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Almanaque Brasil – Ilustres animais

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Almanaque Brasil – Edição 163

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Adoniran Barbosa não escondia de nin-guém que um de seus melhores amigos era Peteleco. Não se tratava de nenhum compa-nheiro de rodas de samba, mas do cachor-rinho xodó do compositor. Peteleco era tão sabido que buscava pães na padaria e costu-mava entrar no mar de Santos junto com o dono, deitado sobre seu peito.

A devoção pelo bichinho era tanta que Adoniran resolveu torná-lo também compositor. Seja para criar ao lado de artistas de outras associações de direi-tos autorais, seja para não colocar seu nome ao lado de desafetos, há pelo me-nos seis sambas de Adoniran assinados por Peteleco.

Rinoceronte vereador, cachorro compositor, rato jornalista, pombo subversivo. A fauna brasileira é rica em animais que se tornaram celebridades nacionais.

Texto: Bruno Hoffmann Arte: Rodrigo Terra Vargas

Peteleco buscava pães e compunha sambas

bicharada está ao nosso lado desde o início da aventu-ra humana. Quando começou a dominar as armas,

o homem passou a domesticar os bichos. Desde então, a união nunca mais se desfez. Tornou-se fundamental para a evolução da espécie. “A conexão animal percorre a história e se conecta a outros grandes saltos evolutivos, incluindo a criação de ferramenta, a linguagem e a domesticação”, explica a paleontóloga Pat Shipman, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.

Aos poucos, a relação deixou de ser apenas de depen-dência para tornar-se também amorosa. Um exemplo? Em Israel, foi encontrado um fóssil de uma criança abraçada a um cachorro. Os ossos estavam naquela posição havia pelo menos 10 mil anos. Outro que tinha veneração pelos bichos era Francisco de Assis, que, no século 13, ensinava:

“Todas as coisas da criação são filhos do Pai e irmãs do ho-mem. Deus quer que ajudemos aos animais. Toda criatura em desgraça tem o mesmo direito a ser protegida”.

O filósofo grego Demócrito, que viveu em 460 antes de Cris-to, defendia: “O animal é tão ou mais sabido do que o homem. Conhece a medida da sua necessidade, enquanto o homem a ignora”. Já o comediante norte-americano Bill Maher resumiu como poucos o prazer de ter um cão: “A razão de eu amar tanto o meu cachorro é porque quando chego em casa ele é o único no mundo que me trata como se eu fosse os Beatles”.

Às vezes, porém, os animais deixam a posição de meros coadjuvantes para desempenhar o papel de protagonistas. Muitos foram alçados ao estrelato no mundo todo. E, claro, no Brasil. São as histórias desses brasileiros peludos (ou de penas) que desfilam a seguir.

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É O BICHO

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Texto: Bruno Hoffmann Arte: Rodrigo Terra Vargas

Durante a ditadura militar (1964-1985), qualquer cidadão corria o risco de ser considerado subversivo. Nem os pombos escapavam. Em Cabo Frio, um pombo-correio foi apreendido pelo de-legado, que enviou uma mensagem às autoridades superiores: “Solicito ins-truções para pombo-correio encontra-do e preso em Cabo Frio. Suspeitamos que seja um mensageiro da subversão”.

A resposta da Secretaria da Segurança Pública chegou meia hora depois: “Pom-bo-correio deve permanecer em Cabo Frio, sob custódia do delegado local, até segunda ordem. Aguardar investiga-ções do Departamento de Polícia Polí-tica e Social”.

Um jornalista não aguentou e, apesar dos riscos, ironizou o fato. “O bichinho perdeu o rumo devido ao mau tempo, quando participava de uma revoada, e é absolutamente inocente, não registran-do quaisquer antecedentes políticos.”

Em meados da década de 1950, Jorge Amado e Zélia Gattai receberam de presente um passarinho sofrê, amarelo e preto, de um amigo argentino. O pássaro tinha o hábito de pousar sobre a mão de Amado quando ele se punha a escrever. Certa vez, João Gilberto decidiu mostrar uma música nova ao casal. Tocou durante horas a mesma canção. De repente, percebeu uma melodia muito pare-cida com a sua vinda de algum lugar da casa. Era o sofrê, que havia aprendido a música insistentemente tocada pelo artista baiano.

João Gilberto tocou tanto que passarinho aprendeu a canção

Na ditadura, até pombo-correio era subversivo

O papa João Paulo 2º visitou pela primeira vez o Brasil em 1980. Ao pisar em Brasília, o funcionário público Damião Galdino da Silva quis porque quis presentear o sumo pontí-fice com um regalo inusitado: um jumento chamado Jericar. Como era de se esperar, as autoridades do Vaticano não permitiram que o burro fosse entregue. Em protesto, Damião acorrentou-se a uma torre de tevê

e fez greve de fome. O animal tornou-se famoso e participou de algumas manifesta-ções da época. Subiu até a rampa do Palácio do Planalto durante as Diretas-Já. Quando Jericar morreu, em 1985, Damião cremou o animal e enviou as cinzas ao Vaticano. “Consegui, finalmente, dar o presente que sempre sonhei ao papa”, disse o funcionário público, aliviado.

O primeiro caso notório de voto de protes-to no Brasil não teve nenhum ser humano como protagonista. Nas eleições de 1959 em São Paulo, o nome mais votado para vereador foi o de Cacareco. Tratava-se de um rinoceronte que havia sido emprestado pelo zoológico do Rio para o de São Paulo e que caíra na simpatia dos paulistanos. O bicho levou 100 mil votos. O caso ganhou até as páginas da revista Time, que desta-cou a frase de um eleitor: “É melhor eleger um rinoceronte do que um asno”.

Situação semelhante aconteceu nas elei-ções municipais do Rio em 1988. A revista Casseta Popular fez campanha pelo voto nulo, lançando a candidatura do Macaco Tião, um chimpanzé mal-humorado do zoo do Rio que chegou a cuspir no prefei-to Marcelo Allencar. A campanha pegou e Tião recebeu 400 mil votos, o que lhe deixaria em terceiro lugar caso sua can-didatura fosse válida. Quando morreu, em 1996, a cidade decretou luto oficial por oito dias.

Rinoceronte e macaco brilharam nas urnas

Um jumento para o papa

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Ivan Lessa, Sig e Otar eram o mesmo ratinhoUma das figuras mais folclóricas dos tem-pos áureos de Ipanema era Hugo Bidet, artista plástico e, acima de tudo, um dos maiores beberrões do bairro carioca. Ele vivia com um ratinho branco no bolso, que o acompanhava nos bares e comia pão em-bebido em genebra. Era carinhosamente chamado de Ivan Lessa.

Em meados da década de 1960, Jaguar e o verdadeiro Ivan Lessa criaram a tirinha Chopnics. O herói da história era um tal de

Capitão Ipanema, inspirado em Hugo Bidet. Seu companheiro inseparável era o ratinho Otar. Otar – “rato” ao contrário – foi o em-brião para essa turma criar pouco tempo depois Sig, o rato-símbolo do Pasquim.

O fim de Ivan Lessa, o roedor, não foi dos mais nobres. “Era um rato muito simpático. Quando íamos para a casa do Hugo, ficava andando na beira da janela, para lá e para cá. Um dia, de porre, caiu. Morreu que nem o Chet Baker”, contou Jaguar.

BiduO cachorrinho azul é o primeiro perso-nagem publicado por Mauricio de Sousa, em 1959. O cartunista inspirou-se num schnauzer que tinha na infância chama-do Cuíca. Bidu é símbolo da Mauricio de Sousa Produções.

A TRAÇO

Níquel NáuseaParódia de Mickey Mouse, o rato vive nos esgotos ao lado da baratinha Fliti, vicia-da em inseticidas. O cartunista Fernando Gonsales, formado em biologia e veteriná-ria, defende suas criações, consideradas por muitos asquerosas: “Os bichos escrotos são o máximo, vivem no mundo dos humanos sem pedir licença. Já viu um movimento pela preservação das baratas?”.

Bode orelaNaEm certa ocasião, o compositor Elomar disse a Henfil que tivera um bode de esti-mação que costumava comer livros. “Então era um bode intelectual!”, exclamou o car-tunista. No dia seguinte, estavam prontos os primeiros esboços do Bode Orelana, cujo nome faz referência a Francisco de Orellana, o navegador espanhol que des-bravou o rio Amazonas.

Zé CarioCaMovido pela política da Boa Vizinhança, adotada pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, Walt Disney criou Zé Carioca para flertar com o Brasil. O papagaio malandro e indolente surgiu pela primeira vez no filme Alô, Amigos, de 1942, que reunia histórias ambientadas na América do Sul. Quando decidiu filmar Vidas Secas, ba-

seado na obra de Graciliano Ramos, o ci-neasta Nelson Pereira dos Santos preci-sou se virar para achar uma cadela para fazer o papel de Baleia, o cão de estima-ção dos protagonistas da trama. Só foi encontrar a atriz ideal embaixo de uma barraca de feira em Palmeira dos Índios, onde o longa-metragem foi rodado.

Depois de uma apresentação do filme no festival de Cannes, uma condessa ita-liana acusou o cineasta de matar a cade-la de verdade na cena da morte de Baleia. De pouco adiantou dizer que a cadela es-tava viva, que a vira-lata era apenas uma ótima atriz. A polêmica foi tanta que uma companhia aérea francesa ofereceu uma passagem para que a cadela viajasse do Rio de Janeiro – onde vivia na casa do diretor de fotografia do filme, Luís Carlos Barreto – para Cannes. Como resultado, o animal tornou-se sensação na cidade francesa. “Baleia foi a grande vedete do festival”, lembra Barreto.

Baleia foi a estrela brasileira em Cannes

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Lobo também recebia cartasEm 1962, estreou na TV Tupi a série Vigilante Rodoviário, um dos maiores sucessos da emissora. O inspetor Carlos, vivido por Carlos Miranda, era a estrela do seriado. Mas outro personagem chamava a atenção dos telespectadores: Lobo, um pastor-alemão que, assim como seu companheiro de trama, vivia recebendo cartas de fãs. Para interpretar Lobo, foram usados cinco cães da Polícia Militar de São Paulo. O primeiro deles, morto em 1971, ainda está na memória de Miranda. “A verdade é que nenhum cachorro foi tão esperto quanto ele. Lobo é insubstituível.”

Baleia foi a estrela brasileira em Cannes

O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, conta a história de Zé do Burro, humilde roceiro do interior da Bahia. O personagem não carrega o apelido à toa. Seu melhor amigo é o burro Nicolau. Só que o animal é atingido por um raio e fica entre a vida e a morte. Desesperado, Zé promete a uma mãe de santo que carregará uma pesada cruz de madeira até a igreja de Santa Bárbara, em Salvador, caso o bicho se recupere. A cura do burro dá início a uma das mais conheci-das tramas do teatro nacional, transforma-da em filme por Anselmo Duarte em 1962, e em série da TV Globo, em 1988.

Zé carregou cruz pelo burro Nicolau

SAIBA MAIS assista a vídeos sobre os animais citados neste especial no site do almanaque.

Num jogo entre Botafogo e Madureira, vá-lido pelo Campeonato Carioca de 1948, um cachorro preto e branco invadiu o gramado. Como o Botafogo venceu a partida, o pre-sidente do clube, Carlito Rocha, exclamou: “Esse cachorro vai nos dar sorte! Ele tem as cores do Botafogo!”.

O supersticioso cartola adotou Biriba como mascote. O cachorrinho comparecia

a todos os jogos – chegaram a cortar um jogador da delegação para dar lugar a ele, que também tinha a função de fazer xixi na perna dos jogadores para inspirar os cra-ques botafoguenses.

Coincidência ou não, o time não perdeu mais naquela temporada e tornou-se cam-peão carioca após 13 anos. Até hoje Biriba é símbolo do clube da estrela solitária.

Para dar sorte, Biriba fazia xixi nos jogadores

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