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DIREITO PENAL PARTE ESPECIAL Marcelo Uzeda PARTE ESPECIAL TÍTULO I 1

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DIREITO PENALPARTE ESPECIAL

Marcelo Uzeda

PARTE ESPECIAL

TÍTULO I

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DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

CAPÍTULO IDOS CRIMES CONTRA A VIDA

HOMICÍDIO

Homicídio simples

Art 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo futil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aumento de pena

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Conceito: Homicídio consiste na destruição da vida humana por

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outrem.• O bem jurídico tutelado é a vida humana independente. Do início do fenômeno parto até o instante de sua extinção.• A vida humana é bem jurídico indisponível assegurado pela Constituição da República (art. 5º caput). Tal garantia não admite restrição ou distinção de qualquer espécie. É irrelevante, portanto, o consentimento da vítima. • Para o Direito Penal, o conteúdo do bem jurídico vida humana deve ser definido a partir de critérios normativos (matizados pelas concepções sociais) combinados com critérios científico-naturalísticos (biológicos e fisiológicos). Obs.: matar alguém em legítima defesa.

2. SUJEITO ATIVO - qualquer pessoa - delito comum - não exige qualificação especial.3. SUJEITO PASSIVO - ser humano com vida, não importando seu grau de vitalidade ou a existência ou não de capacidade de sobrevivência.

• O sujeito passivo também é o objeto material do delito, pois sobre ele recai diretamente a conduta do agente.• Limite mínimo - começo do nascimento com o início das contrações expulsivas (parto normal) ou com a incisão abdominal (parto cesariana).• Limite máximo - morte da pessoa titular do bem jurídico vida humana.• Morte - conceito legal de conteúdo médico-valorativo, que se caracteriza pela lesão irreversível e irrecuperável de alguma função vital do corpo humano - cessação irreversível das funções cerebrais.• Critério da morte encefálica - acolhido expressamente pela legislação pátria (art. 3º, lei 9434/97) - respeita as garantias de proteção da pessoa humana pois pressupõe a perda da consciência e de outras funções superiores, sem as quais o indivíduo não pode realizar sua condição de pessoa.• A presença de condições orgânicas precárias que impeçam a continuidade da vida não afasta a configuração do delito. Por essa razão, não há autorização no ordenamento para a eutanásia.• Cessada a vida, não é mais possível a ocorrência de homicídio. Trata-se de crime impossível pela impropriedade absoluta do objeto.

4. TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVAa) HOMICÍDIO SIMPLESa.1) Tipo Objetivo

• Núcleo do tipo - verbo “matar”. A conduta incriminada é matar alguém que não o próprio agente.• É delito de forma livre, que pode ser realizado por quaisquer meios: diretos - pelos quais o agente pessoalmente atinge a vítima (disparos); indiretos - conduzem à morte de modo mediato (ataque de animal

bravo); materiais - mecânicos, químicos, patológicos; morais - susto, emoção violenta, medo ou outros meios psíquicos ou

morais.a.2) Tipo subjetivo • É o dolo (direto ou eventual), caracterizado pela consciência e vontade de realização dos elementos objetivos do tipo de injusto doloso (tipo objetivo).

• Vontade livre e consciente de realizar a conduta dirigida a produzir a morte de outrem - animus necandi.• A vontade de realização se dá com base no conhecimento dos elementos do tipo concorrentes no momento da prática da ação e da previsão da realização dos demais elementos do tipo, inclusive a relação de causalidade entre ação e resultado.• O conhecimento do dolo compreende a realização:

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dos elementos descritivos e normativos; do nexo causal e do evento morte; da lesão ao bem jurídico; dos elementos de autoria e de participação; dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes, atenuantes e

qualificadoras que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (art. 121, § 2º, III e IV, CP).

dos elementos acidentais do tipo objetivo.a.3) O Homicídio por omissão é admissível. Para ocorrer o delito omissivo impróprio ou comissivo por omissão exige-se:

• presença de uma situação típica - produção iminente de uma lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido;• não-realização da ação dirigida a evitar o resultado;• capacidade concreta de ação;• posição de garantidor do bem jurídico;• identidade entre ação e omissão;

ex.: mãe que não ministra alimento necessário e deixa morrer o recém-nascido por inanição. ex.: salva-vidas que vê o banhista afogar-se e fica inerte.• Na omissão por culpa, a inação do agente se dá em razão da inobservância do cuidado devido. Ex.: erro vencível sobre a assunção da posição de garantidor ou sobre a situação típica (culpa imprópria - art. 20,§1º, in fine, CP).a.4) Consumação

• Diz-se consumado o delito quando tipo de injusto objetivo encontra-se plenamente realizado. Homicídio é crime material (de resultado naturalístico: o autor realiza a conduta descrita no tipo de injusto, provocando o resultado (morte) exigido.• Trata-se de delito instantâneo de efeitos permanentes.• É necessária a realização do exame de corpo de delito direto ou indireto, pois é crime que deixa vestígios (de fato permanente) - art. 158, CPP.• Admite-se a Tentativa se, iniciada a execução do delito, o resultado morte não sobrevém por circunstâncias alheias á vontade do agente.• Os Atos preparatórios - condições prévias para a realização do delito (aquisição da arma, busca do local adequado etc) - não são puníveis, salvo se constituírem delitos autônomos.• Se decorre do fato somente lesões corporais, não alcançando a obtenção do evento morte desejado, configura-se o homicídio tentado.

b) HOMICÍDIO "PRIVILEGIADO" (121, §1º, CP) - causa especial de diminuição de pena.b.1) IMPELIDO POR MOTIVO DE RELEVANTE VALOR SOCIAL – é aquele motivo relevante e de acordo com os interesses coletivos. Exemplo clássico da doutrina: indignação com um traidor da pátria - matar um político corrupto.b.2) IMPELIDO POR MOTIVO DE RELEVANTE VALOR MORAL – leva em conta os interesses do agente, que estão em conformidade com princípios éticos dominantes em determinada sociedade. Ex.: O pai que mata o estuprador de sua filha.• Podem ser até motivos nobres e altruístas (compaixão). Ex.: Eutanásia

(boa morte) consiste em comportamentos que dão lugar à produção, antecipação ou não adiamento da morte de uma pessoa que sofre de lesão ou enfermidade incurável, geralmente mortal, que lhe causa graves sofrimentos e/ou afeta consideravelmente sua qualidade de vida. Pode ser

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ativa ou passiva. A eutanásia não foi acolhida expressamente no CP, mas pode ser considerada relevante valor moral.

• Os motivos de relevante valor moral ou social são incomunicáveis, por se tratar de circunstâncias de caráter pessoal, que denotam menor magnitude da culpabilidade do agente.

b.3) SOB DOMÍNIO DE VIOLENTA EMOÇÃO, LOGO APÓS INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA:• Emoção é o sentimento intenso e passageiro que altera o estado

psicológico do indivíduo, provocando ressonância fisiológica (angústia, medo, tristeza). Para Hungria, “é um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória perturbação da efetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares das funções da vida orgânica”.

• Paixão é a emoção-sentimento caracterizada por uma idéia permanente ou crônica por algo (ciúme, ódio, amor)• Os estados emocionais acima não elidem a punibilidade, salvo quando patológicas (art.26, caput, CP), mas podem atuar como atenuantes ou causas de diminuição de pena, como é o caso do §1º do artigo 121, CP.• Requisitos:

DOMÍNIO DE EMOÇÃO VIOLENTA – trata-se de severo desequilíbrio psíquico capaz de eliminar a capacidade de reflexão e autocontrole. O sujeito deve estar completamente dominado pela situação, que o leva a praticar o ato extremo. Se for mera influência, pode-se aplicar a atenuante prevista no artigo 65, III, c, CP. INJUSTA (ilegítima, sem motivo razoável) PROVOCAÇÃO (atitude desafiadora, ofensas diretas ou indiretas, insinuações ou atitudes de desprezo). Provocação não se confunde com agressão, em que caberia a legítima defesa. Deve-se analisar a injustiça da provocação de forma objetiva, sem perder de vista a personalidade do provocado e as circunstâncias do fato. IMEDIATA (logo em seguida) - sine intervallo – caracteriza um relação de imediatidade entre a reação emocional e a provocação da vítima. Isso não quer dizer que não pode haver qualquer lapso temporal. Ex.: em poucos minutos, o provocado vai até sua casa e busca uma arma para matar o provocador. Deve-se adotar um critério de razoabilidade, pois, na expressão “logo em seguida”, a lei busca evitar que o sujeito passe um tempo alimentando e premeditando sua vingança, o que caracterizaria ponderação incompatível com a eclosão da reação súbita. Um maior lapso temporal poderia fazer incidir a atenuante genérica prevista no art. 65, III, "a", CP.Obs.: Controvérsia: A REDUÇÃO é OBRIGATÓRIA OU FACULTATIVA?1º corrente: A Redução é facultativa: "o juiz pode reduzir". Parte da doutrina sustenta que a redução é facultativa, pois a exposição de motivos da parte especial se alinha neste sentido.2º corrente: A Redução é obrigatória: o juiz deve reduzir, sob os seguintes fundamentos:

• A soberania dos veredictos do tribunal do júri (art. 5º, XXXVIII, CR);• A Súmula 162, STF dispõe que é “absoluta a nulidade do julgamento pelo júri quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes";• O privilégio é quesito da defesa e, uma vez reconhecido pelo Conselho de sentença, a redução da pena se impõe, ficando seu quantum a critério

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do juiz presidente, que pode aplicá-lo discricionariamente dentro dos limites de 1/6 a 1/3.

c) HOMICÍDIO QUALIFICADO (§2º)1. Pelos Motivos determinantes:I. Mediante paga, promessa de recompensa ou qualquer outro motivo torpe:

• Paga é o valor recebido antecipadamente para levar-se a efeito a prática do homicídio. • Na Promessa de recompensa, o agente não recebe antes, mas há uma expectativa de paga, cuja efetivação depende da realização do delito. Todavia, para a incidência da qualificadora, basta o ânimo de lucro (motivo determinante), sendo dispensável a obtenção efetiva do pagamento.• Segundo entendimento majoritário, a qualificadora implica retribuição de conteúdo econômico, o que, na maior parte dos casos vai ocorrer. Justifica-se a maior reprovação do homicídio mercenário em face da ausência de motivos pessoais para o delito, cujo pagamento caracterizaria a torpeza do motivo. A venalidade do agente aumenta a medida de sua culpabilidade. • Em sentido contrário, há quem entenda que se trata de qualquer espécie de vantagem, não apenas de caráter patrimonial. Ex.: favores sexuais, promessa de um cargo público.• Segundo entendimento da doutrina, a qualificadora é aplicável somente ao executor. A razão é o móvel de lucro especialmente reprovável. Nada impede que o mandante seja motivado por relevante valor social ou moral, o que faria incidir a causa de redução do §1º. Como se trata de circunstâncias de caráter pessoal, há a incomunicabilidade.• Motivo Torpe é aquele abjeto, indigno e desprezível, repugnante, que provoca acentuada repulsa, sobretudo pela insensibilidade moral do autor. Há um violento contraste da torpeza com o sentimento ético comunitário. Ex.: cobiça, depravação dos instintos, egoísmo exacerbado. Ex.: Matar para receber herança ou para livrar-se de um credor.• O legislador utilizou-se da técnica da interpretação analógica, pois partiu de uma fórmula casuística (paga ou promessa) e ampliou para uma hipótese genérica (outro motivo torpe).

II. Motivo Fútil é aquele insignificante, flagrantemente desproporcional ou inadequado se cotejado com a ação ou omissão do agente.

• Não se confunde com inexistência de motivo ou com motivo injusto (moralmente reprovável).

• Obs.: Embriaguez e motivo fútil. Segundo Nucci: “A embriaguez é, em regra, incompatível com a futilidade. O sujeito embriagado não tem exata noção do que faz, de forma que suas razões para o cometimento de uma infração penal não devem ser classificadas como fúteis.” Código Penal Comentado. 7ª Ed. 2007. p.382.

• STJ. REsp 816464/SP. DJ 18/09/2006. CRIMINAL. RESP. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL. TESE DE INCOMPATIBILIDADE DO ESTADO DE EMBRIAGUEZ COM A AGRAVANTE. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA À LEI FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. I. Hipótese em que o motivo fútil foi reconhecido pelo fato do autor ter desferido disparos contra a vítima por esta não tê-lo acompanhado em seu intento de se embriagar. II. Razões recursais lançadas no sentido da incompatibilidade do estado de embriaguez com a agravante do motivo fútil, na inteligência de que a embriaguez, por não permitir juízo de proporção entre o motivo e sua ação, exclui a futilidade do motivo do crime. III. Inadequação das

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razões recursais com a realidade fática dos autos. IV. Ausência de ofensa à legislação federal. V. Recurso desprovido.2. Pelos meios e modos de execução

2.1. inciso III - meios • Qualificadora de natureza mista , que influi diretamente na medida do injusto (maior desvalor da ação - modo e forma de realização e probabilidade do resultado - e da culpabilidade (disposição de ânimo insidiosa ou cruel).• Insidioso - dissimulado em sua eficiência maléfica.• cruel - aumenta inutilmente o sofrimento da vítima ou revela brutalidade fora do comum.• perigo comum - capaz de afetar um número indeterminado de pessoas.• veneno – meio insidioso - qualquer substância inoculada, ingerida ou introduzida no organismo, provoque lesão ou perigo de lesão à saúde ou à vida. • Segundo entendimento amplamente majoritário, a utilização de veneno só qualifica o homicídio se for feita DISSIMULADAMENTE. Trata-se de meio insidioso, sendo indispensável que a vítima desconheça a circunstância de estar sendo envenenada. O êxito letal do meio empregado está vinculado à dissimulação no seu uso. A administração forçada do veneno ou feita com o conhecimento da vítima não qualifica o delito de homicídio. Se houver violência, pode caracterizar meio cruel lato sensu.• O conceito de veneno é objetivo (não se deve levar em conta as características pessoais da vítima - ex. Açúcar x diabético). • Todavia, a utilização da substância que não seja necessariamente veneno, mas que seja prejudicial à vítima, pode qualificar se for feita com insídia. Ex.: açúcar colocado de forma sub-reptícia no alimento da vítima (meio insidioso – interpretação analógica).• asfixia - meio cruel - obstáculo à função respiratória - pode ser mecânica ou tóxica.• tortura - meio cruel - inflição de mal desnecessário com o propósito de provocar dor, angústia e grave sofrimento físico á vítima(não confundir com o delito autônomo - art. 1º, lei 9455/97).

2.2 inciso IV - modos de execução que dificultam ou impossibilitam a defesa da vítima - atuam diretamente na magnitude do injusto - visa garantir a execução do delito

• traição - pressupõe perfídia (mentir a fé jurada) e deslealdade (ataca de forma súbita e sorrateira, com ocultação da intenção hostil).• emboscada - ocultação do agente clandestinamente por determinado lapso temporal, aguardando a vítima para surpreendê-la e atingi-la.• dissimulação - encobrimento dos próprios desígnios; ocultação da intenção delitiva, para tornar mais custosa a defesa da vítima.

obs.: circunstância agravante genérica (art. 61, II, c, CP).

3. Inciso V - conexão teleológica ou conseqüencial • O homicídio é praticado para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime.• Pressupõe a existência de dois crimes entre os quais há conexão teleológica (meio/fim) - assegurar a execução - ou conseqüencial (causa/efeito) - a ocultação, a impunidade ou a vantagem. • É maior a medida da culpabilidade.

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• Havendo consumação ou tentativa do crime fim - concurso material (art. 69, CP) - somatório das penas.

Obs1.: INCIDÊNCIA DE DUAS OU MAIS QUALIFICADORAS (ex.: emboscada + explosivo)

• uma incidirá no cálculo da pena-base (margem penal mais gravosa).• a outra será considerada agravante comum, se cabível (na segunda etapa da fixação da pena definitiva).

Obs2.: Controvérsia: É compatível a coexistência de HOMICÍDIO PRIVILEGIADO com HOMICÍDIO QUALIFICADO?1º corrente - Não, em razão da posição topográfica - qualificado depois do privilegiado - aplica-se o privilégio somente ao homicídio simples - causas de diminuição incompatíveis com as qualificadoras.2º corrente (majoritária) - Sim, por questões de política criminal, é possível delito com privilégio e qualificadoras quando estas forem de ordem objetiva ou mista.

• Admite-se concurso de um privilégio e de uma qualificadora que afete apenas a magnitude do injusto (maior desvalor da ação - art. 121, § 2º, IV, CP) ou que influa simultaneamente na medida do injusto e da culpabilidade (art. 121, § 2º, III, CP).• Não se admite a coexistência de um privilégio e uma qualificadora subjetiva, ou seja, que atue exclusivamente sobre a magnitude da culpabilidade (ex. motivo de relevante valor moral e motivo fútil/torpe).

d) HOMICÍDIO CULPOSO (§ 3º)• Tipo de injusto culposo - pune-se o comportamento mal dirigido a um fim penalmente irrelevante (ou lícito).• Infração de dever objetivo de cuidado exigível na vida de relação.• Como decorrência da inobservância do cuidado devido produz-se um resultado material externo (morte) não querido pelo autor .

Obs.: homicídio culposo decorrente de direção de veículo automotor - art. 302, CTB (lei 9503/97) - " praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor" - detenção de 2 a 4 anos. Críticas:

• precária redação - viola o princípio da legalidade (taxatividade/determinação).• exasperação desproporcional da pena - excessivo realce do desvalor do resultado.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA (§ 4º) - aumenta-se em 1/3• causas especiais de aumento - operantes sobre a magnitude do injusto.

a) Para homicídio culposo:1. inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício

• não se confunde com imperícia (falta de capacidade, de conhecimentos técnicos, de habilidade, destreza ou competência para o exercício de qualquer atividade profissional); • O agente, embora portador de conhecimentos técnicos necessários para o exercício de sua profissão, arte, ou ofício, deliberadamente desatende as regras técnicas.• Aumenta-se a pena em função da inconsideração com que age, desprezando as regras de seu ofício e, por esse desinteresse, provoca o fato punível.

STJ - Informativo Nº: 0313 HOMICÍDIO CULPOSO. ERRO MÉDICO. MAJORANTE. A questão consiste em saber se há bis in idem no caso de

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homicídio culposo cometido por imperícia médica e a causa de majoração da pena prevista no art. 121, § 4º, do CP, relativa à inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Consta da ação que os denunciados, médicos anestesistas, agiram em conjunto, embora a errônea escolha técnica da cirurgia atribuída ao primeiro acusado – biópsia por meio de punção controlada por tomografia com o paciente em decúbito dorsal, aliada à administração de drogas anestésicas, relaxantes e depressoras – agravou o quadro de deficiência respiratória da vítima (devido à extensa massa tumoral comprimindo a traquéia, a veia cava superior e croça da aorta, comprovada em exames anteriores). Essa técnica adotada levou a uma parada cardíaca, ao coma e, posteriormente, à morte. Isso posto, para o Min. Relator não houve inépcia da exordial, uma vez que, com a imputação concreta da falta de cuidado associada, especificamente, à inobservância daquilo que deveria profissionalmente ter sido adotado mostra que a atribuição da inobservância técnica profissional (art. 121, § 4º, do CP) não pode ser descartada de plano. Outrossim, a qualificação (v.g.: negligência, impudência e imperícia), que, conforme o caso, pode ser discutida ou ser polêmica, não é a essência do crime culposo, a essência dele é a falta de cuidado objetivo. Diante do exposto, a Turma denegou a ordem, cassando a liminar anteriormente concedida. Precedentes citados do STF: HC 86.969-RS, DJ 24/2/2006; do STJ: REsp 191.911-SP, DJ 3/6/2002, e RHC 17.530-RS, DJ 26/9/2005. HC 63.929-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 13/3/2007.

2. Omissão de socorro

• Exige-se a conduta culposa antecedente e a inexistência de morte instantânea (torna viável o socorro prestado pelo agente).

• O art. 135, CP configura delito autônomo. Não confundir com a causa de aumento de pena, pois nesta figura típica, o sujeito não deu causa.

3. Não busca diminuir as conseqüências do delito, atenuando os desdobramentos da conduta culposa (redundância com a omissão de socorro).4. A fuga para evitar a prisão em flagrante - magnitude do injusto + razões de política criminal ( favorecimento da eficiência da administração da justiça).

b) Para o crime doloso (parte final)• vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos.• obs.: agravante genérica - art. 61, II, h, CP.

5. PERDÃO JUDICIAL (§5º) - aplica-se ao homicídio culposo (§3º).• art. 107, IX e 120, CP - extinção da punibilidade não gera reincidência (Súm. 18, STJ).• Se as conseqüências do homicídio culposo atingirem o agente de forma tão grave que a pena se torne desnecessária.• obs.: art. 300, CTB - vetado - previa perdão judicial para homicídio e lesão corporal culposos de trânsito. • A jurisprudência tem-se posicionado no sentido da não aplicação subsidiária do §5º do artigo 121, CP, pois o art. 291, do CTB restringiu essa aplicação à parte geral do CP. Além disso, é vedada a aplicação de analogia no caso de normas penais não incriminadoras excepcionais. • A doutrina, em sentido diverso, sustenta que se aplica, pois o veto do artigo 300, do CTB foi motivado pela existência da norma do art. 151, §5º, CP.

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6. PENA E AÇÃO PENAL• SIMPLES - RECLUSÃO DE 6 A 20 ANOS;• PRIVILEGIADO - CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA = 1/6 A 1/3;• QUALIFICADO - RECLUSÃO DE 12 A 30 ANOS;• CULPOSO - DETENÇÃO DE 1 A 3 ANOS;• CAUSA DE AUMENTO DE PENA = 1/3 - § 4º;• PERDÃO JUDICIAL - § 5º - CULPOSO;• AÇÃO PENAL - PÚBLICA INCONDICIONADA (EM TODAS AS HIPÓTESES);• COMPETÊNCIA - DOLOSO - TRIBUNAL DO JÚRI (ART. 5º, XXXVIII, CR);• CULPOSO - ADMITE A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89, LEI 9099/95).

INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIOArt. 122: Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.Parágrafo único. A pena é duplicada: I – se o crime é praticado por motivo egoístico;II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Modernamente, o suicídio é entendido como “a deliberada destruição da própria vida”. Embora atípico, o suicídio é fato ilícito, de modo que não constitui constrangimento ilegal a coação exercida para impedi-lo (art. 146, § 3º, II, CP).

2. BEM JURÍDICO PROTEGIDO E SUJEITOS DO DELITOBem Jurídico:

• Tutela-se a vida humana. A proteção da vida humana é bem jurídico de incontestável magnitude.• O agente não suprime a vida de outrem, mas promove sua destruição pelo próprio titular da mesma.

Sujeito ativo • é qualquer pessoa (delito comum). • O sujeito ativo não é partícipe do suicídio alheio, mas autor de delito autônomo, perfeitamente configurado com a prática de qualquer uma das condutas descritas no tipo penal.

Sujeito passivo • Não há qualquer restrição do sujeito passivo quanto ao da figura delitiva em apreço. Deve ser pessoa determinada, não perfazendo o delito o induzimento genérico. • É necessária a capacidade de discernimento por parte do sujeito passivo, este deve compreender a natureza do ato praticado. Caracterizado estará o delito de homicídio (art. 121, CP) caso a vítima não realiza, de forma voluntária e consciente, a supressão da própria vida. • Se presente coação física ou moral, debilidade mental do suicida ou erro provocado por terceiro, punível será o agente como autor mediato do crime de homicídio.

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3. TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA• Induzir significa inspirar, incutir, sugerir, persuadir. Fazer brotar no espírito de outrem a idéia suicida. Enseja a germinação, na vítima, do propósito de supressão da própria vida. Desequilibra definitivamente a situação e origina a resolução e o ato executivo do suicídio. • Instigar é estimular, incitar, acoroçoar (animar) alguém ao suicídio. A idéia suicida preexiste, mas o instigador impulsiona de modo decisivo sua concretização. A decisão final – o suicídio – é motivada pela conduta daquele que, de forma consciente e voluntária, reforça o propósito suicida.• Prestar auxílio para suicídio alheio. O agente colabora fornecendo os meios necessários para que a vítima alcance o propósito de matar-se. É indispensável a eficiência causal do auxílio.• Ex.: O empréstimo da arma, de veneno ou de qualquer outro instrumento hábil à efetivação da intenção suicida. Conselhos ou instruções. • O auxílio prestado pelo agente deve circunscrever-se à esfera dos atos preparatórios, ajuda deve ser meramente acessória, secundária. Os atos que configuram execução devem necessariamente ser praticados pela própria vítima. A intervenção do sujeito ativo se resume na instigação, no induzimento ou auxílio ao suicídio alheio, mas não pode ingressar na seara da execução do suicídio. Caso o agente realize atos de execução sua conduta configurará o delito de homicídio.• É perfeitamente admissível a coexistência do auxílio com o induzimento ou a instigação a suicídio. A pluralidade de condutas não implica duplicidade de delitos.• O tipo é misto alternativo – induzir, instigar ou auxiliar alguém a suicidar-se. A prática de mais de uma dessas condutas não conduz à pluralidade delitiva. Deve o juiz, quando da fixação da pena-base, examinar a pluralidade de ações como circunstância judicial indicativa de maior culpabilidade (art. 59, CP).• CONTROVÉRSIA: Admissibilidade do auxílio por omissão. • 1ª Corrente: Sim. Parte da doutrina afirma que se o agente está na posição de garante e se omite, contribui também para o advento do suicídio, já que não impediu o suicídio alheio, embora possuísse capacidade concreta de ação. Há identidade de injusto entre a ação e a omissão. • Embora o induzimento e o auxílio impliquem atividade comissiva do agente, “a instigação poderá ser vislumbrada através de uma conduta negativa, por parte do sujeito ativo. • O auxílio a suicídio por omissão é, em tese, admitido, se o omitente ocupa posição de garante. Todavia, a posição de garante não existe ou desaparece a partir do momento em que o suicida recusa a ajuda para impedir o ato suicida ou manifesta sua vontade nesse sentido. • Se irrelevante a vontade do suicida por não ter discernimento ou maturidade suficientes para compreender e assumir plenamente as conseqüências do ato suicida, o comportamento omissivo do garante configuraria, em princípio, o delito de homicídio comissivo por omissão.• Ex.: O filho comunica ao pai, que sobre ele dispõe de grande influência, estar propenso a dar cabo de sua vida. O pai não exercita sua persuasiva para dissuadir o companheiro da idéia macabra, como lhe impunha fazer. Mantendo-se calado e passivo. Sua conduta omissiva poderia, em tese, incriminá-lo.• 2ª Corrente: Não. Em sentido contrário, há quem sustente que não há que se cogitar em auxílio por omissão – mesmo se presente o dever de agir. Não se pode ver assistência material na simples inércia, na

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conduta puramente negativa, ou de quem nada faz, ainda quando tivesse o dever jurídico de fazê-lo.• OBS.: SUICÍDIO CONJUNTO OU SUICÍDIO A DOIS OU PACTO DE MORTE – duas ou mais pessoas combinam se matar. O importante é verificar quem praticou os atos executórios - (hipóteses):• Se cada um de per si pratica o ato de execução (ex. tomar o veneno), o que sobreviver responde por induzimento, instigação ou auxílio.• Se ambas colaboram para o evento morte e sobrevivem, há homicídio tentado; se apenas uma delas sobrevive, responderá por homicídio consumado. • Se combinam um deles atirar no outro e, em seguida, atirar em si mesmo para matar-se, e assim o fazem, se sobrevive aquele que atirou, responderá pelo delito de homicídio consumado; se sobrevive o outro, incorre nas penas do delito de instigação a suicídio. • “Duelo à americana” (é sorteado o contendor que deve matar-se) e “roleta russa” (municiada a arma com um só projétil) – o sobrevivente responde pelo delito previsto no artigo 122 do Código Penal. Excepcionalmente, entra no conceito do induzimento ou instigação ao suicídio quando pela pressão do favorecido pela sorte se tenha o outro resolvido a cumprir o ajuste.

Tipo Subjetivo• Exige-se que o agente tenha consciência e vontade de induzir, instigar ou auxiliar o suicídio de outrem, podendo fazê-lo de forma espontânea ou atendendo a pedido da própria vítima. Dolo direto ou eventual.• É possível a configuração se o sujeito ativo – de modo consciente e voluntário – imprime à vítima maus-tratos sucessivos capazes de motivar-lhe a decisão suicida.• É necessário que o resultado causado seja, ao menos, previsível e que o agente assuma conscientemente o risco da ocorrência desse evento (dolo eventual). • É possível, em tese, que a coação moral exercida pelo agente altere a livre determinação de vontade da vítima, conduzindo-a ao ato suicida. • Porém, se os maus-tratos ou a coação eliminam a vontade da vítima, tem-se presente o crime de homicídio.

Elemento Subjetivo distinto do dolo (especial fim de agir)• Inexiste qualquer especial fim de agir. Não é necessário que o sujeito ativo atue impelido por motivos egoísticos. Caso isso ocorra, a pena é duplicada (causa de aumento de pena do parágrafo único).• De outro lado, ainda que altruístas e moralmente relevantes os motivos do crime, estes não tornam atípica a conduta do agente.

Tipo culposo• Não há modalidade culposa. A conduta culposa não é punível, em virtude de ausência de previsão legislativa expressa (art. 18, par. único, CP) - Princípio da Excepcionalidade.

CONTROVÉRSIA QUANTO À CONSUMAÇÃO:1ª Corrente (Damásio): A morte e as lesões corporais de natureza grave são elementos do tipo, portanto, são indispensáveis para a existência do delito previsto no art. 122 do Código Penal. O crime é material (de conduta e resultado). Se o suicídio não ocorre ou de sua tentativa não

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resulta lesão corporal de natureza grave, não há crime. O fato é atípico.2ª Corrente (Hungria) - majoritária - Em sentido oposto, assinala-se que o resultado morte ou lesão corporal grave é tão-somente condição objetiva de punibilidade.

• Aperfeiçoa-se a conduta típica com o induzimento, a instigação ou o auxílio, funcionando aqueles acontecimentos (morte ou lesão corporal grave) como condicionantes da aplicação concreta da pena.• A eventual inocorrência desses acontecimentos não descaracteriza o delito, mas impede a imposição efetiva da sanção penal. O crime se consuma com a realização da conduta descrita no preceito legal, mas a punição fica condicionada ao advento de um certo resultado de dano. Se não se segue sequer a tentativa ou esta não produz lesão alguma ou apenas ocasione uma lesão de natureza leve, o fato ficará impune. Para Nucci, trata-se de crime condicionado.• Há severa divergência na doutrina. Para alguns, quando há morte, o crime é instantâneo de efeitos permanentes e material (exige resultado naturalístico - lesão corporal grave ou morte).• Para Régis Prado, é crime de mera conduta, sendo o resultado lesão grave ou morte, condição objetiva de punibilidade. Consuma-se o crime com a mera conduta de induzimento, a instigação ou o auxílio. A aplicação concreta da pena está sujeita à superveniência do evento morte ou lesão corporal grave.

TENTATIVA• Para ambas as correntes acima, a tentativa de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio não é admissível. • Segundo o entendimento majoritário, induziu, instigou ou auxiliou, o crime se consumou. Se o suicídio não se efetiva (com a morte) ou se da tentativa de suicídio não advém lesão corporal grave, não será possível a aplicação da pena, pois inexistirá condição de punibilidade. O delito, porém, está perfeito em todos os seus elementos constitutivos.• Se o agente instiga outrem a se suicidar, fornecendo-lhe inclusive os instrumentos hábeis para tanto, mas a vítima desiste de levar adiante seu propósito, não há que se falar em tentativa. O delito está plenamente configurado. Só não haverá punição, por faltar-lhe a condição objetiva. Para Damásio, não há crime. O fato é atípico.

4. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA (parágrafo único - "a pena é duplicada")

• Motivo egoístico: • Trata-se de majorante influente na medida da culpabilidade, denotando a maior reprovabilidade pessoal da conduta típica e ilícita em virtude do móvel que a impulsionou. • Maior magnitude da culpabilidade - Fim de obter vantagem pessoal ou a satisfação de interesse próprio (material ou moral). • Ex.: receber seguro ou herança, eliminar adversário ou concorrente, satisfazer sentimento de inveja, ódio ou vingança etc.• Vítima menor (14 a 18) ou com capacidade de resistência reduzida por qualquer causa:• Ex.: vítima doente, idosa, sob efeito do álcool ou substância de efeitos análogos.• Havendo maior propensão às sugestões do agente, agrava-se a pena. • Atua na medida do injusto, implicando maior desvalor da ação, já que a qualidade da vítima afasta a possibilidade de uma efetiva reação à

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ação delituosa, aumentando a probabilidade de produção do resultado. Acentuada periculosidade da conduta.• A menoridade engloba as vítimas maiores de 14 e menores de 18 anos. Após os 18 anos a pena não estará mais sujeita ao aumento previsto - cessa a menoridade penal (art. 27, CP).• O art. 224, a, do CP não considera válida a manifestação de vontade dos menores de 14 anos. Estes não possuem condições psíquicas que permitam avaliar o suicídio como ato de sua própria autoria. Portanto, quem induz, instiga ou auxilia pratica homicídio.• Inimputáveis por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, CP) que não tenham capacidade de entendimento e determinação também carecem daquelas condições. • Nesses casos, se a vítima desconhece o perigo que sua conduta enseja ou é coagida, caracterizado estará o delito de homicídio, e não a instigação, o induzimento ou o auxílio a suicídio, já que o suicida não é mais do que a longa manus do próprio agente (autoria mediata).

5. PENA E AÇÃO PENAL• Se o suicídio se consuma (morte), a pena é de reclusão, de 2 a 6 anos. • Se da tentativa resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 1 a 3 anos. • Se da tentativa resultam lesões corporais leves é impunível. (morte e lesão corporal de natureza grave = condições objetivas de punibilidade). • aumento de pena: A pena é duplicada se o crime é praticado por motivo egoístico (torpe) ou se a vítima é menor (14 a 18 anos) ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.• Praticado por compaixão ou mediante solicitação da vítima, não tem sua pena atenuada – apesar da inequívoca redução da magnitude da culpabilidade. Diferente do homicídio piedoso (art. 121, § 1º, CP) - causa especial de diminuição de pena.• A competência para processo e julgamento desse delito é do Tribunal do Júri, crime doloso contra a vida (art. 5º, XXXVIII, CRFB). • Se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave, admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89, Lei nº 9.099/95). • Ação penal pública incondicionada.

INFANTICÍDIO

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS• As razões que postulam por um tratamento penal mais benévolo ao infanticídio, como crime autônomo (delictum exceptum), podem ser reunidas em duas vertentes distintas: a primeira sustenta um critério psicológico e a segunda um critério fisiopsíquico.• Segundo o

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CRITÉRIO PSICOLÓGICO, o motivo de honra envolve a gravidez resultante de relações extramatrimoniais. A culpabilidade é atenuada pelo temor da própria desonra. Tem-se o ímpeto de resguardar o pudor ante a inevitável reprovação social que seria endereçada à mulher. • Ocorre um processo perturbador da consciência, que culminaria na morte dada ao filho. O privilégio é conseqüência do desespero da parturiente que concebeu fora do matrimônio.• Para o CRITÉRIO FISIOPSÍQUICO, que abandona qualquer consideração acerca da legitimidade da gravidez, não cabe perquirir o motivo determinante da prática delituosa em questão. • A causa honoris deixa de ocupar posto de destaque para ceder lugar ao exame da perturbação fisiopsíquica produzida pelo fenômeno do parto. De acordo com a segunda orientação, o privilégio só será concedido se a morte dada ao filho ocorrer sob a influência do estado puerperal.• Esse último critério é o adotado pelo Código Penal Brasileiro. O privilégio é conferido em razão de uma perturbação de ordem fisiopsíquica, capaz de atenuar a magnitude da culpabilidade. • A abstração do motivo de honra deve-se a diversas razões, podendo-se apontar a inconveniência em se acentuar a causa honoris em detrimento de motivos outros que também poderiam ser eventualmente sustentados como dignos de tratamento mais benévolo (v.g., dificuldades econômicas, excesso de prole). Ademais, a proteção da vida humana sobrepuja a tutela conferida à honra objetiva individual. • A legislação penal não impede que esse antecedente psicológico seja examinado.• É possível que a defesa da honra alie-se ao estado de perturbação fisiopsíquica proveniente do parto para fundamentar a diminuição da culpabilidade da parturiente. É indispensável que todas essas causas psicológicas e fisiológicas sejam globalmente analisadas.

2. BEM JURÍDICO PROTEGIDO E SUJEITOS DO DELITOBem Jurídico

• O bem jurídico tutelado é a vida humana.

Sujeito ativo• Sujeito ativo do crime é a mãe, que mata o próprio filho durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal. Trata-se de delito especial próprio.• CONTROVÉRSIA: COMUNICABILIDADE DO PRIVILÉGIO

1ª Corrente (Hungria/Fragoso): • Não se comunica o privilégio - Não se admite a comunicabilidade do privilégio para aqueles que concorreram para a prática do delito, ante a ausência de previsão legal explícita a respeito. • Sustenta-se que o concurso de pessoas é inadmissível, porque o estado puerperal, que

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provocaria a atenuação da culpabilidade, é circunstância pessoal (para essa corrente é circunstância personalíssima), insuscetível de extensão aos co-autores ou partícipes. • O terceiro que realiza atos de execução ou auxilia, induz ou instiga a mãe a perpetrá-los responderia pelo delito de homicídio.

2ª Corrente (majoritária): • Com base no artigo 30 do Código Penal, defende-se a possibilidade de co-autoria e participação. Argumenta-se que “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. • O estado puerperal é, indiscutivelmente, condição de cunho pessoal. Todavia, figura como elementar do tipo de infanticídio, essencial à sua configuração. Eliminada a referida circunstância, resta caracterizado o crime de homicídio. Tratando-se de elementar, comunica-se ao co-autor ou partícipe. • Impõe-se reconhecer que, em face da legislação penal pátria, responde pelo delito de infanticídio - e não pelo delito de homicídio – o terceiro que executa o crime atendendo a pedido da mãe ou a ajuda a matar o próprio filho.• HIPÓTESES A SEREM EXAMINADAS:

1. A mãe, em estado puerperal, e o terceiro realizam dolosamente o núcleo do tipo (matar) - a mãe e o terceiro são co-autores do delito de infanticídio (art. 123 c/c art. 29, CP).2. A mãe, em estado puerperal, mata o nascente ou recém-nascido e é auxiliada pelo terceiro (partícipe) – também o delito é de infanticídio para ambos – mãe (autora) e terceiro (partícipe).3. O terceiro, cedendo aos pedidos da mãe, em estado puerperal, mata a criança, com a participação daquela - o terceiro (consciente do estado puerperal) responde como autor do crime de infanticídio e a mãe como partícipe (induzimento/instigação).4. Porém, se unicamente o terceiro realiza atos de execução e a mãe, sem estar em estado puerperal, o induz, instiga ou auxilia, pratica o delito de homicídio, respondendo a mãe pela participação. Falta a elementar do estado puerperal.

• Há quem Defenda uma solução fragmentada: o terceiro responderia pelo homicídio e a mãe incorreria nas penas previstas ao infanticídio. Todavia, é incabível tal exegese, em virtude da adoção da teoria monista em matéria de concurso de pessoas, pelo Código Penal. • Argumenta-se que a responsabilização da mãe como partícipe do delito de homicídio conduziria à imposição de sanção penal mais severa do que se figurasse como autora do delito de infanticídio, quando realizasse os atos de execução sob a influência do estado puerperal. • Recomenda-se a aplicação pelo magistrado da pena mínima cominada ao homicídio, diminuída de um sexto a um terço se a participação da mãe for de menor importância (art. 29, § 1º, CP).

Sujeito passivo• O Sujeito passivo é o ser humano nascente (transição da vida uterina para a extra-uterina) ou recém nascido.

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• A vida extra-uterina autônoma é aferida através das denominadas docimasias, a saber: • Docimasias respiratórias: podem ser diretas ou indiretas. As docimasias diretas investigam a efetiva penetração de ar nos pulmões ou em outras cavidades do organismo. Já as indiretas analisam as demais atividades fisiológicas do neonato, decorrentes do início da respiração.

Ex.: pulmonar-hidrostática (ou galênica) e a gastrointestinal (ou de Breslau).• Docimasias não-respiratórias: a existência de atividades vitais não-relacionadas, direta ou indiretamente, com o início da respiração.

Ex.: alimentar, siálica, renal, bacteriológica, vascular, nervo óptico, bulbar e umbilical.

• A vida biológica é comumente provada pela circulação sangüínea. No início do parto é comprovada pela bossa serossangüínea (mole e vermelha/tipo de tumor) proveniente do desequilíbrio de pressão entre a parte do corpo da criança nascente ainda alojada no útero materno e a outra parte que surge no canal pélvico. • A distinção entre vida autônoma e vida biológica revela-se desnecessária. Haverá infanticídio a partir do início do parto se a criança estiver biologicamente viva. • Não há que indagar da capacidade de vida autônoma. Não é essencial à caracterização do delito a vitalidade do recém-nascido, ou seja, da possibilidade de adaptação deste às condições regulares da vida extra-uterina. • A ausência de vitalidade é irrelevante, pouco importando as condições de maturidade, de desenvolvimento, de conformação ou de força do neonato vivo.

3. TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA• A conduta consiste em matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou lago após (delito simples). • Admite-se qualquer meio de execução hábil a produzir a morte do ser humano nascente ou recém-nascido (delito de forma livre). A morte pode ser ocasionada por conduta comissiva ou omissiva.• “Durante o parto ou logo após” é elemento normativo do tipo, que exige um juízo cognitivo para sua exata determinação.• Antes do parto, a morte dada ao feto caracteriza o delito de aborto.• Se não verificada a morte logo após o parto, configura-se o crime de homicídio. • O parto é o conjunto de processos fisiológicos, mecânicos e psicológicos através dos quais o feto (a termo ou viável, sendo prematuro) separa-se do organismo materno. Seu início é marcado pelo período de dilatação do colo do útero ou pelo rompimento da membrana aminiótica ou pela incisão nas camadas abdominais (cesariana) e seu término pela completa separação da criança

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do organismo materno, com a expulsão da placenta e o corte do cordão umbilical.• Findo o parto, é possível que a conduta seja praticada logo após o mesmo, ainda que a criança não venha a morrer imediatamente. Logo após o parto significa a realização imediata e sem intervalo da conduta delituosa. • O importante é que a a parturiente não tenha ingressado na fase de quietação, isto é, no período em que se afirma o instinto maternal.• O estado puerperal é um conjunto de sintomas fisiológicos que têm início com o parto e findam algum tempo após. Esse estado nem sempre ocasiona perturbações emocionais capazes de culminar na morte dada ao filho pela própria mãe. É possível que o fenômeno do parto, com suas dores, com a perda de sangue e o esforço muscular que o acompanham, produza na parturiente um estado de perturbação da consciência. • É esse estado puerperal que fundamenta o infanticídio enquanto homicídio privilegiado (delictum exceptum). Faz-se necessário que a mãe pratique o crime sob a influência do estado puerperal, sob pena de incorrer no delito de homicídio. • Com o critério fisiopsíquico não se pretende afirmar que o “puerpério acarrete sempre uma perturbação psíquica: é preciso que fique averiguado ter esta realmente sobrevindo em conseqüência daquele, de modo a diminuir a capacidade de entendimento ou de auto-inibição da parturiente. Fora daí não há por que distinguir entre infanticídio e homicídio” (Exposição de motivos, item nº 40). • Não basta que a conduta tenha lugar durante o parto ou logo após, é preciso, ainda, a existência de um vínculo causal entre a morte da criança dada naquele lapso temporal e o estado puerperal. Cabe à perícia determinar.• É possível o reconhecimento da influência do estado puerperal e da inimputabilidade (artigo 26 do CP) ou da semi-imputabilidade da parturiente (art. 26, parágrafo único). • Na psicose puerperal, que compreende alucinações agudas, as confusões mentais, os delírios que sobrevêm ao parto, a morte da criança perpetrada pela mãe, inimputável ou semi-imputável, deixa de caracterizar o crime de infanticídio para configurar o de homicídio, mas com a aplicação do artigo 26, caput ou parágrafo único do CP, conforme o caso.• Em síntese, apresentam-se as seguintes situações:1. a mãe mata o filho, sem estar sob a influência do estado puerperal: homicídio (art. 121, CP);2. a mãe mata o filho, sob a influência do estado puerperal, durante ou logo após o parto: infanticídio (art. 123, CP). Embora o estado puerperal configure perturbação da normalidade mental, não há a incidência cumulativa do artigo 26, parágrafo único, CP);3. a mãe mata o filho, sob a influência do estado puerperal e também por apresentar perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que lhe retira parcialmente a capacidade de culpabilidade

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(art. 26, parágrafo único, CP) - Responde pelo delito de infanticídio (Art. 123, CP), cuja pena será reduzida em razão da presença da causa de diminuição da pena prevista no artigo 26, parágrafo único, CP, ou substituída por medida de segurança;4. a mãe mata o filho, sob a influência do estado puerperal e também por apresentar doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que lhe retira inteiramente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 26, caput, CP) – Não há crime. Será absolvida do infanticídio, pois inexiste culpabilidade (falta o elemento imputabilidade). Aplica-se medida de segurança;5. a mãe mata o filho, dias após o parto, sob a influência de psicose puerperal. Se esta lhe retira inteiramente a capacidade de culpabilidade, será absolvida do delito de homicídio e submetida à medida de segurança (internação); se lhe retira parcialmente a capacidade de culpabilidade, incorre no delito de homicídio, cuja pena será reduzida (art. 26, parágrafo único, CP) ou substituída por medida de segurança (internação).

Tipo subjetivo

• O tipo subjetivo é representado pelo dolo, ou seja, pela vontade livre e consciente de matar o nascente ou recém-nascido durante o parto ou logo após.• Se, por error in personam, mata filho alheio, supondo ser próprio, pratica o crime de infanticídio. Não são consideradas as condições ou qualidades da vítima real (art. 20, §3º, CP).• Não prevê o Código Penal Brasileiro a figura do infanticídio culposo. Se a morte do recém-nascido é decorrente da inobservância de um dever de cuidado, incide o artigo 121, § 3º, CP (homicídio culposo), podendo-se aplicar o § 5º (perdão judicial).• DISTINÇÃO: infanticídio X exposição ou abandono de recém-nascido (art. 134, CP):• No crime do artigo 134, CP, há o dolo de perigo na conduta de abandonar ou de expor a criança, ainda que sob a influência do estado puerperal, com o especial fim de agir de ocultar desonra própria (critério psicológico).• Se do fato resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, incorre o sujeito ativo nas penas previstas nos §§ 1º e 2º daquele dispositivo (delitos qualificados pelo resultado). • Já no crime de infanticídio, há dolo de lesão (ou de dano), pois o sujeito ativo, sob influência do estado puerperal, visa precisamente à morte do recém-nascido, por meios comissivos ou omissivos, inclusive pelo abandono, que pode ser meio daquele crime (critério de consunção).

4. PENA E AÇÃO PENAL• A pena cominada é de detenção, de dois a seis anos. • Não incidem as

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agravantes presentes no artigo 61, II, e (crime praticado contra descendente) e h (crime praticado contra criança), pois integram a descrição típica do próprio infanticídio (art. 61, caput, CP).• A competência é do Tribunal do Júri por se tratar de crime doloso contra a vida (art. 5º, XXXVIII, CRFB). • A ação penal é pública incondicionada. • OBS.: A previsão do infanticídio como delito autônomo encontra firmes opositores. Se por um lado defende-se, com acerto, sua inclusão como causa especial de diminuição de pena ou como privilégio no delito homicídio, por outro lado se sustenta sua previsão como circunstância qualificadora do mencionado crime.

ABORTO

Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena - detenção, de um a três anos.

Aborto provocado por terceiro

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de três a dez anos.

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

1.BEM JURÍDICO PROTEGIDO E SUJEITOS DO DELITO

Bem jurídico • O bem jurídico tutelado pelos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal é

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a vida do ser humano em formação. Protege-se a vida intra-uterina, para que possa o ser humano desenvolver-se normalmente e nascer. • O bem jurídico tutelado é indiscutivelmente a vida humana, “porque o produto da concepção – o feto – não é uma spes vitae e tampouco uma pars ventris, mas um ser vivente verdadeiro e próprio, que cresce, tem um metabolismo orgânico próprio e, sobretudo quando está a gravidez em período avançado, move-se e apresenta batimento cardíaco.”• O direito à vida, constitucionalmente assegurado (art. 5º, caput, CRFB), é inviolável, e todos, sem distinção, são seus titulares. O conceito de vida abarca não somente a vida humana independente, mas também a vida humana dependente (intra-uterina).• Assinala-se que no aborto provocado por terceiro tutelam-se também a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida. Apenas é possível vislumbrar a liberdade ou a integridade pessoal como bens jurídicos secundariamente protegidos em se tratando de aborto não consentido (art. 125, CP) ou qualificado pelo resultado (art. 127, CP).

Objeto material • O objeto material do delito é o embrião ou feto humano vivo, implantado no útero materno.

Sujeito ativo• Sujeito ativo do crime de auto-aborto e no aborto consentido (art. 124, CP) é a própria mãe (delito especial próprio). • Nas demais hipóteses – aborto praticado por terceiro, com ou sem consentimento – sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (delito comum).

Sujeito passivo• Sujeito passivo é o ser humano em formação (óvulo fecundado/embrião/feto), titular do bem jurídico vida. É o nascituro o portador do bem jurídico vida humana dependente. Caso sejam vários os fetos, a morte dada a eles conduz ao concurso de delitos. • Contra esse entendimento manifestam-se aqueles que não vislumbram o produto da concepção como titular do bem jurídico protegido, mas unicamente como objeto material do delito (Fragoso).• A mãe somente figurará como sujeito passivo do delito quando se atente também contra a sua liberdade (aborto não consentido) ou contra a sua vida ou integridade pessoal (aborto qualificado pelo resultado), como bens jurídicos mediatos. • Nos demais casos (auto-aborto/ aborto consentido/ aborto consensual), porém, não será a mulher sujeito ativo e passivo, pois não há crime na autolesão.• A comunidade ou o Estado não são sujeitos passivos do delito de aborto, como postula parte da doutrina. A vida humana, dependente ou independente, não é um bem jurídico coletivo, mas individual por excelência.

2. TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA• A conduta incriminada consiste em provocar (dar causa a, originar, promover, ocasionar) aborto. O Código Penal não define o que se entende por aborto. Trata-se de elemento normativo extrajurídico do tipo.• O aborto consiste na “morte dolosa do feto dentro do útero” ou “na violenta expulsão do feto do ventre materno, da qual resulte a morte”. • A mera interrupção da gestação, por si só, não implica aborto, dado que o feto pode ser expulso do ventre materno e sobreviver ou,

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embora com vida, ser morto por outra conduta punível (infanticídio ou homicídio). • De outro lado, em face das modernas técnicas de reprodução assistidas, pode o embrião ser transferido para outra mulher, com interrupção da gravidez, sem que haja dolo de provocar a morte do nascituro.• A expulsão do feto também não é imperiosa para a configuração do aborto, já que a morte pode ser dentro do próprio útero. • Não será bastante também a morte do feto, se esta não resultar dos atos praticados ou dos meios utilizados para a interrupção da gravidez ou da própria imaturidade do feto, que não sobrevive à expulsão prematura provocada por aqueles atos ou meios.• Pressupõe gravidez em curso. É indispensável a prova de que o ser em gestação se encontrava vivo quando da intervenção abortiva e de que sua morte foi decorrência precisa da mesma. • O estágio da evolução do ser humano em formação não importa para a caracterização do delito de aborto. É objeto material do crime o produto vivo da concepção, em qualquer fase de seu desenvolvimento. • O aborto se distingue em ovular, se praticado nos dois primeiros meses da gestação; embrionário, se perpetrado no terceiro ou no quarto mês de gestação; e fetal, quando praticado do quinto mês de gravidez em diante.• NIDAÇÃO - O termo inicial para a prática do delito é o começo da gravidez. Do ponto de vista biológico, o início é marcado pela fecundação. Todavia, sob o prisma jurídico, a gestação tem início com a implantação do óvulo fecundado no endométrio, ou seja, com a sua fixação no útero materno. • O aborto tem como limite mínimo necessário para sua existência a nidação, que ocorre acerca de quatorze dias após a concepção. • O termo final é o INÍCIO DO PARTO. Após o início do parto, o delito praticado é infanticídio ou homicídio. Logo, o momento da morte do feto não importa para a caracterização do crime de aborto.• A gravidez interrompida deve ser NORMAL, e não patológica. A interrupção da gravidez extra-uterina ou da gravidez molar não configura o aborto. 1. GRAVIDEZ EXTRA-UTERINA - o embrião não se desenvolve na cavidade uterina (intersticial), na trompa (tubária), no ovário (ovárica) ou entre o ovário e a trompa (tubo-ovárica). O desenvolvimento da gravidez conduziria à ruptura da trompa e a casos de grave hemorragia, capazes de produzir a morte da gestante.2. GRAVIDEZ MOLAR - consiste em uma formação neoplasmática (mola), isto é, um produto conceptivo degenerado, inapto a produzir uma nova vida. • MEIOS DE EXECUÇÃO - É indiferente o meio executivo empregado, desde que idôneo à produção do aborto (delito de forma livre).• O emprego dos meios elencados e o aborto superveniente não bastam. É preciso uma relação de causa e efeito entre um e outro. • Há três grupos principais de meios dirigidos à provocação do aborto: 1. químicos ou bioquímicos: são meios internos, que uma vez introduzidos no organismo da gestante estimulam as contrações dirigidas à expulsão do produto da concepção. As substâncias químicas podem ser inorgânicas, orgânicas, de origem animal ou vegetal.2. físicos: mecânicos, térmicos ou elétricos.3. psíquicos: sustos, sugestões, choques morais, provocação de terror etc.

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• CONDUTA OMISSIVA:• Pode o aborto ser praticado por omissão imprópria. Nada obsta, portanto, a responsabilização do médico ou do enfermeiro (garantidores) que, dolosamente, podendo agir, não prestam o socorro devido ou deixam de prestar a assistência necessária para evitar o aborto espontâneo ou acidental, já que têm o dever jurídico de impedir o resultado.• CRIME IMPOSSÍVEL:• Se o meio é absolutamente ineficaz, insuscetível de provocar o aborto há crime impossível (art. 17, CP). Sua aferição depende de exame de corpo de delito, exame da mulher e, se necessário, do produto da concepção (arts. 158 e 564, III, b, CPP). • Se as manobras abortivas são realizadas em mulher não-grávida ou sobre feto já morto antes da provocação, não haverá crime, em razão da absoluta impropriedade do objeto. Dependendo da atuação do agente e das circunstâncias poderá, eventualmente, ocorrer outro delito (ex.: art. 129, CP – lesão corporal).

Tipo subjetivo • O tipo subjetivo é constituído pelo dolo – consciência e vontade de produzir a morte do nascituro. • Admite-se dolo direto – conduta realizada visando diretamente à interrupção da gravidez, à provocação da morte do produto da concepção – e o dolo eventual – o sujeito ativo, embora não queira o resultado morte do feto como fim específico de sua conduta, aceita-o como possível ou provável.• No dolo eventual, o agente considera seriamente possível a realização do tipo legal de aborto e se conforma com ela:• Ex. 1: pretendendo promover um nascimento prematuro, para fins de herança, prevê a possibilidade morte do feto e aceita o risco de sua produção; • Ex.2: a mulher que se entrega às práticas esportivas de alto impacto e prevendo a possibilidade de abortar, assume o risco do evento. Para alguns, trata-se de culpa consciente. De fato, é difícil determinar o elemento subjetivo (dolo ou culpa) na hipótese.• LESÕES CORPORAIS E ABORTO: Para a maioria da doutrina e da jurisprudência, a agressão dirigida á mulher grávida, conhecendo o agente essa circunstância e assumindo o risco da eventual morte do feto como resultado de sua conduta (ou mesmo, querendo tal resultado), dá lugar ao concurso formal de delitos (art. 70, CP) – lesão corporal dolosa e aborto consumado ou tentado. • Assim, a lesão corporal gravíssima só é admitida se o resultado aborto é culposo (o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo).• Em sentido contrário à ampla maioria, Nucci repudia tal conclusão, por entender que é possível a lesão corporal de natureza gravíssima em caso de aborto, ainda que o agente tenha dolo no tocante ao resultado qualificador, já que, segundo ele, o legislador deveria ter feito nítida distinção para a modalidade preterdolosa (resultado mais grave punido a título de culpa), respeitando o princípio da excepcionalidade - art. 18, p. único, CP, como expressamente o fez nas lesões corporais seguidas de morte (art. 129, §3º, CP).• Assim, de acordo com o entendimento majoritário, se o agente queria apenas lesar a integridade física da mulher grávida, cuja gravidez conhecia ou não podia desconhecer, e da violência sobrevém aceleração de parto, há lesão corporal grave (art. 129, § 1º, IV, CP). Se da violência resulta o aborto, o crime será de lesão corporal gravíssima (art. 129, §

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2º, V, CP). Se não houver aborto nem aceleração de parto, incide a circunstância agravante genérica do art. 61, II, h, CP.• HOMICÍDIO E ABORTO: A morte dada à gestante, ciente o agente da gravidez, implica o concurso formal de crimes – homicídio doloso consumado e aborto praticado sem o consentimento da vítima (art. 125, CP), consumado ou tentado. • José Frederico Marques assim exemplifica: “Um homem desfere violenta facada no ventre de mulher grávida, para matá-la, e o delito de homicídio se consuma. O feto, porém, é expulso e vem a perecer, poucos dias depois, em conseqüência de ter sido também atingido pela facada. Quer parecer-nos que houve, aí, concurso formal do homicídio e aborto provocado”.• TENTATIVA DE SUICÍDIO E AUTO-ABORTO: Se a gestante tenta o suicídio, que não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade, responderá pelo delito de auto-aborto - tentado ou consumado – se consciente a gestante da situação e das conseqüências de seus atos (art. 124, CP).• ABORTO CULPOSO• Não é previsto o aborto culposo em nosso ordenamento jurídico-penal. (art. 18, parágrafo único, CP) - Princípio da Excepcionalidade.• Ex.: O médico prescreve um medicamento, sem questionar a paciente sobre eventual gravidez (negligência) e a substância causa o aborto. Não há crime. Se houver alguma seqüela para a mulher, pode configurar lesão corporal culposa.• O auto-aborto causado pela inobservância do cuidado objetivamente devido pela gestante é impunível. • Ex.: gestante que pratica um esporte de alto impacto e sofre um aborto.• O terceiro que, culposamente, provoca lesões corporais com resultado aborto, responde por lesão corporal culposa (art. 129, § 6º, CP). • Ex.: sujeito atabalhoado na fila do banco esbarra na barriga da mulher grávida, provocando-lhe lesões corporais e aborto (resultado objetivamente previsível).

Consumação• O aborto é delito de resultado, instantâneo e de efeitos permanentes (objeto material destrutível), consumando-se com a morte do ovo, embrião ou feto. A expulsão não é imprescindível para a consumação. É possível que a morte ocorra após a expulsão (fora do útero materno), o que é irrelevante.• O resultado morte deve estar na linha normal de desdobramento da conduta, não importando o lapso temporal entre a manobra abortiva e a efetivação da morte do produto da concepção.• Se expulso o feto com vida e sua morte é provocada por nova conduta, haverá concurso material (aborto tentado em concurso com homicídio ou infanticídio consumado).

Tentativa• Se das manobras abortivas sobrevém a aceleração do parto, mas o feto sobrevive, por razões alheias à vontade do agente, haverá tentativa. Trata-se de crime plurissubsistente. É possível o fracionamento do iter criminis.• Se o agente visava (dolo) à simples provocação antecipada do parto e desta não restou qualquer lesão para a gestante ou para o feto, não há crime.• Se o feto nascer vivo e morrer posteriormente, em razão das manobras abortivas praticadas, há aborto consumado.

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• Se a morte do neonato resultar de causas relativamente independentes que não configurem desdobramento natural da conduta do agente (ex.: desabamento do hospital), o aborto será tentado.

3. ESPÉCIES DE ABORTOa) AUTO-ABORTO E ABORTO CONSENTIDO (art. 124, CP)

• 1ª figura: Auto- aborto - "provocar aborto em si mesma":• É delito próprio - sujeito ativo é somente a mulher grávida. Para R. Greco, é crime de mão própria.• A co-autoria inadmissível, pois o terceiro pratica o crime do artigo 126 (houve quebra da teoria monista), mas a participação é admitida (induz, instiga ou presta auxílio). • 2ª figura: Aborto consentido:• A gestante consente que outrem lhe provoque o aborto.• O terceiro pratica o delito do artigo 126, CP.

b) ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO (art. 125 e 126, CP)

b.1) Sem o consentimento da gestante (art. 125)• A gestante manifesta-se contrária ao aborto ou desconhecia a própria gravidez ou o processo abortivo em curso.• É indispensável o consentimento do início ao fim da conduta. Se a gestante revoga o consentimento durante a execução do aborto e o terceiro continua a praticar as manobras, responderá pelo art. 125, CP (sem consentimento da gestante).• Se o agente, justificadamente, supõe o consentimento, e este não existe, há erro de tipo (responde pelo delito do art.126 - há desclassificação, por falta da elementar).

b.2) Com o consentimento da gestante (art. 126)• O consentimento pode ser expresso ou tácito, desde que inequívoco do início ao fim da conduta.

Parágrafo único: Aplica-se a pena do art. 125, CP ( reclusão de 3 a 10 anos) se:

• A gestante não for maior de 14 anos (o consentimento é irrelevante).• A gestante for alienada ou débil mental (presume-se a ausência do consentimento)• O consentimento for obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência (a não-concordância é real):• fraude: o terceiro persuade a gestante de que o prosseguimento da gravidez acarretaria grave perigo a sua saúde ou mesmo a sua morte.• ameaça: promessa de mal injusto e grave à própria gestante ou a pessoa a ela vinculada.

b.3) ABORTO "QUALIFICADO" PELO RESULTADO - CAUSA DE AUMENTO DE PENA(art. 127, CP):

• Não se aplica ao auto-aborto ou ao aborto consentido (art. 124, CP), já que não se pune a auto-lesão.• As penas cominadas nos artigos 125 e 126, CP (aborto provocado por terceiro com ou sem o consentimento da gestante):• são aumentadas de 1/3 (um terço), se em decorrência do aborto ou dos meios empregados, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave.• são duplicadas, se, por qualquer destas causas, sobrevém a morte da

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gestante.• Aborto Qualificado - impropriedade técnica, pois, a rigor, se trata de causa de aumento de pena.• O resultado mais grave (lesão corporal ou morte) é imputado ao agente a título de culpa. Se abarcados pelo dolo (direto ou eventual), haverá concurso formal - aborto e lesões corporais de natureza grave ou aborto e homicídio.• É necessário que a lesão corporal seja extraordinária (peritonite, septicemia, gangrena do útero), logo não se aplica a causa de aumento de pena se a lesão é conseqüência natural da manobra abortiva. ex.: ferimentos no útero em função da curetagem.• Há quem sustente que, inexistente a gravidez ou já morto o feto, a lesão corporal ou a morte serão imputadas ao agente a título de culpa (art. 129, §6º ou art. 121, §3º, CP), já que o crime de aborto é impossível.• CONTROVÉRSIA: TENTATIVA DE ABORTO + RESULTADO AGRAVADOR - Se não advier a morte do feto, mas houver morte ou lesão corporal grave à gestante:• 1ª corrente (majoritária): ABORTO "QUALIFICADO" TENTADO (A. Bruno, N. Hungria, H. Fragoso, F. Marques, Mirabete; R. Greco e outros). O aborto só se consuma com a morte do ovo, embrião ou feto. • 2º corrente: ABORTO QUALIFICADO PELO RESULTADO CONSUMADO (L. R. Prado). O delito qualificado pelo resultado (PRETERDOLOSO) não admite tentativa. O tipo em exame não exige a consumação do aborto, admitindo o aumento da pena aplicada se a lesão grave ou morte resultam dos meios empregados para provocá-lo.• 3ª Corrente: ABORTO TENTADO EM CONCURSO COM LESÃO CORPORAL CULPOSA OU HOMICÍDIO CULPOSO. (Euclides Custódio da Silveira). O artigo 127, CP não prevê tipo autônomo, mas simples causa de aumento de pena para o aborto praticado por terceiro (art. 125/126).

b.4) ABORTO NECESSÁRIO ou TERAPÊUTICO (art. 128, I, CP):• O CPB adota o sistema das indicações. Protege-se a vida do nascituro, porém, sob certas circunstâncias, havendo conflito entre a vida do nascituro e determinados interesses da mãe, aquela cede em favor destes últimos.• Assim, a regra é a punição do aborto. Como exceção, se permite o aborto em determinadas hipóteses expressamente previstas (indicações), além das eximentes comuns disciplinadas no CP, o que contribui para maior segurança jurídica, evitando subjetivismos ou dúvidas na determinação de qual interesse deve prevalecer no caso concreto. O CP adota as indicações terapêutica e sentimental, com restrições.• Significado da expressão: "Não se pune o aborto":• 1ª corrente: equívoco do legislador, pois fica parecendo uma escusa absolutória. Seria melhor dizer: "não há crime". • 2ª corrente: expressão correta, pois significa dizer que o fato típico deixa de ser punível, ou seja, não há crime. Em qualquer das posições acima, entende-se tratar de excludente de ilicitude. • ABORTO NECESSÁRIO OU TERAPÊUTICO - intervenção cirúrgica realizada com o propósito de salvar a vida da gestante, fundamentada no estado de necessidade justificante, excludente da ilicitude, quando não houver outro meio de afastar o risco de morte.• O consentimento da gestante é dispensável, pois é condição incompatível com o estado de necessidade, podendo ocorrer mesmo se houver oposição daquela ou de seu representante legal.

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• Cabe unicamente ao médico a decisão pela necessidade do aborto, que deve ser a única alternativa apta a salvar a vida da gestante.• Somente o médico pode praticar o aborto, nos termos do caput do artigo 128, CP. Não é necessário que o médico seja especialista na área de ginecologia-obstetrícia, podendo ser de especialidade referente à classe de risco para a vida da mulher.• Se o aborto for praticado por pessoa não habilitada legalmente (enfermeira, parteira), entende-se que também há excludente da ilicitude por estado de necessidade justificante (art. 23, I e 24, CP) ou, conforme o caso, excludente de culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa, sendo necessária a existência de perigo atual para a vida da gestante. Ex.: enfermeira, parteira ou qualquer pessoa em local de difícil acesso.

b.5) ABORTO SENTIMENTAL ou ÉTICO ou HUMANITÁRIO (art. 128, II, CP):• Praticado no caso de gravidez resultante de estupro, precedido do consentimento inequívoco da gestante ou de seu representante legal, reconhecendo o direito da mulher a uma maternidade consciente.• A maioria da doutrina entende que se trata de estado de necessidade de terceiro. • Minoritariamente, sustenta-se cuidar-se de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa (exclui a culpabilidade), pois não se pode exigir da gestante que sofreu violência sexual a manutenção dessa gravidez indesejável.• Não é necessário autorização judicial nem sentença condenatória, sendo suficientes elementos sérios de convicção da prática do estupro (ex.: boletim de ocorrência, exame de corpo de delito, cópia da inicial da eventual ação penal). Se a violência é ficta (art. 224, CP), basta a prova da menoridade ou da debilidade mental da gestante.• O médico que, induzido pela gestante ou por terceiro, acredita que houve estupro e pratica o aborto, estará acobertado por uma causa de exclusão da culpabilidade correspondente ao erro de proibição indireto, já que atuou supondo estar amparado por uma causa de justificação (erro sobre a existência do exercício regular de direito).• CONTROVÉRSIA: Pode-se adotar analogia in bonam partem, a fim de abranger os casos de gravidez decorrente de outro crime sexual (ex.: atentado violento ao pudor)?• 1ª Corrente (grande parte da doutrina): Sim. Trata-se de norma penal não-incriminadora passível de aplicação de analogia in bonam partem, já que as razões psicológicas que fundamentam a realização de aborto em caso de estupro também persistem no caso de atentado violento ao pudor. Não haveria lógica dispensar tratamento diferente pelo simples fato de não ter ocorrido a conjunção carnal.• 2ª Corrente (Régis Prado): Não, pois se trata de norma penal não-incriminadora excepcional ou singular em relação à norma não-incriminadora geral (art. 23, CP).

OBS1: ABORTO EUGENÉSICO (não é previsto pelo CP).• Permite-se o aborto em situações em que haja riscos fundados de que o produto da concepção seja portador de graves anomalias genéticas de qualquer natureza ou de outros defeitos físicos ou psíquicos decorrentes da gravidez.• Requisitos Gerais: 1) prática do aborto por médico; 2) realização da intervenção em estabelecimento hospitalar público ou privado creditado

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pela Administração Pública; e 3) consentimento expresso da gestante ou de seu representante legal.• Requisitos Específicos: 1) presunção de que o feto nascerá com graves enfermidades físicas ou psíquicas, ou seja, uma vida despojada de qualquer qualidade (ex.: anencefalia); 2) prazo para realização: nas 22 primeiras semanas de gravidez (razoável para o diagnóstico seguro de certas anomalias e para a solidificação da decisão de abortar); 3) parecer emitido por dois especialistas distintos dos executores do aborto.• Em princípio, trata-se de causa supralegal de exclusão da culpabilidade, pela inexigibilidade de conduta diversa.• ANENCEFALIA: o produto da concepção apresenta um processo patológico de caráter embriológico que se manifesta pela falta de estruturas cerebrais, o que impede o desenvolvimento das funções superiores do sistema nervoso central. O feto anencéfalo conserva as funções vegetativas, não se ajustando seu estado à morte cerebral.• Todavia, de acordo com o CRITÉRIO DA MORTE NEOCORTICAL, que confere ênfase aos aspectos relacionados à existência da consciência, afetividade e comunicação, em detrimento da vida biológica, o feto não pode ser considerado como "tecnicamente vivo", não havendo, portanto, vida humana intra-uterina a ser tutelada. • Sob esse ponto de vista, é justamente a ausência de vida (o anencéfalo não é biologicamente capaz de concretizar-se em uma vida humana viável) o que permite fundamentar a atipicidade por falta de dolo ou culpa, bem como a inexistência do desvalor da ação (tipicidade material). • Assim, a interrupção da gravidez ou a antecipação do parto em casos de anencefalia não tipificaria o delito de aborto. Trata-se fato atípico. Ver HC 84025/RJ, Relator Min. Joaquim Barbosa.• No momento, aguarda-se o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº54-8/DF pelo Supremo Tribunal Federal.

OBS.2: ABORTO ECONÔMICO (não elencado nas hipóteses de aborto legal).• Motivos estritamente econômicos (baixa renda, família numerosa com precária situação financeira, problemas de moradia, dívidas) ou sociais (doença grave na família, gravidez decorrente de relações extramatrimoniais, gestante muito jovem ou muito idosa).• Não se admite postular a não-exigibilidade de obediência ao Direito, já que a ampla difusão dos meios anticoncepcionais permitem eficaz controle de natalidade. A indicação de motivo de ordem socioeconômica implica grande insegurança jurídica.

4. PENA E AÇÃO PENAL• Auto-aborto e aborto consentido (art. 124, CP) - detenção, de 1 a 3 anos.• Aborto sem o consentimento (art. 125, CP) - reclusão de 3 a 10 anos.• Aborto com o consentimento (art. 126, CP) - reclusão, de 1 a 4 anos.• Aborto "Qualificado" pelo resultado (art. 127, CP):• aumentadas de 1/3 - se a gestante sofre lesão corporal de natureza grave.• duplicadas - se sobrevém a morte da gestante.• não incide a circunstância agravante genérica (art. 61, II, h, CP) - é elementar do tipo• Competência do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, CRFB).• O auto-aborto e o aborto consentido (art. 124, CP) admitem suspensão condicional do processo (art. 89, da lei 9099/95).

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• Ação penal PÚBLICA INCONDICIONADA.

CAPÍTULO II

DAS LESÕES CORPORAIS Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2° Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incuravel;

III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Lesão corporal seguida de morte

§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Diminuição de pena

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:

I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;

II - se as lesões são recíprocas.

Lesão corporal culposa

§ 6° Se a lesão é culposa: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena - detenção, de dois meses a um ano.

Aumento de pena

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§ 7º - Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º. (Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)

Violência Doméstica (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)

§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as

circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

1. BEM JURÍDICO PROTEGIDO E SUJEITOS DO DELITOBem jurídico

• Os bens jurídicos tutelados pelo artigos 129 do Código Penal são a integridade corporal e a saúde do ser humano vivo.

Objeto material O objeto material do delito é a pessoa humana viva sobre a qual recai a conduta do agente no sentido de ofender-lhe a integridade corporal ou a saúde.Controvérsia: Ser humano vivo, a partir de quando? * Régis Prado - a partir do momento do parto até a sua morte (exclui o feto ainda em formação no útero materno).* Moura Teles, Rogério Greco - a partir do momento da nidação (vide aborto). O ser em formação também possui integridade corporal que sustenta sua vida. Se esta é protegida, aquela também o é. O feto não apenas parte do corpo da gestante. É possível que a lesão atinja somente o feto, deixando íntegro o corpo ou a saúde da gestante.Sujeito ativo

• pode ser qualquer pessoa (delito comum).

Sujeito passivo• também pode ser qualquer pessoa, salvo nas hipóteses que prevêem como resultado qualificador das lesões corporais a aceleração de parto (inciso IV, do §1º) e o aborto (inciso V, do § 2º) em que somente a gestante pode figurar como sujeito passivo, bem como na hipótese de violência doméstica (§9º) - ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, quando o agente se prevalece das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

2. TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVATipo Objetivo

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• A conduta incriminada consiste em ofender (fazer mal a alguém, lesar, ferir, atacar) a integridade física ou a saúde de outrem (ser humano vivo).• A lesão corporal resulta sempre de uma violência exercida sobre a pessoa, causando alteração da integridade física ou perturbação do equilíbrio funcional do organismo (saúde).• A ausência de dor ou efusão de sangue não descaracterizam as lesões corporais.• As lesões corporais distinguem-se das vias de fato, pois estas caracterizam-se pela prática de atos agressivos, sem animus laedendi ou vulnerandi, dos quais não resultem danos corporais; trata-se de violenta ação contra alguém com a intenção de causar-lhe um mal físico, sem, contudo feri-lo.• Princípio da Lesividade - proíbe-se a incriminação de conduta que não exceda a pessoa do autor - veda-se a punibilidade da autolesão.• Exame de corpo de delito (inicial e complementar - art. 168, CPP) - trata-se de diagnóstico (estado em que se encontra no momento), não prognóstico. Infração que deixa vestígios - necessária a produção de prova pericial a fim de comprovar a natureza das lesões. A ausência do ECD configura nulidade (art. 564, III, CPP), ressalvado o suprimento pela prova testemunhal, caso não seja possível a sua realização (art. 167, CPP).

Tipo subjetivo • O tipo subjetivo é constituído pelo dolo ( direto ou eventual) – consciência e vontade de produzir lesão - animus laedendi ou animus vulnerandi• Admite-se a modalidade culposa (§6º).• Regra: modalidade comissiva, mas admite-se que seja praticado na modalidade omissiva, se o agente ostentar o status de garantidor (art. 13, §2º, CP)

Consumação• Consuma-se com a efetiva produção da ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima, incluindo-se os resultados qualificadores previstos nos §§ 1º, 2º e 3º (lesões graves, gravíssimas e seguidas de morte).• É crime material (de conduta e de resultado), instantâneo e, em alguns casos, de efeitos permanentes.

Tentativa• Sempre admissível na hipótese de lesão corporal de natureza leve (crime plurissubsistente).• Sendo graves ou gravíssimas as lesões, são crimes qualificados pelo resultado e somente se admitirá tentativa se o delito não for preterdoloso. Segundo entendimento majoritário da doutrina, são exclusivamente preterdolosas as hipóteses qualificadas por perigo de vida, aceleração de parto, aborto e seguidas de morte.• Para Guilherme de Souza Nucci, somente a hipótese da lesão corporal seguida de morte configura crime exclusivamente preterdoloso, por previsão expressa (art. 129, §3º, CP), em razão do princípio da excepcionalidade do tipo culposo - art. 18, p. único, CP.

3. ESPÉCIES a) LESÕES CORPORAIS LEVES (art. 129, caput CP)

• É a modalidade simples da figura típica (hipótese encontrada por exclusão das modalidades qualificadas).• Somente pode ser praticada a título de dolo direto ou eventual.• Pena de detenção de 3 meses a 1 ano.

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b) LESÕES CORPORAIS GRAVES (art. 129, § 1º, CP)

b.1) Incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias ("crime a prazo")

• Segundo posição majoritária, o resultado qualificador pode ser produzido a título de dolo ou culpa. Admite-se a tentativa.• Qualquer ocupação habitual lícita (trabalho, estudos, esportes) - conceito funcional, não econômico; a ocupação pode ser imoral, eticamente desvalorada (ex.: prostituição), desde que não seja ilícita.• É necessário o exame de corpo de delito complementar após 30 dias (art. 168, §2º, CPP).

b.2) Perigo de vida • Crime preterdoloso, segundo posição majoritária, a qualificadora só pode ser de natureza culposa, pois o resultado de perigo de vida não pode ter sido desejado pelo agente, nem seu risco por ele assumido. Há dolo no cometimento das lesões corporais e culpa no resultado agravador. Não se admite tentativa.• Nucci, em sentido contrário, sustenta que é possível o dolo no resultado qualificador, respondendo o agente pela lesão corporal qualificada.• Perigo de vida = natureza e sede da lesão (ex. ferimento no pulmão); probabilidade de morte no decorrer do processo patológico; é necessário que a situação de perigo tenha realmente se manifestado.• O resultado perigo de vida deve ser objetivamente previsível pelo agente (art. 19, CP). Ex.: o sujeito não sabe que a vítima é hemofílico.

b.3) Debilidade permanente de membro, sentido ou função• Segundo a posição majoritária, o resultado qualificador pode ser produzido a título de dolo ou culpa. Admite tentativa.• Debilidade = enfraquecimento ou redução da capacidade funcional. • Permanente = duradoura (não perpétua), mesmo que reversível após longo tempo.• Membros = superiores (braço, antebraço e mão) e inferiores (coxa, perna e pé).• Sentidos = visão, audição, olfato, tato e paladar.• Funções = atuação específica exercida por qualquer órgão (digestiva, respiratória, circulatória, secretora, reprodutora, sensitiva e locomotora).

b.4) Aceleração (antecipação) de parto • Segundo entendimento majoritário, o resultado antecipação de parto somente é punido a título de culpa (crime preterdoloso). Se o agente tinha a intenção de interromper a gravidez, com a expulsão do feto, o dolo era de aborto. • O dolo do agente deve ser de produzir lesão corporal em mulher sabidamente grávida, sendo o resultado agravador objetivamente previsível. Não se admite a tentativa.• Nucci, em sentido contrário, sustenta que é possível haver também o dolo no resultado qualificador, respondendo o agente somente pela lesão corporal qualificada. Cabível, para ele, a tentativa.• Se o agente desconhecia a gravidez, responderá pelas lesões produzidas na gestante, afastando-se a qualificadora de antecipação de parto (art. 19, CP)

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c) LESÕES CORPORAIS GRAVÍSSIMAS (art. 129, § 2º, CP)

c.1) Incapacidade permanente para o trabalho• O resultado qualificador pode ser produzido a título de dolo direto ou eventual ou culpa. Admite-se, portanto, a tentativa.• Inaptidão permanente = impossibilidade de caráter duradouro, não perpétuo.• Trabalho (controvérsia):

1ª Corrente: para Hungria, Damásio, Bitencourt trata-se de trabalho em sentido genérico (qualquer espécie). Incide a qualificadora se a vítima não puder mais exercer qualquer trabalho. Paulo José da Costa Jr. entende que é trabalho em sentido genérico, mas depende da vítima que se, por exemplo, for um violinista excepcional, que não pode mais tocar, a lesão é gravíssima. 2ª Corrente: Para Rogério Greco e Álvaro Mayrink da Costa é trabalho em sentido restrito. Somente a atividade desenvolvida pela vítima (natureza intelectual ou física). Assim, se a vítima ficar incapacitada para o trabalho que antes desenvolvia, aplica-se a qualificadora.

c.2) Enfermidade Incurável• O resultado qualificador pode ser produzido a título de dolo direto ou eventual ou culpa. Admite-se a tentativa.• Trata-se de um juízo de probabilidade: doença cuja curabilidade ainda não é conseguida no estágio atual da medicina (ex.: hepatite C). • AIDS (controvérsia: p/ R. Greco é tentativa de homicídio art. 121, CP).

c.3) Perda ou inutilização de membro, sentido ou função• O resultado qualificador pode ser produzido a título de dolo direto ou eventual ou culpa.• Admite-se tentativa.• Perda = destruição, ablação ou privação.• Inutilização = falta de utilidade, ainda que esteja presente o órgão ou membro.• Obs.: Cirurgia de mudança de Sexo (Transexual) não caracteriza lesão corporal. Trata-se de fato atípico, pois não há dolo (animus laedendi). Na verdade, o médico está fazendo um bem ao paciente, que, aliás, presta seu consentimento na intervenção cirúrgica, o que pode ser interpretado como uma causa supralegal de exclusão da ilicitude. O Conselho Federal de Medicina autoriza a prática, afirmando não se tratar de "crime de mutilação previsto no artigo 129, CP" (Resolução 1565/2002).

c.4) Deformidade permanente• O resultado qualificador pode ser produzido a título de dolo direto ou eventual ou culpa.• Admite-se tentativa.• Deformar = modificar esteticamente a forma anteriormente existente, de forma visível e grave o corpo da vítima, ainda que essa visibilidade seja limitada a algumas pessoas.• A deformidade deve ser significativa, causando vexame ao portador e desgosto ou desagrado a quem o vê, sem que necessariamente atinja os limites de coisa horripilante ou aleijão.• Permanente = duradoura, mesmo que reversível mediante cirurgia plástica.

c.5) Aborto

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• Segundo entendimento majoritário, o resultado aborto somente é punido a título de culpa (crime preterdoloso). Não admite tentativa.• Se o agente tinha a intenção de interromper a gravidez e matar o feto ou assumiu o risco da produção do resultado, o dolo era de aborto. • O dolo do agente deve ser somente de produzir lesão corporal em mulher sabidamente grávida, sendo o resultado agravador objetivamente previsível. Se também houver dolo de provocar o aborto, há concurso formal impróprio – regra do cúmulo material.• Se o dolo (direto ou eventual) era somente de produzir a morte do feto, incide o art. 125, CP (as lesões de natureza leve são inerentes ao delito de aborto). Havendo lesões de natureza grave para a gestante, há aborto qualificado (art. 127, CP).• Nucci, em sentido contrário, sustenta que é possível o dolo no resultado qualificador (aborto), respondendo o agente somente pela lesão corporal qualificada. Cabível, portanto, para ele a tentativa.

d) LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE ou "HOMICÍDIO PRETERDOLOSO" (art. 129, §3º, CP)

• Crime preterdoloso por excelência, a conduta do agente deve ter sido finalisticamente dirigida a produção das lesões corporais. O resultado morte (previsível) é atribuído a título de culpa. Não se admite tentativa.• O resultado dever ser objetivamente previsível. Ex.: rasteira na dunas - pedra oculta na areia - traumatismo craniano - morte - imprevisível (afasta a qualificadora) x rasteira nas pedras do Arpoador - batida da cabeça no chão - morte - previsível (incide a qualificadora).• Para Bitencourt, se ação não é orientada com o ânimo de lesar a integridade corporal, mas executada com imprudência, causando o resultado morte, configura-se homicídio culposo.

e) LESÃO CORPORAL CULPOSA (ART. 129, §6º, CP)

• Não há distinção entre maior ou menor importância do dano material (lesão corporal), a pena é a mesma para lesão leve e grave (item 42, da Exposição de motivos à parte especial). A gravidade da lesão repercute na aplicação da pena, mas não modifica a natureza do delito.• PERDÃO JUDICIAL (Art. 129, §8º, CP).• Aplica-se à lesão corporal culposa o fundamento do art. 121, §5º, CP para o perdão judicial. • Atenção: Lesão corporal culposa na condução de veículo automotor (art.303, CTB) - pena 6 meses a 2 anos e suspensão/proibição de dirigir (pena mais grave do que a prevista no CP = detenção de 2 meses a 1 ano).

f) LESÕES CORPORAIS QUALIFICADAS POR VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ou "LESÕES CORPORAIS DOMÉSTICAS" (art. 129, §9º, CP)

• Os parágrafos 9º e 10 foram acrescentados pela lei nº 10886/2004 e, posteriormente, a lei nº 11340/2006 (Lei "Maria da Penha") modificou a pena.• § 9º - lesões corporais de natureza leve + violência doméstica – pena de detenção de 3 meses a 3 anos. • §10 - CAUSA DE AUMENTO DE PENA, nos casos dos §§1º a 3º - lesões de natureza grave, gravíssima e seguidas de morte + violência doméstica - aumento de 1/3 nas penas cominadas.• Sujeitos passivos: ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro.• Basta a relação doméstica, prescindindo-se a coabitação entre autor e vítima.

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• Conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 5º, Lei nº 11340/06).

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

• Se a vítima é mulher, impõe-se tratamento mais severo: Veda-se a aplicação da lei 9099/95, impedindo a suspensão condicional do processo:Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n o 9.099, de 26 de setembro de 1995. Veda-se, a ainda, a aplicação de pena de cesta básica ou outra prestação pecuniária, bem como o pagamento isolado de multa. Todavia, a doutrina majoritária entende cabível a aplicação do art. 44, CP, por se tratar de lesão corporal leve. Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.• §11 CAUSA DE AUMENTO DE PENA - se a violência é praticada no âmbito doméstico contra pessoa portadora de deficiência - aumento de 1/3.

INFORMATIVO 383/STJ3ª SEÇÃO

COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.Vê-se a legalidade da Resolução n. 7/2006 do TJDFT, que atribuiu aos juizados especiais criminais (com exceção de determinadas circunscrições) a competência para as causas decorrentes de violência familiar e doméstica contra a mulher. Note-se que não se trata de aplicar a Lei n. 9.099/1995 a esses casos (o que é vetado pelo art. 41 da Lei n. 11.340/2006), pois, no art. 2º daquela resolução, está expressamente ressaltado que os procedimentos instituídos pela Lei n. 9.099/1995 não se confundem com os da Lei 11.340/2006: há o alerta de que eles devem ser aplicados separadamente, conforme seus respectivos ritos. Precedente citado: CC 96.522-MG, DJ 19/12/2008. CC 97.456-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 11/2/2009.

INFORMATIVO 384/STJ3ª SEÇÃO

COMPETÊNCIA. AGRESSÃO. NAMORO.Discute-se, em conflito de competência, se o disposto na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) é aplicável às relações entre namorados. Para a Min. Relatora, como o art. 5º da citada lei dispõe que a “violência doméstica” abrange qualquer relação íntima de afeto e dispensa a coabitação, cada demanda deve ter uma análise cuidadosa, caso a caso. Deve-se

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comprovar se a convivência é duradoura ou se o vínculo entre as partes é eventual, efêmero, uma vez que não incide a lei em comento nas relações de namoro eventuais. No caso, o suposto fato delituoso não se amolda aos requisitos exigidos na Lei Maria da Penha. Dessa forma, a Seção declarou competente o juízo de Direito do juizado especial criminal, o suscitado. Precedente citado: CC 85.425-SP, DJ 26/6/2007. CC 91.979-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/2/2009.

INFORMATIVO 388/STJ3ª SEÇÃO

LEI MARIA DA PENHA. EX-NAMORADA. RELAÇÃO ÍNTIMA. AFETO.Na espécie, foi lavrado termo circunstanciado para apurar a conduta do réu, suspeito de ameaçar sua ex-namorada. O juízo de Direito declinou da competência para o juizado especial, aduzindo que a conduta narrada nos autos não se encontra dentro das perspectivas e finalidades inerentes à Lei da Violência Doméstica. Por sua vez, o juizado especial criminal entendeu por suscitar conflito perante o Tribunal de Justiça, pois o caso em análise enquadrar-se-ia na Lei Maria da Penha, e este declinou da competência para o STJ. A Min. Relatora entendeu que a Lei n. 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, III, caracteriza como violência doméstica aquela em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Contudo é necessário salientar que a aplicabilidade da mencionada legislação a relações íntimas de afeto, como o namoro, deve ser analisada em face do caso concreto. Não se pode ampliar o termo “relação íntima de afeto” para abarcar um relacionamento passageiro, fugaz ou esporádico. In casu, verifica-se nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre agressor e vítima, que estaria sendo ameaçada de morte após romper o namoro de quase dois anos, situação apta a atrair a incidência da referida lei. Assim, a Seção conheceu do conflito para declarar a competência do juízo de Direito. Precedente citado: CC 90.767-MG, DJe 19/12/2008. CC 100.654-MG , Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/3/2009.

4. CAUSAS DE DIMINUIÇÃO, SUBSTITUIÇÃO E AUMENTO DE PENAa) CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA (§4º):

• Redação idêntica ao § 1º, do art. 121, CP (homicídio "privilegiado"). • Aplica-se o mesmo raciocínio = presentes os requisitos DEVE incidir a causa de diminuição. PODE = redução de 1/6 a 1/3.• Incide em todas as modalidades de lesão: leve, grave, gravíssima, seguida de morte e violência doméstica (por questões de política criminal - provocações da vítima).

b) SUBSTITUIÇÃO DA PENA (§5) • 1ª Hipótese: Se há lesões corporais leves + hipóteses do § 4º (privilégio).• 2ª Hipótese: Se há lesões corporais leves recíprocas (pressupõe que ambas as lesões são injustas).• Procede-se à substituição da pena de detenção por multa.• Na primeira hipótese, o julgador deve optar pela redução da pena (§4º) ou pela substituição por multa (§5º), não cabendo cumulação.• Incabível a substituição na hipótese de violência doméstica contra mulher (§9º), por expressa vedação legal de aplicação de pena de multa isoladamente (art. 17, da lei 11340/06).

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c) AUMENTO DE PENA c.1) §7º: Aumenta-se a pena de 1/3 em qualquer das hipóteses do artigo 121, § 4º, CP :

• Para lesões corporais culposas:1. inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício - não se confunde com imperícia (falta de capacidade, de conhecimentos técnicos, de habilidade, destreza ou competência para o exercício de qualquer atividade profissional); O agente, embora portador de conhecimentos técnicos necessários para o exercício de sua profissão, arte, ou ofício, deliberadamente o desatende. A inconsideração com que age, desprezando as regras de seu ofício e, por esse desinteresse, provoca o fato punível. 2. Omissão de socorro - exige-se a conduta culposa antecedente + a inexistência de morte instantânea (torna viável o socorro prestado pelo agente).3. Não busca diminuir as conseqüências do delito, atenuando os desdobramentos da conduta culposa (redundância com a omissão de socorro).4. A fuga para evitar a prisão em flagrante - magnitude do injusto + razões de política criminal ( favorecimento da eficiência da administração da justiça).

• Para lesões corporais dolosas (parte final) - vítima menor de 14 anos ou maior de 60 anos.

c.2) §10 - aumento de 1/3 nas penas cominadas nos §§1º a 3º - lesões de natureza grave, gravíssima e seguidas de morte + violência doméstica.c.3) §11 - aumento de 1/3 na pena cominada no §9º, se a violência doméstica for cometida contra pessoa portadora de deficiência (definidas nos art. 3º e 4º, do Decreto 3298/99, que regulamentou a lei 7853/89).5. PENA, INICIATIVA DA AÇÃO PENAL E COMPETÊNCIA

• Lesão corporal leve ou simples (art. 129, CP) - detenção, de 3 meses a 1 ano.• Lesão corporal culposa (§6º) - detenção, de 2 meses a 1 ano.

Competência dos Juizados Especiais Criminais. Admitem composição dos danos (art. 72, da lei 9099/95) e transação penal (art. 76). Ação penal é pública condicionada à representação do ofendido (art. 88, da lei 9099/95).

• Lesão corporal leve com violência doméstica (§9º) - detenção, de 3 meses a 3 anos.

1ª corrente (Greco): ação penal pública condicionada à representação do ofendido (art. 88, da lei 9099/95), por se tratar de lesão leve. A redação do artigo 16, da lei 11340/2006, apesar de ruim, parece dar margem a este entendimento. 2ª corrente (Nucci, STJ): ação penal pública incondicionada (a lei 10886/04 com alteração da lei 11340/06 criou novo tipo penal). Bitencourt, apesar de não se posicionar, sugere essa alteração como inovação relevante no âmbito da lei.

INFORMATIVO 382/STJ6ª TURMA

LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA.A Turma, por maioria, denegou a ordem, reafirmando que, em se tratando de

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lesões corporais leves e culposas praticadas no âmbito familiar contra a mulher, a ação é, necessariamente, pública incondicionada. Explicou a Min. Relatora que, em nome da proteção à família, preconizada pela CF/1988, e frente ao disposto no art. 88 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afasta expressamente a aplicação da Lei n. 9.099/1995, os institutos despenalizadores e as medidas mais benéficas previstos nesta última lei não se aplicam aos casos de violência doméstica e independem de representação da vítima para a propositura da ação penal pelo MP nos casos de lesão corporal leve ou culposa. Ademais, a nova redação do § 9º do art. 129 do CP, feita pelo art. 44 da Lei n. 11.340/2006, impondo a pena máxima de três anos à lesão corporal qualificada praticada no âmbito familiar, proíbe a utilização do procedimento dos juizados especiais e, por mais um motivo, afasta a exigência de representação da vítima. Conclui que, nessas condições de procedibilidade da ação, compete ao MP, titular da ação penal, promovê-la. Sendo assim, despicienda, também, qualquer discussão da necessidade de designação de audiência para ratificação da representação, conforme pleiteava o paciente. Precedentes citados: HC 84.831-RJ, DJe 5/5/2008, e REsp 1.000.222-DF, DJe 24/11/2008. HC 106.805-MS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 3/2/2009.

INFORMATIVO 385/STJ6ª TURMA

LEI MARIA DA PENHA. REPRESENTAÇÃO.A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais. HC 113.608-MG , Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 5/3/2009.

INFORMATIVO 395/STJ6ª TURMA

COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.Preliminarmente, a Turma entendeu que o MP tem legitimidade para propor habeas corpus que objetiva o julgamento pela autoridade que entende competente. Não se trata de revisão pro societate, mas sim questão de ordem pública, qual seja, a competência rationae materiae. No mérito, asseverou que a Lei de Organização Judiciária local, no caso, o Distrito Federal, estabelece que cabe ao juiz presidente do Tribunal do Júri processar os feitos de sua competência, ainda que anteriores à propositura da ação penal (art. 19 da Lei n. 8.185/1991, com a redação da Lei n. 9.699/1998). Assim, nulo é o processo por crime doloso contra a vida, mesmo que decorrente de prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, que transita perante o juizado especial criminal. Logo, ao prosseguir o julgamento, a Turma concedeu a ordem para anular o processo a partir do recebimento da denúncia, encaminhando os autos para o Tribunal do Júri, o competente para processar e julgar o feito. HC 121.214-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/5/2009.

Admite suspensão condicional do processo (art. 89, da lei 9099/95), salvo se há violência doméstica e familiar contra a mulher, pois o art. 41, da lei 11340/06 afasta a aplicação da lei 9099/95.

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• Lesão corporal grave (§1º) - reclusão, de 1 a 5 anos. Ação penal pública incondicionada Admite suspensão condicional do processo (art. 89, da lei 9099/95)

• Lesão corporal gravíssima (§2º) - reclusão, de 2 a 8 anos.• Lesão corporal seguida de morte (§3º) - reclusão, de 4 a 12 anos.

* ação penal pública incondicionada

Obs1.: Princípio da Insignificância e lesão corporal - Há quem entenda possível a aplicação quando, no caso concreto, a proteção conferida pelo Estado por meio do Direito Penal à integridade corporal ou à saúde faz-se desnecessária, dada a pouca ou nenhuma importância (insignificância) da lesão sofrida pela vítima. Ex.: espetar alguém com um alfinete. [Greco]Obs.2: Lesão corporal x Vias de fato (art. 21, do DL nº 3688/41) - a distinção está no dolo do agente. Na lesão corporal, o dolo é de ofender a integridade corporal ou a saúde da vítima (animus laedendi - ex. soco). Nas vias de fato, apesar de dirigir-se contra a vítima, a conduta não tem a magnitude da primeira (ex. tapa/ empurrão); caracterizam-se pela prática de atos agressivos, sem animus laedendi/vulnerandi, dos quais não resultem danos corporais; violenta ação contra alguém, com a intenção de causar-lhe um mal físico, sem, contudo feri-lo.Obs.3: Consentimento do ofendido: poderá afastar a ilicitude, sendo considerado uma causa supralegal, desde que a lesão corporal praticada seja de natureza leve (na hipótese, a integridade corporal e a saúde seriam bens disponíveis). ex. tatuagem, depilação.

CAPÍTULO IIIDA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

INTRODUÇÃO AOS CRIMES DE PERIGO1. Delito de dano ou de lesão - exige-se a efetiva lesão ou dano ao bem juridicamente protegido pelo tipo penal.2. Delito de perigo - não se exige a efetiva lesão ou dano, mas a prática de um comportamento que configure a probabilidade de dano ao bem juridicamente tutelado. É um degrau antecedente ao crime de dano. Para alguns doutrinadores, o crime de perigo tem natureza subsidiária - o crime de dano absorve o delito de perigo.3. Perigo – é probabilidade de lesão a um bem jurídico-penal. 4. Objetivo da incriminação - proibir comportamentos que tenham a probabilidade de causar danos aos bens jurídicos-penais ou impor condutas a fim de evitar dano. 5. Delitos de perigo concreto: a exigência do perigo faz parte do tipo objetivo (elemento normativo). • Para que haja consumação, além da comprovação da conduta do agente, é necessária a demonstração da real ocorrência do perigo de dano para o bem jurídico (delito de resultado de perigo).• É indispensável que o juiz verifique se o perigo ocorreu ou não no caso concreto (proximidade do perigo + capacidade lesiva do risco).• O momento avaliação do perigo é ex post (depois do comportamento) - Princípio da Lesividade - a não-produção do resultado de perigo significa a não-ocorrência de condições necessárias para tanto.

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6. Delitos de perigo abstrato: o perigo constitui unicamente a ratio legis, o motivo que inspirou o legislador a criar a figura delitiva. Castiga-se a perigosidade da conduta.• O perigo não é elemento normativo do tipo objetivo, pois há uma presunção legal iuris tantum de perigo na conduta. • Para ocorrer a consumação não é necessário que se verifique qualquer perigo real para o bem jurídico tutelado, bastando a comprovação da atividade finalística supostamente perigosa descrita no tipo penal (delito de mera atividade).• O momento avaliação do perigo é ex ante (no momento do início da realização) pela simples verificação do comportamento proibido ou imposto pelo tipo penal. • Assim, considera-se a posição do autor no momento do início da ação, as circunstâncias do caso concreto, os conhecimentos do autor e a experiência comum.• Se a produção do resultado não se afigura absolutamente improvável, a ação era perigosa, não bastando a previsibilidade objetiva do resultado.• O perigo é inerente à ação, logo, uma vez comprovada a absoluta ausência de perigo para o bem jurídico, a conduta é atípica.7. Crítica (Greco): A previsão de crimes de perigo abstrato implica violação ao Princípio da Lesividade, pois o Direito Penal só deve intervir se houver ameaça de lesão ou perigo para concretos bens jurídicos. Os crimes de perigo abstrato devem ser reinterpretados no sentido de se exigir efetiva comprovação do perigo, ou seja, devem ser tratados, na medida do possível, como infrações de perigo concreto.

FIGURAS TÍPICAS PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO

Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se é intenção do agente transmitir a moléstia:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 2º - Somente se procede mediante representação.

1. Bem jurídico: Saúde da pessoa humana (incolumidade contra doenças venéreas).

2. Sujeito ativo: qualquer pessoa contaminada por doença venérea (delito comum). Para Greco é próprio.

3. Sujeito passivo: qualquer pessoa (irrelevante o consentimento do ofendido, em razão da indisponibilidade do bem e do interesse público em evitar a transmissão de doenças).4. Tipo objetivo:

• Expor alguém a contágio. Para a maioria da doutrina é delito de perigo abstrato. Para Bitencourt é perigo concreto.• de moléstia venérea (elemento normativo extrapenal) - blenorragia, sífilis etc• AIDS - não é doença venérea, ainda que transmissível através de contato sexual - DST (de acordo com o propósito (DOLO) do agente, pode tipificar: art. 131 ou 129, §2º, II ou 121, CP).• Meio de execução vinculado: “por meio de relações sexuais” -

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conceito mais abrangente (cópula - conjunção carnal - e seus equivalentes fisiológicos ou qualquer ato libidinoso (destinado a satisfação do desejo sexual).• É indispensável o contato corporal direto. Não responde o agente pelo contágio subseqüente (mediato).

moléstia venérea grave + ato não libidinoso = art. 131, CP

moléstia grave (não venérea) + ato libidinoso = art. 131, CP

5. Tipo Subjetivo: • No caput - Para a maioria da doutrina: DOLO DE PERIGO direto (sabe) ou eventual (deve saber). • Para Bitencourt: há dolo direto (consciência + vontade) em ambas as expressões “sabe” (tem consciência) ou “deve saber” (possibilidade de ter consciência). • no § 1º: DOLO DIRETO DE DANO (intenção do agente transmitir) v. item 45 da Exp. Motivos. Se houver dolo eventual de dano, responde pela figura do caput.• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18, p único, CP).

6. Consumação: • Consuma-se com o contato sexual, independentemente do efetivo contágio (delito instantâneo). • Há controvérsia acerca da efetiva ocorrência da transmissão:• 1ª Corrente: Bitencourt, por entender que o crime de perigo de contágio venéreo não é subsidiário, mas especial em relação aos delitos de dano, sustenta que o efetivo contágio, resultando lesões corporais leves, é mero exaurimento, logo o agente não há que responder pelo crime de dano (lesões corporais). Como o dolo é de perigo, presume-se que o agente não tenha querido transmitir efetivamente a moléstia. Assim, só poderia responder por lesão corporal culposa, mas esta ficaria afastada, por ser punida com sanção menor que a cominada ao crime de perigo em estudo.• Contudo, na hipótese do §1º, do art. 130, a situação é distinta, pois há dolo direto de dano. Assim, se houver lesões corporais (leves, graves ou gravíssimas) em razão do efetivo contágio, o sujeito continuará respondendo por este tipo penal qualificado (§1º). Se, entretanto, ocorrer o resultado morte, deverá responder pelo art. 129, §3º, CP. • 2ª Corrente: Para Noronha, Fragoso, Rogério Greco e Moura Teles, que entendem que o delito de perigo tem natureza subsidiária em relação ao delito de dano, se do contágio resultar lesões corporais de natureza leve, prevalece o delito do artigo 130, CP. • Se as lesões forem de natureza grave, gravíssima ou seguidas de morte, pelo critério da consunção, o tipo de conteúdo penal mais amplo (norma consuntiva - art. 129, §§1º, 2º, 3º, CP) absorve o de menor abrangência (norma consumida - art. 130, CP), que constitui uma etapa daquele. • CONCURSO DE CRIMES: É possível a hipótese de concurso formal impróprio entre crime contra os costumes e o crime de perigo de contágio venéreo, seja na figura básica, seja na figura qualificada. Ex.: estupro ou atentado violento ao pudor e perigo de contágio de doença venérea.

7. Tentativa: admissível, em tese, no crime plurissubsistente, se por circunstâncias alheias à vontade do agente, não houver contato sexual (conjunção carnal ou atos libidinosos).

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8. Forma Qualificada(§1º)• Se o agente tem a intenção de transmitir a moléstia, não apenas de criar a situação de perigo de contágio. Há dolo de dano. Trata-se de delito de dano que o legislador excepcionalmente inseriu no capítulo dos crimes de perigo.• É crime formal. Pune-se a conduta de manter relação sexual ou outro ato libidinoso com a vítima desejando transmitir-lhe a doença venérea (a fim de causar-lhe um dano), embora seja dispensável a efetiva contaminação (resultado naturalístico).9. Pena:

• caput - detenção, de 3 meses a 1 ano ou multa. • §1º reclusão, de 1 a 4 anos e multa.

10. Ação Penal pública condicionada à representação (§2º)• A representação é condição de procedibilidade indispensável ao exercício da ação penal - razões de política criminal).11. Competência:

• Juizado Especial Criminal (art. 61, lei 9099/95) para o tipo básico do caput – admite-se transação penal/composição.• Na forma qualificada, a competência é do juízo comum e se admite a suspensão condicional do processo (art. 89, lei 9099/95).

PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLÉSTIA GRAVE Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.1. Bem jurídico: Saúde e incolumidade física da pessoa humana.

2. Sujeito ativo: qualquer pessoa contaminada por moléstia grave e contagiosa (delito comum; para Greco é próprio). Se apenas supõe estar contaminado sem de fato estar, é crime impossível (absoluta ineficácia do meio).

3. Sujeito passivo: qualquer pessoa determinada não contaminada. Se já estiver contaminada, é crime impossível (absoluta impropriedade do objeto).4. Tipo objetivo:

• Praticar ato capaz de produzir o contágio de moléstia grave de que está contaminado.

• É delito de resultado cortado - "fim de transmitir" - consiste na realização de um ato visando à produção de um resultado (contágio) que fica fora do tipo e sem a intervenção do autor.

• Moléstia grave é aquela que afeta seriamente a saúde, perturbando o funcionamento do organismo (elemento normativo extrajurídico do tipo - delimitação a ser dada pela ciência médica/ constatação via perícia). • É indispensável que a moléstia seja transmissível por contágio (lepra, tuberculose).• Qualquer meio – delito de forma livre – meios diretos (contato corpóreo) ou indiretos (objetos contaminados).

5. Tipo Subjetivo: • Dolo direto de dano (vontade livre e consciente dirigida à pratica de ato idôneo a transmitir a moléstia grave) + Elemento subjetivo do injusto (finalidade transcendente - especial fim de agir - delito de tendência interna transcendente) - "com o fim de transmitir".• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18, p

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único, CP)6. Consumação:

• Consuma-se o crime com a prática de conduta idônea à transmissão da doença (delito formal), independentemente do efetivo contágio. • Se houver efetivo contágio, há exaurimento do crime. Se houver lesões corporais leves ou graves, incide o sujeito nas penas do crime do artigo 131, CP. Se, entretanto, as lesões forem gravíssimas responderá pelo art. 129, §2º, CP ou, se ocorrer o resultado morte, deverá responder pelo art. 129, §3º, CP. • Se o contágio da pessoa visada implica criação de perigo comum (ex.: propagação de epidemia) - há concurso formal do crime do artigo 131 com art. 267, §2º (epidemia culposa) ou com art. 268, CP).

7. Tentativa: admissível, em tese, no crime plurissubsistente, se por circunstâncias alheias à vontade do agente, não houve a prática do ato idôneo à transmissão da doença.8. Pena:

• Reclusão, de 1 a 4 anos e multa.• Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89, lei 9099/95).

9. Ação Penal é pública incondicionada.

PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998).1. Bem jurídico: Vida e Saúde da pessoa humana (expostas a perigo direto e iminente).

2. Sujeito ativo: qualquer pessoa (delito comum).

3. Sujeito passivo: • Qualquer pessoa individualizada (determinada). • É irrelevante o consentimento do ofendido. • Se o sujeito passivo tem o dever legal de arrostar o perigo (bombeiro, policial) ou se o perigo é inerente ao exercício do ofício ou profissão (piloto de prova, operário da indústria de armamentos, explosivos) não há o crime previsto no art. 132, CP.

4. Tipo objetivo: • Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto (dirigido a pessoas determinadas) e iminente (prestes a acontecer, sendo irrelevante o perigo futuro, remoto ou presumido) - delito de perigo concreto.

• Parágrafo único: "em desacordo com as normas legais" - norma penal em branco.

• Trata-se de delito expressamente subsidiário - "se o fato não constituir crime mais grave" (ex.: art.15, da lei 10826/2003 - disparo de arma de fogo; art. 306 e 311, da Lei 9503/97).

5. Tipo Subjetivo:

• Dolo direto de perigo (vontade livre e consciente dirigida à pratica de

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ato idôneo a expor outrem a perigo) ou eventual (não deseja diretamente, mas prevê e aceita o perigo).• Se o dolo é de dano - ofender a saúde/integridade física ou suprimir a vida, trata-se, respectivamente de lesão corporal ou homicídio.• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18, p único, CP).

6. Consumação: • Ocorre com a efetiva exposição da saúde ou a da vida vítima a perigo direto e iminente (concreto).

7. Tentativa: Sendo crime plurissubsistente (possível fracionar-se o iter criminis), é admissível, se por circunstâncias alheias à vontade do agente, não houve exposição a perigo.8. Causa de Aumento de Pena (par. único): aumenta-se de 1/6 a 1/3 (acrescido pela lei 9777/98).

• Circunstância: ransporte de pessoas para prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais (lei penal em branco) – há maior desvalor da conduta.

9. Pena: • caput - detenção, de 3 meses a 1 ano.• parágrafo único: aumento de 1/6 a 1/3 .

9. Competência:• Juizado Especial Criminal (art.61, lei 9099/95).• Admite-se a transação penal e a suspensão condicional do processo (art.89, lei 9099/95).

10. Ação Penal pública incondicionada.

ABANDONO DE INCAPAZ Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

Aumento de pena

§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:

I - se o abandono ocorre em lugar ermo;

II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.

III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

1. Bem jurídico: Vida e Saúde da pessoa humana.

2. Sujeito ativo: aquele que tenha especial relação de assistência (a condição de garantidor do bem jurídico é elementar do tipo) para com a vítima (delito especial próprio) – relação de cuidado, guarda, vigilância ou imediata autoridade. Não havendo este vínculo, o abandono pode configurar omissão de socorro (art. 135, CP) ou exposição a perigo (art. 132, CP).

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3. Sujeito passivo: pessoa que, estando sob cuidado, guarda, vigilância ou autoridade do sujeito ativo, revela-se incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. Não se confunde com capacidade civil. É irrelevante o consentimento da vítima.4. Tipo objetivo:

• Abandonar (desamparar, deixar sem assistência) pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.

• Abandono (temporário ou definitivo): implica deixar a vítima desamparada ou sob o poder de quem não lhe dispensa a devida assistência.

• É indispensável que haja entre o sujeito ativo e a vítima uma especial relação, cuja transgressão acarrete perigo concreto (efetivamente provado) à incolumidade desta.

• Não há perigo se o agente, após abandonar a vítima:

adota medidas hábeis a afastar perigo a sua incolumidade, ou

deixa-a em lugar onde lhe é dispensada assistência ou

fica observando a distância, aguardando que terceiro recolha a vítima.

• Cuidado: é a assistência a quem, acidentalmente, se encontra incapacitado de defender-se (enfermeiro/paciente).

• Guarda: é a assistência permanente prestada ao incapaz de zelar por si próprio (pai/filho).

• Vigilância: é a assistência acautelatória p/ resguardar a integridade de outrem (guia/turista; salva-vidas/banhistas).

• Autoridade: é o poder (público/privado) exercido por alguém sobre outrem (diretor/aluno; sargento/soldado; agente penitenciário/preso).

• A conduta pode ser comissiva (ex. conduz a vítima a lugar perigoso e a abandona) ou omissiva (é crime omissivo próprio, pois a qualidade de garantidor é inerente ao tipo penal) - não impedir o perigo. Ex.: enfermeiro se omite e deixa o doente mental escalar o telhado expondo-o a perigo.

5. Tipo Subjetivo:

• Dolo direto (vontade livre e consciente dirigida à pratica de abandonar a perigo) ou eventual (não deseja diretamente, mas prevê e aceita o perigo).• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18, p único, CP).

6. Consumação: • Ocorre com o efetivo abandono, se deste resultar perigo concreto à saúde ou à vida da vítima.• É delito instantâneo (consumação ocorre num momento certo, que pode ter efeitos permanentes, se ocorrer dano - objeto jurídico destrutível).

7. Tentativa: sendo crime plurissubsistente, em tese, é admissível, quando por circunstância alheia à vontade do agente afasta-se a possibilidade do perigo concreto.8. Formas qualificadas (delito qualificado pelo resultado - preterdoloso - pune-se o resultado agravador a título de culpa). • O dolo inicial é de perigo que, por natureza, é incompatível com o dolo de

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dano. O agente não pode ter desejado nem assumido o risco do resultado.• §1º - se resulta lesão corporal grave (leia-se grave ou gravíssima, pois não há distinção) - reclusão, de 1 a 5 anos (mesma pena de lesão corporal grave - art. 129, §1º, CP). • §2º - se resulta morte - reclusão, de 4 a 12 anos (mesma pena de lesão corporal seguida de morte - art. 129, §3º, CP). • Atenção! Bitencourt distingue duas hipóteses:

• 1ª situação - o sujeito passivo é capaz de defender-se e o sujeito ativo é garantidor - se a omissão deste permite a ocorrência do resultado, aplica-se a regra do art. 13, §2º, CP - omissão imprópria.

• Ex.: banhista sabe nadar, mas passa mal e se afoga pela omissão do guardião.

• 2ª situação - o sujeito passivo é incapaz de defender-se e o sujeito ativo é o garantidor na relação especial descrita no crime de perigo. Se este abandonar o sujeito passivo, por ação ou omissão, e sobrevier o resultado de dano, aplicam-se as formas qualificadas (art. 133, §§1º e 2º).

• Ex.: sargento experiente em instrução na selva abandona pelotão de recrutas à própria sorte (perigo), os quais acabam sofrendo lesões corporais de natureza grave (resultado mais grave).

• Para Rogério Greco, se há resultado na forma de lesões corporais de natureza leve, responde por concurso formal. Entretanto, parece melhor o entendimento de que as lesões leves estariam absorvidas como mero exaurimento do crime de perigo, já que a pena em abstrato deste é superior à do caput do artigo 129, CP. As lesões leves poderiam funcionar como circunstância judicial (conseqüência do crime) elevando a pena-base.

9. Causas de Aumento de Pena (§3º): +1/3• Em lugar ermo (habitualmente isolado, solitário, pouco freqüentado) - afasta-se a majorante se o lugar está acidentalmente ermo ou se o local está habitado.• Se o agente é ascendente ou descendente, irmão, tutor ou curador, cônjuge da vítima (deveres inerentes de parentesco, matrimônio, tutela, curatela).• E o companheiro? Em observância ao princípio da legalidade, na vertente nullum crimen nulla poena sine lege stricta, que proíbe o emprego de analogia in malam partem, não se pode aplicar a causa de aumento de pena, pois os termos cônjuge e companheiro denotam situações jurídicas diferentes, não obstante haver o dever de assistência entre companheiros (art. 1724, CC). A enumeração é taxativa.• Se a vítima maior de 60 anos (Lei 10741/2003 - estatuto do idoso) - a qualidade da vítima afasta a possibilidade de uma efetiva reação e aumenta a probabilidade de produção do resultado (maior perigo da ação).

10. Pena:• caput - detenção de 6 meses a 3 anos. • §1º - se resulta lesão corporal grave - reclusão, de 1 a 5 anos.• §2º - se resulta morte - reclusão, de 4 a 12 anos.• §3º Causas de Aumento de Pena : +1/3.• Admite-se a suspensão condicional do processo (art.89, lei 9099/95) para as hipóteses do caput (tipo penal básico) e do § 1º (forma qualificada por lesões corporais graves).

11. Ação Penal é pública incondicionada.

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EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - detenção, de dois a seis anos.

Conceito: trata-se de espécie privilegiada de abandono de incapaz, erigida à categoria de delito autônomo (delictum exceptum) - modalidade especial.1. Bem jurídico: Vida e Saúde do recém-nascido (até sete dias, segundo a doutrina).

• O objeto material é o recém-nascido.

2. Sujeito ativo: É a mãe que concebe extramatrimonium (critério restritivo) - crime próprio.

• Em caso de concurso de pessoas, comunica-se aos eventuais co-autores ou particípes o motivo de honra, condição pessoal, já que se trata de elementar do tipo (art. 30, CP).

• A honra é sexual. Não se aplica o motivo de honra à meretriz, à "mãe solteira" com prole numerosa cuja gravidez é notória ou patente, à mulher que sabidamente já tem prole ilegítima.

3. Sujeito passivo: o recém-nascido, ou seja, a criança nos primeiros dias após o parto, quando ainda se possa evitar a divulgação de seu nascimento e ocultar a desonra.4. Tipo objetivo:

• Expor ou abandonar (do ponto de vista jurídico-penal utilizados como sinônimos) recém-nascido, para ocultar desonra própria (tipo misto alternativo).

• Abandono (temporário ou definitivo, o lapso da duração é indiferente) implica deixar a vítima desamparada ou sob o poder de quem não lhe dispensa a devida assistência.

• É indispensável que ocorra perigo concreto (efetivamente provado) à incolumidade do recém-nascido. Caso contrário não haverá crime.

• Não há perigo (e não há crime) se o agente, após abandonar a vítima, adota medidas hábeis a afastar perigo a sua incolumidade, ou deixa-a em lugar onde lhe é dispensada assistência ou fica observando a distância, aguardando que terceiro recolha a vítima. É nítida a ausência do dolo de abandonar.

5. Tipo Subjetivo:

• Dolo direto de perigo (vontade livre e consciente dirigida à pratica de ato idôneo a expor ou abandonar) + Elemento subjetivo do injusto (finalidade transcendente - especial fim de agir - delito de tendência interna transcendente) - "para ocultar desonra própria" - ausente o motivo de honra, há desclassificação para o artigo 133, CP.• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18,

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p único, CP).• Modalidade comissiva - há deslocamento (Fragoso). Ex.: mãe leva o recém-nascido a lugar ermo e o abandona.• Modalidade omissiva - não há deslocamento. Ex.: após o parto, a mãe abandona o filho no local.

6. Consumação: • Ocorre com a efetiva exposição ou abandono, se deste resultar perigo concreto à saúde ou à vida do neonato.• É delito instantâneo (consumação ocorre num momento certo) que pode ter efeitos permanentes na forma qualificada - objeto jurídico destrutível.

7. Tentativa: por ser crime plurissubsistente, é admissível a tentativa quando, por circunstância alheia à vontade do agente, afasta-se a possibilidade do perigo (ex.: mãe surpreendida quando se dirige a um lugar remoto para abandonar o recém-nascido).8. Formas qualificadas (delito qualificado pelo resultado (preterodoloso) - pune-se a título de culpa):

• §1º - se resulta lesão corporal grave - detenção, de um a três anos.• §2º - se resulta morte - detenção, de dois a seis anos (mesma pena do infanticídio).• obs.: se há animus necandi (dolo de matar), o abandono é considerado meio de execução do homicídio. Pode-se invocar, na hipótese, relevante valor moral (ocultar desonra).

9. Pena:• Tipo simples - caput - detenção, de seis meses a dois anos - competência do Juizado Especial Criminal (art. 61, lei 9099/95) - admite transação penal e suspensão condicional.• Tipo qualificado - § 1º - se resulta lesão corporal de natureza grave - detenção, de um a três anos - admite a suspensão condicional do processo (art.89, lei 9099/95) .• Tipo qualificado - § 2º - se resulta morte - detenção, de dois a seis anos (pena idêntica à do infanticídio).

10. Ação Penal é pública incondicionada.

OMISSÃO DE SOCORRO Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

1. Bem jurídico: Vida e Saúde da pessoa humana.

• Para alguns autores, a objetividade jurídica é o dever de solidariedade que deve existir entre os homens, no sentido da obrigação jurídica genérica a que estamos submetidos na convivência social. Nucci critica tal entendimento, pois a proteção contra o perigo é direcionada à pessoa determinada individualmente. Trata-se de crime contra a pessoa.

2. Sujeito ativo:

• Crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa desde que não

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tenha provocado, dolosa ou culposamente, a situação de perigo (delito comum) e desde que não goze do status de garantidor. É crime omissivo próprio por excelência.

• A doutrina majoritária admite o concurso de pessoas se há anuência entre os sujeitos (co-autoria e participação - instigação ou induzimento). Em sentido contrário (posição minoritária), entende-se inadmissível o concurso de pessoas (Nilo batista, Regis Prado).

• A assistência prestada por qualquer uma das pessoas presentes, salvo se insuficiente ou inadequada, exime as demais.

3. Sujeito passivo:

• Criança (art. 2º, ECA - até 12 anos - p/ Greco há maior segurança jurídica; para outros, depende do caso concreto, criança é aquela que ainda não tem capacidade de vigiar a si mesma; Nucci adota o critério da idade (12 anos) associado com a capacidade de evitar o perigo):

abandonada (entregue á própria sorte por aqueles que eram responsáveis);

extraviada (perdeu contato com aqueles que eram responsáveis)

• Pessoa (qualquer idade):

inválida (entregue a si mesma, não pode prover a sua própria segurança, por condições normais ou por acidente) ou

ferida (ofendida em sua integridade corporal, incapaz de buscar auxílio por si mesma).

• Qualquer pessoa (não se exigindo que seja inválida ou esteja ferida) em grave e iminente perigo (ameaça atual à vida ou à incolumidade física da pessoa).

4. Tipo objetivo: • Deixar de prestar assistência (direta), quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo;

• ou não pedir (indireta), nesses casos, o socorro da autoridade pública (delito omissivo próprio ou puro - a omissão vem narrada expressamente no tipo penal incriminador - dever genérico de proteção).

• O agente não tem a faculdade de escolher uma ou outra forma. Somente se não puder agir diretamente, deverá buscar auxílio na autoridade.

• Elemento Normativo - A presença do risco pessoal, na assistência direta, acarreta a exclusão da tipicidade da conduta e, na indireta, conduz somente à exclusão de sua ilicitude (estado de necessidade).

• A recusa da vítima em deixar-se socorrer não afasta a obrigação de prestar socorro, pois o bem juridicamente protegido é indisponível (independe de consentimento). Duas hipóteses: 1) pessoa consciente, que pretenda buscar socorro por si só e recusa ajuda direta; 2) moribundo fora de seu juízo normal, que repele o socorro. Caso seja impossível prestar diretamente o socorro, o agente deve pedi-lo à autoridade pública (2ª figura do tipo penal).

5. Tipo Subjetivo:

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• Dolo direto ou eventual de abster-se em prestar a assistência.• Não há crime, por atipicidade da conduta, quando em erro de tipo (vencível ou invencível), o omitente supõe o risco pessoal. Exclui do dolo e não há previsão de punição a título de culpa.• Ex.: o sujeito omite socorro a uma criança que está afogando-se em uma lagoa. Sem saber nadar, supõe que são águas profundas. Verifica-se posteriormente que a lagoa era de pequena profundidade. Aplica-se a teoria do erro de tipo (CP, art. 20, caput).• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18, p único, CP).

6. Consumação: • Crime de mera conduta, consuma-se quando o agente não presta o socorro, expondo o bem jurídico a perigo. • Crime Instantâneo; de efeitos permanentes, se ocorrer o resultado previsto para causa de aumento de pena.

7. Tentativa: segundo entendimento majoritário, é inadmissível, pois é crime omissivo e unissubsistente (a abstenção é infracionável).8. Causa de aumento de pena – Figura preterdolosa, incide o aumento de pena pelo resultado mais grave ocorrido somente a título de culpa. O dolo inicial é de perigo que, por natureza, é incompatível com o dolo de dano. O agente não pode ter desejado nem assumido o risco do resultado.

• Parágrafo único - Imprescindível a relação de causalidade entre a omissão e o resultado de dano. Deve haver nexo causal entre a abstenção e o resultado, ou seja, desde que o atendimento do comando de agir pelo agente tivesse obstado a superveniência daqueles resultados:

se da omissão resulta lesão corporal grave - a pena é aumentada da metade. se da omissão resulta morte - a pena é triplicada.9. Pena:

• Caput - detenção, de 1 a 6 meses ou multa. • Causa de aumento - parágrafo único: aumenta-se da metade se, da omissão resulta lesão corporal grave; triplica-se a pena se, da omissão sobrevém a morte.• Competência do Juizado Especial Criminal (art. 61, lei 9099/95).• Admite-se a transação penal e a suspensão condicional do processo (art.89, lei 9099/95) para as hipóteses do caput (tipo penal básico) e do parágrafo único (forma qualificada por lesões corporais graves ou morte).

10. Ação Penal é pública incondicionada. 11. Omissão de socorro no CTB – lei 9503/97 (art. 304) - especialização da omissão de socorro: trata-se de acidente em que o resultado não pode ser atribuído culposamente ao mototrista. Havendo culpa na ocorrência do acidente, aplicam-se os art. 303 (lesão) ou 302 (morte) e a omissão é causa de aumento de pena.12. Omissão de Socorro no Estatuto do Idoso (art. 97, da Lei 10741/2003) - princípio da especialidade - pessoa com idade maior ou igual a 60 anos (pena: detenção de 6 meses a 1 ano).

MAUS-TRATOS Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

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Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990)

1. Bem jurídico: Vida e Saúde da pessoa humana. • O objeto material é a pessoa que sofre os maus-tratos. 2. Sujeito ativo: Trata-se de delito próprio, pois os sujeitos ativo e passivo são qualificados.

• O tipo exige especial vinculação jurídica entre os sujeitos. É preciso que a pessoa esteja sob a autoridade, guarda ou vigilância do sujeito ativo, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. • Não é qualquer pessoa que pode ser sujeito ativo do delito, mas somente as pessoas legalmente qualificadas. • O sujeito ativo é a pessoa que tem outrem sob sua autoridade, guarda ou vigilância para as finalidades previstas em lei.• Em princípio, o marido não pode ser sujeito ativo do crime em face da mulher, pois não a tem sob autoridade, guarda ou vigilância com a finalidade de educação, ensino, tratamento ou custódia. Salvo se a mulher padecer de alguma doença ou debilidade mental (tratamento).

3. Sujeito passivo: • São aquelas pessoas que se encontram sob a autoridade, guarda ou vigilância de outra, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.• Educação: processo de desenvolvimento intelectual, moral e físico do ser humano, permitindo-lhe melhor integração social e aperfeiçoamento individual (ex.: tutor x tutelado).• Ensino: processo de transmissão de conhecimentos indispensáveis ao processo educacional.• Tratamento: processo de cura de enfermidade. Para Hungria, ainda abrange o fato continuado de prover a subsistência de uma pessoa.• Custódia: dar proteção a algo ou alguém. Para Hungria, envolve a detenção de uma pessoa para fim autorizado na lei.

4. Tipo objetivo: • Núcleo do tipo: "expor" significa colocar em risco. • Meios (tipo misto alternativo por causa dos variados meios - pode haver mais de uma conduta, mas o delito é único):

a) privação de alimentos - pode ser absoluta ou relativa. Para que ocorra a infração penal, é suficiente a privação relativa de alimentos por lapso de tempo razoável. A infração, nessa modalidade típica, é permanente (modalidade omissiva). Tratando-se de privação absoluta de alimentação, o fato pode constituir meio de execução do homicídio.b) privação de cuidados indispensáveis - vestuário, acomodação, higiene, assistência médica e odontológica (modalidade omissiva/permanente).c) sujeição da vítima a trabalho excessivo - é além do padrão de normalidade (ex.: trabalhar 18 horas por dia) ou inadequado (não se conforma com as particulares características da vítima – ex.: criança obrigada a fazer faxina) - modalidade comissiva.d) abuso de meios de correção e de disciplina - O excesso do sujeito que pretende corrigir (alguém errou e precisa ser "endireitado") ou disciplinar (para

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manter a ordem, evitando-se erros) pode ser constituído de violência física ou violência moral (ameaças, intimidações etc) - modalidade comissiva.5. Tipo Subjetivo:

• Dolo de perigo, direto ou eventual, acrescido do especial fim de agir ("para fim de ...").• Para Greco, há dolo de dano (lesões leves) na parte final (abuso dos meios de correção ou disciplina).• É diferente do crime de tortura (art. 1º, Lei 9455/97), em que a intensidade do sofrimento físico, mental, imposto é infinitamente maior e o dolo é de dano - causar sofrimento.• Não há modalidade culposa (Princípio da Excepcionalidade - art. 18, p único, CP).

6. Consumação: • Crime de perigo concreto, consuma-se com a efetiva criação de perigo para a vida ou saúde do sujeito passivo. • Em regra, é delito instantâneo, mas admite-se a forma permanente . Há controvérsia sobre a questão:• 1ª corrente (Majoritária - Greco, Regis Prado, Celso Delmanto, citado pelo Ministro Lewandowski, v. STF, HC86711/GO): Apenas as duas primeiras figuras seriam permanentes (privação de alimentos ou cuidados indispensáveis). Bitencourt fala em habitualidade para essas duas figuras.• 2ª corrente: Todas as figuras admitiriam a permanência.• 3ª corrente: Divergindo das duas posições acima, Nucci sustenta que todas as figuras são instantâneas, pois a consumação já ocorre no momento em que o bem jurídico (vida ou saúde) foi exposto a perigo concreto. Se a conduta prosseguir, trata-se de mero exaurimento. Nos crimes permanentes, cuja consumação se protrai no tempo, o agente, em tese, tem o poder de fazer cessar o prolongamento da consumação conforme a sua vontade, ou seja, o agente é senhor da sua paralisação. Mesmo que cessada a permanência contra a vontade do agente, o bem jurídico que, via de regra, é imaterial (ex.: liberdade), é imediata e totalmente restituído ao sujeito passivo. Ex.: no cárcere privado - o delito está se consumando enquanto a liberdade está sendo cerceada. Devolvendo-se a liberdade à vítima, cessa a permanência, pois o bem jurídico deixou de ser constrangido, embora o crime já esteja consumado. O mesmo não se poderia dizer de nenhuma figura do art. 136, CP, pois, cessada a conduta, o agente não restitui inteira e automaticamente o bem jurídico à vítima.• É crime de perigo concreto, que deve ser efetivamente demonstrado.

7. Tentativa: é admissível, quando for possível visualizar o fracionamento do iter criminis (plurissubsistente).8. Modalidades Qualificadas:

• Pune-se o resultado mais grave somente a título de culpa (crime preterdoloso).• §1º se resulta lesão corporal grave - reclusão de 1 a 4 anos.• §2º se resulta morte - reclusão de 4 a 12 anos (mesma pena da lesão corporal seguida de morte - art. 129, §3º, CP).

9. Causa de aumento de pena (§3º) + 1/3• Se a vítima menor de 14 anos aumenta-se a pena de 1/3 (parágrafo inserido pelo ECA) - critério adotado pelo CP para presunção de violência (art. 224, a, CP). • Comprova-se a idade na forma do art. 155, CPP - Ex.: documento de identidade.

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10. Pena:• Caput - detenção, de 2 meses a 1 ano ou multa (cabe transação penal). • Competência do Juizado Especial Criminal (art. 61, lei 9099/95).• §1º se resulta lesão corporal grave - reclusão de 1 a 4 anos.• §2º se resulta morte - reclusão de 4 a 12 anos.• Causa de aumento de pena (§3º) - 1/3.• Admite-se a suspensão condicional do processo (art.89, lei 9099/95) para as hipóteses do caput (tipo penal básico) e do § 1º (forma qualificada por lesões corporais graves), se não for cometido contra menor de 14 anos.• Atenção: Não incidem as agravantes genéricas do art. 61, II, "e", "f", "g", e "h", CP, pois tais relações fazem parte da descrição do tipo penal.• Ação Penal é pública incondicionada.

11. Maus-tratos no Estatuto do Idoso (art. 99, da Lei 10741/2003).• Princípio da especialidade - pessoa com idade maior ou igual a 60 anos.• Pena: caput - detenção, de 2 meses a 1 ano e multa (cabe transação penal). • competência do Juizado Especial Criminal (art. 61, lei 9099/95).• Formas qualificadas: • §1º se resulta lesão corporal grave - reclusão de 1 a 4 anos.• §2º se resulta morte - reclusão de 4 a 12 anos.• sem qualquer das motivações previstas no art. 136, CP - não há especial fim de agir.

CAPÍTULO IVDA RIXA

Rixa

Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção, de seis meses a dois anos.

1. Introdução:• É a briga entre mais de duas pessoas, acompanhada de vias de fato ou violências físicas recíprocas. Exige-se, no mínimo, a participação de três pessoas lutando entre si. Caracteriza-se pelo tumulto, pancadaria generalizada, de modo que cada sujeito age por si mesmo contra qualquer um dos outros contendores. As pessoas se agridem mutuamente sem objetivo certo.• Se existem duas pessoas lutando contra uma terceira, não há rixa. Os dois, de um lado, respondem pelos resultados produzidos no terceiro e este, por sua vez, será sujeito ativo de lesão corporal ou outro delito contra aqueles dois. Na hipótese, não se pode dizer que existe delito de rixa. • Não há crime de rixa, também, no caso de dois grupos definidos digladiarem-se, praticando lesões corporais recíprocas, distinguindo-se o comportamento de cada componente (ex.: torcidas organizadas; gangues). Quando isso ocorre, os componentes de cada grupo, sob o regime do concurso de agentes, respondem por lesão corporal ou homicídio.• Segundo o sistema da autonomia (adotado pelo nosso CP), a rixa é punida por si mesma, independentemente da morte ou da lesão corporal produzida em algum dos participantes ou em terceiro. • Apurando-se a autoria da morte ou da lesão corporal grave

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produzida durante o entrevero, o autor responde pelo delito do art. 121 ou 129, CP em concurso material com a rixa qualificada, enquanto os outros rixosos respondem pelo delito descrito no art. 137, parágrafo único, do CP (rixa qualificada, pela mera participação). Não identificado o autor, todos respondem pela rixa qualificada.

2. Bem jurídico tutelado:

• Protege-se a vida e a saúde física e mental da pessoa humana (crime contra a pessoa).

• A ordem pública não é objeto jurídico principal do delito de rixa, mas é tutelada por via indireta.

• Objeto material - os próprios contendores, os rixosos que participam da agressão tumultuária, praticando condutas contrapostas uns contra os outros.

3. Sujeito ativo e Sujeito passivo

• A rixa é crime de perigo abstrato, recíproco, coletivo (ou plurissubjetivo ou de concurso necessário). Só há delito quando três ou mais pessoas se agridem reciprocamente. Neste número mínimo, pode haver contendor inimputável (menor, doente mental) ou até mesmo não identificado (ex.: sujeito conseguiu evadir-se sem ser identificado).• É crime de concurso necessário (de encontro plurilateral), em que os rixosos são ao mesmo tempo sujeitos ativos e passivos, uns em relação aos outros. É óbvio que ninguém pode ser sujeito ativo e passivo de sua própria conduta, pois se não se pune a autolesão, também não se pune a autocolocação em perigo. O rixoso é sujeito ativo da conduta que pratica em relação aos demais e é sujeito passivo da conduta desses contra ele.• Sujeitos ativos da rixa são todos aqueles que se envolvem na prática de vias de fato ou lesões corporais recíprocas. • Sujeitos passivos são os mesmos rixosos. Um terceiro, estranho à rixa, também pode figurar como sujeito passivo, se for por ela atingido.• Um rixoso expõe a vida e a saúde dos outros a perigo abstrato de dano (o perigo é presumido pelo legislador), sofrendo os efeitos do comportamento daqueles.• Não obstante ser crime de concurso necessário, admite-se participação em sentido estrito, já que o partícipe não intervém diretamente no fato material, ou seja, não pratica a conduta descrita no tipo penal, mas realiza, sem o domínio do fato, atividade meramente acessória (auxílio material, induzimento ou instigação). Responde, portanto, pelo delito do artigo 137 com a norma de extensão do artigo 29, ambos do CP.• A doutrina mais antiga, fazia distinção entre participação na rixa (sentido amplo - como autor - ocorre por meio da prática de vias de fato ou lesões corporais) e participação no crime de rixa (em sentido estrito - como partícipe, concorrendo material ou moralmente - auxílio, induzimento ou instigação).

4. Tipo Objetivo• O núcleo do tipo é o verbo participar, que significa tomar parte, contribuir.• O sujeito pode ingressar na rixa depois de iniciada ou dela sair antes de terminada. Em ambos os casos, responde pelo delito de perigo. • Se, nas hipóteses acima, ocorre morte ou lesões corporais de natureza grave cumpre distinguir:

1ª hipótese: Se o resultado ocorreu antes de o sujeito ingressar na

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rixa, não responde pela morte ou lesões corporais de natureza grave. 2ª hipótese: Se, entretanto, o resultado ocorreu depois de o sujeito sair da rixa, responde pela morte ou pela lesão corporal grave ou gravíssima.

• É irrelevante a natureza do motivo da rixa. • O corpo-a-corpo não é imprescindível. A luta pode ser realizada por meio de lançamento de objetos.• A rixa difere do crime multitudinário (neste há convergência). Na rixa, os sujeitos agem uns contra os outros (delito de encontro plurilateral – é a luta de todos contra todos). No crime multitudinário, todos têm intenção comum, dirigida a fim determinado. ex.: arrastão/briga de torcidas (grupos definidos).• A rixa pode surgir de duas formas: • Ex Improviso – improvisada, surge subitamente.

• Ex Propositum – é quase agendada a rixa, é proposital.

• De acordo com a definição legal, não há rixa quando o sujeito intervém para separar os contendores. Assim, inexiste o delito se duas pessoas estão lutando e uma terceira intervém para separá-los. Falta o elemento subjetivo.• Não há, também, esse delito, quando duas pessoas agridem terceira. No caso, não está presente o requisito da reciprocidade. Por fim, não há o crime de rixa no caso de dois indivíduos estarem agredindo um outro, sendo que um quarto intervém em legítima defesa do que está sofrendo a agressão.• Como já mencionado, existe diferença entre participação - em sentido amplo - na rixa (ser autor) e participação - em sentido estrito - no crime de rixa (ser partícipe). Participação na rixa é a conduta de quem intervém diretamente na luta (praticando a conduta descrita no tipo penal, com o domínio final do fato). Existe participação no crime de rixa na conduta de quem concorre, de qualquer modo, para a luta, instigando, acoroçoando, auxiliando materialmente etc.• O resultado do crime de rixa é o perigo abstrato de dano, que, no caso, é presumido e não concreto. Significa que a simples participação na rixa produz o resultado típico (perigo), independentemente de qualquer conseqüência posterior (Sistema da autonomia).• Na hipótese de brigas de torcida, normalmente pode-se identificar a torcida, e não será rixa, a não ser que seja uma "briga generalizada", impossibilitando identificar as torcidas.

5. Classificação Doutrinária• A rixa é delito de concurso necessário (plurissubjetivo ou coletivo) de condutas contrapostas, de perigo abstrato, instantâneo, simples, de forma típica livre, comissivo e plurissubsistente (vários atos compondo o iter criminis).

6. Consumação e Tentativa:• Consuma-se a rixa com a prática de vias de fato ou violências recíprocas, instante em que há a produção do resultado, que é o perigo abstrato de dano.• Como vimos, a rixa pode ser súbita (ex improviso) ou preordenada (ex proposito). • É admissível, em tese, a tentativa de rixa na hipótese de surgimento ex proposito. É o caso de três ou mais pessoas combinarem uma briga entre si, em que cada uma lutará com qualquer delas. Suponha-se que a polícia intervenha no momento exato em que vai iniciar-se a série de violências recíprocas. 7. Tipo Subjetivo:

• É o dolo de perigo - "animus rixandi" - vontade de tomar parte na rixa.• Aquele que intervém para separar os contendores não age com animus

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rixandi, logo não há crime, por faltar o elemento subjetivo.• Inexiste crime na hipótese de rixa simulada ou jocandi animo. Neste caso, ocorrendo morte ou lesão corporal, o sujeito responde por crime de natureza culposa (homicídio culposo ou lesão corporal culposa).• Em princípio, não há que se falar em responsabilidade penal objetiva, pois ao participar da pancadaria, é objetivamente previsível que alguém possa se ferir gravemente ou morrer.• Se for identificado o autor da lesão grave ou da morte, o sujeito responderá por lesão corporal grave ou por homicídio em concurso material com a rixa qualificada e os demais por rixa qualificada (posição majoritária). Minoritariamente, há quem afirme que respondem somente pela rixa simples.• Não há previsão de rixa na modalidade culposa.

8. Formas qualificadas (art. 137, parágrafo único, do CP) :• Se ocorre morte, ou lesão corporal de natureza grave, sem identificação do autor, aplica-se a todos, pelo simples fato de participação na rixa, a pena de detenção, de 6 meses a 2 anos.• A morte e a lesão corporal de natureza grave são punidas a título de culpa (crime preterdoloso), em que a conduta antecedente - a rixa - é punido a título de dolo de perigo, enquanto o resultado qualificador - a morte ou a lesão corporal de natureza grave - é punido a título de culpa (CP, art. 19). São incompatíveis o dolo de perigo e o dolo de dano.• O CP emprega a expressão "lesão corporal grave" em sentido amplo, abrangendo as lesões corporais graves em sentido estrito e as gravíssimas (CP, art. 129, §§ lº e 2º). Em face disso, as vias de fato e a lesão corporal de natureza leve não qualificam o delito, sendo por ele absorvidas. • De acordo com o entendimento majoritário, nos termos da Exposição de Motivos (n° 48), apurando-se a autoria da morte ou da lesão corporal de natureza grave ocorrida durante a luta, o autor deve responder por dois crimes em concurso material: homicídio ou lesão corporal de natureza grave e rixa qualificada. Para Greco, haveria concurso formal, já que há uma só conduta com diversos resultados. • A pena é especialmente agravada pelo simples fato da participação na rixa em que ocorre morte ou lesão corporal grave de algum dos contendores ou de terceiro. Esta solução é também encontrada no próprio parágrafo único do art. 137 do CP, segundo o qual, se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, "pelo fato da participação na rixa'', a pena agravada. • Significa que, identificado o autor do homicídio ou da lesão corporal de natureza grave, "pelo fato da participação na rixa", em que ocorrem estes resultados, aquele também responde pelo crime com a pena agravada (rixa qualificada). • Crítica (Greco e Regis Prado): A solução legal não parece correta. Deveria o sujeito responder por homicídio ou lesão corporal de natureza grave em concurso (material ou formal) com rixa simples, e não com rixa qualificada, sob pena de bis in idem.• O rixoso que sofreu lesão corporal de natureza grave também responde por rixa qualificada. O parágrafo único do art. 137 não faz nenhuma distinção (Noronha). • Havendo lesão corporal de natureza leve, e apurando-se a autoria, o sujeito que a produziu responde por crime de lesão corporal leve em concurso (material ou formal) com rixa simples. Os outros rixosos também respondem por rixa simples. Não sendo individualizada a autoria da lesão corporal de natureza leve, todos respondem por rixa simples.

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• As vias de fato são sempre absorvidas pela rixa simples. • Se houver tentativa de homicídio, não há que se falar em rixa qualificada, uma vez que essa figura típica exige o dolo de perigo e a produção de lesão grave ou morte, a título de culpa, para qualificar o delito. Não há tentativa de crime preterdoloso. Se houver o animus necandi (dolo de dano), o autor da tentativa de homicídio responde por esta em concurso com a rixa simples.

9.Pena e Ação Penal:• Tipo simples: pena de detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa . • Forma Qualificada: detenção, de seis meses a dois anos.• Competência do Juizado Especial Criminal (admite-se transação penal).• Ação penal pública incondicionada.

10. Rixa e Legítima defesa:• Quem participa dolosamente de rixa está realizando conduta ilícita. Assim, se três pessoas estão se agredindo reciprocamente, o comportamento delas é antijurídico. • Em face disso, nenhuma delas pode afirmar que a sua conduta foi realizada em legítima defesa contra a agressão injusta das outras, uma vez que o seu comportamento também é injusto. • Suponha-se, porém, que três pessoas estejam lutando utilizando-se apenas de vias de fato, quando uma delas saca um revólver para matar um dos oponentes (animus necandi). Nada impede que o sujeito que vai ser agredido repila esse comportamento por intermédio de uma reação mais violenta, capaz de impedir a sua morte. Neste caso, é admissível a legítima defesa contra a agressão por meio de arma de fogo, em face do crime de homicídio.• Admite-se, ainda, que alguém, estranho à rixa, mas que se vê envolvido nela, aja em legítima defesa (própria ou mesmo de terceiro). • Ex.: O sujeito está sentado no interior de um bar quando explode a rixa. A massa de contendores movimenta-se em sua direção atingindo-o, pois o mesmo não tem por onde escapar. Pode licitamente defender a si mesmo ou a alguém que estava com ele à mesa.• A hipótese de legítima defesa putativa (erro de tipo permissivo) afasta o tipo penal, por faltar ao agente animus rixandi - ex.: o agente supõe atuar em legítima defesa de alguém envolvido na rixa, pensando que o mesmo está sendo espancado.

CAPÍTULO VDOS CRIMES CONTRA A HONRA

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da verdade

§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:

I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido

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não foi condenado por sentença irrecorrível;

II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;

III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Exceção da verdade

Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;

II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.

§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)

Disposições comuns

Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

II - contra funcionário público, em razão de suas funções;

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

Exclusão do crime

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

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I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

Retratação

Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa.

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do mesmo artigo.

CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DOS CRIMES CONTRA HONRA 1. Introdução:

• Honra é o valor moral e social de uma pessoa.• A doutrina divide a honra em:

objetiva: é o conceito que a pessoa acredita que goza no meio social; é o juízo que os demais formam de nossa personalidade. subjetiva: é a própria dignidade (respeitabilidade/amor próprio), decoro (correção moral), é o conceito que se tem de si mesmo.

• Para uma parte da doutrina, a honra é interesse jurídico disponível. Em face disso, o consentimento do ofendido retira a ilicitude do fato, excluindo o delito. Exs.: noivo se deixa difamar p/ romper o vínculo; comerciante autoriza o credor a chamá-lo de "ladrão" se não vier a pagar a dívida no prazo. • Em sentido contrário, para outros, trata-se de bem indisponível, protegido em sede constitucional (art.5º, X, CR).• Tendo em vista a natureza do objeto jurídico, a ação penal por crime contra a honra, em regra, é de iniciativa privada. Como veremos, excepcionalmente, é pública.

2. Sujeito Ativo e Sujeito Passivo• Normalmente os crimes contra honra são crimes comuns, qualquer pessoa pode cometê-los. • O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. Porém, em se tratando de honra subjetiva, o sujeito passivo deve ter alguma capacidade de entendimento (uma criança recém-nascida não tem honra subjetiva - princípio da razoabilidade).• CONTROVÉRSIA: Os doentes mentais e os menores de 18 anos podem ser vítimas de crimes contra a honra? • 1ª corrente: A doutrina majoritária tem considerado que os menores de 18 anos e os doentes mentais não podem ser caluniados, pois a calúnia é

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a falsa imputação de prática de fato definido como crime. Segundo entendimento majoritário, crime é um fato típico, antijurídico e culpável. A culpabilidade funciona como elemento ou requisito do delito. O menor de 18 anos ou o doente mental, por ser inimputável, não é culpável. Dessa forma, excluída a culpabilidade, inexiste o crime. Se calúnia é a falsa imputação de crime, e se o menor ou doente mental não podem praticar crime, em face da ausência de culpabilidade, não podem ser sujeitos passivos de calúnia. Mas, na hipótese, podem ser vítimas de difamação ou injúria. • 2ª corrente: Para a parte minoritária da doutrina, que adota a concepção bipartite de delito, segundo a qual a culpabilidade não é requisito do crime, mas pressuposto da pena (crime é um fato típico e antijurídico), entende-se que o menor ou o doente mental pratica crime, embora não seja culpável (o art. 26, caput, do CP, diz que ele é "isento de pena" diante da inculpabilidade). Logo, os menores e doentes mentais podem ser caluniados. Também não há obstáculo a que o menor ou o doente mental seja vitima de difamação ou injúria. Exs.: atribuir a doente mental a prática de atos indecorosos (difamação); afirmar que um doente mental é "tarado" (injúria).• Obs.: Princípio da Razoabilidade: a existência de crime contra a honra de menor depende do caso concreto. É impróprio dizer que há injúria no fato de alguém dizer que um menor, de 2 anos de idade, é desonesto. Cumpre observar, ainda, que a existência da injúria em relação aos doentes mentais e aos menores depende da capacidade, em tese, de o sujeito passivo compreender a expressão ultrajante (honra subjetiva).• CONTROVÉRSIA: A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de crimes contra a honra? • 1ª Corrente - Não. Parte da doutrina sustenta que pessoa jurídica não tem sentimento de dignidade própria, uma vez que é entidade abstrata. Os seus representantes ou diretores, na qualidade de pessoas físicas, é que se podem dizer lesados em sua honra, quando a ofensa à entidade os atinja. Trata-se de crime contra a pessoa, entendida de forma restritiva como pessoa natural ou física.• 2ª Corrente – Em sentido contrário, afirma-se que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de difamação ou injúria, uma vez que possui patrimônio particular e até mesmo honra. Não se admitindo, porém, a calúnia, por entender-se que a pessoa jurídica não pode praticar conduta delituosa.• 3ª Corrente - Entende-se que a pessoa jurídica não pode, em regra, ser sujeito passivo de calúnia uma vez que aquela não pode ser sujeito ativo de crime (salvo se for crime ambiental) e nem de injúria, pois não possui honra subjetiva (objeto jurídico da injúria), podendo, todavia, ser vítima de difamação, em face de possuir, inegavelmente, reputação, boa-fama (honra objetiva). • Assim, a imputação caluniosa dirigida a uma pessoa jurídica, ressalvada a hipótese de crime ambiental, se resolve em calúnia contra as pessoas que a dirigem. O mesmo ocorre em relação ao crime de injúria, que tutela a honra subjetiva. Não se pode dizer que a pessoa jurídica possui consciência de seu valor moral ou social, ou da própria dignidade ou decoro. Assim, o fato se resolve em ofensa à honra subjetiva das pessoas que compõem o núcleo societário.• Na difamação, o tipo penal do art. 139 do CP fala em "alguém", que significa toda espécie de pessoa, seja física ou jurídica. Logo caberia difamação contra pessoa jurídica.• Atenção! Na doutrina mais recente firma-se a tendência de aceitar que as

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pessoas jurídicas tenham capacidade para sofrer ofensa à honra. Há leis que têm considerado a pessoa jurídica como sujeito passivo de crimes contra a honra:

Ex1.: O Decreto nº 4.776/42, considerou a "Nação, o Governo, o regime e as instituições" como vítimas de calúnia e injúria. Ex2.:A Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67, com as modificações introduzidas pelo Dec.-lei nº 510/69), em seu art. 23, III, determina que as sanções previstas nos preceitos secundários das normas que definem os crimes de calúnia, difamação e injúria são aumentadas de um terço se qualquer deles "é cometido contra órgão ou entidade que exerça função de autoridade pública", então, admite-se na lei de imprensa o crime de injúria se for cometido contra órgão público.

• Caluniar ou difamar o Presidente da República, os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF constitui delito contra a Segurança Nacional (art. 26 da Lei nº 7.170/83), desde que haja motivação política. Se particular o motivo, trata-se de crime comum.• Calúnia contra os mortos: À primeira vista, pode parecer que o morto pode ser vítima de crimes contra a honra, em face de o art. 138, § 2°, do CP, dizer que "é punível a calúnia contra os mortos". Acontece, porém, que o ultraje à memória dos mortos se reflete nas pessoas de seus parentes, que são os verdadeiros sujeitos passivos.• Para que ocorra crime contra a honra é necessário que a ofensa se dirija contra pessoa certa e determinada.

3. Tipo Objetivo:• Calúnia é a falsa imputação de fato descrito como crime. O sujeito atribui falsamente a terceiro a prática de delito (CP, art. 138).• Difamação é a imputação de fato ofensivo à reputação da vítima. O agente atribui a terceiro ter praticado fato que não constitui delito, porém è ofensivo à sua honra objetiva - reputação (CP, art. 139).• Injúria é a ofensa à honra-dignidade ou à honra-decoro da vítima (honra subjetiva). O sujeito não atribui a outrem a prática de fato, mas lhe atribui qualidade negativa (CP, art. 140)• Na calúnia e na difamação, o sujeito imputa a outrem a prática de fato. No primeiro caso, o fato deve ser falso e descrito em lei como crime; no segundo, qualquer fato, falso ou não, que não seja crime, mas que possa macular a reputação do ofendido. Exigem a comunicação a terceira pessoa para a consumação. Já na injúria, não existe atribuição de fato, porém imputação de qualidade negativa da vítima, que diz respeito a seus atributos morais, físicos ou intelectuais.

4. Classificação doutrinária dos crimes contra a honra• A calúnia, a difamação e a injúria são crimes de dano. O sujeito não tem a intenção de apenas expor a honra alheia a perigo de dano, mas de causar efetiva lesão jurídica.• São crimes formais. A conceituação típica descreve o comportamento do sujeito e o resultado, porém não exige a sua produção, sendo suficiente que o comportamento seja idôneo a macular a sua honra objetiva ou subjetiva.

5. Meios de execução• Os crimes contra a honra são de forma livre, podem ser cometidos por intermédio da palavra escrita ou oral, gestos e meios simbólicos.

6. Tipo Subjetivo• 1ª Corrente - exige-se apenas a intenção de lesar a honra alheia (dolo de dano, direto ou eventual);• 2.a Corrente - basta a consciência do caráter lesivo da expressão ou imputação apta a expressar um menoscabo à honra objetiva ou

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subjetiva da vitima;• 3ª Corrente - além do dolo (direto ou eventual) é necessário o elemento psicológico - animus caluniandi, diffamandi, injuriandi - ou seja, o cunho de seriedade que o sujeito imprime ao seu comportamento como elemento subjetivo do injusto exigido implicitamente no tipo.• Assim, não há delito quando o sujeito pratica o fato com ânimo diverso, como ocorre nas hipóteses de animus narrandi, criticandi, defendendi, retorquendi, corrigendi e jocandi.• Se a intenção do sujeito é apenas de narrar um fato (animus narrandi), descrevendo sem vontade tendenciosa o que viu e ouviu, evidente a inexistência dos elementos subjetivos do tipo- art. 142, III, CP .• Outras vezes, a vontade do autor se dirige a crítica justa e sincera, com propósito de apenas ajudar o criticado (animus criticandi), como ocorre nos assuntos literários, artísticos, científicos etc, excluindo os elementos subjetivos - art. 142, II, CP.• A conduta defensiva também não constitui crime (imunidade judiciária). É o caso de o sujeito, para defender em juízo um direito, necessitar cometer um fato que configura, em tese, delito contra a honra. Nesta hipótese, não há crime por ausência de ilicitude (animus defendendi) - art. 142, I, CP.• Na retorsão de injúrias (animus retorquendi), não há exclusão de elementos subjetivos do tipo. Neste caso, pode haver perdão judicial (CP, art. 140, § lº).• A intenção de gracejar (animus jocandi), desacompanhada da vontade de ofender, exclui os elementos subjetivos próprios dos crimes contra a honra.• A vontade de corrigir (animus corrigendi), presente na admoestação de pais e responsáveis a seus filhos e protegidos, constitui exercício regular de direito.

7. Ação Penal • Em regra, a ação penal é de natureza exclusivamente privada (art. 145, CP).• Exceções:

Na injúria real (art. 140, § 2º, CP), se da violência resulta lesão corporal leve - condicionada a representação (art. 88, da lei 9099/95). Procede-se mediante requisição do Ministro da justiça (art. 141, I - presidente da República ou chefe de Estado estrangeiro) e mediante representação do ofendido (art. 141, II - servidor público - legitimidade concorrente - súmula 714, STF).

• Consentimento do ofendido - Para alguns autores, nos delitos contra a honra, tratando-se de objetividade jurídica disponível, o consentimento do ofendido capaz tem relevância. Presente o consentimento, não há crime. Além disso, concedendo importância a seus efeitos, permite-se a extinção da punibilidade pela renúncia do direito de queixa e pelo perdão aceito. • O consentimento do representante legal do ofendido, entretanto, é irrelevante, não excluindo o delito.

8. Exceção da verdade• Significa provar que aquilo que foi dito é verdade. • A exceção da verdade é um meio de defesa e, quando cabível, deve ser oposta no prazo da defesa prévia. Corre nos mesmos autos da ação penal, sendo que ao final o juiz prolatará uma única sentença (art. 523, CPP). • Admitindo a regra que os crimes contra honra são julgados no JEC,

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deverá exceção ser apresentada em audiência na resposta preliminar (art. 81, lei 9099/95), ou seja, antes do Recebimento da Queixa. • Se o pedido da exceção for julgado procedente, então o juiz necessariamente absolverá o querelado réu e, eventualmente, ainda determinará a extração de cópias das peças, encaminhando-as ao MP, na forma do art. 40 do CPP.• Já se a exceção for julgada improcedente, o juiz provavelmente condenará o réu, salvo a possibilidade de absolvição por outro fundamento que não seja a veracidade de suas alegações.• A Regra é que é admissível a Exceção da Verdade no crime de Calúnia, salvo algumas hipóteses (art. 138 § 3º do CP). • Já na Difamação só será admissível a Exceção da Verdade, quando a ofensa for contra Funcionário Público referente ao exercício das suas funções (art. 139, par. único). • No caso de Injuria não é admissível a Exceção da Verdade. • Obs: O CPP prevê também a Exceção de Notoriedade do Fato nos crimes de Calúnia e Difamação. Fato Notório é aquele que é sabido e conhecido por todos.

9. Imunidade parlamentar

• Trata-se de prerrogativa de caráter pessoal irrenunciável. Não é direito do parlamentar, mas garantia do próprio parlamento, que dela necessita para exercer seu munus com liberdade e independência.

• Imunidade Material (absoluta):

Fundamento: art. 53, caput (Deputados Federais e Senadores), art. 27, §1º (Deputados Estaduais) e art. 29, VIII (vereadores), todos da CR/88.

Configura inviolabilidade civil (danos materiais e morais) e penal do parlamentar pela manifestação do pensamento (quaisquer opiniões, palavras ou votos) no exercício do mandato, ainda que fora do recinto do parlamento, desde que haja nexo funcional.

Termo Inicial - diplomação (art. 53, §1º, CR/88) e termo final - término do mandato.

Parlamentar licenciado para ocupar cargo na administração pública não tem imunidade parlamentar, embora possa manter o foro por prerrogativa de função (A súmula 4, STF foi prejudicada).

• Imunidade Formal (Relativa ou processual):

Processo e julgamento (art. 53, §§1º e 3º, CR/88). Há possibilidade de sustar o andamento do processo criminal. Não impede a investigação criminal.

Prerrogativa de foro (art. 53, §4º e 102, I, b, CR/88 e art. 84, CPP) e prisão (art. 53, §2º, CR/88).

Com a reforma da EC nº35/2001, o controle do legislativo passou a ser posterior à deflagração da ação penal, que não depende de licença da casa (art. 53, §3º, CR/88).

Alcança Deputados Estaduais (art. 27, §1º, CR/88) restrita ao Estado-

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membro (Súmula 3 do STF).

Não alcança os vereadores.

CRIMES EM ESPÉCIE

CALÚNIA 1.CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

• Calúnia é atribuir a outrem, falsamente, a prática de fato definido como crime (CP, art. 138, caput).• É a falsa imputação de um fato definido como CRIME (art. 1º, LICP). • Não pode ser contravenção penal ou qualquer outro fato que não seja crime. Tem o momento consumativo quando terceira pessoa tem ciência da ofensa. • Bem Jurídico Tutelado - honra objetiva (reputação).

2.TIPO OBJETIVO:A descrição da calúnia apresenta os seguintes elementos:

• tipo fundamental (art. 138, caput) - IMPUTAR • subtipos (§ lº) - PROPALAR OU DIVULGAR• norma penal explicativa (§ 2º) - CALÚNIA CONTRA OS MORTOS• norma penal de extensão (§ 3°) - EXCEÇÃO DA VERDADE.• NÚCLEOS: A descrição dos tipos de calúnia contém os verbos imputar, propalar e divulgar.• Imputar significa atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de algum fato. • Propalar é o relato verbal. Divulgar é narrar algum fato por qualquer meio.• Assim, no tipo fundamental da calúnia, descrito no art. 138, caput, do CP, pune-se o autor da calúnia, uma vez que o núcleo é o verbo imputar. Já nos subtipos do § lº são punidos os que repetem o que souberam.• ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO: A descrição típica do crime de calúnia exige um elemento normativo, contido na expressão "falsamente". Diante disso, é necessário que seja falsa a imputação formulada pelo sujeito. Se atribui a terceiro a prática de crime que realmente ocorreu e do qual é autor, inexiste a calúnia.• A falsidade da imputação pode recair:

1º) sobre o fato; e2º) sobre a autoria do fato criminoso.No primeiro caso, o fato atribuído à vítima não ocorreu; no segundo, o fato criminoso é verdadeiro, sendo falsa a imputação de autoria.

• FATO DEFINIDO COMO CRIME: Para a configuração do delito é necessário que o sujeito atribua ao ofendido, falsamente, a prática de fato definido como crime. • Se há atribuição de prática de contravenção, não existe a tipicidade do fato como calúnia, subsistindo o delito de difamação.• Na dúvida sobre a existência de fato determinado, que configura calúnia, ou de qualidade negativa, que se insere na descrição da injúria, o intérprete deve orientar-se pelo delito de menor gravidade (injúria).• Não constitui calúnia a imputação de fato inverossímil, como, v. g., ter a vítima furtado o sol. Pode haver, no caso, injúria disfarçada.• PROPALAÇÃO E DIVULGAÇÃO:

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• Nos termos do art. 138, § 1º , do CP, na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.• Propalar é relatar verbalmente. • Divulgar é relatar por qualquer outro meio.• Nesses subtipos de calúnia é necessário que o sujeito pratique o fato com dolo direto de dano. O dolo eventual não é suficiente. O tipo exige que conheça a falsidade da imputação.• Enquanto no tipo fundamental, previsto no caput, admite-se dolo direto ou eventual, este quando o sujeito tem dúvida sobre a imputação, nos subtipos é imprescindível que tenha vontade direta de causar dano à honra alheia, conhecendo perfeitamente a falsidade da imputação.• Os subtipos de calúnia não admitem a figura da tentativa. O sujeito deve contar o que ouviu. Se o fizer, o tipo está perfeito. Se não contar nada, não há conduta juridicamente relevante.• CALÚNIA CONTRA A MEMÓRIA DOS MORTOS:• De acordo com o § 2° do art. 138 do CP, "é punível a calúnia contra os mortos".• Evidentemente, o morto não é o sujeito passivo do crime. Por analogia, empregando o disposto no art. 100, § 4º, do CP, podemos dizer que sujeitos passivos são o cônjuge, o ascendente, o descendente ou o irmão. Estes são titulares da objetividade jurídica, que se reflete na honra dos parentes sobrevivos.• O disposto no dispositivo não pode ser empregado extensivamente. Desta forma, inexiste difamação ou injúria contra a memória dos mortos. Nas descrições dos arts. 139 e 140, o CP não faz menção ao fato de o sujeito ofender a honra dos parentes sobrevivos, difamando ou injuriando a memória dos mortos.

3.TIPO SUBJETIVO:• O elemento subjetivo do tipo do crime de calúnia é, em primeiro lugar, o dolo de dano.• Pode ser direto, quando o sujeito tem a intenção de macular a reputação da vítima, e eventual, quando tem dúvida sobre a veracidade da imputação. O § lº do art. 138 exige o dolo direto. • Além disso, exige-se um elemento subjetivo específico do tipo - animus caluniandi.• Se o agente, agindo de boa-fé, supõe erroneamente que é verdadeira a imputação, existe erro de tipo, que incide sobre o elemento normativo do tipo "falsamente". Neste caso, o sujeito não responde por calúnia, em face da atipicidade do fato, causada pela ausência do dolo (CP, art. 20, caput).

4. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:• A calúnia constitui crime formal, porque a definição legal descreve o comportamento e o resultado visado pelo sujeito, mas não exige sua produção. Para que exista crime, não é necessário que o sujeito consiga obter o resultado visado, que é o dano à honra objetiva da vítima (reputação).• Trata-se de crime instantâneo, consumando-se em certo e exato momento (quando terceiro toma conhecimento). Não é delito permanente.• Crime simples, a calúnia atinge um só objetivo jurídico: o direito à honra objetiva.• Comum, pode ser cometida por qualquer pessoa.• É delito comissivo, não podendo ser praticada por omissão.• Pode ser unissubsistente (por via verbal) ou plurissubsistente (por escrito, símbolos), circunstância que, como se verá, interfere na possibilidade da tentativa.

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5. ESPÉCIES DE CALÚNIA:A calúnia pode ser:

• INEQUÍVOCA OU EXPLÍCITA, ex.: "fulano de tal é o sujeito que a polícia está procurando pela prática de vários estupros";• EQUÍVOCA OU IMPLÍCITA, ex.: "não fui eu que, durante muitos anos, me agasalhei nos cofres públicos";• REFLEXA, ex.: dizer que um Promotor Público deixou de denunciar um indiciado porque foi subornado. No caso, o indiciado também é vítima de calúnia.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:• O momento consumativo da calúnia ocorre no instante em que a imputação chega ao conhecimento de um terceiro que não a vítima. • Não é necessário que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento do fato, sendo suficiente que apenas uma pessoa saiba da atribuição falsa.• A calúnia verbal não admite a figura da tentativa (unisubsistente). Se o sujeito faz a imputação o crime está consumado. Se não faz, e não há conduta relevante para o Direito Penal. • Já a calúnia escrita admite a tentativa. Ex.: o sujeito remete uma carta caluniosa e ela se extravia. O crime não atinge a consumação, por não chegar ao conhecimento do destinatário, por circunstâncias alheias à vontade do sujeito.

7. EXCEÇÃO DA VERDADE:• Introdução: As atividades humanas podem ser públicas ou privadas. No primeiro caso, fala-se em honra pública, referindo-se ao comportamento do homem em face da função pública exercida. No segundo, fala-se em honra privada, considerando-se a conduta do homem em suas atividades particulares.• A liberdade de censura não é absoluta, mas relativa. Se qualquer um pudesse censurar livremente a conduta dos outros, tanto na atividade pública, quanto na privada, haveria caos social. Por isso, o legislador penal disciplina a matéria, regulando os casos em que é admissível a censura do comportamento alheio. • Nas atividades privadas não se admite a liberdade de censura, salvo na calúnia, pois existe interesse público na descoberta de um crime. • Nas atividades públicas ou administrativas admite-se a liberdade de censura, salvo exceções legais. • O CP brasileiro adotou um sistema misto:

Na calúnia admite-se a liberdade de censura às atividades pública e privada, salvo os casos do § 3º do art. 138. Na difamação é admissível a liberdade de censura só quanto à atividade pública ou administrativa, nos termos do art. 139, parágrafo único. Na injúria não é admissível a liberdade de censura. Nesse delito inexiste atribuição da prática de um fato, mas sim imputação de uma qualidade negativa da vítima, sendo, por isso, inadmissível a prova da verdade.

• Conceito: Exceção da verdade (exceptio veritatis) é a prova da veracidade do fato imputado. Como vimos, para existir calúnia, é necessário que seja falsa a imputação. Logo, quando verdadeira a imputação, inexiste o delito. Assim, provando o sujeito que está sendo processado por calúnia que a imputação era verdadeira, i. e., que o ofendido realmente praticou o fato definido como crime, deve ser absolvido por ausência de tipicidade. • Mas, nem sempre o réu pode provar a verdade. Há casos que, pela sua natureza, não permitem a exceção da verdade. A regra é a de que o crime

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de calúnia admite a prova da verdade, salvo nas hipóteses do § 3o do art. 138, a saber:• I. Primeira hipótese:

Trata de crime de ação penal privada (princípio da disponibilidade), quando o ofendido não foi condenado por sentença transitada em julgado (princípio da presunção de inocência). Ex.: decadência, renúncia, perdão, perempção, absolvição etc. Às vezes a objetividade jurídica do crime corresponde ao interesse vinculado exclusivamente ao particular, pelo que o Estado lhe outorga a titularidade da ação penal. Significa que o titular da ação penal não é o Estado, como ocorre nos casos anteriores, mas o sujeito passivo ou seu representante legal, cabendo a ele iniciá-la e movimentá-la (ação penal privada).

• II. Segunda hipótese: Estando o sujeito processado por calúnia cometida contra o Presidente da República ou contra Chefe de Governo estrangeiro, nos termos do art. 141, I, CP, não pode provar a verdade. O Código Penal visa impedir que, por intermédio da prova da verdade em ações penais por delito de calúnia cometido contra o Presidente da República, pudessem terceiros interferir no exercício do cargo. Na segunda hipótese, leva-se em consideração a pessoa do Chefe de Governo de nação estrangeira, constituindo um respeito a essa figura. Entretanto, cumpre observar que a calúnia contra o Presidente da República pode constituir crime contra a Segurança Nacional, descrito no art. 26 da Lei nº 7.170/83, desde que haja motivação política. Se particular o motivo, trata-se de crime comum.

• III. Terceira hipótese: Se o ofendido no crime de calúnia foi absolvido por sentença transitada em julgado do fato imputado (ação penal pública ou privada), a coisa julgada impede a prova da verdade. Se a justiça, por intermédio de sentença irrecorrível, decidiu pela improcedência da acusação, não pode o caluniador pretender demonstrar a veracidade do fato.13. PENA:

• A pena é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.• É aumentada de um terço em cinco casos (CP, art. 141):

Ofensa contra o Presidente da República ou Chefe de Governo estrangeiro (I); Fato cometido contra funcionário público, em razão da função (II); Conduta realizada na presença de, pelo menos, três pessoas (= várias) (III, lª parte). Quando o CP se contenta com "duas ou mais pessoas", di-lo expressamente (arts. 150, § l°; 155, § 4º, IV; 226, I etc.); Crime cometido por meio que divulgue a ofensa, como alto-falante, cinema, internet, pintura, cartazes etc. (III, 2º parte) Contra maior de 60 anos ou portador de deficiência (exceto p/ injúria).

• Se a calúnia é cometida mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro (parágrafo único).

DIFAMAÇÃO

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:• Difamação é definida como atribuir a outrem a prática de conduta ofensiva à sua reputação (CP, art. 139, caput).

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• É a imputação de um fato ofensivo, não criminoso. O momento consumativo é quando terceira pessoa tem ciência da ofensa.• O legislador protege a honra objetiva (reputação).• Difere da calúnia e da injúria. Enquanto na calúnia existe imputação de fato definido como crime, na difamação o fato é meramente ofensivo à reputação do ofendido. Além disso, o tipo da calúnia exige o elemento normativo da falsidade da imputação, o que é irrelevante no delito de difamação, salvo na hipótese do parágrafo único do art. 139 (funcionário público - admite exceção da verdade). • Se a injúria versa sobre qualidade negativa da vítima, ofendendo-lhe a honra subjetiva, na difamação há ofensa à reputação do ofendido, versando sobre fato a ela ofensivo.

2. SUJEITOS DO DELITO:• Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo e passivo. Conforme vimos, inclusive a pessoa jurídica pode ser vítima desse delito.

3. TIPO OBJETIVO:• O núcleo do tipo é o verbo imputar, que significa atribuir. O sujeito ativo afirma a realização de uma conduta, por parte do sujeito passivo, capaz de macular a sua honra objetiva (reputação).• Deve ser fato determinado, embora não precise ser pormenorizado.• Não pode ser crime. Se o for, haverá calúnia (CP, art. 138). Mas pode ser contravenção.• Pode ser falso ou verdadeiro, salvo na hipótese do funcionário público ofendido em razão de suas funções.• Embora o CP não descreva o verbo "propalar", como o faz na calúnia (art. 138, § lº), entende-se que o propalador realiza nova difamação.

4. TIPO SUBJETIVO:• O elemento subjetivo do crime de difamação é duplo. Exige-se dolo de dano, direto ou eventual. Além do dolo, o crime exige um elemento subjetivo específico do tipo - "animus difamandi", que se expressa no cunho de seriedade que o sujeito imprime à sua conduta.

5. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:• A difamação é delito formal, simples, instantâneo, comum, comissivo, plurissubsistente (se por escrito) ou unissubsistente (difamação oral).• Formal, a difamação não exige, para a sua consumação, a efetiva lesão do bem jurídico, contentando-se com a possibilidade de tal violação. Basta, para a sua existência, que o fato imputado seja capaz de macular a honra objetiva. Não é preciso, assim, que o ofendido necessariamente seja prejudicado pela imputação.• Simples, ofende um só bem jurídico (honra objetiva).• Comum, pode ser cometida por qualquer pessoa.• Delito comissivo, não admite a forma omissiva. Não há difamação por omissão.• Quando praticada por via verbal, trata-se de crime unissubsistente, uma vez que se perfaz com um só ato; quando por meio escrito, cuida-se de crime plurissubsistente, que exige mais de um ato para a sua realização (escrita e tomada de conhecimento de seu conteúdo pelo destinatário).

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: • A difamação atinge o momento consumativo quando um terceiro, que não o ofendido, toma conhecimento da imputação ofensiva à reputação. • Quanto à tentativa, é inadmissível quando se trata de fato cometido por intermédio da palavra oral. Tratando-se, entretanto, de difamação

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praticada por meio escrito, é admissível.7. EXCEÇÃO DA VERDADE (ART. 139, P. ÚNICO, CP):

• Na difamação, a regra é não ser possível a exceção da verdade, salvo se a ofensa for contra funcionário público e referente as suas funções.• Assim, em regra, é irrelevante que o fato seja falso ou verdadeiro. Excepcionalmente, entretanto, o legislador permite a prova da verdade quando se trata de imputação de fato ofensivo à reputação de funcionário público, desde que haja relação causal entre a ofensa e o exercício de suas funções. • O fundamento reside no resguardo da honorabilidade do exercício da função pública. É imprescindível, para que se admita a prova da verdade, que haja relação causal entre a imputação e o exercício da função. • Se, entretanto, a imputação diz respeito à prática de atos indecorosos fora do exercício do cargo, é inadmissível a prova da verdade. • É preciso que, ao tempo da prova da verdade, a pessoa ofendida esteja no exercício da função pública. Caso contrário, não se admite a exceptio veritatis. Isso porque o parágrafo único se refere à permissibilidade quando o ofendido "é funcionário público". Assim, o CP exige contemporaneidade entre a prova da verdade e o exercício da função.

8. PENA:• A pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa.• A pena é aumentada de um terço se o fato é cometido contra o Presidente da República, por motivo particular, ou Chefe de Governo de nação estrangeira; contra funcionário público, em razão da função; na presença de três ou mais pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da ofensa (CP, art. 141, I a III). • Se a difamação é praticada mediante paga ou promessa de recompensa, a pena é aplicada em dobro (art. 141, parágrafo único).

INJÚRIA

1. CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E TIPO OBJETIVO:• Injúria é a ofensa à dignidade ou ao decoro de outrem. O CP, por intermédio da incriminação (art. 140), protege a honra subjetiva, que constitui o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de cada um.• É a atribuição de uma qualidade negativa ou a imputação de fatos genéricos. Atinge-se a honra subjetiva. Ocorre o momento consumativo quando o próprio ofendido tem ciência da ofensa.• Dignidade é o sentimento próprio a respeito dos atributos morais de alguém. Decoro é o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos e intelectuais da pessoa humana. • ex.: Se o sujeito chama a vítima de analfabeto, está ofendendo-lhe a honra-decoro. Se a chama de cafajeste, ofende-lhe a honra-dignidade.• Na injúria não há atribuição de fato, mas de qualidade negativa do sujeito passivo. Por isso não se admite a prova da verdade. Havendo dúvida a respeito de atribuição de fato ou de qualidade negativa, o intérprete deve preferir a existência da injúria.• A injúria se diferencia do desacato (CP, art. 331). Este exige a presença do funcionário público, sendo o fato realizado em razão e por ocasião do exercício da função, já que o dolo é de menosprezar a função. Ausente o ofendido no momento da prática delituosa, ainda que realizada em razão da função, o fato constitui injúria com causa de aumento de

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pena (CP, art. 141, II).2. TIPO SUBJETIVO:

• A injúria é punida a título de duplo elemento subjetivo. Em primeiro lugar, exige-se o dolo de dano, direto ou eventual, consubstanciado na vontade livre e consciente do sujeito de causar dano à honra subjetiva da vítima (honra-dignidade e honra-decoro). • É imprescindível que o sujeito imprima seriedade à sua conduta - animus injuriandi. Os crimes contra honra são considerados de tendência, pois exigem uma finalidade específica de ofender a honra alheia. Por isso se diz que o animus jocandi, que é a intenção de brincar, não é punível.

3. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA:• A injúria é delito formal, simples, comum, de forma livre, instantâneo, comissivo (difícil a ocorrência omissiva), de impressão e plurissubsistente ou unissubsistente (se praticado por meio verbal).• Para que exista a injúria, não é necessário que a vítima sinta-se ofendida. É suficiente que a atribuição de qualidade negativa seja capaz de ofender um homem prudente e de discernimento. Por isso, é delito formal com dolo de dano. • Comum, pode ser cometida por qualquer pessoa.• É delito incondicionado, não estando subordinado a qualquer condição objetiva de punibilidade.• De forma livre, pode ser praticada por qualquer meio de execução: escrito, palavra oral, gestos, envio de objetos etc.• Delito instantâneo, ocorrendo no exato instante em que o ofendido toma conhecimento da atribuição de qualidades negativas.• Delito comissivo, perfaz-se com uma conduta de fazer. A conduta omissiva, embora doutrinariamente possa ser criada, na prática é de difícil ocorrência.• Trata-se de crime de impressão, uma vez que o dolo do sujeito se dirige a produzir impressão vexatória no ofendido.• Em regra, é delito simples, uma vez que atinge um só bem jurídico (honra subjetiva). A injúria real, entretanto, é crime complexo. Ofende dois bens jurídicos: honra subjetiva e incolumidade física.• Quando praticada por meio verbal, é delito unissubsistente, que se integra com um só ato; quando por escrito, plurissubsistente, uma vez que exige mais de um ato (o escrito e a tomada de conhecimento de seu conteúdo injurioso pelo ofendido).

4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA:• A injúria atinge a consumação no momento em que o ofendido toma conhecimento da imputação de qualidade negativa, sendo prescindível que o fato seja cometido na sua presença. • Assim, é irrelevante que a injúria seja proferida na frente da vítima ou que lhe chegue ao conhecimento por intermédio de terceiro. • Tratando-se de funcionário público, cometido o fato em sua presença e em razão da função, o delito é desacato (art. 331 do CP). • A injúria, quando cometida por meio escrito, admite a tentativa; quando por meio verbal, não.

5. PERDÃO JUDICIAL:• De acordo com o art. 140, § lº, do CP, o juiz pode deixar de aplicar a pena em dois casos:

Primeira hipótese - a vítima, de maneira reprovável, provocou diretamente a injúria. A expressão "diretamente" significa que a provocação deve ter sido cometida face a face. Assim, as partes devem estar

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presentes. Ex.: o ofendido dirige um gracejo à esposa do injuriador. Segunda hipótese - retorsão de injúrias - O fundamento do perdão judicial está em que as partes, ofendendo-se reciprocamente, já se puniram. O termo "imediata" exige uma sucessão instantânea de injúrias. É possível retorsão de injúrias escritas. Ex.: duas pessoas, num restaurante, trocam bilhetes injuriosos por intermédio do garçom. É cabível o perdão judicial no caso de retorsão ou provocação putativas. Ocorrem quando o sujeito, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe a provocação reprovável, injuriando o provocador; ou, no caso de retorsão de injúrias, o sujeito, pelas mesmas razões, supõe vítima de expressões ultrajantes, vindo a injuriar o suposto autor das expressões ofensivas. Nesse caso,devemos aplicar o disposto no art. 20, § lº, do CP, por analogia.

• Embora o CP empregue a expressão "pode", o perdão judicial, causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IX), constitui um direito do réu. Não se trata de simples faculdade, no sentido de o juiz poder ou não aplicá-lo, segundo seu puro arbítrio. Desde que presentes as circunstâncias do tipo, o juiz está obrigado a deixar de aplicar a pena e declarar a extinção da punibilidade. Para R. Greco, é mera faculdade do juiz.

6. INJÚRIA REAL:• É a que consiste em violência ou vias de fato que, pela sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes (CP, art. 140, § 2°). • Por violência se entende a lesão corporal, tentada ou consumada, em qualquer de suas formas leve, grave ou gravíssima (CP, art. 129). • O sujeito responde por dois crimes em cúmulo material: injúria real e lesão corporal. É o que determina o preceito sancionador da injúria real: "Pena — detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência". Trata-se, a rigor, de hipótese de concurso formal, em que se considera, na fixação da pena, o princípio do concurso material (CP, art. 70, 2º parte).• Por vias de fato, deve-se entender todo comportamento agressivo dirigido a outrem, desde que dele não resulte lesão corporal. Quando o sujeito comete injúria real empregando vias de fato, estas são absorvidas pelo delito de maior gravidade. • O legislador protege, por meio da incriminação, a honra e a incolumidade física da pessoa. O emprego de vias de fato ou violência, por sua natureza ou pelo meio empregado, deve ser aviltante. É imprescindível o animus injuriandi, i. e., a intenção de humilhar.• Ex.: puxar a barba do ofendido, levantar ou rasgar a roupa de uma mulher.

7. INJÚRIA QUALIFICADA (PRECONCEITUOSA OU DISCRIMINATÓRIA)• Criada pela lei 9459/97, que acrescentou § 3o ao art. 140 do CP, consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. A lei 10741/2003 acrescentou pessoa idosa ou portadora de deficiência.• Não deve ser confundida com o crime de racismo do art. 20 da lei 7716/89; normalmente quando o sujeito quer ofender determinada pessoa é injúria qualificada, quando há pregação contra raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, será crime de racismo.• Quadro comparativo:

INJÚRIA QUALIFICADA ART. 140 § 3o

CRIME DE RACISMO ART. 20, LEI 7716/89

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Pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa Pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa

Ação penal Privada Ação penal pública IncondicionadaCabe liberdade provisória com e sem

fiançaÉ inafiançável, só cabe liberdade

provisória sem fiançaPrazo prescricional de 8 anos • É imprescritível

8. PENA:• A pena é de detenção, de um a seis meses, ou multa. • A pena é aumentada de um terço se a injúria é cometida (art. 141): contra o Presidente da República ou Chefe de Governo de nação

estrangeira; contra funcionário público, em razão de suas funções; na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da

ofensa.• Se o sujeito pratica o fato mediante paga ou promessa de recompensa, a pena é aplicada em dobro (art. 141, parágrafo único).• A injúria real é punida com pena de detenção, de três meses a um ano e multa, além da sanção cominada à violência (CP, art. 140, § 2º). Ação penal é condicionada à representação no caso de lesões leves (art. 88, da lei 9099/95).• A injúria preconceituosa tem cominada pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa.

QUADRO COMPARATIVO:CALÚNIA DIFAMAÇÃO INJÚRIA

Falsa imputação de um fato definido como

crime, e não contravenção.

Fato ofensivo a honra alheia, que não constitui crime

Atribuição de qualidade negativa ou a imputação de

fato genérico

Atinge Honra Objetiva Atinge Honra Objetiva Atinge Honra Subjetiva A consumação ocorre

quando 3° pessoa, que não ofendido, tem

ciência da ofensa

A consumação ocorre quando 3° pessoa, que não

ofendido, tem ciência da ofensa

A Consumação ocorre quando o próprio ofendido

tem ciência da ofensa

É admissível Exceção da Verdade.

Só é admissível a Exceção da Verdade, se for contra

funcionário público, referente a sua função

É Inadmissível a Exceção da Verdade

DISPOSIÇÕES COMUNS DOS CRIMES CONTRA A HONRA

1. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA:• Nos termos do art. 141 do CP, as penas cominadas aos autores de crimes contra a honra aumentam-se de um terço se qualquer deles é cometido:

I. contra o Presidente da República ou contra Chefe de Governo estrangeiro: A ofensa à honra do Presidente da República, seja calúnia ou difamação, constitui crime contra a Segurança Nacional, desde que haja motivação política e lesão real ou potencial aos bens jurídicos inerentes à Segurança Nacional (arts. 1º, 2° e 26 da Lei nº 7.170/83).

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Ausentes esses dois requisitos, cuida-se de crime comum, incidindo a causa de aumento de pena (ou a Lei de Imprensa). A injúria, com ou sem motivação política, constitui delito comum, ensejando a agravação da pena. A ofensa à honra de Chefe de Governo estrangeiro, com ou sem motivação política, configura delito comum, com aumento de pena. Obs.: Para impedir a exceção da verdade, admite-se a ampliação do sentido da expressão "chefe de governo" para abranger "chefe de Estado" (art.138 § 2o), porque objetiva preservar a honorabilidade dessa autoridade. Todavia, essa ampliação interpretativa será impossível para majorar a pena (141,I), por violar o princípio da reserva legal, inadmissível em um Estado Democrático de Direito.II. contra funcionário público, em razão de suas funções: A pena é agravada quando o crime é cometido contra funcionário público, desde que haja relação de causalidade entre o fato e o exercício da função. Não há razão para a majorante quando a ofensa é irrogada em momento em que o ofendido não é mais funcionário público, embora em razão da função que exercia.III. na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria: Trata-se de fato cometido na presença de várias pessoas, exigindo-se, no mínimo, que sejam três, não ingressando no cômputo, por óbvio, o ofendido e o co-autor ou partícipe. Para ser computada, é preciso que a pessoa tenha capacidade de entender a ofensa. Dessa forma, não podem ingressar no computo os surdos, cegos, loucos e crianças, desde que não tenham, no momento do fato, condição de entender o seu caráter ofensivo à honra do sujeito passivo. O Código Penal também pune mais severamente o fato cometido por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria, como Orkut, cinema, alto-falante, pintura, escultura, cartaz etc. IV. Contra pessoa maior de 60 anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. Dispositivo inserido pelo Estatuto do Idoso, não se aplica à injúria pois esta já tem modalidade qualificada envolvendo tais qualidades da vítima.Parágrafo único: Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, a pena deve ser aplicada em dobro (parágrafo único): No primeiro caso, o fato é praticado depois de o sujeito haver recebido dinheiro ou qualquer vantagem em troca de sua conduta. No segundo, o comportamento é realizado com o fim da obtenção da vantagem. Assim, nesta hipótese, não se exige efetivo pagamento. Basta que o fato seja cometido com tal finalidade. A maior reprovabilidade se dirige ao móvel de lucro que impulsiona o agente.2. CAUSAS ESPECIAIS DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE (OU DA TIPICIDADE):

• Trata-se de causas especiais de exclusão da antijuridicidade da injúria e da difamação. Não alcança a calúnia, uma vez que existe interesse de o Estado descobrir a prática de crimes. • Há quem sustente que são causas de exclusão da tipicidade. A conseqüência prática será a mesma: não há crime.• Nos termos do art. 142 do CP, não constituem injúria ou difamação punível:

I. IMUNIDADE JUDICIÁRIA - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador:

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• Não é ilícita a injúria ou difamação praticada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador. Pode ser oral (alegações em audiência, debates no julgamento do Júri etc.) ou escrita (petição, alegações, razões de recurso etc.). • É necessário que a ofensa seja praticada em juízo, na discussão da causa contenciosa, voluntária ou administrativa. Não há imunidade quando a ofensa é feita fora do processo (ex.: no recinto do fórum). • Exige-se nexo da causalidade entre a ofensa e os debates. Se o sujeito, contestando uma ação de despejo aproveita a oportunidade para tecer considerações desairosas ao comportamento moral do autor, verifica-se inexistir entre a ofensa e a discussão do tema do processo qualquer liame de necessidade. Diante disso, não incide a excludente da ilicitude. • Partes são o autor, o réu, o chamado à autoria, o assistente, o litisconsorte, o terceiro prejudicado que recorre, os interessados no inventário etc. • Procurador é o advogado, o solicitador e o provisionado. • O órgão do Ministério Público, embora formal, também é parte, salvo quando atua somente como fiscal da lei. • Há entendimento no sentido de que não é imprescindível que a ofensa seja dirigida contra autor, réu etc. Pode ser cometida contra qualquer pessoa, desde que apresente os requisitos exigidos pela excludente da antijuridicidade. • Ao contrário do que entende pacificamente a jurisprudência, a interpretação da disposição não conduz à conclusão de que a exclusão da ilicitude não alcança a hipótese de ofensa irrogada ao juiz, na discussão da causa. • O tipo permissivo não faz nenhuma restrição quanto à pessoa ofendida. Assim, na exceção de suspeição, vê-se o advogado, ao apresentar as razões de sua argüição, obrigado, ao narrar a verdade, a empregar expressões que, em tese, sob o aspecto objetivo, podem ser ofensivas ao juiz, que se posiciona em situação de parte. Nesse caso, deve ser investigada a utilidade do emprego das expressões questionadas no esclarecimento da verdade. Se necessárias, não existirá delito. • A CR/1988, em seu art. 133, concedeu ao advogado imunidade penal profissional: é "inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Significa que o advogado não responde criminalmente pelos chamados delitos de opinião, estendendo-se ao desacato, desde que guardem relação com o exercício da profissão e a defesa de um direito. Trata-se de IMUNIDADE, causa de isenção profissional de pena, de natureza impeditiva da pretensão punitiva, obstando o inquérito policial e a ação penal. O preceito constitucional não faz nenhuma restrição quanto ao sujeito passivo da ofensa.

II. A opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar:

• Uma crítica prudente, seja de natureza literária, artística ou científica, não traz em si cunho de ilicitude. É comportamento absolutamente normal, que escapa à esfera da punição legal.

III. O conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do oficio:

• Não há conduta ilícita no conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento do dever de ofício.

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• Ex.: a autoridade policial, no relatório do inquérito policial, dá informações a respeito dos péssimos antecedentes do indiciado.• Obs.: Nas hipóteses dos incisos I e III, quem divulga a ofensa responde pelo crime, ou seja, não há exclusão da ilicitude/tipicidade.

3. RETRATAÇÃO DO QUERELADO (art. 143 do CP):• Retratar-se significa desdizer-se, retirar o que foi dito, confessar que errou.• Prevista no art. 143 do CP, a retratação só é cabível em crimes de calúnia e difamação, não sendo aceita na injúria.• A calúnia e a difamação incidem sobre imputação de fato atribuído pelo ofensor ao ofendido, conduta definida como crime (calúnia) ou ofensiva à sua reputação (difamação). Assim, importa à vitima que o ofensor se retrate, negando que ela praticou o fato imputado. • Na injúria, porém, não há imputação de fato, mas atribuição ao ofendido de qualidade negativa, ofensiva à sua honra subjetiva. Em face disso, a retratação do ofensor, retirando a qualidade negativa atribuída à vítima, não importa a esta, mas, ao contrário, pode macular ainda mais a sua dignidade ou decoro. • Ex.: se o ofensor diz que a vítima é ignorante, afirmando depois que é sábio, não repara o dano, podendo causar ofensa maior. • Ademais, a retratação só é cabível em ação penal privada, uma vez que o art. 143 fala em "querelado", réu na ação penal privativa do ofendido. • O querelado só pode se retratar antes de o juiz prolatar a sentença, antes do julgamento. A expressão "antes da sentença" empregada no dispositivo significa "antes do juiz proferir a sentença", não se tratando de decisão irrecorrível, admitindo-se a retratação até o momento anterior à sua publicação em mãos do escrivão. • É preciso que a retratação seja cabal, total, abrangendo tudo o que foi dito pelo ofensor.• A retratação não se confunde com o perdão do ofendido, pois este é ato bilateral, que depende de aceitação, enquanto que aquela é ato unilateral do querelado, em que o juiz julga extinta a punibilidade.• Em regra, a retratação do sujeito funciona somente como circunstância judicial na aplicação da pena (CP, art. 59, caput). Excepcionalmente, o estatuto penal lhe empresta força extintiva da punibilidade. Nos termos do art. 107, VI, CP, extingue-se a punibilidade pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite. • Trata-se de circunstância subjetiva e incomunicável, em caso de concurso de pessoas. Não depende de aceitação da vítima.• No concurso de crimes, v. g., calúnia e difamação, a retratação só aproveita em relação ao delito a que se refere.

4. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES (art. 144 do CP):• Nos termos do art. 144 do CP, se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatoriamente, responde pela ofensa.• Pode ocorrer que o sujeito manifeste expressão em que não se mostre com evidência a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida ao intérprete quanto à sua significação. Nesse caso, aquele que se sente ultrajado pode, em vez de requerer a instauração de inquérito policial ou iniciar ação penal, pedir explicações ao ofensor. • É incabível quando o fato imputado se encontra acobertado por causa excludente da ilicitude (CP, art. 142) ou extintiva da

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punibilidade (decadência etc.).• A redação do dispositivo é imperfeita. Sua segunda parte dá a entender que se o pretenso ofensor se recusa a dar explicações em juízo, ou as dá insatisfatórias, o juiz pode condená-lo no processo do pedido. Isso, porém, não ocorre. • O pedido de explicações em juízo segue o rito processual das notificações avulsas, devendo ser destinada a um juiz criminal. Requerido, o juiz determina a notificação do autor da frase para vir explicá-la em juízo. Fornecida a explicação, ou no caso da recusa, certificada esta nos autos, o juiz simplesmente faz com que os autos sejam entregues ao requerente. O juiz não julga a recusa ou a natureza das explicações. • Após isso, aquele que se sentiu ofendido pode ingressar em juízo com ação penal ou requerer a instauração de inquérito policial. Havendo ação penal, é na fase do recebimento da queixa que o juiz, à vista das explicações, irá analisar a matéria, recebendo a peça inicial ou a rejeitando, considerando, inclusive, para isso, as explicações dadas pelo pretenso ofensor.• O pedido de explicações não interrompe ou suspende o prazo decadencial (CP, art. 103). • Entende-se que, uma vez proposto o pedido de explicações, o juízo se tornará prevento para futura ação penal. Porém, o juiz processante do pedido de explicações não deverá emitir opinião, sob pena de tornar-se suspeito para futura ação penal.

5. AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA HONRA:• Nos termos do art. 145 do CP, nos crimes de calúnia, difamação e injúria, somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso da injúria real, da violência resulta lesão corporal. • De acordo com o parágrafo único, procede-se, entretanto, mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do art. 141,I, e mediante representação do ofendido, no caso do n° II do mesmo artigo.• A regra é que a ação penal é privada, mas a ação pode ser pública condicionada à representação no caso de injúria real, se resultar lesões leves (art. 88, lei 9099/95), ou se a ofensa for contra funcionário público referente às suas funções. Será a ação pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça se a ofensa for contra presidente da república ou chefe de estado.• Súmula 714, STF - no caso de ofensa contra funcionário público há uma legitimidade concorrente entre o MP (mediante representação) e o funcionário (queixa). • Nelson Hungria, analisando a incidência do art. 141, II, do Código Penal, semelhante ao art. 40, b, da Lei de Imprensa, observava que o texto legal fala em funcionário público, e tal qualidade, obviamente, já não existe no indivíduo que se exonerou/demitiu ou foi exonerado/demitido do cargo que exercia na administração do Estado. Decidir de outro modo será dizer o que a lei não diz, nem quis dizer, pois sem a atualidade do exercício da função desaparece a ratio. • Da mesma forma, Heleno Cláudio Fragoso dizia que, "se o funcionário público já deixou o exercício do cargo, a ação penal é privada". No mesmo sentido, já se manifestou o STF.

6. OBSERVAÇÕES:• A calúnia absorve a difamação e a injúria quando estes delitos são meios para o primeiro. Nada impede, porém, que o sujeito responda pelos 3 crimes em concurso.

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• O crime de denunciação caluniosa (art 339, CP), que tem a ação penal pública incondicionada, absorve o crime de calúnia. Aplica-se o princípio da subsidiariedade implícita, pois as elementares da calúnia estão presentes na denunciação caluniosa.• Crimes contra honra também são previstos no CPM, no Código Eleitoral, na Lei de Imprensa e na lei de Segurança Nacional. Aplica-se, nessas hipóteses, o Princípio da Especialidade.

CAPITULO VIDOS CRIMES CONTRA LIBERDADE INDIVIDUAL

Seção I - Dos crimes contra a liberdade pessoalDO CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Aumento de pena § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio.1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Constrangimento ilegal é o fato de obrigar alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda (CP, art. 146, caput). • O estatuto penal protege a liberdade de auto-determinação. • A disposição tem assento constitucional: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (CF, art. 5º, II). • Trata-se de crime subsidiário, uma vez que constitui elemento de outras infrações penais, como as dos arts. 213, 214, 216-A, 158, 161, II, do CP.• CRIMES ESPECIAIS DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL: art. 197 a 199, CP – crime contra organização do trabalho; art. 344, CP- coação no curso do processo; art. 345, CP – exercício arbitrário das próprias razões; art. 71, do CDC; art. 232, da Lei 8069/90 (ECA); art. 3º e 4o Lei 4898/65 (abuso de autoridade); art. 1º, I, Lei 9455 – lei de tortura; art. 301, da lei 4737/65 - Código Eleitoral.2. SUJEITOS DO DELITO• Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de constrangimento ilegal. Cumpre observar, todavia, que, tratando-se de funcionário público, sendo o fato cometido no exercício da função, pode responder pelo delito de abuso de autoridade (art. 3º e 4º, da Lei nº 4.898/65).• O sujeito passivo, em princípio, também pode ser qualquer pessoa, mas

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esta deverá ter CAPACIDADE DE ENTENDIMENTO. É indispensável que possua capacidade de auto determinação, que significa liberdade de vontade, no sentido de o cidadão fazer o que bem entenda, desde que não infrinja disposição legal. • Constitui delito contra a Segurança Nacional atentar contra a liberdade pessoal dos Presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF (Lei n° 7.170/83, art. 28).3. TIPO OBJETIVO• Para que haja constrangimento ilegal é necessário que seja ilegítima a pretensão do sujeito ativo, ou seja, que não tenha direito de exigir da vítima o comportamento almejado. • A ilegitimidade da imposição pode ser absoluta ou relativa. • Existe ilegitimidade absoluta quando o sujeito não tem faculdade alguma de impor à vítima o comportamento ativo ou passivo. Exs.: deixar de passar numa determinada rua, exigir que beba aguardente, pretender que dê vivas a um clube esportivo, restituir o que não é devido etc.

• Existe ilegitimidade relativa da imposição quando não é proibida a pretensão do comportamento ativo ou passivo da vítima, porém não tem o sujeito direito de empregar violência ou grave ameaça para consegui-lo. Ex.: o pagamento de dívida proveniente de jogo (Nelson Hungria).

• Tratando-se de pretensão legítima ou supostamente legítima, se o comportamento da vítima puder ser exigido por intermédio de ação judicial, haverá delito de exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345).

• O núcleo do tipo é o verbo constranger, que significa compelir, coagir, obrigar.

• O sujeito, para realizar o tipo, pode empregar violência, grave ameaça ou qualquer outro meio capaz de reduzir a resistência do ofendido.

• A VIOLÊNCIA pode ser: PRÓPRIA: quando há emprego de força física; IMPRÓPRIA: quando há emprego de qualquer outro meio, como o hipnotismo, a narcotização, embriaguez pelo álcool etc. FÍSICA: a denominada vis corporalis; MORAL: emprego da vis compulsiva (grave ameaça). DIRETA OU IMEDIATA. Ex.: amarrar ou amordaçar a vitima; INDIRETA OU MEDIATA: empregada sobre coisa ou terceira pessoa vinculada ao ofendido. Exs.: privar um cego de seu guia, tirar as muletas de um aleijado.

• A AMEAÇA é a prenunciação da prática de um mal dirigido a alguém. Para que sirva de meio de execução do constrangimento ilegal é necessário que seja grave. Ex.: ameaça de morte, de agressão, de grave prejuízo financeiro etc.

• É preciso que o mal prenunciado seja certo, verossímil, iminente e inevitável.

• A ameaça não exige a presença do ameaçado. Pode ser levada ao conhecimento da vítima por escrito ou por recado verbal.

• Enquanto no crime de ameaça (CP, art. 147) o prenúncio deve incidir sobre mal injusto e grave, no constrangimento ilegal basta que o mal prenunciado seja simplesmente grave, não precisando ser injusto. Assim, pode alguém responder por constrangimento ilegal muito embora seja justo o mal anunciado.

• É admissível que o sujeito tenha o dever de realizar o mal prenunciado à

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vítima, mas não pode coagi-la a agir de determinada maneira empregando violência em sentido amplo. Ex.: o art. 66, I, da LCP, define o fato de omissão de comunicação de crime, com a seguinte redação: "Deixar de comunicar à autoridade competente crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação". Suponha-se que funcionário público, tomando conhecimento, no exercício de função pública, de crime de ação pública, praticado por outrem, constranja-o a realizar determinado fato, sob ameaça de denunciá-lo à autoridade pública. Desde que a vantagem desejada pelo funcionário público não seja econômica, responde por delito de constrangimento ilegal. Tratando-se de vantagem econômica, há crime de extorsão (CP, art. 158).

• O Código Penal, na descrição do constrangimento ilegal, emprega interpretação analógica. Logo após a fórmula casuística, contida nos meios de execução, violência e grave ameaça, a redação se refere a qualquer outro capaz de reduzir a resistência do ofendido (fórmula genérica), como o inebriamento pelo álcool, o hipnotismo, a narcotização etc.

• O emprego de tais meios deve ser sub-reptício, dissimulado, sem violência. Se a vítima é obrigada a embriagar-se mediante força bruta ou grave ameaça, não estamos em face do emprego do "qualquer outro meio", mas diante da violência física ou moral.

• Existe constrangimento ilegal se o sujeito quer impedir que a vítima pratique um ato imoral, desde que o ato imoral não seja proibido por lei. Ocorre que o crime consiste em obrigar o ofendido, mediante violência ou outro meio de execução, "a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". Na hipótese, o sujeito está constrangendo a vítima "a não fazer o que a lei permite", uma vez que o ato é simplesmente imoral e não proibido. Ex.: O pai constrange o filho, mediante ameaça, a não se prostituir.

4. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA• É delito material, de conduta e resultado, em que o estatuto penal exige a

produção deste. A violência, a ameaça ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistência são os modos de execução para que a vítima faça ou deixe de fazer alguma coisa que não está obrigada senão em virtude de lei.

• Em regra, é delito instantâneo, consumando-se em certo e exato momento. A consumação ocorre no instante em que a vítima faz ou deixa de fazer alguma coisa, cedendo ao constrangimento do autor.

• Pode ocorrer a forma eventualmente permanente: o ofendido, constrangido pelo sujeito ativo, permanece durante período juridicamente relevante realizando o comportamento por ele desejado.

• Delito subsidiário (subsidiariedade implícita), o constrangimento ilegal constitui elementar de vários tipos penais, como roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor etc.

5. TIPO SUBJETIVO• O constrangimento ilegal só é punível a título de dolo, que consiste na

vontade livre e consciente de constranger a vítima, mediante violência em sentido amplo.

• Abrange o conhecimento da ilegitimidade da pretensão e o nexo de causalidade entre o constrangimento e a conduta do sujeito passivo.

• Exige-se especial fim de agir, uma vez que a conduta é realizada pelo agente com o fim de que a vítima não faça o que a lei permite ou faça o que ela não determina. O motivo do agente é irrelevante.

• Não há constrangimento ilegal culposo.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

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• Consuma-se o constrangimento ilegal no momento em que a vítima faz ou deixa de fazer alguma coisa.

• Tratando-se de delito material, plurissubsistente, em que pode haver fracionamento das fases de realização, o constrangimento ilegal admite a figura de tentativa, desde que a vítima não realize o comportamento desejado pelo sujeito por circunstâncias alheias à vontade deste.

7. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA• O art. 146, § l°, do CP, determina que as penas devem ser aplicadas cu-

mulativamente e em dobro, isto é, a pena será de 6 meses a 2 anos e a multa será duplicada.

• Significa que o juiz não pode aplicar isoladamente a pena de detenção ou de multa. É obrigado a impor ao sujeito as duas sanções penais, fixadas em dobro.

• Hipóteses: quando, para execução do fato, se reúnem mais de três pessoas; quando há emprego de armas na realização da conduta. É necessário que a arma seja empregada. Entretanto, incide a circunstância se o porte é ostensivo, com o propósito de infundir medo ao sujeito passivo. As armas podem ser: próprias: instrumentos destinados a ataque ou defesa. Ex.: armas de fogo, punhais, bombas, facões etc; impróprias: não são fabricadas com finalidade de ataque ou defesa, mas têm poder ofensivo. Ex.: machados, facas de cozinha, tesouras, navalhas etc.

8. NORMA PENAL EXPLICATIVA• De acordo com o art. 146, § 2º, do CP, além das penas cominadas ao autor

do constrangimento ilegal, aplicam-se as correspondentes à violência real.

• Significa que, se o sujeito pratica constrangimento ilegal causando lesões corporais na vítima, deve responder por dois crimes em concurso formal impróprio (constrangimento ilegal e lesão corporal leve, grave ou gravíssima), com a aplicação da regra do cúmulo material (art. 70, 2ª parte, CP).

9. CAUSAS ESPECIAIS DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE• Nos termos do § 3º do art. 146, "não se compreendem na disposição deste

artigo a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida" e a "coação exercida para impedir suicídio" (I e II).

• Há divergência em relação a Natureza Jurídica do § 3º do art. 146 do CP: • 1ª Corrente – Causa de exclusão de ilicitude.• 2ª Corrente – Causas que afastam a própria tipicidade. • Parece melhor o entendimento de que se trata de causas de

atipicidade do fato e não excludentes da antijuridicidade. O CP diz que esses fatos "não se compreendem na disposição" que define o constrangimento ilegal. Ora, se os fatos não se encontram compreendidos na norma penal incriminadora, não são condutas típicas. Assim, antes de esses comportamentos serem permitidos (lícitos), ocorre a atipicidade, diante da inadequação entre os fatos e a norma de incriminação.

• Na primeira hipótese, a vítima é constrangida a submeter-se a intervenção médica ou cirúrgica. Para o CP, mesmo sem o consentimento da vítima ou de seu representante legal, não há tipicidade do constrangimento, desde que a intervenção ou a cirurgia seja determinada por iminente perigo de vida. Trata-se de hipótese de estado de necessidade de terceiro, tratado pelo CP como excludente da

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tipicidade.• No segundo caso, não constitui constrangimento ilegal a coação exercida

para impedir que alguém se suicide. O suicídio, embora não constitua ilícito penal, não deixa de ser conduta antijurídica, já que a vida é bem indisponível. Assim, impedir, mediante violência ou grave ameaça, que uma pessoa pratique ato antijurídico não pode constituir constrangimento ilegal.

10. PENA E AÇÃO PENAL• O CP, para o tipo simples, comina pena de detenção, de três meses a

um ano, ou multa (art. 146, caput). • As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a

execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas (§ lº).

• Aplica-se a regra do cúmulo material, para a violência (lesão corporal) (§2º).

• Competência do Juizado Especial Criminal (art. 61, da Lei 9099/95). • A ação penal é pública incondicionada.

DA AMEAÇA

Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Ameaça é o fato de o sujeito, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer

outro meio simbólico, prenunciar a outro a prática de mal injusto e grave contra ele ou contra terceiro (CP, art. 147).

• A ameaça poderá ser direta ou indireta. • A ameaça é um fim em si mesma, sendo o único objetivo do agente

atemorizar a vítima, a ameaça. • É crime formal, não depende de que a vítima fique atemorizada, basta

que a ameaça seja séria.• A objetividade jurídica é a liberdade psíquica, ou seja, a paz de espírito, a

tranqüilidade espiritual.• A ameaça se diferencia do constrangimento ilegal. Neste, o agente

busca uma conduta positiva ou negativa da vítima. Aqui, pretende somente atemorizar o sujeito passivo.

• O delito de ameaça eventualmente é subsidiário em relação a outros crimes. Assim, funciona como elementar das descrições típicas dos crimes de roubo, extorsão, estupro etc.

• Cabe a legítima defesa desde que a ameaça de agressão seja iminente e injusta.

2. SUJEITOS DO DELITO• Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Se o crime é praticado por

funcionário público pode configurar abuso de autoridade (art. 3º, da Lei 4898/65).

• Quanto ao sujeito passivo, é preciso que tenha capacidade de entendimento. Estão fora de tutela penal a pessoa jurídica, a criança (até certa idade) e o doente mental. Entretanto, a ameaça pode ser indiretamente dirigida a alguém ligado à criança ou ao doente mental.

• Constitui crime contra a Segurança Nacional ameaçar o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF (Lei nº 7.170/83, art. 28).

3. TIPO OBJETIVO

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• O núcleo do tipo é o verbo ameaçar, que significa prenunciar à vítima a prática de mal injusto e grave, consistente num dano físico, econômico ou moral. Se o mal é justo, como o de protestar um título ou despedir empregado relapso, não há delito.

• CONTROVÉRSIA: Mal atual ou futuro? 1ª Corrente:

O crime de ameaça exige prenúncio de mal a ser executado somente no futuro, não o configurado a ameaça de mal a ser realizado no curso da contenda. Essa orientação parte da descrição típica do crime. Se o crime consiste no fato de prenunciar a alguém a conduta de causar-lhe mal injusto e grave, o mal não pode ser "atual", exigindo-se que seja futuro. Assim, não há delito quando o mal prenunciado constitui etapa subseqüente do fato que está ocorrendo. Se isso acontece, a ameaça passa a ser indiferente penal ou integra a infração constitutiva do fato subseqüente prenunciado e executado. Ex.: Durante uma discussão acalorada, o agente anuncia que irá causar um dano de imediato à vítima: “vou quebrar sua cara!”. Se nada ocorrer, a ameaça será um indiferente penal. Se for efetivado o mal, a ameaça será um fato antecedente impunível, absorvida pela infração subseqüente. 2ª Corrente: Em sentido oposto, sustenta-se que o prenúncio de mal atual ou iminente configura o crime de ameaça, não se exigindo que o mal seja somente futuro. Não se faz distinção entre ameaça "em ato" e ameaça de "mal futuro". Além disso, "futuro" é tudo aquilo que ainda não aconteceu, referindo-se ao fato que irá ocorrer em poucos instantes ou depois de algum tempo. No primeiro caso, existe o que a doutrina chama de "mal atual" ou ameaça "em ato", que corresponde ao "mal iminente". No segundo, "mal futuro". Deve existir crime nos dois casos. Se o bem jurídico é a tranqüilidade espiritual, não se compreende como só possa haver delito quando ocorre prenúncio de "mal futuro". A lesão jurídica também ocorre com o prenúncio de "mal iminente".

• Obs.: A ameaça não se confunde com a praga, com o esconjuro, como, por exemplo, "vá para o inferno", "que o diabo o carregue", "que um raio te parta" etc.

• Os meios de execução da ameaça são a palavra, o escrito, o gesto ou qualquer outro meio simbólico. Assim, a ameaça pode ser oral, escrita, real (por intermédio de gesto) ou simbólica. Exemplos de ameaça simbólica: colocar um ataúde à porta de alguém, remeter-lhe uma caveira, enviar-lhe o desenho de um punhal atravessando um corpo humano (Nelson Hungria).

• A ameaça pode ser: direta: endereçada ao sujeito passivo; indireta: dirigida a terceira pessoa, ligada à vítima, como, por exemplo, intimidar a mãe, por um mal ao filho; explícita: quando manifestada às claras; implícita: ex.: "para solucionar esse problema, não temo ir para a cadeia"; condicional: ex.: "vai apanhar se repetir o que disse".

4. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

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• A ameaça é crime formal. O tipo descreve a conduta e o resultado visado pelo sujeito. A conduta está no emprego da palavra escrita, oral, gesto ou de qualquer meio simbólico. O resultado visado pelo agente é a intimidação do ofendido. Entretanto, para a consumação não há necessidade de que a vítima se sinta ameaçada. É suficiente que o comportamento do sujeito tenha condições de atemorizar um homem prudente e de discernimento.

• Delito subsidiário (subsidiariedade implícita), a ameaça integra o conceito legal de vários crimes, funcionando como elementar. Assim, constitui meios de execução do constrangimento ilegal, estupro, atentado violento ao pudor, extorsão etc.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Consuma-se a ameaça no instante em que o sujeito passivo toma

conhecimento do mal prenunciado, independentemente de sentir-se ameaçado ou não.

• A tentativa é admissível quando se trata de ameaça realizada por meio escrito. Exemplo clássico é o da carta que chega por extravio às mãos de terceira pessoa.

• A figura da tentativa é, em tese, admitida pela doutrina. Na prática, porém, é de difícil ocorrência, pois trata-se de crime cuja ação penal somente se procede mediante representação. Ora, se o sujeito exerce o direito de representação é porque tomou conhecimento do mal prenunciado. Se isso ocorreu, o crime é consumado e não tentado.

• Rogério Greco, para exemplificar a tentativa, aponta a hipótese do menor de 18 anos, que não chega a tomar conhecimento da ameaça a ele dirigida, mas que seu representante legal o faz, procedendo à representação.

6.TIPO SUBJETIVO• A ameaça só é punida a título de dolo, consistente na vontade de

intimidar o sujeito passivo. • Controvérsia: ESTADO DE ÂNIMO DO AGENTE.

1ª Corrente: O ENTENDIMENTO DOMINANTE na Jurisprudência (STF/Nélson Hungria e Aníbal Bruno) é no sentido de que o delito EXIGE ÂNIMO CALMO E REFLETIDO. Requer a produção de um justo alarme, inexistente no fato praticado pelo agente em estado de ira. O tipo requer a intenção calma, especial e refletida de prenunciar um mal a alguém, elemento subjetivo incompatível com o ânimo de quem realiza a conduta sob a influência de manifestação de ira. 2ª Corrente: Em sentido oposto, sustenta-se que o crime NÃO EXIGE ÂNIMO CALMO E REFLETIDO. Parte-se do conceito de dolo no delito de ameaça, consistente na vontade de expressar o prenúncio de mal injusto e grave a alguém, visando à sua intimidação. Se o dolo próprio do delito é esse, não fica excluído quando o sujeito procede sem ânimo calmo e refletido. O estado de ira não exclui a intenção de intimidar. Ao contrário, a ira é a força propulsora da vontade intimidativa. Não é correta a afirmação de que a ameaça do homem irado não tem possibilidade de atemorizar. Exatamente por isso apresenta maior potencialidade de intimidação. A questão deve ser resolvida de maneira singular, caso por caso, uma vez que só excepcionalmente o estado de ira pode excluir o elemento subjetivo da ameaça.

• Controvérsia: ESTADO DE EMBRIAGUEZ DO AGENTE. • 1ª Corrente: A jurisprudência majoritária de nossos Tribunais entende que

não há crime de ameaça quando o fato é praticado pelo sujeito em estado de embriaguez. Essa corrente, com fundamento na necessidade de ânimo

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calmo e refletido, considera a ameaça incompatível com o estado de embriaguez.

• 2ª Corrente: Em sentido contrário, afirma-se que a embriaguez do sujeito, por si só, não exclui o crime, condicionando-se a sua existência ao caso concreto. É possível que o estado de embriaguez seja tal que exclua a seriedade exigida pelo tipo. É possível, porém, que a embriaguez do sujeito não exclua, mas, ao contrário, torne mais sério o prenúncio de mal injusto e grave, pelo que o crime deve subsistir. Ademais, a embriaguez não exclui a imputabilidade penal.

7. PENA E AÇÃO PENAL• A pena é de detenção, de um a seis meses, ou multa (art. 147, caput).• Competência do Juizado Especial Criminal (art. 61, lei 9099/95).• Nos termos do art. 147, parágrafo único, do CP, somente se procede

mediante representação.

DO SEQUESTRO E DO CÁRCERE PRIVADOArt. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere

privado: Pena - reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do

agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)

II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela

Lei nº 11.106, de 2005) V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106,

de 2005) § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da

detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos.1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Seqüestro e cárcere privado são meios de que se vale o sujeito para privar

alguém, total ou parcialmente, de sua liberdade de locomoção (CP, art. 148).

• O legislador protege a liberdade de ir e vir. • A doutrina faz diferença entre o seqüestro e o cárcere privado:

no seqüestro, a vítima embora privada de sua liberdade, tem restrito poder de locomoção (exemplo: casa, ilha) no cárcere privado a vítima não possui qualquer liberdade de locomoção (exemplo: buraco, jaula, amarrada em um quarto).

• Esse crime não se confunde com a extorsão mediante seqüestro, pois nesse há o intuito de vantagem econômica, enquanto que no seqüestro puro, o único intuito é privar a vítima de sua liberdade.

• É crime permanente que se consuma com a privação da liberdade, ainda que por pouco tempo.

2. SUJEITOS DO DELITO• O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois trata-se de crime comum.

Tratando-se, entretanto, de funcionário público e cometido o fato no exercício da função, o crime pode ser outro, como abuso de autoridade.

• O sujeito passivo também, inclusive pessoa que não tenha capacidade

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de entendimento. • Alguns autores entendem que, tendo em vista que o objeto jurídico é a

liberdade de locomoção, estão fora da tutela penal as pessoas que não podem exercer a faculdade de ir e vir, como os paralíticos, os doentes graves etc.

• Parece melhor o entendimento de que, por serem essas pessoas portadoras desses males, merecem maior proteção penal. Não se deve fazer distinção alguma quanto ao sujeito passivo. Tenha ou não capacidade de locomoção, é possível a prática do delito. Assim, um doente grave pode ser seqüestrado ou encarcerado.

• Constitui delito contra a Segurança Nacional praticar seqüestro ou cárcere privado contra o Presidente da República, o do Senado, o da Câmara dos Deputados e o do STF (Lei nº 7.170/83, art. 28).

• O consentimento do ofendido exclui o crime (ex.: casa do Big Brother), desde que tenha validade. Determinadas causas podem excluir a antijuridicidade do fato. Exs.: prisão em flagrante delito, internação de enfermos mentais, isolamento de portadores de doença contagiosa etc.

3.TIPO OBJETIVO• No seqüestro, embora a vítima seja submetida à privação da faculdade de

locomoção, tem maior liberdade de ir e vir. Ex.: O sujeito pode prender a vítima numa fazenda ou numa chácara.

• No cárcere privado, a vítima vê-se submetida à privação de liberdade num recinto fechado. Ex.: prender alguém num quarto.

• Em alguns casos, é difícil distinguir a existência de seqüestro ou cárcere privado. Isso é irrelevante. A pena é a mesma para as duas hipóteses.

• O crime pode ser cometido mediante duas formas de execução: detenção: ex.: levar a vítima num automóvel e prendê-la num quarto; retenção: ex.: impedir que a vítima saia de determinado local.

• Em regra é delito comissivo, mas é possível a prática do delito mediante omissão. Ex.: deixar de pôr em liberdade pessoa que se restabeleceu de doença mental.

• A duração da privação da liberdade de locomoção do sujeito passivo é irrelevante para a tipificação do fato, devendo ser considerada somente para efeito de dosagem da pena.

4.TIPO SUBJETIVO• O crime só é punido a título de dolo, consistente na vontade livre e

consciente de privar a vítima de sua liberdade de locomoção.• Havendo finalidade atentatória à Segurança Nacional, o fato passa a

constituir delito especial (crime contra a Segurança Nacional, art. 20 da Lei n° 7.170/83).

5. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA• Crimes Materiais, uma vez que o tipo descreve a conduta e o resultado,

exigindo a sua produção. • Crimes Permanentes, porque a lesão do objeto jurídico perdura no tempo.

Enquanto a vítima estiver encarcerada, a lesão do objeto jurídico, liberdade de locomoção, estará ocorrendo.

• Podem funcionar como delitos subsidiários (subsidiariedade implícita), integrando outros delitos como elementares. Desta forma, constituem meios de execução da extorsão mediante seqüestro (CP, art. 159), plágio (redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149) etc.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Consuma-se o crime no instante em que a vítima se vê privada da

liberdade de locomoção. • Cuidando-se de delito permanente, perdura a consumação enquanto o

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ofendido estiver submetido à privação de sua liberdade de locomoção. • A tentativa, na forma comissiva, é admissível. Ex.: o sujeito, mediante

força física, está levando a vítima para colocá-la num veículo, quando é impedido por terceiros.

• Quando a omissão constitui o meio executório, a tentativa é impossível. Ex.: o agente deixa de colocar a vítima em liberdade.

7. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS§ 1º A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I. Se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do

agente ou pessoa maior de 60 anos (Estatuto do idoso). • Em respeito ao Princípio da Legalidade, a norma qualificadora não pode

ser interpretada extensivamente, de forma que não incide nas hipóteses de ser o ofendido pai ou filho adotivo, padrasto ou genro do sujeito ativo (Bitencourt). Rogério Greco sustenta posição contrária, já que a Constituição veda qualquer distinção entre filho natural e adotivo (art. 227, §6º, CR).

II. Na internação em casa de saúde ou hospital a razão da maior punibilidade reside no emprego de meio fraudulento. O médico responsável responde como co-autor se tiver conhecimento do ardil.

III. O fato é também agravado quando a privação da liberdade dura mais de 15 dias. A maior quantidade objetiva do fato leva o legislador a agravar severamente a sanção penal. Além disso, a conduta do sujeito revela malignidade, o que a torna mais censurável. O prazo deve ser contado de acordo com a regra do art. 10 do CP (prazo penal - inclui o início).

IV. Se o crime é praticado contra menor de 18 anos. O agente deve ter conhecimento da idade da vítima, que deve ser comprovada na forma do art. 155, CPP.

V. Se o crime é praticado para fins libidinosos. • Esse inciso foi acrescentado pela lei 11106/2005, que aboliu algumas infrações penais contra os costumes (ex.: rapto, sedução). Basta a finalidade da prática de atos libidinosos para qualificar o crime. Se efetivamente ocorrer o ato libidinoso (atentado violento ao pudor, estupro), há concurso material.

§2º FORMA QUALIFICADA PELO RESULTADO• A pena é de reclusão, de dois a oito anos. O código retrata a

qualificadora do sofrimento físico ou moral do ofendido, provocado por intermédio de maus-tratos ou pela natureza da detenção.

• Por maus-tratos se entende a conduta agressiva e perigosa do sujeito, que produz ofensa à moral, ao corpo ou à saúde da vítima, sem causar lesão corporal. Se essa ocorre, há concurso material entre seqüestro ou cárcere privado e delito de lesão corporal leve, grave ou gravíssima.

• A circunstância "natureza da detenção" diz respeito ao aspecto material da privação da liberdade da vítima. Ex.: amarrá-la numa árvore, colocá-la em lugar úmido etc.

8. PENA E AÇÃO PENAL• No tipo simples, o CP comina pena de reclusão, de um a três anos (art.

148, caput). Cabe suspensão condicional do processo (art. 89, da lei 9099/95).

• No §1º, a sanção é de reclusão, de dois a cinco anos.• No §2º, a pena de reclusão é de dois a oito anos.• A ação penal é pública incondicionada.9. OBSERVAÇÕES1) Se o seqüestro tiver como objetivo o pagamento de resgate, então a

hipótese configurará o crime do art. 159 do CP - Extorsão Mediante

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Seqüestro.2) Se o seqüestro for meio para a prática de Tortura, então o crime será de

Tortura qualificada pelo Seqüestro (Lei 9455/97).3) Se o sujeito privar a vítima de sua liberdade para poder roubá-la, então a

hipótese será do art. 157 § 2º, V do CP. Porém, se após roubar a vítima desnecessariamente privá-la de sua liberdade, então poderá haver concurso entre os arts. 157 e 148 do CP.

REDUÇÃO A SITUAÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO (PLÁGIO)Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a

trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• É crime permanente e modalidade especial de seqüestro. • O art. 149 do CP define o delito de plágio ou redução a condição análoga à

de escravo com a seguinte redação: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".

• Plágio é a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra. O legislador protege a liberdade em todas as suas formas de exteriorização.

• Não se trata de o sujeito submeter a vítima à escravidão. O texto legal se refere a "condição análoga à de escravo": fato de o sujeito transformar a vítima em pessoa totalmente submissa à sua vontade, como se fosse escravo.

• O tipo não visa uma situação jurídica, mas sim a um estado de fato.• De acordo com o §1º, também incide nas mesmas penas quem: I – cerceia

o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; ou II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

• O consentimento do ofendido é irrelevante, uma vez que a situação de liberdade do homem constitui bem indisponível e interesse preponderante do Estado.

2. SUJEITOS DO DELITO

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• Crime próprio, deve haver uma relação de trabalho entre o sujeito ativo e o sujeito passivo.

• Assim, o sujeito ativo deve ser o empregador que utiliza mão de obra escrava e o passivo o empregado que se encontra numa condição análoga à de escravo.

3. TIPO SUBJETIVO• O fato só é punível a título de dolo, que consiste na vontade de exercer

domínio sobre outra pessoa, suprimindo-lhe a liberdade de fato, embora permaneça ela com a liberdade jurídica.

4. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA• Crime próprio, deve haver uma relação de trabalho entre o sujeito ativo

e o sujeito passivo. • Simples, o tipo protege o direito à liberdade. • Trata-se de crime comissivo, não admitindo a modalidade omissiva. • A lesão jurídica perdura no tempo. Por isso, cuida-se de crime

permanente. • Crime material, exige a produção do resultado visado pelo sujeito ativo,

qual seja, a efetiva redução da vítima a condição semelhante à de escravo. • Por fim, é crime de forma vinculada, pois o tipo descreve as formas de

execução material.5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• O crime atinge o momento consumativo quando o sujeito reduz a vítima a

condição análoga à de escravo. • Admite-se a tentativa. Ex.: a conduta do sujeito é interrompida quando está

transportando a vítima a fim de servir-lhe, como se fosse escravo, em determinado lugar.

6. CAUSA DE AUMENTO DE PENANo § 2º, a pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:I – contra criança (até 12 anos incompletos) ou adolescente (entre 12 e 18

anos) - conceito do ECA (art. 2º);II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.7. PENA E AÇÃO PENALA pena é de reclusão, de dois a oito anos. Aumenta-se da metade nas hipóteses do §2º.A ação penal é pública incondicionada.SEÇÃO II

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a

vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. § 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o

emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à

violência. § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário

público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.

§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências:

I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;

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II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

§ 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou

atividade. § 5º - Não se compreendem na expressão "casa": I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto

aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA

• Código Penal, no art. 150, caput, define o crime de "entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências".• Embora a rubrica da disposição fale em "crimes contra a inviolabilidade do domicilio", na verdade temos apenas a descrição de um delito na Seção II do Capítulo VI do Título I do CP. Diz-se que a violação de domicílio possui as formas típicas simples e qualificada, em face do que haveria várias infrações. Entretanto, só se pode dizer que existem infrações diversas quando os tipos penais são autônomos. No caso, os fatos criminais descritos nos §§ lº e 2º do art. 150 não constituem crimes autônomos, mas simplesmente subtipos de uma figura central, que é a violação de domicilio.• O Código é mais uma vez sancionador do Direito Constitucional. A Carta Magna, em seu art. 5º, XI, estabelece que "a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".• O objeto jurídico é a tranqüilidade doméstica. A incriminação da violação de domicílio não protege a posse nem a propriedade. Tanto que não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia desabitada. Há diferença entre casa desabitada e casa na ausência de seus moradores. • Quando ausentes os moradores, subsiste o crime de violação de domicílio. Estando, porém, desabitada, inexiste o delito. Isto ocorre porque, na primeira hipótese, existe a possibilidade de lesão do objeto jurídico, que é a paz doméstica. Entretanto, estando a residência desabitada, não se pode falar em tranqüilidade doméstica, logo não há o fato típico previsto no artigo 150, CP. Cumpre observar que a violação de casa desabitada poderá consistir no delito descrito no art. 161, II do CP, que define o esbulho possessório.• CONCEITO DE DOMICÍLIO - A proteção penal não se refere ao domicílio definido pelo legislador civil, conceituado como o lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo ou a sede das operações, o centro das ocupações habituais. • Não é o domicílio civil o tutelado pela definição do art. 150, caput, do CP. O legislador procurou proteger o lar, a casa, o lugar onde alguém mora (Hungria - a barraca do saltimbanco ou do campista, o barraco do favelado ou o rancho do pescador). • Tutela-se o direito ao sossego, no local de habitação, seja permanente, transitório ou eventual. Assim, a expressão "casa" não tem as dimensões da expressão "domicilio" contida no Direito Civil.

2. SUJEITOS DO DELITO• Crime Comum, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de violação de domicílio.

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• O sujeito passivo é o titular do objeto jurídico (tranqüilidade doméstica). É o "quem de direito", expressão empregada na disposição do art. 150, caput, do CP, titular do jus prohibendi, do direito de admissão ou de exclusão de alguém em sua casa.• O sujeito passivo tanto pode ser uma pessoa em relação à qual os outros habitantes da casa estão subordinados, como podem ser várias pessoas, habitantes da mesma casa, vigendo entre elas regime de igualdade. Assim, na matéria, existe regime de igualdade ou de subordinação. • No REGIME DE SUBORDINAÇÃO:• Na residência de uma família, os titulares do direito de admissão e proibição são os cônjuges ou companheiros (CF, art. 226, § 5º). Os filhos são subordinados.• Os dependentes ou subordinados têm direito de inclusão ou de exclusão com respeito às dependências que lhes pertencem. Assim, na casa de uma família, os titulares do jus prohibendi, como ficou assinalado, são os pais. Entretanto, os filhos têm também direito de admitir ou de excluir terceiros nas dependências a eles pertencentes. Este direito não elimina o direito dos pais quanto a todas as dependências da casa. • Desta forma, se o pai ingressar no quarto de algum dos filhos, não comete o delito, ainda que o faça contra a vontade do ocupante do quarto. • O patrão tem o direito de entrar no quarto da empregada, desde que para fins lícitos e morais, ainda que contra a vontade dela. • No caso de conflito entre a vontade dos chefes da casa e a dos demais ocupantes, prevalece a sua autoridade. Assim, os demais habitantes da casa, sejam filhos, empregada ou terceiro, podem admitir ou excluir alguém das dependências que lhe são destinadas, desde que não entrem em conflito com os chefes da família, caso em que a vontade destes deve prevalecer para fins penais. • Em algumas comunidades privadas, há também superiores e subordinados. Exs.: pensionatos, colégios, ordens religiosas, em que todos estão subordinados ao diretor ou ao reitor. • Nestes casos, os pais, o diretor ou o reitor funcionam como sujeitos passivos do delito. Na ausência do detentor do jus prohibendi, este passa para um de seus subordinados ou dependentes.• No REGIME DE IGUALDADE:• Todos os moradores são titulares do direito de admitir ou de excluir alguém. Quando o direito de admitir ou de excluir alguém na casa se reparte entre vários titulares em igualdade, surge a questão do conflito de autoridades horizontais. Ex.: entre cônjuges ou companheiros.• Pode ocorrer que numa república ou num condomínio alguém permita a entrada de outrem. Entretanto, outro morador, ou outro condômino, não permite a admissão. Como resolver a questão? • Quando se trata de condomínio, cumpre observar que nas partes comuns, como átrios, corredores, jardins, enquanto aberto o edifício, qualquer um tem o direito de entrar. Entretanto, quando fechado, existe a violação de domicílio na hipótese de a entrada não ser autorizada. Todavia, se um dos condôminos autoriza a entrada, na ausência de consentimento de outro, aplica-se o princípio de que melhor é a condição de quem proíbe: melior est conditio prohibentis. Restará ao sujeito, que agiu de boa-fé, demonstrar não ter praticado o fato com dolo.• Observações: A empregada que deixa o seu namorado penetrar em seu quarto

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comete o crime de violação de domicílio em concurso com ele, uma vez que na espécie presume-se o dissentimento do dominus (dono da casa). Se a esposa, na ausência do marido, permite o ingresso do amante na residência, não há delito, uma vez que, nos termos do art. 226, § 5º, da CF, encontra-se em igualdade jurídica em relação ao marido. Este não é mais o "chefe da sociedade conjugal". O consentimento dela exclui o crime. Esse é o entendimento do STF, que já decidiu inexistir crime na entrada, para fins amorosos, do amante da esposa infiel no lar conjugal, com o consentimento daquela e na ausência do marido. Se o dono de uma casa alugada penetrar na residência do inquilino contra a sua vontade, cometerá o crime de violação de domicílio, pois o legislador não protege a propriedade e nem a posse direta do locador. O inquilino, por sua vez, possuidor direto da casa, não sofre violação na posse, mas sim no objeto jurídico do delito, que é a tranqüilidade doméstica.

3. TIPO OBJETIVO A) CONDUTAS

• Os núcleos do tipo são os verbos entrar e permanecer.• Quanto à permanência, pressupõe ela a entrada lícita. Entrando ilicitamente na residência alheia e nela permanecendo, o sujeito não responde por dois delitos, mas por infração única. Isso porque se trata de crime de formulação típica alternativa. Para existência da infração penal, é irrelevante que o sujeito realize conduta que se enquadre num ou em vários verbos.

B) ELEMENTO NORMATIVO• É necessário que a entrada ou permanência seja realizada contra vontade do dono. Havendo consentimento, expresso ou implícito, o fato é atípico.• A entrada e a permanência podem ser francas, astuciosas ou clandestinas. • Quando a entrada ou a permanência é franca, o dissentimento do dono pode ser expresso ou tácito. Existe entrada ou permanência franca com dissentimento expresso quando o dono manifesta a vontade de excluir o sujeito ativo. O dissentimento tácito resulta de fatos anteriores, que demonstram claramente a intenção de o titular não admitir a entrada do sujeito. Ex.: entrada do homicida na residência da viúva.• Quando a entrada ou a permanência é astuciosa ou clandestina, o dissentimento é presumido. Existe diferença entre dissentimento tácito e presumido. No dissentimento presumido, a falta de vontade anuente do titular é deduzida daquilo que normalmente acontece, enquanto o dissentimento tácito é demonstrado por intermédio de fatos concretos. O dissentimento presumido constitui mais uma forma de ficção, que não tem por fundamento dados reais. • Quando o violador age com astúcia ou clandestinidade, comporta-se assim porque presume o dissentimento da vítima. • Age com clandestinidade o sujeito que penetra na residência alheia às ocultas. • Exemplo de permanência clandestina: terminada a festa, um dos convidados se esconde, com o fim de permanecer na residência.

A astúcia implica utilização de meio ardiloso, fraudulento. Exemplos de entrada astuciosa: o sujeito ativo se veste de carteiro, de funcionário da companhia de força e luz ou do serviço de água e esgoto para penetrar na residência da

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vitima. Exemplo de permanência astuciosa: após a festa, o sujeito finge-se de doente para permanecer na casa.

C) OBJETO MATERIAL - CONCEITO DE CASA• §4o do art. 150 traz a interpretação autêntica, pois a expressão "casa" compreende: Qualquer compartimento habitado; Aposento ocupado de habitação coletiva; Compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.• É evidente que o aposento ocupado de habitação coletiva é redundante, pois se inclui na expressão qualquer compartimento habitado. • A referência a qualquer compartimento habitado não é desnecessária. Tem a finalidade de evitar dúvida de interpretação a respeito da proteção de determinados compartimentos, como o quarto de hotel, a cabine de um transatlântico, a barraca do campista etc. • Nos termos do inciso III, a expressão "casa" também compreende o compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Assim, pode-se concluir que o compartimento aberto ao público não é protegido pela lei, como o museu, cinema, bar, loja, teatro etc. • Compartimentos não abertos ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade, são o consultório médico ou dentário, o escritório do advogado etc. Esses locais de atividade podem possuir uma parte aberta ao público, como a sala de recepção, onde as pessoas podem entrar ou permanecer livremente. Entretanto, há os compartimentos com destinação específica ao exercício da profissão ou atividade, que constituem casa para efeitos penais. Em face disso, quem neles ingressar sem consentimento do dono cometerá violação de domicílio.• A proteção penal também se estende às dependências do domicilio, como jardins, alpendres, adegas, garagens, quintais, pátios etc., desde que fechados, cercados ou haja obstáculos de fácil percepção impedindo a passagem (correntes, telas etc.) (CP, art. 150, caput, parte final).• Para o §5º, do art. 150, CP, não merecem proteção penal a hospedaria, a estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta. Assim, um hotel, enquanto aberto, não pode ser objeto material de violação de domicílio. • Entretanto, se fechado, merece a proteção penal. Cumpre observar que merece a tutela do legislador o aposento ocupado da habitação coletiva, como a da pensão ou hotel. Desta forma, enquanto o hotel, durante o período em que permanece aberto, não pode ser objeto material de violação de domicílio, o mesmo não ocorre com o quarto ocupado por alguém. • Não se compreende no conceito da expressão "casa" a casa de jogo, a taverna. O entendimento majoritário é no sentido de que se houver alteração da norma interpretativa, que muda o conceito de casa, e esta for desfavorável ao réu não será aplicada.

4. TIPO SUBJETIVO• O crime só é punível a título de dolo, vontade e consciência de violar o domicílio, que deve abranger o elemento normativo "contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito".• Não há modalidade culposa.• O erro de tipo, que incide sobre as elementares do crime, exclui o dolo. Em conseqüência, não há tipicidade do fato, inexistindo crime. Ex.: o sujeito que, por erro, supõe entrar na casa própria, penetrando na residência

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alheia, ou então supõe consentimento de quem de direito.5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

• Consuma-se o delito com a entrada ou permanência. Na primeira modalidade o delito é instantâneo e, na segunda, permanente. É preciso que a entrada seja concreta. Assim, é necessário que o sujeito entre com o corpo inteiro na casa da vítima. A permanência, para constituir delito consumado, requer duração juridicamente relevante. • O tipo penal admite a tentativa. Ex.: O sujeito pretende entrar na residência da vítima, sendo impedido por esta, após iniciar os atos executórios. • É também admissível, em tese, a tentativa na modalidade permanencer. Parte da doutrina, entretanto, a entende impossível (Greco). Ex.: o sujeito pretende permanecer na casa da vitima, sendo colocado para fora depois de nela ficar tempo insuficiente para configurar fato consumado.

6. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA• É crime de mera conduta. Na descrição do art. 150, caput, do CP, o legislador somente define o comportamento do sujeito, sem referência a qualquer resultado. O tipo penal não descreve qualquer conseqüência da entrada ou permanência. • Na espécie, a figura não se refere a qualquer mudança do aspecto material da residência da vítima causada pela entrada ou permanência. • A violação de domicílio, na modalidade "entrar", é delito instantâneo e na modalidade "permanecer", como a expressão indica, é permanente.• É crime de formulação típica alternativa (entrar ou permanecer). Se o sujeito entra e permanece, não responde por dois crimes, mas por um só. Tratando-se de crime de conteúdo variado ou de formulação típica alternativa, a prática de mais de uma conduta não leva à pluralidade de crimes.• Não se trata de crime subsidiário, uma vez que entre a violação de domicílio e os delitos que a absorvem não há subsidiariedade, nem expressa nem implícita. Cuida-se, no conflito aparente de normas, de crime consunto, que, pela aplicação do princípio da consunção, fica absorvido por outro, de maior gravidade, a quem serve como meio de execução ou normal fase de realização. Ex.: o furto intra muros absorve a violação de domicílio.

7. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS (§ 1O DO ART. 150)• De acordo com o art. 150, § lº, do CP, se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas, a pena é de detenção, de 6 meses a 2 anos, além da correspondente à violência.• Noite é o período de completa obscuridade, em face da ausência de luz solar. Não se confunde com repouso. Para alguns, é o período de 18:00 às 6:00. Há também definição doutrinária de que vai do crepúsculo do entardecer à aurora do amanhecer. A melhor solução para o conceito de noite, porém, é deixar ao arbítrio do juiz, que deve analisar a existência da qualificadora diante do caso concreto, em função do local onde o crime foi cometido. • Na violação de domicílio, o legislador fala em "noite", enquanto na descrição típica do furto qualificado se refere a "repouso noturno". O conceito de noite como qualificadora da violação de domicílio é diverso do de "repouso noturno" como circunstância exasperadora da pena do crime de furto. Na qualificadora da violação de domicílio o fato deve ser cometido durante o período de escuridão completa, diante do caso concreto. No crime de furto,

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entretanto, tem-se em vista o período em que as pessoas se recolhem para o repouso, tornando mais fácil a prática da subtração e mais difícil a proteção da posse e da propriedade.• Lugar ermo é o local em regra despovoado, onde rareiam as habitações. Só há a qualificadora quando é habitualmente ermo e não ocasionalmente ermo, como, por exemplo, na violação de domicílio cometida numa avenida de intensa movimentação, excepcionalmente deserta.• Emprego de violência também qualifica o crime. A violência deve ser contra pessoa ou coisa, tanto faz. Enquanto em outras disposições o CP emprega as expressões "violência ou grave ameaça", como ocorre, por exemplo, no delito descrito no art. 157, caput, na violação de domicílio qualificada o tipo penal apenas menciona "violência", excluindo a grave ameaça. Em face disso, a qualificadora só diz respeito ao emprego de força física, não abrangendo o emprego de violência moral.• A violência qualificadora da violação de domicílio é tanto a exercida contra pessoa quanto a empregada contra coisa. O legislador fala em violência, não restringindo o conceito. Ao intérprete não cabe restringir o que não foi restringido. Quando o legislador quer restringir a expressão "violência", ele o faz taxativamente, como ocorre nas hipóteses do art. 157, caput, e § lº, onde se lê "violência contra a pessoa". Logo, quando, como ocorre na hipótese presente, o legislador apenas se refere à violência, esta abrange a pessoal e a executada contra coisa.• Quanto às qualificadoras do emprego de armas e do concurso de agentes, devemos nos reportar ao que foi dito no tocante a essas circunstâncias tipificadoras da forma qualificada do crime de constrangimento ilegal (art. 146, § lº).

8. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA• A pena é aumentada de um terço se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder (CP, art. 150, § 2º).• Controvérsia: A causa especial de aumento de pena do §2º deve ser confrontada com o art. 3o da lei 4898/65, que define como abuso de autoridade qualquer atentado à inviolabilidade do domicílio praticada por funcionário público. • Afirma-se majoritariamente que o art. 3º da referida lei teria revogado o art. 150 § 2º, por ser lei posterior e especial, sendo hipótese de revogação tácita. Mas existem autores que afirmam, de forma minoritária, que o parágrafo ainda está em vigor.• Essas causas de aumento de pena são aplicáveis tanto ao fato simples, descrito no caput quanto às condutas qualificadas, previstas no § lº.• A rigor, essas causas de aumento de pena deveriam constituir tipos dos crimes contra a administração pública (CP, arts. 312 e segs.). O legislador, entretanto, entendeu que o objeto jurídico da violação de domicílio, qual seja a tranqüilidade doméstica (delito contra a pessoa), deveria prevalecer sobre a objetividade jurídica referente à administração pública.• A primeira hipótese diz respeito ao fato cometido por funcionário público, fora dos casos legais. "Casos legais" são os previstos no § 3º do art. 150. Assim, desde que o servidor realize a conduta fora das situações permitidas nos incisos I e II do parágrafo citado, responde por violação de domicílio com aumento de pena.• A segunda hipótese se refere à inobservância das formalidades

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legais. Em certos casos, a lei prevê a legítima entrada de funcionário público em casa alheia para efetuar determinadas diligências. Estas são legalmente previstas e determinadas segundo princípios que não podem ser desobedecidos. Assim, penhora, seqüestro, busca e apreensão devem ser realizados segundo determinados princípios previstos pelo legislador. É possível que o funcionário público realize a penhora, por exemplo, inobservando as formalidades legais. Neste caso, incide o aumento de pena.• Na terceira hipótese, ocorre "abuso de poder" quando o funcionário público, agindo voluntariamente, se excede no cumprimento do dever legal. Ex.: o oficial de justiça, ao cumprir um mandado de penhora, permanece na residência do executado, contra a vontade deste e desnecessariamente, além do tempo preciso (Nelson Hungria).

9. CAUSAS ESPECIAIS DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE (§3º)• Trata-se de excludente de ilicitude (causa de justificação), tendo sido recepcionado pela CF/88 pelo art. 5o, XI. Os fatos previstos na disposição são lícitos, uma vez que o legislador usa a expressão "não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.• A primeira hipótese diz respeito à entrada ou permanência em casa alheia, ou em suas dependências, durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência. • Durante o dia, o funcionário público pode entrar ou permanecer em casa alheia, ou em suas dependências, para realizar qualquer diligência, seja de natureza policial, judicial, fiscal ou administrativa desde que haja autorização judicial (CF, art. 5º, XI, parte final). Sem ela, o fato constitui delito. • O CP se refere ao fato cometido "durante o dia". Em face disso, não é lícita a entrada ou permanência em casa alheia, ou em suas dependências, durante a noite, para efetuar diligência, a não ser que haja o consentimento do morador.• Na segunda hipótese, de acordo com o inciso II do § 3º do art. 150, é lícita a entrada ou permanência em casa alheia, a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Enquanto no inciso I o legislador se refere ao fato cometido durante o dia, na presente disposição cuida da conduta realizada quer de dia, quer de noite. • O CP menciona a prisão em flagrante apenas por prática de crime. Todavia, diante do texto da Constituição, que deu conceito mais amplo, ao falar em flagrante delito, é legítima a entrada do agente da autoridade ou do particular, em casa alheia, contra a vontade do morador, para efetuar prisão em caso de flagrante delito, seja por prática de crime ou contravenção, a qualquer hora do dia ou da noite.• Na terceira hipótese, não há violação de domicílio quando o fato é cometido em estado de necessidade, legítima defesa ou exercício regular de direito. A Constituição se refere a desastre e prestação de socorro.• Presente o consentimento do morador, o fato é atípico. Assim, não há crime na diligência efetuada durante o dia, aquiescendo o dominus, ainda que não haja autorização judicial. Ocorre que o bem jurídico é disponível e o dissenso faz parte do tipo, de modo que o consenso exclui a tipicidade.

10. PENA E AÇÃO PENAL

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• A violação de domicílio simples é apenada com detenção, de um a três meses, ou multa (CP, art. 150, caput).• Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos, além da sanção correspondente à violência, em concurso material (§ lº).• Competência do Juizado especial criminal (art. 61, lei 9099/95).• Aumenta-se a pena de um terço quando o fato é praticado por funcionário público, com o abuso de poder (§ 2º).• A ação penal é pública incondicionada.

TÍTULO IIDOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

Introdução:Há uma divergência em relação ao conceito de Patrimônio:1ª Corrente – patrimônio é somente o bem apreciado economicamente, excluindo o bem de valor afetivo.2ª Corrente – patrimônio é o bem de valor afetivo, assim como, o bem de valor econômico.

CAPITULO IDO FURTO

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

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I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Furto é a subtração de coisa alheia móvel com fim de assenhorear-se dela em definitivo (art. 155, caput do CP). • O Estatuto penal, na espécie, protege preponderantemente dois objetos jurídicos:

Posse (objetividade jurídica imediata, primária) - é a exteriorização dos direitos de propriedade (situação de fato estabelecida entre o sujeito e o direito de usar, gozar e dispor de seus bens), abrangendo a detenção (para alguns autores). É necessário que a posse seja legítima; e Propriedade (objetividade jurídica mediata, secundária) - é o conjunto dos direitos inerentes ao uso, gozo e disposição dos bens.

• A Figura típica fundamental, denominada furto simples, é descrita no art. 155, caput, do CP.• O Tipo privilegiado, denominado furto mínimo, ou de coisa de pequeno valor, vem descrito no § 2° e os Tipos qualificados, nos §§ 4° e 5º.• A Norma do art. 155,§3º do CP, é complementar ou explicativa.

2. SUJEITOS DO DELITO• O sujeito ativo é, em princípio, qualquer pessoa (salvo o proprietário). Trata-se de crime comum. • O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor legítimo. Pessoa física ou pessoa jurídica.

3. TIPO OBJETIVOA) CONDUTA• O núcleo do tipo é o verbo subtrair, que significa tirar, retirar o objeto da pessoa, na clandestinidade ou na presença dela, inclusive contra a sua própria vontade. • Pode-se subtrair arrancando a coisa da vítima com força, ou seja, a subtração admite a violência contra a coisa, mas nunca contra a pessoa (crime de roubo).

• O apossamento pode ser direto ou indireto. Há o apossamento direto quando o sujeito pessoalmente subtrai o objeto material. Há a forma indireta quando o sujeito se vale, por exemplo, de animais adestrados ou outro instrumento para a realização da subtração.

B) OBJETO MATERIAL• O objeto material do furto é a coisa alheia móvel.• O ser humano vivo não pode ser objeto material de furto, uma vez que não se trata de coisa. Conforme o fato, o sujeito pode responder por seqüestro ou cárcere privado (art. 148) ou subtração de incapazes (CP, art. 249).• O cadáver, em regra, não pode ser objeto material de furto. A subtração de cadáver constitui crime contra o respeito aos

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mortos (CP, art. 211). Excepcionalmente, quando o cadáver pertence a alguém, como, por exemplo, a uma faculdade de medicina para estudos científicos, pode ser objeto material de furto.• “Ladrão que furta de ladrão tem cem anos de perdão?” – se um ladrão furta um objeto e depois, o tem subtraído por outro ladrão, há crime também na segunda conduta, que tem como vítima o proprietário original.

• A qualidade de coisa alheia é elemento normativo do tipo. É aquela coisa que não pertence ao agente, mas pertence a alguém. • Subtração de coisa própria não é furto (art. 155 do CP), pois a lei fala em subtração de coisa alheia móvel. • Ex: Contrato de penhor - às vésperas do vencimento do contrato, percebendo que não tem condições de cumpri-lo, o sujeito penetra na residência do credor e subtrai o relógio dado por ele como garantia. Trata-se de exercício arbitrário das próprias razões (art. 346 do CP): "tirar" "coisa própria que se acha em poder de terceiro por convenção".• Se o sujeito já estava na posse ou na detenção da coisa, responde pelo delito de apropriação indébita (CP, art. 168).

• A res nullius (coisa sem dono) e a res derelicta (coisa abandonada) não podem ser objeto material de furto, pois é necessário que a coisa seja alheia.

Coisa sem dono (res nullius) – nunca teve dono. Não é ilícito penal subtraí-la porque nunca pertenceu a ninguém. Coisa abandonada (res derelictae) – se o dono abandona uma coisa, pois não quer mais, então, este bem não pode mais ser subtraído. Não é ilícito penal porque a coisa não pertence mais a ninguém.

• Coisa perdida (res desperdita) também não pode ser objeto de furto, pois não há subtração. Ex.: Um sujeito que encontra um objeto (carteira) perdido no shopping, pratica o crime de apropriação indébita de coisa achada (CP, art. 169, parágrafo único, II). Não há subtração, pois a coisa já havia saído da esfera de vigilância do sujeito passivo (proprietário ou possuidor).

• A coisa móvel, para efeitos penais, é tudo aquilo que pode ser transportado, movido mesmo aquela que para o direito civil tem natureza de coisa imóvel. Ex.: bens retirados (janelas) de um edifício temporariamente para depois serem nele reempregados tem natureza de bem imóvel para o Direito Civil, mas na esfera penal é coisa móvel. • É necessário, ainda, que a coisa móvel tenha valor econômico. Não constitui fato punível a subtração de objeto de tão ínfimo valor que não tenha relevância jurídica a sua subtração. Aplica-se o Princípio da Insignificância ou bagatela.• Embora sem valor econômico, a doutrina entende que os objetos de valor afetivo podem ser objeto material de furto.

3. TIPO SUBJETIVO• O elemento subjetivo do crime de furto é o dolo, denominado animus furandi, consistente na vontade e consciência de "subtrair coisa alheia móvel". • É necessário que a vontade abranja o elemento normativo coisa "alheia". Assim, não sabendo que se trata de coisa alheia, supondo-a própria, existe erro de tipo, excludente do dolo. • O furto, além do dolo, exige outro elemento subjetivo do tipo, contido na elementar "para si ou para outrem", que indica o fim de assenhoreamento definitivo. É o chamado animus rem sib habendi, a vontade de se apoderar, de dispor da coisa como se dono

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fosse.• A lei não pune a subtração de uso, que é conduta atípica por faltar o especial fim de agir (locupletamento). Para que exista furto não é suficiente que o sujeito queira usar e gozar da coisa por poucos instantes, é necessário que ele queira apoderar-se definitivamente dela. • Exemplo: o sujeito que subtrai o carro do vizinho para dar uma volta, devolvendo-o depois no mesmo lugar e nas mesmas condições, num curto espaço de tempo (deve-se provar que não tinha o especial fim de agir).

• “Furto” de uso é a subtração de coisa infungível para fim de uso momentâneo e pronta restituição nas mesmas condições originais. Trata-se de fato atípico, mas é ilícito na esfera civil.

• Se agente danifica o bem, o furto está consumado.• Não se deve confundir o elemento subjetivo do tipo do crime de furto com motivo da realização do crime. O motivo é anterior, enquanto o elemento subjetivo especial do tipo constitui fim posterior do sujeito.

4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA• Trata-se de crime material e instantâneo. • É crime material, pois o tipo descreve o comportamento e o resultado naturalístico visado pelo agente, exigindo a sua produção.• É crime instantâneo, porque o momento consumativo ocorre em dado instante, não se prolongando no tempo. Pode ser permanente no furto de energia elétrica.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVAHistoricamente, quatro teorias disputaram o tema:

• Teoria da Concretatio (Direito Romano): o furto atingiria sua consumação quando o sujeito tocasse no objeto material com a intenção de subtraí-lo, mesmo que não conseguisse removê-lo do local em que se encontrava. Só o contato físico já perfazia o delito. Não haveria tentativa.• Teoria da Illactio: em sentido oposto, o furto se consuma somente se o agente consegue levar o objeto ao lugar que era destinado.• Teoria da Amotio: o momento consumativo do furto ocorre com a deslocação da coisa.• Teoria da Ablatio: a consumação exigiria dois requisitos: apreensão e deslocação do objeto material.

Hoje, divide-se a doutrina entre duas posições:• 1ª Corrente (majoritária nos tribunais superiores): O furto se consuma quando a coisa sai da esfera de posse e disponibilidade do sujeito passivo, ingressando na do agente, ainda que este não tenha tido a posse tranqüila da coisa. Os tribunais superiores têm descartado a necessidade de posse tranqüila (REsp 668857/RS).• 2ª Corrente: A consumação do furto somente ocorre se a coisa sai da esfera de posse e disponibilidade do lesado, ingressando na do agente, que necessariamente deve ter a posse tranqüila (sossegada, a salvo da hostilidade) da coisa, ainda que por curto período de tempo, submetendo-a ao próprio poder autônomo de disposição. • Atenção: se a coisa se perde ou se destrói, mesmo que parcialmente, então, o crime está consumado, pois houve diminuição patrimonial do lesado (qualquer que seja a posição doutrinária adotada).• A tentativa é admissível. Ocorre sempre que o sujeito ativo não consegue, por circunstâncias alheias à sua vontade, retirar

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o objeto material da esfera de proteção e vigilância da vítima, submetendo-a à sua própria disponibilidade.• Ex.: Suponha-se que o punguista, desejando subtrair bens da vítima, coloque a mão no bolso desta. Duas hipóteses podem ocorrer:

A vítima havia esquecido a carteira - trata-se de crime impossível (CP, art. 17). Não há tentativa punível. Pela inexistência do objeto material, não se pode dizer que o sujeito tentou a prática de um furto, uma vez que inexistia no fato uma elementar, qual seja, a coisa móvel alheia. Se o ladrão põe a mão no bolso direito, quando a carteira se encontra no lado esquerdo, responde por tentativa de furto. Havia objeto material e foi simplesmente o caso fortuito que levou o sujeito a colocar a mão no bolso em que não se encontrava a carteira (uma simples circunstância independente de sua vontade que impediu a consumação do crime).

• A pessoa que é presa no interior de uma loja com objetos não comete crime de furto, nem consumado nem tentado. Se após subtrair a res furtiva, o sujeito passa pela linha do caixa ou sai da loja e não paga, demonstra inequivocamente que quer ficar com o bem, o que configura o crime de furto. Se for impedido há tentativa.• Súmula 145 do STF: Flagrante provocado (ou preparado) - essa súmula se originou por causa do crime de furto, se a consumação do crime é impossível, então não há flagrante, não há crime.• A existência de monitoramento pela segurança através de circuito interno de tevê não afasta a possibilidade de tentativa. Não há crime impossível.

6. CONCURSO DE CRIMES• Se o Ladrão penetra na casa da vítima e lhe subtrai bens, além de praticar estupro, responde por dois delitos: Furto e Estupro, em concurso material (art. 69, caput do CP), pois as condutas e os bens jurídicos são distintos.

• A violação de domicílio fica absorvida pelo furto praticado em residência por ser crime meio (princípio da consunção).• Se, após o furto, o ladrão vende a res furtiva, como sendo de sua propriedade, a 3º de boa-fé, responde por dois crimes: Furto e Estelionato (Disposição de coisa alheia como própria – art. 171 § 2º do CP). Há entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido contrário de que se trata de um post factum impunível (subtrair para si ou para outrem).

• Se o agente, após a subtração, danifica o bem subtraído, responde apenas pelo furto consumado, sendo o dano um post factum impunível, porque a segunda conduta delituosa não traz novo prejuízo à vítima.

7. FIGURAS TÍPICASA) FURTO SIMPLES – ART. 155, CAPUT, CP• A figura simples é identificada por exclusão, na ausência das circunstâncias

que qualificam o delito.B) FURTO DE ENERGIA (§3º)

• Equipara-se a coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico (solar, térmica, sonora, atômica, genética, mecânica etc).• De acordo com a Exposição de motivos (item 56) é "toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo".• De acordo com a jurisprudência majoritária, se a corrente elétrica é

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desviada antes de passar no registro, há furto de energia (gato). Se o desvio é posterior, com alteração do marcador, há estelionato.• Trata-se de crime permanente (a consumação se perpetua no tempo).• Controvérsia: O sinal de tevê fechada a cabo/satélite pode ser objeto de furto? Greco e Bitencourt entendem que não, pois haveria analogia in malam partem, já que sinal de tevê a cabo não é energia elétrica. Energia se consome, se esgota, diminui e pode terminar, o que não ocorre com o sinal de televisão.• Energia genética - entende-se que se pode furtar (não humana). Ex.: touro reprodutor

C) CAUSA DE AUMENTO DE PENA RELATIVA AO REPOUSO NOTURNO (§1º)

§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

• Repouso noturno é o período destinado ao descanso, momento de recolhimento, dedicado ao repouso. • Se é noturno, óbvio que obrigatoriamente deve ser à noite (período de ausência de luz solar natural).• Os costumes do local é que vão determinar se há repouso noturno, para efeito de aplicação da majorante. • Só se aplica a majorante para o furto simples (posição topográfica). Não pode incidir no furto qualificado. • A doutrina e a jurisprudência se dividem quanto às situações específicas do lugar em que o crime é particado: o local deve ser habitado com pessoa repousando; o lugar não precisa ser habitado; os moradores não devem estar acordados; não se exige a presença de moradores.

• Para o STJ, é suficiente que o furto ocorra no período de repouso noturno, em que há maior vulnerabilidade para as residências, lojas e veículos. Irrelevante o fato de se tratar de estabelecimento comercial ou de residência, habitada ou desabitada, bem de a vítima estar ou não efetivamente repousando.

D) FURTO PRIVILEGIADO (§2º)• Previsto no § 2o do art. 155, quando o criminoso é primário (não reincidente) e a coisa subtraída é de pequeno valor, o juiz pode (deve) substituir a pena por detenção, além de diminui-la de 1 a 2/3 ou aplicar somente a multa.• A subtração de coisa de pequeno valor caracteriza uma lesão de pouca repercussão ao bem jurídico. Trata-se de uma pequena lesão patrimonial, que é dado objetivo, não levando em conta a situação econômica da vítima. É conceito diferente do estelionato privilegiado, que trata de um pequeno prejuízo para a vítima.• Pela jurisprudência, pequeno valor da coisa seria aproximadamente um salário mínimo. • Controvérsia: Pode haver compatibilidade entre furto QUALIFICADO E PRIVILEGIADO? • Ex.: Se duas pessoas primárias subtraem um bem de pequeno valor, respondem por furto qualificado pelo concurso de pessoas (art. 155, §º 4º, IV, CP) e ao mesmo tempo privilegiado (art. 155, §2º, CP)? • Parte da doutrina (Rogério Greco) entende que é possível compatibilizar as figuras, por questão de política criminal.• Os Tribunais Superiores não têm admitido a

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possibilidade de furto ser qualificado e privilegiado, por entenderem que a qualificadora prepondera sobre o privilégio.• Registra-se, entretanto, recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a compatibilidade da qualificadora do concurso de pessoas com o privilégio do §2º:

INFORMATIVO 519/STF (8 A 12 DE SETEMBRO DE 2008)HC 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008.

Qualificadoras e Privilégio: Compatibilidade - 2Em seguida, salientou-se a compatibilidade, em determinadas hipóteses, da incidência do art. 155, § 2º, do CP, ao furto qualificado. Tendo isso em conta, bem como a primariedade do paciente, o pequeno valor da coisa furtada e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), concedeu-se, de ofício, o writ para se reduzir a pena-base, fixada em 2 anos, em 2/3 (CP, art. 155, § 2º), o que conduz à pena corporal de 8 meses, tornada definitiva. Ademais, diante da regra contida no art. 44, § 2º, do CP, esclareceu-se que a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade, será feita na forma a ser definida pelo juízo das execuções criminais, no tempo estabelecido para a pena privativa de liberdade. Afastou-se, por fim, a substituição da pena corporal por multa (CP, art. 44, § 2º, 1ª parte) ou a imposição de somente pena de multa (CP, art. 155, § 2º, parte final), em face da circunstância de haver a qualificadora do inciso IV do § 4º do art. 155 do CP.

INFORMATIVO 379/STJ5ª TURMA

FURTO. PRIVILÉGIO. QUALIFICADORA.A Turma entendeu que, no furto qualificado pelo concurso de agentes, não há óbice ao reconhecimento do privilégio, desde que estejam presentes os requisitos ensejadores de sua aplicação, quais sejam, a primariedade do agente e o pequeno valor da coisa furtada, o que ocorreu no caso. Assim, assentou-se que, no crime de furto, é possível a aplicação simultânea do privilégio e da citada qualificadora. Nesse contexto, foi concedida parcialmente a ordem de habeas corpus para reconhecer o furto privilegiado e, conseqüentemente, mitigar a pena anteriormente imposta. Estendeu-se essa decisão ao co-réu. HC 96.140-MS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 2/12/2008.

• Se o furto for de coisa com valor sentimental, pode-se deixar de aplicar o privilégio.• Furto de Bagatela (subtração insignificante) - Quando a lei fala que a coisa é de pequeno valor, não está aplicando o princípio da insignificância, que ocorre quando há a subtração de um bem que é de valor ínfimo. A norma penal não incide sobre o caso concreto, embora, aparentemente o fato seja típico. Quando o bem é tão insignificante, não ocorre uma efetiva lesão ao patrimônio, por isso o fato será atípico, levando à absolvição do agente, por ausência de tipicidade material (tipicidade conglobante – o bem subtraído não goza da importância exigida pelo Direito Penal).

INFORMATIVO 387/STJ6ª TURMA. PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA.

Mesmo considerando tratar-se da tentativa de furto de um secador de cabelos (R$ 40,00), não há que falar em mínima ofensividade da conduta, enquanto o comportamento do agente, reincidente na prática de crimes contra o patrimônio (tal como se vê do acórdão recorrido),

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revela suficiente periculosidade social e significativo grau de reprovabilidade, o que inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Precedentes citados do STF: HC 84.412-SP, DJ 19/11/2004; HC 84.424-SP, DJ 7/10/2005; do STJ: RHC 17.892-DF, DJ 19/12/2005, e HC 47.247-MS, DJ 12/6/2006. RHC 24.326-MG , Rel. Min. Paulo Gallotti, julgado em 17/3/2009.

E) FURTO QUALIFICADO (§4º)1. Com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa:

• Considera-se obstáculo tudo aquilo que tenha a finalidade precípua de proteger a coisa e que não seja a ela inerente. Obstáculo deve ser exterior à coisa.• Romper é eliminar o obstáculo sem destruí-lo.• Ex.: Desarmar o sistema de alarme; deslocar porta com pé-de-cabra; desmontar cadeado; é romper obstáculo.• Destruir o obstáculo é usar de violência, eliminando ou fazendo desparecer aquilo que o impedia de levar a efeito a subtração.• Pode ser antes ou depois da subtração, ou seja, em qualquer momento da execução do furto (Hungria). • De acordo com o STJ, “a subtração de objetos situados no interior do veículo mediante rompimento de obstáculo, como na hipótese, com rompimento do vidro traseiro direito de automóvel e destruição da máquina elétrica, qualifica o delito”. REsp 982895 / RS. • REsp 743615 / RS. “Esta Corte já firmou posicionamento no sentido de que o rompimento de obstáculo inerente ao objeto do furto não caracteriza a circunstância qualificadora. Precedente”. • REsp 618236/RS. RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ARTIGOS INDICADOS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. FURTO DE AUTOMÓVEL. QUEBRA DE VIDRO. QUALIFICADORA DE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. NÃO-OCORRÊNCIA. A prática de violência caracterizada pelo rompimento de obstáculo contra o próprio objeto do furto, sendo o empecilho peculiar a coisa, não gera a incidência da qualificadora do art. 155, § 4º, inciso I, do Código Penal.

INFORMATIVO 393/STJQuinta Turma. FURTO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. PENA.

O paciente insurge-se contra a pena-base e a incidência da qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, do CP, isso porque ele destruiu vidro traseiro de veículo para subtrair objeto do seu interior. Para o Min. Relator a súplica não pode prosperar quanto à qualificadora, uma vez que, conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, o rompimento de obstáculo (no caso, o vidro) para subtração de objeto no interior do veículo qualifica o furto, embora também a jurisprudência reconheça como furto simples o fato de levar o automóvel após arrombá-lo. Ressalta ainda seu ponto de vista nos dois casos, observando que não poderia prevalecer entendimento desigual, entretanto se curva à posição do colegiado. Na ocasião, comentou-se a possibilidade de reavaliar tal posicionamento. Com relação à pena-base, explica o Min. Relator, está incorreta a decisão a quo, por ter sido majorada com base em dados insuficientes quanto à personalidade do agente, e de ofício constatou que a confissão extrajudicial do paciente serviu como fundamento para sua condenação, mas não foi reconhecida como atenuante (art. 65, III, d, do CP). Diante desses fatos, a Turma concedeu parcialmente a ordem para anular a

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sentença condenatória unicamente no que concerne à dosimetria da pena, para que outra seja proferida com nova e motivada fixação da reprimenda. Precedentes citados do STF: HC 91.654-PR, DJe 7/11/2008; do STJ: REsp 875.918-RS, DJ 5/2/2007; HC 42.658-MG, DJ 22/8/2005; REsp 745.530-RS, DJ 12/6/2006; HC 116.541-SP, DJe 2/3/2009; HC 51.427-MS, DJ 5/6/2006, e HC 47.950-MS, DJ 10/4/2006. HC 127.464-MG , Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 5/5/2009.

2. Com abuso de confiança: • O abuso se verifica quando há um especial vínculo subjetivo de confiança depositado pela vítima no agente.• A mera relação de emprego não caracteriza confiança. O fato de o furto ser cometido por empregado por si só não configura o abuso de confiança, mas pode incidir a agravante genérica das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade (art. 61, II, “f”, CP).• No caso da empregada doméstica deve haver efetivamente CONFIANÇA (relação subjetiva entre a vítima e o agente) para se caracterizar o abuso. • Segundo o STJ, “não se vislumbra, na espécie, a necessária correlação entre a denúncia, que imputou à ora Paciente a prática do crime de furto simples, e a sentença prolatada, que a condenou por furto qualificado pelo abuso de confiança, uma vez que a peça acusatória tão-somente narrou que a ré trabalhava como doméstica na residência da vítima, sem apontar, contudo, a existência de relação de confiança entre empregada e empregador”. HC 89440/MG.• Qual a diferença entre o abuso de confiança que qualifica o furto e o abuso de confiança que constitui elementar do crime de apropriação indébita (art. 168 do CP)? Na apropriação indébita, o agente tem posse desvigiada do objeto material, no furto qualificado pelo abuso de confiança, o sujeito não tem a posse do objeto material, que continua na esfera de proteção, vigilância e posse do seu dono.

3. Mediante fraude: • Fraude é o ardil, a dissimulação, a insídia, utilizada pelo agente a fim de facilitar a subtração. Ocorre quando o agente se utiliza de meios fraudulentos para distrair a atenção da vítima que não tem como perceber que a coisa está sendo retirada de sua esfera de disponibilidade.• No furto mediante fraude, o lesado não consente, nem expressa, nem tacitamente que a coisa lhe seja retirada. A fraude é empregada para iludir a vigilância do ofendido, que, por isso, não tem conhecimento de que o objeto material está saindo da esfera de seu patrimônio e ingressando na disponibilidade do sujeito ativo. • No estelionato, a fraude visa a permitir que a vítima incida em erro e é empregada para obter o consentimento da vítima, que é parte integrante da figura delituosa. Por isso, a vítima em erro se despoja de seus bens voluntariamente, tendo consciência de que eles estão saindo da esfera de seu patrimônio e ingressando na esfera de disponibilidade do autor.

4. Escalada: • É o ingresso no lugar do furto, por uma via de acesso que normalmente não é utilizada. Caracteriza-se pela utilização de um meio artificial, incomum (não violento) como uma escada, uma corda, ou a demanda de um esforço extraordinário (saltar, rastejar). • Pode ser por meio de túnel, subterrâneo ou não, e não precisa ser necessariamente no sentido ascendente.

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5. Destreza: • Verifica-se quando o agente se vale de uma especial habilidade manual para retirar a coisa da vítima sem que ela perceba. É o crime do “mão-leve”. • Se a própria vítima perceber a subtração, não há que se falar em destreza. Nessa hipótese, não se cogita da tentativa furto qualificado por destreza. Se o ladrão for preso em flagrante, surpreendido pela própria vítima na hora em que coloca a mão em sua bolsa, responde por tentativa de furto simples.• Entretanto, pode restar tentativa de furto qualificado pela destreza, quando um terceiro, verificando o movimento do ladrão, impede a consumação do delito.

6. Com emprego de chave falsa: • É qualquer instrumento ou engenho que sirva para abrir uma fechadura, sem danificá-la, tenha ou não formato de chave (grampo, clip etc), inclusive a cópia da chave verdadeira.• A chave verdadeira que foi achada ou furtada, por sua própria natureza, não é chave falsa. • Se a chave é encontrada na fechadura, não há furto qualificado, mas simples, pois a fechadura já está aberta.• Se o sujeito consegue ardilosamente apanhar a chave verdadeira ou faz uma cópia, trata-se de furto qualificado pelo emprego de fraude, mas não pelo emprego de chave “falsa”. (principio da tipicidade - não se pode ler “verdadeiro” onde se está escrito falso). • De acordo com o entendimento do STJ: REsp 284385 / DF. PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. QUALIFICADORA DO EMPREGO DE CHAVE FALSA. CONFIGURAÇÃO. A qualificadora do emprego de chave falsa, no crime de furto, incide se a chave for utilizada para a subtração no sentido de alcançar a coisa, pois o fundamento dessa causa refere-se ao acesso do agente ao objeto material, não alcançando, portanto, o resultado final do crime.REsp 43047/SP. PENAL. FURTO QUALIFICADO. EMPREGO DE CHAVE FALSA. 1. A utilização de chave falsa diretamente na ignição do veiculo para fazer acionar o motor não configura a qualificadora do emprego de chave falsa (CP, art. 155, par. 4., III). A qualificadora só se verifica quando a chave falsa é utilizada externamente a "res furtiva", vencendo o agente o obstáculo propositadamente colocado para protegê-la. 2. Recurso provido.Em sentido contrário: REsp 906685 / RS. CRIMINAL. RESP. FURTO. USO DE "MIXA". QUALIFICADORA DO USO DE CHAVE FALSA. CONFIGURAÇÃO. I. O conceito de chave falsa abrange todo o instrumento, com ou sem forma de chave, utilizado como dispositivo para abrir fechadura, incluindo gazuas, mixas, arames, etc. II. O uso de "mixa", na tentativa de acionar o motor de automóvel, caracteriza a qualificadora do inciso III do § 4º do art. 155 do Código Penal. (19/06/2007).

7. Mediante concurso de duas ou mais pessoas: • Só incide a qualificadora se houver o concurso efetivo no local. Exemplo: se alguém empresta o seu carro para um ladrão carregar o objeto que vai subtrair, o furto não é qualificado pelo concurso de agentes porque quem emprestou o carro é mero partícipe.• Para que haja concurso, pelo menos um dos concorrentes deve ser imputável.

F) FURTO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (§5º)

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• O § 5o trata do furto de veículo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou para outro país.• De acordo com o entendimento dominante, para a aplicação da qualificadora, é indispensável que o veículo tenha efetivamente cruzado a fronteira de outro Estado ou do exterior. • Não há possibilidade de tentativa dessa modalidade qualificada, pois o momento consumativo do furto já ocorreu na subtração. Se ultrapassa a fronteira, incide maior reprovação.

8) FURTO FAMÉLICO• Entende-se que o furto famélico não é crime, pois é sempre praticado em estado de necessidade (art. 24, CP), em que há dois bens jurídicos em confronto e um deles será sacrificado (patrimônio) para que outro bem não pereça (vida, saúde). • É preciso analisar o caso concreto e verificar se a pessoa realmente está em estado de necessidade. Normalmente o furto famélico é praticado em estado de necessidade de terceiro. Ex.: a mãe para o filho. Se o sujeito que subtrai alega estado de necessidade próprio, dificilmente conseguirá se beneficiar da causa de justificação, pois para configurá-lo, a pessoa faminta tem que estar em situação de perigo atual, o que não lhe permitiria qualquer condição de furtar.

9) PENA E AÇÃO PENAL• A pena do furto simples é de reclusão, de um a quatro anos, e multa (CP, art. 155, caput).• Se praticado o furto durante o repouso noturno, as penas são aumentadas de um terço (§ lº).• No furto privilegiado, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a sanção pecuniária (§ 2º).• O furto qualificado é apenado com reclusão, de dois a oito anos, e multa (§ 4º).• O furto de veículo transportado para outro estado ou para o exterior é apenado com reclusão, de 3 a 8 anos (sem multa).• A ação penal é pública Incondicionada. • Excepcionalmente, a ação penal é condicionada à representação (imunidade relativa) se o furto é praticado em prejuízo do cônjuge divorciado, judicialmente separado, de irmão ou de tio ou sobrinho, com quem o sujeito coabita (CP, art. 182).• Todavia, se for pessoa maior de 60 anos, a ação é pública incondicionada (art. 183, III, CP).

FURTO DE COISA COMUM (ART. 156, CP)

Art. 156 - Subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

§ 1º - Somente se procede mediante representação.

§ 2º - Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA • Constitui furto de coisa comum o fato de "subtrair o condômino, o co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem

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legitimamente a detém, a coisa comum".• A objetividade jurídica é o patrimônio. • Condomínio é a propriedade em comum, exercida por dois ou mais indivíduos simultaneamente. Chama-se também co-propriedade, e os proprietários são consortes, condôminos ou co-proprietários. • Herança é a universalidade dos bens como objeto de sucessão universal. É o conjunto dos bens que a pessoa deixa ao morrer. Compreende a universalidade dos bens a ele pertencentes ao tempo da morte, excluídos aqueles que com ele se extinguiram. • Sociedade é a reunião de duas ou mais pessoas que, mediante contrato, se obrigam a combinar seus esforços ou bens para a consecução de fim comum (Magalhães Noronha). • O fundamento da incriminação reside em que o sujeito, sendo condômino, co-herdeiro ou sócio, ao retirar a coisa comum de quem legitimamente a detém, não subtrai só a coisa que é própria, mas também a parte que pertence a terceiro.• Nesses casos, o direito do sócio, herdeiro ou condômino é limitado pelo direito dos outros. Assim, se um deles subtrai a coisa comum, exclui o direito dos outros. É o que fundamenta a punição penal.

2. SUJEITOS DO DELITO: • Trata-se de crime próprio. O sujeito ativo só pode ser o condômino, co-herdeiro ou sócio. • A lei apenas fala em "sócio", não fazendo qualquer distinção quanto à sua natureza, logo é irrelevante que a sociedade seja legalmente constituída ou de fato. A posição do STF e majoritária é que o crime pode ser cometido contra a sociedade de fato ou contra pessoa jurídica regular.• Sujeito passivo é quem detém legitimamente a coisa. Pode ser o sócio, co-herdeiro, condômino ou um terceiro qualquer. • Se a detenção é ilegítima, não há delito de subtração de coisa comum por ausência de tipicidade, mas, conforme o caso, pode caracterizar exercício arbitrário das próprias razões (art. 346, CP). • Se a coisa comum já estava na posse do sujeito, responde por apropriação indébita (CP, art. 168).

3. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO• O crime só é punível a título de dolo. • Exige-se outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "para si ou para outrem".4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINARIA

• O furto de coisa comum é delito próprio, simples, plurissubsistente, de forma livre, comissivo e instantâneo.• É furto especial privilegiado, e depende de representação.

5. MOMENTO CONSUMATIVO E TENTATIVA• Quanto ao momento consumativo e tentativa do crime de furto de coisa comum, devem ser aplicados os mesmos princípios atinentes ao crime de furto real, previsto no art. 155 do CP.

6. CAUSA ESPECIAL DE EXCLUSÃO DA ANTIJURIDICIDADE• O § 2o prevê uma excludente de ilicitude, pois não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota em que o agente tem direito.

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• O benefício exige dois requisitos: Que a coisa comum seja fungível (pode ser substituída por outra de

mesma qualidade, quantidade e espécie); Que seu valor não exceda a quota a que tem direito o sujeito.

7. PENA E AÇÃO PENAL• A pena é de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.• Trata-se de crime de ação penal pública condicionada. De acordo com o art. 156, § lº, do CP, somente se procede mediante representação.

CAPÍTULO IIDO ROUBO E DA EXTORSÃO

ROUBO

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.

§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

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§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Roubo é a subtração de coisa móvel alheia mediante violência, grave ameaça ou qualquer meio capaz de anular a capacidade de resistência da vítima (CP, art. 157, caput). • Constitui também roubo o fato de o sujeito, logo depois de retirada a coisa móvel alheia, empregar violência contra pessoa ou grave ameaça, com o objetivo de conseguir a impunidade do fato ou continuar na detenção do objeto material (§ lº).• É crime pluriofensivo, ou seja, além do patrimônio, a lei procura tutelar outros bens jurídicos como a vida, a integridade física e a liberdade individual. • É crime complexo, pois no tipo penal estão reunidos elementos que isoladamente já constituem crimes autônomos. O roubo é tipicamente um crime complexo, pois é a reunião da conduta de um furto (subtrair) agregada às elementares da violência ou grave ameaça.

2. SUJEITOS DO DELITO• Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de roubo. A norma incriminadora não prevê qualquer capacidade penal especial.

• O sujeito passivo via de regra é a pessoa vítima da violência, ou da ameaça e que tem o patrimônio lesado, mas nada impede que se constranja uma pessoa e subtraia o patrimônio de outra.

3. TIPO OBJETIVO

A) Condutas Há duas espécies de roubo: I. Roubo próprio(art. 157, caput)

• Roubo próprio é a conduta de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para terceiro, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.• É a subtração antecedida de violência ou grave ameaça ou qualquer outro meio que impossibilite a capacidade de resistência da vítima.

1º momento 2º momentoViolência

Grave ameaça subtraçãoQualquer outro meio

II. Roubo Impróprio(§1º do art. 157)• Roubo impróprio ocorre quando o sujeito, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para ele ou para terceiro.• Há dois meios de execução:

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a violência; ou a grave ameaça

• São modos empregados após o agente retirar a coisa, mas antes da consumação do delito (antes de sair da esfera de disponibilidade da vítima).

1º momento 2º momentoViolência

subtração Grave ameaça

• Há uma progressão criminosa em sentido estrito, pois, após subtrair a coisa sem violência (furto), logo depois, o agente altera seu elemento subjetivo e emprega ameaça ou violência (roubo) para ASSEGURAR a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.• Se o sujeito ainda não havia se apossado da coisa, não há que falar em roubo impróprio, pois não há o que assegurar. • De outro lado, suponha-se que o sujeito, após ter consumado o furto, empregue violência contra pessoa a fim de CONTINUAR na detenção do objeto material. Não há delito de roubo próprio nem impróprio (não é logo depois). Há dois crimes em concurso material: furto consumado e lesão corporal.

B) Meios de Execução • Nos termos do art. 157 caput do CP, para cometer o roubo próprio, o sujeito emprega grave ameaça ou violência física a pessoa ou qualquer meio que a reduza à impossibilidade de resistência. • No roubo impróprio (§1º) emprega-se somente grave ameaça ou violência física a pessoa.• A doutrina classifica a violência característica do roubo em:

Violência Física: emprego da vis absoluta (força física); ou Violência Moral: emprego da vis compulsiva (grave ameaça).• Distingue-se também entre: Violência Própria: emprego de força física (vis corporalis), consistente

em lesão corporal ou em vias de fato. Violência Imprópria: emprego de qualquer outro meio que, de forma sub-reptícia, ardilosa, reduz a vítima à impossibilidade de resistência (embriaguez, narcotização, hipnotismo). Abstraída, na hipótese, a grave ameaça.

• Quanto ao sujeito a que se dirige a violência, classifica-se em:

Imediata: contra o titular do direito de propriedade ou posse. Mediata: contra um terceiro.

• A ameaça no roubo é subjetiva e deve ser analisada no caso concreto. Implica a intimidação com o prenúncio de um mal grave, iminente (não futuro) e verossímil. Basta que seja capaz de infundir temor a uma pessoa comum, não se exigindo a efetiva idoneidade lesiva do meio ou instrumento intimidatório. • “Trombadinha”: O arrebatamento do objeto material de inopino, sem violência contra o corpo da vitima (simples esbarrão ou toque) configura crime de furto. Já a violência real, empregada diretamente contra a pessoa ou a ameaça, corresponde ao roubo.

C) Objetos MateriaisPor ser crime complexo, o roubo possui dois objetos materiais: a pessoa humana; e a coisa móvel.

• A violência, a grave ameaça ou o meio que reduz a

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capacidade de resistência da vítima se dirigem à pessoa.• A subtração recai sobre a coisa móvel.• Controvérsia: E se o agente emprega violência ou grave ameaça contra a vítima, mas não há coisa móvel a ser subtraída? • 1ª Corrente: CRIME IMPOSSÍVEL. Parte da doutrina (Queiroz, Greco) sustenta que, ausente o objeto material, trata-se de roubo impossível (CP, art. 17), por ser crime patrimonial. O fato, portanto, seria atípico por inexistência da elementar "coisa móvel alheia", podendo subsistir crime contra a pessoa (lesões corporais, ameaça ou constrangimento ilegal). • 2ª Corrente (STF E STJ): TENTATIVA. Em sentido contrário, por se tratar de crime complexo, há tentativa:

HC78700/SP (1ª TURMA/STF). EMENTA: HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO POR CRIME DE ROUBO TENTADO. IMPETRAÇÃO QUE OBJETIVA A CONFIGURAÇÃO DE CRIME IMPOSSÍVEL, POR NÃO TER HAVIDO APROPRIAÇÃO DO BEM. A inexistência de objeto de valor em poder da vítima não descaracteriza a figura típica prevista no art. 157 do Código Penal, porquanto o roubo é modalidade de crime complexo, cuja primeira ação - a violência ou grave ameaça - constitui início de execução. Habeas corpus indeferido. REsp 306739 / DF (6ª TURMA/STJ). RECURSO ESPECIAL. ROUBO. SUBTRAÇÃO NÃO CONSUMADA PELA INEXISTÊNCIA DE OBJETO MATERIAL. CRIME IMPOSSÍVEL. TENTATIVA. RECURSO PROVIDO. 1. Na lição de Nelson Hungria, o delito de roubo "é crime complexo, isto é, crime que, embora juridicamente uno, apresenta na sua estrutura como essentialia ou circunstâncias qualificativas, em relação de meio a fim, fatos vários, que, em si mesmos, constituem crimes. No seu tipo fundamental, o roubo encerra, fundidos em unidade jurídica, o furto (que é o crime-fim), o constrangimento ilegal e a lesão corporal leve (ou a contravenção de vias de fato, que, por sua vez, é absorvida pelo constrangimento ilegal), chamados crimes famulativos." (in Comentários ao Código Penal, p. 57). 2. E, no roubo próprio, tipificado no artigo 157, caput, do Código Penal, só consumado o crime-meio, é de se afirmar a tentativa, salvo quando a redução patrimonial resta excluída pela absoluta impropriedade do objeto. 3. Na compreensão do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, havendo, em casos tais, início de execução do delito complexo com a consumação do crime-meio, faz-se irrelevante a discussão acerca da impropriedade ou não do objeto material da subtração, para fins de caracterização da tentativa. 4. Recurso provido. REsp 474368 / SP (5ª TURMA/STJ). CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO. EXECUÇÃO INICIADA, E NÃO LEVADA À TERMO POR CIRCUNSTÂNCIA ALHEIA À VONTADE DO AGENTE. INOCORRÊNCIA DE CRIME IMPOSSÍVEL. PRECEDENTE DO STF. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Iniciada a execução do crime de roubo, através do exercício da grave ameaça, e não tendo a empreitada se consumado por circunstância alheia à vontade do agente responde este pela tentativa de roubo. Precedente do STF. Hipótese em que o agente não conseguiu consumar o roubo pelo fato de a vítima não trazer nenhuma importância em dinheiro, praticando, contudo, atos idôneos de começo de execução (grave ameaça). Inocorrência de crime impossível. Recurso conhecido e desprovido.

• Tratando-se de apoderamento de aeronave, ou se o fato é cometido por motivo atentatório à Segurança Nacional, deixa de ser crime comum, configurando o delito especial - crime contra a Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983, art. 19 e 20 ).

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4. TIPO SUBJETIVO• O roubo só é punível a título de dolo. • Exige-se outro elemento subjetivo, contido na expressão "para si ou para outrem”, que demonstra a exigência de intenção de posse definitiva. • Há quem entenda que não há delito de roubo quando o sujeito não age com a finalidade de assenhoreamento definitivo da coisa móvel alheia (“roubo de uso”). Todavia, uma vez alegado pelo agente que não tinha a intenção de apoderamento definitivo da coisa, há inversão do ônus da prova, incumbindo-lhe demonstrar tal circunstância a fim de afastar o delito de roubo, mas fazendo incidir outra figura típica (lesão corporal, ameaça, constrangimento ilegal, exercício arbitrário das próprias razões etc). • Nos termos do § lº, o roubo impróprio exige mais um elemento subjetivo especial do tipo, previsto na expressão "a fim de assegurar a impunidade do crime ou detenção da coisa para si ou para terceiro".

5. QUALIFICAÇÃO DOUTRINARIAO roubo é delito material, instantâneo, complexo, de forma livre, de dano e plurissubsistente. MATERIAL, o tipo do roubo descreve a conduta e o resultado, exigindo a sua produção para que haja consumação. INSTANTÂNEO, consuma-se no momento em que o objeto material sai da esfera de disponibilidade da vítima, ingressando na do sujeito (roubo próprio), ou com a ofensa pessoal ao ofendido logo depois da subtração (roubo impróprio). COMPLEXO, integra-se de outros fatos que também constituem delito, como o furto, a lesão corporal, a ameaça e o constrangimento ilegal. De FORMA LIVRE, admite qualquer forma de execução. De DANO, exige a efetiva lesão do bem jurídico. PLURISSUBSISTENTE, há fracionamento do iter criminis, não se perfazendo com ato único, exigindo que o sujeito empregue violência em sentido amplo e subtraia o objeto material.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

• O ROUBO PRÓPRIO atinge a consumação nos mesmos moldes do crime de furto. De acordo com o entendimento majoritário (STF e STJ),consuma-se quando o sujeito consegue retirar o objeto material da esfera de disponibilidade da vítima, ainda que não haja posse tranqüila.

AgRg no REsp 1035115 / RS. AGRAVO REGIMENTAL. PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. CONSUMAÇÃO DO DELITO. POSSE TRANQÜILA DA RES. DESNECESSIDADE. 1. Cabe esclarecer que esta Corte e o Supremo Tribunal adotaram a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, no que se refere à consumação do crime de roubo, basta, portanto, que o bem subtraído passe para o poder do agente, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. 2. Agravo regimental desprovido. (REPDJe 15/12/2008).

• Há tentativa quando o sujeito, iniciada a execução do crime mediante emprego de grave ameaça, violência própria ou imprópria, não consegue efetivar a subtração da coisa móvel alheia.

INFORMATIVO 520/STF (15 a 19/09/2008)Roubo e Momento Consumativo - 2

A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo,

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ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences — v. Informativo 517. Reputou-se evidenciado, na espécie, ROUBO FRUSTRADO, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente. HC 92450/DF. 16.9.2008.

• O ROUBO IMPRÓPRIO, a seu turno, se consuma no instante em que o sujeito emprega violência ou grave ameaça contra pessoa logo depois de haver subtraído a coisa. • O roubo impróprio, de acordo com a doutrina majoritária, não admite a tentativa. Se o sujeito emprega violência con-tra a pessoa ou grave ameaça, e o delito está consumado. Não se exige resultado naturalístico. Se não emprega esses meios de execução logo depois da subtração, permanece o fato como furto tentado ou consumado. • Nesse mesmo sentido, o STJ e o STF:

REsp 1025162 / SP (DJE 10/11/2008). PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 157, §§ 1º E 2º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. ROUBO IMPRÓPRIO MAJORADO. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA. O crime previsto no art. 157, § 1º, do Código Penal consuma-se no momento em que, após o agente tornar-se possuidor da coisa, a violência é empregada, não se admitindo, pois, a tentativa (Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte).

• ATENÇÃO: O crime de roubo absorve eventuais lesões leves.

7. CONCURSO DE CRIMES: • Se houver o roubo com várias pessoas num mesmo contexto fático, a opinião majoritária é que isso configura concurso formal de crimes.

Ex.: Roubo em transporte coletivo, em que há diversas vítimas: considera-se a ação de ameaçar a todos os passageiros em conjunto como uma só (crime-meio), mas cada ato de subtração é considerado de per si (crime-fim). Assim, responde o agente por diversos roubos, mas aplicando-se a regra do concurso formal próprio homogêneo (art. 70, CP).

• Se o sujeito emprega violência ou ameaça contra várias pessoas, subtraindo bens apenas de uma delas, há um só delito. Assim, também quando, no mesmo contexto, o sujeito rouba bens que pertencem aos componentes de uma mesma família. O mesmo ocorre quando uma só pessoa sofre a ameaça, mas tem subtraídos bens que estava na sua posse pertencentes a várias pessoas.

8. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA - ROUBO CIRCUNSTANCIADO (§ 2o)

• O § 2o do art. 157 é causa especial de aumento de pena, que, em razão da posição topográfica, só se aplica ao caput e ao § 1o, não incidindo sobre o § 3o.• Segundo o entendimento do STJ, se num crime de roubo ocorrer a presença de várias majorantes, o juiz pode aplicar todas majorando a pena no máximo (até a metade). Todavia, a jurisprudência do STJ não vincula o número de circunstâncias à fração de majoração, mas à sua gravidade.• Há quem recomende a seguinte forma de aplicação: para uma única causa de aumento, aumenta-se 1/3 da pena; se há duas

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causas de aumento, acresce 2/5; para o juiz aumentar a pena da metade, deverão incidir 3 ou mais causas de aumento de pena diferentes. • Nos termos do art. 157, § 2º, do CP, a pena aumenta-se de um terço até metade:

A)Emprego de arma: • A arma pode ser própria ou imprópria.• A arma própria é aquela cujo destino específico é o ataque ou a defesa (exemplos: a arma de fogo, o punhal, o canivete).• A arma imprópria é qualquer artefato que sirva para agredir (pedaço de madeira, caco de vidro).• Para caracterizar a majorante não basta estar com a arma, deve-se empregá-la efetivamente (empunhá-la ou simplesmente mostrá-la para caracterizar a grave ameaça).• O fundamento da majoração do crime de roubo com o uso de arma é pela maior probabilidade de expor a perigo a vida da pessoa (ofensividade/potencialidade lesiva da arma). • No que tange à ARMA DE BRINQUEDO, não há dúvida de que esta serve para caracterizar a grave ameaça típica do roubo, mas a súmula nº 174 do STJ foi cancelada, logo, o sujeito que usa arma de brinquedo responde somente pelo roubo simples, já que brinquedo não tem qualquer potencialidade lesiva.• Se a arma for verdadeira, mas estiver desmuniciada ou for imprestável para disparar, afasta-se a majorante. Entretanto, de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, há a inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado demonstrar que não havia potencialidade lesiva.• De acordo com o STJ e o STF, não é imprescindível a perícia da arma, se houver outros elementos probatórios suficientes a atestar a potencialidade lesiva. O Supremo Tribunal Federal tem precedente no sentido de que a própria apreensão da arma utilizada no crime é dispensável, se seu emprego é confirmado por outras provas (HC 93946 / RS).

INFORMATIVO 547, STF2ª Turma. Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento

A Turma — invocando recente decisão proferida pelo Plenário do STF no HC 96099/RS (DJE de 10.3.2009) — indeferiu habeas corpus para assentar que para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP não se exige que a arma de fogo seja periciada ou apreendida, desde que, por outros meios de prova, reste demonstrado o seu potencial lesivo. Na espécie, a impetração pleiteava o afastamento da mencionada qualificadora, na medida em que a arma não fora devidamente apreendida para comprovar a existência, ou não, de sua lesividade. O Min. Celso de Mello, relator, acrescentou que, não obstante tivesse posição diversa a respeito da matéria, em respeito ao postulado da colegialidade, curvava-se à orientação Plenária. HC 94616/SP, rel. Min. Celso de Mello, 19.5.2009. (HC-94616)Precedentes:EMENTA: ROUBO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO E PERÍCIA PARA A COMPROVAÇÃO DE SEU POTENCIAL OFENSIVO. DESNECESSIDADE. CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE SER EVIDENCIADA POR OUTROS MEIOS DE PROVA. ORDEM DENEGADA. I. Não se mostra necessária a apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo para comprovar o seu potencial lesivo, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato. II. Lesividade do instrumento que se encontra in re ipsa. III. A qualificadora do art. 157, § 2º, I, do Código Penal, pode ser evidenciada por

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qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima - reduzida à impossibilidade de resistência pelo agente - ou pelo depoimento de testemunha presencial. IV. Se o acusado alegar o contrário ou sustentar a ausência de potencial lesivo da arma empregada para intimidar a vítima, será dele o ônus de produzir tal prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. V. A arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. VI. Hipótese que não guarda correspondência com o roubo praticado com arma de brinquedo. VII. Precedente do STF. VIII. Ordem indeferida. HC 93353 / SP. Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento: 04/11/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma do STF.Em sentido contrário:EMENTA: AÇÃO PENAL. Condenação. Delito de roubo. Art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal. Pena. Majorante. Emprego de arma de fogo. Instrumento não apreendido nem periciado. Ausência de disparo. Dúvida sobre a lesividade. Ônus da prova que incumbia à acusação. Causa de aumento excluída. HC concedido para esse fim. Precedentes. Inteligência do art. 157, § 2º, I, do CP, e do art. 167 do CPP. Aplicação do art. 5º, LVII, da CF. Não se aplica a causa de aumento prevista no art. 157, § 2º, inc. I, do Código Penal, a título de emprego de arma de fogo, se esta não foi apreendida nem periciada, sem prova de disparo. HC 95142/RS. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO.Julgamento: 18/11/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma do STF.

INFORMATIVO 386/STJ6ª TURMA.

EMPREGO. ARMA. FOGO. APREENSÃO. PERÍCIA. NECESSIDADE.A Turma, por maioria, mesmo após recente precedente do STF em sentido contrário, reiterou seu entendimento de que é necessária a apreensão da arma de fogo para que possa implementar o aumento da pena previsto no art. 157, § 2º, I, do CP. Com a ausência da apreensão e perícia da arma, não se pode apurar sua lesividade e, portanto, o maior risco para a integridade física da vítima. Precedentes citados do STF: HC 96.099-RS, DJ 10/3/2009; HC 92.871-SP, DJ 6/3/2009; HC 95.142-RS, DJ 5/12/2008; do STJ: HC 36.182-SP, DJ 21/3/2008; HC 100.906-MG, DJ 9/6/2008, e HC 105.321-PA, DJ 27/5/2008. HC 99.762-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/3/2009.

INFORMATIVO 394/STJ5ª TURMA.

ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ARMA BRANCA NÃO APREENDIDA.A Turma, denegou a ordem de habeas corpus ao entendimento (já consolidado na jurisprudência) de que, no crime de roubo, quando existem outros elementos comprobatórios que levam a admitir a autoria imputada ao réu, não é necessária a apreensão da arma ou sua perícia para o aumento da pena pelo seu uso, conforme previsto no art. 157, § 2º, I, do CP. Nas instâncias ordinárias, ficou comprovado que o ora paciente ingressou num vagão de trem armado de um estilete e que, sob ameaça, subtraiu dinheiro e o celular da vítima, a qual depois o reconheceu. Precedentes citados: HC 96.407-SP, DJ 4/8/2008, e HC 91.294-SP, DJ 23/6/2008. HC 127.661-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/5/2009.

INFORMATIVO 395/STJ6ª TURMA.

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ROUBO. CAUSA. AUMENTO. ARMA. GARFO.O paciente, denunciado pela prática de roubo, insurge-se contra a aplicação da causa de aumento de pena por emprego de arma (art. 157, § 2º, I, do CP), no caso, um garfo de cozinha, que não foi apreendido ou submetido à perícia. Neste Superior Tribunal, o Ministro Relator originário aplicou o entendimento de ser dispensável a apreensão da arma ou a realização de exame pericial para aplicar aquela causa de aumento quando presentes outros elementos probatórios que demonstrem seu efetivo uso no crime. Diante da dúvida, quanto ao material de fabrico do garfo e a seu potencial ofensivo, a Turma, no caso, entendeu, por maioria, conceder a ordem. HC 131.387-RJ, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), julgado em 21/5/2009.

B) Concurso de duas ou mais pessoas:• O roubo é majorado quando houver a concurso efetivo de 2 ou mais pessoas. Trata-se da mesma regra do crime de furto em que se exige a participação nos atos de execução. • Ex: dois sujeitos entram num banco e um terceiro fica na rua vigiando.• Incide a majorante mesmo que um dos agentes seja inimputável (menor, doente mental) ou fuja e não seja achado ou não seja identificado.• Controvérsia: Seria possível o concurso material de roubo duplamente qualificado pelo emprego da arma e concurso de pessoas com o crime de quadrilha armada? Há duas correntes:

1ª Corrente – Não, pois caracteriza bis in idem. 2ª Corrente - STF - é a corrente majoritária, não há bis in idem, sendo possível o concurso material, pois os fundamentos dos crimes são diferentes: a quadrilha se qualifica apenas pelo porte da arma, enquanto que o roubo não se qualifica pela posse da arma e sim pelo emprego desta. Assim, se os quadrilheiros que são armados empregam a arma num roubo, respondem pelo concurso material da quadrilha armada com o roubo qualificado pelo concurso de pessoas e pelo emprego da arma. A quadrilha é crime plurissubjetivo, sendo possível que os quadrilheiros respondam pelo roubo simples, como por exemplo se somente um do bando executar o crime. Se dois ou mais membros de uma quadrilha roubam juntos, respondem pelo roubo majorado pelo concurso de pessoas, além da quadrilha. Quadrilha é um crime formal bastando, para que haja consumação, a associação estável de mais de três pessoas para praticar crimes, ainda que nenhum outro crime venha a ser praticado. C) Em serviço de Transportes de Valores e o agente conhece essa circunstância

• O agente tem que saber que a vítima transporta valores. • Transportar valores não é transportar o próprio dinheiro. Normalmente, os criminosos têm como alvo empresas especializadas com carro próprio, através de malote. O assalto a carro-forte é um exemplo típico. • Vem-se entendendo que se a vítima estiver a seu próprio serviço de forma não eventual ou acidental, incide a majorante também. Ex.:do sujeito que vende jóias e o sujeito ativo conhece que o mesmo transporta diretamente as jóias.

D) Roubo de veículo automotor

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• Se a subtração for de veiculo automotor que venha a ser transportado para outro estado ou para o exterior. • Aplica-se o mesmo raciocínio do furto de veículo automotor.

E) Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade

• O sujeito mantém a vítima em seu poder para poder roubá-la (meio de execução) ou para conseguir fugir (para assegurar a impunidade).• Se o agente, após roubar a vítima resolve privá-la de sua liberdade sem vinculação com as finalidades acima, responde pelo roubo em concurso material com o seqüestro do art. 148 do CP. • Não basta restringir a liberdade de locomoção da vítima, é necessário que ela seja mantida “em poder" do agente, o que não significa, por exemplo, trancar a vítima no banheiro para poder praticar a subtração ou fugir do estabelecimento. • Caracterizada a restrição de liberdade da vítima pelo agente, que a manteve em seu poder por período juridicamente relevante, incide a majorante do inciso V do § 2º do art. 157 do CP. (REsp 742388 / RS).• Mantida a vítima, mediante grave ameaça, exercida com o emprego de arma de fogo, sob o poder dos agentes, por cerca de oito horas, na prática do roubo e em garantia da sua impunidade, impõe-se afirmar que a execução do delito protraiu-se por todo esse tempo. (STJ, RHC 13529 / BA).• Não se pode confundir o crime de extorsão mediante seqüestro (art. 159, CP) com o crime de roubo majorado pela restrição da liberdade, pois no primeiro caso priva-se a liberdade da vítima como condição para o pagamento de um resgate e, no segundo caso, a restrição da liberdade da vítima é operada concomitantemente com o roubo como meio de execução ou para garantir a sua impunidade contra a ação policial, facilitando a fuga, porque o agente está com o dinheiro ou vai consegui-lo com a participação da vítima.

9. ROUBO QUALIFICADO PELO RESULTADO (§3º)A) Se da violência resultar lesão corporal grave (LCG) Artigo 157, § 3º, 1ª figura Pena: reclusão, de 7 a 15 anos e multa.

• O resultado agravador pode ocorrer a título de dolo ou por culpa, não há diferença. • Admite-se, em tese, a tentativa, se houver o resultado e a subtração não se consumar. Entretanto, segundo o STF, o tipo penal concernente ao roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave (CP, art. 157, § 3º, primeira parte) realiza-se em todos os seus elementos estruturais ("essentialia delicti"), dando ensejo ao reconhecimento da consumação desse delito, sempre que o agente, procedendo com a intenção de executar a subtração patrimonial (embora frustrada em sua efetivação), comete violência física de que resultem lesões corporais de natureza grave. Adoção do princípio enunciado na Súmula 610/STF, ainda que não se cuide, na espécie, do crime de latrocínio.(HC 71069/SP. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 10/05/1994. Órgão Julgador: Primeira Turma).

B) Se da violência resulta morte (Latrocínio) Artigo 157, § 3º, 2ª figura Pena: reclusão, de 20 a 30 anos + multa.

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• A lei pune o roubo com resultado morte. Normalmente quando a lei prevê a expressão “se resulta”, é porque o resultado é punível a título de culpa (crime preterdoloso). Porém, nos crimes patrimoniais, independentemente da culpa ou do dolo, se pune o agente pelo resultado agravador.• A doutrina classificava a morte culposa como ROUBO SEGUIDO DE MORTE. Já a morte dolosa, chamava-se de LATROCÍNIO, apesar de a capitulação penal ser a mesma (o art. 157 § 3o). • Esse entendimento nasceu da análise da resposta penal, pois no homicídio qualificado (12 a 30 anos) em concurso com roubo (4 a 10 anos), o mínimo de pena somado é 16 anos. Já no resultado morte culposa do art. 157, § 3o, a pena mínima é de 20 anos. Assim, seria um total dissenso que o resultado culposo fosse punido mais severamente do que o resultado doloso.• O resultado morte do § 3o do art. 157 é punível tanto na forma culposa (roubo seguido de morte) quanto na forma dolosa, que é o latrocínio. • Registre-se que só o roubo com resultado morte é classificado como crime hediondo, o roubo com lesão grave não é crime hediondo. • Controvérsia: Duas correntes surgiram no que tange ao roubo com resultado morte dolosa ou culposa ser ou não crime hediondo:

1ª Corrente - Restritiva: somente o roubo seguido de morte dolosa é hediondo pois a lei 8072/90 expressamente refere-se a latrocínio. 2ª Corrente (majoritária) tanto o resultado culposo quanto o resultado doloso são hediondos, pois a lei julga como hediondo o resultado morte, independente do elemento subjetivo. De outro lado, o art. 9o da Lei 8072/90 prevê aumento de pena se o latrocínio for cometido nas formas do art. 224, CP, porém, aí não ocorre mera presunção de violência, mas violência real.

• OBS1: Se um idoso tem um ataque cardíaco decorrente da grave ameaça do roubo, não haverá latrocínio, pois a lei usou somente a expressão “se da violência resulta” morte. Trata-se de violência física (real). Se o resultado decorrer de grave ameaça, o sujeito deverá responder pelo roubo em concurso formal com o homicídio culposo ou doloso, a depender do elemento subjetivo. Em obediência ao princípio da legalidade, não se pode utilizar o § 3o do art. 157, CP, pois o que qualifica o roubo é a violência física da qual decorre a morte e não apenas a grave ameaça.• OBS2: Pluralidade de Vítimas. Se no mesmo roubo houver morte de mais de uma pessoa, sendo um único patrimônio subtraído haverá apenas um crime de latrocínio e o número de mortes irá influenciar na dosimetria da pena. Porém, se for possível identificar diversos patrimônios, o agente responderá por tantos latrocínios quantos forem os roubos com resultado morte.• OBS3: Se o sujeito ativo, durante o roubo, por erro na execução (art. 73, CP), mata o próprio comparsa, responde por latrocínio. Se um dos comparsas morre por reação da vítima ou da polícia, não há latrocínio. • No latrocínio, a morte ou a lesão grave pode ser inclusive de terceiro que não foi vítima da lesão patrimonial. Ex: assalto a banco em que é morta uma pessoa da fila.• A morte pode-se dar antes ou depois da subtração para configurar latrocínio, mas deverá estar dentro do contexto fático do roubo.

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• A súmula 603 do STF prevê que a competência para o julgamento do latrocínio é do juiz singular, pois o latrocínio é crime contra o patrimônio e não doloso contra a vida.• Quando o sujeito no crime de roubo desenvolve uma ação (dolosa ou culposa) que é apta a matar, mas a vÍtima não morre, ele não pode responder pela figura de roubo qualificado por lesão corporal grave. Responde pelo latrocínio.• LATROCÍNIO CONSUMADO E TENTADO.

SUBTRAÇÃO MORTE LATROCÍNIO

Tentada Tentada TENTADO

Consumada Consumada CONSUMADO(pacífico)

Consumada Tentada * TENTADO (controvérsia)

Tentada Consumada CONSUMADO (súmula 610 do STF)

• Há controvérsia doutrinária quanto à tentativa de latrocínio, na hipótese de subtração consumada e morte tentada. A maioria doutrina entende que se trata de latrocínio tentado, por não haver completo preenchimento da figura típica. Em sentido contrário, segue recente decisão do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o concurso de crimes: roubo consumado (art. 157, CP) e homicídio qualificado tentado (art. 121, §2º, V. CP).

INFORMATIVO 520/STF (15 a 19/09/2008)Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 1

A Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus para cassar sentença de 1º grau que condenara o paciente por latrocínio tentado (CP, art. 157, § 3º, in fine, c/c art. 14, II). Na espécie, embora consumado o roubo, da violência praticada não resultara morte, mas lesão corporal de natureza grave numa das vítimas. A defesa reiterava a alegação de que a capitulação dada ao fato seria inadequada e pleiteava, por esse motivo, o ajuste da imputação para roubo qualificado pelo resultado de lesão corporal grave (CP, art. 157, § 3º, 1ª parte). Inicialmente, adotou-se como premissa o cometimento do crime de roubo (CP, art. 157) e aduziu-se que a matéria discutida nos autos envolveria a adequação típica da conduta atribuída ao paciente. Asseverou-se que o latrocínio constitui delito complexo, em que o crime-fim é o roubo, não passando o homicídio de crime-meio. Desse modo, salientou-se que a doutrina divide-se quanto à correta tipificação dos fatos na hipótese de consumação do crime-fim (roubo) e de tentativa do crime-meio (homicídio), a saber: a) classificação como roubo qualificado pelo resultado, quando ocorra lesão corporal grave; b) classificação como latrocínio tentado; c) classificação como homicídio qualificado, na forma tentada, em concurso material com o roubo qualificado. Enfatizou-se, contudo, que tais situações seriam distintas daquela prevista no Enunciado 610 da Súmula do STF (“Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.”) e que as decisões impugnadas aderiram à tese de que as circunstâncias dos fatos evidenciaram o animus necandi dos agentes, caracterizando, por isso, tentativa de latrocínio. Esclareceu-se, ainda, que esta Corte possui entendimento no sentido de não ser possível punição por tentativa de latrocínio, quando o homicídio não se realiza, e que é necessário o exame sobre a existência de dolo

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homicida do agente, para, presente esse ânimo, dar-se por caracterizado concurso material entre homicídio tentado e roubo consumado. Tendo em conta essas balizas, observou-se que para a classificação da conduta imputada ao paciente seria preciso identificar-se a finalidade dos agentes: a) se considerado ausente o animus necandi na violência praticada, incidiria o art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP; b) se definido que a intenção era de matar as vítimas, o tipo correspondente seria o do art. 121, § 2º, V, do CP, na forma tentada, em concurso material com o crime de roubo. Afirmou-se, entretanto, que em sede de habeas corpus não se pode discutir o alcance da prova sobre a intenção do agente. Assim, reputou-se incontroverso que, consoante admitido pelo STJ, as indicações seriam no sentido de que o dolo era de matar e não o de provocar lesão corporal. Esse o quadro, assentou-se que não restaria alternativa senão a da teórica tipificação do fato como homicídio, na forma tentada, em concurso material com o delito de roubo. Por conseguinte, ante o reconhecimento da competência do tribunal do júri, determinou-se que a ele sejam remetidos os autos, a fim de que proceda a novo julgamento, limitando eventual condenação à pena aplicada na sentença ora anulada. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa mesma ordem aos co-réus. HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008.

EXTORSÃO Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade. § 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90

§ 3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente." (NR) Vide Lei 11.923/2009, de 17.04.09. 1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA:

• Extorsão é o fato de o sujeito constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa (CP, art. 158, caput).• A objetividade jurídica principal (bem jurídico tutelado) é a inviolabilidade do patrimônio. Tratando-se de crime complexo, fusão de várias figuras típicas, também tem por objetos jurídicos a vida, a integridade física e psíquica e a liberdade pessoal.• O objeto material é a pessoa sobre quem recai o constrangimento.• A extorsão é considerada um delito formal de consumação antecipada, isto é, se consuma quando a vítima se submete ao constrangimento, independentemente da obtenção da vantagem econômica (súmula 96 do STJ).• Indevida vantagem econômica é conceito mais amplo que coisa alheia móvel.

2. SUJEITOS DO DELITO:

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• Crime comum, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo.• Pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de extorsão, se seus sócios forem submetidos ao constrangimento fazendo recair o prejuízo sobre aquela. • É possível hipótese de dois sujeitos passivos: um sobre o qual recai a violência e outro que faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. Mas haverá um só crime.

3. CONDUTA: • O núcleo do tipo é o verbo constranger, que significa compelir, coagir. O sujeito coage a vítima mediante violência, pretendendo que ela faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa.• Modalidade comissiva (regra) - constranger; admite a modalidade omissiva imprópria (figura do garantidor).• Na primeira hipótese, o sujeito constrange a vítima para que faça alguma coisa (algum fato). Ex.: o sujeito, mediante ameaça de morte, faz com que ela deixe certa importância em determinado local.• Na segunda, o sujeito a compele a tolerar que se faça alguma coisa. Ex.: permitir que o credor rasgue o título de crédito.• Na última, o sujeito compele a vítima a deixar de fazer alguma coisa. Ex.: deixar de cobrar uma dívida.

4. MEIOS DE EXECUÇÃO: • São a violência física e a moral (grave ameaça), já estudadas no delito de roubo. • Ao contrário do que ocorre no roubo (CP, art. 157, caput), na extorsão, o legislador não previu a violência imprópria, consistente no emprego de qualquer meio para vencer a resistência da vitima (ex. sonífero).

5. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO: • É o dolo agregado a outro elemento subjetivo do tipo distinto do dolo, consistente na finalidade de obtenção de vantagem econômica ("com o intuito de") - especial fim de agir.

6. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO: • Nos termos da disposição, a finalidade do sujeito é a obtenção de indevida vantagem econômica. • O tipo exige um elemento normativo, contido na expressão "indevida". • Se a vantagem for devida, o fato é atípico diante da inexistência do elemento normativo, podendo constituir exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345).• A vantagem deve ser econômica. Tratando-se de vantagem moral, há constrangimento ilegal (CP, art. 146).

7. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA: • A extorsão é delito formal, cujo tipo penal descreve a conduta e o resultado (obtenção da vantagem), não se exigindo a sua produção para que haja consumação. • A descrição da conduta se encontra nas expressões “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa". • O resultado visado pelo agente é a "indevida vantagem econômica". • Note-se que o tipo fala em "intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica". Assim, é suficiente que o sujeito constranja a vítima com tal finalidade, não se exigindo que realmente consiga a vantagem. Cumpre observar que o núcleo do tipo é o verbo constranger e não obter. • Compare-se a figura típica da extorsão com o tipo do estelionato (CP, art. 171, caput). Neste delito, o núcleo é o verbo "obter". Em face disso,

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trata-se de crime material, uma vez que o legislador não define somente a conduta, mas também o resultado, exigindo a sua produção. • Na extorsão, ao contrário, o núcleo do tipo é o verbo “constranger” e não "obter". A definição legal não exige que o sujeito obtenha a indevida vantagem econômica.

8. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: • A extorsão atinge a consumação com a conduta típica imediatamente anterior à produção do resultado visado pelo sujeito, que é mero exaurimento.• Lendo-se a definição do art. 158 do CP, vemos que a finalidade do sujeito é a obtenção da indevida vantagem econômica. • O comportamento descrito pelo tipo imediatamente anterior à produção desse resultado é a conduta da vítima, que, após o constrangimento, faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa. • Desse modo, consuma-se o delito com o comportamento positivo ou negativo da vítima, no instante em que ela faz, deixa de fazer ou tolera que se faça alguma coisa.• A tentativa é admissível, se puder configurar fracionamento do iter criminis. Ocorre quando o sujeito passivo, não obstante constrangido pelo autor por intermédio da violência física ou moral, não realiza a conduta positiva ou negativa pretendida pelo sujeito ativo.• A Prisão em flagrante no momento do recebimento da vantagem não seria possível, pois já houve consumação (após a submissão ao constrangimento). É fase de exaurimento da extorsão.• Segundo a doutrina majoritária, se alguém ingressa no plano delitivo depois da consumação, mas antes do exaurimento, não pode ser co-autor de extorsão (não é crime permanente). Responderá por favorecimento real (art. 349, CP) ou por receptação. Nilo Batista entende que há concurso (co-autoria sucessiva).

9. CAUSA DE AUMENTO DE PENA: • De acordo com o art. 158, § lº, do CP, se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade. Valem os mesmos comentários do crime de roubo.

10. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS: • Nos termos do § 2º, aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do art. 157, CP. • Ocorrendo resultado morte, o crime é considerado hediondo, nos termos do art. lº da Lei nº 8.072/90.• Essas qualificadoras já foram estudadas no delito de roubo, aplicando-se os mesmos comentários.

• SEQÜESTRO RELÂMPAGO

• Havia controvérsia doutrinária quanto à caracterização desse tipo de crime. Para Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Flavio Gomes, se, por exemplo, a vítima fosse colocada no porta-malas do veículo e, por várias horas percorresse diversos locais, sendo ameaçada e extorquida em bens e valores (ex.: sacando dinheiro em caixas eletrônicos), haveria crime único de extorsão mediante seqüestro (artigo 159, CP) - crime mais grave que o roubo majorado (art. 157, §2º , V, CP). Fundamento: no sequestro relâmpago é imprescindível a atuação da vítima para que o delito se consume, o que não ocorre no roubo, onde o agente subtrai os bens da vítima, sem que o comportamento dessa seja condição necessária para a obtenção da lesão patrimonial.

• A Lei 11.923/2009, de 17.04.09, encerrou a controvérsia ao tipificar o

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sequestro relâmpago no art. 158, § 3º, CP, criando uma nova hipótese de extorsão qualificada:

§ 3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente." (NR)

• Controvérsia quando ao concurso de crimes: suponha–se a seguinte situação fática: se o sujeito, mediante violência ou ameaça, subtrair bens da vítima em um primeiro momento (ex.: veículo, dinheiro, relógio, celular etc.) e em seguida praticar o sequestro relâmpago. Para Nucci e Luiz Flavio Gomes, a hipótese acima seria de roubo seguido de sequestro relâmpago em concurso (art. 157 e art. 158, § 3º, CP).

• A posição tradicional da jurisprudência entende que a situação acima configura concurso material de crimes (STF: RE 104.063-SP, HC 74.528-SP, HC 69.810-SC; STJ: RESP 684423-SP).

• Em sentido contrário, parte da doutrina sustenta que se trata de concurso formal, pois há uma só conduta, com dois resultados (dupla ofensa ao bem jurídico patrimonial).

• A linha mais doutrinária mais tradicional afirma que o concurso formal é impróprio, em razão dos desígnios autônomos. Porém, por questões de política criminal que orientam o instituto, visando evitar-se a incidência de penas exacerbadas, há quem sustente que se trata de concurso formal próprio, na mesma linha de raciocínio da jurisprudência majoritária, que assim considera o roubo praticado em transporte coletivo, contra várias vítimas (uma só ameaça e diversas subtrações).

• Para Luiz Flávio Gomes, o concurso formal impróprio somente deve ter pertinência quando se trata de bens jurídicos muito relevantes (vida, por exemplo), não havendo espaço para sua aplicação nos crimes contra o patrimônio.

• Também pode ocorrer a seguinte hipótese: Roubo agravado pela privação da liberdade da vítima (art. 157, § 2º, V) em concurso com sequestro relâmpago (art. 158, § 3º). Exemplo: o sujeito pratica um roubo dentro de residência, mantendo a vítima em seu poder, privando-a de sua liberdade para a consumação do roubo. Depois, sai com a vítima de carro e pratica a extorsão mediante sequestro relâmpago, realizando diversos saques em caixas eletrônicos. Ocorrem duas privações da liberdade diferentes e para finalidades distintas. Repete-se a mesma discussão quanto à natureza do concurso, porém, nesse caso, parece melhor o entendimento de que se trata de concurso material.

• A lei Lei 11.923/2009, de 17.04.09 é mais benéfica ao réu, pois a pena foi reduzida. O delito antes era classificado como extorsão mediante seqüestro (art. 159, CP), cuja pena era de oito a quinze anos de reclusão. Agora é extorsão qualificada pelo seqüestro relâmpago (art. 158, §3º, CP), tendo cominada a pena de seis a doze anos.

• Ademais, o sequestro relâmpago deixou de ser classificado como crime hediondo (art. 1º da Lei 8.072/1990 c/c art. 159, CP), pois a

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extorsão do art. 158, § 3º, não está inserida na referida lei, sendo incabível a analogia in malam partem, em observância ao princípio da taxatividade da lei penal (garantia da lex stricta).

• Reflexos:

Retroatividade benéfica nos pontos favoráveis;

possibilidade de concessão de anistia, graça, indulto;

progressão de regime com o cumprimento de um sexto da pena (LEP, art. 112).

• Se ocorrer sequestro relâmpago com resultado lesão grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente:

lesão corporal grave - reclusão de 16 a 24 anos. morte - reclusão de 24 a 30 anos.

• O delito não se transforma em extorsão mediante sequestro qualificada. Ocorre somente a aplicação das mesmas penas em razão do resultado.

• Registra-se que, havendo resultado morte, a extorsão é considerada crime hediondo (art. 1º, III e IV, Lei 8072/90). Já no caso de lesão grave, não há que se falar em crime hediondo, por ausência de previsão legal.

• Críticas:

A desproporcionalidade da pena mínima do delito de sequestro relâmpago (6 anos) em cotejo com a pena mínima do homicídio simples (6 anos). A tradição patrimonialista do legislador brasileiro indica que, pelo menos no tocante à pena abstratamente cominada, o patrimônio tem maior valor que a vida.

A desproporcionalidade entre a pena mínima do roubo com privação da liberdade da vítima (5 anos e 4 meses) e a do sequestro relâmpago (6 anos). Nas duas hipóteses, o objetivo do agente é o patrimônio. Trata-se de bens jurídicos e modo de execução idênticos, não se justificando distinção de pena.

• Quadro comparativo:

ROUBO COM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE(ART. 157, §2º, V, CP)

SEQUESTRO RELÂMPAGO (ART. 158, §3º, CP)

EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO(ART. 159, CP)

NÚCLEO SUBTRAIR CONSTRANGER SEQUESTRAR

COLABORAÇÃO DA VÍTIMA:

DISPENSÁVEL INDISPENSÁVEL (a obtenção da vantagem depende de seu comportamento)

DISPENSÁVEL (a obtenção da vantagem depende de comportamento de terceira pessoa)

PRIVAÇÃO DA LIBERDADE

DURANTE A SUBTRAÇÃO

DURANTE A EXTORSÃO

ANTES DA EXTORSÃO

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CRIME HEDIONDO

SE DA VIOLÊNCIA RESULTA MORTE: LATROCÍNIO

SE DA VIOLÊNCIA RESULTA MORTE

SEMPRE

11. PENA E AÇÃO PENAL: • A extorsão simples é apenada com reclusão, de quatro a dez anos, e multa (CP, art. 158, caput). • Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com o emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade (§ lº). • §2º: Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no art. 157, § 3º, do CP:• lesão corporal grave - reclusão de 7 a 15 anos e multa.• morte - reclusão de 20 a 30 anos e multa.• Neste caso, encontrando-se a vítima nas condições do art. 224 do CP, a pena é agravada de metade, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.072/90, que dispôs sobre os delitos hediondos. É lamentável a falta de técnica do legislador, já que só a extorsão seguida de morte está no rol dos crimes hediondos.• §3º: Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; • Se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente:• lesão corporal grave - reclusão de 16 a 24 anos.• morte - reclusão de 24 a 30 anos.• A ação penal é pública incondicionada.• OBS1: ROUBO X EXTORSÃO - A extorsão se assemelha ao roubo em face dos meios de execução, que são a violência física e a grave ameaça. Todavia, na extorsão é imprescindível para a consumação o comportamento da vítima. Já no roubo tal comportamento é prescindível, sendo irrelevante que a coisa venha a ser entregue pela vítima ao agente ou que este a subtraia diretamente.• No roubo, constrangido o sujeito passivo, a entrega do bem não pode ser considerada ato livremente voluntário, tornando tal conduta de nenhuma importância no plano jurídico. A entrega pode ser dispensada pelo autor do fato. Já na extorsão, o intuito de apoderamento do objeto material depende da conduta da vítima. • Há quem entenda que a diferença básica entre o roubo e a extorsão é que no roubo existe a subtração enquanto que na extorsão há a entrega da coisa, entretanto, tem-se entendido que pouco importa se houver a subtração ou tradição.• Caracterizado estará o roubo se a ameaça é de causar algum mal imediato (não há tempo para refletir) e o agente não depende da vítima para obter a vantagem. Na extorsão, há necessidade de colaboração da vítima conjugada com um lapso de tempo razoável para que essa se submeta ao constrangimento e entregue a vantagem indevida.• OBS2: CONSTRANGIMENTO ILEGAL (CP, ART. 146) X EXTORSÃO• Em ambos, o sujeito emprega violência ou grave ameaça contra a vítima, no sentido de que faça ou deixe de fazer alguma coisa. A diferença está em que no constrangimento ilegal o sujeito ativo deseja que a vítima se comporte de determinada maneira, sem pretender com isso obter indevida vantagem econômica. • Na extorsão, ao contrário, o constrangimento é realizado com objetivo expresso: obter indevida vantagem econômica.

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• De outro lado, se o sujeito, mediante violência ou grave ameaça, pretende que a vítima realize determinado comportamento para que ele obtenha uma vantagem econômica devida, responde por exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345).

EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 Pena - reclusão, de oito a quinze anos.. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) § 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) Pena - reclusão, de doze a vinte anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) § 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) § 3º - Se resulta a morte: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990) § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA : • O fato é definido como “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate” (art. 159 caput do CP).

• A objetividade jurídica é o patrimônio e a liberdade individual (pluriofensivo).

• É um crime complexo: o delito-fim é a ofensa ao bem patrimonial e o seqüestro o crime-meio. A distinção do crime do art.148, CP (seqüestro ou cárcere privado), para o crime do 159, CP é que este tem um ESPECIAL FIM DE AGIR, dolo específico.

• O caput do art. 159 disciplina a extorsão mediante seqüestro simples, e nos três primeiros dos quatro parágrafos seguintes, a lei descreve várias formas qualificadas.

• De acordo com art. 1º, inc. V, da Lei n. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), todas as formas de extorsão mediante seqüestro, da simples às qualificadas, são consideradas crimes hediondos, cujas sanções abstratamente cominadas sofreram sensível exasperação.

• O tipo penal do art. 159 tem um plus em relação ao delito do art. 158, que é o seqüestro (arbitrária detenção ou retenção de uma pessoa em lugar ignorado ou oculto), denotando, assim, maior gravidade na conduta do agente.

• O art. 159 fala em “qualquer vantagem”, mas, deve ser entendido como “vantagem econômica indevida”, como o faz a extorsão in genere (art.

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158).

• Se o seqüestro visa à obtenção de vantagem devida, o crime será de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345), em concurso formal com o crime de seqüestro (art. 148).

• O seqüestro do art. 159, CP é meio para viabilização da obtenção da vantagem indevida.

• É um crime formal, cujo momento consumativo ocorre com o seqüestro (crime permanente). No art.158, CP o crime se consuma com a submissão ao constrangimento, independentemente da obtenção da vantagem indevida.

2. SUJEITOS DO DELITO: • O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa - crime comum.

• O sujeito passivo, normalmente é a pessoa seqüestrada que sobre a lesão patrimonial, mas é muito comum existir mais de um sujeito passivo: uma pessoa é seqüestrada e outra tem seu patrimônio lesado. Ex: Sujeito seqüestra uma criança, pretendendo obter resgate de seus pais. Há dois sujeitos passivos: a criança (titular da liberdade) e seu representante legal (titular do patrimônio).

3. CONDUTA : • O Núcleo do tipo é o verbo seqüestrar. Nos termos do art. 148 do CP, existem duas formas de o sujeito privar a vitima de sua liberdade de locomoção: Seqüestro ou Cárcere Privado. • O legislador, no art. 159 do CP, empregou a expressão "seqüestro" em sentido amplo, abrangendo o cárcere privado. Em face disso, admite-se extorsão mediante seqüestro ou cárcere privado. Do contrário, caso se entendesse apenas existir extorsão mediante seqüestro, estaria o legislador punindo mais severamente fato menos grave: o cárcere privado constitui evento de maior gravidade do que o seqüestro.

4. TIPO OBJETIVO: • A ação incriminada é seqüestrar pessoa, que significa privá-la de sua liberdade, arrebatá-la, detê-la, impedindo sua locomoção.• O tipo penal não menciona expressamente a violência lato sensu (violência e grave ameaça) como meios de execução do crime, todavia, tais expressões estão implícitas no verbo “seqüestrar”.• Em eventual hipótese de seqüestro de cadáver, com exigência de proveito para o resgate, não há o crime do art. 159, mas o do art. 211, do Código Penal (subtração de cadáver), em concurso com a extorsão já que se encontra ausente a elementar “pessoa” exigida pelo tipo em exame.• De igual modo não haverá o crime em questão, se a privação de liberdade for de um animal de estimação ou animal de raça; nesse caso, ocorrendo a exigência de proveito, o crime será o de extorsão (art. 158, CP).

5. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO: • Há a intenção inequívoca de privar a liberdade da vítima com o fim de obter qualquer vantagem.• O primeiro elemento subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de seqüestrar a vítima. O crime exige outro elemento subjetivo do tipo, contido na expressão "com o fim de obter para si ou para outrem..."• Essa intenção, tendente a que o sujeito obtenha, para ele ou para terceiro, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate, é que diferencia o delito de seqüestro ou cárcere privado do crime descrito no art.

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159. A inexistência desse elemento subjetivo do tipo o leva a responder por delito previsto no art. 148 do CP.• Não obstante certa divergência no passado, prevalece atualmente o entendimento que “qualquer vantagem” do tipo penal em questão deve ser entendida como vantagem econômica, uma vez que esse delito está inserido no título dos crimes contra o patrimônio.

6. RESULTADO: • A lei se refere "qualquer vantagem" como "condição ou preço do resgate". A expressão "condição" se refere a fato que o sujeito pretende seja praticado pela vítima a fim de que liberte o sujeito passivo. • O preço é o valor dado pelo autor a fim de que se libere o ofendido.

7. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA: • Trata-se de crime permanente, cuja consumação se alonga no tempo. Assim, enquanto a vítima estiver submetida à privação de sua liberdade de locomoção o crime estará em fase de consumação, cabendo, portanto, prisão em flagrante.• É delito complexo, resultando da fusão da extorsão (CP, art. 158) e do seqüestro ou cárcere privado (CP, art. 148).• Cuida-se também de crime formal, uma vez que o tipo não exige a produção do resultado visado pelo agente, contentando-se com a finalidade de obtenção da vantagem.• É considerado hediondo, nos termos do art. lº da Lei nº 8.072/90.

8. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: • Da mesma forma da extorsão esse delito é um crime formal, se consuma com o seqüestro, independentemente da obtenção da vantagem econômica. • O momento consumativo ocorre com a privação da liberdade de locomoção da vítima, exigindo-se período de tempo juridicamente relevante. • Trata-se de crime permanente, em que a consumação se protrai no tempo. Assim, há a consumação do delito, enquanto a vítima estiver em poder dos seqüestradores, possibilitando, inclusive, a prisão em flagrante destes.• Admite-se tentativa, apesar de ser crime formal, desde que a conduta do núcleo verbal seja fracionável. A tentativa é possível, pois o agente pode ter frustrada sua ação de seqüestrar, isto é, quando está realizando os atos tendentes à privação de liberdade da vítima, tem a ação interrompida por circunstâncias alheias à sua vontade. • Ex.: o sujeito está colocando a vítima em seu automóvel, para o fim de extorquir dinheiro de seu parente, quando é interrompido por terceiro.• A obtenção (o pagamento) do preço de resgate constitui mero exaurimento do crime (post factum impunível), mas deverá ser analisado como circunstância judicial no momento da fixação da pena (art. 59, Código Penal).

9. TIPOS QUALIFICADOS ( ART. 159, § Lº, DO CP) : • 1ª Qualificadora - Diz respeito à circunstância de o seqüestro durar mais de 24 horas. A razão da agravação da pena reside em que a privação da liberdade por período superior a um dia causa maior lesão jurídica ao direito de locomoção do ofendido.• 2ª Qualificadora - O CP leva em consideração a idade do seqüestrado, menor de 18 anos ou maior de 60 anos, em face do maior alarme e temor causado à família. • Há controvérsia na doutrina se a vítima for menor de 14 anos de idade: entende-se que não se aplica o § lº e sim o art. 9º da Lei nº 8.072/1990, que

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dispôs sobre os delitos hediondos, devendo a pena ser acrescida de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão. Para tanto, é preciso que o dolo do sujeito tenha abrangido a idade da vítima (dolo abrangente), admitindo-se o erro de tipo (CP, art. 20). • 3ª Qualificadora - Considera qualificado o fato quando cometido por bando ou quadrilha. Neste caso, não é a simples reunião ocasional de mais de três pessoas que faz surgir a qualificadora. É necessário que quatro ou mais indivíduos tenham-se reunido de forma estável para prática de delitos em geral (CP, art. 288). Haverá concurso material.• Os § 2o e 3o da lei trazem outras formas qualificadas pelo resultado, podendo-se fazer as mesmas observações dos delitos patrimoniais já estudados, pois as lesões graves e a morte são puníveis a título de dolo ou de culpa. Essas lesões devem ser causadas à pessoa seqüestrada para que incida a qualificadora. Se não for a pessoa seqüestrada a vítima da lesão, haverá concurso material entre a extorsão mediante seqüestro e o outro crime praticado.• O reconhecimento de uma qualificadora mais grave afasta automaticamente a aplicação de uma menos grave, já que as penas são distintas. Assim, por exemplo, se é seqüestrada e depois morta uma pessoa de quinze anos, somente se aplica a qualificadora do § 3º, afastando-se a do § 1º.• De acordo com o art. 159, § 2º, do CP, se do fato resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão de 16 a 24 anos. • Nos termos do § 3º, se resulta a morte, a reclusão é de 24 a 30 anos.• Enquanto no roubo e na extorsão o Código se refere a esses resultados, morte e lesão corporal grave, advindos do emprego de violência, aqui se fa-la que devem derivar "do fato", ou seja, do seqüestro. Assim, é irrelevante que a morte ou a lesão corporal de natureza grave seja resultado da violência física ou dos maus-tratos causados pelo autor à vítima. É necessário apenas que a morte ou a lesão corporal de natureza grave seja produzida "no seqüestrado" como resultado da privação da liberdade, uma vez que o CP diz que essas qualificadoras devem decorrer "do fato".

10.DELAÇÃO PREMIADA: • O § 4º estabelece a denominada delação premiada. Este dispositivo foi inserido pela Lei 9.269/96. Trata-se de causa obrigatória de redução de pena, que, para ser aplicada, exige que o crime tenha sido cometido por pelo menos duas pessoas e que qualquer delas se arrependa e delate o fato à autoridade pública, de tal forma que o seqüestrado venha a ser libertado. • A delação diz respeito ao crime e não aos concorrentes (a expressão "denunciá-lo" está ligada ao "crime"). Não basta a simples denúncia, exigindo o tipo que a delação seja eficaz com a efetiva libertação da vítima. • Para a obtenção do benefício, o agente deve, por iniciativa própria ou quando questionado pela autoridade, prestar informações que efetivamente facilitem a localização e libertação da vítima. Se as informações em nada colaborarem para isso, não há se falar em delação eficaz e, conseqüentemente, em diminuição de pena.

11. PENA E AÇÃO PENAL • A extorsão mediante seqüestro é punida com reclusão, de oito a quinze anos (CP, art. 159, caput). • Se o seqüestro dura mais de vinte e quatro horas, se o seqüestrado é menor de dezoito anos ou maior de 60 anos, ou se o crime é cometido por quadrilha ou bando, a reclusão é de doze a vinte anos (§ lº). • Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave, a reclusão é de

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dezesseis a vinte e quatro anos (§ 2º); • Se resulta morte do seqüestrado, a reclusão é de vinte e quatro a trinta anos (§ 3º).

A ação penal é pública incondicionada.

EXTORSÃO INDIRETA Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA: • Nos termos do art. 160 do CP, extorsão indireta constitui o fato de "exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro". • A objetividade jurídica é o patrimônio e a livre determinação da vontade.• O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, mas normalmente é o credor inescrupuloso, enquanto que o sujeito passivo normalmente é o devedor que se encontra em certa situação de penúria.• Tecnicamente falando, é possível que tenhamos mais de um sujeito passivo, como o devedor e a pessoa cujo documento possa dar margem ao procedimento criminal contra esta. • Exemplo: o devedor é o marido, mas o documento é da mulher do devedor, tecnicamente ambos são sujeitos passivos.• De acordo com a Exposição de Motivos do CP de 1940, a incriminação visa "a coibir os torpes e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes da usura, para garantir-se contra o risco do dinheiro mutuado. São bem conhecidos esses recursos, como, por exemplo, o de induzir o necessitado cliente a assinar um contrato simulado de depósito ou a forjar no título de dívida a assinatura de um parente abastado, de modo que, não resgatada a dívida no vencimento, ficará o mutuário sob a pressão da ameaça de um processo por apropriação indébita ou falsidade."

2. SUJEITOS DO DELITO: • Sujeito ativo é quem exige ou recebe, como garantia de dívida, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro. Não se tratando de crime próprio, qualquer pessoa pode ser autor do fato.• Sujeito passivo é, em primeiro lugar, quem entrega o documento ao sujeito ativo. Pode ocorrer, entretanto, que haja dois sujeitos passivos: um que entrega o documento e outro contra quem pode ser iniciado o procedimento criminal.

3. ELEMENTOS OBJETIVOS DO TIPO :• O tipo penal possui dois núcleos: os verbos "exigir" e "receber". • Exigir significa reclamar, obrigar. Neste caso, o sujeito impõe à vitima, como condição da entrega da prestação em dinheiro ou qualquer valor, o documento que pode dar causa a procedimento criminal contra ela ou contra terceiro. • No segundo caso, é a própria vítima que entrega ao sujeito o documento como garantia da dívida. Nesta última hipótese, a iniciativa cabe ao ofendido, que procura o sujeito ativo, a ele entregando o documento incriminador.• Exige-se que o sujeito abuse da situação financeira da vítima. Assim, é

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requisito indeclinável do tipo a existência de uma situação angustiosa do ofendido, que o faz, premido pela necessidade, entregar, como garantia da dívida, ao sujeito ativo, o documento ilícito. • Cumpre observar que a lei se refere à situação aflitiva de "alguém". Assim, a situação opressiva pode não ser da vítima, mas de terceiro.• É necessário que o documento, público ou particular, possa dar causa à instauração de um procedimento criminal (inquérito policial ou ação penal) contra alguém. • Exs.: cheque sem fundos, documento falso, confissão da prática de delito etc. • Não é necessário que o procedimento criminal tenha início. É suficiente que o documento "possa" dar causa a tal iniciativa. • Quanto ao cheque sem fundos, subsiste a extorsão indireta ainda quando emitido como garantia de dívida, pós-datado ou assinado em branco. • O tipo não exige que se trate realmente de crime ocorrido ou que haja elementos no sentido de uma condenação: basta que possa ser instaurado processo contra alguém.• Ora, a emissão de cheque sem provisão de fundos, por si só, leva à possibilidade de instauração de processo criminal. O STJ entende em sentido contrário.• Ver Súmula 246, STF.

4. QUALIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA: • Na conduta de "exigir", o crime é formal, de consumação antecipada . • Nesta hipótese, o fato se perfaz com a simples exigência, independentemente de o sujeito ativo efetivamente conseguir o documento que pode dar causa à instauração de procedimento criminal contra alguém. • No segundo caso, no verbo "receber", o delito é material, exigindo a efetiva entrega do documento.• OBS1: Cheque, que é ordem de pagamento à vista, hoje está sendo usado de forma desvirtuada, como o cheque pré-datado (nessas condições está sendo utilizado muito mais como nota promissória do que como cheque propriamente dito). Se este for devolvido por ausência de fundos não haverá estelionato, pois este cheque equivale a uma promessa de pagamento, é hipótese de arquivamento do inquérito policial.• OBS2: O sujeito tem uma dívida e a nota promissória vencida, o sacado ameaça protestar, mas oferece trocar a nota promissória por um cheque; aquele, com medo, dá o cheque; passado o tempo, o credor deposita o cheque e este é devolvido, o sujeito que passou o cheque não responderá pelo estelionato, mas a pessoa que exigiu o documento responderá pela extorsão indireta? Há controvérsia, há quem entenda que a pessoa deve responder pela extorsão indireta, mas há acórdão no STJ entendendo que se quem emite o cheque não responde por estelionato, quem exige o cheque não responde pela extorsão indireta.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: • No núcleo "exigir", o crime atinge a consumação com a simples exigência, independentemente de qualquer resultado ulterior. • Neste caso, se o comportamento é realizado verbalmente, não há possibilidade de tentativa; se, por escrito, doutrinariamente, é possível a tentativa. ex.: carta extraviada em que consta uma exigência.• Na conduta de "receber", o delito atinge a consumação com a efetiva entrega do documento ao sujeito ativo. Neste caso, tratando-se de delito material, a tentativa é admissível.

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6. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO: • O crime só é punível a título de dolo, que se expressa na vontade de exigir ou receber, como garantia de dívida, determinado documento. • A figura típica exige, além deste, outro elemento subjetivo, contido na expressão "abusando da situação de alguém". • É necessário que o sujeito tenha consciência de que está abusando da situação financeira aflitiva do ofendido.

7. PENA E AÇÃO PENAL: A pena é de reclusão, de um a três anos, e multa.A ação penal é pública incondicionada.

CAPÍTULO IIIDA USURPAÇÃO

ALTERAÇÃO DE LIMITES Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.1. BEM JURÍDICO TUTELADO

• O tipo penal protege a propriedade e posse de bens imóveis.2. SUJEITOS DO DELITO • Trata-se de crime próprio.• O Sujeito Ativo é o proprietário ou possuidor (usucapião) do imóvel limítrofe.• O Sujeito Passivo é o proprietário ou possuidor do imóvel no qual ocorre a

supressão ou o deslocamento do limite.3. TIPO OBJETIVO A) NÚCLEOS• Suprimir significa eliminar, destruir.

• Deslocar significa remover, afastar sem destruir.B) OBJETO MATERIAL• Tapume é qualquer cerca ou muro destinado a assinalar o limite entre

imóveis.• Marco é qualquer coisa corpórea artificialmente colocada em pontos

divisórios.• Outro sinal (interpretação analógica) é qualquer outro meio utilizado para

indicar limites. Ex.: valas, regos, cursos d’água, trilhas etc.4. TIPO SUBJETIVO• O elemento subjetivo é o dolo correspondente a vontade livre e consciente

de suprimir ou deslocar limites agregado ao especial fim de agir: “para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia”.

• Não há previsão de modalidade culposa.• Caso falte o especial fim de agir (“para apropriar-se, no todo ou em parte,

de coisa imóvel alheia”, a conduta poderá configurar crime de dano (art. 163, CP) ou de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) ou de fraude processual (ar. 347, CP).

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Trata-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o

sujeito suprime ou desloca o limite com a finalidade de apropriar-se de coisa imóvel alheia.

• Não se exige a efetiva produção do resultado final almejado pelo sujeito ativo (apropriação), por ser crime formal.

• Admite-se tentativa, por se tratar de crime plurissubsistente.

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6. PENA E AÇÃO PENALPena - detenção, de um a seis meses, e multa.§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. – concurso formal impróprio – cúmulo material de penas. Em regra, a ação penal é pública incondicionada.§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

USURPAÇÃO DE ÁGUAS§ 1º - Na mesma pena incorre quem: I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;1. BEM JURÍDICO TUTELADO

• O tipo penal protege a propriedade e posse de bens imóveis.• Para Bitencourt, o bem jurídico tutelado e o direito real sobre o uso das águas por seu titular.

2. SUJEITOS DO DELITO • Trata-se de crime comum.• O Sujeito Ativo é qualquer pessoa.• O Sujeito Passivo é o proprietário ou possuidor (pessoa física ou jurídica) do

imóvel que e prejudicado com o represamento ou desvio das águas.3. TIPO OBJETIVO A) NÚCLEOS• Desviar significa modificar o curso normal.• Reter significa interromper o curso, impedir que as águas fluam.B) OBJETO MATERIAL• Águas alheias são parte do imóvel (bem imóvel).• Alheias significa que pertencem a outrem, podendo ser bens públicos ou

privados. Não se inclui a res nullius (coisa de ninguém).4. TIPO SUBJETIVO• O elemento subjetivo é o dolo correspondente a vontade livre e consciente

de desviar ou represar águas alheias agregado ao especial fim de agir “em proveito próprio ou de outrem”.

• Não há previsão de modalidade culposa, que pode configurar ilícito civil.• Caso falte o especial fim de agir (“para apropriar-se, no todo ou em parte,

de coisa imóvel alheia”, a conduta poderá configurar crime de dano (art. 163, CP) ou de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP) ou de fraude processual (ar. 347, CP).

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Trata-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o

sujeito desvia ou represa águas alheias com a finalidade de obter proveito próprio ou para outrem.

• Não se exige a efetiva produção do resultado final almejado pelo sujeito ativo (obtenção do proveito), por ser crime formal.

• Admite-se tentativa, por se tratar de crime plurissubsistente.6. PENA E AÇÃO PENALPena - detenção, de um a seis meses, e multa.§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. – concurso formal impróprio – cúmulo material de penas. Em regra, a ação penal é pública incondicionada.§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

ESBULHO POSSESSÓRIO

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§ 1º - Na mesma pena incorre quem: II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.1. BEM JURÍDICO TUTELADO • O tipo penal protege a propriedade e posse de bens imóveis, bem como a

integridade física e mental do sujeito passivo (crime complexo).2. SUJEITOS DO DELITO • Trata-se de crime comum.• O Sujeito Ativo é qualquer pessoa.• O Sujeito Passivo é o proprietário ou possuidor (pessoa física ou jurídica) do

imóvel esbulhado.3. TIPO OBJETIVO A) NÚCLEO• Invadir significa o ingresso não autorizado em terreno ou prédio alheio.• A invasão pode ser total ou parcial.B) OBJETO MATERIAL• Terreno ou prédio alheio (público ou privado). C) FORMAS DE EXECUÇÃO• Violência física contra a pessoa (vis absoluta). • Violência moral contra a pessoa – grave ameaça (vis compulsiva). • Concurso de mais de duas pessoas (mínimo de três), sem violência ou

grave ameaça.4. TIPO SUBJETIVO• O elemento subjetivo é o dolo correspondente a vontade livre e consciente

de invadir terreno ou prédio alheios, agregado ao elemento subjetivo especial “para o fim de esbulho possessório”.

• Esbulhar significa passar a ocupar o lugar que originalmente era do legítimo possuidor ou proprietário, como se o fosse.

• Não há previsão de modalidade culposa, que pode configurar ilícito civil.• Caso falte o especial fim de agir “com o fim de esbulho possessório”, a

conduta poderá configurar ilícito civil, salvo se houver violência.5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

• Trata-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que o sujeito invade, no todo ou em parte, prédio ou terreno alheio, ainda que por um curto período de tempo, com o fim de esbulho possessório.• Não se exige a efetiva produção do resultado final almejado pelo sujeito ativo (esbulho), por ser crime formal. Se conseguir permanecer o crime está exaurido.• Admite-se tentativa, por se tratar de crime plurissubsistente.

6. PENA E AÇÃO PENALPena - detenção, de um a seis meses, e multa.§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada. • Trata-se concurso formal impróprio (cúmulo material de penas).• A violência mencionada é física. A ameaça é absorvida pelo crime de

esbulho. • Em regra, a ação penal é pública incondicionada.§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

SUPRESSÃO OU ALTERAÇÃO DE MARCA EM ANIMAIS Art. 162 - Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho

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alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade: Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.1. BEM JURÍDICO TUTELADO

• O tipo penal protege a propriedade e posse de bens móveis (gado ou rebanho).

2. SUJEITOS DO DELITO • Trata-se de crime comum.• O Sujeito Ativo é qualquer pessoa.• O Sujeito Passivo é o proprietário ou possuidor (pessoa física ou jurídica) do

gado ou rebanho.3. TIPO OBJETIVO A) NÚCLEOS• Suprimir significa apagar ou fazer desaparecer a marca ou sinal indicativo

de propriedade.• Alterar significa modificá-la. Ex.: Transformar uma letra “F” em “E”.• De acordo com o item 58 da Exposição de Motivos do Código Penal, no

crime em tela, o agente se limita a utilizar um meio fraudulento para irrogar-se a propriedade dos animais.

• Não pode haver efetiva subtração, nem apropriação, tampouco obtenção de vantagem indevida em prejuízo alheio.

• Se o meio fraudulento é usado para dissimular o anterior furto de animais, trata-se post factum impunível. O crime é de furto mediante fraude, que absorve o crime do artigo 162, CP.

• Se a conduta e praticada para assegurar o continuado êxito de uma apropriação indébita ou tiver servido como ardil do estelionato, também haverá absorção do crime menor pelo maior.

B) OBJETO MATERIAL• Marca é o assinalamento a ferro candente ou produto químico.• Sinal é qualquer distintivo artificial diferente da marca. Ex.: Argola.• Se o animal não possuir sinal ou marca, o fato é atípico para o crime do

artigo 162, mas pode ser furto ou crime de dano.C) ELEMENTO NORMATIVO• A supressão ou alteração deve ser indevida (ilícita), portanto, não há crime,

por exemplo, se o sujeito adquire a propriedade e remarca o gado, com sua identificação.

4. TIPO SUBJETIVO• O elemento subjetivo é o dolo correspondente a vontade livre e consciente

de suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade, com a finalidade de apropriar-se do animal, o que, efetivamente, não vem a ocorrer.

• Não há previsão de modalidade culposa, que pode configurar ilícito civil.• Não há especial fim de agir.5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

• Trata-se de crime material e instantâneo, que se consuma no momento em que o sujeito altera ou suprime, indevidamente, marca ou sinal indicativo de propriedade de gado ou rebanho alheio.

• Admite-se tentativa, por se tratar de crime plurissubsistente.• Se houver subtração, apropriação ou estelionato, estes crimes absorvem a

figura típica do artigo 162, CP.6. PENA E AÇÃO PENAL

• Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.• A ação penal é pública incondicionada.

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DO DANO (Art. 163, CP)

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano qualificado

Parágrafo único - Se o crime é cometido:

I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista; (Redação dada pela Lei nº 5.346, de 3.11.1967)

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• Nos termos do art. 163, caput, do CP, dano é o fato de destruir, inutilizar

ou deteriorar coisa alheia.• A objetividade jurídica é o patrimônio. Tutela-se a propriedade de bens

móveis e imóveis.• O dano, além de figurar como delito contra o patrimônio, também pode ser

previsto como elementar ou qualificadora de vários crimes, como, por exemplo, os dos art. 155, § 4º, I; 161; 202, in fine; 210; 305; 314; 345 (com violência à coisa), todos do CP.

• O ânimo de lucro não é essencial à existência do crime, embora possa aparecer de modo indireto. Ex.: fabricante que danifica bem móvel do cliente para obter novo pedido.

2. SUJEITOS DO DELITO• É crime comum. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo de dano, salvo o

proprietário. • A destruição da própria coisa pode ter relevância penal no caso de

estelionato, incêndio, explosão, que são crimes de perigo, ou no exercício arbitrário das próprias razões (art. 346).

• Sujeito passivo é o titular do direito de propriedade da coisa móvel ou imóvel. Pode ser o proprietário ou o possuidor legítimo.

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3. TIPO OBJETIVO• Destruir significa desfazer, subverter a coisa. Nessa hipótese, o objeto material cessa de existir em sua individualidade. Ex.: lançar no fogo um livro alheio.• Na inutilização, a coisa perde a finalidade a que se destinava. Ex.: furar os olhos de um cão de guarda.• Na deterioração, o objeto material perde parte de sua utilidade especifica. Ex.: lançar tinta num quadro artístico.• O crime pode ser cometido por ação ou omissão. • Conduta omissiva. Ex: deixar de regar a plantação, causando a destruição de uma horta.• O sujeito pode empregar meios imediatos ou mediatos. Nos primeiros, existe contato físico com o objeto material. Nos meios mediatos não há esse contato. • Ex.: lançamento de agente químico corrosivo no objeto material de propriedade da vítima.• Fazer desaparecer o objeto material não constitui crime de dano. O fato é atípico diante da descrição do art. 163 do CP. • Ex.: sujeito solta animal de propriedade alheia, fazendo-o desaparecer. Ele não está destruindo, nem inutilizando e nem deteriorando a coisa alheia. Trata-se de lacuna das normas penais incriminadoras. Mas poderá ensejar reparação do dano na esfera cível.

4. TIPO SUBJETIVO• É crime doloso. O dolo pode ser direto ou eventual.• Discute-se na doutrina a respeito da exigência de finalidade especial de causar um prejuízo à vítima (animus nocendi) ou se é suficiente que o sujeito tenha apenas vontade de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia móvel ou imóvel. • Segundo parte da doutrina, o tipo do crime de dano não exige nenhum outro elemento subjetivo além do dolo (Greco, Noronha). Hungria entendia em sentido contrário, pela necessidade de um elemento subjetivo especial: animus nocendi.• Não há forma culposa no CP, apesar de haver o dano culposo na lei dos crimes ambientais (art. 38, p. único e 62, p. único da lei 9605/98) e no Código Penal Militar (art. 383, p. único, do CPM).

5. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA• O dano é crime material, de conduta e resultado, em que o tipo exige a produção deste para que haja consumação. • Delito Simples, o dano lesa um só interesse jurídico, qual seja, a propriedade de coisas móveis e imóveis, ressalvada a forma qualificada em que há violência ou ameaça contra a pessoa. • É crime subsidiário, funcionando como elementar ou circunstância qualificadora de outros delitos (subsidiariedade implícita). Ex.: o dano é elementar do crime de incêndio (CP, art. 250) e qualificadora do furto (CP, art. 155, § 4º, IV). • Instantâneo, consuma-se no momento em que há a efetiva lesão do objeto material. Entretanto, pode ser de efeitos permanentes. Ex.: a deterioração perdura no tempo. • Comissivo ou omissivo - Admite ação e omissão. O sujeito pode danificar a coisa alheia fazendo alguma coisa ou deixando de fazer. • De forma livre, admite qualquer meio de execução.

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6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• O crime se consuma com o efetivo resultado de dano ao objeto material, total ou parcial.

• Admite-se a figura da tentativa, pois é possível fracionar o iter criminis. Ex.: o sujeito erra o alvo na conduta de abater a tiros um animal de propriedade alheia.

7. FIGURAS TÍPICAS QUALIFICADAS• Nos termos do art. 163, parágrafo único, do CP, a pena é de detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência, se o dano é cometido:

I. Com emprego de violência a pessoa ou grave ameaça (pelo modo de execução);

• Não é necessário que o sujeito use esses meios de execução contra o titular da propriedade. Pode ser que empregue violência física ou moral contra terceira pessoa, ligada ao sujeito passivo patrimonial. • Se, empregando violência física contra a vítima, lhe causa lesão corporal, responde por dois crimes em concurso material: dano qualificado e lesão corporal leve, grave ou gravíssima (preceito secundário do art. 163, caput, do CP).II. Com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não

constitui crime mais grave (pelo modo de execução);• Se o fato não constitui crime mais grave, que pode ser um dos delitos contra a incolumidade pública - de perigo comum (CP, art. 250 e 251).III. Contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa

concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista (pela qualidade da coisa);

• ATENÇÃO: Controvérsia a respeito da conduta do preso que danifica cela a fim de fugir.1ª Corrente – Responde por dano qualificado (Damásio). O dano não exige o chamado dolo específico, que se manifesta no animus nocendi, contentando-se com o genérico, motivo pelo qual o preso que danifica a cela para fugir responde pela forma típica qualificada. O CP deixa sem penalidade somente a fuga pura e simples, sem violência contra a pessoa (CP, art. 352) e sem causar dano à coisa (CP, art. 163). Caso contrário, argumenta-se, a alegação do fim almejado legitimaria todas as condutas tendentes à fuga. Não se pode confundir dolo com motivo, pois quando o preso destrói a cela tem a intenção de destruir para fugir. Assim, responde por dano qualificado o preso que danifica cela a fim de fugir, uma vez que o motivo tendente à fuga não exclui o elemento subjetivo próprio do crime. Dizer que o preso não comete o tipo qualificado porque não tem a intenção específica de causar prejuízo ao patrimônio público não é correto. Se o preso tem vontade e consciência de destruir ou inutilizar a grade que o prende, tem claramente vontade de causar dano, e, em face disso, de prejudicar. O fim, que é alcançar a liberdade, não tem força de excluir o elemento subjetivo próprio desse delito qualificado.2ª Corrente - Entende que não responde por delito de dano qualificado

o preso que danifica cela para fugir. Considera-se que o crime de dano exige o dolo específico, ausente na conduta do preso que danifica a cela a fim de alcançar a liberdade. De acordo com Nelson Hungria, o elemento subjetivo do crime de dano

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se especifica pelo animus nocendi, i. e., pelo fim de causar um prejuízo patrimonial ao dono. Assim, se o dano constitui meio para a consecução de outro fim, que não se encontra no tipo do art. 163. O dano é meio necessário para a realização de um fato que não constitui delito. Se a fuga não é crime, o meio necessário para sua realização não pode constituir infração penal. É impossível fugir, a não ser que se encontre a porta aberta, sem a execução de meios clássicos: perfurar o piso, as paredes, serrar as grades etc. Constitui crime somente a fuga mediante violência praticada contra pessoa (art. 352), pelo que a fuga mediante violência contra coisa é fato penalmente indiferente. IV. Por motivo egoístico (pelo motivo) ou com prejuízo considerável

para a vítima (pela gravidade objetiva do prejuízo da vítima).• O MOTIVO EGOÍSTICO também qualifica o dano. Não é qualquer sentimento pessoal que qualifica o fato. É necessário que o sujeito aja com a finalidade de conseguir um interesse posterior de ordem moral ou econômica. • Ex.: destruição do trabalho de um concorrente para evitar a competição ou dar mais valor ao próprio.• Por fim, qualifica o dano a EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO CONSIDERÁVEL PARA A VÍTIMA. Para que ocorra a qualificadora, é necessário que o sujeito tenha praticado o fato com intenção de causar maior prejuízo à vítima.

8. PENA E AÇÃO PENAL• A pena imposta ao dano simples é de detenção, de um a seis meses, ou multa. • Para o dano qualificado, a sanção é de detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência. • Se o sujeito, empregando violência, causa a morte de vítima ou lesão corporal, responde pelo crime contra a pessoa e por dano qualificado, em concurso formal impróprio (cúmulo material).• De acordo com o art. 167, CP, os tipos de dano simples, previsto no art. 163, caput, e qualificado nos termos do n° IV do parágrafo único, são de crimes de ação penal de iniciativa privada. • Nos demais casos, a ação penal é pública incondicionada.• ATENÇÃO: Os art. 165 e 166, do CP foram tacitamente revogados pela lei ambiental (art. 62 e 63, da Lei 9605/98).• Antes, a pichação era tratada como crime de dano como ação penal privada, mas a lei ambiental expressamente prevê o crime de pichação. Mesmo que o prédio seja privado, a ação será pública incondicionada. O art. 65 lei 9605/98, pune a manifestação egoística para a pichação.

CAPÍTULO VDA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

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Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão.

1. CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA• O CP conceitua como apropriação indébita (indevida) o fato de o sujeito

"apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção" (art. 168, caput).

• A característica fundamental desse crime é o abuso de confiança. • O sujeito ativo, tendo a posse ou a detenção da coisa alheia móvel, a

ele confiada pelo ofendido, em determinado instante passa a comportar-se como se fosse dono, negando-se a devolvê-la ou realizando ato de disposição.

• O CP protege, na espécie, o direito patrimonial. A objetividade jurídica é o patrimônio.

• Requisitos:a) apropriação de coisa alheia móvel (a apropriação de coisa imóvel é

atípica, em face da descrição legal do artigo 168, CP); b) que esteja na posse ou detenção do agente; c) que haja dolo. • A apropriação indébita, dessa forma, se diferencia do furto, pois o agente

tem a posse ou a detenção do bem da vítima de forma lícita (a vítima lhe entrega o bem de forma livre, espontânea e consciente). No furto, o agente entra na posse do bem alheio de forma ilícita.8. Exige-se, ainda, que o agente ao receber o bem da vítima esteja de boa-

fé, ou seja, tenha a intenção de devolvê-lo à vítima (surgindo, após, o animus rem sibi habendi – a intenção de tê-la para si em caráter definitivo). 9. Se no ato do recebimento, já tencionava apoderar-se da coisa (já

havia má-fé), haverá estelionato. Assim, a diferença básica entre esses delitos é que na apropriação indébita o dolo do agente surge após a obtenção de boa fé da posse ou detenção da coisa e, no estelionato, o dolo é preordenado, anterior à posse.10. Além disso, é exigível para a caracterização do estelionato que o

agente empregue alguma fraude para entrar na posse do bem, ao passo que na apropriação indébita não há emprego de fraude.2. SUJEITOS DO DELITO• Sujeito ativo é qualquer pessoa, desde que tenha a posse ou a

detenção lícita do bem.

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• Se o agente é funcionário público, e se apropria de bem público ou particular, que está sob a guarda da administração, o delito cometido é de peculato (CP, art. 312).

• Sujeito passivo é a pessoa que, não cumprida a relação obrigacional com a restituição da coisa, sofre prejuízo.

• Nem sempre é fácil determinar o sujeito passivo. A solução depende do caso concreto. Em todas as hipóteses de apropriação indébita existe relação obrigacional entre duas pessoas. 3. TIPO OBJETIVO

A) NÚCLEO• O núcleo do tipo é o verbo "apropriar-se", que significa fazer sua a

coisa alheia, ou seja, tomar como propriedade, apoderar-se indevidamente, tomar para si.

• Tendo o sujeito a posse ou a detenção do objeto material, em dado momento inverte o título da posse ou da detenção, comportando-se como se fosse dono.

• A doutrina classifica a apropriação em duas espécies:• Propriamente Dita - existe comissão (se dá por conduta positiva, o sujeito

vende, aluga, dispõe da coisa, realiza ato demonstrativo de que inverteu o título da posse, como a venda, doação, consumo, penhor, ocultação etc.

• Negativa de Restituição - o sujeito afirma claramente ao ofendido que não irá devolver o objeto material, ou seja, o sujeito se nega a devolver a coisa.B) ELEMENTOS NORMATIVOS

• POSSE refere-se a posse direta, por força de obrigação ou direito, como nos casos do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário etc.

• Art. 1196, CC: Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não dos poderes inerentes à propriedade.

• Nos termos do Art. 1.197 do NCC, a posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

• Ex.: num contrato de locação, o locatário exerce a posse direta, enquanto o dono permanece com a indireta.

• O art. 168 do CP trata da posse direta, que pode ocorrer nas hipóteses de locação, mandato, depósito, penhor, usufruto, gestão de negócios etc (relações obrigacionais).

Ex.: o depositário vende o objeto do contrato de depósito. Responde por crime de apropriação indébita. No caso, estava exercendo a posse do bem móvel.

• A posse a que a lei se refere é a posse direta, lícita e desvigiada.• Se a posse for “vigiada” o crime será de furto. A posse vigiada não precisa

ser 24 horas por dia. Ex.: empregada pega a roupa que está para passar e leva para casa - o

crime é de furto; se a patroa empresta a roupa para a empregada para esta usar numa festa e ela não devolve, o crime será de apropriação indébita.

• A simples relação de emprego por si só não configura o abuso de confiança. Ex.: caixa de banco, que subtrai dinheiro comete crime de furto com abuso

de confiança, pois se trata de posse vigiada.• A posse direta, que é sempre desvigiada, pode ser: interessada - existe interesse do próprio sujeito ativo, como é a

hipótese da locação; não interessada - existe beneficio só de terceiro, como no mandato.

• DETENÇÃO significa poder de fato, em que a pessoa a exerce em

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cumprimento de ordens ou instruções, por mera permissão ou tolerância, como nos exemplos do empregado doméstico exerce sobre o dinheiro que o patrão lhe entrega para compras na feira, ou daquele que recebe o automóvel de outrem para um simples passeio. • O Código Civil trata da detenção nos arts. 1198 e 1208. • Nos termos do art. 1198, "Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.". Ex.: Se alguém entrega determinada quantia a fim de que o empregado efetue o pagamento de uma duplicata em estabelecimento bancário, não pagando ele o título e ficando com o dinheiro, pratica apropriação indébita. Na hipótese, tinha mera detenção sobre o objeto material (sobre a quantia em dinheiro).

• De acordo com o art. 1208 do CC, "Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade." Ex.: se permito que alguém dê uma volta em meu automóvel, e ele

desaparece com o veículo, responde por apropriação indébita. Na hipótese, tinha a detenção do objeto material.

• Para se saber quando o sujeito tinha a posse ou a detenção da coisa alheia móvel é preciso verificar se a hipótese se adapta às normas dos arts. 1198 e 1208 do CC, que tratam da detenção. Não havendo adequação típica, por exclusão, cuida-se de posse direta.

• A detenção pode ser: Vigiada. Desvigiada.• Só há apropriação indébita na detenção desvigiada. Sendo a

detenção vigiada, o fato passa a constituir furto. Ex.: O leitor, consultando um livro numa biblioteca pública, coloca-o sob o paletó e se retira. Trata-se de detenção vigiada. Responde por furto. Suponha-se que o livro lhe seja entregue para consulta em casa e ele o venda a terceiro. Nesta hipótese, pratica apropriação indébita.

• É necessário que a posse ou a detenção seja de origem lícita, i. e., que não tenha sido obtida com violência, erro, clandestinidade etc. Caso isso ocorra, responde o sujeito por outro delito.C) OBJETO MATERIAL

• O OBJETO MATERIAL é a coisa alheia móvel (tudo que pode ser movido, deslocado).

• Para existir apropriação indébita é necessário que a coisa móvel seja "alheia". Essa qualidade constitui elemento normativo do tipo. Tratando-se de coisa própria, o fato é atípico diante da descrição do art. 168 do CP. O fato, entretanto, pode ser cometido pelo sócio, co-herdeiro ou co-proprietário.

• É relevante a distinção entre coisas fungíveis e infungíveis para efeito da existência do delito de apropriação indébita.

• Nos termos do art. 85 do CC, são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.

• As coisas fungíveis dadas em depósito ou em empréstimo, com obrigação de restituição da mesma espécie, qualidade e quantidade, não podem ser objeto material de apropriação indébita, pois nesses casos, há transferência de domínio, de acordo com os arts. 645 e 586 do mesmo estatuto, que tratam, respectivamente, do depósito irregular e do mútuo.

• Mútuo - art. 586, CC: "o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O

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mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade".

• Art. 587, CC: "Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela, desde a tradição". Transfere-se não só a posse, mas também o domínio.

• Depósito - art. 645, CC: "O depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo disposto acerca do mútuo (arts. 586 a 592 do NCC)".

• Assim, no depósito de coisas fungíveis, existe transferência de domínio, portanto, não existe crime de apropriação indébita, uma vez que o tipo exige que a coisa seja alheia.

• Em princípio, os bens fungíveis não podem ser objeto de apropriação, salvo se foram recebidos para serem entregues a terceiros. Ex.: oficce-boy que leva o dinheiro para ser depositado e, no meio do caminho, retira uma parte; as administradoras de imóvel e os advogados que não repassam o dinheiro aos seus clientes.• Existem casos em que a negativa da restituição não constitui delito. Nestas hipóteses, não há delito em face de o sujeito agir no exercício regular de um direito. Ex.: arts. 644 e 681 do CC que regulam o direito de retenção. Ex.: art. 368, NCC que trata do direito de compensação. • Não existe apropriação indébita de uso. Assim, se alguém deixa um cavalo para o fim de ser tratado por terceiro, dando ele uma volta no animal não comete apropriação indébita, mas mero ilícito civil.

• A existência do crime não está condicionada à prévia prestação de contas e interpelação judicial. Excepcionalmente, conforme o caso concreto, são necessárias, como nas hipóteses de administração, compensação de créditos, prestação de contas, gestão de negócios etc.

• Obs.: Suponha-se que uma pessoa venda a coisa que o ladrão lhe deu para guardar. Se sabia que a coisa era furtada, responde pelo delito de receptação (CP, art. 180, caput, 2ª parte). Se não sabia, pratica apropriação indébita. Na última hipótese, sujeito passivo é o dono da coisa e não o ladrão.4. TIPO SUBJETIVO• É o dolo, a vontade livre e consciente de se apropriar definitivamente de

coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção. • O dolo deve ser contemporâneo com a conduta da apropriação. • Se o sujeito já recebe a coisa a título de posse ou detenção com finalidade

de apropriar-se dela, responde por estelionato (dolo ab initio).• É exigível, também, a demonstração do animus rem sibi habendi por

parte do agente, ou seja, a intenção de ter a coisa para si (ou para outrem) com ânimo de assenhoreamento definitivo.

• Não constitui infração penal a denominada apropriação indébita de uso, que ocorre quando o agente que detém o bem da vítima tem a intenção de restituí-lo. Ex.: mecânico que passeia com o carro do cliente, durante o fim de semana, dizendo a amigos que o bem lhe pertence, devolvendo-o no início da semana. Nesse caso, não houve por parte do agente a intenção de ter a coisa para si em caráter definitivo, e assim, não há o crime de apropriação indébita.

• Igualmente, não constitui apropriação indébita, a simples mora em restituir, ou a simples desídia no omitir, isto é, meras inadimplências contratuais. Não se podem confundir com o delito de apropriação indébita os casos em que cabe recurso ao juízo civil.5. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

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• A apropriação indébita é delito comum, simples, instantâneo, material e comissivo.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime instantâneo, o momento consumativo do crime de apropriação

indébita acontece com a efetiva apropriação, que ocorre quando o sujeito inverte o título da posse.

• O agente ostentava a posse em caráter provisório e agora passa a ostentá-la com animus domini a comportar-se como dono, praticando atos inequívocos de proprietário do objeto. Nesse exato momento o crime está consumado.

• Na APROPRIAÇÃO INDÉBITA PROPRIAMENTE DITA, o delito se consuma com o ato de disposição (consumo, alheação, ocultação, desvio).

Ex.: o sujeito vende o objeto material de que tinha a posse ou a detenção. • A tentativa é admissível.

• Ex.: o sujeito é surpreendido no ato de vender a coisa de que tinha a posse ou a detenção.

• Na NEGATIVA DE RESTITUIÇÃO (retenção), o crime atinge o momento consumativo quando o sujeito se recusa a devolver o objeto material.

• Nessa hipótese, é impossível tentativa de apropriação indébita, pois quando o sujeito se nega a devolver o objeto material o delito já está consumado. • Segundo a jurisprudência, há consumação quando, notificado o agente para devolver a coisa, ele desatende essa notificação. Em teoria a notificação não é exigida, mas na prática é necessária, porque permite que se identifique o animus rem sibi habendi. 7. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA• De acordo com o art. 168, §1º, do CP, a pena é aumentada de um

terço, quando o agente recebeu a coisa:a) Em depósito necessário:• Entende-se que o art. 168, parágrafo único, I, do CP, quando fala em

depósito necessário, abrange exclusivamente o depósito necessário miserável.

• O depósito pode ser voluntário ou necessário. De acordo com o art. 657 do CC, há depósito voluntário, "pelo contrato de depósito, recebe o depositário um objeto móvel para guardar, até que o depositante o reclame".

• Nos termos do art. 647 do mesmo estatuto, "é depósito necessário: I. O que se faz em desempenho de obrigação legal (art. 648); II. O que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio, ou o saque".

• Depósito necessário por equiparação: Ao depósito necessário "é equiparado o das bagagens dos viajantes, hóspedes, ou fregueses, nas hospedadas, estalagens ou casas de pensão, onde eles estiverem" (CC, art. 649).

• O depósito necessário legal, de acordo com o art. 648 do CC, "reger-se-á pela disposição da respectiva lei, e, no silêncio, ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário".

• Tratando-se de depósito necessário legal, duas hipóteses podem ocorrer: Se o sujeito ativo é funcionário público, responde por delito de peculato (CP, art. 312). Se o sujeito ativo é um particular, responde por apropriação indébita qualificada, nos termos do art. 168, parágrafo único, II, última figura

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(depositário judicial). Assim, não se aplica a disposição do nº I.• Tratando-se de depósito necessário por equiparação, não aplicamos a

qualificadora do "depósito necessário", mas sim a do n° III do parágrafo único (coisa recebida em razão de profissão).

• Assim, por exclusão, a hipótese do artigo 168, p. único, I, CP só se aplica ao depósito necessário miserável. b) Na qualidade de tutor (ar. 1741, CC), curador (art. 1767, CC),

síndico (revogado pela nova lei de falências), inventariante (art. 1991, CC), testamenteiro ou depositário judicial (ar. 148, CC).

• Trata-se de enumeração taxativa, que não pode ser interpretada extensivamente.

• Há maior reprovação por causa da quebra da especial relação de confiança (fidelidade).

• A figura do depositário judicial não se refere ao sujeito que desempenha função pública. Neste caso, responde por peculato.c) Em razão de ofício, emprego ou profissão• Há maior reprovação por causa da quebra da especial relação de confiança

(fidelidade). Ex. o administrador de imóveis ou advogado que se apropia de valores de seu cliente.8. FIGURA TÍPICA PRIVILEGIADA• De acordo com o art. 170 do CP, à apropriação indébita é aplicável o

disposto no art. 155, § 2º. • Se o acusado é primário e é de pequeno valor a coisa apropriada o juiz

deve substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa.

• Como ficou consignado no estudo do furto, não se trata de simples faculdade a aplicação do privilégio. Se presentes as circunstâncias legais, o juiz está obrigado a reduzir ou substituir a pena.9. PENA E AÇÃO PENAL• Nos termos do art. 168, caput, do CP, a pena é de reclusão, de um a

quatro anos, e multa. • Nas hipóteses do parágrafo único, a pena é aumentada de um terço.• A ação penal é pública incondicionada. • Excepcionalmente, porém, a ação penal é pública condicionada à

representação quando o delito é praticado em prejuízo de cônjuge judicialmente separado; de irmão, legítimo ou ilegítimo, ou de tio ou sobrinho, com quem o sujeito coabita (CP, art. 182, I a III).

• Cabe arrependimento posterior (art. 16, do CP).

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

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1. CONCEITONão levar a efeito o repasse das contribuições previamente recolhidas dos contribuintes aos cofres da Previdência Social.

2. BEM JURÍDICO TUTELADOTutela-se o patrimônio da seguridade social (Previdência).3. SUJEITOS DO CRIMEA) SUJEITO ATIVO É o substituto tributário, aquele que tem a obrigação legal de repassar à Previdência as contribuições recolhidas.Trata-se de crime próprio praticado pelo sócio administrador ou gerente ou diretor de agentes ligados à rede bancária ou qualquer outro estabelecimento autorizado a receber contribuições.B) SUJEITO PASSIVOÉ Estado (INSS - Instituto Nacional do Seguro Social).4. TIPO OBJETIVOA) NÚCLEO: “deixar de repassar” (conduta omissiva)B) OBJETO MATERIAL: contribuições sociais recolhidas dos contribuintes.C) ELEMENTO NORMATIVO: “no prazo e na forma legal ou convencional” (norma penal em branco).5. TIPO SUBJETIVOÉ o dolo de abster-se de repassar à Receita Previdenciária as contribuições recolhidas dos contribuintes.Não há necessidade de animus rem sibi habendi.Não há previsão de modalidade culposa (negligência, desorganização caracteriza mero ilícito tributário/administrativo.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVATrata-se de crime instantâneo, que se consuma no momento em que decorre o prazo e o responsável deixa de repassar a contribuição.Por ser crime omissivo próprio, não admite a tentativa. Para Bitencourt, cabe tentativa se o sujeito inverte o título da posse (dispõe do valor).7. PENA E AÇÃO PENALPena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)A ação penal e pública incondicionada.

FORMAS EQUIPARADAS

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

• O sujeito ativo é o contribuinte empresário que omite o recolhimento de contribuição ou importância descontada de pagamentos feitos a segurados (pessoa física: empregado, prestador de serviço), a terceiros (empresas ou cooperativas) ou ao público (de concursos prognósticos.

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II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

• Diz respeito a contribuições embutidas em despesas contábeis (desembolsos) ou pagamentos de produtos ou de mão de obra.

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

• A única hipótese aplicável é o salário-família (art. 68, da Lei 8213/91 e Lei 9876/99).

EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

É hipótese de arrependimento posterior com efeito de causa extintiva de punibilidade, desde que praticada a conduta antes do início da fiscalização.

Atenção para a lei 10684/2003, que prevê causa de extinção da punibilidade se houver pagamento, mesmo após o início da ação penal.

Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1 o e 2 o da Lei n o 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

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PERDÃO JUDICIAL

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

De acordo com o MEMO INSS/PG nº 36/98, o valor é de R$5000,00 (cinco mil reais).

Atenção para o artigo 20, da lei 10522/2002 (alterado pela lei 11.033/2004), que adota valor de R$10000,00:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)

APROPRIAÇÃO DE COISA HAVIDA POR ERRO, CASO FORTUITO OU FORÇA DA NATUREZA

Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre:

Apropriação de tesouro

I - quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em

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parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;

Apropriação de coisa achada

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.

Art. 170 - Nos crimes previstos neste Capítulo, aplica-se o disposto no art. 155, § 2º.

CAPÍTULO VIDO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES

ESTELIONATO

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

1. CONCEITO e BEM JURÍDICO TUTELADO• “Stellio” significa camaleão. Estelionato é a conduta dirigida a obtenção de vantagem indevida (para si ou para terceiro)em prejuízo alheio, sendo que a vítima é induzida ou mantida em erro pelo sujeito ativo, que, para tanto, se utiliza de fraude (artifício ou ardil).• É importante diferenciar a fraude civil (esperteza) da penal em que há maior gravidade do ilícito, pois gera maior e mais intensa perturbação social. • O bem jurídico tutelado é o patrimônio em geral (bens móveis, imóveis, direitos etc), bem como as relações sociais, que exigem confiança indispensável entre os membros da comunidade.

2. SUJEITOS DO DELITO (CRIME COMUM)• SUJEITO ATIVO – pode ser qualquer pessoa.• SUJEITO PASSIVO – é qualquer pessoa determinada (proprietário, possuidor ou qualquer prejudicado). • Se for um numero indeterminado de pessoas, pode caracterizar crime contra a economia popular ou contra as relações de consumo.

3. TIPO OBJETIVOA) NÚCLEO

• Obter significa alcançar, adquirir.

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B) OBJETO MATERIAL• Vantagem indevida (Bens móveis, imóveis, direitos etc) em prejuízo alheio.

C) MEIOS DE EXECUÇÃO• Induzir - fazer nascer o erro (conduta comissivo) ou • Manter – sabe que a vítima está em erro e a mantém nessa situação, aproveitando-se para obter a vantagem.• Em erro (falsa representação da realidade)• Artifício – produto de arte (aspecto material) – palavras, gestos, atos. Pode ser ostensivo ou tácito, explícito ou implícito.• Ardil – manha, sutileza, reticência maliciosa (aspecto intelectual) – dirige-se a psiqué, ao intelecto, ao sentimento ou à lógica.

4. TIPO SUBJETIVO• É o dolo (animus fraus), vontade livre e consciente de obter a vantagem ilícita em prejuízo de terceiro, que deve ser anterior à eventual posse da coisa.• Exige-se o especial fim agir de obter ilícita vantagem para si ou para outrem.• Não há modalidade culposa.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime material e instantâneo, consuma-se o estelionato com a obtenção da vantagem em prejuízo alheio (binômio).• Admite-se a tentativa, por se tratar de crime plurissubsistente. • O crime exige cooperação da vítima. Se iniciada a execução da prática da fraude, o agente consegue enganar a vítima, mas não chega a obter a vantagem indevida, há tentativa.• Se não chega sequer a enganar, há meros atos preparatórios.• Se a fraude é ridícula, inapta a enganar uma pessoa de prudência média, é crime impossível, por absoluta inadequação do meio.

6. PENA E AÇÃO PENAL• Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.• A ação e pública incondicionada, com a ressalva do artigo 182, CP.

ESTELIONATO PRIVILEGIADO

§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.

• O pequeno prejuízo deve ser aferido de acordo com a condição pessoal da vítima, conceito diverso de coisa de pequeno valor.

MODALIDADES ESPECIAIS

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria

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I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

Fraude na entrega de coisa

IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

DUPLICATA SIMULADA

Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

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(Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquêle que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. (Incluído pela Lei nº 5.474. de 1968)

1. CONCEITO e BEM JURÍDICO TUTELADO• ELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO: CONDUTA de Emitir – COLOCAR EM CIRCULAÇÃO FATURA, DUPLICATA OU NOTA DE VENDA FALTA DE CORRESPONDÊNCIA entre a fatura, duplicata ou nota de venda e a mercadoria vendida (QUALIDADE OU QUANTIDADE) ou o serviço prestado.

• A objetividade jurídica é o Patrimônio do sacado ou de quem efetue operação com o título.

• Indiretamente, tutelam-se as relações econômicas provenientes do comércio, pois visa garantir a autenticidade dos institutos comerciais.

2. SUJEITOS DO DELITO• SUJEITO ATIVO é o emissor da fatura, duplicata ou nota de venda. Diretor, gerente, administrador da pessoa jurídica. Na primeira figura é quem expede/aceita a duplicata fictícia/falsa.• SUJEITO PASSIVO é o recebedor, quem desconta ou aceita a duplicata como caução. É também o sacado de boa-fé, que corre o risco de ser protestado.

3. OBJETO MATERIAL• FATURA e NOTA DE VENDA (art. 1º, da lei 5474/68) – são sinônimos – trata-se do documento que o vendedor extrai para apresentar ao comprador. Pode disicriminar as mercadorias ou somente números e valores.• DUPLICATA (art. 1º, da lei 5474/68) – título de crédito causal e à ordem, que pode ser criado no momento da extração da fatura, para circulação por endosso com efeito comercial decorrente da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços.• Serve para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

4. TIPO SUBJETIVO• Somente o DOLO. Não há modalidade culposa.

5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime formal – consuma-se no momento em que a duplicata é colocada em circulação, quando apresentada para desconto, não se exigindo efetivo prejuízo a terceiro.• Para a maioria da doutrina, não se admite tentativa. Para Greco e Bitencourt há possibilidade de tentativa, que deve ser verificada caso a caso.• O preenchimento do título é ato preparatório.• No momento em que o título é remetido para a obtenção do aceite ou com seu endosso, o crime está consumado.

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6. PENA E AÇÃO PENAL

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

FIGURA EQUIPARADA

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. (Incluído pela Lei nº 5.474. de 1968)

• Trata-se de FALSIDADE IDEOLÓGICA, pois o sujeito lança no livro de registro dados inexatos (art. 19, da Lei 5474/68).

ABUSO DE INCAPAZES

Art. 173 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

1. CONCEITO• ELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO: CONDUTA de ABUSAR – APROVEITAR-SE, TIRAR PROVEITO, VANTAGEM. EM PROVEITO PRÓPRIO OU ALHEIO - para a maioria da doutrina, de qualquer natureza. Para Greco, somente econômico/patrimonial. DE NECESSIDADE, PAIXÃO OU INEXPERIÊNCIA DE MENOR OU DA ALIENAÇÃO OU DEBILIDADE MENTAL DE OUTREM INDUÇÃO DE PRÁTICA DE ATO SUSCETÍVEL DE CAUSAR EFEITO JURÍDICO – o incapaz é quem pratica o comportamento temerário. EM PREJUÍZO (sempre patrimonial) PRÓPRIO OU DE TERCEIRO • BEM JURÍDICO TUTELADO É o Patrimônio do incapaz ou de terceiro

2. OBJETO MATERIAL• É o Menor ou alienado/débil mental.

3. SUJEITO ATIVO• Crime comum, pode ser qualquer pessoa.

4. SUJEITO PASSIVO• É o Menor de 18 anos (p/ Greco, o emancipado não pode ser sujeito passivo) ou alienado/débil mental ou o terceiro que sofre prejuízo

5. TIPO SUBJETIVO• Somente o DOLO.

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• ESPECIAL FIM DE AGIR – em proveito próprio ou alheio.• Pode haver erro de tipo, se o agente se equivoca quanto á pessoa da vítima, mas, dependendo do meio empregado, pode desclassificar para estelionato (art. 171, caput, CP).• Não há modalidade culposa.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime formal – consuma-se no momento em que o incapaz pratica o ato suscetível de produzir efeito jurídico, não se exigindo efetivo prejuízo a ele ou a terceiro.• Se houver prejuízo, é exaurimento.• Admite-se tentativa, se o incapaz, após ser induzido a praticar o ato não consegue ou é impedido de fazê-lo.• O ato deve ser suscetível de produzir efeito jurídico.

7. PENA E AÇÃO PENAL

• Pena - detenção, de dois a seis anos, e multa.

INDUZIMENTO À ESPECULAÇÃO

Art. 174 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

1. CONCEITO• ELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO:

1) CONDUTA de ABUSAR – APROVEITAR-SE, TIRAR PROVEITO,VANTAGEM2) EM PROVEITO - para a maioria, de qualquer natureza. Para Greco, somente econômico/patrimonial.PRÓPRIO OU ALHEIO3) DA INEXPERIÊNCIA , SIMPLICIDADE OU INFERIORIDADE MENTAL DE OUTREM4) INDUÇÃO DE PRÁTICA DE JOGO (habilidade do jogador) /APOSTA (sorte – ex. corrida de cavalo) ou ESPECULAÇÃO COM TÍTULOS/MERCADORIAS (bolsa).5) CONHECIMENTO REAL OU POTENCIAL DE QUE A OPERAÇÃO É RUINOSA – manifestamente fadada ao insucesso. 2. BEM JURÍDICO TUTELADO

• É o Patrimônio.3. OBJETO MATERIAL

• É a pessoa inexperiente, simples ou com inferioridade mental.4. SUJEITO ATIVO

• Crime comum, pode ser qualquer pessoa.5. SUJEITO PASSIVO

• É a pessoa inexperiente, simples ou com inferioridade mental.6. TIPO SUBJETIVO

• É o DOLO. • ESPECIAL FIM DE AGIR – em proveito próprio ou alheio.• Não há modalidade culposa. Não há crime se a ação é

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imprudente, quando o sujeito, contra todos os prognósticos, acredita seriamente que é bom negócio.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime formal – consuma-se no momento em que a vítima, após ter sido induzido pelo autor, pratica o comportamento que pode levá-lo à ruína, não se exigindo efetivo prejuízo a ele ou a terceiro.• Se houver prejuízo, há exaurimento.• Admite-se tentativa, se o incapaz, após ser induzido a praticar o ato não consegue ou é impedido de fazê-lo.• A operação deve ser necessariamente ruinosa.

8. PENA E AÇÃO PENAL

• Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

FRAUDE NO COMÉRCIO

Art. 175 - Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:

I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

II - entregando uma mercadoria por outra:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

§ 1º - Alterar em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de ou outra qualidade:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

§ 2º - É aplicável o disposto no art. 155, § 2º.

1. CONCEITO• ELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO:

1) CONDUTA de enganar2) no exercício de atividade comercial.3) o adquirente ou consumidor4) vendendo mercadoria falsificada (como verdadeira) ou deteriorada (como perfeita).5) entregando uma mercadoria por outra.

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• Controvérsia acerca da revogação do inciso I:

1ª corrente (Greco, Regis Prado): foi tacitamente revogado pelo inciso IX, do art. 7º, da lei 8137/90 e pelo art. 18, § 6º, do CDC.

Art. 7º, da lei 8137/90: IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo; Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Art. 18, § 6º, do CDC: § 6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

2ª Corrente (Bitencourt): Não houve revogação, pois a nova lei não regulou inteiramente a matéria.

2. BEM JURÍDICO TUTELADO • É o Patrimônio. Subsidiariamente, a moralidade (honestidade/boa-fé) das relações comerciais.

3. OBJETO MATERIAL• É a mercadoria.

4. SUJEITO ATIVO• 1ª Corrente (Hungria/Greco): Crime próprio, somente o comerciante/comerciário pode praticá-lo, no exercício profissional do comércio.• 2ª Corrente (Noronha): Crime comum, pode ser qualquer pessoa. Atividade comercial é ato de comércio.

5. SUJEITO PASSIVO• É o adquirente/consumidor. Qualquer pessoa.

6. TIPO SUBJETIVO• Somente o DOLO. • Não há modalidade culposa. Não há crime se a ação é imprudente/desatenta, quando o sujeito, entrega mercadoria errada ou que vende aquela que pensa ser verdadeira.• Atenção: na lei 8137/90, há previsão de modalidade culposa:

Art. 7º. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte.7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

• Crime material – consuma-se no momento em que a vítima, após ser enganada pelo autor, compra ou recebe a mercadoria.• Consuma-se com a efetiva venda ou entrega da mercadoria, que

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precisa estar já em poder da vítima.• Admite-se tentativa, se após a conduta fraudulenta, a venda ou a entrega não se realizam.

8. PENA E AÇÃO PENAL

• Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

§ 1º - FIGURA QUALIFICADA

1. CONDUTAS

• ALTERAR em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal;

• ou SUBSTITUIR, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor;

• VENDER pedra falsa por verdadeira;

• VENDER, como precioso, metal de ou outra qualidade:

2. PENA

• Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

FIGURA PRIVILEGIADA § 2º - É aplicável o disposto no art. 155, § 2º.

• Aplica-se o benefício às figura simples e à qualificada.

OUTRAS FRAUDES

Art. 176 - Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação, e o juiz

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pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

1. CONCEITO – pune-se a conduta de contrair obrigação sem dispor de recursos necessários para satisfazê-la.

• Tomar refeição em restaurante (no estabelecimento)• Alojar-se em hotel• Utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento.

2. BEM JURÍDICO TUTELADO • É o Patrimônio.

3. OBJETO MATERIAL• É a refeição na primeira hipótese. Nas demais não há objeto material.

4. SUJEITO ATIVO• Crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa capaz assumir tal obrigação.

5. SUJEITO PASSIVO• É qualquer pessoa. Quem foi enganado e quem suporta o prejuízo (ex.: garçom e dono do restaurante).

6. TIPO SUBJETIVO• Somente o DOLO direto ou eventual. • A fraude está em silenciar quanto à impossibilidade de honrar a obrigação: “sem dispor de recursos para efetuar o pagamento”. O sujeito se apresenta como se tivesse o recurso.• Não há modalidade culposa. • Não há crime se o sujeito pensa ter recursos, mas se encontra sem dinheiro/carteira.

7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime material – consuma-se no momento em que a vítima não recebe o pagamento, após o autor ter praticado uma das 3 condutas descritas.• Admite-se tentativa, se após o início da conduta fraudulenta, o sujeito não consegue fazer a refeição, alojar-se ou usar o transporte. Ex.: ao entrar no quarto, o sujeito é descoberto por aviso de 3º e o plano de burla é frustrado.

8.PENA E AÇÃO PENAL

• Pena - detenção, de 15 dias a 2 meses, ou multa.

• Parágrafo único - Somente se procede mediante representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

• Permite-se a aplicação do perdão judicial.

FRAUDES E ABUSOS NA FUNDAÇÃO OU ADMINISTRAÇÃO DE SOCIEDADE POR AÇÕES

Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em

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prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.

§ 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular: (Vide Lei nº 1.521, de 1951)

I - o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo;

II - o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;

III - o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral;

IV - o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;

V - o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade;

VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;

VII - o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;

VIII - o liquidante, nos casos dos ns. I, II, III, IV, V e VII;

IX - o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos ns. I e II, ou dá falsa informação ao Governo.

§ 2º - Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o

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acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia geral.

EMISSÃO IRREGULAR DE CONHECIMENTO DE DEPÓSITO OU "WARRANT"

Art. 178 - Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

1. CONCEITOELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO: 1) CONDUTA de Emitir – COLOCAR EM CIRCULAÇÃO.2) OBJETO MATERIAL

• CONHECIMENTO DE DEPÓSITO – é o titulo de propriedade da mercadoria. Atribui ao portador a disponibilidade da coisa, dentro do limite do endosso do Warrant. • WARRANT – é o título pignoratício. Atribui ao portador o direito real de penhor da mercadoria nele especificada até o limite do crédito mencionado no primeiro endosso, garantindo o pagamento da importância.• São títulos causais (decorrem da operação de depósito) e à ordem (circulam por endosso).• O adquirente dos títulos torna-se proprietário das mercadorias nele representadas. A reunião dos dois títulos dá ao titular as qualidades de proprietário e credor.• ARMAZÉNS-GERAIS – empresas que têm a finalidade de guardar e conservar mercadorias e produtos depositados e emitir títulos que as representem, os quais são negociáveis ou endossáveis.• CONTRATO DE DEPÓSITO – relação contratual firmada entre quem entrega as mercadorias e o armazém-geral.

3) EM DESACORDO COM A DISPOSIÇÃO LEGAL – NORMA PENAL EM BRANCO (DEC 1102/1903):

• Art. 1º A empresa não é legalmente constituída;• Art. 2º Não houver autorização do governo federal para emitir;• Art 15 Falta de formalidade.• As mercadorias não existem. • É emitido mais de um título para a mesma mercadoria.

2. BEM JURÍDICO TUTELADO • É o Patrimônio representado pelo título de crédito.

3. SUJEITO ATIVO• É o emissor d conhecimento de depósito e warrant.• Diretor, gerente, administrador do armazém-geral.

4. SUJEITO PASSIVO• É o portador ou endossatário, que normalmente sofrerá o prejuízo.

5. TIPO SUBJETIVO• Somente o DOLO. Não há modalidade culposa.

6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

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• Crime formal – consuma-se no momento em que título é colocado em circulação.• Para a maioria da doutrina, não se admite tentativa. • O prejuízo é mero exaurimento.

7. PENA E AÇÃO PENAL

Reclusão de 1 a 4 anos e multa.

FRAUDE À EXECUÇÃO

Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.

CAPÍTULO VIIRECEPTAÇÃO

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)1. CONCEITOa) RECEPTAÇÃO PRÓPRIA• Adquirir – Obter a propriedade da coisa, de forma onerosa ou gratuita. Ex.: compra, doação, sucessão causa mortis, compensação de dívidas, apoderamento. • Receber – ter a posse ou detenção da coisa, a fim de utilizá-la. • Transportar – remover, deslocar a coisa de um lugar para outro. • Conduzir - guiar, dirigir (aplica-se a veículo)• Ocultar – esconder a coisa, subtraí-la das vistas de outrem, apresentá-la de forma irreconhecível. Pressupõe aquisição ou recebimento.b) RECEPTAÇÃO IMPRÓPRIA • Innfluir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte• O agente influencia um terceiro de boa-fé (cuja conduta é atípica) a adquirir, receber ou ocultar a coisa.2. OBJETO MATERIAL• Coisa móvel que o agente sabe que produto de crime. Exige-se a pratica de crime anterior.• Exclui-se a coisa oriunda de contravenção penal.3. BEM JURÍDICO TUTELADO – patrimônio.4. SUJEITO ATIVO e SUJEITO PASSIVO • Qualquer pessoa (crime comum).• Não pode ser sujeito ativo aquele que praticou do crime anterior e posteriormente adquiriu a coisa dos outros agentes.

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5. TIPO SUBJETIVO • É o dolo direto: “sabe ser produto de crime”.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Receptação própria é Crime material – consuma-se com prática das condutas descritas recaindo sobre a coisa que se sabe ser produto de crime.• Para a maioria da doutrina, a receptação imprópria é crime formal, não se exigindo que o terceiro de boa-fé adote o comportamento desejado pelo sujeito ativo. Consuma-se com a simples influência deste.7. PENA E AÇÃO PENAL Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)8. OBSERVAÇÕESa) Receptação em cadeia – é cabível a receptação da receptação, uma vez que o receptador sabe que a coisa é produto de crime anterior.b) Prova absoluta do crime anterior – a receptação é crime acessório, que depende de um crime anterior, portanto, na dúvida acerca da existência deste, absolve-se o agente da imputação de receptação.

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) § 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)1. CONCEITO• Além das cinco condutas descritas no caput, pune-se o comerciante ou industrial que praticar as condutas de: Ter em depósito – armazenar, guardar, manter, conservar (crime permanente). Desmontar – separar as peças existentes, desencaixar. Montar – juntar as peças que se encontravam separadas do todo, de modo a permitir o funcionamento da coisa. Remontar – montar novamente, consertando-o, reparando-o. Vender – transferir o domínio a outrem mediante pagamento. Expor à venda – exibir, mostrar com a finalidade de transferi-la a terceiro. Utilizar, de qualquer forma, em proveito próprio ou alheio – usar, empregar, fazer uso, valer-se.2. OBJETO MATERIAL• Coisa móvel que o agente DEVE SABER que é produto de crime. Exige-se a pratica de crime anterior.• Exclui-se a coisa oriunda de contravenção penal.3. BEM JURÍDICO TUTELADO – patrimônio4. SUJEITO ATIVO • É o comerciante ou industrial (crime próprio) “no exercício de atividade comercial ou industrial”. • Cláusula de equiparação (§2º)§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)5. SUJEITO PASSIVO – qualquer pessoa física ou jurídica.

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6. TIPO SUBJETIVO – dolo eventual “deve saber que é produto de crime” – ver controvérsia acerca da violação do princípio da proporcionalidade das penas (Informativo 500, STF).7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA• Crime material – consuma-se com prática das condutas descritas recaindo sobre a coisa que deve saber ser produto de crime.8. PENA E AÇÃO PENAL• Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

INFORMATIVO Nº 500/STFHC 92525 MC/RJ* RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. CRIME DE RECEPTAÇÃO. COMINAÇÃO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECEPTAÇÃO SIMPLES (DOLO DIRETO) E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (DOLO INDIRETO EVENTUAL). COMINAÇÃO DE PENA MAIS LEVE PARA O CRIME MAIS GRAVE (CP, ART. 180, “CAPUT”) E DE PENA MAIS SEVERA PARA O CRIME MENOS GRAVE (CP, ART. 180, § 1º). TRANSGRESSÃO, PELO LEGISLADOR, DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO “IN ABSTRACTO” DA PENA. LIMITAÇÕES MATERIAIS QUE SE IMPÕEM À OBSERVÂNCIA DO ESTADO, QUANDO DA ELABORAÇÃO DAS LEIS. A POSIÇÃO DE ALBERTO SILVA FRANCO, DAMÁSIO E. JESUS E DE CELSO, ROBERTO, ROBERTO JÚNIOR E FÁBIO DELMANTO. A PROPORCIONALIDADE COMO POSTULADO BÁSICO DE CONTENÇÃO DOS EXCESSOS DO PODER PÚBLICO. O “DUE PROCESS OF LAW” EM SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA (CF, ART. 5º, INCISO LIV). DOUTRINA. PRECEDENTES. A QUESTÃO DAS ANTINOMIAS (APARENTES E REAIS). CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO. INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE. EXCEPCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO, SEMPRE QUE POSSÍVEL, PELO PODER JUDICIÁRIO, DA INTERPRETAÇÃO CORRETIVA, AINDA QUE DESTA RESULTE PEQUENA MODIFICAÇÃO NO TEXTO DA LEI. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. (...) Haverá, no mínimo, cinco orientações: 1ª) se o comerciante ou industrial, presentes as elementares do tipo, ‘sabia’ que o objeto material era produto de crime, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180), levando-se em conta que o § 1° só prevê o ‘devia saber’. Se ‘sabia’, o fato é atípico diante do § 1°, que exige o elemento subjetivo do tipo ‘deve saber’ (princípio da legalidade ou da reserva legal). Se não sabia, embora devendo saber, aplica-se o § 1°; 2ª) o fato é absolutamente atípico, uma vez que o crime próprio de receptação de comerciante ou industrial encontra-se descrito no § 1°, que não prevê o elemento subjetivo do tipo ‘sabe’. Assim, o fato não se enquadra no ‘caput’ nem no § 1°; 3ª) o fato adapta-se ao § 1°, que abrange o ‘sabe’ (dolo direto para a doutrina) e o ‘deve saber’ (dolo indireto eventual): se a lei pune o fato menos grave com o mínimo de 3 anos de reclusão (‘deve saber’), não seria crível que o de maior gravidade (‘sabe’) fosse atípico ou punido com pena menor (1 ano de reclusão). O ‘deve saber’ não pode ser entendido como indicativo somente de dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando que a origem criminosa do objeto material ingressou na esfera de consciência do receptador, abrangendo o conhecimento pleno (‘sabe’) e o parcial (dúvida, desconfiança); 4ª) o tipo do § 1° deve ser totalmente desconsiderado porque ofende o princípio constitucional da proporcionalidade: se aplicado, ‘sabendo’ o comerciante ou industrial que a coisa se origina de crime (delito mais grave), a pena é de 1 a 4 anos de reclusão (‘caput’ do art. 180); ‘devendo saber’ (infração de menor gravidade), de 3 a 8 anos (§ 1°). Assim, consciente da origem delituosa do objeto material, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180); se ‘devia saber’, aplica-se a forma culposa (§ 3°), conforme pacífica jurisprudência anterior à lei; 5ª) concorda com a posição anterior, desconsiderando, contudo,

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somente o preceito secundário do § 1° do art. 180, permanecendo a definição do crime próprio do comerciante (preceito primário). Se ‘sabia’, aplica-se o ‘caput’; se ‘devia saber’, amolda-se o fato ao § 1°, com a pena do ‘caput’, cortando-se o excesso. A diferenciação pessoal e subjetiva é considerada pelo juiz na fixação da pena concreta. A primeira orientação não pode ser aceita. Se o comerciante ‘sabia’, a pena é de 1 a 4 anos de reclusão; se ‘devia saber’, de 3 a 8 anos. O fato menos grave é apenado mais severamente. A segunda posição carece de fundamento. A afirmação de que a conduta, consciente o comerciante ou industrial da origem ilícita do objeto material, é absolutamente atípica despreza o processo de atipicidade relativa: é atípica em face do § 1° (delito próprio), porém a incriminação subsiste diante da redação prevista no ‘caput’ (crime comum). A ausência da elementar desloca a adequação típica para outra figura. O terceiro posicionamento desrespeita o princípio da tipicidade, uma vez que não distingue o sabe do deve saber. O ‘deve saber’, para essa orientação, inclui o ‘sabe’, o que é de todo improcedente, uma vez que constitui tradição de nossa doutrina, como vimos, ligar o ‘deve saber’ ao dolo eventual ou à culpa, categorias psicológico-normativas de censurabilidade menor. A quarta orientação somente peca porque desconsidera totalmente o § 1°. Preferimos a quinta orientação, para nós a menos pior, tendo em vista que a lei nova veio para confundir, não para esclarecer: o preceito secundário do § 1° deve ser desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização legal da pena. Realmente, nos termos das novas redações, literalmente interpretadas, se o comerciante devia saber da proveniência ilícita do objeto material, a pena é de reclusão, de 3 a 8 anos (§ 1°); se sabia, só pode subsistir o ‘caput’, com reclusão de 1 a 4 anos. A imposição de pena maior ao fato de menor gravidade é inconstitucional, desrespeitando os princípios da harmonia e da proporcionalidade. ...................................................... A elaboração da norma penal incriminadora não pode subtrair-se à obediência aos preceitos constitucionais. Cumpria, pois, à Lei n° 9.426/96, ter como parâmetro o princípio da proporcionalidade entre o fato cometido e a gravidade da resposta penal, pois é nesse momento, o da individualização legislativa da pena (CF, art. 5°, XLVI), que a proporcionalidade apresenta fundamentalmente a sua eficácia (...). ....................................................... Se a pena, abstrata ou concreta, de quem ‘sabe’ é mais censurável do que a do sujeito que ‘devia saber’, sendo comum no sistema da legislação penal brasileira descrever as duas situações subjetivas no mesmo tipo, não podia a Lei n° 9.426/96, ferindo o princípio da proporcionalidade, inserir o ‘devia saber’, de menor censurabilidade, em figura autônoma (§ 1º), com pena de 3 a 8 anos de reclusão, subsistindo o ‘sabia’, de menor reprovabilidade, no ‘caput’, com pena de 1 a 4 anos. A proporcionalidade, que indica equilíbrio, foi ferida. (...).” (grifei) Vê-se, das lições ora expostas, que o legislador brasileiro - ao cominar pena mais leve a um delito mais grave (CP, art. 180, “caput”) e ao punir, com maior severidade, um crime revestido de menor gravidade (CP, art. 180, § 1º) - atuou de modo absolutamente incongruente, com evidente transgressão ao postulado da proporcionalidade.

INFORMATIVO 546/STF2ª TURMA. Receptação Qualificada e Princípio da Proporcionalidade

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O art. 180, § 1º, do CP não ofende os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (“§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.”). Com fundamento nessa orientação, a Turma indeferiu habeas corpus no qual condenados por receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º) — por efetuarem desmanche de veículos roubados —, alegando violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, argüiam a inconstitucionalidade do mencionado dispositivo, na medida em que prevista pena mais severa para o agente que “deve saber” da origem ilícita do produto, em relação àquele que “sabe” de tal origem, conforme disposto no caput desse mesmo artigo (“Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”). De início, aduziu-se que a conduta descrita no § 1º do art. 180 do CP é mais gravosa do que aquela do caput, porquanto voltada para a prática delituosa pelo comerciante ou industrial, que, em virtude da própria atividade profissional, possui maior facilidade para agir como receptador de mercadoria ilícita. Em seguida, asseverou-se que, apesar da falta de técnica na redação do aludido preceito, a modalidade qualificada do § 1º abrangeria tanto o dolo direto quanto o eventual, ou seja, abarcaria a conduta de quem “sabe” e de quem “deve saber” ser a coisa produto de crime. Assim, se o tipo pune a forma mais leve de dolo (eventual), a conclusão lógica seria de que, com maior razão, também o faria em relação à forma mais grave (dolo direto), mesmo que não o tenha dito expressamente, pois o menor se insere no maior. HC 97344/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 12.5.2009. (HC-97344)

RECEPTAÇÃO CULPOSA § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996) Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)1. CONCEITO• Exceção aos tipos culposos, que em regra são abertos, o §3º do artigo 180, é um tipo fechado, descrevendo de forma pormenorizada a conduta do agente.• Adquirir ou receber – ver comentários acima.2. OBJETO MATERIAL• É a coisa móvel que deve presumir-se obtida por meio criminoso: por sua natureza – características peculiares (ex.: peças, acessórios de carro etc) pela desproporção entre o valor e o preço – há indício da origem criminosa. pela condição de quem a oferece – condição, aparência, idade, conduta social. 3. TIPO SUBJETIVO • Culpa: “Deve presumir-se obtida por meio criminoso” – imprudência do receptador – inobservância do dever de cuidado. 4. SUJEITO ATIVO e SUJEITO PASSIVO – qualquer pessoa

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5. CONSUMAÇÃO • Consuma-se com a aquisição ou o recebimento da coisa que presumidamente seja produto de crime. • Não se admite TENTATIVA. 6. PENA E AÇÃO PENAL• Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

AUTONOMIA DA RECEPTAÇÃO § 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 5º - PERDÃO JUDICIAL E PRIVILÉGIONa hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

AUMENTO DE PENA ou FORMA QUALIFICADA § 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)• Só se aplica à figura do caput, não alcançando a figura qualificada.

CAPÍTULO VIIIDISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 181 - É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.• As ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS são IMUNIDADES PENAIS ABSOLUTAS previstas na lei penal (também chamadas de condições negativas de punibilidade ou causas pessoais de exclusão da pena), obstando a aplicação da sanção penal. • Não há exclusão do crime, mas por razão de política criminal, levando-se em conta motivos de ordem utilitária e baseando-se na circunstância de existirem laços familiares ou afetivos entre os envolvidos, não se pune o fato típico, antijurídico e culpável. • As escusas absolutórias têm caráter pessoal, ou seja, são incomunicáveis a terceiros estranhos aos laços de família ou afetivos. • Impedem, inclusive, a instauração de inquérito policial. Todavia, se houver crime conexo que atinja outro bem jurídico (ex.: falso), não incidirá sobre este a escusa absolutória.• HIPÓTESES LEGAIS:

• I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;

Marco inicial: declaração formal de casamento (art.1514, CC).

Marco Final: dissolução do casamento (art. 1571):

Morte de um dos cônjuges;

Nulidade ou anulação do casamento;

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Separação judicial;

Divórcio.

Não há necessidade de coabitação no momento do crime (o casal poderia estar separado de fato, mas a sociedade conjugal ainda não estava dissolvida).

A doutrina majoritária admite analogia in bonam partem para alcançar a união estável, uma vez que a CR/1988 a reconhece como entidade familiar, assim como o faz o Código Civil (art. 1723).

A dificuldade é no sentido de demonstrar que havia a união no momento do crime.

• II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Não há mais tratamento discriminatório quanto à filiação, de acordo com a CR/1988 (art. 227, §6º).

IMUNIDADES RELATIVAS Art. 182 - Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:• Não afasta a punibilidade, mas condiciona a instauração do inquérito e a ação penal à representação do ofendido, no prazo decadencial de 6 meses.

I - do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;• Por “desquitado” entenda-se separado judicialmente. Essa separação tem por finalidade a dissolução da sociedade conjugal (não é mera separação de corpos – art. 1562, CC).

• Marco Inicial – trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial.

II - de irmão, legítimo ou ilegítimo;• Não há mais tratamento discriminatório quanto à condição de irmão, de acordo com a CR/1988.

III - de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. É necessário comprovar a relação de parentesco colateral e a coabitação ao tempo do crime, mesmo que este não ocorra nas dependências da residência comum.

RESSALVAS ÀS IMUNIDADESArt. 183 - Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores: I - se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;• Crimes cometidos com violência à pessoa ou grave ameaça (pluriofensivos), em que aumenta a reprovação a conduta, afastando imunidade.

II - ao estranho que participa do crime.• Trata-se de condição de caráter pessoal, que não pode alcançar o estranho, que não faz parte da relação familiar albergada.

• A imunidade não impede que o estranho responda pela circunstância do concurso de pessoas. Ex.: furto qualificado pelo concurso.

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)

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• Se a vítima tiver 60 anos ou mais, em razão de sua maior vulnerabilidade, afastam-se todas as imunidades, absolutas e relativas.

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