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J.F. Meirinhos Editores, livros e leitores em Portugal no século XVI. A colecção de impressos Portugueses da BPMP Separata de Tipografia Portuguesa do séc. XVI nas colecções da BPMP. Catálogo. Biblioteca Pública Municipal do Porto Porto 2006. pp. 17-34.

Meirinhos-Editores Livros & Leitores Portugal Seculo XVI

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MeirinhosEditores Livros e Leitores Portugal Seculo XVI

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J.F. Meirinhos Editores, livros e leitores em Portugalno sculo XVI. A coleco de impressos Portugueses da BPMP Separata de Tipografia Portuguesa do sc. XVInas coleces da BPMP. Catlogo. Biblioteca Pblica Municipal do Porto Porto 2006. pp. 17-34. TIPOGRAFIA PORTUGUESA DO SC. XVInas coleces da Biblioteca Pblica Municipaldo PortoPortuguese Printing in the 16th century The Porto Municipal Public Library collectionBiblioteca Pblica Municipal do PortoPelouro da CulturaDireco Municipal de Cultura2006Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 5Ficha Tcnica / CreditsCoordenao editorial / Editorial Co-ordinationJos Francisco Meirinhos Jorge CostaJlio CostaLevantamento e Descrio Bibliogrfica / Research and Bibliografic DescriptionBenilde PinhoLucinda RibeiroOrganizao da Informao, ndices e Desenvolvimento / Organization of Information, Indexesand DevelopementPaula MartinsPreparao e tratamento fsico das espcies documentais / Preparation and phisycal treatment ofdocumentationIrene LindaDigitalizao e tratamento de imagem / Digitalization and treatment of imageConceio MoreiraFtima CostaTraduo / TranslationAlphatradReviso / ??Carla AugustoDesign Grfico / Graphic DesignAtelier Joo BorgesImpresso / PrintingRocha, Artes GrficasISBN: 972-634-116-7Depsito legal / Legal DepositXXXXXXXXXXXXXTiragem / Print run1000 exemplaresEdio e Distribuio / Edition and DistributionBiblioteca Pblica Municipal do PortoRua D. Joo IV (ao Jardim de S. Lzaro)4049-017 PortoTel. 225 193 480 Fax 225 193 488E-mail: [email protected]+catlogo17/07/0617:36Page 6Editores,livroseleitoresemPortugal no sculo XVI.A coleco de impressos portuguesesda BPMPO sculo XVI impresso. O livro impresso do sculo XVI mostra de modo exuberanteumacrescenteautonomizaoemrelaoaosmodelosgrficosdolivromedieval.Oslivros das primeiras dcadas da tipografia vivem em continuidade com o modelo do livromanuscrito gtico: em ambos encontramos o mesmo gosto pela ocupao da pgina emreas rigorosamente delimitadas, de preferncia em duas colunas, dispostas entre mar-gensdedimensesdesiguaismassimtricasquandoolivroestaberto,comumtextocompacto onde proliferam as abreviaturas, partilhando a mesma ausncia de pgina derostoouautilizaodeiniciaisettulos,ouderubricas,parahierarquizarotexto,semintroduodeespaosembrancoentrecaptulosoupartesdotexto.Quasetodasestascaractersticasseroabandonadas,estandoatendnciaparaarupturajpresentenotrabalhodostipgrafosdosculoXVmaiscriativosoumaisinfluenciadospelosnovosgostos estticos e pela crescente preocupao com a atractividade e legibilidade dos seusvolumes.Aimprensadetiposmveisemligametlica,quetiveraoseumaisnotvelexrdiocomaBblia de42linhasdeJohannesGutenbergemMognciaporvoltade1445,foiintroduzidaemPortugalem1487comaimpressodoPentateuco emFaroporSamuelGacon, em hebraico. Discute-se a que obra cabe a primazia de ter sido a primeira a serimpressaemPortugus,queparececaberaoTratadodeConfisson,dadoestampaemChaves,porimpressorannimo, em 1489, e no ao Sacramental de Clemente Sanchez deVercial, estampado segundo alguns c. 1488, em local desconhecido e por impressor tam-bmdesconhecido.Dequalquermodo,ostipgrafosintrodutoresdaimprensaemPortugal so seguramente estrangeiros, geralmente de provenincia germnica ou cen-tro-europeia, que se manteriam activos por tempo suficiente para transmitirem ou tres-passarem a sua arte a continuadores. Conhecem-se 30 ttulos impressos em Portugal at1500:13emhebraico,8emportugusumdosquaisem4volumes,9emlatim(cfr.Anselmo,Censosdeincunbulos). Nosculoseguinteaprogressodonmerodeedies seria geomtrica, mas ainda lenta nas primeiras dcadas, desaparecendo a edi-17Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 17o de livros em hebraico e florescendo a edio de livros em castelhano, a par dos livrosem latim e em portugus.Osubtilssimoengenho. SorarosostextosportuguesesdosculoXVIquedescre-vem as instalaes de uma tipografia, o seu apetrechamento, a distribuio do trabalho,aazfamadosartesos.DosprelosdeSantaCruzdeCoimbrasaaem1541atraduoportuguesadeumadescriodomosteiro,enviadaaocardealAntonioPuccipelopriorde S. Vicente de Fora em Lisboa, D. Francisco de Mendanha, onde d com algum detalhepormenores sobre a tipografia e o modo operoso e observante do silncio como os reli-giosos se haviam com as artes da impresso:Sobre a outra quadra desta Claustra da Manga, contra o meio dia, esto as casas de estam-par, onde os religiosos por sua recreao e exerccio imprimem algumas boas e santas obras,para o que o dito senhor rei D. Joo, nosso senhor, lhes fez merc de caracteres e matrizes degrego e latim, de seis ou sete sortes, a saber, de aldo, do grifo e de outros mais esmerados queao presente h em o mundo, tudo muito perfeito com as suas liminaturas, maisculas e abre-viaturas, moldes e com tudo o mais que cumpre perfeio deste subtilssimo engenho. Emestas casas, sem nenhuma pessoa secular a ajudar os religiosos, a uns vereis como se exerci-tam no ofcio de componedores, distribuidores, outros no de correctores, outros em batedo-res,outrosemtiradoresetodosemsilncioobservantssimosguardadores(FranciscodeMendanha, Descripam e debuxo do Moesteyro de Santa Cruz de Coimbra, trad. de frei Verssimo,CenbiodeSantaCruz,Coimbra1541,ed.fac-similadaemI.S.RVAH,LaDescripamedebuxodoMoesteyrodeSantaCruzdeCoimbra,imprimeen1541,BoletimdaBibliotecadaUniversidade de Coimbra, 23, 1957, p. Dii r-v; ortografia actualizada).FranciscodeMendanha,elogiosovisitadordasriquezasdoMosteirodeSantaCruz,compraz-seemdescreveraexcelnciadodomdoreiaomosteiro,queconcorreparaaperfeio deste subtilssimo engenho, a arte de imprimir. Destacando os caracteres,nomeia o aldo e o grifo, mais as liminaturas, maisculas e abreviaturas, moldes. Comtodos ao trabalho, o tempo deveria correr em industriosa azfama, mas o relator chamasobretudo a ateno para a observao do silncio por todos os que ali trabalham: com-ponedores,distribuidores,correctores,batedores,tiradores,enumeradospelaprpriaordem em que intervm no fabrico do livro, mas faltando pelo menos referir os encader-nadores, apesar de essa ser uma arte de facto exterior tipografia. A impresso de livrosno altera as obrigaes dos crzios, em cuja cultura e obrigaes monsticas e pastora-isolivrotinhaumlugarimportante,comoserealanosquatrongulosdaportadamonumentaldaediode1536doLiurodasconstituiesecostumes...deSanctaCruzdeCoimbra (inexistente na BPMP) ou na representao de um captulo dos monges crzios,impressanoversodaediode1553damesmaobra(cfr.n99).Osmongesimprimem18editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 18livros por sua recreao e exerccio, agora sem nenhuma pessoa secular a ajudar, aocontrrio do que acontecera aquando da instalao da tipografia no mosteiro, que sabemoster tido o contributo do tipgrafo Germo ou Simo Galharde, entre 1530 e 1531. Nos anosiniciais esta tipografia produz livros a bom ritmo, sendo o ltimo de 1563, pelo que em 1577D. Sebastio a fez transferir, para em Lisboa se imprimirem folhas de propaganda da cru-zada (cfr. Meirinhos, A tipografia de Santa Cruz).OaldoeogrifonosooscaracteresmaisutilizadosnosprimeiroslivrosimpressosemSantaCruz.ComoaconteceemtodaaprimeirametadedosculoXVI,continuamaser os caracteres gticos, com a angulosidade do contraste entre partes finas e grossas decada letra, que merecem a preferncia dos tipgrafos, ainda com abundncia de abrevi-aturas(queMendanhaexpressamenterefere)dosmanuscritosedosincunbulos,masem processo de abandono. Doravante, o gosto humanista pela pgina lmpida e por lei-tura menos apressada ou prolixa que a praticada nas escolas, vai fazendo arejar a pginae abandonar as abreviaturas. Desta tipografia comparem-se as portadas e pginas com-pactasdaRegradeperfeiamdosmonges deLourenoJustiniano(de1531,nr.218)ouaarejadadepuraodadopelopequenomduloredondonaAntimoria deAiresBarbosa(de 1536, nr. 38).Tipgrafos e editores. Prossegue no sculo XVI a actividade dos tipgrafos estrangei-ros que haviam introduzido a imprensa em Portugal e outro chegam: Valentim Fernandesde Morvia, Hermo de Campos, Germo Galharde, Pedro de Craesbeeck, Joo Pedro deCremona, para referir apenas alguns da primeira parte do sculo, sendo que na segundametade haver numerosos castelhanos a instalar tipografias. A sua actividade a de pio-neiros que arriscam e correm mundo, que no hesitam em deslocar-se onde sejam soli-citados. Como se pode constatar no mapa 1, onde se cartografam os locais de impresso eas edies realizadas em Portugal no sc. XVI existentes na Biblioteca Pblica Municipal(que representaro cerca de 45% dos impressos portugueses conhecidos deste sculo), huma desigual concentrao geogrfica na produo livreira. Lisboa, capital do reino e dasmais importantes instituies religiosas, de longe o grande centro de produo tipogr-ficaportugusdosculoXVIcom257ttulos.AindaassimCoimbra,com134,temumaassinalvelproduo,emtornoprincipalmentedaactividadedaUniversidade(cujosestatutos de 1591 se podem ver no nr. 491) e da imponncia monstica de SantaCruz deCoimbra. A impresso de livros, para alm de vora (15) e Braga (9), praticamente residu-al em outros locais, como Alcobaa (3), Porto (3), Viseu (1), Almeirim (1), Macau (1), paraalm de no ter sido possvel determinar onde foi estampado 1 ttulo.Diversos tipgrafos exercem actividade em mais do que uma cidade. Antnio lvarese Alexandre de Sequeira imprimem em Alcobaa e em Lisboa; Antnio de Mariz imprime19Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 19emBragaeemLisboa;Joolvares,JoodeBarreira,FranciscoCorreia,GermoGalharde, imprimem em Coimbra e em Lisboa. Mas falta saber se em todos os casos hdeslocaodatipografiaousesetrataapenasdeumamenoparacoincidircomumacidade associada ao comitente da edio. Por exemplo, Jacobo Cromberger um tipgra-fo instalado em Sevilha, onde imprime obras entre 1506 e 1528, mas que em 15121 publi-cou em vora o Livro da Ordenaes, 5 volumes em 1 tomo (nr. 323). Mais tarde, publicariaemSevilha,noanode1521,oBaptisteriumseumanualeElborensenoviteremendatuseoBreviariumsecundumconsuetudinemSancteElborensisecclesie (cfr.Lavoura,TipografiaEspanhola, nrs. 877 e 878). No improvvel supor que a edio de 1521 pudesse de factoter sido impressa em Sevilha embora, por alguma razo de oportunidade, se atribusse avora. Sabemos que grande o nmero de edies, no apenas em latim mas tambm emportugus, feitas por autores portugueses em prelos europeus.O nmero de ttulos publicados ao longo do sculo XVI (pouco menos de 1000, entreobrasemvriosvolumesatleiscomapenas1flio)pareceindicarquenenhumdos20editores, livros e leitoresMapa1: Locais de impresso e edies portuguesas do sc. XVI na BPMPAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 20tipgrafos teria mais do que uma prensa, enquanto que em cidades centrais da revoluotipogrfica, como Lio, Paris, Veneza ou mesmo Sevilha, laboravam dezenas de tipgra-fos, alguns deles com mais de uma centena de empregados e quatro ou cinco prensas emconstantelaborao.EmPortugaloritmodepublicaotambmfoimuitodesigual,comopodemosverpelogrfico1,ondesemostraaevoluocronolgicadasediesportuguesasdosculoXVIexistentesnaBPMP.Aondadeprogressonodeverestarmuito distante da do total nacional, embora aqui o nmero de espcimes consideradosseja ligeiramente inferir a metade do total de edies nacionais. De qualquer modo, 1536, em termos absolutos, o primeiro ano em que seguramente em Portugal se imprimem maisde 3 ttulos, sendo 1564, 1565, 1588 e 1591, os anos mais produtivos de todo o sculo (cfr. infra,ndice cronolgico e Simes, Impressos, bem como Macedos, Livros Impressos. pp.36-62).Grfico1-Progressocrono-lgicadasediesportuguesas na coleco daBPMPO papel o nico suporte escritrio usado nos impressos portugueses do sculo XVI. Opergaminho,pelasuararidade,custoerigidezdemanuseamento,deixadeserusadonoslivros impressos. Algum do papel usado poderia ser de fabrico local, mas uma boa parte eraseguramente importado, o que fazia aumentar o custo final das edies. A produo nacionaldeveriaserinsuficienteparaasnecessidades,porqueogastodepapelsemanteveelevadopara uso na escrita manual.Oretornooumesmoolucroeramsempreincertos,dependendodonmerodecpiasimpressasedepoisvendidas.Quandoagiaporsuainiciativaotipgrafoprecisavamuitasvezes de recorrer a financiamento ou a mecenato para levar a cargo algumas edies. Ou entolimitava-se a produzir uma obra que lhe havia sido encomendada. E estes casos eram devida-menteassinaladosnaportadaounocolofocomexpressesprecisascomoadinstantia,impensis ou sumptibus, para inidicar que a obra havia sido impressa com financiamento de.Nasdifceiscondieseconmicasemqueaactividadetipogrficasedesenvolvia,devidoaoreduzidonmerodeencomendas,deleitoresedaconsequenteescassadimensodasedies,ostipgrafosdasorigenssoverdadeirospromotoresdosaber,21Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 21queencomendamobras,importameprocuramttulosparapublicar,solicitamtradu-es. Mas, tambm trabalham por encomenda. O tipgrafo , em geral, o proprietrio doprelo, mas, mesmo assim, trabalha para terceiros, seja para livreiros, ou instituies, oumecenas. Apesar de muitas vezes as funes serem acumuladas, evidente a distino,testemunhadapelosprprioslivrosdosculoXVI,entretipgrafoseeditores.Ospr-prios livreiros, aqueles que faziam a comercializao pblica dos livros, poderiam finan-ciar as edies comissionando-as a um arteso tipgrafo. Aescassezdemeiosparaeditarsoevidentesemuitoslivrosguardamotestemunhodeteremsidoimpressosaexpensasdeoutroquenootipgrafo.Aconteceracomomecenato que tornou possvel a traduo e edio dos quatro volumes da Vita Christi deLudolfodeSaxnia,impressopelosgermnicosNicolaudeSaxniaeValentinodeMorvia em Lisboa em 1495, com o patrocnio da infanta Isabel, do rei Joo II, e da rai-nha Leonor. Os exemplos multiplicam-se, bastam alguns exemplos. A Meditao da ino-centissima morte e payx de Nosso Seor, em estilo metrificado de frei Antnio de Portalegrefoi impressa em Coimbra em 1547 por Joo Barreira e Joo Alvarez aa custa... dom BrasBispodeLeyria(nr.16);oReportoriodostempos deAndrdeAvelarreimpressoemLisboaem1590porManueldeLyraacustadeSimoLopez(nr.25),omesmoquecusteouaediodoDictionariumlatinolusitanicumetviceversalusitanicolatinum deJernimo Cardoso, impresso em Lisboa por Alexandre de Sequeira em 1592 (nr. 67); em1598PedroCrasbeeckimprimeosPoemaslusitanos deAntnioFerreira,acustadeEstvo Lopez (nr. 137); o mesmo tipgrafo imprime custa de Cristvo de Ortega oIndex librorum prohibitorumordenado pelo Inquisidor Geral da Lusitnia e bispo de Elvas(Lisboa1597;nr.189).JoodeEspanhacusteouediesdeobrasdeLusdeGranada,quefezimprimirnosprelosdeJooBarreira(nrs.227,228,233,239)edeAntnioRibeiro(nrs.229,230,234),tendomesmofeitoestamparemduasedies,de1588e1589, de um Sermo do mesmo autor: vendense en casa de Iuan Despaa (nrs. 234 e235). O Guzman de Alfarache de Mateo Aleman impresso em Lisboa em 1600 por JorgeRodriguesacustadeLuysPerez,mercadordelivros(nr.3).OcomitentetambmpoderiaserumaordemreligiosacomoacontececomaimpressodaRegradogloriosopatriarchaSamBentotiradadelatimemlingoajemportuguesa,emLisboaem1586,porAntnioRibeirocustadaCongregaodeSamBento(nr.48).Autoreshouvequetambm custearam a edio das suas obras, como o fez Francisco Fernandes Fialho queem 1587 mandou imprimir a Martinho de Bruges, em vora, o seu Titulorum omnium iurisciuilisdeclaratioacmaximesocietassimillimorumtitulorumexdiuersocorporeiurisadsingulos & similes digestorum titulos reductorum(nr. 138). Antnio Mariz imprimiu e cus-teouaediodoscomentriosconimbricensessobreaPhysica deAristteles,emCoimbra em 1592 (nr. 105) e sobre o De anima em 1598 (nr. 106). A Segunda parte del libro22editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 22llamado guia de peccadores de Lus de Granada, impressa em Lisboa em 1557 (?) por JooBlvio de Colnia vendense en casa de Ioan de Borgoa librero del Rey (nr. 241). Estelivreiro manda imprimir outras obras, como a edio de 1557-1562 da primeira e segun-dapartesdasChronicasdaOrdemdosFradesMenores defreiMarcosdeLisboa,quefoiimpressa em casa de Ioannes Blauio, vendese em casa Ioam de Borgonha: a custas deIoamdeBorgonha(nr.242);jaediode1587,impressaemLisboaporAntnioRibeiro foi-o a custa de Ioam de Espanha & Miguel de Arenas (nr. 243), exactamen-teostrsintervenientenaediodafamosaConcordialiberiarbitriicumgratiaedonisdiuinapraescientia,deLusdeMolina,impressaemLisboaem1588(nr.259).Destamesma obra existe uma edio igual no mesmo ano, com variantes na portada, encima-dapelomonogramadaCompanhiadeJesusecomamenoacostadeDomingosMartinez (nr. 258). A procura ou a competio livreira poderiam estar na origem des-tas duas edies de uma mesma obra, no mesmo ano. E os exemplos de financiamento deedies poderiam multiplicar-se, tendo de comum o facto de se tratar sobretudo de edi-esdofinaldosculo,faltandoaveriguarsesetratadeumnovohbitomencionandonas portadas uma prtica de encomendas j mais antiga, ou se um novo procedimentoda economia do livro produzi-lo para terceiros, sejam eles autores ou livreiros. Aindanombitodasensvelvertenteeconmicadolivro,note-sequealgunsosten-tam no s o local de venda, mas mesmo o prprio preo: Vendense en los palacios delReyencasadelosmismosempressoresacientmarauedis,ounteston,l-senoCommentoorepeticiondelcapituloQuandodeconsecrationedistinctioI deMartndeAzpilcueta, editada em Coimbra em 1550 (nr. 27; outras indicaes de preo nos nrs. 32,42, 242, 312, 318, 321, 373, 390). Mais comum a indicao da taxao real do livro, sejacomaindicaodovalorouomitindo-o,comoemoutraediodamesmaobradeAzpilcueta,estampadaemCoimbraem1551,aserTassadaen.l.maravedisporserelpapel grande y la letra pequenna (nr. 26). Mais comum ainda a indicao de privil-gio de edio ou venda, espcie de concesso de direito de monoplio sobre a produoe comercializao de determinado ttulo, que podia ser outorgada por perodo limitado,para proteco do prprio investimento do impressor ou do livreiro, como na edio dasobras de S de Miranda, feita Com priuilegio Real por dez annos (nr. 256). Como boapartedoslivrosdacolecooatestam,oprivilgiorealdistintodalicenadaInquisio, pelo que o livro estava submetido a um duplo constrangimento, financeiro eideolgico.A itinerncia e busca de meios para custear as edies podem explicar fenmenos deaparncia anmala, de que h mltiplos exemplos: A Primera parte de las Sentencias que,hastanuestrostiempos,paraedificaciondebuenoscostumbres,estanpordiuersosautoresescritas, atribuda a Andr Rodrigues de vora, foi publicada duas vezes no mesmo ano:23Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 23em Lisboa por Germo Galharde (nr. 392) e em Coimbra por Joo Alvarez (nr. 393).ASumma caietana sacada en lenguaje castellano editada em Lisboa em 1560 com dedi-catria ao Cardeal-Infante D. Henrique (nr. 424) e a Summa caietana tresladada em por-tugus editadaemBragaem1565,1566e1573,comdedicatriaaD.FreiBartolomeudos Mrtires, arcebispo de Braga (nrs. 425-427). Frontispcio,portada,rosto. Hoje as pginas de rosto dos livros so depuradas, quasemonossilbicas, com as capas estudadas por criadores para atrair a ateno e acentuar estra-tgias comerciais, atravs de uma estudada disposio grfica dos poucos elementos que acompem. O catlogo aqui proposto, para o qual se decidiu expressamente, por razes est-ticasedocumentais,queadescriodecadalivrodeveriaseracompanhadodarespectivaportada (ou mesmo de mais imagens na verso electrnica), d-nos a imagem de um tempodiverso, em que o texto da pgina de rosto profuso, contendo elogios ao autor ou a quem dedicado, situando mesmo a obra perante outras de tema similar precedentes, referindo ato preo ou o local onde se pode adquirir, as autorizaes e privilgios de que beneficia. Nomeiodaabundnciadescritivadaspginasderosto,emalgumasediesoquedifcilencontrar mesmo o ttulo. Face ao livro manuscrito medieval, a tipografia, que, j o vimos,no seu incio se limitava a reproduzir o modelo e as prticas grficas dos cdices, introduzuma profunda alterao na apresentao dos livros. No livro medieval no existe pgina derosto, os textos circulam sem ttulos, quase sempre sem indicao de autor, identificadospeloincipit,discretosttulosousimplespalavrasiniciaisdecadatexto.certoquealgunscdices tm na abertura vistosas pginas decoradas, mas so uma raridade e alm disso essaspginas no pretendem habitualmente apresentar o texto, mas celebrar o volume em que seencontram,enquantosmbolodepodereautoridade,ouhomenageiamocomitente-pro-prietrio,ouaquelesaquemoferecido.Atipografiacontrariaoprincpiodoexemplarnico e permite a multiplicao de exemplares absolutamente iguais (coisa que no existe nomanuscrito, porque cada exemplar de facto uma edio diferente) e a mais evidente dife-rena ocorre, no de imediato, mas mesmo assim emerge nas primeiras dcadas da impren-sa,comacriaodeportadasmonumentalizadas,queincluemgravuraetexto,algumasvezes a cor (em geral apenas o vermelho, como na capa da Regra de perfeiam dos monges deLoureno Justiniano, de 1531, nr. 218). Definitivamente por ela que o livro se identifica einicia o seu dilogo com o leitor, impondo-se-lhe atravs de uma relao interpelativamen-te directa, qualificando o contedo, por vezes de modo adjectivado, seja atravs das ilustra-es e emblemas incisos na pgina de rosto, seja sumariando a matria do volume.Os vocbulos para designar a pgina inicial de um livro descrevem tipologias de composi-o: frontispcio (a fachada arquitectnica), portada (o limiar da entrada), rosto (a face quenos mostra o interior ou o resto do corpo). Esta pgina de entrada no distingue as cpias24editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 24entre si, mas distingue as edies, distingue uma obra das obras similares, individualizandoos autores ou mesmo o seu modo de tratar o tema. Mais tarde, s muito mais tarde e quandoela comear tambm a ser impressa, que estes elementos migraro para a prpria capa. Poragora ficam na primeira pgina, como se fosse um cartaz. A pgina de rosto cativa para si olado recto da primeira folha, torna-se lugar de promoo do livro, autonomiza-se do seu in-cio, que comea apenas uma ou duas pginas depois, por vezes mais, se se interpuserem gra-vuras, encmios, epigramas, cartas ao leitor, atestados e privilgios.Ostipgrafosportuguesesparecemmimetizarasprticasdascasasdeondevinhamostipos que usavam, ou os modelos dos livros que editavam. No parecem ter-se desenvolvidodinmicas e tipologias locais no fabrico do livro, nem parece haver uma particular evoluona construo grfica, informativa ou ideolgica da pgina de rosto. A metdica observaodeD.FranciscodeMendanhadestacou,paraalmdasilenciosaazfamadatipografiadeSanta Cruz, a existncia de liminaturas, maisculas e moldes usados no subtilssi-mo engenho, dizendo expressamente que faziam parte da aparelhagem doada por D. Joo, oque quer dizer que pelo menos parte dos elementos decorativos so importados. Como emqualquer tipografia da poca, os elementos de decorao so reutilizados em obras sucessi-vas,recompondoasuaposionasportadas,naaberturadecaptulos,nocolofo,comoacontece, por exemplo, nas sucessivas obras publicadas por um mesmo ou at por diferen-tes tipgrafos.A pgina de rosto tambm um local de celebrao do poder, seja com o elogio ao rei, oua algum protector, ou mesmo ordem religiosa ou eclesistica sob cuja proteco o autor secoloca e, depois do seu aparecimento, sobretudo recorrente a reverncia Inquisio. sob uma forma visual, simblica e emblematizada que se faz a invocao da autoridade, parasob ela se colocar o livro e da colher o seu prprio direito de difuso. Os livros das ordensreligiosas identificam-se pelos seus prprios smbolos e patronos. Outros e mais variadoslivros ostentam o monograma da Companhia de Jesus. Uma das imagens mais repetidas nasportadas dos livros potugueses so as esferas armilares e o escudos das cinco quinas, parainvocar e celebrar o poder rgio, em alguns casos figurado ainda com o drago alado enci-mando as armas reais, do qual pendem ornamentos fitomrficos que envolvem o conjuntoequasepreenchemapginaouumapartedela,quandosetratadegrandesformatos(cfr.nrs. 12, 41, 43, 55, 74, 112, 138, 255, 312, 313, 323, 328, 367, 412, etc.; outros drages nos nrs.288, 359).Colofo: confirmar a identidade. Outro hbito proveniente dos manuscritos medievais,onde alguma informao cronolgica e mesmo a identificao da obra e do autor eram tran-scritos aps o fim do texto, se transmite era da tipografia. Mas tambm esta informao seautonomizar nos livros impressos com a criao de uma folha final de registo, com a indi-25Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 25caomesmadasequnciadecadernos,umainformaotilparaoencadernador,paraolivreiro e tambm para o leitor, porque, geralmente, pelo menos no incio, a imposio dascapas era posterior e o livro poderia circular (como acontecera alis na poca do manuscri-to) em conjuntos de fascculos sem encadernao. O colofo contempla o reconhecimentoda identidade e da legitimidade contra as contrafaces, o ltimo adeus ao leitor e indicaestcnicas para o encadernador e mesmo para o comrcio do livro, podendo em alguns casosser a oportunidade para a incluso de algumas vinhetas decorativas. Foi este carcter tcni-co do colofo, em complemento da portada, que o catlogo que se segue tambm quis captar.Vigiar:autorizareproibir. Aimprensaaceleraadifusodopensamento.Porefeitodamultiplicao de cpias torna-o mais pblico que a simples difuso manuscrita. Mas os con-dicionamentos rapidamente impostos sobre a imprensa limitaro grandemente o apareci-mento das posies heterodoxas e, para contornar os constrangimentos, estimulam a proli-feraodeliteraturaannima.SobretudoapsainstituiodaInquisio,cujaactividaderegular se inicia em 1536, a imprensa vigiada de perto e cada livro deve conter uma autori-zao de publicao. por isso submetido a autorizao prvia. Para garantir um mximo decontrolo imprimem-se mesmo obras que so ndices de livros proibidos, compostos sob aorientao do Santo Ofcio e a autoridade censria do Inquisidor Geral (cfr. os nrs. 77, 187,188, 189, 380). A igreja e o reino exercem estreita vigilncia sobre o que se publica, poden-do actuar para perseguir autores, censurar doutrinas e pginas, retirar livros de venda, ondequer que tenham sido impressos. A dedicatria da obra, a invocao de um mecenas, ou aexibio de um privilgio funcionam como salvo-conduto, mas tambm actuam como forteelemento de condicionamento intelectual. Os privilgios e autorizaes obtidos so por issoimpressos no prprio livro, geralmente na portada, para garantir proteco para o que dizemeparaprevenircomrciosilcitos.aprotecodequeautores,editoresetipgrafosnopodemprescindir,parasuaprpriasalvaguardapoltica,eclesisticaoucomercial.Noapenasoimpressorqueprecisadebuscarpatrocnioparaasuaempresa,queexigeuminvestimento aprecivel, sem garantia de retorno. Tambm o autor solicita a benevolnciadoleitor,masantesdelhechegar,submete,noapenasretoricamente,oseutrabalhoaopatrocnio do rei, de um cardeal, de um bispo, mesmo de algum nobre, como se v em boaparte das obras aqui catalogadas.O que se l nos livros. O filsofo e telogo Nicolau de Cusa (1401-1464), leitor omnvoroe biblifilo, elevou a leitura a metfora da distino entre Deus e o Homem, entre a eterni-dade e o tempo:Quandoabroumlivroparaoler,vejo,demodoconfuso,todaapgina.Esequerodistinguircada uma das letras, slabas e palavras, necessrio voltar-me singular e seriadamente para cada26editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 26uma delas, no podendo ler seno sucessivamente uma letra depois da outra, uma palavra depoisda outra e um passo depois de outro passo. Mas tu, Senhor, vs imediatamente toda a pgina e lssem qualquer demora temporal.E se dois de ns lem a mesma pgina, um mais depressa, outro mais devagar, tu ls com ambose pareces ler no tempo (...). Todos os livros escritos, e aqueles que se podem vir a escrever, tu osvistesimultaneamenteesimultaneamenteoslestedeumasvezeacimadequalquerdemoratemporaldesdeaeternidade,eapesardissol-losseriadamentecomtodosaquelesqueoslem. (Nicolau de Cusa, A viso de Deus, cap. VIII, trad. J.M. Andr, F.C. Gulbenkian, Lisboa1988, pp. 160-161).Estahumanacondiotemporalparaocusanolimitaointrnseca:ohomemapenaspodelerjuntandoletraaletras,palavraapalavra,umapginadepoisdaoutra,umlivrodepois do outro, sem poder ambicionar a leitura da totalidade dos livros. O abismo de des-proporoentreotempolimitadodavidahumanaeasbibliotecasdelivrosdisponveistorna ainda mais aflitiva esta condio. E o crescimento das edies mais contribuir paraeste sentimento de angstia. Nicolau de Cusa vive no tempo de fronteira em que a tipografiafaz a sua entrada triunfal. E, com ela, os livros proliferaro, nas mais diversas reas, acentu-ando as especializaes que se anunciavam pelo menos desde o advento da universidade e dasua diviso em faculdades no sculo XIII. Oslivrostambmformamsucessesesries,nemquesejaparaosabarcarnotempo,tambm se categorizam para os podermos arrumar e compreender. A distino entre livrosreligiosos e livros profanos, operativa para a poca, conceptualmente problemtica, por-que cada um desses livrospode ter contedos do campo oposto ou nele ser usado. em par-ticular fluido caracterizar o livro profano. Por exemplo, todos os livros de filosofia aqui des-critos so de facto ou escritos ou organizados por eclesisticos e o mesmo acontece com boaparte das obras que se consideraram profanas, mas a distino parece til tendo em conta asdinmicas simblicas e histricas de cada um dos campos.Grfico 2 - Livros profanos, livros religiosos(N.B.:osomatriosuperiora427porqueemalguns impressos h mais do que uma obra)27Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 27A distino entre livro profano ou laico e livro religioso reflecte em primeiro lugar o esta-do social dos seus autores ou leitores. Lembremo-nos que o laicus, por exemplo no latim dosculo XII, era o no letrado, o no clrigo. No possvel estabelecer nmeros, mas tendoem conta os valores conhecidos para o pas no sculo XIX e na primeira metade do sculo XX,talvez no seja exagerado extrapolar que no sculo XVI em Portugal mais de 95% da popula-oanalfabeta(trssculosdepois,em1878,de82,4%,cfr.DicionriodaHistriadePortugal, dir. J. Serro, Vol. II, p. 395). O livro um bem utilizado por grupos sociais de gran-depesosocialeeconmico,masdepequenaexpressodemogrfica.Olivrotemquaseexclusivamente uma finalidade profissional, ou pelo menos ocupacional, mas j sensvel apresena de livros ao gosto popular, como a literatura hagiogrfica ou de cavalaria (nos doisextremos do grfico 3 para o total de edies, cfr. Macedo, Livros Impressos, pp. 48-62).No primeiro sculo da existncia da imprensa, a difuso das obras sofre com a duplicaode meios, porque continua a ser grande a circulao manuscrita. Os livros estampados tmuma difcil coexistncia com os manuscritos e, sobretudo nos meios monsticos e universi-trio,muitograndeonmerodemanuscritosquenuncativeramhonrasdeserdadosestampa (no existem estudos quantitativos, mas seguramente maior o nmero de ttulosdeautoresportuguesesdosc.XVIemmanuscritoqueaquelesquealgumavezforamimpressos).Acolecoaquicatalogadareflecteadiversidadetemticaedisciplinardomundo editorial portugus do sculo XVI. Sendo difcil categorizar os livros, podem encon-trar-se afinidades de contedo que permitem perceber a sua distribuio e, por a, os gostose receptividade dos pblicos. Tal como h constantes que se verificam nos modelos grficos,tambm os gneros editoriais, na sua repetio, evidenciam relativa estabilidade e inrcianodomniodaculturadolivro,apesardeevoluesnoplanodopensamento,dequesoindicador mais evidente os sucessos editoriais e as mudanas na tabela dos autores de suces-so ao longo da segunda metade do sculo. Entre estes esto alguns dos mais importantes te-logos em actividade em Portugal: Lus de Granada (nrs. 224-241), Martin de Azpilcueta (nrs26-36),BartolomeudosMrtires(nrs.247-252),JernimoOsrio(nrs.283-287).Mastambm moralistas como frei Heitor Pinto (nrs. 301-307) ou Manuel Rodrigues (nrs. 375-379),biblistascomoJooSoares(nrs.399-404),filsofoscomoPedrodaFonseca(nrs.145-147),ouumhagigrafocomoDiogodoRosrio(nrs.381-384).Peranteosucessodealgumaobraeraminevitveisasreedies.Nessescasosoprprioautorpoderiasentirnecessidade de introduzir correces ou acrescentos para a emendar ou tornar de novo ven-dvel, mesmo para aqueles que haviam adquirido a edio anterior. Os exemplos so mui-tos, como o Compendium manualis de Martin de Azpilcueta de 1592 (Nunc recognitum &infinitispenmendis...repurgatum,nr.31),ouasConstitutionesOrdinisFratrumEremitarumSanctiAugustini(Nuperrecognitae&inamplioremformamacordinemredactae, nr. 279), ou a reedio da Summa de casos de consciencia de Manuel Rodrigues,28editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 28impressa em Lisboa em 1597, com a expressa meno: Aadida agora de nueuo en muchascosas y corregida por el mismo author (nr. 378). Estas correces e acrescentos so anun-ciadas com pompa nas portadas, mas nem sempre correspondem a verdadeiras mudanasno seu contedo. As correces eram mesmo introduzidas nas sucessivas edies de autoresdo passado, como se pode ver nas de obras de autores como Aristteles (nrs. 19, 20, 299),que seguramente reproduzem edies estrangeiras.tambmsensvelaevoluodecertosgneros.Olivrouniversitriotendearepetirosmodelosmedievaisdocomentrio,sejaaobrasdeAristteles,sejasSentenas dePedroLombardo, respectivamente para o estudo da filosofia e da Teologia. De um gnero derivadoda lectio, a repetitio, encontramos diversos exemplos, em Filosofia, Teologia e Direito (nrs. 26,27, 30: a manera de repeticion latina y scholastica de iuristas, 37: idem, 139, 288, 296).OslivrosdeHistria,dePortugaloudomundo,religiosaoureal,apesardaastciadenotrios falsificadores, fazem o seu percurso por outros novos modos de fundamentao danarrativa, trate-se de crnicas, cronologias, elogios, ou relatos mais ou menos fantasio-sos. O mesmo interesse pelo mundo e pelo outro est bem vivo pelo interesse na literaturade viagens e corogrfica.Grfico 3 - Principais reas temticas dos livros catalogados(N.B: A soma total superior a 427 porque em alguns impressosh mais que uma obra)Alguns dos impressos catalogados no so de facto livros, como acontece com a srie deleisdoreino,que,emalgunscasos,nososenofolhasavulsas(alisencadernadasnovolume X1-2-21; cfr. os nrs 330-355) e que causam a desproporo de impressos de direitocivil. Outros textos recorrentes e curtos, como os relatos de sucessos, no esto presentes nacoleco.29Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 29Ofervorespiritualdapocaespalha-seporumamplolequedegneros,commltiplosmanuaisdeconfessores,tratadosdeespiritualidadeourelatosdeexperinciaeelevaomstica. No sculo do Conclio de Trento, concludo em 1563, a reforma religiosa (monsti-ca ou episcopal) est no centro das preocupaes, com um acentuar da regulao jurdico-cannica da vida religiosa privada e pblica e novas formas de pastoral, de que so testemu-nho os novos comentrios bblicos e vrias coleces de sermes, e mesmo o tratado de ret-rica eclesistica para a elaborao de sermes de Lus de Granada, Ecclesiasticae rhetoricae siue deratione concionandi libri sex, impresso em 1565 (cfr. nr. 230).Uma particularidade do livro do sculo XVI, devido proliferao de intervenes que sesobrepem ao texto do autor, com sucessivas compilaes, correces e emendas por diver-sos editores-correctores, pe em crise o prprio conceito de autor e mostra como era aindadifusa a propriedade sobre a sua prpria obra. forte essa tenso entre a individualidade doautoreainstitucionalidadedoprpriosaberqueeleexprime.entreumeoutroqueseinterpem as diversas intervenes de editores, censores, correctores. Por essa razo algunslivrospodiamatomitironomedoautor:oTractadollamadoEldesseosoyporotronombreEspejo de religiosos vem com a meno de ser Agora de nueuo corregido y aadida la sextaparte que hasta agora no ha sido impressa en Lisboa (...) 1588 (nr. 123), ou ento alterarprofundamente o original, como na Hystoria dela Yglesia que llam ecclesiastica y tripartitade Eusbio de Cesareia, abreuiada y trasladada de latin en castellano por un religioso, delaOrden de Sancto Domingo Y aora nueuamente reuista y corregida por el mesmo interpre-te, impressa em Coimbra em 1554 (nr. 130).Por essas razes, mas tambm pela carcter novo de algumas obras, estas obras merecembemumareleiturainterdisciplinar.Ummaisamploestudodaculturaescritaedopensa-mento em Portugal no sculo XVI, a partir dos impressos a seguir descritos, ser publicadono volume Livros impressos e leituras em Portugal no sc. XVI, que rene os contributos apre-sentados no colquio organizado a propsito da edio deste mesmo catlogo.Mercado local, mercado mundial. A sociedade das letras sempre foi internacional e cos-mopolita, mas, olhando os impressos portugueses do sculo XVI, evidente que estes livrossedestinamaomercadolocal.Otransporteeastaxasdeveriamtornarmaiseconmicaerentvelasuaimpressolocal.tambmesselocalismoqueexplicaasimultaneidadedeedies nas trs principais lnguas faladas no pas: o latim, o castelhano, o portugus. Mas,comotempo,pareceseraimprensaacontribuirparaodesenvolvimentodaunidadelin-gustica do pas. Apesar disso, importante o comrcio de importao de livros para a satis-faodaprocuranacional.Bastemtrsexemplos.1)existemhojenaBibliotecaNacionalmaisttulosimpressosnosculoXVIemEspanha(1971ttulos,cfr.Lavoura,TipografiaEspanhola),doqueemPortugal(928ttulos;cfr.Simes,Catlogodosimpressos);2)no30editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 30recentecatlogosobreOlivrocientficodossculosXVeXVI:cinciasfsico-matemticasnaBiblioteca Nacional (org. LEITO e MARTINS), dos 867 espcimes descritos apenas 31 so detipografiaportuguesa;3)emPortugalnofoiimpressaaolongodosculoXVInenhumaBblia,nemnenhumadasgrandescompilaesdedireitociviloucannico,oque,dadaaprocura de qualquer destas obras, tornou obrigatria a importao de grandes quantidadesde volumes. A reduzida dimenso do mercado local e a abundncia de ttulos e exemplaresnas grandes oficinas europeias, limitaram seriamente o desenvolvimento da indstria tipo-grficaemPortugal.Estefactotambmtornouimportanteaimpressonoestrangeirodeobras de autores portugueses, mesmo em portugus, por isso seguramente estampadas paraomercadoepbliconacionais,porrazeseconmicasouparafugiraocontroledopoderreal ou da Inquisio.Uma certa circulao de obras tambm ocorrer em sentido inverso, mas em muito menorescala, com a difuso e leitores fora de fronteiras de livros de autores portugueses do sculoXVI. Em vez do pesado e oneroso transporte dos volumes acabados, as prprias obras eramimpressasnomercadoqueassolicitava,comoaconteceucomobrasdePedroNunesimpressas em Anturpia e Basileia, com as Chronicas da Ordem dos frades menores de Marcosde Lisboa, e sobretudo com os comentrios a Aristteles do colgio conimbricense (verda-deiramente difundidos j no sculo XVII), ou dos diversos tratados de Jernimo Osrio comgrandesucessoeuropeu,semfalardeediesemtraduo,comoastrsdosLusadasdeCamesrealizadasemEspanhanosculoXVI(cfr.LAVOURA,TipografiaEspanhola,nrs.290-292).Possedelivros,livrosausentes. outrodosmritosdestecatlogoquetenhamsidoregistadascomminciasasmarcasdepossequesobrevivemnoslivros,sejaemnotasmanuscritas ou em apostos ex-libris. Podemos assim reconstituir, pelo menos parcialmen-te, o seu percurso no tempo e saber que alguns deles passaram por vrias mos. Como acon-tece com outros fundos da Biblioteca Pblica Municipal, o ncleo maior (e mesmo assim no31Grfico 4 - Lnguas de edio dosimpressos do sc. XVI na BPMP(cfr. J. Costa, Apresentao, supra)Aberturas+catlogo17/07/0617:36Page 31ultrapassa a trintena) provm de casas dos Cnegos Regrantes de Santo Agostinho. As incor-poraes bibliogrficas do sculo XIX, em resultado da extino das ordens religiosas, so aorigem principal deste fundo bibliogrfico, o que explica que em tantos livros se registe a suapertena a frades ou a clrigos. Ao longo da sua histria centenria a Biblioteca conseguiuampliarofundocomdoaeseaquisiesvrias,constituindoassimumvaliosoncleorepresentativodomovimentotipogrficodosculoXVI,masaquefaltamalgunsttulosnotveis. Entre estes impressos, que na sua totalidade constituem pouco menos de metade daproduo portuguesa conhecida do sculo XVI, no existem edies de Cames, nem de GilVicente, nem existe o Cancioneiro Geral de 1516. Apesar de ela ser ainda rara na poca, not-ria tambm a ausncia de literatura feminina. Seria ocioso e intil enumerar a importncia dealguns ttulos ausentes, mas nota-se sobretudo a falta do Espelho de perfeicam de HenriqueHerpf, ou do De divisionibus de Bocio, editados em Santa Cruz de Coimbra, respectivamen-te em 1533 e 1534, o que, antes de mais, atesta os avatares da reunio desta coleco, mesmoassim numerosa e rica, que, neste particular, ganharia em ser completada.E agora os livros esto aqui. Quatro ou cinco sculos depois da sua edio, estes impres-sostrazemnocorpomarcasdeposse,sinaisdeuso,mutilaesvrias,escarificaesqueassinalamapassagemdevermes,dasintempries,dousodescuidadoouintenso.Poucosatravessaram o tempo em imaculada integridade. Transmitem-nos as esperanas e o pensa-mento de um sculo que fez da tipografia um definitivo instrumento de poder e de difusodo saber, alargando o pblico autor e sobretudo o pblico leitor. Encontraram repouso naBibliotecaPblicaMunicipaldoPortoeporaquiseficaram,bementregues.Foramagoravalorizados pelo cuidado trabalho com que responsveis e tcnicos da Biblioteca os tratarame descreveram nas pginas que se seguem, para que os leitores os pudessem redescobrir. Opatrimnio guarda da Biblioteca sai enriquecido com o trabalho desta equipa, qual todosestamos gratos. E os livros a esto, para continuarem a ser lidos1. Jos MeirinhosUniversidade do Porto, Faculdade de Letras1) Agradeo a Maria de Lurdes Correia Fernandes e a Jlio Costa a leitura deste texto e as respectivas observaes,quecontriburamparaomelhorar.AgradeoaoDr.MiguelNogueira(GabinetedeCartografiadaFLUP)apreparao do mapa incluido neste estudo.32editores, livros e leitoresAberturas+catlogo17/07/0617:36Page 32Bibliografia1. CatlogosANSELMO, Antnio Joaquim, Bibliografia das obras impressas em Portugal no sculo XVI, Lisboa: Biblioteca Nacional, 1926 [reimpr. 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