livro14-Elisabeth Brisola

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    O USO DO COMPUTADOR2

    ORGANIZAO, PRODUO, ARTE

    Estao Palavra

    Presidente da Repblica Federativa do Brasil

    FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

    Ministro da Educao

    PAULO RENATO SOUZA

    Secretrio-Executivo

    LUCIANO OLIVA PATRCIO

    Secretrio de Educao a Distncia

    PEDRO PAULO POPPOVIC

    [email protected]

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    SUMRIO

    MARIA ELISABETTE BRISOLABRITO PRADOPesquisadora do Ncleo de Informtica Aplicada Educao da

    Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Educao na reade Psicologia Educacional da Faculdade de Educao da Unicamp.

    Doutoranda em Educao no Programa de Educao: Currculona Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    [email protected]

    O uso do computador naformao do professor

    Um enfoque reflexivo da prtica pedaggica

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    Informtica para a mudana

    na Educao

    Atarefa de melhorar nosso sistema educacional, dinmico e complexo, exige atuao em ml-tiplas dimenses e decises fundamentadas, seguras e criativas. De um lado, h melhorias insti-tucionais, que atingem instalaes fsicas e recursos materiais e humanos, tornando as escolase organizaes educacionais mais adequadas para o desempenho dos papis que lhes cabem. De outro,h melhorias nas condies de atendimento s novas geraes, traduzidas por adequao nos currculose nos recursos para seu desenvolvimento, num nvel tal que provoquem ganhos substanciais na

    aprendizagem dos estudantes. O MEC tem priorizado, ao formular polticas para a educao, aquelasque agregam s melhorias institucionais o incremento na qualidade da formao do aluno. Este ocaso do Programa Nacional de Informtica na Educao ProInfo.

    O ProInfo um grande esforo desenvolvido pelo MEC, por meio da Secretaria de Educao aDistncia, em parceria com governos estaduais e municipais, destinado a introduzir as tecnologiasde informtica e telecomunicaes telemtica na escola pblica. Este Programa representaum marco de acesso s modernas tecnologias: em sua primeira etapa, instalar 105 milmicrocomputadores em escolas e Ncleos de Tecnologia Educacional NTE, que so centros deexcelncia em capacitao de professores e tcnicos, alm de pontos de suporte tcnico-pedaggicoa escolas.

    A formao de professores, particularmente em servio e continuada, tem sido uma das maiorespreocupaes da Secretaria de Educao a Distncia, em trs de seus principais programas, oProInfo, a TV Escola e o PROFORMAO.

    Os produtos desta coleo destinam-se a ajudar os educadores a se apropriarem das novastecnologias, tornando-os, assim, preparados para ajudarem aos estudantes a participar detransformaes sociais que levem os seres humanos a uma vida de desenvolvimento auto-sustentvel, fundada no uso tico dos avanos tecnolgicos da humanidade.

    Pedro Paulo PoppovicSecretrio de Educao a Distncia

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    Sumrio

    Introduo

    Primeira parte - Contextualizao do estudo14 Formao do professor

    25 Informtica na Educao

    Segunda parte - Narrativa e anlise local: o cenrio do estudo39 Desafiando a programao

    42 Integrando domnios

    45 A trade de aprendizagem50 O conflito emergente

    57 Refletindo a prtica pedaggica

    68 Do caos para uma nova compreenso

    Terceira parte - Anlise global82 A recorrncia do ciclo de aprendizagem

    84 O projeto: um compromisso pessoal e institucional

    86 A trade: alavanca do processo reflexivo da prtica pedaggica

    Delineando a trade para uma formao de professor construcionista

    Referncias bibliogrficas

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    IntroduoEste livro uma reflexo sobre o processo de implementao do uso do computador no contexto deformao de professor. Os aspectos envolvidos nessa experincia me pareciam desafiantes e inovadores.

    At ento, estudos sobre o uso do computador, mais especificamente da linguagem Logo no contextoda escola pblica brasileira, eram escassos, principalmente quando se tratava de cursos de formaodo professor.

    Particularmente, o curso de Magistrio vem apresentando uma problemtica que precisa serelucidada. Vrios autores, como Giroux (1988), Castro (1981), Mello (1987), Silva (1993), Demo(1993), entre outros, discutem a qualidade desse curso e o apontam como uma das modalidades maisdeficientes do ensino1. Ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais reconhecida a importncia do traba-lho pedaggico, sobretudo do professor das sries iniciais, no desenvolvimento intelectual da criana.

    Isso acaba criando um impasse:a deficincia da formao versus o compromisso da atuao doprofessor. uma situao que precisa urgentemente ser repensada.Por isso, a idia de utilizar a linguagem de programao Logo no contexto do curso de Magistrio

    tornava-se mais instigante. Qual seria o seu efeito no processo de formao do professor? Como umanova ferramenta pedaggica e um modo de pensar e fazer a Educao de forma to diferente da Escolaseria vista e assimilada pelos alunos e professores? Minha preocupao no era a busca de evidnciaspara comprovar uma hiptese claramente definidaa priori. Mas estava, sim, na compreenso dasimplicaes educacionais envolvidas no decorrer da experincia.

    Eu tinha referncias pessoais. Durante o processo de aprendizagem da linguagem de programa-o, tive oportunidade de refletir sobre o meu prprio processo de aprender. E isso passou a fazer partede minha vida profissional e acadmica. Quando comecei a trabalhar com a linguagem Logo, emcursos de 1o e 2o graus, em escolas especiais e em cursos de capacitao e especializao de professoresna rea de Informtica na Educao, a todo instante podia reconhecer o potencial da atividade deprogramao na aprendizagem. Eu podia ver o envolvimento do sujeito ao aprender, ao criar idias erefletir sobre elas. Partilhava isso tudo com o aluno e sentia sua satisfao ao rever e explicitar o seuprocesso de criao, a sua caminhada intelectual.

    As caractersticas que o ambiente de aprendizagem, baseado nos princpios construcionistas dePapert, propiciam em relao aprendizagem significativa, contextualizada, em que o sujeito apren-de colocando a mo na massa e com a mente envolvida, levavam-me a compreender o seu efeitodentro de um curso de formao de professores. Ser que, vivenciando os aspectos de uma nova formade aprender, poderia despertar o desejo de repensar as concepes de ensino e aprendizagem? Existe

    quase um consenso entre educadores e educandos quanto necessidade de mudar o sistema educacio-nal vigente. O descompasso que existe entre as caractersticas do novo modelo emergente do sculoXXI e as caractersticas da escola baseada no sculo XIX torna-se cada vez mais visvel. Nesse novoparadigma, o dinamismo e a rapidez da informao demandam uma nova forma de pensar a apren-dizagem e o conhecimento.

    Quando se reflete sobre o sistema educacional para a nova era, impossvel ignorar o uso datecnologia. E, certamente, as intenes podem ser as melhores, quando se pensa em modernizar aescola por meio da aquisio de equipamentos tecnolgicos, como os computadores. Entretanto, isso

    1 Cabe ressaltar que existemexcees, como a propostainovadora do CentroEspecfico de Formao eAperfeioamento doMagistrio (CEFAM), queenfatiza a qualidade daformao do professor donvel de 2 grau pelo sistemapblico de ensino.

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    no suficiente para modificar o sistema de ensino, tendo em vista as necessidades atuais da sociedade.Utilizar o computador, baseando-se nos princpios educacionais vigentes que enfatizam a eficin-

    cia das tcnicas e dos mtodos de ensino, visando memorizao e reproduo de conceitos, fatos eresolues, pode apenas dar a iluso de que a escola est em processo de transformao. A implementao

    do uso do computador na abordagem educacional construcionista mais complexa porque implica orepensar sobre o processo de aprender e de ensinar.

    Nessa perspectiva, o papel do professor fundamental, pois na sua ao que as idias, os princ-pios construcionistas se materializam. Portanto, preciso investir na formao do professor, propici-ando o desenvolvimento de sua capacidade crtica, reflexiva e criativa. Dessa forma, no basta o pro-fessor aprender a operacionalizar o computador, isto , saber ligar e colocar um software para o alunousar. O professor precisa vivenciar e compreender as implicaes educacionais envolvidas nas diferen-tes formas de utilizar o computador, a fim de poder propiciar um ambiente de aprendizagem criativoe reflexivo para o aluno.

    por essa razo que a Informtica deve estar integrada aos cursos de formao de professores, a

    fim de que os futuros educadores possam construir, na prtica, esse novo referencial pedaggico. Saberintegrar, conscientemente, o uso do computador na prtica pedaggica significa transform-la e torn-la transformadora do processo de ensino e aprendizagem.

    O presente estudo mostra, por meio de uma narrativa, que o uso da linguagem de programaoLogo no curso de Magistrio extrapola os aspectos computacionais, em termos de propiciar odesencadeamento reflexivo da prtica pedaggica. No entanto, a partir da atividade de programaoque emergem vrias situaes de conflitos cognitivos, as quais provocam o aluno em formao arefletir sobre o processo de ensino e aprendizagem.

    No desenvolvimento dessa experincia que pode ser entendida como um projeto sendo construdona ao , foi criada uma dinmica prpria, que expressa a coexistncia de duas abordagens educacio-nais distintas. Uma abordagem construcionista, baseada na viso de Papert, que se desenvolve a partirda atividade de programao, e a outra, baseada na viso reprodutora de ensino e aprendizagem, queresgata o modelo de estgio dos cursos de formao de professores.

    O efeito da coexistncia de duas abordagens definiu a trade de aprendizagem AprendeEnsinaObserva, que pautada na atividade de programao. Nessa trade, a aluna em formao vivenciauma nova experincia hbrida, isto , uma experincia mesclada por concepes e prticas educacio-nais inovadoras e tradicionais, desempenhando trs papis distintos: aprendiz da linguagem de pro-gramao Logo, professora que ensina Logo a crianas e observadora da aluna-professora que ensinaLogo para crianas.

    Como aprendiz da linguagem de programao, a aluna vivencia uma nova situao de aprendiza-gem, por meio de um processo cclico constitudo peladescrioreflexodepurao, que se estabe-

    lece na interao (sujeito versus computador) durante a atividade de programao (Valente,1993).No processo de programar, a aluna aprende, aplicando e integrando os diversos conceitos, desenvol-vendo suas prprias estratgias e, essencialmente, pensando e compreendendo o seu prprio processode aprendizagem.

    O importante que o ciclo reflexivo da atividade de programaodescrioreflexodepura-o pode ocorrer em outros nveis de interao, a exemplo de quando o professor atua no processointerativo do sujeito com o computador(professor versus (sujeito X computador)). Nessa situao,o ciclo se estabelece em relao ao pedaggica do professor.

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    A elaborao desse plano implica rever, analisar e compreender uma experincia vivenciada. Noprocesso de projetar, ou seja, de elaborar um plano de projeto, que o conhecimento construdo naprtica pode ser sistematizado e compreendido. Mas, lamentavelmente, por questes alheias s nossas(das professoras e minha) vontades, isso no aconteceu na experincia. A elaborao do projeto ficou

    na inteno.No entanto, o fato comeou a me incomodar. Senti certa frustrao diante da situao. Por qu?

    Por um lado, a minha anlise mostra que o uso de Logo, nesse contexto, caracteriza um ambiente deaprendizagem extremamente importante para o desenvolvimento cognitivo dos futuros professores. um ambiente que propicia a formao reflexiva do professor. Por outro lado, vejo que todo o conheci-mento aprendido na prtica pode perder-se no momento em que o projeto eventualmente interrom-pido na ao.

    Minha preocupao, aliada compreenso sobre aquilo que narrei e analisei ao longo de seis anosno projeto, me permitem redimensionar minhas intenes iniciais. Alm de buscar compreender asimplicaes educacionais envolvidas no processo de implementao do uso do computador no contex-

    to de formao do professor, proponho-me a fazer um delineamento da trade de aprendizagem, tendoem vista a formao construcionista.Na verdade, o redimensionamento dos objetivos revela que o ciclo reflexivo de aprendizagem tor-

    nou-se recorrente no processo de pesquisar, estudar e elaborar este livro.

    Organizao do livroEste livro est organizado em trs partes, que descrevo abaixo, destacando de forma sucinta algu-

    mas idias que so abordadas em cada uma delas:

    Primeira Parte Contextualizao do Estudo

    Analiso e discuto a problemtica da formao do professor diante da emergncia de um novoparadigma. Na sociedade do sculo XXI, a Informtica na Educao vai tornar-se uma reali-dade. Mas fundamental ultrapassar a viso da modernizao, por meio do entendimento desuas implicaes educacionais.

    Segunda Parte Narrativa e Anlise Local

    Apresento, em forma de narrativa, o processo de implementao da linguagem de programa-o Logo no curso de Magistrio. Descrevo, questiono e analiso todo o processo ao longo de seisanos, enfatizando o desenvolvimento reflexivo da prtica pedaggica das alunas em formao.

    Terceira Parte Anlise Global

    Apresento aqui uma metareflexo sobre o processo de implementao do uso do computadorno contexto da formao do professor. Abordo trs temas que destacam a recorrncia do cicloreflexivo em vrios nveis de interao que se estabelecem nas atividades da trade. A compre-enso dessa experincia permite-me fazer um delineamento da trade, tendo em vista a forma-o construcionista do professor.

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    Contextualizao do estudo

    A primeira parte do livro destaca e analisa os vrios aspectos envolvidos no estudo, abordando dois temas:

    Formao do Professor Informtica na Educao

    Aquesto da formao do professor uma preocupao de muitos educadores, j que seu efeitotorna-se hoje cada vez mais visvel. O professor um agente multiplicador do processo educativo.Portanto, como os alunos podero ser bem formados, se os prprios professores no esto sen-do? um crculo vicioso. Esse problema tambm se evidencia devido ao aumento do descompassoentre a formao que a escola oferece e as necessidades reais de uma nova sociedade.

    A sociedade emergente nesta virada de sculo, segundo Toffler (1990), caracterizada como asociedade do conhecimento, na qual as informaes e as inovaes seroprocessadas muito rapidamente. Para viver em tal sociedade, necessrioformar pessoas flexveis, crticas, criativas, com capacidade de aprender aaprender, de trabalhar em grupo, de ser cooperativas e conhecedoras deseu potencial cognitivo e afetivo. Enfim, pessoas atentas e sensveis s trans-formaes da sociedade e capazes de estar sempre aprendendo e revendosuas idias e aes.

    A Informtica na Educao uma realidade condizente com o momen-to atual. Portanto, precisa deixar de ser tratada superficialmente por educa-dores que rejeitam, s vezes de forma acrtica, o computador na escola.

    ...os educadores no sabem o que tecnologia, no sabem o que umafilosofia tecnolgica....ns educadores, estamos muito afastados desse uni-verso, no por culpa nossa, mas por culpa de toda uma estrutura de forma-o que temos vivido. Quando precisamos discutir a relao entre educaoe trabalho, ficamos discutindo abstraes, porque no sabemos exatamente

    o que esse mundo do trabalho, da tcnica e da tecnologia. (Gatti,1992:156)Por esse motivo, a discusso sobre a Informtica na Educao no deve restringir-se questo da

    utilizao ou no do computador. Os educadores devem e precisam conhecer as peculiaridades, asaplicaes e as implicaes pedaggicas sobre o uso do computador na Educao, para que os fatos dopassado, em termos de inovaes educacionais, no se repitam.

    ...ou entramos nesse processo de busca, de investigao, de aprendizado do novo, ou esperamospara que sejamos ensinados o j ento no novo, ou ento adaptados ao papel de subordinado e deopressor, como foram as velhas tecnologias do perodo colonial e da implementao de uma industri-alizao subserviente provocando as grandes distores hoje sentidas. (D Ambrsio, 1994:22)

    Portanto, o entendimento dos aspectos educacionais envolvidos na utilizao do computador devealertar os educadores em relao formao dos futuros profissionais. A formao do professor para aera tecnolgica para o novo paradigma emergente precisa ser revista cuidadosamente, no sentidode redimensionar dignamente seu papel na escola e na sociedade.

    Numa sociedade em que as inovaes

    so processadas muito rapidamente,

    necessrio formar pessoas flexveis,

    crticas, criativas, atentas s

    transformaes da sociedade e

    capazes de estar sempre aprendendo

    e revendo suas idias e aes.

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    FORMAO DO PROFESSOR

    Apresentao da problemticaUm dos pontos crticos mais discutidos ultimamente a respeito dos sistemas educacionais a for-

    mao do professor. A necessidade e a urgncia de investir qualitativamente nesse processo tornam-secada vez mais evidentes diante do atual estado de precariedade existente no sistema de ensino.

    Os alunos gostam da escola? O que eles aprendem na escola? E fora dela? Os professores gostam doque ensinam? A escola prepara os futuros profissionais para a sociedade? Ningum parece estar verda-deiramente satisfeito. Por qu? comum culpar a escola ou o professor ou ainda o aluno. Mas aquesto no simples; ela no pontual. Os problemas existentes no sistema de ensino, hoje, expres-sam a saturao de um paradigma educacional que no atende mais ao momento em que vivemos fase em que as novas idias e valores esto emergindo nos vrios segmentos da sociedade.

    Os meios de produo e de servio esto mudando do paradigma da produo em massa para oparadigma da produo enxuta.2 A sociedade ps-industrial, certamente, inovar as atividades hu-

    manas. O surgimento e a expanso dessa nova viso demandam um novo perfil de profissional paraconviver na sociedade do conhecimento e da tecnologia. Os sistemas de informao tornam se cadavez mais rpidos e abrangentes, por meio das vrias mdias. Hoje existe a necessidade social e individu-al de uma mentalidade diferente em termos de sobrevivncia planetria a conscincia ecolgica. Ohomem comea a perceber que ele no faz apenas parte da natureza; ele a prpria natureza.

    Est surgindo uma nova compreenso que busca a conexo entre as coisas, os fatos e o conheci-mento. Estamos a um passo do terceiro milnio. E, como Herrera3 coloca, o futuro no est ali, no

    podemos prediz-lo e sim constru-lo. Pensar dessa forma no simples, porque fomos preparadosde modo diferente. Fomos preparados para reproduzir o passado, para compartimentalizar nossospensamentos e nossas aes e para ter uma compreenso linear e apenas racional dos fatos conce-bendo assim a imutabilidade daquilo que conhecemos. Hoje, com o avano tecnolgico, no s oconhecimento torna-se dinmico, mas tambm a prpria noo de espao e tempo. Presente, passadoe futuro no podem mais ser percebidos como estados estanques o presente sintetiza o passado e ofuturo e, para viver esta sntese, preciso fazer-se presente hoje.

    No entanto, a maioria dos sistemas de ensino vive no passado. O modelo educacional ainda baseado na transmisso de conhecimento, concebendo o aluno como um ser passivo, sem capacidadecrtica e reflexiva, com uma viso de mundo segundo a que lhe foi transmitida. ...O profissional comessa habilidade ter pouca chance de sobreviver na sociedade do conhecimento. Na verdade, estamosproduzindo alunos e profissionais obsoletos.(Valente, 1994: 3)

    certo que a mudana na escola tem de ser profunda para poder ter um papel fundamental nesseprocesso. Mas, como coloca Magalhes4, no se pode inovar a Educao como quem moderniza uma

    carroa, sem perceber que ela no mais o veculo para os nossos dias. (Serbino, 1992:13) A escolapode ser mais um espao, onde ambientes de aprendizagem podem ser criados, propiciando ao alunovivenciar e desenvolver habilidades compatveis com seus prprios interesses e com as necessidadesatuais da sociedade.

    No entanto, no basta a escola adquirir recursos tecnolgicos e outros materiais pedaggicos sofistica-dos e modernos. preciso ter professores capazes de atuar e de recriar ambientes de aprendizagem. Issosignifica formar professores crticos, reflexivos, autnomos e criativos para buscar novas possibilidades,novas compreenses, tendo em vista contribuir para o processo de mudana do sistema de ensino.

    2 O termo produo enxuta serefere a uma nova concepo

    do sistema de produo e deservios emergentes nasociedade atual. Esse tema abordado por Mazzone. J.(1993). O Sistema Enxuto e aEducao no Brasil abordadopor J. A. Valente (org.)Computadores eConhecimento: Repensando aEducao. Campinas, SP:Grfica da Unicamp.

    3 Estas palavras foram ditaspelo Prof. Amilcar Herreradurante a apresentao dapalestra Possuir ouCompartilhar O dilema daSociedade do Futuro, na PUC-SP, em setembro de 1994.

    4 Esta comparao feita porFbio Magalhes consta doartigo de Serbino, R.V. (1992)O Primeiro CongressoEstadual Paulista sobre aFormao de EducadoresRumo ao Sculo XXI. SoPaulo: UNESP.

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    O desenvolvimento da capacidade reflexiva dos futuros professores tem sido uma meta perseguidapor educadores. H uma tendncia nos cursos de formao do professor de abordar as teorias psicol-gicas condizentes com uma viso inovadora de ensino e aprendizagem, baseada na perspectivaconstrutivista.

    Nesses cursos, certamente, o aluno em formao Castro (1981) pode aprender a dizer o que postulauma determinada teoria e, at mesmo, acreditar em seus princpios. Mas isso no garante que eleaprenda a pensar e a agir a partir desses pressupostos tericos. Por exemplo, pode-se aprender que ateoria psicogentica de Piaget postula a construo do conhecimento, partindo do que o sujeito assi-mila na interao com o meio. Outra questo aprender a pensar e a agir no desencadeamento deuma ao pedaggica que provoque a construo do conhecimento.

    Aprender a agir e a pensar uma teoria educacional no fcil, nem simples. Principalmente quan-do a teoria trata de concepes divergentes daquelas vivenciadas usualmente nos sistemas de ensino. Oque dificulta a aprendizagem a maneira como as teorias so abordadas nos cursos de formao deprofessor.

    ...os programas educacionais tm sido h tempos dominados pela orientao behaviorista, emque se persegue a especializao e o refinamento metodolgicos como bases para o desenvolvimentoda competncia do professor.(Giroux , 1988:13)

    Embora existam cursos de formao de professores que abordem as teorias de uma pedagogiaconstrutivista, o modo pelo qual elas so ensinadas expressa a viso behaviorista. Por sua vez, osprincpios behavioristas de aprendizagem so condizentes com o paradigma mecanicista que aindaimpera na maior parte do sistema de ensino.

    Por isso, transmitir os princpios que norteiam uma nova prtica educativa no basta para que oaluno em formao possa efetivamente aprend-la. Aprender uma teoria educacional no significaapenas saber repeti-la. muito mais. saber interpret-la, saber fazer os ajustes necessrios sespecificidades de cada contexto. Em outras palavras, saber recri-la sem destituir o sentido real deseus princpios, ou seja, sem banaliz-la.

    Nessa perspectiva, o aprendizado de um novo referencial educacional envolve mudana de menta-lidade. E isso no acontece de forma imediata, porque as pessoas no deletam de suas cabeas o quesabem dizer e fazer para colocar novas concepes. No se muda de paradigma educacional como semuda de vestimenta. A mudana de valores, de concepes, de idias e, conseqentemente, de atitudesno um ato mecnico. um processo reflexivo, depurativo, de reconstruo, que implica transfor-mao. E transformar significa conhecer.

    Segundo Piaget (1977), para a construo de um novo conhecimento, o sujeito precisa vivenciarsituaes onde possa relacionar, comparar, diferenciar e integrar os conhecimentos. Isso implica colo-car em ao os processos funcionais de regulaes, abstraes e equilibrao, que desenvolvem novas

    estruturas mentais de assimilao do conhecimento. Portanto, uma nova abordagem educacionalrepresenta um novo conhecimento a ser construdo.

    Sob esse ponto de vista, a questo que se apresenta como um grande desafio : como formar umprofessor reflexivo por meio de uma nova prtica educativa? A soluo no simples. Existem muitoseducadores que apontam para caminhos que abordam questes relevantes, tendo em vista superar ocarter deficitrio da formao. Uma das questes mais destacadas no cenrio das discusses sobre aformao a dicotomia que existe entre o discurso e a ao, entre o criar e o fazer, entre a experinciae a sua compreenso reflexiva, entre a teoria e a prtica. Como ento romper com essa diviso do saber

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    que s empobrece o ato educativo? comum, muitas vezes, recorrer a uma reforma curricular. Entre-tanto, isso no resolve, pois as mudanas no currculo so apenas solues formais. preciso ultrapas-sar os limites puramente formais e encontrar uma nova dinmica, um novo processo, enfim, umanova abordagem de formao que propicie mudanas mais efetivas.

    O que necessrio uma mudana na prpria estrutura do ensino, menos preocupado com ocumprimento de rgidos currculos uniformes, estimulando iniciativas e criatividades. Para isso, necessrio preparar o professor para assumir uma nova responsabilidade como mediador de um pro-cesso de aquisio de conhecimento e de desenvolvimento da criatividade dos alunos.(Ripper, 1995:1)

    Atualmente, alguns autores como: Schn, Zeichner, Garca, Gmez enfatizam uma nova aborda-gem de formao 5 que se apia no conceito da reflexo. Schn (1992) descreve uma epistemologiaprtica de um profissional reflexivo, considerando duas diferentes categorias: a reflexo-na-ao e areflexo-sobre-ao. A reflexo-na-ao refere-se aos processos de pensamento que ocorrem durante aao. Nesse sentido, ela serve para reformular as aes do professor no decurso da sua interveno. Areflexo-sobre-ao refere-se anlise que o professor faz,a posteriori, sobre os processos e as carac-

    tersticas da sua prpria ao.A primeira, reflexo-na-ao, constitui um momento importante do processo educativo, porqueestabelece um dinamismo de novas idias e de novas hipteses, que demandam do professor umaforma de pensar e agir mais flexvel e mais aberta. Durante a reflexo-na-ao, certamente o professorno pode limitar-se a aplicar as tcnicas aprendidas ou os mtodos de investigao conhecidos; eleprecisa aprender a construir e a comparar novas estratgias de aes, novas teorias, novos modos deenfrentar e de definir os problemas. A esse respeito, Gmez (1992) lembra uma citao de Yingermuito pertinente:

    O pensamento ativo no uma srie de decises pontuais que configuram a ao rotineira, masum permanente dilogo que implica a construo de uma nova teoria sobre o caso nico, a procuradas descries mais adequadas da situao, a definio interativa de meios e fins e a reconstruo ereavalio dos prprios procedimentos. (p.105)

    Isso implica a capacidade do professor de reconhecer as singularidades das situaes e de saberconviver com a incerteza e com os conflitos de valores, no sentido de buscar novas compreenses. Estaraberto para novas compreenses liberto de preconceitos significa saber incorporar e transcender osconhecimentos emergentes da racionalidade tcnica.

    ...no h realidades objetivas passveis de serem conhecidas; as realidades criam-se e constroem-se no intercmbio psicossocial da sala de aula.(Gmez,1992:110)

    Portanto, o processo de reflexo-na-ao no se baseia apenas no conhecimento cientfico dosfatos. Esse processo baseado tambm nos conhecimentos intuitivo e artstico, os quais favorecem acriao do professor durante a sua prpria ao.

    Quanto segunda categoria, a reflexo-sobre-ao, ela assume o seu lugar no momento em que oprofessor se distancia da situao prtica. No processo de reflexo, a prtica reconstruda pelo profes-sor a partir da observao, descrio, anlise e explicitao dos fatos. Esses procedimentos so os quepropiciam ao professor a tomada de conscincia a compreenso da sua prpria prtica. Pode-sedizer que a reflexo-na-ao representa o fazer (que ultrapassa o fazer automatizado) e a reflexo-sobre-ao representa o compreender. So dois processos de pensamentos distintos, que no aconte-cem ao mesmo tempo, mas ambos se completam na qualidade reflexiva do professor.

    Todavia, uma questo instigante continua sendo: como conseguir desenvolver esses princpios,

    5 Os textos sobre a Formaodo Professor que os autoresmencionados abordam estopublicados no livro intituladoOs Professores e a suaFormao (org.). Nvoa,Antonio (1992).

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    no contexto da escola de formao de professor? Por um lado, sabe-se que a estrutura da escola nopropicia um ambiente onde os futuros professores possam explorar e construir os princpios peda-ggicos para uma prtica reflexiva. Por outro lado, fazendo-se presente hoje, pode-se acolher aInformtica na Educao, como um meio de identificar novos caminhos que possam desencadear

    o processo reflexivo.Nesse sentido, o uso da Informtica na formao de professor deve ultrapassar o aspecto da moder-

    nizao. Isso significa conceber o uso do computador como uma ferramenta que propicia ao sujeitorefletir na e sobre a sua ao, por meio do ciclo de aprendizagem. Piaget utilizou o ciclo da assimila-o e acomodao, que se estabelece nos vrios nveis de interao do sujeito com o meio, para expli-car o desenvolvimento das estruturas cognitivas. DAmbrosio (1986) utiliza o ciclo realidaderefle-

    xoaorealidadepara explicar a evoluo intelectual. Nesse ciclo6, DAmbrosio enfatiza a rela-o dialtica reflexoao no processo de aprendizagem que se estabelece na interao do sujeito(indivduo) com a realidade (social e cultural).. Nesta interao, o sujeito aprende e modifica a reali-dade. A modificao da realidade resultante da aoreflexo do sujeito gera novos artefatos e

    mentefatos que desencadeiam novos processos de reflexoao. Um dos novos artefatos, atualmente, o computador, cujo uso, no contexto de formao do professor, o objeto deste livro.O uso do computador, na atividade de programao, propicia a descrio da ao do sujeito, que a

    partir dofeedback pode refletir e depurar a sua prpria aopensamento. Valente (1993) explica esseprocesso de aprendizagem por meio do ciclodescrioreflexodepurao, que se estabelece nainterao (sujeito X computador) durante a atividade de programao.

    6 Ver mais detalhes a esserespeito no captulo 4 - EmBusca de uma Teoria deCultura, no livro intitulado DaRealidade Ao - Reflexessobre Educao e Matemtica,de Ubiratan DAmbrosio(1986).

    Figura 2: O ciclo da atividade de programao

    No ciclo da atividade de programao, o su-jeito descreve para o computador a soluo de um problema, por meio de uma linguagem com-putacional. Nesse processo se define um procedi-mento, que retrata a descrio das idias e dashipteses que o sujeito tem sobre o problema. Ocomputador, por sua vez, executa o procedimen-to tal como foi descrito pelo sujeito, apresentandona tela determinado resultado, na forma grficaou escrita. O resultado representa umfeedbackpara o sujeito, que pode lev-lo ou no a modifi-car sua descrio inicial. um momento impor-tante, porque cria uma situao de aprendizagemfavorvel para o sujeito refletir sobre os conceitos e as estratgias utilizados na resoluo do problema,revendo o caminho. A reflexo que o leva a compreender e a depurar o seu conhecimento.

    O confronto entre o resultado esperado e o resultado real, muitas vezes, visto de forma negativa,porque representa um erro. Nessa abordagem, o erro visto como um desafio que, segundo Piaget(1978), provoca desequilbrio das estruturas cognitivas. Esse estado, quando superado e ultrapassado,ou seja, reequilibrado pela construo de estruturas melhoradas e majorantes, representa a fonte doprogresso cognitivo.

    ...o processo de achar e corrigir o erro constitui uma oportunidade nica para o aluno testar ouaprender tanto os conceitos envolvidos na soluo do problema quanto nas estratgias de resoluo de problemas. (Valente,1993:35)

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

    depurao

    descrioreflexo

    conceitos

    estratgias

    sujeito

    feedback executa

    computador

    nova descrio

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    O USO DO COMPUTADOR18

    Sob esse ponto de vista, o erro no representa uma distoro no estado de chegada do processo deresolver o problema, mas, ao contrrio, representa um estado de partida para novas compreenses.

    Quando o resultado de um programa corresponde ao esperado pelo sujeito, o problema est resol-vido. Nesse caso, a reflexo pode no acontecer. Portanto, cabe interveno do professor criar novas

    situaes que possam desencadear a reflexo sobre as idias e a ao do sujeito.

    Em sntese, a atividade de programao7 permite ao sujeito:

    colocar em ao seus conhecimentos, buscar novas estratgias e/ou conhecimentos para resol-ver um problema fazer;analisar, de forma significativa, os conceitos e as estratgias utilizados que lhe permitiramatingir uma soluo satisfatria compreender.

    O movimento contnuo entre o fazer e o compreender, que se estabelece na atividade de programar,

    marca a possibilidade de aproximao, quase simultnea, entre a reflexo-na-ao e a reflexo-sobre-ao. Mas necessrio configurar no processo a interveno do professor. Seu papel fundamental paraque, efetivamente, venha a ocorrer a reflexo e a depurao no processo de aprendizagem do aluno.Assim, a interao (sujeito-aluno versus computador) se amplia, estabelecendo um outro nvel deinterao, que envolve a atuao do professor( (sujeito-aluno X computador) versus professor).

    Por sua vez, nesse nvel de interao, ou seja, (sujeito-aluno X computador) versus professor))o ciclo reflexivo torna-se recorrente. De forma queo objeto de conhecimento do professor se consti-tui de sua prpria prtica pedaggica.

    Nesse contexto de interao, a ao pedaggi-ca do professor corresponde ao seu modo de inter-vir. A reflexo-na-ao acontece quando o profes-sor, ao interagir com o aluno programando, pro-cura encontrar, racional e/ou intuitivamente, no- vas estratgias para atender s necessidadescognitivas e emocionais do aluno. A reflexo-na-ao se d num momento singular: quando o alu-no est envolvido num processo reflexivo, por meiodo ciclo da atividade de programao. Em outraspalavras, o professor intervm num processo dinmico de aprendizagem, em que o aluno descreve, refletee depura seus pensamentos-aes. Tal contexto solicita do professor abertura e flexibilidade para lidar

    com situaes inusitadas. As regras e os mtodos conhecidos nem sempre funcionam e o professor instigado a ampliar e a aprofundar a compreenso da sua prtica. instigado a refletir-sobre-ao.

    Isso acontece quando o professor se afasta do momento de interveno e analisa os efeitos da suaao pedaggica. Nesta anlise, o entendimento da prtica se ampara em fundamentos tericos. Areflexo-sobre-ao envolve vrios aspectos do conhecimento e as relaes entre eles, como o processode aprendizagem do aluno (aspectos cognitivos e afetivos), os contudos envolvidos na atividade (con-tedos especficos e de programao), as estratgias de interveno (desafios, o interesse do aluno) etc.Compreender isso fundamental para o professor depurar a sua prtica, e desenvolver novos mecanismos

    Figura 3: O ciclo em outros nveis de interao

    depurao

    nova ao pedaggica

    o ciclo daatividade deprogramao

    ao pedaggicaprofessor

    reflexo

    feedback

    6 Estas idias foramapresentadas por Valentedurante a palestra intituladaO Papel do Computador naEducao: Fazer eCompreender, por ocasio doCongresso Internacional deTecnologias Educacionaisrealizado em junho de 1995,em So Paulo.

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    que possam favorecer o aprendizado do aluno.Assim, o objeto de reflexo do professor em formao extrapola os aspectos computacionais, abran-

    gendo as questes pertinentes ao processo educativo. Mas o contexto computacional que evidencia ascaractersticas sobre o processo de aprendizagem do aluno. ele que propicia ao professor refletir na e

    sobre a sua prtica pedaggica.

    O computador na escola: resistncias iniciaisO problema que falar em Informtica na Educao ainda cria certo clima de receio entre os

    educadores. Por que isso acontece? Pode-se entender, de uma maneira geral, que o computador repre-senta, para alguns desses profissionais, um domnio desconhecido.

    ....facilmente sucumbimos tendncia de fixao no conhecido e no habitual. Tudo o que novo desencadeia medo e mobiliza os mecanismos de defesa. (Dethlefsen,1994:12)

    Nesse sentido, o computador, como objeto desconhecido, pode gerar um estado de insegurana, deperturbao. Para super-lo, preciso, muitas vezes, abandonar as posturas rgidas, abrindo-se para

    integrar o novo ao conhecido ampliando e transformando o prprio conhecimento. Assim, o educa-dor, sem receios, poderia opinar e tomar suas decises de escolhas, criteriosamente, acerca do uso daInformtica na Educao.

    Pode ser um caminho, mas nem sempre ele percebido. Existem outros fatores que levam, natu-ralmente, o educador a ignorar ou mesmo a repudiar as questes que envolvem a Informtica naEducao. O fato de o computador ser um objeto tecnolgico faz com que ele possa, primeira vista,ser associado concepo pedaggica tecnicista uma concepo que norteia as prticas pedaggicasvigentes, na maioria dos sistemas de ensino. O computador, inserido nesse contexto, pode facilmenteser identificado e/ou incorporado como mais um instrumento que vem reforar a ao educativa,centrada na eficincia das tcnicas e dos mtodos de ensino.

    Alm disso, a viso tecnicista vem sendo veementemente criticada por educadores preocupadoscom a qualidade do processo de formao. Autores como Saviani (1980), Mello (1987), Lelis (1989),entre outros, apontam para a nfase dada competncia tcnica como um dos fatores responsveis pela desqualificao do professor. Os cursos de formao desenvolvidos nessa concepo enfocam,essencialmente, as normas e regras referentes ao planejamento didtico, ao processo de avaliao eaos mtodos instrucionais.

    A conseqncia do enfoque tecnicista reflete na prtica a tecnizao dos contedos e das relaeshumanas. Isso, na realidade, afasta o professor da possibilidade de assegurar um aprofundamento doseu conhecimento sobre os vrios aspectos que constituem o seu universo de ao. Um fato que acabagerando a desvalorizao da funo do professor, caracterizando o atual estado de precariedade doprocesso educativo.

    ....um profissional intelectualmente desqualificado, com poucas possibilidades de vir a ser umprofissional que questiona a realidade, que pergunta pelo sentido de sua prtica, que assume umaatitude reflexiva diante da Educao e da sociedade. (Coelho, 1982: 35)

    O mais agravante que os profissionais que foram (e ainda esto sendo) preparados para exe-cutar tarefas predeterminadas e para seguir as regras esto recebendo cada vez mais os pacoteseducacionais sobre uma nova metodologia de ensino. Para colocar em prtica uma nova propos-ta, os professores participam de um treinamento que enfatiza apenas a sua operacionalizao. Issosignifica que independentemente do carter da nova proposta, a maneira de o professor aprend-la

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    O USO DO COMPUTADOR20

    apenas mecnica, fechada e pronta para ser reproduzida.Dessa forma, a concretizao de uma proposta educacional, por mais eficiente e necessria que

    seja para o sistema de ensino, ser superficial. Na verdade, os problemas educacionais no podem serresolvidos simplesmente maquiando e rotulando a prtica do professor. preciso resgatar o profes-

    sor na sua essncia, como um profissional reflexivo, potencialmente capaz de saber fazer, de compre-ender e de transformar a sua prtica.

    Compartilho da preocupao de muitos educadores a respeito do enfoque tecnicista que existe naformao do professor. Portanto, gostaria de esclarecer, em relao Informtica na Educao, umaquesto bastante sutil. O computador em si no est, necessariamente, vinculado pedagogia tecnicista.No entanto, o modo de utiliz-lo e as escolhas que o professor precisa fazer expressam, claramente,uma determinada concepo de Educao.

    De maneira geral, os materiais e as ferramentas pedaggicos so criados a partir de determinadospressupostos tericos. No entanto, esse fato no garante que a sua utilizao no contexto educacionalpreserve os mesmos pressupostos.

    comum encontrar professores que dizem e acreditam estar trabalhando com os princpios educa-cionais construtivistas, utilizando inclusive os materiais destinados s provas piagetianas. Por exem-plo: as provas da conservao da massa, do nmero, entre outras. Mas a maneira como o professorutiliza esses materiais nem sempre coerente com a viso construtivista. Em outras palavras, a con-cepo de uma abordagem pedaggica no se concretiza pelo fato de se usar a terminologia e/ou de sefazer uso de um material piagetiano; ela se concretiza pela ao do professor.

    Situaes semelhantes tambm podem acontecer com o uso do computador na Educao. Poressa razo, torna-se necessrio que o professor conhea no apenas a operacionalizao da mquina,mas tambm compreenda as implicaes pedaggicas envolvidas nas diferentes formas de utilizar ocomputador com finalidades educacionais. A compreenso fundamental para que o uso do compu-tador no seja apenas mais um instrumento eficiente de ensino e aprendizagem, segundo a visotecnicista. Ao contrrio, importante que seu uso possa ser um meio favorvel ao desencadeamento deprocessos reflexivos sobre a aprendizagem e sobre uma nova abordagem pedaggica.

    No tpico seguinte, sero apresentadas as caractersticas dessa nova abordagem, que faz uso docomputador na escola. Antes, porm, preciso fazer algumas consideraes sobre o processo de evoluodas concepes educacionais na formao do professor. Essa retomada importante por dois motivos.Primeiro, pelo fato de uma abordagem pedaggica retratar uma concepo de Educao, a qual geradae modificada num contexto social (econmico, poltico, cientfico e cultural). Isto , na inter-relao dosvrios segmentos da sociedade, em um determinado momento histrico. Portanto, uma concepo edu-cacional contextualizada e temporal. Segundo, porque a anlise dos efeitos e das relaes que perpas-sam a constituio de uma concepo pode elucidar aspectos educacionais pertinentes para eleger uma

    forma de usar o computador que propicie mudanas no paradigma educacional.

    Evoluo das concepes pedaggicasVoltando um pouco no tempo, a formao do professor na sociedade brasileira, at os meados da

    dcada de 30, fundamentava-se na pedagogia tradicional (Saviani, 1989), feita pela transmisso deuma cultura geral. A transmisso cultural vista como uma das correntes da ideologia educacionalque teve suas origens na tradio acadmica clssica da educao ocidental. Com base nos princpiosfilosficos e epistemolgicos do racionalismo e do empirismo, os educadores tradicionalistas acredita-

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    vam que sua tarefa principal era a de transmitir as informaes, as regras e os valores coletados dopassado para as novas geraes.

    A escola da transmisso cultural centrava-se na sociedade. Ela enfatizava o comum e o estabeleci-do, definindo seus fins educacionais como a internalizao de valores e de conhecimentos disponveis.

    E o professor, como centro do processo educativo, precisava estar muito bem preparado para repassarpara seus alunos, por meio da instruo direta, o conhecimento, as habilidades, as regras sociais emorais de uma cultura.

    No entanto, a Pedagogia tradicional clssica foi perdendo o seu vigor diante do surgimento de umanova sociedade industrializada. A expanso do processo industrial exigiu um novo modelo de produ-o e de servios, baseados na produo em massa no princpio da padronizao. Nesse contexto, osistema de ensino no respondia mais s reais necessidades e interesses da sociedade. Era preciso termais escolas; e as escolas precisavam ser diferentes do que eram precisavam moldar um perfil decidado condizente com a sociedade capitalista.

    Nessa mesma poca, acontecia o grande avano das cincias biolgicas e psicolgicas, o que foi

    dando, aos poucos, origem a uma nova teoria de Educao, que expressava o movimento escolanovista.A nova Pedagogia emergente enfocava caracteristicamente as medidas de diferenas individuais, nosaspectos gerais de rendimento ou de comportamento social, nas quais qualquer indivduo poderia serclassificado. ...havia uma espcie de bio-psicologizao da sociedade, da Educao e da escola com aexpanso dos testes de inteligncia e de personalidade.(Saviani, 1989:12) Subjacente descobertadas diferenas individuais, existia uma sintonia ideolgica, servindo aos interesses de classe dessa novasociedade.

    uma dimenso da nova Pedagogia: a Escola cumprindo a funo de ajustar, de adaptar os indi-vduos nova sociedade. Ela vai incutir nos indivduos um sentimento de que o sucesso acadmico,profissional e, conseqentemente, a ascenso social dependem, exclusivamente, da potencialidade cognitivade cada aluno. Portanto, a escola tem um papel bem definido no sentido da equalizao social, todesejvel no momento em que a base do sistema econmico est voltada para a industrializao.

    Outra dimenso da Pedagogia da escola nova refere-se aos seus princpios delineadores de umaprtica que enfatiza o respeito s diferenas individuais, bem como a motivao, a iniciativa e o inte-resse do aluno. A pedagogia da escola nova retratava uma viso progressista do processo educativo econcebia a construo do conhecimento por meio da aprendizagem cooperativa e significativa. Seuenfoque se voltava para o processo ativo, para a interao do aluno com o meio e para o princpio doaprender fazendo. O professor exercia o papel de facilitador do processo de aprendizagem do aluno. Eledeveria estimular o aluno para a descoberta, a experimentao e a explorao dos vrios recursosadequados e disponveis no ambiente de aprendizagem.

    Portanto, para formar o professor, foi preciso mudar a natureza do contedo programtico de sua

    formao, partindo-se da premissa de que sua qualificao deveria centrar-se nas disciplinas de car-ter prtico, como Metodologia, Didtica, Prticas de Ensino e outras afins. Essas disciplinas passarama integrar o currculo das escolas de formao de professor. Entretanto, o contedo abordado pelasnovas disciplinas apresentava-se de forma restrita aos princpios inovadores. Ou seja, a nfase do con-tedo limitava-se ao desenvolvimento de uma srie de tcnicas padronizadas e descontextualizadas.Mas por que ocorria tal reducionismo na prtica?

    O movimento escolanovista apresentava, logo no incio, sinais visveis de desgaste e de frustraonos meios educacionais. A implementao da Pedagogia da escola nova em grande escala tornou-se

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    O USO DO COMPUTADOR22

    invivel, porque demandava custos muito altos na montagem de laboratrios e na aquisio de diver-sos materiais pedaggicos. Na verdade, o seu alcance se limitou a algumas escolas experimentais e apoucas escolas alternativas que possuam poder aquisitivo.

    Claro que existiram outras razes. Para compreend-las, precisa-se considerar o fato de que muitos

    dos princpios da Pedagogia da escola nova, que foram inspirados por grandes precursores, comoDewey, Piaget, Montessori, entre outros, no estavam sintonizadas com o novo modelo econmico deproduo. Por exemplo, como trabalhar, respeitando os interesses individuais do aluno, se tudo come-ava a ser padronizado? Os princpios escolanovistas no eram condizentes com o design da estruturafsica e organizacional do sistema da escola. A organizao desta se espelhava (e ainda se espelha) nomodelo de produo da indstria produo em massa. Portanto, precisava-se de uma Pedagogiaadequada. Mas qual?

    Nesse momento de transio, coexistiam os vestgios da Pedagogia tradicional e a propagao dasidias da Pedagogia da escola nova. Idias que, por serem progressistas e fundamentadas cientifica-mente, tornaram-se cada vez mais presentes nos discursos e nas leis educacionais. Mas, na prtica, os

    princpios escolanovistas apresentavam-se destitudos de seu significado original. Havia um discurso eum formato inovador (aspectos aparentes) que se mesclavam com a praticidade de um saber fazerbaseado na Pedagogia tradicional. Isso propiciou o aparecimento da Pedagogia tecnicista.

    Na verdade, a Pedagogia tecnicista conseguiu expressar a sntese de vrios aspectos: a ideologia da

    Figura 4: Aspectos envolvidos na pedagogia tecnicista

    transmisso cultural, a Pedagogia tradicional, asidias inovadoras, o avano das cincias e datecnologia, o modelo social capitalista e a visomecanicista. Esses diferentes aspectos, at certoponto contraditrios, formavam um amlgama,representado na figura 4.

    Em consonncia com esse momento, segun-do Kohlberg & Mayer (1972), comearam a pro-liferar propostas educacionais que acolhiam asmquinas de ensinar (na viso de Skinner), o tele-ensino, a instruo programada, entre outros, osquais expressavam um forte movimento de mudanas nas tcnicas de ensino. Sob esse ponto de vista,a valorizao do trabalho pedaggico passou a situar-se na qualidade das tcnicas, dos mtodos e dosinstrumentos de ensino que serviam para transmitir o conhecimento, possibilitando ao aluno amemorizao e a reproduo dos fatos, das estratgias e das definies. Mesmo a formao do profes-sor era, e continua sendo, baseada na tcnica de como passar bem o conhecimento (mtodos, didtica,etc.) e no de como favorecer a aprendizagem do aluno.

    Embora a pedagogia tecnicista tenha sido instalada no auge do processo de industrializao, seusprincpios continuaram vigorando e norteando o sistema educacional at os dias atuais. Na Pedagogiatecnicista, as metas educacionais, baseadas no empirismo e respaldadas pela teoria behaviorista deaprendizagem, admitem a internalizao dos conhecimentos. A tnica do sistema de ensino centra-seno princpio de que a aprendizagem do aluno se d de fora para dentro, por meio do treinamento depadres e de sua reproduo. Essa Pedagogia reflete o paradigma mecanicista do conhecimento e dotrabalho, o qual concebe o desenvolvimento do indivduo pela metfora da mquina.

    Os princpios tecnicistas ainda podem ser percebidos facilmente nas atitudes dos profissionais da

    pedagogia tecnicista

    transmisso cultural

    princpios tradicionaisidias inovadoras

    avano das cincias e tecnologias

    capitalismo

    viso mecanicista e fragmentada

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    Educao e nas organizaes e estruturas de ensino. Por isso, pode-se compreender que uma concepoeducacional se revela na prtica do professor e na maneira de utilizar os recursos disponveis televiso, livrodidtico, computador, giz e quadro-negro. Uma concepo educacional no est vinculada a um recursotecnolgico, mas sim aos princpios que norteiam a ao educativa do profissional da educao.

    Segundo Kohlberg & Mayer (1972), as pedagogias Tradicional, Nova e Tecnicista expressam con-cepes que traduzem os vrios princpios da Psicologia, da Epistemologia e da ideologia educacional.A Pedagogia tradicional e a tecnicista veicularam os mesmos princpios epistemolgicos e ideolgicos.Somente com o avano da Psicologia que outros elementos, como testes, tcnicas, avaliao, entreoutros, foram incorporados na prtica tecnicista. No entanto, ambas apresentam a figura do alunopassivo no processo de aprendizagem e a figura do professor ativo enquanto transmissor de informa-o e de conhecimento. A Pedagogia nova herdou princpios totalmente divergentes, que propiciavamao professor e ao aluno assumir uma postura ativa no processo educativo. Mas tais aspectos no inte-ressavam nova sociedade industrializada.

    A figura 5 ilustra as trs pedagogias e as respectivas correntes envolvidas:

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

    Figura 5: Panorama geral das pedagogias

    IDEOLOGIA EDUCACIONAL

    TRANSMISSO CULTURAL PROGRESSISTA

    PRINCPIOS EPISTEMOLGICOS

    RACIONALISMO E EMPIRISMO CONSTRUTIVISMO

    PRINCPIOS PSICOLGICOS

    COMPORTAMENTALISMO DESENVOLVIMENTISTA

    BEHAVIORISMO COGNITIVISTA

    PEDAGOGIA

    TRADICIONAL

    PEDAGOGIA

    TECNICISTA

    PEDAGOGIA

    NOVA

    Professor

    Ativo

    Aluno

    Passivo

    Professor

    Ativo

    Aluno

    Passivo

    Professor

    Ativo

    Aluno

    Ativo

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    O USO DO COMPUTADOR24

    Nesse cenrio, em que o sistema de ensino (com raras excees) configura-se na pedagogia tecnicista com o surgimento dos microcomputadores a Informtica chega nas escolas, a partir da dcada de80. Sobretudo as escolas particulares de 1 e 2 graus foram, apressadamente, adquirindo equipamen-tos e montando laboratrios para atender a sua clientela. Mas isso no era suficiente para a implanta-

    o da Informtica na escola. Era necessrio ter profissionais que soubessem como usar a novatecnologia: os programadores. Assim, muitas escolas colocaram um trabalho, essencialmente pedag-gico, nas mos de tcnicos de programao.

    Um tcnico programador geralmente tinha por funo bsica elaborar softwares educativos paraser utilizados pelos alunos. Resumiam-se a uma verso computadorizada de uma seqncia de exerc-cios e de definies, que at ento era transmitida pelo professor. O livro do professor era substitudopelo software. Esta situao comeou a ser vista pelo professor como uma ameaa a sua funo. Elesentia que poderia ser substitudo pela mquina e, na viso tecnicista, era algo plausvel. Mas, para oscrticos da viso tecnicista, o uso do computador tornava-se mais preocupante. Isso porque muitaspessoas poderiam ter a iluso de que o sistema de ensino estaria mudando, mas, na realidade, o com-

    putador estava simplesmente reforando e modernizando a viso tecnicista no sistema de ensino....a tecnologia no por si s a soluo para esta mudana, podendo inclusive ir contra ela se forintroduzida de forma a reforar o modelo de ensino massificante, escondendo esse reforo atrs deuma aparncia de modernidade. (Ripper, 1995:1)

    Embora esse modo de conceber o uso do computador na escola continue existindo, felizmente ahistria da Informtica na Educao conseguiu encontrar outros caminhos, como a proposta dePapert. Uma proposta que se apia em uma Pedagogia muito diferente, que visa no reproduzir,mas, sim, produzir, criar e recriar o conhecimento. Uma Pedagogia condizente com a nova socieda-de do conhecimento.

    Novas tendncias educacionaisVimos que as tendncias educacionais no evoluem de forma isolada. A Educao um fato

    social-poltico e, portanto, no pode ser vista, tampouco repensada, de forma descontextualizada.Os vrios segmentos da sociedade, direta ou indiretamente, participam desse processo, principal-mente o sistema econmico de produo. Uma profunda transformao est ocorrendo na reaempresarial e de servios: enquanto o sistema produtivo tradicional podia contentar-se com o tra-balhador com pouca formao, atualmente o setor empresarial moderno passa a precisar da Edu-cao para o seu prprio desenvolvimento.

    Com o enfraquecimento do modelo de produo de massa, as sociedades marcham para a transfor-mao das suas relaes de produo. Essa nova concepo caracteriza-se pelos aspectos da qualidadee da rapidez, que so decorrentes do dinamismo da informao e do conhecimento desta poca.

    Se o sculo XX foi o sculo da produo de massa, o sculo XXI ser o sculo da sociedade doconhecimento.(Dowbor,1993:6).

    A saturao de um modelo tende a esgotar-se pela prpria evoluo das cincias e dastecnologias. Esse fato demanda do homem do sculo XXI repensar e construir um novo modo detrabalho e um novo modo de ser. No processo de busca de novas referncias e de novos valores, ohomem resgata as artes e as tradies, integrando-as na sua forma lgica e cientfica de pensar,de aprender e de compreender.

    A emergncia de uma nova perspectiva nas relaes humanas e nas relaes de trabalho pressupe

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    a formao de um outro perfil de profissional, tanto para o sistema de produo, quanto para outrossistemas de servios, como professores, mdicos, tcnicos, advogados, engenheiros, entre outros. Nessenovo perfil, o profissional precisa ser intelectualmente ativo e reflexivo, capaz de saber fazer, decompreeender e de transformar a sua ao.

    No paradigma mecanicista, era suficiente que o profissional tivesse uma viso parcial do seu traba-lho. O conhecimento era fragmentado e a sua compreenso, esttica. As atitudes e o modo de vidapodiam ser previamente planejados. Havia certa rigidez na forma de pensar e nos costumes das pesso-as, decorrentes do modelo reprodutor. Hoje, isso pouco. preciso que o profissional tenha uma visototalizante, integradora e dinmica, que possibilite a flexibilidade de pensamentosaes. A rapidez ea abrangncia da informao definem uma dinnica em que o sujeito precisa estar constantementeaprendendo, por meio da depurao, do entendimento e da transformao da sua prtica.

    E a Educao, como fica? Acredita-se que um passo importante seja reconhecer que, nesse mo-mento de transio, a sociedade marcada por uma maior complexidade e por um ritmo de transfor-mao extremamente rpido. Portanto, no se pode ficar esperando que todas as mudanas ocorram

    para depois adaptar o sistema de ensino s necessidades sociais. Seria uma forma de pensar linear esegmentada, que no condiz com o dinamismo do momento. Hoje, torna-se necessrio repensar osvrios segmentos sociais conjuntamente, de forma dialtica e integrada.

    .....o papel de uma tica social em Pedagogia precisamente pr fim ambigidade e mostrarque no preciso simplesmente adaptar a Educao sociedade, mas repensar, ao mesmo tempo, aEducao e a sociedade. (Charlot;1983:305)

    Nesse sentido, repensar a Educao no significa simplesmente acatar as propostas de moderniza-o, mas sim, repensar a dinmica do conhecimento de forma mais ampla, e, conseqentemente, onovo papel do educador como mediador desse processo. Assim, retomada a questo inicial: a forma-o do professor.

    Foi mostrada uma srie de aspectos necessrios para a formao do professor do sculo XXI. Entre-tanto, no deve existir um modelo pronto e acabado, para simplesmente ser colocado em prtica.Acredito que o modelo deve ser algo dinmico, algo vivo. Isso , deve ser construdo e reconstrudona e com a realidade das instituies educacionais, a partir de algumas referncias.

    Evidentemente, os pressupostos tericos devem orientar e, muitas vezes, esclarecer as necessidadesde mudanas da prtica pedaggica. Assim, trabalhar em direo ao processo reflexivo da prtica doprofessor pode ser um caminho frtil para uma nova abordagem de formao. Acredito que, nessanova abordagem de formao, a Informtica na Educao poder ter um papel fundamental. Isso,claro, se o uso do computador estiver baseado nos princpios educacionais construcionistas efomentadores do processo reflexivo.

    INFORMTICA NA EDUCAO

    Diferentes concepes do uso da Informtica na EducaoA Informtica na Educao brasileira muitas vezes vista como mera adio de uma tecnologia

    o computador no sistema educacional. Essa forma de conceber a Informtica na Educao parte doprincpio de que o sistema de ensino precisa modernizar-se. Na prtica, isso envolve a montagem delaboratrios, a aquisio de equipamentos, softwares e a presena de um especialista na rea para dar

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    O USO DO COMPUTADOR26

    aulas de Informtica ou um professor sem preparo que saiba usar um software educativo.Na tentativa de utilizar o computador como mais uma tcnica moderna de ensino, algumas esco-

    las optam pelo uso de softwares especficos sobre determinado contedo do currculo escolar. As carac-tersticas dos softwares, muitas vezes, so de um programa do tipo CAI (Instruo Auxiliada pelo Com-

    putador), que se constitui de uma srie, bem estruturada, de fatos e exerccios, que tm como objetivoa fixao de informao e de um padro de resoluo de problemas. Tradicionalmente, so os mesmosexerccios aplicados por um professor em sala de aula, com a utilizao do uso de quadro-negro, delivros e/ou apostilas. Mas, pela qualidade do recurso em si (computador), os programas, geralmente,se apresentam aparentemente de forma mais atrativa e com possibilidades de adaptar as seqncias deexerccios capacidade do aluno.

    Nesse caso, o uso do computador localizado no mbito de uma determinada disciplina. Entre-tanto, o fator mais importante que suas caractersticas pedaggicas no propiciam mudanas naestrutura de ensino e nem no contedo. Em outras palavras, o uso do computador como mquina deensinar consiste na informatizao dos mtodos de ensino tradicionais (Valente;1993:32). Nessa

    maneira de pensar e agir pedagogicamente, existe a crena de que, para melhorar a Educao, preciso aperfeioar a instruo, isso , ensinar melhor com tcnicas mais eficientes. Enfim, umpensamento que traduz, coerentemente, os princpios da pedagogia tecnicista.

    Mais recentemente, o processo de informatizao nas escolas de 1 e 2 graus tem tomado novosrumos, com a incluso da disciplina Informtica no currculo. Pelo carter formal em termos legais,pode representar para alguns educadores uma conquista, um progresso educacional. Mas ser que talprogresso significa mudanas na organizao, na concepo e na dinmica da escola? Certamenteno. A incluso de uma disciplina de Informtica no currculo uma atitude que revela uma tendn-cia de o computador ser enquadrado no sistema de ensino vigente.

    Na verdade, a nova disciplina ter um percurso igual ao das demais: reproduzindo e mantendo osmesmos princpios que ainda regem a estrutura do sistema de ensino.

    ...a incluso de novas disciplinas no currculo tradicional tem como efeito apenas avolumar asinformaes e atomizar ainda mais o conhecimento. O currculo tradicional, que j traduzia umconhecimento disciplinar, com esse acrscimo de disciplinas tende a um conhecimento cada vez maisdisciplinado em que a regra principal ser somente um policiamento maior das fronteiras das discipli-nas... Fazenda (1993:15)

    O uso do computador pode e deve transcender essa concepo fragmentada do conhecimento. Aviso que acolhe a Informtica na Educao para reproduzir o sistema de ensino, por meio de maisuma tcnica e/ou como mais uma disciplina do currculo, precisa ser revista. Principalmente quandose tem preocupao efetiva com os aspectos educacionais. Portanto, torna-se fundamental reconhecerque no basta modernizar um paradigma saturado de ensino. necessrio e urgente transformar o

    modelo educacional para que o processo de conhecer e de atuar seja integrado e interdisciplinar. Ocomputador pode contribuir para o estabelecimento desse novo paradigma.

    No entanto, para que tal fato ocorra, o uso do computador na Educao no pode ser visto apenascomo um instrumento que facilita e agiliza o processo de ensino, que motiva o aluno ou modernizao aluno. Esses argumentos, embora possam ser verdadeiros quando se pensa no instrumento compu-tador, so superficiais e insuficientes para provocar mudanas no processo educacional. Em outraspalavras, conceber o uso do computador apenas para facilitar e modernizar o que existe no sistema deensino uma forma de neutralizar o seu uso como um instrumento de mudanas.

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    O que necessrio reconhecer que a grande questo da Educao no futuro da Educao se atecnologia favorecer ou subverter a tecnicidade do que se tornou o modelo terico e, numa grandeextenso, a realidade da escola.(Papert,1994:55)

    No sentido de subverter o modelo educacional, o uso do computador deve ser visto como um

    elemento complicador do sistema de ensino. Isso significa eleger uma forma de usar o computa-dor na Educao como um instrumento que tambm desafia a estrutura da escola, provocando orepensar do processo educativo. Para atuar nesse enfoque, faz-se necessrio conhecer e compreen-der os princpios educacionais construcionistas, que fundamentam a utilizao do computadorcom finalidades educacionais.

    Abordagem pedaggica construcionistaOs princpios da abordagem construcionista vm sendo elaborados por Papert desde a implementao

    da linguagem computacional Logo, no final da dcada de 60. Historicamente, o Construcionismoherdou da psicologia gentica de Piaget o seu principal tributo de que o desenvolvimento cognitivo

    um processo de construo e reconstruo das estruturas mentais. A construo do conhecimento se dpor meio de dois processos fundamentais da inteligncia: a assimilao e a acomodao, que constitu-em os componentes de todo equilbrio cognitivo.

    O entendimento de como o sujeito aprende, do processo de reconstruo do conhecimento, torna-se fundamental para que o enfoque educacional no seja exclusivamente centrado nas formas deensinar. A Pedagogia, ou melhor, a arte de ensinar aquela que deve ter como meta meios de promoversituaes, que produzem maior e melhor aprendizagem, a partir do mnimo de ensino.

    Os princpios pedaggicos, identificados no construcionismo de Papert, foram inspirados em al-guns educadores que h quase 50 anos sinalizaram para atitudes e valores inovadores de uma Pedago-gia desenvolvimentista. Muitos dos seus pressupostos, como aprender fazendo, aprender a aprender,respeitar o interesse do aluno e a aprendizagem significativa, so compatveis com os princpios deuma aprendizagem construtivista.

    Na verdade, existe uma grande conexo entre todos esses atributos considerados psicolgicos epedaggicos, os quais Papert conseguiu sintetizar e materializar, por meio da atividade de programa-o Logo. Assim, pode-se dizer que o construcionismo est pautado nos princpios psicolgicosconstrutivistas, numa viso pedaggica desenvolvimentista e nos aspectos computacionais. No entan-to, esta uma compreenso histrica de uma teoria em construo. O construcionismo deve ser enten-dido como uma teoria em movimento, resultante de uma meta-reflexo de Papert sobre os diferentesmodos de reconstruo do Logo por diferentes comunidades escolares e em diversas culturas.

    Papert (1990) e autores como Harel (1991) e Falbel (1993), destacam aspectos da aborda-gem construcionista8, os quais podem ser enfatizados pelo desenvolvimento de materiais, que

    permitem aos diferentes sujeitos o engajamento em atividades reflexivas e pela criao de ambi-entes de aprendizagem.

    Os materiais que permitem desenvolver uma atividade reflexiva devem favorecer tanto o aprender-com quanto o aprender-sobre-o-pensar. a idia dohands-on ehead in9. Entretanto,hands-on nopode ser compreendido de forma restrita, isso , no fazer pelo fazer.Hands-on implica a construo deum artefato qualquer, escolhido pelo aprendiz e, portanto, significativo para ele. O fato de ser significa-tivo que permite o envolvimento afetivo com aquilo que se pretende produzir. Ao mesmo tempo, oproduto precisa ser algo tangvel, passvel de ser feito e, principalmente, passvel de ser compreendido

    8 Essas idias de Papert sobreconstrucionismo foramestudadas e discutidas emparceria com Fernanda M. P.Freire, na ocasio dapublicao do nosso artigointitulado ProfessoresConstrucionistas: A Formaoem Servio (1995).

    9 Hands-on e head in soexpresses idiomticasdifceis de serem traduzidas.Elas podem ser entendidas,em uma traduo livre, como:mos na mesa e entrar decabea, respectivamente.

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    pelo aprendiz-produtor. Algo que permita ao aprendiz observar durante o processo de construo umautilidade imediata para aquilo que est sendo feito e, conseqentemente, para aquilo que foi aprendi-do durante a sua produo, ou seja, pensar sobre o que foi feito. O sentido pessoal da construo temum carter especial, porque permite ao aprendiz utilizar a imaginao, a fantasia, a criatividade e

    o intelecto.Na criao do ambiente de aprendizagem, alm dos materiais, fundamental que sejam conside-

    radas certas caractersticas como: aescolha, adiversidade e aqualidade da interao. Soessas caractersticas que do consistncia na viabilizao de uma prtica pedaggica construcionista.

    A escolha de uma atividade A escolha de uma atividade de extrema importncia para osucesso da aprendizagem. Mas escolher no uma tarefa simples. O ambiente de aprendizagem, aomesmo tempo que para alguns alunos precisa propiciar um alto grau de liberdade, deve, para outros,constituir-se de uma fonte rica de sugestes de projetos passveis de serem realizados, de acordo comdiferentes nveis de interesse. O que significativo para um aluno, s vezes, no o para outro. A

    escolha de uma atividade pode estar distante do aluno e, muitas vezes, se ele desconhece as possibilida-des de criao, sente-se incapaz de inventar algo suficientemente instigante. O equilbrio entre o quepropicia um desafio e uma frustrao bastante sutil e depende da experincia, da sensibilidade e doconhecimento do professor em compreender esses aspectos em relao a cada aluno.

    A diversidade de situaes A diversidade, por um lado, diz respeito multiplicidade de proble-mas que o ambiente deve oferecer para promover a recontextualizao do conhecimento construdo. Oconhecimento envolvido em cada situao de aprendizagem possui caractersticas particulares, defi-nidas pelo prprio contexto no qual est inserido. Mudar o contexto implica mudar o funcionamentoe as caractersticas daquele conhecimento. Portanto, considerar um mesmo conhecimento a partir de vrios pontos de vista, isso , reorganiz-lo em funo dos diferentes contextos, o que garante aprendizagem um nvel mais profundo (Ackermann, 1992); (Mantoan et all, 1993).

    A diversidade de aprendizes Por outro lado, a diversidade est relacionada aos vrios tipos deaprendizes que constituem o ambiente de aprendizagem. Um grupo de aprendizes pode ser formadopor sujeitos mais ou menos experientes, que desempenhem uma variedade de papis no aprendercompartilhado. O mais experiente freqentemente instiga o que tem menos experincia a superarlimitaes momentneas. Por sua vez, o menos experiente demanda do mais experiente umaexplicitao mais detalhada do seu prprio conhecimento e o estabelecimento de relaes ainda noconsideradas. A heterogeneidade de um grupo de aprendizes pode romper com a possibilidade do apren-der padronizado, porque destaca o modo pelo qual cada sujeito coloca em ao suas hipteses.

    A interao que se estabelece no contexto Um grupo de aprendizes, formado por alunos eprofessor, constitui- se na interao, no trabalho compartilhado e coletivamente significativo. Apren-der com o outro no uma atividade puramente intelectual, impessoal. A troca cognitiva precisa se darde forma confivel, estabelecendo, pela ao conjunta, uma sincronia, no tempo e no lugar, entre aspessoas. A constituio de um grupo de trabalho a partir desses princpios garante o crescimento inte-lectual e pessoal de modo geral. Existe aceitao e confronto de pontos de vista. Busca-se no trabalhocoletivo um sentido real para sua realizao, destacando-se a importncia da contribuio e do

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    envolvimento de cada integrante do grupo (Freire & Prado, 1995).Um ambiente de aprendizagem que propicia vivenciar tais caracterstiscas pressupe a utilizao

    do computador, segundo a abordagem construcionista que materializada no uso da linguagem Logo.Em outras palavras, a linguagem de programao Logo, vista como uma ferramenta educacional,

    pode viabilizar os princpios construcionistas. Por isso, faz-se necessrio conhecer alguns aspectosdesta linguagem de programao e suas implicaes pedaggicas.

    Logo linguagem de programao e suas implicaes pedaggicasA linguagem de programao Logo foi desenvolvida com finalidades educacionais por um grupo

    de pesquisadores do Massachussetts Institute of Technology (MIT-USA), liderados pelo Prof. SeymourPapert. uma linguagem considerada, ao mesmo tempo, simples e sofisticada. Do ponto de vistaeducacional, uma linguagem simples, porque possui caractersticas que torna acessvel o seu uso porsujeitos de diversas reas e de diferentes nveis de escolaridade. Computacionalmente, Logo conside-rada uma linguagem bastante sofisticada, por possuir caractersticas pertencentes a trs paradigmas

    computacionais distintos: o procedural, o orientado a objetos e o funcional. Entretanto, Logo maisconhecido pelo paradigma procedural, especialmente, o Logo Grfico10.O Logo Grfico caracteriza-se pela presena de um cursor, representado pela figura de uma

    Tartaruga, que pode ser deslocada no espao da tela atravs de alguns comandos primitivos11. Amanipulao da Tartaruga permite ao sujeito lidar com o espao topolgico e caracteriza um modode fazer Geometria, conhecida pelo nome de Geometria da Tartaruga. Os comandos bsicos12 daTartaruga so:

    A explorao desses comandos, geralmente, feita no modo direto de uso. No modo direto, o sujeitocomanda a Tartaruga para executar algo na tela e constata passo a passo o efeito dos comandos.

    10 Sero abordadas somente ascaractersticas do LogoGrfico por serem objeto deanlise das situaes citadasneste livro.

    11

    Somente na primeiraapresentao dos comandoseles aparecem escritos porextenso. Nos demaismomentos, sero abreviados.Exemplos: parafrente (pf),paratrs (pt), paradireita (pd) eparaesquerda (pe).

    12 Esto relacionadosespecificamente os comandosque aparecem nas vriassituaes deste estudo.

    Quadro 1: Os comandos bsicos da tartaruga

    parafrente

    paratrs

    paradireita

    paraesquerda

    repita

    (desloca a Tartaruga para a frente um determina-

    do nmero de passos)

    (desloca a Tartaruga para trs um determinado

    nmero de passos)

    (gira a Tartaruga direita um determinado ngulo)

    (gira a Tartaruga esquerda um determinado n-

    gulo)

    (repete a lista de instrues um determinado n-

    mero de vezes)

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    O USO DO COMPUTADOR30

    Por exemplo:Suponha que o sujeito pretenda ensinar a Tartaruga a desenhar a figura de um quadrado na tela

    do computador.

    COMENTRIOSPara desenhar o quadrado, a Tartaruga precisa girar o ngulo de 90 graus.

    Mas a Tartaruga executou exatamente o que foi digitado pelo sujeito: pd

    60. Diante do resultado na tela, o sujeito pode rever e refletir na sua des-

    crio (aopensamento) e, seguidamente, modific-la em busca do re-

    sultado desejado.

    Figura 6: Representao dos comandos e seus efeitos passo a passo

    Modo DireitoSujeito digita

    Tartaruga executa na tela

    pf 50

    pd 60

    pd 30

    pf 50

    pd 90

    pf 50

    pd 90

    pf 50

    pd 90

    comentrios

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    No processo de ensinar a Tartaruga a desenhar uma determinada figura como no exemplo afigura de um quadrado, o sujeito acaba descrevendo, por tentativa, intuitivamente ou no, as propri-edades da figura geomtrica. O mais importante que o sujeito vai construindo essa descrio peloprocesso de fazer. No processo de aprender fazendo, o sujeito coloca em ao suas hipteses acerca de

    um determinado conhecimento e, por meio dofeedback do computador, pode constatar, refletir emodificar seu pensamento na ao.

    Nessa situao de aprendizagem, o sujeito explora vrios conceitos, tais como: noes espaciais,seqncia, nmeros em relao a distncia e ao giro, estimativa, reversibilidade, operaes aritm-ticas (adio e subtrao) e geometria. O modo direto possui caractersticas que atendem a deter-minados objetivos educacionais e, particularmente, favorece o sujeito quando necessita do apoiofigurativo para compreender e colocar em ao os aspectos operacionais do pensamento em relao especificidade do problema.

    A descrio feita na medida em que se realiza cada passo da soluo do problema. As hipteses eas antecipaes de resultados so locais e podem ser constatadas pelo sujeito passo a passo. Portanto, o

    modo direto de comandar a Tartaruga caracteriza-se pela reflexo-na-ao.Quando o uso da linguagem Logo enfatiza a atividade de programar, as aes da Tartaruga sodescritas no modo de edio, pela definio de procedimentos. Para definir um procedimento, o sujeitod um nome qualquer e descreve (via comandos da linguagem) uma seqncia de aes que ficaarmazenada na memria do computador para ser executada pela Tartaruga no momento desejado.

    Por exemplo:Suponha que o sujeito pretenda definir um procedimento para a Tartaruga desenhar a figura de

    um quadrado na tela do computador.

    Figura 7: Representao da definio do procedimento quad

    Modo de EdioNa tela do Editor, o sujeito digita:

    aprenda quad

    pf 50

    pd 60

    pf 50

    pd 60

    pf 50

    pd 60

    pf 50

    pd 60

    fim

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

    comentrios

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    O USO DO COMPUTADOR32

    COMENTRIOSNa descrio do procedimento quad, o sujeito

    mostra a sua hiptese em relao ao ngulo da

    figura do quadrado. Ele s pode constatar se a

    descrio do procedimento produz o resultadoesperado (giro reto) quando sair do modo de

    edio e, no modo direto, digitar o nome do pro-

    cedimento definido quad. A Tartaruga executa,

    na tela, exatamente o que foi descrito pelo sujei-

    to. Ao checar o resultado diferente do esperado,

    o sujeito rev sua descrio, reflete sobre sua

    ao-pensamento, buscando compreend-la e

    modific-la para obter o resultado esperado.

    13 Valente (1995) aborda noartigo intitulado O Papel doProfessor no Ambiente Logoo percurso desde a criaode Logo at as questesemergentes quando Logo passaa ser utilizado na escola Valente J.A. (org.) A Formaodo Professor e sua Atuaono Ambiente Logo.

    14 Mais dados sobre esteprojeto constam da publicao:Andrade, P. F. & Lima, M. C.M. A. (1993).

    No modo de edio, o sujeito explora os mesmos conceitos possveis de ser explorados no mododireto. No entanto, para definir procedimentos, isso , para programar, ele instigado a anteciparresultados e a fazer relaes mais complexas, buscando novas compreenses em termos conceituais ede estratgias. Por essa razo, o uso da linguagem Logo deve ser compreendido, considerando-se aamplitude de possibilidades educacionais, o que propicia o desenvolvimento de formas mais elabora-das de pensamento, por meio da atividade de programao.

    Outro aspecto importante da atividade de programar que o sujeito pode se distanciar, brevemente,da sua descrio passo a passo e, conseqentemente, da execuo passo a passo da Tartaruga. Estedistanciamento implica um nvel de reflexo mais global, pois o sujeito precisa considerar as relaesexistentes em sua descrio feita durante a definio do procedimento. Refletir sobre um conjunto decomandos, conceitos e suas relaes, objetivando uma resoluo explcita na tela, implica a superaodo saber fazer pelo saber compreender. Em poucas palavras, nesse processo, o sujeito est refletindosobre a aopensamento.

    O uso do computador nessa perspectiva pode ser extremamente importante no processo de apren-dizagem do aluno e do professor, pelo fato de vivenciarem a reflexo-na-ao e a reflexo-sobre-aode forma dinmica e quase que simultnea. Por isso, o entendimento dessas implicaes fundamen-tal para a prtica do professor. Saber intervir no processo de aprendizagem do aluno demanda novascompreenses, tanto no mbito computacional, como no mbito da nova abordagem pedaggica.

    O professor no ambiente LogoO papel do professor no ambiente Logo uma questo que, recentemente, vem sendo discutida.

    Isso somente comeou a acontecer quando o Logo passou a ser utilizado nas escolas13. No Brasil, aformao de professores para atuar no ambiente Logo teve incio com o Projeto de Informtica Educativado MEC, por volta de 1984, com a criao do Projeto Educom14.

    Ultimamente, foram realizados e publicados estudos sobre a formao do professor e sua atuaono ambiente Logo. Alguns autores como: Neto (1992), Alto (1993), Menezes (1993), Prado & Barrella(1994), Almeida (1996), Bustamante (1996), Fagundes & Petry (1996), Freire & Prado (1995), Fres(1996), Valente (1996) discutem as caractersticas do papel do professor e constatam, de forma unni-me, a necessidade da mudana de sua postura para atuar no ambiente Logo.

    Figura 8: Representao da execuodo procedimento quad

    Para a Tartaruga executar

    Modo direito

    quad tartaruga executa na tela

    Sujeito digita

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    A caracterizao da postura do professor no ambiente Logo vem sendo pautada em algumas pre-missas, especialmente da teoria de Piaget, Vigotsky, Freire e Papert. inegvel que essas premissasdevem ser compreendidas e a maioria delas precisa ser recontextualizada num novo ambiente deaprendizagem, o qual incorpora o uso do computador. Assim, torna-se tambm necessrio integrar a

    essa nova postura do professor os aspectos inerentes ao conhecimento da ferramenta os conceitoscomputacionais e as relaes existentes entre os contedos envolvidos.

    No contexto da escola, a atuao do professor no ambiente Logo, muitas vezes, revela uma com-preenso equivocada e mesmo simplista dos princpios delineadores de uma nova prtica pedaggica.Isso significa que alguns dos pressupostos da abordagem construcionista so interpretados literalmen-te e tratados na prtica de maneira restrita. Conseqentemente, esse fato acaba comprometendo eobscurecendo o processo de mudana de postura do professor. Por isso parece-me pertinente discutiralguns desses aspectos a partir de tais afirmativas:

    O professor precisa deixar o aluno descobrir para aprender importante que o aluno

    descubra suas estratgias e experimente suas hipteses, fazendo as comparaes e as relaes entre osfatos, os objetos e as idias que perpassam seu ambiente. Entretanto, o processo de descoberta pode serentendido de modo que o aluno necessite descobrir tudo para construir o conhecimento. Uma situaoque exemplifica essa interpretao quando o professor espera que o aluno adivinhe os nomes dos co-mandos para poder deslocar a Tartaruga na tela do computador ou como ligar o computador. Os coman-dos de uma linguagem artificial so cdigos que possuem certa convencionalidade, segundo a elabora-o do software. Existem vrias verses da linguagem Logo que apresentam um vocabulrio diferenciadode alguns comandos. um tipo de conhecimento que deve ser dado ao aluno e estar disponvel.

    O processo de descoberta, por sua vez, pode tornar-se significativo e interessante de ser exploradoem termos conceituais e de estratgias, quando o aluno comanda a Tartaruga, visando soluo deum determinado problema. A questo saber fazer a diferenciao entre o que deve ser explicitado einformado ao aluno e o que se deve deixar implcito para ser explorado e descoberto (Ackermann,1990). O que pode orientar o professor nessa diferenciao a clareza de objetivos bem como o conhe-cimento do potencial dos recursos pedaggicos utilizados.

    O professor deve conhecer o desenvolvimento cognitivo do sujeito-aluno Eviden-temente. Mas o ato educativo no pode restringir-se ao processo de investigao do desenvolvimentocognitivo do aluno. Esse aspecto muito importante e deve estar integrado na prtica do professor.Embora o uso de Logo favorea o professor a conhecer os aspectos cognitivos e emocionais do aluno, otrabalho pedaggico deve ir alm da investigao. A nfase dada na investigao pode afastar o profes-sor de propiciar situaes adequadas aprendizagem do aluno.

    Na perspectiva construcionista, cabe ao professor e ao aluno assumirem uma atitude pedagogica-mente ativa diante do processo de aprendizagem. Nesse sentido, o professor, alm de considerar osmomentos de explorao e de descoberta do aluno, deve criar mecanismos, com base na sua investiga-o, para que o aluno possa construir um determinado conceito. Ser um professor ativo significadesenvolver aes pedaggicas, como orientar e sistematizar a busca de informaes, recontextualizaras situaes de aprendizagem, incentivar a experimentao e a explicitao, refletir idias, depur-lasetc. Enfim, constituir uma dinmica em que, ao mesmo tempo que investiga, ele atua como parceirono processo educativo, desprovido de controle ou preconceitos, em direo ao crescimento de ambos.

    CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

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    O USO DO COMPUTADOR34

    O professor deve desafiar o aluno Desafiar cognitivamente importante, mas ser queem termos emocionais tambm? Saber em que momento desafiar nem sempre fcil. No processoeducativo, necessrio considerar o sujeito na sua totalidade. Existem momentos em que os aspectosemocionais esto mais prementes de serem tocados e um desafio pode ser bastante inadequado.

    sobretudo nesses momentos que os acertos, o sentir-se capaz e a confiabilidade podem favorecer asuperao de bloqueios que impedem e dificultam a aprendizagem do sujeito.

    De maneira anloga, deve ser tratado o papel do erro no processo da aprendizagem. Nem sempre oerro produz o efeito desejado, isso , de instigar o sujeito a buscar novas compreenses. Lidar com osaspectos positivos do erro, como um elemento de desafio que leva o aluno a refletir e a depurar suasidias, encontrando novos caminhos, no uma tarefa simples para o professor. No basta saber que oerro importante para o aprendizado do aluno. preciso compreender tal fato, considerando o mo-mento e a diversidade de cada sujeito.

    Certamente, uma determinada situao pode apresentar-se para alguns como um desafio e paraoutros como uma frustrao. por essa razo que um pressuposto pedaggico no pode ser compreen-

    dido como uma regra para ser simplesmente aplicada no processo educativo. Compreender um pres-suposto significa saber relativiz-lo, recontextualiz-lo e integr-lo na sua prtica, tendo em vista oobjetivo que se deseja alcanar.

    O professor no o dono do saber; ele aprende com o aluno uma afirma-tiva bastante sbia, se for sabiamente compreendida. J dizia Guimares Rosa, ...o mestre no aquele que sempre ensina, mas aquele que de repente aprende.

    No contexto da escola, o uso do computador, baseado na abordagem construcionista, vemdesestabilizar uma prtica pedaggica que ainda perdura estruturada numa viso mecanicista deensino. A mudana de princpios e da prtica pedaggica um processo que o professor precisa recons-truir. Para tanto, fundamental ao professor aprender a aprender. Isso no fcil, porm. Existembloqueios pessoais e institucionais. O professor um profissional que tem o seu saber academicamentelegitimado. Por isso, a compreenso de tal afirmativa poderia libert-lo de certas amarras que o impe-dem de embarcar, prazerosamente, no processo de estar constantemente aprendendo.

    Essa afirmativa tambm pode ser interpretada de forma distorcida, isentando o professor danecessidade de estar sempre buscando novos conhecimentos. Isso em geral se torna evidente quan-do ele comea a interagir com o aluno programando. Embora o professor, para atuar com Logo,aprenda os conceitos bsicos da linguagem e alguns dos princpios construcionistas, oaprofundamento e a expanso desses conhecimentos dificilmente acontecem. O problema que, noseu dia-a-dia, o professor comea a deparar-se com situaes de programao inusitadas, que reve-lam para ele mesmo a limitao do seu conhecimento. Diante de tais situaes, o professor reage,

    superando suas limitaes ou, como tem acontecido freqentemente, ele passa a justificar a sua faltade conhecimento apoiando-se na afirmativa: o professor no o dono do saber. Ele est sempreaprendendo com o aluno.

    Uma coisa o professor