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RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
i
Rede de Referenciao Hospitalar
ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
ii
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
iii
Rede de Referenciao Hospitalar
Angiologia e Cirurgia Vascular
Grupo de Trabalho
Coordenador: Jos Fernandes e Fernandes Presidente Colgio de Angiologia e Cirurgia Vascular da
Ordem dos Mdicos, Faculdade de Medicina ULisboa
Grupo de Trabalho:
Adriano Natrio Administrao Regional de Sade do Alentejo, I.P
Albuquerque de Matos Administrao Regional de Sade Centro, IP
Armando Mansilha
Colgio Angiologia e Cirurgia Vascular da Ordem dos Mdicos e Seco Cirurgia Vascular, Union Europene des Medcins Specialistes
Carlos.S. Moreira Direo-Geral de Sade
Fernando Oliveira Administrao Regional de Sade Norte, IP
Fernando Tavares Administrao Regional de Sade Norte, IP
Gabriela Maia Administrao Central do Sistema de Sade, I.P
J. Albuquerque e Castro Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular
Joo Ildefonso Administrao Regional de Sade Algarve, IP
Jos Daniel Meneses Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular
Laura Silveira Administrao Regional de Sade de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.
scar Gonalves Administrao Regional de Sade Centro, IP
Paulo Sousa Escola Nacional de Sade Pblica Universidade Nova de Lisboa
Rui Almeida Administrao Regional de Sade Norte, IP
fevereiro de 2017
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
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RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
v
NDICE
ndice .................................................................................................................................................................... v
ndice Tabelas .................................................................................................................................................... vii
ndice Figuras...................................................................................................................................................... ix
1 Enquadramento legislativo e histrico ....................................................................................................... 11
2 mbito da Especialidade hospitalar ........................................................................................................... 17
2.1. O Passado e o Presente ....................................................................................................................... 17
2.2. O Futuro ................................................................................................................................................. 21
2.3. Referncias............................................................................................................................................ 23
3 Epidemiologia das Condies Clnicas Mais Frequentes......................................................................... 25
3.1. Doena Arterial Perifrica dos Membros Inferiores....................................................................... 25
3.2. Doena Aterosclertica Carotdea e dos Troncos Supra-articos ............................................... 29
3.3. Doena Aneurismtica da Aorta e das Artrias Perifricas .......................................................... 32
3.4. Doena Venosa Crnica ................................................................................................................. 35
3.5. eferncias......................................................................................................................................... 39
4 Caraterizao da Situao Nacional Atual ................................................................................................ 42
4.1. ARS Norte ........................................................................................................................................ 44
4.2. ARS Centro ...................................................................................................................................... 51
4.3. ARSLVT ........................................................................................................................................... 58
4.4. ARS do Alentejo .............................................................................................................................. 63
4.5. ARS do Algarve ............................................................................................................................... 65
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
vi
4.6. Portugal Continental - Atividade Desenvolvida ............................................................................. 67
5 Necessidades previsveis de cuidados e de recursos .............................................................................. 70
5.1. Indicadores ...................................................................................................................................... 70
5.2. Estimativa das Necessidades de Cuidados e de Recursos ......................................................... 72
6 Caracterizao, Definio E Reorganizao dos Diferentes Nveis de Interveno Propostas e
Recomendaes do Grupo de Trabalho .......................................................................................................... 77
6.1 Modelo Estruturante para a Rede de Referenciao Hospitalar .................................................. 77
6.1.1 Recomendaes .................................................................................................................................. 84
I. ARS Norte............................................................................................................................................ 85
II. ARS Centro ......................................................................................................................................... 88
II. ARSLVT ............................................................................................................................................... 90
II. ARS Alentejo....................................................................................................................................... 95
III. ARS Algarve........................................................................................................................................ 95
6.2. Localizao Esperada dos Servios de Urgncia da Especialidade .................................................. 99
6.3. Caracterizao Esperada das Equipas ............................................................................................... 99
6.4. Arquitetura da RRH ............................................................................................................................. 100
7- Monitorizao da RRH - Indicadores ......................................................................................................... 112
8 Anexos ........................................................................................................................................................ 116
9 Concluses ................................................................................................................................................ 122
10 Abreviaturas, Siglas e Acrnimos .......................................................................................................... 124
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
vii
NDICE TABELAS
Quadro I: Modelo estruturante para a Organizao Hospitalar da Angiologia e Cirurgia Vascular - 2004 . 43
Quadro II: Rede de Referenciao Hospitalar - proposta de 2004, para Cirurgia Vascular - ARS .............. 45
Quadro III: Distribuio Hospitalar e rede viria da ARS Norte ...................................................................... 46
Quadro IV: Populao servida por cada entidade hospitalar da ARS Norte - reas de Influncia Direta ... 46
Quadro V: Distribuio de Mdicos - Internos e Especialistas - na ARS Norte, em 2016 ............................ 47
Quadro VI: Referenciao em 2016 ................................................................................................................. 47
Quadro VII: Referenciao global da especialidade e respetiva correlao entre especialistas e populao
ARS Norte ....................................................................................................................................................... 48
Quadro VIII: reas de influncia direta das entidades hospitalares da ARS Norte ...................................... 49
Quadro IX: reas de influncia direta das entidades hospitalares da ARS Norte (cont.) ............................. 49
Quadro X: reas de influncia direta das entidades hospitalares da ARS Norte (cont.) .............................. 50
Quadro XI: reas de influncia direta das entidades hospitalares da ARS Norte (cont.) ............................. 50
Quadro XII: Rede de Referenciao Hospitalar, proposta em 2004, para Cirurgia Vascular - ARS Centro52
Quadro XIII: Populao servida por cada entidade hospitalar da ARS Centro - reas de Influncia Direta
............................................................................................................................................................................ 53
Quadro XIV: Referenciao global da especialidade e respetiva correlao entre especialistas e populao
ARS Centro ..................................................................................................................................................... 54
Quadro XV: reas de influncia direta das entidades hospitalares da ARS Centro ..................................... 55
Quadro XVI: reas de influncia direta das entidades hospitalares da ARS Centro (cont.) ........................ 55
Quadro XVII: Distribuio de Mdicos - Internos e Especialistas . na ARS Centro, em 2016 ..................... 56
Quadro XIX: Distribuio Hospitalar e rede viria da ARS Centro ................................................................. 57
Quadro XX: Populao servida por cada entidade hospitalar da ARS LVT - reas de Influncia ............... 58
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RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
viii
Quadro XXI: Distribuio Hospitalar e rede viria da ARS LVT ..................................................................... 59
Quadro XXII: Rede de Referenciao Hospitalar, proposta em 2004, para Cirurgia Vascular - ARS LVT . 59
Quadro XXIII: reas de Influncia Direta das entidades hospitalares na ARS LVT ..................................... 60
Quadro XXIV: reas de Influncia Direta das entidades hospitalares da ARS LVT ..................................... 60
Quadro XXV: reas de Influncia Direta das entidades hospitalares na ARS LVT (cont.) .......................... 60
Quadro XXVI: Referenciao global da especialidade e respetiva correlao entre especialistas e
populao ARS LVT ....................................................................................................................................... 61
Quadro XXVII: Distribuio de Mdicos - Internos e Especialistas - na ARS LVT, em 2016 ....................... 62
Quadro XXVIII: Populao servida por cada entidade hospitalar da ARS Alentejo - reas de Influncia Diret
............................................................................................................................................................................ 64
Quadro XXIX: Distribuio Hospitalar e rede viria da ARS Alentejo ............................................................ 64
Quadro XXX: Rede de Referenciao Hospitalar, proposta em 2004, para Cirurgia Vascular ARS Alentejo
............................................................................................................................................................................ 65
Quadro XXXI: Populao servida por cada Centro Hospitalar da ARS Algarve - reas de Influncia Direta
............................................................................................................................................................................ 65
Quadro XXXII: Distribuio Hospitalar e rede viria da ARS Algarve ............................................................ 66
Quadro XXXIII: Rede de Referncia Hospitalar, proposta em 2004, para Cirurgia Vascular - ARS Algarve
............................................................................................................................................................................ 66
Quadro XXXIV : Nmero de Consultas Hospitalares de ACV, realizadas em 2015 ..................................... 67
Quadro XXXV: Internamentos hospitalares de ACV, no ano de 2015 ........................................................... 68
Quadro XXXVI: Procedimentos cirrgicos referentes ao ano de 2015 .......................................................... 68
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RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
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NDICE FIGURAS
Figura 1: Nmero de Internamentos por DAP e discriminao por estdio clnico ....................................... 28
Figura 2: Evoluo do tratamento cirrgico convencional e endovascular na DAP ...................................... 28
Figura 3: Internamentos por doena carotiedea e doenas associadas ........................................................ 30
Figura 4: Comparao entre cirurgia convencional e endovascular na estenose carotidea ........................ 31
Figura 5: Internamentos por doena aneurismtica da aorta e doenas associadas ................................... 33
Figura 6: Comparao da frequncia cirurgia convencional vs endovascular no aneurisma da aorta ........ 34
Figura 7: Nmero de Internamentos por Doena Venosa e distribuio etria da populao afetada........ 38
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RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
x
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
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1 ENQUADRAMENTO LEGISLATIVO E HISTRICO
O Servio Nacional de Sade (SNS) tem como misso fundamental assegurar equidade e acesso dos
cidados aos cuidados de Sade e assegurar a prestao de servios de sade de qualidade e segundo
as necessidades da populao. Ao longo das suas quatro dcadas de existncia o SNS tem-se deparado
com diversos desafios consequncia das alteraes demogrficas, mudanas nos padres de doena,
inovao tecnolgica e mobilidade geogrfica dos utentes e dos profissionais.
Para a prossecuo da misso do SNS importa que as suas diferentes instituies hospitalares garantam
a prestao de forma coordenada e articulada entre si, e com os restantes nveis de cuidados primrios e
ps-hospitalares, para o que se impe uma viso global dos diferentes sectores que constituem o SNS.
Neste mbito, as Redes de Referenciao Hospitalar (RRH) assumem um papel orientador e regulador das
relaes de complementaridade interinstitucionais, perspetivando-se a implementao de um modelo de
prestao de cuidados de sade centrado no cidado (patient-centred medicine).
Em termos histricos, as RRH tiveram origem no Programa Operacional da Sade SADE XXI, na
sequncia das principais recomendaes do Subprograma de Sade 1994-1999, constituindo-se, na altura,
como o quadro de referncia de suporte ao processo de reforma estrutural do sector da sade. No eixo
prioritrio relativo melhoria do acesso a cuidados de sade de qualidade, a medida 2.1 do referido
programa (Rede de Referenciao Hospitalar) objetivava implementar RRH pelas reas de especializao
tidas como prioritrias, visando a articulao funcional entre hospitais, mediante a diferenciao e
identificao da carteira de servios, de modo a responder s necessidades da populao, garantindo o
direito proteo e acesso na sade.
Deste modo, as RRH instigaram um processo de regulao e de planeamento da complementaridade entre
instituies hospitalares, contribuindo para a otimizao e gesto eficiente da utilizao de recursos, com
vista a assegurar um quadro de sustentabilidade a mdio e longo prazo do SNS.
Vrios so os normativos legais e documentos tcnicos que se debruaram sobre a temtica das redes
hospitalares e a sua importncia estratgica como garante da sustentabilidade e eficincia do SNS. A Lei
n. 64-A/2011, de 30 de dezembro, que aprovou as Grandes Opes do Plano para 2012-2015, bem
como o Programa do XIX Governo Constitucional, preconizavam a melhoria da qualidade e acesso dos
cidados aos cuidados de sade, mediante a reorganizao da rede hospitalar atravs de uma viso
integrada e mais racional do sistema de prestao de cuidados.
Na sequncia do Memorando de Entendimento celebrado com a Unio Europeia, o Banco Central Europeu
e o Fundo Monetrio Internacional, foi criado o Grupo Tcnico para a Reforma Hospitalar (GTRH) -
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
12
Despacho do Ministro da Sade n. 10601/2011, de 16 de agosto, publicado no Dirio da Repblica, II
Srie, n. 162, de 24 de agosto - cujo relatrio final intitulado Os Cidados no Centro do Sistema, Os
Profissionais no Centro da Mudana definiu oito Iniciativas Estratgicas, corporizadas, cada uma, por um
conjunto de medidas, de cuja implementao e monitorizao, resultariam um programa de mudana, com
a extenso, profundidade e densidade exigidas a uma verdadeira reforma estrutural do sector hospitalar
portugus.
No seu relatrio, o GTRH defendia que na reorganizao da rede hospitalar deviam ser considerados
diversos fatores, nomeadamente: (i) critrios de qualidade clnica; (ii) proximidade geogrfica; (iii) nvel de
especializao; (iv) capacidade instalada; (v) mobilidade dos recursos; (vi) procura potencial; (vii)
acessibilidades; (viii) redes de referenciao por especialidade; (ix) equipamento pesado de meios
complementares de diagnstico e teraputica (MCDT) disponvel; (x) benchmarking internacional e (xi)
realidade sociodemogrfica de cada regio.
O GTRH elencou, ainda, um conjunto de fragilidades inerentes s RRH existentes data, designadamente:
(i) desatualizao da maioria das redes (a maioria tinha sido elaborada at 2006 e nunca ajustada); (ii)
inexistncia de um modelo nico e homogneo do documento; (iii) inexistncia de aprovao ministerial
para algumas das RHH publicadas; (iv) ausncia de integrao entre RRH de diferentes especialidades
que se interpenetram; (v) inexistncia de incluso dos setores convencionados e privados (nos casos em
que se possa aplicar), contemplando apenas o universo do SNS; (vi) falta de integrao do conceito de
Centros de Referncia e (vii) indefinio quanto ao prazo de vigncia das RRH.
No primeiro Eixo Estratgico Uma Rede Hospitalar mais Coerente, o GTRH props a elaborao da Rede
de Referenciao Hospitalar de forma estruturada e consistente e dotada de elevados nveis de eficincia
e qualidade dos cuidados prestados. Para o efeito, e com o desgnio de redesenhar a rede hospitalar
naqueles pressupostos, foi proposta a reviso das RRH em vigor, bem como a elaborao das redes
inexistentes, promovendo-se uma referenciao estruturada e consistente entre os cuidados de sade
primrios e os cuidados hospitalares (considerando toda a rede de prestao, desde os cuidados de
primeira linha aos mais diferenciados), assegurando uma melhor rentabilizao da capacidade instalada
aos nveis fsico, humano e tecnolgico.
De igual forma, o Plano Nacional de Sade 2012-2016 apresenta um conjunto de orientaes, nos eixos
estratgicos Equidade e Acesso aos Cuidados de Sade e Qualidade em Sade, propondo o reforo da
articulao dos servios de sade mediante a reorganizao dos cuidados de sade primrios, hospitalares
e continuados numa perspetiva de articulao, cuidados pr-hospitalares, servios de urgncia, entre
outros, consolidando uma rede de prestao de cuidados integrada e eficiente. Ademais, o Plano Nacional
de Sade Reviso e extenso a 2020 sugere, no eixo Equidade e Acesso Adequado aos Cuidados de
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
13
Sade, O desenvolvimento de redes de referenciao de cuidados no apenas de base geogrfica, mas
tambm de hierarquia de competncias tcnicas. Pretende-se, deste modo, uma rede hospitalar coerente,
racional e eficiente, consubstanciada num sistema integrado de prestao de cuidados.
Por outro lado, a Portaria n. 82/2014, de 10 de abril, veio estabelecer os critrios que permitem
categorizar os servios e estabelecimentos do SNS, de acordo com a natureza das suas responsabilidades
e quadro de valncias exercidas, bem como o seu posicionamento na rede hospitalar, procedendo sua
classificao. Tratava-se de um normativo legal que definia, predominantemente, orientaes estratgicas
para a construo de uma rede hospitalar coerente, assegurando a resposta e satisfazendo as
necessidades da populao.
Acresce que a carteira de valncias de cada instituio hospitalar seria operacionalizada atravs do
contrato-programa, de acordo com o respetivo plano estratgico. Perante um quadro de reorganizao das
instituies de sade hospitalares (no que se refere disponibilizao e coordenao da carteira de
valncias, aos modelos organizativos e de integrao de cuidados), a redefinio do que devem ser os
cuidados hospitalares e como se devem integrar com os diferentes nveis de cuidados para uma melhor
articulao e referenciao vertical, permitir intervir complementarmente no reajuste da capacidade
hospitalar.
Desta forma, as RRH desempenham um papel fulcral enquanto sistemas integrados, coordenados e
hierarquizados que promovem a satisfao das necessidades em sade aos mais variados nveis,
nomeadamente: (i) diagnstico e teraputica; (ii) formao; (iii) investigao e (iv) colaborao
interdisciplinar, contribuindo para a garantia de qualidade dos cuidados prestados pelas diferentes
especialidades e subespecialidades hospitalares.
Assim, as RRH devero permitir a: (i) articulao em rede, varivel em funo das caractersticas dos
recursos disponveis, dos determinantes e condicionantes regionais e nacionais e o tipo de especialidade
em questo; (ii) explorao de complementaridades de modo a aproveitar sinergias, concentrando
experincias e permitindo o desenvolvimento do conhecimento e a especializao dos tcnicos com a
consequente melhoria da qualidade dos cuidados e (iii) concentrao de recursos permitindo a
maximizao da sua rentabilidade.
Nesta conformidade, a Portaria n. 123-A/2014, de 19 de junho, estabeleceu os critrios de criao e
reviso das RRH, bem como as reas que estas deviam abranger. De acordo com o nmero 2 do artigo 2.
daquele diploma, foram determinados os princpios aos quais as RRH deviam obedecer, nomeadamente:
a) permitir o desenvolvimento harmnico e descentralizado dos servios hospitalares envolvidos; b)
eliminar duplicaes e subutilizao de meios humanos e tcnicos, permitindo o combate ao desperdcio;
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
14
c) permitir a programao do trnsito dos utentes, garantindo a orientao correta para o centro indicado;
d) contribuir para a melhoria global da qualidade e eficcia clnica pela concentrao e desenvolvimento de
experincia e competncias; e) contribuir para a diminuio dos tempos de espera, evitando a concentrao
indevida de doentes em localizaes menos adequadas; f) definir um quadro de responsabilizao dos
hospitais face resposta esperada e contratualizada; g) permitir a programao estratgica de
investimentos, a nvel nacional, regional e local e h) integrar os Centros de Referncia.
No sentido de dar cumprimento ao disposto na portaria supramencionada, o Despacho n. 10871/2014, de
18 de agosto, veio determinar os responsveis pela elaborao e/ou reviso das RRH. Com efeito, o
processo iniciou-se com a elaborao das seguintes RRH: Oncologia Mdica, Radioterapia e Hematologia
Clnica; Cardiologia; Pneumologia; Infeo pelo VIH e SIDA; Sade Mental e Psiquiatria; e Sade Materna
e Infantil, incluindo Cirurgia Peditrica. Posteriormente, o Despacho n. 6769-A/2015, de 15 de junho, veio
designar os responsveis pela elaborao ou reviso das RRH de Anatomia Patolgica, Anestesiologia,
Cirurgia Cardiotorcica, Cirurgia Geral, Gastrenterologia, Hepatologia, Medicina Fsica e de Reabilitao,
Medicina Intensiva, Medicina Nuclear, Nefrologia, Oftalmologia, Ortopedia, Patologia Clnica,
Neurorradiologia, Radiologia, Reumatologia e Urologia.
Tambm o XXI Governo Constitucional, no seu programa para a sade, preconiza a reduo das
desigualdades entre os cidados no que respeita ao acesso prestao de cuidados, bem como o reforo
do papel do cidado no SNS. Ora, a capacitao do cidado pressupe a disponibilizao de informao
relevante para a sua tomada de deciso, por forma a optar pela instituio do SNS onde pretende ser
assistido, de acordo com as suas preferncias, critrios de convenincia pessoal e da natureza da resposta
das instituies.
Com a publicao da Portaria n. 147/2016, de 19 de maio, que surge precisamente com o intuito de
reforar o papel do cidado no SNS, contribuir para a melhoria da sua governao bem como para a
melhoria da gesto hospitalar, so revogadas as Portarias n.s 82/2014, de 10 de abril, e a 123-A/2014, de
19 de junho. Nesta perspetiva, foram definidas como medidas fulcrais a promoo da disponibilidade e
acessibilidade dos servios aos utentes e a liberdade de escolherem em que unidades desejam ser
assistidos, mediante a articulao com o mdico de famlia e cumprindo a hierarquizao tcnica e as
regras de referenciao em vigor, indo ao encontro do preconizado na Lei n. 7-B/2016, de 31 de maro,
que aprova as Grandes Opes do Plano para 2016 -2019.
A referida Portaria objetiva: (i) definir o processo de classificao dos hospitais, centros hospitalares e
unidades locais de sade do SNS (independentemente da sua natureza jurdica e tendo como princpio a
definio das RRH) e (ii) continuar o processo de criao e reviso das RRH.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
15
Por ltimo, o Despacho n. 6696/2016, de 12 de maio, veio designar os responsveis pela elaborao das
RRH nas especialidades de: Angiologia e Cirurgia Vascular, Cirurgia Maxilo-Facial, Cirurgia Plstica,
Reconstrutiva e Esttica, Dermatovenereologia, Endocrinologia e Nutrio, Estomatologia, Gentica
Mdica, Imunoalergologia, Imuno-hemoterapia, Infeciologia, Medicina Interna, Neurocirurgia, Neurologia,
Otorrinolaringologia e Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia
No mbito da especialidade de Angiologia e Cirurgia Vascular, em 2004, foi elaborada a Rede de
Referenciao Hospitalar de Cirurgia Vascular sob a responsabilidade da Direo-Geral da Sade (DGS),
na qual era proposta uma arquitetura funcional assente nalguns pressupostos que no vieram a concretizar-
se at dezembro de 2016. Por outro lado, verificou-se um aprecivel desenvolvimento tecnolgico da
especialidade que imps novos paradigmas de atuao que devem ser considerados. No incio da segunda
dcada deste sculo XXI emergiu tambm o reconhecimento que os resultados clnicos eram
substancialmente mais favorveis quando o tratamento era realizado em instituies com experincia, isto
, casustica, o que levou nalguns pases europeus, com sistema de sade pblico comparvel com o SNS,
ao desenvolvimento de iniciativas tendo como objetivo a concentrao de servios de Cirurgia Vascular de
modo a potenciar recursos humanos e meios tecnolgicos ao servio dos doentes. Este esforo de que foi
exemplo a iniciativa do Servio Nacional de Sade ingls (NHS) em relao disponibilizao de servios
vasculares na rea da grande Londres populao de cerca de 10 milhes de habitantes envolveu os
representantes da profisso, da sociedade cientfica de Cirurgia Vascular e representantes dos utentes,
bem como as autoridades de Sade. Esse Grupo de trabalho produziu um conjunto de documentos que se
basearam na integrao de servios, complementaridade das especialidades indispensveis ao tratamento
do doente vascular e na circulao dos profissionais dentro da rede institucional hierarquizada em funo
da capacidade de prestao de servio 24 horas/7 dias/365 dias por ano e com experincia comprovada.
Foram definidos nmeros mnimos indicadores de segurana em relao a procedimentos de maior
complexidade ou especificidade, de que so exemplos a reparao de aneurisma da aorta, a
endarterectomia da cartida e a revascularizao perifrica, e foi tambm referido a maior utilizao de
procedimentos endovasculares como expresso do estado da arte no tratamento das doenas vasculares.
A avaliao da experincia inglesa veio a comprovar uma melhoria muito rpida nalguns dos indicadores,
como mortalidade e reduo de reinternamentos, melhoria dos clinical outcomes que foi atribuda ao novo
modelo de organizao dos servios e generalizao da tecnologia endovascular.
O grupo de trabalho para a reviso da Rede Hospitalar em Angiologia e Cirurgia Vascular foi nomeado em
maio de 2016 e veio a incluir por consenso personalidades em representao da Sociedade Portuguesa de
Angiologia e Cirurgia Vascular, da ENSP UNL (rea das polticas de sade) e da Seco de Cirurgia
Vascular da UEMS (Union Europene des Mdecins Specialistes). Foi entendimento do grupo que o
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
16
documento a produzir deveria ter as seguintes caractersticas: i) objetividade, rigor, independncia e
iseno; ii) fundamentao cientfica atualizada; iii) viso integrada da Especialidade no SNS,
contemplando ao de Proximidade junto das populaes e Referenciao hierarquizada de acordo com a
complexidade da situao clnica; iv) incorporao de modernidade respeitando o state of the art na atuao
diagnstica e teraputica; v) capacidade prospetiva de modo a criar uma estrutura eficaz, suscetvel de
monitorizao da sua eficcia, e simultaneamente capaz de adaptao e evoluo; vi) fomento da
investigao cientfica e da incorporao inteligente e informada da inovao e vii) realizao dos
profissionais e satisfao dos cidados.
Os hospitais do SNS apresentam dois modelos de gesto o pblico e o privado (este ltimo em regime
de PPP) - os quais tm impacto em hospitais com servios de Cirurgia Vascular. A deciso do grupo foi
considerar essas instituies como sector pblico, como alis so estatutariamente, embora o processo de
deciso administrativa e clnica possa ser diferente do restante sector pblico. Entendeu-se que algumas
propostas poderiam suscitar alguma controvrsia e a sua concretizao poder ser mais difcil para a
Administrao da Sade, pelo que se adotou uma filosofia coerente: recomendao adequadamente
fundamentada para a sua sustentao.
De facto, o objetivo prioritrio foi elaborar um documento que pudesse constituir referencial de informao
rigorosa, coerente na sua fundamentao e que consubstanciasse um conjunto de recomendaes sob a
forma de propostas para suporte da deciso final que competir sempre ao Ministrio da Sade (MS).
O mbito de interveno para a RRH foi definido superiormente: Portugal Continental pelo que no foram
analisados organizao, estrutura e atividade nos servios existentes nas Regies Autnomas.
O Grupo de Trabalho entende que os princpios, requisitos e modelo estruturante podero ser aplicados,
com as especificidades regionais, nos Aores e Madeira, pelo que devero continuar em vigor os Protocolos
de Referenciao atuais entre os servios dos Aores e da Madeira e os Centros Vasculares do Continente.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
17
2 MBITO DA ESPECIALIDADE HOSPITALAR
A Angiologia e Cirurgia Vascular a designao oficial da especialidade de Cirurgia Vascular e est
consagrada na nomenclatura da Ordem dos Mdicos e do Ministrio da Sade. Corresponde a uma
caracterstica fundamental do seu exerccio profissional em Portugal, como noutros pases da Europa e
noutros continentes: dimenso mdico-cirrgica e centralizao da ao clnica de diagnstico e tratamento
das doenas vasculares perifricas, no grupo profissional dos cirurgies vasculares.
A UEMS (Union Europnne des Mdecins Specialistes) reconheceu expressamente esta particularidade e
define a Cirurgia Vascular como disciplina clnica e acadmica dedicada ao diagnstico, tratamento e
preveno das doenas vasculares, com exceo da circulao intracraniana e coronria 1.
Esta definio mereceu consenso europeu generalizado e baliza o mbito da atuao dos cirurgies
vasculares. Tem impacto na organizao da prestao de servios nomeadamente no diagnstico no-
invasivo o qual constitui requisito contemplado em Portugal, como noutros pases, na educao e formao
na Especialidade e na exigncia curricular para a titulao.
A Cirurgia Vascular , pois, uma especialidade abrangente todo o sistema vascular com as duas excees
mencionadas tem um carcter multisegmentar, que requer conhecimento, experincia e expertise para
uma atuao global em mltiplos sectores anatmicos do organismo. Por isso, a Educao em Cirurgia
Vascular necessita de uma dimenso mdica e cirrgica e abrangncia tcnico-profissional que permita ao
especialista atuar com segurana nos diversos sectores do organismo.
Importa fazer uma curta reflexo sobre a histria da Cirurgia Vascular moderna que nos permita
compreender a sua evoluo e realidade presente e perceber vetores de evoluo previsvel num futuro
prximo.
O objetivo identificar marcos estruturantes do desenvolvimento da especialidade decisivos para a sua
afirmao como disciplina cirrgica autnoma, com mbito de interveno definido, requisitos educacionais
e funcionais para a formao dos seus especialistas e salvaguarda da segurana e eficcia da atuao
profissional.
2.1. O PASSADO E O PRESENTE
O desenvolvimento da Cirurgia Vascular como rea de interveno mdico-cirrgica autnoma foi
potenciado por uma nova semiologia especfica e prpria e pela introduo de meios de interveno direta
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
18
sobre o sistema vascular, permitindo a sua reparao anatmica e funcional. Porventura, ter sido a rea
da Medicina na qual a contribuio portuguesa foi mais decisiva e relevante.
De facto, a introduo da arteriografia cerebral por Egas Moniz, a sua generalizao ao sector aorto-ilaco
e dos membros inferiores com a aortografia translombar de Reynaldo dos Santos subsequentemente
generalizada a todo o sistema arterial com a tcnica de cateterismo arterial retrgrado desenvolvida na
Sucia por Seldinger, a descoberta da Flebografia in vivo por Joo Cid dos Santos em 1936 e da linfografia
por Hernni Monteiro, constituiu a contribuio cientfica mais relevante e duradoura da Medicina
Portuguesa e recebeu a designao de Escola Portuguesa de Angiografia.
um marco histrico que importa realar.
A endarterectomia descoberta por Joo Cid dos Santos e a cirurgia de derivao ou substituio arterial
bypass desenvolvida e estandardizada por M.E. DeBakey e a escola de Houston, foram pilares que
permitiram o extraordinrio desenvolvimento da cirurgia arterial reconstrutiva. Foram decisivos o melhor
conhecimento dos mecanismos fundamentais da gnese e progresso da doena arterial, o progresso de
disciplinas afins como a Fisiologia, permitindo a compreenso da hemodinmica cardiovascular, a
Anestesiologia e a Medicina Intensiva, possibilitando intervenes cada vez mais complexas e exigentes,
a Cardiologia, a Hematologia com a modulao dos fenmenos da coagulao intravascular, a Imagiologia,
possibilitando toda uma nova semiologia vascular e interveno teraputica e a Engenharia Biomdica com
o desenvolvimento de biomateriais indispensveis reparao das leses vasculares e/ou substituio
dos segmentos lesados.
A ultrassonografia Doppler iniciada na dcada de 60 e posteriormente associada ecografia bidimensional,
a tomografia computorizada e a ressonncia magntica nuclear, iniciaram uma nova dimenso para o
conhecimento da doena da parede vascular e da circulao, e consubstanciaram a nova semiologia
vascular nas dcadas de 80 e 90 do sculo XX. O progresso da Engenharia Biomdica, com a descoberta
de biomateriais inertes, durveis e bem tolerados pelo organismo, moldveis ao sistema vascular com as
suas angulaes e tortuosidades, a possibilidade de navegao intravascular com sistemas de baixo perfil
consubstanciou o que foi designado por Revoluo Endovascular - a qual veio a possibilitar aos
especialistas vasculares uma capacidade de interveno reparadora sobre o sistema vascular que mudou
a Especialidade desde a dcada de 90 do sculo XX e incio do sculo XXI.
Importa ainda referir a participao dominante da Cirurgia Vascular no tratamento conservador,
farmacolgico e de suporte elstico, nas doenas do sistema venoso e linftico e na cooperao com outras
especialidades, nomeadamente com a Nefrologia para a realizao de acessos vasculares hemodilise
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
19
teraputica, com a Cirurgia e suas diferentes especialidades no tratamento do Politrauma, com a Cirurgia
Cardiotorcica nas doenas complexas e extensas da aorta.
A Cirurgia Vascular afirmou-se como especialidade autnoma na dcada de 80, com a emergncia de
servios hospitalares dedicados especialidade a partir dos tradicionais servios de Cirurgia Geral, ou
nalguns casos especiais de Cirurgia Cardaca. Foi a dcada da sua afirmao cientfica com a fundao
na Europa de uma grande sociedade dedicada Cirurgia Vascular a European Society for Vascular
Surgery (ESVS) - segundo o modelo americano da Society for Vascular Surgery (SVS) criada na dcada
de 60. Correspondeu a um movimento de emancipao e afirmao da especialidade, consagrado
posteriormente pela UEMS (Union Europenne des Mdecins Specialistes) reunida em Lisboa em outubro
de 2005, com a criao da seco autnoma de Cirurgia Vascular no contexto de organizao mdica
europeia.
O mbito de atuao da especialidade foi claramente definido:
Doena arterial oclusiva e aneurismtica dos troncos supra-articos, membros e circulao
visceral, com exceo do corao e da circulao intracraniana
Sndromas isqumicos agudos, por embolia, traumatismo e trombose aguda intra-arterial, e
crnicos associados doena oclusiva degenerativa por aterosclerose e outras patologias
Doenas da Aorta com a exceo da aorta ascendente, com ou sem recurso a circulao
extracorporal adjuvante para o seu tratamento e que podem incluir os aneurismas do arco artico,
da aorta descendente, abdominal e toraco-abdominal, frequentemente em colaborao com a
cirurgia cardaca
Disseco da Aorta e de outras artrias
Doena dos troncos supra-articos no seu territrio extracraniano
Doena vascular na criana
Angetes e arteriopatias inflamatrias e/ou degenerativas no aterosclerticas
Traumatismos vasculares (arteriais e venosos) iatrognicos ou no contexto de Trauma
Sndromas de compresso arterial e/ou venosa
Displasias e Malformaes do Desenvolvimento Vascular
Doenas do Sistema Venoso:
Varizes e insuficincia Venosa Crnica
Tromboembolismo Venoso
Sndroma Ps-Trombtico
Doenas do Sistema Linftico dos Membros
Tumores Vasculares
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
20
Importa mencionar o impacto da Aterosclerose como causa das doenas arteriais, com a sua distribuio
multiorgnica e multisegmentar, facto que confere ao Angiologista/Cirurgio Vascular um papel
preponderante na Preveno e Tratamento das Doenas Cardiovasculares, as quais continuam a ser a
principal causa de mortalidade precoce evitvel e de incapacitao na populao portuguesa.
A epidemia de Diabetes e o incremento da sobrevivncia dos doentes renais crnicos em hemodilise, so
fatores potenciadores de um incremento da prevalncia e incidncia de intercorrncias vasculares que so
do mbito de interveno do Cirurgio Vascular, que associadas ao prolongamento da esperana de vida
na populao portuguesa, tornam previsvel o aumento significativo das necessidades de interveno
vascular. Os seus objetivos so claros: prevenir mortalidade evitvel, otimizar o tratamento reduzindo a
frequncia das complicaes incapacitantes da doena vascular como no AVC e na Isqumia Crtica com
o elevado nmero de amputaes major dos membros inferiores, identificado pelo Observatrio da
Diabetes2 e com impacto negativo na qualidade de vida dos doentes.
No captulo 3 deste documento - Epidemiologia das Doenas Vasculares Perifricas: situaes clnicas
mais frequentes - analisar-se-o essas patologias mais comuns, a sua prevalncia, impacto clnico,
repercusso social e econmica e no captulo 5 procurar-se- determinar as Necessidades em Cuidados
Teraputicos com base nos indicadores de atividade hospitalar disponveis e na prevalncia e incidncia
expectvel das doenas vasculares mais frequentes.
Desde 2004, data da elaborao do primeiro documento em vigor sobre Referenciao Hospitalar em
Cirurgia Vascular, houve uma evoluo notvel da interveno em Angiologia e Cirurgia Vascular com
impacto na prestao, disponibilizao e organizao dos servios clnicos que fundamental considerar
e que assenta em cinco pilares fundamentais:
I. Conhecimento da histria natural das doenas vasculares e evoluo do tratamento farmacolgico.
II. Desenvolvimento de nova tecnologia de imagem aplicada ao sistema vascular: Colour-Flow Duplex-
Scan, Ecografia de alta definio, Tomografia Computorizada TC e Angio-TC, Ressonncia
Magntica e Angio/RM, e Tomografia de Emisso de Positres Pet Scan a qual possibilita uma
imagem real dos processos biopatolgicos da doena.
III. Estandardizao dos procedimentos de cirurgia arterial reparadora e da cirurgia venosa.
IV. Revoluo Endovascular.
V. Emergncia de Centros Vasculares, como resposta necessidade de concentrar e rentabilizar
recursos multidisciplinares e instrumentais necessrios ao tratamento state of the art em Cirurgia
Vascular, com relevncia especial na doena complexa da aorta e nas malformaes vasculares.
Estes cinco pilares so fundamentais no binmio indissocivel que so a Educao Profissional e a
Organizao e Prestao de Servios de qualidade e de acordo com o conhecimento e praxis atuais.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
21
Devem balizar o Planeamento do sector pblico numa perspetiva de otimizao dos recursos humanos e
materiais indispensveis.
O paradigma de organizao da Especialidade mudou e h que agir e planear em conformidade.
As modernas Salas Hbridas que combinam imagiologia sofisticada com a assepsia de uma sala de cirurgia
convencional so o novo modelo de sala operatria indispensvel moderna Cirurgia Vascular, desde a
patologia degenerativa da aorta, ao tratamento das malformaes vasculares e da doena oclusiva extensa,
arterial e tambm venosa. A sua utilizao pode ser multidisciplinar, o que potencia a sua rentabilidade, e
os novos processos de aquisio de imagem permitem reduzir radiao e contribuir para a segurana
clnica, proteo dos doentes e dos profissionais.
Esta realidade impe uma viso nova na organizao pblica da disponibilizao e prestao clnica em
Cirurgia Vascular, que seja compatvel com eficcia e segurana dos doentes e dos profissionais, a
modernidade teraputica e a alocao de recursos financeiros e humanos que permitam a sua
concretizao e funcionamento.
2.2. O FUTURO
Num documento desta natureza apropriada uma reflexo breve sobre o Futuro a qual dever ser
necessariamente prudente pois a Histria da Cincia e da Medicina ensina-nos que o progresso cientfico
e a inovao tecnolgica no so lineares, mas ocorrem em saltos qualitativos, qunticos, por vezes,
totalmente imprevisveis.
A Cirurgia Vascular, melhor a Angiologia e Cirurgia Vascular, uma disciplina clnica, cirrgica e cientfica
e o seu desenvolvimento indissocivel da revoluo cientfica do tempo presente, marcada pela
Convergncia entre as Biocincias e a Bioengenharia.
Das Biocincias, Gentica, Biologia Molecular, Bioqumica, Fisiologia e Farmacologia dependemos para o
conhecimento dos fatores e mecanismos fundamentais, que conduzem doena vascular, e para a
compreenso do impacto dos fatores ambientais. Da Bioengenharia, provm o ritmo da inovao
tecnolgica do qual depende a nossa praxis.
O Cirurgio Vascular ir ser necessariamente um Especialista Vascular com competncias mais
abrangentes e diversificadas, lder de uma equipa multiprofissional no diagnstico e na interveno
teraputica.
As doenas vasculares nas prximas dcadas do sculo XXI continuaro a ser:
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
22
I. Causa importante de mortalidade e morbilidade potencialmente suscetvel de Preveno; a eficcia
da nossa atuao pode e deve ser objetivada pela implementao de uma cultura institucional de
avaliao e uso de indicadores estandardizados como DALYs e QALYs;
II. Marcador de risco de mortalidade e de reduo da qualidade de vida como o evidenciam vrios
estudos epidemiolgicos atuais particularmente face associao doena arterial com a diabetes,
insuficincia renal e hipertenso arterial;
III. Impacto clnico, social e econmico significativo, o que implica deciso lcida, corajosa e eficaz para
a proviso adequada de servios especializados.
Poder-se-o identificar alguns fatores determinantes que certamente tero impacto no futuro da
especialidade3 e que devem ser incorporados num documento desta natureza e relevncia:
I. Exerccio clnico de forte dimenso cientfica e cultura de avaliao rigorosa dos resultados
teraputicos e dos clinical outcomes;
II. Cooperao multidisciplinar centrada no doente e na patologia do sistema vascular. Significar que
a atuao vascular no poder confinar-se rea geogrfica hospitalar do servio tradicional, mas
integrar-se em mdulos de interveno multidisciplinar e intersectorial dedicados a problemas
clnicos graves e de elevada prevalncia como a Diabetes e suas complicaes como P Diabtico
ou nas situaes graves e complexas de doenas da aorta;
III. Capacidade de incorporao inteligente da inovao teraputica, nomeadamente atravs de
mecanismos rigorosos de accountability profissional e institucional;
IV. Necessidade de registos nacionais padronizados e estruturados da atividade em Angiologia e
Cirurgia Vascular;
V. Reduo da Cirurgia Vascular convencional (aberta) e predominncia dos procedimentos
endoluminais e outros com menor invasibilidade, facto com impacto decisivo na Educao e
Formao dos futuros cirurgies vasculares. Corresponder a um dos desafios mais difceis do
tempo presente: compatibilizar a formao cirrgica fundamental e basilar, com o impulso
endovascular que dominar previsivelmente a prxima dcada;
VI. Dimenso mdico-cirrgica da Especialidade, subespecializao dos profissionais com definio de
reas de interesse clnico tendo como objetivo concentrao de experincia e desenvolvimento de
expertise;
VII. Evoluo do conceito de Servio de Cirurgia Vascular para o conceito de Centro Vascular integrado
ou no em estrutura departamental, com especialidades afins de acordo com especificidade e
conjugao de saberes, onde devero convergir competncias possibilitando a utilizao mxima
de equipamentos de diagnstico e teraputica sofisticados e dedicados, como so exemplo as Salas
hbridas, a Imagiologia sofisticada (TC/RM), o Laboratrio Vascular, Reabilitao especfica etc.;
VIII. Incorporao de Bioengineering Skills na formao do cirurgio vascular;
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
23
IX. Reestruturao da educao mdica e cirrgica, geral e vascular, a qual deve ter uma filosofia
integradora e estar centralizada em instituies adequadamente equipadas;
X. Networking pessoal e institucional e internacionalizao.
A implementao de Centros Vasculares parece-nos uma necessidade, uma vantagem e um vetor de
mudana no futuro prximo. Constituir ncleo para a proviso de cuidados integrados e diferenciados,
possibilitar a sua centralizao numa perspetiva multidisciplinar (convergncia de competncias) e
multiprofissional, favorecendo expertise, impondo exerccio de accountability e constituindo um ncleo
(hub) para Educao, Investigao e Inovao.
Por outro lado ser indispensvel a criao de Parcerias com Unidades dos Cuidados de Sade Primrios
numa perspetiva de integrao e continuidade de cuidados em reas de interveno necessria dos
especialistas vasculares, nomeadamente na deteo precoce da doena vascular e modulao da sua
progresso, na diabetes e p diabtico e na doena venosa, conceito designado na lngua inglesa por
integrated management pathways .
Por isso, refletir sobre os potenciais vetores de mudana, de modo a preparar as instituies e os recursos
humanos para incorporar e promover inovao, desenvolvimento e qualidade tambm um exerccio
necessrio e fundamental.
A Promoo da Sade Vascular da Comunidade e o envolvimento ativo no planeamento, organizao e
proviso de servios vasculares populao so, tambm, atributos do Especialista Vascular e do dever
de cooperao e participao na responsabilidade pblica do exerccio de Planeamento. So essenciais
para uma programao racional que no dever s esgotar-se num horizonte temporal limitado, mas
promover alicerces para uma atuao eficaz, moderna, com capacidade de adaptao e incorporao de
inovao no mbito da interveno clinica do SNS nas Doenas Vasculares Perifricas.
2.3. REFERNCIAS
1. The Status of Vascular Surgery in Europe ed, C.Liapis and W. Paaske.
http://www.uemsvascular.com
2. Relatrio do Observatrio Nacional de Diabetes, 2014
http://www.uemsvascular.com/
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24
3. A evoluo da Cirurgia Vascular - Passado, Presente e Futuro, Jos Fernandes e Fernandes e
Lus Mendes Pedro, in Cirurgia Vascular em Portugal Conhecer para Melhorar, ed. Paulo Sousa
e Jos Fernandes e Fernandes, 2016
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
25
3 EPIDEMIOLOGIA DAS CONDIES CLNICAS MAIS FREQUENTES
As doenas do aparelho circulatrio so frequentemente integradas no contexto global das doenas
cardiovasculares e constituem a principal causa de mortalidade e incapacidade nos pases desenvolvidos.
Na Europa e em Portugal representam a causa de morte precoce mais frequente e potencialmente evitvel.
So, por esta razo, um desafio de Sade Pblica.
No mbito de interveno alargada da Angiologia e Cirurgia Vascular, pormenorizada no captulo anterior,
iremos apreciar nesta seco as situaes clnicas mais frequentes, melhor estudadas sob o ponto de vista
epidemiolgico incluindo a nossa realidade e que so indicadores importantes de atividade, necessrios
para um planeamento de recursos humanos e materiais tendo como objetivo o tratamento global das
doenas vasculares. Nesse sentido sero analisados com pormenor a doena oclusiva das artrias dos
membros inferiores, dos troncos supra-articos com especial relevo para a doena da bifurcao carotdea,
a doena aneurismtica particularmente da aorta abdominal e a doena venosa crnica, que representam
no seu conjunto 80 - 90% da atividade hospitalar em Angiologia e Cirurgia Vascular.
Apesar dos importantes progressos que se verificaram nas ltimas dcadas, traduzidos em ganhos
relevantes na reduo da mortalidade e morbilidade associadas, o peso (burden) destas doenas em
termos epidemiolgicos e econmicos constitui um componente relevante na disponibilizao de servios
de Sade populao. Por esse facto, continua a ser imperioso o seu estudo aprofundado e o seu
enquadramento como problema de sade pblica no sculo XXI.
Numa anlise feita recentemente1 ao peso que as principais doenas vasculares atrs referidas tm no
internamento de todos os hospitais do SNS, no perodo de 2009 a 2014, verificou-se que as mesmas foram
responsveis por cerca de 2,6% e 1,96% quando considerado apenas como diagnstico principal e de
5.02% e 5,75% quando se incluram os registos de diagnstico principal e secundrio respetivamente.
3.1. DOENA ARTERIAL PERIFRICA DOS MEMBROS INFERIORES
A doena arterial perifrica (DAP) caracteriza-se pela obstruo total ou parcial do lmen arterial a qual
determina reduo do dbito arterial e da irrigao dos tecidos.
A DAP manifesta-se atravs de sinais e sintomas caractersticos da isqumia cuja evoluo por estdios
clnicos diferenciados de gravidade progressiva. O sintoma mais comum da DAP dos membros inferiores
(MI) a claudicao intermitente que, se no for tratada, pode evoluir para dor crnica dos MI em repouso
e, eventualmente, proporcionar o aparecimento de lceras cutneas, gangrena estdio designado por
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
26
Isqumia Crtica - e culminar na necessidade de amputao do membro se no for efetuado procedimento
de revascularizao. A presena de doena arterial perifrica (DAP) independentemente da gravidade da
sua expresso clnica est associada a um risco elevado de mortalidade cardiovascular - um marcador
de risco cardiovascular acrescido. Indivduos com o diagnstico de DAP, com ou sem sintomas de isqumia
dos membros inferiores tm aproximadamente o triplo do risco de mortalidade e eventos cardiovasculares
major, em comparao com indivduos sem DAP, nomeadamente para a ocorrncia de enfarte agudo do
miocrdio (EAM), acidente vascular cerebral (AVC) ou de morte cardiovascular2. A componente obstrutiva
da doena causada pela aterosclerose e aterotrombose em 80% dos casos razo pela qual
frequentemente associada doena coronria e cerebrovascular, e, em menor nmero de casos,
nefropatia isqumica e insuficincia renal crnica. Vrios estudos epidemiolgicos apontam para uma
prevalncia da DAP de 3 a 10% na populao em geral e de 15 a 20% nos indivduos com idade superior
a 70 anos o que conduziu estimativa de que mais de 200 milhes de pessoas em todo o mundo podero
estar afetados pela DAP3,4,. Na primeira dcada do sculo XXI (2000 2010) o nmero de doentes
aumentou cerca de 25%, fenmeno que traduz um padro de crescimento da doena na populao global.
A prevalncia da DAP depende da populao estudada e dos critrios de diagnsticos utilizados. Usando
como critrio de diagnstico objetivo para a presena de doena arterial obstrutiva o valor do ndice de
tornozelo-brao (ITB)
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
27
revascularizao. A DAP dos MI a causa mais comum de amputaes no relacionadas com
traumatismos, em especial nos doentes diabticos.
Segundo um estudo promovido pela Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular (SPACV) no
ano de 20085, verificou-se que a prevalncia da DAP em Portugal era de 5,9% no Continente, 6,6% na RAA
e 3,8% na RAM e que estava associada a dois grandes fatores de risco modificveis: tabagismo e diabetes.
A presena de diabetes mellitus aumenta significativamente o risco de amputao major dos membros
inferiores (TASC, 2000)6 e o seu impacto na realidade portuguesa tem sido reconhecido pelo Observatrio
da Diabetes 7.
Deste modo, consideram-se indispensveis programas coordenados de interveno clnica entre os
Cuidados Primrios e Hospitalares para o seu diagnstico precoce e interveno teraputica mdica e/ou
cirrgica adequados e em tempo oportuno de modo a melhorar a evoluo clnica dos doentes, reduzir a
mortalidade cardiovascular, promover revascularizao necessria em tempo oportuno e diminuir o nmero
de amputaes major que continua elevado na realidade portuguesa.
De acordo com uma reviso sistemtica em relao aos fatores de risco e prevalncia da DAP entre 2000
e 2010, foi estimado um aumento de 23,5% do nmero de pessoas com DAP8, consequncia do aumento
da esperana mdia de vida e envelhecimento da populao, facto que ter impacto significativo no
incremento expectvel da prevalncia da DAP na populao portuguesa nas prximas dcadas e
consequente sobrecarga sobre os servios de Sade.
Segundo vrios autores, para alm do impacto sobre a sade relacionado com qualidade de vida do
paciente, a DAP tambm representa uma sobrecarga econmica importante. Relatrios anteriores do
estudo REACH9 acerca do burden econmico da aterosclerose e aterotrombose nos EUA e no Canad
revelaram elevado grau de morbilidade, mortalidade e custos associados significativos, facto tambm
reconhecido em Frana e na Alemanha, onde foi possvel confirmar o elevado custo associado com
hospitalizaes, intervenes de revascularizao e eventos cardiovasculares major. Com efeito nestes
dois pases europeus os custos por internamento no seguimento a dois anos foram de 1.492 e 1.742
para a doena cerebrovascular, de 1.746 e 1.784 para a doena coronria e de 3.182 e 2.724 para a
DAP.
Segundo alguns autores10, nos doentes com DAP sintomtica ocorre uma hospitalizao em cada perodo
de dois anos, sendo que a mdia total dos custos associados ao internamento e ao tratamento de doentes
em ambulatrio de cerca de $20.880.
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28
O custo elevado associado DAP, em comparao com a doena coronria e/ou cerebrovascular tambm
foi reconhecido nos EUA e o Canad. Em 2008, foi estimado em mais de 21 bilies de US$, relacionado
com as hospitalizaes de doentes sintomticos e nos assintomticos pelo risco aumentado de eventos
cardiovasculares com necessidade de internamento hospitalar.
No estudo j mencionado sobre a realidade atual da Cirurgia Vascular em Portugal, o nmero de
internamentos por DAP nos ltimos anos teve incremento progressivo at 2013 e com uma reduo em
2014, associada a eventual diminuio do nmero de doentes internados por claudicao intermitente
(Figura 1).
Fonte: in Sousa, P; Fernandes e Fernandes, J; et al 2016
Observa-se tambm um incremento nos internamentos por isquemia avanada acompanhada de
diminuio nos casos com gangrena.
Em relao s prximas dcadas com o progressivo envelhecimento da populao e a elevada prevalncia
dos fatores de risco associados aterosclerose, a DAP dos MI representar ainda um peso crescente nas
necessidades de Sade da populao portuguesa.
Na Figura 2 evidencia-se a mudana de paradigma no tratamento da doena arterial perifrica com
incremento significativo da cirurgia endovascular, mas persistncia da opo por cirurgia convencional em
especial nos estdios mais graves da doena arterial.
Fonte: in Sousa, P; Fernandes e Fernandes, J; et al 2016
Figura 2: Evoluo do tratamento cirrgico convencional e endovascular na DAP
Figura 1: Nmero de Internamentos por DAP e discriminao por estdio clnico
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
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3.2. DOENA ATEROSCLERTICA CAROTDEA E DOS TRONCOS SUPRA-ARTICOS
A doena oclusiva dos troncos supra-articos, particularmente da bifurcao da cartida primitiva, constitui
uma causa reconhecida de Acidente Vascular Cerebral estabelecido (AVC) e/ou transitrio (AIT).
O acidente vascular cerebral (AVC) definido como o desenvolvimento rpido de sintomas/sinais clnicos
de disfuno neurolgica central com durao superior a 24 horas, frequentemente associado a um
distrbio focal (ocasionalmente global) da funo cerebral afetando a linguagem, mobilidade e sensibilidade
dos membros e eventualmente da retina - perda sbita de viso unilateral - e que podem conduzir morte,
sem outra causa aparente, para alm da vascular. Trata-se de uma das maiores causas de mortalidade e
incapacidade nas sociedades desenvolvidas.
Os principais fatores de risco para evento cerebrovascular isqumico so os mesmos da aterosclerose e j
referidos na DAP: idade (depois dos 55 anos de idade o risco duplica), sexo masculino, hipertenso arterial
(o tratamento adequado da tenso arterial est associado a uma reduo do risco de AVC isqumico),
diabetes, tabagismo e histria familiar.
Em 2012 o AVC foi a principal causa de morte em Portugal, sendo responsvel pela morte de 12,8 mil
indivduos. Num estudo realizado por Moutinho et al11 que avaliou uma populao constituda por 241.000
utentes registados em Setembro de 2009 no ACES do Porto Ocidental e centros de sade de Vila Pouca
de Aguiar e Mirandela, foram identificados 600 episdios de AVC, dos quais 434 (72.3%) correspondendo
a uma incidncia de 2,50 por 1.000 pessoas/ano. Nos EUA cerca de 87% dos AVC so isqumicos sendo
a doena oclusiva carotdea extracraniana uma das suas causas principais. A sua prevalncia entre 2005
e 2008 foi de 3,0%, mas presume-se que a prevalncia de enfartes cerebrais clinicamente silenciosos,
neste perodo, ter sido substancialmente maior entre 6 a 28%. A preveno primria, atravs do controle
dos fatores de risco com especial relevo para a hipertenso arterial, importante uma vez que cerca de
70% dos AVCs documentados so inaugurais, no precedidos de isqumia cerebral transitria (AIT) ocular
e/ou hemisfrica. Num estudo de base populacional, em doentes entre os 60 e os 79 anos de idade, a
prevalncia de estenose da artria cartida interna (ACI) documentada por Ecodoppler foi de 10,5% nos
homens e 5,5,% nas mulheres12.
De acordo com os dois estudos randomizados ECST13 e NASCET14 e as Guidelines das sociedades
cientficas de Cirurgia Vascular europeia e norte-americana15,16 apenas as estenoses carotdeas
sintomticas (isto , associadas a sintomas neurolgicos e/ou retinianos apropriados) superiores a 70%
tm indicao para interveno cirrgica, preferencialmente, ou endovascular.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
30
A presena de doena da bifurcao carotdea no associada a sintomas doena assintomtica constitui
um marcador importante de risco cardiovascular global e a sua indicao cirrgica tem sido objeto de
controvrsia cientfica, pela reduo significativa do risco neurolgico associada ao tratamento mdico
adequado. No entanto, tem sido aceite internacionalmente que estenoses superiores a 80% ou 70% se
associadas a ocluso carotdea contralateral devero ter indicao cirrgica para preveno do AVC.
Segundo o estudo de Framingham Heart17, a incidncia de AVC parece estar a diminuir nas ltimas
dcadas, provavelmente consequncia do melhor controlo dos fatores de risco cardiovascular,
nomeadamente da hipertenso arterial. Os valores de incidncia por 100.000 habitantes foram de 7,6; 6,2
e 5,3 em homens, nos anos de 1950-1977, 1978-1989 e 1990-2004, respetivamente. Rothwell et al12,18
sugerem tambm que a incidncia de AVC diminuiu no Reino Unido cerca de 40% entre 1980 e 2002.
Uma elevada proporo de doentes que sobrevive a um AVC vai necessitar de servios de sade, sociais
e apoios familiares de modo a assegurar o tratamento necessrio e qualidade de vida. Ao nvel do
internamento hospitalar, no perodo de 2010 a 2015 foram internados nos hospitais do SNS em Portugal
cerca de 7.200 doentes com diagnstico principal de doena carotdea. Quando se incluram, em igual
perodo, as situaes com diagnstico principal e secundrio esse nmero aumentou para cerca de 31.095.
Em 2010, os custos diretos e indiretos subsequentes do acidente vascular cerebral rondaram os 73,7 bilies
de dlares nos EUA16. Num estudo de base populacional realizado no Reino Unido por Luengo-Fernandez
et al18, em que foram estudados 748 AVC e 440 acidentes vasculares transitrios (AIT), verificaram que
cinco anos aps o evento 47% dos doentes tinha falecido e mais de 1/3 dos sobreviventes apresentavam
algum grau de incapacidade. Tal significa que 70% dos doentes com AVC e 48% dos doentes com AIT ou
tinham falecido ou estavam com alguma grau de incapacidade ao fim dos cinco anos.
Deste modo, os esforos feitos para prevenir a ocorrncia de AVC, tanto de primeiros eventos como de
eventos recorrentes, tendem a gerar ganhos em sade, quer na perspetiva clnica, quer econmica.
O diagnstico precoce e a endarterectomia da cartida possibilitam uma interveno teraputica eficaz para
a preveno do AVC nos doentes portadores de leses de estenose severas (> 70%) associadas a
sintomas neurolgicos e/ou oculares apropriados e > 80-90% na ausncia de sintomas com ganhos de
Sade reconhecidos e diminuio global dos custos respetivos.
No estudo j mencionado sobre a realidade portuguesa os internamentos por doena carotdea nos
hospitais do SNS esto representados na Figura 3.
Figura 3: Internamentos por doena carotdea e doenas associadas
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
31
Fonte: in Sousa, P; Fernandes e Fernandes, J; et al 2016
Estes dados sugerem estabilizao no nmero de internamentos hospitalares indicaes mais rigorosas
para revascularizao? mas revelam a elevada frequncia de fatores de risco e doena cardiovascular
neste grupo de doentes.
Na Figura 4 demonstra-se que a cirurgia convencional mais frequente que a opo endovascular no
tratamento da estenose da bifurcao carotdea.
Fonte: in Sousa,
P; Fernandes e Fernandes, J; et
al 2016
As outras leses dos troncos supra-articos, tronco braquioceflico, cartidas primitivas e eixo subclvio-
vertebral so mais raras, frequentemente associadas a doenas arteriais inflamatrias, podem ser causa
de disfuno neurolgica central (AIT e/ou AVC) pelo que tm indicao para cirurgia de revascularizao
convencional ou endovascular. A sua prevalncia , no entanto, substancialmente menor que a doena da
bifurcao carotdea pelo que, embora integrando o mbito da atividade em Cirurgia Vascular, a sua relativa
raridade diminui a sua relevncia epidemiolgica e recomendar o seu tratamento em centros com maior
experincia.
Figura 4: Comparao entre cirurgia convencional e endovascular na estenose carotdea
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
32
3.3. DOENA ANEURISMTICA DA AORTA E DAS ARTRIAS PERIFRICAS
O aneurisma arterial define-se como dilatao focal de pelo menos 50% do dimetro normal da artria.
Localiza-se com maior frequncia na aorta abdominal (AAA), considerando-se como valor diagnstico
sempre que o dimetro da aorta seja igual ou superior a 3.0 cm. A doena aneurismtica e em especial o
AAA tm um importante peso nos cuidados de sade a nvel global.
Vrios fatores de risco esto associados ao desenvolvimento desta doena, nomeadamente, o sexo
masculino, idade avanada >65 anos, dislipidmia, tabagismo, doena pulmonar obstrutiva crnica
(DPOC), hipertenso arterial (HTA) e histria familiar. O tabagismo parece ser o nico fator de risco
modificvel provadamente associado ao desenvolvimento, progresso e rotura eventual do AAA.
Estudos com base em rastreio populacional proporcionaram informao importante sobre a prevalncia e
incidncia desta doena assim como a sua histria natural19. Os AAA afetam sobretudo a populao acima
dos 50 anos de idade, so cerca de duas a seis vezes mais frequentes nos homens do que nas mulheres
e cerca de duas a trs vezes mais comuns nos caucasianos do que em indivduos de raa negra e asiticos.
Nos homens, o AAA comea a surgir a partir dos 50 anos de idade, atingindo o seu pico de incidncia
aproximadamente nas 7. e 8. dcadas; nas mulheres, ocorre tendencialmente em pessoas mais velhas,
a sua incidncia parece variar na razo direta da idade e tendencialmente est associado com pior
prognstico.
De acordo com o resultado de rastreios realizados nos Estados Unidos da Amrica (EUA) e na Europa,
cerca de 5% dos homens com mais de 65 anos de idade tm um AAA silencioso. Em Portugal, a SPACV
realizou em 2012 um rastreio probabilstico, no sistemtico, do Aneurisma da Aorta Abdominal (AAA)
utilizando o exame de Ecografia abdominal mdulo B para o diagnstico. O referido projeto foi realizado
em todas as capitais de distrito de Portugal continental e ilhas. No total foram realizadas 18 aes de
rastreio e feitas cerca de 1822 ecografias abdominais. No balano destas iniciativas, destacou-se uma
prevalncia global de AAA na populao com mais de 60 anos de 2,2 %. Este valor subiu para os 3,94%
nos homens com mais de 65 anos. Este valor de prevalncia de cerca de 4% nos homens com mais de 65
anos comparvel verificada na populao europeia e indicia que esta patologia constitui tambm um
desafio relevante de Sade, particularmente nas sociedades em que se verifica maior esperana de vida e
persistncia de alguns fatores de risco como o tabagismo.
A doena aneurismtica pode aparecer associada DAP, frequentemente multisegmentar, facto que
parece determinar maior nmero de hospitalizaes por eventos aterotrombticos, com maior necessidade
de procedimentos de revascularizao associada como angioplastia coronria, cirurgia carotdea, bypass
perifrico9.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
33
Nos EUA tem-se verificado um aumento significativo da incidncia de AAA assintomticos, nas ltimas
duas dcadas, em parte devido ao aumento da deteo de casos como resultado do maior uso da
ultrassonografia e de outros exames de imagiologia, assim como planos de rastreio. A rotura de aneurisma
da aorta abdominal corresponde 15 causa de morte, na populao em geral, e 10. causa de morte
nos homens com mais de 65 anos. Na populao com mais de 65 anos de idade a taxa de mortalidade
associada rotura do aneurisma da aorta (AAAr) nos EUA, entre 1999 e 2009, foi de 5,6 por 100.000
habitantes sendo significativamente mais elevada nos homens (9,0/100.000) e menor nas mulheres
(3,2/100.000)21. Apenas metade dos indivduos com rotura de AAA sobrevive at chegada a centro
hospitalar diferenciado. O tratamento cirrgico por via convencional (cirurgia aberta) tem mortalidade que
varia entre 30 e 50% segundo as sries mais modernas, mas a generalizao das tcnicas endovasculares
parece estar associada a reduo da mortalidade hospitalar e das complicaes ps-operatrias22.
A mortalidade global dos AAA tem vindo a diminuir nos ltimos 15 anos, nomeadamente pela deteo
precoce e tratamento eletivo com reduo significativa da incidncia de rotura como foi evidenciada em
estudo recentemente divulgado e realizado na Sucia (Bjork et al, 2016)23. A implementao de programas
de rastreio nos grupos populacionais de maior risco homens com idade >65 anos - poder contribuir de
forma decisiva para a reduo das mortes por rotura de aneurisma da aorta, possibilitando o seu tratamento
eletivo.
O AAA , pois, uma patologia frequente, importante causa de mortalidade em vrios pases do mundo e
tambm em Portugal, e no obstante a necessidade de dados mais fiveis sobre a sua incidncia na
populao portuguesa, constitui uma percentagem aprecivel das necessidades em Cirurgia Vascular no
nosso pas.
Os dados nacionais obtidos referentes a internamento hospitalar de doentes com AAA so evidenciados
na Figura 5.
Fonte: in Sousa, P; Fernandes e Fernandes, J; et al 2016).
Figura 5: Internamentos por doena aneurismtica da aorta e doenas associadas
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
34
Na Figura 6 demonstra-se um aspeto importante da realidade portuguesa no tratamento do aneurisma da
aorta caracterizada pela maior frequncia de cirurgia endovascular em relao ao tratamento convencional,
particularmente nas situaes eletivas.
Fonte: in Sousa, P;
Fernandes e Fernandes, J; et al 2016)
A implementao de um programa de rastreio nacional nos homens de idade> 65 anos uma necessidade
e dever ser concretizada mediante um programa de interveno em colaborao com os Cuidados
Primrios de Sade. A evidncia cientfica atual sugere tambm que a soluo endovascular ter menor
mortalidade e menos complicaes que a cirurgia convencional, pelo que h uma tendncia internacional
para a sua utilizao mais frequente na rotura do AAA.
Os aneurismas perifricos so mais raros e destes o mais comum o aneurisma popliteu. frequentemente
bilateral (50% dos doentes), em 30% dos casos poder estar associado a AAA, a sua incidncia de
8,3/1.000.000 habitantes. causa de complicaes isqumicas graves com risco potencial de amputao
major se no for tratado em tempo oportuno, de sintomas por compresso venosa e/ou nervosa, e mais
raramente, por rotura. A sua taxa de complicaes est estimada em cerca de 7,5% / ano, pelo que so
necessrias o diagnstico precoce e a interveno teraputica oportuna. Constitui uma realidade clnica
relativamente frequente nos servios vasculares com urgncia permanente, pois ainda so diagnosticados
com alguma frequncia em fase de complicaes agudas, isqumicas ou rotura. Os restantes aneurismas
perifricos, subclvia, femoral e das artrias viscerais so entidades raras as quais devem ser
preferencialmente tratadas nos centros com maior volume cirrgico.
Figura 6: Comparao da frequncia cirurgia convencional vs endovascular no aneurisma da aorta
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
35
3.4. DOENA VENOSA CRNICA
A doena venosa crnica (DVC) dos membros inferiores uma das doenas mais comuns na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos da Amrica. Os dados referentes a pases em desenvolvimento so muito
escassos e a verdadeira magnitude do problema no conhecida. Infelizmente, mesmo nos pases
desenvolvidos, onde o problema parece estar bem caraterizado, a sua prevalncia ainda subestimada
pelos doentes, profissionais de sade e sociedade em geral. No entanto, o impacte da DVC na qualidade
de vida dos doentes (QoL) e em termos econmicos, particularmente nos pases desenvolvidos,
considervel.
Os primeiros estudos epidemiolgicos nos pases ocidentais demonstraram que a DVC teria um impacte
socioeconmico considervel devido sua elevada prevalncia, aos custos associados ao diagnstico e
tratamento e, no menos importante, ao absentismo profissional.
As varizes esto presentes em 25% a 33% dos adultos do sexo feminino e 10% a 40% do sexo masculino.
No estudo de Framingham17, a incidncia anual de varizes foi de 2,6% nas mulheres e 1,9% nos homens.
Foram descritos valores de incidncia semelhantes no Bonn vein study 224, em que 4% dos doentes com
DVC estabelecida evolua para uma classe superior de CEAP (Classificao Clinica-Anatmica-Etiolgica-
Patofisiolgica da DVC) a cada ano. Resultados semelhantes foram encontrados em mulheres, uma
prevalncia de 20% na idade de 30 a 40 anos que aumenta gradualmente para valores superiores a 50%
na faixa etria dos 70 anos. Vrios estudos vieram demonstrar que a prevalncia da doena venosa crnica
aumenta com a idade. A prevalncia de varizes em homens com idades entre 30 a 40 anos de cerca de
3%, enquanto na faixa etria acima de 70 anos pode registar valores prximos de 40%.
No San Valentino Vascular Screening Project25 foi registada uma prevalncia de 7% para varizes e 0,86%
para insuficincia venosa crnica (IVC) sintomtica, nomeadamente lceras venosas crnicas, entre os 30
000 indivduos avaliados clinicamente e por Ecodoppler. Tal como em estudos anteriores, a IVC foi mais
comum em idades mais avanadas, mas no houve diferenas significativas entre sexos. Estimou-se que
2,5 milhes de pessoas nos Estados Unidos da Amrica tm IVC, e desses, 20% desenvolvem lceras
venosas.
Os dados do sistema de segurana social brasileiro mostraram que a DVC foi a 14. doena mais
frequentemente associada ao absentismo temporrio ao trabalho e a 32. causa de incapacidade
permanente e apoio subsidirio26. Em estudos recentes realizados na Frana, Alemanha e Polnia, a
classificao CEAP foi utilizada para diferenciar entre as classes de DVC, ainda que tenham sido usados
critrios de seleo diferentes.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
36
O impacte socioeconmico da DVC devido ao enorme nmero de indivduos afetados, aos custos com
diagnstico e tratamento, morbilidade e sofrimento associados, que se refletem na deteriorao da
qualidade de vida e perda de dias de trabalho. Nos EUA, a lcera venosa provoca a perda de 2 milhes de
dias de trabalho por ano. Outro estudo em Frana revelou que cerca de 7% da populao ativa est fora
do trabalho por causa da doena venosa (CEAP: C1-C6), com uma estimativa global de 4 milhes de dias
de trabalho perdidos por ano e um custo estimado de 320 milhes27. O problema ainda potenciado por
se tratar de uma doena progressiva e recorrente.
Os custos diretos esto associados ao diagnstico e tratamento no hospital e/ou em ambulatrio. Os custos
indiretos referem-se, maioritariamente, a perda de dias de trabalho e decorrentes da diminuio da
qualidade de vida destes doentes (QoL).
As estimativas dos custos anuais totais de DVC variam entre 600 a 900 milhes de euros nos pases da
Europa Ocidental (representando cerca de 1-2% do oramento total de sade) 26,27. Nos EUA calcula-se
que esse valor atinja os 2,5 mil milhes de US Dlares28.
A anlise dos dados detalhados em Frana em estudos realizados na dcada de 90, permitiu estimar uma
despesa total com a DVC de 2,24 mil milhes de euros, estando 41% relacionados com a medicao; 34%
com cuidados hospitalares e; 13% com honorrios mdicos. Foi registado um total de 200.000
hospitalizaes por DVC durante esse ano, das quais 50% foram por varizes, constituindo a 8. causa mais
comum de hospitalizao. Estes custos representaram 2,6% do oramento total da sade desse ano29.
A prevalncia de edema e alteraes cutneas, tais como hiperpigmentao e eczema, devido a DVC, varia
entre 3% a 11% da populao. Quanto s lceras venosas, alguns estudos referem uma ocorrncia em
cerca de 0,3% nos adultos, em pases ocidentais. A prevalncia de lceras ativas e cicatrizadas
combinadas de cerca de 1%. A cicatrizao pode ser mais demorada nos doentes de classe social mais
baixa e nos indivduos solteiros. Mais de 50% das lceras venosas necessitam de tratamento por um
perodo superior a um ano.
Um outro estudo prospetivo, permitiu concluir que, do total de custos relacionados com o tratamento das
lceras venosas, 48% deveram-se aos cuidados prestados em ambulatrio, 33% com medicao, 16%
com hospitalizaes e 3% com a perda de dias de trabalho31.
O impacte socioeconmico da lcera venosa significativo, resultante da diminuio da capacidade de
participar em atividades sociais e ocupacionais, reduo na QoL dos doentes, e imposio de restries
financeiras. Num estudo populacional no Reino Unido, a durao mdia para cicatrizao das lceras foi
de nove meses, sendo que 20% das lceras no tinham cicatrizado num perodo de dois anos e a sua
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
37
elevada recorrncia fez com que 66% dos doentes tivessem episdios de ulcerao com durao superior
a cinco anos32. Os dados publicados mostram que a lcera venosa pode provocar a reforma antecipada de
uma parte substancial dos trabalhadores nestas condies, podendo atingir cerca de 12,5%30.
Custos igualmente elevados foram relatados na Alemanha, onde os gastos aumentaram em 103% entre
1980 e 1990 atingindo cerca de 1 bilio de - custos com internamento de 250 milhes; custos em
ambulatrio de 234 milhes e custos com medicao de 207 milhes . Custos similares foram
observados em 2002, com uma diminuio de 20% em 2006 devido reduo de 37% dos custos com
internamento, em grande medida devido ambulatorizao dos cuidados. Na Sucia, o custo mdio mensal
do tratamento das lceras venosas em 2002 foi de 101 , com um custo anual estimado de 73 milhes 27.
Um estudo prospetivo realizado em 23 centros alemes especializados no tratamento de feridas envolveu
um total de 218 doentes (62,1% do sexo feminino). O custo mdio total por ano foi 9.569 [8.658 (92%)
de custos diretos e 911 (8%) de custos indiretos], maioritariamente devido a internamentos, taxas de
cuidados de enfermagem em ambulatrio e tratamentos no farmacolgicos33.
Os medicamentos flebotrpicos prescritos representam tambm um custo considervel, estimando-se
valores de 63,2 milhes em Espanha; 25 milhes na Blgica e 457 milhes de na Frana. Duas anlises
semelhantes realizadas na Alemanha e na Frana mostraram que quase 50% da populao com idade
superior aos 15 anos referiam problemas venosos e destes, 90,3% compraram um medicamento
venotnico34,35
Em Portugal, cerca de 8% dos doentes reformam-se antecipadamente devido DVC. Este facto ainda
mais preocupante, na medida em que a DVC est presente em cerca de 1/3 da populao. Cerca de sete
em cada 10 mulheres com mais de 30 anos sofre de problemas de circulao venosa e metade no est
tratada. Os dados apontam para dois milhes de portuguesas com mais de 30 anos que sofrem desta
doena. Os custos diretos esto associados ao diagnstico e tratamento no hospital e/ou em ambulatrio.
Os custos indiretos referem-se, maioritariamente, a perda de dias de trabalho e decorrentes da diminuio
da qualidade de vida destes doentes (QoL).
Existe uma relao direta entre a prevalncia destas doenas e a idade, frequente a sua associao a
fatores de risco como a diabetes, obesidade, tabagismo, hipertenso e dislipidmia, factos que permitem
perspetivar relevncia epidemiolgica significativa em Portugal, com custos sociais e econmicos
progressivamente maiores no futuro prximo.
RRH ANGIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR
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A DVC constitui um peso muito relevante nas necessidades de Cirurgia Vascular na populao portuguesa
e cuja resposta manifestamente insuficiente. No sendo uma Patologia de importncia vital tem relevncia
na qualidade de vida, absentismo e risco de ulcerao crnica dos membros inferiores.
Na Figura 7 evidencia-se a reduo significativa do nmero de internamentos por insuficincia venosa
crnica Varizes dos M.Inf. correspondendo a uma poltica de ambulatorizao dos cuidados cirrgicos
e a distribuio etria da populao afetada.
Fonte: in Sousa, P; Fernandes e Fernandes, J; et al 2016)
O desenvolvimento e eficcia de novas tecnologias teraputicas endoluminais, uma poltica consequente
de ambulatorizao dos cuidados cirrgicos e a implementao de programas conjuntos com os Cuidados
de Sade Primrios podero representar uma melhoria significativa nos cuidados prestados populao
portuguesa no mbito do SNS.
Entre as restantes situaes clnicas que constituem o mbito da atividade de Cirurgia Vascular e que foram
j previamente mencionadas noutra seco, merecem uma relevncia especial os Traumatismos
Vasculares e a Cirurgia dos Acessos Vasculares Hemodilise, quer pela sua gravidade, risco vital e de
incapacidade, necessidade de cooperao multidisciplinar no mbito dos necessrios Centros de Trauma,
como pelo impacto na realidade portuguesa consequncia da elevada prevalncia de doena renal crnica
a necessitar hemodilise e o contributo indispensvel da Cirurgia Vascular no tratamento destes doentes.
A apreciao epidemiolgica no mbito dos traumatismos relativamente desconhecida na realidade
portuguesa, no obstante alguns estudos de reviso sobre experincias institucionais publicados e/ou
objeto de comunicao em fruns cientficos.
A participao de equipas de Cirurgia Vascular diferenciada fundamental nos servios de Urgncia que
respondem ao Trauma, mas consideramos essencial a definio programtica e estruturao de grandes
Figura 7: Nmero de Internamentos por Doena Venosa e distribuio etria da populao afetada
RRH AN