serviu como
conselheiro para os Assuntos Económicos e Comodidades na Embaixada da Suíça
em Londres, e, posteriormente, foi Gerente Principal e Secretário da Assembleia de
Contribuintes da Secretaria de Segurança Nuclear do Banco Europeu para a
Reconstrução e Desenvolvimento, em Londres.
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Heinz W. Boni, Technology and Society Lab, Empa - Laboratórios Federais
Suíços para Teste de Materiais e Pesquisa (Swiss Federal Laboratories for
Materials Testing and Research)
Heinz W. Boni recebeu seu mestrado em engenharia rural e ambiental em 1983 e
seu diploma de pós-graduação em
tratamento da água, abastecimento de água e gestão de resíduos, em 1985, ambos
do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH). Ele trabalhou vários
anos no domínio da ETH como cientista e ganhou experiência de campo em
cooperação para o desenvolvimento no Nepal, trabalhando como oficial do
projecto de abastecimento de água e saneamento. Na década 1991-2000, atuou
como gerente de projetos no setor privado na área da gestão de resíduos. Desde
2001, ele tem gerenciado o grupo de cooperação tecnológica Sustec- tecnologia
sustentável no Empa, que constitui uma interface para a gestão do conhecimento
entre países industrializados e em desenvolvimento. Nos últimos anos tem
dedicado seu tempo a vários projetos de cooperação para o desenvolvimento na
área de produção industrial sustentável e gestão de resíduos.