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[email protected] @jornallona lona.up.com.br O único jornal-laboratório DIÁRIO do Brasil Ano XII - Número 638 Jornal-Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo O olhar de Aline Reis sobre as crian- ças e jovens do acampamento Pág. 8 Coluna Ensaio fotográfico Governo veta kit contra homofobia em escolas Suelen Lorianny “The Puppet Show”: o dia em que os direi- tos iguais chegaram aos seriados José Carlos Fernandes, o mestre dos perfis da Gazeta do Povo Pág. 7 Perfis A presidenta Dilma Roussef vetou ontem projeto do Ministério da Educação que entregaria kits contra a homofobia em mais de seis mil escolas. Grupos que lutam por direitos humanos afirmam que a presidenta cedeu a pressões da bancada evangélica no Senado. Pág. 3 Os tablets, os impos- tos e o mercado bra- sileiro Pág. 6 Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011 Especial No coração vermelho do MST Por Aline Reis e Suelen Lorianny Pág. 4 e 5

LONA 638 - 27.05.2011

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Jornal-laboratório diário do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo.

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Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011

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lona.up.com.br

O único jornal-laboratório

DIÁRIOdo Brasil

Ano XII - Número 638Jornal-Laboratório do Curso de

Jornalismo da Universidade Positivo

O olhar de Aline Reis sobre as crian-ças e jovens do acampamento

Pág. 8

Coluna

Ensaio fotográfi co

Governo veta kit contra homofobia em escolas

Suelen Lorianny

“The Puppet Show”: o dia em que os direi-tos iguais chegaram aos seriados

José Carlos Fernandes, o mestre dos perfi s da Gazeta do Povo

Pág. 7

Perfi s

A presidenta Dilma Roussef vetou ontem projeto do Ministério da Educação que entregaria kits contra a homofobia em mais de seis mil escolas. Grupos que lutam por direitos humanos afi rmam que a presidenta cedeu a pressões da bancada evangélica no Senado.

Pág. 3

Os tablets, os impos-tos e o mercado bra-sileiro

Pág. 6

Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011

Especial No coração vermelho do MSTPor Aline Reis e Suelen Lorianny Pág. 4 e 5

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Expediente

Reitor José Pio Martins

Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração Arno Gnoatto

Pró-Reitora de Graduação Marcia Sebastiani

Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Bruno Fernandes

Coordenação dos Cursos de Comunicação SocialAndré Tezza Consentino

Coordenadora do Curso de Jornalismo Maria Zaclis Veiga Ferreira

Professores-orientadores Elza Aparecida de Oliveira Filha e Marcelo Lima

Editores-chefes Daniel Zanella, Laura Bordin, Priscila Schip

O LONA é o jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universi-dade Positivo. Rua Pedro Viriato Parigot de Souza, 5.300 -

Conectora 5. Campo Comprido. Curitiba -PR CEP 81280-30

Fone: (41) 3317-3044.

EditorialA penúltima edição do

Lona deste primeiro se-mestre letivo - em ritmo de balanço editorial - pode servir de ligeiro parâmetro para algumas especulações acerca do jornalismo im-presso e da própria função de edição:

- O jornalismo impresso não mais desperta a aten-ção plena dos leitores mais jovens, grandes consumi-dores e produtores da in-formação, a ponto de eles interagirem no processo de crítica e construção do jornal de amanhã. Não há como aferir ainda se é uma questão de ausência de há-bito, interesse ou falha de comunicação.

- É cada vez mais difícil lutar contra o imediatismo e a banalidade da informação provida pela internet.

- A internet não é exata-mente uma vilã. É, inclusive, um suporte indispensável no fazer jornalístico atual, cada vez mais dinâmico e expansivo. O que pode ser averiguado de antemão é que os universitários dis-pensam um tempo precio-so na manutenção de suas

redes sociais e ferramentas de interação virtual. Deter-minados discursos parecem não encontrar hipóteses de recepção.

- Reportagens mais den-sas e de caráter analítico mais depurado não são fa-cilmente assimiladas e as possíveis discussões não ex-trapolam âmbitos pessoais ou nichos opinativos.

- Não conseguimos implan-tar uma reformulação gráfica capaz de conquistar o leitor mais, digamos, visual, o que nos remete para a necessida-de de uma maior integração entre os cursos de Jornalismo e os cursos de Publicidade e Design.

- Erramos demasiamente em confecções importantes, como numeração de páginas, padrões de diagramação e le-gendas, entre outras coisas, simples e urgentes.

- Tentamos elaborar um pe-riódico que abordasse o maior número possível de horizontes, brigasse diariamente pelos di-reitos humanos e entregasse ao leitor um certo espelhamento do que os editores são e alme-jam ler e saber em um jornal.

Boa leitura a todos.

O oportunismo e o tratamento da violênciaDaniel D’Alessandro

Opinião

Após os incidentes trágicos ocorridos em uma escola da rede pública em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, tem-se debatido na mídia brasileira a possibilidade de um referendo sobre o desarma-mento no país. A ideia foi intro-duzida na sociedade por muitas vozes, e ganhou coro na aderên-cia de figuras políticas influentes no cenário do planalto central, como o presidente do Senado Fe-deral, José Sarney (PMDB-AP).

Aliados de Sarney, membros da cúpula do Ministério da Justiça, organizações não-governamentais e cidadãos comuns têm sinalizado pela necessidade da revisão na lei de portes de armas de fogo. Isso significaria o enrijecimento na fis-calização do seu uso, o que possibi-litaria decisivamente a diminuição da criminalidade e de novas ocor-rências como a chacina carioca.

O referendo que mudaria a for-ma como o Estado encara o uso de armas praticamente anularia de-cisão adotada democraticamente há seis anos, quando foi realizado um referendo. A discussão aflorou nas últimas semanas, apoiada no

oportunismo de políticos que, em momentos de grande preocupação social com a segurança pública, tentam demonstrar ações positivas a favor da população. Sarney, nos dias em que a maioria dos brasi-leiros sente-se desprotegida em relação à violência iminente, apre-senta-se como porta-voz do tema.

Há muito tempo que o uso de tragédias populares para buscar audiência é notado nas raposas brasileiras. Nos dias seguintes de grandes chacinas, rebeliões cine-matográficas, enchentes e gran-des deslizamentos de terra, go-vernos municipais, estaduais e da esfera federal anunciam me-didas de notáveis proporções para a solução dos problemas.

É um erro grotesco com-bater a violência urbana com base na repressão depois de fa-tos negativos. O Brasil vem se acostumando a “esperar” situ-ações-limite para que atitudes consistentes – ou retoricamente consistentes - sejam tomadas. Re-tirar as armas dos cidadãos após a tragédia da escola do Rio de Janei-ro não contribuirá com a solução.

No caso da proibição total do uso de armamentos no país, bandidos e maníacos, como Wellington, entregarão os obje-tos que utilizam para cometer os graves delitos? A resposta é não.

O desarmamento defendido tiraria de circulação os revólve-res, espingardas, carabinas etc, de pessoas comuns que colecio-nam, caçam ou que possuem a documentação específica para a defesa pessoal, se necessária. Os casos da pesca e caça podem re-presentar delitos ambientais, sem justificar a atenção e a energia or-çamentária da segurança pública.

As metralhadoras, pistolas, fu-zis, submetralhadoras, granadas e afins continuariam a circular li-vremente nos mercados negros (manchados de sangue) existentes no Brasil. Combate à violência se faz, de forma paliativa, no investi-mento do policiamento de frontei-ra, na contratação e valorização de policiais. Já em longo prazo, não há outra saída para o problema, senão repetir o já batido e cansati-vo argumento da importância da educação e do fim da corrupção.

Quem nunca comprou um produto com defeito e teve que ficar horas no telefone apertando infinitos núme-ros, sem resultado? O servi-ço de atendimento ao consu-midor (SAC) das empresas tem o objetivo de resolver problemas do consumidor durante 24 horas por dia.

O que acontece é que o consumidor leva mais tem-po esperando no telefone do que sendo atendido. Sem contar o número de vezes que a pessoa tem que repetir os dados pessoais e é trans-ferida para outros setores.

De acordo com a regula-mentação desse tipo de ser-viço, o número de telefone para entrar em contato com a empresa deve estar visível no produto e nos documen-tos de contratação. Além disso, as opções de cancela-mento e de reclamações de-vem ser as primeiras alter-nativas durante a ligação, já

que são as mais procuradas. Muitas vezes, o consu-

midor quer apenas cance-lar um serviço. Em vez de agilizar este processo, os atendentes são instruídos a tentar convencê-lo a conti-nuar cliente; às vezes, pro-põem uma mudança de pla-no que parece ser melhor, normalmente acompanhado de um ano de fidelidade.

Não é apenas por meio do SAC que o atendimento deixa a desejar. Mesmo no Procon, o serviço pode ser lento, e o consumidor, muitas vezes, não consegue resolver o pro-blema na hora. Ele é encami-nhado para outros setores. Passa tempo nas filas, e nem sempre recebe a orientação adequada sobre o que fazer.

O maior problema das empresas que têm como ob-jetivo auxiliar o consumidor é a falta de profissionais instruídos e que saibam en-caminhar o cliente ao setor

adequado. Em grande par-te, as empresas não sabem se posicionar sobre o assun-to; e o que é pior: o atendi-mento muitas vezes precisa ser realizado por telefone, obrigando-o a esperar horas para ser atendido. E ter que ouvir gravações tais quais: “O que o senhor deseja?”.

A má qualidade do aten-dimento ao cliente pode provocar queda nas vendas e no faturamento da empre-sa. Isso ocorre não somente em caso de um atendimen-to telefone mal-sucedido, mas também quando o consumidor decide se este produto ou serviço é real-mente aquilo que procura.

Além de produzir ar-tigos de qualidade e criar serviços que realmente atendam as necessida-des do consumidor, mu-dar os padrões de aten-dimento é fundamental para garantir a clientela.

Atendimento ao consumidor: será que ele realmente é eficiente?

Amanda Fernandes

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Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011 3

O kit contra a homofobia, um projeto do Ministério de Educação, e que seria distribu-ído em mais 6 mil escolas do ensino médio pelo país, não foi oficialmente finalizado pelo governo. Houve vazamento de alguns vídeos na internet que seriam apresentados com esse material e que acabaram causando grande polêmica. O kit educativo foi produzido por pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos e da po-pulação LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis), e tinha como função diminuir o pre-conceito existente hoje na so-ciedade.

Com o desenrolar da po-lêmica durante o decorrer da semana, a presidenta da Re-pública Dilma Rousseff, optou ontem, 26, por cancelar a dis-tribuição do kit educativo do projeto Escola Sem Homofo-bia. ABGLT alega que a deci-são da presidenta teve grande influência da bancada religio-sa. Edinei Ferreira, Presbite-riano, embasa a decisão do governo.“Baseado na palavra de Deus que criou macho e fê-mea, nós não podemos aceitar e concordar com esse tipo de relacionamento”, diz.

O cancelamento do projeto causou grande surpresa para o presidente da Associação Bra-sileira de Lésbicas, Gays, Tra-vestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis, e grande polêmica entre a Associação e suas 237 ONGs afiliadas. “Temos que saber direitinho o que aconte-ceu. Por enquanto, temos que pedir muita calma a todos e todas antes de tomar qualquer medida”, disse ele ao portal Terra Magazine. O grupo redi-girá uma nota oficial que será distribuída para a imprensa.

O kit foi avaliado por di-versos órgãos e instituições, como o Conselho Federal de Psicologia, a UNESCO, a UNAIDS, o CEDUS (Centro de Educação Sexual), a União de Estudantes e a União Bra-sileira dos Estudantes Secun-daristas. Em nota oficial a As-sociação Brasileira de Lésbica, Gays, Travestis e Transexuais afirma que o cancelamento da distribuição do kit representa um grande retrocesso no com-bate a discriminação e a vio-lência homofóbica.

Segundo a ministra de Di-reitos Humanos, Maria do Rosário, o número de homos-sexuais mortos no Brasil todos os anos é um “absurdo”. O Grupo Gay da Bahia divul-gou um relatório que mostra que no Brasil a cada 36 horas

A presidenta Dilma Rousseff prorroga a distribuição dos kits; ABGLT alega pressão da bancada religiosa do Senado

HOMOFOBIA

Suspensa a distribuição dos Kitscontra a homofobia

Barbara Zem

um homossexual é morto. Nos últimos 5 anos essa estatística aumentou 113%. Só no ano de 2010 foram mortos 260 homos-sexuais no país e apenas nos três primeiros meses deste ano 65 foram assassinados.

Segundo pesquisa realiza-

da em 13 capitais brasileiras (Belém, Cuiabá, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, e Vitória) e no Distrito Federal em 2004, pela UNES-CO, 39,6% dos estudantes

masculinos não gostariam de ter um colega homossexual na sala, 35,2% dos pais não gosta-riam que seus filhos estudas-sem com um homossexual e 60% dos professores dizem não saber como lidar com a questão da homossexualidade em sala.

Priscila Schip

Homossexuais reivindicam seus direitos e alegam que a cartilha foi aprovada por vários órgãos de defesa dos direitos humanos

Na estação, as pessoas ficam mais vulneráveis a diversos tipos de doenças respiratóriosChegada do inverno exige cuidados

A queda de temperatura, além de trazer baixa umidade do ar, faz com que algumas pessoas sofram com tosses, espirros e infecções durante o inverno. As doenças mais comuns dessa estação são as que atingem o aparelho respirató-rio e a garganta, entre elas estão a gripe, o resfriado, a rinite e até as alergias.

Blusas de lã, cachecóis, casa-cos, além de evitar se expor ao vento e ingerir algo gelado, são opções que várias pessoas se-guem durante a fria estação, po-rém, apenas isso, nem sempre, é o suficiente.

“A maioria das doenças po-

dem ser prevenidas quando as pessoas evitam lugares aglome-rados, além disso, deve-se ingerir água, cuidar da higiene e evitar choques térmicos, contribui na prevenção”, afirma o médico e professor da UP Moacir Pires Ramos.

Mais preocupante

A gripe H1N1 é a doença que causa mais preocupações à popu-lação, já que nos últimos anos cau-sou muitas mortes. A campanha de vacinação contra a Influenza A, neste ano, vai até 13 de maio. Idosos, trabalhadores da área de saúde, povos indígenas, crianças de seis meses a dois anos e gestan-

tes serão imunizados. Os demais grupos de pessoas que receberam a vacina no ano passado não pre-cisam ser vacinados, pois já estão imunes.

Além da vacinação é possível se prevenir através de cuidados básicos de higiene, como lavar as mãos com sabonete e evitar colo-cá-las nos olhos, bocas e ouvidos; cobrir com lenço descartável o nariz e a boca ao tossir ou espir-rar e não compartilhar alimentos, copos e toalhas. Deve-se evitar, também, ficar em ambientes fe-chados com grande aglomeração de pessoas e usar medicamentos sem orientação médica.

Ramos afirma que em todo

inverno há casos da gripe A, po-rém neste ano não é esperado um grande número de casos resultan-tes em uma epidemia, como nos anos anteriores.

Mesmo 2011 não sendo con-siderado um ano epidêmico, a Universidade Positivo (UP) dis-ponibilizará álcool em gel para desinfectar as mãos, além de car-tazes orientando as pessoas de como se prevenir.

Outras consequênciasNão são apenas doenças as

consequências de um inverno rigoroso, mas todo o organismo humano pode ser afetado. Res-secamento de pele é um fator co-

mum, principalmente por conta do ar seco, e isso pode ser tratado com cremes e sabonetes indicados por dermatologistas. Também é normal pessoas sentirem dores em ossos já fraturados por conta da mudança da pressão atmosfé-rica e ressecamento nos olhos.

O que poucas pessoas conhe-cem é a chamada Depressão de Inverno ou Depressão Sazonal, que é caracterizada por episódios depressivos durante a estação do inverno. Isso acontece principal-mente pela falta de luminosidade e atinge cerca de 1% da população brasileira, por ser um país tropi-cal. Já na Europa os casos chegam a 10% da população.

Larissa Nichele

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Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011

Reforma Agrária: a terra A luta de alguns para a construção da soberania alimentar no Paraná; é assim que o Movimento dos

Aline Reis Suelen Lorianny

“Vem, lutemos de punho erguido! Nossa força nos leva a edificar nossa pátria livre e forte, construída pelo poder popular” – com os bra-ços para cima, mãos fechadas, os militantes cantam o refrão do seu hino. Anseiam por um lugar onde possam produ-zir, onde todos tenham terra e não haja fome. Buscam so-berania alimentar e, para al-cançar esse objetivo, sabem o caminho: reforma agrária.

A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), também divulgada no fim do ano passado, apon-ta que cerca de 2,4% dos lares paranaenses não têm segu-rança alimentar.

Por outro lado, a safra de grãos do Paraná foi a segunda entre todos os Estados do Bra-sil. Para este ano, a previsão é de 31,1 milhões de toneladas de grãos na safra, de acordo com dados da Secretaria Esta-dual de Agricultura e Abas-tecimento (SEAB). Toda esta produção vai para fora do país. Atualmente a produção paranaense representa 13% das exportações nacionais.

Cerca de 1,05 milhão de hectares são cultivados no Paraná. Com esta área, seria possível alimentar milhares

de pessoas. As propriedades rurais, contudo, são imensos latifúndios de monocultivo. “As grandes propriedades visam o lucro, e têm produ-ções mercadológicas, como a soja e a cana-de-açúcar”, diz o assessor jurídico da organiza-ção não-governamental Terra de Direitos, Fernando Prioste.

A soberania alimentar da população depende também da produção, mas existe uma barreira para que o Estado seja autossuficiente na produção de alimentos. “Temos dados do último Censo Agropecuá-rio que dizem que o pequeno e o médio agricultor produzem mais da metade dos alimentos do Brasil. E eles fazem isso em apenas 10% das terras plantadas do território”, ex-plica Prioste. No trajeto da luta contra a fome está a não-realização da reforma agrá-ria no Brasil. “O censo agro-pecuário mostra que 1% dos proprietários de terra detém 49% delas. Então existe uma necessidade política, social e jurídica de que a reforma agrária aconteça. A concen-tração de terras é um dos fatores que mais geram desi-gualdade social”, acrescenta o assessor.

O órgão responsável pela distribuição de terras é o Instituto Nacional de Colo-nização e Reforma Agrária (Incra). Mas para que lati-

fúndios sejam desapropria-dos é necessário que exista o descumprimento das regras funcionais da terra. Estas são questões ligadas aos direitos trabalhistas, preservação am-biental, produtividade e fun-ção social. “Uma dificuldade para o Incra é a Constituição ultrapassada. A lei que rege o quesito de produtividade é de 1975, ou seja, quando a produção era menor. Por ou-

tro lado, as demais funções da terra não são avaliadas pelo Incra”, diz Prioste.

Com a troca de governo, os movimentos sociais – es-pecialmente os do campo – estão apreensivos, devido às ações truculentas nos man-datos do ex-governador Jai-me Lerner (PFL, atual DEM).

Para militantes dos movi-mentos a repressão é certa,

mas os analistas preferem ser mais cautelosos. “O go-vernador Beto Richa (PSDB) tem ligações com a bancada ruralista e isso talvez seja um obstáculo para a reali-zação da reforma (agrária), mas temos que ter atenção sobre isso, ainda não há como definir já que o go-verno é recente”, completa ele.

Uma vassoura de palha cus-ta, em média, cinco reais. Eu tenho uma vassoura de palha. Só não imaginava como era um “pé” de vassoura. Conheci, en-tão, o acampamento Manoel Jacinto Correia, em Florestó-polis, município ao Norte do Paraná. Mais do que isso. Colhi as vassouras (ou “bassouras”) ,como dizem os acampados.

Seu Zé e dona Tereza me levaram até a roça deles. Fa-zia um sol tremendo. Ele é um

homem alto e de peso médio. Tem pele queimada de sol e fala muito rápido. Ela é negra, tem um sorriso largo, fala devagar e é de uma alegria inebriante.

Inebriei-me porque naquelas terras da Fazenda Santa Maria – agora ocupadas por homens e mulheres do MST – dona Tere-za viu seu pai morrer. Dona Te-reza trabalhou no corte de cana naquelas terras desde os doze anos. Agora ela deve ter uns quarenta e cinco. Aparenta isso. Talvez tenha menos. Não sei.

O velho morreu de exaus-tão. Trabalhou até a morte.

A fazenda foi ocupada há

pouco mais de um ano. Mas ela esteve lá a sua vida toda. Os “donos” das terras, conhecidos como Atala, não reivindicaram reintegração de posse. Deve ser porque havia trabalho escravo naquele lugar. Há um cemitério clandestino e um tronco onde pretos apanhavam. Depois da abolição o tronco permaneceu lá. Até os trabalhadores e tra-balhadoras do MST chegarem.

Para colher vassouras, o primeiro passo é cortar a par-te da palha. Mais ou menos como se faz com a cana. Você passa horas fazendo isso. O sol é infernal. O almoço ocorre ali

mesmo, no meio da lavoura, entre formigas e palha seca. As pessoas que trabalham ali transpiram porque vestem cal-ças compridas, botas e camisas fechadas até os punhos. Se não usarem este traje sentem uma coceira insuportável e têm as mãos e braços cortados. Eu tive mãos e braços cortados. Amadora. Não sabia que de-veria vestir esse tipo de roupa.

Dona Tereza só foi para la-voura na hora do almoço. Fui neste mesmo horário. Os ho-mens já estavam lá, mas alguém precisava cozinhar. Eu fiquei ajudando dona Tereza, embora

não saiba matar frangos ou fazer uma panela enorme de arroz.

Os homens comeram e to-maram uma coca-cola que seu Zé só comprou porque eu es-tava lá. Mesmo nas garrafas térmicas, a água estava quente.

Depois do corte era neces-sário empilhar todas as palhas num lugar seguro para que não molhasse, caso houvesse chuva. Não houve, mas em-pilhamos. Olhei no relógio às duas da tarde. Colhi. Co-lhi. Colhi. Colhi. Colhi. Colhi muito. Resolvi olhar no reló-gio de novo. O ponteiro mar-cava duas e cinco da tarde.

Vassouras e outros maisAline Reis

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ESPECIAL

Neste sábado, 28 , o festival de música eletrônica XXXperience comemora 15 anos de estrada. O

evento acontece em Piraquara, na Fazenda Heimari, e traz uma inovação ao público: o show será apresen-

tado em 3D. Quem participar, usará os óculos para aproveitar a festa.

XXXperience Entre as atrações, os DJs Nic Fanciulli, Stephan

Boszin, Ticon, Day.din, Ritmo, Felguk (formada pelos brasileiros Felipe e Gustavo) e Electrixx (dupla

formada pelos alemães Erik e Marph).

Atrações

Suelen Lorianny

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Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011

de todos para todosTrabalhadores Rurais Sem-terra (MST) buscam resgatar a agricultura familiar

Dona Tereza cantava, per-guntava se eu estava bem e fazia tudo isso com um sorriso no rosto. Sorria nas mesmas terras em que seu pai morreu. Entre uma con-versa e outra, ela me disse o que a fazia sorrir depois de tanta exploração e sofrimen-to. “Eu jurei que um dia eu iria vingar a morte do meu pai. E quando eu conseguir um pedaço de terra vou ter feito isso. Se deus quiser...”

Continuei recolhendo as vassouras. Os trabalhado-res e trabalhadoras do MST são guerreiros. Gente sem dente, sem alfabeto, sem ter-ra, com muita esperança.

No acampamento não há luz elétrica e muito menos água encanada. Tomei um pseudo-banho num cano que saia uma água muito lim-pa e muito gelada. Minha cabeça doía muito por con-ta do sol. Tomei meia dúzia de remédios. Não adiantou.

No outro dia, Dona Te-reza subiu o carreador com uma garrafa de água e o boné vermelho do MST.

A fazenda Santa Maria tem quarenta e dois mil hectares. Nas aulas de Jor-nalismo aprendemos que se deve aproximar essas medi-das para que o leitor e a lei-tora compreenda do que es-tamos falando. Pois eu não vou aproximar. Gente da terra nunca foi ao campo de futebol e sabe quanto é qua-renta e dois mil hectares. E nem todos da cidade conhe-cem um campo de futebol.

Nesse tanto de terra havia um monocultivo de cana-de-açúcar que entristecia a fisiono-mia daquela gente. Isso porque gente não come cana. Gente como arroz, feijão, milho. Toda aquela produção é para se fazer etanol, o popular álcool. Só que nem todos que trabalham na ter-ra têm um carro para pôr etanol.

Pela manhã, outros tra-balhadores e trabalhadoras faziam o mesmo ritual. Tra-balhando duro para conse-guir a terra. Dia após dia.

Cooperadores – povo

Suelen Lorianny

Uma área de 250 hectares onde nada é de ninguém, ou melhor, tudo é de todos. Uma agrovila dividida para 23 fa-mílias, onde cada uma pos-sui sua casa. Uma horta para sustento dos cooperadores.

Pecuária com bezerros, va-cas, bois e porcos. A indústria canavieira que produz açúcar mascavo, melado e cachaça.

Há 18 anos, nove famílias do Movimento de Trabalha-dores Sem Terra (MST) che-garam à região de Paranacity, norte do Paraná, e ocuparam uma fazenda que não estava cumprindo sua função social. A ocupação foi tranquila e sem grandes conflitos como nor-malmente são noticiadas. Em um ano eles já não eram mais um acampamento e o total de 12 famílias estava assentado.

No ano de 1993 o terreno de ponta a ponta era cober-to por cana-de-açúcar, mas a maior parte tinha sido atacada por uma doença. Com isso, os assentados resolveram quei-mar tudo e começar do zero. Plantaram banana, mandioca e cana. E anos depois o que per-maneceu foi apenas o canavial. Da área total do assentamen-to 75 hectares são destinados somente para a plantação de cana. A demanda é grande e o investimento maior ainda.

Hoje todas as famílias as-sentadas possuem uma casa e um trabalho. Desde os jo-vens até os mais idosos traba-lham em algum setor. Começo agora a detalhar - com muito carinho e com inspiração de quem colocou a mão na enxa-da - cada um desses setores.

No primeiro dia, che-guei ao Assentamento Santa Maria - Cooperativa de Pro-dução Agropecuária Vitó-ria (COPAVI) perto das três horas da tarde. A ansiedade para conhecer todo o lugar, cada pessoa, ouvir histórias, sujar a mão de terra, estava exalando pelos meus poros.

Encontrei o Seu Chicão, as-sim carinhosamente chamado pelos assentados, o coorde-nador-geral da COPAVI. Um homem com seus 80 anos, ma-gro, alto, barba longa e bem branca, acompanhada de seu cabelo curto e bem branco.

Ele repassou com muitos detalhes o histórico da ocupa-ção dos trabalhadores na fazen-da. “Esse ano o assentamento ficou de maior”, faz brincadei-ra ao comentar o aniversário de 18 anos do assentamento. Nesse momento dá para per-ceber o orgulho que sente por permanecer naquela terra du-rante todos esses anos. Não só nesse momento, mas em todo tempo ao falar das lutas e conquistas. Passaram por mo-mentos difíceis, mas sempre com a força da bandeira ver-melha erguida ficaram firmes.

Todo final de tarde eu via seu Chicão subindo a rua de barro vermelho, indo para casa com seu carrinho-de-mão vazio e um chapéu de palha, como se tivesse trabalhado o dia todo. Não tinha. Em razão de sua idade avançada, só des-cia para horta ou para o pomar durante uma ou duas horas. Carpia, plantava ou adubava. Não quer deixar a fraqueza tomar conta, ainda quer traba-lhar. “Essa terra vale muito, a luta foi grande. Eu e meu carri-nho-de-mão temos muita terra para carregar. Não vou parar de trabalhar assim tão novo”, brincava com ele mesmo.

Queria ter a capacidade para descrever a imagem que acabei de contar. Transmitia uma emo-ção com direito a trilha sonora ao ver Chicão, seu carrinho, pôr-do-sol e chão vermelho ao meio, imenso campo verde ao lado direito, algumas vacas e o pomar ao lado esquerdo. Imagem digna de um retrato.

No dia em que fui traba-lhar na pecuária conheci um rapaz muito interessante. Jack, 19 anos, pretende estudar De-sign de Moda. Por enquanto, é um trabalhador empenhado na pecuária e muito bom de conversa. Fazia pose para to-

das as fotos. Respondia a to-das as minhas perguntas como quem conta uma história para criança. Minha curiosidade por todos detalhes também não o permitia que fosse diferente. Dei mamadeira para o Ronal-do, Mapamundi, Gaivota, Ca-chorro e Zulu. A mamadeira é de garrafa pet. Bebiam aquele leite como se fosse o melhor do mundo, e talvez seja. Ah, esqueci do detalhe, esses são os bezerros. Já na horta foi um pouco mais pesado. Logo cedo peguei a enxada para capinar canteiros cheios de tiririca, um mato pequeno que nasce entre as mudas. Ô peste essa tiriri-ca! E o que não aliviava o tra-balho era o sol forte daquela manhã, a urbana esperta aqui se esqueceu de passar prote-tor solar e ficou com o rosto vermelho por alguns dias e a marca de blusa regata no cor-

po. Mas apesar disso, esse foi o setor que mais gostei. A Rose e o Closnei trabalham lá e se tornaram ótimas companhias. Não só para a roça, mas para o chimarrão no final da tarde. Longas prosas com esses dois. Conversamos sobre o tempo, sobre família, cidade e planta-ção. Cada um contou sobre sua chegada a COPAVI, Closnei há dezoito anos e Rose há cinco.

Poderia escrever sobre cada personagem que conheci neste assentamento, mas o limite das linhas e a escassez de palavras não me permitem. Acho que meu vocabulário diante de tama-nha experiência se torna miserá-vel. Oito dias de vivência não foi suficiente para absorver todas as peculiaridades daquele lugar. Pessoas, animais, objetos, cores, atitudes, costumes, textura, sa-bor, sons. É, tenho muita coisa a dizer. Tenho muito mais a viver.

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Hoje, 27, no Curitiba Master Hall, às 21h, a banda Denorex 80 abre o show da dupla Technotronic, que

apresenta seus grandes sucessos, como “Pump Up The Jam” e “Get Up”.

Show Denorex 80 & Technotronic Hoje, no Teatro Guaíra, às 21h, se apresenta o grupo

de reggae Cidade Negra. O grupo, composto por Toni garrido, Bino Farias (baixo) e Lazão (bateria)

trará uma coletânea dos principais sucessos da car-reira.

Show do Cidade NegraAmanhã, 28, no Curitiba Master Hall, acontecerá

a apresentação do grupo Velhas Virgens.A banda apresentação a última turnê “Ninguém Beija Como

as Lésbicas” e o show será gravado para o novo clip da banda.

Show das Velhas Virgens

Suelen LoriannySuelen Lorianny

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Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um episódio revolucionário

Para quem estuda a história do movimento gay no mundo, ou é viciado em sitcoms norte-americanas, o nome “The Pu-ppy Episode” não deve soar estranho. Isso porque é um epi-sódio duplo do seriado Ellen – estrelado pela atriz, comediante e apresentadora Ellen DeGene-res – e leva esse título porque os roteiristas pretendiam fazer a protagonista adotar um cachor-ro, já que ela nunca tinha quí-mica com os atores convidados para serem o par das tramas.

O enredo envolve a perso-nagem principal, Ellen, que resolve “sair do armário”. As negociações sobre o evento com a companhia que produzia o seriado, a ABC, teve início em 2006, mas somente no ano se-guinte a gravação aconteceu. Os atores ligados diretamente com a cena ficaram sabendo o final das duas partes e muitos acabaram descobrindo ape-nas quando o episódio foi ao ar. Em meio à produção, a im-prensa descobriu a ideia e logo os rumores começaram sobre quem iria assumir sua homos-sexualidade, se era a persona-gem, a protagonista ou ambas.

Apesar de todo o tempo que os produtores dedicaram a esse capítulo, a ala mais con-servadora dos Estados Unidos, formada principalmente pela Igreja – assim como alguns anunciantes – decidiram que a série era “muito gay”. Ellen De-Generes e Laura Dern, a mulher pela qual a personagem princi-pal se apaixonou, demoraram muito tempo para conseguirem papéis importantes depois des-se show. Mesmo com os pro-

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blemas, “The Puppy Episode” teve grande audiência, ganhou prêmios e se tornou rapida-mente um fenômeno cultural.

A frase “Eu sou gay”, dita sem querer em um microfone de aeroporto, quando a inten-ção era confidenciar o segredo recém-descoberto, pode parecer clichê para muita gente, mas para Ellen DeGeneres, assim como é para muitas lésbicas, foi um ato de coragem que pre-cisou de anos de preparação. Por isso tudo, esse episódio merece toda a atenção do públi-co que estuda a cultura LGBT.

O GLAAD – Gay and Les-bian Alliance Against Defa-mation – considera o episódio como um dos momentos mais influentes da televisão e da cul-tura gay. A série Ellen pode ter terminado uma temporada de-pois, mas está até hoje na lista dos “100 melhores episódios da TV Guide”, o guia mais influen-te da televisão norte-americana.

O preconceito em relação aos personagens homossexuais ain-da existe, mas atualmente pode ser encontrado um conteúdo abertamente gay nas redes de televisão dos Estados Unidos. Seja em séries como The L Word e Queer as a Folk, realmente di-recionadas ao grupo LGBT, ou em Skins, United States of Tara e Glee, que, como várias outras, aborda o tema sem estereótipos.

Então, a dica para quem quer conhecer mais sobre a cultura gay é assistir, no Youtube o episódio “The Pu-ppy Episode”, da série El-len. Embora não tenha le-gendas em português, ainda vale a pena pelo conteúdo.

Diversidade

Natasha Virmond@tashytashy

Cursa o 7º período da manhã.

Tecnologia

Rodrigo Cintra@rodrigo_cintra

Cursa o 7º período da noite.

Os tablets, computadores por-táteis com tela sensível ao toque, estão se tornando uma nova ma-nia em todo mundo. Depois que a Apple lançou o iPad – o primei-ro do gênero - em abril de 2010, não demorou muito para que o computador se transformasse em uma mania entre os aficionados por tecnologia. Somente no Bra-sil, foram vendidos mais de 100 mil desses aparelhos em 2010.

Várias empresas de tecnolo-gia seguiram o exemplo e, em menos de um ano, já são pelo menos seis modelos diferentes à venda no mercado mundial, sem contar as previsões de lançamen-to feitas para este ano.

Aqui, no Brasil, além do iPad, já dá para comprar o Xoom, da Motorola, o Galaxy Tab, da Sam-sung, e o ZTE V9, que chegou ao mercado brasileiro este mês.

O sucesso dos tablets é tama-nho, que o governo brasileiro decidiu incluí-los na Lei do Bem, que dá incentivos fiscais para a fabricação de computadores e notebooks em território nacional. Com isso, as empresas que deci-direm fabricar no Brasil poderão estar isentas de pagar o PIS, o CO-FINS e terão redução do Imposto

Tablets “made in Brazil”

Sobre Produtos Industrializados. O desconto total em impostos é de 31%. Isso deve igualar os pre-ços aqui aos do mercado interna-cional, segundo o ministro da Fa-zenda , Guido Mantega, declarou através a Agência Brasil.

Atualmente, o tablet mais barato vendido aqui é o Galaxy Tab, que custa a partir de R$ 556 em planos especiais de operado-ras de telefonia móvel. A medi-da ainda está sendo analisada pela Câmara dos Deputados, porém, tudo indica que deve ser aprovada.

Com a medida, o governo bra-sileiro espera atrair empresas de tecnologia para fabricarem aqui. Depois do anúncio, doze empre-sas já se cadastraram para produ-zir os aparelhos no Brasil. Uma delas, a Apple, já tinha planos de se instalar no País para fabricar computadores e notebooks.

O anúncio é animador, mas ainda não dá para ficar feliz. Como em toda lei, os reflexos dessa vão demorar a chegar até os consumidoresfinais. Na me-lhor das hipóteses, só no final do ano que vem os tablets na-cionais poderão ser compra-dos nas lojas.

Div

ulga

ção

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Curitiba, sexta-feira, 27 de maio de 2011 7

Após três tentativas frustradas de encontrar uma sala livre na redação da Gazeta do Povo, o jor-nalista José Carlos Fernandes – o Zeca – indicou aquele que seria o lugar apropriado para a nossa entrevista. Na pequena sala nos fundos da redação, nada mais do que uma mesinha e um arquivo de jornais sobre um velho piso de madeira, contribuindo, de certo modo, para ampliar o clima an-tigo que evidenciado nos óculos do jornalista, passando por seu biotipo alto e magro e culmin-nado em seu vasto conhecimento acerca do gênero literário.

- Qual foi o seu primeiro con-tato com o texto de perfil?- A primeira vez que pres-tei atenção no assunto foi em 1994, quando o Caderno G - caderno de cultura da Gazeta do Povo - passou a ter na edi-ção de sexta-feira uma página de perfil feita pela Márcia de Freitas, uma colega nossa que hoje faz outro trabalho por aqui. Na faculdade, eu devo ter visto em outras ocasiões, mas no caderno cultural a gen-te acaba fazendo muito perfil, a prática e a sensibilidade que ele tem acabou gerando o meu encontro com esse gênero.

- Na época você trabalhava como repórter?- Trabalhava, mas não fazia, olhava mais os perfis da Már-

O jornalista José Carlos Fernandes trata do gênero perfil, sua marca registrada há quase 20 anos

cia. Depois que a gente pas-sou dessa fase, começamos a fazer, não lembro se na quinta ou na quarta-feira, vários per-fis. Lembro de ter feito o do cartunista Solda, da Fernanda Rocha, que na época era apre-sentadora da CBN, da Irair Casagrande, uma historiado-ra... Era uma busca por pesso-as que não estavam muito em evidência.

Com quase 20 anos de experi-ência nesse tipo de reportagem, Zeca pode ser citado como refe-rência para quem está começan-do. Além de indicar a leitura de autores, como o brasileiro Sérgio Vilas Boas e o norte-americano Gay Talese, influente represen-tante do New Journalism (gênero famoso pela mistura de técnicas narrativas e literárias), ele apon-ta a percepção e a sensibilidade como características fundamen-tais do bom escritor.

- O que você considera essen-cial para escrever um bom perfil?

- Neste gênero, você percebe um aspecto da vida do perso-nagem que seja desencadea-dor de todo resto, é a chave da leitura, principalmente com populares, que elaboram me-nos as suas vidas. Você come-ça a perguntar, vai garimpan-do as pistas e diz: ‘ah, foi aqui que a vida dele deu a dobra’, e é onde o perfil começa.

- E qual é a reação desses po-

pulares quando recebem a sua obra?

- Eu tenho uma hipótese. Quando não responde, ou ele não leu, porque não teve aces-so, ou nem se interessa. Ele só vem depois dizer que gostou - não que tenha que agradecer, não é isso - mas ele só dá um feedback quando outras pes-soas dizem: ‘puxa, eu também vejo você assim’. Então ele de-mora a entender que aquilo ali é um fragmento dele. Imagino que se eu fosse perfilado por alguém, também pensaria: eu sou tantas coisas, por que ele olhou justamente aquele as-pecto?

Esfregando as mãos para que Zeca possa se identificar nesse modelo híbrido de perfil e entre-vista, me intrigo com os olhares curiosos de quem passa pela pe-quena sala como se estivesse se perguntando quem eu era para tomar o tempo do repórter xodó e com isso desfalcar a equipe com um pedaço tão importante da re-dação, justo às 4 horas da tarde de uma terça-feira. No entanto, dentro do cômodo ligeiramente apertado, Zeca parecia não se in-comodar com o horário e voltou a falar entusiasticamente .

- Na hora de fazer um per-fil tento perceber pessoas que estão fora do universo do “jornalismo coitadinho”, em que você se sente pai do personagem. Alguns outros são muito legais. Quando você tem a oportunidade de conversar com pessoas impo-nentes, que ganharam muito dinheiro ou tiveram alguma projeção, é bom ver algo ne-las que não seja exatamente isso. Aconteceu com a Sabine Wahrhaftig, que foi a dona da boutique Noi, uma figu-ra de 82 anos, 1,80m, inteira. Ela sentou e contou a perse-guição dos nazistas aos ju-deus sem eu perguntar nada, parecia que a pessoa estava esperando um dia encontrar alguém.

- O mérito foi seu por ter a deixado à vontade?

- Sorte. Acho que ela estava procurando alguém para con-tar e sabia que um dia teria que fazer isso. Teve um caso, inclusive, de uma família que conheço desde criança por se-rem amigos lá de casa, em que um dos meninos se suicidou e a mãe dele, Dona Flori, nunca tocou nesse assunto. Até que em um Dia das Mães, ela me mandou uma carta que o filho dela tinha escrito e aconteceu a mesma coisa. Nós sentamos e ela me deu o perfil comple-to do Édson, o suicida, e dela, em 20 anos da morte do filho. Fiquei impressionado com es-ses dois casos, parecia que elas estavam esperando uma hora para falar de si.

- Todo mundo é um bom per-filado?

- Aconteceu um caso uma vez com o seu Milton, motorista de ônibus, que todo mundo cantou a bola dizendo que ele era ótimo, mas não rolou, ele não me convidou para entrar em sua casa. Ele se deixou fo-tografar, dominava o código da fotografia, mas me per-guntava: ‘para que você que saber isso?’, então não rolava nenhum grau de intimidade. Desisti de fazer o perfil e disse que um dia a gente podia ten-tar de novo. Existem pessoas que não tiveram um fato for-te para contar, mas em alguns personagens aparentemente fracos, se você olhar com cal-ma pode enxergar algo. Tenho medo de afirmar que todo mundo daria um bom perfil, mas todo mundo tem uma boa história para contar.

Zeca parecia muito menos quie-to do que haviam me descrito. Ele cursou Jornalismo e Filosofia, aventurou-se pela Escola de Belas Artes e ainda carrega na bagagem uma faculdade inacabada de Teo-logia. Como se não bastasse, foi se-minarista, de onde até hoje carrega a devoção pelo conhecimento. Para

que não houvessem mal entendidos, fez questão de deixar claro que fora da reportagem e das salas de aula, a timidez permanece. Portanto, a sua carga de trabalho tipicamente jornalística faz crer que são raros os momentos onde o acanhamento se evidencia.

Os primeiros livros entraram pela porta da casa de Zeca por ocasião do Natal. Francisco Cunha Pereira Filho, ex-presidente da Rede Pa-ranaense de Comunicação (RPC, hoje GRPCom), falecido em 2009, presenteou o pai do jornalista, um português da Ilha da Madeira que trabalhava como motorista do gru-po. Assim que chegavam, as obras eram colocadas ao lado da televisão, sendo expostas como objetos a serem venerados por terem vindo das mãos de quem veio. Depois, o madeirense abriu uma banca de jornal, a qual administrava com muito zelo. Da herança fez-se o repórter. “Tanto na banca quanto no seminário, a gente acaba aprendendo a lidar com popu-lares”, conta Fernandes.

- Você se preocupa muito com a valorização de Curitiba nas co-lunas e perfis que escreve...

- Há anos, por conta das aulas que dou, não viajo pelo jornal. Por isso acabei ficando preso na cidade e pensando em encontrar coisas aqui. A gente queria tirar o leitor da sua ilha de conforto. O nosso público, da Gazeta do Povo, é formado pelas classes A e B. Então queríamos tirar esses caras das ilhas e mostrar que existem coisas interessantes nas ruas para eles prestarem aten-ção, mostrar que a rua é diver-tida e só ela pode conter a vio-lência. Uma cidade só existe se as pessoas estão circulando nas ruas.

- Você continua achando que não seria um bom perfilado?

- A gente sempre fica tímido...

Despeço-me de Zeca sem antes conferir, para alívio dos leitores, que em sua gaveta existe uma caderneta com páginas e páginas de anotações, garantindo assim boas histórias para serem contadas durante mui-tos anos.

Daniel Castro

PERFIL

Foto: Rodolfo Buhrer

O artesão da palavra

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FOTOGRAFIA

Entre cultivo de terras, o tra-to de animais e bandeiras dos trabalhadores rurais, as crian-ças e os jovens cursam a vida, entregando à câmera olhares profundos e reveladores.

OS ROSTOS DO MST

ALINE REIS