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Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255 1 científica Revista A POESIA DO RISO NA PASSARELA DO SAMBA 1 : A COMIS- SÃO DE FRENTE DA ESCOLA DE SAMBA BOLE BOLE 2 FRANCISCO EDILBERTO BARBOSA MOREIRA 3 RESUMO A Poesia do Riso na Passarela do Samba trata de um estudo realizado sobre a comissão de frente da escola de samba Associação Carnavalesca Bole Bole em Belém do Pará, que trouxe para avenida o enredo “Palhaço Trovadores: A Poesia do Riso na Passarela do Samba”, homenageado o Grupo de teatro paraense Palhaços Trovadores. A comissão traz em sua estrutura coreográfi- ca um grupo de atores que experimentaram as técnicas básicas do clown para propor uma coreografia encenada em seu desfile. Somados ao grupo uma alegoria cênica caminhante, uma cama, dando a este signo formas, atrelando vários significados para então compor o desenho coreográfico. PALAVRAS-CHAVE: Processo criativo; comissão de frente; alegoria ca- minhante, clown. 1 Título referente ao enredo desenvolvido por Cláudia Palheta e Eduardo Wagner para o carnaval 2010. 2 Escola de samba campeã do carnaval 2010, concurso promovido pela FUMBEL. 3 Mestrando em Artes, pelo programa de pós-graduação do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará. Ator, encenador, figurinista e cenógra- fo. Professor Coordenador do Programa de Extensão O Auto do Círio – Drama, Fé e Carnaval em Belém do Pará. Professor Colaborador do Projeto de Pesquisa TAMBOR, Professor Colaborador dos Projetos de extensão Dandalunda e Artes Carnavalescas. E-mail: [email protected]

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A POESIA DO RISO NA PASSARELA DO SAMBA1: A COMIS-SÃO DE FRENTE DA ESCOLA DE SAMBA BOLE BOLE 2

FRANCISCO EDILBERTO BARBOSA MOREIRA3

RESUMO

A Poesia do Riso na Passarela do Samba trata de um estudo realizado sobre a comissão de frente da escola de samba Associação Carnavalesca Bole Bole em Belém do Pará, que trouxe para avenida o enredo “Palhaço Trovadores: A Poesia do Riso na Passarela do Samba”, homenageado o Grupo de teatro paraense Palhaços Trovadores. A comissão traz em sua estrutura coreográfi -ca um grupo de atores que experimentaram as técnicas básicas do clown para propor uma coreografi a encenada em seu desfi le. Somados ao grupo uma alegoria cênica caminhante, uma cama, dando a este signo formas, atrelando vários signifi cados para então compor o desenho coreográfi co.

PALAVRAS-CHAVE: Processo criativo; comissão de frente; alegoria ca-minhante, clown.

1Título referente ao enredo desenvolvido por Cláudia Palheta e Eduardo Wagner para o carnaval 2010.2Escola de samba campeã do carnaval 2010, concurso promovido pela FUMBEL.3Mestrando em Artes, pelo programa de pós-graduação do Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará. Ator, encenador, fi gurinista e cenógra-fo. Professor Coordenador do Programa de Extensão O Auto do Círio – Drama, Fé e Carnaval em Belém do Pará. Professor Colaborador do Projeto de Pesquisa TAMBOR, Professor Colaborador dos Projetos de extensão Dandalunda e Artes Carnavalescas. E-mail: [email protected]

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ABSTRACT

The Poetry of Laughter on the Samba treat a study commission on the front of the samba school Carnival Association Bole Bole in Belém do Pará, whi-ch brought to the plot avenue Clown Troubadours: The Poetry of Laughter on the Samba, the honored theater group Para Clowns Troubadours. The committee brings in its choreographic structure a group of actors who have experienced the basic techniques to propose a clown choreography staged in their parade. In addition to the group an allegory scenic Walker, a bed, giving this sign forms, linking various meanings and then compose the choreogra-phic design.

KEYWORDS: Creative process, the Front; allegory walker, clown.

A POESIA DO RISO NA PASSARELA DO SAMBA

A poesia do riso na passarela do samba é um estudo realizado por mim em 2010 quando assumi o desafi o de coreografar a comissão de frente da escola de samba Associação Carnavalesca Bole Bole, que trouxe em seu enredo “Palhaços Trovadores: A Poesia do Riso na Passarela do Samba”, uma ho-menagem ao grupo de teatro paraense Palhaços Trovadores. Sempre do lado oposto como julgador de quesito durantes 6 anos, assumi o grupo formado por 14 integrantes colegas de cena, com objetivo de expe-rimentar o exercício de conceber para então criamos juntos performances individuais que somariam a uma coletiva performance única a ser contada e desfi lada na passarela do samba Aldeia Amazônica Davi Miguel4, em Belém do Pará.4Sambódromo da cidade de Belém, Pará.

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O processo de escolha dos participantes deu-se por afi nidade e companhei-rismo de cena e também pela experiência de palco que cada ator poderia somar ao processo criativo e de concepção coreográfi ca a ser encenada no dia do desfi le. Como de costume, para alguns encenadores o começo foi se-melhante aos processos de cada um dos atores em seus grupos, com o traba-lho de mesa, onde decupamos e reorganizamos as ideias, criação de roteiro, do mesmo modo como se prepara o roteiro de um texto para a montagem de espetáculo, o diferencial é que não tínhamos um texto dramático e sim uma ideia base realizada a partir do imaginário dos carnavalescos. O homem tem uma tendência a criar formas, sejam elas, materiais, teóricas, físicas, etc como maneira de organização formal, segundo Pareyson (1993). A partir dessa tendência de criar forma, buscamos transformar em imagem uma ideia pré-estabelecida, realizar um sonho.Dentro da proposta dos carnavalescos Claudia Palheta e Eduardo Wagner, a comissão representaria os palhaços mais conhecidos e famosos do Brasil e no mundo como conta Cláudia Palheta:

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Sonhei que ainda era um menino e que corria solto, brincando com o movimento do vento, até que de repente ele parou e me colocou diante de uma rua onde eu nunca havia estado antes, uma rua colori-da e brilhante, onde vi reunidos todos os que eu mais admirava - os mestres do riso, os grandes da gargalhada: Grimaldi, Grock, Charlie Rivel, Albert Fratellini, Annie Fratellini, Dimitri, Benjamim de Oli-veira, Piolin, Arrelia, Carequinha, Alecrim, Nequinho, Chicharrão, Picolino II, Tortel Poltrona e Emmett Kelly. Para minha surpresa, fui convidado a aproximar-me e então eles começaram a me falar sobre a arte de fazer rir. Contaram-me muitas histórias como a de um espetáculo teatral chamado Commedia dell’Arte, onde uma car-roça encantada viajava a qualquer canto, levando personagens que animavam o povo. Mostraram-me a grande lona onde o público não piscava os olhos diante de cavalos quase alados com os equilibristas sobre eles. Uma lona magnífi ca! Lugar de homens voadores, seres fantásticos, mágicos, belas moças e divertidos palhaços. Levaram--se à Praça onde entre árvores, pipocas, balões e muita gente, fi -zemos piruetas, bolamos pelo chão e rimos muito e rimos tanto e tão alto que acordei. Acordei com a certeza teimosa de um menino: queria mesmo ser palhaço!

Diante de tais informações, e após um vasto trabalho de pesquisa sobre cada um desses palhaços indicados no sonho, preparei uma ofi cina básica de téc-nicas de clown para o elenco, tendo como objetivo fazê-los representar de forma semelhante a cada um dos artistas circenses escolhidos para dar vida e compor a coreografi a-encenação da comissão de frente.

A POÉTICA DO ATOR QUE QUERIA SER PALHAÇO

Como de costume, nos processos criativos em teatro começamos pelo corpo do ator, instrumento de trabalho que possibilita criar formas, movimentos,

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dar vida aos mais diversos tipos de personas, de sentimentos, de ilusões. Se-gundo Rubine (2002, p.43), “o corpo do ator precisa aprender a se movimen-tar, e mesmo a “estar”, no espaço articifi al que é o palco. É necessário tomar consciência de todos os tipos de parâmetros como a área de representação, a posição dos companheiros, a cenografi a, as luzes etc”. Em nosso caso, o palco é era a rua, o que exigiria do intérprete, movimentações e ações dife-renciadas do cotidiano no palco italiano. Esse diferenciar requer um treinamento específi co, que desconstrua os vícios cotidianos do corpo do ator, para construir um corpo cênico desejado. O cor-po, afi rma Rubine (2002, p. 43), “é um lugar de um conjunto de resistências: resistências físicas das articulações, da musculatura, da coluna vertebral, de-correntes da falta de treinamento do ator, mas também resistências físicas que seu inconsciente pode opor às exigências da exibição teatral”.Pensando em quebrar tais resistências para trabalhar com o Clown é necessá-rio quebrar todos os bloqueios do corpo, da voz, do gesto do ator, é expor seu corpo ao ridículo, ao feio, ao exagero, expor seus segredos mais escondidos. O palhaço é como uma criança, adora brincar, descobrir novos e criativos jo-gos. Maués (2006, p. 39) para dessa forma torne o corpo não treinado, num corpo ágil em prontidão para o jogo, seja ele, com a palavra, com as ações internas e externas, com movimentos corpóreos, com os colegas de cena e principalmente com o espectador, e só a partir de tal treinamento e despoja-mento do ator é quepoderíamos criar um diferencial teatralizado e tamanha beleza plástica para a encenação na avenida.Essas ações feitas, resultantes dos movimentos descobertos no decorrer dos treinamentos, dia a dia, geram uma consciência corpórea capaz de quebrar suas resistências físicas internas e externas, produzindo uma partitura des-locada do interior para o exterior, causando um melhor entendimento co-reográfi co a ser compartilhado com o espectador no ato da apresentação. Segundo Bonfi tto (2002, p.108):

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O movimento seja enquanto “descolamento espacial”, seja enquan-to “ elemento plástico e, portanto moldável”, é constitutivo de ele-mentos que, uma vez trabalhados, geram ações. O movimento neste sentido é componente da ação, o substrato. O movimento somente torna-se ação... quando signifi ca, quando representa algo, quando se torna signo.(BONFITTO 2002, p. 108)

Essa ação só será bem executada quando realizada a partir dos processos internos de cada ator, para tal se faz necessário tempo de preparação, pesqui-sa, descobertas, treinamentos. O ator-clown desejado para a poesia do riso na passarela do samba, além de contar com as experiências individuais, tem necessidade o conhecimento de algumas técnicas básicas de clown. Essas técnicas básicas me foram ensinas por Maués (2004, p.32) apud Ana Luísa Cardoso5, e se tornaram a base para o treinamento do ator-clown. Elas são cinco regras.

5Atriz, diretora e professora, uma das fundadoras do grupo carioca As Marias da Graça.

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1 - Toda ação, física ou vocal, deve ser feita sempre após o ator contar mentalmente três segundos. 2 – Toda ação, física ou vocal, deve ser feita olhando para o público, nem que seja para uma única pessoa. 3 – O palhaço tem olhos grandes, deve arregalar os olhos sempre ao colocar o nariz. 4 – O palhaço olha sempre com o nariz. É seu nariz que aponta para as pessoas e para as coisas. 5 – O palhaço respeita o publico e sempre agradece a qualquer manifestação de aceitação. (Maués 2004, p.32)

Em sala de aula os participantes experimentavam estímulos que possibilitas-sem a desconstrução corporal do ator para conceber um corpo cômico cênico. Exercícios como: andar rápido, devagar, deslizando, alegrar-se, entristecer--se, apaixonar-se, olhar para cima, olhar para baixo, olhar para o lado, abrir uma porta, sentar numa cadeira, coçar o bumbum, estímulos escatológicos como: fome, dor de barriga, vômito, foram de extrema importância para o desenvolvimento da criatividade expressiva do ator performance.A descoberta do tempo foi outro ponto importante no treinamento, pois para se conseguir o riso do espectador teria que haver um jogo ágil entre jogador--ator e espectador e aqui o uso das cinco regras básicas citadas acima propor-cionaram tal descoberta.O uso da máscara, segundo Maués (2004, p.33 apud Castro 2002, p. 10) o nariz vermelho é a menor máscara do mundo e “possui a grande virtude de despojar o rosto de toda defesa, mostrando o invisível, aquilo que está escon-dido atrás da primeira imagem aparente”. O nariz vermelho representa aqui a alma do clown, para mim ele é o refúgio do ator para expor o seu lado cômi-co, o seu ridículo, revelando seu verdadeiro ser em contato com o espectador. O clown, segundo (Maués 2009, p.132), deve ser sempre autêntico, sincero e espontâneo; olhar claro com o espelho no qual nos vemos refl etidos; mostrar suas intenções abertamente, mesmo quando tenta enganar; possuir riqueza expressiva e pessoal. E para que esse ator consiga tornar-se espelho faz-se

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necessário livrar-se de seus preconceitos e entregar-se de corpo e alma em sua busca pessoal. “O palhaço quer realizar grandes feitos, mas se encanta com as pequenas coisas que encontra no meio do caminho, como uma criança que ganha um brinquedo e põe do lado para brincar com uma caixa, o invólucro”, diz Maués (2009, p.132) então é necessário trilhar seus próprios percursos de descobertas. Para tal, vários exercícios foram realizados no percurso do tri-lhar individual desse ator, aprendemos que o clown olha com o nariz, ou seja, o nariz chega primeiro em qualquer direção que ele quer chegar ou fazer, ele induz o espectador a observar a ação que será realizada logo em seguida pelo clown, é a ponte entre ele e suas ações, sejam elas as mais coerentes ou não é o elo entre o clown e o espectador. Após o processo de treinamento corporal e de descoberta de seu clown, o ator transcreve em seu corpo peculiaridades dos seus personagens, aí, deu-se início ao desenho coreográfi co juntando os diferentes corpos para a forma-ção do único, coletivo. Esse novo corpo preparado para o jogo, “enfrentando seus limites sem medo, de peito aberto”, como diz Maués (2004, p.33), es-tando disposto a jogar-se sem saber o baque da queda, começa a se deslocar trazendo junto à responsabilidade de arrancar o riso do espectador e à nota máxima na avenida.

É BRINCADEIRA ÊÊ, A NOITE INTEIRA ÊÊ6...

O desenho partiu do direcionamento dos carnavalescos em que o quesito comissão de frente trazia como elemento indutor uma criança em sua cama, que dorme e sonha com os maiores palhaços do mundo, e ao acordar decide tornar-se um deles como já foi esclarecido anteriormente. A partir daí, toda a

6Verso do samba enredo de autoria de Erivelton Martins (Vetinho)

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partitura escrita coreografi camente se inseriu dentro de um universo etéreo, lúdico, do mundo das emoções ligadas a memórias. Buscamos os elementos mais simples do cotidiano infantil como as brincadeiras: pula macaca, roda, esconde-esconde, que estavam embutidas nas memórias de cada um de nos que um dia fomos crianças.

Mais um brinquedo nos foi dado que se somou a indumentária, que aqui era diferenciada para cada ator remetendo ao fi gurino usado pelo palhaço origi-nal. Esse brinquedo, uma cama. Elemento estético, cenográfi co, que se des-locava na avenida compondo novo movimento ao desenho corporal aderindo a ele, a cama, outras signifi cações, quanto ao corpo do ator. Para (Bonfi tto 2002, p.108) o movimento torna-se ação quando signifi ca, quando represen-ta algo, quando se torna signo. Esse elemento de composição coreográfi ca adquire aqui essa função de objeto signifi cante, atrelado as ações dos corpos em movimentos. Ora é cama, ora é palco, ora é carro de bebê, ora é banco.

É brincadeira êê, A noite inteira êê...

Espetáculo de amor.Em toda parte

comédia Dell’Arte,O artista se inspirou.

Em arlequins, em Colombinas,

Ser clown é mesmo assim,O show nunca termina.

Teatro a luz da lua, estrelas vem brilhar,No picadeiro da rua,

É chuva de cultura popular.

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As relações entre os atores e objeto cênico, para que pudessem ser entendi-das tanto pelo ator como pelo espectador, precisavam revelar a importância dele enquanto parte formadora da cena para se fazer não só como elemento estético, mas também como elemento formador da coreografi a, para assim ser revelado em corpo único ao espectador. Descobrir as possibilidades de como girar, conduzir, subir ou descer com ele, criava nova partitura aos pro-cessos dos atores que o manipulavam. Segundo Pareyson (1993, p.9), é pre-ciso compreender a forma como organismo que goza da vida própria e tem sua própria legalidade intrínseca. Era preciso que o grupo tivesse o entendi-mento e a compreensão dos movimentos realizados de acordo com as novas medidas dimensionais ocasionadas pela inclusão do objeto como corpo da encenação, segundo Pareyson 1993:

O caráter dinâmico da forma, à qual é essencial o ser resultado, ou melhor, a resultante de um “processo” de formação, pois a forma não pode ser vista como tal se não se vê no ato de concluir e ao mes-mo tempo incluir o movimento de produção que lhe dá nascimento e aí encontra o próprio sucesso. (PAREYSON, 1993, p.10).

O espaço vazio onde ensaiávamos com o nada, processualmente foi se for-mando sem que pudéssemos descobrir o resultado, sem o fazer repetidamen-te, o que proporcionava para o grupo determinada conduta e postura cênica assim como novo comportamento gestual e outras descobertas temporais para a sua utilização. A estrutura física do objeto que a princípio obtinha característica grotesca e feia devido à ferrugem na estrutura de ferro com rodas, exercia certo desconforto aos seus manipuladores e esse desconforto proporcionou novo jogo tanto com ele, objeto, quanto ao restante do grupo como resultado do processo. Para Pareyson (1993, p.13), “o artista não tem outra regra lei a não ser a regra individual que vai fazendo, nem outro guia

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a não ser o presságio do que vai obter, de tal sorte que a obra é, ao mesmo tempo, lei e resultado de um processo de formação” e justamente nesse fazer sem prever o resultado que o desenho coreográfi co foi concebido.

A ADRENALINA EM 25 MINUTOS

O sucesso pressupõe, justamente, um fazer que deve ser ao mesmo tempo invenção do modo de fazer. Seja qual for a obra a se fazer, o modo de fazê-la não é conhecido de antemão mais é necessário descobri-lo e encontrá-lo, e só depois de descoberto e encontrado, é que se verá claramente que ele era precisamente o modo como a obra deveria ser feita. (PAREYSON 1993, p.61)

O frio na barriga e o tremor nas pernas tomam conta do grupo. Após exaus-tivos meses de ensaios o riso sem graça na cabeceira da pista e uma vontade louca de acerta se completaria na passarela em 25 minutos, tempo máximo de nossa presença diante dos olhos atentos de centenas de espectadores que aguardavam ansiosos pelo momento único e mais esperado dos simpatizan-tes da escola ou não esperando o resultado do processo de criação do grupo que só se completaria em contato com suas energias, aplausos, gritos, sorri-so, cantos, últimos elementos formadores do processo criativo. Pareyson diz:

Formar, portanto, signifi ca “fazer”, mais um fazer tal que, ao fazer, ao mesmo tempo inventa “o modo de fazer”. Trata-se de um fazer, sem que o modo de fazer esteja de antemão determinado e imposto, de sorte que bastaria aplicá-lo para fazer bem: é mister encontrá-lo fazendo, e só fazendo se pode chegar a descobri-lo. (PAREYSON, 1993, P. 59)

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Faltava o último componente para que o processo se concluísse, o público, parceiro e componente essencial em qualquer processo de criação. A sirene toca, o tempo começa a contar, marcamos os primeiros passos ainda nervo-sos mas muito seguros do que iríamos fazer, e aos poucos vai se materiali-zando através do contágio do público, e a energia do cordão emanado pelos demais brincantes do cortejo puxado por nós. O corpo agora transborda de uma emoção indescritível que se entrelaça mão a mão, passo a passo, canto a canto, movimento a movimento, tornando-se o corpo único, perfeito, levado pela beleza plástica construída por ambos, que se congrega, comunga e partilha nos lábios um sorriso largo, mágico, encan-tado, deixando para trás a palidez dos primeiros 5 minutos de passarela. O suor começa a escorrer pela pele fl amejante, o coração parece querer saltar pela boca e num piscar de olhos se esvai. Deu certo! Ficou pronto! Acabou! Uma anciã é quem mais contagia o grupo, que na dispersão vibra a cada passada de brincante, de ala, de carro, de que-sito. É brincadeira ê ê, a noite inteira ê ê...

O que eu senti foi muito bom, uma loucura, eu queria fi car na aveni-da mais tempo. O sangue parecia que ia sair pelos poros e não suor, tudo que passamos foi compensado nesse instante mágico, único em minha vida, o cansaço não veio, eu queria voltar tudo novamente, diz Patrick Pimenta7.

O gosto de quero mais fi ca na boca de cada um, o esforço e o cansaço foram recompensados pelos risos, aplausos, de todos que nos assistiram, esse senti-mento é partilhado e dividido por todos que passo a passo no processo cria-tivo construíram a poesia que se transformou em riso na passarela do samba.

7Ator e dançarino, estudante do Curso de Letras na UFPA.

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REFERÊNCIAS

BONFITTO, Matteo. O ator compositor: as ações físicas como eixo: de Stanislávisk a Barba. São Paulo: Perspectiva, 2002.

PAREYSON, Luigi. Estética: Teoria da Formatividade; tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

RUBINE, Jean-Jacques. A arte do ator. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

MAUÉS, Marton Sergio Moreira. Palhaços Trovadores: uma história cheia de graça. 2004. Dissertação – Escola de Teatro e Escola de Dança, Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, UFBA, 2004.

MAUÉS, Marton. O Nariz Vermelho. Ensaio Geral, Belém – Pará, v. 2, n. 01, p. 130-133, jul-dez. 2009.