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Aprimoramento em saúde coletiva: reflexões Temas em Saúde Coletiva 1 Organizadores: Organizadores: Organizadores: Organizadores: Organizadores: Maria Mercedes Loureiro Escuder Maria Mercedes Loureiro Escuder Maria Mercedes Loureiro Escuder Maria Mercedes Loureiro Escuder Maria Mercedes Loureiro Escuder Maria Cezira F Maria Cezira F Maria Cezira F Maria Cezira F Maria Cezira Fantini Nogueira Martins antini Nogueira Martins antini Nogueira Martins antini Nogueira Martins antini Nogueira Martins Sonia Isoyama V Sonia Isoyama V Sonia Isoyama V Sonia Isoyama V Sonia Isoyama Venâncio enâncio enâncio enâncio enâncio Claudia Maria Bogus Claudia Maria Bogus Claudia Maria Bogus Claudia Maria Bogus Claudia Maria Bogus

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Aprimoramentoem saúde coletiva:

reflexões

Temas em Saúde Coletiva

1

Organizadores:Organizadores:Organizadores:Organizadores:Organizadores:Maria Mercedes Loureiro EscuderMaria Mercedes Loureiro EscuderMaria Mercedes Loureiro EscuderMaria Mercedes Loureiro EscuderMaria Mercedes Loureiro Escuder

Maria Cezira FMaria Cezira FMaria Cezira FMaria Cezira FMaria Cezira Fantini Nogueira Martinsantini Nogueira Martinsantini Nogueira Martinsantini Nogueira Martinsantini Nogueira MartinsSonia Isoyama VSonia Isoyama VSonia Isoyama VSonia Isoyama VSonia Isoyama Venâncioenâncioenâncioenâncioenâncio

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Aprimoramento em saúde coletiva:Aprimoramento em saúde coletiva:Aprimoramento em saúde coletiva:Aprimoramento em saúde coletiva:Aprimoramento em saúde coletiva:reflexõesreflexõesreflexõesreflexõesreflexões

Instituto de Saúde2000

São Paulo

Organizadores:Maria Mercedes Loureiro Escuder

Maria Cezira Fantini Nogueira MartinsSonia Isoyama Venâncio

Claudia Maria Bogus

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Elaborado por: Carmen Campos Arias Paulenas

AAAAAprimoramento em saúde coletiva: reflexõesprimoramento em saúde coletiva: reflexõesprimoramento em saúde coletiva: reflexõesprimoramento em saúde coletiva: reflexõesprimoramento em saúde coletiva: reflexões

Organizadores: Maria Mercedes Loureiro Escuder, Maria Cezira Fantini Nogueira Martins,Sonia Isoyama Venâncio, Claudia Maria Bogus(Comissão de Aprimoramento IS-SES/SP)

Projeto Gráfico: Belkis Trench e Nelson Francisco Brandão

Editoração eletrônica: Nelson Francisco Brandão

Revisão: FUNDAP - Fundação de Desenvolvimento Administrativo

Editores:Comissão Editorial do Instituto de Saúde

Belkis Trench, Doris Lucia M. Lei, Luís Eduardo Batista, Paulo Roberto do Nascimento, SiomaraRoberta de Siqueira, José Ruben de Alcântara Bonfim, Nelson Francisco Brandão, AparecidaNatalia Rodrigues e Silvia Maria Teixeira

ISBN nº: 85-88169-01-0 - Coleção Temas em Saúde ColetivaISBN nº: 85-88169-02-9 - Aprimoramento em saúde coletiva: reflexões

Escuder, Maria Mercedes Loureiro Aprimoramento em saúde coletiva: reflexões/ organizadopor Maria Mercedes Loureiro Escuder, Maria Cezira Fantini Nogueira Martins,Sonia Isoyama Venancio e Claudia Maria Bogus. São Paulo: Instituto de Saúde,2000. 92p. (Temas em Saúde Coletiva, 1)

1. Recursos humanos em saúde 2. Saúde coletiva 3. Educação em saúde 4. Aprimoramento I. Escuder, Maria Mercedes Loureiro II.Martins, MariaCezira Fantini Nogueira. III. Venancio, Sonia Isoyama. IV. Bogus, Claudia Maria.V. Comissão Editorial do Instituto de Saúde. VI. Série

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Obra publicada pelo Instituto de Saúde

Secretário de Saúde: José da Silva Guedes

Coordenador da CIP-Coordenação dos Instituto de Pesquisa: José da Rocha Carvalheiro

Diretor do Instituto de Saúde: Maria Lucia Rosa Stefanini

Comissão de Aprimoramento do Instituto de Saúde: Maria Mercedes Loureiro EscuderMaria Cezira Fantini Nogueira MartinsSonia Isoyama VenâncioClaudia Maria Bogus

Comissão Editorial do Instituto de Saúde: Belkis TrenchDoris Lucia M. LeiLuís Eduardo BatistaPaulo Roberto do NascimentoSiomara Roberta de SiqueiraJosé Ruben de Alcântara BonfimNelson Francisco BrandãoAparecida Natalia RodriguesSilvia Maria Teixeira

Projeto Gráfico e Capa: Belkis TrenchNelson Francisco Brandão

Editoração e Composição: Nelson Francisco Brandão

Revisão: FUNDAP Fundação de Desenvolvimento Administrativo

Impresso no Brasil ISBN nº: 85-88169-01-0ISBN nº: 85-88169-02-9

Rua Santo Antonio 590 - Bela VistaS. Paulo-SP Cep: 01314-000

Ano/2000

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃOMaria Lucia Rosa Stefanini ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 7

PREFÁCIO - UM INSTITUTO EM BUSCA DE SUA IDENTIDADEJosé da Rocha Carvalheiro ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9

O PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL: UMA EXPERIÊNCIAESTADUAL NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA O SUS

Eduardo Izumino, Paula Regina Di Francesco Picciafuoco, Mari Shirabayashi ------------------------------ 11A CONSTRUÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO --------------------------------------------- 17A participacão dos pesquisadores na condução dos módulos teóricos

Cláudia Maria Bógus ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 19O trabalho com os grupos

Maria Cezira Fantini Nogueira Martins ------------------------------------------------------------------------------- 21Desenvolvimento de projetos de pesquisa: uma grande conquista e um constante desafio

Sonia Isoyama Venâncio ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 24Recebendo alunos de outros programas de aprimoramento,

Maria Mercedes Loureiro Escuder -------------------------------------------------------------------------------------------- 26

SUBSÍDIOS TEÓRICOS ----------------------------------------------------------------------------- 29A concepção de saúde coletiva

Virginia Junqueira ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 31A epidemiologia e a Interdisciplinaridade

José da Rocha Carvalheiro ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 33Um convite ao exercício da transdisciplinaridade

Sandra Maria Greger Tavares ------------------------------------------------------------------------------------------------ 35Qualificar ou quantificar?(refletindo sobre a escolha da abordagem metodológica na pesquisa em saúde)

Wilza Villela ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 38Saúde em movimento: construindo políticas

Paulo Roberto Nascimento ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 40

RESULTADOS DO PROGRAMA: RELATOS DE PESQUISAS DE APRIMORANDOS ---- 43Prostituição e trabalho: um estudo sobre a visão de mulheres de programa

Claudia de Almeida Ortega -------------------------------------------------------------------------------------------------- 45Oficinas de criatividade no contexto da saúde coletiva:análise de uma estratégia de promoção de saúde

Claudia Sampaio ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 51

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Profissionais do sexo e profissionais de saúde: um estudo realizado na região central de São PauloCristiane A. Alves Oliveira --------------------------------------------------------------------------------------------------- 55

Unidade Básica de Saúde – Espaço e poder: o caso do PAM Bela VistaDavid da Silva Pereira -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 58

Considerações sobre a imagem corporal de portadores de hanseníase usuários do serviço dedermatologia sanitária

Paula Licursi Prates ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 62A terceira idade em movimento

Roberta Cristina Boaretto ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 64Humanização: ser humano e arquitetura

Valéria de Mattos Soares ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 67

A REFLEXÃO DOS PESQUISADORES -------------------------------------------------------------------- 71O aprimoramento da pesquisa em saúde coletiva: um grande desafio

Luiza Sterman Heimann ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 73A formação do professor

Carlos Botazzo -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 74O fio e o novelo

Daphne Rattner, Marinês Martins Miranda, Valéria de Mattos Soares ----------------------------------------- 77Educação em saúde: um trabalho realizado no Instituto de Saúde

Ausonia Favorido Donato ---------------------------------------------------------------------------------------------------- 80

DEPOIMENTOS DE EX-APRIMORANDOS ------------------------------------------------------------- 85Aprimoramento em saúde

Jucilene Leite da Rocha --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 87Novos caminhos

Simone Ribeiro Spinetti ------------------------------------------------------------------------------------------------------- 89Formação para a construção da cidadania: a experiência de aprimoramento emsaúde coletiva no Instituto de Saúde

Leny Sato -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 91Um pequisador: as trajetórias de um efeito ou vide anverso

Umberto Catarino Pessoto ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 93

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Esta publicação tem um significado es-pecial, pois registra uma conquistainstitucional, em que a tarefa de formar re-cursos humanos em saúde coletiva para osserviços de saúde e para a pesquisa deixou deser meta da direção do Instituto de Saúde epassou a ser incorporada pelo conjunto depesquisadores mobilizados pela Comissão deAprimoramento.

A história do Programa de Aprimoramen-to Profissional (PAP) – promovido pela Fun-dação de Desenvolvimento Administrativo(Fundap) e desenvolvido no Instituto de Saú-de (IS) – é marcada por diferentes formas decondução, em vinte anos de existência. Nosprimeiros quatro anos (1979-82), o PAP foidesenvolvido de modo fragmentado: cadasetor da Instituição se responsabilizava porprogramas específicos para seus apri-morandos.

No contexto da reestruturação institu-cional promovida sob a liderança do profes-sor José da Rocha Carvalheiro, que revoluci-onou o IS em 1984, foi instituída uma novaexperiência na formação de recursos huma-nos, que fez com que o PAP se voltasse a áre-as específicas da saúde coletiva.

A coordenadora pedagógica do Programa,Ausonia Favorido Donato, organizou umcurso que tinha como eixo a Epidemiologia,

informada pelas disciplinas de Sociologia,Estatística e Ciências Sociais. O objetivo eraformar indivíduos capazes de analisar criti-camente o processo saúde-doença, os servi-ços e a política de saúde com base no méto-do científico.

O Programa caminhou com sucesso nosquatro anos subseqüentes, mas atravessou, aseguir, crises institucionais, até ser desativadoem 1990.

Ao retornar ao IS em 1993, o professorCarvalheiro iniciou a recuperação do Progra-ma de Aprimoramento, definindo-o comoprimeiro passo de um projeto de reconstru-ção institucional que incluiu a abertura deconcurso para a carreira de pesquisador cien-tífico e o estabelecimento de três pilares, re-presentados pelas Comissões Científica, Edi-torial e de Aprimoramento.

A Comissão de Aprimoramento tornou-se responsável pelo atual projeto de Aprimo-ramento em Saúde Coletiva. Essa Comissãode Ensino – composta de pesquisadores queingressaram na carreira em 1995 –reformulou o Programa e envolveu os núcle-os de pesquisa da Instituição e seus pesqui-sadores na elaboração dos módulos teóricose na condução dos estágios práticos no cam-po da pesquisa, em diferentes áreas da saúdecoletiva.

APRESENTAÇÃOMaria Lucia Rosa Stefanini

Diretora do Instituto de Saúde ePesquisador Científico VI do Núcleo de Investigação em Nutrição

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Um dos produtos da atuação dessa Co-missão é esta publicação, que mostra a cons-trução do atual modelo pedagógico,explicitado através dos textos dos componen-tes da Comissão de Ensino.

A maior inserção dos aprimorandos nocontexto institucional, como decorrência doenvolvimento de seus quadros na coordena-ção dos módulos teóricos, é tratada no textode Cláudia Maria Bógus.

A técnica de trabalho com grupos, utiliza-da para acolher os aprimorandos do primeiroano – descrita no artigo de Maria Cezira F. N.Martins –, tem trazido resultados positivosno desempenho dos aprimorandos e na inter-relação deles com a Instituição.

Sonia I. Venancio relata a experiência daComissão no desenvolvimento de projetosindividuais de pesquisa, em que osaprimorandos são orientados por pesquisa-dores do IS.

Ainda nesse módulo de construção peda-gógica, Maria Mercedes L. Escuder descreveum dos resultados gratificantes do curso ofe-recido aos aprimorandos do IS: a extensãodas disciplinas básicas a aprimorandos de ou-tras instituições.

A publicação apresenta, ainda, os conteú-dos teóricos que são ministrados no curso eque dão suporte à elaboração e à execução deprojetos na área de saúde coletiva.

Como afirmação do modelo adotado, sãoapresentados os trabalhos de aprimorandosque vivenciaram a proposta e os relatos dealguns pesquisadores do IS que acompanha-ram todo o processo histórico e que aindaparticipam da formação, para demonstrar ainserção e o compromisso do quadroinstitucional com o Programa.

Por fim, nada é mais gratificante do queo registro de alguns ex-aprimorandos, quetransmitem suas experiências e as inquieta-ções originadas no Programa de Aprimora-mento em Saúde Coletiva, sinalizando paraa formação de profissionais com consciênciacrítica.

Esta publicação mostra, assim, que a evo-lução do Programa de Aprimoramento emSaúde Coletiva é dinâmico e contribui tantopara o desenvolvimento institucional comopara a formação de excelentes profissionais.Resta-nos, apenas, a tarefa de encontrar mei-os de absorvê-los no setor público e capitali-zar, com isso, esse investimento.

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PREFÁCIO

UM INSTITUTO EM BUSCA DE SUA IDENTIDADEJosé da Rocha Carvalheiro

Coordenador dos Institutos de Pesquisa (CIP)da Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo

Quem quiser formar uma opinião arespeito do que foi o desenvolvimento recentedo trabalho no Instituto de Saúde, pode fazê-lo acompanhando os caminhos tortuosos deseu programa de aprimoramento paraprofissionais de nível superior. Tendo poucomais que trinta anos de existência, o Institutooferece este tipo de treinamento háaproximadamente vinte. Iniciou-se da mesmaforma que os demais programas deaprimoramento: treinamento em serviço paraprofissionais não médicos, de maneiracomplementar ao programa de residênciamédica. Uma espécie de “residência para nãomédicos” em exercício na Secretaria de Estadoda Saúde de São Paulo. Um programainovador e precursor do que viriam a ser aspropostas posteriores de especialização,culminando com a recente idéia de “mestradoprofissionalizante”. Mas, em sua origem,destinado apenas a ser um contraponto aoque se passava nos hospitais escola: ao mesmotempo ensinavam e se beneficiavam dotrabalho, mal remunerado e sem vínculoempregatício nem garantia de encargossociais, de médicos já formados.

Não deve portanto causar espanto a ma-neira pouco clara como foi conduzido o pro-grama de aprimoramento ao longo dessesvinte anos. Salvo raros e preciosos momen-

tos de lucidez, nunca teve um verdadeiroprojeto pedagógico fundado em sólidos pres-supostos teóricos e metodológicos, valorizan-do ao mesmo tempo os objetivos finais daformação de quadros para atuar em todos osníveis dos serviços. Ambas as idéias forameventualmente colocadas em pratica, mas nãosimultaneamente. Nas origens, à semelhan-ça de outros programas de aprimoramentode instituições da Secretaria, aprimorandosrecrutavam-se para exercer tarefas de técni-cos em laboratórios de pesquisa e prestaçãode serviços diagnósticos, então também exis-tentes no Instituto de Saúde. Estava, de cer-ta maneira, contemplado o objetivo de ser-vir à instituição, sem no entanto configurarverdadeiro projeto pedagógico. Este, em de-terminado período, foi muito claro porémnada o diferenciava dos esforços do mundoacadêmico, especialmente em sua falta deobjetividade na formação de quadrosinstitucionais. A crise chegou a ponto de tersido proposta e adotada a extinção do pro-grama de aprimoramento, o que se mantevedurante anos.

Em sua reativação, a partir de 1994, oprograma custou a encontrar seu caminho,no que não diferiu do próprio Instituto, tam-bém ele ameaçado de extinção, em busca deuma identidade e lutando por sua sobrevi-

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vência. Ao jovem grupo que assumiu a con-dução do programa em anos recentes deve-se creditar os avanços nesse sentido. A difícilconstrução do SUS exige, cada vez mais, aformação de quadros técnicos capazes de exer-cer o verdadeiro papel de gestores, em todosos níveis da gestão. Que saibam não apenasoperar, implementar e desenvolver técnicasassistenciais e gerenciais no interior do SUS.Que aprendam, sobretudo, a analisar e res-peitar uma espécie de “pensamento críticoconsentido”, absolutamente indispensável

para o avanço na construção do SUS. Podeser que essa visão esteja no horizonte dosnúcleos acadêmicos de formação de novosquadros, porém nenhum deles tem o que dáao Instituto de Saúde uma posição privilegi-ada: pertencer à própria estrutura da admi-nistração direta, pertencer à Secretaria deEstado da Saúde de São Paulo. Nesse senti-do, pesquisa-ação não será nele apenas umadentre tantas possibilidades de apreensão darealidade, é da sua própria essência.

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Introdução

O Programa de Bolsas para Aprimora-mento de Médicos e Outros Profissionais deNível Superior que Atuam na Área da Saúdefoi criado pelo Decreto Estadual n. 13.919,de 11/9/79, que encarregou a Fundap deadministrar o pagamento de bolsas do PAP,criou uma comissão especial para gerenciá-lo e traçar suas diretrizes e indicou as insti-tuições que inicialmente participariam doprograma.

Desde a sua origem, o PAP contemplavavárias atividades de treinamento na forma deestágios práticos, voluntários e não-remune-rados, que ocorriam principalmente nos ins-titutos de pesquisa ligados à Secretaria daSaúde (Instituto Butantan, Instituto AdolfoLutz etc.), os quais foram os primeiros a uti-lizar o PAP. Paulatinamente, outras institui-ções que mantinham programas de treina-mento em serviço nas diversas áreas profissi-onais envolvidas no setor saúde foram incor-poradas ao PAP. Com a criação do ConselhoEstadual de Formação Profissional da Áreade Saúde (Conforpas), pelo Decreto Estadualn. 28.495, de 15/6/88, e o credenciamento

de outras instituições, o número de bolsasconcedidas foi de mais de 1200 por ano.

O crescimento do PAP foi conseqüência,também, da evolução do sistema de saúde.O quadro das profissões de saúde (não-mé-dicas em especial) no setor público1 conhe-ceu, durante o período, notável crescimento(ao menos no Estado de São Paulo), impul-sionado, ao que parece: pela adoção do prin-cípio da atenção integral à saúde da popula-ção; pela transformação do papel do sistemade saúde; e pelo desenvolvimentotecnológico. Esse quadro reflete, dentre ou-tros aspectos, a tentativa de se adotar umenfoque multidisciplinar e multiprofissionale de se criarem programas de prevenção e decomplementação à prática médico-curativaou de assistência à saúde, bem como o aper-feiçoamento das atividades de apoioterapêutico e de apoio ao diagnóstico liga-das ao aumento da demanda e/ou ao desen-volvimento tecnológico e às atividades de vi-gilância à saúde.

1 Entende-se por setor público, no caso, tanto asinstituições públicas governamentais quanto as decaráter público, mas não-governamentais.

O PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL: UMA EXPERIÊNCIAESTADUAL NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA O SUS

Eduardo IzuminoSociólogo, mestre em Sociologia e técnico em Desenvolvimento Organizacional, na Fundap

Paula Regina Di Francesco PicciafuocoSocióloga e técnica em Desenvolvimento Organizacional, na Fundap

Mari ShirabayashiSocióloga e técnica em Planejamento e Gestão, na Fundap

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Outro fator que impulsionou o cresci-mento do PAP foi o fato de o setor saúde(público ou privado) do Estado de São Pau-lo estar relativamente bem-aparelhado, emespecial no que tange ao número de equipa-mentos e à qualidade das instituiçõesmantidas pelo governo estadual ligadas à SES,às três universidades do Estado (Unesp,Unicamp e USP) e a outras instituições deensino superior – locais privilegiados para aformação profissional. É importante desta-car o papel em transformação dos municípi-os, a partir da fixação, pelo SUS, da esferamunicipal como a principal prestadora deserviços de saúde.

Apesar de estar diretamente inserido narede de serviços de saúde – e, portanto, nocontexto de todas as crises e dificuldades dosetor –, o PAP conseguiu crescer e despertar ointeresse de considerável parcela de profissio-nais recém-formados e instituições, graças aosresponsáveis pela programação oferecida(supervisores dos diferentes programas).Com efeito, houve, por parte dos diferentesgovernos estaduais, significativo interesse emdar continuidade, aperfeiçoar e fazer crescero PAP, enquanto investimento na formaçãode recursos humanos para o setor.

Há ainda outro aspecto que explica a evo-lução do PAP: suas características e seus ob-

jetivos sintonizados com as diretrizes do SUSna questão da formação de recursos huma-nos.

Objetivos e Características

O PAP é definido como uma modalidadede ensino de pós-graduação lato sensu, volta-da ao treinamento para a prática profissionaldas várias categorias que integram os servi-ços de saúde. Os diferentes programas ofere-cidos para cada categoria ou área profissio-nal da saúde (enfermagem, psicologia, nu-trição, análises clínicas, odontologia, serviçosocial, reabilitação, saúde pública e saúdecoletiva, multiprofissional etc.) são baseadosno princípio do treinamento em serviço, sobsupervisão direta de profissionais qualifica-dos, com no mínimo o título de mestre outrês anos de experiência. Os programas doPAP são concebidos pelas instituições; cercade 80% da carga horária de quarenta horassemanais são dedicados à prática profissio-nal, com a prestação direta ou indireta deserviços à população.

Por meio dessa metodologia de ensino, oPAP procura atingir os seguintes objetivos:– complementar a formação universitária em

aspectos da prática profissional não con-templados nos cursos de graduação;

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– adequar a formação universitária à presta-ção de serviços de saúde voltados às neces-sidades da população;

– formar profissionais com uma visão críti-ca e abrangente do sistema de saúde, quepossam vir a atuar como agentes na im-plantação de um sistema de saúdeuniversalizado, integrado, hierarquizado eregionalizado, voltado a melhorar as con-dições de saúde da população;

– formação de profissionais especializadosnuma área de atuação.2

São oferecidas vagas em mais de trezen-tos diferentes programas, vários dos quaismultidisciplinares, cada um deles com umou dois anos de duração. A bolsa oferecidatem valor equivalente ao salário do profissio-nal contratado pela rede estadual, em iníciode carreira. O montante de recursos destina-dos ao pagamento das bolsas do PAP é de cer-ca de R$ 4 milhões ao ano. São contempla-dos os programas avaliados em conformidadecom os objetivos gerais do Programa, comprioridade para aqueles que demonstram boascondições de desenvolvimento e/ou se des-tacam pela sua relevância em relação às ne-cessidades de saúde da população.

Convém ressaltar que não se trata de umprograma de fomento à pesquisa, mas de umprograma de qualificação profissional em ní-vel de pós-graduação, isto é, o PAP visa a darao bolsista um aprendizado ligado à práticaprofissional dentro dos serviços de saúde.

Outro aspecto a destacar é a avaliação doPAP pelos bolsistas e supervisores feita anu-almente, desde 1987, pela Fundap. Visan-do a instrumentalizar a administração do Pro-grama pelo governo estadual através dos seusgestores, a atividade tem por objetivo abor-dar os aspectos relativos ao funcionamentodo PAP, através da avaliação dos diferentesprogramas feita pelos agentes diretamenteresponsáveis por sua concepção e execução(que são os supervisores) e pelos “clientes”do programa (os aprimorandos).

O PAP é, portanto, um programa de bol-sas de formação profissional para a área dasaúde, em nível de pós-graduação, mantidopelo governo do Estado de São Paulo, sob aresponsabilidade da SES, executado por di-versas instituições ligadas ao SUS e adminis-tradas pela Fundap. Ao lado do Programade Residência Médica , o PAP busca contri-buir para a ordenação e o planejamento daformação de recursos humanos de nível su-perior e para a elevação dos padrões de aten-dimento à saúde da população.2 A respeito, ver Fundap (1992).

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Diagrama Esquemático do PAP

O PAP propõe-se, conceitualmente, a for-mação profissional em nível de pós-gradua-ção, voltada para a elevação dos padrões dequalidade da prestação dos serviços de saú-

de, articulando as suas dimensões epotencializando os recursos socio-institucionais existentes. Uma representa-ção esquemática ideal pode ser vista naFigura 1.

Aparelho Formador Aparelho Empregador

Necessidades de

Saúde da População

Sociedade

Sociedade Sociedade

Sociedade

PAP

Figura 1

PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL - PAPDIAGRAMA ESQUEMÁTICO DO PAP

Fonte: Fundap. Programa de Bolsas de Aprimoramento Profissional

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O diagrama ilustra idealmente oposicionamento do PAP como sendo resultan-te das superposições das três dimensões: asnecessidades de saúde da população; o apare-lho formador; e o aparelho empregador.

O centro, na superposição dos três arcos,é o lugar ideal de uma proposta como a doPAP, que deve desenvolver-se em instituiçõespúblicas que sejam, ao mesmo tempo, for-madoras (no nosso caso, as instituições deensino superior, que fornecem habilitaçõesprofissionais reconhecidas, tais como as fa-culdades e universidades) e empregadoras (oconjunto dos serviços envolvidos com a pres-tação direta e indireta de serviços de saúde,desde postos e centros de saúde, hospitaisgerais e especializados, serviços de diagnós-ticos, vigilância sanitária e epidemiológicaetc., hierarquizados segundo o nível de com-plexidade) de recursos humanos.

Os aspectos são representados como fi-guras abertas, denotando constante interaçãocom a sociedade mais ampla. Esse diagramaé ideal porque, na realidade, os três arcos seapresentam quase como dimensões separa-das e com dinâmicas autônomas(Shirabayashi, 1995), isto é, as ações do apa-relho formador estão separadas das ações doaparelho empregador e ambas, das necessi-dades de saúde da população. Embora o

modelo de atenção à saúde do SUS prevejaque as ações estejam integradas, ainda falta,de fato, melhor articulação entre esses aspec-tos. A superação desses obstáculos depende,dentre outros aspectos, de sua compreensãopelos profissionais envolvidos. O PAP, en-quanto um programa de formação profissio-nal que considera fundamental a articulaçãodas três dimensões apontadas, busca refor-çar essa compreensão.

Portanto, o PAP visa – através de seusobjetivos gerais, de sua metodologia, de seumodelo de gestão colegiada, e seus sistemasde avaliação – não só a reproduzir a excelên-cia técnica das instituições envolvidas, mastambém a ir ao encontro das diretrizes deformação de recursos humanos, procurandooferecer uma alternativa para a relação arti-culada entre as dimensões: aparelho forma-dor, aparelho utilizador e necessidades desaúde. Em relação ao aparelho formador, oPAP oferece a imprescindível experiência prá-tica, de contato com a atividade profissionalnos serviços de saúde, aspecto em geral nãocontemplado ou aprofundado pelas faculda-des e universidades. A formação dirigida àscondições de saúde da população, mediantea prática profissional, procura aproximarambos os aparelhos das necessidades de saú-de da população. Em relação ao último as-

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pecto, a busca da visão profissional crítica eabrangente do sistema se dá como conseqü-ência necessária ao contato com a realidadedos serviços e do ideal da formação do pro-fissional, enquanto sujeito e agente de seupróprio trabalho, e da implantação do SUS.

Referências Bibliográficas

FUNDAP – Fundação do DesenvolvimentoAdministrativo (1986) Problemática dosrecursos humanos em saúde no Estado de SãoPaulo – relatório final. São Paulo.

(1992) Programa de aprimoramento pro-fissional – manual de procedimentos técni-cos e administrativos. São Paulo.

MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE (1989)Sistema Único de Saúde: Diretrizes para

formulação de Política de Recursos Hu-manos. Brasília: Ministério da Saúde/ Se-cretaria Geral/ Secretaria de Moderniza-ção Administrativa e Recursos Humanos.63p

PICCIAFUOCO, Paula Regina Di Francesco;IZUMINO, Eduardo A. (1996) Ex-aprimorandos: Onde estão e o que fazem?São Paulo: FUNDAP. (Documentos deTrabalho, 70)

SHIRABAYASHI, Mari (coord.) (1995)1979-1994: 15 anos do programa de apri-moramento profissional: Seminário come-morativo. São Paulo: FUNDAP. (Docu-mentos de Trabalho, 68)

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A construção do projeto pedagógico

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A PARTICIPAÇÃO DOS PESQUISADORES NA CONDUÇÃO DOSMÓDULOS TEÓRICOS

Cláudia Maria BógusMembro da Comissão de Aprimoramento e

Pesquisador Científico III do Núcleo de Investigação em Educação em Saúde

Em 1996, o Curso de Aprimoramentoem Saúde Coletiva do Instituto de Saúde pas-sou por um processo de reestruturação queincluiu a seleção dos alunos, o planejamentoe a organização dos módulos teóricos quecompõem o primeiro ano do curso, com aparticipação dos alunos em projetos de in-vestigação desenvolvidos pelos núcleos doInstituto e a elaboração do trabalho de con-clusão de curso.

Em 1997, foi constituída, nos moldes vi-gentes até hoje, a Comissão de Aprimora-mento do Instituto de Saúde, responsável peloCurso de Aprimoramento. Essa Comissão,dentre outras inovações, consolidou uma novaestrutura para o primeiro ano do curso, se-gundo a qual a responsabilidade por todosos módulos teóricos passava a ser de técnicosda instituição, o que correspondia a umaantiga demanda no sentido de valorizar eincorporar ao curso os técnicos do Instituto,em suas áreas específicas de conhecimento epor sua prática em saúde coletiva.

Passados três anos, considera-se esse mo-delo muito benéfico, tanto por seu conteú-do como também por favorecer a integraçãodos aprimorandos, na Instituição.

Para a Comissão de Ensino, a experiênciatem sido bastante produtiva, pois facilita aorganização do curso, uma vez que os técni-

cos envolvidos estão próximos, compreen-dem a proposta adotada e, por isso, se com-prometem com a coordenação dos módulosteóricos.

Para os vários pesquisadores que partici-pam conosco dessa experiência, seja como co-ordenadores e/ou como docentes, o resulta-do tem sido positivo, pois garante um espa-ço para a divulgação de suas atividades e co-nhecimentos, para a interlocução com pro-fissionais recém-formados de diferentes árease para a reflexão contínua sobre a teoria e aprática.

Esses ganhos deverão ser ampliados a par-tir deste ano, pois o Instituto passa a ofere-cer o acesso a algumas das disciplinas do pri-meiro ano para aprimorandos de outras ins-tituições da área da saúde, que mantêm con-vênio com a Fundap. Pode-se considerar issocomo o reconhecimento e a valorização deuma experiência que está dando certo. E oInstituto de Saúde alcança assim maior visi-bilidade com o trabalho que desenvolve egraças ao potencial de seus técnicos.

O currículo programático desenhado parao primeiro ano do Curso de Aprimoramen-to em Saúde Coletiva, para o biênio 2000-2001, inclui as disciplinas de: Dinâmica deGrupo; Introdução à Informática; Introdu-ção à Saúde Coletiva; Políticas Públicas de

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Saúde; Saúde e Sociedade; Epidemiologia;Metodologia Qualitativa de Pesquisa; Pro-moção da Saúde; Planejamento Estratégico;e Elaboração de Projetos de Pesquisa. Essecurrículo é diferente daqueles estruturadosem anos anteriores, e que foram oferecidospara os aprimorandos nos biênios 1997-98,1998-99 e 1999-2000, isto porque o pro-cesso de avaliação do curso tem sido contí-nuo e procura atingir o equilíbrio adequadoentre as demandas institucionais, expressas

na definição de suas linhas de pesquisa, e adiversificada formação anterior dos alunos.Além disso, coordenadores e/ou docentestêm, de modo constante, aprimorado eincrementado os módulos teóricos sob suaresponsabilidade, de acordo com seus pró-prios avanços profissionais.

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O TRABALHO COM OS GRUPOSMaria Cezira Fantini Nogueira Martins

Membro da Comissão de Aprimoramento ePesquisador Científico III do Núcleo de Investigação em Educação em Saúde

A longa experiência com grupos e insti-tuições da área da saúde (trabalhando oracom profissionais, ora com alunos, ora comusuários do sistema de saúde) terminarampor solidificar, em meus parâmetros profis-sionais e operativos, a importância de verifi-car, perceber e cuidar, no âmbito da dimen-são institucional, dos aspectos daverticalidade (histórias individuais), dahorizontalidade (histórias dos grupos) e datransversalidade (inserção dessas histórias nocontexto e na trajetória institucional).

A tarefa a que me proponho neste texto étransmitir alguns elementos que norteiamminha prática com grupos e instituições,mesclados com considerações específicas so-bre a ação psicoprofilática realizada no Cur-so de Aprimoramento.

O grupo psicológico é aquele em que osmembros, em determinado período, estabe-lecem uma interação sistemática. As pessoasse conhecem, se identificam (ao mesmo tem-po em que se diferenciam) e têm uma per-cepção coletiva de sua unidade. Aestruturação e a organização do grupo psico-lógico dão-se pela convivência e pelo com-partilhar de atividades comuns, o que resul-ta em uma dimensão grupal que, mais doque a soma das partes, é a integração de dis-tintos elementos, que constituem uma tota-

lidade gestáltica. O grupo psicológico difere,portanto, do ajuntamento de pessoas.

Os grupos podem evoluir de vários mo-dos. Podemos dizer que um grupo está sadioquando mantém sua identidade grupal, é fle-xível quanto às posições e opiniões individu-ais, não cristaliza funções e papéis (do tipo:o contestador, o bonzinho, o chato), mas per-mite que todos exerçam e assumam aspectosexistentes em si mesmos (pois cada um denós tem um pouco de contestador, de bon-zinho e de chato). Pode-se dizer que quandoos papéis se cristalizam, o grupo está doen-te, isto é, não está criativo, não permite quea energia circule, represando-a. Os grupostambém não estão bem quando se fechamem si mesmos, sem permeabilidade, man-tendo contato muito tênue com a realidadecircundante.

O Curso de Aprimoramento desenvolvi-do no Instituto de Saúde é (como de resto osão os grupos jovens dentro das instituições)depositário, por parte da instituição, tantodas esperanças e desejos de progresso comode suas partes fragmentadas, não integradas.Seria, a grosso modo e guardadas as diferen-ças, semelhante ao que acontece nas relaçõespais-filhos. Os filhos devem, em tese, apren-der com os pais, seguir suas orientações, con-tinuar seu caminho, aperfeiçoar-se, superar

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os pais. Ao mesmo tempo, constituem ter-reno psíquico privilegiado para o trânsitodas fraquezas dos pais, de seus aspectos nãoresolvidos, não integrados e, às vezes, deseus núcleos melancólicos e destrutivos.

Como as crianças, e novamente muitobem guardadas as devidas diferenças, osaprimorandos de primeiro ano precisam detempo e espaço para se perceberem, para to-marem consciência de que estão em umanova realidade, para se conhecerem enquan-to grupo, para fazerem identificações e com-partilharem expectativas, ansiedades e expe-riências anteriores à entrada na Instituição(verticalidades).

Nosso grupo (Comissão de Ensino) sem-pre quis saber como contribuir para criarum ambiente de aprendizagem que não per-petue a experiência humana mais freqüen-te, que é: ou prazer sem realidade ou reali-dade sem prazer. Ou então, como ser harde soft ao mesmo tempo? A partir desses e deoutros questionamentos, a Comissão pas-sou a exercer, além da função pedagógica eadministrativa, a função de acolher o gru-po, acompanhar seus passos e favorecer aexpressão da subjetividade individual e degrupo.

No diagnóstico situacional realizado noinício de nossa gestão,1 tomamos consciên-

cia de que, sem poder expressar sua subjeti-vidade, o indivíduo “adoece”, o grupo se frag-menta, a experiência fica sem sentido e o vín-culo com a tarefa torna-se frágil. As pessoasvão embora ou são neutralizadas, sem poderse enriquecer nem enriquecer o contexto noqual se inserem. Ao encontrar um ambientecontinente para suas angústias, o aluno po-derá ao mesmo tempo se desenvolver emoci-onalmente e ter condições favoráveis para oaprendizado. Concluímos também que, sehouver espaço e continência para adesintoxicação das angústias de grupo, dasrivalidades e da competição, o grupo podetornar-se fonte de colaboração e construção.

Mas como trabalhar com o grupo? Noâmbito de nossa horizontalidade (a Comis-são de Ensino), e dada a minha trajetóriaantes de entrar no Instituto (minhaverticalidade), essa tarefa coube a mim. Háuma multiplicidade de pontos de vista e deteorias sobre os grupos, seus processos e me-canismos. Os nomes de Bleger e Pichon-Riviere são imediatamente lembrados, pelodesenvolvimento de práticas operativas epsicoprofiláticas. Moreno (abstraídos os as-

1 Diagnóstico situacional é o primeiro passo a ser dado porquem trabalha com grupos ou em assessorias e consultoriasinstitucionais.

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pectos um tanto proféticos de suas teorias) eseguidores inspiraram o uso de técnicas dra-máticas e do role-playing. Bion oferece ummodelo bastante útil para o entendimentodos processos de grupo. Esses autores foram,assim, recuperados e suas idéias foram mes-cladas com a experiência e as percepções dacoordenadora a respeito das pessoas, dasinterações e dos movimentos grupais.

Entretanto, como bem lembram os alu-nos, o curso, embora agradável e estimulan-te, não é a salvação, a redenção, a purificaçãode todas as mazelas. Sempre se fazem pre-sentes as diferenças individuais, a formaçãode subgrupos de afinidade, a competição eoutros tantos fenômenos comuns aos grupos.Porém, a experiência inicial acolhedora e

agregadora cria um campo mais propício paraa resolução ou, pelo menos, para aexplicitação de dificuldades. Além disso, oespaço protegido para a expressão da subje-tividade impede que esta se dilua durante aexperiência na instituição, onde se cruzam eentrecruzam tantas outras histórias pessoaise de grupo, que, claro, pelo seu histórico,sua importância e seu tempo de existência,tendem a se constituir como hegemônicas.

Segundo nossa avaliação, tem sido eficaz,compensadora e gratificante a tarefa de per-mitir que cada grupo de aprimorandos deprimeiro ano se instaure como grupo-sujei-to, na tessitura institucional.

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DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS DE PESQUISA: UMA GRANDECONQUISTA E UM CONSTANTE DESAFIO

Sonia Isoyama VenâncioMembro da Comissão de Aprimoramento e

Pesquisador Científico III do Núcleo de Investigaçãoem Saúde da Mulher e da Criança

Nos últimos quatro anos, a Comissão deAprimoramento do IS vem propondo aosaprimorandos do segundo ano o desenvolvi-mento de um projeto de pesquisa individu-al.

O processo tem início com o módulo teó-rico-prático “Elaboração de Projetos de Pes-quisa”, que acontece no final do primeiro anodo curso, no qual os alunos definem um ob-jeto de estudo e as abordagens metodológicasapropriadas para investigá-lo. Os aprimo-randos contam, durante a redação dos pro-jetos, com o acompanhamento de um pes-quisador experiente que confere suporte téc-nico e emocional nesse importante períododo Programa.

Vale a pena ressaltar que esse momento éde fato muito especial, uma vez que osaprimorandos expressam, então, suas preo-cupações, suas angústias e o que de fato osmobiliza para o “fazer pesquisa” em saúdecoletiva. Trata-se de um momento de refle-xão e amadurecimento, no qual cada um bus-ca identificar um espaço na área da saúdecoletiva, levando em consideração sua forma-ção. Como recebemos profissionais de diver-sas áreas, a discussão em torno desse eixo temsido extremamente rica.

A definição do objeto de pesquisa é

construída, certamente, ao longo de todo oprimeiro ano do curso, em função da expe-riência adquirida com a participação em pro-jetos de diferentes linhas de pesquisa, bemcomo graças ao contato com pesquisadoresem aulas, seminários e outras atividades cien-tíficas desenvolvidas no Instituto de Saúde.

Alguns aprimorandos definem seu temade investigação seguindo a mesma linha dapesquisa da qual participaram no primeiroano do curso; outros, porém, optam por mu-dar a linha de pesquisa ou mesmo o núcleode investigação em que estavam inseridos.Uma preocupação atual da Comissão de Apri-moramento é garantir que todos os projetosde pesquisa dos aprimorandos estejam inse-ridos em uma das linhas de pesquisa da Ins-tituição, pois pensamos que dessa forma épossível fazer com que o aprimorando sintaque não está desenvolvendo simplesmenteum trabalho para a conclusão do curso, masque está de fato contribuindo com seu tra-balho para o desenvolvimento das linhas depesquisa da Instituição.

Outro aspecto a ser lembrado é o papeldesempenhado pelos pesquisadores do Ins-tituto de Saúde como orientadores dosaprimorandos. Embora nosso objetivo nãoseja importar toda a formalidade presente no

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modelo acadêmico, julgamos essencial queos aprimorandos sejam acompanhados, nes-se processo, por alguém experiente que pos-sa auxiliá-los nas diversas etapas da pesquisa.Esse apoio tem-se mostrado fundamentalpara que se atinja a qualidade esperada desse“produto final” do trabalho do aprimoran-do. A presença e o suporte prestado pelosorientadores minimizam as dificuldades en-contradas pelos aprimorandos em suas tare-fas e, nessa medida, possibilitam que essa eta-pa seja cumprida de modo adequado.

Para aperfeiçoar ainda mais o acompanha-mento do processo de desenvolvimento dapesquisa, foram considerados dois momen-tos para a discussão dos projetos deaprimorandos. No primeiro momento, sãorealizados seminários do qual participam osaprimorandos, a Comissão de Aprimoramen-to, o pesquisador responsável pelo curso de“Elaboração de Projetos de Pesquisa”,orientadores dos projetos e a Comissão Cien-tífica. Esses seminários visam a discutir,detalhadamente, aspectos metodológicos dosprojetos. No segundo momento, quando jáse aproxima a finalização do trabalho, os

aprimorandos têm a oportunidade de dis-cutir a análise preliminar dos dadoscoletados.

A proposta de elaboração e desenvolvi-mento de projetos por aprimorandos vemganhando força a cada ano, e a Instituiçãocomo um todo tem mostrado interesse cadavez maior em participar desse processo. Aconquista de espaço na Instituição e a valo-rização que esse trabalho alcançou têm esti-mulado aprimorandos e orientadores a bus-carem maior qualidade e excelência no tra-balho desenvolvido.

É certo que o objetivo central da propos-ta de elaboração e desenvolvimento de pro-jetos é oferecer aos alunos uma oportunida-de única de aprendizado, dentro do Progra-ma de Aprimoramento. Porém, a experiên-cia tem-se mostrado muito rica para todosos envolvidos no processo, e é extremamentegratificante poder participar da caminhadados aprimorandos rumo à concretização desuas pesquisas. É fácil concluir que há mui-to ainda o que avançar no aperfeiçoamentodessa proposta; porém, é certo que vale apena investir nessa direção.

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RECEBENDO ALUNOS DE OUTROS PROGRAMAS DE APRIMORAMENTOMaria Mercedes Loureiro Escuder

Membro da Comissão de Aprimoramento ePesquisador Científico III do Núcleo de Investigação e Estudos em Epidemiologia

O Programa de Aprimoramento Profis-sional (PAP) integra uma política de forma-ção de recursos humanos, na área de saúde,que não se restringe, atualmente, a institui-ções vinculadas à Secretaria de Estado da Saú-de. Graças ao trabalho da Fundap nogerenciamento das bolsas, a demanda das ins-tituições por novos cursos é grande, assimcomo a procura dos alunos recém-gradua-dos pelas bolsas distribuídas. A Fundap fazavaliações sistemáticas de todos os progra-mas oferecidos e, com esse instrumento,recredencia ou não as instituições a dar con-tinuidade aos seus PAP. São muitos os PAPem andamento, em instituições muito di-versas entre si, mas todas trazem como de-nominador comum a saúde.

Um dos destaques dados na avaliação doPrograma de Aprimoramento Profissional emSaúde Coletiva do Instituto de Saúde diz res-peito às disciplinas teóricas oferecidas duranteo curso. O Programa caracteriza-se por seucaráter multidisciplinar e, nesse contexto, aComissão de Aprimoramento desenvolveujunto aos professores da casa um conjuntode disciplinas básicas cujo objetivo é intro-duzir os alunos nos temas da Saúde Coletivae das Políticas Públicas de Saúde. Emboracom carga horária não muito extensa (40horas), essas disciplinas marcam a entrada

dos alunos no Programa e dão os alicercespara o melhor aproveitamento de todo o cur-so. A discussão teórica sobre saúde coletiva eo painel histórico das políticas públicas desaúde no Brasil, desde o começo do século,são temas importantes que devem ser pro-movidos em qualquer programa de aprimo-ramento da saúde.

A Coordenadoria de Recursos Humanosda Secretaria de Estado da Saúde, em con-junto com a Comissão de Aprimoramentodo Instituto de Saúde, decidiu estender oacesso a essas disciplinas a aprimorandos deoutros programas. A princípio, pensou-se nosinstitutos ligados à Coordenadoria dos Ins-titutos de Pesquisa (CIP), mas esses já de-senvolvem o PAP há muito tempo e têm umcurrículo voltado a seus interesses. Dois cri-térios então foram adotados para definir asinstituições ajuizadas para isso: interesse emmelhorar o desempenho de seusaprimorandos e programas implantados re-centemente.

Em março de 2000, o Instituto de Saúderecebeu 22 aprimorandos externos, vindosde instituições ligadas à Secretaria de Saúde:do Instituto Pasteur, do Ambulatório de Saú-de Mental Mandaqui-Jaçanã, do Departa-mento Técnico de Edificações, do HospitalHeliópolis, do Hospital Geral da Vila Pen-

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teado, do Centro de VigilânciaEpidemiológica, do Hospital e Maternida-de Leonor Mendes de Barros, do HospitalRegional Sul e do Ambulatório de SaúdeMental do Bom Retiro. Na avaliação final,os comentários dos alunos externos mostramque a experiência merece ser repetida,minimizando os problemas logísticos apre-sentados. Eis algumas opiniões registradas:

“Excelente integração das várias classesprofissionais (aprimorandos) e participa-ção nas discussões dos temas.”

“Considero muito importante a partici-pação dos aprimorandos nesses temaspara que não se fechem os olhos a taisleis e políticas de saúde.”

“Foi enriquecedor o contato com osaprimorandos de outras áreas e a visãoenriquecedora da organização da saúdepública brasileira, que contribuirá paraa minha atuação dentro do ambientehospitalar.”

“O tema abordado no curso é um temaimportante para todo profissional daárea de saúde.”

“De uma maneira geral, o curso foimuito proveitoso, devido ao fato da faltade conhecimento da minha parte sobreos assuntos abordados, sendo que essestemas são fundamentais para o enten-dimento das atividades desenvolvidas pornós.”

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Subsídios teóricos

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A CONCEPÇÃO DE SAÚDE COLETIVAVirginia Junqueira

Médica Sanitarista do Núcleo de Investigaçãoem Serviços e Sistemas de Saúde

Historicamente, a saúde e a doença assu-mem concepções diferentes de acordo com omodelo interpretativo hegemônico adotadoem uma determinada sociedade.

Assumindo um recorte temporal bastan-te restrito, podemos acompanhar superficial-mente como tais modelos interpretativos fo-ram se transformando no mundo ocidental,desde a Idade Média. Naquela época, juntocom a explicação divina dos fenômenos, omodelo miasmático atribuía a ocorrência dasdoenças à exalação dos dejetos, denomina-dos miasmas. A descoberta do microorga-nismo, por Pasteur e Koch no final do séculoXIX, e os avanços subseqüentes da pesquisabacteriológica provocaram grande impacto etiveram como conseqüência, que se estendeaté o presente século, o preva-lecimento daconcepção positivista sobre a saúde e a do-ença, centrada no efeito da relação entreagente (microorganismo) e hospedeiro (o serhumano). A vinculação entre as condiçõesde vida e a saúde/doença – estabelecida porautores como Virchow e Engels – enfraque-ceu-se consideravelmente. Os avanços doconhecimento levaram ao rápido esgotamentodesse modelo unicausal, demandando recur-so a várias disciplinas, dentre as quais a Eco-logia. Não foi descartada a visão da doençacomo fenômeno biológico que obedecia a leis

universais e podia ser controlada por técni-cas também universais.

Como conseqüência do desenvolvimentodesse enfoque multicausal, foi grande a di-versificação das técnicas de cura e prevenção,e o indivíduo continuou como o foco centraldas ações. Leavell e Clark propuseram ummodelo explicativo da doença com base natríade ‘homem, agente e ambiente’,interagindo em três momentos principais(pré-patogênico, patogênico e depois dadoença) propiciando ações de cunho predo-minantemente individual em três níveis deprevenção. O ser humano foi reduzido à di-mensão biológica e classificado segundo cri-térios naturais (como sexo, cor, raça etc.). Aspráticas nos serviços de saúde, fundamenta-das no risco individual, naturalizam osdeterminantes sociais, e o coletivo é tratadocomo somatório de indivíduos, com restri-ção à compreensão da complexidade social.

Um novo marco explicativo deverá, por-tanto, entender o processo ‘saúde-doença’como resultado das relações entre indivíduose entre coletivos, decorrentes de sua inserçãona sociedade, da organização social em simesma, e do modo de produção, distribui-ção e acesso aos bens e serviços. Vários auto-res se empenharam na elaboração de ummodelo que superasse a explicação ecológica

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multicausal. Tal modelo afirma o caráter his-tórico-social do processo ‘saúde-doença’ epostula que há um modo característico deadoecer e morrer para os diferentes gruposhumanos, decorrente dos perfis patológicosapresentados pelos grupos sociais e que vari-am segundo as características das formaçõessociais em cada momento histórico. Assim,a análise das condições coletivas de saúde emdiferentes sociedades evidencia marcantes de-sigualdades na distribuição da saúde e da do-ença, camuflada pela melhoria geral dos indi-cadores médios de mortalidade.

As recentes discussões sobre um modeloexplicativo da saúde e da doença e sobre aorganização dos serviços de saúde no Brasil,cujo reflexo pode ser evidenciado na Consti-tuição de 1988, mostram uma tentativa deimprimir mudanças nessa direção.

No Brasil, a Constituição de 1988, emque pesem as ambigüidades do texto resul-tantes de intensas negociações, incorporou aconcepção acima mencionada, expressa naprópria definição de saúde: “Art. 196. A Saú-de é direito de todos e dever do Estado, ga-rantido mediante políticas sociais e econô-micas que visem à redução do risco de doen-ças e de outros e ao acesso universal e iguali-tário às ações e serviços para sua promoção,proteção e recuperação”. Com base nessa con-cepção, foi instituído o Sistema Único deSaúde, que tem como princípios doutrinári-os: a integralidade, a universalidade e a eqüi-dade; e como princípios operativos: adescentralização, via municipalização, o co-mando único em cada esfera de governo, aregionalização e a hierarquização dos servi-ços, e o controle público do sistema.

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A discussão atual sobre a natureza daepidemiologia como disciplina científicaconduziu inevitavelmente às abordagens so-bre a crise dos paradigmas, a pósmodernidade e, em particular àtransdisciplinaridade. As raízes históricas daepidemiologia perdem-se no tempo e na sin-gularidade de seu objeto. A inclusão, noâmbito da disciplina, de Hipócrates e suaobra sobre “águas, ares e lugares” traz à mentea idéia da determinação externa dos fenô-menos epidemiológicos, num momento con-siderado de grande significadoepistemológico, quando se abandona a anti-ga explicação magica ou mística da doença.O mesmo vale para autores mais recentes,como Chagas e Carrión, fortemente influ-enciados pelo paradigma “pasteuriano mo-dificado” que associa as doenças à teoria dogerme, à transmissão por vetores e, portan-to, aos determinantes biológicos. Ainda élicito mencionar a contabilidade social, nasorigens do movimento das estatísticas vitais,que ainda hoje dá suporte à epidemiologiadescritiva e à determinação do estado de saú-de da população. Sem esquecer que, nosmomentos mais radicais da exploração dasidéias da “epidemiologia social”, Marx e, es-pecialmente Engels com seu trabalho sobrea situação de saúde dos trabalhadores ingle-

EPIDEMIOLOGIA E INTERDISCIPLINARIDADEJosé da Rocha Carvalheiro

Coordenador dos Institutos de Pesquisa (CIP)da Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo

ses no século XIX, chegaram a ser apontadoscomo os precursores da “verdadeira”epidemiologia, embora esta só viesse a cons-tituir-se como disciplina acadêmica na se-gunda década do século XX, fortemente in-fluenciada por bases biológicas e estatísticas.Chegou mesmo, em algum momento, a es-boçar-se a idéia de uma espécie de“epidemiologia leninista” conferindo-lhe umcaráter de verdadeira ação revolucionaria, nãoapenas no âmbito estrito da saúde.

Por essas razões, o pensamentoepidemiológico sempre contemplou diversasalternativas teóricas, metodológicas e técni-cas. Durante muito tempo, houve quem de-fendesse que não se trata de uma disciplinamas de uma maneira de manipular dados,um método fortemente impregnado pelastécnicas estatísticas. Isto não é novidade, aprópria medicina é assim considerada: umaforma de intervir, baseada em diversas disci-plinas científicas. Nem por isso é considera-da uma interdisciplina, forjada na evoluçãohistórica de outras, constituindo-se com umobjeto próprio e um método, em sua acepçãoampla de espaço metodológico (com seuspólos: epistêmico, teórico, morfológico e téc-nico). O exemplo sempre citado na área queinteressa à saúde é a bioquímica, que já nãoé nem química, nem biologia.

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A maior crítica que se pode fazer ao de-senvolvimento da epidemiologia da segundametade do século XX é a de ter perdido seusentido do coletivo, transformando-se numverdadeiro complemento da investigação clí-nica, indispensável no estudo da “historianatural da doença” e dos níveis de prevençãono âmbito individual. Um dos mais celebra-dos livros dos anos setenta do século XX, doinglês Morris, tinha mesmo um importantecapítulo dedicado a analisar acomplementaridade da pesquisa biomédica,clínica e epidemiológica, na investigação dacausalidade na saúde e, especialmente, nadoença. É importante esclarecer as raízesdesta tendência, simultaneamente sanitáriase ideológicas. De um lado, a transiçãodemográfica, com o envelhecimento da po-pulação e as inevitáveis mudanças no perfildas doenças prevalentes. As novas doençasnão obedecem ao paradigma pasteuriano,pela própria natureza do processo crônico edegenerativo associado a elas, com suamulticausalidade e seus diversos níveis dedeterminação. Atribuir a “causa” das doen-ças da modernidade ao comportamento in-dividual é uma solução de caráter eminente-mente ideológico, na medida em queculpabiliza a vítima pelo surgimento da do-ença. Esta maneira de pensar está muito dis-

tante das idéias originais de estilo de vida, for-mulada para traduzir uma construção social enão um modo individual de viver a vida.

Existe uma definição simplificada e qua-se ingênua: epidemiologia é o que fazem osepidemiologistas. Se admitirmos que a tendên-cia atual, inclusive em setores do primeiromundo, é considerar a epidemiologia comoum modo de pensar a distribuição da doen-ça e de seus determinantes na sociedade, tor-na-se irrelevante saber se é uma disciplinaproduzida de forma inteiramente autônomaou não. Epidemiologia, poderia ser, tal comoalguns pensam a medicina, uma forma deintervir na realidade apropriando-se de di-versas maneiras de ver e entender o mundo,de forma justa-disciplinar. Mais compatívelcom a natureza complexa dos fenômenos queprocura investigar, para subsidiar interven-ções coletivas favoráveis, seria considerá-la noâmbito da Saúde Pública que busca intensa-mente compreender seu carátertransdisciplinar inserindo-se no debate maisamplo da crise dos paradigmas da chamadapós modernidade. Contemplando, como as-sinalou recentemente o argentino JuanSamaja, uma trans-sapiência, mais que umatransdisciplinaridade, no sentido de aprovei-tar saberes que não se encontram exclusiva-mente no registro das disciplinas científicas.

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UM CONVITE AO EXERCÍCIO DA TRANSDISCIPLINARIDADESandra Maria Greger Tavares

Pesquisador Científico I do Núcleode Investigação em Educação em Saúde

“Sentados diante do mar, um grupo de crianças se empenha em construircastelos de areia. As crianças sabem bem que há um lugar ideal para que asedificações não desmoronem rapidamente. Esse lugar está no meio do cami-nho entre a areia muito seca e as últimas ondas que deitam constantementena praia. O conjunto arquitetônico que congrega os castelos exibe muralhas,diques, torres de observação, subterrâneos, alamedas. Para construir um com-plexo de tal monta, foi necessário competência, intenção, desejo, atitude. Sóse edificam castelos de areia se as mãos se tornam veículos de onde fluicriatividade capaz de transformar areia em castelos” (Almeida, 1999, p. 1).

O verbo educar vem do latim educere, quesignifica tirar fora, levar fora, extrair, desen-tranhar. Educar o homem seria, assim, de-sentranhar a forma humana de dentro dopróprio homem, como um autêntico “traba-lho de parto”.

A multiplicidade de formas que o “hu-mano” pode assumir surpreende continua-mente o “educador-parteiro”, não apenas aoobservar o mesmo sujeito em diferentes mo-mentos e contextos, mas principalmente aocontemplar, ao mesmo tempo, sujeitos di-versos, ainda que esses sejam especialistas damesma área do conhecimento. O que dizer,então, do encontro de sujeitos especializadosem diferentes áreas do saber?

O conhecimento é constituído, necessa-riamente, no âmbito da intersubjetividade,

e essa interdependência necessária à constru-ção do saber prefigura a complexidade ine-rente à transdisciplinaridade.

Morin (1999, p. 27) define uma disci-plina como: “(...) uma categoria que organi-za o conhecimento científico e que instituinesse conhecimento a divisão e a especializa-ção do trabalho, respondendo à diversidadede domínios que as ciências recobrem”.

São inegáveis as contribuições trazidas pelaorganização disciplinar do conhecimento,mas há que revisitá-la a partir de uma pers-pectiva epistemológica, que reconstrua seucaráter histórico-social.

Faz-se necessário questionar eticamente arígida delimitação de fronteiras disciplina-res que coincidiu com a construção de obje-tos específicos de estudo, pois a

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disciplinarização não implica, necessariamen-te, a compartimentalização – e não se justi-fica, a partir da disciplinarização, o“encastelamento” seja do investigador, seja doobjeto investigado.

Essas reflexões são pertinentes a todas asáreas do saber, mas tornam-se óbvias no quese refere a campos limítrofes do conhecimen-to, como é o caso da saúde coletiva, que seconstrói na articulação embrionária de váriasdisciplinas e setores.

A apreensão do conhecimento no campoda saúde coletiva dá-se com a construção deesquemas cognitivos que atravessem as disci-plinas e de métodos que permitam percorrerdiversos setores e contextos.

Mas como ultrapassar, na prática, a meraassociação de conhecimentos específicos dediferentes disciplinas articuladas em funçãode um projeto comum?

O Curso de Aprimoramento em SaúdeColetiva, desenvolvido pelo Instituto de Saú-de (IS) em parceria com a Fundap, tem-seconstituído em espaço pedagógico fecundopara o aprofundamento de questões referen-tes à integração de diferentes disciplinas e àsperspectivas metodológicas na construção doconhecimento.

Na verdade, a articulação de diferentesperspectivas profissionais, linhas de pesqui-

sa e métodos de investigação – ou seja, o exer-cício da transdisciplinaridade – têm sidodesafio constante para o IS como um todo enão apenas no âmbito do aprimoramento.

Esse mosaico institucional forma-se des-de o processo de seleção para o aprimora-mento, em que são acolhidos pesquisadoresde diferentes áreas do conhecimento (Psicolo-gia, Serviço Social, Ciências Sociais, Geo-grafia, Arquitetura, Odontologia, dentreoutras) e com diferentes interesses temáticose tendências metodológicas.

A diversidade de áreas de origem e de cam-pos de interesse dos profissionais seleciona-dos, embora fecunda, dá espaço à complexi-dade a ser enfrentada pelo docente-pesquisa-dor, intrincado numa dinâmica institucionalque também exercita a integração das dife-renças e a preservação da singularidade.

Há que se fomentar, tanto no docentequanto no aprimorando, uma atitude deabertura à diversidade e à complexidade teó-rico-metodológica, sem no entanto perder devista a construção de um eixo de articulação.

Ao se recordar que toda ciência é huma-na (posto que construída por seres huma-nos) e ao mesmo tempo social (uma vez queé indissociável do contexto histórico-socialem que se constitui), pode-se vislumbrar aprópria contextualização do conhecimento

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como um dos eixos fundamentais desse pro-cesso de integração.

A experiência acumulada na condução domódulo “Metodologia Qualitativa em Pes-quisa”, do Curso de Aprimoramento em Saú-de Coletiva, sugere algumas tendências decaráter ilustrativo.

O estudo da metodologia qualitativa empesquisa não pode restringir-se à descrição dosmétodos existentes, mas deve ser norteado poruma crítica ético-epistemológica que busqueevidenciar os pressupostos teóricos emetodológicos específicos a cada técnica,bem como o posicionamento político-socialimplícito à aplicação de cada instrumento.

No módulo “Metodologia Qualitativa”,a contextualização permeia a exposição dosmétodos de investigação, que são ilustradospelas experiências em pesquisa dos docen-tes-pesquisadores, construindo assim uma“teoria viva”.

Propõe-se também, no desenvolvimentodesse módulo, um exercício de abertura àintegração de diferentes métodos de investi-gação, a partir do estudo da triangulaçãometodológica em que se articulam métodosquantitativos e qualitativos na pesquisa emsaúde coletiva.

Acredita-se que o conhecimento se cons-trói em movimento, num processo dialético,

num circuito em espiral que vai ao mesmotempo das partes para o todo e do todo paraas partes, da diversidade à singularidade eda singularidade à diversidade.

Compara-se o ofício do pesquisador –docente ou aprimorando – ao do etnólogo,que observa, constrói e reconstrói a realida-de na participação com os outros e ao longode seu percurso em busca do conhecimento,que é inevitavelmente um devir.

Os castelos de areia do conhecimentofragmentado desmoronam e são tragados pelaágua, mas podem ser reconstruídos commaior solidez, ainda que não sejam perenes,pelo compartilhamento da criatividade nofluxo de sua construção transitória.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, M. C. X. de (1999) Complexidade,solidariedade e esperança: por uma ciência quesonha. Manuscrito fornecido no Programade Estudos Pós-graduados em Serviço Socialda PUC-SP, coordenado pela Profª Drª Ma-ria Lúcia Rodrigues, São Paulo.

MORIN, E. (1999) Complexidade etransdisciplinaridade: a reforma da universi-dade e do ensino fundamental. Natal,EDUFRN.

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QUALIFICAR OU QUANTIFICAR?(REFLETINDO SOBRE A ESCOLHA DA ABORDAGEM METODOLÓGICA NA PESQUISA EM SAÚDE)

Wilza VillelaMédica Sanitarista do Núcleo de

Investigação em Cidadania e Saúde Mental

A atividade de pesquisa tem início com acuriosidade sobre um tema ou questão. Ins-tigados pelo desejo de conhecer ou desco-brir, passamos a formular o projeto de pes-quisa – uma maneira organizada e sistemáti-ca de transformar a curiosidade em pergun-ta plausível, cuja resposta pode ser encon-trada através da construção de um caminhológico e adequado.

Colocada nesses termos, a atividade de pes-quisa parece simples. Efetivamente é, desdeque se tomem alguns cuidados e se tenhamuita disciplina e paciência.

O primeiro cuidado refere-se à pergunta aser formulada. Nem sempre é fácil transfor-mar a curiosidade em uma pergunta cuja res-posta pode ser encontrada nos limites de tem-po e recursos de que normalmente dispomos.Muitas vezes, temos de reduzir nossa curio-sidade ou escaloná-la em graus de complexi-dade crescentes ou distintos, que nos leve arespostas parciais. As respostas parciais vãocompondo um intrincado quebra-cabeça quenunca se completa, que suscita novas ques-tões e nos mantém sempre curiosos.

O segundo cuidado refere-se à estratégiaque escolhemos para responder à perguntaformulada. Quanto mais clara é a pergunta,mais fácil é encontrar o caminho que nos levaà sua resposta.

Muitas vezes, ao buscar o caminho parachegar à resposta, sente-se a necessidade deredefinir a pergunta e torná-la mais simplesou mais objetiva. Assim, pergunta e cami-nho de resposta são coisas com as quais te-mos de lidar quase que simultaneamente.

O método é esse caminho que se esco-lheu trilhar. Por exemplo, para descrever umevento ocorrido numa população, ou esta-belecer conexões entre eventos, deve-se bus-car a quantificação. Em saúde, a ferramentaprivilegiada para esse tipo de investigação éa epidemiologia. A epidemiologia, quandobem utilizada, permite que – a partir do es-tudo de uma população de tamanho reduzi-do (a amostra) – sejam feitas inferências parapopulações maiores e até para o universo. Ébastante útil quando se tem conhecimentosuficiente sobre o objeto investigado.

Mas, quando não se conhece bem o obje-to ou se pretende conhecer comportamentosou processos humanos do ponto de vista dossujeitos envolvidos, pode ser mais adequadoadotar uma abordagem qualitativa, que cap-tura com mais propriedade os movimentos dasubjetividade. Os métodos qualitativos aju-dam na construção de objetos, dada a suapotencialidade de fazer emergir os nexos, sen-tidos e elaborações presentes nos processos hu-manos não facilmente captáveis em aborda-

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gens mais objetivas, como as quantitativas.Assim, o resultado de uma pesquisa quali-

tativa não permite generalizações, mas sim oconhecimento de uma possibilidade huma-na, dentre outras.

Cada vez mais se tem percebido acomplementaridade das duas abordagens.Ou seja, se um fenômeno é problematizadoa partir de uma perspectiva quantitativa e deuma abordagem qualitativa, maior será nos-so conhecimento sobre ele.

Escolhido o caminho, precisamos reser-var as ferramentas que nos ajudarão na cami-nhada. E aí um novo alerta se impõe: o usode questionários, por si só, não é suficientepara definir o estudo como quantitativo, domesmo modo como não bastar lançar mãode entrevistas individuais ou em grupo paradefinir a abordagem como qualitativa. A de-finição é dada pelo modo como formulamosnossa questão e pela tipo de respostas pre-tendido.

Vale lembrar que, em qualquer das abor-dagens, os dados só se transformam em re-sultados, ou informações, através do traba-lho interpretativo do pesquisador.

Um terceiro cuidado na prática de pes-quisa refere-se às habilidades de cada um.Muitas vezes o melhor caminho a seguir éaquele que não sabemos trilhar. Ou aquelemais longo e tortuoso. Podemos escolherentre aprimorar nossas habilidades ou mo-dificar a pergunta, a fim de que a respostaseja encontrada mais facilmente. Qualqueropção é válida, porque o processo de desco-berta intrínseco na atividade de pesquisa nossurpreende e nos ensina, sempre que temosa disciplina e a paciência necessárias.

É, portanto, a partir da perspectiva dadescoberta, e da tentativa de adequar per-guntas e caminhos – consideradas as habili-dades, preferências pessoais, disciplina e te-são –, que entendemos a escolha por umaabordagem quantificadora ou qualificativa.

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SAÚDE EM MOVIMENTO: CONSTRUINDO POLÍTICASPaulo Roberto Nascimento

Pesquisador do Núcleo de Investigaçãoem Serviços e Sistemas de Saúde

Todos os que desenvolvem atividades nosetor da saúde deparam-se com uma situa-ção com profundo enraizamento histórico.Tanto as condições de saúde do cidadão bra-sileiro, quanto a situação dos serviços de saú-de, foram construídas sobre as bases de umprocesso social, econômico, político e cultu-ral inscrito na história do país. Essa realida-de e a correlação de forças sociais que a cons-trói são objeto de discussão no Programa deAprimoramento do Instituto de Saúde.

A idéia de seguridade social percorreu umlongo caminho até inscrever-se nas leis bra-sileiras. A proteção social no país desenvol-veu-se a partir da concepção distributiva depoder, oferecendo-se diretamente ao segmen-to que a custeava (Costa, 1998; Malloy,1979; Cotta, 1998). A redistribuição de re-cursos, reconhecendo direitos aos segmen-tos menos capacitados a custeá-los, só recen-temente foi incorporada à Constituição(Baptista, 1998) . Mas o lento desenvolvi-mento do sistema previdenciário, amplian-do a cobertura de serviços e direitos, nãochegou nem perto de garantir a atenção in-tegral, já que a atenção à saúde se encontravaprofundamente marcada pela dicotomia en-tre instituições que proviam as necessidadesde saúde pública e as que ofereciam serviçosmédico-hospitalares. Além disso, os segmen-

tos urbano e rural da população sempre apre-sentaram marcas distintivas da profunda de-sigualdade com que os serviços e direitos eramrespectivamente oferecidos e reconhecidos(NEPP-Unicamp, 1985) . São esses conhe-cimentos da trajetória histórica da saúde nopaís que confluíram, no Congresso Consti-tuinte de 1986 a 1988, para a concepção doSUS.

A atenção à saúde exige ações de preven-ção, recuperação, reabilitação e promoção dasaúde, realizadas ao interno de um conjuntode serviços públicos, não necessariamente es-tatais, com participação complementar deserviços de caráter privado lucrativo. Tais ser-viços, reunidos sob um comando único, aser exercido em cada um dos três níveis degoverno, organizam-se de forma integrada,regionalizada e tecnicamente hierarquizada,submetidos ao controle da sociedade. Essesserviços, cuja responsabilidade executiva re-cai sobre os gestores municipais, regionais ecentral, são custeados com recursos orçamen-tários e fiscais, garantidos de acordo com aconcepção de que a saúde é um “dever doEstado e direito de todos”, mediante um sis-tema de seguridade social. As referidas açõesdevem garantir a todos os cidadãos (univer-salidade) o atendimento integral das suasnecessidades de saúde (integralidade), uma

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vez reconhecidas as necessidades dos diferen-tes níveis sociais e, conforme essas necessida-des, uma vez dosadas as ações a serem reali-zadas (eqüidade) (Brasil, 1988; Brasil,1990) . Não é pouco nem é apenas isso! É aexata medida do que uma sociedade pode tercomo consenso, consideradas as forças sociaisem jogo, a concepção de saúde elaborada aolongo da história, a dimensão dos recursos eas concretas necessidades de saúde.

Em meados dos anos 80, o país emergiade um período de regime político autoritá-rio em que as forças populares experimenta-ram um longo e obrigatório silêncio, enquan-to se dava uma forte concentração política eadministrativa nos níveis centrais de gover-no. Urgia favorecer a descentralização políti-ca e administrativa, o que veio tornar-se di-retriz fundamental para a reorganização dosistema de saúde. Os entes subnacionais de-veriam recuperar seu papel na partilha de po-der, com destaque especial aos municípios(Heimann, 1992) . Esses, desde o períodocolonial até o início da República, detive-ram um importante papel na partilha polí-tica nacional. A Constituição republicana de1891 preservou, com modificações, a auto-nomia de que os municípios já gozavam. Noentanto, os últimos cinqüenta dos cem anosde história republicana caracterizaram-se pelo

esvaziamento, de fato, do poder municipal nocenário nacional.1

O Estado brasileiro nunca foi capaz deprover cobertura universal a seus cidadãos, eé igualmente verdadeiro que a idéia plena decidadania nunca foi experimentada em ter-ras brasileiras. A Constituição de 1988 e, paraficarmos em nossa área de atuação, o Siste-ma Único de Saúde julgaram acertado con-fiar às localidades autônomas um importan-te papel na redemocratização da vida nacio-nal e na efetivação do ideal de cidadania ple-na. Daí a extrema importância que a idéiade descentralização assumiu tanto numquanto noutro nível de atuação institucional.Não obstante, concretizar o anseio constitu-cional é travar diariamente o conflito das for-ças sociais que reescrevem todos os dias o fu-turo do país.

Hoje, para concretizar o sistema de aten-ção à saúde necessário ao cidadão brasileiro,devem-se considerar pelo menos quatro di-mensões organizacionais: a participação so-cial, o financiamento do sistema, a sua orga-nização técnica e gerencial e a relação entreos gestores. Os conselhos de saúde, em vez

1 Ainda que coincida com o período em que as municipalidadesalcançaram maior representatividade organizacional (cf.Barroso, 1982; Melo, 1993: 85-100).

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de se tornarem instância de sustentação doEstado, devem canalizar os interesses da so-ciedade. Os recursos necessários para mantere desenvolver o sistema devem provir de ma-neira eqüitativa segundo as responsabilida-des dos três níveis de governo e respectivacapacidade de custeio da sociedade. É con-dição indispensável que o sistema se organi-ze de modo a equacionar recursos e necessi-dades, regionalizando e hierarqui-zando aatenção. As relações entre os gestores deveser respeitável e deve haver responsabilidadeentre entidades autônomas, exercendo-se aunicidade de comando em cada nível, de ma-neira a abranger os segmentos estatal, públi-co e privado. A disputa por essa configuraçãoestá sendo travada em uma ampla gama dearenas políticas municipais, estaduais e fede-ral – esta é a riqueza do atual sistema de saú-de, a sua diversidade. A unicidade do siste-ma depende do vigor de entidades políticasautônomas que giram em torno de princípi-os constitutivos.

A todos nós – servidores, cidadãos, técni-cos, aprimorandos, acadêmicos, profissionais,funcionários e gestores –, importa não esque-cer que, acima de tudo, não há direitos con-cedidos, apenas os conquistados, como re-sultado de um desenrolar de acontecimentostensionados entre as forças sociais que se ins-

crevem na história.

Referências Bibliográficas

BAPTISTA, T. W. F. (1998) “Seguridade Social noBrasil”. Revista do Serviço Público, ano 49, n.3, jul.-set., pp. 101-120.

BARROSO, Luís R. (1982) Direito Consti-tucional Brasileiro: o problema da federa-ção. Rio de Janeiro, Forense.

BRASIL (1988) Constituição da República Federati-va do Brasil.

BRASIL (1990) Lei n. 8080.

BRASIL (1990) Lei n. 8142.

COSTA, N. R. (1998) Políticas públicas, justiçadistributiva e inovação. São Paulo, Hucitec.

COTTA, R. M. M. e outros (1998) Descentralizaçãodas políticas públicas de saúde. Viçosa, Univ. Federalde Viçosa.

HEIMANN, L. S. e outros (1992) Os municípios e asaúde. São Paulo, Hucitec.

MALLOY, J. (1979) Política de previdência social noBrasil.

MELO, M. A. B. (1993) “Municipalismo, nation-building e a modernização do Estado no Brasil”,RCBS, n.23, ano 8, outubro, pp. 85-100.

NEPP-Unicamp (1985) Relatório sobre a situação so-cial do país, pp. 105-148.

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Resultados do Programa:relatos de pesquisas de aprimorandos

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PROSTITUIÇÃO E TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE A VISÃO DEMULHERES DE PROGRAMA1

Claudia de Almeida OrtegaPsicóloga

Orientadora: Monique Borba Cerqueira

A história do “movimento das prostitu-tas” no Brasil é recente – iniciou-se em SãoPaulo, em 1982 –, se comparado ao euro-peu, que data da década dos 60 (Leite, 1995).Esse movimento defende a prostituição comouma atividade profissional importante soci-almente e luta, sobretudo, pela organizaçãodas prostitutas enquanto categoria de traba-lhadoras, para que reivindiquem direitos,como a cobertura pelas leis trabalhistas(profissionalização) e melhores condições detrabalho (acesso a serviços básicos de saúde,preservativos, creches, escolas para os filhos,por exemplo). Luta também peladescriminalização da atividade – pois, em-bora o exercício não constitua crime, ao con-denar sua exploração e favorecimento, o có-digo penal brasileiro impossibilita, por exem-plo, a legalização de associações de prostitu-tas com caráter sindical (como foi tentadono Rio de Janeiro, no final da década dos80). Essa postura política, denominada de“autodeterminação e profissionalização daprostituta” – defendida em 1991 no parla-mento europeu –, é mantida no Brasil pelaRede Nacional de Prostitutas, órgão ligado

ao Movimento Internacional de Trabalhado-ras do Sexo.

Embora mais antigos, pelo menos outrosdois posicionamentos sobre a prostituição co-existem e circulam socialmente. Oregulamentarista “considera a prostituta umatransmissora de enfermidades”, que atua deforma ilegal (no comércio informal) e facili-ta “a existência do dono de bordel” (Leite,1995: 464). Esse posicionamento levou al-guns países a adotar um regime que, alémde determinar locais específicos para a práti-ca da prostituição, obriga as prostitutas a sub-meterem-se a exames periódicos de saúde.Esse regime discriminatório vigorou no Bra-sil até 1951 e ainda vigora em alguns países(Uruguai e Equador). Todavia, está emtramitação em Brasília um projeto de lei quepropõe, justamente, a regulamentação daprostituição como forma de controle sanitá-rio: passa a ser profissão reconhecida,2 sob acondição de que, para exercê-la, sejam feitosexames médicos periódicos, compulsórios.

O posicionamento abolicionista, defendi-do pela Federação Abolicionista Internacio-nal (FAI), considera a prostituta como uma

1 Pesquisa realizada sob orientação de Monique BorbaCerqueira, pesquisadora do Núcleo de Ciências Sociaise Saúde do Instituto de Saúde/SES.

2 De acordo com esse projeto de lei, os profissionais“podem inscrever-se como segurados da PrevidênciaSocial, na qualidade de autônomos”.

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vítima do sistema que a explora – o mercadoprostitucional –, e preconiza por isso a suaextinção. A exploração ocorreria na figura deum “aproveitador” (dono de uma casa demassagem ou cafetina, por exemplo), que de-veria ser responsabilizado criminalmente.

Em um contexto em que convivem osmais variados pontos de vista sobre a prosti-tuição – cuja complexidade envolve questõesrelacionadas a moralidade, sexualidade, reli-gião, preconceito, legalidade etc. –, os profis-sionais da saúde (principalmente os que in-tegram equipes de trabalhos interventivos deprevenção a doenças sexualmentetransmissíveis, DST, e a AIDS) e pesquisado-res acadêmicos (sobretudo da área de ciênciassociais) consideram a atividade prostitucionalcomo uma forma de trabalho, e vêem as pros-titutas como “profissionais do sexo” (Moraes,1995; Torres, 1997). Assim como os mili-tantes da área, o olhar que lançam sobre aquestão é diferente daquele que é hegemônico– seja esse o foco médico (que as consideraveículo potencial de patologias sexualmentetransmissíveis), seja esse o foco da moralidade(que as identifica como desviantes dos pa-drões sexuais socialmente aceitos) –, a fimde compreender, tratar ou, pelo menos, si-tuar o fenômeno da prostituição no campodas relações de trabalho.

Diante desse cenário, surge a pergunta: qualo “olhar” das próprias mulheres que vivemno contexto da prostituição, sobre a atividadeque exercem? São poucos os estudos que dãovoz a elas e que abordam a prostituição daperspectiva delas.3 3 Essa pesquisa visa, assim,ampliar o canal de expressão desse grupo, tra-zendo novos desdobramentos para o debatea respeito do tema da prostituição.

Em foco: a visão das mulheres de programa

Mas como as mulheres de programa quevivem na cidade de São Paulo – onde as dis-cussões sobre associativismo não estiveramem evidência – compreendem essa sua ativi-dade? Como a prostituição configura-se paraelas e norteia a sua existência cotidiana? Parainvestigar essas questões, foi realizado um es-tudo exploratório, a partir da coleta dos de-poimentos de cinco mulheres e da partici-pação, durante um semestre, nas atividadesde uma instituição que realiza trabalho soci-

3 Castro (1995) e Moraes (1995), por exemplo,analisaram, dentre outros aspectos, as concepçõessobre prostituição que tinham as moradoras da extintazona de prostituição denominada Vila Mimosa (noRio de Janeiro), onde foi criada a referida associaçãode prostitutas.

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al voltado para mulheres de programa.4 Oreduzido universo de depoentes justifica-sepelo objetivo da pesquisa, de investigar oprocesso de constituição das suas represen-tações a respeito da prostituição e não a ma-neira como essas representações se distribu-em (ou o seu caráter reincidente) no imagi-nário dessa população.

As mulheres que freqüentam essas reuni-ões fazem ponto na região central da cidade– local onde se concentra um grande núme-ro de prostitutas –, sobretudo em ruas, pra-ças ou parques. São bastante pobres. Algu-mas moram em quartos de hotel ou, quandonão têm dinheiro para pagar a diária, dor-mem na rua; outras moram em pensões, cor-tiços ou casas de parentes. Em geral, são res-ponsáveis apenas pelo próprio sustento, o queseria inviável caso não contassem com doa-ções (de roupas e alimentos) de entidadesassistencialistas. As idades variam entre 26 e71 anos, e a grande maioria aparenta bas-tante envelhecida para a idade.

No imaginário das mulheres ouvidas,5 aprostituição pode assumir diversos significa-dos, de acordo com o objetivo de quem se

prostitui. Assim, se o objetivo for valorizadosocialmente – como, por exemplo, para osustento próprio ou da família –, a prosti-tuição é vista como um trabalho, entendidoaqui como atividade profissional. Objetivossocialmente desvalorizados, tais como o con-sumo de drogas, por sua vez, não conferem àmulher de programa o status de trabalhado-ra, mas faz recair sobre ela toda a carga pejo-rativa que o termo “prostituta” carrega, comoos estigmas de “mulher de vida fácil”, que“não quer trabalhar”, “indecente” etc.

Encarar a prostituição como um traba-lho significa, para elas, contextualizá-la: a ati-vidade é entendida não como um fim, mascomo um meio por meio do qual podem ob-ter recursos para sua subsistência, num con-texto de poucas oportunidades de trabalho,especialmente – como denunciam – paraquem tem pouca escolaridade e dadas as in-suficientes políticas sociais voltadas para ainclusão no mercado daqueles que não têmespecialização. Dessa forma, diferenciam-sedas representações negativas e descon-textualizadas que normalmente recaem so-

4 As observações e conversas informais foram registradasem diário de campo.

5 Refiro-me não só àquelas que prestaram seusdepoimentos, mas a todas as mulheres de programacom as quais tive contato durante o trabalho de campo.

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bre elas. “Diluem” essas mesmas representa-ções quando entendem que a prostituição serefere, sobretudo, a comportamentos sexu-ais desviantes dos padrões socialmente acei-tos, principalmente em relação à rotatividadede parceiros, o que, segundo Moraes (1995),configura uma crítica à própria sociedade.

Castro (1995: 162) adverte para o riscode se reduzir a compreensão da prostituiçãoa um “economicismo de causa e efeito”, poisse estaria ignorando, “de um lado, a cons-trução machista da subjetividade e da cultu-ra” e, de outro, a oposição que as mulheresfazem “ao recusarem o lugar subserviente quese lhes destinam enquanto mulheres”. Paraas mulheres ouvidas, a prostituição signifi-ca, também, um forma de opor-se à opres-são vivida em outros empregos, à submissãoa patrões intransigentes, à exploração da for-ça de trabalho e à baixa remuneração. Comomulheres de programa, sentem autônomaspara tomarem decisões, como por exemploas relativas aos horários de trabalho. Na prá-tica, entretanto, essa liberdade deve serrelativizada, pois, dando continuidade aoexemplo, nem sempre o horário mais conve-niente para o trabalho é aquele em que hámais clientes.

À diferença do posicionamento assumi-do pelo movimento das prostitutas (o qual

luta pelos direitos das mulheres como traba-lhadoras), as mulheres ouvidas nesta pesqui-sa não vinculam seu “direito a ter direitos”ao pertencimento a uma categoria profissio-nal. Assim como também observou Moraes(1995), muitas mulheres não concordamcom as iniciativas de regulamentação da ati-vidade prostitucional, pois implicaria assu-mir uma identidade estigmatizada, o que astornaria mais expostas ao preconceito social.Todavia, para as mulheres ouvidas, o exercí-cio da prostituição é visto, muitas vezes, comouma “não escolha”, resultante dacriminalidade, da submissão a relações deexploração no trabalho etc., o que a afasta deum posicionamento político a favor da cate-goria de trabalho “prostituição”. Mesmo semdarem esse nome, suas ações e representa-ções apontam para a busca de seus direitoscomo cidadãs, independentemente da ativi-dade ocupacional. Consideram urgente o aces-so a moradia, alimentação e saúde. Muitasdelas, por exemplo, participam do movimen-to organizado dos “sem teto”, no centro dacidade, em luta pelo direito à moradia.

Diante dessas apontamentos, uma ques-tão se coloca: se para essas mulheres a prosti-tuição é marcada por uma “não escolha”, paraonde deveria caminhar a transformação? Paraa melhoria das condições de trabalho? Ou

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para a possibilidade de ampliação do seu le-que de opções, no sentido de terem oportu-nidades mais justas de inserção social, comoo acesso à educação de qualidade, ao traba-lho não-reificante etc.?

E a prevenção? As mulheres têm conhe-cimento sobre a importância da prevenção,tanto no que diz respeito à necessidade deconsultas e exames ginecológicos periódi-cos quanto ao uso de preservativos para evi-tarem o contágio por DST e AIDS. Obti-veram informações através de diferentes mei-os, como televisão, folhetos educativos, or-ganizações não-governamentais e consultasmédicas. Embora seja difícil aferir se o usoda camisinha é freqüente, os clientes, se-gundo as depoentes, não se recusam a usá-la, em geral. Elas contam terem desenvolvi-do estratégias retóricas para convencer aque-les que se opõem a usá-la. Mas reconhecemque algumas mulheres aceitam fazer o pro-grama sem o preservativo. Apenas uma en-trevistada assume essa prática e a justificapela necessidade financeira, aliada à escassademanda de clientes. Para ela e outras mu-lheres, aceitar fazer o programa sem preser-vativo seria a única forma de garantir a suarealização, já que o cliente encontraria, semdificuldades, outra mulher de programa queaceitaria praticar o sexo desprotegido. Em

contrapartida, chamou a atenção o fato de asfreqüentadoras da instituição solicitaremsempre um número maior de preservativosdo que o oferecido pela instituição, emboraalegassem fraca demanda de clientes. Será quea procura dos clientes não estava tão escassaquanto alegavam? Ou as camisinhas recebi-am um outro fim, que não o uso por elaspróprias? Difícil responder, mas algumas en-trevistadas revelaram algumas possibilidadespara o destino das camisinhas recebidas: avenda para alguma colega que não freqüentaa instituição ou para o cliente.

Importante observar que, se o preservati-vo é usado como moeda ou mercadoria, éporque tem um valor que, em última ins-tância, se refere ao poder de prevenção querepresenta (e oferece). Assim, seja qual for ocaminho que percorra, desde o momento emque é distribuído nas reuniões, parece que opreservativo não deixa de ser usado para cum-prir o seu papel preventivo.

O próprio uso da camisinha nem sempretem, para as mulheres, a mesma representa-ção. Muitas a utilizam como instrumento detrabalho apenas, mas não com o parceiro comquem têm uma ligação afetiva, seja por nãogostarem, seja por não julgarem necessário.Para uma delas, o uso da camisinha na rela-ção com os clientes, além de prevenir o con-

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tágio por DST, significa como se não tivessenem tido a relação sexual.

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A transformação que o conceito de saúdevem sofrendo ao longo dos anos levou-nos aadotar, nesse trabalho, um paradigma quepudesse, de modo abrangente, reunir elemen-tos dessas diversas fases e contemplar as dife-rentes facetas da saúde, na sociedade. A pro-moção da saúde, assim, cujos principais an-tecedentes foram as discussões sobre as con-dições de trabalho e de vida, a questão daparticipação social e a interlocução com ou-tros setores e campos do saber, pareceu-nosuma conceituação bem apropriada.

Já na 8ª Conferência Nacional de Saúde,o Governo do Estado de São Paulo propôsdiretrizes ao setor de saúde, procurando con-solidar alguns desses preceitos e integrar asdiversas ações, com vistas a superar adissociação entre intervenções preventivas ecurativas.

Nesse contexto, cresceu o número de pro-fissionais da área de saúde mental e aumen-taram as ações multiprofissionais nos servi-ços de saúde, o que, entretanto, não pôdegarantir o atendimento eficaz às necessida-des da população usuária desses serviços.

Ficou mais patente, no entanto, a lacunadeixada pela formação universitária em mui-tos desses profissionais, devido, segundo Sil-va (1992), à reiteração de um modelo exclu-sivo de atuar que privilegia os seguimentos

psicoterápicos – um desmembramento daatuação clínica, cujos instrumentos e lingua-gem evidenciaram a necessidade de revisão ede busca de novas formas de trabalho, maispautadas nas realidades sociais.

Kickbusch (1986) faz a distinção entre aantiga e a nova saúde pública e aponta, comopropósito dessa última, desenvolver o poten-cial de saúde, qualquer que fosse seu pontode partida.

Ao entrecruzar, assim, o campo da psico-logia com o da saúde coletiva, tivemos comoobjetivo investigar a pertinência de uma in-tervenção clínica, dada a demanda de umapopulação de mulheres usuárias do serviçode psicologia de uma unidade básica de saú-de (UBS), qualificando as transformações quese processariam ao serem inseridas em umgrupo de criatividade.

Essa intervenção seria conduzida numamodalidade grupal e breve, em que se privi-legiaria a utilização das seguintes estratégiasclínicas: técnicas expressivas (plásticas e grá-ficas); técnicas imaginativas (imaginação ativae dirigida); e técnicas corporais (observaçãocorporal, autotoques e toques em dupla) –todas embasadas no método junguiano.

Segundo nossa hipótese, a apropriação dopotencial criativo, estimulada por tais estra-tégias, facilitaria o processo de individua-

OFICINAS DE CRIATIVIDADE NO CONTEXTO DA SAÚDE COLETIVA: ANÁLISEDE UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE

Claudia SampaioPsicóloga

Orientadora: Sandra Maria Greger TavaresNúcleo de Investigação em Educação em Saúde

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lização – um dos principais pilares da teoriajunguiana, como descrito por Duran (1997)– e o desenvolvimento autônomo e proposi-tal da psique individual. A cura, segundo essaperspectiva, envolvendo por vezes a supera-ção de sintomas psicofísicos, estaria vincula-da de modo mais amplo ao crescente movi-mento de conscientização, inerente a esseprocesso.

Byington (1996) chamou a atenção parao fato de que, por meio da criatividade plás-tica, imaginativa e outras, as técnicas expres-sivas convocariam a participação do ser in-teiro nas vivências, tornando a elaboração dossímbolos na psicologia e pedagogia uma ati-vidade existencial global.

Para a composição do grupo, foramselecionadas, por meio de entrevistas semi-abertas, seis mulheres com idades variandoentre 28 e 45 anos, cujas queixas puderamser atribuídas à dimensão psíquica (ansieda-de, depressão, dificuldades de relacionamen-to) e à dimensão corporal (dores de cabeçafreqüentes, dor no peito, fraqueza no corpo,falta de ar e tremores). Foram escolhidas aque-las que se mostraram mais disponíveis e mo-tivadas.

O grupo se reuniu durante um períodode seis meses e teve como eixo norteador pro-posições estabelecidas de acordo com algu-

mas etapas cumpridas em cada encontro.As atividades tinham início com uma

sensibilização para a emergência de símbo-los, o quais eram discriminados na etapa delivre expressão em linguagem não-verbal. Naúltima etapa, a vivência inteira era compar-tilhada verbalmente, para que os conteúdosindividuais e/ou grupais, já em outro nível,pudessem ser resignificados.

A metodologia que serviu de base para otratamento e a análise dos resultados foi aabordagem fenomenológica, centrada nossignificados e desdobramentos do fenôme-no, quando observado na relação dialéticaentre pesquisador e pesquisado.

Os resultados descritos sobre a trajetóriagrupal foram obtidos a partir das versões desentido construídas a cada encontro, em que,de maneira condensada, procuramos extrairo que Amatuzzi (1996) denominou como o‘sentido vivo do encontro’.

A partir das versões de sentido, das pro-duções realizadas no grupo, das entrevistasiniciais abordando o histórico psicossocial edas entrevistas de fechamento, destacaram-se três grandes modalidades analíticas: a con-cepção, a gestação e a criação. Para cada umadelas, foram agrupadas passagens vividas pelogrupo, ou pelas integrantes, que expressas-sem diferentes símbolos e determinados ní-

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veis de elaboração simbólica.A concepção caracterizou os momentos em

que os símbolos “germinaram”, ou seja, emque foram constelados mas sofreram poucaou nenhuma discriminação. Essas passagensrevelaram as angústias subjacentes à manu-tenção das defesas apresentadas, vinculadasa episódios de violência doméstica, exclusãosocial e falta de acolhimento pelas figurasparentais primárias. Assim, as funçõesestruturantes1 de medo, vergonha e projeçãopermaneceram atuando defensivamente. Exi-biram, porém, num movimento alternado,em que as atitudes polarizadas de exposiçãoe recuo revelaram a tentativa de consolidaros vínculos grupais.

A gestação foi marcada por outras passa-gens do grupo, ao abordar novos conteúdosao mesmo tempo em que retomava os ante-riores de forma diferenciada, como se esti-vessem passando por um processo de “fer-mentação”. Nessa situação, testaram nova-mente os vínculos constituídos pelo grupo,os quais se mostravam mais fortalecidos, eperceberam pontos de identificação mais po-sitivos em suas parceiras. Tais vínculos pare-ceram sustentar os seguintes movimentos de-

sencadeados: a função estruturante da ver-gonha passou a atuar criativamente, expres-sando e elaborando os símbolos da sexuali-dade, sensualidade e a possibilidade de re-gresso aos estudos. Foram experimentadosmomentos de maior introspecção e silêncio,seguidos de atitudes polarizadas de confron-to e fuga.

A criação revelou momentos de maiorexpressividade e conscientização, com sutistransformações ocorrendo pela apropriaçãode novos recursos internos e pelo reconheci-mento de alguns limites. Outras funçõespsíquicas passaram a atuar criativamente,como a agressividade, a projeção e a curiosi-dade. A vivência do desapego parece ter faci-litado esses momentos.

De maneira genérica, os resultados obti-dos com a intervenção apontaram para: asuperação de alguns sintomas psicofísicos; ofortalecimento da auto-imagem, aumentan-do os cuidados com a saúde e a aparência, eindícios de fortalecimento egóico, mostran-do-as mais autônomas e realistas na maneirade lidar e refletir sobre as condições sociaisem que se encontravam; o desfrute de mo-mentos de maior ludicidade e prazer; e asensibilização para os problemas coletivos,mostrando-as como pessoas mais cooperati-vas e participativas.

1 A definição desse conceito pode ser encontrada emByington (1996).

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PROFISSIONAIS DO SEXO E PROFISSIONAIS DE SAÚDE: UM ESTUDOREALIZADO NA REGIÃO CENTRAL DE SÃO PAULO1

Cristiane A. Alves OliveiraPsicóloga

Orientadora: Monique Borba Cerqueira

A prostituição feminina tornou-se objetoda saúde pública no século passado, vistacomo a face da doença, que precisava ser co-nhecida para ser controlada. Para isso, inú-meros estudos foram desenvolvidos a partirde uma visão da prostituição como doença queprecisava passar por controle permanente:

“A prostituta era vista como um perigo,degradação, imundície, repugnância, deven-do ser estudada, cabendo ao médico fazerdesaparecer o foco miasmático e prevenir osefeitos nocivos sobre os organismos huma-nos e a saúde pública (...) É preciso que omédico penetre no desconhecido e levante ovéu que encobre, é preciso que o médico façada ameaça oculta, uma ameaça conhecida eclassificada, tornando-a, assim controlável”(Engels, 1989)

Atualmente, a imagem da prostituta con-tinua sendo desqualificada no plano moral,já que os estereótipos atribuídos às profissio-nais do sexo operam a destituição dapluralidade de papéis sociais desempenha-dos pelo gênero feminino. A atividadeprostitucional, segundo a visão corrente, aca-

ba reduzindo a mulher a uma função sexualpervertida. No entanto, o preconceito em re-lação à prostituição não pode reduzir as análi-ses sobre os modos de vida dos profissionaisdo sexo, à questão única de corpos que devemser vigiados e cuidados. Outros aspectos pre-cisam ser levados em consideração, além docorpo. A opressão a que essas mulheres estãosubmetidas, as relações no âmbito do traba-lho e da família, assim como os aspectos li-gados ao cotidiano delas, são fundamentaispara o entendimento desse universo. O modopela qual as prostitutas vivenciam as formasde exclusão a que são submetidas e a dimen-são em que tal fenômeno aparece na utiliza-ção dos serviços de saúde estão entre as pre-ocupações deste trabalho.

É importante lembrar que esse tipo maisespecífico de opressão relacionado à ativida-de prostitucional tem como pano de fundoa violência estrutural, que diz respeito às de-sigualdades sociais engendradas pelo siste-ma social, inclusive discriminações de clas-se, raça, sexo, idade (Minayo, 1993).

A Constituição de 1988 estabeleceu,como uma de suas premissas: “saúde, direitode todos e dever do Estado”; no entanto, oacesso universal aos serviços pouco represen-tou para a melhoria da atenção à saúde. Amá qualidade do sistema fez com que os seg-

1 O presente artigo apresenta um resumo da proposta doprojeto e discute algumas questões identificadas du-rante o processo de execução da pesquisa, ainda emandamento.

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mentos que podiam comprar os serviços desaúde fora do Sistema Único de Saúde (SUS)deixassem de buscar o serviço público, pas-sando a utilizar o setor privado da saúde. OSUS é uma proposta que foi idealizada paragarantir a “saúde como direito de todos”, masa implementação da nova política de saúdenão vem sendo garantida de forma a fazer dauniversalização um mecanismo que signifi-que real inclusão social, uma vez que garanteapenas o atendimento e não a qualidade dosserviços prestados.

Hoje, o SUS não é um sistema que oferteserviço a todos, mas àqueles que não têmoutra opção por falta de condições financei-ras. A universalização da saúde no Brasil,pervertida pela falta de compromisso públi-co com o setor, constitui-se como verdadeiromecanismo de exclusão social: “Auniversalização, no caso brasileiro, dadas assuas especificidades, parece estar assumindoa função não de incluir efetivamente todosos segmentos sociais na alçada do atendimen-to público de saúde, mas de garantir o aten-dimento aos setores mais carentes e resisten-tes aos mecanismos de racionamento, ou seja,excluindo para o subsistema privado os seg-mentos médios em diante, abre-se um espa-ço para que o estado se capacite a atendermais eficientemente os setores sociais que

continuam possuindo no subsistema públicoseu referencial básico de assistência” (Faverete Oliveira, 1989)

Esta pesquisa tem como objetivos:– investigar os fatores relacionados ao aces-

so e à utilização dos serviços públicos desaúde, por usuários pertencentes a um gru-po socialmente estigmatizado (mulherespobres, profissionais do sexo), buscandorefletir sobre as implicações desse fenôme-no na questão da eqüidade2 em saúde;

– analisar os limites e as possibilidades pre-sentes na relação estabelecida entre pro-fissionais de saúde e profissionais do sexo,bem como as conseqüências decorrentesda natureza dos vínculos estabelecidos nodecorrer dos tratamentos.A utilização do método qualitativo se

deve ao fato de se tratar da abordagem que

2 O conceito de eqüidade, concebido no mapa da exclu-são e inclusão social (Sposati, 1997), diz respeito aoreconhecimento e à efetivação, igualitária, dos direitosda população, sem restringir o acesso nem estigmatizaras diferenças que conformam os diversos segmentos dapopulação. É entendida como a possibilidade de as di-ferenças serem manifestadas e respeitadas, sem discri-minação ou condição que favoreça o combate das prá-ticas de subordinação ou de preconceito em relação àsdiferenças de gênero, políticas, étnicas, religiosas, cul-turais, de minorias e outros.

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mais facilita a compreensão da realidade soci-al investigada. A população estudada compre-ende: mulheres pobres profissionais do sexo,que atuam na região central de São Paulo; eprofissionais de saúde (médicos, enfermeiros,auxiliares de enfermagem e outros), que atu-am em unidades da rede pública localizadosno centro da capital paulista.

As técnicas utilizadas para se chegar aosobjetivos propostos são a observação partici-pante (Minayo, 1993) e entrevistas semi-estruturadas com os atores envolvidos.

Quanto ao comprometimento ético, oconsentimento livre e esclarecido está sendoobtido verbalmente, pois por se tratar de umgrupo estigmatizado, de difícil vinculação eque precisa preservar sua identidade real, elasevitam ter seu nome impresso e/ou assinadoem um documento. Ressalta-se, no entanto,que os objetivos da pesquisa foram e vem sen-do explicitados aos informantes, assim comotem-se garantido o acesso aos resultados dapesquisa e o anonimato dos envolvidos.

Embora a pesquisa não tenha sido conclu-ída, alguns pontos já podem ser destacados apartir do material coletado até o momento.Pôde-se observar que há uma reprodução daexclusão social na atenção à saúde das profis-sionais do sexo, embora essa se apresente soba forma de discriminação positiva (Rago,

1991) , além de receberem maiores cuidadospor parte dos profissionais de saúde.

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UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE – ESPAÇO E PODER: O CASO DOPAM BELA VISTA

David da Silva PereiraGeógrafo

Orientador: Carlos Botazzo

As questões centrais desta pesquisa foram otrabalho em saúde e a articulação do SistemaÚnico de Saúde (SUS) com as necessidades decuidado em saúde dos usuários de um dosequipamentos públicos de saúde, o Posto deAtendimento Médico (PAM) da Bela Vista.

Foram feitas 56 entrevistas no período deabril a julho de 1999. As conversas ocorreramno interior da unidade, com usuários à esperade atendimento médico e com funcionáriosem seus postos de trabalho. A Unidade Básicade Saúde foi tomada como unidade de pro-dução do cuidado em saúde, um equipamen-to que, como afirmam Paula Souza e Vieira(1944), deveria irradiar a consciência sanitá-ria.

A natureza desse espaço de produção foivista a partir das perspectivas interna e ex-terna das ações da unidade. Nos dois casos,o eixo discursivo foi o exercício de micro-poderes, como apontado por Foucault(1991), em que se toma o poder como algoque não emana apenas do ponto mais altoda hierarquia, mas como proveniente de vá-rias direções e atores. Em todos os níveis hi-erárquicos, o poder surge como algo que é,acima de tudo, exercido, e na combinaçãodesses exercícios seria definido o fluxo do usu-ário não apenas na unidade mas no interiordo sistema (Botazzo, 1999). Externamente,

foi discutida a atuação do equipamento emsua área de abrangência dentro do sistemade regionalização do SUS.

O relatório final foi assim estruturado:– adoecimento: os usuários falaram de um

adoecimento que, na maioria dos casos,surge como um fenômeno, algo que osatinge um certo dia e os coloca na mar-gem da existência. As condições de vidaque os conduzem ao adoecimento não sãoapontadas como causadoras, e surge comoagente principal da ocorrência a própriaincompetência, ignorância ou incapacida-de de cuidar de si mesmo. Os funcionári-os relataram a invasão da unidade por umadoecimento social, maior que o processode cada um que aportava no serviço, mascomo algo que contaminava o próprio flu-xo. Percebiam o adoecimento e o final deuma trajetória que viria a se confirmarmeses depois;

– autonomia: de acordo com a perspectivaapresentada por Campos (1994), a auto-nomia não seria absoluta pois, no limite,negaria a relação com o outro, sendo que,por outro lado, a falta de consciência o fa-ria refém da rede, da teia do sistema. Nocaso dos usuários, o PAM Bela Vista eratido como um lugar de refúgio, uma portaque se abria e que, de uma maneira ou de

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outra, propiciava o atendimento médico. Aslongas filas e a espera (durante horas) poratendimento, muitas vezes desafiando a fomee o cansaço, eram suportadas em função dapossibilidade de chegar à presença do cor-po clínico. Para os funcionários, a falta deautonomia dava consciência do trabalho queo outro (funcionário) deveria fazer e nãofazia, mas não dava conhecimento do ou-tro. O fluxo de produção era desconexo ehavia falta de funcionários em determina-dos postos, o que fazia com que alguns tra-balhassem muito enquanto outros desfruta-vam de certas regalias. O desmonte das con-dições de trabalho vigentes nos tempos doInamps, com o início do processo deestadualização da gestão do serviço, desti-tuiu-os das condições, dos equipamentos,dos instrumentais e da autonomia existentena época anterior;

– obstáculos à integralidade da atenção: fo-ram confrontadas as falas daqueles paraquem a integralidade da atenção à saúdese reduz a medidas curativas e à atençãomédica. Para esses, bastava ao usuário queencontrara várias portas fechadas chegar àpresença do clínico. Nesse ponto, a aten-ção era confundida com a assistência, con-forme chama a atenção Botazzo et alli(1988). Para os funcionários, a fragmen-

tação da produção tira a consciência da im-portância do seu papel na linha de monta-gem e levava-os a supervalorizar o papeldo clínico, uma vez que as medidas pre-ventivas são consideradas menos impor-tantes àqueles que chegam à unidade por-tando alguma enfermidade;

– programação: a natureza da unidade foi dis-cutida, tendo em vista aquilo que era umdos principais entraves à produção do cui-dado em saúde: o PAM atuava como Uni-dade Básica de Saúde ao receber todos quelá chegassem, tendo ou não encaminha-mento. Procurava, também, realizar açõespreventivas em sua área de abrangência,tais como um programa de saúde bucalem uma escola estadual das imediações ealguns programas de prevenção do câncerginecológico em idosos. No entanto, es-sas medidas dependiam muito mais do es-forço isolado de um ou outro profissional,do que de um planejamento estruturadopelo serviço. A unidade atuava como cen-tro de especialidades, funcionando comoreferência regional e metropolitana. Osfuncionários fizeram referência a atendi-mentos feitos a usuários do interior doEstado e de outros estados, e chamaram aatenção para a localização do serviço naregião central da capital paulista, pois os

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corredores viários trazem diariamente umamassa de usuários que não são atendidosna periferia, sobretudo daqueles proveni-entes das regiões sul do Município e su-doeste da Região Metropolitana.A ambigüidade da unidade e o desencontro

dos próprios funcionários ao definir as atri-buições dos serviços confirmaram que o PAMBela Vista funcionava como parte do SUS, masnuma lógica não pertencente a ele. Ao aten-der como Unidade Básica de Saúde a todos osusuários, independente de sua área de mora-dia ou de encaminhamento, rompia com osprincípios da regionalização e da hierarquizaçãodos serviços. O excesso de demandas, causa-do por essa ambigüidade, era o resultado cla-ro de um modo de fazer remanescente nosfuncionários que haviam pertencido aoInamps e que agora, sob um novo sistema,insistiam em agir como se ainda estivessemno Inamps e a reivindicar as mesmas condi-ções anteriores. Daí reclamarem do abando-no, da deterioração das condições de trabalhoe da demanda adicional, porque, afinal decontas, a regionalização e a hierarqui-zação nãofuncionam, pois a rede está “quebrada” na pe-riferia, embora tinham claro que, acima detudo, o serviço prestado era bom porque, afi-nal, as pessoas eram atendidas.

Ao discorrer sobre a natureza do espaço,

Santos (1997) afirma que, dentre outras coi-sas, o espaço é um produto da acumulaçãodos tempos. No caso do PAM Bela Vista,mantinha-se a estrutura de uma outra épo-ca, em que o cuidado em saúde era processa-do na forma da atenção médica, com preju-ízo das medidas preventivas e dividindo-seentre ser uma Unidade Básica de Saúde e serum Centro de Especialidades. As atividadesdo PAM Bela Vista (localizado na rua SantoAntônio, 630, na Bela Vista) foram encerra-das em agosto de 1999; seis meses depois,foi reaberta, sob a gerência do Hospital Pé-rola Byington, uma estrutura que respondea outra diretoria e não mais ao Núcleo I daDiretoria Regional de Saúde da Capital, ins-tância que geria os PAM da região Central.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMAGEM CORPORAL DE PORTADORES DEHANSENÍASE, USUÁRIOS DO SERVIÇO DE DERMATOLOGIA SANITÁRIA

Paula Licursi PratesPsicóloga

Orientadora: Sandra Maria Greger Tavares

Este estudo propõe-se a investigar de quemodo o portador de hanseníase vivencia, sub-jetivamente, a doença em seu corpo, princi-palmente no que se refere à construção daimagem corporal.

O termo ‘imagem corporal’ é usado parareferir-se ao corpo como experiência psicoló-gica, focalizando-se as atitudes e os sentimen-tos do indivíduo para com seu próprio cor-po. Diz respeito, também, às experiênciassubjetivas com o corpo e à maneira comoforam organizadas tais experiências.

A imagem corporal implica representa-ções mentais, pois cada um elabora a ima-gem de seu corpo à sua própria maneira, acen-tuando ou modificando as diferentes partesem função dos mecanismos de sua persona-lidade e de toda a sua vivência passada e pre-sente.

Optou-se por estudar a imagem corporalpois a hanseníase é uma doença que causaseqüelas corporais, tais como: mutilação,deformação e apodrecimento, associadas aomedo da morte.

Partiu-se do princípio de que o fato de opaciente estar consciente de ter hanseníaseimplicaria uma alteração de sua imagem cor-poral, isto é, uma alteração no modo como osujeito se relacionaria com o próprio corpo.

A hanseníase é uma doença investida de

muitas símbolos, estigmas e preconceitos, li-gados à própria história da doença, que erarelacionada à sujeira e ao castigo divino. Ofato médico de a hanseníase ser uma doençaque pode ser tratada e curada muitas vezes éesquecido ou confundido pelos pacientes,justamente devido a essa carga simbólica queacompanha a doença.

A hanseníase é um problema de saúdepública, que já devia ter sido erradicado; maso que vem ocorrendo é o aumento, a cadaano que passa, do número de doentes. Essefato é preocupante, pois o nível de adesõesao tratamento é baixo, havendo muitos ca-sos de abandono.

Para que os objetivos propostos na pes-quisa fossem atingidos, adotou-se o métodoqualitativo, que se detém nos aspectos sin-gulares e subjetivos dos fenômenos. Assim,fez-se um pré-teste e, posteriormente, apli-cou-se, em cada sujeito selecionado, o “Tes-te do Desenho da Figura Humana”, seguidode entrevista semidirigida e de questionáriosócio-econômico.

Os resultados mostraram que os quatrotipos clínicos de manifestação da hanseníasenão interferem diferentemente no imaginá-rio sobre a doença, que parece ser sempre omesmo. Percebeu-se, também, que o carátersocial da doença não deve ser desprezado, pois

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a vivência subjetiva da hanseníase não se sepa-ra da situação sócio-econômica dos pacien-tes. Como alteração na imagem corporal,ocorre uma desestruturação na personalidadedo paciente com hanseníase, o que requer umareorganização fisiopsíquica.

Notou-se, também, que existem muitasfantasias sobre a doença, tais como: ser umtipo de câncer no sangue; ser uma doençaque mata e mutila; ser uma coisa do destinoe um desígnio de Deus.

Além disso, tanto a vivência do própriocorpo como as relações interpessoais se tor-nam cada vez mais difíceis, uma vez que ospróprios pacientes mudam sua forma de con-tato, principalmente físico, consigo mesmose com os outros. Eles passam a se desvalori-zar como pessoas e se defendem desses senti-

mentos racionalizando ou negando tudo aqui-lo que se passa com eles.

Percebe-se que os pacientes sentem ne-cessidade de serem acolhidos emocionalmen-te pelos profissionais da instituição, e que asquestões afetivas interferem na aceitação evinculação do paciente ao tratamento. A do-ença se mostra, assim, difícil de ser enfrenta-da, principalmente no início.

Os resultados finais mostram uma alte-ração na imagem corporal dos sujeitos e queo uso do Desenho da Figura Humana e deoutras técnicas projetivas, utilizadas como re-curso diagnóstico e terapêutico, pode ajudarno tratamento, fazendo com que o pacientese aproprie do próprio corpo, da forma comoele se apresenta, e tome consciência de seusconflitos.

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A TERCEIRA IDADE EM MOVIMENTORoberta Cristina Boaretto

PsicólogaOrientadora: Luiza S. Heimann

rantir os direitos que atendessem a suas neces-sidades.

A falta de diálogo entre a atual adminis-tração municipal de São Paulo e os movimen-tos sociais dificultou a atuação dos fóruns.Os membros do Conselho Municipal de Saú-de, por exemplo, foram destituídos e substi-tuídos arbitrariamente por pessoas indicadaspelo Secretário Municipal de Saúde. Assim,tornou-se necessário investigar a forma queo movimento dos idosos encontrou para ar-ticular suas necessidades junto à atual ges-tão municipal, e as estratégias utilizadas narelação com a sociedade e com o governo paragarantir a vigência de seus direitos.

Tomou-se como objeto de pesquisa o pro-cesso de participação dos idosos, através demovimentos sociais organizados, durante agestão municipal de São Paulo entre 1997 e1999.

Através de um estudo de caso, buscou-seidentificar os movimentos sociais organiza-dos de idosos, os fóruns de representação dogrupo, as demandas encaminhadas ao fórumde participação e as respostas dadas pela pre-feitura às demandas feitas. Trabalhou-se commaterial documental, com entrevistas e coma análise de conteúdo.

O levantamento realizado mostrou quesó há registro daqueles grupos ou movimen-

O crescimento acelerado da populaçãoidosa a partir da década dos 50, no Brasil, ea ausência de estruturas públicas capazes deresponder a suas necessidades causam pro-blemas para esse grupo.

A velhice, entendida como categoria so-cial (Bosi, 1994), é uma fase de transição davida, que implica o declínio e a desvaloriza-ção do indivíduo, já que esse, nas sociedadescapitalistas, é valorizado pela sua capacidadede produção. Trata-se de um problema, por-tanto, de exclusão social. A senilidadeprovocada por essa exclusão poderia ser ate-nuada com o engajamento da pessoa em pro-jetos que não o envelhecessem e dessem sen-tido a sua existência. A participação, enten-dida como atuação no processo de decisãopolítica, é fundamental para a conquista dedireitos e representa um caminho para a in-clusão social.

Na década dos 80, com o processo dedemocratização do país, foi conquistado umespaço propício para o diálogo entre Estadoe movimentos sociais, e foram criados fórunsde participação e representação dos diferen-tes segmentos da população legalmente re-conhecidos – dentre os quais estavam os ido-sos. A organização e a crescente participaçãodesse grupo motivaram a criação de fórunsde representação para forçar o Estado a ga-

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tos sociais organizados de terceira idade queforam cadastrados na prefeitura ou que estãovinculados ao Conselho Municipal do Ido-so. Grande parte desses grupos desenvolveatividades voltadas para o lazer e apenas al-guns poucos desenvolvem atividades de ca-ráter reivindicativo. Algumas entidades filan-trópicas também oferecem atividades paraidosos, mas têm um caráter assistencialista esão destinadas, sobretudo, à população debaixa renda.

Os grupos são o ponto de ligação entreos idosos e os fóruns participativos; atravésdos grupos, os idosos tomam conhecimentodo Conselho Municipal do Idoso e passam afreqüentá-lo.

O principal fórum de participação é oGrande Conselho Municipal do Idoso(GCMI). Já em sua criação, em 1992, haviaum contexto que chamava a atenção do po-der público para a questão dos idosos. OConselho é constituído de uma assembléiageral, assembléias regionais, comissões detrabalho, secretaria executiva e conselho derepresentantes. A composição é de 2/3 deidosos eleitos pela população idosa e 1/3 defuncionários indicados pelas secretarias mu-nicipais das áreas sociais que compõem ogoverno. Só os idosos têm direito a voto; osdemais têm direito apenas a voz. Essa com-

posição não é paritária, o que, segundo osfuncionários da prefeitura, faz com que oConselho seja apenas consultivo, apesar deser deliberativo segundo o decreto de suacriação.

Com relação à dinâmica das reuniões, aspoucas votações realizadas ocorreram atravésde aclamação ou com a anuência silenciosada platéia. Os funcionários da prefeitura queparticipam do Conselho usam esse espaçopara legitimar e conseguir apoio para execu-tar atividades próprias da prefeitura.

As reivindicações dos idosos, no fórum,concentraram-se nas áreas de saúde e trans-portes. Apesar das dificuldades encontradaspara terem suas necessidades atendidas pelaprefeitura, os idosos encontraram formas di-ferentes para participar e garantir alguns di-reitos. A falta de resposta do Executivo fezcom que buscassem o apoio de vereadores paraa elaboração de um programa de saúde doidoso e para a redução de degraus elevadosnos ônibus; os idosos procuram, assim, oLegislativo para garantir seus direitos atravésde leis que não conseguem ser executadas.

A influência do Conselho na administra-ção municipal mostrou-se dependente da re-lação que a presidência mantém com o Exe-cutivo. A gestão do GCMI foi conduzida deforma autoritária e centralizadora no período

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estudado, influenciando o funcionamento doConselho. Entretanto, havia um grupo quequestionava essa tendência centra-lizadora, or-ganizando-se e discutindo a autonomia e aatuação dos conselheiros no fórum.

O modo como os entrevistados atuam noConselho mostrou que há coerência entre asua trajetória de vida e a sua atuação ao atin-girem a terceira idade. Os idosos que em suahistória participaram de algum movimentoreivindicatório, mantiveram esse perfil noConselho, enquanto os que não tiveram qual-quer tipo de atuação política permaneceramcomo observadores passivos nesse fórum dereivindicação.

A organização dos conselhos é influenci-ada pela forma como a sociedade civil estáorganizada (Vargas, 1998), mas principal-mente pela postura da administração muni-cipal em relação aos fóruns. Para que exista,portanto, uma participação organizada dossegmentos sociais, no caso, dos idosos, é pre-ciso que se reconheçam e se respeitem os es-paços públicos para o exercício da cidadania.

Referências Bibliográficas

BOSI, E. (1994) Memória e sociedade -lembranças de velhos. São Paulo, Com-panhia das Letras.

VARGAS, S. M. (1998) “Conselhos mu-nicipais de saúde: a possibilidade deosusuários participarem e os deter-minantes da participação”. In: RevistaCiência e Saúde Coletiva, vol. III, n. 1.

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HUMANIZAÇÃO: SER HUMANO E ARQUITETURAValéria de Mattos Soares

ArquitetaOrientadora: Daphne Rattner

dos entrevistados tentou identificar queixas easpectos relevantes em relação ao ambientehospitalar.

A coleta de dados foi feita entre abril eagosto de 1999. Nesse processo, o olhar dopesquisador foi aos poucos integrando-se aoolhar dos usuários da arquitetura e ao olhardos profissionais experientes da área; dessaforma, os resultados puderam ser divididosem três tópicos:– o olhar arquitetônico iniciante, que des-

creve o diagnóstico de observação;– o olhar arquitetônico experiente, com a

fala dos arquitetos que atuam no hospital;– o olhar humano, que revela as necessida-

des dos funcionários e puérperas.Pelo olhar arquitetônico iniciante foi pos-

sível notar que o Hospital Ipiranga não é sóreferência de risco e de atendimento, é tam-bém referência visual na paisagem, tanto porser uma grande construção como por estarsituado no alto da colina do Ipiranga, fa-zendo vizinhança com o Museu. Seus qua-trocentos leitos e seu grande tamanho jus-tificam-se pela política de favorecimento dacura ao invés da prevenção, e assim sua de-manda é alta e sua área de abrangência nãose restringe ao Ipiranga, mas chega a atin-gir a região do ABCD, bairros adjacentescomo Vila Mariana e Sapopemba e, em al-

Esta pesquisa, realizada em uma mater-nidade pública no Município de São Paulo,teve por objetivos:– diagnosticar o processo de humanização de

uma maternidade, em seu estágio atual;– identificar as demandas, em relação ao es-

paço, feitas pelos usuários dos serviços,equipe médica e equipe de serviços;

– propor soluções para a adequação dos edi-fícios às propostas de humanização.Adotou-se a estratégia exploratória para

dar início à observação. O hospital inteirofoi conhecido para que, então, a atenção seconcentrasse no setor da maternidade. As ca-minhadas pelos vários corredores servirampara que se revelasse, aos poucos, a realidadedo hospital. Foram observados os aspectosestéticos, humanísticos, funcionais e técni-cos. A seguir, procurou-se fazer o balanço dosproblemas encontrados e das preocupaçõescom a humanização, apontadas.

As entrevistas foram semidirigidas comusuários do serviço, equipe médica e de ser-viços. Não houve preocupação comrepresentatividade estatística, por se tratar deum estudo qualitativo. Através desses depo-imentos, verificou-se como os usuários per-cebiam o espaço e suas necessidades em rela-ção a ele. A análise das observações seguiu osobjetivos propostos acima; a análise da fala

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guns casos, bairros mais distantes, como VilaMaria. As vias e o transporte público facili-tam o acesso, apesar de estar localizado mui-to distante da residência de alguns usuários.

Com 50 anos de construção, houve poucaou quase nenhuma preocupação estética, maso que ditou regras em seu projeto e constru-ção foi a funcionalidade. A construção ocupaquase todo o terreno e não resta área disponí-vel para expansão; as áreas livres existentes ape-nas permitem um melhor remanejamento doandar térreo.

Apesar de grande, o hospital já não aten-de satisfatoriamente à demanda existente;mesmo assim, esforços são empregados nosentido de fazê-lo funcionar com os recursose com o espaço disponíveis. A vocação e ins-piração daqueles que adoram trabalhar nohospital revelam-se nas sugestões, improvi-sos e idéias para melhorar seus espaços oupara tornar aceitável sua utilização.

Os arquitetos que trabalham no hospitalforam apontados como responsáveis pormelhorias no refeitório, nos banheiros e nocentro cirúrgico, provando a importância desua atuação.

O item relativo ao olhar arquitetônicoexperiente mostra que os arquitetos gostari-am que existisse no hospital mais área físicapara que pudessem colocar mais elevadores;

na falta do espaço, lembram que os arquitetosestão lá para criar, e que se não houver áreafísica, eles criam.

Para o olhar iniciante, a falta era a causados problemas; à primeira vista, mostrou des-confiança às idéias resolutivas para um espa-ço físico tão sólido e estritamente configura-do por colunas rígidas que jamais se moveri-am. Questionou os motivos da pesquisa mas,por fim, entendeu que não só a arquitetura,mas também e principalmente o contatohumano e o acesso promoveriam ahumanização. A arquitetura, no caso, seriaapenas o cenário, a arte e o maquinário quepossibilitariam aos homens um local paraserem humanos.

O olhar humano falou de coisas quecomplementaram o olhar técnico.

As informações obtidas permitiam mon-tar um programa com as necessidades obser-vadas e com necessidades citadas nos depoi-mentos, mas, ante a dificuldade de se apli-carem mudanças na estrutura do hospital ede se propor a construção de um anexo paraa maternidade, as sugestões permaneceramrestritas a pequenas mudanças de layout. Amelhor proposta para a Maternidade doIpiranga seria a construção de uma nova uni-dade para o atendimento exclusivo do partonormal, enquanto o Hospital, por ser refe-

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rência de risco, atenderia somente aos partoscirúrgicos.

Atualmente, devem-se empreender esfor-ços para descobrir a melhor localização doscentros de parto normal em relação a hospi-tais de nível terciário, para estudar a popula-ção local e preparar os hospitais para traba-

lharem em conjunto com os centros de partonormal.

A estratégia de aceitação de um novo sis-tema deverá estar baseada na qualidade doatendimento e na conscientização do partonormal.

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A reflexão dos pesquisadores

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O APRIMORAMENTO DA PESQUISA EM SAÚDE COLETIVA: UMGRANDE DESAFIO

Luiza Sterman HeimannMédica Sanitarista do Núcleo de Investigação

em Serviços e Sistemas de Saúde

Tendo como finalidade desenvolver as ati-vidades de pesquisa, capacitação e assessoria,o Instituto vem repensando seu Programa deAprimoramento para Profissionais Não-mé-dicos em Saúde Coletiva.

O desafio é grande. Aportar um saber –um saber ser e um saber fazer – para recém-formados que buscam o Programa com os maisdiversos interesses e capacitá-los para o traba-lho em pesquisa não é uma tarefa trivial.

O Núcleo de Investigação em Serviços eSistemas de Saúde do Instituto tem partici-pado com grande empenho nessa empreita-da, desde a sua criação.

Em sua fase atual, foram realizados cur-sos de Introdução à Saúde Coletiva, de Polí-ticas Públicas em Saúde e, finalmente, dePlanejamento e Programação em Saúde. Essaprática pedagógica tem proporcionado aostrabalhadores do Núcleo um espaço de re-flexão e sistematização de conhecimento, bemcomo o desenvolvimento de habilidades paraa didática e a produção de materialinstitucional.

O Núcleo também tem sido campo detreinamento em serviço para osaprimorandos. Parte-se do pressuposto deque pesquisa se aprende fazendo. Assim, osestagiários se inserem em todas as atividadesdo Núcleo, participando da divisão técnica

do trabalho e, portanto, assumindo responsa-bilidades na produção coletiva. Essa divisãonão obedece a uma hierarquia funcional, emque os estagiários desenvolveriam uma ativi-dade previamente definida; ela é feita a cadamomento do processo de trabalho em pes-quisa, a cada fase do projeto. Assim, criam-sediferentes situações de ensino-aprendizagemem que, ao longo do tempo, é possível com-partilhar saberes, métodos e técnicas para aformação do trabalhador em pesquisa em saú-de coletiva. Mais que isso, criam-se tambémrelações interpessoais e situações de convivên-cia no grupo que possibilitam ao aprimoran-do crescer como cidadão.

A convivência com o Programa tem mos-trado o seu papel no desenvolvimentoinstitucional. Ao mesmo tempo em que ca-pacita profissionais não-médicos para a pes-quisa no campo da saúde coletiva, ele mobi-liza a estrutura e a organização do Institutoa buscar soluções para problemas adminis-trativos e gerenciais, tais como: a absorçãodesses profissionais em seu quadro funcio-nal, o apoio e a infra-estrutura para aimplementação do Programa, a articulação ea interação necessária com os núcleos de pes-quisa, a organização dos eventos técnico-ci-entíficos coletivos, a transparência da pro-dução científica do Instituto, dentre outros.

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A FORMAÇÃO DO PROFESSORCarlos Botazzo

Pesquisador Científico III do Núcleo de Investigação em Cidadania e Saúde Mental eMembro da Comissão de Pós-graduação dos Institutos de Pesquisa – CIP

Pode parecer estranho que o título destetexto contenha uma idéia que é o avesso doque é usualmente aceito na relação pedagó-gica (e do que foi solicitado pelos editores),a saber: de que alunos são formados por pro-fessores e não o contrário. Gostaria deproblematizar alguns aspectos da relaçãomestre-discípulo, pois ela me pareceemblemática daquilo a que nos propomos re-alizar em nossa instituição. Já de imediatofigura que se tenha instalado certa arrogân-cia no modo como o assunto emerge diantedo leitor, até porque seria descabido imagi-nar que nesta instituição pretenda-sereinventar a pedagogia, e a tal ponto que jus-tificaria posições novidadeiras tão em voganesses últimos tempos. Trata-se apenas de darrealce a certos aspectos do processo de for-mação do jovem pesquisador no âmbito doPrograma de Aprimoramento Profissionalpraticado no Instituto de Saúde. Admite-seaqui que o aprimoramento é formação pós-graduada latu sensu.

Inicialmente, gostaria de enfatizar a na-tureza dessa relação. Como toda formaçãopós-graduada, ela é de tipo artesanal, alta-mente individualizada, diferenciando-se as-sim da formação graduada, mais de “massa”.Nesta medida, ela implica desdobramentosintersubjetivos mais adensados e qualitati-

vamente diferenciados.Pode-se argumentar que toda relação

intersubjetiva apresenta as mesmas caracterís-ticas, o que é verdade; porém, pretende-seevidenciar que essa aqui contém elementos quea singularizam, já que decorre num tempo enum espaço predeterminados e, ao seu tér-mino, visa a um certo produto ou efeito.

Em segundo lugar, gostaria de destacar aintencionalidade dos sujeitos em situação.De fato, qualquer relação pedagógica deveimprimir a intencionalidade e,freqüentemente, a diretividade imposta pelomestre. No caso, entretanto, é preciso reco-nhecer que também o aluno estará dotadodessa mesma intencionalidade e diretividade.Obviamente, isto não é o suficiente, pois, sefosse, poder-se-ia dispensar um dos termosda relação, o que significaria anular qualquerpretensão formativa.

Agora, deve-se destacar o papel orientadordo mestre, fusão arbitrária da intenção e dadireção que ele manifesta. Orientar é ativi-dade própria daquele que sabe. Sabe, nomínimo, o lado para onde fica o oriente, istoé, onde o sol nasce. É poderoso aquele quesabe e, mais ainda, se sabe onde o sol nasce.É verdade que nós, os sanitaristas, orienta-mos não apenas alunos mas também os usu-ários dos serviços, de modo que sempre so-

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mos as pessoas que, ademais de poderosas, ja-mais estamos perdidas. O trabalho prático juntoao aluno, e o aluno ele mesmo, irá corrigir ta-manho despropósito, e seria útil que tambémo trabalho junto ao usuário nos corrigisse emnossas intervenções.

Quando um aluno nos procura, e este é oterceiro aspecto a ser comentado, ele o fazporque julga encontrar no seu pressupostoorientador os atributos e as qualidades que oconduzirão a bom termo. Nesta medida, hádepositação de confiança, da qual o mestrenão pode abrir mão. Então, deve orientar.Aqui, não há modelos rígidos a serem segui-dos, a despeito de existirem técnicas didáti-cas que pensam dar conta do problema. Se-ria útil imaginar que o orientador é comoum parteiro. O parteiro, sabemos, ajuda amulher durante o parto, mas nem a mulhernem a criança lhe pertencem. Ajudar a con-ceber não é o mesmo que conceber. O recur-so aos clássicos é revelador. Descobre-se queessa posição denomina-se maiêutica. Foi pro-posta por Sócrates, que assim definia a rela-ção que tinha com seus discípulos. A mãe dofilósofo fazia partos, isto é, maiêusis. Amaiêutica, assim, é a posição do professor quesabe que ajuda o aluno em seu projeto, aju-da-o a vir à luz, porém também sabe que oprojeto pertence ao aluno e não a ele.

Em quarto lugar, e já que estamos discu-tindo lugares de formação, deve-se salientaro tipo de trabalho a que o aluno se entregaráem seu percurso. Nosso produto, ou o nossoserviço, é o conhecimento que produzimos.Nisto não reside nenhuma especificidade:outras instituições de ensino e pesquisa fa-zem o mesmo. Produzir conhecimento, poroutro lado, é coisa que ocorre cotidianamen-te, na vida de todos os dias das pessoas. Nemprecisava, para isso, que então se instituíssea atividade de conhecer. Há conhecimento ehá conhecimento metódico, produzido arti-ficialmente pelo uso de determinados arte-fatos ou dispositivos de produção de verda-de. Assim sendo, o eixo da nossa atividadeprática é o projeto de pesquisa, e é por meiodele que produzimos conhecimento e somospor ele formados. Trabalho e trabalho emsaúde, portanto. É neste mesmo eixo que seacha centrada a formação do aluno. Assim,explicitamos para nós o arranjo político-pe-dagógico em que nos inserimos e em queinserimos o aluno que nos procura.

Finalmente, certa questão de relevo. Seimporta saber quem formamos e, ainda,como formamos, precisava que se respondessenão exatamente para quê haveria essa forma-ção, mas sim que conteúdos de cidadania elapode exprimir. Aqui, beiramos a Ética. Digo

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beiramos porque não se trata de moralidade,mas sim de política. Trata-se do permanentedesafio posto aos cidadãos sobre os modosde se conduzirem nos assuntos da cidade,quero dizer, de como se articulam entre sivisando a produção da vida coletiva. Destemodo, é de uma certa idéia de democraciaque falamos e de liberdade, sem esforçoarticuláveis entre si, na produção do aluno,como cultura. Assim, poder-se-ia afirmar queformamos recursos humanos para os serviços

de saúde __ o SUS, como costumeira-mentedizemos __, e isto já não seria pouco. No en-tanto, seria empobrecer a mirada permane-cer nesta superfície. Mais que isso, trata-sede práxis social no melhor sentido do termo.Se dela resultar professores mais bem forma-dos e orientadores mais dispostos ao diálo-go, haveria ganho para a saúde coletiva. Ex-pressar literalmente, por fim, a realização damáxima que afirma que “para ensinar é pre-ciso aprender”.

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O FIO E O NOVELODaphne Rattner

Médica sanitarista do Núcleo de Investigação em Saúde da Mulher e da CriançaMarinês Martins Miranda

PsicólogaValéria de Mattos Soares

Arquiteta

A informação acumulada mostra-se ina-dequada. Apenas a graduação parece ser in-suficiente. As indústrias oferecem estágiospara quem aceita ser mão-de-obra barata. Apossibilidade de aprimoramento, como umprimeiro emprego em que se recebe parapensar e entender, adia as mais importantesdecisões, coloca-as num compasso de espera.

A visão final: a saúde coletiva está bastan-te perdida, como nós. Os problemas sociaispermeiam tudo, mas sempre existiram, al-gures estão mais bem equacionados. Há ain-da desemprego, pessoas passando fome, semperspectiva, sem esperança, pessoas queolham a vida de viés.

Mas foi encontrado o fio principal dameada: a sociedade é uma construção coleti-va, a sociedade e todos os seres humanos es-tão em movimento. Sonhar é possível, terideais, querer mudar, mas sozinho pouco sefaz. Com a construção coletiva do espaço deinteração coletiva abre-se uma porta.

Nova visão, por um fio: há dois movimen-tos básicos, um de extermínio, outro de cri-ação: tão ampla é a vida, a vida está em tudo,está em nós, está na morte também. O indi-víduo nunca será ele só, atrás dele há sua fa-mília, uma agregação na igreja, no clube, nacomunidade. E a arquitetura traz a possibi-

De início, era o emaranhado. Um primei-ro fio soltou-se, a opção profissional. Foramanos de acúmulo de informação, num esfor-ço para expandir a bagagem de conhecimen-tos. A formatura permitiu o coroamento desseinvestimento, mas introduziu novas perple-xidades: a sociedade é injusta, desigual. Hámuita violência, assassinatos, as pessoas seperguntam: “o que faz alguém matar?”. Apolícia, teoricamente encarregada de garan-tir a segurança, também compõe o quadrocom sua violência e corrupção, além de estarcompletamente desestruturada para dar res-postas adequadas. Ser psicóloga: os conflitossociais são medicalizados e vêm demandaros serviços públicos. A sociedade é psicótica,esquizofrênica: polícia mata todo mundo,bandido mata todo mundo. Ninguém sabe,ninguém viu... O ser humano torna-se cadavez mais violento, acuado. Ou a sociedade édeprimida, dá-se um “remediozinho” e oslaboratórios agradecem. Tem muita genteincompetente em todo lugar. Ser arquiteta:por onde começar a nova construção que acada dia se demonstra tão mais necessária? Agrande pergunta da recém-formada: como ser pro-fissional, organizar a personalidade, com coerên-cia, com responsabilidade pelo que se está fazen-do, nesse universo tão desequilibrado?

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lidade dessa outra construção, a do espaço co-letivo. Se se permanece no indivíduo comoúnica perspectiva, pega-se só o fio do emara-nhado, “fica-se olhando a pontinha e o restonão se consegue ver”.

Aprimorar-se em saúde coletiva é desco-brir a amplitude, é vislumbrar um aspectoda saúde diferente daquele sempre focaliza-do, o indivíduo: percebe-se a influência daestrutura do hospital e do sistema de saúde,das características da demanda, e como asperspectivas das pessoas, desses mesmos in-divíduos, sejam profissionais e sejam usuári-os, intervêm nos resultados. Passa-se a apre-ciar a necessidade de planejamento. Incor-poram-se novos conceitos do coletivo: a epi-demia, a endemia, o instrumental da esta-tística. E admite-se que houve uma evoluçãohistórica. Além disso, é preciso inserir nossaprofissão, a nossa leitura, nesse contexto. Mastambém, com essa nova concepção do todo,aplicar essa complexidade na investigação deum problema específico.

E a pesquisadora recebe essas mentalida-des em formação com a incumbência deorientá-las. O tema de sua predileção é o nas-cimento, a possibilidade de uma oferta dequalidade de vida já no seu surgir, a acolhidacalorosa e humana aos que chegam e serãonossa humanidade no futuro. É um bom de-

safio: uma trouxe sua formação voltada parao subjetivo, o mais interno, o mais íntimo,muitas vezes apenas inconsciente. A psicolo-gia ainda é um conhecimento em expansão,ainda na dúvida entre o biológico e as hu-manidades, ainda questionando sua práticadirigida às individualidades naquele modelofechado de consultório. E nada há de maisconcreto que a matéria para construção, oedifício, preocupação fundamental da arqui-tetura!

Um movimento de dentro para fora – eoutro de fora para dentro. Para a psicologia,a descoberta da importância do suporte emo-cional durante os trabalhos de parto epartejamento: uma tecnologia simplificada,de baixo custo, recomendada por organismosinternacionais, facilmente aplicável nessenosso contexto em desenvolvimento e que éviável. Esse apoio pode ser do psicólogo, doacompanhante, ou de cada profissional emseu atendimento, “é só mudar o jeito comoas pessoas podem se olhar, as pessoas passa-rem a se enxergar e ao outro, a outra, a par-turiente e o bebê, não como apenas mais umnúmero, mas como pessoas”. A dialética docoletivo no individual, ‘individuando’ quemdos nossos serviços necessita.

E na arquitetura se compreende o reflexodo pensamento coletivo voltado para a vida

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e para o humano: a importância do acesso,seja geográfico ou financeiro; como se estru-tura o sistema de saúde; como os espaços po-deriam ser pensados de forma diferente; comoé e como poderiam ser direcionados os fi-nanciamentos que, no final das contas, é doque tratam as políticas de saúde. Introduzirconceitos subjetivos de percepção do ambi-ente no planejamento espacial e funcional,nas cores, nas destinações dos locais;humanizar o ambiente hospitalar para quemé atendido e para quem nele trabalha. Perce-ber que a crença de que o hospital, depois deconstruído, está acabado, é equivocada: ain-da depois de 50 anos está-se construindo,reformando, adaptando, houve aumento dedemanda, as especialidades se diversificaram,os arsenais diagnósticos e terapêuticos sesofisticaram, tudo está permanentemente emconstrução e reconstrução.

E o fio vai-se organizando na possibilida-de de um novelo: “você formula uma per-gunta de um jeito, não encontra resposta;você muda um pouco o jeito de perguntar...

e a entrevê!”. Incorpora-se a visão de com-plexidade dos fenômenos, a compreensão desua origem e decorrências. É uma possibili-dade, uma utopia: a sociedade pode ser maisjusta, as pessoas podem ser “empoderadas”,é possível melhorar a qualidade de vida e ada assistência, é viável e desejável esse proje-to de sociedade coletiva, desde que seja esseo nosso compromisso. Trazendo MonteiroLobato do Mundo da Lua: “Tudo é loucuraou sonho no começo. Nada do que o ho-mem fez no mundo teve início de outra ma-neira – mas já tantos sonhos se realizaramque não temos o direito de duvidar de ne-nhum”.

E no meio desse fio que se desemaranhae parece finalmente formar um novelo paraque se teça esse desejado projeto, encontra-se o grande nó: as discrepâncias continu-am, pouco mudam (ou se mudam, poucose sente), há um pouco caso geral, as políti-cas sociais ainda são órfãs, as cinderelas noborralho...

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EDUCAÇÃO EM SAÚDE: UM TRABALHO REALIZADO NO INSTITUTODE SAÚDE

Ausonia Favorido DonatoDiretora Pedagógica do Colégio Equipe eex-Assistente Técnico de Direção do IS

Desejo agradecer este delicado e genero-so convite: o de trazer meu depoimento nes-ta edição especial do BIS. Sinto-me honradae surpresa.

Surpresa porque considero que – entrenumerosos profissionais que vivenciam o Ins-tituto e até mesmo os que não mais partici-pam dele, e muito contribuíram para o seudesenvolvimento – poderiam ser feitos de-poimentos muito mais significativos, na ce-lebração dos 30 anos de nossa instituição.

Cheguei ao Instituto em 1983. Lembro-me de que estava no Colégio Equipe, quan-do fui convidada para uma entrevista naCoordenadoria dos Serviços TécnicosEspecializados, com o professor José da Ro-cha Carvalheiro (não o conhecia). A finali-dade não foi revelada. Estava afastada da saú-de pública, não por opção, há quatro anos.Estimulada pelos amigos do Equipe, com-pareci à entrevista, às 15h. Seu término? Às21h! Bem, fiquei sabendo que o entrevistadorestava escolhendo um profissional para assu-mir o Serviço de Educação. Parafraseando oprofessor Carvalheiro: o principal culpadopela minha vinda para o Instituto foiGoscinny, um dos autores de Asterix. Expli-co-me. Durante a entrevista, em determina-do momento, o professor Carvalheiro come-çou uma citação do Abracurcix, e eu imedi-

atamente a completei. Descobrimos assim umaprimeira identidade: éramos dois afeiçoadospor Asterix. Carinhosas brincadeiras à parte,devo dizer que houve grande sintonia de pen-samentos, idéias, convicções e valores.

Ao assumir a direção do Serviço de Edu-cação de Saúde Pública em setembro de1983, deparei-me com concepções divergen-tes sobre educação, embora houvesse uma,dominante, próxima de uma prática autori-tária e centrada na transmissão quase exclu-siva de conhecimentos biológicos.

Tal prática era contestada por técnicos quepossuíam atitude crítica, mas não tiveramcondições de mudá-la.

Verifiquei, igualmente, a presença de umasérie de limitações administrativas obstandooperações produtivas das áreas de competên-cia: Pesquisa, Treinamento, Programas e Co-municação Social. Somava-se a isso odesestímulo do corpo técnico, agravado pelodrástico esvaziamento de recursos humanosprovocado tanto pela política de compressãosalarial quanto pelo imobilismo do processoseletivo de novos servidores – sem aludir aosfuncionários comissionados e licenciados alongo prazo.

O Serviço de Educação estava tambémafetado pelo momento com que a direção doInstituto de Saúde se confrontava – o de re-

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pensar suas atribuições específicas –, daí a ne-cessidade de refletir sobre sua própriareativação, não só a concepção de Educaçãoem Saúde a orientar suas novas diretrizes, masrever a linha de pesquisa a ser adotada e osmateriais educativos a serem produzidos.

Durante o exercício de 1984, com a vin-da de educadores e desenhistas concursados,demos início à reorganização da estruturainterna de apoio às ações de Pesquisa, Trei-namento e Programas, e a posteriori passa-mos a incorporar os resultados obtidos nes-sas três áreas à de Comunicação Social, como propósito de redefinir a forma de trans-missão de suas mensagens. Isso porque o Ser-viço de Educação, embora com a preocupa-ção de inovar, nem sempre teve a oportuni-dade de transformá-las ou de reavaliar seusmateriais institucionais.

Então, como primeiro passo, procureicom a adesão dos educadores recém-vindose de alguns que se encontravam nesse Servi-ço, recuperar o trabalho realizado, pararedimensioná-lo com a nova proposta, e es-tabelecer a própria definição, em conjunto,das concepções e diretrizes para o serviço.

À medida que passamos a contar com oapoio de outros setores do Instituto de Saú-de, friso, entraves de caráter administrativoe de interação no TS-Ed. foram sendo supe-

rados.Hoje, analisando aquele momento, devo

dizer que um processo verdadeiramentenovo, enriquecedor de trabalho, de transfor-mação de perspectivas para a área de educa-ção em saúde, se deu com a chegada doemérito educador Joaquim Alberto Cardosode Melo – sua marca não foi apenas a dainovação ou da renovação, mas a da transfor-mação. Grande Juca! Que saudade!

Com o risco de este depoimento se tor-nar cansativo, gostaria que soubessem comoé difícil extrair algumas passagens de todoesse processo intensamente vivido.

Trago minha experiência com o grupo depesquisadores que atualmente compõe oNúcleo de Investigação de Sistemas e Servi-ços de Saúde.

Julgo ter contribuído para a definição desuas três vertentes de atuação: oaprofundamento teórico e metodológico dasconcepções fundamentais dos Sistemas Lo-cais de Saúde (Silos), o projeto de investiga-ção que procurava estudar as formas de im-plantação e implementação dos Silos e o pro-jeto de assessoria às equipesmultidisciplinares de saúde de alguns mu-nicípios do Estado de São Paulo (para a im-plantação desse sistema).

Durante essas assessorias, uma das gran-

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des preocupações dos profissionais era dis-cutir o conceito do “novo” modeloassistencial. Para essa finalidade, valemo-nosde procedimentos didático-pedagógicos comênfase em algumas situações em que os par-ticipantes pudessem “desintoxicar” seus vo-cabulários, sua linguagem freqüentementecifrada. Muitas vezes, certos vocábulos eramrepetidos quase mecanicamente, sem que lhesatribuíssem significados.

Valemo-nos também, com o auxílio daanálise semiótica, da discussão de mensagenstelevisivas e radiofônicas, para identificar aconcepção de saúde que estava sendo vincu-lada e percebida pela população.

Ressalto que nosso papel de assessoria foio de intencionalmente criar situações de en-sino-aprendizagem com a finalidade de ga-rantir que as pessoas envolvidas no processoproduzissem e se apropriassem dos conheci-mentos e do método de construção dessesconhecimentos. Dito de outra forma, tínha-mos a intenção de que todos se tornassemsujeitos nesse processo.

Criávamos situações, portanto, que pos-sibilitassem às pessoas tomar consciência desua prática cotidiana – o que faziam, comofaziam, qual o sentido do que faziam e o quesentiam.

Com base nessa experiência, foi possível

desenvolver o projeto de avaliação do pro-cesso de municipalização no Estado de SãoPaulo.

Outra passagem extremamente significa-tiva foi a participação no Programa de Apri-moramento para Profissionais na Área deSaúde Coletiva, promovido pela Fundap.

Esse programa se desenvolvia de formacompartimentada: cada setor do Instituto,na sua área específica, era responsável peloprocesso de seleção, recrutamento e forma-ção de estagiários. A partir de 1984, houveuma transformação na organização desse pro-cesso. Para manter coerência com a propostada instituição – investigar reflexão e análisedas questões gerais da saúde coletiva –, o apri-moramento passou a ter uma coordenaçãogeral.

O recrutamento, a seleção e a formaçãodeixaram de ser setoriais e transformaram-seem responsabilidade da instituição. O pro-pósito do estágio torna-se o de propiciar umaexperiência de formação de recursos huma-nos para a investigação na área de saúde co-letiva. Para que o objetivo se concretizasse,organizou-se, como primeira atividade noestágio, um curso em tempo integral, cujameta era formar profissionais em saúde cole-tiva capazes de analisar criticamente o pro-cesso ‘saúde-doença’ numa sociedade de clas-

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ses. Assim, foram criadas situações de ensino-aprendizagem que proporcionassem aos alu-nos o reconhecimento da realidade da saúdeno interior de uma sociedade concreta, a iden-tificação dos determinantes dessa realidade ea proposição de formas de intervenção narealidade político-institucional.

Por mais que queira dar ênfase, talvez nãoconsiga apontar o significado que teve paramim essa vivência. A adesão total dos com-panheiros do Instituto a essa nova propostachegava a ser comovente. Eram horas inter-mináveis de discussão e reflexão sobre o sig-nificado e o sentido de nossas ações para a

vida dos estagiários e, naturalmente, para ainstituição. Implicava, em vários casos, umamudança radical na forma de conceber oensino. Até para aqueles que eram professo-res universitários. Expresso meu sentimen-to de gratidão e de reconhecimento a todosvocês que me propiciaram grandes aprendi-zados.

Considero que o Instituto de Saúde sem-pre conduziu-se pela práxis ética, compro-misso e amorosidade.

Estamos todos de parabéns ao comemo-rar seu aniversário.

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Depoimentos de ex-aprimorandos

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APRIMORAMENTO EM SAÚDEJucilene Leite da Rocha

Psicóloga

certa forma, se integravam na mesma coisa, asaúde das pessoas, e saber que saúde não éapenas ausência de doença.

A inserção no núcleo é uma forma pri-morosa para aprender a fazer pesquisa muitodiferente daquela que aprendemos na uni-versidade. A pesquisa voltada para os servi-ços de saúde é aproveitada mais rapidamen-te, é feita em cima de problemas que preci-sam de resposta rápida. Cada passo para mimfoi uma nova descoberta; foi gratificante dis-cutir o problema, o objeto, a metodologia aser empregada, o campo, os resultados.

Um ponto ao meu ver precisa ser desta-cado: o curso de aprimoramento oferecidopela Fundap em parceria com instituiçõesdo Estado foi criado para oferecer profissio-nais qualificados para trabalharem no servi-ço público; no entanto, não é isso o que temacontecido, e somos aproveitados pelo setorprivado e organizações não-governamentais.Dentro desse quadro, sou um caso a parte,pois ao terminar o curso continuei trabalhan-do no Núcleo de Investigação em Serviços eSistemas de Saúde, que me recebeu, e tenhotrabalhado a convite de organizações não-go-vernamentais que têm seu trabalho voltadopara saúde para fazer pesquisa.

Hoje posso dizer que o curso me capaci-tou a trabalhar com as questões da saúde

Minha opção por fazer o aprimoramentoem saúde foi tomada no último ano do cur-so de Psicologia, após vários questionamentosquanto ao meu futuro profissional. Incomo-dava-me muito o fato de estar fazendo umcurso em que o principal objeto é o estudoda saúde mental e não haver discussões so-bre a inter-relação dela com os outros pro-blemas de saúde. Percebia que boa parte denós acabaríamos prestando os concursos pú-blicos para trabalhar em alguma UnidadeBásica de Saúde e isso era um pouco confu-so, pois via apenas como um lugar em que setoma vacina. É um problema da formação,reconheço, e por isso mesmo me interesseiem conhecer o Sistema de Saúde para com-preender uma frase que vi em um cartaz du-rante o estágio em um centro de saúde: “Saú-de – direito de todos, dever do Estado”.

Posso dizer que o curso de aprimoramen-to oferecido por esta instituição não só res-pondeu as minhas dúvidas, mas também mecapacitou a trabalhar com as diversas ques-tões que envolvem o sistema de saúde, e melevou a pensar além da saúde, ligada à estru-tura psíquica e emocional das pessoas.

Falando um pouco das aulas, foi uma ex-periência e tanto; afinal de contas, passavapor várias áreas do conhecimento e todas elastinham como objeto questões da saúde e, de

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muito além do que aprendi na graduação,permitindo entender que saúde não é ape-nas a ausência da doença, mas que existe umagama de fatores envolvidos. E a frase do car-

taz vim saber que era parte do artigo 196 daConstituição Federal e passei a exigir e de-fender aquilo que é de direito de cada um denós.

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NOVOS CAMINHOSSimone Ribeiro Spinetti

Assistente Social

Ninguém passa por esta vida sem mudar.Foi num destes processos de mudança que eudecidi, depois de quase 12 anos de carreiracomo secretária bilingüe, voltar a estudar.Nesse retorno ao estudo, fui fazer o que eusempre desejei em toda a minha vida, apesarda relutância de muitos amigos e o grandeincentivo da família: serviço social. Foramquatro anos (1993-96) muito ricos e tambémdifíceis, pois conciliar vida profissional e es-tudos nunca é um processo fácil.

Aprendi muito, cresci e, nesse meio tem-po, cheguei à conclusão de que tinha de to-mar uma difícil decisão: ou continuar minhacarreira como secretária, com um bom saláriogarantido no final do mês, além de toda aexperiência e segurança, ou desistir de tudo einvestir na carreira de assistente social, atu-ando na área de pesquisa e como professora,possivelmente sentindo uma grande realiza-ção pessoal. Foram meses de indecisão em queconversei com diversos profissionais, profes-sores, familiares e amigos, alguns à favor, ou-tros contra.

Num dado momento desse processo, eusabia que a decisão seria minha, e que quan-do tomamos uma posição, ganhamos algumacoisa e perdemos outra. Impossível ter tudo!Foi um difícil aprendizado. Optei pela mi-nha profissão de assistente social e resolvi in-

vestir em um curso de especialização.Na procura do curso adequado, encon-

trei em um anúncio de jornal informaçõessobre o Curso de Aprimoramento em Pes-quisa em Saúde Coletiva do Instituto de Saú-de – Secretaria do Estado da Saúde – SES/SP. Fiz a prova, passei e cursei. Foram doisanos (1997-99) de aprendizado extrema-mente rico para mim, era como se eu tives-se tomado contato com outro mundo.

Tentei, no primeiro momento, não criarexpectativas, mesmo porque eu sabia mui-to pouco sobre “saúde coletiva”, e minhaexperiência com pesquisa resumia-se ao meutrabalho de conclusão de curso, apresenta-do no último ano de faculdade. Fui inseridano Núcleo de Nutrição, onde se desenvol-vem pesquisas na área de nutrição, enfocandoprincipalmente populações carentes.

No primeiro ano, foi possível conhecera tão famosa “saúde coletiva”. À medida quea saúde coletiva foi tomando conta da mi-nha vida, eu começava a me sentir mais se-gura para procurar outras possibilidades naárea. As aulas foram ministradas por profis-sionais competentes e trouxeram uma ba-gagem muito importante para o meu futu-ro, principalmente graças ao enfoque preci-oso da epidemiologia e ao aprendizado desoftwares estatísticos imprescindíveis na área

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de saúde; foi possível tomar contato, atravésde palestras e encontros realizados no Insti-tuto de Saúde, com importantes profissio-nais da área, sendo que, em um desses en-contros, fui apresentada ao meu futuroorientador de mestrado; a participação no IVCongresso Brasileiro de Saúde Coletiva daAbrasco foi extremamente importante nadefinição da minha busca profissional.

No segundo ano, tivemos como normacurricular do curso de aprimoramento de-senvolver uma pesquisa. O tema trabalhadona pesquisa de aprimoramento é o mesmotema que trabalho no mestrado. Como setratava de meu último ano de aprimoramen-to, e eu já havia definido meus objetivos, re-solvi prestar prova de mestrado na Faculda-de de Saúde Pública da Universidade de SãoPaulo. Prestei e passei! Essa conquista eu de-dico aos conhecimentos apreendidos duranteo aprimoramento, à qualidade e à atualidadedas informações recebidas. Prestei concursopara assistente social na área de saúde, passei,o curso de aprimoramento foi extremamen-te valioso na contagem de pontos e títulos.

Atualmente, estou atuando na rede. Hou-ve também outras conquistas importantes,como a publicação de um artigo sobre os re-sultados da minha pesquisa no Boletim doInstituto de Saúde, que tem uma grande cir-

culação na área de saúde coletiva. Muitos de-vem estar-se perguntado se não houve pro-blemas nesses dois anos de aprimoramento.Posso dizer que sim, e o principal deles foitrocar um salário razoável por uma bolsa deestudo pequena; outros são de ordem práti-ca, do tipo: como conciliar profissionais re-cém-formados de diversas áreas e com os maisvariados pontos de vista numa relação har-mônica. Mas dentre todos esses problemas,posso garantir que foi uma das fases maisimportantes da minha vida profissional, epara alguém que não tinha nem expectati-vas, confesso que o que foi realizado superouaté mesmo as minhas mais remotas fantasiassobre o curso.

Gostaria de dizer que quando definimosobjetivos em nossas vidas as barreiras são ine-vitáveis, mas também preciosas; é preciso maisdo que tudo saber o que se quer, e querer defato; ser tolerante e não ter medo de realizar!Agradeço à Fundap, à Comissão de Aprimo-ramento, principalmente à Maria MercedesLoureiro Escuder e à Cláudia Maria Bógus,aos funcionários do Instituto de Saúde queforam sempre muito receptivos, aos pesquisa-dores dos diversos núcleos que tiveram gran-de influência em minha vida profissional e,principalmente, às pesquisadoras do Núcleode Nutrição. Muito obrigada!

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FORMAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA: A EXPERIÊNCIA DEAPRIMORAMENTO EM SAÚDE COLETIVA NO INSTITUTO DE SAÚDE

Leny SatoPsicóloga, mestre e doutora em Psicologia Social, professora do

Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, do Instituto de Psicologia da USP

“São Paulo, 17 de janeiro de 1984.” Erao local e, se não me engano, a data, e o temada prova escrita do exame de seleção para apri-moramento no Instituto de Saúde. Lembro-me de que uma pessoa ao meu lado, tomadade surpresa com a questão da prova, excla-mou algo como: “puxa vida!!!”. Depois, vima conhecê-la. Era Carmem, nutricionista quefora aprovada, como eu e mais sete profissio-nais formados em psicologia, sociologia, co-municação, nutrição e matemática: Marina,Zaira Arruda Botelho, Pilar Traviero, MárciaTurrini, Cláudio Monteiro, José Thomas S.Monteiro e Marcos Ianoni. Após o exameescrito, a entrevista. Se bem me recordo, abanca era composta por Ausonia F. Donato,Luiza S. Heimann, Paulo Teixeira, CarlosBaldijão, Olavo Viana e Maria HelenaAugusto.

Não conhecia o Instituto de Saúde. Sou-be de sua existência, e de que haveria esseprocesso seletivo, por Lucy Guibu, irmã deminha amiga Lilian Guibu.

O curso de aprimoramento fez-nos estu-dar, no primeiro ano, assuntos com os quaisnunca tivera contato (como Epidemiologiae Políticas Públicas) e aprofundar o conheci-mento dos clássicos das Ciências Sociais, alémde rever, para terror dos psicólogos, uma

matéria como Estatística. Em meio a tudo isso,havia uma série de palestras, eventos e cursosde curta duração. Tivemos contato com asdiversas áreas do Instituto. Tanta coisa, tantagente fazendo coisas que nunca sonhara se-rem feitas. Nutrição, Doenças Crônicas, Mu-lher e Criança, Oftalmologia e DermatologiaSanitária, Enfermagem e Educação em Saú-de Pública. Em todos esses campos, o pro-fissional de psicologia era figura rara. E nãopor acaso, mas em razão de uma formaçãovoltada para a clínica e que apresenta limitesclaros para a atuação em saúde coletiva. Se aprimeira tende a focalizar a pessoa isolada-mente, a segunda nos faz vê-la sempre nocontexto e em relação. Estavam sendo cria-das duas novas áreas: Saúde e Trabalho eSaúde Ambiental. Optei por concentrar-mena área de Saúde e Trabalho, coordenada porFrancisco Antônio de Castro Lacaz. CláudioMonteiro André levava-nos a Diadema, San-to André, São Caetano, São Bernardo, Mauáe a Baixada Santista, a procurar ruelas escon-didas e entrevistar trabalhadores para as nos-sas pesquisas.

Além de conhecer a organização dos ser-viços de saúde pública, o perfil de morbidadeda população, identificar prioridades de atu-ação e aprender métodos distintos de

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pesquisar, minha formação tornou-se rica pelofato de conhecer jeitos distintos de pensar omundo, pois havia profissionais com outrasformações, e também pela possibilidade deentrar em contato com o pensamento sanita-rista, exemplo da preocupação com as ínti-mas relações entre ciência, técnica e política.Talvez o momento que vivíamos fortalecesseessa preocupação. Era o momento das “Di-retas Já” e muitos de nós, aprimorandos, comos preceptores, alguns professores como Joséda Rocha Carvalheiro, vestimos roupas ama-

relas e fomos ao Vale do Anhangabaú.Grandes amigos tenho desde esta época. E

não hesito em dizer que o Instituto de Saúdeestá no meu coração, que foi um privilégio for-mar-se nele, e ter adquirido a possibilidade deconstrução autônoma de caminhos e de visãode mundo, e a oportunidade de pensar o Tra-balho na Vida e na Saúde das pessoas.

Hoje, fico contente em ver ex-alunas tra-balhando no Instituto.

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UM PEQUISADOR: AS TRAJETÓRIAS DE UM EFEITO OU VIDE ANVERSOUmberto Catarino Pessoto

Sociólogo e Pesquisador Cientifico I doNúcleo de Investigação em Serviços e Sistemas de Saúde

estágio profissional.Não conheço os outros do gênero, mas

posso afirmar que o aprimoramento do Ins-tituto de Saúde é uma poderosa ferramentapara futuras inserções em qualquer outrocampo de atividade no mercado. Isto, creioeu, é porque uma de suas grandes qualida-des é a forma como está estruturado: desde a“grade curricular” até a inserção dosaprimorandos nos núcleos de pesquisa. E aessa forma se conforma um conteúdo pecu-liar. O conteúdo de que falo aqui é a práxispedagógica.

Nos idos de 1988, quando ingressei nes-se egrégio curso, a interação entre os várioscampos disciplinares, dos quais éramos oriun-dos, já apresentava um traço distintivo. Aque-le conteúdo, objetivado na coordenação se-gura e no incentivo sistemático da professo-ra Ausônia, realizava, mesmo sem que sou-béssemos, o que de uns tempos para cá caiuno gosto dos expertos em RH: o trabalhocoletivo informado pela interação respeitosae profícua das disciplinas. Esse ‘jeitão’ de tra-balhar hoje assumiu várias roupagens, e.g.inter ou transdisciplinaridade, conforme apreferência do freguês.

Essa práxis pedagógica, associada aoecletismo da grade curricular, permite aoaprimorando um aprendizado especializado

O comentário sobre a importância, paratrajetória profissional, do aprimoramento emsaúde coletiva do Instituto de Saúde feito porum pesquisador científico e ex-aprimorandodo Instituto de Saúde é quase um truísmo.Só não o é por absoluto em razão da velhamáxima do poeta português: viver não é pre-ciso.

Quando fiz o concurso para o que cha-mávamos, à época, estágio profissional (hoje,chamar um “aprimorando”, esse gerúndio,de estagiário é quase como profanar o sagra-do), exigia-se que estivéssemos formados anão mais que dois anos. Atualmente ampliou-se esse tempo para quatro. Há de fato umagrande diferença nesses prazos e são dois osseus determinantes. Um é que, em quatroanos, já podemos saber se fizemos a escolhacerta na adolescência e, o outro, é que nessestempos de aceleração máxima do tempo, queengendra caduquices precoces, tanto de téc-nicas quanto de nichos profissionais, não sepode dar-se ao “luxo” de “ficar olhando abanda passar” para citar, agora, um poetagenuinamente nacional.

Situado, e bem, nessa barafunda, da es-colha acadêmica acertada e participar da ban-da, o aprimoramento é uma etapa decisivana perspectiva profissional de qualquer umdos formados nas carreiras contempladas pelo

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que, a rigor, tem como marca fundamental aversatilidade. O que, diga-se de passagem,não se encontra freqüentemente em cursosou estágios dessa natureza.

Todo o intróito foi para referir-me ao fatode que, após a passagem por essa experiên-cia, o desempenho, em outras inserções pro-fissionais, que não esta ou outra instituiçãode pesquisa, pode ser mais seguro, estável econsistente. O trabalho coletivo e a(re)elaboração dos saberes, efetivados pelapráxis singular que aqui se desenvolve, capa-cita o aluno a um tipo de inter-relação pro-fissional que hoje, mais que nunca, está sen-do exigido em todo e qualquer empreendi-mento, seja no setor público ou privado.

Digo isso porque, como não poderia dei-xar de ser neste caso, reporto-me a minha pró-pria experiência. Meu desempenho nos doisempregos anteriores a este, não tenho dúvi-das disso, foi determinado, em muito, por esseaprendizado. Tanto na Secretária do Planeja-mento em Santo André/SP, quanto no Distri-to de Saúde do M’Boi Mirim, em São Paulo,as capacidades adquiridas no aprimoramentoforam essenciais no desempenho de minhasfunções. Em Santo André, a flexibilidade e osaber-fazer coletivo fizeram a diferença; noDistrito de Saúde, o conteúdo curricular. Éóbvio que sendo específico assim, via de re-

gra, incorremos em reduções, mas essa é acaracterística inextricável dos exemplos quan-do aludem a fatos complexos da vida.

Certa vez, em um desses remotos progra-mas de entrevistas, o educador Paulo Freireafirmou que se um dia todos acordassemperguntando “Por quê?” o mundo mudava.Em tempos sombrios como esses, em que adivergência de pensamento é condenada aoostracismo, talvez seja pedir demais aos sim-ples que divirjam ou mesmo que indaguemo porquê das coisas, mas ao pesquisador não.Este, por ser distinto – e não há ilusão nisso– tem o dever de romper com as grades men-tais que submetem o pensamento criador àmesmice. É da sua essência o pensamento‘indagante’, a curiosidade, a dúvida, a voli-ção exploratória, a reflexão sobre o própriotrabalho. E essas qualidades, se presentes noaprimorando, o curso ajuda a desenvolver.

O Instituto de Saúde ocupa um posiçãosingular no quadro da produção científicasobre saúde no Estado de São Paulo. A pes-quisa sobre o SUS em geral, ou sobre os seusserviços, programas e temáticas específicas,possibilita ao aprimorando uma visãoabrangente sobre os efeitos da vida econô-mica, política e cultural na saúde da popu-lação. Essa peculiaridade permite uma refle-xão sistêmica e sistemática da evolução/

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involução de suas condições de vida e saúde.A reflexão sistêmica, associada a revisões bi-bliográficas periódicas, configura o que po-demos chamar de pensamento social em saú-de, ou seja, a capacidade que o sistema desaúde e seus agentes têm de refletirem sobresua prática e sobre si mesmos. E isso não épouco.

Uma outra característica importante doaprimoramento no Instituto de Saúde é a pos-sibilidade que este oferece ao aluno de estarem contato com os serviços. Isso ocorre emrazão do próprio objeto e da prática da pes-quisa. De entidade metafísica os serviços setransmudam em realidade objetiva, concre-ta.

Tudo que escrevi acima, a meu ver, atestaa relevância do aprimoramento do Institutode Saúde em parceria com a Fundap. E mais,implica profunda influência na vida profis-sional dos que aqui passaram, passam oupassarão.

Não falei das mazelas, mas essas deixe-mos que os descontentes e os desafetos pro-paguem.

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